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1 A NOVA DIMENSÃO DA COMPETITIVIDADE: “ TERRITÓRIO” , “ CAPITAL SOCIAL” E “ ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS” (APL) Lucas Labigalini Fuini 1 UnespRio Claro / Mestrado em Geografia / [email protected] 1 – INTRODUÇÃO A dinâmica atual da globalização tem direcionado a atividade econômica, por meio de processos de reestruturação produtivos e organizacionais, a novas dinâmicas espaciais que colocam sobre as regiões produtivas a necessidade de modificações tecnoeconômicas como forma de adaptação a novos patamares de competitividade. Desse modo, sobretudo a partir do final dos anos 70, se torna mais claro para os estudiosos que a noção de competitividade incorpora também fatores situados fora do âmbito das empresas, considerando então, as externalidades infraestruturas, aparato político institucional e regulatório, centros de educação e formação, mãodeobra qualificada e os elementos não mercantis práticas cooperativas não formais, aparatos institucionais. Nesse sentido, alguns autores (PORTER, 1999, BENKO, 1996) acabaram descobrindo na dimensão territorial um elemento ativo da vantagem competitiva, visto que as indústrias mais competitivas de uma nação se concentram geograficamente em certas cidades e regiões na forma de aglomerados (clusters), consideradas como as regiões ganhadoras. Resumindo, pois, tal discussão, a problemática central a ser respondida é a seguinte: Por que algumas regiões produtivas alcançaram sucesso competitivo em seu segmento respectivo, enquanto outras localidades sucumbiram ao peso da concorrência nacional e internacional? A hipótese aqui aventada é que algumas regiões se tornam mais competitivas que outras, em seu segmento particular, porque conseguem mobilizar por meio do território recursos específicos diretamente relacionados ao tipo de construção social, histórica e institucional que se dá no âmbito local e que vai além de um simples cálculo 1 Aluno do Programa de Mestrado em Geografia da Unesp – Rio Claro e bolsista FAPESP, sob orientação do Prof. Dr. Élson L. Silva Pires. EMAIL: [email protected]

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A NOVA DIMENSÃO DA COMPETITIVIDADE: “ TERRITÓRIO” , “ CAPITAL SOCIAL” E “ ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS” (APL)

Lucas Labigalini Fuini 1

Unesp­Rio Claro / Mestrado em Geografia / [email protected]

1 – INTRODUÇÃO

A dinâmica atual da globalização tem direcionado a atividade econômica, por

meio de processos de reestruturação produtivos e organizacionais, a novas dinâmicas

espaciais que colocam sobre as regiões produtivas a necessidade de modificações

tecno­econômicas como forma de adaptação a novos patamares de competitividade.

Desse modo, sobretudo a partir do final dos anos 70, se torna mais claro para os

estudiosos que a noção de competitividade incorpora também fatores situados fora do

âmbito das empresas, considerando então, as externalidades ­ infra­estruturas, aparato

político institucional e regulatório, centros de educação e formação, mão­de­obra

qualificada ­ e os elementos não mercantis ­ práticas cooperativas não formais,

aparatos institucionais.

Nesse sentido, alguns autores (PORTER, 1999, BENKO, 1996) acabaram

descobrindo na dimensão territorial um elemento ativo da vantagem competitiva, visto

que as indústrias mais competitivas de uma nação se concentram geograficamente em

certas cidades e regiões na forma de aglomerados (clusters), consideradas como as

regiões ganhadoras. Resumindo, pois, tal discussão, a problemática central a ser respondida é a seguinte: Por que algumas regiões produtivas alcançaram sucesso

competitivo em seu segmento respectivo, enquanto outras localidades sucumbiram ao

peso da concorrência nacional e internacional?

A hipótese aqui aventada é que algumas regiões se tornam mais competitivas

que outras, em seu segmento particular, porque conseguem mobilizar por meio do

território recursos específicos diretamente relacionados ao tipo de construção social,

histórica e institucional que se dá no âmbito local e que vai além de um simples cálculo

1 Aluno do Programa de Mestrado em Geografia da Unesp – Rio Claro e bolsista FAPESP, sob orientação do Prof. Dr. Élson L. Silva Pires. EMAIL: [email protected]

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de custos de mercado (preços), envolvendo, pois, uma complexa rede de relações

entre empresas, associações, sindicatos e poder público. Concentrações localizadas de

Micro, Pequenas e Médias empresas organizadas na forma de Arranjo Produtivo Local

(APL) se colocam, neste contexto, como exemplos importantes do sucesso competitivo

vinculado às interações e recursos mobilizados nos territórios.

Para tornar mais claro esse vínculo existente entre as dinâmicas de localização

das empresas e as características dos territórios e seus componentes, esboça­se uma

proposta de estudo da “competitividade territorial” em APL’s brasileiros através de

metodologia de recursos e ativos genéricos e específicos, haja vista as iniciativas

recentes no Brasil de apoio a agrupamentos produtivos com potencial competitivo e que

funcionam como articuladores do desenvolvimento econômico local. O estudo de caso

do “Circuito de Produção de Malhas” do Sul do Estado de Minas Gerais contribui no

sentido de esclarecer e reforçar a idéia do território como fator indutor de

competitividade e desenvolvimento econômico local.

2 – COMPETITIVIDADE E TERRITÓRIO: UMA REVISÃO TEÓRICA

2.1 – TERRITÓRIO, SISTEMAS PRODUTIVOS E AS ESCALAS GLOBAL/LOCAL

Diante das amplas mudanças territoriais e industriais em curso no período atual,

torna­se necessário esclarecer sobre o significado de algumas categorias espaciais

essenciais. Santos (1992) ressalta a importância de se reconhecer o território como

uma unidade espacial de trabalho, dando o exemplo das regiões produtivas. Desse

modo, o território é uma unidade espacial constituída por frações funcionais diversas,

que funcionam a partir de demandas de vários níveis, do local até o mundial. A

articulação entre frações funciona através de fluxos criados e mantidos pelas

atividades, população e herança espacial.

