cvm - voto do diretor otavio yazbek 20090721-1-voto_doz

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Processo Administrativo CVM nº RJ 2009/6346 1 PROCESSO ADMINISTRATIVO CVM RJ 2009/6346 VOTO DO DIRETOR OTAVIO YAZBEK O presente voto se destina a apresentar, ao Colegiado da CVM, uma proposta acerca da caracterização das Reduções Certificadas de Emissão (“RCEs”) ou, como são mais comumente chamadas, os créditos de carbono. Além disso, nele se pretende identificar alguns dos efeitos de tal posição, nomeadamente no que diz respeito à possibilidade de aquisição dos créditos de carbono por fundos de investimento e à forma de financiamento e estruturação de projetos que levem à emissão daqueles instrumentos. Inicialmente, deve-se esclarecer que definir a posição da autarquia acerca dos créditos de carbono não significa, em um primeiro momento, ir muito além de identificar se estes são ou não caracterizáveis como valores mobiliários, para os fins da Lei nº 6.385, de 7.12.1976 (“Lei nº 6.385/76”), e, em conseqüência, verificar se é possível aplicar a tais instrumentos os regimes decorrentes daquele diploma legal. Tal advertência é importante porque não é raro que se veja, nos debates recentes sobre a matéria, a defesa de que tal caracterização, por si só, bastaria para sanar todas as dúvidas acerca do regime das RCEs, trazendo muito mais segurança para o nascente mercado desses instrumentos 1 . Entendo que esta seria uma posição equivocada, como adiante se verá. O ponto de partida para a discussão que segue será não apenas o Memorando apresentado pela Superintendência de Desenvolvimento de Mercado, datado de 26.6.2009, (“Memorando”), mas também um conjunto de outras fontes que serviram de suporte para a sua elaboração, a saber: (i) as diversas manifestações da PFE, exaradas nos últimos anos em razão de casos concretos e consultas 2 ; e (ii) os demais documentos que foram submetidos à análise da CVM em processos administrativos que versavam, direta ou indiretamente, sobre o tema. Todo esse material sintetiza, no meu entender, de forma bastante satisfatória, o conjunto de posições hoje defendidas no mercado. Outrossim, tendo em vista a detalhada descrição dessas 1 Neste sentido, por exemplo, cf. a matéria publicada no jornal Valor Econômico de 13.4.2009, p. E2, sob o título “Crédito de Carbono é Valor Mobiliário, defende OAB”. Como se pode ver da referida matéria, a caracterização como valor mobiliário, longe de meramente outorgar a tais títulos um regime adequado de emissão e de negociação em mercado, baseados em fluxos de informações adequados (o que tenderia a decorrer da tal caracterização como valor mobiliário, como se discutirá adiante), funcionaria como verdadeira panacéia, a eliminar as incertezas hoje ainda existentes. 2 Remeto, em especial, ao Memo/PFE-CVM/GJU-2/Nº197/2004, de 19.8.2004, com o correspondente despacho do Procurador-Chefe, datado de 26.8.2004; e ao Memo/PFE-CVM/GJU-2/Nº151/2008, de 11.11.2008, com o despacho da Subprocuradora-Chefe de 18.11.2008.

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Crédito de Carbono não é derivativo

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  • Processo Administrativo CVM n RJ 2009/6346

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    PROCESSO ADMINISTRATIVO CVM N RJ 2009/6346

    VOTO DO DIRETOR OTAVIO YAZBEK

    O presente voto se destina a apresentar, ao Colegiado da CVM, uma proposta acerca

    da caracterizao das Redues Certificadas de Emisso (RCEs) ou, como so mais

    comumente chamadas, os crditos de carbono. Alm disso, nele se pretende

    identificar alguns dos efeitos de tal posio, nomeadamente no que diz respeito

    possibilidade de aquisio dos crditos de carbono por fundos de investimento e

    forma de financiamento e estruturao de projetos que levem emisso daqueles

    instrumentos.

    Inicialmente, deve-se esclarecer que definir a posio da autarquia acerca dos

    crditos de carbono no significa, em um primeiro momento, ir muito alm de

    identificar se estes so ou no caracterizveis como valores mobilirios, para os fins

    da Lei n 6.385, de 7.12.1976 (Lei n 6.385/76), e, em conseqncia, verificar se

    possvel aplicar a tais instrumentos os regimes decorrentes daquele diploma legal.

    Tal advertncia importante porque no raro que se veja, nos debates recentes

    sobre a matria, a defesa de que tal caracterizao, por si s, bastaria para sanar

    todas as dvidas acerca do regime das RCEs, trazendo muito mais segurana para o

    nascente mercado desses instrumentos 1 . Entendo que esta seria uma posio

    equivocada, como adiante se ver.

