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1 TEORIA POLÍTICA UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD Coleção Educação a Distância Série Livro-Texto Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil 2008 Dejalma Cremonese TEORIA POLÍTICA

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TEORIA POLÍTICAUNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG

COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD

Coleção Educação a Distância

Série Livro-Texto

Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil2008

Dejalma Cremonese

TEORIAPOLÍTICA

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TEORIA POLÍTICA

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2008, Editora UnijuíRua do Comércio, 136498700-000 - Ijuí - RS - BrasilFone: (0__55) 3332-0217Fax: (0__55) 3332-0216E-mail: [email protected]

Editor: Gilmar Antonio Bedin

Editor-adjunto: Joel Corso

Capa: Elias Ricardo Schüssler

Designer Educacional: Liane Dal Molin Wissmann

Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:

Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroestedo Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Catalogação na Publicação:Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

C915t Cremonese, Dejalma.

Teoria política / Dejalma Cremonese. – Ijuí : Ed. Unijuí,2008. – 220 p. – (Coleção educação a distância. Série li-vro-texto).

ISBN 978-85-7429-672-2

1. Política. 2. Estado. 3. Pensamento político. 4. Cida-dania. 5. Política brasileira. I. Título. II. Série.

CDU : 32 321

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TEORIA POLÍTICA

SumárioSumárioSumárioSumário

CONHECENDO O PROFESSOR ..................................................................................................7

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................9

UNIDADE 1 – O CONHECIMENTO É PRÓPRIO DO HOMEM ..........................................15

Seção 1.1 – O Homem, o Conhecimento e a Ideologia ............................................................15

1.1.1. O conhecimento empírico .............................................................................17

1.1.2. O homem da palavra sagrada .......................................................................18

1.1.3. O homem do pensamento mitológico ..........................................................18

1.1.4. O mito nosso de cada dia ..............................................................................19

1.1.5. O homem do pensamento filosófico.............................................................21

Seção 1.2 – Visões sociais de mundo ..........................................................................................22

1.2.1. A ideologia e a utopia ....................................................................................22

UNIDADE 2 – CONCEPÇÕES GERAIS SOBRE O ESTADO .................................................27

Seção 2.1 – Etimologia da palavra Estado ................................................................................27

Seção 2.2 – Diferentes entendimentos sobre o Estado .............................................................28

Seção 2.3 – Os elementos do Estado ..........................................................................................31

Seção 2.4 – O Estado e o poder ...................................................................................................35

Seção 2.5 – A função do Estado ..................................................................................................37

Seção 2.6 – Justificativas teóricas do Estado ............................................................................38

UNIDADE 3 – O PENSAMENTO POLÍTICO

DAS SOCIEDADES PRIMITIVAS E ORIENTAIS ........................................41

Seção 3.1 – O Estado primitivo ...................................................................................................41

Seção 3.2 – O Estado oriental .....................................................................................................43

3.2.1. Exemplos de teocracias orientais .................................................................48

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TEORIA POLÍTICA

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UNIDADE 4 – O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE GREGA .............................59

Seção 4.1 – Os gregos: precursores da política e da democracia ............................................59

4.1.1. A etimologia da palavra política ..................................................................61

4.1.2. A origem do conceito democracia ................................................................65

4.1.3. Uma democracia escravista ...........................................................................70

Seção 4.2 – A origem da Filosofia na Grécia .............................................................................73

4.2.1. A Filosofia é “filha” da pólis .........................................................................73

4.2.2. Os pré-socráticos ............................................................................................74

4.2.3. A contribuição dos sofistas na construção da política grega ..................76

4.2.4. O método socrático ........................................................................................78

4.2.5. Platão e a busca do Estado ideal .................................................................80

4.5.6. A cidade como realidade perfeita em Aristóteles .......................................83

UNIDADE 5 – O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE ROMANA .........................89

Seção 5.1 – A Política, o Direito e o Exército ............................................................................90

Seção 5.2 – Marco Túlio Cícero ..................................................................................................93

Seção 5.3 – Políbio .........................................................................................................................94

UNIDADE 6 – O PENSAMENTO POLÍTICO DA IDADE MÉDIA ........................................97

Seção 6.1 – O cristianismo primitivo ..........................................................................................98

Seção 6.2 – O fim do Império e a Idade Média ...................................................................... 100

Seção 6.3 – Santo Agostinho .................................................................................................... 102

Seção 6.4 – O fim do pensamento medieval e o início do Renascimento .......................... 104

UNIDADE 7 – MAQUIAVEL E O PENSAMENTO POLÍTICO RENASCENTISTA ........ 109

Seção 7.1 – Maquiavel: contexto histórico ............................................................................. 110

Seção 7.2 – Estrategista da arte da guerra ............................................................................. 113

Seção 7.3 – Fundador da Ciência Política Moderna ............................................................. 115

Seção 7.4 – A natureza humana ............................................................................................... 118

Seção 7.5 – A questão do Estado ............................................................................................. 121

Seção 7.6 – O estilo das obras de Maquiavel ......................................................................... 122

Seção 7.7 – Síntese das idéias de O Príncipe ......................................................................... 123

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TEORIA POLÍTICA

UNIDADE 8 – A DEFESA DAS IDÉIAS ABSOLUTISTAS .................................................. 127

Seção 8.1 – O Leviatã: o deus mortal de Thomas Hobbes .................................................... 127

UNIDADE 9 – A DEFESA DAS IDÉIAS LIBERAIS ............................................................. 141

Seção 9.1 – O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais ................................ 142

Seção 9.2 – O Estado democrático de Rousseau ................................................................... 147

Seção 9.3 – A democracia moderna: filha do Estado Liberal ............................................... 149

Seção 9.4 – A sociedade civil e o Estado ................................................................................. 152

Seção 9.5 – O direito à resistência: a tese de Hume.............................................................. 155

UNIDADE 10 – PARTICIPAÇÃO E INSTITUIÇÕES:

O Debate da Teoria Democrática Contemporânea .................................. 159

Seção 10.1 – Participacionistas e institucionalistas .............................................................. 159

Seção 10.2 – Participação na obra A Democracia na América de Aléxis de Tocqueville .... 162

UNIDADE 11 – A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL ...................... 169

Seção 11.1 – Brasil colonial: ausência de direitos e de poder público ................................ 171

11.1.1 A “conquista” da terra brasilis .............................................................. 171

11.1.2. A escravidão ............................................................................................ 172

11.1.3. O analfabetismo ..................................................................................... 175

Seção 11.2 – A Independência e a República no Brasil: participação incipiente ............. 176

11.2.1. Um Estado sem nação ........................................................................... 176

11.2.2. Uma República sem povo ...................................................................... 179

Seção 11.3 – Os vícios das instituições e da cultura política brasileira ............................. 180

Seção 11.4 – Os direitos sociais emergem quando os direitos civis e políticos fenecem .. 184

UNIDADE 12 – VICISSITUDES DA POLÍTICA BRASILEIRA ........................................... 189

Seção 12.1 – O caso Renan e a degeneração da política ..................................................... 189

Seção 12.2 – Maquiavel: o “Old Nick” anda solto! .............................................................. 191

Seção 12.3 – (In) fidelidade partidária .................................................................................... 192

Seção 12.4 – Reforma política: entraves e perspectivas ........................................................ 193

Seção 12.5 – Seria o fim do petismo? ....................................................................................... 195

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Seção 12.6 – O lulismo é maior que o petismo ....................................................................... 197

Seção 12.7 – Para que reforma agrária? .................................................................................. 199

Seção 12.8 – Os desafios da democracia na América Latina ............................................... 200

Seção 12.9 – Mais Estado e menos mercado .......................................................................... 202

Seção 12.10 – O caráter individualista e pouco solidário do brasileiro ............................. 204

Seção 12.11 – O Capital Social: um ingrediente a ser considerado ................................... 205

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 209

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TEORIA POLÍTICA

Sou Dejalma Cremonese, tenho 39 anos, nasci no dia 7 de

dezembro de 1968 no Centro-Serra do Rio Grande do Sul, mais

precisamente no município de Arroio do Tigre (a uma distância de

243 Km de Porto Alegre). Sou o décimo terceiro filho de uma famí-

lia de pequenos agricultores e realizei meus primeiros estudos (En-

sino Fundamental) em uma escola interiorana da rede pública

(1976-1983). A continuidade dos estudos só foi possível graças ao

meu ingresso no Seminário Diocesano de Santa Maria – RS, onde

concluí o Ensino Médio, mais o curso propedêutico (1984-1987).

Continuando os estudos, graduei-me em Filosofia (Licenciatura e

Bacharelado) pela Fafimc de Viamão – RS (1988-1990). Ao retornar

a Santa Maria, cursei ainda 2 anos do curso de Teologia (1991-

1992) no Seminário Máximo Palotino. Minha Pós-Graduação foi

em “Pesquisa Científica” (nível de Especialização) na FIC (1993-

1994). Logo após iniciei o Mestrado em Filosofia pela UFSM, o

qual concluí em 1997. Quase uma década depois, em 2006, con-

cluí o Doutorado em Ciência Política pela UFRGS. Minha atua-

ção profissional iniciou em 1994 como professor nas turmas

secundaristas do Colégio Sant’Anna, em Santa Maria. Como pro-

fessor universitário, lecionei no Ensino de Graduação da FIC (hoje

Unifra) em Santa Maria; também atuei como professor substituto

na UFSM no ano de 1995; fui professor da Universidade de Cruz

Alta (Unicruz) no período de 1997-2002. Desde 1998 exerço as

atividades acadêmicas na Universidade Regional do Noroeste do

Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Nesta Universidade, sou

professor Associado 1 (40 horas), atuando no Programa de Mestrado

em Desenvolvimento na Linha de Pesquisa: Direito, Cidadania e

Desenvolvimento. Atuo também no Departamento de Ciências

Sociais da mesma Universidade nos seguintes componentes

Conhecendo o professorConhecendo o professorConhecendo o professorConhecendo o professor

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TEORIA POLÍTICA

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curriculares: Ciência Política, Teoria Política, Teoria do Estado e

Sociedade, Política e Cultura. O meu eixo de pesquisa está centrado

nos temas da Democracia (teoria e processos democráticos), Cida-

dania (participação e inclusão social), Cultura Política (Capital

Social) e Desenvolvimento. Para maiores informações, disponibilizo

um site na Internet no seguinte endereço:

<www.capitalsocialsul.com.br>. Para contato direto informo o meu

endereço de e-mail: [email protected]

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TEORIA POLÍTICA

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

O homem é, por natureza, “um animal social e político” (zoon politikon). “Aquele que

não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou é

um bruto (selvagem)”, são afirmações atribuídas ao filósofo grego Aristóteles e encontram-

se na obra A Política (2002). Também é lapidar, neste sentido, a afirmação da filósofa Hannah

Arendt, constante na obra A condição humana (1995, p. 31), enaltecendo o caráter social e

político do homem: “Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida de um eremita em meio à

natureza selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a

presença de outros seres humanos”. Essas citações ressaltam que nenhum de nós é uma

ilha, que necessitamos e carecemos da presença do outro para a nossa realização e, mais

ainda, toda ação do homem depende, inexoravelmente, da presença de outros.

Seguindo o pensamento de Aristóteles, não basta a convivência em sociedade para

caracterizar nosso aspecto social e comunitário, pois desta forma também vivem as formigas

e as abelhas. O que, então, pode nos diferenciar dos outros seres do mundo? Aristóteles

aponta para a conotação racional do homem, a utilização peculiar do pensamento (logos)

para a construção e transmissão do conhecimento. Adverte o filósofo que “todos os homens

têm o desejo de saber”, pois só o homem conhece e tem consciência de si mesmo.1 Além do

aspecto racional, o homem diferencia-se dos demais seres pelo senso ético (bem e mal, certo

e errado), senso estético (culto ao belo) e, o mais importante de todos, por viver na cidade

(pólis), pela politicidade (vida cívica).

O homem foi feito, assim, para a vida da cidade (bios politikós, derivado de pólis, a

comunidade política), ou seja, o fim último do homem é viver na pólis, onde se realiza como

cidadão (politai), manifestando a sua natureza, o termo de um processo de constituição de

sua essência, a sua natureza. Então, é próprio do homem não apenas viver em sociedade,

mas viver na “politicidade”. A verdadeira vida humana deve almejar a organização política,

que é uma forma superior e até oposta à simples vida do convívio social da casa (oikia) ou de

comunidades mais complexas. A partir da compreensão da natureza do homem, determina-

1 Conferir Aristóteles (1969, I, 980a 1-2).

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TEORIA POLÍTICA

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dos aspectos da vida social adquirem um estatuto essencialmente político, tais como as

noções de governo, de dominação, de liberdade, de igualdade, do que é comum, do que é

próprio.

Por fim, é possível perceber que a reflexão de Aristóteles sobre a política não se separa

da ética, pois a vida individual está imbricada na vida comunitária; esta é a razão pela qual

os indivíduos se reúnem em cidades (e formam comunidades políticas), não apenas para

viverem em comum, mas para viver “bem” ou para a “boa vida”. O fim da cidade, portanto,

é não só assegurar aos cidadãos a vida e sua conservação (zein), mas o viver bem (euzein)

(Prélot, 1973, Livro 1, p. 135). Deste modo, a vida política destina-se a garantir a qualidade

e a perfeição da vida. Para que isso ocorra, é necessário que os cidadãos vivam o bem co-

mum, em conjunto ou por intermédio dos seus governantes. Se acontecer o contrário (a

busca apenas do interesse próprio), dá-se a degeneração do Estado.

Este livro-texto serve como uma introdução ao pensamento político ocidental. Preten-

de ser um apanhado sobre os pensadores clássicos da Filosofia e da Ciência Política. Expõe,

de forma sucinta, as teorias mais significativas sobre o tema em questão. Mesmo o leitor

com pouco contato com este componente curricular verificará que muitas discussões ocorri-

das, algumas há mais de dois mil anos, ainda contribuem muito para a compreensão da

sociedade e do mundo contemporâneo. Isso porque fazemos parte da cultura ocidental.

Carregamos, ainda, muito das civilizações passadas, principalmente dos gregos e romanos.

Sem contar a contribuição de mais de dois mil anos de religião cristã sobre nós. Conheça, a

seguir, um resumo sobre os assuntos que cada Unidade abordará.

A Unidade 1 trata da questão do homem e das diferentes formas de conhecimento:

conhecimento empírico, mítico e religioso e filosófico-científico. Este capítulo trata ainda

das visões sociais de mundo: ideologia e utopia. Trata-se de um apanhado das formas de

conhecimento humano e, ainda, da concepção clássica de ideologia e utopia. Optou-se por

abordar o tema ideologia neste capítulo para que se perceba que nos influenciamos por

nossos valores e outros interesses que, aparentemente, não fazem parte do objeto a ser co-

nhecido: interesses econômicos, políticos, etc. É um capítulo fundamental para a compreen-

são das idéias e temas dos próximos itens.

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TEORIA POLÍTICA

A Unidade 2 discorre sobre as concepções gerais do Estado. Neste capítulo você co-

nhecerá a etimologia do termo e dos diferentes entendimentos sobre o Estado: seus elemen-

tos, forma de poder, funções, além das relações de classes em seu interior. Há, também, uma

rápida exposição sobre os quatro paradigmas que justificam o Estado. O capítulo é uma

introdução às diversas teorias que justificam o Estado, dando ênfase à teoria contratualista,

pois seus autores serão estudados em capítulos posteriores.

Na terceira Unidade você conhecerá um pouco mais sobre a organização política das

sociedades primitivas. Ela começa abordando uma teoria sobre o Estado primitivo, logo a

seguir descreve o Estado oriental e o papel da teocracia, chegando às características do

poder do Estado antigo. Importante destacar que a fundamentação teórica deste capítulo

ampara-se, basicamente, nos argumentos das Lições sobre a Filosofia da História, do filósofo

alemão G. W. Friedrich Hegel.

A Unidade 4 trata do pensamento político da sociedade grega clássica. Nele você

estudará a etimologia do termo política, além de conhecer uma melhor elucidação do con-

ceito de democracia. Por exemplo, a “democracia escravista” dos gregos. Também será abor-

dada a origem da Filosofia: pré-socráticos, Sócrates e os sofistas, Platão e Aristóteles. Esta

Unidade deve ser bem compreendida para que se note a influência dessa civilização sobre o

pensamento ocidental e, também, como os gregos influenciaram os romanos, tema da uni-

dade seguinte.

A quinta unidade versa sobre o pensamento político da sociedade romana. Você des-

cobrirá que a idéia de que os romanos apenas assimilaram a cultura grega não se confirma.

Os romanos, por exemplo, deram grande contribuição ao Direito moderno e à política mo-

derna, por meio das teorias e idéias dos grandes pensadores. Você constatará ainda que com

o declínio do Império Romano o Ocidente vê surgir o cristianismo primitivo.

A Unidade 6 tem por objetivo analisar o pensamento político da Idade Média, e a

grande influência da Igreja neste período, em todos os setores da vida. Nesta Unidade você

conhecerá, também, um pouco do pensamento dos doutores da Igreja, principalmente San-

to Agostinho, e como o autor do livro Cidade de Deus e Cidade dos Homens aproveitou e

adaptou para o pensamento cristão a teoria de Platão. Por fim, você fará o estudo a respeito

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TEORIA POLÍTICA

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do pensamento cristão, que só perderá influência no século 15, com as pesquisas experi-

mentais, principalmente de Copérnico e Galileu, e conhecerá alguns pensadores do período

renascentista.

Na Unidade seguinte o tema é o pensamento político no período renascentista. Você

compreenderá por que este período foi denominado de Renascimento, o que os pensadores

da época buscavam e contra o que “se opuseram”. A Unidade também trata da teoria de um

dos maiores pensadores políticos da História: Maquiavel. É por meio dessa leitura que você

compreenderá por que a teoria política é dividida em antes e depois de Maquiavel. É impor-

tante lembrar que Maquiavel viveu num período de reunificação dos Estados, e a ele tam-

bém interessava a união da Itália, para que se tornasse um Estado forte.

A oitava Unidade aborda o Estado absolutista moderno. Basicamente é uma exposi-

ção sobre o maior teórico do Estado absolutista: Thomas Hobbes. A partir do estudo desta

unidade você terá condições de definir o que é o estado de natureza para este pensador, por

que Hobbes é um contratualista, qual a sua justificativa para o Estado. Hobbes viveu num

período conturbado da Inglaterra, e sua preocupação maior era com a melhor forma de

governo. O pensamento de Hobbes choca-se com a teoria liberal.

Na Unidade 9 você conhecerá os diferentes entendimentos sobre o liberalismo, quem

são seus maiores teóricos, quais as diferenças entre o pensamento de John Locke e de

Rousseau. Por que esses pensadores, à semelhança de Hobbes, são chamados de

contratualistas, o que significa o estado de natureza para esses pensadores e o que enten-

dem sobre sociedade civil. Note que o pensamento liberal é o que vai comandar a política

moderna. Até hoje esses autores são referências para o Estado moderno. É a partir desta

unidade que você perceberá a importância, por exemplo, do pensamento de Rousseau para

os debates sobre participação popular, democracia e cidadania.

A Unidade 10 analisa as diferenças entre duas escolas de pensamento, referentes à

democracia participativista e à democracia institucionalista. Você será apresentado aos

maiores defensores dessas duas escolas de pensamento e compreenderá por que esse tema

tem tanta relevância para os debates atuais em torno da melhor forma de democracia.

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TEORIA POLÍTICA

A Unidade 11 aborda inicialmente abordando o tema da cidadania em relação ao

nosso pais; como o tema da cidadania foi tratado nos diferentes períodos da história do

Brasil. É realizado um percurso histórico desde o Brasil Colônia, passando pela Independên-

cia e República até os dias atuais. Concluindo a Unidade você encontrará uma distinção

entre direitos civis e direitos sociais.

A última Unidade traz um olhar crítico da política brasileira atual. Você acompanhará

o quadro político brasileiro, os políticos de hoje e seus comportamentos perante o país. Te-

mas recorrentes, como ética na política, fidelidade partidária, reforma política, partidos, pre-

sidente da República, reforma agrária, serão abordados. Enfim, temas que não saem dos

noticiários. Assuntos que, pelo fato de estarmos habituados a eles – e, talvez, por isso mes-

mo, pelo hábito –, não damos a devida atenção.

Lembrando sempre que este livro serve de introdução ao tema da política ao tratar da

questão do Estado, da democracia e da cidadania. Para quem desejar aprofundar mais o

conhecimento a respeito destes temas, pode recorrer às referências bibliográficas disponíveis

na última parte deste livro. Que a leitura seja proveitosa não só para a formação acadêmica,

mas que contribua para todos que se interessam pelo tema da política: das origens ao deba-

te atual.

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1

O Homem, o Conhecimento e a Ideologia

Seção 1.1

O conhecimento é próprio do homem

Já Aristóteles (Metafísica, 1969, I, 980a 1-2) expressava que “todos os homens têm o

desejo natural de conhecer”, que é próprio do homem a descoberta, e a curiosidade sobre as

coisas faz com que o mesmo se realize no mundo. O homem, como ser-no-mundo, difere-se

dos demais animais e das coisas pelo seu aspecto pensante: conhece e tem consciência de si

mesmo. Ao pensar ele desoculta, desvela o sentido das coisas, se aproxima da essência, do

âmago, do ser das coisas. Além de conhecer, o homem tem a capacidade de criar e inovar,

por isso busca incansavelmente o novo, possibilitando o progresso com o avanço das ciências

e das novas tecnologias. Ontem, o homem vivia isolado nas cavernas, sofrendo as mais

variadas privações; hoje, vive organizado em sociedade, usufruindo comodidades, organiza-

do politicamente, criando e inovando tecnologias. E mais, avanços na aviação e na

informática fazem do homem um ser global: o mundo tornou-se uma pequena aldeia. Um

exemplo disso é a rede mundial de computadores (Internet), que possibilitou a aproximação

entre as pessoas das mais variadas partes do mundo.1

É notório também que, com o passar do tempo, o homem foi acumulando conhecimen-

to. Sabemos hoje muito mais do que os nossos antepassados sabiam graças ao espírito ino-

vador do homem e ao seu espírito de conquista. Se o homem pensa, cria o conhecimento,

quer dizer que é capaz de pensar por si mesmo, em síntese: que pode decidir o seu destino e

os rumos da humanidade.

1 Este primeiro capítulo foi inspirado nas aulas do saudoso professor doutor Dom Edmundo Luís Kunz, quando tive a oportunidade deconhecê-lo e ser seu aluno na Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição de Viamão (RS) (primeiro semestre de 1988). Foi a últimaturma a que Dom Edmundo ministrou suas aulas. Logo após veio a falecer, no dia 12 de setembro do mesmo ano. Conferir, igualmente,Kunz (1986).

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TEORIA POLÍTICA

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Pensar é buscar o âmago das coisas, é se apossar da essência

do objeto, do ser (aquilo que há de mais profundo). Para os filóso-

fos gregos o ser era denominado de logos,2 a alma das coisas, o

fundamento dos seres, o recolhimento do múltiplo na unidade.

Assim o homem desde o princípio se perguntou sobre as ori-

gens das coisas: de onde vem tudo e qual o elemento comum que

tudo constitui. Os gregos chamaram este princípio fundamental

de arché, princípio imperante de onde tudo nasce ou de que tudo

vem a ser.3 Nem sempre, contudo, foi assim, pois houve épocas

em que a busca da explicação para a origem das coisas não se

dava pela razão (logos). No princípio as explicações para as ques-

tões naturais (mundo) e existenciais da vida humana se davam

pelas idéias religiosas ou por narrativas mitológicas.

A passagem de um tipo de conhecimento para outro fez com

que a imagem do homem também passasse por transformações

(de uma mentalidade para outra). Essa mudança, entretanto, não

se deu de uma hora para outra. Longos foram os períodos de trans-

formações, e mais, sempre acompanhados por um processo inter-

mitente de profunda crise. É uma mentalidade da humanidade

(civilização) que termina e outra que começa a surgir. E, nesse

momento, surge a crise, isto é, quando o homem perde o funda-

mento sem ter ainda encontrado outro que o sustente. É nesse

momento de transição que a crise se estabelece e leva o homem a

se perguntar, assim como fez Santo Agostinho, logo após a que-

da do Império Romano: “Quid sum ego” (Quem sou eu)? Esta

questão leva o homem inexoravelmente a um novo paradigma,

um novo ser cheio de esperanças, pronto a consolidar uma nova

mentalidade, uma nova civilização.

Âmago

filosoficamente falando, estáligado à essência, ao ser das

coisas.

2 Conferir o trabalho de Abbagnano (2003, p. 630).

3 Conferir a obra clássica de Gaarder (1995, p. 45-60).

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TEORIA POLÍTICA

A seguir vamos estudar algumas dessas teorias e como elas se constituem.

1.1.1. O CONHECIMENTO EMPÍRICO

Sabemos que o conhecimento segue uma escada de diferentes degraus. O primeiro

deles chama-se conhecimento empírico ou, também, conhecimento ordinário. Essa forma de

conhecimento é proporcionada pela experiência ou o contato imediato de nossos sentidos

(audição, visão, percepção) com os seres individuais da realidade do mundo, contato esse

percebido e firmado pelo juízo e pela linguagem. Em síntese, o conhecimento empírico é

aquele adquirido pelos indivíduos no dia-a-dia. É o acúmulo de conhecimentos adquiridos

pelas práticas da vida, pela experiência da vida.

Por milhares de anos o ser humano se pautou por essa forma de conhecimento. O

homem de outrora carecia de informações mais apuradas (conhecimento filosófico ou cien-

tífico), por isso recorria à experiência dos mais velhos para solucionar questões de ordem

natural ou existencial. Dentro da comunidade os homens mais velhos detinham o saber,

sendo por isso mesmo respeitados e valorizados. Por essa razão hoje costumamos dizer: “vi-

vendo e aprendendo”, “Fulano ou Beltrano é um homem de experiência”, “a experiência é a

mestra da vida”, o que caracteriza esta forma de conhecimento.

O conhecimento empírico apresenta algumas características que lhe são próprias. Ini-

cialmente, é um conhecimento acima de tudo pragmático: brota das necessidades e dos inte-

resses da vida; conhecemos aquilo de que temos necessidade para viver: conhecer para viver

e não conhecer por conhecer. Segundo, é um conhecimento individual – não universal – que

vale rigorosamente só para casos vividos. Por exemplo: se uma determinada erva “curou” as

dores de fígado ou estômago de Maria ou Pedro, não significa que os resultados sejam alcan-

çados de maneira geral e universal e possam curar os males hepáticos e estomacais de toda a

humanidade. Terceiro, é um conhecimento trazido pela vida e não buscado intencionalmen-

te, como o conhecimento científico; por isso, é um conhecimento alógico, ametódico,

desordenado, assistemático e acrítico. Por fim, pode-se afirmar que o conhecimento empírico

fundamenta-se no senso comum, que consiste na apreensão de certos princípios e verdades

por todos que possuem uma natureza racional normal, pois brota espontaneamente da natu-

reza de todos os homens: são princípios ou verdades “sentidos” como evidentes.

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TEORIA POLÍTICA

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1.1.2. O HOMEM DA PALAVRA SAGRADA

O mistério sempre cercou o homem e o conhecimento empírico (da experiência da vida)

não conseguiu responder às questões ligadas à origem e ao destino das coisas e da humani-

dade. A grande questão era: qual é o sentido da vida humana e da natureza? É assim que

surge o homem da palavra sagrada (homem religioso), aquele que recorre ao sobrenatural

para explicar os fatos da vida, do cotidiano. No decorrer da História, a religião sempre teve

um papel fundamental, pois ditou regras morais, estabeleceu juízos de valor (bem e mal),

“salvou” e “condenou” os hereges, enfim, foi capaz de determinar o caminho a ser seguido,

segundo os critérios das elites hierárquicas de cada instituição religiosa. Foi assim nas soci-

edades primitivas com o comando dos sacerdotes (xamãs), da mesma forma nas sociedades

teocráticas orientais (povos da Babilônia), no Egito e no povo hebreu. O panteísmo

antropomórfico dos gregos e romanos (deuses imortais) não deixava de influenciar e interfe-

rir diretamente na vida dos homens (considerados mortais). Por fim, a Igreja Católica Apostó-

lica Romana (cristianismo), bem como outras grandes religiões do mundo (hinduísmo,

maoísmo, islamismo) cumprem fielmente a conotação da dominação e controle das mentes e

corações de boa parte dos seres humanos. Diante disso questiona-se: Poderia o homem pres-

cindir do aspecto sagrado? A fé advém do temor (medo)? Como podemos explicar tais fatos?

1.1.3. O HOMEM DO PENSAMENTO MITOLÓGICO

O mito não é apenas uma história fantasiosa, ou uma narração fictícia. O mito pode

consistir em uma história que traz consigo um fundo de verdade, uma mensagem. Quase

sempre é imbuída de um princípio de valor de cunho ético, cujo objetivo é reger e manter

uma comunidade unida e organizada. O mito, nesse sentido, é buscado pela reflexão, para

chegar ao conhecimento.4 Platão empregou esse recurso na célebre passagem da República,

na alegoria da caverna, na qual o referido filósofo fez uma clara distinção entre o mundo

sensível (mundo real) e o mundo inteligível (mundo ideal). Os gregos por muito tempo se

utilizaram da prerrogativa mitológica, os mais eminentes dramaturgos foram Sófocles e

Eurípedes, que escreveram Édipo rei, Sísifo, Prometeu acorrentado, entre outros.

4 Para um estudo mais aprofundado sobre o mito ver Vernant (1973).

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TEORIA POLÍTICA

1.1.4. O MITO NOSSO DE CADA DIA

O mito é histórico.5 Resultado de uma criação coletiva da

própria sociedade, os homens, desde os primórdios, o têm utiliza-

do para explicar o enigmático, o desconhecido. O mito serviu e

ainda serve para abrandar e acalmar os temores da existência

humana. Ele traz consigo uma resposta e, também, uma espe-

rança para os problemas da vida. Pode, no entanto, conduzir,

ditar valores e comportamentos em uma sociedade. Assim, o mito

não é mera ilusão ou fantasia, ele precisa ser examinado, desafi-

ado e refletido. Só a reflexão pode explicar o mundo e entender a

vida. Caso contrário, crenças e estereótipos, costumes e hábitos

passarão a ser considerados naturais, aceitos e justificados como

algo imutável ou incontestável.

Como veremos nos capítulos posteriores, a modernidade

emergiu da superação do mito religioso medieval (razão teológi-

ca) para o mito da razão instrumental. A razão desvelou e trans-

formou o mundo. O homem passou da “idade das trevas” para a

“idade das luzes”, do pensamento único para o pensamento di-

verso, plural e múltiplo. A razão impulsionou o pensamento ci-

entífico e, este, a técnica e o progresso.

O homem moderno acreditou que a ciência poderia resol-

ver todos os problemas da humanidade. Tornou-se um mito a

salvação pela ciência e pela tecnologia.6 A promessa, entretan-

to, não pôde ser cumprida. O certo é que as conquistas moder-

nas passam, em nossos dias, por um esgotamento e uma crise

acentuada. O conceito de progresso passa a ser questionado na

medida em que, por um lado, avançamos, e, por outro, pagamos

O Mito da Caverna, de Platão,também chamado de Alegoriada Caverna, é uma parábolaescrita pelo filósofo Platão, eencontra-se na obra intituladaA República (livro VII). Trata-se da exemplificação de comopodemos nos libertar dacondição de escuridão que nosaprisiona através da luz daverdade”.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Mito_da_caverna>.Acesso em: 10 jan. 2008.

Dramaturgos

Autores de peças de teatro;dramatista (D. Houaiss)

Édipo Rei

Édipo rei, Sísifo, PrometeuAcorrentado: todos sãopersonagens que integram amitologia grega.

5 Ver o trabalho de Campbell (1990).

6 Conferir Horkheimer (1976).

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TEORIA POLÍTICA

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um alto preço pelo consumo de boa parte dos recursos minerais e naturais, além da degra-

dação do meio ambiente. Vive-se como se esta fosse a última geração a habitar o planeta

Terra. O progresso fugiu do controle. A ciência que emancipou o homem pode destruí-lo a

qualquer momento, o perigo nuclear é iminente. Além disso, o progresso veio para uma

pequena parcela da população na medida em que cresce, a cada dia, o abismo entre ricos

e pobres.

O mundo tornou-se uma “aldeia global” (comunidade única), graças às novas

tecnologias da informática (Gonçalves; Gonçalves, 1995), no entanto os homens vêem-se

cada vez mais isolados, fragmentados, órfãos de esperanças. Não se tem um projeto de “co-

munidade” (projetos comuns). Vive-se, literalmente, em uma sociedade sem consenso. As

soluções tendem a ser individualizadas (pessoas, instituições, países), como se o problema

também fosse localizado e particularizado. Prevalece o individual em detrimento do coleti-

vo. Com o ceticismo em relação à ciência e ao progresso, o homem pós-moderno procura

preencher o vazio com novos mitos.

Apesar de todo o avanço dos últimos séculos, vê-se aumentar a angústia, a ansiedade

e a insegurança, juntamente com inúmeras perguntas que carecem de respostas convincen-

tes. Ninguém pode fugir do peso da própria existência humana. Para tentar preencher este

vazio surge, a cada dia, uma nova droga, uma nova crença, seita religiosa, ou uma nova

terapia que promete a “salvação” ou “solução” dos problemas espirituais e existenciais de

uma forma rápida e segura.

Nunca as clínicas médicas de cirurgia plástica tiveram tanta procura. Lutando contra

a natureza, ou contra a lei da gravidade, milhares de pessoas estão na lista de espera por

uma cirurgia que as faça sentir melhor (mais jovens), ou parecer com aquela modelo ou atriz

famosa. Se os meus heróis são belos, tenho de parecer com eles, por isso a padronização de

narizes, seios e bumbuns. O ser da pessoa foi substituído pelo “aparecer”, pois a “imagem é

tudo”. Por isso, “todos para a academia”. Não para formar e moldar o cérebro e a razão,

como faziam os gregos (embora também cultuassem o corpo belo), mas para malhar e mol-

dar os músculos. O que importa é a massa muscular, um corpo turbinado em detrimento dos

neurônios.

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TEORIA POLÍTICA

Ao comprar objetos e bens supérfluos, espera-se comprar a própria felicidade. Precisa-

mos de uma nova roupa, um novo carro, uma nova casa. Quando não podemos consumir

nos sentimos fracassados e inúteis. Paga-se caro pelo lazer, mas sem jamais descansar. O

que importa é o hedonismo (prazer a qualquer custo), curtir a vida o máximo possível, pois

só temos o “hoje”, o amanhã é uma incógnita.7

Urge, então, a construção de um novo paradigma que restabeleça as relações entre os

homens, com a natureza e com o próprio universo. Não uma razão mitológica, nem mesmo

uma razão instrumental individualizada. É possível uma nova razão que se possa definir

para além dos mitos e da instrumentalidade? O desafio está lançado.

1.1.5. O HOMEM DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Como vimos nas seções anteriores, no princípio a humanidade se amparou no conhe-

cimento mitológico para explicar as origens das coisas. Aos poucos, no entanto, o homem

evoluiu e com ele o nível de conhecimento: do conhecimento empírico para o conhecimento

da palavra sagrada, juntamente com o conhecimento mitológico. Mais tarde surge o ho-

mem do conhecimento filosófico que conheceremos agora, aquele que procura explicar os

fatos com argumentos lógicos, utilizando a razão como princípio fundamental, procurando

desvelar o ser alethéia (desocultação – desvelamento). Foi o filósofo grego Tales de Mileto

quem primeiro buscou elementos racionais para explicar a realidade cósmica. Tales, assim

como Pitágoras, Anaxímines, Anaximandro, integram o grupo de filósofos denominados de

pré-socráticos, que procuravam explicar questões cosmológicas a partir dos elementos da

natureza (água, fogo, ar, átomo).8

Surge, deste modo, o homem do pensamento filosófico, com características diferencia-

das dos demais tipos de conhecimento. O homem racional (filosófico) tem, primeiro, uma

visão da realidade a partir de si mesmo (autônoma), desvinculada do conhecimento trans-

7 “Vivemos presos ao imediato. À medida que o homem mais desconhece a razão de ser de sua vida, tanto mais ele se agarra às pequeninascoisas do cotidiano. Tanto menos ele conhece o sentido de sua vida, e mais é tomado de uma angústia e paixão, que deixam a impressãode uma pressa de chegar sem que ele saiba onde” (Mendonça, 1991, p. 17).

8 Conferir Barnes (1997) e Os Pensadores (1999).

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TEORIA POLÍTICA

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mitido pela tradição e baseada nas crenças e mitos; segundo, um

conhecimento que desoculta, desvela, busca a essência (arché);

terceiro, uma visão de totalidade (não parcial) que atinge a todos

os homens e não a alguns em particular. Ou é uma verdade uni-

versal ou não é verdade (assim pensavam e se defendiam do

relativismo dos sofistas). O debate do conhecimento filosófico se

fará presente nos capítulos subseqüentes deste trabalho. Por ora,

ainda é pertinente discutir dois temas que integram as visões so-

ciais de mundo dos nossos tempos: a questão da ideologia e da

utopia.

Seção 1.2

Visões sociais de mundo

1.2.1. A IDEOLOGIA E A UTOPIA

De compreensão diversa e muitas vezes arbitrária e comple-

xa, a palavra ideologia foi literalmente inventada por Destutt de

Tracy em (1801) na obra Eléments d’Idéologie (Elementos de ideo-

logia), e definida como “o estudo científico das idéias e as idéias

são o resultado da interação entre o organismo vivo e a nature-

za, o meio ambiente”, ou seja, uma parte da zoologia. Essa pri-

meira definição foi classificada como empirista e científico-natu-

ralista, isto é, positivista (Apud Löwy, 1998, p. 10).

Mais tarde o filósofo Karl Marx, na obra A ideologia alemã

(1846), retoma o termo, definindo-o, em sentido pejorativo, como

“ilusão ou falsa consciência”, correspondendo a interesses de clas-

se. A ideologia se constitui, assim, como processo de inversão

Sofistas

Na Grécia Clássica (século 4º a.C.) existiam mestres itinerantes

que ensinavam a arte daoratória (persuasão) aos filhos

dos atenienses, ou seja, astáticas de como vencer os seus

oponentes nos debatespúblicos.

Zoologia

A zoologia (proveniente dogrego Æþï, zoon “animal”, e

logos “estudo”) é a ciência queestuda os animais.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/

Zoologia>.Acesso em: 10 jan. 2008.

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TEORIA POLÍTICA

que apresenta o imaginário como se fosse um ente real, num pro-

cesso de coisificação do ser humano. A “falsa consciência” é a

estrutura reificada da qual se sobressai o pensamento burguês.

O proletariado é contaminado por elementos da consciência bur-

guesa reificada, tal como se evidencia em sua separação entre

luta econômica e luta política (Apud McDonough, 1983, p. 53).

É necessário, portanto, ultrapassar a falsa consciência para che-

gar à consciência de classe.9 O difícil é “matar” o pequeno bur-

guês que existe dentro de cada trabalhador, dentro de cada um

de nós.

Ainda para Marx, “as idéias da classe dominante são em

todas as épocas as idéias dominantes, isto é, a classe que é a

força material dominante da sociedade é ao mesmo tempo a força

ideológica dominante” (Apud Hall, 1983, p. 64).

Na tradição da herança marxista, a ideologia designa o

conjunto de concepções de mundo ligadas às classes sociais: “luta

ideológica”, “ideologia revolucionária”, “formação ideológica”

são exemplos de entendimento dos significados de ideologia. Por

exemplo, para Lenin a ideologia estava vinculada aos interesses

de classe, seja ela burguesa ou proletária (Löwy, 1998, p. 10).

Já para Gramsci a ideologia pode ser reduzida a “concep-

ções de vida”, filosofias, concepções de mundo, sistemas de pen-

samento, formas de consciência e senso comum. Para o filósofo

italiano a função da ideologia é aglutinar as classes: “A ideolo-

gia contribui para ‘cimentar e unificar ’ o bloco social”. A ideo-

logia é vista principalmente como “cimento” que aglutina a es-

trutura (na qual a luta de classes tem lugar) e o domínio das

superestruturas complexas (Hall, 1983, p. 71). Em outras pala-

9 A ideologia no sentido pejorativo esteve sempre ligada às idéias de que serviria para obscurecer a verdade e manipular as pessoas por meiodo engano. Neste sentido, a ideologia quase sempre leva à defesa do status quo (Outhwaite, W.; Bottomore, T., 1996, p. 371).

Processo de coisificação

O quarto aspecto da alienaçãodo trabalho estudado porMarx. Quando há uma inversãode valores e os seres humanospassam a se tornar coisas/instrumentos, servindo apenaspara produzir objetos nosistema capitalista.

Superestruturas complexas

Conceito marxista. Donos dosmeios de produção (terra,indústria), donos do podereconômico.

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TEORIA POLÍTICA

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vras, a ideologia, segundo Gramsci, é a acumulação de “conhecimentos” populares e as

maneiras de ocupar-se com a vida cotidiana – o que ele chama de “senso comum” (Hall,

1983, p. 65).

Na concepção de Althusser (1987), outro pensador marxista, a ideologia está

institucionalizada em aparelhos que servem diretamente aos interesses da classe dominante

e da supremacia do Estado capitalista, os quais o autor chamou de Aparelhos Ideológicos de

Estado (AIE). Esses aparelhos ou instituições se utilizam das idéias e da persuasão (arte do

convencimento ou da famosa “cantada”) para alcançar os seus objetivos, isto é, produzir o

consenso e o entendimento entre as classes sociais e legitimar a ordem existente. Podemos

citar muitas instituições que são encarregadas pelo sistema de reproduzir as idéias domi-

nantes, entre elas a família (hierarquia e disciplina); a escola (elitismo, individualismo e

competição); a universidade (visão mercadológica do saber); os meios de comunicação soci-

ais (MCS), dentre os quais a televisão, o rádio, o jornal, as revistas (a propaganda, o consu-

mo, o supérfluo, o culto à imagem, a sociedade do espetáculo, o efêmero, a mediocridade, a

futilidade, o descartável; a religião: distorção do real e aprisionamento das mentes; o Direi-

to: os tribunais, os sindicatos.). Além dos recursos da persuasão, Aparelhos Ideológicos de

Estado (AIE), o poder dominante detém, ainda, o poder da coerção, da força e da violência.

Essas instituições são chamadas de Aparelhos Repressivos de Estado (ARE), prestando, com

seu aparato logístico e bélico, todo apoio necessário em caso de convulsão social. Pode-se

citar as Forças Armadas (Exército, Marinha, Aeronáutica), bem como os diferentes tipos de

polícia que existem para defender a propriedade privada ou os interesses dos poderosos ca-

pitalistas.

Na obra Ideologia e utopia (1956) Mannheim segue a concepção de ideologia de for-

ma semelhante à de Lenin, porém o autor restringe o conceito definindo como “os sistemas

de representação que se orientam na direção da estabilização e da reprodução da ordem

vigente”. Em outras palavras, para ele, a ideologia é o conjunto das concepções, idéias,

representações, teorias, que se orientam para a estabilização, legitimação ou ainda repro-

dução da ordem estabelecida. Ou seja, são todas aquelas doutrinas que têm certo caráter

conservador no sentido amplo da palavra. Que consciente, inconsciente, voluntária ou

involuntariamente servem à manutenção da ordem estabelecida.

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TEORIA POLÍTICA

Diferentemente da ideologia, Mannheim entende utopia como aquela que define as

representações, aspirações e imagens-de-desejo que se orientam na direção da ruptura da

ordem estabelecida e que exercem uma função subversiva (apud Löwy, 1998, p. 11).

Michael Löwy, na obra Ideologias e Ciências Sociais, assim diferencia as visões sociais

de mundo:

Para Bourdieu, as diferentes classes sociais estão envolvidas numa luta propriamente

simbólica para imporem a definição do mundo social conforme os seus interesses... As ideo-

logias (...), produto coletivo e coletivamente apropriado, servem a interesses universais, co-

muns ao conjunto do grupo (apud Corrêa, 1999, p. 28).

Pode-se dizer que a ideologia é o instrumento de manipulação das massas populares,

objetivando a manutenção da ordem social vigente e que defende os interesses particulares

de grupos e classes dominantes. Ou seja, a ideologia é a ocultação da realidade, ou, como

destaca Warrat (apud Corrêa, 1999, p. 29), a ideologia é a coerção da persuasão.

Por fim, a palavra utopia vem da etimologia grega topos = lugar + eu/ou (em parte

alguma – espaço que não existe). Sem lugar, lugar inexistente, ainda não existente, mas

que pode vir a existir. Um exemplo de utopia é a obra de Thomas Morus intitulada A Utopia

(1516). Mais tarde, nos séculos 18 e 19 surgem outros filósofos utópicos: Charles Fourier,

Saint-Simon, Etiénne Cabet. No século 20, para Mannheim e Bloch, a utopia passa a ser

Visões sociais de

mundo

Utópicas Ideológicas

Quando têm uma função crítica, negativa, subversiva, quando apontam para uma realidade ainda não existente (Löwy, apud Corrêa, 1999, p. 23).

Quando legitimam, justificam, defendem e mantêm a ordem social do mundo.

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TEORIA POLÍTICA

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vista como forças subversivas e transformadoras da ordem histó-

rico-social existente (apud Corrêa, 1999, p. 30). Podemos citar

ainda os nomes de Bloch: O princípio da Esperança (Sonhos diur-

nos) e Huxley: Admirável Mundo Novo como exemplo de pensa-

dores utópicos. Para Löwy e Herkennhoff, a utopia é a represen-

tação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se o

homem lutar para a sua concretização. Nesse sentido, a utopia é

o grande motor das revoluções.

As seções desta Unidade discorreram sobre as diferentes for-

mas de conhecimento e as visões sociais de mundo. O importan-

te, ao concluir este estudo, é perceber como os valores e interes-

ses desempenham funções-chave no ato de conhecer. Não esque-

ça que é de fundamental importância a assimilação deste con-

teúdo para a compreensão das Unidades subseqüentes.

Para você aprofundar seusestudos e entendimento sobre

“utopia” não deixe de leralguns clássicos sobre o tema:

Os Pensadores (1999),especialmente o capítuloUtopia: a arte de cultivar

sonhos?

A Utopia,

de Thomas Morus (1516).

O princípio da Esperança

(Sonhos diurnos),de Bloch.

Admirável Mundo Novo,

de Huxley.

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TEORIA POLÍTICA

Concepções Gerais Sobre o Estado

Seção 2.1

Etimologia da palavra Estado

De pólis advém o conceito de política, que é a ciência/arte de

governar a cidade. Para os romanos, a civitas ou res pública é cha-

mada de status, que significa situação ou condição. E é na

modernidade que o Estado surgirá como instituição, tal como o

conhecemos atualmente. Assim como encontraremos diversas grafias

para a palavra (em francês Estado será État, Staat para o alemão,

Stato para o italiano e Estado para o espanhol e para o português),

também seu significado sofre alterações ao longo da História.

A definição etimológica de Estado feita por Dallari (1995,

p. 43) é que a palavra tem origem latina, status, que significa

estar firme, denotando situação permanente de convivência e li-

gada à sociedade política, aparecendo pela primeira vez em O

Príncipe, de Maquiavel, escrito em 1513. O conceito de Estado,

portanto, na forma que entendemos hoje, é recente, uma defini-

ção moderna. Nem sempre o Estado, do modo que o conhecemos

hoje, existiu. Foi apenas no início da Idade Moderna (séculos

16-17) que ele se tornou uma realidade. França, Inglaterra,

Espanha e Portugal foram os primeiros Estados a se unificarem.1

Unidade 2Unidade 2Unidade 2Unidade 2

Etimologia

Estudo das origens daspalavras. É a parte da gramáti-ca que trata da história ouorigem das palavras e daexplicação do significado depalavras por meio da análisedos elementos que asconstituem. Ou ainda, dito deoutra forma, é o estudo dacomposição dos vocábulos edas regras de sua evoluçãohistórica.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Etimologia>.Acesso em: 10 jan. 2008.

1 Segundo Schwartzman (1970), Portugal em 1600 já era Estado absoluto.

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TEORIA POLÍTICA

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Maquiavel, na obra O Príncipe (1513), inicia a discussão teórica

sobre o Estado: “Todos os Estados, todos os governos que tive-

ram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas

ou principados”.2 Isso não significa, entretanto, que antes da for-

mação do Estado moderno não existissem outras formas de go-

verno e de poder. A partir das seções seguintes conheceremos mais

sobre o assunto.

Seção 2.2

Diferentes entendimentos sobre o Estado

Entende-se o Estado como sendo um corpo de pessoas (uni-

do por laços sociais) vivendo em um determinado território, orga-

nizado politicamente, estando subordinado à autoridade de um

governo (poder jurídico e de coerção), capaz de garantir a sobe-

rania e o bem comum.

Para Azambuja (1971), o Estado é uma sociedade que se

constitui essencialmente de um grupo de indivíduos unidos e or-

ganizados, permanentemente, para atingir um objetivo comum.

Essa sociedade política é determinada por normas de Direito po-

sitivo, é hierarquizada na forma de governantes e governados e

tem como finalidade o bem público.

Esse Estado emerge na tentativa de superar o instinto na-

tural do homem e instituir definitivamente a sociedade política.

Na visão de Azambuja, o instinto social leva ao Estado, que a

2 Conferir a obra O Príncipe, de Maquiavel (1983), principalmente o Capítulo 1 De quantas espécies são os principados e de que modosse adquirem.

Direito Positivo

Entende-se por Direito Positivoo conjunto de normas

estatuídas oficialmente peloEstado (por meio das leis), oureconhecidas pelas pessoas

mediante os costumes. DireitoPositivo é o ordenamento

jurídico em vigor em determi-nado país e em determinada

época; é o Direito posto.Direito Positivo é apenas anorma legal emanada do

Estado; divide-se em nacionale internacional.

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TEORIA POLÍTICA

razão e a vontade criam e organizam (1971, p. 3).3 O Estado, então, é uma criação artificial

do homem. O homem, desde seu nascimento, encontra-se submetido à tutela do Estado.

Mesmo contra a sua própria vontade o homem é obrigado a seguir os ditames do Estado,

razão pela qual “da tutela do Estado o homem não se emancipa jamais” (p. 3). Se eventual-

mente o homem transgredir as normas do Estado, ou não acatá-las, sofrerá as sanções de tal

procedimento. O Estado impõe pesados impostos, obriga ao serviço militar (sacrificar a vida

em uma guerra, “morrer pela pátria”), impõe a lei mesmo contra a vontade dos cidadãos: “O

Estado aparece, assim, aos indivíduos e à sociedade, como um poder de mando, como gover-

no e dominação. O aspecto coativo e a generalidade é que distinguem as normas por ele

editadas, suas decisões obrigam a todos os que habitam o seu território” (p. 5). Por fim,

Azambuja sintetiza a sua noção de Estado como “a organização político-jurídica de uma

sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado”.

Os termos nação e Estado também são tratados por Euzébio Queiroz Lima (1957).

Para este autor o “Estado é uma nação organizada”. O referido autor, ao iniciar sua obra,

começa pela definição do termo nação, entendendo-o como um conceito vasto e como a

mais complexa das formas por que as sociedades humanas se apresentam (1957, p. 2). O

que antecede a nação é uma ordem civil, não existe nacionalidade onde não existir

ordenamento civil. O conceito de nacionalidade, em Queiroz, fica subentendido nos con-

ceitos apresentados pelo mesmo nas afirmações de outros escritores. Assim, Queiroz Lima

cita H. Hauriou, que define o termo nação “como uma população fixada no solo, na qual

um laço de parentesco espiritual desenvolve o pensamento da unidade do grupamento”.

Cita, igualmente, o conceito de nação segundo o entendimento de Jellinek: “quando um

grande número de homens adquire a consciência de que existe entre eles um conjunto de

elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhe são próprios (...). O conceito de

nação é essencialmente subjetivo, é resultante de um certo estado de consciência” (1957, p. 4).

O conceito de Estado, em Queiroz Lima, está ligado diretamente com a organização

política, em que as condições físicas, biológicas, psicológicas, econômicas, intelectuais, morais

e jurídicas giram em torno de um governo que administra sob o poder de coação, de uma

autoridade que provém do uso incontido da força. Queiroz Lima entende que o Estado está

igualmente ligado ao Direito, ou melhor, o Estado está a serviço do Direito.

3 “Assim, a causa primária da sociedade política reside na natureza humana, racional e perfectível” (Azambuja, 1971, p. 3).

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Outro autor a definir o Estado é Sahid Maluf (1995). Para

eles, não existe uma definição única de Estado. Há vários auto-

res que tratam do tema, cada um com uma concepção ou doutri-

na diferente. Segundo Maluf, o “Estado é o órgão executor da

soberania nacional (...) O Estado é apenas uma instituição naci-

onal, um meio destinado à realização dos fins da comunidade

nacional...” (1995, p. 11). Ainda conforme Maluf (p. 19-22), o

Estado é entendido ainda como a sociedade política necessária,

dotada de um governo soberano, a exercer seu poder sobre uma

população, dentro de um território bem definido, onde cria, exe-

cuta e aplica seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum.

Já para José Geraldo Filomeno (1997), o Estado é um tipo

especial de sociedade, sendo fundamental analisá-lo nos aspec-

tos sociológico, político e jurídico. Com vistas a explicar sua ori-

gem, estrutura, evolução, fundamentos e fins, explicita: “o Esta-

do é um ser social e, portanto único, embora complexo e não

simples, em atenção aos diversos aspectos que apresente: método

científico, método filosófico, método histórico e método jurídico”

(Perez apud Filomeno, 1997, p. 17). O Estado deve estar a servi-

ço do homem: o Estado “é mero instrumento para a realização do

homem, tendo em vista sua fragilidade e impossibilidade de bas-

tar-se a si mesmo” (p. 18).

Aderson Menezes (1996) ensina que o Estado é uma socie-

dade de homens, fixada em território próprio e submetida a um

governo que lhe é originário: “O Estado é uma pessoa politica-

mente organizada da nação em um país determinado”.

