curso moderno de matemática
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
O MMM NAS SÉRIES INICIAIS: O PRIMEIRO LIVRO DIDÁTICO DE LIBERMAN E BECHARA.
MEDINA, Denise- PUCSP- [email protected]
Resumo: O objetivo do artigo é investigar as rupturas provocadas com a publicação do livro “Curso moderno de Matemática”, de autoria de Liberman, Bechara e Franchi, em relação às inovações editoriais, curriculares e metodológicas e levantar questões sobre o primeiro impresso didático elaborado por matemáticos, durante o MMM, para as séries iniciais. As autoras, desse livro, apoiadas pela editora, seguem a proposta estruturalista do MMM, com adaptações em conseqüência da faixa etária para a qual o livro seria destinado. Partem da premissa de que, as crianças calculam, a partir de situações concretas, aplicando as propriedades das operações, que nesta fase, deveriam ser descobertas intuitivas, sem preocupações de sistematização e nomenclatura. O livro lançado em 1967 pode ser considerado como diferente de todos os outros, que circulavam nas escolas, posto que não houvesse na época, livro para as séries iniciais, elaborado por matemáticos atuantes nesse segmento. Nossa investigação aponta considerações sobre a maneira como o livro foi publicado e veiculado, como uma proposta renovadora, diferenciada pela diagramação e estilo, com folhas soltas, desenhos coloridos e nova distribuição de conteúdos, carregando pretensões de ser caracterizado como moderno, seguindo proposta metodológica de bases científicas. As autoras definem o livro como produto de experiências, abalizados nos novos conceitos e nas idéias de Piaget, justificando o uso de cores, de quadrinhos e do diálogo com o aluno pela evolução tecnológica e da psicologia, sendo considerado como o primeiro livro consumível.
Palavras-chave: História da Educação Matemática, Movimento da Matemática Moderna, Ensino Primário, livro didático.
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
O MMM E O ENSINO PRIMÁRIO: O PRIMEIRO LIVRO DIDÁTICO DE MANHÚCIA LIBERMAN E LUCÍLIA BECHARA.
Durante a coleta de fontes para a pesquisa realizada sobre o MMM nas séries iniciais,
nos deparamos com o livro Curso Moderno de Matemática elaborado pelas professoras
Manhúcia Liberman, Lucília Bechara e Ana Franchi, personagens atuantes durante a
vigência do Movimento, e percebemos a importância do aprofundamento dos estudos
desse livro didático como objeto de pesquisa.
O objetivo do artigo é analisar o primeiro livro didático de matemática destinado às
séries iniciais, elaborado por matemáticos, atuantes nesse segmento de ensino.
A dinâmica dos procedimentos de análise revelou urgência de instrumentos conceituais,
numa perspectiva de uma história cultural do livro, e de seus usos, que viessem em
nosso auxílio, com o intuito de responder coerentemente as hipóteses levantadas sobre o
papel exercido por essa publicação, na ruptura de paradigmas nos livros didáticos, até
então publicados para as primeiras series.
Dentre os autores contemporâneos utilizados por historiadores, que mais contemplam
nosso campo, optamos por Michel de Certeau e Roger Chartier para auxiliarem a
responder as questões referentes à compreensão do grande sucesso editorial do livro e
suas relações com a introdução do ideário1 do MMM na escola primário entre 1960 e
1980, período de expansão da escola pública.
Uma coleção de livros é sempre produto de uma estratégia editorial dotada de características que lhe são específicas. Tais características adquirem, no entanto, contornos variáveis, adequando-se a condições específicas impostas pelo mercado editorial e reajustando-se segundo objetivos historicamente variáveis, de natureza econômica, cultural e política. (CARVALHO, 2007).
O estudo ainda demonstrou a necessidade de compreendermos os processos
de modificação, organização e expansão do Ensino Primário2 no país, nesse
período, a fim de entendermos a dinâmica das reformas educacionais e relacioná-las
com as reorganizações curriculares que levaram em conta o ideário do MMM,
aumentando significativamente as publicações didáticas, em todo país.
1 Estaremos caracterizando como ideário um conjunto de idéias que norteiam um Movimento2 Estaremos chamando de Ensino Primário, o que hoje corresponde às quatro primeiras séries do ensino fundamental.
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Também consideramos a construção do panorama de expansão dos sistemas de ensino,
para subsidiar nossa reflexão sobre a escola primária proposta, a fim de encontrarmos
relações do Movimento com a legislação educacional, e as repercussões dessa legislação
no sucesso editorial do Curso Moderno de Matemática, analisando as apropriações do
ideário do MMM, no decorrer do processo.
Avaliamos que o conceito de apropriação3 de Roger Chartier foi fundamental para
compreendermos o caminhar escolhido por matemáticos para a oficialização do MMM
no Ensino Primário, relacionando-o com os conceitos de tática4 e estratégia5 de De
Certeau. Só assim compreendemos as possibilidades de consumo de um mesmo ideário,
no caso o MMM.
Utilizando os conceitos de Certeau, podemos inferir que a publicação e divulgação do
referido livro foi produzido de lugares de poder bem definidos: da editora, visando à
ampliação do mercado editorial, e do governo visando à implantação e circulação de
uma reforma curricular.
De Certeau considera que as estratégias são capazes de produzir e impor. Desta forma,
podemos problematizar como o livro didático, foi produzido a partir de um lugar de
poder (editora /editor), um lugar de previsão e antecipação, para fazer circular os novos
livros didáticos com o ideário do MMM.
Considerar o livro como objeto de nosso estudo, com base na história cultural, é
procurar vestígios que nos ajude a entender os dispositivos mobilizados pela editora
investigando as intenções em sua constituição, ou seja, procurando construir novos
significados. Trata-se também de analisá-lo com base em sua produção, circulação e
3 Apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das interpretações, referida a suas determinações fundamentais e escrita nas práticas específicas que a produzem. Assim, voltar à atenção para as condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações de produção do sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também) é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as idéias são desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias históricas. (CHARTIER, 1991, p. 180). 4 Um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. (De Certeau, 2003, p.46)5 Estratégia é “o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado”. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças. (Certeau, 2002, p. 99).
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usos, como produto de estratégia governamental em complexa correspondência com
estratégias políticas e pedagógicas determinadas.
É um procedimento no qual não se pode dispensar a análise da configuração do material
impresso como forma produtora de sentido, como papel, capas, diagramação, figuras,
disposição do texto, tipografia, tiragem, etc.
Segundo Chartier:
Não existe texto fora de suporte que o dá a ler e que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja que não dependa das formas através das quais ele chega a seu leitor (1991, p. 127).
1. O MMM
1.1 O MMM NO BRASIL
As transformações na sociedade decorrentes da Revolução Francesa e da Revolução
Industrial já sinalizavam a carência de adaptações em todos os campos da ciência,
exigindo transformações também na escola. O direito ao acesso a essas novas
descobertas, obrigava pesquisadores e professores a refletirem sobre o ensino de
matemática numa dimensão mais utilitária, com a possibilidade da compreensão da
disciplina matemática por maior número de cidadãos, para o ingresso no novo mercado
de trabalho.
