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Curso ENSINO RELIGIOSO Disciplina MATRIZES RELIGIOSAS NA CULTURA BRASILEIRA

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Curso ENSINO RELIGIOSO

Disciplina

MATRIZES RELIGIOSAS NA

CULTURA BRASILEIRA

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Curso ENSINO RELIGIOSO

Disciplina

MATRIZES RELIGIOSAS NA CULTURA BRASILEIRA

Alberto CALIL Élcio SANT’ANNA

Hauley VAILIN Nólia RAMOS

Alessandro Rodrigues ROCHA

www.avm.edu.br

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ALBERTO CALIL ELIAS JUNIOR. Possui graduação em

Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal

Fluminense (1993), mestrado (2004) e doutorado (2009) em

Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Professor Adjunto do Departamento de Estudos Biblioteconômicos

da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Tem experiência nas áreas de Antropologia e Biblioteconomia,

principalmente nos seguintes temas: Fontes de Informação,

Bibliografia, Web 2.0, Novas Tecnologias da Informação,

Antropologia da Religião e Antropologia do Ciberespaço.

Atualmente é coordenador do curso de Pós-Graduação latu-sensu

em Organização do Conhecimento para Recuperação da

Informação. Membro da Câmara de Pesquisa da UNIRIO

Oi, eu sou o ALESSANDRO RODRIGUES ROCHA. Tenho formação

em teologia (CES/JF) e filosofia (UCP), sou mestre doutor em

Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Tenho atuado como professor de Teologia e Filosofia, conduzido

por uma preocupação central com o diálogo interdisciplinar. Minha

tentativa tem sido propor uma abordagem metodológica capaz de

superar a desistoricização para a qual o discurso teológico tem

caminhado.

Olá, meu nome é NÓLIA RAMOS. Sou mestre pela UMESP –

Universidade Metodista de São Paulo. Concluí meu mestrado no

ano de 2008, desenvolvendo uma pesquisa na área de Ciências

Sociais e Religião. Sou graduada em Pedagogia (2003), e em

Teologia (1997), o que me habilitou a lecionar em instituições

livres e cursos populares de Teologia. História, Dogmática e

Movimentos Sociais são algumas das temáticas que ensino.

Participo do grupo de pesquisa Religião e Periferia, vinculado à

UMESP, que reflete questões próprias da realidade urbana e as

práticas religiosas no contexto da periferia das cidades.

HAULEY SILVA VALIM. Possui graduação em Teologia - Seminário

Teológico Batista do Sul do Brasil (2004), graduação em Ciências

Sociais pelo Instituto de Humanidades da Universidade Cândido

Mendes (2007) e mestrado em Ciências da Religião pela

Universidade Metodista de São Paulo (2008). É pesquisador

associado ao Grupo de Estudos de Gênero e Religião

Mandrágora/NETMAL da Universidade Metodista de São Paulo -

UMESP. Atualmente faz parte da equipe multidisciplinar da

Ambiental Norte/ Instituto Arthur Tupinambá de Arqueologia e

Etnologia. Tem experiência na área de Sociologia e Antropologia,

atuando principalmente nos seguintes temas: sociedade e meio

ambiente.

Oi, eu sou o ELCIO SANT’ANNA. Sou mestre em Teologia pelo

Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e em Ciências da

Religião pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo.

Tenho participado de diversos congressos brasileiros e

internacionais, onde venho abordando aproximações e iniciativas

interdisciplinares da pesquisa relativas à religião e literatura do

mundo bíblico. Ultimamente tenho estudado o perfil pluralista dos

cultos do Israel antigo e Oriente Médio. Desde 1988, leciono na

área de Bíblia em instituições de cunho confessional, livres

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Su

mário

07 Apresentação

09 Aula 1

Religião e periferia

37 Aula 2

Candomblé

63 Aula 3

Espiritismo

95 Aula 4

Devoções populares

131

Aula 5

Novas configurações na religiosidade cristã brasileira

159

AV1 Estudo dirigido da disciplina

162

AV2

Trabalho acadêmico de aprofundamento

163 Referências bibliográficas

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Matrizes Religiosas na

Cultura Brasileira

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No caderno de Matrizes Religiosas na Cultura Brasileira, você

encontrará cinco aulas: Na primeira, você conhecerá a dinâmica

da religião nas periferias das metrópoles; na segunda terá uma

introdução às religiões afro-brasileiras, com ênfase maior no

Candomblé; na terceira aula será abordado o Espiritismo; logo

após, na quinta aula, estudaremos o mundo das devoções

populares; por fim, na quinta aula será abordado o universo dos

novos movimentos religiosos no Brasil.

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Este caderno de estudos tem como objetivo:

Perceber a importância do ensino religioso para a complexidade

da religião nas metrópoles e a tensão entre zonas urbanas e

periféricas;

Analisar a prática religiosa na periferia social, econômica e

cultural;

Discutir com propriedade a origem e o desenvolvimento do

candomblé, bem como suas principais características.

Compreender a dinâmica religiosa e social que ocorre ao

entorno dessa religião tão brasileira e ao mesmo tempo tão

desconhecida e, por isso mesmo, alvo de tantos preconceitos.

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Religião e Periferia

Nólia Ramos

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ão

Nesta primeira aula, analisaremos o campo de atuação do ensino

religioso e sua dinâmica nas zonas metropolitanas, observando o

descompasso sociocultural entre centro e periferia, permeados

pela desigualdade social, trânsito, identidade e inventividade

religiosa. Para tanto, definiremos brevemente Religião e Periferia;

compreenderemos como o campo religioso difere e os conflitos

entre centro e periferia; analisaremos como a segregação espacial

incita à participação nos movimentos religiosos que promovam a

inclusão social.

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Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja

capaz de:

Analisar a prática religiosa na periferia social, econômica e

cultural;

Compreender a dinâmica socioeconômica e religiosa que torna

tensa a relação entre centros e periferias;

Educar para políticas de inclusão social e tolerância às nossas

matrizes culturais religiosas.

Entrar em contato com a riqueza da cultura popular.

Conhecer a diversidade religiosa no Brasil e a dinâmica do

surgimento de novas expressões e movimentos religiosos ainda

nos dias atuais.

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Aula 1| Religião e periferia 10

Religião e periferia

Procuremos todos aprender o caminho

do diálogo na verdade e a união em

promover os valores da justiça e da

liberdade.

D. Luciano Mendes de Almeida

Iniciamos o curso de matrizes religiosas na

cultura brasileira com o propósito de conhecermos a

realidade social em que vivemos e, assim,

compreendermos melhor o campo de atuação com o

qual nos envolveremos. Para tanto, precisamos nos

aproximar do sujeito histórico que está imbuído de

significado do ponto de vista tradicional e oficial da

religião, como também adapta a tradição às devoções

da religiosidade popular, influenciado pelas matrizes

culturais.

Se desejamos adentrar o pensamento do nosso

público, necessitamos compreender seus anseios e

obstáculos ocasionados pela delimitação geográfica ou

mesmo segregacional. Em princípio, este estudo parece

apresentar teorias do mundo moderno, contudo, nos

incita ao envolvimento com a realidade religiosa e

político-social das metrópoles nas quais atuamos. A

paixão do educador por seu ofício promove no aluno o

desejo de entrar por um mundo desconhecido, guiado

por seu mestre.

O campo religioso brasileiro tem sofrido

transformações profundas desde o início do século XX.

Embora muitos cientistas acreditassem que o termo

religião estaria em desuso no terceiro milênio, o que

podemos observar é que, especialmente nos últimos 30

anos, essas transformações interferem na dinâmica

social e cultural no campo religioso.

As matrizes religiosas brasileiras com raízes

portuguesa, indígenas e africanas possuem uma

Importante

Com este curso queremos que você compreenda que as periferias urbanas, embora com características distintas dos centros das grandes metrópoles, reivindicam os direitos à inclusão social por meio de movimentos e associações religiosas.

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Aula 1| Religião e periferia 11

variedade de símbolos incorporados aos novos

movimentos religiosos como, por exemplo, o

neopentecostalismo que, embora com raízes no

protestantismo de missão, é autônomo e distinto e tem

transformado o panorama religioso por exigir

exclusividade e comprometimento com a comunidade

de fé ou a irmandade que sustenta suas crenças.

http://christinaantunesfreitas.blogspot.com/2009_10_0

1_archive.html

O PROTESTANTISMO NO BRASIL

O protestantismo histórico surge no Brasil de duas

formas:

Protestantismo de imigração: se estabelece aqui na

primeira metade do século XIX, com a chegada dos

imigrantes alemães luteranos.

Protestantismo de missão: compreende

especialmente os missionários norte-americanos

chegados a partir da segunda metade do século XIX

com o objetivo de conquistar adeptos. São eles os

presbiterianos, batistas, metodistas e episcopais.

Segundo o IBGE (2000), com exceção dos batistas,

todos estão estagnados ou em declínio.

Já no século XX, por uma dissidência do

protestantismo de missão, nasce nos EUA o

Pentecostalismo que chega ao Brasil em 1910. São

eles a Congregação Cristã, a Assembleia de Deus e

o Evangelho Quadrangular.

A partir da década de setenta do século XX, surge o

Neopentecostalismo, caracterizado por igrejas locais

independentes, fundadas por líderes autônomos.

Destacam-se a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus.

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Aula 1| Religião e periferia 12

Com essas transformações, verificamos um

descompasso nos bairros centrais da cidade, em

consequência do progresso do capitalismo

industrializado, da modernidade, do crescimento

urbano e do agressivo processo de exclusão social.

A constituição e sobrevivência das instituições

religiosas na periferia urbana propiciam transformações

das tradições religiosas e, portanto, o distanciamento

ou a recriação das tradições de origem e do espaço da

religião na sociedade contemporânea.

Para termos um panorama do nosso curso,

veremos a seguir breves referências dos termos religião

e periferia, para a compreensão de sua inter-relação e

do processo de secularização na modernidade.

Religião

A Religião tem um significado relevante na vida

da maioria das pessoas. A necessidade de realização e

a compreensão do sentido da vida incitam o ser

humano à busca da transcendência.

O ser humano é diverso. E a diversidade

religiosa existe entre religiões distintas, como judeus,

cristãos, budistas, muçulmanos, candomblé e outras.

Mas há expressões diferentes dentro de uma mesma

religião; como no Cristianismo, o Protestantismo e o

Catolicismo ou, ainda, no Catolicismo, a Renovação

Carismática e a Teologia da Libertação. A liberdade e a

tolerância ou o diálogo inter-religioso são relevantes

para que o pluralismo religioso seja considerado.

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Aula 1| Religião e periferia 13

Periferia

Por periferia, entendemos um espaço físico,

não necessariamente distante dos centros, mas carente

de investimentos públicos e privados, como moradia,

saneamento básico, segurança e alto índice de

crescimento demográfico, gerando maior

vulnerabilidade social e acesso precário à cidadania.

As grandes cidades refletem ainda uma

realidade crítica, na qual os menos favorecidos são

segregados e condicionados nas periferias, atendidos

de forma ineficaz pelo poder civil, como também pelos

movimentos religiosos.

Como dissemos, a religião dá sentido à vida do

indivíduo crente. Mas há diferentes concepções de fé

entre indivíduos dos centros e das periferias?

LEITURA A

O termo “religião” origina-se da palavra latina

religio, cujo sentido primeiro indicava um conjunto

de regras, observâncias, advertências e interdições,

sem fazer referência a divindades, rituais, mitos ou

quaisquer outros tipos de manifestação que,

contemporaneamente, entendemos como religiosas.

Assim, o conceito “religião” foi construído histórica e

culturalmente no Ocidente, adquirindo um sentido

ligado à tradição cristã. O vocábulo “religião” -

nascido como produto histórico de nossa cultura

ocidental e sujeito a alterações ao longo do tempo –

não possui um significado original ou absoluto que

poderíamos reencontrar. Ao contrário, somos nós,

com finalidades científicas, que conferimos sentido

ao conceito. Tal conceituação não é arbitrária: deve

poder ser aplicada a conjuntos reais de fenômenos

históricos suscetíveis de corresponder ao vocábulo

“religião”, extraído da linguagem corrente e

introduzido como termo técnico. A definição mais

aceita pelos estudiosos, para efeitos de organização

e análise, tem sido a seguinte: religião é um sistema

comum de crenças e práticas relativas a seres

sobre-humanos dentro de universos históricos e

culturais específicos.

Fonte: SILVA, Elaine Mura. Revista de Estudos da

Religião – PUC - Rever: http://www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf

Importante

Redes sociais, segregação, migração, vulnerabilidade social, trânsito, identidade e inventividade religiosa são termos característicos na tensão entre centro e periferia urbana.

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Aula 1| Religião e periferia 14

Como trataremos mais adiante, é evidente a

crise de algumas religiões. No entanto, a religiosidade

emerge mais intensamente nas periferias como

instrumento de associação e legitimação de seus

membros. A sociedade determina o status pelos bens

de consumo. Para a periferia desprovida destes bens, o

mundo moderno se torna injusto aos olhos da

economia. É necessário um subterfúgio que torne

possível a sua sobrevivência.

A secularização é um dos processos da

modernização, na qual os indivíduos são adaptados aos

tempos modernos. Isto é, o processo de emancipação

da vida cultural (política, ciência, economia, arte e

costumes) da tutela religiosa. É dentro desta acepção

que Weber fala de “desencantamento do mundo”,

teoria que abordaremos posteriormente. Assim, nos

tornamos secularizados e hedonistas. Relativizamos a

religião para que se ajuste ao nosso desejo e nos

tornamos subjetivos, individualistas. Neste caso, o

compromisso social, por exemplo, dá lugar à realização

pessoal.

Neste sentido, a secularização promove tanto o

afastamento da religião, para uma população

economicamente ativa, que substitui o SER pelo TER,

como também agrega semelhantes na esperança da

superação de suas dificuldades, que não serão

condições de TER, precisa SER aceito pela comunidade.

Um terceiro grupo vale-se das promessas de Deus para

prosperar e mudar sua condição social.

A Geografia sociopolítica e econômica passa pelo

processo de urbanização. Nos centros se concentram o

poder político e econômico, enquanto as periferias são

desprovidas de itens básicos de subsistência, além da

insuficiência do poder público. A periferia é o espaço

dos desempregados, idosos, órfãos, mendigos,

Dica do professor

Glossário Secularização:

Somos sujeitos às leis civis e dispensados dos votos religiosos.

Hedonismo: Doutrina filosófica que faz do prazer o objeto da vida.

Relativismo: Doutrina filosófica que admite que todo o conhecimento é relativo.

Subjetivismo: relativo ao sujeito que se preocupa consigo.

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Aula 1| Religião e periferia 15

enfermos, entre tantos marginalizados. Mais do que

excluídos, são aqueles ignorados que não foram

integrados pela cidade.

Segundo Milton Santos, a urbanização se deu de

forma tão concentrada que cria condição territorial e

política de mudança. Desta forma, os pobres, a grande

maioria, reinventam formas de resistência:

Estamos convencidos de que a

mudança histórica em perspectiva

provirá de um movimento de baixo

para cima, tendo como atores

principais os países subdesenvolvidos

e não os países ricos; os deserdados e

os pobres e não os opulentos e outras

classes obesas; o indivíduo liberado

partícipe das novas massas e não o

homem acorrentado; o pensamento

livre e não o discurso único. Os pobres

não se entregam e descobrem a cada

dia formas inéditas de trabalho e de

luta; a semente do entendimento já

está plantada e o passo seguinte é o

seu florescimento em atitudes de

inconformidade e, talvez, rebeldia.

SANTOS, Milton. Por uma outra

globalização - do pensamento único à

consciência universal. São Paulo,

Record, 2000.

Essa resistência pode ser observada na forma

como os pobres recriam o ambiente em que vivem. Os

moradores da periferia se organizam na promoção da

integração da comunidade, seja em ONGs

(organizações não governamentais), bem como na

criação de meios de lazer, como as rodas de samba ou

bailes funk. Nas favelas, por exemplo, são os líderes da

comunidade ou o crime organizado que cumprem a

função de ordenamento e segurança, papel este que

deveria ser cumprido pelo poder público.

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Aula 1| Religião e periferia 16

Pierre Bourdieu discorre sobre o poder simbólico

e as estratégias do indivíduo na legitimação de defesa

de seu território. Enquanto nos centros uma elite luta

pela dominação territorial e simbólica, pela manutenção

do seu espaço político-geográfico, a periferia - privada

do capital - se organiza pela manutenção dos princípios

étnicos e culturais:

Se a região não existisse como espaço

estigmatizado, como província definida

pela distância econômica e social (e

não geográfica) em relação ao centro,

quer dizer, pela privação do capital

(material e simbólico) que a capital

concentra, não teria que reivindicar a

existência é porque existe como

unidade negativamente definida pela

dominação simbólica e econômica que

alguns dos que nela participam podem

ser levados a lutar (e com probabilidades

MILTON SANTOS

Um dos mais destacados geógrafos, Milton Santos

(1926-2001) nasceu na Bahia. Da classe média,

formou-se em direito, tornou-se professor e editor

de jornais. Com o golpe militar de 1964, foi preso e

depois exilado. Em 1977, retornou para o Brasil,

trazendo já completa a obra "Por uma Geografia

Nova". Trabalhou em universidades na França, Peru,

Venezuela, EUA e Brasil. Recebeu o Prêmio Vautrim

Lud, considerado "o Nobel da geografia" e foi

agraciado com inúmeras honrarias, títulos e

medalhas, legando obras e atividades que inovaram

os estudos geográficos sobre globalização e

urbanização.

Fonte:

http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u317.

jhtm

Dica do professor

Poder Simbólico Poder simbólico é um poder capaz de se impor como legítimo, dissimulando a força que há em seu

fundamento e só se exerce se for conhecido.

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Aula 1| Religião e periferia 17

objetivas de ganho) para alterarem a

sua definição, para inverterem o

sentido e o valor das características

estigmatizadas, e que a revolta contra

a dominação em todos os seus

aspectos – até mesmo econômicos –

assume a forma de reivindicação

regionalista. (...) Falar de um espaço

social é dizer que não se pode juntar

uma qualquer pessoa com outra

pessoa qualquer, descurando as

diferenças fundamentais, sobretudo

econômicas e culturais. Mas isso não

exclui nunca completamente que se

possam organizar os agentes segundo

outros princípios de divisão – étnicos,

nacionais etc. (...) Entre o espaço

geográfico e o espaço social, (...)

nunca coincidem completamente; no

entanto, muitas diferenças que,

geralmente, se associam ao efeito do

espaço geográfico, por exemplo, à

oposição entre o centro e a periferia,

são o efeito da distância no espaço

social, quer dizer, da distribuição

desigual das diferentes espécies de

capital no espaço geográfico.

Fonte: BOURDIEU, Pierre, O poder

simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand

Brasil, 3ª edição, 2000

PIERRE BOURDIEU

Nascido na França (1930-2002) formou-se em

Filosofia e como professor de Sociologia tornou-se

um dos maiores e mais influentes intelectuais da

atualidade na área das Ciências Sociais,

direcionando seu estudo para a análise do poder

simbólico.

Fonte:

http://www.editorazouk.com.br/trecho.asp?tipo=10&cod=66&rt=0

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Aula 1| Religião e periferia 18

Modernidade, sincretismo e trânsito

religioso

Aqui no Brasil, o processo de secularização

constituiu um sincretismo singular, diferindo de outros

países, nos quais ainda prevalece certa hegemonia

católica. Apesar de o Brasil ser considerado a maior

nação católica, a diversidade religiosa se tornou uma

constante. A história da religiosidade no Brasil, como

em todo o mundo, tem configurado novos perfis com o

sincretismo religioso e neste contexto, observamos

uma heterogeneidade econômica nas grandes

metrópoles que apontam para similaridades

significativas quanto ao perfil religioso.

LEITURA B

Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo

o mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas

todas. Por isso é que se carece principalmente de

religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é

que sara da loucura. No geral. Isso é que é a

salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá,

não perco ocasião de religião. Aproveito de todas.

Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca,

talvez não me chegue. Rezo cristão, católico,

embrenho a certo; e aceito as preces de compadre

meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas,

quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é

crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê

alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo

me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me

refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar

– o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham

que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe!

Detesto! O que sou? – o que faço, que quero, muito

curial. E em cara de todos faço, executado. Eu não

tresmalho!

Olhe: tem uma preta, Maria Leôncia, longe daqui

não mora, as rezas dela afamam muita virtude de

poder. Pois a ela pago, todo mês – encomenda de

rezar por mim um terço, todo santo dia, e, nos

domingos, um rosário. Vale, se vale. Minha mulher

não vê mal nisso. E estou, já mandei recado para

uma outra, do Vau-Vau, uma Izina Calanga, para vir

aqui, ouvi de que reza também com grandes

meremerências, vou efetuar com ela trato igual.

Quero punhado dessas, me defendendo em Deus,

reunidas de mim em volta... Chagas de Cristo!

Quer saber mais?

Sincretismo Sincretismo é um sistema filosófico ou religioso que combina os princípios culturais de diversas doutrinas, com concepções heterogêneas. No Brasil, o processo de colonização contou com a procedência de diversos povos e culturas entre portuguesa, africanas e indígenas.

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Aula 1| Religião e periferia 19

Conforme descreveu Guimarães Rosa, é muita

religião! E a cada dia cresce o número de

denominações religiosas.

