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1 Rua Dr. Simões Filho, n° 18, Ponto Central, Feira de Santana-BA – CEP: 44075-165. APOSTILA CURSO: ESPECIALIZAÇÃO EM ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMPONENTE CURRICULAR: ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNO COM SURDEZ Feira de Santana/BA 2019

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Rua Dr. Simões Filho, n° 18, Ponto Central, Feira de Santana-BA – CEP: 44075-165.

APOSTILA

CURSO: ESPECIALIZAÇÃO EM ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

COMPONENTE CURRICULAR: ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNO

COM SURDEZ

Feira de Santana/BA 2019

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Não é paradoxo dizer que nos nossos momentos de

inspiração mais teórica podemos estar o mais

próximo possível de nossas aplicações mais práticas.

A. N. Whitehead (1861-1947)

Prezados,

Para que uma aprendizagem ocorra de forma consistente, é necessário que haja

um contato contínuo com o objeto a ser estudado, aliado à dedicação e ao

envolvimento com o que se deseja aprender. Nesse sentido, a formação

continuada faz com que o profissional se aproprie, cada vez mais, dos

conhecimentos que envolvem seu trabalho, tornando sua prática rica e suas

ações consistentes.

Nessa apostila, selecionamos textos de alguns autores e marcos legais que

fundamentam as ideias apresentadas durante a disciplina Atendimento

Educacional Especializado para Alunos Surdos, porém, ainda há muitas

informações e outras tantas discussões sobre a educação dos estudantes com

surdez e sua cultura que vão além e podem ampliar, ainda mais, os

conhecimentos que foram adquiridos até aqui.

Dessa forma, desejo que os textos apresentados, sirvam, inicialmente, como

ferramenta para despertar o interesse por novas leituras e instigar a curiosidade

por conhecer tudo que envolve o “mundo do surdo”.

Vamos em frente e sucesso a todos!

Prof. Maria José Mota Oliveira (Chica)

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SUMÁRIO

1. Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos ...............pág. 4

2. Legislação específica .......................................................................................pág. 12

3. Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade

surda ..........................................................................................................pág. 22

4. O contexto escolar do aluno surdo e o papel das língua ........................................pág. 26

5. Histórias de vida surda: Identidades em questão ................................................pág. 38

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Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos

Cristina B.F. de Lacerda* Resumo: A educação dos surdos é um problema inquietante por suas dificuldades e

limitações. Ao longo da história, esse assunto tem sido polêmico, gerando desdobramentos

em várias vertentes com diferentes conseqüências. O objetivo deste artigo é dar a conhecer

um pouco de sua história, focalizando principalmente o oralismo, a comunicação total e o

bilingüismo como propostas educacionais e suas implicações.

Palavras-chave: educação de surdos, crianças deficientes auditivas: educação, educação

especial

A educação de surdos é um assunto inquietante, principalmente pelas dificuldades que

impõe e por suas limitações. As propostas educacionais direcionadas para o sujeito surdo

têm como objetivo proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades; contudo,

não é isso que se observa na prática. Diferentes práticas pedagógicas envolvendo os sujeitos surdos apresentam uma série de limitações, e esses sujeitos, ao final da

escolarização básica, não são capazes de ler e escrever satisfatoriamente ou ter um domínio

adequado dos conteúdos acadêmicos. Esses problemas têm sido abordados por uma série

de autores que, preocupados com a realidade escolar do surdo no Brasil, procuram identificar tais problemas (Fernandes 1989, Trenche 1995 e Mélo 1995) e apontar caminhos

possíveis para a prática pedagógica (Góes 1996 e Lacerda 1996). Nesse sentido, parece

oportuno refletir sobre alguns aspectos da educação de surdos ao longo da história,

procurando compreender seus desdobramentos e influências sobre a educação na

atualidade.

Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Média pensava-se que os surdos não

fossem educáveis, ou que fossem imbecis. Os poucos textos encontrados referem-se

prioritariamente a relatos de curas milagrosas ou inexplicáveis (Moores 1978).

É no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos sem que haja interferências sobrenaturais. Surgem relatos de

diversos pedagogos que se dispuseram a trabalhar com surdos, apresentando diferentes

resultados obtidos com essa prática pedagógica. O propósito da educação dos surdos,

então, era que estes pudessem desenvolver seu pensamento, adquirir conhecimentos e se comunicar com o mundo ouvinte. Para tal, procurava-se ensiná-los a falar e a compreender

a língua falada, mas a fala era considerada uma estratégia, em meio a outras, de se

alcançar tais objetivos.

Entretanto, era freqüente na época manter em segredo o modo como se conduzia a

educação dos surdos. Cada pedagogo trabalhava autonomamente e não era comum a troca de experiências. Heinicke, importante pedagogo alemão, professor de surdos, escreveu que

seu método de educação não era conhecido por ninguém, exceto por seu filho. Alegava ter

passado por tantas dificuldades que não pretendia dividir suas conquistas com ninguém

(Sánchez 1990). Assim, torna-se difícil saber o que era feito naquela época; em conseqüência, muitos dos trabalhos desenvolvidos se perderam.

A figura do preceptor era muito freqüente em tal contexto educacional. Famílias nobres e

influentes que tinham um filho surdo contratavam os serviços de professores/preceptores

para que ele não ficasse privado da fala e conseqüentemente dos direitos legais, que eram

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subtraídos daqueles que não falavam. O espanhol Pedro Ponce de Leon é, em geral, reconhecido nos trabalhos de caráter histórico como o primeiro professor de surdos.

Nas tentativas iniciais de educar o surdo, além da atenção dada à fala, a língua escrita

também desempenhava papel fundamental. Os alfabetos digitais eram amplamente

utilizados. Eles eram inventados pelos próprios professores, porque se argumentava que se o surdo não podia ouvir a língua falada, então ele podia lê-la com os olhos. Falava-se da

capacidade do surdo em correlacionar as palavras escritas com os conceitos diretamente,

sem necessitar da fala. Muitos professores de surdos iniciavam o ensinamento de seus

alunos através da leitura-escrita e, partindo daí, instrumentalizavam-se diferentes técnicas para desenvolver outras habilidades, tais como leitura labial e articulação das palavras.

Os surdos que podiam se beneficiar do trabalho desses professores eram muito poucos,

somente aqueles pertencentes às famílias abastadas. É justo pensar que houvesse um

grande número de surdos sem qualquer atenção especial e que, provavelmente, se vivessem agrupados, poderiam ter desenvolvido algum tipo de linguagem de sinais através

da qual interagissem.

A partir desse período podem ser distinguidas, nas propostas educacionais vigentes,

iniciativas antecedentes do que hoje chamamos de "oralismo" e outras antecedentes do que

chamamos de `"gestualismo'".

Em seu início, no campo da pedagogia do surdo, existia um acordo unânime sobre a

conveniência de que esse sujeito aprendesse a língua que falavam os ouvintes da sociedade

na qual viviam; porém, no bojo dessa unanimidade, já no começo do século XVIII, foi

aberta uma brecha que se alargaria com o passar do tempo e que separaria irreconciliavelmente oralistas de gestualistas. Os primeiros exigiam que os surdos se

reabilitassem, que superassem sua surdez, que falassem e, de certo modo, que se

comportassem como se não fossem surdos. Os proponentes menos tolerantes pretendiam

reprimir tudo o que fizesse recordar que os surdos não poderiam falar como os ouvintes. Impuseram a oralização para que os surdos fossem aceitos socialmente e, nesse processo,

deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora de toda a possibilidade educativa, de toda a

possibilidade de desenvolvimento pessoal e de integração na sociedade, obrigando-os a se

organizar de forma quase clandestina. Os segundos, gestualistas, eram mais tolerantes diante das dificuldades do surdo com a língua falada e foram capazes de ver que os surdos

desenvolviam uma linguagem que, ainda que diferente da oral, era eficaz para a

comunicação e lhes abria as portas para o conhecimento da cultura, incluindo aquele

dirigido para a língua oral. Com base nessas posições, já abertamente encontradas no final

do século XVIII, configuram-se duas orientações divergentes na educação de surdos, que se mantiveram em oposição até a atualidade, apesar das mudanças havidas no desdobramento

de propostas educacionais.

Como representante mais importante do que se conhece como abordagem gestualista está

o "método francês" de educação de surdos. O abade Charles M. De L'Epée foi o primeiro a estudar uma língua de sinais usada por surdos, com atenção para suas características

lingüísticas. O abade, a partir da observação de grupos de surdos, verifica que estes

desenvolviam um tipo de comunicação apoiada no canal viso-gestual, que era muito

satisfatória. Partindo dessa linguagem gestual, ele desenvolveu um método educacional, apoiado na linguagem de sinais da comunidade de surdos, acrescentando a esta sinais que

tornavam sua estrutura mais próxima à do francês e denominou esse sistema de "sinais

metódicos". A proposta educativa defendia que os educadores deveriam aprender tais sinais

para se comunicar com os surdos; eles aprendiam com os surdos e, através dessa forma de

comunicação, ensinavam a língua falada e escrita do grupo socialmente majoritário.

Diferentemente de seus contemporâneos, De L'Epée não teve problemas para romper com a

tradição das práticas secretas e não se limitou a trabalhar individualmente com poucos

surdos. Em 1775, fundou uma escola, a primeira em seu gênero, com aulas coletivas, onde

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professores e alunos usavam os chamados sinais metódicos. Divulgava seus trabalhos em reuniões periódicas e propunha-se a discutir seus resultados. Em 1776, publicou um livro no

qual divulgava suas técnicas. Seus alunos manejavam bem a escrita, e muitos deles

ocuparam mais tarde o lugar de professores de outros surdos. Nesse período, alguns surdos

puderam destacar-se e ocupar posições importantes na sociedade de seu tempo. O abade mostrava-se orgulhoso de que seus discípulos não só liam e escreviam em francês, mas que

podiam refletir e discutir sobre os conceitos que expressavam, embora houvesse avaliações

contrárias que indicavam haver profundas restrições nesse suposto êxito. Existem vários

livros datados dessa época, escritos por surdos, que abordam suas dificuldades de expressão e os problemas ocasionados pela surdez (Lane e Fischer 1993).

Para De L'Epée, a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como

veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicação. Para ele, o domínio

de uma língua, oral ou gestual, é concebido como um instrumento para o sucesso de seus objetivos e não como um fim em si mesmo. Ele tinha claras a diferença entre linguagem e

fala e a necessidade de um desenvolvimento pleno de linguagem para o desenvolvimento

normal dos sujeitos.

Contemporaneamente a De L'Epée havia renomados pedagogos oralistas que o criticavam e

que desenvolviam outro modo de trabalhar com os surdos, como, por exemplo, Pereira, em Portugal, e Heinicke, na Alemanha. Heinicke é considerado o fundador do oralismo e de uma

metodologia que ficou conhecida como o "método alemão". Para ele, o pensamento só é

possível através da língua oral, e depende dela. A língua escrita teria uma importância

secundária, devendo seguir a língua oral e não precedê-la. O ensinamento através da linguagem de sinais significava ir em contrário ao avanço dos alunos (Moores 1978). Os

pressupostos de Heinicke têm até hoje adeptos e defensores.

Em conseqüência do avanço e da divulgação das práticas pedagógicas com surdos, foi

realizado, em 1878, em Paris, o I Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos, no qual se fizeram acalorados debates a respeito das experiências e impressões sobre o

trabalho realizado até então. Naquele congresso alguns grupos defendiam a idéia de que

falar era melhor que usar sinais, mas que estes eram muito importantes para a criança

poder se comunicar. Alí, os surdos tiveram algumas conquistas importantes, como o direito a assinar documentos, tirando-os da "marginalidade" social, mas ainda estava distante a

possibilidade de uma verdadeira integração social.

Em 1880, foi realizado o II Congresso Internacional, em Milão, que trouxe uma completa

mudança nos rumos da educação de surdos e, justamente por isso, ele é considerado um

marco histórico. O congresso foi preparado por uma maioria oralista com o firme propósito de dar força de lei às suas proposições no que dizia respeito à surdez e à educação de

surdos. O método alemão vinha ganhando cada vez mais adeptos e estendendo-se

progressivamente para a maioria dos países europeus, acompanhando o destaque político

da Alemanha no quadro internacional da época.

As discussões do congresso foram feitas em debates acaloradíssimos. Apresentaram-se

muitos surdos que falavam bem, para mostrar a eficiência do método oral. Com exceção da

delegação americana (cinco membros) e de um professor britânico, todos os participantes,

em sua maioria europeus e ouvintes, votaram por aclamação a aprovação do uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista e a proscrição da linguagem de sinais. Acreditava-se que

o uso de gestos e sinais desviasse o surdo da aprendizagem da língua oral, que era a mais

importante do ponto de vista social. As resoluções do congresso (que era uma instância de

prestígio e merecia ser seguida) foram determinantes no mundo todo, especialmente na

Europa e na América Latina.

As decisões tomadas no Congresso de Milão levaram a que a linguagem gestual fosse

praticamente banida como forma de comunicação a ser utilizada por pessoas surdas no

trabalho educacional. A única oposição clara feita ao oralismo foi apresentada por Gallaudet

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que, desenvolvendo nos Estados Unidos um trabalho baseado nos sinais metódicos do abade De L'Epée, discordava dos argumentos apresentados, reportando-se aos sucessos

obtidos por seus alunos (Sachs 1990, Lane 1989).

Com o Congresso de Milão termina uma época de convivência tolerada na educação dos

surdos entre a linguagem falada e a gestual e, em particular, desaparece a figura do professor surdo que, até então, era freqüente. Era o professor surdo que, na escola,

intervinha na educação, de modo a ensinar/transmitir um certo tipo de cultura e de

informação através do canal visogestual e que, após o congresso, foi excluído das escolas.

Assim, no mundo todo, a partir do Congresso de Milão, o oralismo foi o referencial assumido e as práticas educacionais vinculadas a ele foram amplamente desenvolvidas e divulgadas.

Essa abordagem não foi, praticamente, questionada por quase um século. Os resultados de

muitas décadas de trabalho nessa linha, no entanto, não mostraram grandes sucessos. A

maior parte dos surdos profundos não desenvolveu uma fala socialmente satisfatória e, em geral, esse desenvolvimento era parcial e tardio em relação à aquisição de fala apresentada

pelos ouvintes, implicando um atraso de desenvolvimento global significativo. Somadas a

isso estavam as dificuldades ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita: sempre tardia,

cheia de problemas, mostrava sujeitos, muitas vezes, apenas parcialmente alfabetizados

após anos de escolarização. Muitos estudos apontam para tais problemas, desenvolvidos em diferentes realidades e que acabam revelando sempre o mesmo cenário: sujeitos pouco

preparados para o convívio social, com sérias dificuldades de comunicação, seja oral ou

escrita, tornando claro o insucesso pedagógico dessa abordagem (Johnson et al. 1991,

Fernandes 1989).

Nada de realmente importante aconteceu em relação ao oralismo até o início dos anos 50,

com as novas descobertas técnicas e a possibilidade de se "protetizar" crianças surdas

muito pequenas. Era um novo impulso para a educação voltada para a vocalização. Foram

desenvolvidas novas técnicas para que a escola pudesse trabalhar sobre aspectos da percepção auditiva e de leitura labial da linguagem falada, surgindo assim um grande

número de métodos, dando ensejo a momentos de nova esperança de que, com o uso de

próteses, se pudessem educar crianças com surdez grave e profunda a ouvir e,

conseqüentemente, a falar.

Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de comunicação dos surdos e

a aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável para o

desenvolvimento integral das crianças. De forma geral, sinais e alfabeto digitais são

proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos naturais, e recomenda-se que a recepção

da linguagem seja feita pela via auditiva (devidamente treinada) e pela leitura orofacial (Trenche 1995).

Os métodos orais sofrem uma série de críticas pelos limites que apresentam, mesmo com o

incremento do uso de próteses. As críticas vêm, principalmente, dos Estados Unidos. Alguns

métodos prevêem, por exemplo, que se ensinem palavras para crianças surdas de um ano. Entretanto, elas terão de entrar em contato com essas palavras de modo

descontextualizado de interlocuções efetivas, tornando a linguagem algo difícil e artificial.

Outro aspecto a ser desenvolvido é a leitura labial, que para a idade de um ano é, em

termos cognitivos, uma tarefa bastante complexa, para não dizer impossível. É muito difícil para uma criança surda profunda, ainda que "protetizada", reconhecer, tão precocemente,

uma palavra através da leitura labial. Limitar-se ao canal vocal significa limitar

enormemente a comunicação e a possibilidade de uso dessa palavra em contextos

apropriados. O que ocorre praticamente não pode ser chamado de desenvolvimento de

linguagem, mas sim de treinamento de fala organizado de maneira formal, artificial, com o uso da palavra limitado a momentos em que a criança está sentada diante de desenhos,

fora de contextos dialógicos propriamente ditos, que de fato permitiriam o desenvolvimento

do significado das palavras. Esse aprendizado de linguagem é desvinculado de situações

naturais de comunicação, e restringe as possibilidades do desenvolvimento global da criança.

