curupassé, um caminho colonial esquecido · construídos à moda portuguesa, vestígios indígenas...

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_______________________________________________________cemiteriosp.com.br Curupassé, um caminho colonial esquecido sob os escombros do passado Benedito Rubens Por séculos, os primeiros povoadores do nordeste brasileiro aproveitaram o vale do rio Cais, um afluente da margem esquerda do rio Poty, para cruzarem os íngremes altiplanos da majestosa serra da Ibiapaba, cujo significado na língua indígena, dentre muitos propostos, quer dizer “Serra Talhada”. Não sem motivo, a estratégia dos povos antigos foi o de acompanhar os cursos d’água nas suas rotas migratórias, posto que, os fundos de vales, às margens dos rios, funcionavam como estradas naturais devido ao fácil acesso e à sua sinalização natural. Assim o foi para aquela região do centro leste piauiense. A via de comunicação entre a cidade de Crateús, antiga Príncipe Imperial, e a de Castelo do Piauí, era feita seguindo as margens do Cais. Entretanto, em meados do século passado, foi construída a estrada estadual ligando Castelo à fronteira com o Ceará, a PI-322. Em virtude das novas demandas estruturais, a sua construção deu-se desviando das áreas onde o vale se afunilava, fazendo com que o seu traçado fosse diferenciado do antigo caminho, com isso, levou ao ostracismo vários povoados que eram usados como pontos de apoio pelos comboios que usavam animais de carga como meio de transporte de pessoas e mercadorias. Esta realidade acometeu localidade Curupassé, situada numa estreita passagem do rio entre o seu alto e médio curso. São mais ou menos 15 quilômetros onde o rio Cais percorre um caixão, espremido por serras. Outrora passagem obrigatória de tropeiros e, se regredirmos mais ainda no tempo, certamente por ali migravam levas de indígenas, fossem eles das tribos dos tapuios, tabajaras ou tremembés. Há uma acentuada probabilidade que a negra fugida da cidade de Marvão, hoje Castelo, tenha usado o mesmo boqueirão para se esconder no fértil vale de Areias, hoje Buriti dos Montes, nos idos do século XIX. Teria sido ela a precursora do núcleo colonial que, na atualidade, transformou-se nesse próspero município. Além de ser rota obrigatória, a região do Curupassé mostrou-se bastante produtiva em virtude da abundância hídrica e solo agricultável. Segundo o senhor Valdemar Soares do Monte, 90 anos, imensos plantios de cana de açúcar alimentavam vários engenhos tocados por duplas de boi, a rapadura produzida era exportada para o Ceará e outras regiões do Piauí. Lembra o lúcido ancião, que seu avô, há cem anos, chegou a produzir uma cachaça de ótima qualidade denominada, não sem motivo, de aguardente Curupassé. Infelizmente, este tempo áureo é coisa de um passado longínquo, posto que deixou de ser uma rota usual ao passo que as condições ambientais ficaram cada vez mais desfavoráveis ao incremento da produção agrícola, além do que, a rapadura deixou de ser o açúcar do sertão, perdendo valor econômico fato este que desestimulou a produção em larga escala.

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Page 1: Curupassé, um caminho colonial esquecido · construídos à moda portuguesa, vestígios indígenas e ancestrais nos remetem àquele passado de glória e pompa. Seu Valdemar relata

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Curupassé, um caminho colonial esquecido sob os