Michael Mann (1992, p. 167) define o Estado como sendo

constituído de quatro elementos fundamentais: o Estado é um

conjunto diferenciado de instituições e funcionários, expressan-

do centralidade, no sentido de que as relações políticas se irradiam

Michael Thomas Mann

Cineasta estadunidense,nasceu na cidade de Chicago,Illinois, no dia 5 de fevereirode 1943. Costuma operar ele

próprio a câmera na fotografiade seus filmes.

Imagem disponível em:<http://www.adorocinema.com.br/

personalidades/diretores/michael-mann/corpo.asp>.Acesso em: 10 jan. 2008.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/

Michael_Mann>.Acesso em: 10 jan. 2008.

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TEORIA POLÍTICA

de um centro para cobrir uma área demarcada territorialmente,

sobre a qual ele exerce o monopólio do estabelecimento de leis

autoritariamente obrigatórias, sustentado pelo monopólio dos mei-

os de violência física. Tal posição encontra sustentação a partir

de uma visão mista, a qual foi referida originalmente por Max

Weber. Parte-se do princípio de que o Estado é um conjunto de

instituições decorrentes do desenvolvimento de desigualdades

sociais quanto ao exercício do poder de decisão e mando. É clas-

sicamente identificado com a idéia de soberano.

A idéia de Estado advém do desenvolvimento das formas de

governo como resultante das diversas maneiras de dividir o poder

entre governantes e governados. O Estado é um conjunto de insti-

tuições especializadas em expressar um dado equilíbrio e uma

condensação de forças favoráveis a um grupo e/ou uma classe soci-

al. Ele assegura a unidade de qualquer sociedade dividida em inte-

resses, particularmente de classes, mas também estamentais, pois

garante o monopólio (centralizado ou descentralizado) do uso da

força nas mãos do grupo, da classe ou do estamento dominante.

Para que o Estado funcione como tal, no entanto, é neces-

sário um conjunto de elementos que lhe dê sustentação, os quais

estudaremos na próxima seção.

Seção 2.3

Os elementos do Estado

Fazem parte do Estado, segundo a concepção de Azambuja

(1971), três elementos fundamentais: uma população, um territó-

rio e um governo independente, ou quase, dos demais Estados.

Estamentais

Conceito ligado ao Estadoentendido como poder político.

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Cada elemento é essencial, “não pode existir Estado sem um de-

les” (p. 18). Da mesma forma Azambuja define os conceitos povo

e nação como sendo integrantes da população de um Estado.

Povo é, segundo o autor, o grupo humano encarado na sua

integralidade, numa ordem estatal determinada, é o conjunto de

indivíduos sujeitos às mesmas leis. O elemento humano do Esta-

do é sempre um povo, ainda que com ideais e aspirações diferen-

tes. Já o conceito de nação é entendido como “indivíduos que se

sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e,

principalmente, por ideais e aspirações comuns” (p. 19). O povo

é uma entidade jurídica, nação é uma entidade moral, é uma co-

munidade de consciências unidas por um sentimento comum. O

patriotismo é citado por Azambuja como exemplo. Os conceitos

de raça, língua e religião são conceitos coadjuvantes, não cons-

tituem a característica fundamental da nação, mas o que une um

povo até constituir uma nação é a identidade de História e de

tradição, em que o passado comum é condição indispensável para

a formação nacional (p. 22).

Mancini, professor de Direito Internacional de Turim, em

1851, conceituou o termo nação da seguinte forma: “Nação é

uma sociedade natural de um homem, na qual a unidade de ter-

ritório de origem, de costumes, de língua e a comunhão de vida

criará a consciência social” (apud Azambuja, 1971, p. 22).

Considerando ainda outros comentadores pode-se citar, de

forma resumida, quatro elementos do Estado.4

O primeiro elemento do Estado é a população. Ela repre-

senta a massa total dos indivíduos que vivem dentro dos limites

territoriais de um país, incluindo os nacionais e os não-nacio-

Bascos

Grupo étnico que habita partedo norte da Espanha e do

Sudeste da França. São nativosde Navarra. A intenção dessanação é formar um Estado

independente (Pátria Basca eLiberdade, mais conhecidospela sigla ETA, grupo que

utiliza a prática da luta armadae o terrorismo como meio dealcançar a independência da

região do país Basco).

Disponível em:<wikipédia.org/wiki/ETA>.

Acesso em: 3 de mar. 2008.

4 Para Maluf, os elementos que constituem o Estado são os materiais, compostos pela população e território; os elementos formais,constituídos por um governo soberano (poder) e um ordenamento jurídico; e o elemento final, o bem comum (1995, p. 23).

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TEORIA POLÍTICA

nais. É importante que a população de um determinado Estado torne-se uma nação. Por

nação entende-se o conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos perma-

nentes de sangue, idioma, religião, cultura e ideais – ou um grupo de indivíduos que se

sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e

aspirações comuns.

Existem exemplos de nações que não constituem um Estado: na Espanha, catalães

(Catalunha); os judeus até 1948 não haviam constituído um Estado; os bascos na França e

Espanha e na Irlanda o IRA, procuram formar um Estado: os eslavos, sérvios, albaneses e

croatas – Guerra da Bósnia (Bálcãs), gregos e turcos (Chipre), os curdos, muçulmanos (há

no mundo cerca 1,3 bilhão de muçulmanos, que formam a maioria da população ou mino-

rias significativas em quase 60 países. A Organização da Conferência Islâmica, que preten-

de “assegurar o progresso e o bem-estar de todos os muçulmanos do mundo”, tem 57 países

– membros). Dessa forma é possível afirmar que não existe Estado sem nação, mas há mui-

tas nações que não constituem propriamente um Estado.

O segundo elemento do Estado é o território. O território é a base física propriamente

dita, o âmbito geográfico da nação, onde ocorre a validade da sua origem jurídica. Também

não existe Estado sem território. Integram o território: o solo, o subsolo, o espaço aéreo, as

embaixadas, os navios e aviões de uso comercial ou civil e o mar territorial (200 milhas, no

caso brasileiro). Azambuja cita os judeus como um exemplo de povo que até há pouco tem-

po era uma nação, mas não consistia ainda um Estado, por faltar-lhe um território. Somen-

te em 1948 formou-se o Estado de Israel. Da mesma forma os nômades e os ciganos, por

exemplo, não constituem um Estado em função da falta de um território próprio.

O terceiro elemento é o governo. Por governo entendemos a instituição (de caráter

temporário) responsável pela efetivação de políticas públicas. O governo pode estar nas

mãos de um partido mais à esquerda, centro ou direita, nas mãos de líderes religiosos, chefes

tribais ou soldados armados. O governo é uma das mais antigas instituições humanas. Para

isso sempre nos voltamos para as primeiras civilizações orientais da Babilônia, Síria e do

Egito (6 mil anos atrás...). O governo é, positivamente, o conjunto das funções necessárias

à manutenção da ordem jurídica e da administração pública.

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Como formas de governo, podemos citar:

1) Unitário: governo centralizado, existente em mais de 50 Estados. A Grã-Bretanha é um

exemplo de Estado unitário.

2) Estado Democrático/Federal: é quando o poder do governo é dividido entre um governo

central e vários governos locais (divisão de poderes). Exemplo: Estados Unidos (e seus 50

Estados), Austrália, Canadá, México, Alemanha, Índia, Brasil.

3) Governos Confederados: que formam uma aliança de Estados independentes. O órgão

central do Governo Confederado tem o poder de tomar decisões pelos demais. A Comu-

nidade dos Estados Independentes, como os extintos em 1991 após a queda da União So-

viética, é um exemplo de Confederação.

Podemos citar como sistemas de governo o presidencialista e o parlamentarista. O

presidencialista está intimamente ligado à separação de poderes: Executivo, Legislativo

e Judiciário (agindo de forma independente). O presidente é o chefe maior. Já no sistema

parlamentarista o chefe maior é o primeiro ministro, o qual é escolhido pelo partido ma-

joritário ou pela coalizão de partidos que fizeram maior número de assentos no Parla-

mento.

Por fim, temos o último elemento do Estado, denominado de soberania. Por sobera-

nia entende-se, segundo Pinto (1975), “a capacidade de impor a vontade própria, em últi-

ma instância, para a realização do direito justo”. Em outras palavras, a soberania signifi-

ca autonomia, sem intervenções externas. A soberania é a forma suprema de poder: é o

poder incontestável e incontrastável que o Estado tem de, dentro de seu território e sobre

uma população, criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando ao bem co-

mum.

Como veremos na próxima seção, dos elementos que constituem o Estado, o governo

será sempre o palco das maiores disputas e das decisões que mais repercutem na vida dos

indivíduos.

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TEORIA POLÍTICA

Seção 2.4

O Estado e o poder

O Estado, sede do poder, torna-se palco de lutas políticas. Pelo fato de aqueles que

estão no poder gozarem de legitimidade, a oposição às vezes encontra-se na alternativa de

aceitar os procedimentos autorizados pelo aparelho do Estado ou de se arriscar a uma prova

de força.

É preciso ressaltar que nunca tivemos na História um Estado que interviesse tanto no

cotidiano pessoal do indivíduo como na atualidade. Michael Mann (1992, p. 169) descreve que

...o Estado pode avaliar e taxar nossa renda e riqueza na fonte, sem o nosso consentimento ou o

de nossos próximos ou parentes (o que o Estado, antes de 1850, nunca fora capaz de fazer); ele

estoca e pode usar imediatamente uma maciça quantidade de informações sobre cada um de

nós; pode fazer cumprir a sua vontade no mesmo dia em quase todos os lugares sob o seu domí-

nio; sua influência sobre a economia global é enorme; ele até provê diretamente a subsistência

da maioria de nós (via os empregos que oferece, as pensões previdenciárias, etc.).

O Estado atual penetra na vida cotidiana mais do que qualquer Estado histórico. Seu

poder infra-estrutural cresceu enormemente. Não há um lugar para se esconder do alcance

infra-estrutural do Estado moderno, conclui o autor. Pode-se levantar um questionamento

a partir dessas afirmações: mas afinal, quem controla esses Estados? Mann afirma que é

“uma elite estatal autônoma”.

Mann (p. 168-169) enumera duas características do poder do Estado. A primeira seria

o poder despótico da elite estatal. O autor apresenta o exemplo do imperador chinês, que,

como filho do Sol, “possuía” a totalidade da China e podia fazer o que desejasse com qual-

quer indivíduo ou grupo dentro de seu domínio. O imperador romano, apenas um “deus”

menor, adquiriu poderes que, em princípio, também eram ilimitados fora da área restrita de

afazeres nominalmente controlada pelo Senado.

Alguns monarcas do início da Europa moderna também reivindicaram poderes abso-

lutos, divinamente derivados (embora eles próprios não fossem divinos).

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Em contrapartida, o poder infra-estrutural – segunda característica do poder estatal –

“é a capacidade do Estado de realmente penetrar a sociedade civil e de implantar

logisticamente as decisões políticas por todo o seu domínio” (1992, p. 168-169). A existên-

cia do Estado, que fundamenta a legitimidade e garante a continuidade do poder, é também

a condição para que se possa afirmar a superioridade da competência dos governantes.

Com o surgimento da propriedade individual, nasce a divisão do trabalho, a sociedade

se divide em classes, como a dos proprietários e a dos que nada têm. Dessa divisão nasce o

poder político, o Estado, cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma classe

sobre outra, recorrendo, inclusive, à força e, assim, a de impedir que a sociedade dividida em

classes se transforme num estado de permanente anarquia. Mann apresenta três formas de

poder: o econômico – os que detêm a riqueza; o ideológico – os que se apossam do saber, e o

político – os que têm a força.

O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou perce-

bidos como tais, numa situação de escassez, para induzir os que não os possuem a adota-

rem uma certa conduta. Na posse dos meios de produção reside uma enorme fonte de poder

por parte daqueles que os possuem contra os que não os detêm.

O poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas, co-

nhecimentos, às vezes apenas de informações, ou de códigos de conduta, para exercer uma influên-

cia sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não uma ação.

O poder político está ligado aos que detêm o poder de mandar ou comandar (uma minoria),

enquanto que aos demais (maioria) cabe obedecer e seguir os ditames do grupo que governa.

Essas três formas de poder contribuem, conjuntamente, para instituir e para manter

sociedades de desiguais, divididas em fortes e fracos, com base no poder econômico, e em

sábios e ignorantes, com base no poder ideológico. Mann (1992, p. 179) apresenta outras

funções do Estado, como a da manutenção da ordem interna, servindo diretamente à classe

dominante; a de defesa, a de agressão militar, dirigida contra o ataque dos inimigos estran-

geiros; a da manutenção das infra-estruturas de comunicação (estradas, rios, sistema de

mensagens, cunhagens, pesos, mercados...). A próxima seção abordará esse tema de forma

mais aprofundada.

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TEORIA POLÍTICA

Seção 2.5

A função do Estado

Ao Estado compete manter o equilíbrio da sociedade de classes, atuando sempre e ga-

rantindo sua reprodução enquanto tal, “filtrando” as contradições em seu interior, uma vez

que para ele convergem as forças em choque. Só podemos entender um determinado tipo de

Estado a partir da análise das classes que o compõem. Assim, o Estado goza de certa autono-

mia. Ele tem a função de direção, que implica pensar a longo prazo. Como estudamos na

seção anterior, as funções do Estado podem ser: a) técnico-econômica: tem por objetivo

viabilizar o objeto econômico da(s) classe(s) dominante(s); b) função ideológica: de criar o

consenso e, c) função política: manutenção do nível da luta de classes por meio da coerção.

Para Max Weber, por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter

político, em que o aparelho administrativo leva adiante, em certa medida e com êxito, a

pretensão do monopólio da legítima coerção física, visando ao cumprimento das leis (eco-

nomia e sociedade).

Os objetivos da política são tantos quantas forem as metas a que se propõem os deten-

tores do poder em um determinado momento. Logo, o Estado não pode ser definido pelos

fins a que se propõe, mas pelos meios utilizados para a execução desses fins. O fim último da

política é a manutenção da ordem pública nas relações internas e da integridade territorial

em relação aos demais Estados.

O Estado legitimaria a divisão de classes sociais? Certamente. Esta foi a crítica feita

por muitos autores das Ciências Sociais.

E por classes sociais entende-se, segundo Theotônio dos Santos (1991, p. 41), os agre-

gados básicos de indivíduos numa sociedade, os quais se opõem entre si pelo papel que

desempenham no processo produtivo do ponto de vista das relações que estabelecem entre

si nas organizações do trabalho e quanto à propriedade.5 As classes sociais compõem uma

5 Analisar a obra de Santos (1991).

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comunidade de interesses em oposição aos outros agregados sociais (da mesma formação

social, ou sobreviventes de formações anteriores ou base de futuros agregados). Isto os faz

tender a uma comunidade de:

a) consciência de classe: unidade de concepção de mundo e de sociedade segundo seus

interesses gerais de classe, o que dá origem a uma ideologia;

b) situação social: formas de comportamentos, atitudes, valores, interesses imediatos, distri-

buição de renda, ação e interesse político diante dos partidos e do Estado.

Como “classe dominante” podemos citar ainda a burguesia: industrial (indústrias), a

financeira (bancos), a burguesia agrária (empresas rurais) e a burguesia comercial (lojistas

e atacadistas). Como “classe dominada” temos o proletariado (dedicam-se ao trabalho ma-

nual: operários, agregados, funcionários administrativos e não-manuais – trabalhadores

automatizados). Existem ainda camadas intermediárias compostas por pequenos empresá-

rios (prestação de serviços, alfaiates, taxistas, profissionais liberais). Por fim, existem as ca-

madas excluídas (sacoleiros, catadores de papel, bóias-frias, camelôs).

Você já parou para refletir sobre como surgiu o Estado?

Seção 2.6

Justificativas teóricas do Estado

Através dos séculos historiadores e teóricos da política, entre outros, têm-se questio-

nado sobre qual a possível origem do Estado, mas poucos chegaram a um consenso. O que

temos é uma resposta aproximada, porém não-conclusiva sobre a sua origem. Vamos elencar

as principais teorias que tentam responder a esta controversa questão.

5 Analisar a obra de Santos (1991).

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TEORIA POLÍTICA

A primeira trata da Teoria da força. Esta teoria defende que

o Estado nasceu da força, quando uma pessoa ou grupo contro-

lou os demais (poucos submeteram muitos) o Estado surge com a

luta de classes (visão marxista). Na concepção marxista o Esta-

do defende os interesses daqueles que pertencem à classe domi-

nante (donos do poder econômico). Para Marx o Estado é visto

como dominação de classe.6 Igualmente para Max Weber, o Es-

tado não se deixa definir a não ser pelo específico meio que lhe é

peculiar, tal como é peculiar a todo outro agrupamento político,

ou seja, o uso da coação física (Weber, 1999b, p. 56). Consiste em

uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada

no instrumento da violência legítima. Definição de Estado para

Weber: “empresa institucional de caráter político onde o apare-

lho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a

pretensão do monopólio da legítima coerção física, com vistas ao

cumprimento das leis”.

A segunda teoria é a Teoria evolucionária. Segundo esta

teoria o Estado desenvolveu-se naturalmente a partir da união

de laços de parentesco, em que o mais forte (guerreiro mais hábil

ou caçador e pescador ou o mais velho) detinha o controle do

poder. Evolução do bando – clãs – tribos (caçadores e coletores

nômades) até agricultores e pastores (nascimento do Estado).

A terceira teoria é chamada de Teoria do direito divino. Para

os estudiosos que defendem esta teoria, o Estado nasceu na Eu-

ropa, entre os séculos 15 e 18. Defendem que o Estado foi criado

por Deus, e Deus delegou o poder divino de governar aos reis

(despotismo esclarecido). Como exemplo da Teoria do direito di-

vino temos as experiências dos governos absolutistas de Henrique

VIII e Luís XIV.

6 Da mesma forma, para Pateman, “o Estado está inescapavelmente comprometido com a manutenção e reprodução das desigualdadesda vida cotidiana, enviesando decisões em favor de interesses particulares” (Apud Held, 1991, p. 149).

Governos absolutistasHenrique VIIIe Luís XIV:

Principais reis absolutistasdos séculos XVI e XVII.

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Jean Bodin e Bossuet defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado.

Afirma Bodin:

Nada havendo de maior sobre a Terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por

Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, é necessário

lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a

obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe

soberano, despreza a Deus, de quem ele é a imagem na Terra (Bodin, apud Chevallier, 1986, p. 61).

Da mesma forma, para Bossuet, o rei é a própria presença de Deus na terra:

Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem

harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e os

exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono no mais alto dos

céus, governa a natureza inteira... Enfim, reuni tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre

a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só pessoa, considerai esse poder sagrado,

paternal e absoluto; considerai a razão secreta, que governa todo o corpo do Estado, encerrada

numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real (Bossuet, apud

Chevallier, 1986, p. 97-98).

Em outras épocas da História Antiga tivemos, igualmente, a teocracia como forma de

governo, como nos impérios egípcio, chinês, bem como entre os astecas e maias. Mais próxi-

mo dos nossos tempos tem-se a experiência administrativa centralizada autocrática do

Mikado experienciada no Japão até 1945.

Por fim, a Teoria do contrato social, a mais significativa das teorias da origem do Esta-

do. O Estado nasce do contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos John Locke, Thomas

Hobbes e Jean-Jacques Rousseau desenvolveram esta teoria. Do “Estado de natureza” para

o “Estado civil”,7 sobre os quais aprofundaremos nosso estudo nas Unidades 8 e 9.

Como você pode constatar, esta Unidade teve por objetivo conceituar o Estado. Por isso

insistimos na análise do Estado (funções, poderes, forma de poder, relações de classe), e aborda-

mos, também, as principais teorias que o justificam. Na próxima Unidade vamos conhecer o

pensamento político das sociedades primitivas e também das sociedades orientais. Vamos lá?

7 As unidades 8 e 9 deste trabalho irão discorrer sobre a Teoria do contrato social. Para entender a evolução do Estado conferir,igualmente, o trabalho de Pasold (2004).

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 3Unidade 3Unidade 3Unidade 3

O Pensamento Político das Sociedades Primitivas e Orientais

Seção 3.1

O Estado primitivo

Ao analisarmos o Estado primitivo, convém lembrar a fragilidade de suas relações po-

líticas, as quais eram muito diferentes daquelas que conhecemos na atualidade. Inicialmen-

te é pertinente definir alguns conceitos, como bando, tribo, caçadores e coletores, agriculto-

res e pastores, que julgamos consistirem passos fundamentais para compreender a evolução

dessas sociedades até alcançarem o estágio final denominado Estado.1

Patrícia Crone (1992, p. 84) afirma que a primeira civilização da História, ainda em

tempos remotos, foi produto da religião, isto é, as suas relações não estavam submetidas aos

poderes de um chefe de ordem material, mas sim sob o domínio de uma imaginação detento-

ra de autoridade suprema: “Quem detinha o poder eram os deuses, e não seus escravos, que

possuíam a terra”. Assim, as manifestações religiosas estavam ligadas essencialmente aos

fenômenos da natureza, ou seja, tudo o que fosse misterioso, tudo o que o homem não

entendesse, o inexplicável, era atribuído à força divina: o sol, as estrelas, a lua, o trovão,

todos são exemplos de divindades da época.

Crone cita o bando como o primeiro estágio da evolução política da humanidade. No

bando, a organização é mínima; em contrapartida, a barbárie é uma constante. A tribo é

considerada o segundo estágio dessa evolução, pois são sociedades ordenadas em referên-

1 Importante lembrar que o Estado, como nós o conhecemos na atualidade, é uma criação da modernidade (séculos 16 e 17). Algunsautores, no entanto, defendem que o Estado surgiu juntamente com a própria civilização. Esta evolução é evidenciada nesta unidade.

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TEORIA POLÍTICA

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cia a parentesco, sexo e idade. Embora sendo um estágio superior ao bando, a tribo ainda

não alcança uma organização capaz de estruturar a comunidade no aspecto social e econô-

mico, nem mesmo no aspecto coercitivo: todos tomam as decisões ao mesmo tempo (1992, p.

84). Em conseqüência, há desunião, destruição e morte, pois “a atividade humana não pode

ser coordenada em larga escala e a fissão é uma parte normal do processo político” (p. 82).

Após iniciar pelo bando e chegar à condição de tribo, é necessário que a mesma seja destruída

para que realmente ocorra a estruturação do Estado.

Os pioneiros, contudo, na elaboração e na estruturação de uma forma precária de

Estado são os coletores e caçadores, que segundo a descrição de Gamble (1992), são socie-

dades originárias da pré-História e formam as primeiras manifestações de poder objetivadas

em uma comunidade humana. Com os coletores e caçadores temos a “sociedade de abun-

dância original”, caracterizada por uma curta semana de trabalho e poucas preocupações,

graças a uma despensa naturalmente bem abastecida, promovendo uma pequena popula-

ção. Da mesma forma, os coletores e caçadores eram vistos como sábios econômicos, toman-

do decisões perfeitamente sensatas, evitando o desperdício e, conseqüentemente, a crise e a

fome em tempos de escassez. Atualmente os estudiosos os recordam como povos providentes

e previdentes, são exemplos de bons administradores de recursos, guiados pelo princípio do

menor esforço e da eficiência na conservação das calorias dos alimentos. Pode-se presumir,

então, que o Estado não se iniciou com os coletores e caçadores, mas com os povos que

começaram a cultivar a terra, os agricultores, e os pastores a cuidar dos rebanhos, daí a

afirmação: “Os caçadores e coletores não constituíram os primeiros Estados, mas formavam

os primeiros ‘caçadores’ de Estado”.

É possível perceber então as origens neolíticas como fases importantes, em que aparece

a domesticação dos animais e plantas como fator central na transformação da sociedade em

relação à estatitude final. Surge, então, a transição da selvageria para a parceria decorrente

da revolução econômica e científica, oriundas das relações, primeiramente, dos caçadores e

coletores, para a agricultura e pastoris. A partir do desenvolvimento da agricultura e de seu

acúmulo, passa-se à criação de normas, direitos e deveres decorrentes dessa realidade.

As relações de poder e a organização política parecem ser uma atividade constante, já

nas sociedades primitivas. Neste sentido, os primeiros líderes da sociedade primitiva eram,

simplesmente, os mais fortes, que acabavam negociando, com os demais membros, certos

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TEORIA POLÍTICA

privilégios. Assim, com o passar do tempo o homem, aos poucos,

desenvolve sua inteligência, o que proporciona o avanço

tecnológico, igualando-se ao detentor do poder por meio da for-

ça física: nessa fase, quem detém o machado ou as lanças tem,

igualmente, o poder, pois são utensílios que serão usados para a

caça (garantindo a sobrevivência), para a proteção do grupo e

para a conquista de novos territórios. A tecnologia estenderá seus

benefícios ao homem na produção eficiente dos alimentos e dos

agasalhos e, ainda, na incrementação do cultivo intencional e

organizado de plantas comestíveis (cultivo do arroz e do milho e,

na América, do trigo) e do pastoreio de animais (ovelhas, bois,

cavalos). Percebe-se então que “o poder não é só das forças ou

das armas, é muito mais dos que detêm a tecnologia do cultivo e

do pastoreio”. Os constantes conflitos entre tribos primitivas,

assim como os freqüentes ataques e saques aos rebanhos e ao

armazenamento de alimentos, possibilitaram o surgimento de uma

nova classe, a guerreira, em outras palavras, a classe militar. Desta

realidade surge a institucionalização e as relações entre os pode-

res, como o comandante versus comandado, e na escolha de um

novo comandante na ausência ou morte do anterior.

Seção 3.2

O Estado oriental

Os estudos de Gaetano Mosca (1968) remetem para antes

do início do terceiro milênio a.C. o surgimento das primeiras ma-

nifestações de corpos políticos capazes de se organizarem sob uma

direção única e fundarem vastos impérios com população nume-

rosa.

Neolítico

O Neolítico, também chamadode Idade da Pedra Polida (porcausa de alguns instrumentos,feitos de pedra lascada e pedrapolida), é o período da Pré-História compreendidoaproximadamente entre 12.000a.C. e 4.000 a.C. Durante esteperíodo surge a agricultura. Afixação inerente ao cultivo daterra provoca o sedentarismo(moradia fixa em aldeias) e odesenvolvimento da vida emsociedade, assim como oavanço cultural e o aumento dapopulação.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Neol%C3%ADtico>.Acesso em: 10 jan. 2008.

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TEORIA POLÍTICA

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Crescente Fértil2

Estudos atuais acenam para a região da baixa

Mesopotâmia, banhada pelos rios Tigre e Eufrates, e, no Egito,

pelo Nilo, como sendo as regiões nas quais se desenvolveram as

primeiras civilizações. Outras civilizações surgiram como uma for-

ma de organização política e formação de um tipo de Estado: na

Ásia Central e Meridional, igualmente ao norte da Babilônia e

na Ásia Menor; durante o segundo milênio nasceram os impérios

dos mitaneus e dos hititas (Mosca, 1968, p. 18-19).

Mosca cita os povos arianos, no segundo milênio a.C., como

formadores de Estados desenvolvidos. A China apresenta-se, sob

o governo de Confúcio (século 7º a.C.), como importante organi-

zação social e política. O autor (p. 19) apresenta algumas carac-

terísticas comuns aos Estados orientais:

2 Mapa da Crescente Fértil. Disponível em: <http://www.ff.ul.pt/paginas/jpsdias/histfarm/crescentefertil.gif>. Acesso em: dez. 2007.

Povos arianos

A palavra ariano, ao referir-se aum grupo étnico, tem váriassignificações. Refere-se, maisespecificamente, ao subgrupo

dos indo-europeus, que seestabeleceu no planalto iranianodesde o final do terceiro milênioa.C. e que povoou a penínsulada Índia por volta de 1500 a.

C., vindo do norte, peloPunjabe, disseminando-se pelaÍndia, Pérsia e regiões adjacen-tes. Estes são também chama-

dos de árias. A sua culturaficou particularmente expressa

nos Vedas e, principalmente, noRig Veda, considerado o mais

antigo. Por extensão, adesignação “arianos” (não o

termo “árias”) passou a referir-se a vários povos originários

das estepes da Ásia Central – osindo-europeus – que se

espalharam pela Europa e pelasregiões já referidas, a partir do

final do período neolítico. Otermo designa ainda osdescendentes dos indo-

europeus que fundaram acivilização indiana, subjugandoas populações locais, dando

origem ao sistema de castas e,mais especificamente, às castas

dominantes dos brâmanes,xátrias e vaixás.

O termo ganhou outro significa-do com a ideologia nazi que,baseando-se em teorias de

vários autores do século 19,empregou-o para classificar

uma suposta raça comum aosindo-europeus e aos seus

descendentes não miscigenadoscom outros povos. Deve-se a

este fato a vulgar confusão queidentifica arianos com os povosnórdicos e, mais especificamen-

te, germânicos.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/

Arianos>.Acesso em: 10 jan. 2008.

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TEORIA POLÍTICA

1ª) o chefe do Estado era, ao mesmo tempo, chefe militar, juiz su-

premo e coletor de impostos;

2ª) as dimensões territoriais eram grandiosas, o que favorecia a

diferenciação entre as classes, que acabavam subordinando-se

umas às outras.

O império dos persas foi o primeiro Estado a conseguir uni-

ficar todos os países de civilização mais ou menos antiga, que se

estendiam do mar Egeu até os confins da Índia, compreendendo

também o Egito. A unificação do império persa compreendia os

impérios da Babilônia, Egito e Lídia sob o governo de Ciro (559

a.C.), até o governo de Dário de Hestapses (485 a.C.).

A forma de governo que dominava nos impérios orientais

era a monarquia absoluta ou o poder despótico assumido pela

autoridade de um homem que era a encarnação da própria divin-

dade e governava de forma autocrática e tirânica, suprimindo

qualquer resquício de liberdade dos súditos.

Do ponto de vista material, os povos orientais nos legaram

a domesticação de animais e a agricultura. A primeira serviu para

o desenvolvimento do homem no decorrer da História: o boi, o

asno, o cavalo e o carneiro foram úteis para o homem, não só

para o transporte como para alimentação e proteção contra o frio

(lã). A segunda, baseada no cultivo do trigo, cevada e arroz, ser-

viu para a alimentação do homem. Do ponto de vista cultural,

herdamos a Matemática e a Astronomia. Sob a visão das leis,

herdamos o Código de Hamurábi, em vigor na Babilônia desde

2.200 a.C., no qual foram numeradas e sancionadas as regras

mais indispensáveis à moral social, capaz de impor regras e pro-

piciar a boa convivência entre as sociedades. A religião dos po-

vos orientais foi de suma importância para a humanidade: pri-

meiro, o budismo; logo após, o cristianismo e o islamismo, pro-

vindas do velho judaísmo.

Código de Hamurábi

O Código de Hamurábi é umdos mais antigos conjuntos deleis já encontrados, e um dosexemplos mais bem preserva-dos deste tipo de documento.Proveniente da antigaMesopotâmia e, segundo oscálculos, estima-se que tenhasido elaborado por Hamurábipor volta de 1700 a.C.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Hamurabi>.Acesso em: 10 jan. 2008.

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Segundo Rubim et al (1988, p. 87):

As civilizações do Oriente próximo – chamado, igualmente, de Ásia Ocidental ou Ásia Anterior –

compreendiam os povos do Egito, da Arábia, da Síria, da Palestina, da Mesopotâmia, da Armênia,

do Irã e da Ásia Menor. Foi nessa região que surgiram as primeiras civilizações da Antiguidade

(região chamada Crescente Fértil), faixa de terra que forma a Mesopotâmia, a Síria e a Palestina.

O poder político oriental estava ligado, essencialmente, ao poder religioso: a autorida-

de se sustentava em uma religião (1988, p. 90).

O poder teocrático significa o governo de Deus (teo = Deus + cracia = governo, po-

der), ou seja, o imperador, faraó, patriarca, monarca, exerce o poder seguindo a vontade

divina, o que o torna um ser transcendente, imortal, imbatível, infalível, e conseqüentemen-

te incontestável, restando aos demais súditos acatar suas ordens.3 A teocracia, segundo

Queiroz Lima (1957), é a participação da autoridade divina no governo dos homens. Assim,

no Oriente pode-se exemplificar duas realidades: “ora o monarca é o representante da divin-

dade, a sua vontade é divina, a sua pessoa é a de um próprio deus, descendente de deuses,

com poderes ilimitados sobre a pessoa, a vida e a propriedade dos súditos; ora o poder do

monarca é subordinado ao poder divino e por ele rigorosamente limitado”. O autor conclui

afirmando que o Egito é o exemplo mais perfeito da primeira forma e o povo judeu é o

exemplo da segunda.

O Estado oriental é composto pelas civilizações mediterrâneas da Antiguidade orien-

tal, da qual fazem parte a Babilônia, o Egito, povos hititas e hebreus (3º ao 1º milênio a. C.),

China, Índia e Pérsia, que desembocariam na Grécia (territórios compostos pelas realezas

micenas e cretenses) e em Roma (formada por realezas etruscas). Como características prin-

cipais desse modelo de Estado podemos citar: a larga extensão territorial; o Estado unitário,

centralizado no rei (monarquia teocrática); o regime autoritário e totalitário e a ausência

quase total de garantias individuais das pessoas ante o Estado.

3 A palavra teocracia foi criada por Flavius Josephus, historiador judeu que viveu entre os anos 37 e 100 da Era Cristã, tendo chegado aassumir o posto de general e a exercer grande influência na Judéia. Josephus teve atuação muito importante como intermediário entreromanos e judeus, tendo, no final de sua vida, após a queda de Jerusalém, no ano 70, adotado a cidadania romana, vivendo em Roma erecebendo uma pensão do Estado. Sua principal obra, Antiguidade dos judeus, de caráter histórico, é um repositório de informaçõessobre a vida do povo judeu desde a criação do mundo; encontram-se aí também referências à organização e à vida de outros povosantigos (Jellinek apud Dallari, 1995, p. 53).

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TEORIA POLÍTICA

O poder nos impérios orientais era, segundo Chauí (1994), exercido por um chefe de

família ou de famílias (clã, tribo, aldeia), cuja autoridade era pessoal e arbitrária, decidindo

sobre a vida e a morte de todos os membros do grupo, sobre a posse e distribuição das

riquezas, a guerra e a paz, as alianças, o proibido e o permitido. O poder estava sempre nas

mãos dos que detinham o poder econômico (proprietários da terra e dos rebanhos). Além

disso, detinha o poder religioso, que servia de aparato ideológico para a perpetuação e a

incontestável supremacia do poder; e o poder militar, concentrando a chefia do exército e a

decisão sobre a guerra e a paz. Em decorrência disso, o chefe era rei, sacerdote e capitão.

O poder no Estado Antigo possuía as seguintes características, segundo a classifica-

ção de Chauí:

a) despótico ou patriarcal: exercido pelo chefe de família sobre um conjunto de famílias a ele

ligadas por laços de dependência econômica e militar e por alianças matrimoniais;

b) total: o detentor da autoridade possuía poder supremo inquestionável para decidir quan-

to ao permitido e ao proibido (a lei exprime a vontade pessoal do chefe): “Aquilo que

apraz ao Rei tem força de lei”. Chefe do poder religioso, militar e econômico;

c) incorporado ou corporeificado: o detentor do poder figurava em seu próprio corpo as ca-

racterísticas do poder, apresentando-se como manifestação da própria comunidade: a

cabeça encarnava a autoridade que dirige; o peito, a vontade que ordena; os membros

superiores – encarnavam os delegados que lhe representavam (sacerdotes e militares) e os

membros inferiores – encarnavam os súditos, que o obedeciam. Essa divisão mostra a

hierarquia e a concentração do poder na cabeça e no peito do dirigente;

d) mágico: o detentor do poder possuía força sobrenatural ou mágica. A palavra, gestos e

desejos do rei tinham força para matar e curar, sua maldição destruía tudo quanto fosse

amaldiçoado por ele. Dele dependiam a fertilidade da terra, a vitória ou a derrota na

guerra, início ou fim de uma peste, fenômenos meteorológicos, cataclismos;

e) transcendente: por ser de origem divina, o rei era divinizado e acreditava-se em sua imor-

talidade, como condição da preservação da comunidade. Essa divinização o situava aci-

ma e fora da comunidade;

f) hereditário: era transmitido ao primogênito do rei ou, na falta deste, a um membro da

família real.4

4 Classificação de Chauí (1994).

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3.2.1. EXEMPLOS DE TEOCRACIAS ORIENTAIS

Hegel, em Lições sobre a Filosofia da História (1975), defende que a História universal

segue um caminho definido, inicia-se no leste e termina no oeste, tendo a Europa como

centro: “a Europa é o fim da História universal, e a Ásia é o começo”.5 Podemos entender

História Universal como sendo o “disciplinamento da arrogância da vontade natural”, rea-

lidade em que se encontram inseridos os impérios do Oriente (China, Índia, Pérsia), África e

o Novo Mundo (as Américas). Para o pensador germânico, esses povos estão submersos no

“puramente particular” (fechados aos conceitos universais), bárbaros, a-históricos, atrasa-

dos, enclausurados em si mesmos, não alcançando a “liberdade subjetiva”.6

Seguindo o pensamento hegeliano, o conceito “liberdade” é acessível somente para

alguns povos. No Oriente somente um é livre, isto é, o rei despótico; já no mundo grego e

romano alguns são livres em decorrência da participação efetiva dos cidadãos nas decisões

da pólis, e, finalmente, no mundo europeu moderno (impérios germânicos) todos são livres.

Dessa forma temos, inicialmente, o despotismo; logo após, surgem a democracia e a aristo-

cracia e, por último, a monarquia.

O Oriente é considerado por Hegel como a infância da humanidade, por estar subordi-

nado às determinações do soberano, que está no centro do poder exercendo o comando

centralizador, autoritário e despótico sobre os súditos. Nesse estágio visualiza-se um mo-

mento de estagnação e retrocesso em que os indivíduos permanecem como meros especta-

dores da História, comprovando-se a inexistência da reflexão em sua própria liberdade sub-

jetiva.

O mundo grego é comparado à adolescência da humanidade “porque é ali que as

individualidades se formam”. A Grécia é “o segundo princípio da História Universal”, na

medida em que o seu povo contempla a união da moralidade com a individualidade, ou seja,

estabelece aquilo que denota o livre querer dos indivíduos: “Eis aí a união do princípio

moral e da vontade subjetiva ou o reino da bela liberdade”.

5 Doravante a obra de Hegel Lições sobre a Filosofia da História Universal aparecerá no texto como LiFH.

6 Para um maior aprofundamento da teoria de Hegel sobre a Filosofia da História, conferir o trabalho de Hyppolite (1971).

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TEORIA POLÍTICA

O império romano é considerado o “áspero labor da idade viril da História”, ou seja, o

terceiro momento da universalidade abstrata, “porque o varão não depende do arbítrio do

senhor, nem do capricho individual da beleza, mas serve ao fim universal, no qual o indiví-

duo atinge o seu próprio fim”.

Ocorre, a seguir, uma mudança da perspectiva do indivíduo perante o Estado, uma

vez que o homem grego, o cidadão (dono de propriedade e de escravos) filosófico (reflexivo),

participa efetivamente nas decisões políticas da cidade, na qual encontra a “alegria e a

satisfação”, o que não acontece com o homem romano, em que o indivíduo encontra o

trabalho rude e áspero.

Se Roma conquistou a Grécia pelas “armas”, a Grécia conquista Roma pela cultura,

pelo saber e pela religião. Comprova-se tal afirmação analisando-se as divindades romanas,

que são as mesmas gregas: Roma torna-se um panteão de divindades e de todas as

espiritualidades herdadas da cultura grega. À internacionalização da cultura grega chama-

mos de helenismo.

No quarto momento da História Universal, Hegel apresenta o mundo germânico moder-

no como síntese da tese (Grécia) e da antítese (Roma). Corresponde à velhice, não como

fragilidade (natural), mas velhice no sentido da perfeita maturidade e força. Emerge o Esta-

do moderno como força autônoma desapegada aos ditames da Igreja, com uma política

laica: “o Estado não é mais inferior à Igreja, nem lhe é subordinado”. Hegel compreende

“Estado” como uma palavra que expressa mais do que estruturas políticas de uma comuni-

dade, de tal sorte que uma expressão de alcance maior como “cultura nacional” traduziria

melhor seu significado.

Pode-se afirmar que o Estado, para Hegel, é a base e o centro dos demais elementos

concretos da vida de um povo, uma vez que totaliza a Arte, o Direito, a Moral, a Religião e

a Ciência. O Estado é o “Todo Moral”, a “Realidade da Liberdade”, a “Objetividade do

Espírito”, a “Idéia Divina, tal como existe sobre a Terra”. Dessa maneira, o ápice da liberda-

de é o Estado, ou a Cultura Nacional, como verdadeiro “indivíduo histórico”, que é o objeto

de estudo próprio da Filosofia da História de Hegel.7

7 Conferir, igualmente, a explanação e o entendimento de Hegel sobre o Estado nas LiFH (1975, p. 101-126).

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TEORIA POLÍTICA

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Ao contrário do mundo germânico de Hegel, o mundo oriental está caracterizado pelo

despotismo, do qual apenas um é livre, o chefe. O espírito dos demais encontra-se submerso

na particularidade indiferenciada. “A liberdade dos indivíduos existe somente como aciden-

te de uma substância que é, na verdade, a consciência natural na pessoa do chefe supremo,

o déspota, o teocrata” (Florez, 1983, p. 264). A figura do chefe é confundida com a própria

divindade, como se o próprio Deus fosse personificado para reger e comandar o Estado.

Três nações fazem parte do mundo oriental: a China, a Índia e a Pérsia. Somente a

última, contudo, terá a capacidade de intuir o “ser em si”, isto é, terá capacidade de chegar

a uma subjetividade. A China e a Índia não chegarão de forma alguma a atingir o status de

povos históricos do mundo, visto que, para Hegel, a história propriamente dita de um povo

começa quando este se eleva à consciência. Como não há consciência nesses povos, não há

oposição (contradição), e, como não há oposição, não há possibilidade de síntese (supera-

ção) (Weber, 1993, p. 204).

Hegel considera a China como sendo o princípio propriamente oriental. A história da

China, comenta Hegel, é uma história fechada em si mesma, tendo pouca relação com o

mundo exterior. A dependência do indivíduo perante o Estado é total, visto que este Estado

se baseia exclusivamente sobre uma relação social patriarcal, sustentada e caracterizada

pela piedade familiar objetiva.

Os chineses são denominados meros copiadores da cultura européia. O espírito se

encontra ausente na religião, na arte, na Geometria e na Medicina. Hegel conceitua a

religião como sendo a interioridade do espírito, porque na verdadeira religião o indivíduo é

livre. O que se nota é o contrário no homem chinês, o princípio da religião é de dependência

a respeito de um poder superior. “É que os chineses veneram a natureza como se fosse o

supremo” (Hegel, 1975, p. 254).

O homem não pode permanecer subordinado ao sensível, unicamente. Necessita, na

concepção de Hegel, ter algo mais interior, como o pensamento que penetra prontamente

no objeto, sendo que existe algo pensado que se transforma em algo universal e, num modo

geral, a religião da China se refere a uma substância natural e particular.

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TEORIA POLÍTICA

Os povos orientais não tiveram uma concepção definida sobre o Estado. A preocupa-

ção essencial da época não contemplava esse aspecto polarizador. É mister entender tam-

bém que a concepção de Estado que conhecemos na atualidade só passa a vigorar com o

entendimento do Estado Moderno, essencialmente com a Filosofia política de Maquiavel

(rompimento da política com os ditames morais da Igreja Católica), em que se sobressai o

Estado laico sobre o poder eclesiástico.

Segundo Hegel, o império chinês é o mais antigo de que se tem notícia e, desde o

princípio, encontra-se fora do processo que o pensador chama de histórico, por lhe faltar a

“oposição entre a existência objetiva e a liberdade subjetiva, fica excluída qualquer

mutabilidade, e o estático que sempre ressurge substitui aquilo que chamaríamos de histó-

rico” (1975, p. 105). Dessa maneira, Hegel exclui a China da História Universal à medida

que não existe a subjetividade da pessoa, uma vez que o substancial (que se apresenta

como moral) não é parte integrante do sujeito, mas subordinado ao despotismo do chefe

do governo.

Neste caso o indivíduo não possui liberdade e vontade, está inteiramente subordinado

ao chefe, “por isso, o elemento da subjetividade falta nesse todo do Estado, assim como este

não se baseia na convicção” (1975, p. 108). Quem representa a convicção neste Estado é

somente um sujeito, o imperador, e ao povo cabe acatar as suas ordens. O povo chinês

encontra-se subordinado ao poder estatal, pois “no Estado, eles têm ainda menos persona-

lidade, pois nele predomina a relação patriarcal, e o governo baseia-se no exercício do cui-

dado paternalista do imperador que mantém a ordem” (1975, p. 108).

É notável a subordinação e a dependência dos súditos em relação ao governo patriar-

cal despótico exercido na China. Não existem castas ou classes que defendam seus interes-

ses, mas sim o chefe, aquele que comanda e determina as leis, versus os súditos. A depen-

dência dos súditos afeta, igualmente, a dimensão religiosa, “o imperador é, ao mesmo tem-

po, o chefe do governo e da religião” (1975, p. 116). O que resta, então, é uma religião

estatal, isto é, assumida e direcionada pelo chefe. Hegel afirma que este não é o tipo de

religião que o homem moderno europeu cristianizado conhece, pois inexiste “o recolhimen-

to do espírito em si mesmo na contemplação de sua própria essência” (1975, p. 116).

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TEORIA POLÍTICA

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Ao fazer referência à Índia, Hegel afirma que esta nação

tem muitas semelhanças com a China, ou seja, fechada em si

mesma e estagnada. A Índia, contudo, tem relações externas com

a História Universal, e esta nação é considerada como depósito

de riquezas que, desde os tempos mais remotos, tem servido para

a exploração e, o que é pior, para o enriquecimento das nações

ocidentais. “A Índia [conclui Hegel] só foi conquistada até hoje”

(1975, p. 280).

A Índia, como a China, é, igualmente, uma terra fechada

em si mesma, “permanece estática e fixa, atingindo o mais perfei-

to desenvolvimento para dentro de si mesma” (1975, p. 123). O

que se sobressai é o caráter da fantasia e do sentimento presentes

em seu território. A religião indiana, como um todo, é panteísta

universal, sobressai-se a religião hindu, que considera o sol, a

Lua, as estrelas, o rio Ganges, o rio Indo, os animais e as flores

como deuses.

A Índia foi importante e, por isso mesmo, mencionada pela

maioria dos pensadores modernos ocidentais, à medida que se

relaciona com os países europeus do mundo novo, fornecendo-

lhe produtos que serviram de comércio, intercâmbio cultural, do-

minação e riqueza.

Sobre a possibilidade de existir um Estado racional, Hegel

afirma que os indivíduos precisam chegar a uma liberdade subje-

tiva, isto é, que impõe diferenças entre si, realidade que não ocor-

re na Índia, onde as diferenças dão-se apenas entre classes. A

classe dos brâmanes é a principal, à medida que o divino é profe-

rido e aprovado (freqüentemente chegam ao poder). A segunda

classe é a dos guerreiros chatrias, que apresentará a força subje-

tiva e a coragem para manter o domínio sobre o povo restante e

perpetuar o Estado. A terceira classe, vaisias, encarregava-se da

Panteísta

Segundo o dicionário Houaiss,o termo foi criado em 1705

por J. Toland, filósofo inglês, apartir do gr. pân, pantós“cada um, totalidade” e gr.

Theós, ou “Deus, deus,divindade”.

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TEORIA POLÍTICA

agricultura, indústria e comércio. A quarta é a classe dos sudras, a classe do serviço, “cujo

objetivo é trabalhar para os outros, a troco de um salário que lhe garanta um meio de subsis-

tência” (1975, p. 127).

A forma de organização e o fundamento do Estado, na concepção hegeliana, constituem

“realidade espiritual em que se realiza o ser consciente do espírito, a liberdade da vontade

como lei” (1975, p. 139). Essa realidade não está presente na China, pois a lei é a vontade

moral do imperador, reprimindo e anulando a liberdade e a individualidade do sujeito.

Na Índia sobressai a imaginação como primeiro aspecto da subjetividade, que signifi-

ca a unidade do natural mais o espiritual. Na China há um despotismo moral, “na Índia um

despotismo sem qualquer princípio, sem regra de moralidade objetiva e a religião tem por

condição e fundamento a liberdade da vontade” (1975, p. 139).

No mundo oriental o princípio de evolução inicia-se, de fato, com a história da Pérsia, por

isso esta história constitui o verdadeiro começo da História Universal. Com o império persa come-

ça a franca conexão com a História Universal. Esta conexão, afirma Hegel, “não é aparente nem

externa, mas uma conexão de conceitos” (1975, p. 323). Sendo assim, o império persa é o primeiro

povo histórico submetido às evoluções e revoluções, únicos testemunhos de uma vida histórica.

Na Pérsia o homem pode separar-se da natureza, visto que sua religião não é a idolatria, não

adora as coisas individuais da natureza, como faziam os indianos, mas o universal.

Ao comparar a Pérsia com a China e a Índia, Hegel afirma a superioridade da primeira

sobre as demais; enquanto a China e a Índia encontram-se estáticas e fechadas em si mes-

mas, a Pérsia está “sujeita aos desenvolvimentos e transformações que por si só já demons-

tram uma situação histórica” (1975, p. 149). Por tal razão a Pérsia é considerada o império

que se inicia e desenvolve juntamente com o conceito de História Universal. Fazem parte do

império persa: os assírios, babilônios, medos e persas.

Ainda como Estado teocrático, temos o exemplo do Estado israelita, que tem a presen-

ça de Deus (Javé) como poder supremo, em que o rei era apenas chefe civil e militar, estan-

do, juntamente com os demais súditos, subordinado aos preceitos da lei ditadas por Deus

(Queiroz Lima, 1957, p. 60).

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Na visão de Hegel, a História põe à mostra “uma dialética de princípios nacionais”.

Os princípios da Grécia e de Roma, por exemplo, são vistos como formas antitéticas de uma

tentativa de expressar a idéia de liberdade na sociedade, sendo a última uma reação contra

a visão da primeira. Nesse confronto dialético surge o quarto momento do espírito, o qual

alcança a totalidade na figura do Estado germânico, como síntese concreta da individuali-

dade livre dos gregos e do legalismo abstrato dos romanos. Graças ao cristianismo é que o

espírito alcançou sua plena maturidade.

O espírito germânico é o espírito do mundo moderno, cujo fim é a realização da verda-

de absoluta, como autodeterminação infinita da liberdade, que tem como conteúdo sua

própria forma absoluta... O princípio do império germânico deve ser ajustado à religião cris-

tã (Hegel, 1975, p. 571). Vê-se que, dessa forma, Hegel coloca o Estado germânico num

patamar transcendente, relacionando-o com a própria divindade.

O que uniu os povos germânicos foi o cristianismo e, com a religião cristã, o espírito

superior encerrou a reconciliação e a libertação, enquanto o homem adquiriu a consciência

em sua universalidade e infinitude. “O espírito realizou-se e, por isso, o fim dos dias chegou:

a idéia do cristianismo alcançou sua plena realização” (p. 568).

O Estado, segundo Hegel, “... simboliza a unidade da vontade universal e essencial

com a vontade subjetiva, estabelecendo, assim, a moralidade entre os indivíduos, pois so-

mente o Estado tem no homem existência racional... Somente neste tem sua essência. Todo

o valor que o homem tem, toda sua realidade espiritual, a tem mediante o Estado...”

O Estado é o fim e os cidadãos são os instrumentos (p. 101). O Estado, dessa forma, é

o momento mais elevado em que o espírito se realiza em um determinado povo, e esse povo

é, segundo Hegel, o povo germânico.

Por outro lado, ao se referir à África, Hegel a incluiu na participação da “trindade”

Europa, Ásia e África, como totalidades que estão unidas pelo Mar Mediterrâneo, mas a

exclui da História Universal. “A África não tem interesse histórico próprio, é o país filho,

envolvido na escuridão da noite, distante da luz da história consciente” (p. 264).

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TEORIA POLÍTICA

A concretização do Estado hegeliano precisa de uma base que unifique os elementos

da vida de um povo, como arte, Direito, moral, religião e ciência, e que constitua, assim, o

“todo moral”, a “realidade da liberdade” e a “idéia do divino” tal qual existe sobre a Terra.

Na África, conforme Hegel, inexiste uma realidade histórica. “Não há nenhum fim, nenhum

Estado que possa seguir; não existe nenhuma subjetividade, apenas sujeitos que se destro-

em” (p. 182).

A realidade da África é, segundo a posição de Hegel, como a realidade dos orientais,

fechada em si mesma, e a situação do negro não é suscetível de desenvolvimento e educa-

ção, pois permanece estagnada até os dias de hoje. Os africanos, diz Hegel, não têm chega-

do ao reconhecimento do universal. “Sua natureza consiste em estar enclausurada em si

mesma. O que nós chamamos de religião, Estado, o que é em si e por si, o que tem validade

absoluta, não existe todavia para eles” (p. 182).

Por fim, Hegel faz distinção entre o Velho do Novo Mundo, pelo fato de este ser pouco

conhecido dos europeus. O Novo Mundo compreende as Américas do Sul e do Norte e a

Austrália. É essencial a separação do Velho Mundo do Novo, pois este último é novo não

somente no relativo, mas em seu absoluto, evidenciado até mesmo nos caracteres próprios,

físicos e políticos.

Hegel diferencia a América do Norte da América do Sul. A primeira constitui a prospe-

ridade, visto que foi colonizada por povos de religiosidade protestante8 nos seus traços fun-

damentais. Progrediu graças ao desenvolvimento da indústria, da população, à ordem civil

e a uma firme liberdade; toda a Confederação constitui apenas um Estado e tem os seus

centros políticos. A América do Sul, espanhola, católica, em vez de ser colonizada, foi con-

quistada. As repúblicas repousam somente no poder militar, toda a sua história é uma revo-

lução constante; Estados confederados separam-se, unem-se de novo, e todas essas mudan-

ças são operadas por revoluções militares.