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Na década de 1960, começaram a surgir estudos sobre as línguas de sinais utilizadas pelas comunidades surdas. Apesar da proibição dos oralistas no uso de gestos e sinais, raramente

se encontrava uma escola ou instituição para surdos que não tivesse desenvolvido, às

margens do sistema, um modo próprio de comunicação através dos sinais.

A primeira caracterização de uma língua de sinais usada entre pessoas surdas se encontra nos escritos do abade De L'Epée. Muito tempo se passou até que o interesse pelo estudo

das línguas de sinais de um ponto de vista lingüístico fosse despertado novamente, o que

ocorreu nos anos 60 com os estudos de Willian Stokoe (1978).

Ao estudar a Língua de Sinais Americana (ASL), Stokoe encontra uma estrutura que, de muitos modos, se assemelha àquela das línguas orais. Argumenta que, assim como da

combinação de um número restrito de sons (fonemas) cria-se um número vastíssimo de

unidades dotadas de significado (palavras), com a combinação de um número restrito de

unidades mínimas na dimensão gestual (queremas) pode-se produzir um grande número de unidades com significados (sinais). Propôs também em sua análise que um sinal pode ser

decomposto em três parâmetros básicos: O lugar no espaço onde as mãos se movem,

a configuração da(s) mão(s) ao realizar o sinal e o movimento da(s) mão(s) ao realizar o

sinal, sendo estes então os "traços distintivos" dos sinais.

Esses estudos iniciais e outros que vieram após o pioneiro trabalho de Stokoe revelaram que as línguas de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os

requisitos que a lingüística de então colocava para as línguas orais.

O descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de sinais deram origem a

novas propostas pedagógico-educacionais em relação à educação da pessoa surda, e a tendência que ganhou impulso nos anos 70 foi a chamada comunicação total. "A

Comunicação Total é a prática de usar sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital

para fornecer inputs lingüísticos para estudantes surdos, ao passo que eles podem

expressar-se nas modalidades preferidas" (Stewart 1993, p. 118). O objetivo é fornecer à criança a possibilidade de desenvolver uma comunicação real com seus familiares,

professores e coetâneos, para que possa construir seu mundo interno. A oralização não é o

objetivo em si da comunicação total, mas uma das áreas trabalhadas para possibilitar a

integração social do indivíduo surdo. A comunicação total pode utilizar tanto sinais retirados da língua de sinais usada pela comunidade surda quanto sinais gramaticais modificados e

marcadores para elementos presentes na língua falada, mas não na língua de sinais. Dessa

forma, tudo o que é falado pode ser acompanhado por elementos visuais que o

representam, o que facilitaria a aquisição da língua oral e posteriormente da leitura e da

escrita (Moura 1993).

Entretanto, a forma de implementar a comunicação total mostra-se muito diferente nas

diversas experiências relatadas; nota-se que muitas foram as maneiras de realizar essa

prática envolvendo sinais, fala e outros recursos.

Práticas reunidas sob o nome de comunicação total, em suas várias acepções, foram amplamente desenvolvidas nos Estados Unidos e em outros países nas décadas de 1970 e

1980 e muitos estudos foram realizados para verificar sua eficácia. O que esses estudos

têm apontado é que, em relação ao oralismo, alguns aspectos do trabalho educativo foram

melhorados e que os surdos, no final do processo escolar, conseguem compreender e se comunicar um pouco melhor. Entretanto, segundo essas análises avaliativas, eles

apresentam ainda sérias dificuldades em expressar sentimentos e idéias e comunicar-se em

contextos extra-escolares. Em relação à escrita, os problemas apresentados continuam a

ser muito importantes, sendo que poucos sujeitos alcançam autonomia nesse modo de

produção de linguagem. Observam-se alguns poucos casos bem-sucedidos, mas a grande maioria não consegue atingir níveis acadêmicos satisfatórios para sua faixa etária. Em

relação aos sinais, estes ocupam um lugar meramente acessório de auxiliar da fala, não

havendo um espaço para seu desenvolvimento. Assim, muitas vezes, os surdos atendidos

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segundo essa orientação comunicam-se precariamente apesar do acesso aos sinais. É que esse acesso é ilusório no âmbito de tais práticas, pois os alunos não aprendem a

compreender os sinais como uma verdadeira língua, e desse uso não decorre um efetivo

desenvolvimento lingüístico. Os sinais constituem um apoio para a língua oral e continuam,

de certa forma, "quase interditados" aos surdos.

O que a comunicação total favoreceu de maneira efetiva foi o contato com sinais, que era

proibido pelo oralismo, e esse contato propiciou que os surdos se dispusessem à

aprendizagem das línguas de sinais, externamente ao trabalho escolar. Essas línguas são

freqüentemente usadas entre os alunos, enquanto na relação com o professor é usado um misto de língua oral com sinais.

Paralelamente ao desenvolvimento das propostas de comunicação total, estudos sobre

línguas de sinais foram se tornando cada vez mais estruturados e com eles foram surgindo

também alternativas educacionais orientadas para uma educação bilíngüe. Essa proposta defende a idéia de que a língua de sinais é a língua natural dos surdos, que, mesmo sem

ouvir, podem desenvolver plenamente uma língua visogestual. Certos estudos (Bouvet

1990) mostram que as línguas de sinais são adquiridas pelos surdos com naturalidade e

rapidez, possibilitando o acesso a uma linguagem que permite uma comunicação eficiente e

completa como aquela desenvolvida por sujeitos ouvintes. Isso também permitiria ao surdo um desenvolvimento cognitivo, social etc. muito mais adequado, compatível com sua faixa

etária.

O modelo de educação bilíngüe contrapõe-se ao modelo oralista porque considera o canal

visogestual de fundamental importância para a aquisição de linguagem da pessoa surda. E contrapõe-se à comunicação total porque defende um espaço efetivo para a língua de sinais

no trabalho educacional; por isso advoga que cada uma das línguas apresentadas ao surdo

mantenha suas características próprias e que não se "`misture" uma com a outra. Nesse

modelo, o que se propõe é que sejam ensinadas duas línguas, a língua de sinais e, secundariamente, a língua do grupo ouvinte majoritário. A língua de sinais é considerada a

mais adaptada à pessoa surda, por contar com a integridade do canal visogestual. Porque

as interações podem fluir, a criança surda é exposta, então, o mais cedo possível, à língua

de sinais, aprendendo a sinalizar tão rapidamente quanto as crianças ouvintes aprendem a falar. Ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua competência lingüística, numa

língua que lhe servirá depois para aprender a língua falada, do grupo majoritário, como

segunda língua, tornando-se bilíngüe, numa modalidade de bilingüismo sucessivo. Essa

situação de bilingüismo não é como aquela de crianças que têm pais que falam duas línguas

diferentes, porque nesse caso elas aprendem as duas línguas usando o canal auditivo-vocal num bilingüismo contemporâneo, enquanto no caso das crianças surdas, trata-se da

aprendizagem de duas línguas que envolvem canais de comunicação diversos.

Pesquisas sobre esse tema (Taeschner 1985) apontam para a conveniência de não haver

sobreposição das duas línguas envolvidas. A aprendizagem da língua de sinais deve se dar em família, quando possível, ou num outro contexto, com um membro da comunidade

surda, por exemplo, e a língua falada deve ser ensinada por uma outra pessoa

caracterizando um outro contexto comunicativo. Tais contextos não devem se sobrepor; as

pessoas que produzem cada uma das línguas com a criança, no início, devem ser pessoas diferentes e o ideal parece ser que a família participe sinalizando. Num outro contexto, a

criança aprenderá a desenvolver sua capacidade articulatória e fará sua adaptação de

prótese e sua educação acústica. A língua de sinais estará sempre um pouco mais

desenvolvida e adiante da língua falada, de modo que a competência lingüística na língua de

sinais servirá de base para a competência na aquisição da língua falada. Será a aprendizagem de uma língua através da competência em outra língua, como fazem os

ouvintes quando aprendem uma segunda língua sempre tendo por base sua língua materna.

O objetivo da educação bilíngüe é que a criança surda possa ter um desenvolvimento

cognitivo-lingüístico equivalente ao verificado na criança ouvinte, e que possa desenvolver

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uma relação harmoniosa também com ouvintes, tendo acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua majoritária.

A filosofia bilíngüe possibilita também que, dada a relação entre o adulto surdo e a criança,

esta possa construir uma auto-imagem positiva como sujeito surdo, sem perder a

possibilidade de se integrar numa comunidade de ouvintes. A língua de sinais poderia ser introjetada pela criança surda como uma língua valorizada, coisa que até hoje tem sido

bastante difícil apesar de esta ocupar um lugar central na configuração das comunidades

surdas. O fato é que tais línguas foram sistematicamente rejeitadas e só recentemente têm

sido valorizadas pelos meios acadêmicos e pelos próprios surdos (Moura 1993).

As experiências com educação bilíngüe ainda são recentes; poucos países têm esse sistema

implantado há pelo menos dez anos. A aplicação prática do modelo de educação bilíngüe

não é simples e exige cuidados especiais, formação de profissionais habilitados, diferentes

instituições envolvidas com tais questões etc. Os projetos já realizados em diversas partes do mundo (como Suécia, Estados Unidos, Venezuela e Uruguai) têm princípios filosóficos

semelhantes, mas se diferenciam em alguns aspectos metodológicos. Para alguns, é

necessária a participação de professores surdos, o que nem sempre é possível conseguir.

Quando se recorre a professores ouvintes, nem sempre sua competência em língua de

sinais é suficiente, comprometendo significativamente o processo de aprendizagem. Algumas propostas indicam uma passagem da língua de sinais diretamente para a língua

escrita entendendo que a língua oral é muito difícil para o surdo, além de ser "antinatural".

Existem países que têm assegurado, por lei, o direito das pessoas surdas à língua de sinais;

outros realizam projetos envolvendo a educação bilíngüe quase à revelia das propostas estatais.

Em cada um desses países o aprofundamento dos estudos sobre suas línguas de sinais é

diferente e, apenas em alguns casos, esses estudos estão bastante desenvolvidos. Nos

Estados Unidos, por exemplo, a Língua Americana de Sinais é bastante conhecida, talvez a língua de sinais mais bem estudada até hoje. Entretanto, as práticas de comunicação total

são prevalentes lá, indicando que o desenvolvimento do conhecimento acadêmico sobre as

línguas de sinais não é suficiente para sua efetiva inserção no atendimento educacional. Em

outros países tais estudos são ainda iniciais, auxiliando pouco aqueles que desenvolvem práticas de educação bilíngüe. Tais práticas remetem a um universo amplo de questões

ainda pouco explorado, que parece apresentar vários problemas ao mesmo tempo em que

aponta para formas de atendimento mais adequadas às pessoas surdas.

Em diversos países, como no nosso, as experiências com educação bilíngüe ainda estão

restritas a alguns poucos centros, dadas as dificuldades apontadas acima, e também pela resistência de muitos em considerar a língua de sinais como uma língua verdadeira ou

aceitar sua adequação ao trabalho com as pessoas surdas. Assim sendo, a maioria das

práticas de educação para surdos ainda hoje é oralista ou se enquadra dentro da

comunicação total. Apesar de não haver dados oficiais do Brasil, pode-se afirmar, por observações assistemáticas, que a comunicação total encontra-se em desenvolvimento

enquanto as práticas oralistas tendem a diminuir. Com o surgimento da comunicação total,

a grande mudança pedagógica foi a entrada dos sinais em sala de aula. O uso dos sinais

pode ser muito variado, dependendo da opção feita no trabalho de comunicação total. Pode-se encontrar a língua de sinais sendo usada separadamente da fala, uso do português

sinalizado acompanhando a fala numa prática bimodal, fala acompanhada de sinais

retirados da língua de sinais, tentativas de representar todos os aspectos do português

falado em sinais etc.

Diante desse panorama é possível constatar que, de alguma maneira, as três principais abordagens de educação de surdos (oralista, comunicação total e bilingüismo) coexistem,

com adeptos de todas elas nos diferentes países. Cada qual com seus prós e contras, essas

abordagens abrem espaço para reflexões na busca de um caminho educacional que de fato

favoreça o desenvolvimento pleno dos sujeitos surdos, contribuindo para que sejam cidadãos em nossa sociedade.

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A short history of different approaches to the education of the deaf

ABSTRACT: The education of the deaf is a complex problem characterised by difficulties and

limitations. Throughout history, this subject has been polemic bringing different

consequences to that education. This article aims at presenting the history of the education

of the deaf focusing on oralism, total communication, bilinguism and its consequences.

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Cadernos CEDES Print version ISSN 0101-3262On-line version ISSN 1678-7110Cad.

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Presidência da República

Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002.

Regulamento

Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais -

Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de

serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.

Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à

saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.

Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito

Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.

Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa.

Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de abril de 2002; 181o da Independência e 114

o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Paulo Renato Souza

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005.

Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e no art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000,

DECRETA:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.

Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.

CAPÍTULO II

DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRICULAR

Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.

§ 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

CAPÍTULO III

DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LIBRAS E DO INSTRUTOR DE LIBRAS

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Art. 4º A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua.

Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.

Art. 5º A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe.

§ 1º Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput.

§ 2º As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.

Art. 6º A formação de instrutor de Libras, em nível médio, deve ser realizada por meio de:

I - cursos de educação profissional;

II - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior; e

III - cursos de formação continuada promovidos por instituições credenciadas por secretarias de educação.

§ 1º A formação do instrutor de Libras pode ser realizada também por organizações da sociedade civil representativa da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por pelo menos uma das instituições referidas nos incisos II e III.

§ 2º As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.

Art. 7º Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um dos seguintes perfis:

I - professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;

II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;

III - professor ouvinte bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação.

§ 1º Nos casos previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disciplina de Libras.

§ 2º A partir de um ano da publicação deste Decreto, os sistemas e as instituições de ensino da educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do magistério.

Art. 8º O exame de proficiência em Libras, referido no art. 7º , deve avaliar a fluência no uso, o conhecimento e a competência para o ensino dessa língua.

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§ 1º O exame de proficiência em Libras deve ser promovido, anualmente, pelo Ministério da Educação e instituições de educação superior por ele credenciadas para essa finalidade.

§ 2º A certificação de proficiência em Libras habilitará o instrutor ou o professor para a função docente.

§ 3º O exame de proficiência em Libras deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento em Libras, constituída por docentes surdos e lingüistas de instituições de educação superior.

Art. 9º A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensino médio que oferecem cursos de formação para o magistério na modalidade normal e as instituições de educação superior que oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de formação de professores devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes prazos e percentuais mínimos:

I - até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição;

II - até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição;

III - até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e

IV - dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição.

Parágrafo único. O processo de inclusão da Libras como disciplina curricular deve iniciar-se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente para as demais licenciaturas.

Art. 10. As instituições de educação superior devem incluir a Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de formação de professores para a educação básica, nos cursos de Fonoaudiologia e nos cursos de Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.

Art. 11. O Ministério da Educação promoverá, a partir da publicação deste Decreto, programas específicos para a criação de cursos de graduação:

I - para formação de professores surdos e ouvintes, para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que viabilize a educação bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa como segunda língua;

II - de licenciatura em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa, como segunda língua para surdos;

III - de formação em Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.

Art. 12. As instituições de educação superior, principalmente as que ofertam cursos de Educação Especial, Pedagogia e Letras, devem viabilizar cursos de pós-graduação para a formação de professores para o ensino de Libras e sua interpretação, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Art. 13. O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa.

Parágrafo único. O tema sobre a modalidade escrita da língua portuguesa para surdos deve ser incluído como conteúdo nos cursos de Fonoaudiologia.

CAPÍTULO IV

DO USO E DA DIFUSÃO DA LIBRAS E DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O

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ACESSO DAS PESSOAS SURDAS À EDUCAÇÃO

Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.

§ 1º Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:

I - promover cursos de formação de professores para:

a) o ensino e uso da Libras;

b) a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa; e

c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas;

II - ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos;

III - prover as escolas com:

a) professor de Libras ou instrutor de Libras;

b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;

c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e

d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos;

IV - garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização;

V - apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos;

VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;

VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos;

VIII - disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva.

§ 2º O professor da educação básica, bilíngüe, aprovado em exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, pode exercer a função de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, cuja função é distinta da função de professor docente.

§ 3º As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar atendimento educacional especializado aos alunos surdos ou com deficiência auditiva.

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Art. 15. Para complementar o currículo da base nacional comum, o ensino de Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos, devem ser ministrados em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como:

I - atividades ou complementação curricular específica na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; e

II - áreas de conhecimento, como disciplinas curriculares, nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior.

Art. 16. A modalidade oral da Língua Portuguesa, na educação básica, deve ser ofertada aos alunos surdos ou com deficiência auditiva, preferencialmente em turno distinto ao da escolarização, por meio de ações integradas entre as áreas da saúde e da educação, resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno por essa modalidade.

Parágrafo único. A definição de espaço para o desenvolvimento da modalidade oral da Língua Portuguesa e a definição dos profissionais de Fonoaudiologia para atuação com alunos da educação básica são de competência dos órgãos que possuam estas atribuições nas unidades federadas.