Tais fluxos territoriais se intensificam com a formação de redes e linkages entre empresas, na forma de articulações horizontais para frente e para trás nas cadeias

produtivas. Este processo é resultado da crescente desintegração vertical da grande

empresa fordista e aumento de suas relações externas por meio de instrumentos como

a terceirização e a subcontratação de serviços e insumos produtivos. Emerge, então, a

3

partir da década de 1970, uma nova modalidade de sistema produtivo baseada nos

princípios da especialização flexível, que tem como configuração espacial principal a

estrutura de “Quase Integração Vertical”, que acomoda diversas formas de

agrupamentos territoriais de pequenas empresas altamente especializadas entre si e

com grandes empresas (LEBORGNE; LIPIETZ, 1988). Este novo padrão de relações

sócio­produtivas, inicialmente instalado nos países centrais do capitalismo, foi aos

poucos de expandindo para as periferias industrializadas por meio da crescente

“internacionalização da atividade econômica”, adquirindo especificidades próprias

inerentes a cada formação econômico­espacial e estruturas industriais nacionais.

Mas, apesar de geralmente se associar o modelo de “acumulação flexível” a redes

“desterritorializadas” transnacionais, alguns setores e segmentos industriais ainda

mantêm forte tendência a concentração geográfica enquanto estratégia de localização

espacial, conciliando os ditames técnicos da produção flexível com a busca por reduzir

custos e as dificuldades de suas transações e maximizar o acesso ao contexto cultural

e informacional do sistema de produção. (SAMPAIO; PINHEIRO, 1994).

Benko (2001) reconhece, deste modo, que no movimento de crescente

internacionalização da atividade econômica e redefinição das funções clássicas do

Estado, há uma conseqüente modificação das escalas territoriais que tende a fortalecer

os níveis de ação locais e regionais. Tal movimento se dá por meio de políticas de

descentralização e gestão local de bens coletivos e pela revitalização e surgimento de

distritos industriais e clusters produtivos, colocando as regiões e lugares como fontes de vantagens concorrenciais e revelando na densidade das relações entre atores locais

um papel determinante na competitividade das atividades econômicas. Esta nova

paisagem econômica pode ser caracteriza então pela formação de um “mosaico de

regiões”, fruto da crescente diferenciação e especialização dos territórios ante o

processo de internacionalização da atividade econômica.

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2.2 ­ O “ ESTADO DAS ARTES” DA COMPETITIVIDADE TERRITORIAL

As análises tradicionais sobre a competitividade da indústria advogam que a

vantagem competitiva das empresas depende, sobretudo, da estrutura industrial em

que ela se insere, destacando como fator elementar a liderança de custos por meio da

prática de preços mais baixos do que os da concorrência. Coutinho e Ferraz (1993),

por sua vez, criticam as visões econômicas tradicionais acerca de uma competitividade

baseada somente na questão de preços, considerando adequada a idéia de uma

competitividade sistêmica que passa a considerar o desempenho empresarial como

resultado de fatores situados fora do âmbito das empresas e da estrutura industrial da

qual fazem parte, destacando os aspectos macroeconômicos, político­institucionais e

regulatórios, as infra­estruturas, as questões sociais e trabalhistas, os fluxos

internacionais e a dimensão espacial­regional. Porter (1989) foi um dos primeiros a atribuir ao espaço relevância na promoção

da competitividade industrial, utilizando a dimensão da nação como unidade de análise

das vantagens competitivas e constatando que os competidores em indústrias de

sucesso estão localizados em determinadas cidades e regiões dentro do país, em

concentrações geográficas (agrupamentos ou clusters) de empresas específicas.

“A concentração geográfica de empresas, em indústrias (inter) nacionalmente bem sucedidas, ocorre muitas vezes porque a influência dos determinantes individuais no “diamante” 2 (da competitividade) e seu fortalecimento mútuo são intensificados pela proximidade geográfica em um país. A concentração de rivais, clientes e fornecedores promoverá eficiência e especialização. O mais importante, porém, é a influência da concentração geográfica na melhoria e inovação. (...) O processo de agrupamento (clustering) e o intercâmbio entre as indústrias dentro do grupo também funciona melhor quando estas estão concentradas. A proximidade leva ao conhecimento precoce dos desequilíbrios, necessidades ou limitações dentro do grupo, permitindo que sejam tratados e explorados. A proximidade, portanto, transforma as influências isoladas (...) num verdadeiro sistema” (PORTER, 1989: 186­189)

Porter (1999), em estudo mais recente, retoma a mesma abordagem e propõe

uma teoria dos clusters (aglomerados), considerando a influência de um agrupamento

2 O “diamante” é um esquema criado por Porter (1990) para representar a interdependência dinâmica e o reforço mútuo entre os quatro determinantes da vantagem competitiva nacional, que são os seguintes: a)Condições dos fatores; b)Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas; c)Condições de demanda; d)Indústrias correlatas e de apoio. Nesta representação ainda há espaço para três elementos que podem estimular e reforçar tais fatores: o governo, o acaso e a concentração geográfica.

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geograficamente concentrado de empresas e instituições correlatas sobre a

produtividade e competitividade em uma indústria através da sua relação estreita com a

localização e seus efeitos indiretos, denominados de extravasamentos.

Esses extravasamentos podem ser compreendidos enquanto vantagens

competitivas locacionais, ou seja, as vantagens que uma empresa pode acessar por se

localizar em um ambiente propício à difusão e desenvolvimento do conhecimento, a

facilidade de acesso a ativos e serviços complementares, e à cooperação entre firmas,

instituições e poder público (BNDES, 2004).

A partir de então, as regiões e as localidades passam a ser vistas também como

variáveis relevantes no estudo da competitividade e das vantagens competitivas, tanto

que o termo competitividade sistêmica pode ter um sentido altamente territorializado por

meio de tecido de atores que estruturam pela proximidade uma rede de serviços em

torno de um produto e de uma planta industrial, difundindo competências e

conhecimentos úteis à coletividade. (BOISIER, 2001).

