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Conteúdo programático:

Introdução

Breve Histórico da Antropologia

A Antropologia Evolucionista

A invenção do conceito de homem

Cultura: Principais Conceitos

Cultura e Identidade

Educação: Abordagem Antropológica

A Educação e os Movimentos Sociais

Bibliografia/Links Recomendados

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Introdução

A Antropologia é uma ciência social surgida no século XVIII. Porém, foi somente no século XIX que se organizou como disciplina científica. A palavra tem o seguinte significado: atropo = homem e logia = estudo. Estudo antropológico Esta ciência estuda, principalmente, os costumes, crenças, hábitos e aspectos físicos dos diferentes povos que habitaram e habitam o planeta. Portanto, os antropólogos estudam a diversidade cultural dos povos. Como cultura, podemos entender todo tipo de manifestação social. Modos, hábitos, comportamentos, folclore, rituais, crenças, mitos e outros aspectos que são fontes de pesquisa para os antropólogos. A estrutura física e a evolução da espécie humana também fazem parte dos temas analisados pela Antropologia. Os antropólogos utilizam, como fontes de pesquisa, os livros, imagens, objetos, depoimentos, entre outras. Porém, as observações, através da vivencia entre os povos ou comunidades estudadas, são comuns e fornecem muitas informações úteis ao antropólogo. Antropólogos Famosos da História: - Bronislaw Malinowski (1884-1942) – valorizou o trabalho minucioso e o convívio com povos nativos como forma de obter informações para o trabalho antropológico. - Franz Boa (1858-1942) – estudou vários povos indígenas dos Estados Unidos. - Claude Levi-Strauss (1908-) – criador do estruturalismo. Sua obra principal foi “O pensamento selvagem”.

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Breve Histórico da Antropologia Pré-história da Antropologia O Renascimento explora espaços ainda desconhecidos - com as grandes navegações e inicia discursos sobre habitantes que povoam aqueles lugares. A grande questão colocada é a seguinte: aqueles que acabaram de ser descobertos pertencem à humanidade? O selvagem tem uma alma? O pecado original também lhe diz respeito? Percebemos que, se no século XIV a questão é colocada, não chega a ser solucionada e será́ definitivamente resolvida apenas dois séculos depois.

Nessa época é que se inicia um esboço sobre as duas ideologias concorrentes: a recusa do estranho, apreendido a partir de uma falta, e cujo corolário é a boa consciência que se tem sobre si e sua sociedade; e a fascinação pelo estranho, cujo corolário é a má́ consciência que se tem sobre si e sua sociedade.

Segundo Laplatine (1988, p.38), desde a metade do século XIV, no debate que se torna uma controvérsia pública entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera, estão colocados os próprios termos dessa dupla posição. Las Casas cita que “Àqueles que pretendem que os índios sejam bárbaros, responderemos que essas pessoas tem aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa”. Sepulvera relata que “Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam superiores em forca física, são, por natureza, os senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos”.

As ideologias que estão por trás desse duplo discurso, permanecem vivas hoje, quatro séculos depois da polêmica que opunha Las Casas a Sepulvera (LAPLATINE, 1988, p.39).

Século XVIII Até o Século XVIII, o saber antropológico esteve presente na contribuição dos cronistas, viajantes, soldados, missionários e

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comerciantes que discutiam, em relação aos povos que conheciam, a maneira como estes viviam a sua condição humana, cultivavam seus hábitos, normas, características, interpretavam os seus mitos, os seus rituais, a sua linguagem. Só́ no século XVIII a Antropologia adquire a categoria de ciência, partindo das classificações de Carlos Lineu e tendo como objeto a análise das “raças humanas”.

O legado desta época foram os textos que descreviam as terras, a (Fauna, a Flora, a Topografia) e os povos “descobertos” (Hábitos e Crenças). Algumas obras que falavam dos indígenas brasileiros, por exemplo: A Carta de Pero Vaz de Caminha (“Carta do Descobrimento do Brasil”), os relatos de Hans Staden, “Duas Viagens ao Brasil”, os registros de Jean de Léry, a “Viagem a Terra do Brasil”, e a obra de Jean Baptiste Debret, a “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Além destas, outras obras falavam ainda das terras recém-descobertas, como a carta de Colombo aos Reis Católicos. Toda esta produção escrita levantou uma grande polêmica acerca dos indígenas. A contribuição dos missionários jesuítas na América (como Bartolomeu de Las Casas e Padre Acosta) ajudou a desenvolver a denominada “teoria do bom selvagem”, que via os índios como detentores de uma natureza moral pura, modelo que devia ser assimilado pelos ocidentais. Esta teoria defendia a ideia de que cultura mais próxima do estado “natural” serviria de remédio aos males da civilização.

O século XIX No Século XIX, por volta de 1840, Boucher de Perthes utiliza o termo ‘homem pré-histórico’ para discutir como seria a vida cotidiana deles, a partir de achados arqueológicos, como utensílios de pedra, cuja idade se estimava bastante remota. Posteriormente, em 1865, John Lubock reavaliou numerosos dados acerca da Cultura da Idade da Pedra e compilou uma classificação em que enumerava as diferenças culturais entre os períodos Paleolítico e Neolítico.

Com a publicação de dois livros: A Origem das Espécies, em 1859 e A Descendência do Homem, em 1871, Charles Darwin principia a sistematização da teoria evolucionista. Partindo da discussão trazida à tona por estes pesquisadores, nascia a Antropologia Biológica ou Antropologia Física.

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A Antropologia Evolucionista A Antropologia Evolucionista Marcada pela discussão evolucionista, a Antropologia do Século XIX privilegiou o Darwinismo Social, que considerava a sociedade europeia da época como o apogeu de um processo evolucionário, em que as sociedades aborígenes eram tidas como exemplares, “mas primitivas”. Esta visão usava o conceito de “civilização” para classificar, julgar e, posteriormente, justificar o domínio de outros povos. Esta maneira de ver o mundo a partir do conceito civilizacional, de superior, ignorando as diferenças em relação aos povos tidos como inferiores, recebe o nome de etnocentrismo. É a Visão Etnocêntrica», o conceito europeu do homem que se atribui o valor de “civilizado”, fazendo crer que os outros povos, como os das Ilhas da Oceania estavam “situados fora da história e da cultura”. Esta afirmação está muito presente nos escritos de Pauw e Hegel. A figura do mau selvagem e do bom civilizado

"The Death of Jane McCrea", 1804, de John Vanderlyn

A antiguidade grega designava sob o nome de bárbaro tudo o que não participava da helenidade (em referência à “inarticulação” do canto dos pássaros opostos à significação da Linguagem humana), o Renascimento, nos séculos XVII e XVIII falavam de naturais ou de selvagens, opondo assim a animalidade à humanidade. Para Laplatine (1988, p.40) o termo primitivo é que triunfará no século XIX, enquanto na época atual optamos por subdesenvolvidos.

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Entre os critérios utilizados a partir do século XIV pelos europeus para julgar se convém conferir aos índios um estatuto humano, além do critério religioso, citaremos:

- a aparência física: eles estão nus ou "vestidos de peles de animais";

- os comportamentos alimentares: eles "comem carne crua", e é todo o imaginário do canibalismo que irá aqui se elaborar;

- a inteligência tal como pode ser apreendida a partir da Linguagem: eles falam "uma língua ininteligível".

Assim, não tendo alma, não acreditando em Deus, sendo assustadoramente feio, não tendo acesso à linguagem e alimentando-se como um animal, o selvagem é apreendido nos modos de um bestiário. Este discurso sobre a alteridade, que recorre constantemente à metáfora zoológica, abre o grande leque das ausências: sem arte, sem objetivo, sem moral, sem religião, sem razão, sem consciência, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem passado, sem futuro. De acordo com Laplatine (1988, p.41), Cornelius de Pauw acrescentará até, no século XVIII: “sem barba”, “sem sobrancelhas”, “sem pelos”, “sem espírito”, “sem ardor para com sua fêmea”.

No século XIX, Stanley, em seu livro dedicado à pesquisa de Livingstone, compara os africanos aos “macacos de um jardim zoológico”. Mais dois textos interessantes parecem muito reveladores desse pensamento que faz do selvagem o inverso do civilizado. São as Pesquisas sobre os Americanos ou Relatos Interessantes para servir à História da Espécie Humana, de Cornelius de Pauw, publicado em 1774, e a famosa Introdução à Filosofia da História, de Hegel (Laplatine, 1988, p.42).

Laplatine (1988, p.43), aborda os seguintes aspectos: 1) De Pauw nos propõe suas reflexões sobre os índios da América do Norte. Sua convicção é a de que sobre estes últimos a influência da natureza é total, ou mais precisamente negativa. Se essa raça inferior não tem história e está para sempre condenada, por seu estado “degenerado”, a permanecer fora do movimento da História, a razão deve ser atribuída ao clima de uma extrema umidade. Eles têm, prossegue Pauw, um “temperamento tão úmido quanto o ar e a

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terra onde vegetam” e que explica que eles não tenham nenhum desejo sexual. Em suma, são “infelizes que suportam todo o peso da vida agreste na escuridão das florestas, parecem mais animais do que vegetais”.

2) Ideias que serão retomadas e expressas nos mesmos termos em 1830, por Hegel, que em sua Introdução à Filosofia da História, nos expõe o horror que ele ressente frente ao estado de natureza, que é o desses povos que jamais ascenderão à “história” e à “consciência de si”.

Na leitura desta Introdução, a África, e, em especial, a África profunda do interior, onde a civilização nessa época ainda não penetrou, que representa para o filósofo a forma mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade.

Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da falta absoluta: os “negros” não respeitam nada, nem mesmo eles próprios, já que comem carne humana e fazem comércio da “carne” de seus próximos. Vivendo em uma ferocidade bestial inconsciente de si mesmo, em uma selvageria, em estado bruto, eles não têm moral, nem instituições sociais, religião ou Estado. Petrificados, em uma desordem inexorável, nada, nem mesmo as forças da colonização, poderá nunca preencher o fosso que os separa da história universal da humanidade.

A figura do bom selvagem e do mau civilizado

"The Death of General Wolfe", 1771, de Benjamin West

A figura de uma natureza má na qual vegeta um selvagem embrutecido é suscetível de se transformar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias a um selvagem feliz. Os termos da atribuição permanecem da mesma forma que o par constituído pelo sujeito do discurso (o civilizado) e seu objeto (o

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natural). O caráter primitivo dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religião organizada, sem clero, sem sacerdotes, sem polícia, sem leis, sem Estado não constitui uma desvantagem. O selvagem não é quem pensamos.

A figura do bom selvagem só encontrará sua formulação mais sistemática e mais radical dois séculos após o Renascimento: no rousseauísmo do século XVIII, e, em seguida, no Romantismo.

Para Laplatine (1988, p.47), toda a reflexão de Léry e de Montaigne no século XVI sobre os “naturais” baseia-se sobre o tema da noção de crueldade respectiva de uns e outros, e, pela primeira vez, instaura-se uma crítica da civilização e um elogio da “ingenuidade original” do estado da natureza. Léry, entre os Tupinambás, interroga-se sobre o que se passa “aquém”, isto é, na Europa. Ele escreve, a respeito de “nossos grandes usuários”: “Eles são mais cruéis do que os selvagens dos quais estou falando”. E Montaigne, sobre esses últimos: “Podemos, portanto, de fato chamá-los de bárbaros quanto as regras da razão, mas não quanto a nós mesmos que os superamos em toda sorte de barbárie”.