As mudanças obrigavam a sociedade emergente a apoderar-se dos novos
conhecimentos, que deveriam subsidiar os novos cidadãos, adaptando-os o mais rápido
possível a essa nova dinâmica da vida social.
A demanda em relação à formação técnica e de cientistas, “capacitando-os para o
trabalho”, pressionava a escola: o ensino de matemática precisava adequar-se e
modernizar-se. Muitos acreditavam que a resolução dos novos problemas sociais e
econômicos surgidos com o desenvolvimento industrial viria pelo aumento da qualidade
e quantidade de cientistas e técnicos e a qualificação mínima científica para os cidadãos
comuns. O ensino da matemática deveria ser uma ferramenta que contemplasse tais
objetivos.
Desde seu início, o MMM queria romper com o “antigo”, pregando a difusão de uma
matemática mais atual. As vozes dos modernistas eram muito afirmativas para
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convencimento, prometendo em Congressos, artigos de jornais e periódicos, uma
matemática, além de acessível, prazerosa, o que gerou muitas expectativas e adesões.
Para tentar compreender a produção, distribuição e circulação do livro estudado
precisaremos percorrer, desde sua elaboração, até a adoção em sala de aula, e analisar
como funcionava a escola primária de 4 anos, por meio de vários tipos de fontes, como
legislação, programas curriculares, revistas pedagógicas, subsídios para professores,
documentos e jornais, buscando determinar os níveis de controle estatal sobre o
processo de validação dos livros didáticos.
É necessário, contudo buscar reflexões sobre quais mudanças estruturais, de
organicidade no Ensino Primário, foram significativas e provocaram mudanças na
redistribuição curricular de matemática, nas Leis de Diretrizes e Bases de 1961 e a de
1971, e quais estratégias foram utilizadas para fazer circular as reformas pretendidas no
ensino de matemática.
O movimento de cobrança pela democratização do ensino estava presente nas
discussões em todo o país, em decorrência da política de desenvolvimento em que as
indústrias necessitavam de mão- de- obra com maior escolarização. Porém as soluções
não viabilizaram um rápido atendimento às necessidades das crianças nas cidades por
vagas em escolas públicas, e o Estado não dava conta do grande crescimento
demográfico nas regiões metropolitanas.
A aceleração no ritmo do crescimento econômico, e na demanda social de educação
após 1950, agravou a crise do sistema educacional que há muito tempo já vinha
deficiente, justificando os vários acordos de colaboração técnica e financeira entre o
MEC e a Agency for International Development (AID). Esses acordos objetivavam
diagnosticar e solucionar problemas da educação brasileira na perspectiva de
desenvolvimento do capital humano.
A partir de orientações técnicas da USAID6, o governo começou a adotar medidas para
ajustar o sistema educacional ao novo modelo econômico. Os argumentos para a nova
política educacional fundamentavam-se na idéia da necessidade de criar recursos
humanos e tecnológicos, conforme o desenvolvimento econômico.
6 United States Agency International Development.
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Os acordos para atender à demanda enfocavam a integração dos ensinos, isto é, estavam
vinculados a uma reorganização da escola fundamental. O governo precisava colocar
todos na escola, para formar mão-de-obra com alguma educação e treinamento, ao
mesmo tempo, muito produtiva e barata.
Nesse contexto, as mudanças no ensino defendidas pelo MMM eram as mais adequadas
a esse novo contexto sociopolítico-econômico, pois prometia uma matemática mais
adequada aos novos tempos, acesso aos novos avanços da disciplina, permitindo
participação numa nova sociedade tecnológica e mais científica.
É lançado o Plano Nacional de Educação, em 1967, que reforça a necessidade da
mudança de concepção de Escola Primária, pois, de acordo com o governo, reservavam
funções sociais inapropriadas para a escola pública, inatingíveis, gerando orientações
inoportunas e consequentemente ineficazes para sua execução e sucesso. O Plano
também reafirma a necessidade da escola de se adaptar aos novos tempos e considerar
suas reais possibilidades, devendo alterar os padrões das atividades escolares,
adequando-as à estrutura da sociedade na qual a escola se insere.
Era preciso limitar as funções conferidas à escola e, assim, viabilizar a entrada de um
enorme contingente de crianças no ensino primário contando com os mesmos
instrumentais disponibilizados até então. É fato que a escola primária não poderia
continuar com as mesmas perspectivas com o ingresso de uma grande população
heterogênea.
A Lei 5.692/71, de 11 de agosto de 1971, cujo objetivo principal era alargar a faixa de
educação obrigatória, e remodelar o sistema educacional referente ao ensino de 1ºe 2º
graus, fixando suas diretrizes e bases, foi promulgada no período em que o ideário do
MMM estava bem consolidado no ensino primário.
O MMM era divulgado nas publicações da época como uma possível solução para os
problemas educacionais, que poderiam ser solucionados com a modernização dos
métodos de ensino que privilegiassem a experimentação, a racionalização, a exatidão e
o planejamento.
De acordo com Soares (2005), a imprensa exerceu um papel de persuasão nesse sentido.
No caso específico da Matemática Moderna, as matérias jornalísticas ressaltavam o
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caráter inovador e revolucionário da nova proposta de ensino para a Matemática,
apresentando-o como a solução para os problemas de aprendizagem.
O ideário propagado pelo MMM adequava-se perfeitamente com a política econômica
adotada pelo país, e a concepção tecnicista da nova LDB - Lei 5.692/71 - impulsionou o
privilégio na divulgação dessas idéias nas publicações oficiais destinadas a professores
nesse período.
1.2 O MMM NAS SÉRIES INICIAIS
No cenário montado, percebemos as transformações ocorridas na escola primária entre
1961 e 1980. Vários fatores são considerados em nossa análise para tentar explicar
como as reformulações no ensino impactaram a reestruturação curricular de matemática
e como equipes foram formadas para articular as reformas educacionais impregnadas
com o ideário do MMM, que defendia uma matemática acessível e agradável a todos.
D’Ambrosio (1987) problematiza o papel das agências estrangeiras financiadoras, na
participação do Brasil em congressos internacionais, no intercâmbio de professores
brasileiros e estrangeiros, como mecanismos de divulgação do ideário e de protagonistas
do Movimento, por meio de publicações estrangeiras. Acrescentamos que, além dos
acordos MEC-USAID, que possibilitaram grande divulgação, a rede de sociabilidade
trançada entre professores defensores do Movimento foi primordial. Esses fatores
colaboraram entre si, para permitir as Secretaria de Educação divulgar, por meio de
documentos oficiais e cursos para professores, sua ação a toda rede de professores.
Após a realização de um curso7, no Mackenzie, com tópicos relacionados à Matemática
Moderna para professores paulista, promovido por Osvaldo Sangiorgi, foi fundado o
GEEM8.
Podemos afirmar que, a partir desse momento, foi oficializada a entrada do ideário do
MMM na rede pública de São Paulo e difundida para o Brasil.
Esse curso impulsionou a formação de grupos de estudo sobre as novas idéias
difundidas pelo MMM, deu oportunidade a outros profissionais de se aglutinarem em
todos os outros segmentos de ensino e possibilitou novas experiências e metodologias.
7 Articulado e planejado pelo professor Sangiorgi, o curso foi financiado pela CADES (Campanha de aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário) e teve como professores George Springer, Jacy Monteiro e o próprio Sangiorgi..Realizado em ago./set. de 1961. 8 Grupo de Estudos do Ensino da Matemática.