O campo religioso é objeto de investigação nos

campos da sociologia, da antropologia, da economia, da

história e da geografia e complementados pelos dados

censitários em âmbito nacional, como os dois últimos

censos do IBGE e o Atlas da filiação religiosa e

indicadores sociais no Brasil que apontam, por

exemplo, a evasão dos fiéis da Igreja Católica.

Riobaldo Tartarana, personagem de Guimarães Rosa

em Grande sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova

Aguilar, 1994, 1ª edição, pp. 15-16.

GUIMARÃES ROSA

É considerado por muitos críticos o maior escritor

brasileiro da segunda metade do século 20. Em

1930, iniciou-se como médico, aos 22 anos em

Itaguara, (MG), localidade que passou a ter contato

com os elementos do sertão que serviram de

referência e inspiração para sua obra literária.

Serviu na Guerra e por várias vezes escapou da

morte. A superstição e o misticismo o

acompanhariam por toda a vida. Em maio de 1956,

publicou "Grande Sertão: Veredas", uma narrativa

épica sobre o ambiente e a gente do sertão mineiro.

Eleito membro da Academia de Letras, por

unanimidade (1963), adiou a cerimônia de posse até

1967, e faleceu três dias mais tarde na cidade do

Rio de Janeiro, aos 59 anos.

Fonte:

http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u785.

jhtm

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Aula 1| Religião e periferia 20

Esses dados nos mostram a diminuição da

eficácia do poder institucional religioso tradicional em

atender as exigências dos “novos fiéis”. O morador das

regiões social e economicamente periféricas não

encontra no espaço religioso tradicional a resolução de

suas necessidades.

Diversas religiões estão embasadas no plano

celeste, oferecendo melhorias ao indivíduo que sofre e

se sacrifica na vida. Entretanto, esses benefícios serão

usufruídos apenas depois de sua morte. O desejo de

realização plena na terra caracteriza o desencanto por

promessas incertas.

O sincretismo religioso talvez seja o maior

responsável em tolher os dados estatísticos referentes

a religiões de matrizes afro, como o Candomblé, pois é

comum a presença de cristãos nos terreiros e vice-

versa. Muitos, embora transitem por diversas religiões,

se declaram católicos para o censo do IBGE, como Mãe

Menininha do Gantois, um dos maiores ícones do

sincretismo religioso no país. Mãe de santo reconhecida

e respeitadíssima por sua liderança religiosa, utilizava

elementos de confissões diversas, pregando o diálogo

inter-religioso e a paz: “Deus é um só e todos podem

se unir através dele”.

MÃE MENININHA EM SEU QUARTO - SÍMBOLOS DO CATOLICISMO E DO CANDOMBLÉ

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Aula 1| Religião e periferia 21

Na modernidade, os fiéis agem como

consumidores que utilizam a religião para seu conforto

e prazer espiritual e material. Para tanto, transitam por

diversos movimentos religiosos, reinventando aspectos

desejados ou permanecendo um tempo maior nas que

LEITURA C

Costumava acordar às 5 da manhã (...). Antes

mesmo de escovar os dentes, abria os búzios e

jogava para ver se estava bem na casa, com os

filhos e amigos (...). Rezava em ioruba para os

orixás e, em seguida, o terço – sempre de manhã e

antes de dormir. (...) Costumava também ouvir pelo

rádio um programa diário “dos crentes”. (...) Mesmo

nascida numa nobre família de ialorixás, era uma

mulher católica. A ponto de carregar no peito, junto

às contas de santo, o escapulário do Carmo. Aos

pesquisadores do IBGE declarava pertencer à

religião católica, uma atitude de prudência porque,

entre os praticantes do Candomblé, era comum não

se declarar a religião, consequência de anos de

discriminação. Foi devota de Nossa Senhora, São

Jerônimo, Santa Escolástica, São Jorge e outros

santos. Dedicava-lhes respeito e devoção, como

disse certa vez:

“Tenho um pouco da religião católica porque

encontrei na minha família muita crença no

catolicismo, fiz primeira comunhão, ouvi missa...”

De fato, Menininha se dizia Católica Apostólica

Romana. Na parede do seu quarto havia vários

terços pendurados.

“Para mim, todas as religiões são verdadeiras, agora

cada um na sua. Não podemos dizer que a religião

católica é errada. A protestante eu não posso dizer

se é boa ou ruim porque eu não sei o que é, mas

não desfaço. De qualquer forma, essa história de

aproximação das religiões já devia ter acontecido há

mais tempo, porque o Deus é um só e todos podem

se unir através dele. Antigamente, as pessoas

pensavam tanta coisa ruim do Candomblé. Mas ele é

bom e não faz mal a ninguém. Os padres deveriam

entender isso. Se eu puder ajudar de alguma forma

pela união das seitas, ajudo, estou disposta. Se

precisarem de minha presença, me levem, eu vou,

essas poucas palavras eu direi.”

Fonte: NÓBREGA, Cida e ECHEVERRIA, Regina. Mãe

Menininha do Gantois: uma biografia. Rio de

Janeiro, Editora Ediouro Publicações, 2006. pp. 112-

113

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Aula 1| Religião e periferia 22

o satisfaçam. A dupla filiação religiosa como, por

exemplo, uma mulher cristã, eventualmente, frequenta

um terreiro para desamarrar seu sucesso, desfazer um

trabalho ou reconquistar seu companheiro. O trânsito

religioso não é exclusividade da periferia, mas é nela

que o indivíduo tem mais liberdade, pois as religiões

com práticas tradicionais têm um controle menor por

parte das lideranças religiosas, especialmente pelo

difícil acesso à região. Já nos centros, locais em que é

mais fácil o controle do fiel, este é inibido à participação

em outros movimentos religiosos.

Soberano desde muitos séculos, o catolicismo

sofreu forte influência da diversidade religiosa em

tempos de globalização. Em 2003, os bispos católicos,

preocupados com o declínio da religião, elaboraram um

documento que apontou as causas da crise e sugerindo

TRÂNSITO RELIGIOSO

Até o início do século XX, 99% dos brasileiros se

diziam católicos. Houve uma queda para 83,3% em

1991 e para 73,89% em 2000. Dos católicos

declarados, há uma perda de 9,41 pontos

percentuais em menos de 10 anos. Pautado no

recenseamento do IBGE, o Atlas da filiação religiosa

indicou um fator que provocou a crise da Igreja

Católica na atualidade: o crescimento das igrejas

evangélicas pentecostais de 6% para 10,6% e para

o grupo dos "sem religião", que subiu de 4,7% para

7,4% da população. O crescimento dos “sem

religião” não traduz o crescimento do ateísmo, mas

o declínio das instituições tradicionais, dando espaço

para uma espiritualidade não institucionalizada

como, por exemplo, os adeptos do esoterismo e da

nova era. Na área rural, as religiões tradicionais,

com matrizes europeias se mantêm fortes. No

campo, 84,26% da população se declara católica,

enquanto 10,25% são evangélicas. Os dados do

IBGE demonstram clara desigualdade sócio-

econômica até no interior de bairros de uma mesma

cidade. Com base nesta premissa, observamos

também a transformação religiosa que ocorreu em

todo o mundo.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 – Site:

www.ibge.gov.br acesso em 23 de setembro de

2009

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Aula 1| Religião e periferia 23

estratégias missionárias de ação. Esse Plano de Ação

Missionária Permanente teve por finalidade responder

aos desafios suscitados pelo recente mapa religioso.

Com isso, concluíram que: “Existem

necessidades religiosas que não estão recebendo

respostas adequadas por parte da ação evangelizadora

e pastoral, mais ainda nas periferias, onde a diminuição

do número de católicos é acentuada (...) é preciso

descobrir nossos limites e criar um projeto de ação

missionária permanente...”.

Sobre o crescimento da diversificação religiosa

no Brasil, Jacob diz: “Pode-se concluir que esse

processo, que teve início nos anos 1980, está

relacionado a três elementos fundamentais da dinâmica

da ocupação do território brasileiro: a preexistência de

espaços não católicos ligados à história do

povoamento; o avanço de frentes pioneiras, onde os

pastores pentecostais encontram terreno favorável

junto a uma população migrante desenraizada; e a

urbanização acelerada que favorece o surgimento de

novas religiões, ou a difusão de religiões vindas do

exterior.”

Junto à Igreja Católica, outras confissões

religiosas de cunho mais tradicionais observam o

decrescimento de seus fiéis, ocasionado pelas

deficiências em atingir as regiões mais periféricas. Com

isso, a ação missionária abrange apenas os centros das

grandes cidades.

Já muitos dos novos e menores movimentos

religiosos em ascensão têm o diferencial de se

localizarem na periferia, facilitando a locomoção dos

seus participantes.

Dica de leitura

O Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil é um excelente instrumento de pesquisa para o estudioso das religiões, associando a religião ao quadro geográfico das transformações sociais do país. Reúne diversos mapas, tabelas, gráficos do campo religioso brasileiro. JACOB, César Romero (org). Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil. Rio de Janeiro: PUC; São Paulo: Loyola, 2003.

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Aula 1| Religião e periferia 24

A religião e a urbanização

Se observarmos os dados estatísticos,

perceberemos que a religião sofre uma regionalização.

Esta “administração periférica da religião” tem vindo,

aliás, a tornar-se cada vez mais importante. A atividade

religiosa na periferia é controlada pelas populações

locais. Cada região ou território se diferencia das outras

por apresentar particularidades próprias. No bairro

existem moradias e lugares de trabalho, além de infra-

estrutura e pontos de relacionamento social, como

igrejas, administração, lojas. Estes locais servem como

pontos de conexão entre as mais variadas relações e

práticas sociais. Neste sentido, regionaliza-se não

somente a estrutura da vida cotidiana, mas também as

práticas religiosas e o pentecostalismo assumem

matizes próprias ficando “reféns” da criatividade

simbólica das populações periféricas.

Em setores da região Norte e Centro-Oeste do

Brasil, por exemplo, os pentecostais atingem mais de

16% da população. Já o catolicismo teve uma queda

considerável nas regiões mais pobres e periféricas.

Desde a Idade Média, o saber era reservado à

Igreja Católica. Com a urbanização, o aumento de

redes sociais favoreceu o processo de inculturação. Na

globalização, temos o acesso à informação em tempo

real, bem como o avanço tecnológico e científico. Essas

conquistas da modernidade são alternativas que

certamente contribuem para o distanciamento da

religião.

Max Weber desenvolve o conceito de

desencantamento do mundo, a desmagificação na qual

o indivíduo passa a racionalizar a religião, deixando de

ser místico e não mais atribuindo a intervenção divina

na história. Por isso, o espaço da religião é perdido ou

Importante

Você já parou para pensar: Como seriam nossas vidas sem a globalização e os avanços da modernidade, como a medicina, a eletricidade e a internet?

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Aula 1| Religião e periferia 25

transferido para a ciência. A partir desta ótica, as

instituições religiosas estão agora muito mais

conectadas à ação subjetiva do indivíduo, atendendo

seus desejos pessoais ou ainda comprometidos com a

ação coletiva na sociedade.

Contudo, houve uma migração de parte dos

seguidores das instituições religiosas para organizações

com ideologias mais comprometidas com causas sócio-

políticas como, por exemplo, nos partidos políticos e

ONGs. Essa ação gerou dissidências com os

movimentos que “esperam em Deus” como o provedor

da história, crendo que religião e política não se

misturam. Esse fato pode ter ocasionado um

esvaziamento das comunidades que se mobilizavam

mais para uma ação social que religiosa.

Dica de leitura

Para conhecer um pouco mais sobre o desencantamento do Mundo e as teorias de Weber: WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo, 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1985. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: UNB, 1991.2000.

DESENCANTAMENTO DO MUNDO OU

DESMAGIFICAÇÃO

Em seu estudo sobre Sociologia da Religião, Max

Weber analisa a evolução da magia (coerção divina)

para a religião (serviço divino), dando espaço para a

ética religiosa.

O desencantamento do mundo pela religião confere

sentido ao mundo – é a desmagificação, o processo

no qual utilizamos a ciência e a racionalização para a

compreensão do mundo. O ser religioso, dotado de

ética, renuncia compreensões mágicas e utiliza a

ciência para a compreensão dos fenômenos antes

explicados pela teologia. Neste caso, Religião e

Ciência se complementam. A tempestade e os

trovões, por exemplo, não são sinais da fúria dos

deuses, mas um fenômeno natural explicado

cientificamente.

Já o desencantamento do mundo pela natureza – a

desnaturalização, relega a religião ao irracional.

Esse processo se aplica quando o cientista relega a participação de Deus na história.

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Aula 1| Religião e periferia 26

Periferia e segregação

Entre os moradores de regiões periféricas, a

reflexão dos problemas sociais tem sido menos

importante que a aceitação social. Por isso, o

movimento mais crescente entre estes é o

neopentecostalismo, profundamente subjetivo e

intimista, que incita à autoajuda e envolve seus fiéis

em soluções imediatas para as angústias e os

problemas reais e cotidianos. Os segregados são

acolhidos e Deus fala com cada um, pessoalmente.

Ainda na periferia, o Atlas da Filiação Religiosa

observa o perfil dos fiéis: em sua maioria, são

mulheres, trabalhadores informais, não brancos, com

renda e escolaridade menor que nos centros.

Segundo o IBGE, cidades onde centro e periferia

se aproximam ou mesmo se fundem, como é o caso do

Rio de Janeiro, são os locais mais propícios para o

MAXIMILLIAN CARL EMIL WEBER

Nasceu na Alemanha (1864-1920). Jurista e

economista, é considerado, juntamente com Karl

Marx e Émile Durkheim, um dos modernos

fundadores da Sociologia. É conhecido, sobretudo,

pelo seu trabalho sobre a Sociologia da Religião. Seu

pai, protestante, era uma figura autocrata. Sua mãe

uma calvinista moderada. Weber escreveu a Ética

protestante e o espírito do Capitalismo, um ensaio

fundamental sobre as religiões e a afluência dos

seus seguidores.

Fonte:http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u508.jhtm

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Aula 1| Religião e periferia 27

pluralismo religioso, comportando entre católicos

tradicionais, pentecostais e a maior população de

religiões afro-brasileiras.

Outro ponto a se analisar é que o paradigma de

religião única é insuficiente, considerando a constante

migração, principalmente de católicos. Estes, por sua

vez, visam a liberdade, não se satisfazem com a

imposição romana tradicional em temas como o aborto,

o divórcio e métodos contraceptivos. As formas de

controle moral-tradicional são reduzidas, imprimindo

uma pseudoautonomia dando lugar a outras formas de

controle social, como o consumismo e a televisão. O

indivíduo que se sente coagido pela religião desobedece

a determinadas decisões de sua igreja, mas nem por

isso abandona sua fé. Aceita o que lhe parece razoável

e descarta o que discorda. Isso enfraquece as matrizes

religiosas. Contudo, força cada religião a refletir sobre

sua missão efetiva, seus aspectos de doutrinação e a

dupla pertença religiosa.

EXERCÍCIO 1

Descreva o que significa desencantamento do mundo e

desmagificação.

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

Os movimentos religiosos das grandes

metrópoles

As metrópoles se caracterizam por uma

realidade dinâmica, em constante mudança, com a

inter-relação de grupos sociais distintos devido à

Dica de filme

Para aprofundamento do tema, o filme “Fé” é um documentário sobre a religião e a fé no Brasil de hoje. Apresenta a importância da fé para uma significante parcela do povo brasileiro. FÉ, Documentário, 1999, 91 minutos, Direção: Ricardo Dias, Produção: Superfilmes.

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Aula 1| Religião e periferia 28

aproximação entre centro e periferia, bem como a

segregação do pobre, condicionado à periferia.

O indivíduo marginalizado recorre à cultura

regional ou adere a organizações não governamentais

ou movimentos religiosos em busca de aceitação.

As grandes cidades possuem melhores recursos,

seja como meios de transporte, acesso à saúde,

proximidade ao comércio e lazer. E o processo de

inculturação se dá de forma mais eficiente do que nas

regiões do interior, pelo contato com uma pluralidade

de culturas.

A pobreza não é um fator para a adesão

religiosa. Mas para aqueles que estão inseridos na

sociedade de consumo, há opções materiais que os

saciem. Já os pobres precisam de um sentido de

inserção social que dificilmente se dará no capitalismo.

A periferia pode ser um espaço de promoção da

cidadania, de mobilização por melhores condições de

vida e fomento de solidariedade, reconhecendo as

habilidades de cada indivíduo.

Quanto mais alto o grau de formação e renda e

poder de consumo, menor a busca de participação em

instituição religiosa. A religião acaba sendo substituída

por centros culturais. Isso identifica que um indivíduo,

com maiores condições de formação acadêmica e

cultural, define para si a capacidade de realização e

prosperidade. Já entre alguns grupos religiosos de

segregados, a busca espiritual pela solução dos

problemas torna-se uma estratégia de atribuir às

divindades sua prosperidade.

A presença dos diversos templos de

denominação cristãos, centros espíritas e terreiros são

encontrados nas favelas e periferias, inúmeros grupos

Importante

A família é o primeiro e um dos mais fortes elos de socialização. Durante muito tempo foi responsável pela manutenção e reprodução da religião. No entanto, a adesão a novos valores religiosos tem fragmentado esse papel no qual a afiliação religiosa é menos importante que o grupo ideológico a que o indivíduo pertence.

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Aula 1| Religião e periferia 29

religiosos de rap religioso, liturgia e terreiros, com

diferentes expressões religiosas.

Há uma grande concentração de pequenas

igrejas evangélicas nas periferias, facilitando a

locomoção dos indivíduos que preferem a proximidade

de suas residências. Já nas religiões orientais, bem

como entre os mais ricos, a pertença à tradição

religiosa familiar persiste.

A migração religiosa na periferia parece mais

intensa que nos grandes centros. Um indício é a

estratégia dos líderes religiosos que são mais incisivos

no papel de “pastores” que pastoreiam suas ovelhas. É

certo que os fiéis de hoje desejam essa presença mais

marcante da religião. Tanto que religiões como o

Islamismo e o Cristianismo da Assembleia de Deus e

Congregação Cristã, vistos como mais severas do ponto

de vista da liberalização de costumes, são religiões em

ascendência.

Há os movimentos religiosos que ultrapassam as

barreiras da piedade e religiosidade popular e se

inserem nos meios periféricos onde os pobres e

excluídos se articulam comprometidos com a justiça

social em instituições sociais e populares, em favor de

utopias sociais e políticas em luta pelos direitos

humanos. É esta forma de religião popular que motivou

os pobres e movimentos populares na busca de

mudança social. As CEBs (Comunidades Eclesiais de

Base), por exemplo, foram comunidades católicas que

impulsionaram a luta contra a ditadura militar e

especialmente na reivindicação de melhorias para as

periferias, como água, saneamento, transporte para os

menos favorecidos.

Outra religião a ser analisada é o Islamismo, a

religião que mais cresce no mundo devido à alta taxa

Dica de leitura

Para aprofundamento sobre as matrizes religiosas da cultura negra no Brasil, leia: BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. V. 1 e 2. São Paulo, Pioneira, 1971. LOPES, Ney. Malês – o Islã negro no Brasil. In NASCIMENTO, Elisa Larkin (org), Matrizes negras e africanas no Brasil. São Paulo, Selo Negro edições, 2008.

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Aula 1| Religião e periferia 30

de natalidade nos países muçulmanos. No Brasil, o Islã

tem se inserido entre os pobres das periferias das

grandes cidades.

Um dos recursos para a reversão (termo

utilizado para os muçulmanos para a conversão) dos

jovens que se tornam ativistas como resposta à

desigualdade social é o rap, um estilo musical que

inspira os segregados, constituídos basicamente de

pobres e negros a descreverem a dura realidade das

periferias e a refletirem suas histórias marcadas pela

submissão.

Seus adeptos veem na religião a recuperação de

uma identidade sequestrada pela escravidão. Eles se

organizam para diminuírem a discriminação no país.

Estes seguidores - grande parte envolvida em

organizações solidárias e em movimentos negros -

veem nos Malês e em Malcolm X modelos de

resistência a serem seguidos.

Foto: O ISLÃ NA LAJE, Carlos Soares Correia

virou Honerê Al-Amin Oadq. Ele é um dos principais

divulgadores muçulmanos do ABC paulista. Na foto, na

periferia de São Bernardo do Campo, onde vive, reza e

faz política

A REVOLTA DOS MALÊS

A história do Islamismo no Brasil se dá desde a

escravidão, com a chegada dos africanos

muçulmanos. Em 1835, ocorreu a Revolta dos

Malês, liderada por escravos urbanos. Articulados,

tornaram-se uma ameaça à segurança dos

poderosos. Os escravos foram vencidos e

dispersados - muitos foram deportados, outros

mortos e os que ficaram tiveram suas práticas

religiosas proibidas.

A expressão Malê vem de imalê, que na língua

iorubá significa muçulmano. Diferiam dos outros

negros por não beberem, não fumarem e saberem escrever.

Carlos Soares Correia

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Aula 1| Religião e periferia 31

Fonte:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI25

342-15228,00-

ISLA+CRESCE+NA+PERIFERIA+DAS+CIDADES+DO+B

RASIL.html acessado em 26/12/2009.

Com o crescimento do Islã na periferia das

cidades do Brasil, jovens negros se tornam ativistas

como resposta à desigualdade social. Utilizando do rap

para refletir suas histórias marcadas pela submissão,

seus adeptos veem na religião a recuperação de uma

identidade sequestrada pela escravidão.

