curta libras: artefatos midiÁticos em libras e a …cultu... · sendo a educação um...

16
CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO DO SUJEITO SURDO Anie Pereira Goularte Gomes – Universidade Federal de Santa Maria Surdo: para além de um sujeito cultural.... Pensar e olhar para o discurso midiático sobre o sujeito surdo na contemporaneidade e os possíveis efeitos na produção de significado desse sujeito e seus desdobramentos nas percepções relacionais na atual conjuntura de políticas inclusivas é o que esse texto tenciona. Nesse sentido, a relação entre as esferas cultural e política não é nova e tangenciando os processos de subjetivação do sujeito surdo que se narra e é narrado pela mídia é lançado um olhar analítico para essa dinâmica. As produções midiáticas que tematizam a surdez ao longo dos últimos anos possibilitaram novas provocações e des(encontros) que colocaram em suspenso algumas “verdades” sobre esse sujeito incitando novas condições para se pensar a constituição do sujeito surdo. A partir da análise dessa materialidade pensou-se nesse contexto propor outros engajamentos na produção de vídeos de comunicação de massas como redes sociais onde a perspectiva da pessoa surda a partir dos Estudos Culturais ganhasse visibilidade e pudesse circular em espaços diversos. Historicamente, o sujeito surdo saiu da periferia de produção do conhecimento sobre si e colocou na vitrine as questões culturais tornando-se protagonista nos enunciados que corporificam esse discurso. Nesse sentido, a norma “surda” que regula e conduz a vida dos sujeitos produz um status legítimo do conceito de cultura surda que baliza muitas práticas do cotidiano. Destaco também nessa égide que constituem e circulam na comunidade surda as estratégias e gerenciamento de riscos, mas que não serão exploradas nessa discussão. Ladd (2013) relata as experiências surdas no ambiente escolar, principalmente em épocas de escolas residenciais fomentando uma consciência cultural nesses encontros e

Upload: doandang

Post on 13-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A PRODUÇÃO

DE SIGNIFICADO DO SUJEITO SURDO

Anie Pereira Goularte Gomes –

Universidade Federal de Santa Maria

Surdo: para além de um sujeito cultural....

Pensar e olhar para o discurso midiático sobre o sujeito surdo na

contemporaneidade e os possíveis efeitos na produção de significado desse sujeito e seus

desdobramentos nas percepções relacionais na atual conjuntura de políticas inclusivas é

o que esse texto tenciona. Nesse sentido, a relação entre as esferas cultural e política não

é nova e tangenciando os processos de subjetivação do sujeito surdo que se narra e é

narrado pela mídia é lançado um olhar analítico para essa dinâmica.

As produções midiáticas que tematizam a surdez ao longo dos últimos anos

possibilitaram novas provocações e des(encontros) que colocaram em suspenso algumas

“verdades” sobre esse sujeito incitando novas condições para se pensar a constituição do

sujeito surdo. A partir da análise dessa materialidade pensou-se nesse contexto propor

outros engajamentos na produção de vídeos de comunicação de massas como redes

sociais onde a perspectiva da pessoa surda a partir dos Estudos Culturais ganhasse

visibilidade e pudesse circular em espaços diversos.

Historicamente, o sujeito surdo saiu da periferia de produção do conhecimento

sobre si e colocou na vitrine as questões culturais tornando-se protagonista nos

enunciados que corporificam esse discurso. Nesse sentido, a norma “surda” que regula e

conduz a vida dos sujeitos produz um status legítimo do conceito de cultura surda que

baliza muitas práticas do cotidiano. Destaco também nessa égide que constituem e

circulam na comunidade surda as estratégias e gerenciamento de riscos, mas que não

serão exploradas nessa discussão.

Ladd (2013) relata as experiências surdas no ambiente escolar, principalmente em

épocas de escolas residenciais fomentando uma consciência cultural nesses encontros e

Page 2: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

já insurgindo a ideia de nação surda. Esses elementos remetem as lutas atuais de direito e

respeito à um povo surdo, e consequentemente a sua língua e cultura. Fatos esses narrados

por Padd (2013) demonstram como foram se constituindo essa gama de significados e

pertencimento a comunidade surda.