CAPÍTULO V

DA FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS - LÍNGUA PORTUGUESA

Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa.

Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:

I - cursos de educação profissional;

II - cursos de extensão universitária; e

III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação.

Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III.

Art. 19. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja pessoas com a titulação exigida para o exercício da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, as instituições federais de ensino devem incluir, em seus quadros, profissionais com o seguinte perfil:

I - profissional ouvinte, de nível superior, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior;

II - profissional ouvinte, de nível médio, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação no ensino fundamental;

III - profissional surdo, com competência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a Libras, para atuação em cursos e eventos.

Parágrafo único. As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de

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assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

Art. 20. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, o Ministério da Educação ou instituições de ensino superior por ele credenciadas para essa finalidade promoverão, anualmente, exame nacional de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa.

Parágrafo único. O exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento dessa função, constituída por docentes surdos, lingüistas e tradutores e intérpretes de Libras de instituições de educação superior.

Art. 21. A partir de um ano da publicação deste Decreto, as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos.

§ 1º O profissional a que se refere o caput atuará:

I - nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino;

II - nas salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas; e

III - no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim da instituição de ensino.

§ 2º As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

CAPÍTULO VI

DA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS OU

COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:

I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;

II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.

§ 1º São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.

§ 2º Os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.

§ 3º As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.

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§ 4º O disposto no § 2º deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras.

Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.

§ 1º Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo.

§ 2º As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

Art. 24. A programação visual dos cursos de nível médio e superior, preferencialmente os de formação de professores, na modalidade de educação a distância, deve dispor de sistemas de acesso à informação como janela com tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa e subtitulação por meio do sistema de legenda oculta, de modo a reproduzir as mensagens veiculadas às pessoas surdas, conforme prevê o Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004.

CAPÍTULO VII

DA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS SURDAS OU

COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Art. 25. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Sistema Único de Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, na perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com deficiência auditiva em todas as esferas da vida social, devem garantir, prioritariamente aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando:

I - ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva;

II - tratamento clínico e atendimento especializado, respeitando as especificidades de cada caso;

III - realização de diagnóstico, atendimento precoce e do encaminhamento para a área de educação;

IV - seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indicado;

V - acompanhamento médico e fonoaudiológico e terapia fonoaudiológica;

VI - atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional;

VII - atendimento fonoaudiológico às crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica, por meio de ações integradas com a área da educação, de acordo com as necessidades terapêuticas do aluno;

VIII - orientações à família sobre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à Libras e à Língua Portuguesa;

IX - atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação; e

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X - apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação.

§ 1º O disposto neste artigo deve ser garantido também para os alunos surdos ou com deficiência auditiva não usuários da Libras.

§ 2º O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal, do Distrito Federal e as empresas privadas que detêm autorização, concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde buscarão implementar as medidas referidas no art. 3º da Lei nº 10.436, de 2002, como meio de assegurar, prioritariamente, aos alunos surdos ou com deficiência auditiva matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas.

CAPÍTULO VIII

DO PAPEL DO PODER PÚBLICO E DAS EMPRESAS QUE DETÊM CONCESSÃO OU PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, NO APOIO AO USO E DIFUSÃO DA LIBRAS

Art. 26. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Poder Público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras e da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, realizados por servidores e empregados capacitados para essa função, bem como o acesso às tecnologias de informação, conforme prevê o Decreto nº 5.296, de 2004.

§ 1º As instituições de que trata o caput devem dispor de, pelo menos, cinco por cento de servidores, funcionários e empregados capacitados para o uso e interpretação da Libras.

§ 2º O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, e as empresas privadas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar às pessoas surdas ou com deficiência auditiva o tratamento diferenciado, previsto no caput.

Art. 26. O Poder Público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, deverão garantir às pessoas surdas ou com deficiência auditiva o seu efetivo e amplo atendimento, por meio do uso e da difusão da Libras e da tradução e da interpretação de Libras - Língua Portuguesa. (Redação dada pelo Decreto nº 9.656, de 2018)

§ 1º Para garantir a difusão da Libras, as instituições de que trata o caput deverão dispor de, no mínimo, cinco por cento de servidores, funcionários ou empregados com capacitação básica em Libras. (Redação dada pelo Decreto nº 9.656, de 2018)

§ 2º Para garantir o efetivo e amplo atendimento das pessoas surdas ou com deficiência auditiva, o Poder Público, as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, poderão utilizar intérpretes contratados especificamente para essa função ou central de intermediação de comunicação que garanta a oferta de atendimento presencial ou remoto, com intermediação por meio de recursos de videoconferência on-line e webchat, à pessoa surda ou com deficiência auditiva. (Redação dada pelo Decreto nº 9.656, de 2018)

§ 3º O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal e distrital e as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar às pessoas surdas ou com deficiência auditiva o efetivo e amplo atendimento previsto no caput . (Incluído pelo Decreto nº 9.656, de 2018)

Art. 27. No âmbito da administração pública federal, direta e indireta, bem como das empresas que detêm concessão e permissão de serviços públicos federais, os serviços prestados por servidores e empregados capacitados para utilizar a Libras e realizar a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa estão sujeitos a padrões de controle de atendimento e a avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, sob a coordenação da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em conformidade com o Decreto nº 3.507, de 13 de junho de 2000.

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Parágrafo único. Caberá à administração pública no âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal disciplinar, em regulamento próprio, os padrões de controle do atendimento e avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, referido no caput.

Art. 27. No âmbito da administração pública federal, direta e indireta, e das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos federais, o atendimento prestado conforme o disposto no § 2º do art. 26 estará sujeito a padrões de controle de atendimento e de avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, sob a coordenação da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, em conformidade com o disposto no Decreto nº 9.094, de 17 de julho de 2017. (Redação dada pelo Decreto nº 9.656, de 2018)

§ 1º Os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, e as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos federais deverão publicar em seus sítios eletrônicos, inclusive em formato de vídeo em Libras, e em suas cartas de serviço as formas de atendimento disponibilizadas para as pessoas surdas ou com deficiência auditiva. (Incluído pelo Decreto nº 9.656, de 2018)

§ 2º Caberá à administração pública no âmbito estadual, municipal e distrital disciplinar, em regulamento próprio, os padrões de controle de atendimento e de avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos referidos no caput . (Incluído pelo Decreto nº 9.656, de 2018)

CAPÍTULO IX

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 28. Os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, devem incluir em seus orçamentos anuais e plurianuais dotações destinadas a viabilizar ações previstas neste Decreto, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Art. 29. O Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no âmbito de suas competências, definirão os instrumentos para a efetiva implantação e o controle do uso e difusão de Libras e de sua tradução e interpretação, referidos nos dispositivos deste Decreto.

Art. 30. Os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, direta e indireta, viabilizarão as ações previstas neste Decreto com dotações específicas em seus orçamentos anuais e plurianuais, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Art. 31. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de dezembro de 2005; 184º da Independência e 117º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad

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Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda

Kleber Aparecido da SilvaI,*; Joseane SeveroII,*

IUniversidade de Brasília Brasília - Distrito Federal / Brasil IIUniversidade de Brasília Brasília - Distrito Federal / Brasil

GESSER, A. LIBRAS? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da

língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009

1. A autora e a sua obra

Libras: Que língua é essa?, de autoria da linguista aplicada Audrei Gesser, é o primeiro livro

autoral nesta perspectiva publicado no Brasil na área da Linguística Aplicada. A autora desta

coletânea pioneira é mestra em Letras/Inglês pela Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC) e doutora em Linguística Aplicada na área de Educação Bilíngue pela UNICAMP. Foi

pesquisadora visitante na Gallaudet University, Estados Unidos, em 2004. Tem interesse em questões de ensino e aprendizagem de línguas orais e de sinais como segunda língua/língua

estrangeira (L2/LE), formação de professores e contextos sociolinguisticamente complexos

de minorias bi/ multilíngues e bi/multiculturais. Em suas pesquisas, procura visibilizar a

relação dos ouvintes com o surdo, a surdez e a língua de sinais. Atualmente, é professora adjunta do Departamento de Artes e Libras (DALi) da Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC), no curso presencial Letras/ Libras.

O livro citado, em síntese, contém um conjunto de artigos que esboçam possíveis respostas

às perguntas relacionadas aos três assuntos principais que norteiam o livro: "A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)", "O surdo" e "A surdez". Dessa forma, tem por objetivo

descaracterizar alguns preconceitos, estigmas e estereótipos que podemos ter ou manter

em contato com a vida, a cultura e a língua dos surdos.

2. A finalidade e a relevância da obra para a Linguística Aplicada

brasileira

Trata-se de um livro inovador, que possui linguagem envolvente e alude a campo de investigação que ainda carece de pesquisas no bojo da língua(gem), sendo direcionado a

pais, professores, estudantes e pesquisadores da área. A partir dessa perspectiva, a autora

evidencia questões de suma importância para esse campo de estudo que interfacearam sua

práxis como professora e pesquisadora da língua(gem). O livro leva o leitor a (re)conhecer o que apenas pensamos ser conhecido e entender que ainda há muitas lutas a serem

traçadas pelos/para os surdos. Como afirma a autora, foi uma forma encontrada para

sensibilizar ouvintes sobre um mundo surdo desconhecido e complexo (p.10).

A obra inicia-se com a língua em questão: LIBRAS. As partes que dividem os capítulos são perguntas relacionadas ao tema que, na maioria das vezes, são crenças. Assuntos de

grande relevância são tratados no texto como, por exemplo,(a) a gramática da língua de

sinais, visto que muitas vezes é entendida como língua ágrafa, mímica, soletração etc; (b)

aspectos linguísticos e elementos gramaticais da língua de sinais, semelhanças estruturais

com as línguas orais e características próprias das línguas de sinais que as tornam

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legítimas. Gesser enfatiza nesses capítulos que a língua de sinais é uma língua autônoma, com todas as características linguísticas de qualquer língua humana natural, portanto, tudo

pode ser expresso pela língua de sinais.

No segundo capítulo, Gesser aponta que os surdos eram privados de se comunicarem na

sua língua e até "castigados" por causa disso. Isto se comprova pelo fato de a sinalização ter sido considerada como "código secreto", pois era usada às escondidas devido à sua

proibição.

Para falar sobre o surdo, Gesser apresenta termos estereotipados e preconceituosos

relacionados ao indivíduo surdo, como, por exemplo, surdo-mudo ou deficiente auditivo, e mostra como essas questões ainda estão presentes na vida dos surdos. Assim, é

interessante perceber que não são nomenclaturas que definem a construção da identidade

dos surdos, mas que dependem de relações culturais, sociais, históricas e linguísticas. Há,

ainda, o reconhecimento de uma língua oral-auditiva e de uma língua visual-gestual. A verdade é que os surdos falam através dos sinais, o que coloca em cheque questões que a

sociedade insiste em defender como o mito de que a fala é concebida unicamente com o

sentido de produção vocal-sonora.

Outro problema destacado na vida do surdo é a imposição do português na escolarização, o

que significa negar sua primeira língua no seu processo de alfabetização. Essa questão se torna importante, pois é tratada não como dificuldade, mas como falta de oportunidade de

acesso a uma escola que reconheça as diferenças linguísticas, [...] que tenha professores

proficientes na língua de sinais, que permita a alfabetização na língua primeira e natural dos

surdos (p.57). Essa falta de oportunidade e de uso na língua de sinais atrapalha o desenvolvimento do aluno surdo em sua segunda língua, além de ser uma questão de

respeito e reconhecimento de sua primeira língua.

No terceiro capítulo, Gesser afirma que a surdez é muito mais um problema para os

ouvintes do que para os surdos. Nesse capítulo, a autora responde a algumas questões relacionadas à surdez, aos tipos de surdez, à hereditariedade, aos aparelhos auditivos etc.

Um ponto interessante tratado no capítulo é a visão negativa da sociedade em relação à

surdez e, ainda, como muitos surdos tratam sua própria surdez. Mais uma vez, volta-se à

questão de que não é a surdez que compromete o desenvolvimento do indivíduo surdo, mas a ausência do acesso a uma língua. Assim, torna-se verdade que muitos estereótipos

ligados aos surdos e à surdez são (re)construídos por aqueles que insistem em educar os

surdos por meio de uma língua oral. A autora conclui o capítulo ao dizer que "o elo que

aproxima ouvintes e surdos é o da língua de sinais" (p. 80), porém, ela sempre foi banida e

rejeitada.

Neste livro, Gesser nos faz perceber um ponto de extrema importância. Segundo ela,

através da língua nos constituímos plenamente como seres humanos, comunicamo-nos com

nossos semelhantes, construímos nossas identidades e subjetividades, adquirimos e

partilhamos informações que nos possibilitam compreender o mundo que nos cerca e é nesse sentido que a linguagem ocupa um papel essencial na organização das funções

psicológicas superiores (p.77).

Estudos desenvolvidos na área da Linguística Aplicada mostram que a língua de sinais tem

características próprias que a tornam língua humana e natural. É preciso, então, entender que a língua de sinais é o meio pelo qual os surdos podem adquirir conhecimento de

mundo, construir sua própria história e serem reconhecidos como surdos.

3. Possíveis encaminhamentos e considerações finais

Podemos aqui apresentar o desenvolvimento de propostas norteadoras de estudos e a

concretização do reconhecimento da língua de sinais nas escolas e na sociedade, que são importantes aspectos ao se tratar da LIBRAS. Nesse sentido, algumas informações podem

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auxiliar professores e educadores em geral para buscarem conhecimento detalhado sobre a língua, os direitos e a cultura surda, para que, dessa maneira, os estereótipos e estigmas

citados não façam mais parte da vida nem dos surdos e nem dos ouvintes. Será

apresentado, então, o que diz a legislação para os surdos e alguns trabalhos de estudiosos

voltados para essa área.

A Lei n.º 10.436, art. 1º, é clara quando diz que:

Art. 1º - É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de

Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se

como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui

um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de

pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2002).

O artigo primeiro mostra o reconhecimento da LIBRAS como o principal meio de comunicação utilizado pelas pessoas surdas. Já no parágrafo único, a LIBRAS é reconhecida

como uma verdadeira língua, contendo nela recursos e estrutura gramatical próprios. O

artigo também reconhece o status de comunidade surda com cultura própria e com direito a

lutar por seus direitos.

O Decreto n.º 5.626 da Lei de LIBRAS, art. 14º, refere-se à educação do aluno com surdez e afirma que:

Art.14º - As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidade de educação, desde a educação infantil até à superior.

§1º Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:

I- promover cursos de formação de professores para:

a) o uso e o ensino da LIBRAS;

b) o ensino da LIBRAS;

c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para as pessoas surdas;

II- prover as escolas com:

a) professor de LIBRAS ou instrutor de LIBRAS;

b) tradutor e intérprete de LIBRAS - Língua Portuguesa;

c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como a segunda língua para as pessoas surdas; e

d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos. (BRASIL, 2005).

Nesse artigo, está explícito que o Governo Federal é obrigado a garantir aos alunos surdos o

acesso à comunicação, à informação e à educação em qualquer processo seletivo

desenvolvido em todos os níveis de ensino em que o aluno esteja inserido. O primeiro

parágrafo diz que as instituições federais devem promover a formação de professores para

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que eles aprendam, usem e ensinem a LIBRAS e a utilizem como um recurso didático para o ensino da língua aos alunos com surdez.

O inciso II diz, ainda, que a União deve prover às escolas professores ou instrutores de

LIBRAS para o ensino de alunos que não tenham conhecimento da língua e também

professores que ensinem a Língua Portuguesa como segunda língua.

Ainda sobre a LIBRAS, Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma análise detalhada e

minuciosa sobre a língua de sinais e os seus aspectos linguísticos. Além disso, as autoras

trazem semelhanças e diferenças das línguas orais-auditivas. Um ponto interessante

desenvolvido por elas é também a presença de alguns mitos sobre a língua. Portanto, há uma tentativa de descaracterizar mais uma vez estereótipos que podem estar relacionados

com a língua de sinais. Em geral, a obra é um estudo teórico-descritivo sobre a LIBRAS, a

estrutura da língua, a flexão, a simetria, a organização das frases e outros aspectos. Esta

obra abrange diversos pontos acerca da língua de sinais e pode auxiliar profissionais envolvidos nessa área.

É possível perceber, pelos estudos realizados no bojo da língua(gem), que muito já foi feito

pela língua de sinais, mas há muito ainda por fazer. O conhecimento sobre a LIBRAS ou até

mesmo sobre toda a teoria proposta e apresentada não são suficientes para que essa língua

seja (re)conhecida por todos. É presente a discussão sobre língua natural e a própria estrutura da língua, porém, ainda é preciso que haja estudos sobre o reconhecimento da

cultura e da identidade dos surdos. Apesar de a presente legislação garantir a presença da

LIBRAS nos lócus escolares, ainda há muito o que fazer para que essa presença seja efetiva

e emancipatória nas escolas públicas brasileiras.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -

Libras - e dá outras providências. [ Links ]

BRASIL. Decreto n.º 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n.º 10.436, de

24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei n.º10.098, de 19 de dezembro de 2000. [ Links ]

GESSER, A. LIBRAS? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da línguade

sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009. [ Links ]

QUADROS, R. M; KARNOPP, L. B. de.Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. [ Links ]

Data de submissão: 09/03/2014.