Dugueto Sharif Al Shabazz, um dos militantes

islâmicos, em entrevista à Revista Época (Janeiro de

2009), questiona: “Dizem que não existe raça e somos

todos brasileiros, mas qual é a cor que predomina nas

cadeias, na Febem e nas favelas? Negros”, afirma. “Não

queremos vingança, só nosso lugar numa sociedade

que ajudamos a construir. O islã não tem cor, é para

todos. Mas somos negros numa sociedade racista.

Então temos problemas à parte para resolver e nos

posicionarmos.”

O mapa da diversidade socioeconômica identifica

o pobre como quem enfrenta preconceitos por sua

situação de pobreza, desigualdade social, econômica e

na cidadania, como sua condição racial ou aparência

física, como se veste, por morar na periferia ou nas

favelas. Por ser discriminado pela sociedade é tangido

para a periferia. Não há espaço para a pobreza nos

centros comerciais. Segregado à periferia, o pobre não

encontra trabalho nem conseguirá ser incluído pela

sociedade moderna e excludente.

É difícil discernir as causas da diversidade

religiosa, tão impressionante no país. Mas, se a

sociedade consumista ignora a periferia, ela reinventa

Dica de filme

Dica de Filme Malcolm X, um dos mais carismáticos ativistas negros, teve sua infância dividida entre guetos pobres e orfanatos nos EUA. Envolvido com tráfico e furtos, reverteu-se ao Islamismo na prisão.

Passou do ódio aos brancos a defender os direitos dos negros e a pacificação das raças. Após seu assassinato, sua militância religiosa se tornou referência para os jovens, negros e pobres que se identificaram com sua história. MALCOLM X, Drama, 1992, 192 minutos. Direção: Spike Lee

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Aula 1| Religião e periferia 32

meios de ser aceita, e os movimentos sociais, incluindo

as religiões, são uns dos poucos espaços onde o pobre

pode se manifestar. Para ser aceito como é, na

condição de negro, pobre, desprovido dos bens

necessários para a sua inclusão no capitalismo

consumista ou para transformar essa situação, sair da

condição de pobre e ser bem-sucedido, como determina

a Teologia da Prosperidade.

O compositor Gilberto Gil, na música Guerra

Santa, critica a manipulação, ou melhor, a

comercialização da fé.

GUERRA SANTA - GILBERTO GIL

Ele diz que tem, que tem como abrir o portão do céu

Ele promete a salvação

Ele chuta a imagem da santa, fica louco-pinel

Mas não rasga dinheiro, não

Ele diz que faz, que faz tudo isso em nome de Deus

Como um Papa da Inquisição

Nem se lembra do horror da Noite de São

Bartolomeu

Não, não lembra de nada não

Não lembra de nada, é louco

Mas não rasga dinheiro

Promete a mansão no paraíso

Contanto que você pague primeiro

Que você primeiro pague o dinheiro

Dê sua doação, e entre no céu

Levado pelo bom ladrão

Ele pensa que faz do amor sua profissão de fé

Só que faz da fé profissão

Aliás, em matéria de vender paz, amor e axé

Ele não está sozinho não

Eu até compreendo os salvadores profissionais

Sua feira de ilusões

Só que o bom barraqueiro que quer vender seu

peixe em paz

Deixa o outro vender limões

Um vende limões, o outro

Vende o peixe que quer

O nome de Deus pode ser Oxalá

Jeová, Tupã, Jesus, Maomé

Maomé, Jesus, Tupã, Jeová

Oxalá e tantos mais Sons diferentes, sim, para sonhos iguais.

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Aula 1| Religião e periferia 33

PARA ENTENDERMOS MELHOR

Formaram-se diversos tipos de indivíduos no

campo religioso moderno. Entre eles estão:

Os que se afastaram da religiosidade popular

mítica, abandonando um mundo de magias e

usufruindo da Ciência. Para eles, a religião

passou a ser secundária ou mesmo

desnecessária;

Outros viram na religião formas de resistência

e luta coletiva por um mundo melhor. Militam

neste grupo pobres, segregados à margem da

sociedade;

Há aqueles que encontraram em Deus o

provedor da história. Para eles, a religião se

tornou um meio de inclusão social. São

ignorados pelo mundo, mas aceitos pela

comunidade religiosa;

Um grupo que denominamos “consumidor

religioso” utiliza elementos que lhes agradem

em cada religião e monta seu perfil religioso.

Somos convidados a promover a inclusão social

dos moradores das periferias, para isso, precisamos

estar atentos às dinâmicas sociais, erradicando a

segregação. Essa é uma tarefa árdua, mas necessária!

(...) A luta em favor dos famintos e

destroçados nordestinos, vítimas não

só das secas, mas, sobretudo, da

malvadez, da gulodice, da insensatez

dos poderosos, quanto a briga em

favor dos direitos humanos, onde quer

que ela se trave. Do direito de ir e vir,

do direito de comer, de vestir, de dizer

a palavra, de amar, de escolher, de

estudar, de trabalhar. Do direito de

crer e de não crer, do direito à

segurança e à paz.

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Aula 1| Religião e periferia 34

FREIRE, Paulo. Pedagogia da

Indignação: cartas pedagógicas e

outros escritos. São Paulo: UNESP,

2000

Conclusão

Na modernidade, a Religião se tornou um meio

de contestação no espaço urbano no qual o indivíduo

busca aceitação na religião ou movimento religioso que

melhor se adapte.

Há a necessidade de se distinguir os desafios do

mundo de hoje. Devemos estar abertos ao diálogo num

espaço de encontro e reconhecimento da diversidade

respeitando o diferente como indivíduo passível de

igualdade.

Na cidade, o ensino religioso é desafiado a

promover a justiça, a solidariedade e a paz. A função

do educador comunitário é de defender a vida e a

integridade de todos. A inclusão social deve ultrapassar

as fronteiras geográficas e culturais.

É na periferia que podemos ter exemplos de

pessoas que se ajudam. Com a urbanização,

multiplicaram-se as cidades e, também, as periferias. É

lá que enfrentam as questões sociais e econômicas.

Desprovidos de apoio público, as comunidades têm na

vivência da fé o exemplo que devemos seguir.

Imbuídos de tradições, crenças diversas e significado,

adaptaram suas culturas com uma variedade de

símbolos. Como índios e negros escravos, foram

privados de suas crenças, mas resistiram inculturando

a religiosidade europeia. Cultivaram a terra para que

colhêssemos os frutos da prosperidade e da diversidade

religiosa. Edificaram nossas cidades, e nós os jogamos

à margem da sociedade. Mesmo assim, continuam a

crer em dias melhores, a crer num Deus ou em vários

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Aula 1| Religião e periferia 35

Deuses que clamam pela justiça e paz. No dia em que

deixarmos de lado nossas verdades absolutas, talvez

possamos ouvir os Deuses celebrarem conosco, pobres

e ricos, por um mundo mais igual.

EXERCÍCIO 2

Descreva as principais características dos movimentos

sociais nas grandes metrópoles.

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

A presença da religião nos meios urbanos e

sua relação com as periferias;

A questão da Modernidade, do sincretismo e

do trânsito religioso;

A religião e o processo de urbanização, bem

como a criação da periferia e a segregação

como fenômeno de marginalização;

Os movimentos religiosos das grandes

metrópoles.

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Candomblé

Alessandro Rodrigues Rocha.

AU

LA

2

Ap

res

en

taç

ão

Nesta aula discutiremos uma importante expressão da religião e

da cultura brasileira: o candomblé. Para tanto percorremos relatos

de sua origem, história, liturgia e teologia. A partir de um estudo

descritivo dessa importante tradição religiosa procuraremos

oferecer subsídios para uma prática docente responsável.

Ob

jeti

vo

s

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja

capaz de:

Discutir com propriedade a origem e o desenvolvimento do

candomblé, bem como suas principais características;

Compreender a dinâmica religiosa e social que ocorre ao

entorno dessa religião tão brasileira e ao mesmo tempo tão

desconhecida e, por isso mesmo, alvo de tantos preconceitos.

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Aula 2| Candomblé 38

Candomblé – Introdução.

O que é o candomblé, como se prepara a festa,

quem são os orixás, como funciona um terreiro, os

rituais de iniciação, a sabedoria dos búzios e sua

origem e misturas.

Os navios negreiros que chegaram entre os

séculos XVI e XIX traziam mais do que africanos para

trabalhar como escravos no Brasil Colônia. Em seus

porões, viajava também uma religião estranha aos

portugueses. Considerada feitiçaria pelos colonizadores,

ela se transformou, pouco mais de um século depois da

abolição da escravatura, numa das religiões mais

populares do país.

Candomblé – Um pouco de sua história.

O Candomblé é uma religião originária da África,

trazida ao Brasil pelos negros escravizados na época da

colonização brasileira. A presença das religiões

africanas é uma conseqüência imprevista do tráfico dos

escravos, que determinou a afluência de cativos Gegês

e Nagôs (Daomeanos e Yorubás), trazidos da Costa dita

dos Escravos e desembarcados, principalmente, na

Bahia e em Pernambuco. A extraordinária resistência

oposta pelas religiões africanas às formas de alienação

e de extermínio haveria de surpreender. A religião foi

tolerada porque os senhores julgavam as danças e os

batuques simples divertimentos de negros nostálgicos,

úteis para que eles guardassem a lembrança de suas

origens diversas e de seus sentimentos de aversão

recíproca.

O Candomblé se difundiu no Brasil no século

passado, com a migração de africanos como escravos

para os senhores de terra. A população escrava no

Brasil consistia quase totalmente de negros de Angola.

Dica de leitura

BASTIDE, Roger - As Religiões Africanas no Brasil: Contribuição para uma Sociologia das Interpenetrações de Civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989. MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (Org.) - Candomblé Desvendando Identidades: Novos Escritos sobre a Religião dos Orixás. São Paulo: EMW, 1987.

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Aula 2| Candomblé 39

No momento da chegada dos nagôs, um século e meio

de escravidão havia passado, distribalizando o negro e

apagando seus costumes, crenças e sua língua

nacional. Mas o elemento africano, resistiu e criou uma

forma de cultuar seus deuses através do sincretismo

com os santos católicos.

Mesmo levando em conta a pressão social e

religiosa, era relativamente fácil para os escravos, na

sonolência geral, reinstalar na Bahia as crenças e

práticas religiosas que trouxera da África, pois, a igreja

católica estava cansada do esforço despendido na

criação de irmandades de negros como tentativa de

anular toda sua cultura, mas todos os meses novas

levas de escravos, adeptos ao culto aos Orixás,

desembarcavam na Bahia.

Por volta de 1830 três negras conseguiram

fundar o primeiro templo de sua religião na Bahia,

conhecida como Ylê Yá Nassó, casa da mãe Nassó.

(Nassó seria o título de princesa de uma cidade natal

da costa da África). Esta seria a primeira a resistir às

opressões católicas, desta casa se originam mais três

que sobrevivem até hoje e que fazem parte do grande

Candomblé da Bahia, sendo elas: O Engenho velho ou

Casa Branca, Gantóis, cuja ilustre dirigente foi mãe

menininha do gantóis (falecida em 1986) e do Alaketu.

Os Candomblés se diversificaram desde 1830, a

medida que a religião dos nagôs se firmava, primeiro

entre os escravos e for fim, no seio do povo. Hoje há

quatro tipos de Candomblé ou Candomblé de quatro

nações: Kêtu (povo nagô), Jêje (povo nagô, mas

obedientes a uma outra cultura), Angolacongo (povo

bantu, este culto é mais abrasileirado) e de caboclo

(cultuam mais os caboclos, mistura-se com a

Umbanda).

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Aula 2| Candomblé 40

O Candomblé baseia-se no culto aos Orixás,

deuses oriundos das quatro forças da natureza: Terra,

Fogo, Água e Ar. Os Orixás são, portanto, forças

energéticas, desprovidas de um corpo material. Sua

manifestação básica para os seres humanos se dá por

meio da incorporação. O ser escolhido pelo orixá, um

dos seus descendentes, é chamado de elegum, aquele

que tem o privilégio de ser montado por ele. Torna-se o

veículo que permite ao orixá voltar à Terra para saudar

e receber as provas de respeito de seus descendentes

que o evocaram. Cada orixá tem as suas cores, que

vibram em seu elemento visto que são energias da

natureza, seus animais, suas comidas, seus toques

(cânticos), suas saudações, suas insígnias, as suas

preferências e suas antipatias, e aí daquele que

devendo obediência os irrita.

A síntese de todo o processo seria a busca de

um equilíbrio energético entre os seres materiais

habitantes da Terra e a energia dos seres que habitam

o orum, o suprareal (que tanto poderia localizar-se no

céu - como na tradição cristã - como no interior da

Terra, ou ainda numa dimensão estranha a essas duas,

de acordo com diferentes visões apresentadas por

nações e tribos diferentes).

Cada ser humano teria um orixá protetor, ao

entrar em contato com ele por intermédio dos rituais,

estaria cumprindo uma série de obrigações. Em troca,

obteria um maior poder sobre suas próprias reservas

energéticas, dessa forma teria mais equilíbrio. Cada

pessoa tem dois Orixás. Um deles mantém o status de

principal, é chamado de orixá de cabeça, que faz seu

filho revelar suas próprias características de maneira

marcada. O segundo orixá, ou ajuntó, apesar de

distinção hierárquica, tem uma revelação de poder

muito forte e marca seu filho, mas de maneira mais

sutil. Um seria a personalidade mais visível

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Aula 2| Candomblé 41

exteriormente, assim como o corpo de cada pessoa,

enquanto o outro seria a face oculta de sua

personalidade, menos visível aos que conhecem a

pessoa superficialmente, e às potencialidades físicas

menos aparentes.

Como qualquer outra religião do mundo, o

Candomblé possui cerimoniais específicos para seus

adeptos, porém, esses ritos mostram singularidades

especialíssimas, como a leitura de búzios (um primeiro

e ocular contato com os Orixás), a preparação e

entrega de alimentos para cada uma das entidades ou

as complexas e prolongadas iniciações dos filhos-de-

santo. Através da observância desses procedimentos é

que o Candomblé religa os humanos aos seres astrais,

proporcionando àqueles o equilíbrio desejado na

existência.

O CANDOMBLÉ a uma estrutura de culto às

forças da natureza, a um hino à vida como Eterno

Movimento, que se manifesta nas danças, nas cores

dos ORIXÁS, nos alimentos sacramentais. Ritual

comunitário de cantos, danças e alimentos sagrados na

sua forma pública, o Candomblé é sacramentado pelo

Pai ou Mãe de Santo, pelos Filhos de Santo, pelos

tocadores de atabaque (OGAN), que entoam os cantos

sagrados possibilitando a vinda do ORIXÁ, com a

participação da comunidade dos mais velhos às

criancinhas. Todos cantam e saúdam os ORIXÁS,

executam a dança sagrada, num hino à Alegria, Amor e

Partilha.

O CANDOMBLÉ se expressa nos terreiros ou

roças, onde se cultuam os ORIXÁS e os ancestrais

ilustres. O terreiro contém dois espaços, com

características e funções diferentes: (a) um espaço

urbano, construído, onde se dá a dança; (b) um espaço

virgem (árvores e uma fonte, equivalentes à floresta

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Aula 2| Candomblé 42

africana), que é considerado sagrado. O chefe supremo

do terreiro é o BABALORIXIÁ ou IYALORIXÁ (pai ou

mãe que possuem o ORIXÁ). Eles são detentores de um

poder sobrenatural - o AXÉ, a força propulsora de todo

Universo. O AXÉ impulsiona a prática sagrada que, por

sua vez, realimenta o AXÉ, pondo todo sistema em

movimento. O AXÉ sendo principio e força é neutro.

Transmite-se, aplica-se e combina-se aos elementos

naturais, que contam e expressam o AXÉ do terreiro,

que pode ser: (a) o AXÉ de cada ORIXÁ, realimentado

através das oferendas e da ação ritual; (b) o AXÉ de

cada membro do terreiro, somado ao do seu ORIXÁ,

recebido na iniciação, mais o AXÉ do seu destino

individual (ODU) e o herdado dos próprios ancestrais;

(c) o AXÉ dos antepassados ilustres.

O AXÉ como força pode diminuir ou aumentar

dependendo da prática litúrgica e rigorosa observância

dos deveres e obrigações. A força do AXÉ é contida e

transmitida através de elementos representativos do

reino vegetal, animal e mineral (oferendas) e podem

ser agrupados em três categorias: (a) sangue vermelho

do reino animal (sangue), vegetal (azeite de dendê) e

mineral (cobre); (b) sangue branco do reino animal

(sêmen, a saliva), vegetal (seiva), mineral (giz); (c)

sangue preto do reino animal (cinzas de animais),

vegetal (sumo escuro de certos vegetais) e mineral

(carvão, ferro). Estes três tipos de sangue, por onde

veicula o AXÉ, com sua coloração, vai determinar a

fundamental importância da cor no culto. Resumindo: o

AXÉ é, portanto, um poder que se recebe, partilha-se e

distribuí-se através da prática ritual, da experiência

mística e iniciática, conceitos e elementos simbólicos

servindo de veículo. É a força do AXÉ que permite que

o ORIXÁ venha e realize-se.

A existência transcorre em dois planos: o AIYE

(mundo, habitação do homem) e o ORUN (além,

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Aula 2| Candomblé 43

habitação dos ORIXÁS, mundo paralelo ao mundo real,

que coexiste com todos os conteúdos deste). Cada

indivíduo, árvore, animal, cidade etc, possui um duplo

espiritual e abstrato no ORUN. Os mitos revelam que,

em épocas remotas, o AIYÉ e o ORUN estavam ligados,

e os homens podiam ir e vir livremente de um local a

outro. Houve, porém, a violação de uma interdição e a

conseqüente separação e o desdobramento da

existência. Um mito da criação nos conta que nos

primórdios, nada existia além do ar. Quando OLORUN

começou a respirar, uma parte do ar transformou-se

em massa de água, originando ORIXALÁ - o grande

ORIXÄ FUNFUN do branco. O ar e as águas moveram-

se conjuntamente e uma parte deles transformou-se

em bolha ou montículo uma matéria dotada de forma -

um rochedo avermelhado e lamacento. OLORUN soprou

vida sobre ele e com seu hálito deu a vida a EXU, o

primeiro nascido, o procriado, o primogênito do

Universo.

OLORUN abrange todo espaço e detém três

poderes que regulam e mantém ativos a existência e o

Universo: IWÁ, que permite ao Universo genérico o ar,

a respiração; AXÉ, que permite a existência advir

dinâmica; ABÁ, que outorga propósito e dá direção. Ou

como diz o poeta Moraes Moreira em "Pensamento

Ioruba": Para tudo ser tem que ter IWA. Para vir a ser

tem que ter AXÉ. Para o sempre ser tem que ter ABÁ.

Ao combinar esses três poderes de forma específica,

OLORUN transmite-os aos IRUNMALÉ, entidades divinas

que remontam aos primórdios de universo,

encarregados de mantê-las nas diferentes esferas de

seu domínio. Os IRUNMALÉ seriam em número de

seiscentos, quatrocentos da direita (os ORIXÁS,

detentores dos poderes masculinos) e duzentos da

esquerda (os EBORAS, detentores dos poderes

femininos). Os ORIXÁS são massas de movimentos

lentos, serenos, de idade imemorial. Estão dotados de

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Aula 2| Candomblé 44

um grande equilíbrio que controlam as relações do que

nasce, do que morre, do que é dado, do que deve ser

resolvido. São associados à Justiça e ao equilíbrio,

principio regulador dos fenômenos cósmicos, sociais e

individuais.

EXERCÍCIO 1

Defina em suas palavras o que é o Candomblé e, quais

os seus principais elementos.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

Entendendo o que é o Candomblé.

A principal diferença entre os vários tipos de

candomblé é a origem étnica.

Há quatro tipos de candomblé:

O Queto, da Bahia,

O Xangô, de Pernambuco,

O Batuque, do Rio Grande do Sul,

O Angola, da Bahia e São Paulo.

O Queto chegou com os povos nagôs, que falam

a língua iorubá. Saídos das regiões que hoje

correspondem ao Sudão, Nigéria e Benin, eles vieram

para o Nordeste. Os bantos saíram das regiões de

Moçambique, Angola e Congo para Minas Gerais, Goiás,

Rio de Janeiro e São Paulo (em amarelo, no mapa).

Criaram o culto ao caboclo, representante das

entidades da mata.

Importante

Informações mais completas sobre o candomblé, bem como sua liturgia, história e teologia podem ser dadas pela Federação do Candomblé do Brasil (FECAB) http://www.fecab.org.br/cultura/index.asp

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Aula 2| Candomblé 45

Candomblé não é umbanda. As duas são

religiões afro-brasileiras. Umbanda é a mistura do

candomblé com espiritismo.

Candomblé

Deuses: Orixás de origem africana. Nenhum

santo é superior ou inferior a outro. Não

existe o Bem e o Mal, isoladamente.

Culto: Louvação aos orixás que incorporam

nos fiéis, para fortalecer o axé (energia vital)

que protege o terreiro e seus membros.

Iniciação: Condição essencial para participar

do culto. O recolhimento dura de sete a 21

dias. O ritual envolve o sacrifício de animais,

a oferenda de alimentos e a obediência a

rígidos preceitos.

Música: Cânticos em língua africana,

acompanhados por três atabaques tocados

por iniciados do sexo masculino.

Umbanda

Deuses: As entidades são agrupadas em

hierarquia, que vai dos espíritos mais baixos

(maus) aos mais evoluídos (bons).

Culto: Desenvolvimento espiritual dos

médiuns que, quando incorporam, dão passes

e consultas.