    O ponto de partida para a discusso que segue ser no apenas o Memorando

    apresentado pela Superintendncia de Desenvolvimento de Mercado, datado de

    26.6.2009, (Memorando), mas tambm um conjunto de outras fontes que serviram

    de suporte para a sua elaborao, a saber: (i) as diversas manifestaes da PFE,

    exaradas nos ltimos anos em razo de casos concretos e consultas2; e (ii) os demais

    documentos que foram submetidos anlise da CVM em processos administrativos

    que versavam, direta ou indiretamente, sobre o tema. Todo esse material sintetiza,

    no meu entender, de forma bastante satisfatria, o conjunto de posies hoje

    defendidas no mercado. Outrossim, tendo em vista a detalhada descrio dessas

    1 Neste sentido, por exemplo, cf. a matria publicada no jornal Valor Econmico de 13.4.2009, p. E2, sob o

    ttulo Crdito de Carbono Valor Mobilirio, defende OAB. Como se pode ver da referida matria, a caracterizao como valor mobilirio, longe de meramente outorgar a tais ttulos um regime adequado de

    emisso e de negociao em mercado, baseados em fluxos de informaes adequados (o que tenderia a

    decorrer da tal caracterizao como valor mobilirio, como se discutir adiante), funcionaria como

    verdadeira panacia, a eliminar as incertezas hoje ainda existentes. 2 Remeto, em especial, ao Memo/PFE-CVM/GJU-2/N197/2004, de 19.8.2004, com o correspondente

    despacho do Procurador-Chefe, datado de 26.8.2004; e ao Memo/PFE-CVM/GJU-2/N151/2008, de

    11.11.2008, com o despacho da Subprocuradora-Chefe de 18.11.2008.

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    posies no texto do Memorando, no pretendo apresentar, aqui, um resumo muito

    mais detalhado.

    Ante o acima exposto e para o seu melhor entendimento, o presente voto se

    subdividir em seis partes:

    i) Dos crditos de carbono introduo contendo uma breve sntese de alguns

    conceitos bsicos e das finalidades do mercado de RCEs;

    ii) Da caracterizao das RCEs perante a CVM na qual se discutir a eventual

    incluso destes instrumentos no rol de valores mobilirios contido no art. 2 da

    Lei n 6.385/76;

    iii) Convenincia da caracterizao das RCEs como valores mobilirios que

    trar a discusso acerca de tal perspectiva tendo em vista, inclusive, a

    natureza dos interesses a serem tutelados;

    iv) Possibilidade de aquisio de RCEs por fundos de investimento onde se

    reforar o entendimento da rea tcnica referente viabilidade da aquisio

    de crditos de carbono por tais veculos;

    v) Mecanismos de financiamento e estruturao de projetos que tratar de

    estruturas j disponveis para o financiamento e para a estruturao de

    projetos de MDL e tambm do posicionamento da CVM quanto a outras

    potenciais alternativas; e

    vi) Concluso.

    No pretendo, aqui, dedicar maior ateno aos mecanismos ou aos mercados ditos

    voluntrios, em que a emisso dos crditos de carbono decorre no do regime

    estabelecido no Protocolo de Quioto, mas sim de acordos entre as partes (ou entre

    estas e governos locais), que se obrigam a aceitar, para fins diversos, as iniciativas de

    reduo de emisses tomadas por determinados agentes. Creio que o Memorando

    deles se ocupa, de forma mais do que adequada, nos seus itens 1.6 a 1.9. Mais do que

    isso, porm, tais mecanismos (surgidos em especial em pases que no aderiram de

    pronto ao regime de Quioto) produzem, ainda, poucos efeitos no Brasil. De qualquer

    maneira, onde for aplicvel a mesma lgica apresentada neste voto, creio que se

    impor, tambm, o mesmo regime ora discutido.

    I. Dos crditos de carbono

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    Esta primeira parte destina-se a definir, para fins eminentemente instrumentais e de

    suporte, o que so as RCEs. Nela ainda sero discutidas, resumidamente, as suas

    finalidades e a estrutura geral dos mecanismos utilizados para a sua emisso.

    O Protocolo de Quioto entrou em vigor em 16.2.2005. Nos termos do documento, os

    pases relacionados no seu Anexo I (Pases Anexo I) em sua maioria os chamados

    pases desenvolvidos comprometeram-se a reduzir, no perodo de 2008 a 2012, a

    emisso de gases do efeito estufa (GEEs) a determinados nveis. J aos pases em

    desenvolvimento, constantes do Anexo IV (Pases No-Anexo I), no foram

    impostas metas de reduo. No obstante, como a seguir se ver, estes ltimos

    (dentre os quais se inclui o Brasil) so essenciais para a implementao do modelo ali

    criado.

    Isso porque, tendo em vista as dificuldades para o atendimento daquelas metas de

    reduo de emisso de GEEs estabelecidas para os Pases Anexo I (e que so

    refletidas nas regulamentaes locais, passando a vigorar para os agentes

    econmicos localizados em cada um daqueles pases), o Protocolo de Quioto prev a

    existncia de determinadas possibilidades de flexibilizao, dentre as quais se

    encontra o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

    Por meio do MDL, os Pases No-Anexo I ou os agentes econmicos neles localizados

    podem desenvolver projetos de reduo de emisses ou de remoo de GEEs em

    seus territrios. Tais redues ou remoes, uma vez certificadas conforme

    determinadas metodologias e procedimentos, permitem a emisso dos crditos de

    carbono.

    As RCEs assim emitidas podem, ento, ser adquiridas e utilizadas pelos Pases Anexo

    I para o cumprimento de parte das metas para eles definidas no Protocolo de Quioto.