2.3 ­ A DIMENSÃO TERRITORIAL DA COMPETITIVIDADE EM ARRANJOS

PRODUTIVOS LOCAIS (APL)

Nos últimos anos, experiências e abordagens que valorizam o território têm

proliferado nos âmbitos nacional e internacional, especialmente em suas dimensões de

regulação locais e regionais, tendo como destaque as estratégias voltadas à articulação

de cadeias e redes produtivas, como demonstra a popularização dos Arranjos e

Sistemas produtivos locais, Distritos industriais e Clusters. O fortalecimento destes aglomerados atende a uma demanda por melhor eficácia na aplicação dos recursos e

fatores produtivos locais (produtividade), orientados à promoção de competências e

vantagens competitivas para as empresas nos territórios onde estão enraizadas. Essas

vantagens competitivas territorializadas se baseiam, em muitos casos, em elementos

não quantitativos relacionados aos esforços de aprendizagem, cooperação e

valorização do arcabouço histórico­cultural e know­how local.

Arranjos Produtivos Locais (APL) podem ser definidos, então, como:

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Aglomerações de empresas localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais tais como governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa. (SEBRAE, 2003, p. 15). 3

Essa concentração geográfica de empresas está relacionada às “vantagens

competitivas locacionais” e benefícios que as empresas acessam por estarem

localizadas em uma aglomeração e que não envolvem custos específicos (transportes,

fiscais), gerando externalidades econômicas positivas. A existência de fornecedores

especializados, centros de treinamento, centros tecnológicos, agências

governamentais, associações representativas, aparece como importante indutora de

externalidades, pari passu a cooperação entre os atores locais para o sucesso competitivo da região.

A premissa básica que está por detrás da noção de APL é a associação de seu

sucesso competitivo a fatores não necessariamente mercantis e quantificáveis como a

idéia de “atmosfera marshaliana” oriunda da conjugação de um conjunto de empresas

cooperando entre si e com a comunidade local em um bom sistema de coordenação

territorial imerso no ambiente cultural e institucional local. Posto isso, os dois principais

fundamentos da idéia de APL são a teoria dos Distritos Industriais, cujo exemplo típico

é o modelo de pequenas empresas de produção artesanal da Terceira Itália

(BECATTINI, 2002), e a teoria dos Clusters (aglomerados) industriais, desenvolvida em profundidade por Porter (1999).

Deste modo, os APLs, apresentam comportamentos bastante variados a

depender do segmento econômico ao qual estejam vinculados, mas geralmente,

atendem a duas premissas principais: a proximidade de pequenas empresas em rede e

a existência de algum tipo de governança da cadeia produtiva.

3 Outra noção bastante difundida é a da Redesist, do Instituto de Economia da UFRJ, que define APL como: “Aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e interação de empresas – que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de consultorias e serviços, comercializadoras, clientes, entre outros, e suas variadas formas de representação e associação. Incluem também diversas outras instituições públicas e privadas voltadas para formação e capacitação de recursos humanos (escolas técnicas e universidades), pesquisa, desenvolvimento, engenharia, política, promoção e financiamento”

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Costa (2001) associa, deste modo, a capacidade competitiva de “pequenas e

médias empresas” 4 ao território, pois, ao contrário das grandes empresas, elas não

podem realizar internamente todas as atividades inerentes a um processo produtivo

completo, razão pela qual dependem da disponibilidade de economias externas do

meio no qual se inserem, configurando uma organização econômico­territorial baseada

nas idéias de “proximidade geográfica e organizacional”. Deste modo, as políticas de

competitividade industrial e os estudos orientados para PME’s devem estar diretamente

vinculados ao conjunto do Arranjo Produtivo Local, visto que a eficiência individual das

empresas depende da organização e dos recursos internos do território.

Essa eficiência está diretamente vinculada à noção de governança, que acaba

por definir o tipo de coordenação sócio­produtiva que cada território adota e como isso

é remetido ao desenvolvimento econômico e produtividade local. Storper e Harrison

(1994) caracterizam a governança como uma estrutura de delegação de funções e

poderes em um sistema produtivo territorializado, que se coloca tanto na forma de

núcleo, definido por relações assimétricas entre uma grande empresa que condiciona a

existência de outras, como na forma de anel, definido por relações horizontais entre um

conjunto de empresas sem um determinante central e monopólico.

Neste contexto, os APLs têm suscitado recente interesse de governos, entidades

representativas e especialistas no Brasil face ao seu dinamismo econômico e potencial

competitivo, sobretudo no que tange ao potencial de desenvolvimento baseadas em

concentrações de pequenos estabelecimentos como alternativas à crise do modelo de

industrialização dos anos 1960 e 1970 (STORPER, 1990). O Sebrae já tem em seu

cadastro quase 350 desses aglomerados, alguns com baixo nível de articulação interna,

outros tão eficientes e competitivos quanto poderosas companhias.

Algumas Instituições e entidades que atuam com micro e pequenas empresas,

como o Sebrae, o BNDES e a Finep, descobriram esse potencial e passaram a

estabelecer programas específicos para APL´s a partir de 1999. O Governo federal

incluiu um programa específico no Plano Plurianual aprovado para 2004­2007 e montou

4 Tradicionalmente se define o porte de uma empresa pelo seu capital líquido, produção ou número médio de empregados. Pelo último critério, os estabelecimentos se agrupam em 4 níveis: Micro – até 9 empregados; Pequenas – de 10 a 99, Médias – de 100 a 499, Grandes – mais de 500.

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um grupo interministerial para coordenar todas as ações federais voltadas para APLs,

reunindo 11 ministérios, sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Comércio

e Indústria (MDIC), além de representantes do BNDES, Finep, CNPq, Sebrae, APEX,

Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Instituto de Pesquisas Econômicas

Aplicadas (IPEA) e dos Bancos do Nordeste e da Amazônia. 5

3 – PROPOSTA DE ESTUDO PARA COMPETITIVIDADE TERRITORIAL

A premissa básica defendida neste estudo é que todos os territórios (cidades,

regiões, países) que abrigam um aglomerado produtivo se encontram em uma

determinada posição competitiva, maior ou menor a depender dos atributos utilizados e

do tipo de organização econômica, social e política de uma dada localidade . Mas quais

seriam os elementos que tais localidades podem mobilizar capazes de atrair ou manter

uma empresa em sua dinâmica de localização nos mais variados espaços? Que

elementos o território pode oferecer ao aglomerado de empresas a fim de promover ou

preservar suas vantagens competitivas?