Data de aprovação: 06/06/2014.

FONTE: Revista Brasileira de Linguística Aplicada On-line version ISSN 1984-6398

Rev. bras. linguist. apl. vol.14 no.4 Belo Horizonte Oct./Dec. 2014 http://dx.doi.org/10.1590/1984-639820145507

RESENHA REVIEW

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O CONTEXTO ESCOLAR DO ALUNO SURDO E O PAPEL DAS LÍNGUAS

Ronice Müller de Quadrosi[i]

Ao longo da história da educação de surdos no Brasil sempre houve uma preocupação exacerbada com o desenvolvimento da linguagem. As propostas pedagógicas sempre foram calcadas na questão da linguagem. Essa preocupação com a questão da linguagem, não menos importante que quaisquer outras na área da educação, tornou-se quase que exclusiva, perdendo-se de vista o processo educacional integral da criança surda.

Há várias razões para tal fato, dentre elas, o fato das crianças serem surdas tornava fundamental a discussão sobre o processo de aquisição da linguagem, tendo em vista que tal processo era traduzido por línguas oraisauditivas. As crianças surdas dotadas das capacidades mentais precisavam recuperar o desenvolvimento da linguagem e por essa razão, até os dias de hoje, há pesquisas que procuram um meio de garantir o desenvolvimento da linguagem em crianças surdas através de métodos de oralização. “Fazer o surdo falar e ler os lábios permitirá o acesso a linguagem”, frase repetida ao longo da história e que tem garantido o desenvolvimento de técnicas e metodologia que favoreçam esse processo, há muitos anos, com alguns avanços.

Entretanto, apesar de todo esse empenho, os resultados que advém de tal esforço são drásticos. A maior parte dos adultos surdos brasileiros demonstram o fracasso das inúmeras tentativas de se garantir linguagem através da língua oralauditiva do país, a língua portuguesa. Todos os profissionais envolvidos na educação de surdos que conhecem surdos adultos admitem o fracasso do ensino da língua portuguesa, não somente enquanto língua usada para a expressão escrita, mas, principalmente, enquanto língua que permite o desenvolvimento da linguagem.

Muitos desses adultos surdos buscam inconscientemente “salvar” o seu processo de aquisição da linguagem através da língua brasileira de sinais - LIBRAS. A raça humana privilegia tanto a questão da linguagem, isto é, a linguagem é tão essencial para o ser humano que, apesar de todos os empecilhos que possam surgir para o estabelecimento de relações através dela, os seres humanos buscam formas de satisfazer tal natureza. Os adolescentes, os adultos surdos, logo quando se tornam mais independentes da escola e da família, buscam relações com outros surdos através da língua de sinais. No Brasil, as associações de surdos brasileiras foram sendo criadas e tornando-se espaço de “bate-papo” e lazer em sinais para os surdos, enquanto as escolas especiais “oralizavam” ou as escolas “integravam” crianças surdas nas escolas regulares de ensino. Percebe-se, aqui, um movimento de resistência natural por parte dos surdos a um processo social, político e lingüístico que privilegiou o parâmetro do normal.

As pesquisas sobre a aquisição da linguagem avançaram muito a partir dos anos 60. Os estudos envolvendo a análise do processo de aquisição de várias crianças começaram a indicar a universalidade desse processo (Fletcher & Garman, 1986; Ingram, 1989; Slobin, 1986). O estudo da Língua de Sinais Americana - ASL - começou exatamente neste mesmo período através de uma descrição realizada por Willian Stokoe, publicada em 1965 pela primeira vez (Stokoe et alli, 1976). Esse trabalho representou uma revolução social e lingüística. A partir dessa obra, várias outras pesquisas foram publicadas apresentando perspectivas completamente diferentes do estatuto das línguas de sinais (Bellugi & Klima, 1972; Siple, 1978; Lillo-Martin, 1986) culminando no seu reconhecimento lingüístico nas

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investigações da Teoria da Gramática com Chomsky (1995:434, nota 4) ao observar que o termo “articulatório” não se restringe a modalidade das línguas faladas, mas expressa uma forma geral da linguagem ser representada no nível de interface articulatório-perceptual incluindo, portanto, as línguas sinalizadas.

Quase que em paralelo a esses estudos, iniciaram-se as pesquisas sobre o processo de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos

(Meier, 1980; Loew, 1984; Lillo-Martin, 1986; Petitto, 1987). Essas crianças apresentam o privilégio de terem acesso a uma língua de sinais em iguais condições ao acesso que as crianças ouvintes têm a uma língua oral-auditiva1[1] .

No Brasil, a LIBRAS começou a ser investigada na década de 80 (Ferreira-Brito, ?).

Todos esses estudos concluíram que o processo das crianças surdas adquirindo língua de sinais ocorre em período análogo à aquisição da linguagem em crianças adquirindo uma língua oral-auditiva. Assim sendo, mais uma vez, os estudos de aquisição da linguagem indicam universais lingüísticos. O fato do processo ser concretizado através de línguas visuais-espaciais, garantindo que a faculdade da linguagem se desenvolva em crianças surdas, exige uma mudança nas formas como esse processo vem sendo tratado na educação de surdos.

A aquisição da linguagem em crianças surdas deve ser garantida através de uma língua visual-espacial. No caso do Brasil, através da LIBRAS. Isso independe de propostas pedagógicas (desenvolvimento da cidadania, alfabetização, aquisição do português, aquisição de conhecimentos, etc.), pois é algo que deve ser pressuposto. Diante do fato das crianças surdas virem para a escola sem adquirirem uma língua, a escola precisa estar atenta a programas que garantam o acesso à LIBRAS. O processo educacional ocorre mediante interação lingüística e deve ocorrer, portanto, na LIBRAS. Se a criança chega na escola sem linguagem, é fundamental que o trabalho seja direcionado para a retomada do processo de aquisição da linguagem através de uma língua visual-espacial3[3] . A aquisição da LIBRAS por crianças surdas brasileiras é algo inquestionável. No entanto, a educação de surdos continua apresentando inúmeros problemas mesmo quando as crianças têm acesso à língua de sinais.

1[1] Privilégio porque representam apenas 5% das crianças surdas, ou seja, 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes e que, portanto, na maioria dos casos, não dominam uma língua de sinais. 2[2] Para mais detalhes sobre a aquisição da linguagem por crianças surdas através da ASL e da LIBRAS ver Quadros (1997). 3[3] Neste caso, poder-se-ia redefinir o papel do fonoaudiólogo nas instituições que atendem surdos. Não mais como àquele que tem a função de trabalhar com a oralização, mas como àquele que trabalhará com a linguagem e seus distúrbios gerados pelo fato das crianças terem acesso a LIBRAS tardiamente e , também, com os distúrbios de linguagem comuns às crianças que adquirem uma língua falada só que em sinais (na linha da lingüística clínica, mas com uma língua visual-espacial).

No Brasil, essa constatação é comparável a situação das crianças ouvintes que vão para escola.com a aquisição da linguagem garantida através do português e, no entanto, os índices de repetência e evasão escolar são dos mais altos do mundo. As propostas pedagógicas devem ir além das línguas envolvidas no processo educacional.

A tradição na educação de surdos de se pensar somente na linguagem todo o tempo precisa acabar. A escola deve se constituir não em função das línguas que permeiam a vida escolar dos surdos, mas para muito além disso, ou seja, cumprir com seu papel enquanto instituição educacional.

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Partindo das questões abordadas até o presente, quando se reflete sobre a língua que a criança surda usa, a LIBRAS, e o contexto escolar, imediatamente pensa-se em alfabetização.

O processo de alfabetização é essencialmente natural. As crianças passam pelos diferentes níveis desse processo mediante interação com a escrita construindo hipóteses e estabelecendo relações de significação que parecem ser comuns a todas as crianças.

Obviamente esse mesmo processo deve acontecer com as crianças surdas. Entretanto, as crianças surdas devem estabelecer visualmente relações de significação com a escrita. Assim sendo, toda a energia dos alfabetizadores de surdos é canalizada para a autonomia da escrita, mas nos níveis propostos por Ferreiro e Teberosky (1985), ou seja, níveis propostos com base em sistemas escritos alfabéticos. Interessantemente, tais níveis estão descritos como présilábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético (com suas respectivas subdivisões). Inquestionavelmente, esse trabalho representa um avanço nos estudos sobre a alfabetização. No caso específico da alfabetização de surdos, vários professores tentaram visualizar esse mesmo processo4[4] . Apesar de todos esses esforços parece haver um “buraco-negro” no processo de alfabetização de

4[4] São raros os registros dessas tentativas, alguns registros constam nos Anais do I Encontro de Alfabetizadores de Deficientes Auditivos - INES - MEC - Rio de Janeiro, (1989).

crianças surdas. Os professores fazem alguns relatos: “As crianças chegam em um determinado nível e trancam”, “As crianças não conseguem sair da representação da palavra”, “Não consigo fazer com que eles escrevam um texto”, “Eles conseguem escrever somente as palavras trabalhadas em aula”, e assim por diante.

Ferreiro & Teberosky (1985) usaram a nomenclatura mencionada acima para identificar o processo de alfabetização alfabético em que as crianças estabelecem relação de significação entre o que é dito e o que é escrito, embora haja autonomia da escrita. O nível silábico envolve a compreensão da criança de que as diferenças das representações escritas estão relacionadas com as diferenças nas representações sonoras. Sonoras que para os surdos devem ser visuais. Apela-se então para a leitura labial que, ocuparia o lugar das representações sonoras. No entanto, apresenta-se a seguinte constatação:

Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos (Duffy, 1987) constataram que, apesar do investimento de anos da vida de uma criança surda na sua oralização, ela somente é capaz de captar, através da leitura labial, cerca de 20% da mensagem e, além disso, sua produção oral, normalmente, não é compreendida por pessoas que não convivem com ela (pessoas que não estão habituadas a escutar a pessoa surda). (Quadros, 1997:23)

O primeiro problema que deve ser reconhecido é que a escrita alfabética da língua portuguesa no Brasil não serve para representar significação com conceitos elaborados na LIBRAS, uma língua visual espacial. Um grafema, uma sílaba, uma palavra escrita no português não apresenta nenhuma analogia com um fonema, uma sílaba e uma palavra na LIBRAS, mas sim com o português falado. A língua portuguesa não é a língua natural da criança surda. Já foi abordado no presente trabalho que a língua em que o processo de aquisição da linguagem ocorre naturalmente em crianças surdas brasileiras é a LIBRAS.

As línguas de sinais apresentam uma escrita que foi desenvolvida para representar formas e movimentos num espaço definido. No Brasil, esse sistema escrito está sendo aplicado a LIBRAS e usado por alguns surdos a partir de um projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido na PUCRS5[5] .

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Da mesma forma que há alguns anos, os estudos das línguas de sinais revolucionaram a visão quanto à aquisição da linguagem por crianças surdas, o reconhecimento de que as línguas de sinais não são línguas ágrafas transforma a visão do processo de alfabetização dessas crianças.

Todos os níveis do processo de alfabetização devem aparecer em crianças surdas alfabetizando-se mediante interação com a escrita da língua de sinais, ou seja, com grafemas, com sílabas e com palavras que representam diretamente a LIBRAS.

Para que seja melhor visualizada essa representação escrita da língua de sinais, será escrito um parágrafo em sinais com a tradução para o português logo a seguir.

5[5] Prof. Dr. Antônio Carlos Rocha da Costa - Instituto de Informática da PUCRS - junto com uma equipe que inclui surdos universitários e pesquisadores da área de informática, lingüística e educação, estão buscando divulgar a existência deste sistema e sua possível utilização como meio de registro da LIBRAS. Para uma visualização desse sistema ver na Internet: w.signwriting.org

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Há dois grupos, aqueles que aprendem a falar e aqueles que aprendem a língua de sinais. Esses últimos desenvolvem a habilidade espacial no cérebro de forma mais sofisticada do que o outro. A possibilidade de ter um desenvolvimento mais natural do espaço pode favorecer o processo educacional da criança surda. A escrita da língua de sinais é uma forma de aproveitar o potencial dos surdos. A representação da língua de sinais através da escrita permite um processo de aprendizagem da leitura e escrita natural. As crianças estabelecem relações diretas da língua de sinais para a escrita. Por que é tão complicada a alfabetização das crianças surdas? Até o presente, as crianças surdas só tiveram contato com a escrita do

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português. Essa forma escrita está relacionada com a língua oral auditiva e não com uma língua visual espacial.

Um estudo sobre o desenvolvimento da escrita em crianças israelenses pré-escolares (Tolchinsky & Levin, 1987) constatou que a produção escrita das crianças apresenta uma ordem que parece corresponder a uma seqüência evolutiva, válida para diferentes formas escritas e culturas. As autoras desse trabalho consideraram as análises de Ferreiro & Teberosky para chegar a essa conclusão. O sistema escrito do hebraico apresenta algumas características peculiares que o diferencia de sistemas alfabéticos. Tal sistema conecta unidades que aparecem em cadeias curtas (não mais que cinco unidades são usadas para formar uma palavra) e sua direção é da direita para a esquerda.

Da mesma forma que com o hebraico escrito, apresenta-se a hipótese de que o processo de alfabetização em crianças surdas através do sistema escrito da língua de sinais ocorre em uma seqüência evolutiva. A escrita da língua de sinais é formada por unidades que correspondem às configurações de mão, os movimentos e as expressões faciais gramaticais em diferentes pontos de articulação que formam palavras mediante algumas combinações. Apesar de ser um sistema escrito diferente e refletir um sistema lingüístico espacial, a seqüência evolutiva de sua aquisição deve ocorrer da mesma forma6[6] .

Um trabalho realizado por O‟Grady, vanHoek e Bellugi (1990) sobre a interseção entre a escrita, os sinais e o alfabeto manual verificou que a escrita das crianças surdas, por volta dos três anos, apresentava a forma do sinal

6[6] As pesquisas sobre o processo de alfabetização de crianças surdas sendo alfabetizadas na escrita da língua de sinais são urgentes para que se traga evidências desse processo e se ofereça subsídios para que isso seja reconhecido e executado em todo país.

correspondente na ASL. As respostas evidenciaram que crianças surdas conectam a língua escrita com sua língua nativa, a ASL. Fok, vanHoek, Klima & Bellugi (1991) apresentam um exemplo dessa relação com os sinais através da figura (1).

FIGURA 1: Representação escrita das crianças com base nos princípios da ASL

(Fok, vanHoek, Klima & Bellugi, 1991:140)

O sinal para PATO é o mesmo na LIBRAS. A representação escrita respectiva é a seguinte: (a) PATO

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As primeiras tentativas das crianças que adquiriram a ASL foi de representar através de símbolos as palavras na ASL. Ao observar-se o sistema escrito da ASL, percebe-se que há aspectos relacionados a ASL. Isso é claramente observado em (a) onde o sinal ao lado da produção escrita é semelhante a sua representação escrita (neste exemplo, há uma relação com a configuração da mão usada no sinal para PATO).

Outros exemplos de conexão entre os sinais e a representação escrita de crianças surdas estão diretamente relacionados com a configuração de mão usada nos sinais que são também letras do alfabeto manual. Fok, vanHoek, Klima & Bellugi observaram que as crianças explicavam que a palavra INDIAN iniciava com F porque o sinal para INDIAN na ASL usa a configuração de mão F (do alfabeto manual da ASL). É interessante observar que essas crianças não tiveram acesso ao sistema escrito da ASL.

Quando assessorava uma escola de surdos no interior do RS, tive a oportunidade de observar que uma criança representava a letra „r‟ usando o seguinte símbolo: (b) (b)

Essa criança está fazendo uma relação direta com a configuração de mão

R. A representação escrita dessa configuração na LIBRAS é a seguinte: (c)

Não somente no nível da palavra, mas também no nível da estrutura da língua acontece a relação entre a língua de sinais e a sua escrita. Fok, vanHoek, Klima & Bellugi observaram exemplos da produção escrita de crianças surdas chinesas que indicam a estruturação da língua de sinais chinesa. A figura (2a) apresenta a figura de uma „porta‟ e (2b) a figura de uma „menina abrindo uma porta‟. Uma criança surda escreveu corretamente a palavra „porta‟ no chinês, no entanto na segunda figura associou o radical para pessoa do chinês a palavra „porta‟, produzindo uma forma composta usada na língua de sinais. Na figura (3) aparecem alguns exemplos em que as crianças chinesas inventaram uma forma escrita para cada desenho apresentado. As representações escritas refletem os princípios de formação das palavras das línguas de sinais, por exemplo, uso da forma, tamanho e quantidade para formação da palavra.

“quatro” “quadrado” “forma” “quatro” “longo” “forma” “redondo” “forma” (Fok, vanHoek, Klima & Bellugi, 1991:141)

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A escrita da língua de sinais capta as relações que a criança estabelece naturalmente com a língua de sinais. Se as crianças tivessem acesso a essa forma escrita para construir suas hipóteses a respeito da escrita, a alfabetização seria uma conseqüência do processo.

