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Parte I: O necessário e o contingente na história. Bibliografia: David (1986); Gould (1990), p.321-40. AULA 2

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Page 1: Curso heg 2011   aula 2 -  História Econômica Geral - UFABC - Prof Ramón García Fernández (o Paranista)

Parte I: O necessário e o

contingente na história.

Bibliografia:

David (1986); Gould (1990), p.321-40.

AULA 2

Page 2: Curso heg 2011   aula 2 -  História Econômica Geral - UFABC - Prof Ramón García Fernández (o Paranista)

Gould: Burguess Shale.... 2

Gould: Burguess Shale e a

Natureza da História.

1 - Introdução • Questão fundamental: o conhecimento histórico é

também um conhecimento científico.

• Ciência é muitas vezes vista como o domínio dos

“homens de avental branco”, mas isso não abarca toda a

ciência.

• Inúmeras áreas da ciência (cosmologia, geologia,

evolução, {economia, RGF?}) precisam ser estudadas

com o método histórico

• O conhecimento histórico surge de narrativas, não de

experimentos.

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Gould: Burguess Shale.... 3

2. Leis, história e ciência

“Como os cientistas deveriam proceder quando tentam explicar os

resultados da História, aqueles eventos desordenadamente

complexos que podem ocorrer apenas uma vez em seu detalhado

esplendor? (....) Os estereótipos do método científico não têm lugar

para a irredutível história” (p. 321)

As leis que determinam a formação de quartzo são as mesmas no

Pré-Cambriano e hoje, mas não explicam a extinção de cada animal

específico.

(“Nenhuma lei garantiu a extinção de Wiwaxia, mas um complexo

conjunto de eventos concorreu para assegurar esse resultado”, p.

322).

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Gould: Burguess Shale.... 4

3. Método histórico x Método Experimental

• História * Eventos irrepetíveis

* Conjunto único de elementos complexos

X

• Experimentos *Resultados repetíveis.

*Variáveis controladas

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Gould: Burguess Shale.... 5

4. As explicações históricas - I

Características das explicações históricas:

• Usam comparação e dados de observação.

• Buscam padrões repetidos → consiliência (conceito de Whewell), ou seja, explicação pela convergência de elementos provenientes de distintas fontes.

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Gould: Burguess Shale.... 6

4. As explicações históricas - II •Explicações históricas assumem a forma de uma narrativa (E ocorreu porque foi precedido por D, e este por C, B e A).

– i. E é o resultado rigoroso da seqüência A → D.

– ii. Nenhuma lei da natureza exige a ocorrência de E, qualquer variante E’ podia ter surgido a partir de um conjunto diferente de antecedentes.

“Não estou falando do acaso, mas do princípio central de toda a história, a contingência” (p.329)

“Embora possamos explicar um evento após ele ter ocorrido, a contingência exclui sua repetição, mesmo se partirmos do mesmo ponto inicial”

(p.323)

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Gould: Burguess Shale.... 7

5. O caso de Burgess Shale - I

• O sítio paleontológico de Burgess Shale (BS) é um depósito de fósseis de um período pouco posterior à explosão da vida multicelular (a “explosão cambriana”), e esses fósseis, para Gould, “são os fósseis mais importantes do mundo” (p.19-20).

• “A maioria dos organismos de BS não pertencem a grupos [phyla] conhecidos ... Provavelmente excedem em diversidade anatômica todo o espectro da fauna de invertebrados existentes nos oceanos modernos” (p.21).

• A maioria desses animais não sobreviveu, mas Gould diz que para um observador em BS teria sido impossível predizer quais dariam certo e quais não (inclusive, as espécies das quais evoluímos).

• Para isso, ele recorre à metáfora de passar o replay da história da vida a partir de BS.

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Gould: Burguess Shale.... 8

5.O caso de Burgess Shale - II

• “Suponha que de cada cem designs, dez irão sobreviver e diversificar-se. Caso se possa predizer quais serão os dez sobreviventes em base a sua superioridade anatômica ... então eles triunfarão todas as vezes (....) Mas se os dez sobreviventes forem ... afortunados beneficiários de contingências históricas extraordinárias, então cada replay produzirá um novo conjunto de sobreviventes e uma história radicalmente diferente” (p.50-1) .