Storper (1993) denomina de “territorialização” a dependência das atividades

econômicas com relação a recursos, práticas e interdependências específicas de um

local, fatores estes que não podem ser facilmente criados ou imitados nos lugares que

não os têm. Dentre estes fatores, destacam­se:

“As economias locacionais externas ou de aglomeração, o conhecimento especializado alcançado em aprendizado tecnológico por organização de agentes em contexto de interdependências organizacionais e, as estruturas institucionais e ações base da coordenação econômica de um lugar” (STORPER, 1993: 16­17).

Deste modo, a construção de uma tipologia para estudo de “Competitividade nos

territórios produtivos” enfoca a questão de quais seriam os elementos que realmente

diferenciam um contexto local e lhe concedem vantagens competitivas, em detrimento

de elementos que podem ser criados ou imitados nos vários lugares. Para tanto, se

postula uma noção de território não somente como base ou plataforma das relações

5 Glossário de siglas: BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Finep: Financiadora de Estudos e Projetos (órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia); Sebrae: Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena empresa; IEL: Instituto Euvaldo Lodi (do Sistema CNI); CNPq: Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento.

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produtivas, mas também como fator e condicionante de toda e qualquer forma de

reprodução sócio­produtiva, sobretudo em “complexos produtivos localizados”.

Benko; Pecqueur (2001) respondem satisfatoriamente a esta questão ao propor

uma tipologia de diferenciação dos territórios a partir dos seus recursos e ativos,

genéricos e específicos. Os recursos são fatores ainda latentes, a organizar e explorar

e os ativos são fatores já em uso. Os ativos e recursos genéricos são fatores totalmente

transferíveis espacialmente através de trocas mercantis, caracterizando seu valor no

processo produtivo por uma questão de preço, como nos moldes da antiga idéia de

competitividade industrial. Já os ativos e recursos específicos implicam em custos de

transferência muito elevados ou que não podem ser dimensionados, definindo seu valor

em função das condições de seu uso e dos processos interativos engendrados no

ambiente histórico­cultural em que são configurados (Tabela 1).

Estes últimos elementos são aqueles que realmente definem a diferenciação de

um contexto territorial na concorrência com outros lugares, mobilizando “vantagens

competitivas dinâmicas” e “duradouras” às aglomerações de indústrias, através dos

serviços e fornecedores especializados, da mão­de­obra qualificada, e das estruturas

organizacionais e institucionais locais (COLLETIS­WAHL; PECQUEUR, 2001). Grande

parte dos elementos identificados na qualidade de recursos e ativos específicos pode

também ser interpretada como elementos do “Capital social” local. O “capital social”,

segundo Putnam (2000, apud, VALENTIM, 2003, p. 253), diz respeito a características

da organização social, como confiança, normas, organização, instituições e sistemas,

que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações

coordenadas, perfazendo um conjunto de elementos que compõem a estrutura social

cultural, como, por exemplo, as normas de reciprocidade, os padrões de associativismo,

os hábitos de confiança entre as pessoas, as redes que ligam segmentos variados da

comunidade.

A influência do capital acumulado em práticas sociais sobre a produtividade e

competitividade econômica tem relação com as práticas colaborativas entre indústrias,

e destas com associações, sindicatos, universidades, entidades governamentais e da

sociedade civil, que impulsionam inovações, viabilizando a dinamismo econômico de

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pequenas e médias empresas, impulsionando a renda e o desenvolvimento territorial

local. Tabela 1 – Tipologia e Natureza dos Fatores de Concorrência Espacial

FATORES GENÉRICOS EXEMPLOS ESPECÍFICOS EXEMPLOS

RECURSOS Fatores de localização potenciais não utilizados, suscetíveis de serem ativados segundo um cálculo de rentabilidade a ser introduzido no mercado

1 – matérias primas; 2 – equipamentos; 3 – informações de base fora do mercado (conhecimentos codificados) 4 – força de trabalho simples desempregada

fatores de localização virtuais e incomensuráveis, intransferíveis, nos quais o valor que os criou depende da organização e das estratégias para resolver problemas inéditos, ancoradas no território (instituições, regras, convenções).

1 – ambiente e cultura industrial (atmosfera); 2 – acumulação de conhecimentos tácitos (aprendizagem) 3 – força de trabalho qualificada não empregada 4 – ambiente institucional favorável

ATIVOS Fatores de localização existentes em atividade, totalmente transferíveis, discriminados pelos preços e custos de transporte no mercado.

1 – matérias primas exploradas; 2 – equipamentos em uso; 3 – informações de base ativas no mercado (conhecimentos codificados) 4 – força de trabalho simples empregada

fatores existentes comparáveis, parcialmente transferíveis, onde o valor está ligado a um uso particular (externalidades de quase mercado),

1­matérias primas raras (ex: argila de boa qualidade) 2­ força de trabalho qualificada empregada 3 – equipamentos adaptados aos processos locais 4 – mobilização institucional e organizacional adequada as estratégias locais

Fonte: Benko e Pecqueur (2001)

Mas a menor ou menor especificidade e qualidade dos recursos de um APL vem

a depender também das estratégias concorrenciais mobilizadas pelos atores locais,

coletivamente ou não, e que atuam sobre determinados campos específicos. A

produtividade das empresas do arranjo é um primeiro ponto fundamental, a partir do

qual todos os outros estão mais ou menos submetidos. Esta é condicionada pela

produtividade do trabalho (produtividade/unidade trabalho/tempo) e pelo uso produtivo

dos fatores de produção (matéria­prima, tecnologia). Deste item inicial torna­se possível

elencar outros elementos, compondo um leque de opções que podem ser agrupadas

em 3 eixos centrais:

A) Inovação e Aprendizado Tecnológico: envolve o investimento em equipamentos

modernos e busca por inovações radicais e incrementais (design, moda) diante da

intensificação da concorrência interna e externa, abarcando também as relações entre

os empresários e a mão­de­obra com tais inovações, cultura sedimentada por

instituições de pesquisa, formação e treinamento (laboratório, universidades, escolas).