Essas histórias não servem apenas de insumo para pesquisas históricas, mas nos

ajudam na noção de genealogia do conceito de cultura surda que pode ser pensado a partir

dessas narrativas que foram consumidas em diferentes tempos e espaços de comunidades

surdas espalhadas pelo mundo.

O narrar sobre si não é mero palavratório mas trazem memórias e experiências

que são validados como saberes sujeitados. Essa rede discursiva engendra nossas práticas

e atua como dispositivo no processo de subjetivação das pessoas surdas.

Na perspectiva pós-estruturalista, discutindo a ampla classe dos dispositivos

foucaultianos, Agamben (2010) chama de dispositivo “qualquer coisa que tenha de algum

modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e

assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (p. 40). E

sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas

nas políticas públicas, a afirmação de si e o apagamento do outro se tornam cada vez mais

evidentes.

O consequente reducionismo dessa diferença cultural a sua língua tem efeito

também de colocar outros sujeitos (ouvintes) em outras práticas relacionais. Essas

fronteiras entre culturas não são seccionadas dos sujeitos, muito menos de suas línguas.

Esse paradoxo de não pertencimento a cultura do sujeito ouvinte cria elementos

que correspondem a um estrangeirismo, para não dizer um turista. Para Bauman “A

peculiaridade da vida turística é estar em movimento, não chegar” (1998, p. 114).

No tocante a essa questão, é importante salientar que a construção de uma língua

oral e uma língua visual também conduzem a um processo de estabelecimento de relações

internas diferentemente. Portanto, esses discursos que reduzem a diferença cultural surdas

apenas à diferença linguística devem atentar aos elementos que esta agrega. Essa

dicotomia entre sujeitos e línguas pode atuar como um gatilho nas dinâmicas de

individualização cultural.

Essa necessidade de afirmação cultural, de sair do papel de figurante ou melhor

Page 3: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

de coadjuvante nos discursos que circulam sobre o sujeito surdo pode ser analisado como

uma recorrência em diferentes cenários de nosso país.

Lobo (2015) percorre 500 anos de história da sociedade brasileira estudando as

existências infames e sem notoriedade, que não tiveram importância nos marcos

históricos, dentre eles: os surdos. A autora faz uma problematização genealógica da

deficiência do sentido de “uma primeira investida em uma análise não linear que aborde

a emergência de suas práticas e a elaboração de seus discursos” bem como “a discussão

das questões políticas que os engendram e que possam ser confrontadas com o que ocorre

na atualidade” (Lobo 2015, p.15).

Em sua pesquisa Lobo (2015) encontra categorização do surdo nos séc. XIX e XX

vinculado a monstruosidade, atraso mental e uma série de características físicas, mentais

e psicológicas desviantes.

São discursos atenuados se comparados os dos higienistas e

psiquiatras, uma vez que o surdo-mudo (à diferença dos imbecis e

idiota)já era objeto das preocupações não só dos médicos, mas

principalmente dos educadores, que em geral acumulavam as duas

funções. Os médicos, estes sim, distinguiam no surdo-mudo de

nascença uma infinidade de estigmas físicos, acrescentavam-lhe a

imagem lombrosiana do surdo-mudo imbecil, violento e de má índole,

sobretudo quando não educado. (Lobo 2015, p.61)

Durante anos, os surdos foram narrados como deficientes, como sujeitos da falta,

e o discurso cultural vem proteger, socorrer, subverter essa natureza deficiente da surdez.

Acredito que a noção de cultura, nos últimos anos, ganhou dimensão tão ampla e voraz

em discursos tão prolixos, estando estes intimamente ligados à constituição do eu-surdo.

Sendo assim, a cultura surda é a válvula de escape salvacionista da lógica

deficiente narrada ao longo dos anos, sendo a mídia um canal privilegiado de significação.