• A evolução normalmente é representada por uma escada ou um cone que vão de formas mais simples às mais complexas. Gould rejeita isso sem cair no extremo oposto do puro acaso, e também não acha que a alternativa esteja em algum lugar intermediário.

• Veja-se o problema da tradução do sub-titulo: a palavra “acaso” não respeita a visão do autor.

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5. O caso de Burgess Shale - III

• “Qualquer replay [da “fita” de BS] conduziria a evolução por um caminho radicalmente diferente daquele que foi realmente trilhado (....) O percurso do replay, em retrospecto, seria tão interpretável e explicável quanto o caminho que foi realmente percorrido (....) Altere qualquer acontecimento do início da história da vida, mesmo de forma ligeira, que na ocasião não tenha aparentemente nenhuma importância, e a evolução enveredará por uma trilha radicalmente distinta. Esta terceira alternativa é nada mais e nada menos do que a essência da história, a contingência” (p.51-2).

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5. O caso de Burgess Shale - IV

• “Este livro trata da natureza da história e da esmagadora improbabilidade da evolução humana...” (p.52)

• “Faça correr novamente a fita um milhão de vezes a partir do início da época de BS, e duvido que alguma coisa parecida com o Homo sapiens jamais chegasse a evoluir” (p.336).

• “... O mais profundo insight proporcionado pela biologia a respeito da natureza, do status e do potencial humano está contida nesta simples frase, a corporificação da contingência: o Homo sapiens é uma entidade, não uma tendência” (p.377).

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6. Defesa das explicações históricas.

Três motivos para conceder às explicações históricas um papel tão importante quanto o de uma explicação científica tradicional:

1. Confiabilidade: documentação (evidências) somada à refutação de alternativas dá respostas tão confiáveis quanto as da ciência tradicional.

2. Importância: muitas das coisas mais importantes são resultado de eventos contingentes.

3. Psicologia: explicações contingentes são mais fascinantes do que as que decorrem simplesmente de leis naturais.

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Gould: Burguess Shale.... 12

7. O impacto psicológico da contingência

“Nós somos tocados de uma maneira especial por eventos que não tinham necessariamente de acontecer, mas que

em virtude de causas identificáveis sujeitas a infinitas trapalhadas e atribulações, acabaram ocorrendo. Em

contraste, ambas as extremidades da dicotomia usual – o inevitável e o verdadeiro acaso – geralmente causam menos impacto em nossas emoções porque elas não

podem ser controladas pelos agentes e objetos da história e, portanto, ou seguem seu curso ou são combatidas sem

muitas esperanças de se poder rechaçá-las” (p.330).

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Gould: Burguess Shale.... 13

8. As leis e a contingência.

•Defender a importância da contingência não significa desprezar a importância das leis.

•As leis gerais da vida impõem limites às formas possíveis, mas não dizem que deve ter polvos, moscas, homens, etc.

•Darwin: distinção entre princípios básicos (controlados por leis) e detalhes (definidos pela contingência, ou segundo ele, “...deixados a cargo do que podemos chamar de acaso”, p.338).

• “A questão das questões reduz-se à determinação da linha divisória entre a previsibilidade sob as leis invariáveis da natureza e as múltiplas possibilidades de contingência histórica” (p.338), ou seja, o problema é onde traçar a linha divisória.

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David: QWERTY 14

David: Understanding the Economics of

QWERTY: the Necessity of History.

1. Introdução

• Questão fundamental: há necessidade de

entender a história para entender o mundo

• “O ponto principal da estória ficará bem claro: às vezes

não é possível revelar a lógica (ou a ilógica) do mundo

ao nosso redor exceto entendendo como ele ficou assim”

(p.30).