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Manhúcia P. Liberman, Lucília Bechara, professoras participantes do “curso do
Mackenzie” e do GEEM, São as autoras do livro Curso Moderno de Matemática que
nos propomos a analisar.
A parceria nas produções de Liberman e Bechara para o Ensino Primário iniciou-se nas
reuniões do GEEM e nos cursos que ministravam para professores.(MEDINA,2007)
Em 1963, o GEEM foi declarado um órgão de serviço público, e assim, podendo contar
com apoio oficial para seus projetos. Desta maneira, aos professores estaduais era
concedida dispensa de ponto para freqüentar os cursos ministrados pelo GEEM.
Os componentes do GEEM tinham a facilidade de freqüentar cursos nacionais e
internacionais com bolsa de estudos e contavam com financiamentos oficiais para
cursos de capacitação de professores, o que aumentava o prestígio do Grupo em todo o
Brasil.
Concomitantemente aos cursos do GEEM, ocorriam os cursos nos Ginásios
Vocacionais9. Em ambiente agradável, reunia-se uma elite de professores de matemática
competentes, com grande potencial criativo e empenhado em realizar um trabalho de
reformulação curricular no qual acreditavam, desejando mudanças no ensino de
matemática, iniciando muitas parcerias profissionais.
A convivência no GEEM, nos cursos do Ginásio Vocacional e Experimental da
Lapa -Edmundo de Carvalho- uniu as professoras Liberman, Bechara e
Franchi10 nos estudos sobre a aprendizagem infantil e, a partir de 1963, elas passaram a
organizar e ministrar cursos11 em todo o país, como representantes do GEEM.
Nas evidências apontadas no exame realizado nas atividades patrocinadas pelo GEEM,
a partir de 1963, percebe-se o caráter predominantemente de formador de professores
primários nos novos conteúdos. Nessa fase, o GEEM consolida seu papel de formador,
9 Os Ginásios Vocacionais foram escolas pioneiras na rede pública de São Paulo nos anos 60. Continham uma proposta pedagógica revolucionária, que possibilitaram a implementação de uma série de inovações em relação à escola tradicional, com experiências na metodologia, e desenvolvimento de novos métodos, processos de avaliação do aluno, currículo e vínculo da comunidade com a escola. Foram extintos pelo governo militar em 1969. 10 Franchi trabalhava como professora primária no Experimental da Lapa, aplicando em sua classe as atividades criadas nos grupos de estudo. Mais tarde licenciada em matemática pela USP, foi designada como Supervisora de Matemática do Grupo Experimental Dr. Edmundo de Carvalho. 11 O primeiro curso organizado pelo GEEM, ministrado pelas professoras Liberman, Bechara e Franchi, destinado a professores primários, aconteceu em São Paulo em de fevereiro de 1963, e contou com a participação de 300 professores. (Folha de São Paulo, 06/02/1963, apud NAKASHIMA, 2007).
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ainda sem grande ênfase na divulgação de novas metodologias. Os cursos objetivavam
instrumentalizar os professores para as reformas pretendidas.
Podemos supor que com a introdução da matemática moderna em todas as discussões
referentes à educação, a procura por formação pelos professores primários determinou a
organização de cursos e publicações que dissipassem a insegurança desses professores,
já que estes não tinham formação para os novos conteúdos.
O ano de 1964, rico em investimentos, foi marcado pelos convênios de várias
instituições com o GEEM, que patrocinou cursos em São Paulo para professores.
Podemos destacar os cursos de férias promovidos pelo IBECC, os cursos realizados pela
televisão, patrocinados pela Secretaria de Educação, USP e Mackenzie. Todos os cursos
visavam capacitar os professores nos novos conteúdos difundidos pelo MMM.
(MEDINA, 2007)
Essa pluralidade de fatores impulsionava a criação de cursos de capacitação e a
participação, nunca vista, de professores primários em várias partes do país.
Com isso o GEEM tornou-se referência para o Ensino Primário passando a respaldar
todos os projetos destinados ao ensino de matemática para crianças.
O estado São Paulo foi o primeiro a expandir seu sistema de ensino, e a partir daí,
fornecendo modelos e mão-de-obra especializada, por meio de assessoria ou cursos de
capacitação, em outros estados, tais como Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná,
Pernambuco, Piauí e Santa Catarina.
Nesse contexto de expansão, verificamos a aceleração do desenvolvimento do mercado
de livros escolares. A introdução do MMM no Brasil possibilitou o aumento do
consumo de livros didáticos representando um marco no acesso à educação elementar.
Podemos dizer que a ação do GEEM, em São Paulo, foi um dos mecanismos utilizados
pelo Estado, para divulgar e fazer circular as novas propostas de ensino e implementar
as novas diretivas para o ensino de matemática.
2. O LIVRO CURSO MODERNO DE MATEMÁTICA PARA A ESCOLA ELEMENTAR: DADOS SOBRE AS AUTORAS, PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO.
Nesse período de mudanças, a organização dos Sistemas de Ensino brasileiro,
incentivou ,na década de 60, os livros didáticos a começarem a introduzir as novas
propostas para o ensino de matemática.
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Com o sucesso do livro de Sangiorgi em 1963, pela Companhia Editora Nacional,
baseado no ideário do MMM, com modelo estruturalista, ênfase na linguagem de
conjuntos e com projeto editorial inovador, a editora convida Liberman para escrever
um livro direcionado ao ensino primário.
Quem foi convidada fui eu na verdade, mas eu não quis fazer sozinha. Primeiro porque eu não era professora primária, e achei muita responsabilidade. Convidei a Lucília e a Anna. A Lucília era minha colega dos cursos do GEEM e a Anna, conheci no Experimental da Lapa. No primário não tinha nem um livro feito por matemático. (LIBERMAN, depoimento oral, 2007).
Nessa época, as autoras começam a discutir a elaboração do livro e são apoiadas pela
editora, quando decidem seguir a proposta estruturalista defendida pelo MMM, porém
com adaptações relevantes em conseqüência da faixa etária para a qual o livro seria
destinado. Partem da premissa de que no Ensino Primário, as crianças calculam somas,
diferenças, produtos, quocientes, partindo de situações concretas e aplicando as
propriedades das operações.
Manhúcia me chamou dizendo que tinha uma proposta para fazer um livro para o Ensino Primário. Era uma proposta da editora Nacional. Então comecei a dedicar mais estudos, em cima da proposta de escrever um livro para o Ensino Primário. O Sangiorgi tinha um livro para o ginásio e aí a editora queria também para o primário. (BECHARA, depoimento oral, 2007).
As autoras selecionadas pela Companhia Editora Nacional para o projeto de ampliação
de mercado editorial escolar, eram personagens respeitadas pelo professorado,
consideradas como referência em relação às modernizações do ensino nas séries iniciais
e pertencentes a instituições reconhecidas nacionalmente, legitimando a publicação.
Assim, para entrar no mercado paulista, era necessário que as editoras publicassem
autores conhecidos do magistério, e presentes no local onde o produto era gerado,
validado e consumido.