Pensando a mídia também como um espaço educativo, Gadelha (2009, p.173), a afirma

que educação agencia a questão da subjetividade, “envolvendo-se em processos, políticas,

dispositivos e mecanismos de subjetivação”, ou seja, como o próprio autor indica,

“constituição de identidades, de personalidades, de formas de sensibilidade, de maneiras

de agir, sentir e pensar normalizadas, sujeitadas, regulamentadas, controladas”, e ainda

em relação a isso o autor coloca que “resistência ao poder entra em foco podendo pensar

como ela, “a educação, se encontra implicada na invenção de maneiras singulares de

relação a si e com a alteridade”. (Gadelha 2009, p.173)

Page 4: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

A partir desse entendimento é que a articulação com a mídia, especificamente no

que se refere a produção de significados de sujeitos surdos é que problematizamos alguns

enunciados que hoje emergem no cenário virtual.

Caminhos percorridos na esfera virtual: outros significados, outras possibilidades...

O presente artigo é resultante do Projeto intitulado Curta Libras: Artefatos

midiáticos em Libras e a produção de significado do sujeito surdo da Universidade

Federal de Santa Maria e teve como objetivo central a produção de um programa de TV

em LIBRAS sendo os protagonistas: pessoas surdas. Calcado nos Estudos Culturais, e

aproximando os discursos de língua e cultura com a produção de significado da pessoa

surda é que questionamos de que forma pessoa surda vem sendo narrada pelos discursos

midiáticos, ou melhor, como está sendo produzida nos contextos virtuais.

O trabalho tem incursão na perspectiva pós-estruturalista e incorporou as contribuições

dos estudos culturais. Sendo assim, o projeto promoveu através de seus vídeos a

protagonização das pessoas surdas e também possibilitou que a imagem dessas pessoas

fosse percebida como aquela que pode desenvolver todas as funções inerentes a qualquer

pessoa sendo surda ou não. Desta forma, entende-se que as posições discursivas nos

vídeos tendem a ir reinterpretando significados e possibilitando a não perpetuação de uma

perspectiva generalista sobre a pessoa surda. A produção e circulação do processo de

significação de mundo passam pela linguagem.

É através dela que construímos os significados. Assim, a linguagem saiu do papel

coadjuvante e tomou papel central neste estudo. Foram produzidos vinte e cinco

episódios, com cinco temas específicos, de curta metragem, veiculados pela TV Campus

da UFSM e posteriormente transmitido nas redes sociais do projeto. Os temas foram os

seguintes: Gastronomia: Chef de cozinha, ensinando receitas; Maternidade: Psicóloga e

doutoranda em Linguística com dicas sobre o universo materno e estimulação aos filhos;

Fitness: Pessoa envolvida em mídia fitness e acadêmico de educação física sugerindo

cuidados e exercícios para o corpo e bem-estar necessários à saúde; Arte e Cultura:

Entrevistadora com artistas surdos ligados a arte, cultura e música. E ainda um tema onde

foi realizado um programa de entrevistas: produção de vídeos sendo a entrevistadora uma

Page 5: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Doutora em educação com estudos na área de mídia e os entrevistados pessoas surdas

tendo como tema diferentes aspectos da vida humana: Mercado de trabalho,

Relacionamento, Ensino superior.

A citada entrevistadora Melânia de Mello Casarin, foi colaboradora do projeto

durante sua produção. Acredita-se que este projeto ao produzir textos virtuais sobre as

pessoas surdas, também produziu partes de um discurso que constituiu uma gama de

significados sobre elas. Salienta-se que as produções midiáticas possuem um grande

potencial de abrangência e são espaços educativos e de produção de conhecimento sobre

esses sujeitos. Por se tratar de uma língua visual as produções midiáticas que envolvem

artefatos visuais tem um status privilegiado na produção do conhecimento sobre esses

sujeitos.

Figura 1: Apresentadores do Curta Libras

Fonte: Print Screen de alguns episódios

Proposições e articulações com a comunidade...

Page 6: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

O intuito foi produzir artefatos visuais em LIBRAS tendo como protagonistas

pessoas surdas. Todas os episódios foram produzidos na Lingua Brasileira de Sinais a fim

de proporcionar aos espectadores conteúdos de diferentes temas. Os curtas também

visaram oportunizar o aprendizado de alguns sinais contextuais em Libras. Toda essa

materialidade pode fomentar pesquisas sobre o conteúdo abordado no programa e sua

relação com a produção de significado da pessoa surda.