Iniciação: Não é necessária. O recolhimento é

de apenas um ou dois dias. O sacrifício de

animais não é obrigatório. O batismo é feito

com água do mar ou de cachoeira.

Música: Cânticos em português,

acompanhados por palmas e atabaques,

tocados por fiéis de qualquer sexo.

Importante

Informações mais completas sobre o Umbanda, bem como sua liturgia, história e teologia podem ser dadas pela Federação Brasileira de Umbanda. http://www.fbu.com.br/

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Aula 2| Candomblé 46

EXERCÍCIO 2

Descreva as principais diferenças entre o Candomblé e

a Umbanda.

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____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

A hierarquia de uma casa-de-santo. Como

se organiza o Condomblé

Cada iniciado tem uma função dentro do terreiro

e, nem todos recebem santo.

Abiã - Noviço, primeiro degrau da hierarquia.

Após iniciado, será filho-de-santo.

Iaô - Filho-de-santo, segundo degrau na

hierarquia. Podem ou não receber santo.

Ebômi - Terceiro degrau. Iaô que cumpriu as

obrigações de sete anos. Recebe santo.

Iabassê - Quarto degrau. Não recebe. É a

responsável pela cozinha do terreiro.

Agibonã - Mãe criadeira. Também quarto

degrau. Cuida dos iaôs durante o ritual de iniciação.

Não recebe santo.

Ialaxé - Quinto degrau. Zela pelas oferendas e

objetos de culto aos orixás. Não recebe santo.

Baba-quequerê e Iaquequerê - Sexto degrau.

Pai ou mãe-pequena. Recebe. Ajuda o pai ou mãe-de-

santo no comando do terreiro.

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Aula 2| Candomblé 47

Baba-lorixá e Ialorixá - Pai ou mãe-de-santo,

chefe do terreiro, último degrau da hierarquia. Recebe

santo e joga búzios.

Ajudantes sagrados - Pais e mães terrenos

dos orixás ficam fora da hierarquia.

Ogã - Filho-de-santo que não recebe. O Ogã

pode ser Axogum ou Alabê, conforme sua tarefa.

Axogum Ogã - responsável pelo sacrifício de

animais a serem ofertados aos orixás. Não recebe

santo.

Alabê Ogã - tocador dos atabaques e

instrumentos rituais. Não recebe santo.

Equede - Paralela ao Ogã. Não recebe. Cuida

dos orixás incorporados e de seus objetos.

O calendário litúrgico

No Candomblé muitas festas não têm dia certo

para acontecer. Elas normalmente estão associadas aos

dias santos do catolicismo. Mas as datas podem variar

de terreiro para terreiro, de acordo com a

disponibilidade e as possibilidades da comunidade. De

maneira geral, o que importa é comemorar o orixá na

sua época. As principais festas, ao longo do ano, são as

seguintes:

Abril: Feijoada de Ogum e festa de Oxóssi

(associado a São Sebastião), em qualquer

dia.

Junho: Fogueiras de Xangô (associados a São

João e São Pedro), dias 25 e 29.

Agosto: Festa para Obaluaiê (associado a São

Lázaro e São Roque) e festa de Oxumaré

(associado a São Bartolomeu), em qualquer

dia.

Dica do professor

Um bom aprofundamento sobra a liturgia do candomblé e de outras religiões afro-brasileiras pode ser encontrada em: http://www.fbu.com.br/cultos.htm

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Aula 2| Candomblé 48

Setembro: Começa um ciclo de festas

chamado Águas de Oxalá, que pode seguir

até dezembro. Festa de Erê, em homenagem

aos espíritos infantis (associados a São

Cosme e Damião). Festa das iabás (esposas

de orixás) e festa de Xangô (associado a São

Jerônimo), em qualquer dia.

Dezembro: Festas das iabás Iansã (Santa

Bárbara), dia 4, Oxum e Iemanjá (associadas

a Nossa Senhora da Conceição), dia 8.

Iemanjá também é homenageada na

passagem de ano.

Janeiro: Festa de Oxalá (coincide com a festa

do Bonfim, em Salvador), no segundo

domingo depois do dia de Reis, 6 de janeiro.

Quaresma: O encerramento do ano litúrgico

acontece durante os quarenta dias que

antecedem a Páscoa, com o Lorogun, em

homenagem a Oxalá.

Os antropomorfismos do Candomblé

Em qualquer terreiro, a entrada dos orixás na

festa segue sempre a mesma seqüência da ordem do

xirê. Depois de despachar Exu, o primeiro a entrar na

roda é Ogum, seguido de Oxóssi, Oba- luaiê, Ossaim,

Oxumaré, Xangô, Oxum, Iansã, Nanã, Iemanjá e

Oxalá.

Segundo a tradição, os deuses do candomblé

têm origem nos ancestrais dos clãs africanos,

divinizados há mais de 5 000 anos. Acredita-se que

tenham sido homens e mulheres capazes de manipular

as forças da natureza, ou que trouxeram para o grupo

os conhecimentos básicos para a sobrevivência, como a

caça, o plantio, o uso de ervas na cura de doenças e a

fabricação de ferramentas.

Dica do professor

Antropomorfismo é uma forma de pensamento que atribui características ou aspectos humanos a Deus, deuses, elementos da natureza, animais e constituintes da realidade em geral.

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Aula 2| Candomblé 49

Os orixás estão longe de se parecer com os

santos cristãos. Ao contrário, as divindades do

candomblé têm características muito humanas: são

vaidosos, temperamentais, briguentos, fortes,

maternais ou ciumentos. Enfim, têm personalidade

própria. Cada traço da personalidade é associado a um

elemento da natureza e da sua cultura: o fogo, o ar, a

água, a terra, as florestas e os instrumentos de ferro.

Na África Ocidental, existem mais de 200 orixás.

Mas, na vinda dos escravos para o Brasil, grande parte

dessa tradição se perdeu. Hoje, o número de orixás

conhecidos no país está reduzido a dezesseis. E,

mesmo desse pequeno grupo, apenas doze são ainda

cultuados: os outros quatro Obá, Logunedé, Ewa e

Irôco raramente se manifestam nas festas e rituais.

Os principais ritos do Candomblé

1 – Iniciação

As diversas fases da iniciação. Primeiro, o santo

indica a pessoa a ser iniciada. Depois, é preciso cumprir

outros três passos:

A - Bolar no santo

É o mesmo que cair no santo. Este é o sinal que

indica a necessidade de iniciação de uma pessoa no

candomblé. Acontece sem previsão, normalmente

numa festa: durante a dança e os cânticos o orixá se

manifesta no futuro filho-de-santo, que é agitado por

tremores e sobressaltos violentos. Quem já bolou conta

que sentiu arrepios, calor, fraqueza e sensação de

desmaio. Quando acorda no roncó (o quarto do terreiro

reservado à pessoa que bolou), o abiã não consegue se

lembrar de nada do que aconteceu.

Dica de leitura

VERGER, Pierre. Saída de Iaô - Cinco ensaios sobre a religião dos Orixás. Prefácio de Luis Pellegrini. São Paulo: Axis Mundi Editora, 2002.

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Aula 2| Candomblé 50

B - O bori

É a cerimônia que reforça a ligação entre o orixá

e o iniciado. O abiã se senta numa esteira, rodeado de

alimentos secos, aves, velas e objetos de seu orixá.

Ajudado pelos filhos já feitos, o pai ou a mãe-de-santo

sacrifica aves. O sangue é usado para marcar o corpo

do noviço e para banhar as oferendas ao orixá.

A cerimônia só termina quando as aves são

servidas aos membros da família-de-santo. Depois do

bori, o futuro filho-de-santo passa a assistir às

cerimônias e a preparar o enxoval (a roupa e os

adereços de seu orixá) para terminar a iniciação, com

as saídas de iaô.

C - Orô

Confinado ao quarto de recolhimento (roncó),

por 21 dias, o noviço conhece a hierarquia da casa, os

preceitos, as orações, os cânticos, a dança de seu

orixá, os mitos e suas obrigações. Durante esse tempo

ele toma infusões de ervas, que o deixam num estado

de entorpecimento e abrem espaço na sua mente para

o orixá. A cabeça é raspada e o crânio marcado com

navalha: é por esses cortes que o orixá vai entrar,

quando for incorporado. No final, o iniciado é batizado

com sangue de um animal quadrúpede, sacrificado.

Os iaôs são apresentados à comunidade, como

num baile de debutante. Na primeira saída, os iaôs

vestem branco em homenagem a Oxalá, pai de todos.

Saúdam o pai-de-santo, os atabaques e os pontos

principais do barracão e vão-se embora. Na segunda

saída, os iaôs voltam com roupas coloridas e a cabeça

pintada, segundo seus orixás. Dançam e deixam o

barracão, em seguida. Na terceira saída, os orixás

anunciam oficialmente seus nomes. Os iaôs entram em

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Aula 2| Candomblé 51

transe e se retiram para vestir as roupas do santo

incorporado.

2 - Por meses, o noviço só come com as

mãos

Os filhos-de-santo são os sacerdotes dos orixás,

da mesma forma como, na Igreja Católica, os padres

são os representantes de Deus. Nem todos, porém, são

preparados para receber os santos. Existem os que

cuidam dos filhos-de-santo quando os orixás baixam,

os que sacrificam os animais, os que tocam os

atabaques e os que preparam a comida. Os búzios,

usados como instrumento de adivinhação, é que vão

dizer qual a função de cada um.

A entrada para essa hierarquia é a indicação do

orixá. É o que se chama bolar no santo. A partir daí, o

abiã (noviço) tem de se submeter aos rituais de

iniciação cerimônias do bori, orô e saídas de iaô.

Um recém-iniciado passa de um a seis meses

vivendo dentro de severas restrições. É o tempo de

quelê o período em que o abiã usa um colar de contas

justo ao pescoço. Enquanto usar o quelê, ele deve

vestir branco, comer com as mãos e sentar-se só no

chão. Estão proibidas as relações sexuais e os pratos

que não sejam os de seu orixá.

Nem todos os terreiros seguem à risca todas as

imposições. Mas pelo menos algumas têm de ser

obedecidas: é parte do compromisso do abiã com seu

orixá e seu pai ou mãe-de-santo. As obrigações não

terminam por aí: o iniciado, que agora se chama iaô,

terá de cumprir ainda três rituais depois de um ano,

três anos e sete anos , com sacrifícios, toques e

oferendas. Só depois ele pode se candidatar a ebômi, o

degrau seguinte da hierarquia.

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Aula 2| Candomblé 52

3 - O toque

É o mesmo que festa e se refere à batida dos

atabaques, que convoca os orixás. A estrutura da

cerimônia, chamada ordem do xirê (brincadeira, na

língua iorubá), divide a festa em três partes. A primeira

acontece à tarde, com o sacrifício, a oferenda e o padê

de Exu. A segunda é a festa em si, à noite, na presença

do público, quando os filhos-de-santo incorporam os

orixás. E a terceira fase, o encerramento, com a roda

de Oxalá, o deus criador do homem.

4 - O sacrifício

Acontece apenas diante dos membros da

comunidade de santo e envolve no mínimo dois

animais: um, de duas patas, para Exu, e outro, de

quatro patas, macho ou fêmea, dependendo do sexo do

orixá a ser homenageado. Quem realiza o sacrifício é o

ogã axogum, um iniciado no candomblé especialmente

preparado para isso. Os bichos são mortos com um

golpe na nuca. Depois, a cabeça e os membros são

cortados fora e o animal sacrificado vai sangrar até a

última gota antes de ser destinado à oferenda.

5 - A oferenda

Depois do sacrifício, a moela, o fígado, o

coração, os pés, as asas e a cabeça são separados e

oferecidos ao orixá homenageado num vaso de barro,

chamado alguidar. O sangue, recolhido numa quartinha

de cerâmica (espécie de moringa), é derramado sobre

o assentamento do santo, ou seja, o local onde ficam

seus objetos e símbolos. As partes restantes são

destinadas ao jantar oferecido aos orixás, ainda à

tarde, e aos participantes, ao final da festa pública, à

noite.

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Aula 2| Candomblé 53

6 - O padê de Exu

Este é também um ritual fechado ao público.

Significa despacho de Exu. É ele quem faz a ponte

entre o mundo natural e o sobrenatural. Portanto, é ele

quem convoca os orixás para a festa dos humanos.

Para isso, é preciso agradá-lo, oferecendo comida

(farofa com dendê, feijão ou inhame) e bebida (água,

cachaça ou mel). As oferendas são levadas para fora do

barracão e a porta de entrada é batizada com a bebida,

já que Exu é o guardião da entrada e das encruzilhadas

(por isso é comum ver oferendas em esquinas nas ruas

e em encruzilhadas nas estradas).

7 – Sucessão

A sucessão numa casa-de-santo é sempre

tumultuada: basta o pai-de-santo morrer para ter início

uma verdadeira guerra entre orixás. Os filhos que não

concordam com a indicação dos búzios costumam

abandonar o terreiro e fundar sua própria casa. Foi

assim que nasceu, no início do século, o Gantois uma

das casas mais conhecidas em Salvador. A partir da

década de 70, mãe Menininha do Gantois se tornou

conhecida no Brasil inteiro, cantada por compositores,

como Dorival Caymmi e Caetano Veloso, e venerada

por intelectuais, como Jorge Amado. Mãe Menininha

morreu aos 92 anos de idade, em 1986. Deixou em seu

lugar mãe Creusa.

EXERCÍCIO 3

Qual é a origem dos Orixás e suas principais

características?

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____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

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Aula 2| Candomblé 54

EXERCÍCIO 4

Resuma o processo de iniciação ao candomblé e

estabelece aproximações e distanciamentos com os

ritos de iniciação do cristianismo.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

Candomblé e sincretismo

Existem diferentes tipos de candomblé no Brasil,

cada um deles saído de uma nação. A palavra nação

aqui não tem nada a ver com o conceito político e

geográfico, mas com os grupos étnicos daqueles que

foram trazidos da África como escravos. As diferenças

aparecem principalmente na maneira de tocar os

atabaques, na língua do culto e no nome dos orixás.

Os povos que mais influenciaram os quatro tipos

de candomblé praticados no Brasil são os da língua

iorubá. Os rituais da Casa Branca, em Salvador, e da

casa de Cotia, em São Paulo, descritos nesta

reportagem, pertencem ao tipo Queto.

A mistura com o catolicismo foi uma questão de

sobrevivência. Para os colonizadores portugueses, as

danças e os rituais africanos eram pura feitiçaria e

deviam ser reprimidos. A saída, para os escravos, era

rezar para um santo e acender a vela para um orixá.

Foi assim que os santos católicos pegaram carona com

os deuses africanos e passaram a ser associados a eles.

A partir da década de 20, o espiritismo também entrou

nos terreiros, criando a umbanda, com características

bem diferentes.

Dica do professor

Sincretismo é uma fusão de doutrinas de diversas origens, seja na esfera das crenças religiosas, seja nas filosóficas. Na história das religiões, o sincretismo é uma fusão de concepções religiosas diferentes ou a influência exercida por uma religião nas práticas de uma outra.

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Aula 2| Candomblé 55

Assim, o candomblé já se incorporou à alma

brasileira. Tanto é que o país inteiro conhece o grito de

felicidade a saudação mágica que significa, em iorubá,

energia vital e sagrada: Axé!

Os orixás mais cultuados no Brasil

No Brasil são doze os orixás mais cultuados.

Cada um deles tem o seu símbolo, o seu dia da

semana, suas vestimentas e cores próprias. Como os

homens, são temperamentais

Exu

Orixá mensageiro entre os homens e os deuses,

guardião da porta da rua e das encruzilhadas. Só

através dele é possível invocar os orixás.

Elemento: fogo

Personalidade: atrevido e agressivo.

Símbolo: ogó (um bastão adornado com

cabaças e búzios).

Dia da semana: segunda-feira

Colar: vermelho e preto

Roupa: vermelha e preta

Sacrifício: bode e galo preto

Oferendas: farofa com dendê, feijão, inhame,

água, mel e aguardente.

Ogum

Deus da guerra, do fogo e da tecnologia. No

Brasil é conhecido como deus guerreiro. Sabe trabalhar

com metal e, sem sua proteção, o trabalho não pode

ser proveitoso.

Elemento: ferro

Símbolo: espada

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Aula 2| Candomblé 56

Personalidade: impaciente e obstinado

Dia da semana: terça-feira

Colar: azul-marinho

Roupa: azul, verde escuro, vermelho ou

amarelo

Sacrifício: galo e bode avermelhados

Oferendas: feijoada, xinxim, inhame

Oxóssi

Deus da caça. É o grande patrono do candomblé

brasileiro.

Elemento: florestas

Personalidade: intuitivo e emotivo

Símbolo: rabo de cavalo e chifre de boi

Dia da semana: quinta-feira

Colar: azul claro

Roupa: azul ou verde claro

Sacrifício: galo e bode avermelhados e porco

Oferendas: milho branco e amarelo, peixe de

escamas, arroz, feijão e abóbora

Obaluaiê

Deus da peste, das doenças da pele e,

atualmente, da AIDS. É o médico dos pobres.

Elemento: terra

Personalidade: tímido e vingativo

Símbolo: xaxará (feixe de palha e búzios)

Dia da semana: segunda-feira

Colar: preto e vermelho, ou vermelho, branco

e preto

Roupa: vermelha e preta, coberta por palha

Sacrifício: galo, pato, bode e porco

Oferendas: pipoca, feijão preto, farofa e

milho, com muito dendê

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Aula 2| Candomblé 57

Oxum

Deusa das águas doces (rios, fontes e lagos). É

também deusa do ouro, da fecundidade, do jogo de

búzios e do amor.

Elemento: água

Personalidade: maternal e tranqüila

Símbolo: abebê (leque espelhado)

Dia da semana: sábado

Colar: amarelo ouro

Roupa: amarelo ouro

Sacrifício: cabra, galinha, pomba

Oferendas: milho branco, xinxim de galinha,

ovos, peixes de água doce

Iansã

Deusa dos ventos e das tempestades. É a

senhora dos raios e dona da alma dos mortos.

Elemento: fogo

Personalidade: impulsiva e imprevisível

Símbolo: espada e rabo de cavalo

(representando a realeza)

Dia da semana: quarta-feira

Colar: vermelho ou marrom escuro

Roupa: vermelha

Sacrifício: cabra e galinha

Oferendas: milho branco, arroz, feijão e

acarajé

Ossaim

Deus das folhas e ervas medicinais. Conhece

seus usos e as palavras mágicas (ofós) que despertam

seus poderes.

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Aula 2| Candomblé 58

Elemento: matas

Personalidade: instável e emotivo

Símbolo: lança com pássaros na forma de

leque e feixe de folhas

Dia da semana: quinta-feira

Colar: branco rajado de verde

Roupa: branco e verde claro

Sacrifício: galo e carneiro

Oferendas: feijão, arroz, milho vermelho e

farofa de dendê

Nanã

Deusa da lama e do fundo dos rios, associada à

fertilidade, à doença e à morte. É a orixá mais velha de

todos e, por isso, muito respeitada.

Elemento: terra

Personalidade: vingativa e mascarada

Símbolo: ibiri (cetro de palha e búzios)

Dia da semana: sábado

Colar: branco, azul e vermelho

Roupa: branca e azul

Sacrifício: cabra e galinha

Oferendas: milho branco, arroz, feijão, mel e

dendê

Oxumaré

Deus da chuva e do arco-íris. É, ao mesmo

tempo, de natureza masculina e feminina. Transporta a

água entre o céu e a terra.

Elemento: água

Personalidade: sensível e tranqüilo

Símbolo: cobra de metal

Dia da semana: quinta-feira

Colar: amarelo e verde

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Aula 2| Candomblé 59

Roupa: azul claro e verde claro

Sacrifício: bode, galo e tatu

Oferendas: milho branco, acarajé, coco, mel,

inhame e feijão com ovos

Iemanjá

Considerada deusa dos mares e oceanos. É a

mãe de todos os orixás e representada com seios

volumosos, simbolizando a maternidade e a

fecundidade.

Elemento: água

Personalidade: maternal e tranqüila

Símbolo: leque e espada

Dia da semana: sábado

Colar: transparente, verde ou azul claro

Roupa: branco e azul

Sacrifício: porco, cabra e galinha

Oferendas: peixes do mar, arroz, milho,

camarão com coco

Xangô

Deus do fogo e do trovão. Diz a tradição que foi

rei de Oyó, cidade da Nigéria. É viril, violento e

justiceiro. Castiga os mentirosos e protege advogados e

juízes.

Elemento: fogo

Personalidade: atrevido e prepotente

Símbolo: machado duplo (oxé)

Dia da semana: quarta-feira

Colar: branco e vermelho

Roupa: branca e vermelha, com coroa de

latão

Sacrifício: galo, pato, carneiro e cágado

Oferendas: amalá (quiabo com camarão seco

e dendê)

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Aula 2| Candomblé 60

Oxalá

Deus da criação. É o orixá que criou os homens.

Obstinado e independente, é representado de duas

maneiras: Oxaguiã, jovem, e Oxalufã, velho.

Elemento: ar

Personalidade: equilibrado e tolerante

Símbolo: oparoxó (cajado de alumínio com

adornos)

Dia da semana: sexta-feira

Colar: branco

Roupa: branca

Sacrifício: cabra, galinha, pomba, pata e

caracol

Oferendas: arroz, milho branco e massa de

inhame

EXERCÍCIO 5

Descreva como ocorreu o sincretismo entre as religiões

africanas e o catolicismo no Brasil.