Considera-se aqui que a alfabetização e a aquisição de uma segunda língua envolvam processos diferentes, principalmente quando se trata de línguas de modalidades diferentes. Qualquer estudo sobre a aquisição da leitura e escrita em uma L2 pressupõe que os alunos estejam alfabetizados na forma escrita da L1. Portanto, somente após as crianças surdas estarem alfabetizadas na escrita da LIBRAS, sugere-se iniciar a aquisição formal da língua portuguesa, nesse caso, a segunda língua das crianças.

AQUISIÇÃO DE L2 Até o momento a aquisição do português escrito por crianças surdas foi baseada no ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado naturalmente. Esse fato fica claro, quando se percebe que o que de fato ocorre é que a criança surda é colocada em contato com a escrita do português para ser alfabetizada em português. Várias tentativas de alfabetizar a criança surda através do português já foram realizadas, desde a utilização de métodos artificiais de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado7[7] .

Apesar de todas essas tentativas, evidencia-se o fracasso da aquisição do português por alunos surdos8[8] .

A partir dos vários estudos sobre o estatuto de diferentes línguas de sinais e seu processo de aquisição, muitos autores passaram a investigar o processo de aquisição por alunos surdos de uma língua escrita que representa a modalidade oral-auditiva (Andersson, 1994; Ahlgren, 1994; Ferreira-Brito, 1993; Berent, 1996; Quadros, 1997; entre outros). A aquisição do sueco, do inglês, do espanhol, do português por alunos surdos é analisada como a aquisição de uma segunda língua. Esses educadores e pesquisadores pressupõem a aquisição da língua de sinais como aquisição da L1 e propõem a aquisição da escrita da língua oral-auditiva como aquisição de uma L2.

Desconhecendo ou ignorando a representação escrita das línguas de sinais, os precursores

dessa discussão acenaram a possibilidade de alfabetizar surdos na escrita da língua oral-

auditiva considerando tal sistema suficientemente autônomo para tornar possível a

alfabetização visual (Ferreira-Brito, 1993). No Brasil, os métodos artificiais de estruturação de

linguagem mais difundidos são a Chave de Fitzgerald e o de Perdoncini. Português sinalizado é

um sistema artificial adotado por escolas especiais para surdos. Tal sistema toma sinais da

LIBRAS e joga-os na estrutura do português. Há vários problemas com esse sistema no

processo educacional de surdos, pois além de desconsiderar a complexidade lingüística da

LIBRAS, é utilizado como um meio de ensino do português. Para mais detalhes ver Quadros

(1997). 8[8] Para mais detalhes sobre a produção escrita do português de alunos surdos ver

Fernandes (1990) e Göes (1996).

entanto, observa-se que esse processo não está acontecendo naturalmente. Alfabetizadores percebem que quando a criança surda atinge o nível silábico de sua produção escrita, ela se apóia na leitura labial da palavra. Esse processo acontece até a criança precisar passar do nível da palavra para o nível textual, nível em que os problemas com o português escrito permanecem tendo em vista a limitação da leitura labial. Fato esse constado por Nobre (1996): os alunos surdos não apresentam maiores problemas ortográficos. Parece que a criança surda não ultrapassa a interface do léxico com a sintaxe no português, isto é, do nível da palavra para o nível da estrutura dessa língua.

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O processo de aquisição de L2 pressupõe a natureza da faculdade humana para a linguagem. As pesquisas de Berent (1996) apresentam alguns mecanismos de aquisição do inglês que são acionados por alunos surdos no seu processo de aprendizagem. Tais mecanismos refletem os princípios da Gramática Universal (Chomsky, 1995). Partindo disso, ao se pensar especificamente sobre a aquisição da L2 por alunos surdos apresentam-se alguns aspectos fundamentais: (a) o processamento cognitivo espacial especializado dos surdos; (b) o potencial das relações visuais estabelecidas pelos surdos; (c) a possibilidade de transferência da LIBRAS para o português; (d) as diferenças nas modalidades das línguas no processo educacional; (e) as diferenças dos papéis sociais e acadêmicos cumpridos por cada língua, (f) as diferenças entre as relações que a comunidade surda estabelece com a escrita tendo em vista sua cultura; (g) um sistema de escrita alfabética diferente do sistema de escrita das línguas de sinais; e (h) a existência do alfabeto manual que representa uma relação visual com as letras usadas na escrita do português.

Além desses aspectos, os estudos sobre a aquisição de L2 apresentam questões externas que devem ser consideradas, pois podem determinar o processo de ensino de línguas, são elas: o ambiente, o tipo de interação (input, output e feedback), a idade, as estratégias e estilos de aprendizagem, os fatores emocionais, os fatores sociais e o interesse (motivação) dos alunos.

O ambiente do ensino da língua portuguesa - L2 - para surdos, por envolver o ambiente escolar e o ensino de língua, caracteriza um ambiente não natural de língua. Pensando na realidade dos surdos brasileiros, poder-se-ia supor que o ambiente fosse caracterizado como natural, pois quase todas as pessoas com quem eles convivem usam a língua portuguesa, isto é, os surdos estão “imersos” no ambiente em que a língua é “falada”. No entanto, a condição física das pessoas surdas não lhes permite o acesso à língua portuguesa de forma natural. Na verdade, nestes casos não há “imersão”, no sentido em que o termo é empregado nas propostas de aquisição de L2 com base no enfoque natural (programas de imersão). Portanto, o ambiente de aquisição/ aprendizagem da L2 para os surdos é não natural9[9] .

Quanto ao tipo de interação, oferecer ao aluno surdo um input qualitativamente compreensível, autêntico e diversificado do português é um desafio para os professores. Um input compreensível, mas ao mesmo tempo complexo o suficiente para desafiar o aluno a desenvolver seu processo de aquisição, exige que discussões prévias sobre o assunto abordado em língua de sinais sejam promovidas. Além de ser compreensível, o input deve ser autêntico e diversificado, ou seja, os alunos precisam estar diante de verdadeiros textos (muitos profissionais simplificam textos tornando-os não autênticos) e com tipologia diferenciadas.

A ordem natural de aquisição deve ser um dos critérios a ser observados ao ser oferecido o input ao aluno. Como a aquisição de L2 também reflete a capacidade para linguagem específica do ser humano, há uma certa ordem no seu processo de aquisição. Outro aspecto abordado sobre o input é a quantidade em que ele é oferecido ao aluno. Considerando que o input da L2 é basicamente visual para os surdos, é imprescindível ampliar o tempo depreendido para o contato com a L2. O aluno deve ter oportunidade de interagir com o português escrito de várias formas e em todos os momentos em que for propício. Os textos, as palavras, as estórias escritas em português devem ser oferecidas visualmente desde o princípio da escolarização, mesmo não sendo alvo da alfabetização. Assim, a criança tem um input natural do português escrito.

9[9] Aquisição/aprendizagem está relacionado com o equilíbrio entre conhecimento implícito e explícito no processo de ensino de línguas (para mais detalhes ver Ellis, 1993; Quadros, 1997).

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Ainda quanto ao tipo de interação, o professor deve estar atento às oportunidades que o aluno dispõe para expressar sua L2 (output). No caso específico de alunos surdos, oportunizar a eles a expressão escrita é fundamental para que o aluno avalie o seu desenvolvimento e o professor interfira no processo de aquisição através de meios cabíveis (análise de “erros”, análise da interferência da LIBRAS, análise da estrutura do português). Ao analisar as produções de alunos surdos, parece ser possível inferir que o processo de alfabetização das pessoas surdas independe do processo de ensino do português. O output (produção) escrito dos alunos expressa idéias que apresentam uma relação direta com a LIBRAS. O processo de ensino do português ocorrerá em uma etapa seguinte. A intervenção do professor representa o feedback para o aluno surdo possibilitando a reflexão sobre as hipóteses que criou na sua produção (output).

A idade dos alunos vai implicar o uso de procedimentos diferentes no processo de ensino de L2. As crianças precisam de atividades que atendam aos seus interesses imediatos de forma mais natural possível. A língua escrita, por si só, apresenta características que se distanciam de relações comunicativas imediatas. Cabe aos profissionais tornarem esse processo interessante à criança inserindo-o em uma prática social. Normalmente, o ensino de L2 para crianças enfatiza a aquisição do vocabulário e a compreensão da L2. Os adultos, diferentemente das crianças, apresentam-se motivados conscientemente para o processo de aquisição da L2, assim se dispõem a falsear ambientes naturais de língua. Já com as crianças, o processo exige do professor habilidade para tornar a aquisição o mais autêntica possível e para criar motivação suficiente para despertar o interesse do aluno.

Quanto aos estilos e às estratégias de aprendizagem (Nunan, 1991; Ellis, 1993), sugere-se que o professor faça o levantamento das tendências e das preferências dos alunos. As classes de crianças surdas normalmente são formadas por grupos em número reduzido (5 a 10 alunos); dessa forma, torna-se possível traçar um perfil. Conhecer os estilos e estratégias de cada aluno certamente repercutirá na qualidade da intervenção do professor no processo de ensino de L2.

Os fatores afetivos podem influenciar no desenvolvimento do aluno diante da L2. As crianças, por estarem formando sua auto-imagem, podem se sentir inibidas e os adultos, por serem críticos, podem bloquear o processo. Com os alunos surdos não é diferente; entretanto, além desses fatores, há outros que podem dificultar ainda mais a aquisição de L2. As crianças surdas podem estar sofrendo toda a pressão emocional familiar em função da surdez e os adultos podem manifestar resistências em relação a L2 decorrentes de constantes fracassos e frustrações gerados por um ensino inadequado. Os profissionais devem atentar a essas questões e procurar resolvê-las, pois estas afetam o processo. Tendo em vista a relação afetiva entre os pais e a criança, o trabalho com os pais, paralelo e conjuntamente com as atividades das crianças, deve fazer parte dos programas escolares. Já o trabalho com os adultos envolve um processo mais consciente; desta forma, os alunos e os profissionais devem refletir sobre o passado escolar para que se reavalie o processo e se construa uma nova caminhada em termos educacionais.

Quanto aos aspectos culturais que envolvem o processo de ensino de L2, sugere-se que o profissional os explicite para o aluno surdo. Tais aspectos, que subjazem o texto, interferem no seu significado e passam desapercebidos pelo aluno de L2. A reflexão sobre as culturas em que os sistemas lingüísticos estão imersos contribui para a conscientização das diferenças que se refletem, muitas vezes, em idiossincrasias do léxico.

Para finalizar, torna-se relevante alertar aos profissionais que o processo de aquisição/aprendizagem do português por surdos deve estar inserido em uma proposta educacional mais abrangente. Quanto ao espaço atribuído ao ensino do português, a escola deve se preocupar em ter profissionais altamente especializados no ensino de L2. Esse profissional deve conhecer os mecanismos de aquisição da linguagem para compreender as

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hipóteses dos alunos quanto ao português - sua L2 - para, a partir disso, interferir no processo de forma adequada. Vale destacar que qualquer processo educacional se concretiza mediante a interação efetiva do professor com o aluno. Se o professor não se comunicar com o seu aluno utilizando a língua de sinais, o processo estará completamente comprometido. Uma proposta educacional para surdos deve ser reconstruída permanentemente para que venha atender aos interesses dos alunos e extrapolar a questão das línguas.

1. 1 a aquisição da linguagem que deve ser garantida através de uma língua 2. 2 a alfabetização que deve acontecer naturalmente através da escrita das 3. 3 a aquisição/aprendizagem do português que envolve um processo de Neste artigo, objetivou-se diferenciar três processos relacionados com as línguas no contexto educacional dos surdos: espaço-visual, isto é, uma língua de sinais (no caso do Brasil, a LIBRAS); línguas de sinais; aquisição de L2.

Tais processos apresentam uma questão em comum: a faculdade da linguagem. No entanto, cada processo é, de certa forma, independente um do outro. A aquisição da linguagem é essencial ao ser humano, portanto as crianças surdas precisam entrar em contato com uma língua espacial-visual para ter garantida essa essência da linguagem. Quanto a alfabetização, parece que as crianças surdas alfabetizam-se naturalmente quando em contato com o sistema escrito das línguas de sinais. Por outro lado, o processo de aquisição/aprendizagem do português não é essencial, mas é necessário na sociedade brasileira; assim sendo, os alunos surdos precisam adquirir o português escrito.

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Histórias de vida surda: Identidades em questão

Gladis Perlin Professora e Investigadora

Resumo

Desde que surgiram os estudos culturais, a identidade surda tem sido reespacializada e reinvestida em novas formas. Não é mais a visão do indivíduo surdo sob o ponto de vista do corpo, da normalidade. É o sujeito surdo do ponto de vista da identidade. A identidade não é em uma visão que “universaliza” o sujeito. E trata o sujeito na alteridade e na diferença representável dentro da história e da política. Diante desta possibilidade, a pesquisa foi feita no sentido de se olhar as histórias de vida de surdos, questioná-las, perceber e refletir sobre suas resistências e chegar à política da identidade surda. Talvez eu não tenha conseguido perceber, neste trabalho, todas as nuanças que estão implicadas na temática da identidade surda e comunidade, mas as identidades surdas representadas estão aí para que questionem as pesquisas ainda pouco realizadas dentro da perspectiva dos estudos surdos.

Apresentação

Ao iniciar a apresentação deste trabalho, penso ser importante contar um pouco de minha história de vida, declarar minha identidade e dizer que foi através de minhas vivências como surda, mulher, gaúcha, que cheguei até um curso de pósgraduação e, mais especificamente, a interessar-me em investigar as identidades surdas 1 sob a perspectiva dos estudos surdos.

Saliento que este trabalho representa um longo e sofrido processo pessoal de construção e desconstrução de valores, conceitos, visões de mundo, cultura, língua, etc. Toda a reflexão aqui contida, foi o resultado de leituras novas, que me fizeram pensar o sujeito surdo relacionado com referenciais móveis constituídos pelos discursos. As relações que tento fazer nesta pesquisa transitam por muitos aspectos, tais como: as subjetividades, as identidades culturais, as relações desiguais de poderes que se interpelam e se narram cotidianamente.

O compromisso que tenho com a comunidade que pertenço, assim como com a academia, exige de mim uma postura transparente. Devido a este fato é que peço, aos interessados neste trabalho, que o leiam não na busca de verdades e de soluções de problemas sociais e culturais, mas como um discurso datado e localizado no tempo, na história e na cultura surda. Também, quero aproveitar o momento para dizer que o texto presente não deve ser lido a partir de exigências gramaticais muito rígidas mas, sim, respeitando o meu esforço, sem ter escolha, em tentar escrever uma dissertação dentro de uma língua que não me pertence. Sou surda, minha língua é a de sinais, meus pensamentos não correspondem à lógica do português falado e escrito.

Minha surdez não é nativa. O encontro com a mesma se deveu a uma meningite na infância. A minha vida de surda propriamente se passou em grande parte entre os ouvintes, poucas vezes com os surdos. Atualmente procurei um lugar para viver entre os surdos como muitos de nós fazemos. Mesmo assim, como sempre, existem e continuam a existir situações de convívio com ouvintes. O que tem de ruim nisso é que os ouvintes falam e a comunicação visual, na paisagem de seus lábios, é quase sempre mínima. A comunicação existente entre as pessoas ouvintes me deixa assustada. É difícil compreender o que transmite seu pensamento através de lábios que se movimentam com uma rapidez, terrivelmente louca. Observo os lábios com atenção e consigo entender algumas idéias, mas, na maioria das vezes, desanimo pelo cansaço e pela chateação que me invade por não conseguir ter uma noção correta das

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mensagens dadas. Aí vem de novo o sinal de sensação da eminente exclusão na comunicação com os ouvintes. Não há saídas a não ser quando se tem um intérprete perto.

Os interpretes de língua de sinais representam para os surdos a possibilidade de comunicação com a língua auditiva, de dizer nosso pensamento aos ouvintes que não nos conhecem, de contar histórias, de negociar com sujeitos que nem sempre ousam se aproximar temendo a dificuldade na comunicação. O intérprete também conhece a fundo a pessoa surda, as crenças e práticas de sua cultura, e da comunidade, conforme o testemunho da atriz surda Laborit (1994, p. 194): “tenho minha intérprete, Dominique Hoff, aquela de sempre, aquela que me conhece de cor e salteado, que adivinha pelo primeiro sinal o que vou dizer”. Nada como um intérprete assim, quando a tradução resignifica corretamente o discurso e ela assume. a novidade de sentido. Mas, nem todos os ouvintes interpretam da mesma forma, alguns consideram o surdo uma minoria excluída a quem é preciso reduzir, transformar o significado das mensagens; outros há que não entendem a mensagem e interpretam, erradamente, a seu jeito.