As ações durante as articulações do projeto perpassaram diferentes setores da

sociedade como: alunos e professores da UFSM, comunidade surda, intérpretes de

LIBRAS e profissionais de comunicação. Os programas foram realizados com o apoio da

TV Campus, onde a partir de do segundo semestre do ano de 2016 foram veiculados

semanalmente na TVcampus e posteriormente foram postados no canal intitulado "Curta

Libras" em circulação livre na internet. O projeto contou com bolsa do Prolicen e do Fiex

no período de vigência de março de 2016 à janeiro de 2017 e com colaboradores do

núcleo de acessibilidade responsáveis por todo o processo de tradução dos episódios e da

TV Campus (editores e cinegrafistas) responsáveis pelas imagens e edições dos

programas.

Sistemática editorial: produzindo significados e tecendo redes discursivas...

Para pensar nas possibilidades discursivas demandou um longo trajeto percorrido.

Mecanismos e estratégias para administrar os textos narrados foram pensados e

articulados com a comunidade surda. Nessa sessão descrita, transcorre essa trajetória

relatando os caminhos percorridos. A sistemática foi a seguinte para a produção de cada

um dos episódios: Contato com o profissional surdo vinculado ao tema abordado; Reserva

de um local adequado para a filmagem; Criação do roteiro (coordenação do projeto e

surdo protagonista); Gravação do programa em LIBRAS onde o protagonista surdo

ensina ao público o conteúdo relacionado a sua área de atuação; Filmagem de imagens

externas para inserir em cada um dos programas; Edição dos vídeos; Tradução para a

língua Portuguesa na modalidade oral e Inserção de créditos.

Page 7: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Figura 2: Exemplo da sistemática de edição do programa

Fonte: Print Screen do programa de edição das filmagens

Figura 3: Lista de episódios no Canal do Curta Libras

Fonte: Print Screnn dos episódios postados no Canal

Page 8: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Por se tratar de um programa que foi veiculado primeiramente na TV Campus da

UFSM e depois ter veiculação livre na internet e ter como público-alvo em sua grande

maioria pessoas surdas, foi necessário criar uma representação gráfica através de uma

logomarca para estar inserida em todos os episódios.

Figura 4: Logo marca criada por Helenne Sanderson

Fonte: Arquivo pessoal de Helenne Sanderson

Veiculação da produção dos vídeos em LIBRAS na mídia televisiva e redes sociais...

Para a veiculação na rede foi criado um perfil no facebook e instagram para a

divulgação e maior contato com a comunidade surda. Também uma conta no youtube,

para proporcionar um maior alcance. Após a transmissão da TV Campus semanalmente

os episódios eram postados nos referidos endereços eletrônicos.

Figura 5: Perfil no facebook Figura 6: Perfil no Instagram

Page 9: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Fonte: Fonte:

Print Screen do facebook do Curta Libras Print Screen do Instagram do Curta Libras

Fgura 7: Canal do Curta Libras no Youtube Figura 8: Criação do Canal

Fonte: Fonte:

Print Sreen do Canal do Youtube Arquivo pessoal da coordenadora do projeto

Do status linguístico: tradução e dublagem dos episódios...

Optou-se pela Língua Brasileira de Sinais ser a língua fonte de todos os episódios,

e uma vez atentando para as questões culturais e objetivando uma não poluição visual,

não foi incluída a legenda e sim a tradução para a Língua Portuguesa na modalidade Oral.

A tradução para a Língua Portuguesa na modalidade escrita foi previamente realizada

Page 10: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

pelas intérpretes da UFSM para a posterior gravação dos áudios. Foram necessários mais

colaboradores para dublagem de personagens masculinos, uma vez que todas as

tradutoras eram mulheres. Para isso contou-se com a apoio de pessoas que trabalham na

TV Campus que liam os textos traduzidos pelas intérpretes quando a pessoa surda era

homem. Sendo assim todos os textos foram narrados de forma oral simultaneamente a

sinalização em LIBRAS.