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____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

EXERCÍCIO 6

Qual era sua compreensão sobre candomblé antes

dessa aula e, como você o compreende agora? Faça

uma pequena síntese de suas principais impressões.

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Aula 2| Candomblé 61

RESUMO

Vimos até agora:

A história do candomblé desde de sua origem

até sua consolidação como importante

expressão religiosa brasileira;

As principais características litúrgicas e

teológicas do candomblé, bem como sua

distinção com relação à umbanda

Os momentos mais importantes da vivência

religiosa no interior do candomblé: sua

hierarquia, seus principais ritos e, os

principais orixás cultuados no Brasil.

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O Espiritismo no Brasil e no Mundo,

uma Aproximação

Alberto Calil

AU

LA

3

Ap

res

en

taç

ão

Nesta aula trataremos de um importante aspecto da religião no

Brasil: o Espiritismo. Tal expressão religiosa tem uma crescente

acolhida nos mais diversos extratos sociais de nosso país. Aqui

buscar-se-á, de forma introdutória, um conhecimento das origens

do Espiritismo, bem sua história e desenvolvimento.

Ob

jeti

vo

s

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja

capaz de:

A mentalidade que revela a crença num mundo repleto de

fantasmas, assombrações e afins.

A cosmologia espírita e sua explicação da realidade

As causas primárias da existência de todas as coisas: Deus,

espírito e matéria

A imortalidade da alma, reencarnação e evolução

A mediunidade e sua importância em toda a concepção espírita

da realidade.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 64

Um mundo repleto de fantasmas,

assombrações e afins

Iniciaremos nossa aula lembrando um dos

recentes sucessos da teledramaturgia brasileira. Em

finais de 2006 e início de 2007, a Rede Globo de

Televisão exibiu uma telenovela em seu horário nobre

que atraiu a atenção de muitos espectadores por um

dos temas que abordava. Vejamos a descrição de uma

cena dessa novela:

Ao chegar a casa naquela tarde Helena

é surpreendida por uma "presença" em

seu apartamento. Ela sente algo

estranho no ar e tem a impressão de

que não está sozinha. Em seguida

escuta um barulho, como se alguém

estivesse cruzando a sala... um vulto,

uma sombra. De repente, coisas

estranhas começam a ocorrer por toda

a casa. Utensílios caem das estantes e

mesas, objetos trocam de lugar, o

fogão acende, as luzes piscam, sem

contar com aquele cheiro, o cheiro de

rosas que já há algum tempo

penetrava eventualmente os cômodos

do apartamento. Helena que estava

com uma fisionomia que era um misto

de medo e curiosidade resolve fazer

uma pergunta:

O que você quer? Você está tentando

me dizer alguma coisa?

É então que tal como uma resposta

daquela 'presença invisível' - que já

vinha 'frequentando' a casa de Helena

há algum tempo - o retrato de sua

filha adotiva, Clarinha, se espatifa no

chão. Ato contínuo, Helena, agora

entre o desespero e a preocupação,

pega o telefone e liga para saber de

sua filha. Ao tomar conhecimento de

que ela estava sendo trazida para

casa, Helena pede que a levem para

um Centro Cultural do bairro, onde ela

as encontraria depois.

Esta foi uma das cenas da telenovela “Páginas

da Vida”. Apesar de ter morrido no início da trama,

Nanda - a "presença invisível", o "fantasminha", o

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 65

"espírito" - foi, durante a exibição da referida

telenovela, uma das personagens mais populares, com

aparições garantidas, quer seja na história ou nas

diversas mídias que falavam sobre a mesma.

"Nanda" é apenas uma das "presenças

invisíveis" que entram cotidianamente na casa de

milhões de brasileiros através das telas da TV, com

relativa aceitação. Pelo menos desde finais da década

de 1980, os fenômenos sobrenaturais vêm ganhando

cada vez mais espaço nas diversas mídias. Desde

programas de auditório, em que é possível ouvir e até

fazer consultas em rede nacional aos especialistas do

assunto, até seriados e filmes de produção estrangeira

em que videntes e espíritos são centrais na trama.

A reflexão sobre personagens e situações

pertencentes à esfera do sobrenatural no Brasil não é

uma particularidade de uma sociedade midiatizada.

Referências a este mundo que transcende o plano do

real já vêm de longa data. Desde os primeiro sinais

“civilizatórios” trazidos pelos colonizadores, as “almas

do outro mundo” fazem parte da paisagem nacional.

Essa presença tem sido uma constante, de tal forma

que por aqui todos parecem crer nas forças do

sobrenatural, encontrando eco em muitas das

descrições sobre o Brasil.

Quer saber mais?

Até a década de 1990, as questões relacionadas ao sobrenatural apareciam no mercado cinematográfico sob a ótica do humor ou do terror. A partir de finais dos anos 1990, é possível notar um deslocamento em relação às questões ligadas ao sobrenatural. Produções como “Amor além da vida” ou “o Sexto Sentido” procuram retratar este “mundo invisível” e as relações que com ele estabelecemos como sendo realidades possíveis.

Para navegar

Durante a exibição da novela foram veiculadas inúmeras reportagens sobre a questão da vida após a morte como, por exemplo, em uma matéria de 18

de novembro de 2006, publicada na coluna Zapping do jornal Folha Online, intitulada: “Fantasma de Nanda aumenta a audiência de ‘Páginas’”. http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/zapping/ult3954u91.shtml

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 66

Voltemos ao Brasil Colonial. No século XVIII, nas

Minas Gerais, vivia Paulo Gil, conhecido por seus

conterrâneos por ter feito pacto com o demônio.

Conforme nos conta Laura de Mello e Souza, foi João

Batista, outro pardo forro de 20 anos, quem narrou

detalhadamente as feitiçarias de Paulo Gil, que

o interpelara 'se queria ter mandinga

para ninguém ter com ele', oferecendo-

lhe pedra d'ara moída para se beber em

infusão. João Batista recusou, mas Paulo

Gil continuou insistindo por mais oito

dias; por fim, aquiesceu, acompanhando

o feiticeiro numa excursão noturna até

certa encruzilhada, onde ficou sozinho

enquanto Paulo Gil se ausentava por

pouco tempo. Voltou momentos depois

acompanhado de sete ou oitos figuras

negras, todas de forma humana,

dizendo: 'Aqui estão os nossos amigos'.

Apavorado, João Batista disse ao

feiticeiro que ia se retirar um instante,

mas que voltaria logo; sumiu, enfiando-

se em casa. Tornando a encontrá-lo,

Paulo Gil o repreendeu asperamente,

dizendo que fizera muito mal em

desaparecer; insistiu mais uma vez na

mandinga, sem que João Batista se

decidisse. Dias depois, dormia quando

acordou com forte dor no quadril: Paulo

Gil o ferira para tirar seu sangue e dá-lo

aos 'amigos', que em troca lhe

asseguravam força desmesurada. João

Batista renegou dos amigos, não os

queria como tais. Imediatamente,

sobreveio um rodamoinho terrível, e o

rapaz, apavorado, pôs-se a chamar por

Sant'Ana. Desde então, nunca mais

falou com Paulo Gil.

(Melllo e Souza, 1986, p. 255)

Por toda a parte e em todas as épocas da

história brasileira, essa presença é iluminada por

jornalistas, literatos e analistas da vida social.

Atravessando a Colônia, o Império e a República, novos

"Paulos Gil" serão encontrados em profusão. Ao que

parece, no Brasil teríamos uma relação estreita, difusa

e permanente entre o “mundo dos vivos” e o “mundo

dos mortos”. Em nossa sociedade, conforme já indicou

Gilberto Freyre,

Dica de leitura

Historiadores e Cientistas Sociais vêm assinalando que entre nós, os fenômenos sobrenaturais sempre estiveram presentes. Yvonne Maggie, por exemplo, no livro “Medo de Feitiço: ... assinala que "a crença na magia e na capacidade de produzir malefícios por meios ocultos e sobrenaturais é bastante generalizada no

Brasil desde os tempos coloniais" (Maggie, 1992, p. 22). Para maiores detalhes ver: MAGGIE, Yvonne. Medo de Feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro : Arquivo Nacional, 1992 SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo : Companhia das Letras, 1986.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 67

(...) abaixo dos santos e acima dos

vivos ficavam, na hierarquia patriarcal,

os mortos, governando e vigiando o

mais possível a vida dos filhos, netos e

bisnetos. Em muita casa-grande

conservavam-se seus retratos no

santuário, entre as imagens dos

santos, com direito à mesma luz votiva

de lamparina de azeite e às mesmas

flores devotas.

(Freyre apud Matta, 1986, p.157)

Atravessando a “Colônia” e o “Império”, os

relatos sobre esses “seres extraordinários” persistem.

As “almas do outro mundo” são personagens cativas

das descrições dos literatos, jornalistas e analistas

sociais na jovem República. Espalhados por todos os

cantos, médiuns, "assombrações" e "fantasmas" eram

notados no cotidiano do nascente país. O Rio de Janeiro

do início do século XX, capital política e cultural da

República, de acordo com a lente de João do Rio, era

"uma tenda de feiticeiros brancos e negros, de religiões

de animais, de pedras animadas, o rojar de um povo

inteiro diante do amanhã" (Rio, 1951, p. 59). De seus

passeios pela capital nascem as crônicas, em que o

jornalista nos leva a "flanar pela alma encantadora das

ruas", conhecendo pessoas, lugares e situações que,

como ele, se movimentavam pela cidade. Das crônicas,

surgiram os livros, cujo primeiro título publicado,

emblematicamente, foi "As religiões do Rio".

Vejamos uma das descrições do autor.

Acompanhando João do Rio, conhecemos um Rio de

Janeiro que, apesar de supostamente católico,

"pulula[va] de religiões" e, consequentemente, de

personagens ligados ao "mundo do sobrenatural".

Segundo o cronista,

Basta parar em qualquer esquina,

interrogar. A diversidade de cultos

espantar-vos-á. São Swendeborgianos,

pagãos literários, fisiolatras,

defensores de dogmas exóticos,

autores de reformas da vida, revelado-

Quer saber mais?

Gilberto Freyre é considerado um dos grandes intelectuais brasileiros do século XX. Nascido em Recife, em março de 1900, publicou obras importantes sobre a sociedade brasileira. Entre elas: Casa-Grande & Senzala, 1933; Sobrados e Mucambos, 1936; Ordem e Progresso, 1957.

Dica de leitura

João do Rio foi o pseudônimo utilizado por João Paulo Emílio Coelho Barreto, jornalista e cronista carioca do início das primeiras décadas do século XX. Redator de importantes jornais da época, suas crônicas se constituem em importantes fontes sobre o cotidiano da

capital da República durante aqueles anos. Ver: Rio, João do. As Religiões do Rio; Rio, João do. A alma encantadora das ruas.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 68

res do futuro, amantes do diabo,

bebedores de sangue, descendentes

da rainha de Sabá, judeus, cismáticos,

espíritas, babalaôs de Lagos, mulheres

que respeitam o oceano, todos os

cultos, todas as crenças, todas as

forças do susto. Quem através da

calma do semblante lhes adivinhará as

tragédias da alma? Quem no seu

andar tranquilo de homens sem

paixões irá descobrir os reveladores de

ritos novos, os mágicos, os

nevrópatas, os delirantes, os

possuídos de Satanás, os mistagogos

da Morte, do Mar e do Arco-Íris? Quem

poderá perceber, ao conversar com

estas criaturas, a luta fratricida por

causa da interpretação da Bíblia, a luta

que faz mil religiões à espera de Jesus,

cuja reaparição está marcada para

qualquer destes dias, e à espera do

Anticristo, que talvez ande por aí?

Quem imaginará cavalheiros distintos

em intimidade com as almas

desencarnadas, quem desvendará a

conversa com os anjos nas

chombergas fétidas?

(Rio, 1951, p. 1)

O relato de João do Rio não era algo isolado.

Descrições da capital da República povoada por seres

de outros mundos não se restringiam às crônicas dos

jornais. A lista é vasta. Nos jornais, nas revistas, na

Literatura, nas Ciências Sociais, o sobrenatural marca a

sua presença nos diversos cantos do país, tanto nos

1800 quanto nos dias atuais.

Como exemplo, podemos citar a "presença" dos

"espíritos" em autos processuais que corriqueiramente

é noticiada pelos meios de comunicação. Em maio de

2007, circularam na imprensa duas notícias sobre

cartas psicografadas que foram utilizadas nos tribunais

como peças de processos com o intuito de inocentar os

respectivos réus, denunciados por homicídio. Abaixo, é

possível ler o trecho de uma das reportagens, publicada

na “Folha on-line”, em 30 de maio de 2007:

Dica de leitura

Algumas obras da literatura brasileira fazem menção a esse outro mundo. Por exemplo, no livro de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, a personagem principal é um “defunto”, que “depois de morto resolveu escrever suas memórias, trabalhadas lá no outro mundo”. Outro exemplo pode ser visto no livro Grandes Sertões Veredas, de João Guimarães Rosa, em que logo nas primeiras páginas vemos Riobaldo falando no “capiroto” e nos “baixos espíritos desencarnados”, sem contar os tantos

homens e mulheres “em endemoninhamento ou com encosto”, se perguntando se “o diabo existe ou não existe”.

Dica de leitura

A literatura sócio-antropólogica sobre as religiões mediúnicas é vasta. Aqui cito alguns textos para uma introdução ao tema. BIRMAN, Patricia. O que é Umbanda. São Paulo : Brasiliense, 1983. GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos. Rio de Janeiro : Arquivo Nacional, 1997. PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo : Companhia das Letras, 2001.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 69

FONTE:

HTTP://WWW1.FOLHA.UOL.COM.BR/FOLHA/COTIDIANO

/ULT95U122179.SHTML

No interior deste contexto surgiram no país

vários grupos e indivíduos que foram se colocando

como legítimos intérpretes dos fenômenos relacionados

à esfera do sobrenatural. Médicos, juristas, jornalistas,

advogados, espíritas, umbandistas, candomblecistas,

para citar alguns, muitas vezes se envolveram em

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 70

debates no espaço público condenando ou defendendo

os referidos fenômenos. Um exemplo da penetração

destas questões no cotidiano da nação pode ser

encontrado na leitura do Código Penal de 1890, que foi

o primeiro grande conjunto de leis da nova ordem

jurídica instituída pelo regime republicano, e que

criminalizou o espiritismo, tal como prescreve o art.

157:

Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios,

usar de talismãs e cartomancias, para despertar

sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de

moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e

subjugar a credulidade pública:

Penas – de prisão celular de um a seis meses, e

multa de 100$000 a 500$000.

Aqui, trouxemos apenas um trecho do art. 157,

associado a outros dois, o 156 e o 158 que

relacionavam o espiritismo com a prática ilegal da

medicina. Tanto a perseguição àqueles ligados às

práticas tidas como sobrenaturais (mesmo depois da

introdução na Constituição de artigo decretando a

liberdade de culto no país) quanto à diversidade de

atores que se consideravam como os competentes para

analisar e emitir pareceres sobre os referidos

fenômenos perdurará até os dias de hoje. No âmbito

das religiões, é comum a associação dos referidos

fenômenos basicamente a três grupos e seus adeptos,

a saber: o espiritismo (Kardecismo), a umbanda e o

candomblé. Tais generalizações trazem consequências

tanto para as práticas desses grupos bem como para as

relações que eles estabelecem com o restante da

sociedade. Considerando-se que, do ponto de vista de

cada um dos grupos, eles não podem ser confundidos

com outros grupos / religiões que lidam com os

fenômenos espirituais, é importante o entendimento

Dica de leitura

Alguns livros que refletem sobre o espiritismo do ponto de vista das Ciências Sociais: AUBREE, M., ;LAPLANTINE, F.

La table, le livre et les Esprits. Paris: JCLattés, 1990. GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. LEWGOY, Bernardo. O Grande Mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira. Florianópolis: Edusc, 2004. STOLL, Sandra Jacqueline. Espiritismo à Brasileira. São Paulo: Edusp, 2003.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 71

das particularidades de cada um dos grupos. Neste

sentido, nos deteremos a partir deste momento no

espiritismo que, no Brasil, acabou por ganhar um

qualificativo e para muitos é conhecido como

espiritismo kardecista ou kardecismo.

Primeiras vozes

A foto acima é uma reprodução de um fenômeno

que se espalhou como verdadeira coqueluche por

grande parte do Ocidente, principalmente Europa e

EUA, na segunda metade do século XIX e que ficou

conhecido como as mesas girantes. Nos salões em que

a nobreza e a burguesia costumavam se reunir para

reuniões sociais, homens e mulheres se sentavam ao

redor de uma mesa e formulavam perguntas que eram

respondidas por batidas nas mesas ou movimentos

destas ao redor do salão. Das explicações que surgiram

para o fenômeno, a que ganhou mais popularidade era

a que afirmava se tratar de espíritos. Conforme relatam

Marion Aubrée e François Laplantine em livro sobre o

espiritismo, é difícil para nós imaginarmos o

entusiasmo causado pelas mesas girantes nos salões

europeus do século XIX. O trecho de uma notícia

veiculada no jornal Diário de Pernambuco, na edição de

dois de julho de 1853, explicita o frenesi causado pelas

mesas girantes:

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 72

Em Paris, não se pode entrar em um

salão sem encontrar toda a sociedade

ao redor de uma mesa, cada qual com

os dedos próximos aos dedos de seu

vizinho e todos aguardando em

silêncio por um movimento da mesa.

Apesar de rapidamente ter se difundido entre

nobres e burgueses das principais cidades europeias, o

evento que deu início a esta propagação de fenômenos

sobrenaturais aconteceu do outro lado do Atlântico, em

um pequeno vilarejo do estado de Nova Iorque, nos

EUA. A narrativa constante da literatura espírita nos

transporta para dezembro de 1847. Naquele ano, John

D. Fox, um camponês de origem alemã, mudou-se com

sua esposa e com as duas filhas caçulas - Margareth e

Kate, para uma casa no vilarejo de Hydesville, no

Estado de Nova Iorque. Poucos meses após a

mudança, os novos inquilinos passaram a ouvir ruídos

estranhos, de causa desconhecida, por toda a casa.

Ouviam-se batidas, arranhões nas paredes, sons de

móveis sendo arrastados, certas vezes, as camas

tremiam. Os estranhos ruídos foram crescendo de

intensidade, de tal forma que toda a família passou a

dormir no mesmo quarto, intrigados e assustados com

os fenômenos. Na noite de 31 de março de 1848,

houve uma irrupção desses sons inexplicáveis, foi então

que Kate, a caçula da família, observando que quando

seu pai sacudia a persiana, em busca da causa

daqueles sons, o ruído como que o repetia, resolveu

tentar uma espécie de contato com o "som". Vejamos o

relato de uma das testemunhas dos "estranhos

fenômenos", a Senhora Fox, que descreveu a cena em

seu depoimento dado a uma comissão constituída para

investigar aquelas ocorrências:

Na noite da primeira perturbação,

todos nos levantamos, acendemos

uma vela e procuramos pela casa

inteira, enquanto o barulho continuava

e era ouvido quase que no mesmo

lugar. Conquanto não muito alto, produ

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 73

zia um certo movimento nas camas e

cadeiras a ponto de notarmos quando

deitadas. Era um movimento em

trêmulo, mais que um abalo súbito....

eu não dormi até quase meia - noite.

Os rumores eram ouvidos por toda a

casa (...) Na noite de sexta-feira, 31

de março de 1848, resolvemos ir para

a cama um pouco mais cedo e não nos

deixamos perturbar pelos barulhos...

Meu marido não tinha ido para a cama

quando ouvimos o primeiro ruído

naquela noite. Eu apenas me havia

deitado. A coisa começou como de

costume. Eu o distinguia de quaisquer

outros ruídos jamais ouvidos. As

meninas, que dormiam em outra cama

no quarto, ouviram as batidas e

procuraram fazer ruídos semelhantes,

estalando os dedos. Minha filha, Kate,

disse, batendo palmas: 'Sr. Pé

Rachado, faça o que eu faço'.

Imediatamente seguiu-se o som, com

o mesmo número de palmadas.

Quando ela parou, o som logo parou.

Então Margareth disse brincando:

Agora faça exatamente como eu.

Conte um, dois, três, quatro' e bateu

palmas. Então os ruídos se produziram

como antes ... Então pensei em fazer

um teste que ninguém seria capaz de

responder. Pedi que fossem indicadas

as idades de meus filhos,

sucessivamente. Instantaneamente foi

dada a exata idade de cada um,

fazendo uma pausa de um para o

outro, a fim de os separar até o

sétimo, depois do que se fez uma

pausa maior e três batidas mais fortes

foram dadas, correspondendo à idade

do menor, que havia morrido (...)

(Doyle, 2002)

Os fenômenos de Hydesville abriram as portas

para muitos outros que vieram logo em seguida, de tal

forma que estes eventos ficaram conhecidos entre os

espíritas como “uma invasão programada do mundo

espiritual”.

A moda das mesas girantes chamou a atenção

não somente dos frequentadores dos salões europeus.