Para melhor compreensão podemos analisar a tabela montada a partir das considerações
de Medina (2007) com uma visão geral do papel exercido pelas autoras no cenário
educacional.
Lucília Bechara Manhucia Liberman
Licenciada em matemática-
UNICAMP-1956 UFRJ12- 1947
Ingresso no magistério público de são Paulo
1957 1949
Funções exercidas Professora em Conchas e Tanabi até 1961
Professora em São José dos Campos até 1950.Depois designada para trabalhar no Serviço de Medidas e Pesquisas Educacionais com dois professores da USP13.
12 Antes chamada de Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro.
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Em 1961 Participaram do curso patrocinado pela SEE, com Sangiorgi e Springer.Fundadoras do GEEM.Participantes dos Cursos dos Ginásios VocacionaisAssumiu a supervisão geral dos Ginásios Vocacionais de São Paulo
1963 Assumiu a coordenação do curso Primário da escola experimental Peretz,
Organizam o primeiro curso do GEEM, em convênio com o Departamento de Educação do Estado, destinado a 300 professores primários14.
Ministram mais de 30 cursos para professores primários. Os cursos objetivavam instrumentalizar os professores para as reformas pretendidas. Publicado o primeiro livro de Bechara e Liberman: “Introdução da Matemática Moderna na Escola Primária” destinado à capacitação dos professores, na linguagem da teoria de conjuntos.
Assume coordenação do grupo responsável pela reestruturação do ensino no estado de São Paulo.
Tabela 1-Funções exercidas pelas autoras
No momento em que foram chamadas para elaborar o livro, já eram pessoas exercendo
posição de liderança e prestígio, ocupando posições e postos-chaves na condução dos
processos de reforma curricular, podendo interferir, mesmo que indiretamente na
escolha do livro didático pelas professoras.
Liberman era professora do Estado e responsável pela coordenação e implementação
das reformas governamentais, publicando o Programa para a escola primária, em 1969.
Lucília Bechara era supervisora dos ginásios vocacionais, além de participar ativamente,
nos cursos, como diretora do GEEM.
Podemos constatar esse prestígio, observando o destaque dado aos nomes das autoras na
capa do Livro, facilitando a identificação da publicação pelos professores, que nessa
época já as consideravam como referência nas reformas.
Outro fator que favorece as mudanças desejadas pelas autoras em relação aos livros
didáticos, deve-se as influencias das publicações internacionais, de pedagogia e
psicologia da aprendizagem que traziam inovações nos formatos, cores e linguagem dos
textos impressos, sendo maciçamente divulgadas pelo GEEM nos cursos para
professores primários.
Nos cursos e palestras, as autoras enfatizaram a importância das novas descobertas no
campo da aprendizagem e fazem alusão a educadores e Matemáticos preocupados com
o ensino, como Gategno (pedagogo), G.Papy (pedagogo), Z.P.Dienes15 e,
13 O trabalho consistia apenas em formular e corrigir as provas de admissão ao ginásio, o que lhe valia o conhecimento sobre os conteúdos abordados na escola primária e com os professores da rede. 14 O curso tinha como objetivo atualizar e introduzir conteúdos matemáticos aos professores.15 Matemático húngaro, doutor em matemática e psicologia, que compactuava com ideário do MMM: Era estruturalista como Piaget, tratava à matemática como uma estrutura única, porém utilizava uma metodologia mais concreta.
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
principalmente, o psicólogo Jean Piaget. Esses autores foram considerados suporte
teórico para as orientações para os professores contidas no livro.
Como dissemos anteriormente, Dienes divulgava sua metodologia em publicações,
congressos e palestras, empolgando educadores com o emprego de materiais concretos
no ensino da matemática.
É certo que o formato do livro Curso Moderno pode ter sofrido influencias desse autor,
onde em suas publicações para crianças, apresentavam cores fortes em forma de fichas
de trabalho, com folhas soltas.
Diante disso, podemos inferir algumas considerações sobre a maneira como o livro foi
publicado e veiculado com intensa divulgação na mídia, considerando o livro como uma
estratégia para divulgar as reformas propostas e assim aumentando o público
consumidor de livros escolares na escola elementar.
Diversas reflexões sobre essa publicação, primeira escrita por educadores matemáticos,
com conteúdos propostos pelo ideário do MMM, para a escola elementar, podem ser
feitas considerando as idéias postas por Chartier (1991), chamando a atenção sobre a
necessidade de reconhecer indícios sobre as intenções da editora e dos governos,
analisando a nova materialidade do livro.
Apostando nesse segmento de ensino e em autoras prestigiadas, a Companhia Editora
Nacional editando livros de uso escolar, pretendia ser reconhecida e colaborar para o
sucesso das reformas educacionais e modernização da sociedade.
Lembramos que o maior dos objetivos das reformas educacionais do período era a
mudança de concepção de escola primária. Os reformistas acreditavam que a
compreensão da matemática moderna pelos novos cidadãos facilitaria a apropriação das
novas tecnologias e contemplaria as demandas da “nova sociedade”. Para isso uma nova
metodologia para o ensino de matemática deveria ser adotada. A matemática seria um
instrumento para o desenvolvimento da capacidade de pensar do estudante, dando-lhe
subsídios para entendimento da nova linguagem tecnológica.
Ressaltamos que o momento de valorização da educação escolar, faz com que as
editoras vendam a idéia de vanguarda, fazendo circular livros com o ideário de reformas
e a educação como possibilidade de acesso à nova sociedade em modernização.
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Com a democratização do ensino, no período compreendido entre 1960/1980 e a
possibilidade de ampliação de mercado editorial, com a inserção de novos leitores, as
editoras passam a adequar sua mercadoria ao objetivo educacional específico, propondo
a divulgar as novas diretivas governamentais para o ensino primário.
A Companhia editora Nacional priorizava a publicação, na época, de títulos didáticos de
matemática para o ginásio e colegial.
O levantamento da produção didática se baseou em documentos da própria editora,
coletados por Villela (2007), para sua Tese.
Dos 16 títulos de livros escolares de matemática publicados pela editora, em 1967,
apenas dois eram títulos novos lançados, e somente um título dirigido ao ensino
primário.
Podemos dizer que só no período estudado foram publicadas quantidades bem maiores
de tudo que foi editado nos trinta anos anteriores.
Quanto às tiragens, observa-se que os maiores bestsellers didáticos, segundo o número
de exemplares produzidos, são os livros de matemática para as séries do ensino
fundamental II, com os novos conteúdos propostos, de Osvaldo Sangiorgi, publicados a
partir de 1963.
Ainda com relação às tiragens, podemos supor que o sucesso do livro esteja atrelado à
expansão da escola pública primária no estado de São Paulo e a reformulação curricular
proposta pelos defensores do ideário do MMM.
Analisando a tabela, podemos verificar que a primeira edição do Curso Moderno,
superou as vendagens do bestseller de Osvaldo Sangiorgi, posto que, para a primeira
série do ensino primário eram destinados os volumes I e 2, perfazendo um total de
102.849 exemplares.