Em poucos episódios quando se fez uso da Língua Portuguesa da modalidade

Oral, o processo foi inverso. Foram filmados vídeos em Libras para a inclusão da “janela

do intérprete”.

Figura 9: Janela do intérprete quando a lingua fonte era a Lingua Portuguesa na

modalidade oral

Fonte: Print Screen do Curta Libras

Figura 10: Tradução e dublagem de Carine Barcelos e Jussara Maitê Esmério

Page 11: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Fonte: Facebook do Curta Libras

Dos efeitos: ações micro nas fissuras do engessamento conceitual

Pensar e discutir as noções de sujeito, língua e produção de significado da pessoa

surda foi o que tencionou a realização desse trabalho. Mas justamente esse debate torna-

se imperativo nas universidades, uma vez que a LIBRAS e consequentemente a pessoa

surda tem adentrado esses espaços. Pensar o sujeito surdo para além da docência e sua

língua foi o caráter norteador desse processo. Não se objetivou ir na contramão do

discurso celebratório da diferença surda, mas “rachar” o engessamento e o purismo

cultural dele.

O engessamento da cultura, tanto pelos discursos inclusivos quanto pela

resistência surda, tende a enclausurá-la, a classificá-la e a conceituá-la, impossibilitando

os questionamentos, as problematizações, as inferências que são primordiais na produção

do sujeito surdo. Entender como são produzidos os discursos, para quem, como, quando

e com qual finalidade, é uma forma muito mais modesta, mais humilde, de caráter

investigativo que não busca uma verdade universal.

O real só acontece na medida em que escapa ao que já sabemos, ao que já

pensamos ou ao que queremos. Ainda segundo Larrosa (2008, p.186): “por isso o desejo

de realidade é também um desejo de alteridade. Mas de uma alteridade que não tenha sido

anteriormente capturada pelas regras da razão identificante e identificadora. Uma

Page 12: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

alteridade que se mantenha como tal, sem identificar, em sua dimensão de surpresa”.

Nesse sentido, o povo surdo busca nomear sua cultura como algo fixo, estável. E

foi nas brechas e fissuras desse entendimento que promover a imagem da pessoa surda

vinculado a produção de conhecimento em diferentes áreas, divergindo da comum

narrativa monotemática sobre cultura é que o projeto se configura como uma ação micro

mas potente.

Sendo assim, essa discussão foi levada para diferentes âmbitos institucionais, uma

vez que contou com alunos e colaboradores de diferentes áreas e setores.

Figura 11: Apresentação das na 31ª Jornada Acadêmica Integrada da Universidade

Federal de Santa Maria (JAI-UFSM) nos módulos Pôster e Comunicação Oral

Fonte: Arquivo pessoal das bolsistas Bibianna Ferrão (à esquerda) e Amanda Santos

Silveira (á direita)

Os curtas apresentaram um alcance bastante significativo, em relação ao seu status

nas redes sociais. A repercussão do projeto pode ser demonstrada através dos comentários

como feedback e do levantamento de dados estatísticos do projeto.

Figura 12: Comentário aberto nas redes sociais do projeto

Page 13: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Fonte: Canal Curta Libras no youtube

Percebemos também a satisfação da comunidade surda em ter programas

elaborados em sua própria língua, bem como comentários de pessoas ouvintes que

puderam produzir conhecimento de diversas áreas a partir do programa tendo como língua

fonte a LIBRAS e como sinalizador uma pessoa surda. Esses elementos contribuem de

forma significativa para a produção de significado da pessoa surda.

:

Figura 13: Tabela com alcance de números das visualizações dos episódios até

2016.