Hegel reconhece que os povos que habitaram as terras no Novo Mundo tinham entre

si uma cultura, embora rude, limitada por suas tradições, leis adivinhatórias, seus ritos,

cultos, deuses, os quais repetem em sua consciência, mas ao entrarem em contato com os

8 Sobre a ligação entre religião protestante e capitalismo ver Weber (2004).

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europeus, pelos quais foram “descobertos”, perderam a sua individualidade cultural. “A con-

quista desses países assinalou a ruína de sua cultura da qual conservamos notícia” (1975,

p. 171).

O Novo Mundo, assim como a África, ficará também fora da História Universal, pois é

necessário que estes povos deixem o espírito dos interesses particulares e orientem-se pelo

espírito da razão e da liberdade. Os americanos não desejam formar Estados jurídicos e uma

lei jurídica formal. Para Hegel, um verdadeiro Estado e um verdadeiro governo somente se

produzem quando já existem diferenças de classes, “quando for grande a riqueza e a pobre-

za, e se der uma relação tal que uma grande massa já não possa satisfazer suas necessida-

des da maneira que estava acostumada” (p. 175).9

Outro exemplo de teocracia foi o Egito. Predominou neste povo a monarquia despóti-

ca, em que o soberano era considerado um Deus (Chauí, 1994, p. 96). O soberano era dono

de todas as terras dos círculos aristocráticos; estes eram responsáveis pelo culto das divinda-

des, acumularam poder e riqueza e desfrutavam de privilégios (isenção de impostos).

No Egito temos, igualmente, o poder teocrático, exercido pelo faraó, o grande rei, que

detinha o poder do Estado dominando os demais. O Estado detinha o poder de administrar

a irrigação da agricultura a partir do Rio Nilo, onde controlava a produção dos alimentos.

O rei dirigia o Estado como divindade, detinha o poder centralizando-o em suas mãos;

da mesma forma incutia a ideologia de que tudo dependia dele; comandava a natureza,

protegia e castigava os cidadãos, exercia poder sobre o tempo de bonança e miséria; por isso

o faraó era chamado de o “Filho do Sol”.10 É importante lembrar que o faraó detinha, igual-

mente, o poder religioso, nomeando os demais sacerdotes como assistentes do “grande”

sacerdote, e o poder militar, decidindo sobre a arte da guerra e da paz.

9 Conferir a crítica de Enrique Dussel sobre o preconceito de Hegel ao se referir à África e às Américas como povos que não alcançarama consciência histórica (Dussel, 1993, p. 13-58).

10 O faraó era um deus, filho de deuses, e sua autoridade era divina. No Egito, entretanto, a existência simultânea de muitos deusesdeterminava um engenhoso sistema de limitações das prerrogativas reais. Se o faraó tinha sobre as outras divindades a incontestávelsuperioridade de ser uma entidade viva, nem por isso lhe era fácil invadir o campo de privilégios dos outros deuses, defendidos porpoderosos colégios sacerdotais, pouco dispostos a consentir em tais invasões. E como as diversas divindades tinham competênciaespecializada, a ação de uma criava para outras limitações intransponíveis (Villeneuve apud Queiroz Lima, 1957, p. 61).

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TEORIA POLÍTICA

No modo de produção asiático, o Estado é o grande detentor da propriedade da terra,

e os que participam dele automaticamente podem usufruir dos seus benefícios, o que não

acontece ao restante do povo, do qual convém servir ao Estado, ser explorado, pagar impos-

tos e trabalhar em serviços forçados (Barbosa; Mangabeira, 1985, p. 81-98).

Na visão de Diakov e Kavalev (1987, p. 97), as classes sociais e o Estado surgem em

épocas e em condições diferenciadas. E, para confirmar essa tese, constata-se que o Estado

surge na medida em que há diferenças de classes, o que ocorreu no Egito no fim do 4º

milênio antes da nossa era, quando se iniciou a irrigação com as águas do Rio Nilo propician-

do o cultivo agrícola em seu vale. A produção excedente absorvida pelo Estado tornou pos-

sível a diferença de classes.

Segundo Marx, o indivíduo, na comunidade oriental, “não passa de um acidente ou

um elemento puramente natural”, pois encontra-se submetido à vontade não de si próprio,

mas à vontade do déspota real (encarnação visível de deus) (Marx, apud Pinsky, 1984, p. 14).

O Estado, segundo o entendimento de Engels, em Origem da família, da propriedade

privada e do Estado, é a força de coesão da sociedade civilizada e que, no decorrer da Histó-

ria, serviu aos interesses da classe dominante: “uma máquina destinada a reprimir a classe

oprimida e explorada” (Engels, apud Pinsky, 1984, p. 21). O que faz a História mover-se,

desde os tempos mais antigos, é a ambição: “seu objetivo determinante é a riqueza – mas

não a da sociedade e sim de tal ou qual mesquinho indivíduo” (p. 22).

É, contudo, quase uma unanimidade afirmar-se que o Estado seja um instrumento

que possibilita a uma classe exercer sua dominação violenta sobre as demais (Clastres, apud

Pinsky, 1984, p. 73).

É necessário, inicialmente, para o surgimento do Estado, “que exista antes divisão da

sociedade em classes sociais antagônicas, ligadas entre si por relação de exploração”, o que

significa que a classe dominante exerça uma relação de exploração sobre a classe domina-

da. Tal situação será possível em sociedades que ultrapassarem o necessário para a sua

sobrevivência, acumulando produtos na propriedade privada, privatizando o excedente da

agricultura, priorizando o econômico. Neste sentido, o Estado só é possível nas sociedades

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TEORIA POLÍTICA

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civilizadas, então toda sociedade não-primitiva é uma sociedade de Estado, não importan-

do o modelo social e econômico a ser seguido, em oposição às sociedades primitivas, que

“são sociedades sem Estado”, pois não se preocupam em acumular e a gerar desigualdades.

Nas sociedades primitivas, o chefe não dispõe de “nenhum poder de coerção, de nenhum

meio de dar uma ordem”, não é desse modelo que surgirá o poder despótico.

Esta Unidade procurou analisar a “evolução” do Estado. Trouxe pensadores das ciên-

cias políticas e da Filosofia que discorreram sobre o tema, especialmente Hegel e sua Lições

sobre a Filosofia da História. O importante, para você, estudante, é perceber as transforma-

ções do Estado não só nos períodos históricos, mas também as concepções de Estado para

as diferentes sociedades e civilizações. Vencida esta etapa, passamos ao estudo detalhado

da sociedade grega, que influenciou por meio de sua Filosofia, arte, História e a Política,

muitos outros povos, inclusive todo o Ocidente.

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 4Unidade 4Unidade 4Unidade 4

O Pensamento Político da Sociedade Grega

Seção 4.1

Os gregos: precursores da política e da democracia

Partimos para a análise do mundo grego e, à medida que o conhecemos, vamos aos

poucos notando as razões que nos aproximam desse povo. Os conceitos de Filosofia, Histó-

ria, arte e política que conhecemos na atualidade têm sua origem na civilização grega. Por

tal razão, como vimos na unidade anterior, Hegel, nas Lições sobre a Filosofia da História

Universal, afirmava que, “entre os gregos, sentimo-nos de imediato em casa, pois nos en-

contramos na região do espírito” e no referido povo dá-se a “verdadeira ascensão e por real

renascimento do espírito” (Hegel, 1975, p. 189).

A história grega é dividida por Hegel em três momentos decisivos: inicialmente, com a

formação da real individualidade; em um segundo momento, com a autonomia e a prosperi-

dade na vitória externa e, em um terceiro, com o período de decadência. O fator geográfico

foi preponderante para a formação cultural, econômica e política da Grécia. O litoral

entrecortado e o mar favoreceram o intercâmbio comercial e cultural com outros povos (na-

vegação, migração, contemplação).

Ao se falar em Estado grego consideramos que o mesmo inexistia como Estado úni-

co, isto é, que englobasse toda a civilização helênica. A característica que realmente har-

moniza esta realidade é a cidade-Estado, ou seja, “a pólis, como a sociedade política de

maior expressão” (Dallari, 1995, p. 54). Em termos cronológicos, podemos mencionar o

século 6º a.C. como o início da civilização grega e o século 3º a.C. como o término da

mesma.

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O Estado grego apresenta algumas características fundamentais:

a) em oposição ao Estado oriental, temos na Grécia uma reduzida expressão territorial (na

forma de pólis ou cidade-Estado);

b) o conjunto de cidadãos é que toma as decisões políticas;

c) o conceito e a prática da democracia surgem no tempo de Péricles, pela primeira vez na

História;

d) surge o pensamento político;

e) os cidadãos usufruem intensamente dos direitos que a participação política proporciona.

Foi na antiga Grécia que se iniciaram os argumentos lógico-racionais, ultrapassando,

dessa forma, a visão mítica pela qual o homem, até então, se orientava. Os aspectos geográ-

ficos, políticos e sociais contribuíram, intensamente, para que a antiga Grécia fosse o berço

da racionalidade ocidental. Hegel comenta que a “Grécia é a mãe da filosofia, isto é, da

consciência de que o ético e o jurídico se revelam no mundo divino e de que também o

mundo tem validade” (Hegel, 1975, p. 400).

A História começa com os gregos, porque com eles se inicia a consciência e a realiza-

ção de um fim de natureza universal e não de qualquer fim, ao contrário das nações do

Oriente, nas quais a História encontra-se submersa em uma consciência natural e particu-

lar. Assim, como os orientais são considerados povos infantis, isto é, devem aprender o cami-

nho para alcançar a História Universal, a Grécia é considerada a adolescência, que começa

a negar o estabelecido e procura afirmar-se com uma identidade própria. O entendimento

de Thadeu Weber vai nessa direção, ao descrever que os gregos representam o espírito juve-

nil, porque começam a fazer-se livres por meio da consciência. Com a juventude iniciam-se,

propriamente, as contradições. Superá-las significa elevá-las e guardá-las num nível superior

(Weber, 1993, p. 208).

Assim, o homem grego alcança o espírito universal na medida em que se desprende

dos fatos de natureza particular e começa a produzir as coisas por si mesmo.

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TEORIA POLÍTICA

A cidade grega deixa transparecer a autêntica face do Estado, determinada e instituída

por um acordo entre os indivíduos que, reconhecendo-se mutuamente, fazem um contrato e

se definem como livres: é uma “obra-de-arte política”.

Para que os cidadãos gregos exercessem a participação efetiva na pólis, seriam neces-

sárias a permanência e a perpetuação de escravos para mantê-los e sustentá-los. Argumen-

ta Hegel: A escravidão era a condição necessária de semelhante democracia, onde todo

cidadão tinha o direito e o dever de escutar e pronunciar na praça pública discursos sobre a

administração do Estado, de exercitar-se nos estádios e tomar parte das festas (1975, p.

460). O homem grego, para alcançar sua plena cidadania, deveria estar livre dos trabalhos

manuais da vida cotidiana, deixando estes encargos para os escravos.

4.1.1. A ETIMOLOGIA DA PALAVRA POLÍTICA

A palavra “política” provém dos vocábulos gregos pólis, politeia, política, politikè, ê

Pólis: a cidade, a região, ou ainda a reunião dos cidadãos que formam a cidade; – ê politeia:

o Estado, a Constituição, o regime político, a República, a cidadania (no sentido do direito

dos cidadãos); – ta política: plural neutro de políticos, as coisas políticas, as coisas cívicas,

tudo o que é inerente ao Estado, à Constituição, ao regime político, à República, à sobera-

nia; – ê politikè (techné): a arte da política (Prélot, 1964, p. 7). Em sentido comum, a política

é essencialmente a vida política, a luta em torno do poder; é o fenômeno em si mesmo.1

Para Kitto (1970), a formação da pólis grega resulta, entre outros fatores, de migrações

dos dórios, beócios e tessálios (1200 a.C. em diante). Os núcleos urbanos, construídos em

torno das fortalezas micênicas, se transformam em comunidades político-religiosas autôno-

mas. Ática, Argos, Atenas, Esparta, Tebas, Mileto e Corinto estabelecem relações comerciais

entre si e através de todo o Mediterrâneo. Em torno de 1000 a.C., o intercâmbio comercial

transforma-se num processo de colonização e escravização de outros povos; “pólis é a pala-

vra grega que traduzimos por cidade-Estado. É uma má tradução porque a pólis comum

não se assemelhava muito a uma cidade e era muito mais que um Estado” (p. 107).

1 Para Moses Finley os gregos foram os verdadeiros fundadores da política (1998, p. 31-32).

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TEORIA POLÍTICA

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Na concepção de Chauí (1994, p. 371), pólis significa cida-

de, entendida como comunidade organizada, formada pelos ci-

dadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da cida-

de, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis: a

isonomia (igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito de expor

e discutir em público opiniões sobre ações que a cidade deve ou

não realizar).2 Ser cidadão, para os gregos, significava usufruir

de certas vantagens que nenhum outro homem conhecera. Como

afirma Minogue (1998, p. 19): “Os cidadãos tinham riqueza, be-

leza e inteligência diversas, mas como cidadãos eram iguais”.3

É exatamente na pólis grega (cidade) que se tem uma for-

ma mais acabada e apurada da vida social organizada, o que a

diferencia, e muito, das sociedades anteriores. Segundo Jaeger

(2003), é da pólis que deriva o que entendemos atualmente por

“política” e “político”, e mais, “foi com a pólis grega que apare-

ceu, pela primeira vez, o que nós denominamos Estado – con-

quanto o termo grego se possa traduzir tanto por Estado como

por cidade. Sendo Estado e pólis equivalentes” (p. 98).

Segundo a descrição de Chauí (1994, p. 371), ta politika

são os negócios públicos dirigidos pelos cidadãos: costumes, leis,

erário público, organização da defesa e da guerra, administração

dos serviços públicos (abertura de ruas, estradas e portos, cons-

trução de templos e fortificações, obras de irrigação, etc.) e das

atividades econômicas da cidade (moeda, impostos e tributos, tra-

tados comerciais, etc.).

2 Sobre a “palavra” (a importância da discussão), observa Aristóteles (Pol. I; 2): “É evidente que o homem é um animal mais político doque as abelhas ou qualquer outro ser gregário. A natureza, como se afirma freqüentemente, não faz nada em vão, e o homem é o únicoanimal que tem o dom da palavra. E mesmo que a mera voz sirva para nada mais do que uma indicação de prazer ou de dor, e sejaencontrada em outros animais..., o poder da palavra tende a expor o conveniente e o inconveniente, assim como o justo e o injusto.Essa é uma característica do ser humano, o único a ter noção do bem e do mal, da justiça e da injustiça. E é a associação de seres que têmuma opinião comum acerca desses assuntos que faz uma família ou uma cidade”.

3 O trabalho de Minogue (1998) é uma excelente síntese do pensamento político ocidental.

Erário público

Erário = Fazenda, fisco.Público = relativo ou perten-

cente ao governo de um país;repartição pública; cargo

público.

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TEORIA POLÍTICA

Civitas é a tradução latina de pólis, portanto, a cidade, como ente público e coletivo.

Res publica é a tradução latina para ta politika, significando, portanto, os negócios públicos

dirigidos pelo populus romanus, isto é, os patrícios ou cidadãos livres e iguais, nascidos no

solo de Roma.

Pólis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político atual,

chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços

públicos) e sua administração pelos membros da cidade. Ta politika e res publica

correspondem (imperfeitamente) ao que se designa, contemporaneamente, por práticas

políticas, referindo-se ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos nas to-

madas de decisão e na definição das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direi-

tos e das obrigações dos membros da comunidade política às decisões concernentes ao

erário ou fundo público.4

Afirmar que os gregos e romanos inventaram a política não significa dizer que, antes

deles, não existissem o poder e a autoridade política propriamente dita.5 Para compreender-

mos o que se pretende dizer com isso, convém examinarmos como era concebido e praticado

o poder nas sociedades que não as greco-romanas.6

Chauí afirma que os gregos e romanos foram os pioneiros na política, mesmo que, no

começo, ambos tivessem conhecido a organização econômico-social de tipo despótico ou

patriarcal, próprio das civilizações orientais (1994, p. 374). Assim, um conjunto de medidas

foi tomado pelos primeiros dirigentes – os legisladores –, de modo a impedir a concentração

do poder e da autoridade nas mãos de um rei, senhor da terra, da justiça, das armas, repre-

sentante da divindade.7

4 Para Châtelet (1985, p. 13), a pólis, a cidade grega, é entendida como um dos produtos mais marcantes do “milagre grego”.

5 Segundo Minogue (1998, p. 20), os gregos foram os pioneiros na política. O que vem antes deles, o despotismo oriental, não é política.

6 Conferir a análise de Chauí (1994, p. 371-381) sobre o conceito de política, segundo a etimologia. A invenção da política, segundo aautora, dá-se com os gregos e romanos, bem como todo o vocabulário político que conhecemos atualmente refere-se aos gregos eromanos. A política é entendida pelos gregos como “vida boa”, como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. Para os gregos,a finalidade da vida política é a justiça (entendida como concórdia) na comunidade.

7 Não apenas a política inicia-se com os gregos, mas “a poesia épica, a história, o drama, a filosofia com todos os seus ramos, desde ametafísica até a economia, a matemática e muitas das ciências naturais – tudo isto começa com os gregos” (Kitto, 1970, p. 14).

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TEORIA POLÍTICA

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Afirmar que os gregos e romanos foram os inventores da política não significa a insti-

tuição de uma “sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos

nossos” (Chauí, 1994, p. 376). Em primeiro lugar, a “economia era agrária e escravista, de

sorte que uma parte da sociedade – os escravos – estava excluída dos direitos políticos e da

vida política. Em segundo lugar, a sociedade era patriarcal e, conseqüentemente, as mulhe-

res também estavam excluídas da cidadania e da vida pública. A exclusão atingia também

estrangeiros e miseráveis” (p. 376-377).

Quem realmente participava da pólis? A cidadania era exclusiva dos homens adultos,

livres e nascidos no território da cidade. Como nos esclarece Chauí (1994, p. 377):

A diferença de classe social nunca era apagada, mesmo que os pobres tivessem direitos políticos.

Assim, para muitos cargos, o pré-requisito da riqueza vigorava e havia mesmo atividades porta-

doras de prestígio que somente os ricos poderiam realizar. Era o caso, por exemplo, da liturgia

grega e do evergetismo romano, isto é, de grandes doações em dinheiro à cidade para festas,

construção de templos e teatros, patrocínios de jogos esportivos, de trabalhos artísticos.

Como vimos, o conceito de política, no sentido originário, provém de pólis (politikos),

cidade e tudo o que se refere a ela; conseqüentemente, a tudo que é urbano, civil e público.

O filósofo Platão, na obra A República, tratou da política e do Estado ideal.8 Abordou

as formas ideais e degeneradas de política. Também Aristóteles tratou sobre o tema na obra

A Política. Este foi o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisões do Estado sobre as

várias formas de governo. Originalmente, a política é apenas uma ciência do Estado.

Aristóteles tratou das três formas de poder: o poder paterno, pelo interesse dos filhos; o poder

despótico, pelo interesse do senhor, e o poder político, pelo interesse de governantes e gover-

nados. Atualmente o conceito de política se ampliou e refere-se a atividades que de alguma

forma têm por referência a pólis.

8 Sobre a questão do Estado em Platão, Jaeger, na Paidéia (2003, p. 1.330) afirma que: “... para Platão o Estado nunca é o mero poder,mas sempre a estrutura espiritual do homem que o representa”. E o governante, para Platão, deve conhecer os valores supremos, “...isto é, das coisas de que vale a pena preocupar-se na ação” (Jaeger, 2003, p. 1.372).

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TEORIA POLÍTICA

4.1.2. A ORIGEM DO CONCEITO DEMOCRACIA

A palavra democracia, de origem grega, significa, pela etimologia, demos – povo, e

kratein – governar. Foi o historiador Heródoto quem utilizou o termo democracia pela pri-

meira vez no século 5 antes de Cristo (Outhwaite; Bottomore, 1996, p. 179).9

Há um entendimento unânime sobre as várias e possíveis “invenções” da democracia

em períodos e espaços determinados da História e da Geografia do Ocidente: “como o fogo,

a pintura ou a escrita, a democracia parece ser inventada mais de uma vez, em mais de um

local [...] depende das condições favoráveis” (Dahl, 2001, p. 19). Grécia e Roma consolida-

ram por séculos seus sistemas de governos, possibilitando e permitindo a participação de um

significativo número de cidadãos. Com o desaparecimento das civilizações clássicas, a de-

mocracia desaparece com elas e por um bom tempo ficará fora de cena no Ocidente.

A democracia grega era uma democracia direta em que os próprios cidadãos tomavam

as decisões políticas na pólis. O modelo de democracia dos antigos foi denominado de de-

mocracia pura, pois consistia em uma sociedade com um número pequeno de cidadãos, que

se reunia e administrava o governo de forma direta. Já as democracias modernas nascem

com a formação dos Estados nacionais e tendem a se configurar de maneira um tanto di-

ferenciada. A complexidade da sociedade moderna exige uma outra forma de organização

política, a da democracia indireta (também chamada de democracia representativa): “essa

combinação de instituições políticas originou-se na Inglaterra, na Escandinávia, nos Países

Baixos, na Suíça e em qualquer outro canto ao norte do mediterrâneo” (Dahl, 2001, p. 29).

Já do ano 600 ao ano 1000 d.C., os vikings, na Noruega, faziam experiências com Assem-

bléias locais, mas só os homens livres participavam: “abaixo dos homens livres estariam os

escravos” (p. 29). Também na Inglaterra, ainda no período medieval, emerge o Parlamento

Representativo das Assembléias, convocadas esporadicamente, sob a pressão de necessida-

des, durante o reinado de Eduardo I, de 1272 a 1307.

9 O propósito deste capítulo não é aprofundar o debate sobre a origem da democracia clássica dos gregos e romanos (democracia antiga),no entanto sugerimos alguns autores que tratam o tema: Anderson (1998), Arendt (1995), Hegel (1975), Minogue (1998), Kitto(1970), Jaeger (s.d), Chauí (1994), Aranha e Martins (1993), Barker (1978), Aquino et al (1988), Pinsky (1984) e Coulanges (s.d.). Odesdobramento dos debates sobre o desenvolvimento do conceito de democracia, bem como os limites de seus pressupostos desde ademocracia clássica ateniense até as vertentes contemporâneas, já foram muito bem expostos nos trabalho de Held (1987) e Dahl(2001), entre outros.

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Bem mais tarde, nos séculos 15 e 16, a democracia reaparece gradativamente nas ci-

dades do Norte da Itália no período renascentista:

Durante mais de dois séculos, essas repúblicas floresceram em uma série de cidades italianas. Uma

boa parte dessas repúblicas, como Florença e Veneza, eram centros de extraordinária prosperida-

de, refinado artesanato, arte e arquitetura soberba, desenho urbano incomparável, música e poesia

magnífica, e a entusiástica redescoberta do mundo antigo da Grécia e de Roma (Dahl, 2001, p. 25).

É assim que, lenta e gradativamente, a democracia vai consolidando-se nas socieda-

des avançadas da modernidade. Impulsionado pelas revoluções liberais, como a Revolução

Gloriosa na Inglaterra (1688/89), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa

(1789), o homem moderno passa a ver garantida, nas suas respectivas Constituições, a defe-

sa dos direitos individuais (vida, liberdade e propriedade). Tem-se aí a consolidação da de-

mocracia liberal, defendida, principalmente, por John Locke. É certo, porém, que tais direi-

tos foram restritos a uma pequena parcela da população e que a desigualdade perdurou por

muito tempo: na Inglaterra, em 1832, o direito de voto era para apenas 5% da população

acima dos 20 anos de idade. O que está em jogo nas Constituições liberais e nos sistemas

políticos modernos são única e exclusivamente os interesses da classe burguesa e o freamento

da participação para o restante da população.

Nota-se que, mesmo que a democracia inventada pelos gregos nos séculos 5º e 4º a.C.

fosse elitista e escravista (participação restrita), ela não deixou de significar um avanço em

relação às tiranias teocráticas das civilizações orientais que a antecederam. Logo após esse

período, a democracia desapareceu por séculos e, depois disso, foi só no final do século 18 e

no século 19 que a idéia voltou a se tornar importante; e apenas no século 20 ela se viu

devidamente afirmada na prática.10 É somente depois da Primeira Guerra Mundial que a

desaprovação geral da democracia foi substituída pela aprovação generalizada (Outhwaite;

Bottomore, 1996, p. 180).

É necessário ressaltar, ainda, que as civilizações greco-romanas eram, de certa forma,

mediterrâneas, ou seja, dependiam desse mar para o intercâmbio comercial e cultural: “O

transporte marítimo era o único meio viável para a troca de mercadorias a média e a longa

10 É claro que houve muitas experiências democráticas, como vimos anteriormente, mas a afirmação da democracia é recente.

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TEORIA POLÍTICA

distância” (Anderson, 1998, p. 20). É inconcebível entender as civilizações antigas sem o

mar, pois o mesmo era, segundo Anderson, “condutor do brilho duvidoso da Antiguidade”

(Idem, p. 21).

Como vimos, a democracia foi uma criação da genialidade dos gregos, mais precisa-

mente da pólis (cidade-Estado) de Atenas. O termo foi concebido a partir das profundas

reformas sociais e políticas de Clístenes, no final do século 6º a.C. É importante ressaltar

que o termo “democracia” não pode ser entendido sob a tradução cômoda e reducionista de

“governo do povo”. Para os gregos, “democracia” representava o governo dos demos, que

eram um tipo de distrito territorial composto por homens livres, capazes de tomar as decisões

da “cidade” (pólis), isto é, uma forma direta de exercer a ação política, sem as formas repre-

sentativas das democracias modernas.11

No chamado período arcaico (séculos. 8º a 6º a.C.), ocorreram grandes alterações com

o desenvolvimento das atividades comerciais, o que determinou o aparecimento de diversas

pólis (cidades-Estados) na Grécia Antiga. A passagem da predominância do mundo rural da

aristocracia (donos de terras) para o mundo urbano vem acompanhada de outras mutações

igualmente importantes, como o surgimento da escrita, da moeda, das leis escritas, e culmi-

nou com o aparecimento de uma nova racionalidade, a Filosofia (logos), que deu autono-

mia ao homem grego de pensar por si só. A origem do cosmos e do homem não será mais

explicada a partir dos mitos e das divindades, mas a partir da própria razão do homem.

A conseqüência de tais alterações para a política se faz sentir de maneira diferente

conforme o lugar. Em Atenas, porém, desenvolveram-se sobretudo as concepções de cidada-

nia e de democracia, que viveram o seu momento de apogeu no século 5º a.C.12 Em oposi-

ção à idéia aristocrática de poder, o cidadão poderia e deveria atuar na vida pública inde-

pendentemente da origem familiar, classe ou função.13 Todos são iguais, tendo o mesmo

direito à palavra e à participação no exercício do poder.

11 Conferir o artigo de Karnikowski (2000).

12 No século 5º havia talvez de uns 80 mil a 100 mil escravos em Atenas para 30 a 40 mil cidadãos (Wetermann, apud Anderson, 1998,p. 176).

13 Hannah Arendt (1995, p. 41) apresenta uma diferença substancial entre a pólis e a família. Na pólis todos são iguais, na família hádiferenças: “A pólis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer ‘iguais’, ao passo que a família era o centro da maissevera desigualdade”.

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TEORIA POLÍTICA

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Na verdade, eram considerados cidadãos aproximadamen-

te 10% da população ativa da cidade, sendo excluídos os estran-

geiros, as mulheres e os escravos.14 O importante, no entanto, é

que se desenvolveu uma nova concepção do poder, opondo a de-

mocracia à aristocracia e o ideal do cidadão ao do guerreiro.15

O homem (cidadão) era detentor do saber – o ser da Filosofia

tinha direito de filosofar, de participar da academia (culto à beleza

física), do estudo e do poder (direito de comandar politicamente

todos os interesses da pólis, por meio da sugestão/criação de leis e

normas administrativas). A produção cultural, o pensamento filo-

sófico, a academia, eram uma exclusividade dos varões, isto é, de

uma minoria. Cidadão, segundo o teórico Coulanges (s/d),

é todo o homem que segue a religião da cidade, que honra os

mesmos deuses da cidade, (...) o que tem o direito de aproximar-se

dos altares e, podendo penetrar no recinto sagrado onde se reali-

zam as assembléias, assiste às festas, acompanha as procissões, e

participa dos panegíricos, participa dos banquetes sagrados e re-

cebe sua parte das vítimas. Assim esse homem, no dia em que se

inscreveu no registro dos cidadãos, jurou praticar o culto dos deu-

ses da cidade e por eles combater (s/d, p. 135).

Os escravos e os bárbaros não podiam tomar parte dos am-

bientes sagrados.

Segundo alguns teóricos, apenas 10% dos habitantes eram

considerados cidadãos em Atenas. A fim de reduzir as despesas

do Estado, o governo restringiu o direito de cidadania: somente

os filhos de pai e mãe atenienses seriam considerados cidadãos.

14 Os dados sobre o número exato de habitantes (cidadãos, escravos e bárbaros) de cada cidade-Estado são divergentes entre os estudiosos.Diz Kitto (1970, p. 110) que “só três poleis tinham mais de 20 mil cidadãos – Siracusa, Acragas (Agrimento), na Sicília, e Atenas”.Segundo Anderson (1998, p. 176), Atenas talvez tivesse uma população de 250 mil pessoas.

15 Segundo Aranha e Martins (1993, p. 191), apenas 10% dos atenienses eram considerados cidadãos (cerca de meio milhão dehabitantes), trezentos mil eram escravos e cinqüenta mil metecos (estrangeiros).

Panegíricos

Discurso público em louvor aalguém ou a um ser abstrato.Elogio solene. Que louva, que

contém louvor; elogioso,laudatório. A etimologia do

termo, segundo o dicionárioHouaiss, vem do gr.

panégurikós, é, ón “que dizrespeito a uma festa nacional,em assembléia geral, daí festasolene; elogio público pronun-ciado em festa nacional”, pelolat. panegyrìcus, i “discurso

laudativo”.

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TEORIA POLÍTICA

As mulheres, os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram desprovidos de quais-

quer direitos políticos (Aquino et al, 1988, p. 200).16 A mulher era considerada o “não-

ser”. Equiparada aos escravos, cuidava dos afazeres “domésticos”, servia como instru-

mento de procriação, não participando, portanto, das decisões da pólis.17 O filho, de prefe-

rência, deveria ser homem, sendo candidato em potencial a exercer a cidadania. O escravo

servia de mão-de-obra para sustento e manutenção dos cidadãos (60 mil para 30 mil cida-

dãos).18

Algumas características principais da pólis grega: reduzida extensão territorial; o cen-

tro da vida política é o povo, ou o conjunto dos cidadãos; surge nas cidades-Estado gregas,

pela primeira vez na História, o conceito e a prática da democracia ateniense (no tempo de

Péricles); nasce, igualmente, o pensamento político e o Direito Constitucional; os cidadãos

gozam intensamente de direitos de participação política. Em síntese, o grego é, por excelên-

cia, o homem dado aos debates na Agora, aos discursos e às discussões políticas (Prélot,

1973, Livro 1, p. 32).19

16 “O cidadão era o homem cujos pais fossem ambos atenienses natos, sendo 20% da população, os outros 80% eram considerados‘bárbaros ou comuns’ (Thomas, 1967, p. 62); “É verdade que havia ali uns 80.000 escravos de ambos os sexos, e apenas 40.000cidadãos, o que daria dois escravos para cada cidadão” (Barker, 1978, p. 45). Ainda sobre a população de Atenas: “A população totalde Atenas na época pode ser estimada de 300.000 a 400.000 habitantes. Este total inclui: i) cidadãos, suas esposas e seus filhos,totalizando mais de 160.000 pessoas; ii) os metecos, ou estrangeiros residentes, a quem os atenienses dispensavam tratamentogeneroso, e que chegavam a 45.000, contanto só os adultos, ou a mais de 90.000, incluindo as crianças; iii) os escravos, cujo númerose estima em 80.000”.

17 A função essencial das mulheres, na Grécia, era apenas a procriação, além de serem equiparadas aos escravos: Aristóteles descreve quemulheres e escravos eram mantidos fora da vista do público, eram os trabalhadores que “com o seu corpo, cuidavam das necessidades(físicas), da vida” (Política 1254b25). “As mulheres que, com seu corpo, garantem a sobrevivência física da espécie. Mulheres eescravos pertenciam à mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias – não somente porque eram propriedade de outrem,mas porque a sua vida era “laboriosa”, dedicada a funções corporais” (Aristóteles, apud Arendt, 1995, p. 82-83).

18 A democracia ateniense, segundo Aquino et al (1988, p. 196), era uma democracia escravista, pois o trabalho escravo era a base da vidaeconômica da sociedade, e os trabalhadores escravos, que consistiam senão a maioria, pelo menos uma parcela considerável dapopulação da Ática, não possuíam quaisquer direitos civis ou políticos.

19 Péricles faz o elogio da democracia. Segundo o estadista, a democracia ateniense é a escola da Grécia e ressalta seu aspecto original:“não imitamos a Lei dos nossos vizinhos” (Prélot, 1973, Livro 1, p. 56). Também Eurípedes e Isócrates deixaram seu testemunho emfavor da democracia. Diz Isócrates: “Estabelecemos entre os outros a nossa Constituição” (p. 64).

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TEORIA POLÍTICA

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Agora (Praça Pública) de Atenas20

4.1.3. UMA DEMOCRACIA ESCRAVISTA

A brilhante civilização grega no período clássico (séculos 5º e 4º a.C.) emergiu sob o

regime escravista. Não existe cidadão nem pólis sem a contribuição maciça dos escravos;

por isso, costuma-se afirmar que a democracia grega era escravista. Os escravos eram em-

pregados na manufatura, na indústria, na agricultura e na vida doméstica. O número de

escravos para cada cidadão difere de comentador para comentador. Alguns afirmam que

existiam de 3 a 7 escravos para cada cidadão. Aristóteles e Platão, dois grandes pensadores

da Antiguidade, são unânimes ao afirmar a necessidade do trabalho escravo para o ócio do

cidadão: “O melhor Estado não fará de um trabalhador manual um cidadão, pois a massa de

trabalhadores manuais é hoje escrava ou estrangeira” (Aristóteles, apud Anderson, 1998, p.

26). Platão excluía os artesãos dos benefícios de participar da pólis: “O trabalho permanece

alheio a qualquer valor humano e em certos aspectos parece mesmo a antítese do que seja

essencial ao homem” (apud Anderson, 1998, p. 27).

Como vimos, é preciso considerar a democracia grega dentro da lógica da escravidão.

Em vista disso muitos pensadores da Antiguidade clássica não apenas aceitaram, mas justi-

ficaram a existência da escravidão.

20 Ao centro a Agora (praça pública = debate público), acima, à direita, vê-se o Parthenon, símbolo do poder ateniense no fim do século5º. O Parthenon era um dos templos da acrópole de Atenas. Ictinos e Calícrates foram os arquitetos; Fídias foi o diretor da obra, viveuentre os anos de 447/433 a. C.

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TEORIA POLÍTICA

Jaime Pinsky (1984) relata, no capítulo primeiro de sua obra, 100 Textos da História

Antiga, que o comércio de escravos era uma prática comum entre os amoritas já no século

19 a.C. e que o Código de Hamurábi justificava a escravidão: “Se um homem comprou um

escravo ou escrava e (se) este não tiver cumprido um mês (de serviço) e (se) uma moléstia

(dos membros) se apossou dele, ele retornará a seu vendedor e o comprador que despendeu.

Se um homem comprou um escravo ou uma escrava e (se) surgir reclamação, seu vendedor

satisfará a reclamação” (Código de Hamurábi, GG. 278 / 282, apud Pinsky, 1984, p. 9).

Entre os hebreus, a prática da escravidão seguia algumas regras estabelecidas. Primei-

ra: os escravos trabalhariam seis anos para seu patrão e, no final do último ano, seriam

libertos (ano sabático). Segunda: os escravos não poderiam ser maltratados, vindo, se isso

acontecesse, o seu dono (o patrão) a sofrer duras penas. Geralmente os escravos provinham

dos hebreus de outras nações ou eram comprados como forasteiros que peregrinavam por

terras hebraicas.21

Até mesmo o grande filósofo grego Aristóteles justificava a escravidão por considerar

que há homens escravos pela sua própria natureza e somente um poder despótico (legítimo)

é capaz de governar.22

A necessidade do Estado é decorrente, segundo Aristóteles, das necessidades individuais.

O homem só sentiu falta do Estado quando a satisfação de suas necessidades elementares

não bastava. Só o Estado poderia dar ao indivíduo proteção para que ele realizasse seus

ideais éticos, morais e políticos.

A família apenas dá ao homem a sobrevivência física. O Estado é, portanto, utilitário.

A escravidão não era só admitida como até justificada. Os governantes deveriam ser os

dotados de aptidões espirituais. Àqueles que não possuíam dotes intelectuais – escravos e

estrangeiros – estavam reservados os trabalhos mais humildes. O escravo era considerado

incapaz para exercer a cidadania.

21 Pode-se conferir o Livro do Êxodo (21.1-11, 20-21, 26-27); Levítico (25.39-52). (In: Bíblia Sagrada).

22 A visão que Aristóteles tem sobre a mulher, os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é de seres excluídos da cidadania. Conferir Minogue(1998, p. 22).

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TEORIA POLÍTICA

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O escravo, para Aristóteles, era considerado um bem animado que estava a serviço de

outros instrumentos. Aristóteles também distingue os instrumentos de produção dos instru-

mentos de ação: o escravo pertence ao segundo grupo e as máquinas ao primeiro. O escravo

é propriedade de seu senhor, isto é, faz parte do mesmo, então pertence ao senhor por com-

pleto. Por natureza, “o escravo não pertence a si mesmo, senão a outro, sendo homem, esse

é naturalmente escravo; é coisa de outro, aquele homem que, a despeito de sua condição de

homem, é uma propriedade e uma propriedade sendo de outra, apenas instrumento de ação,

bem distinta do proprietário” (Aristóteles, A política, Livro I, 4, 1253b 25ss, apud Pinsky,

1984, p. 12).

No Império Romano, o escravo é uma espécie de homem de segunda categoria, utiliza-

do como mão-de-obra para a sustentabilidade dos cidadãos. Os escravos estavam submeti-

dos ao poder de seus amos. Esta norma já estava estabelecida como direito dos povos, “pois

podemos observar que, de um modo geral, em todos os povos, o amo tem sobre os escravos

poder de vida e de morte, e tudo aquilo que se adquire por intermédio do escravo pertence ao

amo” (Pinsky, 1984, p. 15). O bárbaro que, sendo estrangeiro,23 não tendo sangue grego,

nem ser humano era considerado.24

A Grécia, entretanto, não se tornou importante referência apenas por ser precursora

da política e da democracia. Em seus méritos também está a criação da Filosofia, como

veremos na seção seguinte.

23 Se ao cidadão dá-se o direito de participar das decisões e dos cultos da cidade, ao estrangeiro, o contrário: “O estrangeiro é aquele quenão tem acesso ao culto, a quem os deuses da cidade não protegem e nem sequer tem o direito de invocá-los” (Coulanges, s/d, p. 135).“Admitir um estrangeiro entre os cidadãos é ‘dar-lhe participação na religião e nos sacrifícios’” (Demóstenes, in: Neaeram, 89, 91,92, 113, 114, apud Coulanges, s/d, p. 136); “Ninguém podia naturalizar-se cidadão de Atenas, quando já o fosse de outra cidade”(Plutarco, Sólon, 24. Cícero, Pro Caecina, 34, apud Coulanges, s/d, p. 136): “O estrangeiro não tinha direito algum. Se entrava norecinto sagrado que o sacerdote havia delimitado para a assembléia, era punido com a morte. As leis da cidade não existiam para ele.Se cometesse algum delito, tratavam-no como um escravo e puniam-no sem processo, pois a cidade não lhe devia nenhuma justiça”(Aristóteles, A Política, III, I,3. Platão, Leis, VI, apud Coulanges, s/d, p. 136): “Podia-se acolher bem o estrangeiro, velar por ele,estimá-lo mesmo se fosse rico ou honrado, mas não se lhe dava parte na religião e no direito. O escravo, de certa maneira, era maisbem tratado que o estrangeiro; na verdade, sendo membro de uma família, da qual participava do culto, estava ligado à cidade porintermédio de seu senhor; os deuses protegiam-no. Por isso a religião romana dizia que o túmulo do escravo era sagrado, mas nãoconsiderava igualmente sagrado o do estrangeiro” (Digesto, liv. XI, tít. 7, 2; Liv. XLVII, tít. 12, 4, apud Coulanges, s/d, p. 137).

24 É importante mencionar que a palavra bárbaro, para os gregos, não contém o mesmo significado que lhe damos atualmente, não eraum termo de desprezo ou repugnância, mas apenas era considerado bárbaro “aquele que não falava grego”, ou “pertencesse a algumatribo selvagem da Trácia, ou a uma das luxuosas cidades do Oriente, ou do Egito, que, como os gregos bem sabiam, tinha sido um paísorganizado e civilizado muitos séculos antes de a Grécia existir (Kitto, 1970, p. 12); “O estrangeiro (bárbaro) não era cidadão” (Aquinoet al, 1988, p. 191).

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TEORIA POLÍTICA

Seção 4.2

A origem da Filosofia na Grécia

Para Werner Jaeger (2003, p. 1.062), “[em] última instân-

cia, foi do ventre materno da poesia, a mais antiga paidéia dos

gregos, que tanto a Filosofia como a Retórica brotaram, e à mar-

gem desta origem não poderiam ser compreendidas”. Em nota

(nota 6, p. 1062) acrescenta Jaeger: “A Filosofia grega só pode

ser avaliada na sua importância como membro do organismo da

cultura, desde que seja ligada, da maneira mais íntima, à histó-

ria da cultura grega”.

4.2.1. A FILOSOFIA É “FILHA” DA PÓLIS

O homem grego abandonou, aos poucos, a explicação mi-

tológica (religião) e passou a dar justificação racional para os

problemas de ordem cosmológica (origem do mundo) e antropo-

lógica (origem do homem).25 Os filósofos fundamentavam suas

idéias em conceitos universais. Por exemplo, o conceito de justi-

ça deveria contemplar a justiça a todos os homens e não apenas

a interesse de grupos, como defendiam os sofistas. Os filósofos

trouxeram importantes contribuições para o pensamento políti-

co. Críticos dos costumes e da sociedade do seu tempo, foram

também adversários do regime democrático, por entenderem que

a sua base não era o saber verdadeiro, pois permitia que a falsi-

dade e a incompetência, desde que apoiadas na vontade da maio-

ria, se impusesse.26 Pesou também, na sua oposição à democra-

25 Sobre os gregos e a história da Filosofia conferir o trabalho de Finley (1998), especialmente o capítulo 8º.

26 Para Platão, por exemplo, há um paralelismo entre Estado e homem. Nas “formas estatais da timocracia, da oligarquia, da democraciae da tirania, Platão distingue um tipo de homem timocrático, oligárquico, democrático e tirânico; e entre esses tipos de Homem, talcomo as diversas formas de Estado, estabelece diferentes graus de valor, até chegar ao tirano, último grau da escala e reverso do homemjusto” (Jaeger, 2003, p. 928-929).

Paidéia

segundo Werner Jaeger, era o“processo de educação em suaforma verdadeira, a formanatural e genuinamentehumana” na Grécia antiga.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Paid%C3%A9ia>.Acesso em: 10 jan. 2008.

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TEORIA POLÍTICA

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cia,27 a existência de concepções elitistas acerca da natureza

humana: eles não acreditavam na igualdade fundamental entre

os seres humanos. Aristóteles, por exemplo, defendia a escravi-

dão e o predomínio masculino como uma decorrência da própria

natureza: há pessoas que, por natureza, tendem para o mando;

outras para obedecer – entre estas últimas coloca os escravos.

Essa visão negativa acerca da democracia perdurou entre os in-

telectuais até por volta do século 17.

Nesse sentido é correto afirmar que política e Filosofia nas-

ceram na mesma época. Por serem contemporâneas, diz-se que

“a Filosofia é filha da pólis” e muitos dos primeiros filósofos (os

chamados pré-socráticos) foram chefes políticos e legisladores de

suas cidades. Por sua origem, a Filosofia não cessou de refletir

sobre o fenômeno político, elaborando teorias para explicar sua

origem, sua finalidade e suas formas. A esses filósofos que estu-

daremos na seqüência devemos a distinção entre poder despótico

e poder político.28

4.2.2. OS PRÉ-SOCRÁTICOS

Pode-se afirmar, inicialmente, que a preocupação essenci-

al dos primeiros pensadores gregos era com o cosmos (nature-

za), no qual procuravam a arché (origem, essência) de todas as

coisas.

27 Sobre a concepção de “Homem Democrático” para Platão: “Tão cedo viverá entre canções e vinho, como beberá água e emagrecerá;tão cedo se dedicará ao esporte como se sentirá mole e inativo ou entregue apenas aos interesses especiais. Às vezes lança-se napolítica, levanta-se e fala, outras vezes retira-se para o campo, por achar formosa a vida rural, ou então dedica-se à especulação. A suavida carece de ordem, mas ele a chama de vida formosa, liberal e feliz. Este homem é uma antologia de diversos caracteres e albergaum tesouro de ideais que se excluem uns aos outros” (Platão, apud Jaeger, 2003, p. 950).

28 Ser filósofo é ser, segundo Castoriadis (1987, p. 114), cidadão por excelência: “O filósofo foi, na Grécia, durante um longo períodoinicial, nada mais nada menos que um cidadão. Por isso, às vezes, foi chamado a “dar leis” à sua cidade ou a uma outra. Sólon é oexemplo mais célebre”.

Heráclito de Éfeso

Disponível em:<http://

www.educacion.yucatan.gob.mx/images/fotos/

tn_200411183168.jpg>.Acesso em: 28 nov. 2007.

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TEORIA POLÍTICA

O primeiro grande filósofo que a História apresenta é Tales de Mileto, nascido no

século 6º29 , que procurou, pela razão, o primeiro princípio – a arché – que pudesse explicar

toda a realidade cósmica. Foi o primeiro a lançar as bases do materialismo espontâneo ou

da Filosofia da natureza: “Tudo na Natureza derivava de um elemento básico, a água”

(Aquino et al, 1988, p. 212). E chega a esta conclusão: uma vez que as chuvas geram a

fecundidade e todos os seres vivos têm necessidade de umidade, é a água o elemento pri-

mordial de onde nascem todos os seres e que compõe os mesmos.

Outros importantes pensadores surgem neste período: Anaxímines teorizava que a

natureza se desenvolveu a partir do ar (a própria alma é ar); Anaximandro30 afirmava que o

apeiron (matéria) é a base do mundo.

Na segunda metade do século 6º a.C. surgiram os pitagóricos (escola fundada por

Pitágoras). Acreditavam que o número era a essência do Universo, “a medida de todas as

coisas” (a Matemática = Geometria e Aritmética).31 Com Heráclito (fim do século 6º a.C. e

começo do século 5º), foram criados os fundamentos da concepção dialética do mundo, pois

“tudo está em constante movimento”, devir (vir-a-ser).

Para Parmênides de Eléia (que vivei na 1ª metade do século 5º a.C.), o ser é e o não-ser

não é (o devir é impossível). Procurou distinguir aquilo que era objeto puramente da razão

(o que chamou Verdade) e o que era dado pela observação, pelos sentidos – o que denomi-

nou opinião. Na visão de Aquino et al (1988, p. 213), Parmênides abriu discussões que

ainda hoje persistem, como as questões entre a razão e a experiência, entre teoria e prática,

idealismo e materialismo.

29 Ver também Os Pensadores. História da Filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. Especialmente, cap. Os PrimeirosFilósofos.

30 Para Jaeger (2003, p. 183), Anaximandro é a figura mais importante dos físicos milesianos, para elucidarmos o espírito daquelaFilosofia arcaica. É o único de cuja concepção do mundo podemos obter uma representação exata. Nele se revela a prodigiosaamplitude do pensamento jônico. Foi ele quem primeiro criou uma imagem do mundo de verdadeira profundidade metafísica e rigorosaunidade arquitetônica. Foi ele também o criador do primeiro mapa da Terra e da Geografia científica. Remonta, igualmente, aostempos da Filosofia nascida em Mileto, a origem da Matemática grega.

31 Pitágoras também esboça uma teoria da harmonia musical, ligada aos números: “Conta-se que Pitágoras, examinando a música, teriadescoberto que o som varia de acordo com o comprimento da corda, numa relação proporcional simples: diminuindo pela metade ocomprimento da corda obtém-se uma oitava acima; um acorde (ou harmonia) mais simples é produzido quando o comprimento dascordas está na razão de 3:4:5. a música, em suma, é uma relação numérica, e se desagradável, sem harmonia, é porque a relação entreos números não se encontra em uma proporção justa” (Os Pensadores, 1999, p. 28).

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Por fim ainda podemos citar Demócrito (470 a.C. – 370 a.C),

que afirmava ser a natureza composta de partículas sólidas e

indivisíveis – os átomos –, cujos arranjos e movimentos

condicionavam a diversidade dos fenômenos naturais e sociais.

4.2.3. A CONTRIBUIÇÃO DOS SOFISTAS NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA GREGA

A partir da metade do século 5º, após as guerras persas até

o final do século seguinte, o poder político da antiga aristocracia

e da tirania foi substituído, em várias cidades gregas, pela demo-

cracia escravocrata, comandada pela oligarquia32 que, pela pri-

meira vez, assume a vida política de Atenas. Atenas é o centro da

vida cultural grega. O desenvolvimento da nova ordenação de-

mocrática, com comícios, assembléias e tribunais, tornou possí-

vel a participação dos cidadãos comuns na administração da pólis.

Essa participação, no entanto, estava limitada àqueles que ti-

nham eloqüência e persuasão, como os antigos representantes

aristocráticos, cuja cultura e formação política provinham da tra-

dição familiar, o que não é o caso dos novos detentores do poder.

Como eles não tinham essa formação, foi necessário educá-los

para poderem competir em igualdade de condições e alcançar o

objetivo colimado na pólis. Em decorrência dessa necessidade,

surgiram em Atenas mestres que propugnaram a constituição de

técnicas de persuasão. Esses novos mestres se chamavam sofistas.

Sofista significa educador. Não para uma educação popu-

lar, mas formação de elites (educação dos nobres), de chefes polí-

ticos. Para se ter esta instrução, pagava-se, por vezes, bastante

caro. Esses mestres eram itinerantes, circulavam de terra em ter-

Protágoras

O mais eminente sofista.

Disponível em:<http://www.mundocitas.com/

fotos/968.jpg>.Acesso em: 27 nov. 2007.

32 Ricos proprietários de terras (Os Pensadores, 1999, p. 16).

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TEORIA POLÍTICA

ra, tinham acesso a várias formas culturais, aos usos e costumes de diferentes povos e luga-

res. Nesses contatos tiveram oportunidade de comparar as diversas instituições políticas,

éticas e religiosas. Constataram a convenção humana, por acordo e pelo hábito, na cultura,

costumes e leis; em conseqüência dessa observação, acabaram difundindo a idéia de que

tudo é relativo.33

Segundo Cotrim (2002),34 os sofistas destacaram-se como mestres do saber político e

da retórica.35 Eles deveriam propiciar aos alunos as habilidades da polêmica e da oratória,

sem as quais um político estava privado de sua principal virtude. Esta é a capacidade da

oratória de cada um que determina o que é justo e não o conhecimento profundo das leis. As

técnicas de discurso não procuravam a verdade, mas provar um determinado ponto de vista;

em alguns casos, falseavam-na conscientemente. Essa indiferença ao tema de que se trata-

va e a tese que se defendesse levou ao desprezo às doutrinas, devendo o aluno ser capaz de

defender qualquer tese, verdadeira ou falsa, boa ou ruim. Assim, atribuíram relatividade a

todas as noções, regras básicas e valores humanos. O aluno deveria conhecer as disciplinas

que consideravam a palavra como tal: Gramática e Retórica. Persuadir era tão importante

que Protágoras chegou a afirmar: “Devemos tornar a parte mais fraca em mais forte”. E,

segundo Górgias, a palavra é o dom com o qual podemos fazer tudo, envenenar e encantar.

O trabalho com a palavra dependia do ensino da gramática, de que eles são os iniciadores,

da crítica literária, da prosa artística, com o ritmo próprio e distinto da poesia, que é também

criação deles, tudo isso tendo em vista a eloqüência. Não descuravam, porém, da Matemá-

tica, Aritmética, Geometria, Astronomia e Música.

Dentre os principais sofistas destacam-se: Protágoras de Abdera, Górgias de Leôncio,

Trasímaco de Calcedônia, Pródico de Cléos, Hípias de Hélade, Crítias de Atenas, Cálices,

Antifonte, Lecrafonte, Alicidamos e Hipódamos de Mileto. Os sofistas contribuíram para o

33 “Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito, estabeleceram os fundamentos pedagógicos, e aindahoje a formação intelectual trilha, em grande parte, os mesmos caminhos” (Jaeger, 2003, p. 349).

34 Ver o livro de Cotrim (2002).

35 Escreve Jaeger (2003, p. 366): “Antes dos sofistas não se fala de gramática, de retórica ou de dialética. Devem ter sido eles os seuscriadores.” Ainda Jaeger (p. 368): “Unida à gramática e à dialética, a retórica tornou-se fundamento da formação formal do Ocidente.Desde os últimos tempos da Antiguidade formam juntas o chamado trivium, que juntamente com o quadrivium constituíra as sete artesliberais, que, sob esta forma escolar, sobreviveram a todo o esplendor da arte e cultura gregas...”. O quadrivium dizia respeito àAritmética, Geometria, Música e Astronomia.

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TEORIA POLÍTICA

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abandono da filosofia da natureza, não somente pela mudança na circunstância filosófica,

mas também pelas necessidades criadas pela prática democrática da sociedade ateniense. O

advento da democracia trouxera consigo uma notável mudança na natureza da liderança:

já não bastava a linhagem, mas a liderança política passava pela aceitação popular. Numa

sociedade em que as decisões são tomadas pela assembléia do povo e onde a máxima aspi-

ração é o triunfo, o poder político, depressa se fez sentir a necessidade de se preparar para

ele. Qual era a preparação idônea para o ateniense que pretendia triunfar na política? Um

político necessitava, indubitavelmente, ser um bom orador para manipular as massas. Ne-

cessitava, ainda, possuir algumas idéias acerca da lei, sobre o que é justo e conveniente,

acerca da administração e do Estado. Este era, precisamente, o tipo de treino que os

ensinamentos dos sofistas proporcionavam.