MAPA DE VENDAS DE LIVROS DE MATEMÁTICA DA CIA. EDITORA NACIONAL.DATA TÍTULO EDIÇÃO Nº Exempl. AUTOR
jan./67 Matemática Moderna - 3 2ª ed. 80.590 O. Sangiorgifev./67 Curso Moderno de Mat. para a Esc. Elementar – V. 1 1ª ed. 51.849 Diversosabr./67 Matemática Moderna - 4 1ª ed. 98.992 O. Sangiorgiabr./67 Matemática Moderna - 2 4ª ed. 49.915 O. Sangiorgiabr./67 Matemática Moderna - 1 9ª ed. 49.790 O. Sangiorgiabr./67 Matemática Moderna - 3 3ª ed. 100.280 O. Sangiorgijul./67 Curso Moderno de Mat. para a Escola Elementar - 2 1ª ed. 51.000 M. Liberman e outrasjul./67 Curso de Matemática 19ª ed. 20.036 Manoel J. Bezerra
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
ago./67 Matemática, c. moderno - 2 5ª ed. 162.288 O. Sangiorgiago./67 Matemática Comercial e Financeira 16ª ed. 10.116 D'Ambrosio Tabela 2-Tabela baseada nas primeiras coletas de Villela, 2007.
Assim configurado o ano de 1967, revela o poder de circulação alcançado pelo livro
didático nas séries iniciais.
Convém ainda notar que para autoras iniciantes, era fato inédito, tamanha receptividade
na adoção do livro, apesar de sabermos da enorme estratégia de divulgação da editora
em todos os estados brasileiros.
Ressaltamos ainda, que a publicação vinha ao encontro das propostas de democratização
do ensino da época, além de trazer uma proposta metodológica mais coerente, a fim de
atender uma nova clientela heterogênea, tanto de alunos como de professores inseridos
na rede de ensino em expansão.
Diante do grande número de cursos oferecidos pelo GEEM e ministrados por Liberman
e Bechara, podemos afirmar que em 1968, as autoras consolidam seu papel como
formadoras, sendo consideradas referência no ensino de matemática, em grande maioria
dos estados brasileiros.
Desse modo, é possível observar a demanda por novas edições, chegando a 3ª edição em
apenas 12 meses, além do lançamento do II e III volumes com tiragens maiores que aos
da 1ª edição.
fev./68 Matemática, c. moderno - 4 2ª ed. 70.176 O. Sangiorgifev./68 Curso Moderno de Mat. para a Escola Elementar - 1 2ª ed. 57.440 M. Liberman e outrasfev./68 Matemática, c. moderno - 1 10ª ed. 270.090 O. Sangiorgimar/68 Curso Moderno de Mat. para a Esc. Elementar - 2º V 2ª ed. 64.024 M. Liberman e outrasmar/68 Curso Moderno de Mat. para a Es. Elementar - 3º V 1ª ed. 65.119 M. Liberman e outrasabr./68 Matemática, c. Moderno- 3 4ª ed. 50.070 O. Sangiorgijul./68 Matemática, C. Moderno - 1 249.115 O. Sangiorgiset/68 Matemática, C. Moderno - 4 3ª ed. 100.016 O. Sangiorgiset/68 Matemática, C. Moderno - 3 5ª ed. 110.780 O. Sangiorgiout./68 Matemática, C. Moderno - 2 6ª ed. 141.018 O. Sangiorgidez/68 Curso Moderno de Mat. para a Esc. Elementar - 1º V 3ª ed. 50.988 Diversosjan./69 Curso Moderno de Mat. para a Escola Elementar - 3ª 2ª ed. 160.268 M. P. Liberman e outrasjan./69 Matemática, curso moderno I. 12ª ed. 49.495 O. Sangiorgifev./69 Curso Moderno de Mat. para a Escola Elementar - 4ª 1ª ed. 50.920 M. P. Liberman e outrasmar/69 Curso Moderno de Mat para a Escola Elementar - 2ª 3ª ed. 50.270 Manhúcia P. Libermanjul./69 Matemática Moderna - 1 13ª ed. 181.160 O. Sangiorgijul./69 Curso Moderno de Mat. para a Escola Elementar - 1ªV 4ª ed. 51.190 M. P. Liberman e outrasago./69 Curso Moderno de Mat. para a Escola Elementar - 3ª 3ª ed. 40.542 M. P. Liberman e outrasset/69 Curso Moderno de Mat. para a Escola Elementar - 4ª 2ª ed. 51.112 M. P. Liberman e outrasout./69 Matemática Moderna - 3 6ª ed. 112.320 O. Sangiorgidez/69 Matemática - C. Moderno, 2 7ª ed. 120.778 O. SangiorgiTabela 3-Vendagem, 1968. (VILLELA, 2007)
14
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Em 1970, as autoras já suplantavam as publicações de Osvaldo Sangiorgi, e são
convidadas pela editora a estenderem sua coleção para o ginásio, competindo com as
publicações do maior autor de livros didáticos para o ensino secundário, O. Sangiorgi.
jan./70 Matemática - c. moderno, 2º ciclo. 1ª ed. 10.000 O. Sangiorgifev./70 Matemática - c. moderno - 1 14ª ed. 50.065 O. Sangiorgifev./70 Matemática - c. moderno - 2 8ª ed. 50.320 O. Sangiorgifev./70 Curso Moderno de Mat. para a Esc. Elementar - 1ºV 5ª ed. 51.160 M. Libermanfev./70 Curso Moderno de Mat. para a Esc. Elementar - 2ºV 4ª ed. 50.788 M. Libermanmar/70 Matemática - c. moderno - 1 15ª ed. 50.230 O. Sangiorgiabr./70 Matemática Moderna, 3 7ª ed. 50.082 O. Sangiorgiabr./70 Guia para uso do Professor 2 7ª ed. 5.080 O. Sangiorgimai/70 Matemática Moderna, 2 9ª ed. 101.034 O. Sangiorgimai/70 Matemática Moderna, 4 5ª ed. 80.066 O. Sangiorgijun/70 Matemática Moderna, 3 8ª ed. 91.550 O. Sangiorgijul/70 Guia do Professor - Curso Moderno de Mat, 1ª. 8ª ed. 5.085 M. Liberman e outrasset/70 Guia para uso do Professor 4º 6ª ed. 5.100 O. Sangiorgiset/70 Curso Moderno de Mat. para a Esc. Elementar - 5ªV 1ª ed. 30.869 Liberman e L. B. Sanchezout/70 Guia para uso dos professores, 2. 8ª ed. 7.120 O. Sangiorginov/70 Curso Moderno de Mat. para a Es. Elementar, 4ªV 3ª ed. 140.719 Liberman e L. B. Sancheznov/70 Curso Moderno de Mat. para a Es. Elementar- 3ªV 4ª ed. 101.086 Liberman e outrasnov/70 Idem - Guia 3º 4ª ed. 50.64 Idemnov/70 Idem - Guia 4º 3ª ed. 12.752 Idemdez/70 Matemática Moderna, 2 10ª ed. 51.186 O. Sangiorgidez/70 Matemática Moderna, 1 16ª ed. 17.1285 O. SangiorgiTabela 4 - Resumo vendas. (VILLELA, 2007)
O livro Curso Moderno de Matemática para a escola elementar, Volume 1, é destinado
a atender o primeiro semestre do primeiro ano da escola elementar.
Foi lançado pela Companhia Editora Nacional em fevereiro de 1967, com uma tiragem
inicial de 51.849, e grande campanha de divulgação em todos os estados do Brasil.