Muitos pensadores e homens ligados às atividades

Dica do professor

A Revue Spirite, ou Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, foi um periódico editado por Kardec nos moldes dos periódicos científicos da época. Constitui-se no principal espaço de divulgação do nascente espiritismo.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 74

científicas se interessaram pelos fenômenos e tentaram

encontrar explicações para aqueles eventos tidos como

sobrenaturais. Entre eles estava Hippolyte León

Denizard Rivail, renomado pedagogo francês que

também estudava o magnetismo. Rivail, que mais tarde

adotaria o pseudônimo de Allan Kardec, a convite de

um amigo, foi assistir a uma sessão das mesas girantes

e ao se deparar com mesas que giravam, se

movimentavam e respondiam a perguntas, ele se

pergunta como pode um ser inanimado, a mesa,

responder a perguntas inteligentes. Passa, então, a

frequentar algumas reuniões em que se produziam tais

fenômenos e, juntamente com outros interessados,

inicia um estudo metódico dos referidos fenômenos.

Não decorreu muito tempo o grupo capitaneado por

Allan Kardec fundou a Sociedade Espírita de Paris e a

Revue Spirite, que assumiu importante papel no

desenvolvimento e divulgação do espiritismo.

Ao lado do estudo da mediunidade, dos médiuns

e das mensagens por eles recebidas, a Sociedade

Espírita de Paris passa a receber diversas

correspondências de outros grupos espíritas espalhados

por outros países, contendo anotações das mensagens

recebidas por estes grupos. Kardec, então, após

insistência dos companheiros, sistematiza aquelas

mensagens e a partir delas formula questões para

serem respondidas pelos espíritos nas reuniões

mediúnicas, não somente em Paris, mas também

naquelas tantas outras cidades. Foi a partir destes

estudos e reuniões que Allan Kardec publica, em abril

de 1857, aquela que é considerada a primeira obra e o

marco de fundação do espiritismo, O Livro dos

Espíritos. Organizado na forma de perguntas e

respostas, em sua primeira edição continha 550 itens.

Três anos depois, em março de 1860, é lançada a

segunda edição contendo 1019 perguntas e respostas.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 75

O Livro dos Espíritos foi o primeiro de uma série

de cinco livros que ficou conhecida como a codificação

espírita ou as obras básicas do espiritismo. Obras que,

de acordo com os espíritas, trazem o cerne da Doutrina

dos Espíritos. Os outros livros da codificação são: O

Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo,

O Céu e o Inferno e A Gênese. Mas do que exatamente

tratam estes livros? O que seria esta Doutrina, que se

coloca como sendo ao mesmo tempo uma Ciência, uma

filosofia e uma religião? Conforme as palavras de Allan

Kardec:

O Espiritismo é ao mesmo tempo

ciência experimental e Doutrina

Filosófica. Como ciência prática, tem a

sua essência nas relações que se

podem estabelecer com os espíritos.

Como filosofia compreende todas as

consequências morais decorrentes

dessas relações.

(Kardec, A. O que é o Espiritismo)

Dica de leitura

Além das obras básicas e da Revue Spirite, Kardec publicou outros livros sobre o espiritsmo. Abaixo o título das obras com as referidas datas de publicação: O Livro dos Espíritos - 18 de abril de 1857; O Livro dos Médiuns - janeiro de 1861; O Evangelho Segundo o Espiritismo - abril de 1864; O Céu e o Inferno – 1865; A Gênese, os milagres e as predições - janeiro de 1868; Revue Spirite – periódico publicado mensalmente de 1858 a 1869; O que é o espiritismo – 1859;O Espiritismo em sua expressão mais simples – 1862; Viagem Espírita de 1862 – 1862; Obras Póstumas – publicado após o seu falecimento em 1890.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 76

Vejamos, a partir de agora, com mais cuidado

do que trata o espiritismo.

A cosmologia espírita

Para nos aproximarmos do espiritismo, utilizo

como ponto de partida o sumário de “O Livro dos

Espíritos”. Conforme vimos na aula anterior, além de se

tratar de uma das obras básicas do espiritismo, os

outros livros da codificação espírita aprofundam os

temas tratados em O Livro dos Espíritos, que é

composto por 1019 itens que foram organizados na

forma de perguntas e respostas e divididos em quatro

partes. Na primeira parte, o autor estuda as causas

primárias, Deus, o espírito e a matéria. O princípio vital

e da criação. Na parte segunda, o Mundo dos Espíritos;

a encarnação, a desencarnação, a missão e ocupação

dos Espíritos e seu inter-relacionamento com os

homens. A terceira parte tem um caráter

eminentemente moral, pois Kardec vai examinar a Lei

Natural, subdividida em dez Leis Morais que regem as

relações humanas: Adoração, Trabalho, Reprodução,

Conservação, Destruição, Sociedade, Progresso,

Igualdade, Liberdade e Justiça, Amor e Caridade. Na

última parte, o codificador se preocupa com as

Esperanças e Consolações e a Lei de Causa e Efeito,

tratando dos temas relacionados à destinação do

espírito após a morte, existência do céu e do inferno. A

partir da leitura das obras da codificação é possível

chegar aos chamados “princípios básicos da doutrina

espírita”; princípios que para os espíritas conteriam as

principais ideias trazidas pelo espiritismo. Apesar de ser

possível encontrar na literatura autores que falam em

sete ou mais princípios, para efeitos de nossa

exposição, vamos trabalhar com aqueles que são

consenso, a saber:

A existência de Deus;

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 77

A imortalidade da alma;

A comunicabilidade dos espíritos;

A pluralidade das existências ou

reencarnação;

A evolução universal e infinita.

Vejamos, então, cada um desses princípios.

As causas primárias: Deus, espírito e

matéria

Que é Deus? É com essa pergunta que Kardec

inicia a primeira parte de O Livro dos Espíritos, cuja

principal proposta é caracterizar a existência de Deus

como o princípio basilar do espiritismo e como o ponto

de partida de toda a Doutrina Espírita. Além disso,

Kardec procura assinalar com a pergunta uma distinção

em relação a outros sistemas religiosos que também

apregoam a existência de Deus.

Ao perguntar que é Deus, e não Quem é Deus,

Kardec retira da pergunta a pressuposição, tradicional

em muitas culturas, de um Deus antropomórfico. E a

resposta que obtém dos espíritos parece confirmar as

suspeitas de Kardec:

Deus é a inteligência suprema, causa

primária de todas as coisas.

Quer saber mais?

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec nos traz um axioma

constantemente acionado pelos espíritas para falar da união entre a fé e a razão. De acordo com Kardec, “Fé inabalável só é a que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade”.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 78

E é em torno da existência de Deus que vai

versar a primeira parte de O Livro dos Espíritos. De

fato, a principal proposta do capítulo é buscar provas

da existência de Deus. Procurando fundamentar a

crença na existência de Deus em argumentos

baseados na razão, tais como “não há efeito sem

causa” ou “todo efeito inteligente tem que decorrer de

uma casua inteligente” Kardec demonstra logo no

primeiro capítulo do livro base da doutrina espírita uma

de suas principais características: a proposta de realizar

a aliança entre a Religião e a Ciência, ou como

preferem os espíritas, entre a fé e a razão.

No livro “A Genêse, os milagres e as predições”,

será desenvolvido este tema. Tendo por base os

padrões científicos da época, ou seja, a experimentação

e o positivismo, Kardec organiza uma obra, onde os

espíritos não somente fundamentam a “fé raciocinada”,

mas também uma metodologia para a construção do

conhecimento espírita, demandando para o espiritismo

o estatuto de uma ciência, a ciência que estuda o plano

espiritual e as suas relações com o plano material.

Como coloca Kardec:

Como meio de elaboração, o

Espiritismo procede exatamente da

mesma forma que as ciências

positivas, aplicando o método

experimental. Fatos novos se

apresentam, que não podem ser

explicados pelas leis conhecidas; ele

os observa, compara, analisa e,

remontando dos efeitos às causas,

chega à lei que os rege; depois,

deduz-lhes as consequências e busca

as aplicações úteis. Não estabeleceu

nenhuma teoria preconcebida; assim,

não apresentou como hipóteses a

existência e a intervenção dos

Espíritos, nem o perispírito, nem a

reencarnação, nem qualquer dos

princípios da doutrina; concluiu pela

existência dos Espíritos, quando essa

existência ressaltou evidente da

observação dos fatos, procedendo de i-

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 79

gual maneira quanto aos outros

princípios. Não foram os fatos que

vieram a posteriori confirmar a teoria:

a teoria é que veio subsequentemente

explicar e resumir os fatos. É, pois,

rigorosamente exato dizer-se que o

Espiritismo é uma ciência de

observação e não produto da

imaginação. As ciências só fizeram

progressos importantes depois que

seus estudos se basearam sobre o

método experimental; até então,

acreditou-se que esse método também

só era aplicável à matéria, ao passo

que o é também às coisas metafísicas.

Ao lado do diálogo sobre a existência de Deus,

na primeira parte do Livro dos Espíritos, Kardec nos

apresentará os elementos gerais do universo,

afirmando que todas as coisas que existem no universo

podem ser sintetizadas em três elementos

fundamentais, que ele denomina de Trindade Universal.

Esses elementos são: Deus, espírito e matéria.

O espírito, na definição da Doutrina Espírita, é o

princípio inteligente do universo, individualizado, com

moralidade própria. O espírito é distinto de Deus, seu

criador, e da matéria, a qual se une para que possa se

manifestar. Já a matéria seria uma espécie de

instrumento para a atuação do espírito, ou seja, o

intermediário, com a ajuda do qual e sobre o qual o

espírito atua.

Mas o que seria exatamente este elemento

material? A matéria de acordo com o espiritismo pode

variar conforme, o que vamos chamar aqui, seu grau

de condensação. Por exemplo, a mesa sobre a qual

apoiamos nossos cadernos é parte desse elemento

material. Mas o caderno, também, o é. A caneta, a

tinta, também. Luz, sons, odores, também são

variações do elemento material. Dada essa grande

variedade, é possível dividir a matéria em três tipos:

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 80

Ponderável - É a matéria física, que preenche

o mundo dos encarnados, e dá origem aos

corpos e elementos;

Imponderável - Também denominada matéria

psi, matéria mental ou matéria

quintessenciada, é a matéria do mundo

espiritual, num tônus vibratório mais elevado;

Fluido Cósmico Universal - Constitui-se na

própria matéria primitiva, da qual derivam

todas as demais formas de matéria e

energias. Também exerce o papel de

intermediário entre o espírito e a matéria

propriamente dita. Por ser o elemento

gerador de todo o restante das manifestações

materiais e energéticas, guarda similaridade e

afinidade com estas, podendo, muito

facilmente, sob a ação de uma vontade,

interagir com todas, inclusive mudando suas

propriedades físicas, temporária ou

permanentemente. Os espíritos utilizam-se do

FCU para realização de muitas ações,

inclusive como “matéria-prima” para suas

intervenções sobre a matéria, no plano

espiritual e no plano material.

A partir da definição do fluido cósmico universal

é possível notar certo deslizamento na noção de

espírito. Anteriormente, vimos o Espírito como sendo

um dos elementos gerais do universo. Contudo, ao lado

dessa noção, o espiritismo apresenta e utiliza outra

definição de espírito. Vejamos o que nos diz a questão

de número 76 de O Livro dos Espíritos:

76. Como podemos definir os Espíritos?

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 81

- Podemos dizer que os Espíritos são os seres

inteligentes da Criação. Eles povoam o Universo, além

do mundo material.

NOTA: A palavra Espírito é aqui empregada para

designar os seres extracorpóreos e não mais o

elemento inteligente universal.

Ou seja, o espírito é uma individualidade. Eu,

você, todos aqueles que conhecemos somos espíritos,

preexistimos e sobrevivemos ao corpo material.

Passemos então, agora, a outros dos princípios básicos

da Doutrina Espírita.

EXERCÍCIO 1

De forma sucinta apresente as principais teses

teológicas do espiritismo.

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_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

A imortalidade da alma, reencarnação e

evolução

Você tem alma?

Esta parece ser daquelas perguntas que mesmo

se nos deslocarmos no tempo e no espaço

encontraremos uma quase unanimidade. Ao longo da

história, os diversos sistemas religiosos vêm

apregoando a ideia da existência de uma alma. No

Egito, na Grécia, entre os Cristãos, para os Judeus,

enfim do oriente ao ocidente, a resposta a essa

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 82

pergunta seria afirmativa. Porém, não podemos

considerar tal resposta como a única. Para aqueles não

ligados às religiões, as cores seriam outras. Uma

negativa seria provável. A Alma não passaria de uma

quimera ou de algo que ainda precisa ser comprovado.

Contudo, entre os espíritas, apesar de serem

considerados como adeptos de um sistema religioso, a

resposta seria dada de forma diferente. Vejamos um

hipotético diálogo com um espírita a respeito da

questão:

Conforme já vimos, os espíritos são definidos

como sendo “os seres inteligentes da Criação”. São

criados por Deus permanentemente, sendo eternos e

indestrutíveis, ou seja, mantêm a sua individualidade.

São criados em igualdade de condições, simples e

ignorantes e dotados de potencialidades que serão

desenvolvidas ao longo das experiências

reencarnatórias. Dessa forma, para os espíritas, não há

dúvidas em relação à existência do espírito (que

quando encarnado é chamado de alma), contudo a

ênfase é colocada na separação entre o espírito (o ser,

Luciana, me diga uma coisa, você tem alma?

Se eu tenho alma, Lucas? Não.

- Mas como não, você não é

espírita?

- Deixe-me explicar, Lucas, a questão está no verbo utilizado. Na verdade, nós não temos uma alma, cada um de nós é uma alma que no momento habita um corpo físico, ou seja, um espírito encarnado. Eu não tenho, eu sou. Entendeu a diferença?

Dica do professor

Para que o elemento espiritual atue no elemento material, torna-se necessário algo que os ligue. Este elemento de ligação é o Perispírito que é definido pelos espíritas como sendo um corpo fluídico que envolve o espírito. Mais grosseiro que o espírito e mais sutil que o corpo físico, seria o responsável, entre outras funções, pela transmissão da vontade daquele para este e das sensações do corpo para o espírito. Enfim, é o elo de ligação entre o espírito e a matéria.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 83

a inteligência) e o corpo (matéria que só ganha vida

com a presença do espírito). O corpo físico não passa

de um instrumento para a atuação do espírito.

Chegamos a mais um dos elementos centrais do

espiritismo: a ideia de reencarnação ou a pluralidade

das existências. Mas o que seria exatamente a

reencarnação, conforme a doutrina dos espíritos?

A reencarnação não é uma ideia gestada pelos

espíritas. Ela faz parte de várias tradições religiosas e

culturais, como o hinduísmo, por exemplo. E, conforme

os espíritas, esta ideia também está presente nos

ensinos de Jesus Cristo. Para eles, a reencarnação é

uma Lei Natural e queiramos ou não, acreditemos ou

não, todos nós reencarnamos e reencarnaremos. Como

é possível ler no túmulo de Allan Kardec: “Nascer,

viver, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a

Lei”.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 84

Os Espíritos são criados simples e ignorantes,

isto é, sem ciência e sem conhecimento do bem e do

mal, porém perfectíveis e com igual aptidão para tudo

adquirirem e tudo conhecerem, com o tempo. A

princípio eles se encontram numa espécie de infância,

carentes de vontade própria e sem a consciência

perfeita de sua existência. A encarnação é imposta aos

espíritos para que haja a possibilidade do

desenvolvimento de suas “n” potencialidades. Dessa

forma, podemos entender que o aperfeiçoamento do

Espírito é fruto do seu próprio esforço, ele avança na

razão de sua maior ou menor atividade ou da boa

vontade em adquirir as qualidades que lhe faltam.

Na questão de número 132 de O Livro dos

Espíritos, Kardec irá perguntar:

132. Qual o objetivo da encarnação dos

Espíritos?

Deus lhes impõe a encarnação com o

fim de fazê-los chegar à perfeição.

Para uns, é expiação; para outros,

missão. Mas, para alcançarem essa

perfeição, têm que sofrer todas as

vicissitudes da existência corporal:

nisso é que está a expiação. Visa ainda

outro fim a encarnação: o de pôr o

Espírito em condições de suportar a

parte que lhe toca na obra da criação.

Para executá-la é que, em cada

mundo, toma o Espírito um

instrumento, de harmonia com a

matéria essencial desse mundo, a fim

de aí cumprir, daquele ponto de vista,

as ordens de Deus. É assim que,

concorrendo para a obra geral, ele

próprio se adianta.

E na medida em que ocorre esse avanço, ele vai

adquirindo o livre-arbítrio, isto é, a liberdade de escolha

e a consequente responsabilidade em torno das

escolhas realizadas. É desse princípio que decorre um

conhecido jargão: “Aqui se faz, aqui se paga”, ou a Lei

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 85

de ação e reação. Ao agirmos contra o nosso próximo

ou contra as coletividades, por exemplo, sendo

corruptos; nossa própria consciência nos exigirá uma

reparação, quer seja na mesma existência ou em uma

futura, pois só após o completo desenvolvimento de

nossas potencialidades é que atingiremos a perfeição,

ou a felicidade. Dessa forma, estamos todos fadados à

evolução, outro dos princípios básicos, o que varia é o

tempo que cada um de nós demanda para esta

caminhada.

EXERCÍCIO 2

Descreva as origens e o significado da reencarnação

para a doutrina espírita.

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A mediunidade

Entre todos os princípios da Doutrina Espírita,

sem dúvida o mais conhecido é a comunicabilidade dos

espíritos. Conforme colocado, a mediunidade,

juntamente com os médiuns, faz parte de nossa

paisagem. Na televisão, nos jornais, nos folhetos

distribuídos nas ruas, nos templos das diversas

religiões, o plano espiritual – tal qual é chamado pelos

espíritas – constantemente se manifesta. No Brasil,

médiuns famosos se notabilizaram e acabaram também

por divulgar o espiritismo. Entre estes, sem dúvida o de

maior expressão foi Francisco Cândido Xavier, o Chico

Xavier. Tendo psicografado mais de 400 livros, Chico é

considerado, por muitos, um dos maiores médiuns da

história e também o principal responsável pela

divulgação e pelo desenvolvimento do espiritismo em

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 86

terras brasileiras. A partir dos livros e mensagens por

ele psicografados, estabeleceu-se não somente uma

estreita comunicação entre os “vivos” e os “mortos”,

mas também passamos a conhecer com detalhes a

dinâmica dos acontecimentos, destinação e lugares

para os quais vamos após a morte.

Apesar de, no Brasil, a mediunidade ter ganhado

visibilidade com Chico Xavier, esta não é um patrimônio

do espiritismo. Pelo contrário, fenômenos envolvendo o

sobrenatural foram registrados ao longo de toda a

história da humanidade. Na Índia, na China, no Egito,

na Grécia, no mundo antigo ou durante a Idade Média,

anotou-se toda gama de episódios envolvendo a

comunicação com o “mundo dos mortos”. Para citar

apenas um exemplo, cerca de 15 séculos antes do

nascimento de Jesus Cristo; Moisés procurou disciplinar

a evocação dos mortos entre os Hebreus, através de

uma lei. A existência de uma proibição em relação à

comunicação com os mortos indica que tal fenômeno

era comum entre aquele povo.

E foi justamente o fenômeno mediúnico que

atraiu a atenção de Allan Kardec e de outros

pesquisadores. E, conforme já vimos, foi também a

partir do estudo sistemático dos referidos fenômenos e

das mensagens que eram recebidas por médiuns

espalhados por todo o planeta que irá surgir o

espiritismo. Kardec, já na introdução de O Livro dos

Espíritos, enfatiza a relevância da possibilidade de

comunicação com o plano espiritual para a constituição

da Doutrina dos Espíritos:

Os Espíritos exercem sobre o mundo

uma ação incessante. Agem sobre a

matéria e sobre o pensamento e

constituem uma das forças da

natureza, causa eficiente de uma

multidão de fenômenos até agora

inexplicados ou mal explicados,

que não encontram solução racional.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 87

Com os homens, as relações dos

Espíritos são constantes. Os bons

Espíritos nos convidam ao bem, nos

sustentam nas provas da vida e nos

ajudam a suportá-las com coragem e

resignação; os maus nos convidam ao

mal: é para eles um prazer ver-nos

sucumbir e cair no seu estado.

(Livros dos Espíritos, p. 34)

A palavra médium, uma expressão latina que

significa intermediário ou meio, foi utilizada por Allan

Kardec para designar aquelas pessoas portadoras da

faculdade mediúnica, ou seja, indivíduos capazes de

colocarem em contato mais direto os dois planos de

vida - o plano dos encarnados e o dos desencarnados.

Para o espiritismo, a mediunidade não é um dom, algo

especial que apenas uns poucos escolhidos possuem,

mas uma faculdade inerente ao homem, que se

manifesta em alguns mais ostensivamente do que em

outros. Assim, todos nós nos comunicamos com o

chamado plano espiritual. A questão é que muitas

vezes tal comunicação se dá de forma imperceptível.

Por exemplo, através do pensamento. Conforme nos

contam os espíritas, é comum termos pensamentos

dissonantes ao longo do dia. Estamos pensando em ir

estudar, ato contínuo pensamos em ir à praia, logo em

seguida, bate uma preguiça e cogitamos ficar em casa

e assim vai. Essa profusão de ideias díspares pode ser

resultado da influência dos espíritos, ou seja, fruto de

um ato de comunicação entre um espírito que está

desencarnado e nós.

Nas páginas do Novo Testamento, em Hebreus

12:1, vamos encontrar outro exemplo dessa constante

comunicação. Paulo de Tarso afirma que nós “estamos

cercados por uma nuvem de testemunhas”. Para os

espíritas, esta “nuvem de testemunhas” seriam

justamente os espíritos, que nos influenciam

constantemente. Tal influência pode ser boa ou má,

fugaz ou duradoura e se estabelece através de uma

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 88

corrente mental. O Espírito identifica o seu pensamento

com o nosso e vai introduzindo em nosso campo mental

as suas ideias, sugestões e emoções. Neste sentido, é

fundamental a compreensão de que esta influência só

se concretiza através da sintonia mental, estando o

Espírito e o encarnado em condições morais

equivalentes.