escombros do passado

Benedito Rubens

Por séculos, os primeiros povoadores do nordeste brasileiro aproveitaram o vale do rio Cais, um afluente da margem esquerda do rio Poty, para cruzarem os íngremes altiplanos da majestosa serra da Ibiapaba, cujo significado na língua indígena, dentre muitos propostos, quer dizer “Serra Talhada”. Não sem motivo, a estratégia dos povos antigos foi o de acompanhar os cursos d’água nas suas rotas migratórias, posto que, os fundos de vales, às margens dos rios, funcionavam como estradas naturais devido ao fácil acesso e à sua sinalização natural. Assim o foi para aquela região do centro leste piauiense. A via de comunicação entre a cidade de Crateús, antiga Príncipe Imperial, e a de Castelo do Piauí, era feita seguindo as margens do Cais. Entretanto, em meados do século passado, foi construída a estrada estadual ligando Castelo à fronteira com o Ceará, a PI-322. Em virtude das novas demandas estruturais, a sua construção deu-se desviando das áreas onde o vale se afunilava, fazendo com que o seu traçado fosse diferenciado do antigo caminho, com isso, levou ao ostracismo vários povoados que eram usados como pontos de apoio pelos comboios que usavam animais de carga como meio de transporte de pessoas e mercadorias. Esta realidade acometeu localidade Curupassé, situada numa estreita passagem do rio entre o seu alto e médio curso. São mais ou menos 15 quilômetros onde o rio Cais percorre um caixão, espremido por serras. Outrora passagem obrigatória de tropeiros e, se regredirmos mais ainda no tempo, certamente por ali migravam levas de indígenas, fossem eles das tribos dos tapuios, tabajaras ou tremembés. Há uma acentuada probabilidade que a negra fugida da cidade de Marvão, hoje Castelo, tenha usado o mesmo boqueirão para se esconder no fértil vale de Areias, hoje Buriti dos Montes, nos idos do século XIX. Teria sido ela a precursora do núcleo colonial que, na atualidade, transformou-se nesse próspero município. Além de ser rota obrigatória, a região do Curupassé mostrou-se bastante produtiva em virtude da abundância hídrica e solo agricultável. Segundo o senhor Valdemar Soares do Monte, 90 anos, imensos plantios de cana de açúcar alimentavam vários engenhos tocados por duplas de boi, a rapadura produzida era exportada para o Ceará e outras regiões do Piauí. Lembra o lúcido ancião, que seu avô, há cem anos, chegou a produzir uma cachaça de ótima qualidade denominada, não sem motivo, de aguardente Curupassé. Infelizmente, este tempo áureo é coisa de um passado longínquo, posto que deixou de ser uma rota usual ao passo que as condições ambientais ficaram cada vez mais desfavoráveis ao incremento da produção agrícola, além do que, a rapadura deixou de ser o açúcar do sertão, perdendo valor econômico fato este que desestimulou a produção em larga escala.

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Quem visita aquele rincão mítico ainda se depara com os escombros daquele valioso período. Casarões abandonados, restos de engenhos, muros de pedra seculares construídos à moda portuguesa, vestígios indígenas e ancestrais nos remetem àquele passado de glória e pompa. Seu Valdemar relata que a principal edificação do Curupassé foi obra de seu avo, Manoel do Monte Torres, erguida em 1910. Construído com alicerce de pedra e paredes de tijolos de adobe, aquele casarão assusta à primeira vista. Para o amante de arquitetura colonial é um prato requintado. Com pé direito altíssimo, na faixa de seis metros, situada numa enorme protuberância rochosa, coberta com telhado argiloso, aquele casario é visto à grande distância, provocando no mais dos incautos passageiros uma comoção artística, a vontade que se tem é de pegar no pincel e desenhar aquela paisagem digna de uma tela de Monet. Os recursos necessários para que fosse erguida advieram da exploração da borracha de maniçoba, extrativismo este que foi um importante item da pauta de exportação do Piauí, durante as primeiras décadas do século passado.

Casarão construído em 1910 por Manoel do Monte Torres É triste constatar que o casarão da família Monte está desmoronando, assim como todas as outras edificações do lugar. Para quem deseja conhecer aquela pérola da natureza deve seguir até o povoado Tranqueiras, onde as duas estradas se encontram, a moderna, PI – 322 e a estrada Real, do tempo do Brasil império. Das Tranqueiras até o Curupassé, percorre-se uma légua, aproximadamente. Como de praxe, converse antes com os moradores das Tranqueiras, seu Valdemar mora ali, em companhia de sua companheira de 50 anos de caminhada, Dona Mimosa. Se for, deixe apenas pegadas, traga somente imagens inesquecíveis.