O selvagem ingressa progressivamente na filosofia, nos salões literários e nos teatros parisienses. Em 1721, é montado um espetáculo intitulado O Arlequim Selvagem. O personagem de um Huron trazido para Paris declama no palco:

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Vocês são loucos, pois procuram com muito empenho uma infinidade de coisas inúteis; vocês são pobres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de simplesmente gozar da criação, como nós, que não queremos nada a fim de desfrutar mais livremente de tudo (Laplatine,1988, p.49). É o período que todos querem ver os Indes Galantes, a época em que se exibem nas feiras verdadeiros selvagens. Manifestações essas que constituem uma verdadeira acusação contra a civilização. A invenção do conceito do homem Durante o Renascimento, esboçou-se a primeira interrogação sobre a existência múltipla do homem. Esta fechou-se muito rapidamente no século seguinte, no qual a evidência do código, fundador da ordem do pensamento clássico, excluiu da razão o louco, a criança, o selvagem, enquanto figuras da anormalidade.

No século XVIII, constituiu-se o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é, de um saber não mais apenas especulativo, e sim positivo sobre o homem. Apenas no século XVIII, é que se podem apreender as condições históricas, culturais e epistemológicas de possibilidade daquilo que vai se tornar a Antropologia.

O projeto antropológico supõe: 1) A construção de um certo número de conceitos, iniciando pelo próprio conceito de homem, enquanto sujeito e objeto do saber; abordagem totalmente inédita, já que consiste em introduzir dualidade característica das ciências exatas (o sujeito observante e o objeto observado) no coração do próprio homem.

2) A constituição de um saber que não seja apenas de reflexão, e sim de observação, isto é, de um novo modo de acesso ao homem, que passa a ser considerado em sua existência concreta, envolvida nas determinações de seu organismo, de suas relações de produção, de sua Linguagem, de suas instituições, de seus comportamentos. Assim começa a constituição dessa positividade de um saber empírico sobre o homem enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (linguística).

3) Uma problemática essencial: a da diferença. Coloca-se pela primeira vez no século XVIII a questão da relação ao impensado, bem

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como a dos possíveis processos de reapropriação dos nossos condicionamentos fisiológicos, das nossas relações de produção, dos nossos sistemas de organização social. Assim, inicia-se uma ruptura com o pensamento do mesmo, e a constituição da ideia de que a linguagem nos precede, pois somos antes exteriores a ela. Tais reflexões sobre os limites do prazer, assim como sobre as relações de sentido e poder, eram inimagináveis antes. A sociedade do século XVIII vive uma crise da identidade do humanismo e da consciência européia.

4) Um método de observação e análise: o método indutivo. Os grupos sociais podem ser considerados como sistemas “naturais” que devem ser estudados empiricamente, a partir da observação de fatos, a fim de extrair princípios gerais, que hoje chamaríamos de leis. Esse naturalismo, que consiste numa emancipação definitiva em relação ao pensamento teológico, impõe-se em especial na Inglaterra, com Adam Smith e, antes dele, David Hume, que escreve em 1739 seu Tratado sobre a Natureza Humana. Os filósofos ingleses colocam as premissas de todas as pesquisas que procurarão fundar, no século XVIII, uma “moral natural”, um “direito natural”, ou ainda uma “religião natural”.

Esse projeto de um conhecimento positivo do homem, isto é, de um estudo de sua existência empírica considerada por sua vez como objeto do saber, constitui um evento considerável na história da humanidade. Um evento que se deu no Ocidente no século XVIII, que terminou impondo-se, já que se tornou definitivamente constitutivo da modernidade. A fim de avaliar melhor a natureza dessa verdadeira revolução do pensamento – que instaura uma ruptura tanto com o “humanismo” do Renascimento como com o “racionalismo” do século clássico - examinaremos mais de perto o que mudou radicalmente desde o século XVI.

1) Trata-se em primeiro lugar da natureza dos objetos observados. Os relatos dos viajantes dos séculos XVI e XVII eram mais uma cosmografia, do que uma pesquisa etnográfica. O objeto de observação, nessa época, era mais o céu, a terra, a fauna e a flora, do que o homem em si, e, quando se tratava deste, era essencialmente o homem físico que era tomado em consideração. No século XVIII, é traçado o primeiro esboço daquilo que se tornará uma Antropologia social e cultural, constituindo-se inclusive, ao

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mesmo tempo, tomando como modelo a Antropologia física, e instaurando uma ruptura do monopólio desta.

2) Simultaneamente, o destaque se desloca pouco a pouco do objeto de estudo para a atividade epistemológica, que se torna cada vez mais organizada. No século XVIII, a questão é: Como coletar? E como dominar em seguida o que foi coletado? Não basta mais observar, é preciso processar a observação. Não basta mais interpretar o que é observado, é preciso interpretar interpretações. E é desse desdobramento, isto é, desse discurso, que vai justamente brotar uma atividade de organização e elaboração. O primeiro dará a essa atividade um nome: a etnologia.

Os pesquisadores-eruditos do século XIX O século XVI descobre e explora espaços até então desconhecidos e tem um discurso selvagem sobre os habitantes que povoavam esses lugares. Após um parêntese no século XVII, este discurso se organiza no século XVIII: ele é “iluminado” à luz dos filósofos, e a viagem se torna “viagem filosófica”. Mas a primeira tentativa de unificação, isto é, de instauração de redes entre esses lugares, e de reconstituição de temporalidades é incontestavelmente obra do século XIX.

O século XIX é a época durante a qual se constitui verdadeiramente a Antropologia enquanto disciplina autônoma: a ciência das sociedades primitivas em todas as suas dimensões (biológica, técnica, econômica, política, religiosa, linguística e psicológica).

Com a revolução industrial inglesa e a revolução política francesa, percebe-se que a sociedade mudou e nunca mais voltará a ser o que era. A Europa se vê confrontada a uma conjuntura inédita. No século XIX, o contexto geopolítico é totalmente novo: é o período da conquista colonial, que desembocará em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de Berlim, que rege a partilha da África entre as potências europeias e põe fim às soberanias africanas. É no movimento dessa conquista que se constitui a Antropologia moderna, o antropólogo acompanhando de perto os passos do colono. Nessa época, a África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser povoadas de um número considerável de emigrantes europeus. Uma rede de informações se instala; são os questionários enviados por

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pesquisadores das metrópoles para os quatro cantos do mundo, e cujas respostas constituem os materiais de reflexão das primeiras grandes obras de Antropologia que se sucederão em ritmo regular durante toda a segunda metade do século.

Algumas obras publicadas neste século, têm uma ambição considerável – seu objetivo não é nada menos que o estabelecimento de um verdadeiro corpus etnográfico da humanidade – caracterizam-se por uma mudança radical de perspectiva em relação à época das “luzes”: o indígena das sociedades extra-europeias não é mais o selvagem do século XVIII, tornou-se o primitivo, isto é, o ancestral do civilizado, destinado a reencontrá-lo. A colonização atuará nesse sentido. Assim a Antropologia, conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento da nossa origem, ou seja, das formas simples de organização social e que evoluíram para as formas mais complexas das nossas sociedades.

Observaremos mais adiante, em que consiste o pensamento teórico dessa Antropologia que se qualifica de evolucionista. Existe uma espécie humana idêntica, mas que se desenvolve em ritmos desiguais, de acordo com as populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o nível final que é o da “civilização”. A partir disso, convém procurar determinar cientificamente a sequência dos estágios dessas transformações.

Para Laplatine (1988 p. 65-66), o evolucionismo encontrará sua formulação mais sistemática e mais elaborada na obra de Morgan, e particularmente em Ancient Society, que se tornará o documento de referência adotado pela imensa maioria dos antropólogos do final do século XIX. Enquanto para Pauw ou Hegel as populações “não civilizadas” são populações que, além de se situarem enquanto espécies fora da História, não têm história em sua existência individual, Haeckel afirma rigorosamente o contrário: a ontogênese reproduz a filogênese; ou seja, o indivíduo atravessa as mesmas fases que a história das espécies. Disso decorre a identificação dos povos primitivos aos vestígios da infância da humanidade.

A Antropologia do século XIX, que pretende ser científica, é a considerável atenção dada: 1) a essas populações que aparecem como sendo as mais “arcaicas” do mundo: os aborígines australianos, 2) ao estudo do “parentesco”, 3) e ao da religião. Parentesco e religião são, nessa época, as duas grandes áreas da Antropologia, ou, mais especificamente, as duas vias de acesso

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privilegiadas ao conhecimento das sociedades não ocidentais; elas permanecem ainda, os dois números resistentes da pesquisa dos antropólogos contemporâneos.

Fundadores da Etnografia A etnografia, propriamente dita, só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta é parte integrante da pesquisa.

Segundo Laplatine (1988, p. 77), com Boas (1858-1942) assistimos a uma verdadeira virada da prática antropológica. Ele era antes de tudo um homem de campo. Suas pesquisas totalmente pioneiras foram iniciadas a partir dos últimos anos do século XIX. No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado detalhadamente. Tudo deve ser objeto da descrição mais meticulosa, da transcrição mais fiel.

Para Laplatine (1988,p.77-78), o primeiro a formular com seus colaboradores (em particular Lowie, 1971) a crítica mais radical e mais elaborada das noções de origem e de reconstituição dos estágios, Boas mostra que um costume só tem significação se for relacionado ao contexto particular no qual se inscreve. Morgan e Montesquieu tinham aberto o caminho a essa pesquisa cujo objeto é a totalidade das relações sociais e dos elementos que a constituem. Mas a diferença é que, a partir de Boas, estima-se que, para compreender o lugar particular ocupado por esse costume, não se pode mais confiar nos investigadores e, muito menos nos que, da “metrópole”, confiam neles. Apenas o antropólogo pode dar conta cientificamente de uma microssociedade, apreendida em sua totalidade e considerada em sua autonomia teórica. Assim, o teórico e o observador estão finalmente reunidos pela primeira vez. Assistimos ao nascimento de uma verdadeira etnografia profissional, que não se contenta mais em coletar materiais a maneira dos antiquários, mas procura detectar o que faz a unidade da cultura, que se expressa através dessas diferentes matérias. (idem, p. 77-78).

Por outro lado, boas considera que não há objeto nobre, nem objeto indigno da ciência. Em especial, a maneira pela qual as sociedades tradicionais, na voz dos mais humildes entre eles, classificam suas atividades mentais e sociais, deve ser levada em consideração. Boas

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anuncia, assim, a constituição do que hoje chamamos de “etnociências” (idem, p.78).

Ele foi um dos primeiros a nos mostrar a importância e a necessidade para o etnólogo, do acesso a língua da cultura na qual trabalha. A sua preocupação de precisão na descrição dos fatos observados, acrescentava-se a de conservação metódica do patrimônio recolhido.

Finalmente, foi, enquanto professor, o grande pedagogo que formou a primeira geração de antropólogos americanos e permanece sendo o mestre incontestado da Antropologia americana na primeira metade do século XX.

Malinowski (1884-1942) dominou incontestavelmente a cena antropológica de 1922, ano de publicação de sua primeira obra, Os Argonautas do Pacífico Ocidental, até sua morte, em 1942. Ele não foi o primeiro a conduzir cientificamente uma experiência etnográfica, isto é, em primeiro lugar, a viver com as populações que estudava e a recolher seus materiais de seus idiomas, mas radicalizou essa compreensão por dentro, e para isso, procurou romper ao máximo os contatos com o mundo europeu (idem, p.79-80).