    Estes ltimos no precisariam, assim, honrar de forma direta a totalidade de seus

    compromissos de limitao e reduo de emisses, podendo compensar tais

    obrigaes a partir da aquisio daqueles crditos.

    Vale referir, ainda que de forma sucinta e em especial porque tal referncia ser

    relevante no corpo deste voto, as etapas do processo que leva certificao das

    redues.

    Desta forma, e na linha do acima exposto, os projetos de reduo de emisses ou de

    remoo de GEEs nos Pases No-Anexo I devem implicar redues ou remoes de

    emisses adicionais quelas que ocorreriam na ausncia de sua implantao,

    garantindo benefcios reais, mensurveis e de longo prazo. Para tanto, em uma

    primeira etapa os projetos candidatos so submetidos a um processo de anlise, que

    passa pela sua validao pelas entidades operacionais e culmina no seu efetivo

    registro pelo Conselho Executivo, rgo da ONU responsvel pela superviso do

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    funcionamento do MDL. Concluda esta fase, inicia-se outra, de monitoramento da

    implantao do projeto e de clculo das redues ou remoes de GEEs atingidas com

    a atividade.

    Por fim, com a verificao e a certificao da reduo ou da remoo de GEEs,

    autoriza-se a emisso, pelo Conselho Executivo do MDL, de RCEs, as quais (depois de

    descontadas despesas administrativas) so creditadas escrituralmente aos

    participantes do projeto em um registro central (ou seja, tanto a emisso dos ttulos

    quanto a sua manuteno, em registros centralizados, so feitas no exterior).

    dessa forma que o MDL (i) permite aos Pases Anexo I (e aos agentes econmicos

    neles localizados), a partir da compra de RCEs, o cumprimento de parte das metas

    (impostas e no atingidas) de reduo, ao mesmo tempo em que (ii) estimula o

    investimento em processos produtivos limpos nos Pases No-Anexo I, dentro de

    uma perspectiva de desenvolvimento sustentvel.

    Mais do que isso, porm, (i) ao criar um tipo de ativo passvel, inclusive, de

    transferncia; e (ii) ao definir os universos de potenciais oferta e demanda para esse

    ativo, o MDL permite a criao de um verdadeiro mercado secundrio para os crditos

    de carbono. Destas possibilidades nascem outras, com o surgimento, por exemplo, de

    intermedirios especializados e mesmo de agentes interessados na compra daqueles

    ativos para fins de especulao, em um movimento bastante similar ao dos processos

    de inovao financeira.

    De qualquer maneira, por se tratar de acordo internacional, o Protocolo de Quioto

    demanda determinados ajustes dos sistemas jurdicos locais quando da adeso de um

    determinado pas: qual a natureza dos direitos que ele gera para os agentes? Em que

    medida estes direitos so j reconhecidos pela legislao nacional? Em que medida,

    por se falar em um novo ttulo negocivel, cumpre remeter ao regime do mercado de

    valores mobilirios? Longe de serem exclusivamente tericas, estas questes

    determinam as possibilidades de desenvolvimento de um mercado de crditos de

    carbono em um determinado pas. Na seqncia, lidar-se- com cada uma delas.

    II. Da caracterizao das RCEs perante a CVM

    Como acima referido, to logo surgiu o modelo ora descrito, comearam a aparecer

    como conseqncia, nos diversos pases aderentes ao Protocolo de Quioto, questes

    referentes ao status legal e regulatrio do novo instrumento. Uma vez que tal modelo

    se apia no desenvolvimento de um determinado instrumento financeiro, negocivel

    em mercados secundrios, razovel que muitas das discusses passem pelo marco

    regulatrio dos mercados financeiro e de capitais.

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    Na prtica, a maior parte das discusses tem girado em torno da possibilidade de

    caracterizao das RCEs como valores mobilirios, para efeitos diversos. Tal

    possibilidade ganha relevncia quando se parte da constatao de que, em 2001, com

    a reforma da Lei n 6.385/76, a definio de valor mobilirio passou no apenas a

    abranger outros instrumentos, anteriormente no considerados sob tal rubrica, mas

    tambm a incorporar uma nova potencialidade: ante a redao dada a alguns incisos

    do art. 2 daquele diploma, tornou-se possvel, por interpretao, verificar se novos

    instrumentos poderiam ou no ser caracterizados como valores mobilirios.

    Rompia-se, assim, um modelo inaugurado em 1976, no qual a lista de tais

    instrumentos era fechada, numerus clausus.

    Essa nova possibilidade se d, em especial, a partir de trs incisos do referido artigo:

    os incisos VII e VIII, por intermdio dos quais se passou a caracterizar os derivativos

    como valores mobilirios; e o inciso IX, que, replicando o que j constava da Medida

    Provisria n 1.637, de 8.1.1998 (Medida Provisria n 1.637/98, posteriormente

    convertida na Lei n 10.198, de 14.2.2001), utiliza o conceito de contrato de

    investimento coletivo, aparentado do conceito norte-americano de securities. Como

    diversos autores referem-se, com freqncia, a ao menos uma das duas categorias

    (derivativos e contratos de investimento coletivo), seno a ambas, para procurar a

    natureza dos crditos de carbono, ser brevemente discutida, na seqncia, cada

    uma delas.