Como a, a vida é melhor entre sujeitos surdos, eu queria ampliar minha visão sobre esses parâmetros. Há muitas situações da vida onde é necessário dizer uma ou muitas palavras a respeito do ser surdo. A idéia de fazer mestrado parecia o início. Na preparação para a prova de seleção foi rápida, mas providencial. Era preciso pedir um intérprete para o momento; depois, pedir para que, na correção da prova, a escrita do surdo fosse aceita. Para mim foi uma vitória muito grande quando isso tudo se tornou possível. Como disse, no mestrado, as aspirações de minha busca eram pela pesquisa que levaria ao sujeito surdo dentro de uma visão cultural.

O encontro com o programa de pós-graduação oferecia uma linha de pesquisa que não vinha ao encontro de minhas expectativas como aprendiz de pesquisadora, pois esta via o surdo sob a ótica clínica. A forma como a abordagem da pesquisa se desenvolvia não me atraia. Era algo que batia de novo naquilo que me faria viver na eterna exclusão. Eu lutava por sobreviver na diferença. Não podia admitir uma visão clínica do surdo, o surdo como deficiente. Percebia-se com os colegas que não havia contentamento em se persistir numa pesquisa onde o espaço da consciência social do surdo não tinha cabimento. Muitas vezes, implicações e conflitos aconteciam com os professores e com alguns colegas que não conheciam mais a fundo aspectos culturais implicados na vida do surdo. Doía que a pessoa surda não era vista como um sujeito. Incomodava-me a forma como contavam o surdo. Era necessário fazer uma virada, era necessário fazer acontecer uma mudança.

Um dos fatos que marcou minha trajetória dentro da pós-graduação, foi quando uma das professoras, de uma disciplina feita por mim, que não “conhecia” os surdos, iniciou um trabalho, via internet, com a finalidade de melhor se comunicar comigo. Penso que a sua visão a respeito do surdo mudou depois de iniciar-se este nosso contato. Ela, bem como os meus colegas de disciplina, através das trocas de diálogos virtuais, fundamentados principalmente em Piaget e Bakhtin, começaram a ver a importância da constituição cultural para o surdo.

A vinda do professor visitante argentino Carlos Skliar foi providencial para a mudança. Sua presença possibilitou uma orientação para um adentramento no programa dos estudos culturais da surdez. Isso trouxe uma visão diferenciada para contrapor à visão clínica da surdez, presente no meio acadêmico. Assim, foi acontecendo a mudança.

Como usuária da língua de sinais 2, para mim, o direito a intérprete particular foi a outra nova mudança. Podia finalmente acompanhar as aulas e expor minhas idéias, no curso de pós-graduação, sem depender das colegas mestrandas que trabalham na mesma linha teórica dos estudos surdos. Através do intérprete fiquei surpresa com a variedade e profundidade dos temas discutidos na academia, aos quais até então, não tinha acesso. Foi a partir dessa conquista que pude escolher a abordagem teórica com que melhor me identifiquei para trabalhar no mestrado.

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Muitos temas fascinantes surgiram através do contato com o professor Skliar e com o grupo dedicado a investigar os estudos surdos. Tão intensa foi a procura de novos caminhos que o grupo organizou o Núcleo de Pesquisas em Políticas Educacionais para Surdos - NUPPES. Temas como: identidade, comunidade, cultura, história e arte são discutidas e pensadas.

De minha parte, como integrante da equipe da linha de pesquisa em Políticas Educacionais para Surdos, reconheço que enfrento a concepção radical das epistemologias norteadoras da produção do conhecimento. Sou constituidora de uma outra língua que não é a dos ouvintes e a minha produção é constituída de signos visuais e não auditivos. Para mim, a produção de sentido acerca dos significantes se dá na cultura visual.

Por ser surda, sinto que geralmente necessito de uma reflexão cultural que considere implicações que a perspectiva crítica tem a oferecer para repensar as identidades culturais, entre elas incluo as identidades surdas em transformação. Reconheço a dificuldade de encontrar uma linguagem apropriada para transpor o que quero dizer epistemologicamente, e mesmo o que os surdos querem dizer, fugindo de uma retórica ouvintista 3.

Reconheço que estou influenciada pela discussão cultural da surdez, onde os movimentos sociais são sempre questionados, repensados, construídos e desconstruídos. Nesse aspecto assumo a subversão da ordem na busca do direito a mudanças dos contextos onde a cultura surda se manifesta.

Ao longo do trabalho busco mostrar como a minha vida está implicada na minha escolha de pesquisa. Ao fazer o recorte temático e teórico da pesquisa, busco refletir sobre as identidades dos sujeitos surdos que vivem em comunidade. Aqui o ponto central do problema é o sujeito surdo atuando na história, a sua identidade e a sua trajetória no mundo hoje.

Minha leitura das identidades surdas enfoca a necessidade de acompanhar na história o trauma que seguiu o surdo, bem como os seus testemunhos, e, aí, pensar as formas e forças de identificação. As questões de pesquisa foram surgindo durante o contato com os surdos e na leitura da teoria. Tracei também objetivo da pesquisa no tempo que tentava olhar as identidades. Os sujeitos surdos com os quais tenho contato no dia-a-dia estão presentes na minha pesquisa, e, igualmente, entra sua pertença à comunidade surda.

1. Introdução

1.1 A Pesquisa

A idéia de fazer essa pesquisa foi tomando corpo no período em que me detive acerca dos estudos culturais. Fortaleceu-se com a constante necessidade da comunidade surda em afirmar as identidades. Houve muitos momentos em que fui convidada a falar sobre a vida do surdo. Pouco tinha a dizer.

Nas investigações já realizadas a respeito do surdo, fica claro que há um distanciamento entre as abordagens. Algumas focalizam o surdo do ponto de vista da audiologia e outras sob o ponto de vista da lingüística. Poucas se referem ao surdo na sua totalidade cultural. São abordagens epistemológicas radicalmente diferentes.

A esse respeito, entre os temas surgidos no aprofundamento nos estudos culturais, surge uma fragmentação que produz significados marcantes contra a secular jornada de estigmatização da surdez, incansavelmente propagada pela audiologia, e contrária à alteridade surda. As rápidas e profundas mudanças culturais, sociais, econômicas e políticas em que nos achamos mergulhados requerem, também, um olhar sobre o surdo. É preciso desconfiar das bases que contém as promessas e esperanças nas quais nos ensinaram a acreditar. É preciso sair dessas bases para examiná-las e criticá-las.

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Animava-me a escolha de um tema que aproximasse o ser do surdo, o surdo como sujeito, sem cair na armadilha da medicalização. A descoberta do surdo como sujeito levou-me a pensar em tomar as identidades surdas como ponto de partida para a investigação.

A reflexão que assumo sobre as “identidades surdas” visa, antes de tudo, discutir o que as constitui e problematiza em diferença às demais identidades.

O propósito foi explorar um conjunto de experiências pessoais vividas pelos surdos e interpretá-las no esforço arqueológico para discutir, qualificar, aclarar suas implicações e conseqüências, e proporcionar esperanças à tensão atual das identidades surdas.

Para atingir meus propósitos procurei organizar a reflexão em formas de perguntas guias. Algumas das perguntas que fiz durante a pesquisa foram:

Existe uma identidade surda? Que é ser sujeito surdo? Como se constituem as identidades culturais dos surdos? Quais são os fatores que colaboram com o surgimento de múltiplas identidades surdas? Como se constituem as identidades surdas dentro da comunidade surda e como elas se organizam em

relações de poder? Qual o discurso ouvintista sobre os sujeitos surdos na história?

Estas perguntas são uma amostra inicial de uma série de questionamentos que surgiram no decorrer deste trabalho. Muitas delas encontram-se sem caminhos, pois não quero comprometer-me em apontar verdades absolutas que não possam ser questionadas por outras visões.

Nem tudo é história, mas existem possibilidades de história nas experiências dos surdos. As possibilidades que percebi procuro trazer para o texto de uma forma ilustrativa. Com isso, quero dizer que não discuto os dados da pesquisa em um capítulo separado, pois penso que se o fizesse estaria indo de encontro à perspectiva teórica que utilizo. As associações que faço não acontecem separadas do contexto, mas ocorrem simultaneamente nas minhas leituras e construções sobre meu problema de pesquisa.

Passo, agora, a falar das divisões que fiz, na ânsia de organizar minha conturbada trajetória de pesquisadora surda, produzindo esta dissertação.

No Capítulo I escrevi uma exposição teórica como suporte e base para todos os outros capítulos. Minha leitura das identidades surdas sugere que o ponto de observação do sujeito surdo com corpo mutilado deve mudar de lugar para encarar o aspecto cultural. É importante a orientação teórica efetuada através das leituras onde estudo e relaciono a identidade: Stuart Hall (1997) e McLaren (1997), Bhabha (1994); bem como a concepção do poder em Foucault (1995).

O Capítulo II nota que um resgate da história é importante porque dentro de uma pesquisa nos estudos culturais a história aponta diferentes discursos sobre os sujeitos. A importância de resgatar a história do surdo, está em marcar as diferentes interpretações feitas do surdo em diferentes épocas e lugares. A respeito disso resgato Fischer (1996, p.55) quando diz:

Foucault é quase teimoso na sua afirmação e reafirmação de que os discursos são históricos, não só porque se constroem num certo tempo e lugar, mas porque têm uma positividade concreta, investem-se em práticas, em instituições, em um número infindável de técnicas e procedimentos que, em última análise, agem nos grupos sociais, nos indivíduos, sobretudo nos corpos.

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A história está aí. Ela permite um olhar sobre sujeitos e movimentos de forma nova. Isso pode acontecer se os “óculos” 4 que escolhi realmente me ajudam a ver.

Entre os autores, uso Hall (1997) para elucidar a teoria dos descentramentos do sujeito surdo; uso Skliar (1997), Widell (1992), Quadros (1997) e Souza (1998), para apropriar de uns respingos e dar uma pequena visão do surdo na história.

No capítulo III me interesso por questões como identidade, diferença, ouvintismo, movimento, resistência, o ser surdo existente na comunidade surda. Cito alguns autores entre os quais destaco Hall (1997), McLaren (1997), Foucault (1995), Skliar (1997) e Quadros (1997). Todos os olhares maravilhosos que eles realizam me servem como enredo para a identidade. De qualquer forma é melhor estudar a identidade num contexto de movimento ou dentro de uma política de identidade.

Assim, o que está em questão são os estudos surdos que surgem. Identidade é apenas um início da questão desses estudos. Penso apenas que, em relação aos estudos surdos, fiz mais perguntas do que afirmações, neste campo marcadamente político.

1.2 O Método

A emergência dos grupos cultural de nosso tempo requer que o olhar sobre o sujeito surdo seja feito de forma a confiar e desconfiar dos depoimentos que nos legou a história. Vejo que é preciso, antes de tudo, sair dessas bases históricas, olhar a história e o cotidiano dos surdos, examiná-las e, a partir daí, exercer uma metodologia crítica.

O contexto, assim delineado, não requer uma pesquisa quantitativa, mas sim qualitativa, descritiva e crítica.

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos aleatoriamente. Eles são sujeitos da comunidade surda. Não escolhi de forma que eles se enquadrassem em categorias. São os sujeitos surdos atuais: estudantes, desempregados, trabalhadores, profissionais, surdos sem escolarização... Alguns são sujeitos surdos que militam pela sua causa, outros vivem na passividade de suas vidas. Não importa isso, importa o sujeito surdo na sua totalidade, no seu conceber do “ser surdo”. O encontro com o surdo se dava ao acaso. Eu os encontrava ou vinham à minha casa e os convidava para um momento descontraído em que pudessem se sentir à vontade para falar sobre como se sentiam.

Na pesquisa sobre as identidades, não conversei com os surdos a partir de um questionário pré-elaborado. Tudo girou em torno do deixar o surdo falar a respeito de sua história surda. Entram somente algumas perguntas, que surgiram informalmente, conforme o andamento das colocações das experiências surdas, no sentido de auxiliar a elucidação da história que ia sendo contada em sinais pelos surdos.

As entrevistas e os depoimentos dos surdos filmados foram em língua de sinais. Muitas delas ficaram extensas, pois várias histórias surgiam no decorrer da conversa descontraída. Todo o conteúdo transcrito foi feito de forma a não alterar os depoimentos, porém confesso que tive dificuldade para traduzir para a língua escrita, muitos dos sinais cuja transcrição somente pode ser feita de forma aproximada.

1.3 O Cenário

Para organizar a investigação dos aspectos da identidade dos surdos, optei pela comunidade de Porto Alegre presente em diferentes locais: Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos 5,

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Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul 6, e as diversas Escolas. Todos os surdos entrevistados conhecem as práticas da comunidade surda e seu movimento.

O cenário composto pelos ouvintes, igualmente, entrou na pesquisa, sendo citado nos depoimentos dos surdos. O cenário ouvinte é bem amplo, possui características próprias que descrevo durante os diversos capítulos.

A comunidade está atravessando uma fase de mudanças. Na falta de uma força, de um local para despertar a política participativa dos surdos foi surgindo o organismo regional da FENEIS. O movimento, atualmente participa, na luta pelos direitos humanos e se refere a quatro grandes temas que envolvem a vida surda: cultura, educação, trabalho e desenvolvimento urbano. Já em seu terceiro ano de experiência, a FENEIS está emergindo como força representativa do movimento surdo.

As muitas festas dos sujeitos surdos acontecem na casa dos surdos. Esta é uma tradição, a casa dos surdos é o lugar onde todos nos sentimos bem por estarmos longe do poder ouvinte. O local onde se desenvolveram as entrevistas sobre identidade surda foi a minha casa e não poderia ser outro. Como se trata de uma pesquisa que é feita entre um reduzido grupo de pessoas, achei bom não mencionar características particulares dos entrevistados. Todos eles são designados por letras, sem ser a inicial do nome, salvando a privacidade pedida por alguns dos surdos entrevistados.

2. Capítulo I O tema da identidade

Quando me lancei na tarefa de escrever este capítulo pensei nas razões que me levaram a focalizar o tema da identidade. Saliento minha tentativa de ver como a identidade se apresenta e como acontece a sua vinculação com o sujeito, numa tensão onde interferem o ambiente e o poder.

A existência de representações da identidade hegemônica (ouvinte) sempre se faz presente e interfere no diferente. Neste sentido, diante da representação dominantemente presente da identidade ouvinte, a identidade surda é levada a ser vista como uma identidade subalterna.

Em uma concepção de alteridade, o surdo não é visto de forma subalterna, mas como um sujeito político que se constitui a partir das representações sobre a sua diferença.

A identidade surda precisa, no entanto, ser procurada na diferença, para além de um conceito redutor, o da subordinação. Precisa, por exemplo, ser procurada numa concepção de diferença e de resistência.

1.1 Emergência do termo

O sujeito se constrói quando estabelece contatos com o meio e vive situação diferenciada de representação. Os discursos que constituem as representações definem poderes desiguais que ocupam diferentes espaços e controles dentro de grupos. Michel Foucault (1990) reflete sobre as relações de poder que ocupam lugares diferenciados. Vejo a situação dos surdos, a partir do que me permito pensar, nesta perspectiva.

Os surdos possuem identidade surda. Porém se apresenta de formas diferenciadas, pois está vinculada à linguagem. A linguagem não é um referente fixo, pois é construída a cada interpelação feita entre sujeitos. Seus sentidos variam de acordo com o tempo, os grupos culturais, o espaço geográfico, o momento histórico, os sujeitos, etc. Silva (1994, p. 249) diz: “a linguagem é encarada como um movimento em constante fluxo, sempre indefinida, não conseguindo nunca capturar de forma definitiva qualquer significado que a precederia e ao qual estaria inequivocadamente amarrada”.

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Não tendo uma base fixa de referência para explicar a identidade, parto do princípio de que é possível ver a comunidade surda de uma forma plural, onde as identidades que surgem no grupo são negociadas entre seus membros e com a história que cada um deles possui.

A constituição da identidade dependerá, entre outras coisas, de como o sujeito é interpelado pelo meio em que vive. Um surdo que vive junto a ouvintes que consideram a surdez uma deficiência que deve ser tratada pode constituir uma identidade referendada nesta ótica. Mas um surdo que vive dentro de sua comunidade possui outras narrativas para contar a sua diferença e constituir sua identidade. A identidade nos meios culturais sempre foi afetada por um ou outro poder de controle em tempos e espaços determinados.

Hall (1997) distingue três concepções muito diferentes sobre a identidade. Tais concepções merecem ser trazidas para este texto antes de eu entrar, mais especificamente, com a minha reflexão. As três concepções são: sujeito do iluminismo, sujeito sociológico, sujeito pós-moderno. O sujeito do iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou “ idêntico” a ele - ao longo da existência do indivíduo.

O mesmo autor ainda acrescenta que “o sujeito do iluminismo era usualmente descrito como masculino”. Nessa concepção, a representação da identidade do sujeito no iluminismo - como tão bem retratam as artes desse período - o reportavam a ser o sujeito imponente e masculino, portador de poderes, senhor, normal, capacitado, culto... Não havia lugar a o sujeito dito selvagem, para construir sua identidade, a não ser que ele o fizesse dentro do padrão de representação da cultura dominante. Isso deixa claro, igualmente, que no iluminismo não havia lugar para o sujeito plural e cultural, visto que as identidades se moldavam dentro de uma representação única.