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Seu Valcemar Monte e sua esposa, Dona Mimosa Esta trilha é propícia para se percorrer a pé, de cavalo ou bike, assim que começa a aventura, nos deparamos com o antigo cemitério do Tabuleirinho, vale à pena uma breve parada, a cerca de pedra, o cruzeiro, os belíssimos túmulos onde estão enterrados o avô e avó maternos do seu Valdemar, clamam por um momento de reflexão sobre a extemporaneidade de nossa vida terrena em concisão com a eternidade do universo que nos cerca. A história do seu surgimento é interessante, segundo nosso interlocutor, seu avô, Luís Soares Cavalcante, codinome “Lulu”, costumava descansar naquele ponto à sombra de um frondoso pé de Jucá ou Pau Ferro para os cearenses, durante suas viagens a cavalo. Fazia suas necessidades fisiológicas, comia um pouco de farinha com rapadura, tomava um gole para saciar a sede. De tanto assim proceder, apaixonou-se pelo lugar e resolveu que ali ergueria sua morada eterna. Lulu, você é um afortunado! Mais à frente, o visitante passa por um enorme paredão, seu Francisco dos Santos Lino, guia local, explica que naquele talhado despencaram, quatro figuras lendárias dos sertões de dentro, o vaqueiro, a rês, o cavalo e o cachorro, na luta intrépida pela sobrevivência, perderam a noção de direção, indo de encontro ao precipício. Suas vidas findaram, entretanto, suas lembranças perdurarão por todo o sempre. Seguindo um pouco mais, o visitante chegará ao morro da Moça Encantada, se tiver sorte ela aparecerá, será ela uma índia ou o espírito luminoso da negra quilombola? Tudo é possível, por ser bastante íngreme e vertical o morro da Moça funcionou como ninho de araras. Ali próximo existe uma área de plantio onde, anos atrás, o agricultor Pedro Conrado descobriu uma mina de opala ao queimar o local. Minas desta pedra preciosa são encontradas ao longo daquele cânion.

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Ao chegar no Curupassé, o melhor a fazer é procurar o guia local João Bosco Miranda, 15 anos, ele o levará a conhecer as belezas do lugar, um dos atrativos mais visitados é uma pegada cravada na rocha, segundo consta, seria de Nosso Senhor Jesus Cristo que teria sido enterrado naquele ponto. Numa outra vertente que desemboca no rio Cais, um boqueirão conhecido por Brejo, dizem ser o lugar encantado, vozes e o som de boiada são ouvidos e, quando se vai procurar, nada se encontra. Há, também, um olho d’água, denominado Sumidouro, onde outro vaqueiro, teria ali sumido juntamente com seu cavalo e o boi perseguido, cavou-se até onde foi possível e nunca se encontrou nem os chifres do muar tão pouco as alpargatas do destemido aboiador. Para concluir, lembro que, no Brejo, existe uma caverna onde caçadores da região estavam no encalço de guaxinins, que eram eliminados por que detonavam plantações inteiras de cana de açúcar. No momento que adentraram na gruta, encontraram dois potes de barro, tampados com uma pedra. Imaginado terem descoberto um tesouro valioso, levaram os utensílios para fora, ao abrirem o recipiente, a decepção foi geral, pois no interior só havia ossos humanos. É fato que não retornamos dali com a mesma carga que entramos, voltamos enriquecidos, o espírito elevado e a mente sã. Respiramos o ar puro e perfumado da caatinga, ouvimos os sons da natureza e os tons variados da mata que nos cercam enchem nossos olhos e a alma de prazer, como é bom praticar ecoturismo. Benedito Rubens Luna de Azevedo

Assessor da Prefeitura Municipal de Buriti dos Montes, Piauí – Brasil

Data da visita ao Curupassé: 23 de janeiro de 2010

MAIS FOTOS

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Casario abandonado

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Comunidade Tranqueiras recebendo terraplanagem para alfaltamento

Residência com calçada em ladrilhos

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Túmulos no cemitério do Tabuleirinho

Muro de pedras na frente do cemitério

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O visitante e seu guia local, Francisco Lino

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Fonte:

http://www.portalcdp.com.br/blogs/turismo-1195.html

www.cemiteriosp.com.br - Maio/2011 – São Paulo - SP – Brasil