EPISÓDIO CURTA LIBRAS TV CAMPUS

VISUALIZAÇÕES VISUALIZAÇÕES

Parto Natural 719 2.779

Ioga e pilates 409 366

Hambúrguer 417 548

Dança e literatura 351 206

Relacionamentos 256 396

Amamentação 787 323

Aeróbico 154 162

Nhoque 202 148

Teatro 342 189

Relacionamento 2 368 124

Fralda 1.732 143

Rotina Saudável 217 354

Pizza 337 154

Expressão facial 160 151

Mercado de Trabalho* 139 119

Chamada do curta Não tem vídeo 97

Page 14: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Tonicidade 69 96

Estimulação no Lar 441 155

Desenho 133 105

Cheesecake 150 121

Alimentação Saudável 204 147

Sling 1.777 126

Risoto Sem vídeo 59

Curta Libras: 280 inscritos – 9.677 visualizações -Fonte: Relatório GAP/CE 2017

Outra faceta foi a função didática de ensino LIBRAS dentro dos episódios. É

importante salientar que os vídeos do projeto Curta Libras não foram produzidos para

ensino de Libras, porém, entende-se que o público ouvinte procurará associar os sinais

que foram abordados durante a sinalização do episódio. Diante disso, ampliamos o curta

para que no final de cada episódio, os cinco sinais mais usados pelo protagonista sejam

reforçados por um professor de LIBRAS e com uma caixa escrita em português ao lado

da sinalização de cada um deles.

Figura 14: Professor Willian da Motta Brum no bloco: Ensino de LIBRAS

Fonte: Print Screen do Curta Libras

Enfim, a produção de vídeos como artefatos visuais foi além de fomentar elementos

de informação cultural às comunidades surdas. Promoveu a imagem da pessoa surda

como geradora de conhecimentos num contexto contemporâneo em que as profundas

transformações sociais, gestam os elementos que são atualmente possíveis de construir

Page 15: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

novos significados.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? In: O que é o contemporâneo? E outros

ensaios. Chapecó : Argos, 2010, p. 55-76.

BAUMAN, Z. O Mal estar da pós-modernidade. São Paulo : Zahar, 1998.

_____________. Identidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006

CASTELLS, M. A. Galáxia da Internet. Reflexões sobre a internet, os negócios e a

sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2003.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Trad. de Roberto Machado. 15 ed. Rio de

Janeiro: Edições Graal, 2000.

GADELHA, S. Biopolítica, governamentabilidade e educação: introdução e conexões,

a partir de Michel Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

GARBIN, E. M. Cultur@s Juvenis, identid@des e Internet: questões atuais. Revista

Brasileira de Educação, v.1 n. 23, p. 119-135, 2003. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a08.pdf>. Acesso em: 10 maio 2012.

HALL. S. A. Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.

Educação & Realidade, v. 22, n. 2, p. 15-46, jul./dez. 1997.

LADD, P. Em Busca da Surdidade 1: Colonização dos Surdos, Lisboa: Editora Su,

Paddyrd´Universo, 2013.

LARROSA, Jorge; LARA, Núria Peres de (Orgs.). Imagens do Outro. Trad. Celso

Page 16: CURTA LIBRAS: ARTEFATOS MIDIÁTICOS EM LIBRAS E A …Cultu... · sendo a educação um empreendimento coletivo e considerando as insurgentes demandas ... imagem lombrosiana do surdo-mudo

Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1998.

_________. Desejo de realidade – experiência e alteridade na investigação educativa. In:

BORBA, S.; KOHAN, W. (orgs.) Filosofia, aprendizagem, experiência. Belo

Horizonte: Autêntica, 2008. p. 185-193.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LOBO, L. F. Os infames da história: Pobres, escravos e deficientes no Brasil (2ed), Rio

de Janeiro: Lamparina, 2015.

MIRANDA, Wilson de Oliveira. Comunidade dos surdos: Olhares sobre os contatos

culturais. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande Do

Sul. Faculdade de Educação, Porto Alegre, 2001.

PERLIN. Gladis. Identidades Surdas. In: SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as

diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.

SANTAROSA, L. M. (Orgs.). Tecnologias Digitais Acessíveis. Porto Alegre: JSM

Comunicação Ltda, 2010.

VEIGA-NETO, Alfredo. A didática e as experiências da sala de aula: uma visão pós-

estruturalista. Revista Educação e Realidade. Porto Alegre: v.21, n.2, p.161-175,

jul./dez., 1996.

WRIGLEY, Owen. The Politics of Deafness. Washington, D.C.: Gallaudet University

Press, 1996.