Como contribuição dos sofistas tem-se o abandono do pensamento mítico-religioso; a acei-

tação do racionalismo heracliteano da ordem do universo (uso da razão); a convicção de que as

leis e as instituições são resultados do acordo ou decisão humana: convencional. Os sofistas

eram relativistas, isto é, não acreditavam na possibilidade de os seres humanos chegarem a um

saber objetivo, universal, de modo que “tudo é relativo”. Esta posição – o relativismo – combina-

va com a sua forma de ensinar a argumentar: não interessava tanto o conteúdo científico, mas a

capacidade de convencer os demais. Os filósofos foram severos adversários dos sofistas, exata-

mente por não concordarem com o seu relativismo. Outra característica era o convencionalismo

das instituições políticas e das idéias morais (tudo se resolve por convenções).

É fácil compreender a transcendência destas reflexões da Sofística. Com elas, inaugu-

ra-se o eterno debate acerca das normas morais, acerca da lei natural (phisis) e da lei posi-

tiva (nomos). O debate começa com os sofistas na Filosofia Grega, mas não termina com

eles, como veremos.

4.2.4. O MÉTODO SOCRÁTICO

Sócrates (470-399 a.C.) foi considerado o homem mais sábio da Antiguidade clássi-

ca. Era filho de Sofronisco (escultor) e Fenarete (parteira). A profissão de sua mãe o influ-

enciou a ser “parteiro”, não de crianças, mas de idéias, de conhecimento (ajudou os seus

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TEORIA POLÍTICA

discípulos a pensar de maneira diferente). Sócrates não fundou

escola filosófica, tinha o método do diálogo (na Agora e nos

ginásios). Fascinou jovens, homens e mulheres da época.36

O tema central de sua Filosofia eram as questões antropo-

lógicas (o conceito que o homem pode ter do próprio homem).

Enquanto os pré-socráticos perguntavam “o que é a natureza ou

o fundamento último das coisas?”, Sócrates indagava: “o que é a

natureza ou a realidade última do homem?”. A resposta a que

Sócrates chegou é de que a essência última do homem é a sua

alma, psyche, nossa sede racional, inteligente e eticamente

operanti, ou consciência, a personalidade intelectual e moral. O

pensamento socrático influenciou todo o Ocidente, da Antigui-

dade até os dias de hoje. Diz Sócrates: “É do aperfeiçoamento da

alma que nascem as riquezas e tudo o que mais importa ao ho-

mem e ao Estado”.

O método de Sócrates seguia dois passos: primeiro ele ado-

tava uma posição de ignorante diante do interlocutor, dava a

entender que era ignorante, fingia que não sabia; com o desen-

rolar das acaloradas discussões ia, aos poucos, colocando o

debatedor, que achava que sabia, em contradição até este se dar

conta de sua própria ignorância. A partir desse momento provi-

nha o segundo passo, que era o processo da “maiêutica”, ou seja,

o momento de dar à luz novas idéias. Dessa forma, o filósofo con-

quistou amigos e inimigos.37

Sócrates

Disponível em:<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a4/Socrates_Louvre.jpg/300px-Socrates_Louvre.jpg>.Acesso em: 28 nov. 2007.

36 Para maiores informações sobre a vida e a Filosofia de Sócrates conferir a obra de Sócrates: Vida e obra (1999).

37 “No diálogo Ménon, Platão descreve Sócrates praticando a maiêutica com um escravo e levando-o a conceber noções sobre intrincadaquestão matemática (relativa aos ‘irracionais’). Mesmo que não se trate, no caso, do relato de uma fato efetivamente ocorrido, ou seteria sido outro o conteúdo da conversação de Sócrates e o escravo, não importa: a situação descrita por Platão é certamenterepresentativa do menosprezo de Sócrates pelos preconceitos sociais da própria democracia ateniense. Demonstrar publicamente queum escravo era capaz, se bem conduzido pelo processo educativo, de ter acesso às mais importantes e difíceis questões científicas erasem dúvida provar que ele era pelo menos igual, em sua alma, a qualquer cidadão” (Sócrates. In: Os Pensadores, 1999, p. 27).

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A característica da Filosofia socrática é a introspecção: “co-

nhece-te a ti mesmo” (torna-te consciente de tua ignorância), que

foi retirado do oráculo de Delfos (templo). É preciso, diz Sócrates,

“bem pensar para bem viver”. Sócrates não deixou nada escrito,

conhecemos sua obra graças aos seus discípulos Platão e

Xenofonte.

Sócrates tomou parte dos assuntos políticos de sua época,

foi um combativo guerreiro. Foi também um crítico da democra-

cia de sua época, combateu os vícios existentes na pólis, por isso

foi perseguido e condenado à morte. Teve a oportunidade de fugir

(pena do ostracismo = exílio político), mas preferiu morrer. O sábio

grego foi condenado à morte sob a acusação de corromper os jo-

vens e pregar falsos deuses (ateísmo). Quem o condenou foram

os poderosos da época (os acusadores: Anito, Mileto e Licon).

Foi obrigado a ingerir um veneno mortal chamado cicuta. 38

Josten Gaarder, no livro O Mundo de Sofia, traça um para-

lelo entre Cristo e Sócrates: ambos eram pessoas carismáticas e

considerados enigmáticos em vida; nenhum deixou algo escrito,

o que sabemos deles foi escrito por seus discípulos; ambos eram

mestres da retórica; ambos desafiaram os poderosos, bem como

criticaram os costumes de sua época; ambos acabaram pagando

com a vida e, paradoxalmente, permanecem vivos, influenciando

todo o Ocidente com a sua Filosofia.

4.2.5. PLATÃO E A BUSCA DO ESTADO IDEAL

Platão nasceu em Atenas em 428 a.C., quando a civiliza-

ção grega se encontrava em declínio. A falta de uma tradição

biográfica confiável compromete a verdade sobre este ilustre filó-

Platão

Disponível em:<http://upload.wikimedia.org/

wikipedia/commons/4/4a/Plato-raphael.jpg>.

Acesso em: 28 nov. 2007.

38 Para acompanhar os últimos momentos da vida de Sócrates é necessário ler a Apologia de Sócrates escrita por Platão (Lisboa: Ed. 70,2000).

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TEORIA POLÍTICA

sofo. Sabe-se que no ano 380 Platão funda uma Academia (Escola de Formação Filosófi-

ca).39 O filósofo não tomou parte em assuntos políticos.40 Teve como mestre Sócrates, cuja

preocupação era, exclusivamente, as questões humanas, ao contrário dos filósofos anterio-

res, que se preocupavam com o cosmos (ver pré-socráticos).41

Uma das principais passagens da Filosofia platônica está expressa na alegoria da ca-

verna, na qual Platão faz oposição entre o mundo ideal e o real. Para Platão, o mundo ideal

é o verdadeiro: “A terra é uma profunda caverna que a luz da razão não consegue atravessar.

Somos prisioneiros acorrentados nessa caverna e os objetos que vemos são meras sombras

da realidade, a passar nas paredes escuras, diante de nossa vida. O mundo perfeito, o mun-

do real, existe numa idéia (no céu) e o mundo em que vivemos é apenas uma imagem imper-

feita”.42

Após a leitura da obra A República, escrita por ele, pode-se concluir que o diálogo da

obra é uma descrição da república ideal, que consiste na composição harmônica de três

categorias (os governantes filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos produ-

tivos). Conclui-se, igualmente, que o Estado de Platão inexiste no plano terreno, existe

apenas no plano ideal, ou seja, o Estado ideal de Platão é o perfeitamente justo. Platão, no

Livro VIII da República, trata sobre as formas de governo e as classifica em ideais e corrom-

pidas. As formas ideais de governo são: a monarquia, considerada a melhor de todas (é o

governo bom de um só); aristocracia (governo bom de um grupo) e a timocracia (desejo de

honrarias). Já as formas de governo consideradas corrompidas são: a tirania (governo mau

de um só), a oligarquia (governo mau de um grupo, governo dos ricos) e, por fim, a repúbli-

39 Platão argumenta que todo processo educativo de uma criança, ou a iniciação cultural da mesma, esbarra na falta de interesse emaprender. Platão menciona que esta falta de interesse não deve ser combatida pela coação ou por medo servil ou por castigo, mas deve-se aplicar métodos condizentes aos alunos à medida que “aprendem como quem brinca” (Jaeger, 2003, p. 915).

40 Platão é um crítico da pólis: “Platão calunia Atenas o máximo possível: graças a seu imenso gênio de diretor de teatro, de retórico, desofista e demagogo, conseguirá impor, por séculos futuros, esta imagem: os homens políticos de Atenas – Temístocles, Péricles – eramdemagogos; seus pensadores, sofistas (no sentido que ele impôs); seus poetas, corruptores da cidade; seu povo, um vil entregue àspaixões e às ilusões. Platão falsifica, com conhecimento de causa, a história” (Castoriadis, 1987, p. 115).

41 “Platão permanecerá, segundo se crê, oito anos ao pé do mestre” (Prélot, 1973, Livro 1, p. 89).

42 Sobre a filosofia política, Platão elaborou três obras que mencionam e enfocam a política: – A República, O Político e As Leis (maisespecificamente em A República e As Leis). Embora tenha tratado de temas políticos em outras obras, é sobretudo nessas duas queele desenvolve uma teoria do Estado, na qual princípios éticos e políticos são combinados. Considera, Platão, a política como artede tornar os homens justos e virtuosos, porém sob o governo dos melhores). Na obra Política, Platão apenas questiona se aautoridade final no Estado deve recair num indivíduo – alguém que personifique a arte de governar – ou na lei. Conferir Rowe (1989,p. 26).

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ca/democracia (governo das multidões). A democracia é a pior das boas e a melhor das más

formas de governo.43 Platão distingue um governo bom de um ruim pelo consenso e a força

(legalidade ou ilegalidade).

A função principal dos governantes, na República, consiste em assegurar a felicidade

aos governados, dando-lhes saúde, contentamento e descanso. Platão concebe um Estado

ideal no qual a justiça atende aos desejos e necessidades humanos, satisfazendo-os, e

posiciona-se contra os ideais políticos sofísticos, para os quais o direito nasce da força.

Platão dividia o Estado em três classes: dos lavradores, que fornecem os alimentos; dos

guerreiros, que protegem os lavradores e garantem a integridade territorial do Estado, e dos

magistrados, que se encarregam do bem-estar geral dos habitantes do Estado. A classe

governante, composta de homens idosos, desapegados dos interesses materiais e familiares,

tem, para Platão, mais importância do que a dos trabalhadores e a dos guerreiros.

No Estado platônico, não há propriedade privada nem laços familiares. Para assegurar

uma “sadia” descendência, o Estado é que decidia quem poderia ter ou não ter filhos. Era de

competência do Estado, também, preparar física e intelectualmente a juventude. Os magistrados

fiscalizavam a educação para que o indivíduo fosse preparado a fim de exercer uma função para

a qual tivesse melhor capacidade. Eram os magistrados que escolhiam os mais notáveis para

participar do grupo de filósofos e governantes. Platão entendia que só os mais inteligentes seriam

capazes de governar e, entre os mais capazes, ele incluía o filósofo.44 Vê-se, assim, que Platão era

adepto da sofocracia, ou seja, o poder dos sábios. Somente eles teriam condições de administrar

e comandar o Estado. O poeta, no entanto, não estava incluído na condução do Estado.45

Embora o pensamento político de Platão contivesse idéias utópicas, ele expressava

uma confiança na força fundamental do Estado. A convite de Dion, tirano de Siracusa,

Platão tentou pôr em prática seu ideário político. Não durou muito. Seu modo austero de

conduzir negócios públicos incompatibilizou-o com o governante.46

43 Norberto Bobbio (1997, p. 45-48), capítulo II, referente a Platão; Prélot (1973, Livro I, p. 87-120); Durant (2000, p. 29-68).

44 Platão defende, no livro A República, que o governo ideal seria o governo dos filósofos. “A proposta de Platão, no que se refere aogoverno filosófico: que os filósofos se tornassem governantes, ou os atuais governantes se tornassem filósofos” (Rowe, in: Rechead,1989, p. 17-28).

45 Para Platão, a poesia fala às paixões e instintos humanos, e o homem moralmente superior domina os seus sentimentos e, quando sevê submetido a fortes emoções esforça-se por refreá-las (Jaeger, 2003, p. 985).

46 Thomas (1967, p. 72-82), no capítulo VIII, “Platão, que sonhou com um mundo melhor,” apresenta o idealismo platônico, Platãocomo discípulo de Sócrates e menciona a obra A República como a primeira utopia da História.

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TEORIA POLÍTICA

Assim como Sócrates, Platão teceu acaloradas críticas às

lideranças políticas que conheceu ou que foram anteriores a ele.

Nem Péricles, nem Címon, nem Milcíades, nem Temístocles en-

contram mérito aos seus olhos, porque nenhum deles tornou

melhores os seus concidadãos, bem pelo contrário (Prélot, 1973,

Livro I, p. 104).

4.2.6. A CIDADE COMO REALIDADE PERFEITA EM ARISTÓTELES

Como vimos anteriormente, Platão projetou na República o

Estado ideal, construindo assim a primeira utopia da História.

Já Aristóteles, ao contrário, afirmou que “este” é o verdadeiro

mundo e a realidade está neste mundo, nos seus objetos, aconte-

cimentos e ações. Segundo Prélot (1973, Livro 1, p. 123), “Platão

simboliza o ideal, Aristóteles, o real; Platão representa a Filoso-

fia, Aristóteles a ciência”.

A principal obra de Aristóteles sobre a teoria clássica das

formas de governo é A Política, que está dividida, segundo a com-

preensão de Bobbio, em oito livros (Bobbio, 1997, p. 55). Destes,

dois (o terceiro e o quarto) são dedicados à descrição e à classifi-

cação das formas de governo; o primeiro trata da origem do Esta-

do; o segundo da crítica às teorias políticas precedentes, em es-

pecial a platônica; o quinto aborda as mudanças das constitui-

ções; o sexto estuda as várias formas de democracia e de oligar-

quia; o sétimo e o oitavo tratam das melhores formas de consti-

tuição (lei fundamental de um Estado).47

Aristóteles

Disponível em:<http://mundofilosofico.arteblog.com.br/images/mn/1181965835.jpg>.Acesso em: 28 nov. 2007.

47 Aristóteles pode ser considerado o fundador da Ciência Política, tal a sua observação metódica da realidade. Foi o primeiro autor doDireito Constitucional. Escreveu A Constituição de Atenas, na qual registrou as várias formas e alterações constitucionais por quepassou a cidade de Atenas (Prélot, 1973, Livro 1, p. 175). A obra também pode ser lida como uma história política de Atenas.

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TEORIA POLÍTICA

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Para Aristóteles, assim como Platão, três são as formas de governo e três são os desvios

e corrupções dessas formas: as formas boas são a monarquia (governo bom de um só); a

aristocracia (governo bom de um grupo) e a terceira aquela que se baseia sobre a vontade

popular, que parece apropriado chamar de “timocracia”, mas que a maioria chama apenas

de “politie”, que significa Estado ou Constituição. As formas más ou as degeneradas são: a

tirania (governo ruim de um só); oligarquia (governo mau de poucos) e a democracia. Três

são as formas boas de governo e três são os desvios e corrupção dessas formas: o reino e o

desvio tornam-se tirania; a aristocracia e o desvio torna-se oligarquia e a timocracia com

seu desvio torna-se democracia.

O critério para distinguir uma forma boa ou má de um governo é o interesse comum e

o interesse pessoal, ou seja: quando um governo comanda pensando somente em seu bene-

fício, temos o desvio e a degeneração; quando o governante governa em favor do interesse

de todos, temos um governo bom e ideal. Aristóteles, na Ética a Nicômano, afirma que das

formas de governo citadas anteriormente “delas a melhor é o reino, e a pior é a timocracia

(...) e a democracia é o desvio menos ruim: com efeito, pouco se afasta da forma de governo

correspondente” (Aristóteles, apud Bobbio, 1997, p. 58).

A reflexão de Aristóteles sobre a política é de que ela não se separa da ética, pois a vida

individual está imbricada na vida comunitária. Afirma Aristóteles que o objeto da ética é

uma espécie de política.48 A razão pela qual os indivíduos se reúnem nas cidades (e formam

comunidades políticas) não é apenas a de um viver em comum, mas a de viver “bem” ou a

boa vida.49 Para que isso aconteça é necessário que os cidadãos vivam o bem comum, ou em

conjunto ou por intermédio dos seus governantes; se ocorrer o contrário (a busca do interes-

se próprio), está formada a degeneração do Estado.50 O homem, para Aristóteles, é um “ani-

mal político”; isto significa que o homem tinha a necessidade de conviver na pólis, pois

somente na “cidade” é que ele pode realizar a virtude (capacidade), o que é peculiar dos

48 “E vê-se que esta conclusão está em conformidade com o que dizíamos, no início, isto é, que a finalidade da vida política é o melhordos fins, e que o principal empenho dessa ciência é fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações” (Aristóteles. Éticaa Nicômaco, 1099b, p. 30).

49 O fim da cidade, conforme a descrição de Prélot (1973, Livro 1, p. 135), é não só assegurar aos cidadãos a vida e a sua conservação(zein), mas o viver bem (euzein). A vida política destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida.

50 Aristóteles define a cidade grega como aquela que condiz em “viver como convém que um homem viva” (Aristóteles, apud Châtellet,1985, p. 14).

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TEORIA POLÍTICA

gregos, sendo que os “bárbaros” não viviam assim.51 Para Aristóteles, a vida política desti-

nava-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida (Prélot, 1973, Livro 1, p. 135). O homem

é o verdadeiro cidadão: “corajoso, moderado e liberal, magnânimo, praticando a justiça,

observando a eqüidade, comportando-se como perfeito amigo, em suma, o homem bom e

belo” (p. 136).

Nota-se que os filósofos gregos tratavam a política como um valor e não como um

simples fato, considerando a existência política como finalidade superior da vida humana,

como a vida boa, entendida como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. A vida

superior só existe na cidade justa e, por isso mesmo, o filósofo deve oferecer os conceitos

verdadeiros que auxiliem na formulação da melhor política para a cidade.52

Aristóteles justifica a escravidão por considerar que há homens escravos pela sua pró-

pria natureza53 e somente um poder despótico (legítimo) é capaz de governar.54 Seu pensa-

mento político está registrado nas obras A Política e Ética a Nicômaco, e também nas 150

constituições que elaborou, das quais só restam fragmentos. O estilo prático, lógico e siste-

mático de Aristóteles contrasta com o de Platão, que era imaginativo, literário, poético e

alegórico.

A política (pólis – cidade), para Aristóteles, é uma ciência que deve procurar o bem-

estar do homem.55 Ela deve oferecer aos governantes condições para adaptar sua forma de

governo às necessidades do povo. Esse pensamento é decorrente do estudo e da observação

dos diferentes métodos dos governos e das distintas formas de condução de reformas admi-

nistrativas. O seu livro A Política é resultado da observação dos governos de Creta, Cartago,

51 A pólis, para Aristóteles, é, segundo a descrição de Kitto (1970, p. 129), “o único ambiente dentro do qual o homem pode concretizaras suas capacidades morais, espirituais e intelectuais”; Barker (1978, p. 16), afirma que a “pólis era uma sociedade ética”.

52 Uma das razões para que o homem se una na pólis, “não é apenas a de viver em comum, mas a de viver bem” (Aristóteles, apud Bobbio,1997, p. 58).

53 “É evidente, portanto, que alguns homens são livres por natureza, enquanto outros são escravos, e que para estes últimos a escravidãoé conveniente e justa” (Aristóteles, A Poítica, I, p. 20).

54 A visão que Aristóteles tem sobre a mulher, os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é a de seres excluídos da cidadania. ConferirMinogue (1998, p. 22).

55 “Cumpre-nos tentar determinar mesmo que em linhas gerais, o que seja esse bem e de que ciências ou faculdades ele é objeto. E, ao queparece, ele é objeto da ciência mais prestigiosa e que prevalece sobre tudo. Ora, parece que esta é a ciência política, pois é ela quedetermina quais as ciências políticas que devem ser estudadas em uma cidade-estado...” (Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1094a, p. 25).

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TEORIA POLÍTICA

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Esparta e Atenas, e de estudos de obras de pensadores do passado, como Faleas, Hipódamo

e Platão. A obra é um tratado da arte de governar. Sugere medidas práticas para superar

impasses e mostra os defeitos dos sistemas políticos nas sociedades gregas.

As necessidades dos indivíduos, segundo Aristóteles, são satisfeitas apenas dentro do

Estado.56 O homem só sentiu falta do Estado quando inexistia a possibilidade de satisfação

de suas necessidades elementares. Só o Estado poderia oferecer ao indivíduo proteção para

que ele realizasse seus ideais éticos, morais e políticos, enquanto que a família apenas dava

ao homem a sobrevivência física. O Estado é, portanto, utilitário. A escravidão não era só

admitida como justificada. Os governantes deveriam ser os dotados de aptidões espirituais.

Quanto à propriedade privada, Aristóteles não comungava com Platão, que defendia

sua abolição; ao contrário, pugnava por uma organização adequada da propriedade dentro

do Estado. Para que o indivíduo pudesse realizar o seu bem-estar, o Estado deveria favorecer

a liberdade individual para o progresso da instituição humana.57

Para cumprir bem suas funções, o Estado deveria:

a) ter um governo que ordenasse e regulasse a vida do próprio Estado;

b) distribuir entre os cidadãos os órgãos administrativos do Estado.

Para Aristóteles, cada povo é que deve escolher a sua forma de governo. Isso porque

distinguia Estado e governo. O Estado é o conjunto dos cidadãos e o governo o conjunto de

pessoas que ordenam e regulam a vida do Estado, mediante o exercício do poder. Para um

bom governo é necessário bem distribuir o poder entre os órgãos que administram esse ente

público. A idéia de um poder Legislativo, Executivo e Judiciário nasceu dessa concepção

administrativa.58

56 “A prova de que o Estado é uma criação da natureza e tem prioridade sobre o indivíduo é que o indivíduo, quando isolado, não é auto-suficiente; no entanto, ele o é como parte relacionada com o conjunto. Mas aquele que for incapaz de viver em sociedade, ou que nãotiver necessidade disso por ser auto-suficiente, será uma besta ou um deus, não uma parte do Estado” (Aristóteles, A Política, II, p. 10).

57 Ver Aristóteles. A Política, II, p. 5-24.

58 “Obviamente, as atividades do estadista e do legislador concernem de perto ao Estado. A constituição é um modo de organizar aquelesque vivem no Estado”. “... O Estado é a soma total dos cidadãos” (Aristóteles, Política, III, 1-2).

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TEORIA POLÍTICA

Para a formação do Estado Aristóteles relacionou alguns critérios: ter um pequeno

território, com poucos habitantes, para que todos pudessem se conhecer e ter acesso à vida

pública. Com isso, evitar-se-ia que uns se tornassem muito ricos e outros, extremamente

pobres. Para Aristóteles, a desigualdade social é fonte de injustiça. Ele não deu, contudo,

maiores atenções às questões tributárias, às dívidas públicas, ao custo dos exércitos, às

esquadras permanentes e às relações internacionais (talvez porque admitisse guerras de

conquista). A cidade deveria estar perto do mar, para facilitar o intercâmbio comercial. Os

que participassem do governo deveriam ser proprietários de terra.59

A Grécia clássica, com sua política, sua democracia, seus pensadores, serve de referên-

cia até os nossos dias. É, portanto, um capítulo que você deverá compreender muito bem

para que perceba a influência dessa civilização sobre o pensamento ocidental. Na próxima

Unidade você estudará como se deu essa influência sobre os romanos.

59 Para um aprofundamento da teoria política de Aristóteles, conferir o Capítulo II de Durant (2000, p. 69-107)

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 5Unidade 5Unidade 5Unidade 5

O Pensamento Político da Sociedade Romana

O mundo romano é caracterizado, por Hegel, com aspectos de virilidade inicial no

desenvolvimento da personalidade. A formação do Estado romano originou-se da delibera-

da união de bandos predadores nômades e, na sua origem, sua permanência tornava neces-

sária a mais severa disciplina e o sacrifício pessoal em prol do grande objetivo: a união de

todos.

Todo cidadão, no período inicial, era incentivado à carreira militar, com o objetivo de

fortalecer o Estado, visando à conquista de outros povos por meio da luta armada. Com o

mundo romano tem-se a terceira forma de realização do espírito, pois o pensamento e a

reflexão elevam-se ao nível universal. Há, no mundo romano, uma submissão do indiví-

duo à constituição do Estado: aqui o Estado se destaca sobre os indivíduos e constitui um

fim abstrato em si ao qual os indivíduos devem servir. O universal sobrepõe-se ao indiví-

duo [...] não existe aqui alegria e brincadeira, senão duro e amargo labor (Florez, 1983, p.

266).

O homem romano, dessa maneira, vê-se submetido ao poder do império, fundamen-

tando o seu ser na mais pura exterioridade.

Como vimos, Hegel considerou o Oriente como sendo a infância da humanidade,

submersa ainda no despotismo; o mundo grego, como a juventude; a idade adulta é repre-

sentada pelos impérios romano e germânico; o mundo cristão corresponde à velhice. Aqui,

diz Hegel, não se deve tomar o exemplo biológico ao pé da letra. A velhice natural é a

fraqueza, mas a velhice do espírito é a sua maturidade perfeita. Assim, somente o povo

germânico estaria apto a se identificar com a história universal, sendo a concretização da

manifestação do espírito. “Graças ao cristianismo, esse povo alcançou a consciência de que

o homem é livre como homem e que a liberdade de espírito constitui sua mais própria natu-

reza” (Hegel, 1975, p. 68).

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Seção 5.1

A Política, o Direito e o Exército

Se o homem grego era um cidadão contemplativo com di-

reito à reflexão filosófica, à participação nos interesses da pólis,

o homem romano era voltado para a práxis; em outras palavras,

um espírito essencialmente prático, fundamentando sua seguran-

ça em valores externos.1 A praticidade romana baseava-se em três

sólidos pilares: a) a legislação social e individual, da qual os ro-

manos foram mestres inigualáveis, compilada no Direito Roma-

no, que garantia os direitos do cidadão e apontava os seus deve-

res para com o Estado; b) a organização política: era o modelo

admirável de administração, que dava unidade ao vasto império;

c) as águias romanas (força militar): davam proteção aos cida-

dãos contra agressões externas.2

A partir destes fundamentos, o homem romano teve uma

visão imperialista do mundo, tendo a cidade de Roma como cen-

tro do império. E, sem dúvida, a organização política dos roma-

nos teve importância decisiva para a manutenção do seu poder,

haja vista que perdurou por vários séculos.

Como já exposto na subseção 4.1.1, que trata de etimologia

da palavra política, civitas é a tradução latina de pólis, portanto a

cidade como ente público e coletivo. Res publica é a tradução lati-

na para ta politika, significando, portanto, os negócios públicos

dirigidos pelo populus romanus, isto é, os patrícios ou cidadãos

livres e iguais, nascidos no solo de Roma. Pólis e civitas

correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político

O Coliseu Romano

Vista lateral do Coliseu,símbolo do poder romano.

Disponível em:<http://www.ctiturismo.com.br/

figuras%20gerais/europa/italia%20coliseu.gif>.

Acesso em: 4 dez. 2007.

1 Segundo Arendt (1995, p. 69), ser filósofo não tinha muita importância na república romana.

2 Ver Funari (1993), especialmente o capítulo 2º.

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TEORIA POLÍTICA

atual, chama-se de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços

públicos) e sua administração pelos membros da cidade. Ta politika e res publica correspondem

(imperfeitamente) ao que se designa contemporaneamente por práticas políticas, referindo-se

ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos nas tomadas de decisão e na defini-

ção das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros

da comunidade política às decisões concernentes ao erário ou fundo público.

Em termos gerais, a idéia filosófica dos romanos procede da Grécia. O ideário

expansionista dos romanos com sua máxima divide et impera – divide e reina – não favore-

cia a reflexão filosófica. Orientados para uma vida prática, governamental e jurídica, por

exemplo, sua estrutura representava avanços em relação ao pensamento grego.

Para os romanos, o Estado é um organismo necessário e vital à vida social; portanto,

não anula o indivíduo, segundo o entendimento da teoria platônica. No Estado não se

reconhece o direito à rebelião aos poderes públicos, porque a relação dos indivíduos com o

Estado está fundada num “contrato” em que a delegação dirige o governo do Estado. Os

romanos entendem a lei como um pacto dos órgãos constitutivos do Estado.

Mapa do Império Romano no tempo de Cristo3

3 Disponível em: <http://www.pilb.t5.com.br/mapas/mapa11.jpg>. Acesso em: 4 dez. 2007.

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O termo Direito, etimologicamente, vem da palavra latina jus e significa aquilo que é

ordenado, consagrado e sagrado. Da mesma raiz vem justo, justiça. Justo é o que está de

acordo com jus, e justiça é a “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”.

Em latim existe a palavra directus, que significa ficar em linha reta, direito, sem desvio.

A expressão “Direito Romano” designa pelo menos três fatos: a) o conjunto de leis

que vigoraram no Império Romano por cerca de 12 séculos, desde a fundação de Roma,

em 753 a.C., até a morte do Imperador Justiniano, em 565 d.C.; b) o Direito privado, que

atingiu grande esplendor, o mesmo não ocorrendo com o Direito público; c) o corpo jurídi-

co organizado por Justiniano, no século 6º, que se tornou conhecido como Corpus Juris

Civilis.4

Nos 12 séculos de existência do Direito Romano, ele não permaneceu imutável, pelo

contrário, sofreu contínuas e sucessivas modificações em função do tempo e dos interesses

da “classe dominante”, que se revezava no poder. O Direito Romano também não era o

mesmo nas diferentes regiões do Império. Sem contar que também as lutas sociais contribu-

íram para as modificações profundas no Direito privado. Em função dessas modificações

políticas, o Direito Romano pode ser dividido nos seguintes períodos: Realeza (754 a.C. a

510 a.C.); República no Alto Império (510 a.C. a 27 a.C.); Principado no Baixo Império (27

a.C. a 284 d.C.) e Dominato (284 a.C. a 564 d.C.). O Direito Romano formado nesses 12

séculos pode ser dividido em: Jus publicum (público) e privatum (privado). O jus privado

divide-se em jus civile (Direito Civil), jus naturale (Direito Natural) e jus gentium (Direito dos

Povos).

Os exércitos formados por tropas mercenárias ou próprios eram os mais bem treinados

e preparados. Da força do exército romano emergiu o grande Império Romano. Mais tarde,

no entanto, as tropas mercenárias acabaram se rebelando contra o próprio Império.

4 “A grande obra do pensamento romano é o Direito. Ao contrário das leis da Grécia clássica – (...) –, o Direito Romano tem um caráterimpessoal e técnico. Forma um todo coerente e sistemático, de forma que cada parte não conflita com as demais. Nesse sentido, porém,ele é de certo modo herdeiro do pensamento abstrato dos gregos, com seu ideal de um todo harmônico e bem proporcionado” (OsPensadores, 1999, p. 85).

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TEORIA POLÍTICA

Seção 5.2

Marco Túlio Cícero

Cícero (106-43 a.C.) foi um patrício romano e governante da República, escritor, ora-

dor, estudioso da retórica, epistológrafo e pensador. Embora tivesse qualidades inerentes à

atividade filosófica, como o gosto pela especulação e pela abstração, dedicou-se aos proble-

mas políticos, procurando agir sobre a opinião pública. Escreveu, no entanto, várias obras

morais, políticas e metafísicas, quase sempre relativas à situação vivida pelos romanos na-

quela época.5

O seu pensamento político está registrado em duas obras: De República e As Leis,

ambas, até no título, de inspiração platônica. Sob a forma de diálogo, no De República

expõe a melhor forma de governo. Conclui que a República Romana é a melhor. Afirma,

também, que o Direito Natural provém da natureza racional do homem, e que este é fonte

de todos os direitos, como também todos os homens são iguais por compartilhar da mesma

comunidade humana. No De Legibus, discute as relações entre o Direito Positivo e a justiça

ideal. Nesse livro distingue: a) jus naturale (Direito Natural), lei de acordo com a natureza

racional e a ética do homem; b) jus gentium (Direitos dos Povos), são leis de cada Estado,

cidade, povo; c) jus civile (Direito Civil), é a legislação elaborada pelo Estado.

Cícero também segue a divisão tradicional no que se refere às formas de governo.

Divide-as em: realeza (todos os assuntos públicos estão na mão de um só); aristocracia

(quando a autoridade pertence a algumas pessoas escolhidas) e governo popular (aquele em

que o poder pertence ao povo). O fim do Estado é, para Cícero, tal como para Aristóteles, o

bem-estar da cidade (Prélot, 1973, Livro 1, p. 204).

5 Para Prélot (1973, Livro 1, p.179), Cícero é um romano helenizado. Considerado o maior orador latino, escreveu As Leis e ARepública, em que estudou o Estado, o ideal do melhor governo e do melhor cidadão (p.192). Ver capítulo“A Filosofia de Cícero (p. 83a 85) em: Os Pensadores (1999), e Chevallier (1982), especialmente o Livro II: Dos Impérios aos Estados-Nações.

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Pronunciamento de Cícero.6

Seção 5.3

Políbio

Políbio (201-120 a.C.) foi um homem de ação e historiador. Foi discípulo de Aristóteles.

Era de origem grega, mas sofreu a influência direta da cultura romana. A obra principal de

Políbio é Histórias, em que descreve os acontecimentos desde o princípio da II Guerra Púnica

(no ano 221 a.C.) até a tomada de Corinto (146 a.C.). Acrescenta uma introdução até a

época da I Guerra Púnica (246 a.C.), tornando-se assim o historiador da Roma vitoriosa

sobre sua rival Cartago (Prélot, 1973, Livro 1, p. 182).

Grego de nascimento, foi deportado para Roma depois da conquista da Grécia. Em Histó-

rias, o autor faz uma exposição pormenorizada da Constituição Romana, redigindo um peque-

no tratado de Direito Público Romano, no qual descreve as várias funções públicas. O motivo

da descrição da constituição do povo, cuja história narra, é explicitado: “Deve-se considerar a

constituição de um povo como causa primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações”.7

6 Cícero denunciando Catilina. Afresco de Cesare Maccari (1840/1919). Data: 1882/1888. Roma, Senatto della Repubblica. Disponívelem: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/biografia_hbernardelli_arquivos/cicero.jpg>. Acesso em: 28 nov. 2007.

7 Escreve Chevallier (1982, p. 149): “Esse grego romanizado (...) busca em suas histórias explicações para a superioridade de Roma, que, emmeio século, subjugou quase toda a terra habitada. Encontra-a em sua Constituição e fez da análise desta a preocupação central de sua obra”.

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TEORIA POLÍTICA

8 “De resto os romanos não haviam chegado a esta forma mista, produto da mistura feliz de três formas puras, através apenas doraciocínio. A experiência tivera seu papel... Foi em meio às numerosas lutas e dificuldades que os romanos aprenderam, à sua própriacusta, qual o melhor partido a seguir” (Chevallier, 1982, p. 149).

O historiador mostra a importância que teve a excelência da Constituição Romana

para explicar o sucesso da política de um povo que em menos de 53 anos conquistou todos

os outros Estados, impondo-lhes o seu domínio.

Políbio vê a História como cíclica (repetição contínua de eventos que tornam sempre

sobre si mesmos – o eterno retorno do mesmo). O mesmo ocorre com as formas políticas, que

se transformam com o tempo. A teoria das formas políticas como ciclo é deduzida da história

das cidades gregas (crescimento, esplendor, decadência). Políbio aposta no governo misto

(Rei “tirano”, a aristocracia e a democracia). A Constituição mista romana é citada como

exemplo, pois Roma teve êxito em suas conquistas em virtude de um governo misto.8

Malgrado a influência dos gregos sobre Roma, pode-se notar que os romanos deram

importantes contribuições para o pensamento político e jurídico. A influência de Roma só

decai com o nascimento de outro grande movimento espiritual: o cristianismo, tema da

próxima unidade.

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TEORIA POLÍTICA

Guilherme de Occam ouWilliam de Ockham

(1285 em Ockham, Inglaterra –9 de abril de 1347, Munique),foi um filósofo da lógica e umteólogo escolástico inglês.

Imagem disponível em: Foto:<http://www.aquinate.net/figuras-aquinate/guilherme-de-ockham1.jpg>.Acesso em: 10 jan. 2008.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/William_de_Ockham>.Acesso em: 10 jan. 2008.

Dante Alighieri

(Florença, m ou j de 1265 —Ravena, 13 ou 14 de setembrode 1321) foi um escritor,poeta e político italiano. Éconsiderado o primeiro emaior poeta da língua italiana,definido como il sommo poeta(“o sumo poeta”).

Foi muito mais do que apenasum literato: numa época emque apenas os escritos emlatim eram valorizados, redigiuum poema, de viés épico eteológico, La DivinaCommedia (A Divina Comé-dia), que se tornou a base dalíngua italiana moderna eculmina com a afirmação domodo medieval de entender omundo.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri>.Acesso em: 10 jan. 2008.

Unidade 6Unidade 6Unidade 6Unidade 6

O Pensamento Político da Idade Média

Tanto na teoria política romana – como na de Cícero, ainda

na Antiguidade – quanto na teoria política medieval, é mantida

a preocupação normativa que prevalece no pensamento grego.

Nesse sentido, também na Idade Média se busca definir as virtu-

des do rei justo e bom.

A Idade Média tem como característica fundamental a pre-

dominância do pensamento religioso e como conseqüência as

teorias políticas enfatizam a supremacia do poder espiritual so-

bre o poder temporal e toda ação se acha atrelada à ordem moral

cristã. Por exemplo, Santo Agostinho, no final do Império Roma-

no, já afirmava que todo o poder vem de Deus.

A interferência da Igreja nos assuntos políticos provocou

diversos atritos entre papas e imperadores, determinando a for-

mação de facções opostas entre aqueles que defendiam o poder

do papa e os defensores da autonomia do imperador.

Mais tarde, porém, houve a ruptura. Nomes como Dante

Alighieri (1265-1321), Marsílio de Pádua (1280-1341) e Guilher-

me de Occam contribuem para o rompimento com o pensamento

político medieval. Alighieri, autor do clássico A Divina Comédia,

também escreveu um livro sobre política no qual defendeu a au-

tonomia do poder temporal.1 Mais radical ainda é Marsílio de

1 “A Dante (não nos iludamos sobre isso) agradava que o papado guardasse fidelidade ao seu papel,sem entregar-se à usurpação, da mesma forma que lhe agradava um Império que instalasse a pazmundial e a justiça. Queria-os independentes um do outro, mas em harmonia, cooperação ecoordenação. Marsílio, ao contrário, sente pelo papado como instituição, e também por todaa organização e hierarquia clericais, um ódio profundo, inesgotável. Propõe-se a desmascarar a

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TEORIA POLÍTICA

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Pádua (1280-1341), que defendeu novos valores desligados da tutela religiosa e fundados

na vontade do povo. Nas palavras de Prélot (1973, Livro 3, p.13), Marsílio era um inimigo

irreconciliável da hegemonia sacerdotal – precursor da liberdade de pensamento e da demo-

cracia moderna. Teria sido, segundo certos autores, o primeiro a “libertar a sociedade laica

da pressão do clero”.

Seção 6.1

O cristianismo primitivo

A Palestina, na época, estava sob o domínio dos romanos.2 A dependência se fazia

valer na política e na economia, com o governador sendo nomeado pelo próprio imperador

romano. As taxas de impostos cobradas eram altas. Elas deveriam ser depositadas direta-

mente nos cofres do Império. Os israelitas habitavam a Palestina e tinham como crença

religiosa a fé no Deus Javé (onipresente, onisciente, mas, ao mesmo tempo, fazendo parte

da luta de seu povo). Esse povo era regido por patriarcas (inspirados por Deus) que tinham

a função de unir o povo e manter a crença no Deus Javé (desde Abraão, Isaac, Jacó e

descendência). Por muito tempo esse povo esperava o Messias (enviado de Deus, o escolhi-

do, o ungido), que teria a missão de salvar e redimir os pecados da humanidade. Esse mo-

mento chegou. Boa parte do povo de Israel acreditou que um homem chamado Jesus seria o

messias, o Salvador.3

Este “enviado” de Deus deixou, no curto período de sua vida pública, por um lado

uma mensagem de amor e fraternidade, mas por outro fez denúncias contra os poderes reli-

giosos, econômicos e políticos da época. O ativismo profético e libertador de Jesus o levou

intromissão do poder eclesiástico na comunidade civil (numa palavra: Estado). Visa absorver ao máximo o eclesiástico no secular,substituindo, por uma notável inversão do estado das coisas, o monismo ‘teocrático’ por uma monismo laico” (Chevallier, 1982, p.240).

2 Como sabemos, a religião oficial dos romanos era o politeísmo panteísta (diversidade de deuses), herdado da cultura grega. Ver Funari(1993, p. 15-20), cap. “Os Homens e o Sobrenatural”.

3 Jesus Cristo nasce sob o reinado de César Augusto (Prélot, 1973, Livro I, p. 208).

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TEORIA POLÍTICA

aos tribunais, sendo julgado e condenado à crucificação (pena capital romana). Ao morrer,

o “Messias” deixou aos seus amigos mais próximos (apóstolos e discípulos) a missão de

levar adiante seu projeto.4 Foram os apóstolos e discípulos que formaram as primeiras co-

munidades cristãs. São Pedro e São Paulo (romano convertido ao cristianismo) foram os

mais importantes arquitetos do cristianismo primitivo.5 O cristianismo surge, assim, como

uma seita clandestina dentro do Império Romano, uma religião de escravos.6

Nos primeiros séculos da era cristã, havia uma grande interação entre fé e política ou

entre fé e vida cotidiana. O próprio Livro dos Atos dos Apóstolos evidencia isso ao afirmar

que os cristãos tinham uma vida em comum, partilhavam o pão, eram unidos pela oração e

refletiam sobre a palavra de Deus. Esse estilo de vida e empenho social foi motivo de muitas

perseguições contra os cristãos.

Essas perseguições levaram à morte milhares de cristãos. No início do século 4º, entre-

tanto, o Império Romano começa a sua decadência, os dias estão contados para a sua gran-

de ruína, os bárbaros (godos, visigodos e estrogodos) estão prestes a tomar a grande capital

Roma.7 Num golpe político extraordinário, o imperador romano Constantino assimila os

cristãos ao seu governo, em 313.8 Isso significa afirmar que os cristãos ganham a liberdade

condicional para exercer seu culto livremente, algo inédito até então. Claro que o ato de

Constantino foi mais de natureza política do que propriamente de bondade. Vendo que o

Império Romano entrava em decadência e o número de cristãos aumentava, Constantino

concedeu-lhes a liberdade.9 No fim do século 4º da nossa era, a religião cristã passa ser a

4 “Antes de voltar ao Pai, no dia da Ascensão, Jesus ordenou aos discípulos que pregassem o Evangelho a toda a criatura através do mundointeiro” (Nunes, 1978, p. 1). “Essa doutrina revelada por Jesus Cristo foi ensinada e difundida pelos seus Apóstolos nos quatroEvangelhos, nos Atos, nas Epístolas e no Apocalipse” (Nunes, 1978, p. 3). É bem clara a mensagem de Cristo para os cristãos:conquistem todas as almas do mundo. O mundo inteiro deve ouvir a palavra de Deus.

5 No Novo Testamento aparecem as cartas de São Paulo e São Pedro às comunidades cristãs recém-formadas: Coríntios, Efésios,Tessalonicenses, Gálatas, Romanos...).

6 Prélot (1973, Livro 2, p. 238) afirma que as primeiras comunidades cristãs eram células clandestinas, que não tinham nenhumaorganização no plano jurídico.

7 O trabalho de Lot (1980) discute de maneira detalhada o fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média.

8 O Edito de Milão, emitido pelo imperador romano Constantino, marca o fim das perseguições e inaugura a era da tolerância para como culto cristão, o dever de obediência às ordens do soberano (Prélot, 1973, Livro 2, p. 238-239).

9 “Pelo documento de 313 (Edito de Milão), a religião cristã torna-se legal, lícita, adquirindo finalmente o direito de existência, apósrenhido e prolongado combate. O culto cristão passa a ter a mesma liberdade concedida aos demais. Restituem-se às Igrejas os lugaresde culto que foram objeto de confisco e alienação, assim como outros arrestados. Cristãos e pagão são colocados em pé de igualdade”(Chevallier, 1982, p. 170).

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TEORIA POLÍTICA

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religião oficial do Ocidente. Forma-se a Igreja Católica (universal) Apostólica (proveniente

dos apóstolos) Romana. A partir de então, tem-se a unificação entre Igreja e Estado. Unifi-

cam-se os poderes temporais e espirituais. Adotando as palavras de Prélot (1973, Livro 2, p.

274), “houve uma cristianização do império”.

Entra-se, assim, em um novo período da História. Chega-se ao fim do período clássico

greco-romano e se inicia o período denominado de Idade Média.10 A mentalidade medieval,

que perdurará por quase mil anos, será sustentada pelo teocentrismo (Deus como centro). A

religião fará parte da totalidade da vida do homem europeu, incluindo o latim (língua oficial

da Igreja), a música (gregoriana), até a arte (gótica). A visão do homem será marcada pelo

dualismo: corpo e alma, céu e inferno, bem e mal.

Na política, o sonho foi sempre de realizar a “Cidade de Deus”. E o sacro-império, que

tinha o imperador ungido pelo papa, proclamava bem alto esta intenção: realizar a idéia

medieval de cristandade pela cooperação harmônica dos dois poderes supremos, o poder do

império no temporal e o poder do papado no espiritual. Só mais tarde acontecerá a ruptura

da unidade política e religiosa, finalizando o período medieval.

Seção 6.2

O fim do Império e a Idade Média

O homem romano não conseguiu dar continuidade ao seu poderoso Império. A grande

extensão territorial, razão do sucesso imperial, foi, ao mesmo tempo, o ponto fraco da sua

própria administração política. Muitos povos acabaram reconquistando a sua emancipa-

ção. Outra razão da decadência seria o desleixo de alguns imperadores, voltados apenas

para a satisfação de seus interesses pessoais (pão e circo ao povo). Em 410 da Era Cristã, os

10 “A Idade Média é caracterizada como uma era de obscurantismo pela época seguinte, que, arrogante, se autodenomina Renascimento. Aprópria expressão “Idade Média” já traz embutida essa carga de desprezo: indica que o período, que se estende por cerca de mil anos, nãopassa de um intervalo entre o esplendor do mundo greco-romano e seu “renascimento” posterior... É impossível, porém, ignorar asrealizações culturais dessa época. A própria Igreja, quase sempre acusada como a principal culpada pelo retrocesso da cultura, é tambémresponsável pela conservação de quase tudo o que se preservou do pensamento clássico greco-romano” (Os Pensadores, 1999, p. 104).

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TEORIA POLÍTICA

bárbaros invadiram e incendiaram a capital do mundo (Roma), decretando, mais tarde, em

476, a queda do Império.11 Neste momento surge o homem da transição, que haveria de

“salvar” a humanidade do colapso total: o último dos romanos e o primeiro medieval na

pessoa de Santo Agostinho. Cai, neste sentido, o homem da segurança exterior e surge o

homem da segurança interior.

Como vimos, o imperador Constantino, no século 4º, concedendo a paz à Igreja, une-

a com o Estado. Desde então, o governo e a Igreja começaram a se ajudar. Aos poucos, por

influência de certas idéias filosóficas racionalistas, foi se formando a concepção de que a fé

estaria desligada da realidade e da razão, assim como a separação entre o corpo e o espírito.

O corpo era coisa ruim e só servia como morada do espírito. Essas idéias afetaram fortemen-

te a Igreja, que começou a praticar um tipo de religião que desligava a fé da vida diária do

cristão. Segundo esta concepção, o cristão poderia viver a fé sem se comprometer com a

realidade em que estivesse inserido. Criou-se, assim, a prática de uma fé sem ação e uma

política sem valores éticos.

Ao mencionar a Idade Média nos vem à mente um período histórico compreendido

entre os séculos 5º e 15, desde a decadência do Império Romano do Ocidente, invadido

pelos bárbaros do Norte da Europa, do qual foi decretada a queda final em meados do ano

de 476.

Não custa lembrar que o Império Romano foi o centro e o coração do mundo, construído

por um homem com espírito prático, que desde a infância fora treinado para a arte da guerra

e o respeito à pátria. Esse homem conquistador fez de Roma sua própria casa e o mundo

estava subjugado aos seus pés. Sobre a religião, os romanos a herdaram dos gregos (politeísmo

panteísta). Uma das virtudes dos guerreiros romanos era a conquista de povos vizinhos sem

destruir-lhes a cultura (herdavam o que o povo havia conquistado de melhor).

Com a queda do Império o homem entra em crise. É necessário construir um novo

homem, uma nova mentalidade. Por isso mencionamos o nome de Agostinho de Hipona, o

homem que fundamentou o pensamento religioso medieval.

11 “A voz fica-me na garganta e os soluços interrompem-me ao ditar estas palavras. Foi conquistada a cidade que conquistou o mundo”.Assim São Jerônimo (347-420) anuncia a invasão e a pilhagem de Roma (Os Pensadores, 1999, p. 103).

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TEORIA POLÍTICA

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Seção 6.3

Santo Agostinho

Santo Agostinho foi considerado o “último dos antigos e o

primeiro dos modernos”. Viveu a crise e a transição do Império Ro-

mano. Em sua vida pessoal, Agostinho passou por diferentes fases:

do paganismo, neoplatonismo até a conversão ao cristianismo.

Agostinho viveu até os 30 anos gozando dos prazeres do

mundo. Como bom romano soube usufruir dos jogos, bebidas e

mulheres. Após passar por crises existenciais e diversas escolas

filosóficas, converteu-se ao cristianismo: a primeira frase de sua

obra As Confissões expressa tal realidade: “Inquieto está o meu

coração enquanto não repousar em vós”.12 É nesse contexto que

surgirá o período Medieval.

Por mil anos o período medieval terá um tipo de pensamen-

to, ou seja, o teocentrismo (Deus é o centro de tudo) na cultura,

na política, na sociedade, tudo está voltado para Deus em termos

hierárquicos; os valores terrenos vêm em segundo plano, segui-

dos pela política e, por último, pelo indivíduo.

O período medieval é marcante também no que se refere ao

dualismo herdado, já anteriormente, da tradição filosófica platô-

nica e agostiniana, em que os conflitos dão-se entre dois pólos

bem fundamentados: corpo x alma, luz x trevas, bem x mal, pe-

cado x ascese, matéria x essência; neste sentido, tudo o que per-

tence ao corpo é pejorativo e pecado (a negação do corpo), pois

tudo o que provém da natureza é essencialmente mau, e a salva-

ção depende apenas da ascese individual e da graça de Deus.

Santo Agostinho de Hipona

Disponível em:<http://heritage.villanova.edu/

vu/heritage/history/saints/augustine1.jpg>.

Acesso em: 28 nov. 2007.

12 “A vida de Santo Agostinho, minuciosamente narrada por ele próprio em Confissões, é quase uma demonstração, na prática, de seupensamento: experimentou o ceticismo quanto ao conhecimento, sofreu o abismo do homem em pecado, reencontrou a esperança nagraça divina, conheceu a felicidade e a certeza da verdade na fé” (Os Pensadores, 1999, p. 97).

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TEORIA POLÍTICA

Em termos filosóficos, aparece a Filosofia como serva da

Teologia. São necessários argumentos racionais para fundamen-

tar a fé; assim, temos a conciliação entre fé e razão.13 Duas cor-

rentes de pensamento destacam-se no período medieval: a

patrística, formada pelos padres da Igreja e a escolástica. A

patrística tinha como objetivo de defender os ideais cristãos pe-

rante os pagãos e convertê-los ao cristianismo, os padres herda-

ram essencialmente a Filosofia de Platão. Entre os nomes mais

proeminentes, citamos Santo Agostinho, Boécio, Isidoro, João

Damaceno. A Escolástica retoma a Filosofia aristotélica. São

Tomás de Aquino elaborou a síntese magistral do cristianismo

com o aristotelismo, fornecendo bases filosóficas para a Teologia

cristã numa tentativa de compatibilizar a fé e a razão.

A partir dos séculos 11 e 12, inicia-se o crescimento do co-

mércio, a expansão das cidades e a inevitável ascensão de uma

nova classe, a burguesia, que durante vários séculos fora domi-

nada pelos senhores feudais. As Cruzadas foram fundamentais

para o intercâmbio comercial com o Oriente. A criação de cen-

tros culturais laicos impulsionou um novo conhecimento, total-

mente independente dos poderes da Igreja. As Universidades de

Oxford, Cambridge, Bolonha, Salerno, Paris e Coimbra são exem-

plos dos Centros Culturais Europeus. Por fim, o pensamento me-

dieval dava sinais evidentes de fraqueza, não tardando a consti-

tuição de um novo pensamento: o Renascimento e a Modernidade

já embrionários de um novo paradigma.

As Cruzadas

Chama-se Cruzada a qualquerum dos movimentos militares,de caráter parcialmente cristão,que partiram da EuropaOcidental e cujo objetivo eracolocar a Terra Santa (nomepelo qual os cristãos denomi-navam a Palestina) e a cidadede Jerusalém sob a soberaniados cristãos. Estes movimen-tos estenderam-se entre osséculos 11 e 13, época em quea Palestina estava sob controledos turcos muçulmanos.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzadas>.Acesso em: 10 jan. 2008.