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B) Mão­de­obra e Mercado de Trabalho Local: compreende os aspectos

potencialmente localizados do mercado de trabalho local, inerentes à qualificação da

mão­de­obra, o tipo de inserção desta no sistema produtivo, formas de contratação,

manejo e representação social, estrutura salarial e rotatividade do emprego, e as

instituições voltadas a treinamento e especialização para o trabalho;

C) Governança e “ Capital social” : caracteriza­se pelos vínculos formais e informais

estabelecidos entre os atores locais que podem ser consolidados por meio de

instituições e organizações ou compreendendo apenas formas de conhecimento e

acordos tacitamente compartilhados, típicos de uma “atmosfera industrial” conectada ao

arcabouço de “capital social” local.

Figura 1 – Trajetória da “ Competitividade Territorial” .

Fonte: Elaboração própria

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A análise de tais fatores é também circunstanciada ao segmento produtivo e ao

tipo de indústria na qual se inserem os estabelecimentos do APL, pois cada setor e

cadeia produtiva têm um padrão próprio de competitividade, de investimentos em

tecnologia, de qualificação da mão­de­obra e de inserção territorial que os diferenciam

dos demais segmentos. Desta forma, a análise da “competitividade territorial” deve

estar preocupada com as características específicas, as localidades e seus tecidos

sócio­produtivos, buscando captar também os níveis mais elevados da hierarquia

espacial (regional, nacional, supranacional e global) que interferem direta e

indiretamente o ordenamento do complexo produtivo localizado.

4 – O APL DO “ CIRCUITO DAS MALHAS” : UM ESTUDO DE CASO

A região compreendida pelo “Circuito das Malhas do Sul de Minas” abarca um

conjunto de seis pequenos municípios (até 30.000 habitantes) localizados no extremo

sudoeste do Estado de Minas, na divisa com o extremo leste do Estado de São Paulo,

ambos compartilhando da mesma paisagem montanhosa (Serra da Mantiqueira) e

recebendo os impulsos polarizantes do eixo São Paulo­Campinas, principal mercado

consumidor da atividade turística e industrial local.

Nesse contexto se destacam os municípios mineiros de Jacutinga e Monte Sião,

dois dos principais centros produtores de artigos em malha do Brasil, centros altamente

especializados no segmento industrial de malharias e confecções de artigos do

vestuário. Segundo dados da RAIS (2003), em Monte Sião se localizam mais de 26%

dos estabelecimentos de produção têxtil de Minas Gerais, seguido por Jacutinga, com

17,2% sendo que dentre todos os municípios brasileiros, os dois apresentam as

maiores especializações setoriais na “Fabricação de artigos de malha”, visto que Monte

Sião tem mais de 66% de seus empregados formais da indústria alocados na indústria

de malha, e Jacutinga mais de 57%.

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Figuras 2, 3 e 4 – Mapas com a Localização do “ Circuito das Malhas do Sul de Minas” .

JACUTINGA

MONTE SIÃO

BORDA DA MATA

BUENO BRANDÃO

INCONFIDENTES

OURO FINO

Fonte: Atlas­IDH/IBGE e DER – Minas Gerais, 2004

Tabela 2 – Caracterização demográfica e econômica dos principais municípios do Circuito das Malhas

VARIÁVEIS MONTE SIÃO/MG

JACUTINGA/MG

POPULAÇÃO TOTAL

18.195 19.004

POPULAÇÃO URBANA

12.729 (70%) 14.316 (75,3%)

POPULAÇÃO OCUPADA

10.337 (56,8%) 9.705 (51%)

DESEMPREGO (DESOCUPADOS)

235 (2,2%) 235 (2,3%)

PIB MUNICIPAL E PIB PER CAPITA

R$ 122.180.000/

R$ 6.624/

R$ 106.974.000/

R$ 5.507/

Fonte: IBGE (2000, 2002 e 2004) e Seade.

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A especialização da região na produção de artigos em malha se desenvolveu em

um contexto de estagnação da atividade agrícola local, que estimulou o renascimento

da produção de peças de malha artesanais confeccionadas, em pequenas quantidades,

por famílias de origem italiana. Em período de expansão da industrialização no interior

do estado de São Paulo e exploração do turismo termal ­ a partir das décadas de 1960­

1970 ­ a manufatura de malhas ganha impulso com a descoberta de um potencial

mercado consumidor de artigos semi­artesanais ligado ao movimento turístico regional.

Nos anos 70 e 80 essa produção se expande com a aquisição de máquinas têxteis

elétricas, levando a um aumento da produtividade da indústria local e estimulando a

formação de Associações Empresariais representativas, que passam a realizar Feiras

periódicas de grande sucesso. Nos anos 90, com investimentos em tecnologia de

produção, marketing, acabamento e inovação em modelos, o “Circuito das Malhas” se

consolida como uma referência na produção de peças de vestuário no Brasil,

considerando o peso do Estado de Minas Gerais (14,7% dos estabelecimentos do

segmento no país) na indústria de vestuário e têxtil brasileira (BORIN, 2002).

A cadeia produtiva da indústria têxtil, segundo Thorstensen (1985), apresenta 5

segmentos principais: a fiação, tecelagem, acabamento, malharia e confecção.

Destaca­se ainda um sexto elemento, o da distribuição e comercialização dos produtos,

que em muitos casos acaba controlando a cadeia por meio do controle que os grandes

varejistas e “produtores de marca” exercem sobre pequenos produtores e comerciantes.

A vantagem do “Circuito das malhas” com relação aos demais pólos têxteis é que

seu segmento, o de malharias, é caracterizado por ter um mercado versátil e

competitivo determinado mais pela sofisticação e variedade de produção aos ditames

da moda do que pela padronização e escala da produção, permitindo a um empresário

com pequeno capital estabelecer sua produção, confeccionar peças do vestuário e

vendê­las diretamente ou a terceiros (THORSTENSEN, 1985: 157). Outro aspecto a se

ressaltar é a tendência desta cadeia produtiva para apresentar caráter geograficamente

localizado, devido ao pequeno porte dos estabelecimentos produtores com baixa escala

de produção e a estrutura de produção horizontalmente desintegrada, que estimula a

proliferação de linkages e relações de subcontratação, atendendo as necessidades de aquisição de insumos mais sofisticados (fios, maquinários, consultoria, etc.) e

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terceirização de parte da produção para outras empresas ou trabalhadores em

domicílio. Nesse sentido, a proximidade geográfica dos estabelecimentos produtores

permite reduzir custos inerentes a transações de mercado, suaviza os “encargos de

produção” e permite um controle maior da qualidade e eficiência das etapas produtivas.