O livro é uma publicação da Companhia Editora Nacional, com 114 páginas, trazendo
inovações tanto na diagramação como no estilo, carregando uma nova concepção de
editoração, diferenciando a publicação de todos os livros da época: folhas soltas,
desenhos coloridos e nova distribuição de conteúdos que, mais tarde, seria oficializada
pelo Programa da Escola Primária, de 1969, e pelos Guias Curriculares, de 1975.
A Companhia Editora Nacional apostou na renovação das
formas, com cores chamativas e desenhos modernos. A capa
com um formato maior e muitos desenhos, rompia com o
clássico.
15
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Apesar de identificarmos no impresso, o tipo de papel de baixa qualidade, observamos
cuidados com as novas formas de impressão tipográfica, desenhos variados, com
gravuras feitas especialmente para o livro pelo ilustrador Aluízio Neves.
Figura 1 - Capa do Primeiro livro de Bechara, Liberman e Franchi
O livro para a 1ª série do Ensino Primário foi lançado em fevereiro de 1967, com
enorme sucesso, e pode ser considerado como diferente de todos os livros que
circulavam nas escolas primárias da época. As autoras contam que não havia nessa
época, livro de matemática para o Ensino Primário, escrito por matemático. Geralmente,
usava-se um livro único elaborado por professores primários ou pedagogos.
O impresso carregava grandes pretensões de ser caracterizado como moderno, prático,
agradável no manuseio, com uma proposta metodológica de bases científicas.
O primeiro livro que escrevemos... Era de folhas soltas, o de primeira série. Eu fiz um livro de folhas soltas porque eu via as professoras primárias carregadas, cheias de material para corrigir em casa... Porém as professoras não gostaram porque tinham que organizar as folhas. É difícil agradar a todo mundo. (LIBERMAN, depoimento oral, 2007).
No tocante a análise das relações entre a expansão da escola pública primária e a
produção didática de matemática, foi necessária, verificarmos a inexistência de outros
livros que oficialmente tivessem os conteúdos propostos pelo ideário do MMM para as
séries iniciais e, fontes que também indicaram o movimento de matrículas e freqüência
de alunos, para podermos concluir a adoção oficial pelos professores.
Data Edição Nº de exemplares
Custo unitário
Fev./67 1ª 51.849 949,00
Fev./68 2ª 57.440 1,14
Dez/68 3ª 50.988 1,44
Jul./69 4ª 51.190 1,66
Fev./70 5ª 51.160 1,98
Dez/71 6ª 39.680 1,77
Fev./72 7ª 19.270 1,74
Nov./72 8ª 170.000 1,67
Tabela 5- Ano x vendagem- dados Companhia editora Nacional.
Podemos observar que a criação da escola única de oito anos pela Lei 5692/71,
expandindo a gratuidade e obrigatoriedade para 8 anos, impulsionou as vendas, em
razão da nova clientela inserida na escola pública, após 1971. Nesse quadro político de
expansão e pressão da sociedade por aumento de vagas, foi-se traçando um cenário
16
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
propício a reformulações e estruturação do sistema público de ensino e ampliação de
mercados de livros didáticos para as séries iniciais.
Uma reflexão sobre as questões eminentes de expansão, aliadas a necessidade de
modernização do ensino de matemática, capaz de atender ao novo perfil de aluno, leva-
nos a entender as possíveis razões do sucesso editorial do Curso Moderno.
As estratégias impostas com a introdução dos novos conteúdos matemáticos nas séries
iniciais exigiam do professor uma implementação rápida e eficaz, gerando inseguranças
e demanda de livros com orientações para a aplicação das novas metodologias
sugeridas.
Havia na contra capa um breve currículo das autoras com os lugares de inserção
profissional, e a divulgação do ilustrador- Aluízio Neves- fato inusitado na época.
O texto do Prefácio inicia um diálogo com os professores, anunciando concepções sobre
o ensino de matemática adotada no livro, identificando-o como atual e pertinente aos
novos tempos.
Tal renovação impõe-se na escola elementar e particularmente no ensino de matemática, tão responsável pela formação e desenvolvimento dos aspectos intelectuais da criança. Trabalhos, experiências, cursos artigos e livros vêm marcando esse ensino com novas características. (Prefácio, p.1)
O prefácio elaborado pelas autoras, procura dar conta de explicar a reforma pretendida
para o currículo de matemática, afirmando que o momento de mudanças levou
educadores a repensarem o ensino, impulsionando as transformações de métodos,
técnicas e objetivos educacionais.
Também acrescentam agradecimentos a professoras que se propuseram a testar as
experiências metodológicas sugeridas no livro, validando com autoridade as atividades
propostas.
A publicação também trazia um manual para o professor, esclarecendo e justificando as
alterações propostas, com textos que serviam para indicar os critérios de organização
dos conteúdos e sugestões de atividades.
O manual era constituído de prescrições sobre usos, para os professores, para os
conteúdos propostos, mostrando a forma que as atividades deveriam ser entendidas e
manipuladas pelo professor.
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Figura 2-Guia do Mestre, 1967,Capa, p.3e 5.
No Prefácio do Guia, as autoras iniciam conversa com os professores, justificando as
concepções teóricas adotadas.
As atividades foram agrupadas por objetivos, com o vocabulário específico necessário e
as orientações de como conduzir as atividades de modo a obter resultados satisfatórios,
conforme a tendência tecnicista16 da educação brasileira da época.
Podemos supor que a editora tenha planejado sugerir atividades no manual para atingir
um maior número de professores ansiosos em apreender as novas formas de introduzir
os novos conteúdos matemáticos.
Podemos dizer que foi o primeiro livro de matemática consumível. A idéia era fazer um
livro que facilitasse a vida do professor, numa proposta estruturalista, aplicada aos
algoritmos das operações fundamentais. Dentro dessa idéia de estrutura, através de
alguns fatos fundamentais conhecidos, construíam novos fatos, utilizando a propriedade
distributiva.
A grande influencia exercida pelas autoras em razão da rede de sociabilidade montada
entre os participantes do GEEM e as funções de destaque que ocupavam no governo,
faz-nos considerar e compreender, as facilidades de penetração das autoras na rede
oficial de ensino.
O convite enviado pela Secretaria de educação do Rio de janeiro a seus professores
para o lançamento do livro, em uma renomada escola de formação de
16 Tecnicismo, se baseia em princípios de racionalidade, eficiência e produtividade. Os professores tornam executores de medidas tomadas por especialistas, reorganizando o trabalho educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. (Saviani, 1995, p. 23).
18
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
professores, pode desvelar uma estratégia editorial de divulgação da
publicação para o ensino público, e legitimado pelas autoridades.
Colocar convite
Em relação à listagem de conteúdos verificamos grandes modificações. O volume I
encarrega-se de preparar as crianças para os conceitos matemáticos que serão abordados
no volume seguinte.
É a seguinte a matéria proposta para os dois volumes referentes ao primeiro ano da
escola elementar:
Primeiro Volume:
- Período preparatório para os conceitos matemáticos- Conceito de número- Relação de
igualdade e desigualdade- Adição e subtração- Estudo dos fatos fundamentais da adição
e subtração com total menor ou igual a dez- Representação decimal dos números
maiores que 10 e menores que 100- Leitura e escrita dos números até 20.