13 Ver Os Pensadores (1999), capítulo “Entre a Fé e a Razão”.

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Seção 6.4

O fim do pensamento medieval e o início do Renascimento

Como vimos, a característica principal da Idade Média estava centralizada no pensa-

mento religioso (teocentrismo = Deus no centro de tudo). A instituição Igreja regeu a vida em

todas as suas dimensões. Já no Renascimento, o que predominou foi o pensamento

antropocêntrico (o homem no centro do universo). O “humano” como forma negativa, vista

anteriormente na Idade Média, passa, agora, a ser exaltado. A expressão da beleza física do

homem inspirou escultores e pintores renascentistas, juntamente com a Filosofia humanista

(expressão máxima do homem em suas diversas formas). A visão de um mundo medieval limi-

tado, finito e enclausurado em si mesmo dá lugar à transparência, à clareza e à inovação.

O Deus medieval, religioso-cristão, aos poucos foi ultrapassado por outra “divinda-

de”, a razão, que ordenara uma mudança radical na visão de mundo na modernidade. A

razão não será a contemplativ4a ou teológica, que dava sustentação à revelação divina e ao

poder da Igreja sobre os homens; ela será instrumental, a fim de objetivar, modificar e trans-

formar a natureza que, antes, era intocável. A confiança na razão impulsionou a pesquisa

pelo método experimental, que favoreceu a ciência. Em conseqüência, temos a tecnologia e

o progresso. Se antes tínhamos o geocentrismo (a terra como centro do universo), no

Renascimento teremos o heliocentrismo (o Sol como centro) desde o método experimental

de Copérnico (1473-1543) e da sua comprovação por Galileu Galilei (1564-1642).14

A razão traz consigo uma nova imagem do mundo: com a invenção da bússola e a

descoberta da pólvora, o homem europeu lançou-se à navegação, conquistando as terras do

Ocidente, ou o “Novo Mundo”, possibilitando o comércio (mercantilismo) com outros po-

vos. Com as revoluções astronômicas de Copérnico e Kepler e a Física de Galileu, o desco-

brimento das Índias, a inovação da tipografia (imprensa), surge a era das técnicas, substitu-

indo a era medieval da contemplação, orientada e dominada pela figura de Deus.15 Os fenô-

14 Ver Nicola Abbagnano (1982), vol. 6º, especialmente o capítulo 7º.

15 “O resultado último do naturalismo do Renascimento é a ciência. Nela confluem: as pesquisas naturalísticas dos últimos Escolásticosque tinham dirigido a sua atenção para a natureza, desviando-a do mundo sobrenatural considerado desde então inacessível à pesquisahumana; o aristotelismo renascentista, que elabora o conceito de ordem necessária da natureza; o platonismo antigo e novo, queinsistira na estrutura matemática da natureza; a magia, que havia patenteado e difundido as técnicas especulativas destinadas asubordinar a natureza ao homem; e, finalmente, a doutrina de Telésio, que afirma a autonomia da natureza, a exigência de explicar anatureza por meio da natureza” (Abbagnano, 1982, p. 7).

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TEORIA POLÍTICA

menos naturais não serão explicados pela Teologia ou pela “vontade de Deus”, mas por eles

mesmos: “A natureza é um livro aberto pronto para ser pesquisado e explorado”, não se

cansam de afirmar os pensadores. Defende-se, assim, a observação e a experimentação uti-

lizando hipóteses lógico-racionais, cálculos matemáticos e princípios geométricos como ins-

trumentos fundamentais para a compreensão dos fenômenos naturais.

É preciso lembrar que a passagem de uma mentalidade para outra sempre gera a crise

no ser humano, uma vez que as idéias do passado são colocadas em xeque e busca-se uma

nova fórmula para dar sustentação ao novo pensamento. O homem passa e, passando, não

leva consigo a bagagem dos velhos valores, e é urgentemente necessário solidificar e fun-

damentar a sua vida em novos valores que dêem segurança a este “novo” homem. Os anti-

gos valores vão-se desmantelando, o sonho da cidade eterna não se concretiza, grandes

rupturas ocorrem na Igreja, como o Cisma da Cristandade (1379-1417), quando um papa

comanda a Igreja de Roma e outro lidera a de Avinhão. A Reforma Protestante coopera com

a fragmentação religiosa.16 Novas formas de interpretações bíblicas fazem do homem um ser

com novas possibilidades diante do mundo.

A marca referencial da política moderna será a laicização, ou seja, uma política laica,

desligada dos ditames autoritários da tradição da Igreja. Como vimos anteriormente, a polí-

tica estava diretamente ligada à Igreja, não diferindo muito um príncipe de um bispo, ou um

rei de um papa. Na modernidade o poder político não é fruto de favor divino. Na Modernidade

tem-se a afirmação dos grandes Estados monárquicos unificados (exemplo: França, Ingla-

terra, Espanha). Pela primeira vez na História aparece expresso o vocábulo “Estado”, como

o entendemos hoje, na expressão de Nicolau Maquiavel, com O Príncipe (1513/1514): “to-

dos os domínios que tiveram e têm impérios sobre os homens são Estados, e são Repúblicas

ou Principados” (O Príncipe, 1983, cap. I).

Aumenta então a teorização dos filósofos em busca de um rei competente e implacável

que fosse capaz de unificar os Estados, então fragmentados. Em conseqüência disso, temos

uma rápida concentração dos poderes do Estado no rei. Luís XIV, no século 17 dirá: “L’Etat c’est

16 Reforma liderada por Martinho Lutero (1483-1546). “O individualismo religioso de Lutero é uma reação ao forte enraizamento socialda Igreja, que progressivamente foi adotando padrões mundanos de organização. Isso, em certo sentido, explica-se pelas necessidadespolíticas do papado, que passa a ressaltar os rituais e as aparências em detrimento do conteúdo sobrenatural da religião”. Luterocontesta a autoridade papal e dos “representantes de Deus” na Terra (Os Pensadores, 1999, p. 176-177).

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moi” (O Estado sou eu). Aparece, igualmente, o conceito de soberania de Jean Bodin (1576)

como poder supremo na ordem interna.17 Contra o feudalismo e o regime senhorial, contra a

submissão ao papado e ao império, a razão do Estado cresce em decorrência desses teóricos.

Na Filosofia, a partir do século 17, surge o cartesianismo (Filosofia de René Descar-

tes), “a dúvida metódica” e a famosa frase: “Penso, logo existo”; a ciência da natureza de

Galileu, a experimentação e a razão teórica, bem como a elaboração acerca da origem e das

formas de sabedoria política, a partir das idéias do Direito Natural, do Direito Civil hobbesiano

e da política laica ou profana de Maquiavel.

Depois de mil anos tendo o poder teocêntrico sido hegemônico na mentalidade do ho-

mem ocidental, surge na História o Renascimento (séculos 15-16), considerado por alguns

cientistas como marco intermediário entre a Idade Média e a Modernidade. Uns apresentam

as particularidades desse período afirmando que o mesmo traz características próprias. Outros

destacam que o Renascimento representa um retorno às tradições greco-romanas, ou seja,

uma redescoberta da Antiguidade clássica pelos humanistas, que buscam fontes para argu-

mentos históricos, culturais, políticos e filosóficos visando à fundamentação desse novo saber.

No período renascentista, como já vimos, o homem viverá uma profunda crise, pois

vai, aos poucos, perdendo os “valores” que lhe davam segurança e ainda não conseguia

alcançar um porto seguro. O mundo europeu religioso, fechado, dá sinais de esgotamento.

As transformações ocorrem em diversas áreas: nas artes (do gótico para o humanismo); nos

conflitos entre os intelectuais ateus e religiosos nas universidades religiosas e laicas (cultu-

ral); na formação dos Estados nacionais, separação entre Igreja e Estado (política); na visão

de mundo (do geocentrismo = Terra no centro do universo, para o heliocentrismo = Sol

como centro do universo, com a revolução de Copérnico e de Galileu Galilei); na economia,

em que o feudalismo é substituído gradativamente pelo mercantilismo, possibilitando o en-

riquecimento da burguesia favorecido pelas navegações, ao descobrirem novas rotas comer-

ciais com o Oriente e, posteriormente, com as Américas.18

17 “Assim como o navio não é mais do que a madeira, sem forma de embarcação, quando lhe tiramos a quilha, que sustenta o costado, aproa, a popa e o convés, também a República”, sem um poder soberano que una todos os seus membros e partes, e todos os lares ecolégios, num só corpo, não é mais República’. Tal é, para Bodin, o ponto principal e mais necessário para que se compreenda bem,partindo da definição notável e clássica que ele deu de república (evidentemente no sentido de coisa pública, ou comunidade política,ou, em suma: Estado): República é um reto governo de vários lares e do que lhes é comum, com poder soberano” (Bodin, apudChevallier, 1982, p. 316).

18 Estado Moderno como detentor da força/autoridade racional e territorialmente universal foi um fator-chave no desenvolvimento dosEstados capitalistas contemporâneos. Conferir o trabalho de Nunes (2003).

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TEORIA POLÍTICA

O humanismo renascentista encontra-se estreitamente ligado a uma exigência de re-

novação política. Pretende-se renovar o homem não apenas na sua individualidade, mas

também na sua vida em sociedade. O regresso às origens é, por um lado, entendido como o

regresso de uma comunidade histórica determinada, povo ou nação, as suas origens históri-

cas, nas quais poderá ir buscar nova força e novo vigor, e, por outro, como regresso à base

estável de toda e qualquer comunidade.

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 7Unidade 7Unidade 7Unidade 7

Maquiavel e o Pensamento Político Renascentista

O sonho de construir a “cidade terrena” torna-se irrealizável, em virtude do esfacela-

mento da unidade político-religiosa, tão esperada pelos reis e papas, representantes da en-

tidade temporal e espiritual. Os imperadores nomeavam bispos e influenciavam na escolha

dos papas. A ruptura se dá também dentro do próprio Estado. Com a descoberta da pólvora

o regime feudal entra em falência, porque termina a segurança dos castelos. As nações,

originárias da Idade Média, organizam-se em Estados e conquistam autonomia completa.

Os filósofos da época dão início a um novo tipo de pensar (cultura) baseado na expe-

riência de um homem que buscava a verdade na própria natureza e não somente na revela-

ção divina. A experiência desvenda os segredos da natureza, desocultada a partir de si mes-

ma. Pode-se afirmar que o homem moderno é o homem da razão experimental, pois exalta a

razão natural e a natureza. Galileu Galilei, Giordano Bruno1 e Campanella inovam no mé-

todo de explorar a natureza mediante a experimentação. Antes, a natureza era apenas con-

templada a partir da revelação divina.

A verificação dos fenômenos e dos fatos é o novo caminho para se chegar ao conheci-

mento da realidade, pois a razão humana introduz, agora, um novo modo de compreender o

universo. Dessacralizou-se o mundo, que perdeu o senso de mistério e não apela para uma

causa transcendente de explicação: explica-se por si mesmo e para si mesmo. Deus, na

Idade Moderna, é uma causa supérflua, pois a visão exclusivamente experimental e positiva

não tem lugar para valores espirituais (Deus), que não é objeto físico, atingível pela experiên-

cia externa.2 “Deus está morto; nós o matamos”, nos dirá Nietzsche, mais tarde; o Deus da

1 “Mas... se a terra não é o centro do universo, por que insistir num centro? Se a hierarquia do mundo se rompe, para que buscar umahierarquia? Por que não haveria outro mundo com outros sóis e outras vidas?... As indagações são de Giordano Bruno” (Os Pensadores,1999, p. 153). São questões representativas do “espírito” do Renascimento.

2 “Galileu pretende desimpedir a via da investigação científica dos obstáculos da tradição cultural e teleológica. Por um lado, polemizacontra ‘o mundo de papel’ dos aristotélicos; por outro, quer subtrair a investigação do mundo natural aos limites e aos estorvos daautoridade eclesiástica. Contra os aristotélicos, afirmava a necessidade do estudo direto da natureza. Nada é mais vergonhoso nasdisputas científicas, diz ele (VII, p. 139), do que recorrer a textos que amiúde foram escritos com outro propósito e pretender utilizá-lospara responder a observações e experiências diretas” (Abbagnano, 1982, p. 14).

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TEORIA POLÍTICA

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ordem moral morreu. O que é válido é a razão “penso, logo exis-

to” de Descartes, o homem moderno é o homem da certeza mate-

mática. Na política surge o realismo de Nicolau Maquiavel, o

fundador da ciência política moderna. Maquiavel tratou a políti-

ca como ela é, e não como fizeram os pensadores anteriores

(Platão e Santo Agostinho), que imaginaram a política como de-

veria ser (plano ideal). Diz Prélot (1973, p. 43): “O método de

Maquiavel é a observação direta e indireta, feita de contatos e

leituras”.

Seção 7.1

Maquiavel: contexto histórico

Nicolau Maquiavel nasceu em meio a uma grande crise eco-

nômica e política, no dia 3 de maio de 1469, em Florença, na Itália

renascentista.3 Naqueles tempos a Itália sentia a ausência de um

Estado central, reinando uma grande confusão e imperando a ti-

rania em diversos e pequenos principados. Estes não tinham di-

nheiro para financiar exércitos regulares, e acabavam socorrendo-

se de mercenários que, ao bel-prazer e conforme seus próprios in-

teresses, terminavam por conquistar os próprios principados que

deveriam defender. A Itália era uma vítima impotente perante di-

versos impérios, como o franco, o germânico, o hispânico, entre

outros. Também na área econômica a decadência é visível. A or-

dem comercial está calcada nos feudos, e estes estão em declínio,

cada vez com menos poder e em ascensão está a burguesia.4

Nicolau Maquiavel

Imagem de Nicolau Maquiavel.Disponível em:

<http://n.i.uol.com.br/licaodecasa/ensmedio/

historiageral/maquiavel.jpg>.Acesso em: dez. 2007.

3 Ver Sadek (1991, p. 14-17).

4 Sobre a concepção de Estado em Maquiavel, Hobbes, Locke e Marx, conferir o trabalho de Gruppi (1996).

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TEORIA POLÍTICA

A produção manufatureira instalada em territórios antigos clientes da Itália amplia

mercados, oferecendo produtos mais baratos. Outro aspecto que atingia a Itália era a pri-

mazia dos espanhóis e portugueses nas descobertas além-mar. Em 1494, quando Lourenço

(o Magnífico) e Júlio de Médicis são expulsos de Florença, instala-se o regime republicano

do monge Savanarola, oportunizando a Maquiavel iniciar sua vida pública, trabalhando

em um cargo na chancelaria. Quatro anos depois a oposição, com o apoio do papa Alexan-

dre VI, derruba e mata Savanarola, sobrando para Maquiavel o cargo de chanceler. Enfren-

ta inúmeros problemas decorrentes da decadência florentina em relação às cidades vizi-

nhas. O filho do papa Alexandre VI, César Bórgia, avançava sobre Florença exigindo o

retorno dos Médicis. Este personagem inspirou Maquiavel a escrever O Príncipe, e impressi-

onou tanto, que Maquiavel acreditava que Bórgia seria o homem providencial, capaz de

unir a Itália, opondo barreiras às intervenções estrangeiras. Em 1506 Maquiavel escreve um

discurso sobre a preparação militar florentina, defendendo a criação de uma milícia nacio-

nal. Apesar de todos os esforços, porém, ele é derrotado por um conluio envolvendo o papado

e os espanhóis, juntamente com um levante interno exigindo a volta dos Medícis ao poder.

Maquiavel é preso, torturado e exilado em sua propriedade particular em San Casciano.

Procurando reconquistar os favores da família tirana, escreve O Príncipe e oferece-o a Lou-

renço de Médicis. Não atinge seu objetivo, mas lhe é permitido retornar a Florença.

Maquiavel buscava a unificação da Itália, que então era dividida em uma série de pe-

quenos principados, com regimes políticos, desenvolvimento econômico e cultura variados.

Isso fazia com que ela fosse alvo de constantes conflitos e invasões por parte dos estrangeiros.

Aos 29 anos, durante o governo de Soderini, ele passou a ocupar o posto da Segunda Chan-

celaria, na qual cumpriu uma série de missões, tanto fora da Itália como internamente, desta-

cando-se sua preocupação em instituir uma milícia nacional. Com o retorno dos Médicis ao

poder, no entanto, e com o exílio de Soderini, suas tarefas diplomáticas sofreram uma brusca

interrupção. Em 1512 ele foi demitido e, ainda, proibido de abandonar o território florentino

por um ano e de freqüentar qualquer prédio público. Em fevereiro de 1513 foi considerado

suspeito de participar de uma conspiração contra o governo dos Médicis, sendo por isso tortu-

rado e condenado à prisão e a pagar uma pesada multa. Ainda nesse ano ele sai da prisão,

mas não consegue retornar à vida pública. Exilado em sua própria terra, impedido de exercer

sua profissão, passa a morar na propriedade que herdara de seu pai em San Casciano. No

tempo em que ficou retirado em sua propriedade, ele escreveu suas obras, textos que resultam

de sua experiência prática e do convívio com os clássicos.

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TEORIA POLÍTICA

112

O pensador florentino percebeu que a instabilidade italiana estava na fragmentação

do poder (cada cidade tinha uma família no poder).5 O Vaticano estabelecia a unidade.

Maquiavel propõe a unificação da Itália criando um centro único de poder, o que traria a

estabilidade. A Itália e a Alemanha ficam atrasadas quanto à unificação, ao passo que as

demais nações européias a fazem, colocando em risco a soberania destes países sem centra-

lização do poder e tornando-os alvos fáceis de constantes ocupações. É nesse contexto de

insegurança que Maquiavel se encontra em sua Itália, na República de Florença.6

Maquiavel era filho de Bernardo, um advogado pertencente aos ramos mais pobres da

nobreza. Possuía estatura média, magro, fronte larga, olhos penetrantes e lábios finos.7 Muito

pouco se sabe de sua infância, apenas que leu muito os clássicos latinos e italianos, mas

que não dominou o grego. Do fim da adolescência em diante sua biografia se confunde com

a história de Florença e da Itália. Amava, sobretudo, a cidade que o viu nascer e os assuntos

de Estado. Por isso faz o possível para voltar à vida pública, da qual foi excluído em 1513.

Nesse ano, na cidade italiana de San Casciano, este exilado político ocupa-se todas as

manhãs em administrar a pequena propriedade a que estava confinado e, à tarde, joga car-

tas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. A noite, vestia trajes de cerimônia e

passava a conviver, por meio da leitura, com homens ilustres do passado. A oportunidade de

voltar à política chegou em 1526, quando foi nomeado secretário dos Cinco Provedores das

Muralhas, cargo no qual deveria cuidar das fortificações da cidade e tratar da defesa em

geral.

Em 1527 Maquiavel, acreditando que o saque de Roma pelas forças do imperador

Carlos V libertaria Florença do jugo dos Médicis, tenta voltar à Chancelaria, mas não obtém

êxito. Isso debilita sua saúde e provoca seu óbito no dia 21 de junho de 1527, com 58 anos

de idade. Maquiavel morreu sem ver realizados os ideais pelos quais lutou toda a sua vida.

Deixou, porém, um valioso legado: o conjunto de idéias elaboradas no seu exílio. Talvez

nem ele mesmo soubesse a importância desses pensamentos. Apesar disso, revolucionou a

história das teorias políticas, dividindo-a em duas fases distintas.

5 A Itália no tempo de Maquiavel estava dividida, muito semelhante às cidades-Estados dos gregos.

6 Enquanto a Itália permanecia dividida, semelhantes às cidades-Estados gregas, a França, Espanha e Inglaterra já haviam se unificado.

7 Ver Maquiavel – vida e obra. In: Maquiavel, Nicolau. O príncipe: escritos políticos. São Paulo: Abril, 1983. (Os Pensadores).

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TEORIA POLÍTICA

Nicolau Maquiavel não foi apenas filósofo, foi também historiador, estudioso, estrate-

gista, poeta e artista. Com boa parte dos intelectuais renascentistas pesquisou sobre as

guerras que ocorreram em momentos passados de sua época.

Seção 7.2

Estrategista da arte da guerra

Como desatcamos na seção anterior, Maquiavel viveu num período de constantes guer-

ras e de fragmentações territoriais. Os problemas financeiros foram uma constante em sua

vida.8 Os fatos mais marcantes da sua biografia foram a precoce participação na política,

isso em 1507, quando foi indicado como chanceler. Maquiavel também tornou-se um espe-

cialista em assuntos militares.9 A Renascença italiana, além de ser reconhecida pelo seu

brilhantismo artístico, foi marcada pelo interesse literário, filosófico e tático pela guerra. A

guerra nesse tempo surgirá como um trabalho de arte, a guerra começa a ser uma preocupa-

ção essencial de mentes privilegiadas que a consideram como qualquer outra coisa a sua

volta. Os homens influentes das mais diferentes áreas, dramaturgos, poetas, músicos, pinto-

res ou escultores, “escreveram sobre estratégias e táticas de guerra e sobre isso davam con-

selhos” (Nisbet, 1982, p. 70).

O interesse pela guerra provinha do declínio de todo o sistema feudal na Europa e do

limitado tipo de arte da guerra, do gênero milícia, bem típico da Idade Média, em que a

guerra era o esporte de uma pequena classe: a cavalaria. No século 15, porém, especialmen-

te na Itália, a arte da guerra tornou cada vez mais importante o trabalho de soldados e

oficiais mercenários. Muitas tropas mercenárias eram contratadas por cidades-Estados e

principados, a guerra era “providenciada” no sentido de tirar proveito de tal acontecimento:

“Tendo tudo a ganhar com participação na guerra, os mercenários providenciavam – ou

assim pensava Maquiavel, entre outros renascentistas – para que houvesse guerras em nú-

8 Conferir o trabalho de Sartori (1965, p.47), principalmente o capítulo 3º “O Qüiproquó do realismo político”.

9 Ver Sadek (1991).

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TEORIA POLÍTICA

114

mero suficiente, com suas oportunidades de pilhagem e saques”

(Nisbet, 1982, p. 70). Maquiavel propõe algo diferente ao escre-

ver A Arte da Guerra, pois até então as batalhas eram feitas por

mercenários que lutavam para quem pagasse mais.

A Itália foi pioneira na utilização das tropas mercenárias

como organização, assim como no emprego de armas de fogo, o

que transformou a guerra numa atividade democrática, ou seja,

os fortes castelos não resistiram mais aos constantes bombardei-

os. Surge a função essencial dos engenheiros, do fundidor de ar-

mas e do artilheiro, homens que pertenciam a classes sociais su-

balternas, passando a desempenhar um papel fundamental para

a arte da guerra.

Os humanistas i talianos contribuíram, durante o

Renascimento, para que houvesse uma consagração literária à

arte bélica, o que chegou a glorificá-la. Era uma oportunidade

nova que os humanistas vislumbravam como meio de libertação

do homem, seus talentos e poderes do sistema eclesiástico e feu-

dal, tido como inimigo número um dos humanistas. Como é sabi-

do, o conceito moderno de individualidade buscava a ruptura a

tudo o que era imposto pelas estruturas dominantes medievais e

que acabavam confinando a individualidade humana. No

Renascimento importantes serão a ousadia de atitudes, a liber-

dade, a “obtenção de fama e celebridade, e acima de tudo, liber-

dade de mente e imaginação das tradicionais obrigações para com

a cavalaria, bem como para com a guilda, o mosteiro, a igreja e o

solar” (Nisbet, 1982, p. 70).

A própria guerra tornou-se um meio de brilhante realização

individual na medida em que houvesse alguma contribuição para

“o aperfeiçoamento da Filosofia e da arte de guerra”. Leonardo

da Vinci orgulhou-se não só de suas pinturas ou esculturas, mas

Guilda

Associação que agrupava, emcertos países da Europadurante a Idade Média,

indivíduos com interessescomuns (negociantes,

artesãos, artistas) e visava aproporcionar assistência e

proteção aos seus membros(D. Houaiss).

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TEORIA POLÍTICA

das contribuições tecnológicas e estratégias para a arte da guerra. Os administradores

renascentistas incentivavam, chegavam a pagar boas quantias, por inovações e estratégias

que contribuíssem para os tempos de guerra.

Em síntese, Maquiavel foi um observador, um mestre na tática da guerra. Condenou

as tropas mercenárias, acreditava que o príncipe deveria confiar em um exército próprio e

nunca ficar nas mãos dos mercenários, pois estes eram muito ambiciosos, bastando alguém

pagar mais para que passassem para o lado dos inimigos. Mostra também que, mesmo não

estando em guerra, o príncipe deve estar preparado para ela, construindo estratégias, co-

nhecendo a história de outras batalhas, sabendo por que tiveram grandes vitórias ou gran-

des derrotas, para corrigir os erros nas derrotas e imitar as estratégias vitoriosas, e por esse

fato Maquiavel chegou a organizar e chefiar o exército florentino.

Seção 7.3

Fundador da Ciência Política Moderna

Maquiavel foi um realista, não se preocupou com o que se deveria fazer, mas com o

que se faz. Até então a teoria do Estado e da sociedade não ultrapassava os limites da

especulação filosófica. Em Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino ou Dante, o estudo desses

assuntos vinculava-se à moral, constituindo-se em uma teoria de ideais de organização

política e social. À mesma regra não fogem seus contemporâneos, como Erasmo de Rotterdam,

no Manual do Príncipe Cristão, ou Thomas More, na Utopia, que constroem modelos ideais

do bom governante com base em um humanismo abstrato. Em todas as obras sua preocupa-

ção era a construção do Estado italiano, por isso tratou a política tal qual ela é, sendo um

seguidor de Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio, examinando a verdade como ela é.

O universo mental de Maquiavel é bem diverso. Observa que a experiência jamais

engana e o erro é produto do pensamento especulativo; o objeto de suas reflexões é a reali-

dade política, a busca do entendimento de como as organizações políticas se fundam, de-

senvolvem– se, persistem e decaem. Conforme Maquiavel, quem observa com cuidado os

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TEORIA POLÍTICA

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fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república e usar os remédios aplicados

desde a Antiguidade. Atualmente os estudos têm procurado romper com a tradição de críti-

ca do ponto de vista moral, ou com a utilização da obra de Maquiavel como instrumento

ideológico. Procura-se mais amplamente determinar a contribuição específica que ele deu à

história das idéias, especialmente no que se refere à ciência política.

Maquiavel lia muito sobre os antigos historiadores. Ele rejeitava o idealismo de Platão,

Aristóteles e São Tomás de Aquino. Acreditava numa realidade concreta, tal como ela é, e

não como se gostaria que ela fosse. A história política se divide em duas partes, uma antes e

outra pós– Maquiavel. Os valores que antecedem a Maquiavel são de ordem religiosa: Deus

era o centro, a política seguia em segunda ordem e, por último, o indivíduo. Após Maquiavel,

a política torna-se o valor mais importante, juntamente com a valorização do indivíduo, e

não se abordou ou tratou de valores espirituais.

Rompendo com todos os dogmas da tradição religiosa, o autor florentino afirma que

qualquer um pode chegar ao poder, tendo dinheiro, é claro. Considerou o homem como

fundamentalmente mau, corrupto, ingrato e covarde. Com Maquiavel começa a ganhar

importância a individualidade. Ele separa ética de política, argumentando que a primeira

diz respeito às questões do indivíduo e a última, às coisas públicas. A ética é a-política, já a

política pode ser ética ou a-ética.10 O poder político fascina, pois por meio dele as pessoas

podem destinar recursos que nenhuma outra pode, mandar atacar, fazer isto ou aquilo. Já a

religião é pouco citada em sua obra, mas o autor a percebia como um valor, uma vez que

poderia ser manipulada e utilizada como argumento político, por lidar com paixões e dese-

jos humanos.

Diferentemente dos teólogos, que partiam da Bíblia e do Direito Romano para formu-

lar teorias políticas, e também dos renascentistas, que partiam das obras dos filósofos clás-

sicos para construir suas teorias políticas, Maquiavel parte da experiência real do seu tem-

po. O fundamento do seu pensamento político é o contexto moderno, porque busca oferecer

10 “A política tem uma ética e uma lógica próprias. Maquiavel descortina um horizonte para se pensar e fazer política que não se enquadrano tradicional moralismo piedoso. A resistência à aceitação da radicalidade de suas proposições é seguramente o que dá origem ao‘maquiavelismo’. A evidência fulgurante deste adjetivo acaba velando a riqueza das descobertas substantivas” (Sadek, 1991, p. 24).

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TEORIA POLÍTICA

respostas novas a uma situação histórica nova, que seus contemporâneos tentavam com-

preender lendo autores antigos, deixando escapar a observação dos acontecimentos que

ocorriam diante de seus olhos.

Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior da política (Deus, natureza

ou razão). Toda a cidade, diz ele, tem, originariamente, dois pólos: o desejo dos grandes de

oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado.11 Essa divisão

prova que a cidade não é homogênea e nem nascia da vontade divina, da ordem natural ou

da razão humana. Na realidade, a cidade é feita por lutas intensas que obrigam a instituir

um pólo superior que passa a unificá-la e dar-lhe identidade. Assim, a política nasce das

lutas sociais e é tarefa da própria sociedade dar-lhe identidade. A política resulta da ação

social a partir das divisões sociais. Não aceita a idéia de boa comunidade política constitu-

ída para o bem comum e a justiça. Para ele, a política é a divisão entre os grandes e o povo.

A sociedade é dividida e não uma comunidade una, homogênea. Segundo Maquiavel, a

imagem de una é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enga-

nar, oprimir e comandar o povo. A finalidade da política é a tomada e a manutenção do

poder e não a justiça e o bem comum.

Quando Maquiavel eternizou seus conhecimentos, ele apenas observou o passado (as

guerras), localizou onde estavam os erros e acertos das mesmas: neste contexto, analisou como

os reis e príncipes agiam antes, durante e depois das conquistas. Enviando suas conslusões à

família Médicis, expressou o que um príncipe deveria ou não fazer para conquistar novos reinos

e mantê-los. Assim mudou a forma de fazer política, só que isso rendeu-lhe várias críticas a sua

obra mais conhecida, O Príncipe, na qual relata suas “experiências” de governos.

A democracia é a tentativa de horizontalizar o poder, tornar o indivíduo cidadão e isso

implica ser responsável com a dimensão pública, o que torna difícil este processo de fazer

democracia, pois as pessoas não gostam de se comprometer com o público. Maquiavel não era

democrata, pois em sua época não existia democracia; ele percebe o homem com seus interes-

ses e a necessidade de um poder centralizado para evitar os interesses particulares. Maquiavel

propõe a monarquia; na pior das hipóteses, a aristocracia como melhor forma de governo.

11 Extraído de Chauí (1994).

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TEORIA POLÍTICA

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Maquiavel, tendo convicções republicanas, participa do

governo, é atuante e circula diplomaticamente pelos países vizi-

nhos e internamente em seu país. Vislumbra um modelo a ser

seguido em César Borgia, condottiere empenhado na ampliação

dos Estados pontifícios. De regra, era o que a Itália precisaria

seguir para chegar à unificação. Defensor das idéias republica-

nas, Maquiavel admite que a extrema corrupção (como a “insta-

lada” na Itália) é a causa e o efeito da queda dos impérios, e que

com a virtude (virtú) de um grande homem, de “pulso quase real”,

somente assim poder-se-ia restabelecer a ordem.

Acreditava na república e referia-se a esta enfatizando a

sucessão dos governantes. E, acima de tudo, preocupou-se com o

exército. Ditador e sábio, percebia o valor do exército natural.

Afirmava sua brutalidade e insensibilidade pela incansável valo-

rização da guerra, e tinha como grande trunfo o conhecimento

das paixões e fraquezas humanas, meios (considerados por ele)

de dominação e atração do povo, que tinha de ser adaptado aos

interesses do Estado, ou, então, aniquilado.

Seção 7.4

A natureza humana

Algumas das conclusões de Maquiavel, em 1513, quando

escreveu O Príncipe, é de que:

1) os homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da

prática do mal quando coagidos pela força da lei;

2) os desejos e as paixões seriam os mesmos em todas as cidades

e em todos os povos;

3) quem observa os fatos do passado pode prever o futuro em qual-

quer república.

Condottiere

“capitães-de-aventura”, comose chamavam os chefes dastropas mercenárias na épocade Maquiavel. Especialistas na

técnica militar.

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TEORIA POLÍTICA

Para Maquiavel, a natureza humana é intrinsecamente maligna. Os homens, os indi-

víduos, são dotados de atributos negativos, de paixões, instintos negativos e malévolos, tais

como a ingratidão para com os seus benfeitores, a volubilidade do caráter, a simulação das

intenções, a covardia ante os perigos e a avidez do lucro.12 Não vê, pois, como Aristóteles, a

sociabilidade como um impulso associativo natural (“O homem é, por natureza, um animal

político”, necessariamente ligado aos vínculos sociais).

Pessimista, Maquiavel define seus semelhantes como inconstantes, egoístas e maldo-

sos; mais propensos ao mal do que ao bem, fazendo este último somente sob coerção. Tam-

bém são invejosos, ineficientes, mentirosos e ambiciosos. E, assim, também o são os

governantes. Mesmo assim, ainda há esperança para ensinar aos homens um comporta-

mento político efetivo. Maquiavel, adotando o método comparativo em suas obras, compa-

rou o comportamento presente com o passado, acreditando que o comportamento humano

permanece o mesmo ao longo da História.13

A contradição básica está na sua visão da natureza humana. Os homens fazem o bem

apenas por coação. São mentirosos e facilmente iludidos, sentem inveja, são mais propen-

sos para o mal do que para o bem... “Os homens ‘são ingratos, volúveis, simuladores, covar-

des ante os perígos, ávidos de lucro’” (O Príncipe, apud Sadek, 1991, p. 19).

Com base em sua leitura e reinterpretação de textos clássicos da história humana, Maquiavel

conclui que as pessoas não mudam; em todos os tempos, os homens são iguais, movidos pela

apaixonada e intuitiva busca de poder, prestígio e posses, que os faz serem “ingratos, volúveis,

simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro”. Nesta visão negativa da natureza hu-

mana – que ele afirma ser realista – Maquiavel não está sozinho. Um provérbio de Confúcio já

indagava: “Por que me odeias, se nada fiz para ajudar-te?” A visão religiosa do Antigo Testa-

mento também é de um homem essencialmente mau, “pecador”, que quer se sobrepor aos ou-

tros matando, roubando, cobiçando tudo o que é dos outros. Isto desde Caim e Abel.

12 “E é exatamente assim que Maquiavel os pinta. Sem deixar de acrescentar traços suplementares. Ávidos os homens, sim, e interesseiros:resignam-se mais facilmente com a morte de um pai do que com a perda de um patrimônio. E invejosos, ciumentos, insaciáveis nos seusdesejos, eternos descontentes que só aspiram ao que não possuem. E ingratos, inconstantes. E dissimulados, mentirosos, velhacos:basta-lhes um pretexto para faltarem à palavra empenhada. E medrosos, covardes: somente uma coisa lhes cala fundo – é o medo docastigo” (Chevallier, 1982, p. 267).

13 “Aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produzirão em cada Estado e utilizar os mesmosmeios que os empregados pelos antigos. Ou então, se não há mais os remédios que já foram empregados, imaginar outros novos, segundoa semelhança dos acontecimentos” (Discursos, Livro I, cap. XXXIX, apud Sadek, 1991, p. 19).

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TEORIA POLÍTICA

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Para Maquiavel, só o poder político, terreno, mundano, pode enfrentar o conflito e a

anarquia decorrentes das paixões e instintos humanos, porém apenas de forma precária e

transitória.14 Em seu entendimento, aquele que detém o poder político – o Príncipe, o chefe

de Estado – pode aumentar o tempo de duração das formas de convívio entre os homens – e

manter-se no poder. Para tanto, deve ele estudar cuidadosamente a História passada. Com o

que poderá prever os acontecimentos que se sucederão – dada a natureza humana imutável

– e antecipar-se ou preparar-se para estes acontecimentos, tomando as mesmas medidas

antes já tomadas por outros governantes, ou iniciativas (remédios) semelhantes. Pode-se

aprender com a História: sobre a natureza humana, sobre como conquistar o poder e sobre

como mantê-lo.

O poder é uma relação entre os homens, uma relação temporal, mutável e sensível que

pode ser rompida a qualquer momento. Esse poder, que é exercido no mínimo por um ho-

mem sobre o outro, pode também ser praticado por grupos sociais, pelas classes sociais, para

estabelecer uma ordem mais ampla conforme sua ideologia. Possuir o poder significa ter a

possibilidade de ser obedecido, gerando com isso também a detenção da faculdade de permitir.

O que viabiliza o exercício do poder é a possibilidade real do uso da violência. O que,

na verdade, viabiliza o exercício do poder não é o emprego direto e generalizado da violên-

cia, do poder nu e cru, mas a ameaça, a possibilidade de seu uso, após alguns casos de

efetiva aplicação.

O primeiro fator que se sobressai como determinante do poder é a força. Quem detém

a força detém a possibilidade de represália em caso de desobediência, Quem possui a força

pode sancionar, ameaçar, punir e até mesmo matar, individual e coletivamente. A força pode

se apresentar como força bruta, física, militar, religiosa ou econômica. O segundo fator

determinante do poder é a influência. Regra geral, a influência advém da própria força,

religiosa, econômica ou política. Nas sociedades mais complexas, contudo, a influência

pode advir de fatores mais inesperados, que vão desde a convergência ideológica até a

corrupção ou chantagem.

14 “Mas onde fica a religião em tudo isso? Percebe-se facilmente que ela só interessa a Maquiavel sob o ângulo do Estado, da suaconservação e da sua grandeza. Serva da política, ela é uma insubstituível polícia do Estado, um admirável meio disciplinar do qual acoisa pública não poderia abrir mão” (Chevallier, 1982, p. 270).

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TEORIA POLÍTICA

Seção 7.5

A questão do Estado

Como é possível perceber, Maquiavel foi um dos maiores defensores do Estado inde-

pendente. Buscou o conhecimento por si só. Foi um pensador da modernidade. Esse período

da História foi marcado pelo poder e pela influência da Igreja no Estado, em que Deus é o

centro de tudo e os papas exercem poder sobre os governantes e sobre o povo.15 Maquiavel,

porém, buscou exatamente o contrário, ele defendeu uma política laica (leiga, do povo, sem

nenhuma ligação com a Igreja); rompeu com a tradição religiosa e com a moralidade, mas

ocupou-se da realidade da maneira como ela é, do modo como as coisas realmente são e não

como elas deveriam ou poderiam ser.

Para Maquiavel, os domínios que existiram e existem sobre os homens foram ou são

repúblicas e principados. Os principados ou são hereditários (o príncipe é senhor pelo san-

gue) ou novos (récem-fundados). Ele afirma que é mais fácil manter Estados herdados cujos

súditos já estão acostumados a uma família reinante, mas que é de bom alvitre não trans-

gredir os costumes tradicionais e saber adaptar-se a situações imprevistas: “A dificuldade

está nos principados novos” (O Príncipe, capítulo III, Dos principados mistos). Os homens

mudam de governantes com facilidade e sempre esperam melhorias. Com o passar do tempo,

percebem que não melhoram, voltando-se contra os mesmos. O soberano fará, assim, inimi-

gos, pois não poderá manter a amizade dos que o ajudaram a conquistar o poder e também

não poderá aplicar medidas drásticas contra eles. Por isso, o príncipe precisará sempre man-

ter-se ao lado dos habitantes de um território para dominá-lo. Maquiavel, partindo do pres-

suposto de que os Estados anexados são previamente existentes, e quando são da mesma

região é mais fácil dominá-los, especialmente se não estiverem habituados à liberdade, ad-

verte que para isso basta eliminar a antiga dinastia governante. Quando se trata de mesma

língua e costumes o domínio é mais fácil; para tanto deve-se extinguir a linhagem dos anti-

gos governantes e manter as mesmas leis e os mesmos tributos. Na hipótese de conquistar

uma província com língua, leis e costumes diferentes, aconselha, como meio para manter a

dominação, que o príncipe ali se fixe.

15 É claro, como já foi mencionado, que o poder da Igreja estava em franco declínio no século XVI.

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TEORIA POLÍTICA

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Recomenda Maquiavel que o governante de um território estrangeiro (organizado em

forma de colônia) deve liderar e defender os vizinhos mais fracos, procurando debilitar os

mais poderosos. Os romanos, onde instalaram colônias, apoiaram os menos poderosos –

sem aumentar-lhes as forças – e abateram os mais fortes, impedindo que os Estados estran-

geiros exercessem sobre suas colônias alguma influência. Com isso, preveniram-se de dispu-

tas futuras. Nesse sentido, afirma Maquiavel que o mal identificado no início é de fácil cura,

mas difícil de diagnosticar e que, quando não é logo identificado, torna-se de fácil identi-

ficação mas de difícil, senão impossível, cura. E conclui que é isso que ocorre com os negócios

do Estado.

Seção 7.6

O estilo das obras de Maquiavel

As obras de Maquiavel são instigantes, desconexas e paradoxais. Com julgamentos

sempre exatos e decisivos, empregando um número reduzido de palavras que podem sugerir

vários sentidos. Maquiavel é, também, contraditório em suas relações com os mesmos exem-

plos da História. A obra de Maquiavel prima por argumentos confusos e pela ambigüidade.

Por exemplo: os Estados, ou são repúblicas ou são principados, os príncipes devem escolher

entre o amor e o medo, a clemência e a crueldade, a atitude liberal ou a mesquinhez. Os

soldados em batalha devem conquistar ou morrer. Os súditos serão bem tratados ou oprimi-

dos, as medidas extremas podem ser bem ou mal utilizadas.

Dentre as principais obras de Maquiavel destacam-se: O Príncipe (1512 a 1513); Os

discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (1513 a 1519); a Arte da guerra (1519 a

1520), e, por último, sua História de Florença (1520 a 1525).16 Ao lado destas publicações,

escreveu a comédia A mandrágora, considerada obra-prima do teatro italiano, uma biogra-

fia sobre Castruccio Castracani e uma coleção de poesias e ensaios literários.

16 Em 1520 torna-se historiador oficial da república indicado pela Universidade de Florença. Ver Os Pensadores. História da Filosofia(1999). Especialmente capítulo “Um Cenário de Luz e Sombra” (156ss.) “Um príncipe maquiavélico”.

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TEORIA POLÍTICA

A preocupação de Maquiavel, como pensador político, era documentar a corrupção;

explicá-la e estabelecer se poderia ou não ser remediada. Adotou um método comparativo

em suas obras, estudando o comportamento passado e presente. Como já foi exposto, a sua

principal obra é O Príncipe, destinada a mostrar ao “novo” príncipe dos Médicis como ga-

nhar, manter e aumentar o poder político. Esse príncipe triunfará apenas se dedicar suas

energias à guerra: “pois a força é justa, quando necessária”. A obra O Príncipe, segundo

Prélot (1964, p. 23), é o título da obra que, de fato, significativamente, abre a politologia

moderna.

Para muitos, a obra de Maquiavel é considerada lunática, atéia e satânica, pois a

idéia de que a finalidade da política é a retomada e conservação do poder e de que este não

provém de Deus nem de uma ordem natural feitas de hierarquias fixas, exigiu que os

governantes justificassem a ocupação do poder assumido.

Seção 7.7

Síntese das idéias de O Príncipe

O Príncipe (1513) foi publicado somente em 1532, cinco anos após a morte de seu

autor. Neste livro, Maquiavel expõe todo o seu conhecimento e sua experiência, buscando

ensinar a arte da guerra. Nele o autor explica como conquistar, aumentar e manter o poder,

e avisa também dos perigos que existem em se manter no poder.

O Príncipe divide-se em 26 capítulos, subdivididos em cinco temas centrais: apresenta-

ção das diversas espécies de principados e do modo pelo qual o poder pode ser adquirido e

mantido; discussão sobre a organização militar do Estado; debate sobre a conduta do prín-

cipe; aconselhamento sobre assuntos de especial interesse para o príncipe e, por fim, exame

da situação italiana da época.

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TEORIA POLÍTICA

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DESCRÉDITO COM AS TROPAS MERCENÁRIAS

O descrédito com as tropas mercenárias aparece evidenciado em suas obras. Para

Maquiavel, a utilização dos mercenários pelos governantes, para a prática da guerra, era

um desperdício e uma inutilidade, em termos militares, além de destruir o verdadeiro concei-

to de cidadania.

Maquiavel condena as tropas mercenárias, bem como os generais que as empregam,

por entender que os mesmos não buscam a paz porque esta não lhes interessa; muito pelo

contrário, é pela arte da guerra que é possível o lucro, para isso as qualidades menos eleva-

das, como a avidez, a desonestidade, a violência, serão uma constante. Os homens honra-

dos e bons não combaterão, pois não se sujeitarão a tal prática. Uma leitura mais atenta da

sua obra A Arte da Guerra mostra-nos a preocupação com a estruturação de um exército de

cidadãos e com a eliminação definitiva dos exércitos mercenários.17

A VIRTÚ E A FORTUNA

Maquiavel toma em consideração a hipótese de as coisas do mundo serem governadas

pela sorte ou por Deus, que os homens não possam corrigi-las nem remediá-las. Sustenta

como mais provável, entretanto, que a sorte (fortuna) seja árbitra de metade das ações hu-

manas, deixando aos homens o comando da outra metade (virtú).18 A sorte mostra seu po-

der, não se depara com a resistência da “Virtude Ordenada” e dirige os seus ímpetos para

onde não houver defesa para contê-la. A ação humana – parece dizer Maquiavel – não pode

eliminar todos os riscos, mas pode e deve eliminar as reviravoltas inconcludentes e transfor-

mar o risco numa possibilidade de êxito. O homem que se compromete com a História tem

uma tarefa precisa e jamais deverá desesperar: o resultado da sua ação transcende-o e pode

conduzi-lo, por atalhos e caminhos distantes, à vitória da tarefa que lhe é cara.19

17 Maquiavel, além de suas realizações teóricas a respeito das milícias tenta, em 1498, quando ocupa um cargo na Segunda Chancelaria,posição considerável na herarquia do Estado, instituir uma milícia nacional (ver Sadek, 1991, p. 15).

18 Ver Sadek (1991, p. 21-24). Virtú x Fortuna.

19 “Não ignoro ser crença antiga e atual de que a fortuna e Deus governam as coisas deste mundo, e de que nada pode contra isso a sabedoriados homens... Todavia, para que não se anule o nosso livre arbítrio, eu, admitindo embora que a fortuna seja dona da metade das nossasações, creio que, ainda assim, ela nos deixa senhores da outra metade ou pouco menos” (Maquiavel. O príncipe, apud Weffort, 1991,p. 43).

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TEORIA POLÍTICA

O ENTENDIMENTO SOBRE O ESTADO

Maquiavel foi o criador do termo Estado tal qual é entendido na concepção moderna.

Sobre a compreensão de Estado em Maquiavel, pode-se afirmar que diferentes foram as

opiniões sobre o problema do Estado, cada filósofo entendeu de maneira diferente o concei-

to de Estado, de acordo com o pensamento e o contexto histórico da época. Para Maquiavel,

entretanto, “O Estado passa a ter suas próprias características, faz política, segue sua técni-

ca e suas próprias leis”. Trata-se já da linha do pensamento experimental: as coisas como

elas são, a realidade política e social como ela é, a verdade efetiva. Maquiavel faz uma obra

descritiva e prescritiva com alternativas ao poder para obter a estabilidade e unificar a Itália.

Maquiavel não foi o único pensador desse período. É possível afirmar, contudo, que

foi o mais importante, tal a pertinência de suas idéias em relação à política. A seguir apre-

sentamos Thomas Hobbes, outro nome a ser considerado na teoria política moderna.

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 8Unidade 8Unidade 8Unidade 8

A Defesa das Idéias Absolutistas

Esta Unidade trata, especificamente, de Thomas Hobbes,

um dos principais defensores das idéias absolutistas na

Modernidade. Considerado um pensador contratualista (passa-

gem do estado de natureza para o estado civil), Hobbes escreveu

O Leviatã, no qual defende as idéias monárquicas da Inglaterra.

Seção 8.1

O Leviatã: o deus mortal de Thomas Hobbes

Thomas Hobbes nasceu em 5 de abril de 1588 na cidade

inglesa de West Port1. Estudou na Universidade de Oxford, onde

se formou em 1608. Foi preceptor de uma família de nobres ingle-

ses e esta ligação revelou-se fundamental para a formação da

base da sua teoria política, pois permitiu que ele se aprofundasse

nos estudos e, principalmente, viajasse pelo continente europeu.

Hobbes era um defensor do regime monárquico, dizia que

um rei era mais capaz que uma república. Achava que a demo-

cracia era um perigoso sistema de governo. Foi o primeiro teórico

considerado contratualista, ou seja, defendia a idéia de que a

origem do Estado e/ou sociedade está em um contrato. Suas prin-

cipais obras foram O Leviatã, De Cive e Os Elementos do Direito

Natural e Poético. Morreu em 4 de dezembro de 1679.

Thomas Hobbes.

Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/d8/Thomas_Hobbes_(portrait).jpg/250px-Tomas_Hobbes_(portrait).jpg>.Acesso em: dez 2007.

Preceptor

Que ou aquele que dá preceitosou instruções; educador,mentor, instrutor; que ouaquele que é encarregado daeducação e/ou da instrução deuma criança ou de um jovem,geralmente na casa deste (D.Houaiss).

1 Sobre os dados biográficos e bibliográficos ver Hobbes (1997, 1993).

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Filósofo e cientista político, inglês de origem pobre, Hobbes teve sua infância marcada

pela ameaça da invasão espanhola. Estudou em Oxford, onde dedicou a maior parte do seu

tempo à leitura de livros de viagens e a estudar cartas e mapas. Foi preceptor do Duque de

Devonshire, com quem viajou à França e à Itália, e fez outras viagens, nas quais teve conta-

to com Francis Bacon e René Descartes.

Em Paris, onde se encontrava devido aos descontentamentos que causou na Inglater-

ra, Hobbes escreveu sua obra-prima O Leviatã, livro que englobava todo o seu pensamento.

Apesar de defender o absolutismo monárquico, esta obra causou mal-estar a Carlos II, que

também se encontrava exilado. Hobbes volta então para a Inglaterra e vive em paz com o

regime lá instaurado. Com o retorno da monarquia algum tempo depois Hobbes, apesar da

desconfiança, volta a gozar da proteção de Carlos II, que lhe pede apenas que evite atritos,

como os que já havia promovido com o clero. O seu pensamento crítico, muitas vezes, fez

com que parecesse confuso: era cristão e criticou a Igreja, era monarquista e criticou erra-

das formas de monarquia. Hobbes desgostou-se com a direção dos acontecimentos de sua

pátria e desejava o restabelecimento da monarquia.

Para Hobbes, a liberdade fora do Estado é ilimitada, livre de qualquer princípio moral,

humanitário ou ético. Assim, do mesmo modo como o indivíduo pode vitimar pela sua liber-

dade, pode também ser vítima. O indivíduo vive amedrontado, pois a qualquer instante

pode perder seu bem maior, que é a vida. Existe, para Hobbes, esta cisão, optativa, entre a

liberdade, que significa guerra geral, e a limitação da liberdade, mas com paz e segurança.

Há para ele, portanto, um estado natural, em que a liberdade é a ausência de oposição, o

homem livre é o que não é impedido de fazer a sua vontade; se a ânsia por liberdade, no

entanto, está em cada ser humano, por que limitá-la na constituição do Estado civil? Por-

que o homem livre torna-se o mais selvagem dos animais, tendo a liberdade como valor

supremo, e sendo ela condição para a guerra, pode então acarretar a perda absoluta dela.

Entre a perda de um valor maior que é a vida e a limitação da liberdade, a segunda é a

preferível. Só existe liberdade, segundo Hobbes, dentro do Estado soberano. Ela se dá na

estruturação do Estado, com o soberano freando as liberdades de cada um.2

2 “O dever do homem enquanto cidadão é renunciar ao poder indiscriminado e arbitrário sobre todas as coisas, subordinando-se ao Estado”(Rosenfield, 1993, p. 28).

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TEORIA POLÍTICA

A sua principal obra, O Leviatã, apresenta uma espécie de síntese de seu pensamento.

Nele Hobbes reafirma a sua convicção de que o Estado é um monstro poderoso, um Leviatã.

Ele determina toda a postura de um Estado monárquico.

O livro divide-se em quatro partes. Na primeira ele trata das características e dos re-

cursos empregados pelo homem na sua relação com os outros. Na segunda parte faz refle-

xões sobre os fenômenos que engendram as relações entre os homens. Na terceira, justifica

a tese da vontade do Estado e na quarta reflete sobre a religião civil. O ideal mais demons-

trado nesta obra é a teoria contratualista, que afirma ser o Estado formado pelo acordo

hipotético entre os homens, apoiados na idéia de que só ficaria exposto à barbárie, pois

contaria somente com as suas forças para defender-se de uma humanidade sem regras, na

qual cada um poderia proceder diante do outro da maneira que as suas forças permitissem.

Essa concepção é fruto do seu conceito de liberdade.

Em O Leviatã Hobbes explicita sua visão de Estado, segundo a qual é preciso ter um

Estado dotado de espada, armado, para forçar os homens ao respeito. O Leviatã é quem tem

liberdade, oferecendo segurança. Seu maior objetivo era fundir a sociedade e o poder (Esta-

do), de modo quee um não pudesse viver sem o outro. Nesse Estado o príncipe, ou governante,

tem poderes ilimitados; ele é absoluto, ele é quem decide o futuro do seu povo (súditos).

O Leviatã, que significa monstro marinho, dá o título a um estudo filosófico do abso-

lutismo (centralização do poder de um monarca). Leviatã é o governo soberano, que tem a

função de garantir a segurança, o avanço econômico, a saúde e o bem-estar dos súditos. Na

obra Hobbes defende a idéia de que os homens primitivos viviam no seu estado natural,

onde não existiam leis, sabedoria e tecnologia. Por isso, lutavam uns contra os outros pelo

desejo de poder, de riquezas e de propriedades (homo homini lúpus, ou “o homem é o lobo do

homem”). O estado de natureza é uma condição de guerra, porque cada um se imagina

(com ou sem razão) poderoso, perseguido, traído.3

3 “Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos emrespeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens.Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalhaé suficientemente conhecida” (Hobbes, 1997, Leviatã, cap. XIII, p. 109).