Assim como ocorre entre os encarnados,

existem espíritos bem intencionados e mal

intencionados. Uma imagem interessante para

exemplificar esta dupla influência é a de um desenho

animado, já clássico e que muitos de nós vimosquando

crianças. Falo daquele desenho do Pato Donald em que

aparece, ao lado dele, um anjinho e um diabinho que

tentam influenciá-lo durante todo o tempo da história.

Tal como ocorreu com o Pato Donald, cabe a cada um

de nós decidirmos quais serão as sugestões que

acolheremos.

Ao lado dessa influência sutil, temos a chamada

mediunidade ostensiva, que é aquela em que um

espírito se manifesta através de um médium. Kardec

estabeleceu uma classificação tanto da mediunidade

quanto dos médiuns, tendo por base o tipo de

fenômeno produzido. Vejamos esta classificação:

a) Médiuns de Efeitos Físicos: são aqueles aptos

à produção de fenômenos que sensibilizam

objetivamente os nossos sentidos, tais como:

movimento de corpos inertes, ruídos. Trata-

se de uma categoria de médiuns quase

inexistente nos dias atuais, mas que teve

fundamental importância na fase de

implantação da Doutrina Espírita. Podem ser

divididos em:

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 89

Tiptólogos: os que produzem ruídos e

pancadas. Mesmo sem que o médium tome

conhecimento, os Espíritos podem se utilizar

de certos recursos fluídicos que eles possuem

para produzir o fenômeno;

Motores: os que produzem movimentos dos

corpos inertes;

De Translação e Suspensão: os que produzem

a translação de objetos através do espaço ou

a sua suspensão, sem qualquer ponto de

apoio. Há também os que podem elevar-se a

si mesmos (levitação);

De Transporte: os que podem servir aos

Espíritos para o transporte de objetos

materiais através de lugares fechados;

Pneumatógrafos: os médiuns que permitem a

escrita direta (espécie de mediunidade onde

os Espíritos, utilizando-se do ectoplasma do

médium, escrevem sobre determinados

objetos sem se utilizarem de lápis ou caneta);

Pneumatofônicos: os médiuns que permitem

a voz direta (fenômeno mediúnico onde os

Espíritos emitem sons e palavras através de

uma "garganta ectoplásmica", sem a

utilização do aparelho vocal do medianeiro);

De Materialização: são aqueles que doam

recursos fluídicos (ectoplasma) para a

materialização do Espírito ou de parte do

Espírito, ou, ainda, de certos objetos;

De Bicorporeidade: são aqueles capazes de

materializarem seu corpo perispirítico em

local FORA do corpo físico;

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 90

De Transfiguração: são aqueles aptos a

promoverem modificações temporárias em

seu corpo físico, através da vontade e do

pensamento.

b) Médiuns Sensitivos: são aqueles capazes de

registrar a presença de Espíritos por uma

vaga impressão. Ora esta impressão é boa

ora é ruim, dependendo da natureza da

entidade desencarnada. Esta variedade não

apresenta caráter bem definido, pois todos os

médiuns são mais ou menos sensitivos;

c) Médiuns Intuitivos ou Inspirados: são aqueles

que recebem comunicações mentais

estranhas às suas ideias, vindas da esfera

imaterial. Na realidade, todos nós somos

médiuns intuitivos, pois podemos assimilar

inconscientemente o pensamento dos

Espíritos, mas, em algumas pessoas, essa

capacidade é mais evidente. Os médiuns de

pressentimento são uma variedade dos

intuitivos, onde há uma vaga impressão de

acontecimentos futuros;

d) Médiuns Audientes: são os médiuns que

ouvem os Espíritos. Em algumas vezes, é

como se escutassem uma voz interna que

lhes ressoasse no foro íntimo; doutras vezes,

é uma voz exterior, clara, distinta;

e) Médiuns Videntes: são aqueles aptos a verem

os Espíritos em estado de vigília. Kardec fazia

referência à raridade desta faculdade e em

nossos dias continua pouco comum;

f) Médiuns Falantes ou Psicofônicos: são

aqueles que possibilitam aos Espíritos a

comunicação oral com outras pessoas encarna

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 91

das, utilizando dos recursos vocais do

médium. É a variedade de médiuns mais

comum em nossos dias;

g) Médiuns Escreventes ou Psicógrafos: são os

médiuns aptos a receberem a comunicação

dos Espíritos através da escrita. Foi pelos

médiuns escreventes que Allan Kardec

montou os pilares básicos da Codificação

Espírita;

h) Médiuns Curadores: são aqueles aptos a

curarem, através do toque, por um ato de

vontade e pelo passe. Em realidade, todos

somos capazes de curar enfermidades pela

prece e pela transfusão fluídica, mas,

também aqui, esta designação deve ficar

reservada para aquelas pessoas onde a

capacidade de curar ou aliviar as doenças é

bem evidente;

i) Médiuns Psicômetras: são aqueles aptos a

identificarem os fluidos presentes em

determinados objetos e locais (Psicometria);

j) Médiuns Sonambúlicos ou de Desdobramento:

são aqueles capazes de emanciparem seu

corpo espiritual deixando a organização física

num estado de sonolência ou apatia. Segundo

Kardec, estes médiuns "vivem por

antecipação a vida espiritual", pois são

capazes de realizar inúmeras tarefas no

mundo dos Espíritos.

Na busca pelo entendimento dos fenômenos

mediúnicos, o espiritismo procura estabelecer quais

seriam as principais finalidades deste. Enfim, qual seria

o propósito dessa comunicação ostensiva do plano

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 92

espiritual com o plano material? Segundo a Doutrina

Espírita, as principais finalidades da comunicabilidade

dos Espíritos são:

Esclarecimento, Instrução e Orientação aos

Homens: Lembra Kardec que a mediunidade

assume hoje o papel que assumiram, no

passado, duas grandes descobertas, o

telescópio e o microscópio. O primeiro deveria

fornecer ao homem informações concernentes

ao macrocosmo e ao segundo detalhar o

mundo infinitamente pequeno, o microcosmo.

Cabe à mediunidade estudar o “Psicocosmo”,

o mundo dos Espíritos;

Socorro a Espíritos em sofrimento: muitos

indivíduos ao desencarnarem, por não terem

desenvolvido uma consciência de eternidade,

encontram dificuldades na sua adaptação ao

mundo extrafísico. Ansiedade, medo,

sofrimentos morais diversos, perturbação,

inconsciência da morte podem ser

identificados em muitos desencarnados. A

prática mediúnica, exercida através das

reuniões mediúnicas nos diversos centros

espíritas, é um dos recursos utilizados pela

Espiritualidade Maior para socorrer e assistir a

estes Espíritos;

Contribuir no aprimoramento moral do

médium: aprendemos com a Doutrina Espírita

que a faculdade mediúnica por si só não

basta. O importante está na conduta moral

daquele que é seu portador. Porque na base

do intercâmbio espiritual está a lei de sintonia

que diz que cada um será assistido por

Espíritos em afinidade com seus sentimentos

e suas emoções.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 93

A título de conclusão

Vimos aqui uma pequena introdução ao

espiritismo. Tendo nascido na França no século XIX,

aquela França que foi o berço do Iluminismo e que era

o centro cultural e intelectual do ocidente, o espiritismo

chega ao Brasil ainda, no século XIX, tal como

chegaram aqui, vindas da Europa, principalmente de

Paris, outras novidades do campo intelectual e outras

correntes de pensamento. No Brasil, assinalam os

diversos analistas, o Espiritismo ganha corpo, se

desenvolve em estreita relação com outras visões de

mundo aqui presentes, tais como o catolicismo ou

mesmo o positivismo (para citar apenas duas) e ganha

um colorido bem particular, ao mesmo tempo em que

também colore de forma singular o nosso cotidiano em

aspectos que, por muitas vezes, transcendem a esfera

do religioso, tais como, a relação da religião com a

ciência, aspectos ligados à formação da identidade

nacional, as ações de assistência social, entre outras.

Hoje, o Brasil é o país com maior número de adeptos

do espiritismo no mundo e um grande “exportador”

deste, na medida em que não são poucos os espíritas

que têm viajado a outros países divulgando a Doutrina

Espírita. Dessa forma, o conhecimento em torno da

cosmologia espírita e de seu lugar no cotidiano de

nosso país coloca-se como importante elemento para a

compreensão do panorama religioso brasileiro.

EXERCÍCIO 3

Descreva as principais características da mediunidade a

partir do pensamento de Alan Kardec.

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Aula 3| O espiritismo no Brasil e no mundo, uma aproximação 94

RESUMO

Vimos até agora:

A história do espiritismo desde de sua origem

até sua consolidação como importante

expressão religiosa brasileira;

As principais características teológicas do

espiritismo

Os momentos mais importantes da vivência

religiosa no interior do espiritismo;

A compreensão de mediunidade e sua ação

de plausibilidade e organização do mundo.

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Religiosidades

Populares

Hauley Vailin

AU

LA

4

Ap

res

en

taç

ão

Nesta aula será apresentada a variedade de ritos que

compõem o que chamamos de religiosidade popular. A

expressão de fé mantida muitas vezes a revelia das grandes

instituições religiosas tem enorme importância para a

construção da religiosidade brasileira, estando mesmo em suas

origens, constituindo-se numa das matrizes do sentimento

religioso em nosso país. De forma especial será abordada

religião dos caboclos e as expressões rituais da congada.

Ob

jeti

vo

s

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja

capaz de:

A importância da cultura popular para a compreensão das

matrizes da religiosidade brasileira;

Breves aspectos teórico-metodológicos;

Análise de caso a partir da Etnografia da Festa de Caboclo

Bernardo;

O tupiniquim como a segunda faceta do herói que se revelou

na pesquisa empírica e se remete à matriz indígena;

O tema da entidade e sua ação estruturadora em tal ramo da

religiosidade brasileira.

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Aula 4| Religiosidades populares 96

Considerações

Quando refletimos a cultura religiosa no Brasil,

sem esforços nosso imaginário elabora um quadro

marcado pela diversidade sociocultural. Multiplicidades

de sons, tons, ritmos, símbolos e ritos aparecem

tecidos àquilo que imaginamos como grandes matrizes

da cultura brasileira. Apesar dos encontros e

desencontros, pensamos principalmente nos negros,

portugueses e indígenas com suas diferenciadas

vivências religiosas, contribuindo de forma efetiva para

a construção daquilo que chamamos cultura brasileira

(Freire, 1975), neste caso, a religiosa.

Esta mesma diversidade aparece enquanto

pensamos a religiosidade popular. Conforme a

mentalidade vai deixando a centralidade urbana – o

que não significa que devoções populares não estejam

ali presentes – uma variedade de performances pode

ser visualizada e diferenciada, dependendo da região

imaginada. Cultos aos Caboclos e aos santos de casa,

Pajelanças e Encantarias, Umbandas, devoções aos

mortos e a personagens históricos, além das mais

variadas expressões do catolicismo, inclusive, aquelas

religiosidades que estão por trás dos movimentos da

cultura popular como as Congadas, Maracatus, Folias

de Reis, Cavalhadas.

Apesar da presença relativamente marcante

destas expressões no nosso imaginário, inclusive no

acadêmico, as populações correspondentes ocupam

geralmente espaços às margens dos sistemas

políticos/econômicos/religiosos organizados no Brasil.

Apesar da forçosa invisibilidade social e política que os

acometem, estes movimentos sociorreligiosos estão

cada vez mais conscientes de sua força social, que se

materializa crescentemente em associações,

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Aula 4| Religiosidades populares 97

organizações, federações e incipientes representações

políticas.

Precisamos extrapolar os limites de

compreensão da religião popular para além da

“experiência religiosa” e da “estética”, tomar estes

movimentos como fatos sociais totais (Mauss, 0101), e

para isso é necessário empregar categorias de análise

mais concretas como “sentido”, “identidade” e “poder”

(Geertz, 2001). Pois, a religião tem aparecido, com

cada vez mais força, como importante ferramenta de

reivindicação política, ação afirmativa e,

consequentemente, de visibilização de populações

marginalizadas.

A cultura popular

Antes de tudo, precisamos definir mesmo que

brevemente um termo muitas vezes visitado e

revisitado por intelectuais, historiadores e cientistas

sociais, do qual a religiosidade popular é tributária,

trata-se da categoria cultura popular.

Segundo o historiador Peter Burke, somente no

final do século 18 e início do século 19, os intelectuais

começaram despertar interesse por manifestações

culturais diferenciadas daquela comumente presente

nos grandes centros de vivência da elite europeia

(Burke, 1989:31). Quando foi cunhada, a categoria

cultura popular pretendeu “circunscrever e descrever

produções e condutas situadas fora da cultura erudita”

(Chartier, 1995:179).

Os intelectuais notaram, neste contexto, que o

processo de industrialização provocava um importante

deslocamento populacional do campo para a cidade.

Diante das populações camponesas, que se

urbanizavam, viram o risco de, ao longo do tempo, as

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Aula 4| Religiosidades populares 98

práticas culturais destes grupos viessem a “extinguir”.

Quando a cultura popular tradicional estava justamente

começando a desaparecer, que o “povo” (o folk) se

converteu num tema de interesse para os intelectuais

europeus, os artesãos e camponeses de certo ficaram

surpresos ao ver suas casas invadidas por homens e

mulheres com roupas e pronúncias de classe média,

que insistiam para que cantassem canções tradicionais

ou contassem velhas estórias (Burke, 1989:31).

No encontro entre membros da classe intelectual

e da camponesa, surgiu este movimento de

“valorização da cultura popular”, segundo Burke. Um

processo de aceitação de determinadas manifestações

culturais consideradas inferiores por uma parte da

população considerada pensante na Europa. Movidos

por um ímpeto classificatório, coletaram, colecionaram

e publicaram inúmeras canções, contos e literaturas,

que inspiraram muitas outras produções deste tipo que

acabaram caindo de bom grado no contexto dos

movimentos nacionalistas europeus, que buscavam

para si uma “autodefinição”, uma identidade “original”

que motivasse as lutas e reflexões políticas (Burke,

1989: 40).

Entre aqueles que simpatizaram com a recém

“descoberta” cultura popular estiveram grandes nomes

da política e da arte como os irmãos Grimm, Goethe,

Napoleão Bonaparte, Rousseau, Chateaubriand, entre

outros (Burke, 1989: 37). Neste sentido, no encontro

destas perspectivas, a popular e a intelectual, se

constituiu um terreno propício ao surgimento de uma

dinâmica de interação que contribuiu para o

fortalecimento das identidades que, consequentemente,

tiveram papel importante na formação dos estados

nacionais na Europa.

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Aula 4| Religiosidades populares 99

Isso quer dizer que, a partir de um dado

momento histórico, práticas culturais ancestrais de uma

determinada população passaram a ser tratadas como

“cultura popular” no contexto dos debates intelectuais.

A “cultura popular”, neste sentido, nem sempre existiu

como um objeto de investigação e reflexão intelectual,

mas como experiência cotidiana vivida.

Breves aspectos teórico-metodológicos

Imagine-se em uma festividade religiosa

popular, por exemplo, tendo de analisar pelo menos um

entre os vários grupos religiosos certamente presentes,

expressos em atores e símbolos, reunidos em um

espaço sacralizado, dramatizando simultaneamente

suas crenças em performances rituais públicas?

Interpretar esta “efervescência coletiva” (Durkheim:

2003), criativa e dinâmica, no calor do ritual é uma

tarefa no mínimo confusa, em princípio.

Como toda expressão cultural humana, as

religiosidades populares não podem ser tomadas como

um fenômeno resultado de uma construção sincrônica,

harmoniosa e homogênea, imagem que o processo de

invenção das tradições se esforça em elaborar

(Hobsbawn, 2002). A cultura, segundo o antropólogo

Clifford Geertz, deve ser analisada como um tecido

inacabado, onde são perceptíveis as variadas camadas

de sentido, que se sobrepõem umas às outras,

resultado da espessa interação simbólica (Geertz,

1989:07); neste caso, entre as religiosidades

populares, os intelectuais socialmente engajados, o

tempo e o espaço, as instituições sociais e os dramas

vivenciados cotidianamente por estas populações.

Semelhante à imagem caleidoscópica, multicolorida e

multifacetada, existe nas expressões populares uma

lógica e uma dinâmica cultural passível de ser descrita

e analisada, desde que observadas atentamente.

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Aula 4| Religiosidades populares 100

Além da rugosidade das expressões culturais

humanas, outro aspecto de análise útil para pensar a

dinâmica das religiosidades populares é a noção de

“grupo étnico”. Segundo Max Weber, “étnicos são

aqueles grupos humanos que em virtude de

semelhanças no habitus externo ou nos costumes (...)

nutrem uma crença subjetiva na procedência comum,

que de tal modo que esta se torna importante para a

propagação das relações comunitárias” (Weber,

2004:270). Importa perceber, na etnografia que em

breve apresentaremos, como os grupos, que

representam matrizes diferenciadas presentes no

interior da cultura popular, lançam sobre um único

personagem, pouco conhecido na história do Brasil, as

bases para a propagação de relações comunitárias e

culturais que estruturam os grupos, tanto internamente

quanto em relação uns com os outros, em processos

interligados de construção de identidades religiosas.

Os grupos étnicos compartilham, neste sentido,

além da origem em comum, outra série de aspectos

que os ajudam a definir as pertenças sociais. Tomar a

etnicidade como caminho para compreender as

religiosidades populares significa reconhecer que cada

expressão ou grupo constitui-se como “um recipiente

organizacional que pode receber conteúdo em

diferentes quantidades e formas nos diversos sistemas

culturais” (Barth, 2000:33).

Segundo Roberto Damatta (2001:115), por

exemplo, um importante predicado das tradições

religiosas no Brasil, certamente presente nas

religiosidades populares, é a ambiguidade devocional –

nem um pouco contraditória, do ponto de vista do

religioso – que permite combinar artifícios de diferentes

religiosidades em favor de suas próprias experiências.

Uma narrativa curiosa, coletada pelo sociólogo Pedro

Ribeiro, apresenta bem esta dinâmica, que chamou de

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Aula 4| Religiosidades populares 101

“permissividade religiosa”. Segundo seu informante,

todas as religiões são boas, mas cada uma para uma

coisa. Para quem não tem problemas na vida, a melhor

religião é a católica: a gente se pega com os santos, vai

a igreja quando quer e ninguém incomoda agente. Para

quem tem dificuldade financeira, a melhor religião é a

dos crentes, porque eles ajudam a gente como irmão,

só que não pode beber, fumar, dançar, nem nada.

Agora para quem tem dor de cabeça, a melhor religião

é a dos espíritas; ela é exigente, não se pode faltar às

sessões, mas cura mesmo. Se Deus quiser, quando eu

ficar curada de tudo, eu volto para o catolicismo

(Ferretti, 0101).

O informante revela que, a depender da

necessidade, recorre a uma determinada expressão

religiosa, acumulando, assim, em sua experiência, uma

combinação de especialidades que capitaliza em seu

favor. Quando tomamos a noção de grupo étnico e o

pensamos como um “recipiente organizacional” (que

recebe conteúdos de diversas fontes), precisamos nos

atentar para este conteúdo, que certamente caracteriza

as culturas religiosas populares no Brasil.

Quando observamos a dinâmica das culturas

populares, notamos uma rica combinação de elementos

que compõem os processos de construção de

identidades. Estas edificações identitárias são resultado

de um árduo trabalho simbólico constituído da

interação entre religião e cultura em resposta às mais

diferenciadas demandas sociais como eventos

dramáticos, conflitos, necessidades de adaptação à

sociedade em transformação.

Estas práticas revelam repertórios simbólicos

que oferecem alternativas diferenciadas para a

resolução das mesmas questões que ameaçam a

engenharia social dos grupos (Turner, 2008). Se os

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Aula 4| Religiosidades populares 102

sujeitos que compõem, inventam e reinventam estas

manifestações são, sobretudo, sujeitos religiosos e

estes vivem “num mundo suscetível a tornar-se

sagrado” (Eliade, 2002:21), as ações coletivas diante

dos dramas vivenciados no cotidiano, se não são

revestidas de caráter religioso, são ao menos

motivadas ou explicadas pela cultura religiosa.

Esta dinâmica é possível dada as circunstâncias,

por exemplo, da experiência histórica da transmissão

do catolicismo no Brasil desde o século 16. Podemos

dizer que a vivência religiosa romanizada, moralizante,

dogmática e tridentina, em grande parte, marcaram os

centros administrativos do Brasil Colônia,

principalmente a elite política. Distante destes

ambientes, o catolicismo desenvolveu-se com

significativa liberdade e com feição popular facilmente

perceptível “em suas manifestações de piedade

ruidosas e sinceras, em seu gosto por procissões

festivas e, evidentemente, em sua perfeita intimidade e

familiaridade com os santos de devoção” (Guttilla,

2006:46).

Dados estes pressupostos – e outros que serão

apresentados paulatinamente ao longo do caminho

etnográfico – interpretaremos um caso paradigmático

de cultura religiosa popular. Importa notar agora em

um incipiente caso de canonização, no imaginário,

como se constitui a dinâmica da cultura religiosa

popular. Apresentaremos dados coletados em campo

que serão interpretados à luz das correntes teóricas da

antropologia, especialmente a interpretativa.