Segundo Volume:
Adição com três ou mais números-Leitura e escrita dos números de 20 a 99-
Multiplicação e divisão- Fatos fundamentais da multiplicação e divisão com produto
igual ou inferior a 20 - Conceito de metade, dobro, terça parte, triplo- quarta parte,
quádruplo- Reconhecimento de forma.
Analisando a listagem de conteúdos proposta no livro com o
programa oficial do Estado de São Paulo, datado de 1949,
percebemos grandes diferenças.
Nessa época algumas das principais questões relacionadas ao Ensino Primário referiam-se às exigências para ingresso ao mercado de trabalho. A impossibilidade de acesso ao ginásio colocava as crianças saídas da 4ª/5ª série diretamente no mercado de trabalho.
Não havia, naquela época, muitas chances de que a maioria das crianças pudesse ter continuidade de estudos, o que
19
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
obrigava a escola primária a proporcionar o máximo de conteúdo possível, apesar das preocupações com o desenvolvimento cognitivo. (MEDINA, 2007).
Figura 2-Programa para o ensino primário, 1949.
A escola concebida nesse programa, consistia numa escola que de modo geral se
propunha a ensinar aritmética e geometria, porém sem a participação de professores de
matemática na elaboração de seus planos, currículos ou propostas.
Este plano foi adotado por São Paulo até 1969, quando, seguindo recomendações do
Plano Nacional de Educação, começou seu processo de reorganização curricular.
Para melhor compreendermos as diferenças entre o Programa Oficial e o Programa
proposto no Livro Curso Moderno, podemos observar a tabela:
Considerações Comparativas sobre os Programas.
1949 Livro
O professor executa o Programa. Deve estabelecer uma graduação rigorosa de dificuldades, abrangendo tanto a seriação, como a repetição.
Professor executor de técnicas apropriadas de ensino propiciando uma aprendizagem rápida e eficaz ao aluno. Educando auto ativo.
O ensino de operações por intenso treinamento. Ênfase a aritmética e conhecimento da tabuada.
Ensino por meio de fatos matemáticos. Ênfase as propriedades estruturais das operações.
Conteúdo muito extenso. Conteúdo menos extenso, abordando habilidades perceptivas.
Memorização mecânica Privilegia a compreensão
Caráter lógico na distribuição dos conteúdos Preocupação com o desenvolvimento psicológico na distribuição de conteúdos.
Programa estático: elaborado e aplicado Programa dito flexível
Nem conteúdos, nem objetivos atendem as etapas de desenvolvimento infantil.
Sinaliza preocupações com as etapas do desenvolvimento infantil, porém a listagem de conteúdos não é a das mais adequadas á idade.
Apresenta orientação metodológica. Apresenta sugestões de atividades.
Não prevê continuidade Procura dar um caráter de continuidade.
Tabela 1 - Quadro comparativo entre os Programas da Escola Primária Paulista de 1949 e do Livro.
Análise do contexto empresarial da democratização do ensino nos permite inferir que o
enxugamento dos conteúdos da primeira série em relação aos didáticos anteriores deve-
se a estratégia editorial de aumento de mercado, visando atingir uma clientela
heterogênea, menos elitizada.
Porém é percebido a influencia do avanço da psicologia e da aprendizagem, pois
apresenta fundamentação na Teoria Psicogenética de Jean Piaget, justificando algumas
inovações na metodologia e na estruturação e distribuição dos conteúdos. Assim é
oferecido um mínimo de conteúdos, com sugestões de ampliação conforme as
20
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
diferenças individuais, com influências da Psicologia (Piaget17) e da Pedagogia (Papy e
Dienes).
A ênfase está na compreensão e aplicação das propriedades estruturais em lugar do
treinamento dos algoritmos das operações.
Os objetivos são construídos de maneira operacionalizada, com atividades que
desenvolvem habilidades cognitivas como discriminação, percepção visual e auditiva,
atendimento a ordens, etc.
As autoras privilegiaram o método intuitivo18, concretizadas nas
atividades que dão ênfase a observação e a experiência, por
meio das ilustrações e do desenho. Assim a imagem toma lugar
tão importante quanto o texto.
É dada, aos desenhos e símbolos, maior importância, com
pouco texto induzindo a observação mais atenta das figuras.
Figura 3 - Livro p.23
O curso moderno de matemática acompanhando a mesma tendência de valorização da
imagem, observados os livros dirigidos a crianças, passando a exibir cada vez mais
ilustrações, inclusive nas capas, ampliando também o mercado de trabalho para
ilustradores.
Quanto à distribuição das atividades podemos considerar que pretendiam ser
independentes. Cada página continha uma atividade, com começo, meio e fim, como
influencia da psicologia da aprendizagem. As autoras, em entrevista ressaltam a
importância dada às fases de desenvolvimento cognitivo da criança e suas
possibilidades de aprendizagem.
Ainda podemos diferenciar, observando as margens que se reduziram em relação aos
outros livros didáticos, com as cores ocupando maior espaço. Podemos dizer que a
pedagogia interferiu na disposição tipográfica
17 Piaget afirmava que as estruturas mentais podiam ser explicadas pelo modelo bourbakiano, pelo fato de acreditar que estas estruturas são modelos de organização no processo de aprendizagem. Seus testes tinham por base o pensamento do grupo. Podemos exemplificar destacando a estrutura de ordem, construída por Bourbaki e usada por Piaget como parâmetro nos testes de desenvolvimento mental.
18 Processo de aprendizagem onde é valorizado a observação das coisas, dos objetos, da natureza, dos fenômenos e para a necessidade da educação dos sentidos como momentos fundamentais do processo de instrução escolar” (Faria Filho, 2000: 143).
21
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Figura 4 - Livro p.25 Figura 5 - Livro p.29 Figura 6 – Livro p.62.
Observando as gravuras, temos condições de verificar que as imagens são retiradas do
universo infantil, sugerindo a proximidade com a realidade das crianças, demonstrando
interferências da pedagogia.
O primeiro volume era totalmente focado em fatos matemáticos, sem grandes
referências ao uso de materiais concretos. As operações eram apresentadas como
Relações, com introdução de conceitos abstratos desde as primeiras séries.
Figura 7 - Livro p.59 Figura 8 - Livro p. 121
Conforme o ideário do MMM, a Matemática foi tratada, no livro como “um sistema
fechado", descontextualizada com ênfase nas estruturas matemáticas e priorizando as
propriedades das operações.
22
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Figura 9 - Livro p.48 Figura 10 - Livro p.46 Figura 11 - Livro p.44
Podemos observar apropriações do ideário do MMM, na utilização de novos conteúdos
como à mudança de base, congruência, desigualdades, lógica simbólica, antes fora dos
currículos do ensino Primário.
Figura 12 - Livro p.105 Figura 13-Livro p.106
Acreditamos ser importante observar as mudanças ocorridas nos enunciados das
atividades. em relação aos livros anteriores, fica configurada na preocupação do uso de
uma linguagem adequada á compreensão dos alunos.
Diante da necessidade de combinar diversas tendências tanto pedagógicas como
gráficas, estabelece dependência do texto com as ilustrações, inexistindo isoladamente.