    Os crditos de carbono e os derivativos

    Como acima referido, a incluso dos derivativos no rol de valores mobilirios, por

    fora da Lei n 10.303. de 31.10.2001, foi um marco, ainda que no isento de crticas,

    para uma nova forma de se tratar a relao dos instrumentos sujeitos competncia

    regulatria da CVM. J a criao da figura dos contratos de investimento coletivo,

    inicialmente pela Medida Provisria n 1.637/98, sinalizara que, a partir dali, o que

    antes era uma lista fechada, passava a ser objeto de um exerccio interpretativo.

    Nada mais compreensvel, ante as demandas geradas pela acelerao dos processos

    de inovao financeira.

    A incluso dos derivativos naquele mesmo rol, j em 2001, no apenas reforava essa

    tendncia, como tambm promovia uma outra mudana doravante a CVM passaria

    a responder, tambm, pela regulamentao dos mercados de derivativos,

    instrumentos negociveis que, seja estruturalmente, seja do ponto de vista das

    finalidades, nada tinham a ver com os valores mobilirios mais tradicionais.

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    De pronto, a doutrina apontou algumas das dificuldades trazidas por esse novo

    alargamento3. Em grande parte, muitas dessas dificuldades esto relacionadas ao

    contedo da expresso derivativo e lgica que determina tal contedo. , em

    ltima instncia, com isso que se est lidando no presente caso. Por este motivo,

    entendo que, para discutir a possibilidade da caracterizao dos crditos de carbono

    como derivativos, o primeiro passo seria definir derivativo.

    De um modo geral, no se encontram definies para tal expresso que no em

    manuais de finanas e, no mais das vezes, essas definies so vazadas em termos

    bem simples: algo na linha derivativos so todos os instrumentos que retiram o seu

    valor de outras relaes ou de outros instrumentos 4.

    Como se pode ver, a definio baseada exclusivamente no processo de

    apreamento dos instrumentos que se procura definir. Assim, se os ativos

    propriamente ditos tm seus preos definidos em razo do seu contedo dos bens

    ou dos feixes de direitos e de deveres neles embutidos 5 , os derivativos so

    apreados a partir de outras relaes.

    Esta racionalidade est diretamente relacionada finalidade original de tais

    instrumentos tal finalidade o chamado hedge, expresso que designa a proteo

    contra as oscilaes nos preos das mercadorias, taxas ou outras variveis s quais o

    agente econmico est exposto. As partes vendem ou compram determinados ativos

    (ou, em uma abstrao que segue a mesma lgica, determinadas taxas ou ndices

    financeiros), para liquidao em data futura, justamente porque esto expostas s

    oscilaes dos preos daqueles ativos (ou taxas ou ndices) em suas atividades

    cotidianas.

    Neste sentido, a finalidade do derivativo no tanto transferir o bem em si, mas sim

    travar o preo de venda (ou de compra) deste bem em uma data futura. Se, nas

    suas verses mais tradicionais, essas operaes de proteo eram feitas com a

    efetiva entrega do bem e o pagamento do principal (do preo pactuado), com o passar

    do tempo elas foram se refinando, com o surgimento, por exemplo, da possibilidade

    de liquidao financeira.

    Assim, o contrato pode ser liquidado no mais pela movimentao do principal, mas

    sim pela contraposio entre o valor originariamente pactuado entre as partes e o

    3 Basta, aqui, referir Carvalhosa e Eizirik, A Nova Lei das S/A, Editora Saraiva, 2002, pp. 483 e ss., assim

    como Otavio Yazbek, Regulao do Mercado Financeiro e de Capitais, Campus Elsevier, 2009, pp. 99 e ss. 4 Nesta linha, cf., por exemplo, John Hull, Introduo aos Mercados Futuros e de Opes, Bolsa de

    Mercadorias & Futuros/Cultura, 1996, p. 13; e Iran Siqueira Lima e Alexsandro Broedel Lopes,

    Contabilidade e Controle de Operaes com Derivativos, Pioneira, 1999, p. 13.

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    valor de mercado do bem na data da liquidao (um verdadeiro contrato diferencial).

    O que importa o que d o efeito de hedge a transferncia daquela diferena. Fica

    claro, aqui, porque esse tipo de instrumento foi chamado de derivativo: seus

    resultados decorrem do efetivo comportamento do preo de um bem, o chamado

    ativo subjacente. Mais do que os resultados, a possibilidade de negociao desses

    instrumentos em mercado secundrio tambm decorre das expectativas em torno de

    tal comportamento.

    Trata-se, flagrantemente, de um fruto do processo de inovao financeira, por meio

    do qual uma determinada necessidade dos agentes econmicos foi embutida em um

    produto financeiro. Por fora desse mesmo movimento, surgiram outros

    refinamentos. Assim, se, no incio, este tipo de arranjo se fazia a partir de

    modalidades operacionais mais simples (do chamado contrato a termo), com o tempo

    foram surgindo novas modalidades, seja pela liquidao financeira, seja pela

    possibilidade de negociao em bolsa (nos contratos futuros), seja mesmo a partir de

    modelos mais complexos (como as opes e swaps, dentre outros instrumentos). Da

    mesma maneira, se as primeiras necessidades de hedge se apresentavam no

    mercado de commodities agropecurias, passou-se, em especial a partir da dcada de

    1970, ao hedge propriamente financeiro, envolvendo taxas de cmbio, de juros e

    ndices de aes.