Ninguém antes dele tinha se esforçado a fundo na mentalidade dos outros, e em compreender por dentro, por uma verdadeira busca de despersonalização, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que não é nossa.

De acordo com Laplatine (1988, p.80) instaurando uma ruptura com a história conjetural (a reconstituição especulativa dos estágios), e também com a geografia especulativa (a teoria difusionista, que tende, no início do século, a ocupar o lugar do evolucionismo), Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada enquanto uma totalidade.

Nesta época, a Antropologia se torna uma “ciência” da alteridade que vira as costas ao empreendimento evolucionista de constituição das origens da civilização, e se dedica ao estudo das lógicas particulares características de cada cultura. O que o leitor aprende ao ler Os Argonautas é que os costumes dos Trobriandeses, tão profundamente diferentes dos nossos, têm uma significação e uma coerência.

A fim de pensar essa coerência interna, é elaborada uma teoria (o funcionalismo) que tira o modelo das ciências da natureza: o

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indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem precisamente como função a de satisfazer à sua maneira essas necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições (economias, políticas, jurídicas, educativas...), fornecendo respostas coletivas organizadas, que constituem, cada uma a seu modo, soluções originais que permitem atender a essas necessidades.

O autor nos mostra que (1988, p. 82), para Malinowski há uma preocupação em abrir as fronteiras disciplinares, devendo o homem ser estudado através da tripla articulação do social, do psicológico e do biológico, mas para ele, convém em primeiro lugar, localizar a relação estreita do social e do biológico, já que, para ele, uma sociedade funcionando como um organismo, as relações biológicas devem ser consideradas não apenas como o modelo epistemológico que permite pensar as relações sociais, e sim como o seu próprio fundamento. Além disso, uma verdadeira ciência da sociedade inclui o estudo das motivações psicológicas, dos comportamentos, o estudo dos sonhos e dos desejos do indivíduo.

Malinowski, quanto a esse aspecto, vai muito além da análise da afetividade de seus interlocutores. Ele procura reviver nele próprio os sentimentos dos outros, fazendo da observação participante uma participação psicológica do pesquisador, que deve “compreender e compartilhar os sentimentos” destes últimos “interiorizando suas reações emotivas” (idem, 1988, p.82).

Cultura: Principais Conceitos Homem, cultura e sociedade Desde muito cedo percebemos as diferenças existentes entre o ser humano e os demais seres vivos, sobretudo os animais. Os animais constroem moradia como, por exemplo, os pássaros, buscando assim nova adaptação quando os recursos utilizados deixaram de existir, diferentemente de nós seres humanos que utilizamos várias formas de materiais para construir nossas habitações. Nos tempos primitivos, ou seja, das cavernas, ao longo de milênios, o homem passou a empregar variedades de formas e materiais sempre almejando a melhor proteção contra o frio, calor, os animais selvagens, entre outros. As comunidades foram tornando-se mais complexas com a descoberta do fogo, da fabricação de metais,

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utilização da argila, da madeira, e começaram a construir casas mais bem elaboradas, conforme a organização social e o estágio de desenvolvimento tecnológico em que se encontravam e se encontram atualmente. À medida que a linguagem, pensamento e uso de ferramentas possibilitaram às comunidades alterar suas estratégias de sobrevivência - modos de produção agrícola, armazenamento e comercialização de seus produtos - começa a surgir a cultura, ou seja, o homem começa a criar cultura. Segundo Vannucchi (1999, p.23), “a cultura é tudo que não é natureza. Por sua vez, é toda ação humana na natureza e com a natureza”. Contudo, pode-se dizer que a terra é natureza, mas o plantio é cultura. O mar é natureza, mas a navegação é cultura. A sociologia preocupa-se em entender a cultura, mas é na Antropologia que o seu estudo é aprimorado, pois é a ciência que estuda o homem e as suas obras, ou seja, a cultura. Estuda também as semelhanças e diferenças humanas. No século XIX, quando iniciaram estudos sobre comunidades, os etnólogos conceituaram essas comunidades sob a ótica etnocêntrica, contribuindo para instituir as posições preconceituosas sobre suas culturas, inserido-as em estágios inferiores à nossa sociedade dita civilizada, a partir da abordagem positivista e funcionalista. É por esta ótica que os colonizadores, quando chegaram nas Américas e na África, designaram as comunidades de “selvagens”, “primitivas”, “sem cultura”, portanto inferiores, podendo ser subjugadas, utilizando-os como subalternos, serviçais e escravos. A etnologia, ciência que estuda o conjunto das características de cada etnia, foi questionada pelos antropólogos na segunda metade do século XX, pois as abordagens serão inseridas na noção de que culturas diferentes não implicam desigualdade e inferioridade. Portanto, a “cultura” é foco central para o campo da Antropologia, ou seja, para essa ciência, a definição de cultura diz respeito a várias áreas do saber humano, tais como a agronomia, biologia, artes, literatura, história etc. No sentido amplo, a palavra cultural é toda atividade humana que altera a natureza, constrói valores em todas as áreas. Cultura é tudo o que os seres humanos constroem. Com base nesse sentido, o autor Paulo Freire contribui com significativas práticas sociais e educacionais ao estimular os adultos analfabetos a se perceberem sujeitos ativos da cultura, pelas atividades que executam

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socialmente. Exemplo disso é quando é construído um poço para armazenar água, ou plantar uma roça, só com a sabedoria prática. Contudo as variações culturais entre os seres humanos são ligadas aos diferentes tipos de sociedades, em níveis regionais e locais. A discussão sobre cultura geralmente é colocada separadamente da sociedade como se estas fossem dissociáveis, mas observa-se que elas são até muito mais unidas do que deveriam ser. A mudança social é um fator que leva ao desenvolvimento humano. É preciso perceber que a cultura é transmitida de geração à geração, muitas vezes, formalmente pela escrita e outras vezes pela oralidade. Em ambos os casos a cultura é herdada e recriada. E a aprendizagem cultural se dá quando elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a comunicação. Componentes da Cultura A cultura de uma sociedade é expressa por valores tais como: crenças, ideias, símbolos, como objetos, e todo o conjunto construído operacionalmente a partir da experiência, de técnicas, tecnologias e teorias, em cada época histórica. Em Giddens (2005, p.38), “a cultura refere-se às formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade”, pois sempre que pensamos no termo cultura imaginamos que são coisas mais distantes do nosso cotidiano como a arte, a literatura, pintura, música erudita, mas a cultura é tão presente no nosso dia-a-dia que a todo momento a estamos compartilhando com o próximo. Segundo Marconi (2005, p.46), a cultura pode ser classificada por diversas maneiras como: Material - coisas materiais, bens produzidos, incluindo instrumentos, artefatos e outros objetos materiais, frutos da criação humana e resultante de determinada tecnologia. Imaterial - elementos da cultura que não tem substância material como valores espirituais, morais, crenças, normas, hábitos, cujos significados são adotados e praticados pelo conjunto de grupos sociais.

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Real - todos os membros da sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas. Ideal - comportamentos expressos verbalmente como bens, perfeitos, para o grupo, mas que nem sempre são praticados. Percebe-se que estes valores são transmitidos de uma geração para outra, levando a uma determinada cultura, que pode ser também interpretado como a tradição de um povo, e essas tradições são transformadas ao longo do tempo pela economia, tecnologia, saber científico entre outros fatores. Existem dois aspectos importantes que devem ser trabalhados para abordar o conceito de difusão cultural, essenciais para se compreender a dinâmica cultural existente. Dentre estes fatores estão a “aculturação”, ou seja, a fusão de duas culturas que, entrando em contato contínuo, origina mudança nos padrões da cultura de ambos os grupos, e a “endoculturação”, que é o processo de aprendizagem e educação em uma cultura desde a infância, cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. É o processo de socialização. De acordo com Marconi (1998, p.64), “a difusão cultural é o processo na dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra”. O traço cultural que é copiado de uma outra cultura, geralmente é reinventado pela sociedade que o copiou, e não permanece do mesmo jeito, podendo mudar de significado, forma e função. Isso assegura o caráter dinâmico da cultura, pois ela não é estática.

Cultura e construção social A cultura é feita pelo homem para satisfazer suas necessidades, pois é através da cultura que ele constrói a si mesmo e a sociedade. Todos somos frutos da cultura, seja ele de um determinado lugar ou tempo. É através dela que criamos os meios necessários para nossa sobrevivência, com o nosso jeito de ser, nossa visão de mundo, com valores, crenças, princípios, normas, regras e leis. O homem está em uma posição diferenciada dos outros seres, pois ele se relaciona no seu desenvolvimento, não somente com o ambiente natural, mas também com uma ordem eventual e social específica. A humanização é variável no sentido sociocultural, pois não existe natureza humana no sentido substrato, biologicamente

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fixa, que determine a variabilidade das formações, embora seja possível dizer que o homem tem uma natureza mais significativa, pois constrói sua própria natureza. Para compreendermos a realidade pessoal e social de alguém, é preciso entender o seu contexto social e histórico, pois os elementos culturais podem ser vistos de maneiras diferentes pela representação que os mesmos possuem em uma determinada circunstância. É através destas maneiras que se tem a ordem social, e ela existe como produto da atividade humana, já que isolado o homem não produz um ambiente humano; a ordem social, como produto humano, é interiorizada no processo de socialização. A cultura é um aspecto essencial e presente na vida do homem, pois define todo nosso jeito de ser, sendo a nossa própria maneira de pensar e viver. Mas entende-se que existem culturas diferentes, na sociedade, aprender a conviver com essas diferenças se torna essencial e necessário, tendo em vista que estamos em um mundo formado por diversas culturas, que muito se relacionam constantemente pela facilidade do transporte e tecnologias criadas. Os valores e costumes entre as culturas podem ser vistos no exemplo citado por Giddens (2005, p.39), quando cita que “os judeus não comem porco, enquanto os indianos comem porco, mas evitam carne de gado”. Todos esses diversos aspectos de comportamento são considerados como exemplos de amplas diferenças culturais que distinguem as sociedades umas das outras. Para muitos estudiosos sociólogos, as sociedades podem ser monoculturais e multiculturais, entretanto alguns antropólogos consideram que todas as sociedades formam-se com o entrosamento e a miscigenação de vários povos, desde os primitivos. Giddens retrata que a sociedade japonesa é um exemplo de monocultura, mas é possível perceber que, embora o Japão tenha traços fortíssimos de uma sociedade tradicional, ela não pode ser considerada monocultural, porque vem sofrendo intensas modificações em todas as áreas de sua cultura, seja pela difusão da cultura ocidental, ou por outros aspectos. No Brasil, pode-se afirmar que acontece a mesma coisa. Observa-se que ter uma identidade cultural que diferencia um povo de outro, não implica considerar determinado país como sendo exemplo de monocultura. A identidade cultural vai forjando novas identidades para as sociedades, Com a passagem do tempo, temos transformações sociais que levam a outras maneiras de viver e perceber o mundo.