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Para o título de sua principal obra Hobbes escolheu o nome de Leviatã, indicativo de

sua concepção de Estado como um monstro todo-poderoso. Todas as associações dentro do

Estado, declarava ele, são meros “vermes nas entranhas do Leviatã”. A essência da Filosofia

política de Hobbes está diretamente ligada a sua teoria da origem do governo. Pensava que,

no início, todos os homens tinham vivido em estado natural, sujeitos não a uma lei, mas ao

próprio interesse. Muito longe de ser um paraíso de inocência e de bem-aventurança, o

“estado de natureza” era uma condição de miséria universal. Para escapar da guerra de

cada um contra todos, os homens, por fim, se uniram entre si para formar uma sociedade

civil.

Hobbes pretendia a formação de um contrato, submetendo todos os direitos naturais

dos indivíduos a um único poder soberano, um monarca suficientemente poderoso, que

fosse capaz de coagir todos os indivíduos para a prática da ordem. Desse modo o soberano,

embora não fosse uma parte do contrato, tornava-se a sede da autoridade absoluta. 4

O povo, por seu lado, concederia tudo pela grande bênção da segurança.5 Hobbes não

reconheceu nenhuma lei da Igreja ou de Deus como limitação da autoridade do príncipe,

chegando à conclusão de que ao poder assim formado é permitido governar despoticamente,

não por ter sido ungido por Deus, mas porque o povo lhe deu autoridade absoluta. Como o

homem no estado de natureza é um inimigo em potencial, há a necessidade de um contrato

que estabeleça um acordo entre eles. Um contrato para constituírem um Estado que refreie

os lobos, que impeça o egoísmo e a destruição mútua.

Nesse contexto nasce o Estado, com o intuito de refrear os lobos e impedir o desenca-

dear dos egoísmos e a conseqüente destruição mútua. O Leviatã pretende dar uma justifica-

ção racional e, portanto, universal, da existência do Estado e, ainda, indicar as razões pelas

quais os seus comandos devem ser obedecidos. É o Estado o elemento positivo do desenvol-

vimento histórico da humanidade. A teoria do Estado em Hobbes é a seguinte: quando os

4 Afirma Hobbes, em De Cive (1993, p. 55): “Qualquer um que julgasse ser preferível ao homem ficar naquele estado, quando tudo épermitido a todos, estaria em contradição consigo mesmo. Pois, por uma necessidade natural cada qual deseja o que é bom para si, nãohavendo ninguém que considere um bem para si essa guerra de todos contra todos que é inseparável do estado natural”.

5 “... Contudo, ninguém deve duvidar que os homens, caso não existisse o medo, seriam levados por sua natureza mais sofregamente paraa dominação do que para a sociedade” (Hobbes, 1993, De Cive, cap. I, p. 52).

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TEORIA POLÍTICA

homens primitivos vivem no estado natural, como animais, eles se jogam uns contra os

outros pelo desejo de poder, de riquezas, de propriedades. É um impulso à propriedade bur-

guesa que se desenvolveu na Inglaterra, onde cada homem é um lobo para seu próximo.

Thomas Hobbes foi materialista e empirista, deu valor somente ao que é provado pela

experiência. Afirma que há leis eternas, e que essas leis são simples nomes, palavras vazias.

Antropologicamente, afirma que entre o homem e o animal há apenas uma diferença de

grau e não de essência. Em sentido do agradável (sentimento, sensibilidade), aprovamos ou

reprovamos algo. A religião é somente uma esfera do sentimento, a ciência explica tudo,

desaparece a fé. “Se se alcança a ciência, se elimina a fé”.

Em 1640 deu-se um período de crise na Inglaterra, no reinado de Carlos I, que vê sua

posição ou sistema sendo ameaçado, questionado por idéias liberais parlamentaristas. Em

1689 as idéias liberais tomam conta da Inglaterra. Hobbes optou por defender as idéias da

monarquia, as idéias absolutistas, decorrentes de uma situação vigente. Distingue o Estado

Natural e o Contrato Social6.

No estado de natureza existe insegurança; não há lei ou norma, cada um faz o que

bem entende. No estado natural o homem goza de liberdade total, tendo todos os direitos e

nenhum dever. Sendo, porém, sua natureza egoísta, cada um busca satisfazer os seus pró-

prios instintos, sem nenhuma consideração pelos outros. Segue-se uma luta de uns contra

outros, na qual o homem se porta em relação ao outro como um lobo. Os homens são iguais

em capacidades de espírito e corpo e na esperança, porém aí surge a desconfiança, a guerra

de uns contra outros. Insegurança: “Quem pode mais, chora menos”. A própria disposição

para o conflito já é uma guerra. Existe uma ausência de leis, uma antecipação tomando

medidas para que não se transgrida alguma coisa. Assim sendo, a melhor forma de precaver-

se é antecipar-se, dada a ausência de legislação.

6 “As idéias de Hobbes sobre a religião, assim como toda a sua teoria da natureza humana e da organização política, não podem sercompreendidas sem se levar em conta duas ordens de fatores. Por um lado suas idéias constituem elementos que se vinculam à suametafísica materialista e à sua teoria nominalista da natureza do conhecimento... Por outro lado, as teorias do homem e do Estado,formuladas no Leviatã e em Sobre o Cidadão, inserem-se num processo histórico de lutas sociais e econômicas bem definido: osconflitos entre o poder real e o poder do Parlamento na Inglaterra do século XVII” (Hobbes, 1997, Introdução, p. 17).

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Os homens, segundo Hobbes, são considerados, por natureza, todos iguais quanto a

suas capacidades e faculdades7: inteligência e capacidade física. São iguais quanto a seus

desejos e quanto ao fim. Quando dois homens querem usufruir um só objeto ao mesmo

tempo, eles se tornam inimigos. As causas desta discórdia são a competição, a desconfiança

e a glória. O homem, para Hobbes, contrariando a tese de Aristóteles, não é um ser essencial-

mente político, “feito para viver com os outros em sociedade politicamente estruturada”;8

para Hobbes, os homens são diferentes uns dos outros, são separados entre si pelo egoísmo,

ódio e inveja. Assim o Estado não é natural entre os homens, por isso é urgente que se

construa um Estado artificial com a finalidade de organizar, preservar e proteger o homem

do próprio homem.

A condição natural em que os homens vivem entre si é uma condição de guerra de

todos contra todos, de inimizade constante e, o que é mais terrível, o medo da morte, sob

forma violenta: “Cada qual tende a se apropriar de tudo aquilo que necessita para sua pró-

pria sobrevivência e conservação” (Reale; Antiseri, 1990, p. 498). É importante lembrar que,

no Estado natural, não existe progresso nem empreendimento:

O homem trava uma luta constante na tentativa de sobreviver, acaba confrontando-se com o

interesse ou a vontade do outro, fazendo com que o conflito e a destruição seja inevitável no

estado natural, em que vive. O homem, por estar essencialmente preocupado com a ameaça do

perigo de morte, acaba esquecendo-se de outros empreendimentos, como as atividades industri-

ais e comerciais, cujos frutos permanecem sempre incertos, nem pode cultivar as artes e tudo

aquilo que é agradável; em suma, cada homem permanece só, com o seu terror de poder a, cada

instante, perder a vida de modo violento (Reale; Antiseri, 1990, p. 498).

Para Hobbes o homem, no estado de natureza, iguala-se em suas paixões, isto é, no

esforço de satisfazer o desejo e de afastar o indesejável. Assim ele se expressa sobre o conflito

entre os homens: “O mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta

maquinação, quer aliando-se com outros” (Hobbes, apud Abraão, 1999, p. 237).

7 “Que cada um reconheça os outros como seus iguais por natureza. A falta a este respeito chama-se orgulho” (Hobbes, 1997, CapítuloXV, p. 129).

8 O argumento contra Aristóteles é: “Bem sei que Aristóteles, no livro primeiro de sua Política, (...), afirma que por natureza algunshomens têm mais capacidade de mandar, querendo com isso referir-se aos mais sábios (...), e outros têm mais capacidade para servir (...);como se o senhor e o servo não tivessem sido criados pelo consentimento dos homens, mas pela diferença de inteligência, o que nãosó é contrário à razão, mas também contrário à experiência. Pois poucos há tão insenssatos que não prefiram governar-se a si mesmosdo que ser governados por outros” (Hobbes, 1997, Leviatã, cap. XV, p. 129).

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TEORIA POLÍTICA

Para a salvação do homem, que está em constante conflito no estado de natureza, é

necessária a construção de um homem artificial, ou seja, a instituição de um corpo político,

que é o Estado Soberano.9 O objetivo principal do Estado é garantir a paz, evitando assim a

guerra. A guerra será justificada à medida que restaure a paz e a concórdia em um estado de

natureza, em que o homem permanece num eterno conflito. Em síntese: “O Estado repre-

senta, na mesma medida, o fim do Estado de natureza e a inauguração da sociedade civil”

(Abraão, 1999, p. 239).

O Leviatã contempla conceitos que até então não haviam entrado em cena: vislumbra

o monopólio da força utilizada pelo Estado, a soberania centralizada, a supremacia dos

territórios nacionais. Em sua teoria, Hobbes se opõe à visão aristotélica, afirmando que o

homem está em estado de natureza, em que “o homem é lobo do homem”, que, por natureza,

se encontra em estado de guerra, que a luta é de todos contra todos e que, por meio de um

pacto ou contrato social, estrutura-se o Estado (artificial), um Estado com organização,

regras, leis e que forma uma sociedade.

Outro fator fundamental para o autor é a liberdade, pela qual o homem afirma o pacto

social. Ele deixa de lado o seu estado de natureza e passa a fazer parte de uma nova socie-

dade, o Estado.

Para Hobbes, a propriedade privada não existe no estado de natureza, em que todos

têm direito a tudo e, na verdade, ninguém tem direito a nada.10 O poder do Estado, no

entanto, tem que ser pleno, é a condição para existir a própria sociedade, a sociedade nasce

com o Estado. A igualdade é um fator que leva à guerra de todos. Apresenta o Estado como

monstruoso e o homem como belicoso, mas é também porque nega um direito natural ou

sagrado do indivíduo a sua propriedade privada. No seu tempo, e ainda hoje, a burguesia

vai procurar fundar a propriedade privada num direito anterior e superior ao Estado: por

9 “O Estado deduz-se desta a-sociabilidade originária, sendo uma instância ‘artificial’, não-natural, que marca a diferença específica doshomens em relação aos animais” (Rosenfield, 1993, p. 27).

10 “Pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar,e quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por nenhum de seus cidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade.Porque antes da constituição do poder soberano (conforme já foi mostrado) todos os homens tinham direito a todas as coisas, o quenecessariamente provocava a guerra” (Hobbes, 1997, p. 148).

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TEORIA POLÍTICA

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isso, ele endossará Locke, advertindo que a finalidade do poder público consiste em proteger

a propriedade. Se existe Estado é porque o homem o criou. Se houvesse sociabilidade

natural, jamais poderíamos ter ciência dele, porque dependeríamos dos equívocos da ob-

servação.

Levando em conta que a natureza do homem não é amigável como a dos animais que

vivem em comunidade, surge a necessidade de um pacto social, um contrato realizado entre

súditos, que cria o Leviatã (o Estado), em que todos concedem seus direitos para o Estado

governar, unindo assim as forças de todas as pessoas em uma só pessoa, o Leviatã, tornan-

do-o o deus terreno, o qual somente fica submisso ao Deus imortal. O deus mortal, o Leviatã,

terá a função de proteger o homem, de permitir a convivência harmoniosa na sociedade,

tornando possível a construção de moradias confortáveis, o comércio, o desenvolvimento do

homem e da Terra.

Desse modo constituiu-se o Estado, que governa pelo temor que apresenta a seus

súditos, pois sem esse temor ninguém abriria mão da liberdade natural. Com o medo da

morte violenta e da dor, todos se refugiam no Estado, no qual os homens não podem levan-

tar-se contra o soberano, pois não pode alguém se queixar do que ele mesmo construíra e, se

alguém rebelar-se, haverá castigo. Assim, para os súditos terem um pouco de liberdade,

criaram-se, mediante pactos mútuos, leis artificiais que permitem ao súdito escolher qual a

sua profissão, o lugar onde vai morar, ou seja, o súdito aparenta-se senhor de sua vida,

mesmo que seja servo do soberano.

É desse modo que o Estado consegue reinar e passar por cima de qualquer um. Nada

que o Estado faça pode ser chamado de injustiça, pois ele é o soberano instituído pelo povo,

o qual lhe deu todo o poder de decidir o que é melhor e a força para fazer cumprir a decisão,

caso necessário.

O estado de natureza é uma condição de guerra – porque cada um se imagina, com

razão ou sem, poderoso, perseguido, traído – causada por três motivos principais: a compe-

tição, o homem busca o lucro; a desconfiança: o homem busca a segurança e, por isso, age

por antecipação; e a glória: o homem busca a reputação.

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TEORIA POLÍTICA

Pela teoria de Thomas Hobbes, no estado de natureza os indivíduos vivem isolados, há

perigo constante, há insegurança, estão em luta permanente, ou seja, o homem vive em

estado de guerra, devido ao medo da morte violenta. Para se proteger usavam armas e cerca-

vam as propriedades, mas somente essas garantias não eram suficientes porque havia uma

percepção social, como a luta entre fracos e fortes, e, por isso, o que vigora é o poder da

força.

A lei natural é um preceito ou regra geral estabelecida pela razão, mediante a qual se

proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessá-

rios para preservá-la.11

O que leva as pessoas a se organizarem é o medo da morte. A razão sugere sempre a

vida. Três pontos são importantes na lei natural: primeiro, é de procurar a paz e seguir;

segundo, é a autodefesa, a intenção não é a morte; e, terceiro, é que os homens cumpram os

pactos que celebram. Nesta situação é impossível conseguir a felicidade, porque todos vi-

vem perseguidos pelo temor de serem atacados uns pelos outros. Assim, os homens fazem

um pacto, um contrato social, no qual renunciam a alguns direitos colocando-os nas mãos

de um só homem, o soberano. Assim nasce o Estado. Hobbes foi identificado como o ideólogo

do Estado Absoluto.

A alternativa para que o homem possa salvar-se em comunidade e não perecer é a

instituição de leis naturais, que o homem deverá cumprir. Três delas são essenciais: a primei-

ra regra é que se esforce para buscar a paz, mas se não a obtiver é justificável que a busque

sob todos os recursos e benefícios da guerra; a segunda é a imposição de renúncia do direito

sobre tudo, cada homem deve abrir mão de todos os seus direitos, tendo em vista que o

direito individual é causador de todos os males; a terceira lei, depois que o homem renun-

ciou a todos os seus direitos, é “que se cumpram os acordos feitos”, da qual decorrem dois

conceitos fundamentais: a justiça e a injustiça. A primeira é quando os acordos são feitos,

respeitados e mantidos entre os homens; a injustiça é a transgressão dos mesmos.

11 “Definindo, portanto, lei natural é um ditame da reta razão sobre as coisas a fazer ou omitir para garantir-se, quando possível, apreservação da vida e das partes do corpo” (Hobbes, 1993, p. 58-59).

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TEORIA POLÍTICA

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Para o cumprimento desses acordos, entretanto, para que a lei seja aplicada e respei-

tada, é necessária a coação, ou seja, o uso da força para se obter um resultado esperado

diante dos acordos previamente estabelecidos. “Não existe pacto sem a espada”.12 Faz-se

necessária a entrega dos direitos particulares na mão de um único homem ou de uma as-

sembléia capaz de governar e representar os anseios de todos os homens. É importante res-

saltar que esse pacto é apenas hipotético, não é firmado entre os súditos e o soberano, mas

somente entre os súditos. O soberano é excluído do pacto, cabendo a ele cumprir a paz e o

governo. “O poder do soberano ou da assembléia é indivisível e absoluto” (Reale; Antiseri,

1990, p. 500). Talvez esteja aí a novidade do Estado Absolutista, sendo governado por reis

com direitos ilimitados, sem vínculo com a Igreja, mas sim como conseqüência de um pacto

social.

As leis não são deduzidas, por Hobbes, de um instinto natural, nem de um consenti-

mento universal, mas da razão que procura os meios de conservação do homem; elas são

imutáveis, por constituírem conclusões tiradas do raciocínio. A obediência moral é um meio

para uma “vida social pacífica e confortável”. As leis, no entanto, necessitariam de um

reforço como garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social. Torna-se, en-

tão, indispensável um governo que fosse seguido por todos os componentes do corpo social,

e isto haveria de requerer que esse governo tivesse toda a força, porque somente assim seria

capaz de corresponder a sua finalidade de exercício de forma despótica.

Hobbes define que “uma lei de natureza é um preceito ou regra geral, estabelecida

pela razão, mediante a qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida

ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contri-

buir melhor para preservá-la” (Hobbes, 1997, p. 113).

Hobbes é um contratualista. Acredita que a origem do Estado está no contrato. Os

homens viveram naturalmente, sem poder e sem organização, o que somente surgiu depois

de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação

política.

12 “E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem a força para dar a menor segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis danatureza (...), se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamenteconfiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção para todos os outros” (Hobbes, 1997, p. 141).

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TEORIA POLÍTICA

O contrato só é possível quando há noções nascidas de uma longa experiência da vida

em sociedade. O contrato social é um Estado artificial, produto de uma convenção. É um

pacto, um acordo. Para pôr fim a esse conflito, o autor apresenta o contrato social, que é

uma renúncia do estado de natureza para então estabelecer regras e leis, formando, assim,

o Estado artificial. O contrato é feito entre os súditos. Esse pacto social consiste na transfe-

rência do poder de governar a si próprio a um terceiro – o Estado – para que este governe a

todos, impondo ordem, segurança e direção à conduta da vida social.

O Leviatã, governo, pode ser um homem ou uma assembléia de homens que reduz

suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O soberano se conserva

fora e isento de qualquer obrigação, não faz parte do pacto social, pois, no momento da

realização do contrato não existe ainda o soberano, que surge devido ao contrato. Os súditos

acatarão todas as ações do Soberano, pois reconhecem serem dos próprios súditos tais ações.

Daí surge a necessidade de um pacto. O contrato social ocorre quando uma multidão

de homens concordam e pactuam, cada um, com cada um dos outros, que a qualquer ho-

mem, ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a

pessoa de todos eles, sem exceção, deverão autorizar todos os atos de decisões, tal como se

fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem

protegidos do restante dos homens. Pacto social, portanto, é o processo intermediado do

estado de natureza para o Estado artificial, tendo o consentimento de todos os súditos.

Hobbes afirma que não existe pacto sem espada. Ninguém tem a liberdade de resistir à

espada do Estado em defesa de outrem, seja culpado ou inocente. Por essa liberdade priva a

soberania dos meios para nos proteger, sendo, portanto, destrutiva da própria essência do

Estado. É preciso que exista um Estado dotado da espada, armado, para forçar os homens

ao respeito. Dessa maneira, a imaginação será mais bem regulada, porque cada um receberá

o que o soberano determinar. Os súditos têm garantia de serem protegidos pelo soberano,

porque lhe devem fidelidade. O súdito prometeu obedecer a fim de não morrer na guerra

generalizada; por isso, tanto faz a sua vida ser ameaçada por um soberano impiedoso e

ímpio, ou por um governante que o julgou concedendo-lhe a mais ampla defesa.

O Estado resulta de um contrato social e os contratos sem ameaça de espada são

apenas palavras, impotentes para garantir a segurança dos homens. O único meio de reali-

zar este propósito consiste em defendê-los da invasão dos outros Estados e defendê-los de si

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TEORIA POLÍTICA

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mesmos, conferindo todo o poder e potência a um só homem ou a uma só assembléia de

homens, ou seja, reduzir todas as vontades a uma só vontade, nomear um homem ou uma

assembléia de homens para representar a pessoa de todos, assumindo tudo o que diz respei-

to à paz e à segurança comuns.

O resultado é a verdadeira união de todos na mesma pessoa, feita por contrato de todo

homem com todo homem. É como se cada um dissesse a cada um: “Cedo e transfiro meu

direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a

condição de transferir a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas

ações” (Hobbes, 1997, p. 144). Feito isso, a multidão se une de tal maneira em uma só

pessoa, o que é chamado de Estado. Pelo contrato, o povo é obrigado a permanecer fiel ao

compromisso assumido e não pode, de maneira nenhuma, voltar à confusão da multidão

desunida, nem transferir o poder a outro.

O homem possui certas diferenças em relação aos animais. A formiga e a abelha, por

exemplo, exercem uma sociedade natural, ou um acordo natural. Já em relação ao homem

dá-se um acordo artificial, pois todos são instituídos a serem uns mais que os outros; dá-se

então a competição e a lei do mais forte é que vence.

Para que um Estado funcione o soberano deve ser juiz das opiniões e das doutrinas,

conduzir a paz e regulamentar as ações, de onde resulta a concórdia. É ao Estado que

compete prescrever as regras sem as quais ninguém teria segurança na posse da proprieda-

de, isto é, as regras do meu e do teu, do bem e do mal, do legal e do ilegal nas ações, ao que

se denomina leis civis. A ele compete o direito de julgar, ouvir e decidir todas as controvérsi-

as que surgem a respeito da lei, civil ou natural, ou com respeito aos fatos. A ele incumbe o

direito de declarar e executar a guerra e a paz com outros Estados e tomar as providências

para realizá-la. A ele cabe escolher todos os conselheiros, ministros, magistrados e oficiais.

O Estado soberano é o Deus mortal, somente ele detém todos os direitos, está acima

da justiça, tem poder de interferir nas opiniões, “julgar, aprovar ou proibir determinadas

idéias. Todos os poderes devem se concentrar em suas mãos” (Reale; antiseri, 1990, p. 501).

Nem mesmo a Igreja lhe retira o poder; assim, o Estado também pode interferir em matéria

de religião.

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TEORIA POLÍTICA

Hobbes afirma que o Estado deve ser absoluto, o seu poder deve ser pleno – condição

absoluta e necessária para existir a sociedade. Hobbes vai beber na fonte de Jean Bodin –

século 16 –, primeiro teórico a afirmar que no Estado deve haver um poder soberano, como

referimos anteriormente.

O instinto de conservação é peça fundamental na Filosofia de Hobbes, quanto à sua

idéia de força genética do comportamento. Governa também no homem o instinto de con-

servação que, por sua vez, este leva ao desejo da paz. No plano das relações morais, é que

cada um “não faça aos outros o que não gostaria que lhe fizessem a si” (Hobbes, 1997, cap.

XXI). É preciso evitar a ingratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a

concórdia.

As leis são deduzidas, por Hobbes, como razão para a conservação dos homens, ou

seja, todos devem obediência às leis do Estado, do soberano. Hobbes foi o pioneiro do

utilitarismo, porque justificava a obediência moral como meio para uma “vida social pacífi-

ca e confortável”. Era indispensável, portanto, um governo absoluto que fosse seguido por

todos os integrantes (súditos) do corpo social. Os homens não poderiam contrariar o “Leviatã”,

pois ele garantia a paz, a segurança, a liberdade. Se alguém tentar destruir ou conspirar

contra o soberano e for morto, ele próprio é o autor da sua morte. A liberdade e a garantia da

vida estão no cumprimento e obediência às leis. Todos os poderes encontram-se nas mãos

do soberano, inclusive o poder de decisão em matéria religiosa.

No Estado Artificial, não basta o fundamento jurídico. É necessário que exista um

Estado dotado de espada. Aliás, a imaginação será mais bem regulada, porque cada um

receberá o que o soberano determinar, mas este deve resolver todas as pendências e arbitrar

qualquer decisão. Hobbes desenvolve essa idéia e monta um Estado que é condição para

existir a própria sociedade. A sociedade nasce com o Estado. Não há alternativa: ou o poder

é absoluto ou continuamos na condição de guerra, entre poderes que se enfrentam. O sobe-

rano não assina o contrato, este é firmado apenas pelos que vão se tornar súditos, não pelo

beneficiário, por uma razão simples: no momento do contrato não existe ainda soberano,

que só surge devido ao contrato. Disso resulta que ele se conserva fora dos compromissos e

isento de qualquer obrigação. No Estado absoluto de Hobbes, o indivíduo conserva um

direito à vida talvez sem paralelo em nenhuma outra política moderna. Hobbes esclarece

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TEORIA POLÍTICA

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que o soberano governa pelo temor que impõe a seus súditos, porque sem medo ninguém

abriria mão de toda a liberdade que tem naturalmente; se não temesse a morte violenta, o

homem não renunciaria ao direito que possui por natureza.

Segundo a teoria de Thomas Hobbes, a função do soberano é garantir: 1° – a defesa

dos ataques estrangeiros e das injúrias recíprocas; 2° – a paz e o progresso (industrial) e a

satisfação do bem viver; 3° – a centralização dos poderes, que se dará nas mãos de um

homem (ou assembléia) na medida em que representam toda a vontade coletiva, por meio da

pluralidade de vozes, a uma só vontade; 4° – o pacto entre os homens, que é fundamental

para a estruturação de um governo soberano: “Eu autorizo e cedo o meu direito de gover-

nar-me a mim mesmo a esse homem ou a essa assembléia de homens, com a condição de que

tu lhe cedas o teu direito e autorizes todas as tuas ações da mesma forma”; 5° – a superação

do medo e da morte pela esperança, que garantirá a segurança e o direito à vida.

Hobbes é considerado o maior teórico do Estado absolutista. O interessante é que

você perceba que o desejo de Hobbes por um Estado forte decorre de sua Filosofia da natu-

reza humana. Abordaremos também na próxima Unidade que o teoria hobbesiana choca-se

com a teoria liberal e que o principal mentor da teoria liberal também era inglês e viveu

quase no mesmo período de Hobbes. Trata-se de John Locke.

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 9Unidade 9Unidade 9Unidade 9

A Defesadas Idéias Liberais

Há vários entendimentos sobre o conceito “liberal”. Por isso inicialmente pretende-se

definir o que se entende por liberalismo. A primeira idéia considera que o liberalismo está

ligado à democracia burguesa.

O liberalismo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e tem seu

epicentro na Europa, na área Atlântica, mas que exerceu influência notável nos países

colonizados pelos europeus. Antes do século 19, o termo indicava uma atitude aberta. Tole-

rante e/ou generosa. Ou as profissões exercidas por homens livres. Hoje, a palavra assume

muitos significados, de acordo com o país. Na Inglaterra e Alemanha designa um

posicionamento entre a esquerda e a direita. Nos EUA, refere-se à esquerda, detentora de

velhas e novas liberdades civis. Na Itália, os liberais são os defensores da livre iniciativa

econômica e da propriedade intelectual. Assim, em termos de idéias, o conceito é ambíguo.

O liberalismo jurídico preocupa-se principalmente com determinada organização do Esta-

do, capaz de garantir direitos aos indivíduos. O liberalismo político trata da luta política

parlamentar, baseada no chamado “justo meio” como expressão da arte de governar; capaz

de promover mudanças, porém nunca a revolução. Síntese entre conservação e inovação. O

liberalismo econômico defende que o máximo de felicidade comum depende da livre busca

de cada indivíduo, da própria felicidade, principalmente a livre iniciativa econômica. O libe-

ralismo, em síntese, prioriza o indivíduo em contraposição ao coletivismo.

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TEORIA POLÍTICA

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Seção 9.1

O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais

John Locke nasceu na Inglaterra no ano de 1632.1 A Ingla-

terra, a partir da segunda metade do século 17, transformou-se

num império mercantil promissor. Nesse período a burguesia, como

classe social, começa a ascender economicamente e a buscar os

direitos individuais, os direitos cidadãos. Nasce, neste sentido, o

cidadão, justamente com a Inglaterra, sendo Locke o seu teórico.

Em 1689 Locke publicou três grandes obras: Dois Tratados

sobre o Governo Civil, Ensaio Filosófico sobre o Entendimento

Humano e a Carta sobre a Tolerância.2 O Ensaio Filosófico sobre

o Entendimento Humano é a principal obra de Locke e versa sobre

a sua compreensão do espírito humano, ou melhor, da capacida-

de de conhecer. Essa obra foi considerada a Bíblia do Iluminismo.

Locke combateu duramente a doutrina das idéias inatas

defendidas por Platão e Descartes. Para Platão, o homem já tra-

zia consigo (ao nascer) o conhecimento impregnado em sua alma,

ao qual teria acesso por meio da reminiscência (recordação).

Locke combateu ferozmente tais idéias. Defendeu que nossa men-

te, no instante do nascimento, é como uma tábua rasa (papel em

branco) que vai adquirindo conhecimento à medida que os senti-

dos se confrontam com a realidade: “nada existe em nossa mente

que não tenha sua origem nos sentidos”. Locke defende a idéia

empirista de que tudo provém da experiência. A reflexão é o nos-

so “sentido interno”, que se desenvolve quando a mente se de-

bruça sobre si mesma, analisando suas próprias operações.

John Locke

Disponível em: <http://www.geocities.com/

rationalargumentator/John_Locke.jpg>. Acesso em:

dez. 2007.

1 Ver Almeida Mello (1991).

2 Ver Chevallier (1983, p. 29). Tomo II.

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TEORIA POLÍTICA

Nota-se que Locke lutará para derrubar as idéias inatas, que podem justificar uma

ideologia, uma dominação. Por exemplo, os poderosos têm idéias inatas, já nascem com a

idéia que irão dominar e explorar o povo e nós devemos aceitar isso?

São conhecidas algumas críticas que Locke tece contra os teóricos que defendem as

idéias inatas (já nascemos com o conhecimento). De fato, se houvessem idéias inatas, elas

deveriam estar presentes na mente das crianças e do selvagem crescido longe da civilização.

A experiência, porém, mostra claramente o contrário. A sua verdade não pode ser averigua-

da: admitida a existência de idéias inatas, não provenientes da experiência, torna-se impos-

sível verificar o seu valor, como também distinguir o verdadeiro do falso, porque não pode-

mos confrontá-la com a experiência, que é o único modo de estabelecer se alguma coisa é

verdadeira ou falsa.

Locke também examina o processo cognitivo (intelecto). No momento do nascimento

a alma é uma tábua rasa: não tem nenhuma idéia. O conhecimento humano começa com a

experiência sensível e é condicionada por ela. Nada está na mente sem antes passar pela

experiência. Advoga também que as capacidades do conhecimento são inatas, mas as idéias

são adquiridas pela experiência. Locke ataca frontalmente o princípio das idéias inatas,

como também todo o pensamento a priori, pois se a verdade fosse inata em nossas mentes,

de nada valeriam a observação e a experiência. Na melhor das hipóteses, elas podem confir-

mar o nosso conhecimento, mas nunca lhe acrescentar nada.3

Segundo Locke, adquirimos as nossas idéias de fora e todas elas provêm da sensação.

Assim resta indagarmos: De onde vieram nossas idéias, se não são inatas? Como poderemos

saber se nossas idéias, assim surgidas, são verdadeiras? Quanto pode o entendimento hu-

mano compreender e que tipo de conhecimento está ao seu alcance? Conhecer, para Locke,

significa perceber uma relação entre as idéias. Ora, as idéias são de dois tipos: há idéias

simples, que derivam diretamente da sensação ou de uma experiência interior, que é a refle-

3 Para Locke, o espírito humano é uma tabula rasa ou um white paper, onde nada está escrito. “As idéias que se gravam nessa tabula ounessa folha só podem promanar da experiência. É nela que o espírito vai buscar todos os seus materiais para depois os modelar,combinar, transformar, com uma habilidade infinita” (Chevallier, 1983, p. 32, Tomo II).

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TEORIA POLÍTICA

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xão. Também existem idéias complexas, que são combinações das idéias simples. Antes de

experimentarmos a sensação não podemos pensar, pois tudo aquilo que se encontra no

intelecto deve passar, primeiramente, pelos sentidos.

Não há princípios práticos inatos, pois estes não alcançam uma recepção universal,

sendo impossível para uma mesma coisa ser ou não ser. Notemos que os princípios práticos

são passageiros, se fossem inatos teriam de permanecer sempre. Vislumbramos como princí-

pio moral, de prova e exemplarmente, o aborto, que é uma idéia adquirida; se fosse inata

deveria permanecer.

O não matar é um princípio evidente, mas não é inato. Locke contesta o acordo uni-

versal dos inatistas e refuta-os advertindo que isso não prova o que é inato, diz que a razão

não descobre coisa alguma.

A outra obra importante de Locke chama-se Dois Tratados sobre o Governo Civil. É nela

que Locke teoriza contra as idéias absolutistas. A vontade intelectual de Locke é de demolir a

doutrina do direito divino dos reis de governar. Locke considerava esta teoria um veneno para

a política. Procurava ele um contraveneno que fosse capaz de destruir tais idéias.

Assim como Hobbes e Rousseau, John Locke é considerado um pensador contratualista,

ou seja, defendia que a sociedade civil moderna será instituída e organizada a partir de um

contrato entre todos os indivíduos. Locke também parte do estado de natureza, passando

pelo contrato, até chegar ao governo civil. O estado de natureza de Locke não é de inimiza-

de e guerra, como o de Hobbes. No estado de natureza de Locke os indivíduos estão regula-

dos pela razão, há uma organização pré-social e pré-política, segundo a qual todos nascem

com os direitos naturais: vida, liberdade e propriedade privada. Sobre a razão natural: “En-

sina a todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum deve prejudicar o outro,

quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem”. E, para que ninguém intente ferir os

direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente, reprimin-

do os que fazem o mal, dando-lhes o direito natural de punir.4

4 “O contrato social de Locke em nada se assemelha ao contrato hobbesiano. Em Hobbes, os homens firmam entre si um pacto de submissãopelo qual, visando a preservação de suas vidas, transferem a um terceiro (homem ou assembléia) a força coercitiva da comunidade,trocando voluntariamente sua liberdade pela segurança do Estado-Leviatã. Em Locke, o contrato social é um pacto de consentimento emque os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que provémoriginalmente no estado de natureza. No estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser humano à vida, à liberdade e aos bens estãomelhor protegidos sob o manto da lei, do arbítrio e da força comum de um corpo político unitário” (Almeida Mello, 1991, p. 86).

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TEORIA POLÍTICA

O direito de propriedade, segundo Locke, é a extensão de terra que cabe a cada ho-

mem, é o que ele tem capacidade de lavrar, semear e cultivar. Locke não fala em acumulação

da propriedade para fins especulativos. Ele afirma que os homens se juntam em sociedades

políticas e submetem-se a um governo com a finalidade principal de conservar suas propri-

edades, pois o Estado natural não a garante. O Estado é soberano, mas sua autoridade vem

somente do contrato que o faz nascer: este é o fundamento liberal do pensamento de Locke.

John Locke foi médico, filósofo e político, defendeu idéias liberais e influenciou o sis-

tema político da sua época. Sustentou que o poder não é somente do soberano, mas, de

todos. A idéia de Locke era de que se formassem Estados por livre associação para produzir

mais. É nesse período que ocorre a ascensão da burguesia que, mais tarde, estará à frente da

Revolução Francesa (1789).

Na visão de Locke, os homens se juntam em sociedades políticas e se submetem a um

governo com a finalidade principal de conservar suas propriedades. O Estado natural (isto

é, a falta de um Estado) não garante a propriedade. Locke foi um teórico relacionado com a

monarquia parlamentar liberal.

O contexto histórico em que nasceu John Locke não se caracterizou pela tranqüilida-

de, muito pelo contrário, o século 17 foi marcado por constantes lutas entre a “coroa”,

tendo o rei como representante do poder soberano (representado na Inglaterra pela dinastia

Stuart, defensora do absolutismo) versus o “Parlamento”, tendo como representante a bur-

guesia ascendente, partidária do liberalismo. Em toda a sua vida Locke posicionou-se

contrariamente ao absolutismo, principalmente ao governo Stuart, vindo a ser perseguido,

o que o levou a se exilar, só retornando a sua pátria após o triunfo da Revolução Gloriosa,

com a instituição da República na Inglaterra, ou seja, o triunfo do liberalismo político sobre

o absolutismo.

Jonh Locke é chamado também de filósofo contratualista, uma vez que entende que

para a boa regulamentação de uma sociedade, ou para a mesma garantir direitos, ou até

mesmo ser feliz, tornam-se necessárias a elaboração e a construção de um contato social

que conceda de fato todas as garantias possíveis para a realização concreta de tais empre-

endimentos. Assim, Locke parte do estado de natureza, no qual o homem vive num estágio

pré-social e pré-político com liberdade e igualdade.

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TEORIA POLÍTICA

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O estado de natureza de Locke é diferente do estado de natureza hobbesiano (uma vez

que este é baseado na insegurança e na violência: “guerra de todos contra todos”). Para

Locke, o estado da natureza é de relativa paz, concórdia e harmonia. Um dos direitos do

homem no Estado Natural é a propriedade privada. Por teoria da propriedade, em Locke,

entende-se a posse de bens móveis e imóveis. Como vimos, a propriedade já é realidade no

estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do

indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. Já para Hobbes, quem detém a propriedade

é o soberano e os súditos não têm direito algum; em Locke o objetivo final é que o Estado

garanta o direito de propriedade.5

Como a razão natural, na compreensão de Locke, ensina que todos os homens são

iguais e livres, porém com direito aos bens, sempre surge o perigo iminente da invasão e da

tomada dos bens de uns sobre os outros, na medida em que todos são proprietários. A saída

é estabelecer um contrato entre os homens que dê total segurança e proteção aos proprietá-

rios, não vindo a ocorrer a usurpação de uns sobre os outros. Então, o contrato social é a

realização da passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil e visa exclu-

sivamente a preservar e proteger a comunidade tanto dos perigos internos quanto externos.

O contrato é, igualmente, um “pacto de consentimento em que os homens concordam

livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar os direitos que possuíam

originalmente no estado de natureza”. Assim, o homem concebe “a sociedade política ou

civil”. O próximo passo é a escolha de uma forma de governo capaz de garantir efetivamente

os direitos dos cidadãos. Observa Locke: pode ser qualquer forma de governo, desde que “o

governo não possua outra finalidade a não ser de conservação da propriedade”.

O governo civil contará com o poder Legislativo, considerado o mais importante entre

os demais. A ele caberá a elaboração das leis, tendo como sustentação o poder delegado

pelo povo, tornando possível a existência de

5 “Em suma, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade para aformação do governo, a proteção do direito de propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle dogoverno pela sociedade, são, para Locke, os principais fundamentos da sociedade civil” (Almeida Mello, 1991, p. 87).

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TEORIA POLÍTICA

leis e regras estabelecidas como guarda e proteção às proprieda-

des de todos os membros da sociedade, a fim de limitar o poder e

mudar o domínio de cada parte e de cada membro da comunida-

de; pois não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que

o legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam asse-

gurar-se entrando em sociedade e para o que o povo se submeteu a

legisladores por ele mesmo criados (Locke, 1973, p. 77, 96, 127).

Em síntese, para Locke, a função do Estado é garantir os

direitos naturais (vida, liberdade, propriedade). Entre os direitos

que, segundo Locke, o homem possuía quando no estado de na-

tureza, está o da propriedade privada, que é fruto de seu traba-

lho. O Estado deve, portanto, reconhecer e proteger a proprieda-

de. Locke defende também que a religião seja livre e que não

dependa do Estado.

Locke passou para a História como o teórico da monarquia

constitucional, um sistema político baseado, ao mesmo tempo,

na dupla distinção entre as duas partes do poder, o Parlamento e

o rei, e entre as duas funções do Estado, a Legislativa e a Executi-

va, bem como na correspondência quase perfeita entre essas duas

distinções – o poder Legislativo emana do povo representado no

Parlamento; o poder Executivo é delegado ao rei pelo Parlamento.

De Locke passamos a descrever algumas idéias de outro im-

portante teórico contratualista chamado Jean-Jacques Rousseau.

Seção 9.2

O Estado democrático de Rousseau

Com Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasce a concep-

ção democrático-burguesa do Estado. Assim como para Hobbes

e Locke, também para Rousseau existe uma condição natural

Jean-Jacques Rousseau.

Disponível em:<www.alcoberro.info/imatges/rousseau.jpg>. acesso em:mar. 2008.

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TEORIA POLÍTICA

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dos homens, mas é uma condição de felicidade, de virtude e de liberdade, que é destruída e

apagada pela civilização.6 É a concepção oposta àquela de Hobbes. Para Rousseau, é a

civilização que perturba as relações humanas, que violenta a humanidade, pois os homens

nascem livres e iguais (eis o princípio que vai se afirmar na revolução burguesa), mas em

todo lugar estão acorrentados.

A sociedade nasce, igualmente, de um contrato, ele apresenta a mesma mentalidade

comercial e o mesmo individualismo burguês. O indivíduo é preexistente e funda a socieda-

de por meio de um acordo, de um contrato.

Para Rousseau o único órgão soberano é a Assembléia, e é nesta que se expressa a

soberania.7 A Assembléia, representando o povo, pode confiar a algumas pessoas determi-

nadas tarefas administrativas, relativas à administração do Estado, podendo revogá-las a

qualquer momento. O povo, todavia, nunca perde a sua soberania, nunca a transfere para

um organismo estatal separado.8

A afirmação da igualdade é fundamental para Rousseau. O homem só pode ser livre se

for igual: assim que surgir uma desigualdade entre os homens, acaba-se a liberdade. Para o

liberal, há liberdade na medida em que se leve em consideração a desigualdade entre pro-

prietários e não– proprietários, e a igualdade mataria a liberdade. Já que, para Rousseau, o

único fundamento da liberdade é a igualdade: não há liberdade onde não existir a igualdade.9

Rousseau não compreende que o surgimento da propriedade privada foi um grande

progresso em relação à sociedade dos bárbaros – embora um progresso doloroso. O que

originou a propriedade privada não foi um ato isolado, pelo qual um indivíduo colocou um

6 Ver Nascimento (1991).

7 Escreve Nascimento (1991, p. 197-198): “Rousseau não admite a representação ao nível da soberania. Uma vontade não se representa.‘No mundo em que um povo se dá representante, não é mais livre, não mais existe’”.

8 “O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: ‘Isto é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi overdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênerohumano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seu semelhantes: ‘Guardai-vos de escutar esteimpostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são para todos, e que a terra é de ninguém (Rousseau, apud Weffort, 1991, p. 201).

9 “Um povo, portanto, será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade, de tal modo que a obediênciaa essas leis signifique, na verdade, uma submissão à vontade geral e não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo deindivíduos” (Nascimento, 1991, p. 196).

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TEORIA POLÍTICA

marco e se declarou proprietário da terra: a propriedade é fruto de um processo econômico

de desenvolvimento das forças produtivas. Rousseau não soube indicar como se superaria a

propriedade privada.

Rousseau tem em vista a democracia da antiga Atenas, porém vê, igualmente, limita-

ções neste modelo (cidadão versus escravo). Afirma Rousseau: “a democracia de que falo

não existe, nunca existiu e talvez nunca existirá; também essa condição natural, a que

devemos aspirar, não existe, nunca existiu e nunca vai existir”. A sociedade, para Rousseau,

nasce de um contrato, também com uma mentalidade comercial e o mesmo individualismo

burguês.

Em síntese, algumas idéias conclusivas de Rousseau: tem-se, com o autor, o debate da

democracia ideal e pura (a sabedoria do povo e o governo democrático); o pacto social dá

origem à vontade geral do povo soberano; o contrato social faz nascer a sociedade civil, que,

por isso, enraíza-se sempre na vontade geral do povo; a idéia de soberania liga-se à idéia de

vontade geral; a vontade geral soberana é inalterável e pura; em seu dever-ser, que é sua

única maneira de ser, ela não pode falhar nem errar; todo governo legítimo é republicano,

seja ele uma monarquia, uma aristocracia ou uma democracia e, por fim, a conclusão de

que “nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá”.10

Seção 9.3

A democracia moderna: filha do Estado Liberal

Pode-se apresentar duas diferenças básicas para o termo democracia. Para os antigos,

ela era entendida como democracia direta; já para os modernos, como representativa.11

10 Para aprofundar o debate sobre Rousseau conferir a obra de Goyard-Fabre (2003).

11 Este debate segue a idéia de Bobbio (2000).

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TEORIA POLÍTICA

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O termo democracia vai além do entendimento simplista de um conceito que é lembra-

do apenas em época de eleições, quando, num “gesto” democrático, todos vão às urnas

“exercer a democracia”. Ou quando se ouve, pela mídia, que “caiu um governo ditador e

instaurou-se um regime democrático”. Segundo Bobbio, “o voto não é para decidir, mas

para eleger quem deverá decidir”. Isso significa afirmar que a maioria da população votará

consciente ou não em um grupo, delegando, assim, a esta minoria, o poder de governá-la.

Democracia não significa que “todos” participem do processo eleitoral. Para Kelsen, um dos

maiores teóricos da democracia moderna, a eleição é o elemento essencial da democracia

real, pois possibilita a seleção dos líderes para o progresso (apud Bobbio, 2000, p. 372).

Bobbio cita uma frase ilustrativa da Corte Suprema dos EUA, por ocasião das eleições

no ano de 1902, para demonstrar o caráter “sagrado” do processo eleitoral daquele país,

mesmo que quem dela participe seja apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das

instituições americanas, onde cada um de nós é um sacerdote, ao qual é confiada a guarda

da arca da aliança e cada um oficia do seu próprio altar” (2000, p. 272). É possível perceber

que a democracia ocidental é um processo relativamente novo, e as revoluções americana e

francesa marcam seu início.12

A democracia na Modernidade fez algumas “promessas” que até agora, na visão de

Bobbio (1997, p. 27), não foram cumpridas. A primeira é de que a democracia ainda conti-

nua subordinada a um poder “invisível”, isto é, interesses que submetem os poderes políti-

cos. Aqui se pode entender a superioridade de um grupo ou pessoa, que detém o controle do

poder econômico ou ideológico: “A democracia não conseguiu derrotar por completo o po-

der oligárquico, é ainda menos capaz de ocupar todos os espaços nos quais se exerce um

poder que toma decisões vinculatórias para um inteiro grupo social”. A segunda, os “mes-

mos” permanecem no poder. De eleições em eleições acabam se elegendo sempre os “mes-

mos”. Terceiro, “ausência do crescimento da educação para a cidadania”, cada vez mais o

povo vê-se desacreditado dos meios políticos, ou seja, a apolitização virou uma constante.

Tocqueville, citado por Bobbio, lamenta a degeneração dos costumes públicos em decorrên-

cia da qual “as opiniões, os sentimentos, as idéias comuns são cada vez mais substituídas

12 Bobbio apresenta o conceito de democracia em dois sentidos: a democracia pode ser entendida no sentido “ideal” e no sentido “real”.

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TEORIA POLÍTICA

pelos interesses particulares” e indaga “se não havia aumentado o número dos que votam

por interesses pessoais e diminuído o voto de quem vota à base de uma opinião política”,

denunciando esta tendência como expressão “de uma moral baixa e vulgar”, segundo a

qual “quem usufrui os direitos políticos pensa em deles fazer uso pessoal em função do

próprio interesse”. Quarto, os mais “sábios”, os mais “honestos” e os mais “esclarecidos”

são escolhidos (Bobbio, 1997, p. 27).

Seguindo a concepção de Bobbio, pode-se definir a democracia como “um conjunto

de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem ‘quem’ está autorizado a tomar as

decisões coletivas e com quais procedimentos”. Para que se realize a “verdadeira” democra-

cia, deve-se dar as reais condições para se escolher. Para isso, “é necessário que aos chama-

dos a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de

expressão das próprias opiniões, de reunião; de associação, etc.” (Bobbio, 2000, p. 20).

A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade e do Estado. Para

isso, ocorreram três eventos que caracterizaram a Filosofia social da Idade Moderna: o

contratualismo (séculos 16 e 17), o nascimento da economia política (Smith) e a Filosofia

utilitarista (de Bentham a Mill). Neste sentido,

O Estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado democrático... Estado

liberal e Estado democrático são interdependentes... é pouco provável que um Estado não liberal

possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte, é pouco provável

que um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais (Bobbio,

2000, p. 20).

Um dos principais obstáculos ao projeto político-democrático atual é a complexidade

das sociedades, “que passaram de uma economia familiar para uma economia de mercado,

de uma economia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada, que

aumentaram os problemas políticos que requerem competência técnicas” (p. 34).

Tecnocracia e democracia são antitéticas. Defende Bobbio (2000, p. 34) que “a demo-

cracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos possam decidir a respeito de tudo. A

tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles pou-

cos que detêm conhecimentos específicos”. Ou seja, há uma “sensível” mudança nos rumos

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TEORIA POLÍTICA

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da política atual, inverteram-se os termos; ao invés da democracia, tem-se a tecnocracia. O

segundo obstáculo citado por Bobbio é o crescimento do aparato burocrático: “Estado de-

mocrático e Estado burocrático estão historicamente muito mais ligados um ao outro do

que a sua contraposição pode pensar” (p. 34). O terceiro obstáculo é a “ingovernabilidade”

da democracia. Isso significa que o Estado é incapaz de solucionar as demandas oriundas

da sociedade civil. Como vimos, foi o Estado liberal que alargou o Estado democrático e

ambos contribuíram para emancipar a sociedade civil do sistema político. A democracia,

portanto, é uma criação da classe burguesa.

Seção 9.4

A sociedade civil e o Estado

O conceito “sociedade civil” vem sendo muito aplicado por comentadores e teóricos

das Ciências Sociais e Ciências Humanas nos diais atuais, porém aparece hoje como sendo

exatamente o oposto do que era no princípio.

Primeiramente, a expressão “sociedade civil”, no sentido original, nos remete para o

início da Modernidade (séculos 16-17), mais precisamente para os teóricos jusnaturalistas

como Thomas Hobbes e John Locke. Para estes pensadores, a sociedade civil contrapõe-se à

“sociedade natural”, sendo sinônimo de sociedade política, ou seja, o próprio Estado (Bobbio,

1983, p. 1.206). A sociedade civil nasce com o jusnaturalismo de Hobbes, varia sensivel-

mente entre os pensadores posteriores, sem perder o seu sentido original, estendendo-se até

a posição de Kant.

Entende-se por “estado de natureza”, de modo geral, tudo o que se refere a um estágio

de pré-sociedade, pré-político, em que não existe progresso, nem técnica, e o medo da morte

é uma constante, a paz está sempre ameaçada... Já a sociedade civil é entendida como a

constituição do Estado propriamente dita, existe uma Constituição, que garante a proprie-

dade, a segurança, a paz, a decência, a participação, a ciência e a benevolência.

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TEORIA POLÍTICA

Quando os teóricos contratualistas querem dar um exemplo do “estado de natureza”

citam os povos da América. Hobbes assim se refere: “Em muitos lugares da América os selva-

gens não têm nenhuma forma de governo, a não ser o governo de pequenas famílias, cuja

concórdia têm como fundamento a concupiscência natural”.13 Da mesma forma, John Locke

afirma que “em muitos lugares da América não havia nenhum governo”, e “aqueles ho-

mens... por longo tempo, não tiveram nem rei, nem repúblicas, vivendo apenas em ban-

dos”.14 Assim, o conceito de sociedade civil adquire um novo significado, como sendo uma

sociedade de “civilizados”, em que civil não é mais adjetivo de “civitas” (cidade), mas de

“civilitas” (civilizados).

Para os contratualistas, “sociedade política” e “sociedade civilizada” são dois significa-

dos que se sobrepõem. O Estado se contrapõe ao estado de natureza e ao estado selvagem.

Rousseau emprega a expressão “sociedade civil” no sentido de “sociedade civilizada”.

É importante perceber que “civilizada”, para Rousseau, tem uma conotação negativa. Ob-

serva o teórico: “o primeiro que, após haver cercado um terreno e passou a dizer isto é meu e

achou os outros tão ingênuos que acreditaram, foi o verdadeiro fundador da sociedade ci-

vil”. Já para Hobbes e Locke, a sociedade civil é a sociedade política e ao mesmo tempo a

sociedade civilizada. Segundo Rousseau, a sociedade civil é a sociedade civilizada, mas não

necessariamente ainda a sociedade política, que surgirá do contrato social e será uma recu-

peração do estado de natureza e uma superação da sociedade civil (Bobbio, 1983, p. 1.208).

A sociedade civil de Rousseau é, do ponto de vista hobbesiano, uma sociedade natural.

Hegel aborda a questão da sociedade civil no livro Filosofia do Direito. Para este autor,

a sociedade civil é o momento preliminar para a estruturação do Estado. Ela não é mais a

família (sociedade natural) e ainda não é o Estado (forma mais ampla da eticidade). A socie-

dade civil se coloca em Hegel entre a forma primitiva e a forma definitiva do Espírito Abso-

luto. Sendo assim, a sociedade civil, em Hegel, já possui algumas características do Estado,

mas não é ainda propriamente Estado. Ele a define como “Estado externo”, ou “Estado do

intelecto”. O que falta à sociedade civil para ser um Estado é a característica da organicidade

(Bobbio, 1983, p. 1.206).

13 Conferir Hobbes, T. Leviathan, cap. XIII (apud Bobbio, 1983, p. 1.207).

14 Conferir Locke, J. Segundo tratado. Parágrafo 102 (apud Bobbio, 1983, p. 1.207).

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TEORIA POLÍTICA

154

A sociedade civil de Hegel é mais extensa e abrange tam-

bém a regulamentação externa (estatal) dessas relações, sendo,

portanto, já uma forma preliminar e, por isso, insuficiente de Es-

tado. Para Locke, a sociedade civil é a sociedade política (Esta-

do), que não passa de uma associação de proprietários, bem dife-

rente da concepção hegeliana de Estado.

Em Marx é que se dá a passagem do significado de socieda-

de civil para sociedade burguesa. Destaca Marx: “A emancipação

política foi, ao mesmo tempo, a emancipação da sociedade bur-

guesa da política e da aparência de um conteúdo universal” (apud

Bobbio, 1983, p. 1.209). É necessário afirmar que o conceito “ci-

vil”, em alemão bürgerlich, significa “burguês”. Para Marx a so-

ciedade civil é o espaço onde têm lugar as relações econômicas,

ou seja, as relações que caracterizam a estrutura de cada socie-

dade, ou a “base real” sobre a qual se eleva uma superestrutura

jurídica e política. Sintetizando, a sociedade civil, a partir de Marx,

passa a significar a sociedade pré-estatal.