    Em linhas muito gerais e observadas as diferenas que podem surgir quando se fala

    de instrumentos concretos essa a lgica que rege o surgimento dos instrumentos

    derivativos, no apenas para o hedge, mas tambm para a especulao, que uma

    outra possvel finalidade para tais operaes.

    Ora, dizer que um determinado instrumento um derivativo remete, ento, no

    mnimo, quele processo de formao de preos. Neste sentido, entendo que os

    crditos de carbono nada tm a ver com os derivativos. Se eles so instrumentos

    resgatveis, no sentido de serem passveis de transformao em um determinado

    tipo de vantagem econmica concreta, eles no so derivativos, mas os prprios

    ativos inexiste ativo subjacente, sendo negociados os prprios ativos-objeto. Coisa

    distinta ocorreria se aqui se estivesse tratando de opes de crdito de carbono, por

    exemplo.

    Desnecessrio dizer que, ao contrrio do que tm afirmado alguns autores, no cabe,

    tambm, falar em finalidades de hedge quando se est tratando desse tipo to

    peculiar de ativo. Isso porque um agente compra crditos de carbono, como j se viu,

    porque a legislao ou a regulamentao competente lhe permite utilizar este tipo de

    5 Ou, para usar uma expresso ainda mais ampla, por serem, eles mesmos, o bem da vida que se est

    apreando.

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    ativo como meio alternativo de cumprimento de um determinado tipo de obrigao.

    No de hedge que se cuida aqui e gostaria de deixar tal ponto realado ante a

    facilidade com que tal conceito (que tem um contedo tcnico e cuja utilizao produz

    importantes efeitos), vem sendo adotado nos ltimos tempos, muitas vezes sem

    maior rigor.

    Entendo, desta maneira, que os crditos de carbono no so instrumentos

    derivativos, no se lhes podendo considerar como valores mobilirios para os fins dos

    incisos VII e VIII do art. 2 da Lei n 6.385/76.

    Afastada essa hiptese, ser necessrio explorar a outra alternativa que vem sendo

    aventada pelos autores brasileiros para a possvel caracterizao das RCEs como

    valores mobilirios: a da sua caracterizao como contratos de investimento coletivo.

    Os crditos de carbono e os contratos de investimento coletivo

    Pode-se ainda buscar a caracterizao dos crditos de carbono como valores

    mobilirios com base no inciso IX do citado art. 2, ou seja, a partir do

    reconhecimento de uma natureza de ttulos ou contratos de investimento coletivo.

    Como acima destacado, esta outra daquelas categorias que, criadas a partir da

    dcada de 1990, como necessria contrapartida dinmica dos processos inovativos,

    levam a um conceito mais material de valor mobilirio.

    Creio que, aqui, interessante um esforo de equiparao, ainda que muito breve,

    com o movimento pelo qual a CVM acabou por caracterizar como valores mobilirios

    os Certificados de Potencial Adicional de Construo os CEPACs no Processo

    Administrativo CVM n RJ 2003/499.

    Naquela ocasio, e considerando as origens doutrinrias do conceito de contrato de

    investimento coletivo, o Diretor Relator optou por remeter ao que ficou conhecido

    como Howey Test (proveniente de um caso homnimo), um exerccio interpretativo a

    partir do qual, com base nos elementos que constam da definio geralmente aceita

    de securities (e que esto presentes, tambm, no inciso IX do art. 2 da Lei n

    6.385/76), pode-se verificar se um dado instrumento ser ou no colocado sob esta

    rubrica6.

    O mesmo tipo de exerccio foi feito, guardadas algumas diferenas, em outro caso que

    se pode tomar como paradigmtico para a discusso dos limites da atual definio de

    valor mobilirio o Processo Administrativo CVM n RJ 2007/11593, no qual se

    6 Cf., para uma discusso mais aprofundada, as referncias de Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik em seu

    A Nova Lei das S/A, cit., em especial pp. 488 e ss.

  • Processo Administrativo CVM n RJ 2009/6346

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    caracterizaram as Cdulas de Crdito Bancrio CCBs quando emitidas sob

    determinadas condies, tambm como valores mobilirios.

    Com base no quanto j foi decidido, verifica-se que, a rigor, no inciso IX do art. 2 da

    Lei n 6.385/76, se est, basicamente, tratando:

    i) de instrumentos destinados ao investimento (ou seja, de inverso de

    recursos);

    ii) em um empreendimento coletivo;

    iii) com a expectativa de obteno de lucros;

    iv) que decorrem dos esforos do empreendedor ou de terceiros (nunca do

    prprio investidor, que passivo em relao produo dos resultados).

    Entendo que se, no caso dos CEPACs ou das CCBs, foi possvel, ante as condies

    concretas, caracterizar aqueles instrumentos como valores mobilirios, o mesmo no

    se pode fazer para os crditos de carbono.