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Segundo alguns antropólogos, as diferenças culturais nos emitem dois conceitos importantes, e que não podem ser deixados de lado como: o etnocentrismo (tendência a privilegiar a cultura de sua própria sociedade para analisar outras sociedades) e o relativismo (os indivíduos são condicionados a um modo de vida específico e particular por meio do processo de endoculturação). Através do relativismo, o ser humano adquire seus próprios valores e sua integridade cultural; já o etnocentrismo significa a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. Neste contexto, Giddens (2005, p.40) relata: Toda cultura tem seus próprios padrões de comportamento, os quais parecem estranhos às pessoas de outras formações culturais. Se você já viajou para o exterior, provavelmente está familiarizado com a sensação que pode resultar quando você se encontra em uma nova cultura. Aspectos da vida cotidiana que você inconscientemente toma como comuns em sua própria cultura podem não ser parte da vida diária em outras partes do mundo. Mesmo em países que compartilham a mesma língua, hábitos cotidianos, costumes e comportamentos podem ser diferentes. A expressão choque cultural é realmente apropriada! Frequentemente as pessoas se sentem desorientadas quando ficam imersas em uma nova cultura. Isso acontece por que elas perderam pontos de referência familiares que as ajudavam a entender o mundo ao seu redor e ainda não aprenderam como navegar em uma nova cultura. Os estudiosos de sociologia querem evitar o etnocentrismo, que como já foi visto, é a prática de julgar outras culturas. Uma vez que as culturas variam tanto, é reluzente que as pessoas vindas de uma cultura amena, achem difícil simpatizar com as ideias ou comportamentos daqueles de uma cultura diferente. Portanto, o relativismo pode ser repleto de incertezas e desafios, uma vez que suspender suas próprias crenças culturais sustentadas e examinar uma situação de acordo com os padrões de uma outra cultura, é ter uma visão completamente diferente e levantar questões preocupantes. É importante destacar que existem as mais variadas formas de expressão da cultura, assim como cada localidade constrói seu universo cultural; portanto, é preciso compreender as diferenças entre as diversas sociedades e como, ao longo da história, as sociedades valorizam seu universo cultural diante das outras sociedades. Uma vez que este tema é bastante presente em nosso cotidiano, pois todos nós temos cultura e a nossa convivência diária

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cria e recria os valores culturais constantemente, é preciso compreender o ser humano como produtor de cultura desde o princípio da sua história em sociedade, assim como os vários artifícios por ele produzidos. A Antropologia vem para nos ajudar a compreender as diversas correntes de pensamento e conceitos que descrevem o universo cultural do homem e seu espaço social. A cultura pode ser classificada de duas formas: cultura erudita, ou seja, é o plano da escrita e da leitura, do saber universitário, dos debates, da teoria e do pensamento científico e cultura popular, que é a produção espontânea de um povo na sua vivência cotidiana, assim como as expressões, conforme a área produzida, transmitidas pela oralidade. Entretanto, não existe uma dicotomia pura entre práticas populares e práticas eruditas. As produções se influenciam mutuamente, no processo histórico. Por exemplo, os processos de intercâmbio e influências nas escolas de samba. Vejamos que a raiz do samba remonta aos povos africanos que para aqui vieram. No Brasil, ao longo dos séculos, foram criadas formas próprias de composição musical e temática, como o samba de quintal carioca, e outras variações conforme os estados. Os desfiles das escolas de samba nos anos 30 do século XX seguiam normas estabelecidas pela ditadura de Vargas, e, quanto aos temas, deveriam ser históricos e nacionais. Hoje são contratados pelas escolas de samba estilistas e coreógrafos consagrados pela mídia, além de modelos, artistas famosos de TV que desfilam com papéis de destaque nas escolas. Quando pensamos em cultura popular, logo nos lembramos do carnaval, folias de reis, São João e bumba meu boi. Agora é preciso nos indagar ao tentar compreender a cultura. Será que a cultura brasileira é isso tudo? Será que é só isto? É preciso entender por que e por quem ela é produzida, e como, quando e por quem é consumida. A cultura popular existe também nos países mais industrializados, embora tenha um significado especial nas sociedades chamadas de Terceiro Mundo, pelo fato de compreender um grande número de subculturas das quais participa uma parcela significativa da população. Cultura de massa: Industrialização cultural Além destas duas formas culturais estudadas podemos falar também da cultura de massa, nesse tipo de cultura temos uma produção

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industrial da cultura que vende mercadorias; mais do que isso, vende imagens do mundo e faz propaganda, para assim permanecer. A industrialização de cultura visa exclusivamente o consumo, buscando a integração dos consumidores, as mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular; ela é nociva porque retira a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda. Os meios de comunicação exercem um papel significativo nesse processo de industrialização da cultura. É através destes meios tecnológicos, mais precisamente o rádio e a televisão, que a cultura é dizimada. Um exemplo disso são alguns cantores que ao se tornarem produtos conhecidos nacionalmente vão se afastando de suas origens pela necessidade de se manterem no mercado, atingindo grandes massas, demonstrando isso no modo de se vestirem, falarem e na linguagem das composições. Isso é perceptível principalmente nas duplas sertanejas na nossa atualidade. A cultura erudita tem forte ligação com a classe burguesa e o período do surgimento do Renascimento é um marco dessa relação. Desde sua origem, a burguesia preocupou-se com a transmissão de seus conhecimentos aos seus pares, a partir de instituições como as universidades, as academias e as ordens profissionais. Com o passar dos séculos e com o processo de escolarização, a cultura dessa elite burguesa tomou corpo, desenvolveu-se e requintou-se com a tecnologia. Essa cultura erudita ou superior, também designada “cultura de elite”, foi se distanciando da maioria da população, pois era feita pela burguesia. Sobre a influência da tecnologia na cultura, Oliveira (2001, p. 158) cita: A partir do final do século XIX, a industrialização em larga escala atingiu também os elementos da cultura erudita e da popular, dando início à indústria cultural. O incessante desenvolvimento da tecnologia, tornando-se cada vez mais sofisticada, principalmente nos meios de comunicação, passou a atingir um grande número de pessoas, dando origem à cultura de massa. Ao contrário das culturas eruditas e popular, a cultura de massa não está ligada a nenhum grupo social específico, pois é transmitida de maneira industrializada para um público generalizado, de diferentes camadas socioeconômicas. O que temos então, é a formação de um enorme

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mercado de consumidores em potencial, atraídos pelos produtos oferecidos pela industria cultural. A cultura de massa possui significativa relação com a sociedade de consumo, por seguirem a mesma lógica que é a da indústria com a produção em série. Contudo, é possível perceber que, ao produzir para as massas, ou seja, em grandes quantidades, cria-se a necessidade daquele produto apelando para o seu valor artístico. Por conseguinte, há estudiosos que consideram importante a difusão da cultura pela mídia para a sociedade em todos os seus aspectos, pois visa a democratização e a socialização das informações; para eles não se pode radicalizar nem a análise posta em termos de separação absoluta das duas culturas, nem em relação ao papel da mídia como divulgadora de uma cultura de massa, o que só traria prejuízos para os dois tipos de cultura. Entende-se que a realidade é muito diversificada, cada lugar e cada época tem os seus produtos culturais, aquilo que é importante num período da história pode não ser no outro. Representações simbólicas Existem alguns processos simbólicos presentes na nossa sociedade, como a religião, com destaque a religião católica, as influências do candomblé, da magia e suas formas de representações simbólicas construídas historicamente no Brasil, também a expansão das igrejas evangélicas na sociedade brasileira contemporânea e as consequências para o imaginário social. Toda religião cria uma série de símbolos e ritos que devem ser praticados pelos fiéis nos seus templos ou fora deles, para manter os laços e vínculos com os fiéis. O maior ou menor grau de poder político, social e cultural de uma instituição religiosa varia conforme a época histórica. A partir de Cristo no mundo ocidental instituíram-se religiões diferenciadas como a católica romana, a ortodoxa oriental, a igreja anglicana, o protestantismo com suas várias igrejas, hoje denominadas evangélicas. Surgem também as religiões espíritas. É com a cumplicidade da religião que impérios foram erguidos e destruídos ao longo dos séculos, como também propiciou o desenvolvimento das relações materiais das sociedades, contribuindo para a construção do conhecimento filosófico, científico e tecnológico da humanidade.

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Nesse sentido podemos afirmar que a religião é muito visível no cotidiano dos indivíduos, essa busca pela religiosidade das populações mapeou e remapeou as sociedades tanto do lado ocidental como oriental nesse final do século. Neste momento em que as sociedades estão se globalizando, as religiões almejam ser aquela que tenha primazia sobre as demais e assim se torne uma religião global. Essa situação que vive a sociedade globalizada é relatada após um período em que a religião perde sua hegemonia no poder decisório das nações. Neste capítulo procuramos enfatizar bem os vários sentidos do termo cultura e seu processo adaptativo que compreende a vida nas diferentes sociedades. Além de conceituarmos cultura erudita, popular e abordar a cultura de massa relacionando com a realidade da sociedade brasileira.

Cultura e Identidade A Identidade Cultural na Pós-Modernidade Os relatos acerca de identidade não são recentes. A sociedade moderna ocidental gerada com a industrialização e o desenvolvimento das ciências teóricas e experimentais constrói sua identidade afirmando a prioridade da razão, que ilumina e é fonte de conhecimento e das ações sociais, desvinculando-se da tutela da religião. Defende no novo o modo de produção capitalista, o regime de liberdade individual, a prioridade do indivíduo sobre o coletivo e constitucionalmente, os princípios de liberdade, igualdade e solidariedade, alicerce dos regimes democráticos. A identidade cultural de início pode ser compreendida como um conjunto de características comuns pelas quais os grupos sociais constroem sentido de pertencimento. Como foi visto, a identidade é construída através das relações sociais, grupos humanos; ela é dinâmica neste contexto. Mas, a cultura pode existir mesmo que não haja identidade. A cultura depende em grande parte de processos inconscientes, já a identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente. O conceito de identidade cultural foi adquirido em espaço instável das ciências sociais, ela revela as mudanças de sentido ao longo da história, causadas pelo que se considera uma crise originada pela ação conjunta de um duplo deslocamento como:

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descentralização dos indivíduos, tanto no seu lugar no mundo social e cultural, quanto de si mesmos. Alguns estudiosos enfatizam que as discussões sobre pós-modernidade, entendida como lógica cultural do capitalismo pós-industrial, surge na crise cultural, e desencadeiam crises de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como verdade, razão, universalidade, sujeito, progresso, ideologia e outros. Ocorre uma desilusão no que refere aos nortes da modernidade, a saber : a estética, a ética e a ciência. Para Castells (1999, p.22), identidade pode ser compreendida como o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais interrelacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, podem haver identidades múltiplas. Existem três formas e origens de construções de identidade, dentre estas: Identidade legitimadora – introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. Identidade de resistência – criada por atores que se encontram em posições/ condições desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos.