Uma outra concepção de identidade em Hall (1997, p.11) é a do sujeito sociológico.

A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - a cultura - dos mundos que ele/ela habitava.

A concepção do sujeito sociológico descrita por Hall demonstra sem dúvida, uma visão um pouco mais ampla sobre a importância do social para a formação do indivíduo. Apesar de admitir a influência do social na vida e construção do sujeito, esta concepção não abandona a idéia de essência. O indivíduo possui uma essência, seu “Eu” que pode ser modificado, lapidado pelo mundo exterior. Nesta, muitas justificativas são estabelecidas quando a sociedade se depara com as diferenças crescentes. Por exemplo, a exclusão dos surdos do mercado de trabalho, poderia ser explicada da seguinte forma: o surdo não foi suficientemente estimulado pelo meio em que vive para conseguir disputar o mercado de trabalho. Este é apenas um exemplo, que posso mencionar, entre diversos outros que se utilizam da influência do social na formação do indivíduo. Segue o depoimento feito por uma pessoa surda de 26 anos, com II grau, que reflete esta concepção do sujeito.

Não sei como me descobri surda. Acho que ser surda é uma conseqüência normal que somente se descobre a diferença com o tempo. Eu sentia o silêncio do ser surda. Creio que aconteceu por acaso.

Negavam-me os contatos com LIBRAS, eu e minha irmã também surda fomos oralizadas. Tínhamos pouquíssimos sinais, nos comunicávamos através de mímica. Era uma comunicação pobre. Sentia que

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eu e minha irmã falávamos com os ouvintes e não éramos entendidas.

Atualmente sinto raiva quando não entendo e não sou entendida. Acostumeime a ser surda. Meu sonho é ser ouvinte, o que gostaria muito. Me sinto com crises de nervosismo e tensão por ser surda. Isso me deixa desnorteada, revoltada pela situação. Sonho sempre em ser ouvinte. Sinto-me triste por não poder ir mais longe. Sinto que estou numa loucura para poder ser ouvinte.

Gostaria de ouvir música, tenho vontade de comunicar-me pelo telefone.

Sinto que poucos me aceitam como surda. Quando estou com ouvintes não agüento. Eles começam a falar entre si e eu tomo uma atitude qualquer, ou peço licença para ir fazer outra coisa.

P. Em tua família acontece a pressão para falar como o ouvinte? Sim. Chamei de Popi meu cachorro. O nome dele é Bobi. Minha mãe insistiu em corrigir-me até que eu conseguisse pronunciar bem o nome. “Fale certo, por favor” é a frase que tenho de ver sempre em seus lábios. Apesar de minha idade, ela diz que eu tenho necessidade de aprender muitos fonemas. Quando minha irmã se formar vai me ensinar a oralizar certo (F.).

A representação da identidade neste caso está presente no modelo de identidade sócio cultural hegemônico: o modelo ouvinte. A mãe e a irmã dessa pessoa surda são “normais”, representam o modelo presente e buscam impô-lo a filha e irmã. O modelo sociológico de identidade, em minhas interpretações também fundamentado em uma vertente iluminista, sugere que são importantes os estímulos externos para o desenvolvimento da identidade ouvinte no surdo. Claro que o desenvolvimento concebido para o surdo, neste caso, passa pelo referencial do domínio da fala e de estímulos sonoros da audição - as duas irmãs usam aparelho de audição desde pequenas -. Este é um exemplo onde o modelo de identidade usa o aprendizado oral para o surdo. O modelo sociológico se mistura ao modelo oralista onde sobressai o ouvintismo. Muitos ouvintes acreditam no desenvolvimento do surdo somente se este estiver rodeado de estímulos de fala e sonoros.

A terceira concepção de identidade colocada por Hall (1997, p.13) refere-se a:

O sujeito pós-moderno é conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.

A partir da interpretação que faço de Hall (1997), é possível a exploração das identidades do sujeito surdo. É possível conceber uma visão situacional do sujeito surdo. Para uma concepção do sujeito surdo como portador de identidades culturais, preciso vê-los dentro da diferença. Está na diferença, na maleabilidade das representações, as possibilidades da construção e desconstrução das identidades surdas.

Sou simpática à idéia de Stuart Hall (1997) de que as identidades são descentradas e que poucas persistem nos termos de centralização. A concepção de descentramento alude ao fato de que o iluminismo traçou um modelo de pessoa perfeita que deveria ser almejado por todos. Concebo que a tradição iluminista continua viva e que os traços do pós-estruturalismo bombardeiam diariamente todos os redutos do iluminismo, constituindo um novo quadro para as identidades, descentrando-as.

Trata-se de dizer que o sujeito descentrado assume múltiplas dinâmicas e múltiplas culturas na formação de sua identidade. O desafio que existe é o de como examinar essas identidades ou quais relações de poder estão envolvidas na sua constituição. Esta uma é problemática que algumas vezes será abordada neste estudo.

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Dentro dos Estudos Culturais em Educação, a emergência do termo da identidade surda assegura seu lugar ao tentar mudar as conjunturas históricas e discursivas. Minha leitura do discurso autoritário ouvinte sugere o ponto de intervenção de mudar de imagens e voltar o olhar para o poder ouvinte que mantém a cultura surda na subalternidade. Isso implica consequentemente numa identidade surda subalterna ou subordinada. A importância de resgatar o assunto identidade dentro da visão dos estudos culturais na alteridade, acentua a forma de se olhar o surdo não como corpo mutilado, ou descapacitado, mas como sujeito cultural dentro de uma questão de alteridade.

1.2 O encontro com a alteridade

Quando me interessei por questões sobre a identidade, precisei procurar uma linguagem que me adentrasse na própria descrição do termo. O encontro com os autores pós-estruturalistas me possibilitou encarar a identidade surda a partir de uma perspectiva política, colocando as relações de poder no centro da discussão. Para mim este olhar inquieto é uma reviravolta.

Bhabha (1994, p.180) reconhece a alteridade através da cultura:

A alteridade cultural funciona como o momento da presença na teoria do différence. O destino da não satisfação se encontra preenchido pelo reconhecimento da alteridade como um símbolo (e não signo) da presença da significância do différence. A alteridade representa o ponto de equivalência ou identidade num currículo no qual o que necessita provar os limites é assumido. Nega-se qualquer conhecimento da alteridade cultural enquanto um signo diferencial, implicando condições especificamente históricas e discursivas solicitando uma construção de práticas e leituras diferentes.

Entendo, a partir de Bhabha (1994), como a alteridade sugere estratégias que permitem aproximar a dependência e a resistência culturais do sujeito surdo. Neste ponto entram aspectos específicos do surdo: a história, a questão lingüística da estrutura da língua de sinais, a necessidade de comunicação visual, o sinalizar das mãos, a arte, a educação específica. Todos estes signos/significados que constituem a identidade, constituem-se como símbolos para a produção de sentido do sujeito possuidor de identidade surda. No entanto, esses significados são alternativas que aproximam o específico surdo. Um encontro com estas especifidades que representam a produção da identidade surda, deixa um rastro de sentido para a pessoa surda. E a pessoa surda segue essas especificidades, encontrando-se. Essas especificidades prenunciam a pessoa surda que “ser surdo não é algo vazio”, é indício de uma totalidade significativa.

A surdez física não interessa em minha pesquisa, pois, ao ser uma visão patológica ou medicalizante, é uma questão delicada e totalmente diferente. É uma questão destituída de sentido quando se trata da representação na alteridade. A surdez física está representada socialmente pelo corpo mutilado e que leva consigo a necessidade da integração, o estereótipo e a normalização.

Segue o depoimento de uma pessoa surda, onde se pode ver o a confluência de significações que são constantes dentro da representação surda e da representação ouvinte. Assim, eu precisaria ver a necessidade surda, entrar nas linhas cara-a-cara com a constituição do sujeito surdo. Eu vejo neste desabafo do surdo a representação hegemônica da identidade ouvinte e me sinto responsável pelo surdo, por resgatar sua identidade e alteridade. Estamos agora diante de R., 30 anos, mulher, surda, que faz o depoimento de forma a dizer: “você está aqui me escutando”.

Minha vida se passava na escola -internato. Nas férias, a volta para a família dava a sensação de falta de comunicação. Tinha me acostumado aos surdos. Não combinava mais brincar com ouvintes. Eram outros sinais, novas relações e eu tinha de usar nova forma de comunicação que não a LIBRAS. Era comunicação em mímica, eu tinha que respeitar a forma de entender de cada pessoa. Era preciso paciência para ensinar os sinais e nem sempre eram aceitos os sinais. Havia o diálogo oral e os sinais

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não tinham grande significado para os ouvintes.

Acertava fazer compreender alguma coisa do que estava sendo dito. Era tão arriscado e quase sempre certo que iria errar o que queria transmitir e que iria ter uma captação errada do que os outros iriam me transmitir. Era preciso paciência nas brincadeiras com os ouvintes. Acostumada ao jogo com os surdos, o jogo com os ouvintes não compensava, não tinha graça, não chegava a certas expressões necessárias. Perdia assim o gosto de brincar com ouvintes. Sentia a repulsa dos ouvintes em brincar comigo.

Minha irmã, ouvinte, quase de minha idade, vinha sempre em socorro nessas situações difíceis. Era mais fácil com ela. O brincar entre surdos tem o sinalizar, o brincar entre ouvintes tem o oralizar que eu não entendia. Entravam em nossas relações sinais sem força, sem graça. O entender surdo não se engaja ao entender ouvinte. Os humanos podemos chegar as mesmas concepções mas através de forma visual ou auditiva. Eu penso estas formas visual e auditiva constituídas de formas diferentes com signos diferentes. E a comunicação com os ouvintes no brinquedo era cortada por períodos de não entender, uma comunicação difícil de entender, descontínua pela necessidade de potência visual. Perdia fácil a proposta do líder (ouvinte) do brinquedo. O que é proposta surda dentro do brinquedo é fácil entender, o que é proposta ouvinte não tem tradução visual. As vezes o ouvinte falava e eu fingia entender o que dizia. Não há como falar e ouvir o ouvinte.

Sofri a convivência com ouvintes. Abandonei-a e hoje vivo somente entre surdos. Não tenho vontade de voltar a viver entre eles, não preciso disso. Detesto estes “chatos” ouvintes que somente oralizam e que precisam ser interpretados.

Os ouvintes tem lá suas discussões, não as entendo, eles “brigam” verbalmente. É difícil entendê-los, mesmo na tradução recebemos uma interpretação resumida do que foi dito, visto que a tradução portuguesa para nossa língua é mais resumida. Para mim o falar surdo é mais específico, quando ele sinaliza, tem mais detalhes. O problema também é do intérprete que não consegue captar. Alguns dão uma interpretação aproximada, outros não chegam a ser intérpretes, apenas sinalizam numa linguagem que não combina dentro de nossa cultura (R).

Esse processo de identificação do pensamento surdo se faz possível através da alteridade. O que é importante para a constituição da identidade é importante para a comunidade surda. Se toda identidade cultural tem uma história, também o processo de história da comunidade surda foi sendo modelado quando era modelada a identidade surda. O encontro com a alteridade é o sinal específico para a constituição de diferentes identidades. Na comunidade surda esse encontro com a alteridade se torna uma necessidade constante. Na cultura surda a alteridade vai se constituindo, entre outros aspectos, a partir da construção da identidade.

1.3 Santuários para a identidade

Existem locais determinados onde tramita a identidade surda e minha tendência é chamá-los de locais de transição.

Qualquer criança ao nascer mergulha num mundo repleto de discursos ou construções de pensamentos que compõem redes de poder . Esses discursos denominam, constróem e são construídos por sujeitos que estabelecem lugares para serem ocupados. Behares (1997, p. 43), já identifica o mundo que espera o sujeito surdo: “o filho surdo de ouvintes começa a ser nomeado mesmo antes de nascer, sem que seus pais saibam que será surdo”. Toda criança surda, o jovem, ou adulto, que ficou surdo em decorrência de tempo, já pode participar do: “ser surdo é ser nomeável para a identidade surda”. Nesse ponto posso distinguir 3 locais de transição da identidade.

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Nos meios sociais ouvintes, persiste a idéia pré-ordenada da representação iluminista do normal, do perfeito, do ouvinte. A sociedade, a família, a escola, seguem traçando outras representações para o surdo que são colocadas à prova de qualquer contestação. Para adentrar este meio, a pessoa se depara com conceitos, valores e significados estabelecidos a partir de uma época, história, situação social, etc. Quem adentra neste meio é tocado pela multiplicidade de valores, conceitos, identidades, representações e se modifica, adquirindo o saber em sua forma de representação.

Um dos pontos mais cruciais da relação vivida neste ambiente é entendido por Behares (1997, p. 43) quando se refere às quebras constantes no diálogo surdo-ouvinte:

Quando os falantes não sabem a mesma língua e, segundo o imaginário, se obstrui todo livre fluir do interjogo discursivo de abrir e fechar polissemias ao longo do diálogo, geram-se quebras. Quebras no sentido de que sobre o mal entendido inerente a opacidade da linguagem se entrecruza outro mal-entendido que se ancora na impossibilidade de manter a ilusão de que se está falando e escutando o mesmo, de que cada um é dono do que diz e de que compreende ao outro ao mesmo tempo em que é compreendido. Dessa forma se produzem dois diálogos sem pontos de ligação possíveis, mas pontos de fuga nos quais a interpretação do outro dialógico que escuta não se toca com os marcos interpretativos do que fala gerando uma deriva interpretativa na qual não é possível levar o outro em conta.

A partir deste ambiente, a minha atitude não é apontar o dedo inquisidor para obrigação de treinar a audição e a fala no surdo, mas citar a presença de algumas ideologias, estruturas e mitos que ajudam a reproduzir a central dissimulação da cultura anfitriã.

Em uma das entrevistas feitas para o trabalho, com uma jovem surda de 23 anos, de classe média, estudante universitária, podemos testemunhar a superimposição cultural neste ambiente de que os surdos são “vítimas”. Ela diz:

Cada vez que tiro o aparelho minha mãe insiste para que o reponha. Ela quer ver meu aparelho desde as primeiras horas da manhã até a hora de dormir. Às vezes esqueço o aparelho e o chuveiro o molha todo. Tenho necessidade de deixá-lo secar para depois usá-lo, mesmo assim minha mãe está insistido o tempo todo comigo.

É um aparelho que permite ouvir apenas ruídos. Não serve para a voz humana. Os sons humanos são ininteligíveis. É uma situação chata, uma audição cafona. Faço tudo para escondê-lo sobre o cabelo para que mamãe não o veja e assim não saiba se o uso. Às vezes o escondo para que ninguém o perceba. Apesar de meus 20 anos ela continua olhando todos os dias se pus meu aparelho. Muitas vezes me envolve num abraço e se sente falta do aparelho faz lá suas exigências. Outras vezes vai ver, no lugar de sempre se o aparelho está lá. Se não o encontra já sabe que estou usando. Mas ultimamente escondo-o. Ao sair de casa, o escondo onde ninguém o vê. Quero ter liberdade de não ouvir. Quero ser eu mesma (C).

Os surdos que vivem nessas condições de subordinação, parecem estar vivendo na terra do exílio. Têm dificuldade de encarar formas vitais para contentar a todos. Este é um ambiente em que vive a maioria dos casos dos surdos que são filhos de pais ouvintes. É o ambiente da cultura dominante. Ambiente da identidade hegemônica ouvinte.

O surdo pertence ao grupo das culturas subalternas. Portanto, há um local onde, o fato, o valor, a representação das identidades surdas está presente. Assim, sempre existe a busca dos locais onde possa encarar, aprender e usar instrumentos para ganhar o senso de encontro com sua identidade que emerge, se afirma e apaga fronteiras transgredindo os tabus identitários da cultura dominante.

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O fracasso deste local de transição na representação para a constituição das identidades surdas faz com que o surdo continue fortemente buscando a rendição a uma outra representação de identidade. Assim surge o próximo, ou segundo, local de transição: a comunidade surda.

Creio que a consciência de pertencer a uma comunidade diferente é uma possibilidade de articular resistências às imposições exercidas por outras comunidades ou grupos dominantes. Sem essa consciência oposicional 7, o surdo viverá no primeiro ambiente, onde desenvolverá mecanismos de auto sobrevivência. A transição da identidade vai se dar no encontro com o semelhante, onde novos ambientes discursivos estão organizados pela presença social dos surdos culturais. A aproximação dos surdos é o passo para o encontro com outras possibilidades de identidades surdas.

Este novo lugar de transição para as identidades surdas está em referência direta com o encontro surdo-surdo. A identidade surda é marcada por uma falta em relação ao outro surdo. Ela é reproduzida através de representação. Laborit (1994, p.119) situa com propriedade este encontro surdo-surdo onde se dá a troca numa atitude de transmissão cultural e identitária.

A grande diferença é quando um surdo se encontra pela primeira vez com outro surdo, eles contam pela primeira vez histórias de surdos, isto é de suas vidas. Tudo isso de um minuto para outro, como se conhecessem desde a eternidade. O diálogo é imediato, direto, fácil. Nada a ver com o dos ouvintes. Um ouvinte não avança sobre um outro logo. É preciso tempo para travar conhecimento. Montões de palavras para se dizer o que se quer. Eles tem uma maneira de pensar, de construir o pensamento diferente da minha, da nossa.