    Primeiro porque aqui se est tratando de ttulos resgatveis (destinados ao resgate

    em um determinado tipo de bem ou de direito, como acima esclarecido) e no em

    instrumentos geradores de um rendimento financeiro propriamente dito. No Processo

    CVM n RJ 2003/499, a linha adotada pelo Diretor Relator foi distinta, adotando-se a

    interpretao de que a existncia de um mercado secundrio, em que se podem

    alienar com ganho os ttulos, permitiria o reconhecimento do carter lucrativo dos

    instrumentos. Entendo que esse carter lucrativo deveria dizer respeito ao prprio

    ttulo, estando diretamente relacionado sua natureza de instrumento de

    investimento.

    Em segundo lugar, e a distanciar os crditos de carbono dos CEPACs, reforando

    agora de forma marcante o ponto acima, deve-se destacar que, uma vez emitidas,

    as RCEs passam a existir desvinculadas do agente que implantou o correspondente

    projeto de MDL, no sendo a ele oponveis. Em outras palavras, todos os crditos de

    carbono emitidos acabam sendo fungveis entre si. No h que se falar, assim,

    naquelas relaes de participao, de parceria ou de remunerao. Este ponto

    bem destacado no Memorando que sustenta o presente voto7.

    7 Deve-se, aqui, considerar que, como a implantao de projetos de MDL tem se dado a partir de relaes

    isoladas que no so relaes de massa pode haver variaes no que tange aos direitos e deveres das partes envolvidas. Entretanto, ainda que mude, de um caso para outro, o tipo de vinculao do agente que

    implantou o projeto, tal fato no invalida o argumento ora adotado: os ttulos, uma vez emitidos, no

    dependem mais do projeto que lhes deu origem.

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    O fato que, (i) no havendo a manuteno de vnculo, em razo da aquisio de uma

    RCE, entre o adquirente desta e o agente econmico que implantou o projeto de MDL;

    e (ii) no se destinando as RCEs a corporificar um investimento propriamente

    financeiro, no h que se falar na caracterizao dos crditos de carbono em si como

    valores mobilirios tambm por fora do inciso IX do art. 2 da Lei n 6.385/76.

    Outros instrumentos derivados dos crditos de carbono ou a eles relacionados

    Sem prejuzo das consideraes acima, creio ser necessrio ressalvar que, caso

    sejam criados outros instrumentos envolvendo crditos de carbono ou direitos

    decorrentes de crditos de carbono ou de projetos de MDL, estes devem, na forma

    destacada no Memorando, ser objeto de anlise prpria, a fim de que se verifique se,

    a cada caso, se trata ou no de valor mobilirio.

    O Memorando j antecipa algumas interpretaes neste sentido. Prefiro porm, no

    mbito do presente voto e como no da deciso de casos concretos e das

    autorizaes propriamente ditas que se est aqui tratando , no analisar nenhuma

    das modalidades operacionais ali discutidas, apenas destacando que, conforme a

    natureza do produto criado, ele pode, de fato, vir a ser caracterizado como valor

    mobilirio por qualquer dos incisos acima discutidos.

    Autorizaes dos sistemas prestadores de servios e das entidades administradoras

    de mercados organizados

    Outro ponto que merece destaque no presente voto, ainda que apenas para registro,

    que a utilizao de qualquer estrutura registral, de negociao ou de custdia

    sujeita competncia regulatria da CVM deve ser objeto de autorizao pela

    autarquia, na forma da respectiva regulamentao. O mesmo vale, naturalmente,

    para a prestao de quaisquer servios por entidades administradoras de mercado

    organizado, na forma do art. 13 da Instruo CVM n 461, de 23.10.2007.

    III. Convenincia da caracterizao das RCEs como valores mobilirios

    Por fim, e como essa questo tambm veio baila no j referido voto sobre a natureza

    dos CEPACs e nos pareceres da PFE que vm tratando, at o presente momento, da

    matria ora discutida, creio que vale discutir a convenincia de se caracterizarem as

    RCEs como valores mobilirios. Se eles no so, pelos motivos acima descritos, assim

    enquadrveis, cumpre perguntar se no caberia, por uma iniciativa legal, obter

    aquela caracterizao.

    Ora, entendo que a caracterizao de um instrumento como valor mobilirio tem,

    como principal efeito, a submisso dos processos de emisso, distribuio e

  • Processo Administrativo CVM n RJ 2009/6346

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    negociao de tal instrumento competncia de um regulador estatal prprio, a CVM

    vale dizer, valor mobilirio, mais do que uma categoria terica, tudo aquilo que a

    legislao define como tal, para fins de definio da competncia do regulador

    estatal8.

    Neste sentido, a prpria tipologia variada dos valores mobilirios na atualidade (uma

    vez que eles englobam ttulos de dvida, de participao, derivativos etc), acaba por

    demonstrar que, em termos de definio da natureza jurdica propriamente dita, a

    caracterizao de um instrumento como valor mobilirio de pouca valia. Ela

    importa, muito mais, para a incidncia de um regime regulatrio prprio que,

    historicamente, conformado com base na tutela do investidor, sobretudo a partir de

    regras de cunho informacional (em especial referentes ao full disclosure e vedao

    ao insider trading), e na garantia da eficincia dos mecanismos de mercado

    (sobretudo a partir da proteo aos mecanismos de formao de preos dos ativos)9.