Identidade de projeto – atores sociais utilizando-se qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. A identidade agora mais do que nunca aparece em nossas vidas, entrando em nosso mundo particular, quando se levanta questionamentos os mais diversos sobre o sentido da vida e dos valores que tínhamos até então como tradicionais e invioláveis. As identidades modernas, individuais e coletivas, cada vez mais estão sendo fragmentadas, descentradas e descontínuas, as bases

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sólidas sobre as quais se assentavam e davam sustentação a noção de identidade e aos processos de identificação, como nacionalidade, raça, classe, gênero, religião, língua, sexualidade etc. tornaram-se vulneráveis diante da nova realidade pós-moderna. Percebe-se que a identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural do mundo pós–moderno, elas e outras identidades locais estão sendo reforçadas pela resistência à globalização. As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades híbridas estão tomando seu lugar. Híbridas porque se constroem e se reconstroem dinamicamente nas suas práticas relacionais. Essa compreensão coloca por terra a ideia de identidade como algo estático. Na visão de Giddeans (2005), a ênfase na hibridação afasta a pretensão de se estabelecer identidades puras ou autênticas e evidencia o risco de se delimitar identidades locais autoconhecidas que se contraponham às sociedades nacionais ou globalizadas. Frente ao hibridismo e à diversidade, há essas fortes tentativas de se reconstruírem identidades purificadas para restaurar a coesão e a tradição. A reafirmação de raízes culturais tem sido uma das fontes de identificação em muitas regiões. A identidade como valor As pessoas se comportam de acordo com sua realidade cultural, sendo que o papel desempenhado pela mídia toma um caráter fundamental em virtude da abrangência pela qual podemos entrar em contato com outras culturas. A partir do processo de globalização, a cada dia estamos vendo surgir grandes preocupações com a convivência entre os povos, pois a diversidade é grande, e assim passaram a existir influências diretas no nosso processo cultural que antes aconteciam mais lentamente. Não há identidade estática, ela é dinâmica e vai se formando a partir dos valores que elegemos como sendo os melhores. Nem sempre esses valores são aceitos por todos e assim fazemos uma negociação de sentidos, isto é, o jogo de identificações. Observa-se que é muito importante destacar não só as relações de poder que envolvem a questão da identidade, mas o julgamento de valor feito frequentemente, ao nos depararmos com uma realidade diferente da nossa.

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A cultura passou a ser mais importante como referência aos conflitos internacionais do que a ideologia ou a economia diante da realidade do mundo contemporâneo. O racismo começou a se modular e a crescer à sombra do difusionismo culturalista euroamericano e do entretenimento rebarbativo oferecido às massas pela televisão e outros ramos industriais. Neste contexto, fica evidente a relação mídia X mercado, na qual o valor cultural é contrabalançado pelo estereótipo consumista que constrói a identidade negra a partir dos materiais fantásticos do homem branco. É interessante porque já observamos no supermercado e bancas de revistas o surgimento de produtos voltados para as pessoas da pele escura, produtos de higiene, beleza e revistas especializadas para este público. É uma novidade no mercado que até pouco tempo atrás não existia. É um tipo de discriminação considerada como positiva, tendo em vista que leva a uma afirmação dos negros a partir dos valores próprios de sua cultura. Da mesma forma que pessoas negras que se destacam no cenário artístico, esportivo e em outras profissões servem como referências positivas.

Raça e identidade Agora vamos tratar de raça como elemento importante para a definição de uma identidade, para tanto precisamos recorrer novamente ao conceito de identidade, desta vez com outro enfoque, ou seja, o que leva em consideração a sua origem e os elementos chave que a compõem. A globalização faz com que ressurja a discussão sobre as diferenças entre as culturas pela subsistência do preconceito. Nessa nova ordem mundial, o que era superado pela homogeneização das identidades culturais agora se torna assunto da maior importância na luta pela sobrevivência de grupos espalhados pelo mundo, através das grandes migrações de povos marginalizados em busca de sua sobrevivência. Na pós-modernidade, o indivíduo previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável está se tornando cada vez mais fragmentado, composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Esse processo produz o sujeito conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma celebração móvel, formada e transformada continuamente em

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relação às formas as quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Assim, para entendermos uma identidade de maneira mais completa é preciso enfocar outros aspectos tais como espelho, invenção e a ideologia. O espelho é a relação que estabelecemos com o outro, relações de alteridade- igualdade e diferença- parâmetros através dos quais nos definimos “outros”. A invenção é a forma como construímos essa identidade – a máscara, a persona. A ideologia é o aspecto político, que escolhemos como sentido ou causa para vivermos. A palavra raça tem vários significados, sendo aplicado em muitas situações diferentes. Tais como o jogador que tem “raça”, ou “raça” de um povo. Portanto, pelo que foi exposto, pode-se considerar a raça como atributo biológico, que definirá sozinho uma identidade. Esta aparecerá como mais um elemento no conjunto de outros que ajudarão nesse conceito, uma pessoa ou sociedade tem outras características importantes para a formação de sua cultura que não apenas a questão da cor como por exemplo os contatos existentes entre os povos provocados pela facilidade dos meios de comunicação, dos transportes, da tecnologia; esse fluxo constante de pessoas é muito significativo para tudo que podemos analisar nessa questão sobre identidades. A busca de identidades mostra-nos que o homem, na pós-modernidade, sente a necessidade dos laços que remontam a comunidade, mesmo sabendo que uma identidade é sempre ressignificada em outro meio. Esse fato só será possível porque os elementos que compõem uma identidade não são aleatórios, eles estão em nossa bagagem social, histórica e cultural, não se eleva tudo, mas muitos são escolhidos como fundamentais no novo contexto. É preciso que façamos uma reflexão sobre como nossa população indígena, negra, grupos religiosos, entre outros, em nosso país e no mundo, estão resistindo e reagindo à massificação da cultura. Quais as saídas para essas populações reprimidas pelo desenvolvimento tecnológico? As “minorias” sociais são consideradas as novas tribos na sociedade de massa. Essas “minorias”, tais como os homossexuais, negros, povos indígenas, mulheres, portadores de deficiência etc. trazem um importante questionamento sobre o que é normalidade e maioria. A nova organização geopolítica mundial trouxe grandes mudanças no modo de vida das populações mundiais. A alta tecnologia,

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também conhecida pela automação da sociedade, é a marca deste tempo de globalização, no qual entramos em contato direto e constante com outras culturas. Não é fácil lidar com os valores novos, para isso é preciso uma avaliação constante sobre nossos objetivos pessoais e coletivos, levando a um forte questionamento sobre as identidades tradicionais nas quais já estávamos acostumados.

Preconceito, estereótipos e discriminação O preconceito, os estereótipos, bem como as discriminações, estão relacionados com as atitudes ou comportamentos referentes aos indivíduos, aos grupos, a cultura baseados em julgamentos que são mantidos mesmo diante de fatos que os contradizem; em uma sociedade capitalista a situação não poderia ser diferente. O preconceito envolve uma avaliação negativa de uma pessoa pelo simples fato de o identificarmos com um grupo determinado do qual temos preconceito. É importante entendermos que não existem apenas grupos de minorias que são alvos de atitudes preconceituosas, mas qualquer grupo social. Segundo alguns teóricos, o preconceito é resultado de frustrações pessoais e podem estar relacionados com o tipo de personalidade que o indivíduo apresenta. Por exemplo, uma pessoa pode ser autoritária, hostil, intolerante ou simplesmente por ser de um partido ou de religião. Considera que a base cognitiva do preconceito são os estereótipos, envolvidos por crenças sobre características individuais que são atribuídas a indivíduo ou grupo. Geralmente as crenças preconceituosas são consideradas como estereótipos negativos, por isso que muitas pessoas dizem que conceito de estereótipo é muito próximo do conceito de preconceito. Os estereótipos estão ligados a uma padronização rígida, cria-se um estigma em que não se vê elemento positivo no indivíduo sendo julgado na maioria das vezes, negativamente como se fossem carimbados diante de atributos dirigidos a pessoa ou grupo. Assim o estereótipo pode ser considerado como um comportamento funcional muitas vezes equivocado e condenatório, pela influência dos meios midiáticos com uma visão às vezes profunda ou artificial. É preocupante, do ponto de vista social, quando esses estereótipos são destrutivos e limitam o próprio indivíduo a buscar novos conhecimentos, criam a imagem de que o mundo é complexo demais, e diante disso levam o indivíduo a achar que lhe convém não

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gastar energias e nem tempo cognitivo para vencer a situação social excludente. Ao vermos uma pessoa suja, desarrumada, a imagem produzida é sempre a de achar que ele é mendigo, um preguiçoso, um criminoso. A lista é imensa. Chamamos esse ato de rotulação. A rotulação pode chegar ao cúmulo de dizer que alguém é menos capaz por ser mulher. A questão de gênero tem se tornado uma forma de estereotipar. Por exemplo, quando estipulamos que as atividades domésticas devem ser realizadas por mulheres, estamos criando um rótulo. Desta forma, se o homem fizesse tal atividade poderia estar apresentando traços femininos; ou quando acreditamos que os homens são sempre superiores às mulheres e assim por diante, reforçamos muitas vezes sem perceber os estereótipos e rótulos. A discriminação muitas vezes é provocada e motivada pelo preconceito, pode ser dada por sexo, idade, raça/etnia, social, religiosa, por portadores de necessidades especiais, por doença, aparência. Ela pode ocorrer no indivíduo, em grupo, na instituição, na sociedade em geral, é quando certas empresas deixam de contratar um excelente colaborador por ter tatuagem, ou por ser portador de necessidades especiais, entre outros. O preconceito está tão arraigado nas relações humanas que é difícil discutirmos sobre a sua natureza, visto que ele surge por diversas funções, como defesa pessoal, posição social ou até como mecanismo de sobrevivência, suas origens são profundas, ligadas à própria natureza humana. O preconceito é decorrente de fontes sociais, emocionais e cognitivas. Possui suas causas classificadas em quatro categorias: Competição e conflitos econômicos- considerados um dos percursos que mais conduzem os indivíduos na formação de estereótipos, preconceitos e discriminação, por provocarem reações de hostilidade, inimizadas onde antes prevalecia a paz, ou pelo menos a tolerância mútua. O papel do bode expiatório - o indivíduo, quando se encontra frustrado e infeliz, tende a transferir sua agressividade para grupos visíveis, aparentemente sem poder, desenvolvendo sentimentos negativos e de repulsa.

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Fatores de personalidade – indivíduos com personalidade autoritária têm mais propensão a desenvolver atitudes preconceituosas por serem consideradas pessoas que geralmente apresentam rigidez nas opiniões, intolerância, desconfiança, entre outros, acreditando na sua superioridade, bem como na do grupo a que pertencem. Causas sociais do preconceito – a aprendizagem social, conformidade e categorização social: essas causas defendem a ideia de que o preconceito é criado e mantido por forças sociais e culturais. As normas sociais são aprendidas, transferidas de geração para geração. As conformidades são mantidas por medo de não ser aceito, por isso o indivíduo cede à pressão social. Muitas vezes, essas são motivadas pelos meios midiáticos e pelas artes, que são grandes disseminadoras de opiniões e agentes de socialização. Dessa forma, ocorre o que chamamos de “categorização social”, quando processamos psicologicamente as informações, categorizando as pessoas, formando estereótipos negativos com relação a elas.

IMPORTANTE:

Preconceito é considerado uma atitude, inclusive difusa, que é influenciada pelos componentes cognitivo, afetivo e comportamental. Etimologicamente, estereótipo é derivado de duas palavras gregas: "stereos" e "teípos", que significam respectivamente "rígido" e "traço". A discriminação é o comportamento, é a ação, é a conduta em si do indivíduo.