A aproximação dos surdos é o passo para o encontro com outras possibilidades de identidades surdas. Isso faz lembrar a história da águia cativa, descrita por Boff (1997, p. 18), que no encontro com outra águia diz: “Teu espírito se misturou ao meu, como o vinho se uniu à água. Por este espírito, quando uma coisa te toca, me toca a mim também.”

A partir de novas experiências compartilhadas dentro da comunidade surda, os surdos começam a narrar-se diferentemente. Ficam atentos para outras possibilidades e começam, através de outras interpelações, a ser representados por outros discursos que vêem os surdos como capazes e como sujeitos culturais. As múltiplas identidades, que surgem com os diferentes discursos presentes no grupo, começam a ser questionadas e rearticuladas neste ambiente. A diversidade de posições e de representações permite o estabelecer transitório de novas identidades surdas, fundamentadas nas diferenças.

Creio que a possibilidade de pertencer a uma comunidade diferente pode trazer outras representações que não estão voltadas para a incapacidade de ouvir, para o aparelho auditivo, para o disfarce da surdez através do comportamento de esconder a prótese por entre os cabelos, etc. A constituição de uma identidade surda distante da deficiência pode se dar no encontro com o “semelhante”.

Como a questão da comunidade surda está muito presente neste trabalho, penso ser importante uma discussão sobre a mesma. Acho que esta reflexão, já encaminhada, deve começar pela própria nomenclatura “comunidade surda”. O que leva as pessoas surdas a se organizarem em comunidades? Como se constitui esta comunidade? Como os surdos organizados em comunidade podem constituir novas identidades surdas? Como as identidades surdas são negociadas neste ambiente?

Padden, Humphries (1988, p. 3) usam naturalmente o termo “comunidade de pessoas surdas”. O termo comunidade, no caso dos surdos, designa um grupo que habita uma região determinada, marcado por características específicas, porém não isolado, vivendo no meio de pessoas ouvintes que são maioria. Nestas características entram os aspectos antropológicos: história, língua, cultura e arte; porém, entram outros elementos comuns entre a comunidade surda e a comunidade ouvinte: nacionalidade, religião,

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governo, raça e etnia. Todo este complexo não chega a definir a comunidade surda como autônoma, apesar da aceitação corrente do termo. Um outro pressuposto é a atribuição do termo cultura. Nem todas as comunidades surdas apresentam determinado índice de cultura. No Rio Grande do Sul, entre os meios ouvintes, quase não se acredita na existência de uma cultura surda. Comparando com outros países - onde a cultura surda é mais desenvolvida - nota-se que no Brasil esta cultura continua em espaços reservados, por exemplo na família, onde os genitores são surdos; no clube, onde nenhum ouvinte mete a mão, visto que “é do surdo”, nos momentos de encontro de surdos, particularmente em festas. Língua, história e arte são os pontos e as produções mais originais para a identificação desses grupos.

Dentro das comunidades dos surdos se diferenciam a simples incapacidade de ouvir e a auto-identificação dos sujeitos como surdos. O grau de perda auditiva importa relativamente pouco. O que é importante, e o que é considerado como evidência básica para pertencer ao grupo dentro da comunidade identificada, é o uso de comunicação visual, não essencialmente a língua de sinais, mas a constituição de signos visuais na comunicação.

O depoimento de G., surda de classe média, é importante para ter uma visão a respeito da comunidade surda:

Nós sempre fomos levados pelas versões dos profissionais ouvintes. É bem recente a qualificação de comunidade, identidade, ouvintismo... Em outros países onde aceitaram melhor e muito antes de nós a língua de sinais e o ser surdo, isso é bem mais conhecido. A comunidade surda é mais rica. Na Dinamarca, na Suécia e nos Estados Unidos a multiplicidade de trabalhos e conquistas da comunidade surda é bem mais desenvolvido, eles tem um nível maior de manifestações, de materiais como arte e teatro e o movimento surdo é bem mais amadurecido.

Esse não é nosso caso no Rio Grande do Sul. Nós os surdos ainda nos consideramos excluídos, menores, inferiores. Desconhecemos que temos uma identidade, o que temos como pessoas surdas, e como grupo lingüístico e cultural. Agora é o tempo que os surdos estão tomando consciência. Provavelmente este tempo é o tempo em que trabalhamos sobre nós mesmos, começamos a discutir sobre nossa identidade, cultura e língua, auxiliados pelos surdos e ouvintes que se adentram em um pensamento de formas mais culturais (G.).

Os contatos que os surdos realizam entre si proporcionam negociações de diferentes representações de identidades surdas. Através das relações e trocas de um conjunto de significados, informações e comportamentos do tipo intelectual, ético, estético, social, técnico, mítico se caracterizam as identidades surdas presentes num grupo social que tem uma determinada cultura. Esta auto-produção de significados parece ser o fundamento da identidade surda: uma estratégia para o “nascimento” cultural.

Um último lugar de transição, ainda mais acentuado, acontece no movimento cultural anti-ouvintista dos surdos. Trava-se uma luta entre os surdos e pelos surdos, pela revitalização de um estilo de vida surda. Esse estilo de vida pode ser visto no ambiente do movimento surdo. Ele faz parte de uma luta com tentativa para conservar e garantir a identidade cultural do surdo.

Impossível falar aqui de identidade surda sem citar este local de transição: o movimento surdo, responsável pelo novo impasse na vida do surdo, pelo sentir-se surdo, em resumo, pela política da identidade surda. É no movimento surdo que se dá maior proximidade com o ser surdo cultural e político, onde surge uma proximidade dinâmica da identidade surda. O movimento nutre, entre outros elementos a política da identidade surda.

Também tenho, como dizem Rose, Kiger (1995, p. 3): ciência de que,

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Na medida que os membros de uma minoria desenvolvem uma auto-imagem mais positiva sua percepção de justiça social muda. Seu senso de injustiça leva a revolta contra discriminação. Por exemplo, começando no fim dos 1980s, publicações direcionadas a comunidade surda... publicaram uma onda de artigos e cartas denunciando a discriminação na acessibilidade às telecomunicações, a exclusão de pessoas surdas de filmes e programas de TV, e imagens estereotipadas de pessoas surdas na mídia, entre outras.

O direito à vida, à cultura, à arte, à história, à participação política, ao trabalho, ao bem estar, leva a pensar uma esfera pública de luta central. Na verdade, não somente o movimento surdo, mas todos os movimentos sociais assumem caminhadas políticas. Mesmo que busque uma política voltada exclusivamente aos surdos, nem sempre o movimento se apresenta em sua totalidade.

A convivência nos movimentos surdos, aproxima a identidade surda do sujeito surdo. A união de surdos cria outras “nuvens” de relações que são estabelecidas em um parentesco virtual. Este parentesco virtual das identidades surdas, se sobressai no momento da busca de signos próprios com um vasculhamento arqueológico: proximidade surdo-surdo, entraves e conquistas na história, pensar surdo, cultura surda...

Cumpre notar que no movimento a luta é de orgulho pelas conquistas e de indignação frente as barreiras. A identidade surda é uma luta instável e nunca será fixa. Nisto surge indignação contra impasses impostos pelos ouvintes. Os surdos viveram muito tempo sem serem capazes de se referirem as coisas que de fato estão dizendo, pois na história iluminista, ser surdo é ser privado de direitos de ser político. Por isso, ser surdo é uma identidade que se aprende em grupo e só pode ser aprendida no grupo dos surdos.

O movimento surdo pode dar muitas identidades aos surdos. Tais identidades ocupam lugares distintos, bem como posturas diferentes. A existência de posturas distintas acarreta jogos de poder, onde identidades mais radicais reprimem outras que não possuem a mesma força.

Nestes movimentos estão presentes surdos e alguns ouvintes solidários que se unem numa oposição aos efeitos das forças ouvintes. O sucesso dessa união se deve aos objetivos gerais preestabelecidos no movimento. A formulação comum de uma série de objetivos e estratégias de ação focaliza a perspectiva de uma sociedade onde os surdos são cidadãos e onde a justiça social se concretiza na resistência a todas as formas de discriminação e exclusões sociais. Esse é o fator fundamental na existência do movimento que, lutando pelo surdo, resiste à complexidade da cultura vigente. E essa resistência não é no sentido de excluir a cultura hegemônica ouvinte, mas no sentido de abrir o acesso a ela de uma forma que se sobressai a diferença.

Os tempos que estamos vivendo são próprios para o movimento surdo. O conceito epistemológico surdo se presta para qualquer teoria e política surda. Existem os surdos? Sim. O movimento surdo define os surdos, no sentido do termo, por suas atividades e discursos que acontecem a partir dos limites da participação política. O movimento surdo, sem dúvida, propõe a divisão do mundo em esferas de influência cultural, visto que se aferra à sua cultua. E não poderia ser diferente. Trata-se da cultura visual necessária a sobrevivência do grupo enquanto grupo cultural e político.

1.4 A comunidade discute a identidade surda

Já vimos que o convívio dos surdos no Rio Grande do Sul, como no Brasil e nos demais países, acontece, na maioria das vezes, numa sociedade onde existe a imposição ouvinte que mina as aspirações dos surdos. Veremos agora a consciência que o surdo possui sobre sua identidade. O sujeito surdo tem a sua forma própria de conceber as identidades surdas. Para ilustrar esta afirmação, penso que é importante trazer alguns comentários feitos pelos surdos nas entrevistas, pois estes são elementos ricos em minha

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pesquisa - que visa pensar sobre o surdo através do surdo. O depoimento é da acadêmica G. de 20 anos, surda, mulher:. Ela diz:

Creio que não se tem uma identidade surda completa. Não há identidade própria do surdo. É difícil. A pressão ouvintista sobre a comunidade, ou sobre o surdo, é geral e forte. Não há uma identidade completa.

O surdo está sempre em posição inferior ao ouvinte. Esta realidade crucial está em sua transição. A possibilidade é boa para um futuro. Com a ascensão na universidade não será mais possível o surdo caminhar sob as ordens do ouvinte. No RS e no Brasil o contexto é diferente. Não há formação para ser surdo, nem incentivo, nem apoio. Ser surdo é algo para o que não há referência. Na Europa, nos EUA, já estão indo mais atentadamente nestes termos.

Não há uma identidade delineada. Porém, dentro do surdo há o específico surdo, o que faz o surdo ser diferente. Penso no surdo inteligente. Há imposição ouvintista. O problema é todo desconcertante. Diante do poder ouvinte: problema da escrita em português, do oral, da proibição de LIBRAS. A maioria ouvinte somente vê saídas por aí. Falta, da parte surda, coragem e força para reagir.

Agora, diante da oficialização da LIBRAS e acontecimentos que se sucederam, a FENEIS conseguiu se impor como lugar de força aos surdos, é verdade que estamos andando em direção a u

Notas

1 No plural, porque considero que já não é apenas uma identidade surda. Podia ser chamada de identidade surda, mas ela se apresenta em múltiplas representações. 2 A comunicação dos surdos é a comunicaçao visual. A língua de sinais não é universal, possui características bastante locais. No Capítulo II discuto melhor a sua evolução, desenvolvida no seio das comunidades surdas. Foi perseguida e esteve escondida, conseguiu sair do anonimato em alguns estados de nosso país. No mundo é oficializada em alguns países, em vias de aceitação noutros e proibida em alguns. No Brasil ela se chama Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Isso implica dizer que ela tem sua denominação diferente de acordo com o país de origem. Foi objeto de estudo de inúmeros lingüistas, entre os quas se sobressaem Stokoe (1960), Belugi e Klima (1977) nos EUA, no Brasil, Ferreira Brito (1993), Quadros (1997), outros. 3 Os termos como ouvintismo e ouvintização foram cunhados por Skliar (1997b, p. 259). Neste ponto outros termos derivados foram cunhados em nosso meio acadêmico como ouvintista, desouvintização,... frutos de uma concepção epistemológica onde os signos que constituem os termos são construídos dentro da concepção militante da vida surda. 4 Costa, M.V. (1996, p. 13) faz referência a uma conversa entre Foucault e Deleuze onde se alude a uma afirmação de Proust: ”encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um instrumento de combate”. 5 A Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo - FENEIS é um órgão não governamental representativo dos surdos. Atualmente possui regionais no RS, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. 6 A Sociedade dos Surdos tem sua sede a Av. Salvador França, 1800. 7 Chela Sandoval, citada por Haraway (1991), considerando o surgimento histórico, no meio do feminismo, de uma nova voz política chamada mulheres de cor, teoriza sobre um modelo interessante de identidade política chamado “consciência oposicional”. Esta consciência oposicional, a meu ver, se aplica ao surdo enquanto ele tem a trazer uma cultura diferente para um mundo estruturado por uma cultura dominantemente ouvinte. 8 Deafness is a country whose history is rewritten from generation to generation. This is partly because of the satus of its native languages, partly because more than 90 percent of deaf children are born to hearing parents, and partly because of the curious and specific oppressions that constitue the histories of the deaf. Sign cultures, as well as the social “knowledge”of deafness, are necessarily reborn and remade with each generation. 9 Bhabha (1994, p. 176) diz que colocar a questão colonial significa ter em conta a questão problemática da diferença cultural e racial. Para ele, posicionar-se contra essa diferença significa colocar na prática a autoridade, através de estratégias discursivas e físicas, o poder descriminatório. 10 As filosofias de ensino mais comuns são: o oralismo, que é o holocausto lingüístico da língua de sinais. A sua implantação, como diz Skliar (1997b, p. 257): “foi feita com o consentimento e a cumplicidade da medicina e dos

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médicos, os profissionais para médicos, os pais e familiares dos surdos, os professores ouvintes, e, inclusive, com alguns surdos que representavam então e representam agora, os progressos inevitáveis da terapêutica, vale dizer, - o surdo que fala e da tecnologia - o surdo que escuta”. O bimodal é o método de uso da língua de sinais para ensinar português. Ele cria um novo sistema lingüístico que não o usado pelos surdos: português sinalizado que em parte foi o responsável pela atual situação cambaleante de muitos signos e sinais que interferem na estrutura da LIBRAS. O método de comunicação total admite oralismo, bimodalismo, arte, teatro,... em resumo, traz os mesmos efeitos da posição anterior. O bilingüismo, de recente implantação na América Latina e no Brasil, aproxima-se ao uso normal da língua de sinais. No entanto, no que tem de filosofia implantada pelo ouvinte, conserva em suas bases poderes ouvintes. 11A meu ver não descarto a hipótese da educação bilingüe ser uma proposta arqueológica de grupos decorrentes de movimentos articulados às resistências politico-culturais surdas, no entanto o perigo de interpretações do bilinguismo é ficar apenas no aspecto sociolinguístico. É preciso, primeiramente ver o que esta em jogo, se o negócio trata amplamente de buscar a correção da língua da comunidade surda. Precisa-se partir para a idéia de que a educação de surdos é mais abrangente que a educação lingüistica. A comunidade surda não é e não será nunca prisioneira de uma dualidade, línguas correntes no Brasil como o castelhano e o inglês também são necessárias. Outro perigo é sobre o bilinguismo com vistas a um final feliz o monolinguismo o que novamente provocaria um gueto no sentido do fechamento da comunidade surda ou uma esmagadora hegemonia ouvinte. 12 Flutuante é o termo proposto por McLaren (1997a, p. 137) que, comentando em relação à branquidade, diz: “a habilidade do sujeito falante de mover-se para dentro da posição dele sem parecer ter deixado a posição do eu ou tu os quais são significantes vazios ou “flutuantes” que não possuem referente fora da situação imediata”. 13 Hall (1997, p. 17), ao usar este termo para designar as variadas posições do sujeito usa o conceito de deslocamento em Ernest Laclau (1990): “uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por uma polaridade de centros de poder”. Na História me ocorre que o sujeito surdo foi deslocado de seu centro e visto sob prismas iluministas/clinicalistas, e mais recentemente lingüisticos. 14 O Abade francês Charles de L’Epée(1712-1789), foi o primeiro diretor de uma Escola pública para Surdos (Instituto de Jovens Surdos de Paris). 15 Federação Mundial dos Surdos com sede em Elsinski, Finlândia 16 “Tifiti” é a pronúncia audível de “difícil” pelo surdo. 17 ASL - American Sign Language 18 A FMS tem sua sede atual na Finlândia. Seus objetivos são a favor de uma política de identidade surda. Ela tem se posicionado objetivamente, pedindo às nações o respeito pelo direito de ser surdo, inclusive, propondo a adoção destes direitos em todos os campos de atividades sociais. 19 Em inglés: Hearing impaired, Prelingually deaf, Poslingually deaf, Prevocationally deaf, Postvocationally deaf, aurally handicapped, Congenitally deaf, Adventiously deaf, Audiologically deaf, Hearing deficient, Deafned in adulthood, Marginally deaf, Socially deaf. 20 TimothyM. Simone é citado por McLaren (1997a, p. 132)

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