(SAMPAIO; PINHEIRO, 1994).

A estrutura produtiva do “Circuito das Malhas” se baseia em pequenas fábricas

localizadas na zona urbana e na periferia rural que produzem peças de vestuário de

malha em tricô e crochê 7 (blusas, camisetas, casacos, cachecóis, cacharréis, luvas),

utilizando como matéria­prima os fios de lã e algodão comprados de abastecedores

internos e externos. Essas pequenas malharias, na maior parte dos casos, estão

vinculadas a confecções e comerciantes locais, compondo uma única empresa em

esquema de “Loja da fábrica”, ou estão envolvidas em relações de subcontratação com

confecções e lojas locais, que apenas revendem as mercadorias, ou até mesmo, em

relações de subcontratação com grandes varejistas e grifes externas (de grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte), que dão acabamento ao

produto ou encaminham moldes próprios, colocando etiquetas e vendendo no varejo.

Mas, a maior parte das vendas locais se volta à demanda externa no atacado, formada

por pequenos varejistas externos (“sacoleiros”), que se dirigem em ônibus fretados para

os municípios de Jacutinga e Monte Sião. Esses consumidores são originários,

sobretudo, de São Paulo e seu aglomerado metropolitano, mas esta demanda tem se

estendido também para os Estados da região Sul e Centro­oeste.

Visando atender a essa numerosa clientela que se dirige até a região de Monte

Sião e Jacutinga, os produtores acabaram organizando um forte comércio de malhas

nas regiões centrais desses municípios, envolvendo grande número de pequenas lojas,

boutiques e galerias especializadas, que servem como “verdadeiras” propagandas para

a indústria local por meio de suas vitrines sempre renovadas e em consonância com a

dinâmica de estilos e cores do mercado de vestuário masculino e feminino.

A relação entre as empresas dos municípios produtores se desenvolve

naturalmente, por meio de complementaridades inerentes à cadeia produtiva do

7 Técnicas utilizadas na confecção de peças a partir do uso de fios de lã ou algodão e agulhas, diferindo quanto ao ponto utilizado e acabamento pretendido. Ambos os métodos já são operados por máquinas automáticas e semi­ automáticas elétricas, mescladas às máquinas de costura que dão o acabamento.

16

segmento vestuário­têxtil, considerando que cada município se destaca com uma

variedade específica de artigo em malha (Monte Sião é a “capital nacional do tricô”).

Merece destaque, neste sentido, o esforço das Associações Comerciais e Industriais

que atuam como intermediário na articulação da cadeia de produção com a distribuição

e comércio local. Em âmbito intermunicipal, tal relação se formalizou com a criação dos

“Circuitos Turísticos” 6 pelo governo do Estado de Minas, visando integrar municípios

com afinidades culturais, sociais e econômicas em torno de uma atividade regional

(Decreto Lei 43.321 de 08/06/03). Neste sentido, a denominação de “Circuito Turístico

das Malhas do Sul de Minas” está associada a um Circuito espacial de produção

integrado por meio de fluxos de trocas de bens e serviços, lugares especializados na

fabricação de produtos têxteis em malha e confecção de artigos de vestuário (SANTOS

e SILVEIRA, 2001).

A possibilidade de ser esta região um Arranjo Produtivo Local (APL) se fortalece

ao se constatar que a parte principal do Circuito produtivo se encontra concentrada

geograficamente, para aproveitamento das economias de escala e aglomeração

propiciadas na proximidade territorial dos produtores, com os fornecedores, serviços de

apoio e instituições locais (Associações comerciais). As especializações industriais no

segmento de malhas dos municípios analisados são significativamente altas. Tabela 3 – Distribuição dos empregos e estabelecimentos de acordo com as atividades da

produção têxtil/vestuário JACUTINGA MONTE

SIÃO ATIVIDADES CNAE

EST. EMP. EST. EMP.

Indústria de transformação 343 1745 512 1798

(17)Fabricação de produtos

têxteis

331 1700 507 1718

(17.7) Fabricação de tecidos

e art igos de malha

324 1589 500 1718

Fonte: Rais, 2003.

6 Os Circuitos turísticos foram institucionalizados conforme o Decreto Lei nº 43.321de 08/05/2003 e Resolução nº 006/2004 que institui o Certificado de Reconhecimento dos Circuitos Turísticos de Minas Gerais.Trata­se de política descentralizada visando promover o desenvolvimento do turismo sustentável através da integração contínua dos municípios consolidando uma identidade regional e tem como objetivo criar novos destinos turísticos no Estado de Minas Gerais, descentralizar as políticas de desenvolvimento do segmento turístico, desenvolver o turismo regional de forma sustentável, aumentar o fluxo e a permanência do turista, gerando renda e empregos (diretos/indiretos), resgatar, valorizar e preservar todo o patrimônio histórico, cultural, e natural, movimentar e aumentar a arrecadação dos municípios e conseqüentemente a do Estado, incorporar a sociedade em um planejamento integrado, valorizando o turismo regional e incentivar todos os segmentos da “Cadeia Produtiva”. (www.mg.gov.br )

17

A partir da tabela 4 torna­se nítido o profundo impacto que a fabricação de

artigos têxteis e de malhas exerce sobre ambiente econômico dos municípios do

Circuito das malhas. Nos municípios de Jacutinga e Monte Sião, a produção têxtil

responde por mais de 90% dos estabelecimentos industriais dos municípios. Tal

concentração torna­se patente, com a obtenção dos valores dos Quocientes de

Localização (QL) e dos Índices de concentração geográfica (G) municipais, índices

estes utilizados para se avaliar a concentração espacial de determinada atividade por

meio de cálculos matemáticos de estabelecimentos e postos de trabalho. Na atividade

CNAE “Fabricação de outros artigos do vestuário produzidos em malhas”, Jacutinga e

Monte Sião apresentam QLs de postos de trabalho com valores acima de 100, ou seja,

sua concentração em postos de trabalho nesta atividade é mais de 100 vezes maior

que a média nacional. No QL para estabelecimentos, os municípios de Jacutinga e

Monte Sião também exibem valores altamente significativos.