A maneira como foram dispostos os enunciados privilegiando as gravuras, desenvolveu
uma nova maneira de redigir o texto das atividades, com ordens claras, curtas,
induzindo a observação.
Figura 14 - Livro p.17. Figura 15 - Livro p.76
As revisões nas edições posteriores apresentam grandes modificações
23
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Uma mudança que se opera e altera em muito a proposta anterior é o abandono do
projeto do livro com folhas soltas, nos volumes posteriores. As autoras alegam que
procuraram atender a solicitação das professoras usuárias que, na prática, perceberam a
dificuldade das crianças menores com a organização.
Porém podemos supor que além da facilidade de utilização pelos professores outra
justificativa venha pelo barateamento do custo sob a forma de brochura em menor
tamanho.
Após a conclusão do volume 2 do livro, a professora Anna Franchi saiu do grupo de
autores, mas continuou no GEEM, organizando e ministrando cursos para os
professores primários.
Da primeira a nona edição, verificamos grandes modificações: os conteúdos
anteriormente previstos para os 2 volumes do primeiro ano, foram reduzidos e
colocados em um único volume para a primeira serie. Tudo leva a crer que a introdução
de novos usuários de livros didáticos , com menor renda, alavancou a mudança.Na nona
edição observamos o enxugamento
A coleção “Curso Moderno de Matemática” foi extinta em 1973, na 9ª edição, quando
foi reformulada e lançada como GRUEMA (Grupo de Ensino de Matemática
Atualizada), em 1974, com 8 volumes, para as oito séries do 1º Grau.
Podemos supor que as mudanças na coleção possam ter sido determinadas pelas
reformas propostas na Lei 5.692/71, referentes à extensão do ensino obrigatório para
oito anos, definindo a necessidade da redistribuição dos conteúdos e a reformulação da
coleção, agora com oito volumes, destinada a todo 1º Grau.
Chama-nos a atenção à ausência de bibliografia, o que nos leva a supor a escassez, na
época de publicações acessíveis com estudos mais aprofundados sobre a aplicabilidade
dos conteúdos propostos para o ensino primário.
Quanto às mudanças curriculares, percebe-se a ampliação da concepção de currículo,
que não significa mais apenas uma listagem de conteúdos, linearmente encadeados. O
currículo é concebido conforme as orientações tecnicistas de autores como Bloom e
Mager, com objetivos gerais e específicos escritos de maneira operacional, além de
orientações metodológicas e sugestões de avaliação.
24
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Os conteúdos saem de seu formato habitual, com abordagens não tradicionais e
ênfase nas orientações metodológicas.
A coleção foi quase que imediatamente adotada nas escolas públicas, o que nos
faz pressupor que a metodologia utilizada visa atender as diferenças individuais,
exatamente os aspectos enfocados pela reforma de ensino.
3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Com as pressões sociais da população paulista pela extensão do maior número de anos
de escolaridade, e as ações do governo para a essa expansão, incluindo a extinção do
exame de admissão e o alargamento de vagas no ginásio, o Ensino Primário necessitava
de mudanças para receber e preparar essa clientela nova e heterogênea.
As estratégias adotadas pelo governo perpassavam os cursos de formação oferecidos
pelo GEEM, aos professores primários, sobre as novas metodologias e materiais
didáticos empregados em sala de aula, os documentos oficiais e as publicações que
divulgavam os novos conteúdos.
A dinâmica de introdução das metas do MMM nas séries iniciais, de maneira geral, foi
beneficiada pelo uso e ênfase dos materiais manipuláveis usados na introdução dos
novos conteúdos. Auxiliaram também os já avançados estudos de Piaget sobre a
aprendizagem infantil e as experiências bem-sucedidas de Dienes nas atividades com
materiais concretos, priorizando a metodologia e descartando os excessos cometidos, até
então, no ensino secundário. Tudo isso, possibilitou maior aceitação do ideário.
A nova metodologia sugerida no Curso Moderno motivou a utilização de novos
recursos didáticos, desde os materiais concretos e manipuláveis, até o uso de ilustrações
de objetos próximos a realidade infantil.
Cabe mencionar, a abordagem axiomática, apesar de todas as pressões ideológicas
exercidas, talvez não tenha proliferado no Livro Curso Moderno de Matemática, pois
sua operacionalização para crianças seria difícil e inapropriada, conforme as novas
teorias da psicologia da aprendizagem. Foi o primeiro livro destinado às séries iniciais,
utilizando a linguagem de conjuntos como elemento unificador, apresentando a Teoria
de conjuntos sem ênfase ao rigor de linguagem e priorizando as relações entre
conjuntos.
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Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
Podemos dizer que a estratégia editorial de formação de novos leitores estreita-se
também pelos cursos de formação oferecidos, tanto pelos grupos de estudos existentes,
como pelas Secretarias de Educação, numa tentativa de adequar de maneira a mais
rápida e cômoda, os professores ingressantes na rede, complementando sua formação
com as novas idéias sobre aprendizagem infantil e uso de materiais manipuláveis com
destreza e eficiência.
Como o ideário do MMM era hegemônico na época, todas as diretrizes oficiais e os
cursos oferecidos aos professores eram nele fundamentados, não parecendo haver
alternativas. Consequentemente era esta matemática moderna cobrada nos concursos,
nos livros didáticos e nas escolas. Logo os professores não tinham outra bibliografia
acessível senão a da matemática moderna, que era imprescindível para o exercício da
profissão.
Podemos concluir que uma das grandes conquistas do Movimento foi à modernização e
consolidação do mercado editorial de livros didáticos para o Ensino Primário, tendo
professores de matemática como autores. Pela primeira vez no Brasil, matemáticos
dedicaram sua atenção à elaboração de livros didáticos para crianças, antes escritos por
pedagogos ou professores ligados às séries iniciais.
A avalanche de informações sobre as mudanças propostas, a inserção de milhares de
professores na rede em um curto intervalo de tempo e a nova clientela, antes elitista e
agora heterogênea, pediam estratégias rápidas de divulgação e circulação das novas
propostas, o que foi aproveitado pela Companhia Editora Nacional como momento
propício de ampliação de mercado.
No Brasil, de acordo com os professores entrevistados, o MMM no Ensino Primário
estava mais ligado a uma proposta mais experimentalista, segundo a qual o aluno
deveria permanecer em atividade constante durante a construção do conhecimento, por
meio de situações de aprendizagem com materiais concretos. O professor deveria
assumir o papel de orientador das descobertas primeiramente intuitivas, que seriam
sistematizadas e formalizadas gradativamente, sem grandes preocupações com a
simbologia.
Tudo leva a crer que o tema “matemática moderna” nas escolas primárias teve
características peculiares relativamente aos outros segmentos de ensino e que afligiam
26
Curso Moderno de Matemática. v. 1 Denise Medina
os professores, que tiveram que adotar os novos conteúdos e metodologia considerada a
única “verdade” e solução para os problemas de aprendizagem na época.
O movimento dos professores, insistentemente reivindicando sugestões e formação,
originou muitos cursos de formação que eram ministrados pelas autoras do Curso
Moderno de Matemática, ocasionando a aceitação e adoção do Livro acriticamente e
consequentemente seu enorme sucesso de vendas em todo o Brasil.
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