Identidades Socioculturais e a Realidade Brasileira A ressignificação dos movimentos intelectuais e populares tentou criar marcas identitárias para o povo brasileiro. A busca de construção da identidade nacional é uma constante ao longo da história da cultura brasileira. Essa busca refletiu-se nas artes, nas ciências humanas e na ideologia política. Os debates sempre foram complexos, com alguns pontos como: aspectos da criação de um mito fundador da nação, a identificação e a valorização

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de singularidade que distinguem a cultura e a civilização brasileira e o relacionamento com elementos estrangeiros étnico/raciais. Sempre foi demonstrada uma grande preocupação em discutir a identidade e o futuro da nação brasileira, foram propagados diferentes discursos discutindo o que é ou não ser brasileiro. Assim destacaram-se políticos, militares, empresários e especialmente artistas e intelectuais, através da literatura, das artes plásticas, da música e mesmo de manifestos. Os artistas e intelectuais modernistas e pós-modernistas procuram construir práticas discursivas para tentar compreender as identidades culturais brasileiras. Tentativas de se construir um caráter de identidade nacional Numa paisagem histórica do Brasil no início do século XX, visualiza-se a cidade em processo de industrialização e urbanização. Novos valores estavam se agregando, vindos de várias partes do mundo no processo migratório. Diante das grandes contradições vividas pelo Brasil, a intelectualidade procurava delinear a imagem cultural no Brasil. Inicialmente, o ser nacional do Brasil foi representado a partir do olhar estrangeiro, viajantes europeus que muitas vezes não conseguiam enxergar as construções identitárias brasileiras no século XIX, ao construírem discursos preconceituosos e etnocêntricos sobre os grupos indígenas e as manifestações culturais dos homens e mulheres negras. A intelectualidade brasileira se uniu no intuito de desconstruir o olhar estrangeiro que tentava inventar o Brasil pelas lentes eurocêntricas, em 1920. Sabia-se que o principal problema da não-construção de uma identidade nacional era o enfraquecimento dos traços e práticas culturais endógenas em detrimento dos exógenos. Portanto, a intelectualidade era acusada de viver de costas para a cultura brasileira, ou seja, viver expatriado em sua própria terra sonhando viver ou morrer em Paris. “Assim, a missão do intelectual era vencer a percepção de sua oralidade como exótica, ou seja, vencer o olhar estrangeiro que informava a visão de si próprio” (OLIVEIRA, 2000, P.137). Os modernistas procuravam trabalhar na perspectiva do nacional e não do regional.

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Em 1926 surge um movimento chamado “Manifesto Regionalista”. Esse movimento desenvolve dois temas: a defesa da região como unidade de organização nacional e a conservação dos valores regionais e tradicionais do Brasil em geral, e do nordeste em particular. Os regionalistas tinham a região como elemento constitutivo da nação, ao frisar a necessidade de uma articulação interregional, era preciso ser regional para poder construir um sentimento de pertença aos valores nacionais. As transformações ocorridas na sociedade brasileira pós-1930 no governo Vargas, e o impacto causado com a Segunda Guerra Mundial foram importantes para alterar a ideia de nação que se desejava. O estado novo, ao pretender ser novo e nacional, procurou juntar modernização e tradição. Impôs a noção de brasilidade ligada à questão do nacionalismo econômico e à modernização do país. Na década de 1950, o país se vê com influências de intelectuais, então teria que buscar caminhos de desenvolvimento ultrapassando todas as etapas que os países capitalistas desenvolvidos já tinham ultrapassado. Mais uma vez os intelectuais não procuram nortes para resolver os problemas brasileiros a partir das nossas próprias construções histórico-econômicas e culturais; queriam que copiassem as experiências exógenas de países como os Estados Unidos. Entretanto, com Juscelino Kubitschek e o governo populista o Brasil pode avançar 50 anos em cinco, deixando de ser essencialmente rural, expandindo-se uma nova classe social: a classe média, influenciada pelas oscilações internacionais no campo da moda e da cultura. Foi nesta década que ocorreu um movimento migratório interno entre regiões brasileiras, especialmente do Nordeste para o Sudeste do país, portanto, mão de obra barata para ampliarem a construção civil na região. Neste mesmo período ocorre um crescimento vertiginoso da indústria midiática, cinemas, jornais, emissoras de rádio e o surgimento da televisão; são criadas correntes vanguardistas estéticas como a Bossa Nova. Nessa época, o cinema brasileiro, sob o impacto do Neo-Realismo italiano, procurou discutir não as marcas da nacionalidade brasileira, mas as contradições brasileiras em nível nacional. As produções cinematográficas procuravam mostrar as desigualdades em nível e tensões sociais inerentes à vida na cidade e no interior dos sertões brasileiros. Assim, no governo JK, o país despertou do sonho de desenvolvimento, por meio de um prenúncio de desestabilização

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econômica e recrudescimento do poder econômico da sociedade civil. Politicamente, o povo brasileiro se depara com governos populistas instáveis nas suas governabilidades e domínios militares, ou seja: eleição e renúncia de Jânio Quadros, governo de João Goulart e as reformas de base e Golpe Militar em 1964. No período da década de 50 e início da década de 60, organizam-se e crescem os movimentos sociais reivindicatórios em favor de políticas econômicas e sociais e educacionais dos direitos dos trabalhadores. No contexto cultural, os artistas e intelectuais se revestem de um caráter nacional- revolucionário, afirmando a singularidade da identidade cultural brasileira. Construía-se a chamada arte engajada, ou seja, os setores mais à esquerda passam rapidamente do conceito de uma arte nacionalista para o de arte como instrumento de transformação social. Foi no Cinema Novo que a manifestação artística passou a abordar os graves problemas sociais vivenciados pelos homens e mulheres do campo. Quando eclodiu o Golpe Militar em 1964, foram exatamente estes artistas/intelectuais da linha nacional-revolucionária que se tornaram alvos da repressão. Os artistas Caetano Veloso e Gilberto Gil foram os que ousaram propor formas e conteúdos que destoavam da MPB, de ordem político-social associada à brasilidade exigida pelo público dos festivais da década de 60. O que deveria ter despertado a aversão dos artistas e intelectuais ligados ao Regime Militar, e que se contrapunha aos tropicalistas e a outros artistas contemporâneos. No campo das artes plásticas ou do teatro, era o seu papel pós-moderno a valorização, sobretudo, da cultura popular expressada na diversidade étnico-racial brasileira. A ideia de homogeneização cultural vem tomando forma nos discursos de poderes vinculados ao capitalismo internacional, codificado com o termo “globalização”. No entanto, percebe-se que países como o Brasil, que é constituído de diferentes regiões, com um rico patrimônio cultural, material e imaterial, tornam-se um viés de resistência. Resistência que foi se construindo pouco a pouco, no momento em que passou a gestar um discurso de respeito à diversidade cultural brasileira em uma sociedade que se quer pós-moderna. Diversidade cultural no sentido de construir instrumentos de respeitabilidade aos indivíduos e aos seus valores em direção às suas identidades culturais locais. Identidades com elementos

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constitutivos em bases coletivas, sedimentadas de conteúdos simbólicos, como é o caso das manifestações da cultura popular, que possibilitam uma relação de hibridismo social, objetivando políticas de desenvolvimento auto-sustentadas e de caráter comunitário.

Subjetividade X objetividade Ao responder um questionamento qualquer, você fez uso da sua objetividade ou subjetividade? Existe diferença entre subjetividade e objetividade? Como elas o ajudarão? Neste aspecto, iremos compreender quanto à objetividade e à subjetividade para entendermos o processo de construção da nossa identidade, da nossa realidade. Atualmente, diversas áreas e profissionais como filósofos, historiadores, sociólogos, antropólogos, psicólogos, tem estudado e escrito sobre essa temática. O ser humano é ao mesmo tempo um indivíduo particular e social. A sua individualidade ocorre por meio da relação objetiva (a partir daquilo que é real concreto) com o seu ambiente físico, histórico, geográfico e social. Suas ações desenvolvem o seu psiquismo, por meio da tomada de consciência, da atividade que formará a sua identidade. Mas, para conhecê-lo, deveremos considerá-los dentro de um contexto histórico, social e cultural, em um processo constante de subjetivação x objetivação. Quando conceituamos algo objetivamente, utilizamos termos, definições aceitas por todos ou por uma maioria da sociedade. Ao ser subjetivo, utilizo das minhas interpretações particulares demonstrando a forma como vejo e encaro as coisas. Nesse momento deixamos transparecer nossos sentimentos, valores, emoções, temores, entre outros. Nesse sentido, objetividade e subjetividade são como um processo dialético de desenvolvimento da configuração social por meio de códigos afetivos e linguísticos. A objetividade e a subjetividade configuram um processo dinâmico que se encontra em constante interação na vida do indivíduo enquanto ser histórico, tornando-o um ser ativo, capaz de promover transformações sociais. Há uma posição interacionista presente, mas não há superação dessa dicotomia, na medida em que, na teoria de alguns autores, a relação se dá através de um “mecanismo de feedback”, no qual o agente externo influência o interno, e vice-versa. A experiência humana se objetiva na realidade criando regularidades (hábitos –

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tradição – institucionalização) e as instituições são subjetivadas por meio da introjeção pela socialização. Portanto, a realidade social e individual do ser humano é construída pelo processo de interação constante entre o objetivo e o subjetivo, sem que essa interação possa indicar a fonte de determinada realidade. A nossa realidade é construída por meio do que é concreto, visto e observado, mas dentro de um campo de valores. Esse processo não ocorre de forma rápida. Ele é lento e gradativo, a partir da relação do meio interno e externo do indivíduo. A psicologia social, em uma compreensão crítica da sociedade, deve buscar compreender a relação individual-social por meio dessa interação indivíduo/sociedade, visto que a sua identidade se dá por meio dessa relação, considerando-o com a sua história particular, como um ser de transformações. A atividade desenvolvida pelo indivíduo é a sua realização concreta, bem como expressão da sua subjetividade diante da definição de papéis exercidos por ele, assim como de sua consciência. Ela é subjetiva (envolve afeto do eu individual) e objetiva (contato com o mundo exterior). Nesse processo, o indivíduo constrói o seu mundo da mesma forma que constrói a si mesmo, a sua identidade com as relações, experiências vivenciadas por ele. Por exemplo, um indivíduo que mora em uma região desfavorecida de sistema de tratamento de esgoto, como ele constrói sua subjetividade? Como ele se percebe em relação ao “centro” da cidade, com suas “facilidades”? Como isso influi na sua forma de entender o mundo e de se relacionar com o outro? Educação: Abordagem Antropológica O campo e a abordagem antropológica A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na África, na América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto de fundar uma ciência do homem – uma Antropologia – é, ao contrário, muito recente. Apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza.

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Isso constitui um evento considerável na história do pensamento do homem sobre o homem. Esse pensamento tinha sido, até então, mitológico, artístico, teológico, filosófico, mas nunca científico no que dizia respeito ao homem em si. Finalmente, a Antropologia, ou mais precisamente, o projeto antropológico, surge em uma região muito pequena do mundo: a Europa. Para que esse projeto alcance suas primeiras realizações, para que o novo saber comece a adquirir um início de legitimidade entre outras disciplinas científicas, será preciso esperar a segunda metade do século XIX, durante o qual a Antropologia se atribui objetos empíricos autônomos. A ciência supõe uma dualidade radical entre o observador e seu objeto. A separação entre sujeito observante e o objeto observado na Antropologia consistirá nessa época, em uma distância definitivamente geográfica. As sociedades estudadas pelos primeiros antropólogos são sociedades longínquas, na qual referem-se a sociedades de dimensões restritas; que tiveram poucos contatos com os grupos vizinhos; cuja tecnologia é pouco desenvolvida em relação a nossa; e nas quais há uma menor especialização das atividades e funções mentais. A Antropologia acaba de atribuir-se um objeto que lhe é próprio: o estudo das populações que não pertencem à civilização ocidental. Mas, no início do século XX, após ter firmado seus próprios métodos de pesquisa, a Antropologia percebe que o objeto empírico que tinha escolhido (as sociedades “primitivas”) está desaparecendo, pois o próprio universo dos “selvagens” não é de forma alguma poupado pela evolução social. Muito rapidamente, uma questão se coloca, a qual permanece desde seu nascimento: o fim do “selvagem”. Paul Mercier (In: Laplatine, 1988, p.15) aceita, por assim dizer, sua morte, e volta para o âmbito das outras ciências humanas. Ele sai em busca de uma outra área de investigação: o camponês, objeto ideal de seu estudo, já que foi deixado de lado pelos outros ramos das ciências do homem. Finalmente ele afirma a especificidade de sua prática, não mais através de um objeto empírico constituído (o selvagem, o camponês), mas através de uma abordagem epistemológica constituinte. O objeto teórico da Antropologia não está ligado a um espaço geográfico, cultural ou histórico particular, pois a Antropologia não é senão um certo enfoque que consiste em: o estudo do homem inteiro; o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas.