Na visão de Gramsci, a sociedade civil e o Estado diferem

entre si. A sociedade civil, para este teórico, é o conjunto de or-

ganismos vulgarmente denominados privados, enquanto a socie-

dade política ou Estado é o conjunto de organismos que

correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante

exerce em toda a sociedade e ainda ao domínio direto ou de co-

mando que se expressa no Estado ou no governo jurídico. Para

Marx, a sociedade civil compreende a esfera de relações econô-

micas e, portanto, pertence à estrutura. Gramsci entende por so-

ciedade civil apenas um momento da superestrutura, particular-

mente o da hegemonia, que se distingue do momento do puro

domínio como momento da direção espiritual e cultural, que

acompanha e se integra de fato nas classes efetivamente domi-

nantes, e que deve acompanhar e se integrar nas classes que ten-

dem ao domínio, o momento da força pura (1983, p. 1210).

Superestrutura

Aqueles que detêm os meiosde produção (poder

dominante).

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TEORIA POLÍTICA

Gramsci chama de sociedade civil o momento da elabora-

ção das ideologias e das técnicas de consenso, às quais deu par-

ticular relevo e modificou o significado marxista da expressão,

voltando parcialmente ao significado tradicional, segundo o qual

a sociedade civil, sendo sinônimo de Estado, pertence, segundo

Marx, não à estrutura, mas à superestrutura.

Hoje entende-se a sociedade civil como a esfera das rela-

ções entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se

desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam

as instituições estatais. Bobbio cita Max Weber para explicar a

sociedade civil nos nossos dias. Segundo este autor, a sociedade

civil é o espaço das relações do poder de fato e o Estado é o espaço

das relações do poder legítimo. Assim entendidos, sociedade civil e

Estado não são duas entidades sem relação entre si, pois entre

uma e outra existe um contínuo relacionamento (1983, p. 1.210).

A sociedade civil organizada garante a possibilidade do

surgimento e organização de inúmeras instituições e movimen-

tos sociais capazes de atuar, em suas respectivas atividades, na

transformação das realidades sociais em que se encontram. De

fato, a sociedade civil é, por definição, o espaço das lutas sociais.

Seção 9.5

O direito à resistência: a tese de Hume

Diante da imposição de uma cultura dominante e dos pos-

síveis descasos e desmandos do Estado, é possível haver alguma

manifestação de resistência e direito de rebelar-se? São legítimas

tais posições?

David Hume

Disponível em: <http://www.centrofilosofia.org/images/david_hume.gif>.Acesso em: dez 2007.

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TEORIA POLÍTICA

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David Hume (1711-1776), filósofo empirista escocês, em seu livro Ensaios Morais, Po-

líticos e Literários, trata sobre a questão, entre outras, da obediência passiva, isto é: como é

possível um pequeno grupo, instituído de poder, governar, de maneira irrestrita e muitas

vezes unilateral, a maioria?

Para Hume (1996), as origens do governo são normalmente obscuras e freqüentemente

legitimadas por meio do uso do controle da opinião e, na prática, da coação, mediante todo

tipo de atos de violência. Refutou, igualmente, o absolutismo (direito divino de governar da

monarquia) e, ao mesmo tempo, a teoria liberal de John Locke, que pregava a idéia de que a

sociedade funda-se num contrato primitivo. Na visão de Hume, tal teoria implicaria a “pos-

sibilidade de revogação de contrato”, isto é, a possibilidade e a aceitação incondicional do

direito de se rebelar.

A função essencial da justiça é a promoção da paz entre os homens e a busca pelo

interesse coletivo:

Dado que a obrigação de justiça se assenta inteiramente nos interesses da sociedade, os quais

exigem a mútua abstinência da propriedade, a fim de preservar a paz entre os homens, é evidente

que, se acaso a execução da justiça implicar conseqüências altamente perniciosas, essa virtude

deve ser suspensa e substituída pela utilidade pública, nessas emergências extraordinárias e

urgentes (p. 213).

Fica evidente que a obrigação da justiça é servir aos interesses da sociedade, mas, se

tal execução da justiça implicar conseqüências maléficas para a maioria do povo, ela deverá

ser imediatamente suspensa e substituída pela utilidade pública. Da mesma forma Hume

condena a subordinação irrestrita dos homens em relação à lei, pois esta só é válida quando

considerar o bem público, caso contrário, o homem tem o direito de se rebelar e resistir: “A

máxima que a justiça seja cumprida mesmo que o universo seja destruído é evidentemente

falsa e, sacrificando os fins aos meios, revela uma idéia absurda da subordinação dos deve-

res” (p. 213).

Para Hume, o governo obriga o homem a ser obediente e fiel aos seus ditames (mandos

e desmandos) desde que aquele esteja cumprindo a utilidade pública, isto é, cumprindo sua

função; caso contrário, lhe é permitido, em casos extraordinários, desobedecer e ser infiel:

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TEORIA POLÍTICA

“... O senso comum nos ensina que, como o governo nos obriga à obediência apenas porque

esta é favorável à utilidade pública, esse dever terá sempre se submeter, nos casos extraordi-

nários em que a obediência acarretar de modo evidente a ruína pública, à obrigação primei-

ra e original” (p. 213).

Dessa forma, o filósofo admite e recomenda resistência em casos extraordinários. Quan-

do o povo não tem mais a quem recorrer e se esgotam todas as alternativas possíveis, pode-

se organizar a insurreição. Embora Hume alerte para que se conserve a fidelidade dos ho-

mens perante o governo, fica uma lacuna, para que em última instância, atos de revolta

ocorreram: “Nos casos desesperados em que o povo encontra-se em perigo iminente de so-

frer violência e tirania... Admitindo-se, portanto, a resistência em casos extraordinários, o

único problema que merece ser discutido entre bons pensadores é qual o grau de necessida-

de capaz de justificar a resistência, tornando-a legítima e recomendável” (p. 214). Assim, é

lícito prescindir das regras da justiça em caso de necessidade urgente.

É função de um governo, adverte Hume, preocupar-se com o andamento de sua admi-

nistração e deixar de lado a preocupação excessiva e os cuidados de quando se pode permi-

tir, ou não, a resistência. Hume condena os filósofos que trataram de maneira acentuada a

questão da resistência, e acredita que esses filósofos teriam maior êxito acaso se dedicassem

à difusão da doutrina geral do governo: “Devemos, além disso, considerar que sendo a obe-

diência um dever, em circunstâncias normais, é nela que, sobretudo se deve insistir; nada

poderia ser mais absurdo do que enumerar com excessiva preocupação e cuidados de todos

os casos em que se pode permitir a resistência” (p. 214).

Hume se pergunta: Por que alguns pensadores insistem no direito à resistência? Ele

mesmo tenta responder ao apresentar duas razões fundamentais para tal resistência: “A

primeira é que seus adversários levaram a doutrina da obediência a tais extremos, não só

nunca referindo as exceções em casos extraordinários (o que poderia ser discutível), mas

chegando até a negá-las expressamente, que se tornou necessário insistir nessas exceções,

em defesa do direito à verdade e de liberdade ofendidas”. A segunda razão “assenta na

natureza da constituição e da forma de governo da Inglaterra”. O pensador refere-se aqui

aos magistrados e príncipes ingleses que estão acima das leis, imunes a qualquer

questionamento e punição por qualquer injúria ou delito que possam cometer. Nestes casos

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TEORIA POLÍTICA

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de abusos, é legítima a prática da resistência: “(...) e assim, para este caso há a solução

excepcional da resistência, sempre que se chegue à situação extrema de só por esse meio se

poder defender a constituição” (p. 214).

Uma das questões que mais surpreendia e intrigava o pensador era sobre a facilidade

com que a minoria pode governar com o consentimento da maioria. Nada mais surpreen-

dente, diz Hume, “do que a facilidade com que os muitos são governados pelos poucos,

assim como a implícita submissão com que os homens abdicam de seus próprios sentimen-

tos e paixões em favor dos seus governados” (p. 217). Como a maioria pode resignar-se?

Como podem concordar com mandos e desmandos da minoria? Só há um meio para tal

êxito, diz Hume, e esse meio é o controle da opinião: “Se investigarmos que, como a força

está sempre do lado dos governados, os governantes se apóiam unicamente na opinião. O

governo assenta, portanto, apenas na opinião; e essa máxima se aplica tanto aos governos

mais despóticos e militares como aos mais livres e populares” (p. 213).

Vimos que, na Modernidade, o tema da participação e da representatividade ocupou

um espaço substancial nas teorias de Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau. No período

contemporâneo, estes temas não perderam a relevância. Muito pelo contrário, são temas

atuais que, por um lado, são defendidos e, por outro, refutados por estudiosos da democra-

cia. Apresentar este debate é o que será feito na próxima unidade.

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TEORIA POLÍTICA

Participação e Instituições:O Debate da Teoria Democrática Contemporânea

Seção 10.1

Participacionistas e institucionalistas

Um debate que tem pautado a discussão da Ciência Política nas últimas décadas diz

respeito a duas concepções sobre a democracia: a corrente institucionalista (também chama-

da de elitismo democrático) e a corrente participacionista. A primeira considera a necessida-

de de maior institucionalização das organizações políticas democráticas (partidos políticos,

eleições, poderes Legislativo, Executivo e Judiciário) como condição indispensável para a

conquista de tal estado.1 Para os institucionalistas, o problema central da construção da

ordem política democrática refere-se à criação de mecanismos que assegurem o processo de

institucionalização de políticas democráticas. Quanto maior for o grau de institucionalização

das instituições democráticas, maior será a possibilidade da existência de uma sociedade

desenvolvida política e democraticamente.

A segunda concepção defende um maior grau de participação da sociedade civil, dire-

tamente, na função de governo, como condição fundamental para a construção de um Es-

tado democrático, desenvolvido politicamente.

A vertente institucionalista (elitismo democrático) foi inaugurada por Weber e

Schumpeter (1961), que definem a democracia como um arranjo institucional para chegar a

decisões políticas e constituiu-se antes de tudo, numa competição entre elites. Os dois teóri-

Unidade 10Unidade 10Unidade 10Unidade 10

1 Sobre o debate entre as teorias participacionista e a institucionalista, conferir Limana (1992) e Rover e Seibel (1998). Entre os teóricosinstitucionalistas, Samuel Huntington é seu maior representante.

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TEORIA POLÍTICA

160

cos advogam que a ampliação da democracia poderia ter como

conseqüência a ineficácia administrativa. A democracia seria,

antes de mais nada, um antídoto contra o avanço totalitário da

burocracia (Weber) ou uma proteção contra a tirania

(Schumpeter). Dahl e Lipset herdaram essa vertente, renomeada

por Held (1987, p. 176) de “democratas empíricos”. Eles aceitam

a visão de Schumpeter sobre a democracia como um processo de

seleção de lideranças, mas rejeitam a idéia da liderança exclusi-

va das elites, insistindo que a democracia ancora-se num com-

plexo processo de consensos sobre valores que estipulam os

parâmetros da vida política. Mais recentemente, e principalmen-

te em função da crise do Estado de Bem-Estar, surgem na esteira

da concepção elitista, aquilo que Held denomina de “Nova Di-

reita”, as concepções de Hayeck e Nozick, que representaram as

idéias liberais de Locke e John Stuart Mill. Contra esse projeto

elitista de direita (democracia legal), surgem teóricos contra mo-

delo da esquerda que desenvolvem a teorização da “democracia

participativa”, como Poulantzas, MacPherson e Pateman (apud

Rover; Seibel, 1998).2

Limana (1992), ao tratar da teoria participacionista, recorre

às idéias de Rousseau e Tocqueville desenvolvidas no Contrato

Social e na obra A democracia na América, respectivamente. A

origem da teoria participacionista pode ser encontrada em

Rousseau na defesa teórica da democracia direta em Contrato

Social e em Tocqueville, na abordagem que trata do associativismo

e da participação em A democracia. Como observa Limana: “para

os autores que se enquadram nesta teoria interpretativa, um Es-

tado democrático politicamente desenvolvido só é possível de ser

construído se houver participação direta, do conjunto dos cida-

dãos na gestão da coisa pública, onde o nível de desenvolvimen-

to político pode ser medido pelo grau de participação” (p. 4).

Estado de Bem-Estar

Estado que intervém naeconomia e garante ganhossociais (saúde, empregos,

educação, aposentadoria...)

2 Sobre as atuais concepções de democracia e os limites da participação de atores sociais, conferir Rover e Seibel (1998).

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TEORIA POLÍTICA

Considerado um dos mais importantes teóricos contratualistas, assim como Hobbes e

Locke, Rousseau entende a participação dos indivíduos como essencial para a estruturação

do contrato social a fim de instituir o Estado democrático. Da mesma forma, para Rousseau,

existe uma condição natural dos homens, mas, diferentemente de Hobbes, é uma condição

de felicidade, de virtude e de liberdade, que é destruída e apagada pela civilização. Segundo

este pensador, é a civilização que perturba as relações humanas, que violenta a humanida-

de, pois os homens nascem livres e iguais (eis o princípio que vai se afirmar na revolução

burguesa), mas em todo lugar estão acorrentados. Assim, o único órgão soberano é a as-

sembléia e é nela que se expressa a soberania. A assembléia, representando o povo, pode

confiar a algumas pessoas determinadas tarefas administrativas, relativas à administração

do Estado, podendo revogá-las a qualquer momento. O povo, entretanto, nunca perde a

sua soberania, nunca a transfere para um organismo estatal separado. Rousseau defende

que “a soberania não pode ser representada”, ao mesmo tempo em que a entende como o

exercício da “vontade geral” (soma das vontades individuais). A vontade geral (aquilo que

há de comum em todas as vontades individuais) “jamais pode alienar-se, na medida em que

o soberano (um ser coletivo), só pode ser representado por si mesmo” (Rousseau, 1978, p.

43-44). Desse modo, Rousseau deixa clara sua preferência por um regime democrático que

tem na participação direta dos indivíduos sua virtude maior.

Encontramos, no capítulo XV do Livro II do Contrato Social, argumentos de desprezo

pelo regime representativo de governo. Rousseau argumenta que, “desde que o serviço pú-

blico deixa de constituir a atividade principal dos cidadãos e eles preferem servir com sua

bolsa a servir com sua pessoa, o Estado já se encontra em ruína... À força de preguiça e de

dinheiro terá, por fim, soldados para escravizar a pátria e representantes para vendê-la”

(Rousseau, apud Limana, 1992, p. 6). Sobre a representação dos deputados em relação ao

povo, alerta Rousseau que “os deputados não são, nem podem ser seus representantes; não

passam de comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda lei que o

povo diretamente não ratificar; em absoluto não é lei” (p. 6).

Rousseau tinha como modelo a democracia direta dos atenienses, mesmo vendo certas

limitações nesse modelo na medida em que a sociedade era dividida entre cidadão e escravo.

Talvez por essa razão o próprio autor reconheça o caráter utópico de sua teoria: “a democra-

cia que de fato não existe, nunca existiu e talvez nunca existirá; também essa condição

natural, a que devemos aspirar, não existe, nunca existiu e nunca vai existir”.

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TEORIA POLÍTICA

162

Da mesma forma Alexis de Tocqueville, em A democracia

na América, discute algumas idéias que podem nos aproximar da

teoria participacionista, além de tratar de conceitos como igual-

dade de condições, liberdade e participação cívica, que funda-

mentam sua concepção sobre a democracia.

Seção 10.2

Participação na obra A Democracia na Américade Aléxis de Tocqueville

Vamos abordar nesta seção as principais idéias da obra A

democracia na América (1962), de Alexis de Tocqueville. Nesta

obra o autor tratou das condições sociais (organizações

sociopolíticas) como fundamento da construção da democracia

norte-americana.3

Com o objetivo de estudar o funcionamento do regime polí-

tico e analisar a vida sociopolítica dos norte-americanos,

Tocqueville chegou a Nova York, em 1831, com 25 anos de idade.

Como síntese dos seus estudos, surgiu a sua principal obra, A

democracia na América (La démocratie en Amerique), cujo pri-

meiro volume é impresso em 1835 e o segundo, em 1840. Munido

de instrumentos empíricos, Tocqueville procurou construir teori-

camente um “tipo ideal” de democracia.

Alexis de Tocqueville

Disponível em: <http://faculty.frostburg.edu/phil/forum/Tocquevillealt.gif>.

Acesso em: dezembrode 20007.

3 É importante destacar que a conexão entre os costumes de uma sociedade e suas práticas políticas, idéias expostas na obra clássica deTocqueville, já fora discutida suficientemente por outros teóricos como Putnam (2000), Galvão Quirino (2001), Limana (1992),Higgins (2005). Assim sendo, não há necessidade de aprofundar este tema neste momento.

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TEORIA POLÍTICA

À primeira vista, o que mais impressionou a Tocqueville foi a igualdade das condições

entre os americanos: “a igualdade, e não a liberdade, constitui o verdadeiro sinal da demo-

cracia”.4 Ao mesmo tempo em que exalta a igualdade, Tocqueville se contrapõe à aristocra-

cia e ao individualismo, definindo-o como a “ferrugem das sociedades”, esvazia o cidadão

de toda substância, de civismo; estanca-lhe a fonte das virtudes públicas; dele torna a fazer

um súdito, se não um escravo, oscilando sem dignidade entre a servidão e a licença.

Na referida obra Tocqueville inicia descrevendo os hábitos e os costumes, assim como

a organização social e política dos americanos, para depois tratar da estrutura de domina-

ção, de suas instituições políticas e das relações do Estado com a sociedade civil.5 Tocqueville,

ao elaborar o conceito de democracia, apresenta-o como um processo universal, duradouro,

e todos os acontecimentos, como todos os homens, servem ao seu desenvolvimento. Já na

introdução de A democracia na América, Tocqueville (1962) atribui um caráter sagrado à

democracia ao afirmar que querer detê-la seria como lutar contra o próprio Deus, e só resta-

ria às nações acomodar-se ao Estado social que lhes impõe a Providência. Tocqueville cita a

América como exemplo e deseja ver a França tornar-se como os Estados Unidos: “Parece-me

fora de dúvida que, cedo ou tarde, chegaremos como os americanos, à igualdade quase

completa” (p. 19). O objetivo do autor foi estudar os hábitos e os costumes dos americanos

na intenção de abstrair os ensinamentos fundamentais daquela experiência democrática.

Tocqueville discordou, em outra passagem, das várias formas de socialismo da época,

assim como condenou o Estado intervencionista, para ele o único responsável pela direção

política da nação. Para ele, esse Estado interventor é um Estado despótico, no qual a liber-

dade dos cidadãos tende a desaparecer. Da mesma forma, Tocqueville acredita que a demo-

cracia e o socialismo não se vinculam senão por uma palavra, a igualdade, mas observa a

diferença: a democracia quer a igualdade na liberdade e o socialismo quer a igualdade na

sujeição e na servidão (p. 187).

4 Para Tocqueville, liberdade e igualdade significam o mesmo que democracia.

5 Conferir o artigo intitulado “Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade”, de Célia Galvão Quirino (2001), em que a autora comenta asprincipais idéias de A democracia na América (p. 149-188).

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TEORIA POLÍTICA

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No prefácio de sua obra, Tocqueville deixa claro que o objetivo central é tratar do

próximo advento, irresistível e universal, da democracia no mundo. O autor estudou a de-

mocracia norte-americana com o objetivo de compreender e tirar proveito dos exemplos bem-

sucedidos daquele país, principalmente os princípios sobre os quais repousam as constitui-

ções americanas de ordem e equilíbrio de poderes e de profundo e sincero respeito ao Direi-

to, que são indispensáveis a todas as repúblicas e que a todos devem ser comuns; e pode

afirmar-se desde logo que, onde estes não se encontrarem, cedo terá a república deixado de

existir (p. 10).

Tocqueville tratou, igualmente, da situação social dos anglo-americanos e da origem

da democracia, que nasceu junto com a Colônia e permanece até nossos dias. Argumenta,

igualmente, sobre o princípio da soberania do povo na América e as leis que estão subordi-

nadas à soberania do povo. O autor descreve que o poder emana do povo e observa que este

participa da composição das leis, pela escolha dos legisladores, e da sua aplicação mediante

a eleição dos agentes do poder Executivo; pode-se afirmar que ele mesmo governa, tão frágil

e restrita é a parte deixada à administração, tanto se ressente esta da sua origem popular e

obedece ao poder de que emana. “O povo reina sobre o mundo político americano como

Deus sobre o universo. É ele a causa e o fim de todas as coisas; tudo sai do seu seio, e tudo

se absorve nele”, conclui Tocqueville (p. 52).

Sobre o tema da soberania do povo, Tocqueville entende que é este que tem o controle

do governo em suas mãos: “é o povo que governa”, pois, “na América, o povo designa aque-

le que faz a lei e aquele que a executa; constitui ele mesmo o júri que pune as infrações à

lei” (p. 136). Percebe-se, no decorrer da obra, que a América é sempre tratada como o exem-

plo da democracia ideal.

Outro tema que Tocqueville considera importante é o da associação política. Observa

o autor que os Estados Unidos são o país do mundo de onde mais se tirou partido da asso-

ciação e onde se tem aplicado esse poderoso meio de ação à maior diversidade de objetos.

Essa tradição associativa dos norte-americanos vem de berço, “desde o seu nascimento,

aprende o habitante dos Estados Unidos que precisa apoiar-se sobre si mesmo para lutar

contra os males e os embaraços da vida” (p. 146). A associação visa a alcançar vários fins

com o objetivo de obter a segurança pública, comércio, indústria, moral e religião. Nada há

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TEORIA POLÍTICA

que a vontade humana se desespere de atingir pela ação simples do poder coletivo dos indi-

víduos. A associação é causa de união e progresso: “A associação enfeixa os esforços dos

espíritos divergentes e os impele com vigor para uma única finalidade claramente indicada

por ela” (p. 147).

Esse interesse coletivo dos norte-americanos é enaltecido pelo autor francês:

Como se explica que, nos Estados Unidos, aonde os habitantes apenas ontem chegaram ao solo

que ocupam, aonde não levaram nem costumes nem lembranças, aonde se encontraram pela

primeira vez sem se conhecer, aonde, numa palavra, o instinto da pátria pode apenas existir,

como se explica que todos se mostrem interessados pelos negócios de sua comuna, de seu cantão,

e do Estado inteiro como se fossem deles próprios? (p. 183).

Assim, é o interesse coletivo que mais se sobressai entre os imigrantes:

Mal desembarcamos no solo americano, vemo-nos no meio de uma espécie de tumulto; de todas

as partes, eleva-se um confuso clamor; mil vozes chegam ao mesmo tempo aos nossos ouvidos,

cada qual a exprimir algumas necessidades sociais. Em nossa volta, tudo se movimenta: aqui é o

povo de um bairro que se reúne para saber se há de construir uma Igreja; ali, trabalha-se para

escolher um representante; mais além, os delegados de um cantão dirigem-se à cidade a toda

pressa, a fim de deliberar sobre certos melhoramentos locais; noutra parte, são os agricultores

de uma aldeia que abandonaram seus arais para discutir o plano de uma estrada ou de uma

escola. Reúnem-se cidadãos com a finalidade exclusiva de declarar que desaprovam a marcha do

governo, ao passo que outros se reúnem a fim de proclamar que os homens da administração são

os pais da pátria. E eis que outros ainda, considerando a embriaguez como a principal fonte dos

males do Estado, vêm comprometer-se solenemente a dar o exemplo da temperança (p. 187-188).

A idéia principal da obra A democracia na América resume-se na importância que

Tocqueville atribuiu à experiência prática dos americanos, aos seus hábitos, as suas opini-

ões, aos seus costumes, à manutenção das suas leis. Ou seja, os hábitos e os costumes dos

americanos são as bases da manutenção das leis: “A minha finalidade foi mostrar, pelo exem-

plo da América, que as leis, e, sobretudo os costumes, podiam permitir a um povo democrá-

tico permanecer livre” (p. 242).

Nos estudos de Tocqueville percebe-se também o orgulho dos anglo-americanos em

pertencer àquela nação, inclusive acreditam que são um povo “escolhido”, diferente dos

demais povos do mundo:

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TEORIA POLÍTICA

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Ao mesmo tempo que os anglo-americanos estão assim unidos por ideais comuns, estão separa-

dos de todos os demais povos por um sentimento, o orgulho. Há cinqüenta anos, não se pára de

repetir aos habitantes dos Estados Unidos que constituem o único povo religioso esclarecido e

livre [...] acreditam que se constituem uma espécie à parte do gênero humano (p. 287).

Sobre a democracia dos gregos, Tocqueville tem a seguinte concepção:

Em Atenas, todos os cidadãos tomavam parte dos negócios públicos; havia ali, porém, apenas

vinte mil cidadãos, em mais de trezentos e cinqüenta mil habitantes; todos os outros eram escra-

vos e desempenhavam a maior parte das funções que hoje em dia pertencem ao povo e mesmo às

classes médias. Atenas, com o seu sufrágio universal, não era, pois, afinal de contas, senão uma

república aristocrática, onde todos os nobres tinham direito igual ao governo (p. 360).

Todo o empenho pessoal e comunitário dos americanos está em manter a democracia

por meio de uma cada vez maior igualdade e liberdade; por isso, procuram se esforçar para

manter a coisa pública e a ajuda mútua: “Devo dizer que muitas vezes vi americanos faze-

rem grandes e verdadeiros sacrifícios à coisa pública, e observei cem vezes que, quando

necessário, quase nunca se furtam de prestar fiel apoio uns aos outros” (p. 391). O espírito

público dos americanos sobressaía aos olhos de Tocqueville, além do apoio mútuo. Mais à

frente, fica ainda mais explícito o caráter associativo da vida civil dos americanos:

Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão constante-

mente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais tomam parte,

como ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis, muito gerais e muito

pequenas. Os americanos associam-se para dar festas, fundar seminários, construir hotéis, edifí-

cios, igrejas, distribuir livros, enviar missionários aos antípodas; assim também criam hospitais,

prisões, escolas (p. 391-392).

Foi esse espírito cívico que fez dos Estados Unidos uma democracia participativa.

Neste mesmo argumento Tocqueville descreve que a ação recíproca é fundamental

para a edificação do sentimento comunitário: “Os sentimentos e as idéias não se renovam, o

coração não cresce e o espírito não se desenvolve a não ser pela ação recíproca dos homens

uns sobre os outros” (p. 393). Da mesma forma, “para que os homens permaneçam civiliza-

dos ou assim se tornem, é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfei-

çoe na medida em que cresce a igualdade de condições” (p. 394).

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TEORIA POLÍTICA

Esta Unidade trouxe ao seu conhecimento os debates atuais entre democracia

participativista e democracia institucionalista. É o grande debate dos pensadores da atuali-

dade sobre a melhor forma de democracia. Na seqüência trataremos da difícil construção da

cidadania no Brasil.

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TEORIA POLÍTICA

Unidade 11Unidade 11Unidade 11Unidade 11

A Difícil Construção da Cidadania no Brasil

Discorrer sobre a construção da cidadania no Brasil é tocar num ponto nevrálgico da

nossa História. Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses por estas paragens,

percebe-se que a consolidação da cidadania ainda é um desafio para todos os brasileiros.

Muito se tem discutido na academia e fora dela, o jargão da cidadania está na moda nas

instituições políticas e na opinião pública, mas, concretamente, é um conceito ainda a ser

construído.

Após a ditadura militar (1964-1985), pensava-se que, finalmente, os ares da democra-

cia e da cidadania iriam pairar no cenário político-social nacional. A democracia poliárquica,

no entanto, descrita pelo cientista político Robert Dahl (2001) (eleições livres, partidos po-

líticos consolidados, Congresso Nacional autônomo), não garantiu avanços significativos e

a democracia social (igualdade étnica, emprego, saúde, lazer, moradia...) ainda é utopia

para milhões de brasileiros. Prevalece apenas uma democracia eleitoral sobre a democracia

social (cidadã). Por essa razão, as instituições políticas e os políticos têm passado por um

alto grau de descrédito junto a opinião pública do país. Da mesma forma, a cidadania é

incipiente num país onde predominam a exclusão social e econômica, a desigualdade social

e a violência difusa.

Diante dessa situação, pergunta-se: Quais os principais obstáculos para a construção

da cidadania brasileira? A difícil construção da cidadania no Brasil está ligada exclusiva-

mente ao “peso do passado” (herança maldita), ou outras variáveis podem influenciar essa

realidade? A cidadania está meramente ligada à conquista de direitos sociais, civis e políti-

cos? Como se deram as conquistas desses direitos no Brasil, comparadas com outros países?

Procurar responder a algumas dessas questões é o objetivo maior desta Unidade. Para tanto,

recorremos à fundamentação teórica de autores das Ciências Sociais, reconhecidos estudio-

sos do tema.

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TEORIA POLÍTICA

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A origem do conceito “cidadania” no contexto histórico-cultural e político provém dos

gregos, especificamente por volta do ano 380 a.C. (período do apogeu daquela civilização).

Embora a cidadania fosse limitada a uma parcela social minoritária, pode-se afirmar que

tanto a democracia quanto a cidadania gregas, não deixam de ser conquistas inéditas e

avanços significativos para a História ocidental.1 No entanto, a evolução e a real consolida-

ção da cidadania dá-se na Modernidade.2 Junto com a cidadania moderna nascem os direi-

tos naturais (vida, propriedade, liberdade) do homem liberal burguês, garantidos pelas con-

secutivas “Declarações de Direitos” elaboradas a partir das revoluções liberais na Inglaterra

(Revolução Gloriosa, 1688-89), Estados Unidos (emancipação política, 1776) e França (Re-

volução Francesa, 1789).3

Este texto está dividido em quatro seções. A primeira trata da ausência de direitos e de

poder público no Brasil colonial. A conquista lusitana, o latifúndio, a monocultura de ex-

portação, o analfabetismo e a escravidão são “pesos negativos do passado” que ainda deter-

minam a vida social, econômica e política do Brasil. A segunda seção apresenta os dois

fatos históricos mais relevantes do Brasil do século 19, a Independência e a República, des-

tacando-se a quase nula participação de grande parte do povo neste processo. A terceira

seção discute os vícios institucionais e culturais da política brasileira. Males como o

patrimonialismo, coronelismo, populismo, serão discutidos a partir de alguns clássicos das

Ciências Sociais do Brasil. Por fim, descreve-se que, diferentemente de outros países, os

direitos sociais emergem no Brasil em regimes políticos ditatoriais, que excluem

inexoravelmente os direitos políticos e civis.4

1 O objetivo desta Unidade, porém, não é tratar deste ponto, posto que o mesmo tem sido suficientemente analisado por renomadosteóricos como Minogue (1998), Coulanges (s/d), Aquino et al (1998), Barker (1978), Kitto (1970), entre outros.

2 Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade conferir o trabalho de Domingues (2001).

3 Da mesma forma, não nos convém tratar aqui deste assunto. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes autores: Saes (2000),Moisés (2005) e Marshall (1967).

4 Para esta seção foram utilizados argumentos dos seguintes autores: Vianna (1955, 1956), Holanda (2000) Faoro (2001), Leal (1975),Prado Júnior (1994) e, principalmente, Carvalho (1996, 1997, 2000a, 2000b, 2002).

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TEORIA POLÍTICA

Seção 11.1

Brasil colonial: ausência de direitos e de poder público

Inicialmente é preciso referir que, no Brasil, a construção da cidadania não seguiu a

lógica da trajetória inglesa. Houve no Brasil, segundo José Murilo de Carvalho (2002), pelo

menos duas diferenças importantes: a primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos,

o social, em relação aos outros; a segunda refere-se à alteração na seqüência em que os

direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros (p. 12).

Uma das razões fundamentais das dificuldades da construção da cidadania está liga-

da, como explicita Carvalho, ao “peso do passado”, mais especificamente ao período coloni-

al (1500-1822), quando “os portugueses tinham construído um enorme país dotado de uni-

dade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham deixado uma população anal-

fabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado

Absolutista” (p. 18). Em suma, foram 322 anos sem poder público, sem Estado, sem nação e

sem cidadania.

11.1.1 A “CONQUISTA” DA TERRA BRASILIS

Já no princípio da História do Brasil as contradições apareceram. Primeiro, pode-se

dizer que o Brasil não foi “descoberto”, conforme comumente é mencionado, mas, sim, “con-

quistado” pelos europeus (portugueses). O encontro dessas duas culturas (a européia versus

a dos povos nativos das Américas) foi o confronto trágico de duas forças em que uma pere-

ceu necessariamente, um encontro pouco amigável entre duas civilizações: uma considera-

da “desenvolvida”, por conhecer certas tecnologias (a irrigação, o ferro e o cavalo) versus a

nativa (“desconhecida” e, por isso mesmo, considerada “bárbara”). Os nativos viviam em

contato com a natureza, com uma religião diferente do cristianismo europeu. Suas crenças

eram mescladas com os elementos da natureza: a Lua, o Sol, as estrelas. Até mesmo a pala-

vra “índio” foi o nome dado pelos europeus ao se confrontarem com o “outro” e quem deu o

nome, no caso, acabou se apossando, ficando dono.5

5 Sobre o encobrimento do outro, conferir Dussel (1993).

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TEORIA POLÍTICA

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Bem antes de o europeu chegar a estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus

ritos religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos outros, à mãe-terra, às águas e à natureza

como um todo. Os espanhóis e, mais tarde, os portugueses, chegaram, impuseram sua força

e conquistaram com a violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos, a cruz do

Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja; na outra, a espada para a conquista. O

resultado foi o extermínio, pela guerra, escravidão e doenças (sífilis, varíola, gripe), de mi-

lhões de índios.6 Grande parte da população indígena foi dizimada rapidamente pelo ho-

mem “civilizado”. Calcula-se que havia no Brasil, na época da “descoberta”, cerca de 4

milhões de índios. Em 1823 restavam menos de 1 milhão (Carvalho, 2002, p. 20). A demografia

indígena, porém, depois de ter sido reduzida drasticamente, tem crescido de forma significa-

tiva nos últimos anos. Segundo o censo de 2000, realizado pelo IBGE, 734 mil pessoas

(0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um crescimento absoluto de

440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando apenas 294 mil pessoas (0,2% dos

brasileiros) se diziam indígenas.7

Outra característica do período colonial está ligada à conotação comercial. O Brasil

serviu à produção de monocultura para resolver o problema da demanda européia, forne-

cendo a cana-de-açúcar. Isto exigia largas extensões de terras e mão-de-obra escrava dos

negros africanos. Foi assim que no Brasil se configurou o latifúndio monocultor e exporta-

dor de base escravista. Outros ciclos de exploração se sucederam no Brasil, como o da mine-

ração (século 18), do gado, da borracha, do café..., servindo assim, por muito tempo, apenas

como fornecedor de matérias-primas à metrópole (Portugal).8

11.1.2. A ESCRAVIDÃO

No período colonial, a cidadania foi negada à quase totalidade da população; os mais

afetados, contudo, foram os escravos negros provenientes do continente africano. Para Car-

valho (2002), “o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão” (p. 19). Foi por volta

6 Callage Neto (2002, p.29) argumenta que as sociedades Ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo “hibridismo do absolutismoautoritário contra-reformista católico, o despotismo corporativo muçulmano dos séculos que o precederam na Península Ibérica e umincipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica nos marcos da Revolução Mercantil”.

7 Para maiores informações sobre a situação do indígena na sociedade brasileira atual, consultar relatório do IBGE intitulado: Uma análisedos indígenas com base nos resultados da mostra dos censos demográficos. Este estudo está disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/indigenas/indigenas.pdf. Acesso em junho de 2005.

8 Para esclarecer este tema, é fundamental a leitura de Raymundo Faoro (2001), principalmente o capítulo IV “O Brasil até o governoGeral”.

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TEORIA POLÍTICA

de 1550 que os escravos começaram a ser importados. Essa prática continuou até 1850, 28

anos após a Independência. Calcula-se que até 1822 tenham sido introduzidos na colônia

cerca de 3 milhões de escravos. Na época da Independência, numa população de cerca de 5

milhões, incluindo 800 mil índios, havia mais de 1 milhão de escravos (idem, p. 19). É impor-

tante destacar que em todas as classes sociais desse período havia escravos.9

Depois de mais de 300 anos o Brasil aboliu a escravidão, mais por pressão externa do

que por um amadurecimento da consciência social da população. Neste sentido, a extinção

da escravatura no Brasil, no dia 13 de maio de 1888, foi um grande engodo, uma farsa. O

Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão. A Inglaterra, essen-

cialmente por interesses comerciais, exigiu, em 1850, o término do comércio negreiro, insti-

tuído com a Lei Eusébio de Queiroz, que se constituiu num passo importante para a aboli-

ção – que só viria a acontecer 38 anos depois.

Por essas razões, a data mais significativa para celebrar a história do povo negro, sua

cultura, seu anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade, é dia 20 de

novembro, data da morte de Zumbi, martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do

bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi, que significa a força do espírito presente, foi o

principal líder da resistência da comunidade de Palmares. Esse quilombo foi a mais impor-

tante organização de resistência do povo negro no país, sendo, dentre vários, aquele que

ocupou a maior extensão de terra e teve o maior tempo de existência (1600-1695). Por volta

de 1654 o quilombo dos Palmares (região acidentada e de difícil acesso no interior de Alagoas),

era composto por muitas aldeias, nas quais os negros viviam em liberdade. Eis o nome de

algumas comunidades: Macaco, na Serra da Barriga, com 8 mil habitantes; Amaro, no no-

roeste de Serinhaém, com 5 mil habitantes; Sucupira, a 80 km de Macaco; Zumbi, a noroes-

te de Porto Calvo, e o Senga, a 20 km de Macaco. A população total de Palmares, na época,

atingiu mais de 20 mil habitantes, o que representava 15% da população do Brasil.

Pela utilização da mão-de-obra escrava nas colônias foi possível a formação e o de-

senvolvimento dos Estados Nacionais na Europa e a construção das cidades. Além disso,

realizou-se a Revolução Industrial na Inglaterra, devido à importação de negros africanos,

9 Sobre o tema da questão racial no Brasil, conferir o trabalho de Fernandes (1972).

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TEORIA POLÍTICA

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que eram mestres ferreiros, marceneiros e carpinteiros, o que propiciou o acúmulo de rique-

za, geradora do capitalismo. O sistema capitalista soube tirar proveito dessa situação, na

conquista, na pirataria, no saque e na exploração. Huberman (1986, p. 160) descreve que a

acumulação de riquezas deveu-se “ao trabalho e ao sofrimento do negro, como se suas mãos

tivessem construído as docas e fabricado as máquinas a vapor”.10

O escravo africano, além de sofrer a dominação econômica e religiosa, foi excluído,

igualmente, do pensamento filosófico europeu. Foi considerado povo a-histórico, irracional,

bárbaro, fechado em si mesmo, não tendo condições de ascender ao “espírito universal”.

Hegel, no início do século 19, escreveu a obra Filosofia da história universal, na qual se

percebe a ideologia racista, superficial e eurocêntrica do filósofo alemão em relação à Áfri-

ca. Páginas preconceituosas, que maculam a história da Filosofia mundial.

A situação do negro, hoje, continua sendo de marginalização e exclusão. Por isso, há

a necessidade de medidas não apenas afirmativas, mas, também, transformativas na eman-

cipação da etnia negra no país.11 Há muito a fazer para que a verdadeira abolição da escra-

vidão aconteça, principalmente na questão da educação, acesso ao trabalho e à renda.

Dados comprovam que o analfabetismo ainda é maior entre os negros: segundo dados do

IBGE, em 1999 a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos de idade ou mais era de

8,3% para brancos e de 21% para pretos e a média de anos de estudo das pessoas com 10

anos de idade ou mais é de quase 6 anos para os brancos e cerca de 3 anos e meio para os

negros.

Na questão do acesso ao trabalho as diferenças também são expressivas: 6% de bran-

cos com 10 anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador

doméstico, enquanto os pardos chegam a 8,4% e os pretos a 14,6%. Por outro lado, na cate-

goria empregadores encontram-se 5,7% dos brancos, 2,1% dos pardos e apenas 1,1% dos

10 Segundo o sociólogo Florestan Fernandes (1978, p.9), os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de partida” natransição da ordem escravocrata à competitiva. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros e mulatos foraminferiores em relação aos brancos, causando marginalidades e desigualdades na sociedade brasileira.

11 Nancy Fraser (2001) analisa as estratégias, chamadas, por ela, de afirmação ou de transformação. Para vencer os dilemas entreredistribuição e reconhecimento, podem-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. As medidas afirmativas têm por objetivoa correção de resultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma. Já os remédios transformativos têm por fim a correção dosresultados indesejados mediante a reestruturação da estrutura que os produz (Matos, 2004).

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TEORIA POLÍTICA

pretos. Quanto ao rendimento mensal familiar per capita e à distribuição das famílias por

classes, os dados indicam que 20% das famílias cujo chefe é de cor branca tinham rendimen-

to de até 1 salário mínimo contra 28,6% dos chefes das famílias pretas e 27,7% das pardas

(IBGE, 2000). Segundo ainda dados do IBGE, em 1999 a população branca que trabalhava

tinha rendimento médio de cinco salários mínimos. Pretos e pardos alcançavam menos que

a metade disso: dois salários. Essas informações confirmam a existência e a manutenção de

uma significativa desigualdade de renda entre brancos, pretos e pardos na sociedade brasi-

leira.12

11.1.3. O ANALFABETISMO

Outra marca registrada do período colonial foi o analfabetismo. A maioria da popula-

ção, segundo Carvalho (2002) era analfabeta: em 1872, meio século após a Independência,

somente 16% da população era alfabetizada.

Apenas a elite brasileira da época era portadora do conhecimento, enquanto o analfa-

betismo predominava nas classes mais pobres: “quase toda a elite possuía estudos superio-

res, o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de

analfabetos” (Carvalho, 2000b, p. 55). Entre os letrados, principalmente, era comum a for-

mação jurídica feita em Portugal: primeiro em Coimbra e, depois, em Lisboa. Além disso,

Portugal proibiu o Brasil de abrir universidades em seu território; em contrapartida, a Espanha

permitiu, desde o início, a criação de universidades em suas colônias (p. 16).

Tal contraste pode ser percebido, entre Espanha e Portugal, no que se refere ao núme-

ro de matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150.000 pessoas

tinham-se formado nas universidades da América Espanhola. Só a Universidade do México

formou 39.367 estudantes até a independência. Em vivo contraste, apenas 1.242 estudan-

tes brasileiros matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872”, quadro esse que será rever-

tido apenas após a chegada da família real ao Brasil, em 1808 (p. 62). No final do século 18

12 Além desses dados, pode-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de Indicadores – 2000,editada também pelo IBGE.

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somente 16,85% da população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a escola (p. 70). É

perceptível, de imediato, a formação de bacharéis em Direito desde o início de nossa Histó-

ria. Somente em 1879 houve uma reforma que o dividiu em Ciências Jurídicas e Ciências

Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais, as

primeiras para formar magistrados e advogados, as segundas diplomatas, administradores e

políticos” (p. 76).

É importante mencionar ainda que somente os advogados e médicos recebiam o título

de doutores, “que podia referir-se tanto a médicos como a doutores em Direito” (p. 90). Os

cargos políticos ocupados na esfera estatal pertenciam à elite, principalmente aos proprietá-

rios rurais. Essa mesma elite circulava pelo país e por postos no Judiciário, Legislativo e

Executivo, buscando assegurar vantagens pessoais. Como conclui Carvalho (2002, p. 129),

a burocracia foi a vocação da elite imperial brasileira.

Seção 11.2

A Independência e a República no Brasil: participação incipiente

Inicialmente cabe destacar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil

no século 19, a Independência e a República, respectivamente, ocorreram sem a real parti-

cipação da maioria da população. Ao contrário, a elite portuguesa, aliada à elite nacional,

tomou as decisões políticas necessárias para a manutenção dos seus próprios interesses. O

objetivo desta seção é demonstrar tais acontecimentos.

11.2.1. UM ESTADO SEM NAÇÃO

Acredita-se que a construção da cidadania esteja ligada essencialmente à instauração

de uma nação e de um Estado. Isto é, tem a ver com a formação de uma identidade entre as

pessoas (tradição, religião, língua, costumes), com a construção de uma nacionalidade ou,

sob o aspecto jurídico, na formação de um Estado. Assim, o sentimento de pertencer a uma

nação é um indicativo importante para tal construção. Sentir-se parte de uma nação e de

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TEORIA POLÍTICA

um Estado é condição fundamental para o surgimento da cidadania: “Isto quer dizer que a

construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação.

As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de

um Estado” (Carvalho, 2002, p. 12).

No Brasil, como veremos, o Estado precedeu a formação da nação. A formação do

Estado deu-se exclusivamente pela vontade da elite portuguesa, que aceitou e negociou

com a Inglaterra e com a elite brasileira a “independência” do país: “Graças à intermediação

da Inglaterra, Portugal aceitou a independência do Brasil mediante o pagamento de uma

indenização de 2 milhões de libras esterlinas” (p. 27).

A relação de dependência da Colônia com Portugal não permitiu formar uma identida-

de própria, nem edificar uma nação propriamente dita. A primeira manifestação de nossa

nacionalidade ocorreu, segundo Carvalho (2000b), apenas em 1865, na Guerra do Paraguai.

A luta contra o inimigo externo, a formação de uma liderança política (chefe inspirador), o

culto ao símbolo nacional (a bandeira) e a união dos voluntários de todo o Brasil possibili-

taram o advento de um sentimento comum: o orgulho e a criação da primeira idéia de iden-

tidade nacional: “não vejo consciência nacional no Brasil antes da Guerra do Paraguai” (p.

11). Os principais fatos políticos do Brasil ocorreram para atender a interesses individuais,

ou de pequenos grupos hegemônicos. Assim foi na Independência, como explicita Costa

(1981): “as coisas vão simplesmente acontecendo: no jogo das circunstâncias e das vonta-

des individuais, no entrechoque de interesses pessoais, de paixões mesquinhas e de sonhos

de liberdade, faz-se a independência do país” (p. 65). É importante ressaltar que a notícia

da emancipação política do Brasil só chegou a lugares mais distantes após três meses do

fato ocorrido.

O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A vinda da família real para

o Brasil, em 1808, não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os ingle-

ses e franceses. Alguns anos mais tarde as condições mostravam-se favoráveis para a indepen-

dência do Brasil, o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822, porém à revelia do povo.13

13 Caio Prado Júnior procurou entender o país sob o enfoque da interpretação marxista, com o materialismo histórico tendo servido defundamento teórico para explicar o Brasil. Já Sérgio Buarque de Holanda faz sua análise em Raízes do Brasil, partindo da Economiae da sociedade, de Max Weber. Celso Furtado, Nestor Duarte e Raymundo Faoro herdam a vertente do patrimonialismo de Weber. ParaFaoro, a formação do Estado português está na origem do Brasil, que é, essencialmente, estadocêntrico, centralizado no poder daautoridade, pois é dela a distribuição do mesmo.

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Em sua obra A construção da ordem (1996), José Murilo de Carvalho trata, igualmen-

te, entre outras questões, do processo de colonização, do Brasil Imperial e da elite política.

O autor apresenta, logo na introdução, a diferença entre a evolução das colônias espanhola

e portuguesa na América. Para ele, a diferença básica é que os territórios espanhóis frag-

mentaram-se politicamente, tornando-se Estados independentes, ao passo que os portu-

gueses concentraram-se. Enquanto os espanhóis passaram por períodos anárquicos (insta-

bilidade e rebeliões), os portugueses não recorreram a essas formas violentas. O domínio

político português sobre a Colônia foi intenso, sendo que os capitães-gerais eram nomeados

diretamente pela Coroa e a ela respondiam (p. 12).

Deste modo, o Brasil herdou, na construção de seu Estado, a burocratização do Esta-

do moderno, conforme fora descrito por Max Weber: “A ordem legal, a burocracia, a jurisdi-

ção compulsória sobre um território e a monopolização do uso legítimo da força são carac-

terísticas essenciais do Estado moderno”. O Estado moderno utilizou quatro mecanismos: a

burocratização, o monopólio da força, a criação de legitimidade e a homogeneização da

população dos súditos (Weber apud Carvalho, 2000b, p. 23).

No período imperial existiam dois partidos políticos com ideologias semelhantes: o

Conservador e o Liberal. O primeiro defendia os interesses da burguesia reacionária prove-

niente dessa mesma classe, dos donos das terras e senhores de escravos (domínio agrário),

enquanto o segundo defendia os interesses da burguesia progressista, representada pelos

comerciantes (domínio urbano) (p. 182). Afirma Carvalho que, até 1837, não se pode falar

em partido político no Brasil, existindo apenas a maçonaria.

No período colonial, assim como na República Velha (1890-1930), a grande maioria

da população ficou excluída dos direitos civis e políticos, com um reduzido sentimento de

nacionalidade. Isso não significa que não houve resistência por parte de alguns grupos

oposicionistas (abolicionistas, separatistas, monarquistas, anti-republicanos, luta pela ter-

ra...). Eram muitas as formas de luta, no entanto todos os movimentos foram duramente

reprimidos e aniquilados pelo poder central: a Balaiada no Maranhão e a Cabanagem no

Pará (a mais violenta, que vitimou 30 mil pessoas), a Farroupilha no Rio Grande do Sul,

além de Canudos na Bahia, o Contestado em Santa Catarina e a Revolta da Vacina no Rio

de Janeiro, são alguns exemplos de revoltas localizadas.

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TEORIA POLÍTICA

11.2.2. UMA REPÚBLICA SEM POVO

Assim como a emancipação política (Independência), a Proclamação da República

brasileira apresentou características sui generis ao ser instituída, haja vista o seu caráter

golpista e elitista. O povo, por sua vez, não só não participou como foi pego de surpresa com

a proclamação do novo regime. A frase de Aristides Lobo é bastante elucidativa: “O povo

assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acre-

ditavam sinceramente estar vendo uma parada militar” (Lobo, apud Carone, 1969, p. 289).

Sobre o caráter golpista da Proclamação da República, assim também se expressou Murilo

de Carvalho (2002): “Além disso, o ato da Proclamação em si foi feito de surpresa e coman-

dado pelos militares que tinham entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias

antes da data marcada para o início do movimento” (p. 80)

O processo eleitoral (participação política) entre os eleitores durante os períodos im-

perial e republicano foi insignificante. De 1822 até 1881 votavam apenas 13% da população

livre. Em 1881, privou-se o analfabeto de votar. De 1881 até 1930 – fim da Primeira Repúbli-

ca –, os votantes não passavam de 5,6% da população. Foram 50 anos de governo, imperial

e republicano, sem povo.14

Assim, até o final da República Velha (1930), a participação política popular foi restri-

ta. Não havia propriamente um povo politicamente organizado, nem mesmo um sentimento

nacional consolidado. Os grandes acontecimentos na arena política eram protagonizados

pela elite, cabendo ao povo o papel de mero espectador, assistindo a tudo sem entender

muito bem o que se passava.15

14 Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral, tem-se os seguintes dados: em 1950 – 16%; 1960 – 18%; 1970 –24%; 1986 – 47%; 1989 – 49%; 1998 – 51% (Carvalho, 2000b, p. 17).

15 Nos anos de 1920 a 1930, boa parte da intelectualidade, como Alberto Torres, Francisco Campos, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral,defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias. Para Alberto Torres, “a sociedade brasileira eradesarticulada, não tinha centro de referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado organizá-la e fornecer-lhe esse propósito”(apud Carvalho, 2002, p. 93).

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Seção 11.3

Os vícios das instituições e da cultura política brasileira

Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e

republicano, mas, de certa forma, nossa história política atual, está ligado aos “males” ou

“vícios”, como o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo, o populismo e o personalismo

das nossas instituições e lideranças políticas.16 Por exemplo, segundo DaMatta (2000), o

populismo está vivo, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. As lideranças

políticas carregam consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento messiânico,17

que tem suas longínquas raízes históricas no sebastianismo português. Vive-se ainda na

esperança de que algum “herói sagrado”, ou um “salvador da pátria”, desça do Olimpo e

resolva os problemas da população. Como bem afirma Renato Janine Ribeiro (2000, p. 66),

as pessoas carregam a “expectativa messiânica no surgimento de algum pai da pátria que

as livrará do desamparo”. É preciso parar de esperar por um milagre sobrenatural: “a ques-

tão brasileira é a necessidade da laicização” (p. 80). DaMatta, igualmente, trata da espe-

rança messiânica da sociedade brasileira ao afirmar que “espera-se um salvador da pátria”

(p. 104).18

Depende-se sempre de um líder: “Já que somos incapazes de construir nossa grande-

za, quem sabe se um novo Dom Sebastião não o pode fazer por nós” (Carvalho, 2000b, p.

24). Este autor insiste na herança lusitana, que encontrou terreno fértil por estas paragens

16 O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo Roberto DaMatta (2000, p. 94): “O Brasil, até hoje,combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”. Investigação de opinião realizada nos últimos 20 anosna América Latina tem mostrado que mais de 60% dos eleitores, na hora de escolher seu candidato, levam em consideração muito maisa pessoa do candidato e não o partido ao qual pertence (apud Baquero, 2004, p. 156).

17 Entende-se por messianismo a esperança da salvação coletiva posta nas mãos dos indivíduos vistos como dotados de dons especiais.

18 Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (2000), tratou, igualmente, das origens da sociedade e da cultura política brasileira,vendo nelas a continuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal), que priorizavam uma cultura personalista (responsabilidadeindividual) na qual imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e políticas, deixando os interesses coletivos em segundo plano.Buarque de Holanda tratou, ainda, da repulsa ao trabalho, em que o ócio é mais importante do que o negócio. E da promiscuidade entreo público e o privado na vida política do país.

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TEORIA POLÍTICA

para crescer e proliferar: o exemplo mais evidente foi, e continua sendo, a promiscuidade

entre o público e o privado; assim, corrupção, clientelismo e patrimonialismo parecem se

perpetuar na terra brasilis.19

A análise de Caio Prado Júnior evidencia, da mesma forma, alguns vícios da política

brasileira, como o clientelismo e a dependência da metrópole.20

No período colonial, cerca de 60% da população ainda vivia no litoral, mas, aos pou-

cos, houve uma migração para o interior (ciclo da mineração); esta, porém, com a decadên-

cia desse modelo econômico, volta-se para o litoral novamente. A economia, no período

colonial, era baseada na monocultura junto com o trabalho escravo. A Colônia devia forne-

cer matéria-prima à metrópole, deixando a maioria da população brasileira com os parcos

excedentes. Quanto à organização social do Brasil, era constituída de escravos (totalmente

excluídos) e mulatos (com possibilidade de ascender socialmente por intermédio da Igreja).