Tabela 4 – Grau de Concentração Espacial da Produção de Artigos do Vestuário e Malhas nos Municípios do Circuito das Malhas

Fonte: Rais, 2003.

Um outro elemento empírico que fortalece a associação do “Circuito das Malhas”

aos APLs é o predomínio, em sua estrutura de mercado, de estabelecimentos de micro

e pequeno porte (Micro= 0­9 empregados; pequeno = 10­99). Em Jacutinga, 87% dos

estabelecimentos são micro e em Monte Sião, 93,2%, ressaltando o predomínio de um

sistema produtivo baseado em relações de subcontratação domiciliares, em grande

parte informais (há grande número de estabelecimentos que não registraram nenhum

vínculo empregatício). Esse tipo de relação de subcontratação entre as pequenas

malharias locais e o trabalho doméstico de costura e acabamento tem as vantagens de

permitir ao sistema produtivo reduzir os custos fixos e com a mão­de­obra e se adaptar

JACUTINGA MONTE SIÃO QL (Quociente de Localização) – Postos de Trabalho

109, 370 123,363

QL (Quociente de Localização) – Estabelecimentos

79,519 84,971

G (Quociente de Associação Geográfica) – Postos de Trabalho

24,197 25,009

G (Quociente de Associação Geográfico)

17,492 28,602

18

de forma flexível às oscilações do mercado consumidor. Tal contexto aponta, então,

para uma competitividade fortemente dependente das externalidades do ambiente onde

se localizam esses micro e pequenos estabelecimentos, muito em virtude da

impossibilidade de realizarem internamente todas as etapas de um processo produtivo

(COSTA, 2001).

Um último elemento ­ que remete aos Arranjos ­ é quanto ao dinamismo

econômico e crescimento da produção de malhas nos dois municípios, considerando

que uma região produtiva com certo potencial competitivo depende de um processo de

evolução econômica em patamares mínimos. Nos casos assinalados, em um período

de oito anos, registraram­se taxas de crescimento agregadas significativamente altas,

tanto no número de estabelecimentos quanto no de empregos, destoando da trajetória

do Estado de São Paulo e Minas Gerais. Monte Sião, por exemplo, exibiu taxas de

crescimento elevadas tanto no crescimento do mercado de trabalho, quase 84%,

quanto na estrutura produtiva, com mais 46%. Jacutinga também acompanhou esse

ritmo, com crescimento de mais de 72% nos postos de trabalho e mais de 50% nos

estabelecimentos. Na média do Estado de São Paulo, para efeito de comparação,

houve retração de 20,4% nos postos de trabalho e 3,7% nos estabelecimentos.

As oscilações negativas verificadas em alguns períodos, no entanto, apontam

para alguns importantes gargalos a competitividade local, como por exemplo:

A) As variações climáticas, decisivas para um aglomerado que apresenta ainda

forte dependência do turismo de inverno e que se especializou em artigos para

esta época;

B) O aumento da concorrência internacional, sobretudo dos artigos importados da

China, mais baratos apesar de sua padronização e baixa “qualidade”;

C) As conjunturas macroeconômicas desfavoráveis, com períodos de altas nas

taxas de juros, oscilações cambiais e retração do crédito e do mercado

consumidor.

19

Figura 4 ­ Trajetória de evolução do Emprego na Produção têxtil no Circuito das Malhas

0

500

1000

1500

2000

2500

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Empregos

Jacutinga Monte Sião

Fonte: Rais (1=1996; 2=1997, 3= 1998, 4=1999,

5=2000, 6=2001, 7=2002, 8=2003, 9= 2004).

Figura 5 – Trajetória de evolução dos Estabelecimentos de Produção Têxtil no Circuito das Malhas

0

100

200

300

400

500

600

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Estab

elecim

entos

Jacutinga

Monte Sião

Fonte: Rais (1=1996; 2=1997, 3= 1998, 4=1999,

5=2000, 6=2001, 7=2002, 8=2003, 9=2004).

Deste modo, se reconhece que o aglomerado de produção e confecção de

malhas do Sul de Minas constitui um APL e que este arranjo tem sua competitividade

fortemente dependente dos elementos do território, a partir da existência de um “saber

local” aprimorado historicamente e consolidado institucionalmente (Associações

comerciais e industriais), pelo alto nível de concentração e especialização produtiva,

pela estrutura produtiva dominada por micro e pequenos estabelecimentos que facilitam

as inter­relações e complementaridades na cadeia produtiva, e, por fim, pela

pronunciada trajetória de dinamismo econômico recente que torna o ambiente regional

atrativo à abertura de novos negócios e geração de empregos.

Mas, um elemento que se destaca, dentre outros, no potencialização deste

reconhecido “diferencial competitivo” do Circuito das Malhas é o seu “capital social”,

ainda que se encontre em estágio incipiente de apreciação. A historia econômico­

espacial dos municípios do “Circuito das Malhas” baseada na influência secular do

migrante italiano e na valorização do trabalho artesanal e feminino no tricô de malhas

cria uma importante atmosfera produtiva que estimula os vínculos familiares e de

vizinhança na indústria de malhas.

Com o avanço tecnológico e a intensificação da competitividade no segmento, o

“Circuito das Malhas” conciliou o uso de equipamentos modernos e a busca por

inovações incrementais com as habilidades semi­artesanais culturalmente

20

sedimentadas, valorizando­se o saber fazer da mão­de­obra local que, a despeito de

possuir baixa qualificação formal, atende as exigências da indústria local por conta de

seu estoque de habilidades e competências adquiridas por influência da concentração

geográfica sobre o mercado de trabalho, que facilita a transmissão informal de

conhecimentos tácitos das técnicas de produção.