    Ora, como j foi brevemente esclarecido, crditos de carbono: (i) so emitidos como

    resultado de um procedimento prprio, cuja idoneidade deve ser certificada por

    entidades s quais foi delegada autoridade especfica para tanto; e (ii) uma vez

    emitidos, tornam-se desvinculados da instituio que implementou o correspondente

    projeto de emisso, tornando-se fungveis entre si. Ademais, vale esclarecer que tais

    instrumentos so ofertados de forma essencialmente privada10.

    Da combinao desses fatores resulta que, em princpio, pouco ou nenhum benefcio

    adviria para o pblico investidor caso se estendesse a competncia da autarquia para

    abranger tais ttulos. No vejo a necessidade, ao menos no que tange aos agentes que

    implementam projetos de MDL, dando causa emisso de RCEs, de criao de um

    regime de disclosure prprio. As prprias emisses dos produtos, contando com uma

    srie de gatekeepers (agentes credenciados para atuar na estruturao de projetos,

    validar e certificar iniciativas) e de procedimentos de controle, tambm no

    demandam regimes diferenciados (mesmo porque, muitas vezes tal emisso se d no

    mbito de relaes intuitu personae, conformadas pelas partes em razo de

    caractersticas individuais).

    Para outros produtos relacionados s RCEs, como j se viu, a CVM j dispe da

    competncia adequada, seja a partir do que lhe permitem os incisos VI e VII do art. 2

    8 Neste sentido, cf. Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik, A Nova Lei das S/A, cit., p. 478, e Otavio

    Yazbek, Regulao do Mercado Financeiro e de Capitais, cit., p. 83. 9 Para algumas dessas finalidades, cf. a anlise de Jlio Ramalho Dubeux, A Comisso de Valores

    Mobilirios e os Principais Instrumentos Regulatrios do Mercado de Capitais Brasileiro, Srgio Antonio

    Fabris Editor, 2006, pp. 43 e ss. 10

    E, mesmo nos casos de oferta por meio de sistemas de leilo em Bolsa (de que j h exemplos no Brasil),

    tal assuno permanece vlida, dadas as caractersticas concretas das ofertas realizadas.

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    da Lei n 6.385/76, seja a partir do que lhe permite o inciso IX do mesmo dispositivo.

    No que tange s RCEs propriamente ditas, porm, no vejo motivao suficiente para

    levar a novos esforos ou a novas iniciativas visando ao alargamento daquela

    competncia.

    IV. Possibilidade de aquisio de RCEs por fundos de investimento

    Ainda que tenha sido afastada a caracterizao das RCEs como valores mobilirios,

    certo que estas, como ativos passveis de negociao, tambm interessam CVM, na

    medida em que podero integrar a carteira de veculos de investimento diversos.

    Assim, trataremos aqui da possibilidade de aquisio de RCEs por fundos de

    investimento, notadamente aqueles regidos pela Instruo CVM n 409, de 18.8.2004

    (Instruo CVM n 409/04). Sem prejuzo das consideraes constantes do

    Memorando, com as quais concordo em sua integridade, creio que vale deixar alguns

    pontos registrados no presente voto.

    Na Instruo CVM n 409/04, fundos de investimento so definidos como uma

    comunho de recursos destinada aplicao em ativos financeiros. A definio do que

    so estes ativos financeiros, para os efeitos da referida Instruo, encontra-se no art.

    2, 1, da mesma regra. Tal pargrafo, em seu inciso VIII, autoriza as carteiras dos

    fundos de investimento a conter inclusive warrants, contratos mercantis de compra

    e venda de produtos, mercadorias ou servios para entrega ou prestao futura,

    ttulos ou certificados representativos desses contratos e quaisquer outros crditos,

    ttulos, contratos operacionais desde que expressamente previstos no regulamento.

    Ante a amplitude do contido no referido dispositivo, entendo que, desde que haja

    previso em regulamento, podem os fundos de investimento adquirir RCEs. Porm,

    em consonncia com o Memorando e com o decidido pela CVM no Processo

    Administrativo n RJ 2008/6432, entendo, ainda, que as RCEs em si so, a rigor,

    ativos emitidos no exterior, o que tambm se deve levar em conta para a presente

    interpretao.

    Isso porque da decorre que, para a aquisio de RCEs por fundos de investimento,

    deve-se aplicar o disposto no 5 do art. 2 da citada Instruo CVM n 409/04.

    Assim, as RCEs devem: (i) ser admitidas negociao em bolsa ou registradas em

    sistema de registro devidamente autorizados em seus pases de origem e

    supervisionados por autoridade local reconhecida (inciso I); ou (ii) ter sua existncia

    assegurada pelo custodiante do fundo (inciso II). Na hiptese do inciso II, tambm se

    aplicar o disposto no art. 2, 8, da Instruo CVM n 409/04, que estabelece que

    os registros a que se refere o 5, inciso II, devem ser mantidos em contas de

    depsito especficas, abertas diretamente em nome do fundo.