Caio Prado Júnior buscou explicitar, igualmente, a base material do Brasil, evidenciando os

pecados capitais do país: latifúndio, monocultura, afã fiscal da metrópole, trabalho braçal/

desqualificação e escravidão.

Na Evolução política do Brasil (1993), Prado Júnior tratou da Colônia e do processo de

ocupação da terra pelas capitanias, para ele “um ensaio de feudalismo que não deu certo”.

No Império estimulou-se a agricultura e a pecuária, mas acabou prevalecendo o clientelismo

político com a doação de sesmarias. O clientelismo não foi uma prática recorrente apenas

do Brasil Colonial. Encontramos tal vício em diferentes momentos do cenário político, evi-

denciado, inclusive, nas últimas eleições gerais (2006). Esse fenômeno é mais amplo e atra-

vessa toda a história política do país. É um tipo de relação que envolve a concessão de

19 “O Estado português delegou poderes da metrópole, preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se [...]. O patrimonialismotambém não sofreu contestação no momento da independência, graças à natureza do processo de transição” (Carvalho, in: Cordeiro;Couto, 2000, p. 24). Da mesma forma, para Raymundo Faoro (2001), o patrimonialismo é um dos principais eixos da cultura políticabrasileira. Com a instituição do capitalismo, surgiu um Estado de natureza patrimonial, cuja estrutura estamental gerou uma elitedissociada da nação: o patronato político brasileiro, que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático oudos “donos do poder”. O sistema patrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão da casado soberano. Para Faoro, essa estrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o Estado Novo (Baquero, 2006).Sobre o clientelismo, conferir o trabalho de Andrade (2005).

20 Caio Prado Júnior (1907-1990), em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1994), discorreu acerca do povoamento do Brasil,do Tratado de Tordesilhas e do Tratado de Madri. No Norte, segundo o autor, prevaleceu a cultura do cacau e da Companhia de Jesus;em São Paulo, o bandeirantismo. Refletiu ainda sobre a aliança entre Espanha e Portugal.

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benefícios públicos entre atores políticos. O clientelismo aumentou com o fim do coronelismo,

quando a relação passa a ser diretamente entre políticos e setores da população, sem a

intermediação do coronel, que perdeu sua capacidade de controlar os votos da população.

Na vigência do coronelismo o controle do cargo público era visto como importante instru-

mento de dominação e não como simples empreguismo. O emprego público irá adquirir

importância como fonte de renda nas relações clientelistas (Carvalho, 1997).

A questão do coronelismo, outra característica da política brasileira, foi tratada por

Victor Nunes Leal na obra Coronelismo, enxada e voto, publicada originalmente em 1948.

Na concepção de Leal, o coronelismo é visto como um sistema político, uma complexa rede

de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromis-

sos recíprocos. Leal se expressa da seguinte forma: “o que procurei examinar foi, sobretudo,

o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me preocu-

pava era o sistema, a estrutura e as maneiras pelas quais as relações de poder se desenvolvi-

am na Primeira República, a partir do município” (Leal, apud Carvalho, 1997).

O autor tratou da relação entre o poder local e o poder nacional, na qual o coronelismo

estava inserido. Para ele, o coronelismo surge dentro de um contexto histórico específico,

incrustado na conjuntura política e econômica do Brasil no período da República Velha

(1889-1930). No âmbito político cria-se o federalismo, que fora instituído em substituição

ao centralismo imperial. A partir do federalismo criou-se um novo ator político com amplos

poderes, o presidente de Estado. No âmbito econômico, segundo Leal, vivia-se a decadência

dos fazendeiros, que também é comentada por Carvalho:

Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus

dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado,

que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo

era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava

o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel.21

21 O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se disponível em http://www.scielo.br/scielo. Acesso em 10 mar. 2005.

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TEORIA POLÍTICA

Fica explícito, a partir das considerações de Leal, que o coronelismo foi um sistema

político nacional baseado na “troca de favores” entre o governo central e os detentores do

poder local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como

um caminho de mão dupla, ou seja, um necessitava do outro para sobreviver:

O governo estadual garantia, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais,

sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a profes-

sora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima,

os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste seu

domínio no Estado. O coronelismo é a fase de processo mais longo de relacionamento entre os

fazendeiros e o governo (Leal, apud Carvalho, 1997).

Leal (1975) seguiu a definição de Basílio de Magalhães para explicar a origem do

conceito de coronelismo no Brasil:

o tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer

chefe político, a todo e qualquer potentado, até hoje recebem popularmente o tratamento de

“coronéis” os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partidos

de maior influência na comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de campanário (p. 20-21).

Leal acredita que o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganiza-

ção dos serviços públicos locais sejam características próprias do coronelismo. Ao coronel

estão ligados o voto de cabresto e a capangagem (p. 23).

Os trabalhadores rurais, desprovidos de qualquer estrutura que lhes possibilitasse

mudança de vida, eram dependentes do coronel: “completamente analfabeto, ou quase,

sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras,

o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é

dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece” (p. 25).

A troca de favores era a essência do compromisso coronelista, que consistia em apoiar os

candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais: “enquanto que, da parte da

situação estadual, vinha carta branca ao chefe local governista (de preferência o líder da

facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomea-

ção de funcionários estaduais do lugar” (p. 50).

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TEORIA POLÍTICA

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Ao concluir esta seção, constata-se que muitos outros vícios permanecem na vida po-

lítica brasileira. São necessárias, além da participação dos setores organizados da sociedade

civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, outras formas de controle e responsabilização

dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o

conceito de accountability, “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis, autori-

dades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus

atos”. O accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e go-

vernados) e horizontal, quando poderes externos podem punir o próprio governo. Por meio

da autonomia dos poderes, autoridades estatais podem controlar o próprio poder, empreen-

dendo ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive impeachment,

conforme o caso.22

Seção 11.4

Os direitos sociais emergem quando os direitos civis e políticos fenecem

A partir dos anos 20 inicia-se, paulatinamente, uma nova era na história política na-

cional. Os tempos agora são outros, influências internas, como o processo crescente de

urbanização e industrialização, o aumento do operariado, a criação do Partido Comunista e

a Semana de Arte Moderna, bem como influências externas, como a crise da Bolsa de Valo-

res de Nova York, acabam modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. Assim,

na década de 30 o Brasil vê emergir, gradativamente, os direitos sociais: “A partir desta data,

houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais rápido”

(Carvalho, 2002, p. 87), principalmente com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria

e Comércio e a Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943.23 Fica evidente que, no Brasil,

os direitos sociais não foram conquistados, mas conseqüência de concessões de governos

22 Ver estudos de Marenco dos Santos (2003) e O’Donnell (1998).

23 Diferentes autores que tratam do tema da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são unânimes em afirmar que essa legislação foi,em grande parte, copiada da “Carta del Lavoro” adotada pelo regime fascista italiano.

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TEORIA POLÍTICA

centralizadores e autoritários. Os sindicatos foram atrelados ao Estado de aspiração fascis-

ta. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois em 1937 Vargas instaura uma ditadura apoiada

pelos militares, instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Logo após esse período

o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo como principal

característica política o populismo e o nacionalismo.

Depois da breve experiência democrática o Brasil entrou, do ponto de vista dos direitos

civis e políticos, nos anos mais sombrios da sua História, o da ditadura militar. Houve perse-

guição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos das principais lideranças po-

líticas, sociais e religiosas. Os Atos Institucionais (AIs) deram a tônica do governo. O AI 1,

de 1964, cassou os direitos políticos. O AI 2, de 1965, aboliu a eleição direta para a Presi-

dência da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu

um sistema bipartidário. Já o AI 5, de 1968, foi considerado o mais radical de todos, o que

mais fundo atingiu direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado, passando o presiden-

te, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o habeas corpus para

crimes contra a segurança nacional (Carvalho, 2002, p. 162), houve cassações de manda-

tos, suspensão de direitos políticos de deputados e vereadores, além da demissão sumária de

funcionários públicos, censura à imprensa e a instituição da pena de morte por fuzilamento.

No que se refere aos direitos sociais, percebe-se que houve uma sensível melhora na

época dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fun-

do de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

(FGTS), Banco Nacional de Habitação (BNH) e, em 1974, o Ministério da Previdência e

Assistência Social (p. 172).

Aos poucos, porém, o período da ditadura militar dá sinais de esgotamento e os ares de

novos tempos começam a soprar no cenário político do Brasil. Depois da pressão política da

oposição, da opinião pública, de intelectuais, artistas e da população em geral, os militares

deixam o poder, de forma negociada, no ano de 1985. Novos partidos foram criados e a nova

Constituição Federal foi promulgada em 1988. Essa Constituição, apesar da resistência de

alguns setores conservadores da sociedade (como o “Centrão” – deputados que defendiam

as grandes propriedades rurais), foi considerada a mais liberal de todas. O presidente da

Constituinte, Ulisses Guimarães, na época a chamou de “Constituição Cidadã”.

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TEORIA POLÍTICA

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Apesar dos avanços políticos, no entanto, os direitos civis e sociais são deficientes

desde 1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas

taxas de homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em

1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (p. 212). O Judiciário não

cumpre seu papel: além da morosidade nos trâmites e decisões, há, também, um número

reduzido de defensores públicos.

Deu-se no Brasil, diferentemente de outros países, a lógica inversa: primeiro os direitos

sociais, depois os políticos e civis. Como bem argumenta Carvalho:

Aqui primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos

políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os

direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em

outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em

peça decorativa do regime (p. 220).

Além disso, os direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos

direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da popu-

lação. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo” (p. 220).24

Esta Unidade procurou apresentar argumentos que comprovam a difícil construção

da cidadania no país. Como sabemos, o conceito de cidadania sempre esteve e ainda está

ligado à conquista de direitos, tanto civis (individuais), quanto políticos e sociais. Percebe-

se isso na história das civilizações clássicas (greco-romanas); durante a Modernidade (con-

quistas da sociedade liberal burguesa), e, especificamente, o caso aqui exposto (experiência

do Brasil).

Tem-se consciência de que este estudo poderia ter avançado, principalmente no deba-

te teórico atual da questão da cidadania global e da cidadania cosmopolita. Optou-se, po-

rém, por investigar em responder quais os principais obstáculos para a construção da cida-

dania brasileira. Pensa-se, em outra oportunidade, contemplar tais questões.

24 No entendimento de José Murilo de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com base em Marshall(civis, políticos e sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil.

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TEORIA POLÍTICA

Constatou-se que o latifúndio agroexportador do período colonial, bem como o

escravismo e o analfabetismo, marcaram negativamente nossas origens e, até hoje, dificul-

tam avanços no âmbito político-social e econômico. Além dessas, outras razões foram e

continuam sendo entraves para a consolidação das instituições políticas, impedindo os avan-

ços necessários para uma cidadania plena. Na ordem política permanecem ainda algumas

mazelas históricas, como o patrimonialismo (promiscuidade entre o público e o privado), o

personalismo (messianismo), o coronelismo com sua nova roupagem, o clientelismo, além

da corrupção, entre outros...

Percebeu-se também que as conquistas dos direitos no Brasil, comparadas com as de

outros países, deram-se de maneira tardia e inversa. Somente em 1824, mais de 320 anos

após a chegada dos portugueses, aparecem os primeiros direitos civis e políticos (antes disso

estávamos submetidos à lei da Coroa portuguesa). Aos poucos surgiram os direitos sociais,

mas exatamente no momento em que os direitos civis e políticos estavam sendo negados, no

período da ditadura de Vargas (1937-1945) e na ditadura militar (1964-1985).

Por fim, haveremos de concordar com Benevides (1994, 2000), quando este afirma que,

no intuito de reverter a realidade político-social excludente, ou de uma cidadania passiva

ou sem “povo”, é necessário recorrer a mecanismos institucionais, como o referendo, o ple-

biscito e a iniciativa popular para a construção do que a autora chama de uma cidadania

ativa ou democracia semidireta: “Assim, discuto a participação política, através de canais

institucionais, no sentido mais abrangente: a eleição, a votação (o referendo e plebiscito) e

a apresentação de projetos de leis ou de políticas públicas (iniciativa popular), como defen-

do a complementaridade entre representação e participação direta, adoto, em decorrência, a

expressão ‘democracia semidireta’” (1984, p. 10). Embora com grandes dificuldades, é pos-

sível reverter o processo por meio da educação política – entendida como educação para a

cidadania ativa e plena.

Esta Unidade abordou o tema da cidadania com referência ao nosso país.

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TEORIA POLÍTICA

Vicissitudes da Política Brasileira

Esta última Unidade apresenta, de forma sucinta, um debate sobre os principais temas

que estiveram na pauta da política e da opinião pública no segundo semestre do ano de

2007. O capítulo inicia-se tratando do caso Renan Calheiros, presidente do Senado, acusa-

do de quebra de decoro parlamentar, que acabou renunciando à Presidência da Casa para

escapar da cassação. Por duas vezes os senadores absolveram Calheiros. Ainda tratando

sobre os desmandos da política brasileira, apresentamos os “ensinamentos” de Maquiavel

para conquistar e manter-se no poder, exemplo seguido por muitas lideranças políticas atu-

ais. Outro tema que esteve na mídia foi a questão da reforma política: essencialmente, a

questão da fidelidade partidária. Não houve avanços na dita reforma, mas o Supremo Tribu-

nal Federal (STF) ratificou a posição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o voto

dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político. Presenciamos, ainda, o afastamento

do governo Lula da proposta ideológica de seu partido, o PT. Constatou-se que os votos dos

candidatos do PT têm declinado sensivelmente no Congresso Nacional, enquanto o voto

dado ao candidato Lula tem evoluído, caracterizando uma nova onda de populismo, o

lulismo. O tema polêmico da reforma agrária voltou a ser manchete. De um lado, a pressão

do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com ocupações e marchas na

luta pela terra; por outro, as milícias armadas dos fazendeiros. O governo revelou-se, mais

uma vez, omisso, mostrando pouca eficiência nesta problemática. Outros temas, como a

democracia, a questão do Estado, o caráter pouco solidário e a necessidade de construir

capital social no Brasil também foram abordados.

Seção 12.1

O caso Renan e a degeneração da política

A origem da palavra política, a partir de sua etimologia, provém do grego politikos

(pólis, cidade-Estado) e se refere a tudo o que é urbano, civil e público. O homem político é

aquele que não apenas vive na cidade, mas faz desta a sua principal preocupação. E o

Unidade 12Unidade 12Unidade 12Unidade 12

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homem grego era, por excelência, o homem dado aos debates na Agora, aos discursos e às

discussões políticas. Também é da genialidade grega a criação da democracia (demos +

cracia), governo do povo que garantia ao homem a isonomia (igualdade perante a lei), a

isegoria (liberdade de opinião) e a filantropia (fraternidade entre os cidadãos). Por isso o

elogio de Péricles: “Não imitamos a Lei dos nossos vizinhos”; bem pelo contrário, como

testemunha Isócrates: “Estabelecemos entre os outros a nossa Constituição”. Nesse senti-

do, a política entre os gregos destinava-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida.

Como esclarece Prélot (1973), “o fim da política não é, pois, a conquista ou o enriquecimen-

to geral, mas sim a virtude coletiva. Ela não está acima da moral, mas prolonga-se”. Isto é,

a política é a arte de tornar melhor os cidadãos.

Analisando a conjuntura política brasileira de nossos dias, temos assistido exatamen-

te ao inverso da proposta grega sobre o real entendimento da política. Por aqui, os interesses

individuais sobrepõem-se aos coletivos, o bem comum é substituído pelo bem privado e os

vícios e mazelas tão antigos das instituições e da cultura política, como o clientelismo, a

corrupção, o patrimonialismo e, agora, o lobbysmo, é o que domina. Entende-se por lobbysmo

a prática que representa o interesse de grupos (empresas) e procura influenciar nas votações

legislativas e nas decisões dos administradores governamentais. Em outras palavras, o

lobbysmo consiste em dirigir todas as energias de quem o pratica a obstaculizar, emendar e

aprovar as propostas legislativas e as normas das agências reguladoras. Os lobbystas ope-

ram ante governos municipais, estaduais e federais.

Foi o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros (representante das velhas oligar-

quias regionais alagoanas), acusado de utilizar dinheiro de uma empresa privada (empreiteira)

para pagar despesas pessoais. Por isso o Conselho de Ética do Senado recomendou a vota-

ção da perda de mandato de Renan por quebra de decoro. Renan, no entanto, foi absolvido

por duas vezes consecutivas por seus pares no Senado. Com sua absolvição, perde a demo-

cracia, perdem as instituições políticas, também perdem todos os eleitores e cidadãos do

país. Fica apenas o sentimento de impotência misturado com o sentimento de frustração e

impunidade pairando no ar, e a triste constatação de que tudo é possível e permitido no

Brasil: enganar, corromper, apadrinhar, mentir.

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TEORIA POLÍTICA

Por fim, entende-se que a política no seu sentido originário destina-se a garantir a

qualidade e a perfeição da vida, e que, para isso acontecer é necessário que os cidadãos

vivam o bem comum, ou em conjunto ou por intermédio dos seus governantes; se ocorrer o

contrário (a busca do interesse próprio), está formada a degeneração da política. Infeliz-

mente essa é hoje a realidade política brasileira.

Seção 12.2

Maquiavel: o “Old Nick” anda solto!

O renascentista Nicolau Maquiavel (1469-1527) ganhou notoriedade na História e

nas Ciências Sociais por ter escrito O Príncipe (1513-1514), no qual não tratou de questões

e valores espirituais e talvez por esta razão o seu Príncipe tenha sido posto, em 1559, pela

Igreja Católica, na lista de livros proibidos (Índex). É do sentido pejorativo dado pela Igreja

à obra de Maquiavel que surgiu o adjetivo maquiavélico, aplicado a quem tem um procedi-

mento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Em inglês, a expressão “Old Nick” significa, literal-

mente, uma abreviação de “Velho Nicolau”, termo com o qual, na Inglaterra, desde a época

elizabetana, a literatura passou a designar Maquiavel: como o próprio “Velho Diabo”.

O objetivo de Maquiavel era a unificação da Itália. Para isso, precisava de uma lide-

rança política (príncipe) destemida, engenhosa, habilidosa e forte (virtú), mesmo que, para

alcançar este fim, fosse necessário empregar certos meios pouco lícitos (pois os fins justifi-

cam os meios). O príncipe (liderança política) situa-se além do bem e do mal. Em nome do

poder, tudo se justifica: cupidez, rapacidade (avidez de lucro), fraude, dolo, roubo, libertina-

gem, deboche, velhacaria, perfídia, traição, dissimulação. Tudo é permitido desde que se

alcance o resultado desejado; por isso, todos os meios são considerados honestos.

Neste sentido, acredita-se que os “ensinamentos” de Maquiavel e seu Príncipe foram

assimilados e postos em prática por uma boa parte das nossas lideranças políticas atuais.

Muitos o têm como “livro de cabeceira”, um manual de sobrevivência na política. Infeliz-

mente trocou-se a ética pelo ardil, a astúcia e o cinismo. O mau exemplo do Senado brasi-

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TEORIA POLÍTICA

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leiro absolvendo o presidente da Casa, Renan Calheiros, acusado de diversas irregularida-

des (tráfico de influência, enriquecimento ilícito, favorecimento a empresas) e o esforço

empreendido pelo partido do governo para salvá-lo, levam-nos a crer, lamentavelmente, que

as práticas do “Velho Diabo” têm encontrado guarida nos corações e mentes de muitos...

Sim, ele anda solto pelas bandas do “planalto” e até nas mais recônditas “planícies”.

Seção 12.3

(In) fidelidade partidária

A migração partidária ou o conhecido “troca-troca” é a prática seguida pelos políticos

para se “acomodarem-se” em um partido no qual possam tirar proveito pessoal, indepen-

dentemente de manter a fidelidade à legenda pela qual foram eleitos. A infidelidade partidá-

ria tem sido uma marca da política brasileira desde o período da democratização. Essa “na-

turalidade” do “troca-troca”, no entanto, tem causado prejuízos às instituições políticas,

revelando-se a principal causa do descrédito dos políticos diante da opinião pública. Se-

gundo a pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMD, 2007), 81,9% não acre-

ditam nos políticos.

Estudos mostram que, de 1985 a outubro de 2001, quando foi encerrado o prazo de

filiação partidária tendo em vista a eleição de 2002, nada menos que 846 parlamentares,

entre titulares e suplentes, mudaram de partido na Câmara dos Deputados. Traduzindo es-

ses números em percentuais, chega-se a 28,8% dos políticos que assumiram uma cadeira na

Câmara e trocaram de legenda durante o mandato. Nos últimos 12 anos (desde 1995), fo-

ram registradas 854 migrações partidárias – média de 67 por ano. No primeiro mandato do

presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), foram 211. Na segunda gestão (1999-

2002), 302. E, no primeiro Governo Lula (2003-2006), 291. A atual legislatura, que come-

çou em fevereiro (2007), já contabiliza 50 (dados do Acervo da Câmara, publicados na Fo-

lha de São Paulo de 7/10/2007).

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TEORIA POLÍTICA

Segundo o cientista político André Marenco dos Santos, a migração partidária era

insignificante no primeiro sistema multipartidário brasileiro, especialmente entre 1950 e

1962, mas, aos poucos, tem evoluído nas últimas legislaturas: quase 60% dos deputados,

quando eleitos, já haviam pertencido a mais de um partido no mesmo sistema partidário.

Especialmente a partir de 1995, constata-se nitidamente o crescimento de um tipo de migra-

ção que pode ser interpretada, segundo o estudioso, como “adesão ao governo”. Ou seja,

partidos da base aliada acabam sendo cobiçados e inflados por parlamentares da oposição

obcecados por emendas e cargos públicos. Por exemplo, na atual gestão, o PR e o PTB (base

aliada do governo) são os destinos prediletos dos infiéis (oposição). Essas siglas têm juntas,

na Câmara, 80% de suas bancadas formadas por deputados que trocaram de partido com o

mandato em curso.

Por fim, a lúcida decisão dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) em

ratificar a posição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o voto dado pelo eleitor pertence

ao partido e não ao político pode, com o tempo, beneficiar as instituições políticas do país.

O TSE decidiu também que a fixação de regras de fidelidade partidária recaiam sobre os

cargos majoritários: presidente da República, governadores, prefeitos e senadores. Esta de-

cisão foi aprovada e todos os parlamentares que trocaram de partido a partir de 27 de março

de 2007 (quando o TSE decidiu que o mandato pertence ao partido e não ao candidato

eleito) poderão perder o mandato (salvo quando o parlamentar alegar perseguição interna

do partido ou que o partido mudou a sua ideologia).

Seção 12.4

Reforma política: entraves e perspectivas

“Você conhece alguém que fabrica uma chibata para apanhar com ela?”

Ex-deputado João Caldas (PL-AL)

O debate sobre o Projeto de Lei 2.679 de 2003, da chamada reforma política, tem ocu-

pado um lugar de destaque no meio político, na opinião pública e nas organizações sociais

nos últimos anos, no entanto pouco se tem avançado no consenso e na efetividade da mes-

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TEORIA POLÍTICA

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ma. O que temos, até o momento, são apenas dúvidas, desconfianças ou mesmo ceticismo

sobre tal reforma. Diante disso pergunta-se: se a reforma política vier a ser concretizada,

pode-se esperar que ela resolva as mazelas culturais e institucionais da política brasileira?

O Projeto de Lei, elaborado pela Comissão Especial de Reforma Política, dispõe sobre

a fidelidade partidária, pesquisas eleitorais, o voto de legenda em listas partidárias

preordenadas, a instituição de federações partidárias, o funcionamento parlamentar, a pro-

paganda eleitoral, o financiamento de campanha e as coligações partidárias, alterando a

Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei n.º 9.096, de 19 de setembro

de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das

Eleições).

Da forma como a reforma política está sendo proposta, contudo, é pouco provável que

alcance resultados satisfatórios. O próprio presidente Lula acredita que a reforma política só

sairá do papel caso seja convocada uma nova Assembléia Constituinte (paralela), com no-

vos representantes escolhidos pelo povo para tratar especificamente deste assunto. A idéia

também foi defendida pelo próprio PT no último Congresso do Partido. Como se fosse possí-

vel a neutralidade, a isenção e a imparcialidade dos novos constituintes nas tomadas das

decisão: estariam eles defendendo os reais interesses dos eleitores ou continuariam sendo

meros lacaios dos grupos privados?

Considerando o momento atual das instituições e dos atores políticos (alta desconfi-

ança por parte do eleitorado: 82% não confiam nos políticos), são mínimas as chances de

que a reforma política venha a ser realizada, mas, se vier, será pouco provável que alcance o

êxito esperado. Nem mesmo a idéia esdrúxula de convocar uma nova Constituinte resolve-

ria o problema. A frase do ex-deputado João Caldas, do PL de Alagoas, é elucidativa, ou

seja, ninguém vai aprovar um projeto que, daqui a alguns meses, ou nas próximas eleições,

possa prejudicar ou comprometer a sua (re)eleição. Assim, haveremos de concordar com a

afirmação de Benevides: A julgar pelo andar modorrento dos pretensos reformistas, caímos

num círculo vicioso: não consolidamos a democracia porque nos faltam verdadeiros partidos,

não temos partidos porque nos falta a verdadeira democracia. Como nos diria Eça de Queiroz:

estamos bem arranjados.

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TEORIA POLÍTICA

Apesar do quadro desolador, porém, é preciso manter a mobilização e não desacredi-

tar. Como nos ensina Comparato (1993), citando Gramsci: É preciso ser absolutamente pes-

simista no diagnóstico, mas manter a mais acesa esperança na ação. Qual a saída? Acredita-

se que somente com a participação popular e a sociedade civil organizada a reforma política

chegará a bom termo. Sem a participação popular (diálogo com os eleitores), acredita-se

que a reforma política tenderá a manter os vícios culturais e institucionais da política brasi-

leira (personalismo, clientelismo, patrimonialismo e tantos outros “ismos”), vindo a enfra-

quecer ainda mais nossas instituições políticas.

Por fim, a coerente e acertada posição do Supremo Tribunal Federal ao decidir que o

voto dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político (embora não tenha punido os

políticos infiéis) ameniza, em parte, o problema do troca-troca de partido (infidelidade par-

tidária), prática comum no meio político. Somente em 2007 50 parlamentares trocaram de

partidos: 46 deputados na Câmara Federal e 4 senadores (alguns, inclusive, trocando mais

de uma vez de partido).

Seção 12.5

Seria o fim do Petismo?

O Partido dos Trabalhadores (PT) surgiu no início dos anos 80, com uma proposta

ideológica socialista e com bandeiras alternativas aos partidos tradicionais da história polí-

tica brasileira conhecida até então. As lideranças do partido eram provenientes, principal-

mente, dos movimentos sociais, das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), fundamentadas

na Teologia da Libertação (ala progressista da Igreja Católica), de boa parte da

intelectualidade brasileira e, ainda, das principais Centrais Sindicais do país, de onde emer-

giu seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante as décadas de 80 e 90 o PT consolidou-se como um dos principais partidos de

oposição do Brasil, tendo a ética e a luta social como sua principal bandeira. O partido, no

entanto, cresceu e aspirou a maiores possibilidades, inclusive a de chegar ao centro do po-

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TEORIA POLÍTICA

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der (Presidência da República). A expressiva votação do candidato Lula para presidente em

1989, indo ao segundo turno e desbancando nomes como Brizola e Quércia, velhos conhe-

cidos da política brasileira, credenciou o candidato petista a sonhar sim, concretamente,

com o cargo máximo do país, no entanto as derrotas nas eleições gerais de 1994 e 1998,

respectivamente, foram cruciais para mudar os rumos do partido. A mudança da “esquerda”

para o “centro” do espectro político foi uma questão de tempo. O próprio presidente reco-

nheceu, recentemente, a sua própria mudança e a mudança no programa do partido: “Eu

perdi três eleições, e cada eleição que eu perdia, perdia por 15%. Chegou um dia em que

alguém me convenceu de que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar ao

PT, que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar aos 30% ou 35% que eu

tive em todas as eleições. Era preciso que eu me preparasse para ter do meu lado os 15% que

faltavam. E eu me preparei e ganhei a eleição”.

De fato, a evolução do voto petista de 1989 a 2006 foi bastante expressiva: em 1989,

no primeiro turno para a Presidência da República, o partido totalizou 11,6 milhões de

votos, 16,1% do total dos votos válidos. Na segunda tentativa, em 1994, foram 17,1 milhões

(27%); em 1998, 21,4 milhões de votos (31,7%). Sempre faltavam, contudo, alguns percentuais

e, em 2002, depois de uma mudança radical no programa, bem como a formação de alianças

com partidos de centro e até de direita (PL), o candidato Lula somou nada menos do que

39,4 milhões de votos (46,5%) no primeiro turno e venceu as eleições, no segundo turno,

com mais de 52 milhões de votos (61,2%). Em 2006, depois de quatro anos no poder, o

candidato petista fez 46.662 milhões de votos (48,6%) no primeiro turno, e se reelegeu, no

segundo turno, contabilizando mais de 60% dos votos válidos.

E agora, para onde caminha o PT? Voltará as suas origens socialistas ou dará conti-

nuidade ao seu governo de coalizão? O eleitor poderá esperar ainda um projeto de desenvol-

vimento para o país, ou assistirá a práticas de rentismo à elite financeira nacional e interna-

cional e ao assistencialismo aos mais pobres (Bolsa Família)? Ao que tudo indica, depois do

3º Congresso do partido (3/9/2007), a tendência é permanecer “tudo como dantes, no quar-

tel general de Abrantes...”. Embora tenha sido aprovada uma resolução reafirmando o cará-

ter socialista, democrático e popular do partido, parece que nada mudará, pois é preciso

manter tudo “do jeito que está pra ver como é que fica”. No quesito manter as coisas como

estão, o partido até acenou inicialmente para a possibilidade de uma candidatura própria

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TEORIA POLÍTICA

para a Presidência em 2010, mas logo após, pressionado por Lula, amenizou o discurso,

recuou e aceitou a possibilidade de apoiar uma candidatura a partir de partidos da base

aliada (coalizão governista). Aliás, a única “novidade” foi a aprovação do Código de Ética

do partido... Conceito que anda meio escasso ultimamente no próprio PT, bem como no

meio político como um todo. Dentro desta lógica, pode-se afirmar que assistimos, sim, à

morte da ideologia da esquerda do petismo para ficarmos apenas com o “lulismo”, o que

não interessa à democracia brasileira.

Seção 12.6

O Lulismo é maior que o Petismo

Segundo pesquisa do Instituto Sensus (12 de outubro de 2007), a popularidade do

presidente Lula e a aprovação do seu governo continuam altas. A pesquisa encomendada

pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra números positivos, tanto para a

avaliação do presidente quanto para seu governo. Mais de 61,% dos brasileiros aprovam o

governo do presidente Lula e 46,5% avaliam o desempenho do seu governo como positivo.

Apesar das crises e turbulências pelos quais o partido do presidente (PT) passou nos

últimos tempos, a imagem de Lula continua inabalável. Se o cenário político e econômico

se mantiver estável nos próximos anos, é bem provável que, em 2010, o presidente Lula

venha a fazer seu sucessor ao Palácio do Planalto. Alguns nomes já estão sendo cogitados:

Dilma Rousseff, Marta Suplicy e Tarso Genro (do próprio PT), Ciro Gomes ou Nelson Jobim

(da base aliada), ou, quem sabe, o dele próprio (caso mexa na Constituição). Não se descar-

ta, também, a possibilidade de que Lula volte a concorrer à Presidência da República em

2014.

O fenômeno do lulismo pode ser associado a uma nova onda de personalismo (culto à

pessoa) e populismo (fenômeno político caracterizado pela liderança de uma pessoa que

geralmente expressa carisma – popularidade), muito presente no cenário político da Améri-

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TEORIA POLÍTICA

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ca Latina. O culto à pessoa é maior que a ideologia dos seus próprios partidos. Por exemplo,

no Brasil, prevalece a imagem carismática e messiânica do presidente Lula, mesmo que a do

próprio partido, o PT, não vá tão bem assim.

Apesar de ter conquistado a Presidência da República, cinco governos estaduais e ter

eleito a segunda bancada da Câmara dos Deputados (83), percebe-se que os votos dados ao

PT na Câmara Federal têm declinado. Foram 2,1 milhões de votos a menos, se comparados

com as eleições de 2002, quando totalizou 16.094 milhões contra 13.990 milhões de 2006.

Isto significa que o PT perdeu no Congresso Nacional 13% de seu eleitorado entre uma

eleição e outra. As perdas mais significativas deram-se no Sul, 675 mil a menos (-22%) e no

Sudeste, menos 1.90 milhão de votos (-23%). Somente no Estado de São Paulo o declínio foi

de 1.06 milhão de votos (-21,5%). O declínio poderia ter sido maior caso as regiões Norte e

Nordeste do país não houvessem incrementado a votação pró-Lula. No Nordeste (influencia-

do pelo Bolsa Família), o PT fez 374 mil votos a mais (13%) e, no Norte 207 mil votos (31%).

Por outro lado, se traçarmos um paralelo entre o voto petista no Congresso Nacional

com o voto petista para presidente, constatamos que a votação de Lula foi duas vezes maior

do que os votos atribuídos aos candidatos petistas a deputado federal. Lula fez, nas eleições

de 2006, mais de 46 milhões no primeiro turno contra 13 milhões de votos para o Congresso.

Se compararmos ainda os votos recebidos por Lula nas eleições de 2002 com as eleições de

2006, percebe-se que houve um crescimento de 39.455, em 2002, para 46.662, em 2006, um

crescimento de 7.207 milhões de votos (18,26%).

Em síntese, o lulismo pode ser caracterizado como uma forma de administração volta-

da para a manutenção das políticas de mercado (política econômica ortodoxa: controle da

inflação, remessas recordes de lucros ao estrangeiro, benefícios aos banqueiros); do

burocratismo estatal, gerenciado pelos companheiros sindicalistas (45% dos cargos de con-

fiança são compostos por sindicalistas), e pela prática populista assistencial do “Bolsa Fa-

mília” (beneficiando os extremamente pobres). Talvez por essas razões tenha ocorrido a ree-

leição e a manutenção de percentuais de avaliação tão positivos. Por outro lado, o PT não

consegue o mesmo êxito conquistado pela sua principal liderança, o presidente Lula, que

pode sobreviver politicamente sem o PT. Pergunta-se, no entanto: o PT sobreviveria sem

Lula?

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TEORIA POLÍTICA

Seção 12.7

Para que reforma agrária?

Novamente a questão agrária está na pauta das discussões da opinião pública brasi-

leira. reforma agrária, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Via Campesina,

agronegócios, marchas e ocupações conquistam espaço na mídia em geral. Nesse sentido, é

correto afirmar que, no Brasil, a questão agrária é um problema histórico que nos remete ao

período colonial (capitanias hereditárias) e permanece até nossos dias como uma das prin-

cipais mazelas sociais do país. Diante disso, a necessidade de a reforma agrária ser institu-

ída no Brasil se justifica pelas seguintes razões:

a) Gera desenvolvimento. Enquanto os Estados capitalistas desenvolvidos efetivaram a

reforma agrária diversas vezes no tempo e nos referidos espaços territoriais (pois entendi-

am que a distribuição da terra beneficiava o próprio sistema), o Estado brasileiro opta

pelo atraso, trata a reforma agrária com desdém e até com coação e violência. Foi o caso

da infeliz, retrógrada e inconseqüente afirmação do subcomandante-geral da Brigada

Militar do Rio Grande do Sul, coronel Paulo Roberto Mendes (20-9-2007), ao pedir o fim

da marcha dos sem-terra à fazenda Guerra, no município de Coqueiros do Sul (314 km de

Porto Alegre): “Estou fazendo este pedido para que a marcha seja parada pela força da lei,

antes que seja parada pela força da bala”. Entende-se que no Estado Democrático de

Direito o indivíduo tenha, perante o Estado, não só direitos privados, mas também direi-

tos públicos. O Estado de Direito é o Estado dos cidadãos (Bobbio, 2000). Assim sendo, a

função do Estado é garantir os direitos públicos de todos e não apenas os direitos priva-

dos de poucos.

b) Resolve o problema da concentração da terra. Existem mais de 371 milhões de hectares

disponíveis para a agricultura no país, mas o que é otimizado para a produção é coisa

ínfima; além do mais, metade dessa área é adequada para a criação de gado. Ao mesmo

tempo em que a vocação do Brasil é a agricultura, tem-se uma população faminta. Dados

estatísticos mostram que quase metade da terra cultivável está nas mãos de apenas 1%

dos fazendeiros (poucos), enquanto uma pequena parcela, menos de 3% da terra, perten-

ce a 3,1 milhões de produtores rurais (muitos). Dados do Instituto Nacional de Coloniza-

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TEORIA POLÍTICA

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ção e Reforma Agrária (Incra) comprovam, igualmente, que cerca de 10% dos 4,9 milhões

de imóveis rurais cadastrados no Brasil correspondem à média e grande propriedade, ocu-

pando quase 80% da área total das terras cadastradas. Já os pequenos imóveis, que repre-

sentam cerca de 90%, ocupam pouco mais de 20% dessa área total.

c) Os minifúndios são produtivos, o latifúndio não. Indicadores comprovam que os peque-

nos agricultores produzem mais. Boa parte dos alimentos vem dos proprietários que pos-

suem até 10 hectares de terra. Dos donos de mais de 1.000 hectares sai uma parte relativa-

mente pequena do que se come. Ou seja: eles produzem menos, embora tenham 100 vezes

mais terra. O latifúndio (agronegócio) produz monoculturas de exportação, gera poucos

empregos, agrega pouco valor e os lucros não são socializados. Neste quesito, percebe-se

que o governo Lula tem priorizado mais o avanço do agronegócio no Brasil do que a

agricultura familiar. Este setor foi o que mais recebeu incentivos do governo. Por exemplo,

no plano safra 2006/2007 foram cerca de R$ 50 bilhões destinados aos grandes produtores.

d) Ajuda a resolver os problemas sociais. É importante que as pessoas possam viver no

campo tendo condições dignas de plantar e colher. Se as nossas cidades já apresentam

déficits habitacionais, saneamento, educação e emprego, imaginem se a população urba-

na se expandiu drasticamente: não aumentaria o desemprego, a marginalidade, a violên-

cia? O que faremos se o êxodo rural acentuar-se ainda mais? Como serão nossas cidades?

Por esses e outros motivos acreditamos que a reforma agrária, junto com outras políti-

cas mais audaciosas, possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social, além de

fortalecer a democracia do Brasil; sem reforma agrária estamos fadados ao atraso econômi-

co, político e social.

Seção 12.8

Os desafios da democracia na América Latina

Vive-se um momento peculiar no cenário político nacional. A eleição geral de 2006 foi

a quinta eleição direta consecutiva para presidente da República. Isso representa um avan-

ço na história política do Brasil, profundamente marcada por governos oligárquicos, populistas

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TEORIA POLÍTICA

e autoritários. Ao concluir o segundo mandato do governo Lula, completam-se 24 anos de

democracia ininterrupta. Algo inédito até então. É preciso, no entanto, aprimorar o regime

democrático, resolvendo os problemas de ordem estrutural (econômico e social).

É possível afirmar que se conquistou, no Brasil, até o momento, uma democracia for-

mal poliárquica (eleições livres e freqüentes; liberdade de expressão; fontes de informações

diversificadas; autonomia para associações e cidadania inclusiva), segundo o pensamento

de Robert Dahl, entretanto, como questiona Saramago, “até que ponto se permite que esse

sistema seja substancial?”, isto é, alcançamos uma democracia eleitoral e suas liberdades

básicas; trata-se, agora, de avançar para a consolidação de uma democracia cidadã e inclu-

siva (é preciso passar da condição de meros espectadores para a de cidadãos participantes).

A democracia é muito mais que um regime governamental, é mais do que um método para

eleger e ser eleito. O sujeito, mais do que eleitor, é cidadão. De que adiante democracia se os

problemas sociais e econômicos da maioria da população ainda persistem?

Talvez por isso, segundo a pesquisa do PNUD (Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento, 2004) feita na América Latina, 54,7% dos cidadãos estariam dispostos a

aceitar um regime autoritário se este resolvesse a situação econômica de seus países e res-

pondesse as suas demandas sociais; 56,3% avaliam que o desenvolvimento é mais importan-

te que a democracia e 58,1% concordam, também, que o presidente possa ignorar as leis

para governar. A democracia ideal pressupõe que a participação pública e o espírito cívico

dos cidadãos (associativismo, confiança e cooperativismo) sejam aprimorados em busca de

justiça social e da emancipação humana. E mais, como observa Hélgio Trindade: “A cons-

trução da democracia participativa supõe uma combinação entre cidadania democrática e

representação política plena” (2003).

A democracia latino-americana não pode ser uma democracia que facilita os procedi-

mentos, porém fracassa, para proporcionar liberdades cívicas e garantir os direitos huma-

nos, a que Larry Diamond denomina democracia iliberal (illiberal democracies), ou, ainda, a

que Marcello Baquero chama de democracia inercial: com inexistência de instituições sóli-

das, comportamento político emocional e subjetivo, falta de fiscalização e predomínio de tra-

ços clientelísticos, personalistas e patrimonialistas entre os representantes eleitos. É necessá-

rio que se estruture na América Latina, nas palavras de Pablo González Casanova, uma de-

mocracia dos de baixo, em que os pobres vejam garantida a segurança social e econômica.

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TEORIA POLÍTICA

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Além do autoritarismo democrático que se vive na cultura política latino-americana,

pode-se afirmar que impera uma típica democracia delegativa (Guillermo O’Donnell). Isso

significa afirmar a existência de frágeis instituições políticas, em que se sucedem crises de

ordem socioeconômica (sucessivos planos econômicos), deterioração da autoridade presi-

dencial, corrupção do aparelho do Estado e violência generalizada. Isto é, a responsabilida-

de pelo sucesso ou fracasso de suas políticas é exclusiva do presidente da República que,

com a sua equipe pessoal, são o alfa e o ômega da política (o presidente isola-se da maioria

das instituições políticas) e os problemas da nação são tratados por técnicos e burocratas,

especialmente no que se refere à política econômica. A oposição e a resistência das ruas, da

sociedade, do Congresso ou de associações de representação de interesse são silenciadas ou

ignoradas. Prevalecem a centralização política e a personificação do poder do presidente, o

que Hélgio Trindade chama de hiperpresidencialismo: “o presidente se considera legitimado

por um poder delegado pelo voto para implementar, por mecanismos autoritários, suas deci-

sões políticas” (2003).

A democracia pressupõe, igualmente, alternância de poder. A proposta de eleição

ininterrupta de Hugo Chávez na Venezuela e a cogitação de um plebiscito para o terceiro

mandato de Lula no Brasil diminuem as chances da consolidação e do fortalecimento da

democracia no continente.

Seção 12.9

Mais Estado e menos mercado

Nos anos 90 a América Latina passou por profundas reformas estruturais (neoliberais),

a partir das políticas de livre mercado impostas pelo Consenso de Washington. Fizeram par-

te desse programa de reestruturação (ajustes) a reforma administrativa e previdenciária, que

exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal; a redefinição do papel do Estado na eco-

nomia, que causou, ao contrário do que seus defensores alardeavam, recessão econômica,

ingresso do capital externo, desemprego, aumento do trabalho informal, conflitos sociais,

flexibilização dos direitos trabalhistas, precariedade e, ao mesmo tempo, o desmonte dos

sistemas de seguridade social, de saúde e de educação.

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TEORIA POLÍTICA

No Brasil, as políticas de reestruturação do Estado ocorreram em meados dos anos 90.

A principal delas foi a chamada reforma administrativa, também conhecida como reforma

“Bresser-Pereira” (coordenada por Luiz Carlos Bresser-Pereira, então ministro da Adminis-

tração Federal e da Reforma do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso).

Mais tarde, contudo, o próprio Bresser-Pereira, em artigo publicado na Folha de São

Paulo (2002), reclamava da baixa confiança dos mercados internacionais perante a econo-

mia brasileira e da sua vulnerabilidade diante das constantes crises econômicas mundiais.

Talvez por isso Bresser-Pereira tenha lamentado que sua Reforma Administrativa não tivesse

alcançado os resultados esperados. Em suas palavras: “cumprimos uma parte desse progra-

ma, mas, em vez de reconstruir financeiramente o Estado, endividamo-lo ainda mais”. Em

relação ao processo de privatização, Bresser também reclamou: “em vez de privatizarmos

apenas setores competitivos, privatizamos também monopólios naturais”. No Brasil, houve

a “flexibilização” do mercado e a multiplicação da dívida: “em vez de controlar a entrada de

capitais e reduzir a dívida externa, ampliamo-la; ao invés de mantermos um câmbio relati-

vamente desvalorizado, como fizeram todos os países que iniciavam seu desenvolvimento,

deixamos que a entrada de capitais valorizasse nossa moeda e aumentasse artificialmente

salários e consumo”. Seguimos, de joelhos, as normas das instituições internacionais: “E

tudo, nos anos 90, com o apoio do FMI, do Banco Mundial e dos mercados financeiros

internacionais”, conclui Bresser-Pereira.

A política das privatizações foi a principal medida das reformas estruturais, as quais

reduziram, consideravelmente, o tamanho e a função do Estado. O Brasil, desde os anos 90,

tem privatizado mais de 70% de suas empresas estatais. Essa política, no entanto, tem en-

contrado resistência na opinião pública: até há pouco tempo os serviços prestados por em-

presas públicas eram considerados ineficientes, de baixa qualidade e mal administrados. Por

outro lado, os serviços prestados pela iniciativa privada eram sinônimos de qualidade e con-

fiança. Essa percepção parece estar mudando em nossos dias. Segundo dados do Instituto

Ipsos, a maioria do eleitorado brasileiro prefere que o Estado controle os serviços, além do

que 62% se mostraram contrários à política de privatizações. Apenas 25% a aprovaram.

Podem-se atribuir esses percentuais, entre outras razões, ao alto custo e à questionável

qualidade dos serviços privados, principalmente nos setores da energia elétrica, telefonia,

estradas, água e esgoto.

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Se, nos anos 90, presenciamos a uma onda que pregava o afastamento do Estado das

funções e do gerenciamento dos serviços públicos, agora pede-se que o Estado volte e cum-

pra sua função social. Segundo a mesma pesquisa, 74% acreditam que o Estado deve ser

responsável pelos serviços essenciais da população. Em síntese, a maioria da população

quer um Estado forte com maior proteção social.

Seção 12.10

O caráter individualista e pouco solidário do brasileiro

O Informe do Latinobarômetro 2007, mediante um estudo realizado em 18 países da

América Latina, revelou que, entre 2003 e 2007, o desempenho econômico e social dos lati-

no-americanos tem melhorado nos últimos anos. Houve uma redução da pobreza, diminui-

ção do desemprego, melhor distribuição de renda, redução da inflação e um aumento no

nível de consumo da população. Por outro lado, os percentuais ligados à dimensão da soli-

dariedade têm piorado. O estudo mostra que, ao se examinar efetivamente as atitudes indi-

viduais da região, esta se situa como pouco solidária e individualista (as pessoas têm-se

ocupado apenas com seus próprios problemas e não tratam de ajudar os outros). Há uma

evidente tensão entre as atitudes coletivas e as atitudes individuais. Entre os mais solidários

encontram-se os venezuelanos e porto-riquenhos. Os chilenos, equatorianos e paraguaios

são os mais individualistas. Os brasileiros ocupam a 11ª colocação no quesito solidarieda-

de, ficando abaixo da média dos demais países do continente.

Aliás, esse caráter pouco solidário do brasileiro não chega a ser novidade. Já em mea-

dos do século passado, Oliveira Vianna (1955) havia percebido tal característica. O autor

considerou o insolidarismo como o traço mais marcante de nossa gente, razão pela qual

defendia o papel coativo e educador do Estado na formação do que ele chamava de um

comportamento culturológico, capaz de sobrepor-se ao espírito insolidarista. Vianna escre-

veu Instituições políticas brasileiras (1955), no qual efetuou, na segunda parte, intitulada

Morfologia do Estado, um estudo pertinente sobre o significado sociológico do antiurbanismo

colonial (gênese do espírito insolidarista).

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TEORIA POLÍTICA

Para o autor, o espírito insolidarista tem sua origem nos primórdios da “colonização”.

Dessa maneira criou-se, no Brasil, o homo colonialis, tendo como característica fortes traços

de individualismo e desconfiança: “um amante da solidão, do deserto, rústico e antiurbano”.

Na questão do trabalho o homem brasileiro, comparado com outros homens do mundo,

caracterizou-se pelo particularismo e individualismo: “O trabalho agrícola, em nosso país –

ao contrário do que aconteceu no mundo europeu – sempre foi essencialmente particularista

e individualista: centrifugava o homem e o impelia para o isolamento e para o sertão” (1955,

p. 151). Não houve a formação da solidariedade social, hábitos de cooperação e de colabo-

ração, nem mesmo espírito público. O que houve, na verdade, foi uma solidariedade social

negativa. Em relação a outros povos latino-americanos, e também na formação social e

econômica, o brasileiro é, segundo Vianna, essencialmente individualista, não necessita da

ajuda comunitária e vive de forma isolada. Estas manifestações têm raiz na tradição cultu-

ral. O que existe, no Brasil, é apenas uma solidariedade parental, isto é, desde que se man-

tenham os interesses fechados entre as famílias dominantes: “Essa solidariedade interfamiliar

e clânica é, assim, peculiar e exclusiva à classe senhorial” (p. 272).

No âmbito do comportamento político-partidário percebe-se, igualmente, a carência

de motivações coletivas. Além disso, são muitas as citações em que Oliveira Vianna queixa-

se da inexistência da cooperação do povo do Brasil, da sua escassa participação na vida

pública, que se mantém desde o Império até a República e, porque não dizer, até os nossos

dias. Por fim, o pioneirismo dos estudos de Oliveira Vianna, mais os dados do Informe do

Latinobarômetro 2007, evidenciam que práticas individualistas e insolidárias persistem nas

relações interpessoais dos brasileiros. Sem a dimensão da solidariedade, do civismo e do

espírito público, o projeto da construção de um Estado-nação estará sendo novamente adia-

do, ou, na pior das hipóteses, suplantado.

Seção 12.11

O Capital Social: um ingrediente a ser considerado

A aplicabilidade das políticas neoliberais globalizantes trouxe relações verticais auto-

ritárias, impostas pelas leis do mercado, que obtiveram crescimento econômico pouco signi-

ficativos e, conseqüentemente, levaram a um agravamento dos problemas sociais em boa

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TEORIA POLÍTICA

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parte dos países latino-americanos. Como resposta, suscitou a criação e o fortalecimento de

antigos e novos movimentos sociais contestatórios, que passam a utilizar os benefícios do

capital social, proliferando relações horizontais de confiança mútua, redes de cooperação,

associativismo e voluntarismo. Desta maneira, o capital social tem sido um instrumento

eficiente para se contrapor à hegemonia da política econômica e, aos poucos, indicar novas

relações sociais que direcionam para um novo modo de agir, mais solidário e participativo,

fortalecendo a sociedade civil e o processo democrático.

Ao mesmo tempo que se constata uma desilusão com o desempenho da democracia,

bem como um elevado descrédito e desconfiança dos cidadãos diante do desempenho dos

governantes e instituições políticas, nada melhor que, por meio do capital social, se possa

pensar estratégias que recuperem a credibilidade das instituições ante as demandas e exi-

gências dos cidadãos contribuintes. Nesse sentido, há uma conclusão geral, aceita no meio

acadêmico, de que a consolidação e solidez da democracia de um país dependem de uma

sociedade civil dinâmica e participativa, orientada para a valorização das normas democrá-

ticas, baseada na ética, na moral e nos costumes. Como afirma Baquero (2006), o capital

social, diante da crise por que passam as instituições democráticas, surge como um bem

público capaz de gerar um novo contrato social, baseado na cooperação recíproca, solidária

e coletiva.

O debate em torno do capital social não é propriamente novo nas Ciências Sociais.

Teóricos, como Adam Smith, Tocqueville e Coleman, já haviam sugerido que, quanto maior

a participação dos indivíduos em associações comunitárias, com a valorização das normas e

regras democráticas, maior seria a contribuição positiva para o funcionamento e consolida-

ção da democracia. É, no entanto, com a obra Making democracy work: civic traditions in

Modern Italy (1993), de autoria do cientista político norte-americano Robert Putnam, que o

conceito ganha notoriedade no meio acadêmico. Putnam investigou, por mais de 20 anos,

as instituições públicas e a diferença do funcionamento do sistema democrático italiano. Os

resultados evidenciaram que, em algumas regiões (Norte), foi possível o bom funcionamen-

to da democracia; em outras (Sul) não se evidenciou o mesmo sucesso em razão justamente

do sentimento de solidariedade e do engajamento em associações comunitárias no primeiro

caso e sua ausência no segundo.

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TEORIA POLÍTICA

Por fim, é importante mencionar que, nos últimos anos, a temática do capital social

tem evoluído para um nível de acalorados debates entre os teóricos das Ciências Sociais:

alguns o têm empregado como instrumento para suas pesquisas, outros se empenham na

crítica e na contestação do conceito. O certo é que a análise do capital social continuará

sendo, por um bom tempo, uma inspiração teórica entre os cientistas sociais (para o bem e

para o mal).

Esta Unidade final faz uma análise crítica da política brasileira. Ela está situada no

fim do livro para que o leitor, acompanhando o quadro político brasileiro, pudesse refletir

sobre como as teorias políticas das Unidades precedentes podem explicar (se puderem) tal

quadro. Depois de ter lido uma introdução à história do pensamento político, com quais

“olhos” o leitor percebe a realidade política brasileira atual? É possível aplicar as teorias

analisadas para explicar o caso brasileiro? Ou os pensadores e teorias nada têm de relevante

para nossa realidade?

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