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O homem em sociedade Certamente, o acúmulo dos dados colhidos a partir de observações diretas, bem como o aperfeiçoamento das técnicas de investigação, conduzem necessariamente a uma especialização do saber. Só pode ser considerada como antropológica uma abordagem integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. Porém, uma das vocações maiores de nossa abordagem consiste em tentar relacionar campos de investigação frequentemente separados. Existem cinco áreas principais da Antropologia nas quais essas mantêm relações estreitas entre si. A Antropologia biológica (designada antigamente sob o nome de Antropologia física), consiste no estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Sua problemática é a das relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), ela analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio ambiente, bem como a evolução destas particularidades. Assim, o antropólogo biologista levará em consideração os fatores culturais que influenciam o crescimento e a maturação do indivíduo. Por exemplo: por que o desenvolvimento psicomotor da criança africana é mais adiantado do que o da criança européia? Essa área da Antropologia não consiste apenas no estudo das formas de crânios, mensurações do esqueleto, tamanho, peso, cor da pele, anatomia comparada das raças e dos sexos; interessa-se em especial pela genética das populações, que permite discernir o que diz respeito ao inato e ao adquirido, sendo que um e outro estão interagindo continuamente. Ela tem um papel particularmente importante a exercer para que não sejam rompidas as relações entre as pesquisas das ciências da vida e as das ciências humanas. A Antropologia pré-histórica é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados no solo. Seu projeto, que se liga à arqueologia e visa reconstituir as sociedades desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais, quanto em suas produções culturais e artísticas. Percebemos que esse ramo da Antropologia trabalha com uma abordagem idêntica às da Antropologia histórica e da Antropologia social e cultural. O historiador é antes de tudo, um historiógrafo, isto é, um pesquisador que trabalha a partir do acesso direto aos textos. O especialista em pré-história recolhe, pessoalmente, objetos no solo, e realiza um trabalho de campo.

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A Antropologia linguística: a linguagem é parte do patrimônio cultural de uma sociedade. É através dela que os indivíduos que compõem uma sociedade se expressam e expressam seus valores, suas preocupações, seus pensamentos. Apenas o estudo da língua permite compreender: 1) como os homens pensam o que vivem e o que sentem, isto é, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (etnolinguística); 2) como eles expressam o universo e o social; 3) e como, finalmente, eles interpretam seus próprios saberes e saber-fazer (áreas das chamadas etnociências). A Antropologia linguística não diz respeito apenas ao estudo dos dialetos (dialetologia), ela também se interessa pelas imensas áreas abertas e pelas novas técnicas modernas de comunicação. A Antropologia psicológica: consiste no estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. De fato, o antropólogo é em primeira instância confrontado não a conjuntos sociais, e sim a indivíduos, ou seja, somente através dos comportamentos – conscientes e inconscientes – dos seres humanos particulares, podemos apreender essa totalidade sem a qual não é Antropologia. É a razão pela qual a dimensão psicológica e também psicopatológica é absolutamente indissociável do campo. A Antropologia social e cultural (ou etnologia): diz respeito a tudo que constitui uma sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas citações artísticas. No entanto, a Antropologia consiste menos no levantamento sistemático desses aspectos do que em mostrar a maneira particular com a qual estão relacionados entre si e através da qual aparece a especificidade de uma sociedade. É precisamente esse ponto de vista da totalidade, e o fato de que o antropólogo procura compreender, como diz Lévi-Strauss, aquilo que os homens “não pensam habitualmente em fixar na pedra ou no papel” (nossos gestos, nossas trocas simbólicas, os menores detalhes dos nossos comportamentos), que faz dessa abordagem um tratamento fundamentalmente diferente dos utilizados setorialmente pelos

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geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, psicólogos (LAPLATINE, 1988, p.20).

O homem em sua diversidade A Antropologia não é apenas o estudo de tudo que compõe uma sociedade. Ela é o estudo de todas as sociedades humanas, ou seja, das culturas da humanidade como um todo em suas diversidades históricas e geográficas. A Antropologia não poderia ser definida por um objeto empírico qualquer e, em especial, pelo tipo de sociedade ao qual ela, a princípio, se dedicou preferencialmente ou mesmo exclusivamente. Ocorre, porém, que se a especificidade da contribuição dos antropólogos em relação aos outros pesquisadores em ciências humanas não pode ser confundida com a natureza das primeiras sociedades estudadas, ela é indissociavelmente ligada ao modo de conhecimento que foi elaborado a partir do estudo dessas sociedades. Além disso, apenas a distância em relação a nossa sociedade nos permite fazer esta descoberta: aquilo que tomávamos por natural em nós mesmos é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é infinitamente problemático. Disto decorre a necessidade, na formação antropológica, daquilo que se pode chamar de “estranhamento”, a perplexidade provocada pelo encontro das culturas que são para nós as mais distantes, e cujo encontro vai levar a uma modificação do olhar que se tinha sobre si mesmo. A experiência da alteridade leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos “evidente”. Aos poucos, percebemos que o menor de nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de “natural”. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos. O conhecimento antropológico da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas. O que caracteriza a unidade do homem, de que a Antropologia faz tanta questão, é sua aptidão praticamente infinita para inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversos. E a nossa disciplina permite notar, com a maior proximidade possível, que essas formas de comportamento e de vida em sociedade que tomávamos todos espontaneamente por inatas

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(nossa maneira de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa existência...) são, na realidade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, instituições, jogos profundamente diversos; pois se há algo natural nessa espécie particular que é a espécie humana, é sua aptidão a variação cultural. A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade com a humanidade, e correlativamente deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós mesmos. Confrontados a multiplicidade das culturas, somos aos poucos levados a romper com a abordagem comum que opera sempre a naturalização do social (como se todo o nosso comportamento fosse inato, e não adquiridos no contato com a cultura na qual nascemos). A romper igualmente com o humanismo clássico que também consiste na identificação do sujeito com ele mesmo, e da cultura com a nossa cultura. De fato, a filosofia clássica, mesmo sendo filosofia social, bem como as grandes religiões, nunca se deram como objetivo o de pensar a diferença, e sim o de reluzi-la, frequentemente inclusive de uma forma igualitária e com as melhores intenções do mundo. O pensamento antropológico considera que, assim como uma civilização adulta deve aceitar que seus membros se tornem adultos, ela deve igualmente aceitar a diversidade das culturas, também adultas. Podemos então nos perguntar como a humanidade pôde permanecer por tanto tempo cega para consigo mesma, amputando parte de si própria e fazendo de tudo que não eram suas ideologias dominantes sucessivas, um objeto de exclusão. Desconfiemos, porém do pensamento de que estamos finalmente mais “lúcidos”, mais “conscientes”, mais “livres”, mais “adultos”, do que em uma época da qual seria errônea pensar que está definitivamente encerrada. Pois essa transgressão de uma das tendências dominantes de nossa sociedade deve ser sempre retomada. O que não significa de forma alguma que o antropólogo seja destinado, seja levado por alguma crise de identidade, ao adotar esse fato pela lógica das outras sociedades e ao censurar a sua. No entanto, a dúvida e a crítica de si mesmo só são cientificamente fundamentadas se forem acompanhadas da interpelação crítica de outrem.

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A educação como preocupação Para uma determina da sociedade, a educação constitui uma preocupação com fronteiras mal definidas. Essa preocupação se relaciona com a maneira como um grupo social pode integrar em sua própria cultura as novas faixas etárias que engendrou. Fundamenta-se em um estranho paradoxo, que é a marca de qualquer iniciação; esse paradoxo reza que a iniciação e, portanto, a educação, ocorra simultaneamente em dois registros opostos: de um lado, busca integrar os jovens, propondo-lhes um lugar, um papel a ser desempenhado em um conjunto determinado, aquele do mundo adulto de sua cultura; de outro, esforça-se para torná-los autônomos, isto é, atores em sua própria cultura. Desse modo, integração e autonomia são as duas faces de uma mesma realidade: a iniciação. Com efeito, parece-nos restrito aplicar o paradoxo autonomia/integração somente à instrução; uma comparação etnológica com as iniciações nas sociedades tradicionais nos mostra facilmente que é o conjunto do processo educativo que foi levado a operar este duplo jogo: dar os meios da autonomia; dar os meios da integração. Para realizar essa educação, não há boa solução, não há via única, mas uma pluralidade de procedimentos conforme se valorize a inserção ou a autonomia. São duas realidades opostas sob muitos aspectos, tornando-se complementares apenas quando o processo educativo atinge seu termo. Isso equivale a dizer que o campo educativo está saturado pelos valores que o polarizam. Há educação somente em relação a esses valores de referência que dão um certo sentido, que tentam articular à sua maneira inserção (ou integração) e autonomia. A escolha dos valores de referência depende da sensibilidade das comunidades educativas em questão. Depende também da conjuntura; é mais fácil valorizar a autonomia em um contexto social em expansão, assim como é mais urgente valorizá-la em um âmbito demasiadamente coercitivo. Em compensação, em um meio mais anômico, ou que cria numerosos excluídos, torna-se mais urgente favorecer a integração. O que acabamos de relatar requer duas precisões importantes para terminar de caracterizar o que tange ao domínio educacional. A educação ultrapassa amplamente o campo escolar, que é apenas um dos lugares reconhecidos onde ela pode ser dispensada. A educação abrange a coletividade em sua totalidade, assim como grupos particulares que se organizam para dispensar, juntamente com a

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escola, determinada forma de educação, como, por exemplo, os movimentos dos jovens. Porém, a educação coloca em primeiro plano principalmente as famílias das crianças; essas famílias são os principais envolvidos pelos valores educacionais a serem promovidos. A educação se revela, portanto, uma preocupação difusa no conjunto do corpo social. Segunda precisão: a educação visa principalmente às iniciações de base, as primeiras iniciações feitas pelo jovem para permitir, em uma dada cultura, seu acesso ao estatuto de adulto. Por essa razão, assimila-se muitas vezes a educação à formação inicial, por fornecer as organizações mentais, comportamentais e de atitude indispensáveis. Em vista disso, a educação pode ser definida como pré-formação, período de estruturação das disposições que, na sequência, adquirem uma certa permanência. Contudo, a educação permanece mais indiferente às iniciações secundárias, aquelas feitas pelo adulto ao longo de sua trajetória: aprendizagens diversas orientadas para um aperfeiçoamento, uma reconversão, uma sensibilização. Para essas iniciações secundárias, a educação abre então espaço à formação propriamente dita: formação contínua no decorrer da qual o adulto tem oportunidade de se distanciar um pouco de seu meio para analisar sua experiência, reapropriar-se dela e desenvolver nesta ou naquela direção novas capacidades de aprendizagem. Toda formação, contrariamente à educação, precede a partir das aquisições que contribui para desestruturar, “de-formar”, para reorganizar, “re-formar” novas aprendizagens. Embora a educação seja tão antiga quanto às culturas, uma característica das sociedades industriais, em contrapartida, é indubitavelmente o fato de terem permitido a valorização dessa prática, até então minoritária, que é a formação para adultos. Mesmo tendo existido de maneira embrionária e informal, essa prática se institucionalizou apenas recentemente.