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David: QWERTY 15

• “Uma seqüência de mudanças econômicas path dependent (dependentes do caminho seguido) é uma na

qual importantes influências sobre o resultado final podem ser exercidas por eventos temporalmente

remotos, incluindo acontecimentos dominados por elementos aleatórios mais do que por forças

sistemáticas” (p.30)

• David vai desenvolver seu estudo da path-dependency através de um estudo de caso, tentando mostrar que “...o estudo de história econômica é uma necessidade na formação dos bons economistas” (p.30)

2. A importância da path-dependency

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David: QWERTY 16

• Um processo estocástico é ergódico quando as médias

calculadas dos eventos passados não é

sistematicamente diferente das médias desse processo

no futuro → o tempo é irrelevante nestes casos.

• Por exemplo, num período de clima estável, na região X

chove um certo número de milímetros de água por ano

(varia, logo é um processo estocástico). Mas nada leva

a supor que a média das chuvas futuras seja diferente

da média das passadas.

• Nesse sentido é que o tempo é irrelevante: tem tanta

chance de encontrarmos um ano com X mm de chuva

no passado quanto no futuro.

3. A questão da não-ergodicidade - I

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David: QWERTY 17

• Grande parte dos processos de interesse dos

economistas são não-ergódicos.

• Processos que não convergem automaticamente para o

equilíbrio são não-ergódicos → neles o processo tem

um caráter essencialmente histórico.

• Por exemplo, temos motivos para acreditar que o PIB,

ou o número de patentes, ou a quantidade de

estudantes universitários, embora sejam estocásticos,

mostram uma tendência crescente: a média deles entre

1930 e 1940 será diferente da correspondente ao

período 1985-95.

• Por isso são não-ergódicos: o tempo faz diferença.

3. A questão da não-ergodicidade – II.

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David: QWERTY 18

4. A vitória do QWERTY: o lado da oferta.

• Bastantes evidências mostram que o teclado Maltron

(anos 70) ou o DSL (patenteado em 1932, usado pela

Marinha dos EUA na II Guerra) são mais eficientes do

que o arranjo padrão dos teclados contemporâneos, o

QWERTY → por que não se impuseram? (Temos que ir

à história do QWERTY).

• C. Latham Scholes (logo se associaria à Remington)

criou o QWERTY por volta de 1870, tentando encontrar

como evitar que as teclas enguiçassem.

• Mas em 1896, com a introdução da batida frontal

(permite enxergar o que se escreve), com o “caps lock”,

etc., já encontravam-se resolvidos boa parte dos

problemas que o QWERTY pretendia solucionar.

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David: QWERTY 19

5. A vitória do QWERTY: o lado da demanda – I

• As primeiras escolas ensinavam a escrever com 4 dedos.

• Em 1882 o Longley Institute de Cincinatti cria a técnica

de 8 dedos.

• Em 1889 começa a datilografia ao toque.

Isso tudo faz surgir 3 elementos que explicam porque o

QWERTY fica “locked-in” como arranjo dominante.

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David: QWERTY 20

5. A vitória do QWERTY: o lado da demanda - II

1. Inter-relação técnica: deve existir uma relação entre a

máquina e o usuário que permita a este memorizar um

arranjo particular (não pode mudar freqüentemente).

2. Economia de escala: cada firma particular não precisa

treinar as pessoas, elas já chegam treinadas (logo, a

firma não precisa investir nelas). E os custos totais se

reduzem quando qualquer teclado vira padrão: para o

comprador, é melhor comprar a máquina que tem mais

mão de obra disponível; para o trabalhador, é melhor

aprender o teclado que mais se usa. As expectativas

ajudam a acelerar esse processo.

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David: QWERTY 21

5. A vitória do QWERTY: o lado da demanda - III

3. Quase irreversibilidade dos investimentos: saber datilografar é um capital humano durável, mas com alto custo de transferência para outro programa. Com o avanço da tecnologia, custos do hardware caem (tanto faz oferecer qualquer teclado) mas o software (pessoas treinadas em QWERTY) tem custos crescentes de re-treinamento.

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David: QWERTY 22

6. Conclusão (“mensagem”) principal do artigo

• A concorrência no mercado e a inexistência de

mercados futuros de tecnologia levam a uma

padronização de facto no sistema que pode ser

considerado errado (segundo David, ou no mínimo

não ótimo, tal como as bitolas dos trens ingleses).

• Logo, o caso do QWERTY mostra a importância

dos processos dinâmicos essencialmente

históricos.