A iniciativa das Associações Comerciais e Industriais, tanto de Jacutinga quanto

de Monte Sião, se faz essencial para o aumento da competitividade do complexo

industrial local, visto que promove cursos de aperfeiçoamento, oferece serviços de

consultoria, facilita parcerias e trabalha na divulgação externa do produto local, por

meio de Campanhas, Feiras de expositores, etc. Ainda persiste, no entanto, na região

um clima de individualismo entre os produtores no que tange à busca por inovações e

aperfeiçoamento da competitividade, visto que poucos consideram as empresas

vizinhas como parceiros, predominando o espírito concorrencial e a indiferença quanto

ao seu entorno produtivo.

Desta forma, na definição de um perfil dos recursos e ativos específicos da

região do “Circuito das Malhas”, enquanto condicionantes principais da “competitividade

territorial local”, se reconhecem os seguintes elementos principais:

a) Especialização setorial local e adensamento da cadeia produtiva local dentro dos

municípios e entre os municípios, permitindo identificar no tecido sócio­produtivo local a

configuração de um Arranjo Produtivo Local;

b) Oferta de mão de obra qualificada no trabalho cotidiano na confecção de artigos em

tricô, patrimônio cultural transmitido historicamente;

c) Arcabouço institucional necessário à inovação e articulação mínima entre os atores

locais e agentes externos, tarefa exercida, sobretudo, pelas Associações comerciais e

industriais através dos serviços que oferecem;

d) Ímpeto inovador e empreendedor dos empresários, que têm investido em

equipamentos modernos e em mudanças incrementais (design das peças e lojas); e) Envolvimento de vários municípios no projeto do “Circuito Turístico das Malhas do

Sul de Minas”, que viabilizará a institucionalização de um termo de procedência à

produção regional, distinguindo­a de outras regiões e fortalecendo a integração das

cadeias produtivas entre municípios.

21

Deste modo, os elementos acima mencionados, dentre outros considerados

como especificidades territoriais existentes nos municípios do “Circuito das Malhas do

Sul de Minas”, podem ser agrupados e organizados em uma tabela (tabela 5) dos

recursos e ativos territoriais, semelhante àquela elaborada por Benko; Pecqueur (op. cit

p. 9) baseada na premissa de que a qualidade territorial específica de um recurso ou

ativo é que define, em última instância, a competitividade.

Tabela 5 – Os Recursos e Ativos Territoriais e as Vantagens Competitivas do Circuito das Malhas FATORES GENÉRICOS ESPECÍFICOS RECURSOS 1 – Extrema especialização setorial;

2 – Força de trabalho e empresariado com formação simples

1 – Belezas paisagísticas favoráveis ao turismo de inverno e movimento de compras (Estâncias hidrominerais); 2 – Boas condições de vida (IDH, educação, renda); 3 – Conhecimentos sobre Tricô e crochê acumulados historicamente; 4 ­ Ambiente institucional favorável com a progressiva consolidação do “Circuito das Malhas”

ATIVOS 1 – Mão de obra com baixo nível de instrução formal e estrutural educacional básica; 2 – Fios de lã e linho comprados de outros centros; 3 – Atuação mínima das prefeituras locais por meio das Secretarias e Departamentos (Ex.: Sicotel); 4 – Estrutura de crédito e financiamento baseada em bancos convencionais; 5 – Algumas estradas em mal estado de conservação (Monte Sião e Ouro Fino); 6 – Espírito individualista do empresariado.

1­Força de trabalho qualificada em exercício (saber­fazer); 2­Mobilização institucional baseada nas Associações Comerciais e Industriais; 3 – Inovação tecnológica (equipamentos) adaptada às habilidades especificas locais; 4 – Cooperação entre municípios vizinhos por meio do “Circuito das Malhas”; 5 – Proximidade do maior mercado consumidor do Brasil, estimulando inovações em design e estilo das peças 6 – Espírito empreendedor

Fonte: Elaborado pelo autor com base no modelo de Colletis; Pecqueur (1993) e Benko e Pecqueur (2001).

22

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais relevante que a simples constatação de serem uma dada localidade, e seu

aglomerado produtivo competitivo ou não, considerando certo número de elementos

quantitativos e qualitativos, é verificar quais são as formas de mobilização entre atores

que conduzem aos processos de especialização dos lugares e especificação de seus

recursos, ou seja, as estratégias competitivas dos territórios. O presente artigo teve

como uma de suas hipóteses fundamentais a idéia de que as vantagens competitivas

atuais estão relacionadas a redes sociais e culturais estabelecidas entre atores

fortemente enraizados em contextos territoriais específicos, mobilizando recursos

econômicos, institucionais e organizacionais que diferenciam um dado contexto local na

concorrência com outros locais.

Neste sentido, observou­se que o “Circuito das Malhas” do Sul de Minas, através

de seus centros produtores principais – Jacutinga e Monte Sião – tem como uma de

suas vantagens competitivas principais, certos recursos e ativos territoriais específicos

baseados em um “saber local” aprimorado historicamente e constantemente atualizado

pelos investimentos em inovação e aprimoramento tecnológico, que atendem às

demandas do atual cenário industrial altamente competitivo. A despeito das claras

deficiências competitivas exibidas, a região do “Circuito das Malhas” tem procurado

supri­las por meio da expansão de seus recursos competitivos através do fortalecimento

de alianças interinstitucionais entre municípios (é o caso do “Circuito Turístico das

Malhas”), o reconhecimento do importante papel exercido por entidades como as

Associações comerciais e industriais e o crescente investimento na diferenciação de

sua produção com base nos preceitos da qualidade e inovação de peças. Neste sentido

é que se torna possível a aplicação de tipologias de competitividade, em adequação às

particularidades do desenvolvimento histórico de cada território configurado em

aglomerações produtivas de tipo APLs sem que, no entanto, se perca o efeito do poder

comparativo entre as regiões.

Posto isso, esse texto teve como um dos seus objetivos principais contribuir, a

partir de uma revisão teórica e estudo de caso, com a compreensão das atuais

demandas existentes no território brasileiro quanto à identificação de aglomerados

23

produtivos e APLs e a mobilização de suas potencialidades competitivas inerentes ao

desenvolvimento territorial, permitindo explorar mais um campo na seara dos estudos

geográficos e territoriais.

6 – BIBLIOGRAFIA

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