A Educação e os Movimentos Sociais As Escolas necessitam passar por profundas transformações em suas práticas e culturas para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo. Daí a importância de se lutar por uma educação de qualidade: pais, alunos, professores, toda comunidade envolvida devem ter como objetivo essa luta na difícil e complexa tarefa de

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aperfeiçoamento de todo o trabalho escolar. Inserir o educando no contexto sociocultural é essencial para constituí-lo enquanto sujeito de identidade.

Em dias atuais é necessário transformar a Escola burocrática existente, uma escola com autonomia, uma Escola cidadã. Quando se fala em autonomia, ainda há uma resistência onde limita o verdadeiro sentido ideal da escola, projetada para a liberdade e autonomia, essa centralização ainda imposta, dificulta o andamento, a organização de trabalho pedagógico, sendo apenas utópico ou demagogia.

Para se ter cidadãos atuantes em sociedade, com uma preparação melhor para a vida, é necessário que as escolas promovam a autonomia. Diante disso, nos transportamos á definição de Gadotti para melhor compreendermos o significado da palavra autonomia:

”A palavra autonomia vem do grego e significa capacidade autodeterminar-se de auto- realizar-se, de ”autos” (si mesmo) e «nomos» (lei), A autonomia significa autoconstrução, autogoverno. A escola autônoma seria aquela que se auto governa” (p.10).

Este é o papel da escola, formar pessoas que sejam sujeitos do aprender a aprender em níveis crescentes. Infelizmente, isso nem sempre acontece na realidade das escolas. Partindo desse pressuposto, percebe-se a urgência em mudar paradigmas para construir uma escola pública universal, que respeite as diferenças, a cultura enfim a diversidade e é claro que garanta um padrão de qualidade.

O princípio de uma educação de qualidade baseia-se na participação onde constitui um conjunto de medidas políticas visando à democratização.

A autonomia dos movimentos sociais e de suas organizações em relação a administração pública. Visto que deve haver parceria, igualdade de condições, elo entre a Escola e a sociedade civil. Há a necessidade de participação ativa por parte da população no que se refere aos direitos, e esse primeiro passo, deve ser iniciado na Escola.

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Ao fazer uma relação entre Escola e movimento sociais, nota-se o poder que ambos possuem o caráter educativo, a questão da cidadania, o contexto histórico envolvendo as lutas, os processos de alfabetização (movimentos populares), a luta dos professores (sindicatos), etc. Essa relação é complexa a partir da centralização de poder ainda instituída pelo sistema imposto, não possibilitando os direitos dos cidadãos à participação dentro e fora da Escola pública.

Participação esta que é o meio prático de formação para a cidadania. Nesse sentido, é fundamental perceber que sem ela é impossível que os membros da comunidade tenha condições de implementar formas não autoritárias de exercício de poder de intervir nas decisões das organizações e definir coletivamente o resumo e os resultados dos trabalhos. Participar significa engajar-se numa atividade já existente com sua estrutura e finalidade.

Os movimentos sociais não são isolados, se articulam e lutam pela melhoria na Educação, por melhores condições de trabalho, como os sindicatos. Essa melhoria terá reflexo na aprendizagem dos alunos, se não houver movimentos sociais a sociedade não despertará para a melhoria, bem comum não será jamais respeitada. Na concepção de Gonh (1997):

Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes camadas sociais, articuladas em certos cenários de conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil. (...) (Gonh, 1997, p. 251). Infelizmente há uma complexa relação entre Educação e movimento sociais, pois o que se vê é que não há uma integração entre movimentos sociais e o contexto educacional; ao aproximar mais de forma motivadora e intencional tornando-se a educação efetivamente popular, o que na perspectiva freiriana, esta educação popular deve privilegiar o diálogo como princípio pedagógico, a liberdade e a autonomia como a formação humana, como salienta:

“A educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar e de narrar ou de transmitir ”conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes a maneira da educação bancária, mas um ato cognoscente” {...} educação problematizadora consiste de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade.” (FREIRE, 1985, P.78).

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Isso contribui para a formação humana emancipadora, como sujeito transformador de seu tempo. Essa relação social no processo de educação e formação, o diálogo é imprescindível à medida que proporciona uma aprendizagem ativa e presente na prática dos movimentos sociais.

Em todo âmbito educacional a hierarquia ainda continua a mesma. O diretor administra todos os recursos, cumpre o que é ordenado pela Secretaria Municipal Educação, o coordenador pedagógico não tem autonomia para efetivar a participação de todos os envolvidos no processo educativo e o professor sente-se isolado em suas ações, há ainda uma relação de poder no interior das unidades escolares. Isso acarreta em resultados não satisfatórios refletidos na aprendizagem dos alunos. É necessário que haja uma reorganização na estrutura curricular instituindo uma escola cidadã. Se a escola é uma instituição social, ela deve abranger todo âmbito social e claro, isso iniciará em seu interior.

A metodologia educacional respeita e valoriza o educando como cidadão, visando instituí-lo como sujeito coletivo e autônomo, não deixando de lado seus saberes, sua cultura. É no processo educacional que está seu contato com o meio. Os projetos educacionais elaborados pelos professores não devem ficar apenas na Escola, deve atender a comunidade em torno. Essa relação aproxima a escola/comunidade quebrando o sistema existente.

Ao fazer uma relação entre a importância da ação coletiva, nota-se a complexidade dos movimentos sociais com a Educação, conforme Paludo (2008): Existe, atualmente, mais especificamente a partir dos anos 80, a emergência de novos conceitos ou a ressignificação dos antigos conceitos relacionados ao campo de discussão sobre movimentos sociais: Sociedade civil, cidadania, esfera pública, parceria, democracia participativa.

É notório que há uma objetividade e uma relação aproximada dos movimentos sociais, à medida que ambos têm uma função primordial ressignificando o que ainda está explícito: O burocratismo e o pouco compromisso com a educação. Tanto os movimentos sociais quanto a educação tem um papel trivial na mudança de atitude das pessoas.

Sabe-se também que é importante superar algumas práticas educativas que infelizmente, legitimam a opressão, e isso ainda está empregado no interior das escolas, seja ela no campo ou na cidade.

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Nesse sentido, TARDIF e LESSARD (2005), abordam que a escola:

‘‘É o produto de convenções sociais e história que se traduzem em rotinas organizacionais relativamente estáveis através do tempo. É um espaço sócio-organizacional no qual atual e diversos indivíduos ligados entre si por vários tipos de relações mais ou menos formalizadas, abrigando tensões, negociações, colaborações, conflito e reajustamentos circunstanciais ou aprofundamentos de suas relações”. Diante disso há toda uma organização; programas, matérias, objetivos discursos etc, através dos quais os docentes buscam atingir os objetivos propostos. Porém, existe uma alienação de que precisa melhorar, no entanto nada se faz para que isso ocorra efetivamente. A instituição educacional se delimita de forma fechada e separada, onde as crianças, jovens e adultos arrastam anos, obtendo um vasto e longo processo de aprendizagem.

A escola como organização, a partir do momento em que mantêm as crianças em seu interior, não havendo uma organização social efetiva, as práticas e relações acabam ficando presas na memorização, provas, seguimentos da grade curricular da escola. Outro fato é a ausência da família, por não intervir na prática educativa, a escola continua como está, não acompanhando as transformações da sociedade, deixando os alunos subordinados ao sistema educacional, indo contra os ideais de uma escola cidadã.

A construção humana coletiva existente aparece por detrás dos portões, nem sempre o educando tem oportunidade de participar, interagir, emitir sua opinião. O professor também age de forma isolada, a relação social é bem restrita entre alunos, professores e pais. Algo bem relevante é a despreocupação dos pais e dos movimentos sociais com a escola pública, onde muitas vezes não priorizam a educação, visto que a participação faz a diferença e obriga o estado a redefinir sua atuação. Arroyo (1980), ressalta a importância das camadas populares se mostrarem presentes no cenário político e social por meio de formas de organização e luta, chama a atenção para o fato de que:

”Essa presença se dá em níveis, diretamente, nem sempre atingem a escola e os educadores, ao menos por enquanto, mas é importante não esquecer que qualquer movimento de opressão das camadas trabalhadoras terminam pressionando e obrigando o Estado e as

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classes dominantes a redefinir suas políticas na área econômica e social”. (P.10) É notória, a partir das colocações de Arroyo que essa “pressão” que os movimentos fazem, de alguma maneira traz bons resultados, visto que o governo se sente pressionado a mudar/ redefinir suas políticas. A participação da comunidade na Escola depende dos interesses do grupo que interage diretamente na comunidade escolar e toda a comunidade pais, alunos, professores e funcionários procurarem o interesse comum: a melhoria do ensino e aprendizagem e a luta por uma educação de qualidade.

Os Movimentos Sociais que têm como objetivo lutar pelo interesse comum, reivindicar os direitos do coletivo, é viável pensar e comparar o poder da escola pública, amparada pela participação da sociedade na luta pela adequação e organização do currículo; melhores condições de trabalho para os profissionais da educação, acesso gratuito e fácil a todos os educandos e garantia de permanência das turmas especiais como EJA (educação de jovens e adultos) em sala de aulas e reformulação da escola enquanto instituição social, sobretudo pela participação, se terá grandes avanços em toda a esfera educacional.

Nas lutas sociais, há um aprendizado do coletivo, da solidariedade, da preocupação com o outro, pois, sem ele, não é possível avançar. Nos coletivos sociais, aprendem não só trabalhadores, mães, mulheres, negros, mas os intelectuais orgânicos – para usar um conceito gramsciano – também aprendem, também se refazem enquanto humanos.

Bibliografia/Links Recomendados CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 10 ed. São Paulo:Paz e Terra, 2007. CIAMPA, Antonio da Costa. A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1996.

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FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48a ed São Paulo:Global, 2006. GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. BOUTINET, Jean Pierre. Antropologia do projeto. Porto Alegre: Artmed, 2002. LAPLATINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2006. MARCONI, Mariana de Andrade e PRESOTTO, Zélia Maria N. Antropologia: uma introdução. 4. ed, São Paulo: Atlas, 1998. MONTEIRO, Franciele. A influência dos movimentos sociais na educação. Texto extraído e adaptado. Disponível em : Extraído e adaptado de: http://www.artigonal.com/educacao-artigos/a- influencia-dos-movimentos-sociais-na-educacao-4397560.html OLIVEIRA, Lippi Lúcia. A redescoberta do Brasil nos anos 1950: entre o projeto político e o rigor acadêmico. In: MADEIRA, Angélica e VELOZO, Mariza. Descobertas do Brasil. Brasília: UNB, 2000. ROCHA, Everardo P. Guimarães. Pensando em partir. In: ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo? 4 ed. São Paulo : Brasiliense. 1987.