  • Processo Administrativo CVM n RJ 2009/6346

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    Note-se que, quando se estiver tratando no da aquisio de RCEs propriamente

    ditas, mas sim de outros tipos de instrumentos, como certificados representativos de

    compra e venda futura de RCE e outros derivativos ou produtos sintticos, criados no

    Brasil e aqui negociados, bastar observar o disposto no 3 do art. 2 da citada

    Instruo CVM n 409/04. Isso implica dizer que os ativos devero ser admitidos a

    negociao em bolsa de valores, de mercadorias e futuros, ou registrados em sistema

    de registro, de custdia ou de liquidao financeira devidamente autorizado pelo

    Banco Central do Brasil ou pela CVM, nas suas respectivas reas de competncia.

    V. Mecanismos de financiamento e estruturao de projetos

    Finalmente, o Memorando discorre sobre algumas espcies de veculos de

    investimento, j regulamentados pela CVM, que poderiam ser utilizados como

    alternativas de mercado para o financiamento de projetos de MDL. Esclareo que, a

    meu ver, no cabe a esta primeira manifestao do Colegiado esgotar o tema.

    Mais importante deixar registrado, nos moldes do quanto se discute no Memorando,

    que, hoje, o mercado brasileiro j dispe de alguns instrumentos que permitem o

    financiamento daqueles projetos de desenvolvimento de tcnicas produtivas, por

    exemplo destinados a gerar RCEs. J h registro, por exemplo, da adoo de

    estruturas envolvendo Fundos de Investimento em Participaes (FIP),

    regulamentados pela Instruo CVM n 391, de 16.7.2003, para tais fins.

    O Memorando explora, ainda, a possibilidade de utilizao dos Fundos de

    Investimento em Direitos Creditrios No Padronizados (FIDC-NP), regulamentados

    pela Instruo CVM n 444, de 8.12.2006, e dos Fundos de Investimento Imobilirio

    (FII), regulamentados pela Instruo CVM n 472, de 31.12.2008, no financiamento

    ou na estruturao de projetos daquela natureza. Para mim, tratam-se de

    possibilidades j adequadas para o atendimento a algumas das necessidades do

    mercado.

    Ao mesmo tempo, porm, reconheo que, com o desenvolvimento de tal mercado e o

    aumento dos volumes emitidos e negociados, tendem a surgir algumas novas

    demandas, com o conseqente surgimento de estruturas mais elaboradas de

    financiamento para aqueles projetos. Por este motivo, gostaria de deixar registrado

    que, em que pese o exerccio j desenvolvido pela SDM e consolidado no Memorando,

    ser muito importante que a autarquia se mantenha aberta a analisar propostas de

    criao de novos mecanismos de financiamento de projetos.

    Assim, sou da opinio de que, se por um lado, o arcabouo normativo atual j oferece

    uma gama de alternativas para o financiamento de projetos, tambm papel desta

    autarquia enfrentar os eventuais desafios regulatrios, tendo em vista o progressivo

    refinamento das estruturas negociais adotadas em mercado e, ademais, a

  • Processo Administrativo CVM n RJ 2009/6346

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    manuteno da transparncia de tais estruturas, sempre que se estiver tratando de

    mecanismos que envolvam o apelo ao pblico investidor.

    VI. Concluso

    Ante o exposto, entendo que:

    i) as RCEs no so, hoje, passveis de caracterizao como valores mobilirios,

    no estando, desta maneira, sujeitas ao regime estabelecido pela Lei n

    6.385/76 para tais instrumentos;

    ii) no h necessidade, ante o processo de emisso de crditos de carbono e a

    natureza dos ttulos, de buscar tal caracterizao por fora de legislao

    superveniente;

    iii) outros instrumentos eventualmente relacionados s RCEs, como certificados,

    instrumentos sintticos ou derivativos, podero vir a ser caracterizados como

    valores mobilirios, tendo em vista a sua natureza, aplicando-se a eles, nestes

    casos, os regimes estabelecidos na regulamentao em vigor;

    iv) em qualquer hiptese, a utilizao de sistemas de prestao de servios

    sujeitos a regulamentao especfica pela CVM e a atuao de entidades

    administradoras de mercados organizados devero ser precedidas das

    correspondentes autorizaes;

    v) os fundos de investimento so autorizados a adquirir RCEs, nos termos do art.

    2, inc. VIII, da Instruo CVM n 409/04, observado, como se tratam de

    ativos emitidos no exterior, o disposto nos 5 e 8 do mesmo dispositivo;

    vi) no caso de certificados de crditos de carbono ou derivativos, a possibilidade

    de aquisio, pelos fundos de investimento, decorre tambm do disposto no

    inciso VIII do art. 2 da Instruo CVM n 409/04, observado, caso se tratem

    de ativos ou de derivativos emitidos no Brasil, o disposto no 3 do mesmo

    dispositivo; e

    vii) o mercado brasileiro j dispe de alguns mecanismos hbeis ao financiamento

    e estruturao de projetos destinados emisso de crditos de carbono.

    o meu voto.

    Rio de Janeiro, 7 de julho de 2009

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    Otavio Yazbek

    Diretor