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Aula 4| Religiosidades populares 103

EXERCÍCIO 1

Descreva com suas palavras a tensão entre

religiosidade popular e religião institucional.

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_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

Análise de caso

Etnografia da Festa de Caboclo Bernardo:

religiosidade, etnicidade e devoção

O EVENTO FUNDANTE

Na noite tempestuosa de 7 de setembro de

1887, o cruzador da Marinha Imperial Brasileira,

Imperial Marinheiro, naufragou no pontal da foz do Rio

Doce, Linhares - ES. As narrativas contam que

Bernardo José dos Santos depois de várias tentativas

alcançou o navio em frangalhos nadando em meio à

tormenta com uma corda amarrada à cintura. Cento e

vinte oito dos 142 náufragos foram resgatados em uma

pequena chalana conduzida pelo herói através do

improvisado cabo de vai e vem.

A pedido dos marinheiros resgatados, Bernardo

foi levado ao Rio de Janeiro e homenageado em ato

solene por sua ação de humanidade pela Princesa

Isabel (Reis, 2003: 72), com a medalha de ouro

correspondente ao ato de “1ª classe designada pelo

artigo 1 das instruções a que se refere o decreto de

1579 de 14 de março de 1887, 66° ano da

independência do Império” (Arquivo Público Nacional -

RJ, 1887: 150). Cumprindo a sina de muitos heróis, em

Quer saber mais?

Festa de Caboclo Bernardo hoje é um dos Encontros das Bandas de Congo do Estado do Espírito Santo e está em sua décima nona versão. Como são chamadas no Estado de Minas Gerais, as congadas são resultado da fusão da teologia congolesa com os ritos católicos, originárias no processo de cristianização do Congo (país) pela coroa portuguesa, a partir do ano de 1441. No Brasil, as congadas tornaram-se movimentos de manutenção e, mais tardiamente, de afirmação de identidade negra intimamente relacionado às confrarias religiosas que se formaram nos Estados de Minas Gerais . No Estado do Espírito Santo, as bandas de congo estão relacionadas não só às confrarias negras,

mas também à cultura indígena e cabocla.

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Aula 4| Religiosidades populares 104

junho de 1917, Bernardo foi assassinado com um tiro

de garrucha no peito, dentro de sua própria casa, por

Lionel Ferreira de Almeida (Reis, 2003: 87).

Hoje, o evento mais importante relacionado ao

feito heroico e à memória de Bernardo que,

certamente, jamais foi esquecido na vila desde o

naufrágio, é a Festa de Caboclo Bernardo. Na primeira

semana de junho, na data de aniversário da morte do

herói, encontram-se na Vila de Regência bandas de

congo de todo Estado com o intuito de prestarem

homenagens ao “grande herói”. É na continuidade

narrativa e ritual deste evento que esta etnografia se

baseia, pretendendo demonstrar a dinâmica das

religiosidades populares e as íntimas relações

socioculturais que facilmente são estabelecidas entre

aquelas que acreditamos serem as matrizes da

religiosidade popular no Brasil.

QUEM É O HERÓI?

Acompanhar a religiosidade popular na Festa de

Caboclo Bernardo nos quatro últimos anos significou

acumular, através da observação dos ritos e da análise

das fontes narrativas, ao menos cinco versões que

remontam de diferentes formas à origem étnica do

herói. Serão descritas, cada uma delas, com o intuito

de desvelar os encontros entre as matrizes da cultura

popular brasileira, além de demonstrar a tênue região

de fronteira que geralmente caracteriza os estudos

deste tipo.

Partir do pressuposto de que o termo caboclo,

que antecede o nome de Bernardo, define a perspectiva

em que os grupos sociais percebem o herói seria não só

uma redução da diversidade étnica que pode ser notada

na Festa de Caboclo Bernardo, mas também seria

reduzir consequentemente as múltiplas facetas

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Aula 4| Religiosidades populares 105

socialmente em formação que o herói possui. O que

não significa que, no processo de constituição do

universo religioso em torno dele, as formas de percebê-

lo sejam necessariamente contraditórias, conflitivas ou

excludentes.

O CABOCLO

Caboclo é um termo polissêmico e amplamente

utilizado em boa parte do território nacional. No

contexto amazônico ao se referir a uma determinada

população, o termo pode carregar forte conotação

pejorativa garantida pela oposição entre “cidade” e

“meio rural”, ou mesmo, entre “civilizado” e “primitivo”

(Oliveira Filho, 1999:164-196). Não é esta a conotação

que a palavra possui no contexto que interessa.

Descrever os aspectos positivos que o termo

possui na região permitirá reconstruir o sentido da

palavra, cuja importância se revela no uso que a

população faz dela e por se tornar parte integrante do

nome de Bernardo. Interessa, então, a palavra em seu

sentido “nativo” como um termo constituído

historicamente carregado de valores morais e

atribuições físicas, que através dele os habitantes deste

determinado espaço se autorreconhecem.

Importante

Uma versão curiosa sobre o que motivou Bernardo a nadar até o Navio Imperial foi-me contada por um antigo funcionário da Petrobras que trabalhou na região. A versão negava o intuito “humanitário” do salvamento, afirmava que a motivação de Bernardo teria sido a de saquear o navio, o salvamento teria sido somente uma consequência da presença dele na embarcação em frangalhos.

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Aula 4| Religiosidades populares 106

O “Auto de Caboclo Bernardo” é apresentado por

moradores(as) da vila durante a Festa de Caboclo

Bernardo. A vida de Bernardo é dramatizada da

gestação até o assassínio. A imagem acima mostra

Bernardo recém-nascido sendo apresentado aos

pescadores da vila saciando a expectativa, semelhante

à messiânica, que demonstravam. No ápice da

representação teatral, o herói vai e vem agarrado à

corda estendida entre a praia e o navio de guerra,

realizando o salvamento dos 128 náufragos. O ator que

interpreta a juventude de Bernardo é um dos

pescadores mais ativos da nova geração.

Na Vila de Regência, o termo caboclo está

intimamente ligado ao modus vivendi local. Um

determinado trecho do documentário “Assim Caminha

Regência” (Salles Sá, 2005) introduz um importante

aspecto contido na categoria étnica caboclo (Barth,

2000:33). Uma cena importante é dedicada a José de

Sabino, um personagem bem conhecido tanto da

população da vila quanto dos turistas. Segundo ele,

“quem nasce na beira de praia é caboclo, eu sou

caboclo porque nasci em Regência”, definição

compartilhada por uma boa parte dos pescadores com

quem dialoguei. A continuidade das imagens do

documentário, após o depoimento, descreve o lugar,

seus habitantes, o sentimento religioso e as expressões

históricas da vila, realçando a imagem de um morador

de um determinado espaço afetivo intimamente ligado

ao mar. O desfecho do fragmento focaliza um lugar

chave para a constituição da identidade cabocla. A cena

mostra José de Sabino conduzindo o barco em direção

à boca do rio, um lugar dramático por excelência em

dois sentidos. É ali o principal espaço de reprodução

econômica dos pescadores da vila, onde diariamente

precisam enfrentar as intempéries climáticas para

garantir um bom pescado e, além disso, foi próximo à

foz do rio que aconteceu, entre outros, o naufrágio do

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Aula 4| Religiosidades populares 107

navio Imperial Marinheiro, aspectos que agregam valor

sagrado àquele espaço, dados os sentimentos de

respeito e devoção que, geralmente, acompanham as

atividades de pesca.

A navegação na foz do Rio Doce fica

praticamente impossível nos dias de “virada”, pois a foz

fica totalmente exposta às ondulações, tornando

inviável qualquer incursão ao mar. Somente os mais

valentes se aproximam da foz nestes dias. É esta

condição adversa que cria o ambiente propício para

alguns pescadores demonstrarem sua “valentia”,

garantindo a reprodução econômica de várias famílias

na vila. O naufrágio do navio Imperial Marinheiro

aconteceu a quatrocentos metros sul de onde o capitão

do barco “Deus Dará”, José de Sabino, e seu filho

miram as redes de espera. Geralmente, os barcos

usados na pesca são de pequeno porte comparado com

as proporções da boca do rio em determinadas épocas.

(Foto: Hauley Valim, 2006).

A economia na peixaria de José de Sabino não

se reduz à monetária, a venda do pescado fresco, ali

circulam importantes valores simbólicos (Bourdieu,

2003) nas narrativas, nas relações sociais e nas

representações do caboclo. Num mural próximo ao

freezer estão estampadas suas façanhas, fotografias

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Aula 4| Religiosidades populares 108

com cações de até 300 quilos pescados na foz do rio.

As fotografias servem de cenário enquanto Sabino

narra a pesca dos “grandes tubarões”, que se torna um

tanto dramática quando o expectador observa as

arcadas dentárias dos tubarões postas sobre a mesa ou

dependuradas no teto; prova da periculosidade da

atividade e da valentia do pescador.

A relação entre esta população com o espaço

dramático da foz do Rio Doce é um aspecto territorial e

simbólico da identidade étnica, que desperta a atenção

para outro aspecto de cunho moral. O caboclo ao se

deparar com o mar bravio lança mão das atribuições

que o caracterizam: fibra moral, coragem, vigor físico,

intrepidez, previsibilidade climática, aspectos

necessários para garantir o sucesso do seu

empreendimento.

De igual modo, são imputados a Bernardo os

predicados de bravura, força física, coragem e

intrepidez, como qualidades inerentes ao herói, que

viabilizou à administração os infortúnios marítimos

durante o naufrágio do Navio Imperial. O drama social

do naufrágio é atualizado cotidianamente no

enfrentamento das intempéries climáticas para garantir

o pescado, que, por sua vez, atualiza na memória as

atribuições do herói que também estão presentes nos

pescadores.

O que parece acontecer é que, quando um

grande processo dramático público começa, as pessoas

(seja consciente, pré-consciente ou

inconscientemente), assumem papéis que trazem

consigo se não roteiros estabelecidos com precisão,

constituem tendências profundamente marcadas de

agir ou falar de maneiras suprapessoais ou

“representativas” adequadas ao papel assumido, e

pavimentam o caminho para um certo clímax que se

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Aula 4| Religiosidades populares 109

aproxima do clímax ocorrido em algum mito central da

morte ou vitória de um herói ou de heróis (Turner,

2006:95).

Segundo as proposições do antropólogo Victor

Turner, o herói Caboclo Bernardo seria para uma parte

da população da vila de Regência um paradigma-raiz,

“um mito arquetípico”, que se torna, em si, “um mito

gerador de padrões de ou para os processos individuais

e corporativos” (2006:95). O herói é criado pelos(as)

moradores(as) da vila com atribuições morais,

religiosas e físicas que, por sua vez, recria o grupo

social com estas qualidades (Berger, 1985).

Em decorrência do sentido étnico da categoria

nativa caboclo, foi possível constatar que, quando

adscrita ao nome próprio de Bernardo, o termo associa

intimamente o herói aos(as) moradores(as) da vila,

servindo como modelo paradigmático de ação e como

elemento fundamental da construção da identidade,

principalmente sob viés religioso, conforme veremos.

EXERCÍCIO 2

Apresente uma síntese sobre a experiência religiosa

acima exposta.

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

O TUPINIQUIM

Tupiniquim foi a segunda faceta do herói que se

revelou na pesquisa empírica e se remete à matriz

indígena. A partir de um acaso na pesquisa etnográfica

descobri, entre tantos outros aspectos, um que, de

Dica do professor

Os Tupiniquim contemporâneos passaram a figurar nos documentos da FUNAI em meados da década de 70, com base em uma política indigenista e no movimento conhecido como etnogênese ou sociogênese, que põe em destaque as ações próprias aos povos indígenas, buscando coerências e historicidades específicas, reivindicando a herança e o pertencimento a grupos dos séculos passados e tendo a reorganização no espaço como característica fundamental

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Aula 4| Religiosidades populares 110

forma especial, relacionava a etnogênese tupiniquim

aos caboclos de Regência.

Não é novidade que a vila de Regência e o

Território Tupiniquim de Comboios estejam interligados

por aspectos sociais como, por exemplo, a

descendência das antigas populações que ali habitava

no passado, além das atuais relações de parentesco, os

fluxos populacionais e pequenas trocas comerciais

Porém, um aspecto cultural destacou-se e fez com que

as preocupações da investigação se ampliassem de

alguma forma, já que as representações do herói

Caboclo Bernardo iam se ampliando.

Segundo Barth sempre existe interdependência

e articulações entre os grupos étnicos em interação,

mesmo que através de expressões de contrastes.

Pensar etnicidade demanda compreender as fronteiras

étnicas, áreas de encontro e tensão cultural (Barth,

2001:16).

No caso analisado, a etnicidade dos grupos

abordados se constrói não só através de diferenças e

contrastes étnicos, conforme é perceptível nas

diferentes versões narrativas sobre a origem étnica do

herói. Mas, a construção da identidade na vila está

intimamente associada ao vínculo cultural entre os

grupos, personificado nas múltiplas facetas do herói

anualmente dramatizadas na Festa de Caboclo

Bernardo. Estas interações significam não só formas de

socialização e associação étnica, tendo como

intermediário o herói homenageado, mas também

intercâmbios simbólicos, onde são compartilhados os

sentidos que Bernardo possui para cada grupo,

acumulando em cada versão dramatizada na festa as

atribuições das outras. Interessa-nos, então, a variante

tupiniquim de Caboclo Bernardo.

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Aula 4| Religiosidades populares 111

Os tupiniquim vivenciaram processos de

aculturação desde o século XVI, com as missões

jesuíticas na província do Espírito Santo, onde foram

submetidos à política de catequese e miscigenação que

resultou na perda de referenciais de identidade, como a

língua e a religião, a ponto de serem reconhecidos e até

mesmo se autorreconhecerem como caboclos (Veiga &

Valim, 2005:05). Ser tratado como caboclo, no

imaginário popular deste contexto, significava que a

pessoa havia atingido um grau mais elevado na “escala

evolutiva”, deixando de ser índio, termo pejorativo que

possuía o sentido de primitividade, intimamente

associado às práticas antropofágicas que aconteciam na

região, como pensavam os colonizadores e naturalistas

(Saint-Hilaire, 1974:86). Por outro lado, tornar-se

caboclo sinalizava que significativas perdas culturais

haviam acontecido.

A partir dos anos 70, o grupo localizado em

Comboios que se reconhecia como caboclo passa a

reivindicar sua identidade “originária” Tupiniquim,

tendo como pano de fundo a questão fundiária e os

direitos dos povos indígenas no Brasil, e neste bojo o

mesmo personagem reverenciado na Vila de Regência

tornou-se um dos mitos fundantes das reivindicações

fundiárias do grupo. De acordo com o depoimento de

seu José Barbosa, 88 anos, um dos mais antigos

moradores da aldeia de Comboios,

Isso aqui [a terra reivindicada] era

antiguíssimo, mas não era

reconhecido, não tinha medição, isso

foi a parte do Caboclo Bernardo. Eu

conheci ele, menino de sete anos, era

muito simples, morava em casebre na

beira do rio e vestia camisola. A casa

de meu pai era pouso de viajantes

pela restinga, ele passava na casa de

meu pai e dormia lá. Caboclo Bernardo

morava em Regência e salvou o navio

Imperial Marinheiro. [...]. O navio veio

com uns homens, Marechal, Príncipe,

que vieram pra fazer pesquisa em Por-

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Aula 4| Religiosidades populares 112

to Seguro, mas eles beiraram muito a

praia entre as fazendas e as

Cacimbinhas, perto de Regência. O

navio encalhou quando Caboclo

Bernardo e Pedro Alvarenga bebiam e

pescavam mero de madrugada. Ele

ouviu o alarme e endoidou, era um

caboclo muito forte. O navio encalhou

num sequeiro, Caboclo Bernardo viu

encalhar e caiu n’água, rompeu 150

metros de água pra lá. Trouxe um

cabo muito grande de linha e

despejou, no cômoro da praia, um

mourão bem forte, apanhou um outro

cabo de linha bem grosso e levou ao

navio e atravessou todo mundo. Um

mais afobado se jogou no mar, aí ele

agarrou o cabelo dele e salvou.

(Veiga & Valim: 2005: 2)

Seu José Barbosa prossegue sua narrativa,

dando ênfase à etnicidade do herói, cuja origem

indígena se incorpora ao seu próprio nome,

construindo, por contraste e por aproximação em

relação à versão de Regência, um dos fundamentos

para a territorialidade Tupiniquim, certamente evocada

desde a primeira demarcação da Terra Indígena, em

1979:

Foi então que colocaram o nome dele

de Caboclo Salvador, quando foi

chamado pelo Rei no Rio de Janeiro. O

Príncipe de um lado, ele no meio e o

Rei do outro. Perguntaram no palácio o

que queria e ele disse: “nada”.

Puseram duas moças para ele escolher

para casar, mas ele não quis, porque

já era casado com a Moça Maria. Mas

ele fez um pedido: do pontal do rio

Preto até o pontal da Barra do Riacho,

pediu as terras para os índios

trabalharem. Então o Rei deu os

papéis para ele e até hoje não sei onde

esses papéis estão. O Caboclo

Bernardo era filho da barra de

Regência, era Tupiniquim, lá e aqui era

a mesma coisa, depois é que

modificou. Além da terra, deram uma

medalha pro Caboclo Bernardo de 250

gramas de ouro.

(Veiga & Valim: 2005: 2)

Importante

A Constituição de 1988 estabelece um conceito para regulamentar e reconhecer as terras indígenas. Será considerado território indígena as terras ocupadas de forma regular com atividades tradicionais segundo os usos e costumes indígenas comprovados por perícias técnicas

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Aula 4| Religiosidades populares 113

A narrativa reconstrói o processo histórico de

perda, reivindicação e recuperação de parte do

território que estas populações habitavam no passado,

hoje em posse de grande empresa produtora de

celulose. Por “antiguíssimo” entende-se que eles já

ocupavam aquelas terras com práticas tradicionaisantes

mesmo da chegada da multinacional Aracruz Celulose

S/A. As expressões “não era reconhecido” e “não tinha

medição” já fazem parte do contexto de disputa pela

terra, pois até ali eles não precisavam comprovar

através dos títulos de propriedade que aquelas terras

pertenciam a eles. No ensejo de legitimar juridicamente

a propriedade, fazem de Bernardo o intermediário entre

eles e o Império, que, segundo a tradição, era o

verdadeiro dono daquelas terras.

O ato de salvar o “marechal” e o “príncipe”,

segundo a narrativa, garantiu a Bernardo uma situação

privilegiada em relação ao Império. Diante do “rei” do

Brasil, autoridade máxima do Estado, o único pedido foi

um pedaço de “terra para os índios trabalhar”.

Reivindicar a ancestralidade com Bernardo significa

afirmar o direito legal sobre aquelas terras, afiançado

pela consanguinidade entre Bernardo e os tupiniquim,

garantindo através da herança de direito o benefício

concedido pelo Império. O último trecho da narrativa

nos fornece a segunda faceta do herói, a da perspectiva

indígena que afirma que “Caboclo Bernardo é

tupiniquim”. Dizer que Bernardo é tupiniquim excluindo

a categoria caboclo significaria perder as atribuições de

“civilidade” contidas no termo, conforme discutido

anteriormente. Além do mais, manter o termo acoplado

ao nome continua garantindo a representação das

relações de parentesco do grupo com o herói.

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Aula 4| Religiosidades populares 114

A imagem retrata a homenagem tupiniquim na

capelinha de Caboclo Bernardo, da perspectiva onde o

herói é um caboclo tupiniquim. Como o cocar é recriado

sem as penas de aves silvestres, e não deixam de ser

original por isso, a etnogênese tupiniquim recria sua

identidade tendo como pano de fundo a questão

fundiária e os direitos dos povos indígenas no Brasil. As

narrativas recriam as relações de parentesco entre o

herói e os indígenas. Bernardo é quem viabiliza, de

alguma forma, o acesso às terras com seu ato heróico

(Foto: Hauley Valim, 2005).

O BOTOCUDO

De Botocudos foram denominados pelos

portugueses os povos que habitavam parte dos Estados

do Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia, que tinham

como principal característica descritiva os bodoques

auriculares e labiais que usavam como ornamento

(Reis, 2003: 47).

Apesar da perspectiva romântica em que os

indígenas botocudos são tratados nos livros didáticos, a

perspectiva histórica ensinada nas escolas da região

afirma que desenvolvimento só chegou à cidade após o

processo decorrente da “Guerra Justa”, autorizada pelo

governo Imperial por volta do ano de 1808 (Reis,

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Aula 4| Religiosidades populares 115

2003:47). Este numeroso grupo foi reduzido à

etnogênese Krenak, de aproximadamente 150

indivíduos, que ocupa hoje uma pequena área

demarcada no Estado de Minas Gerais, próxima à

fronteira com o Espírito Santo (Paraíso, 1988).

O jornalista Rogério Medeiros é o principal

defensor da perspectiva que afirma que o herói Caboclo

Bernardo era um “autêntico” indígena botocudo, um

“belo exemplar” (Medeiros, 2002:01). O herói teria sido

“transformado”, isto é, teria sua verdadeira identidade

étnica disfarçada para que, afeiçoado de caboclo, fosse

à Corte e condecoração por Princesa Isabel, já que o

próprio Império havia declarado “Guerra Justa” contra

os indígenas botocudos desde o início do século XIX.

Segundo Medeiros, trocaram a sua identidade racial de

propósito para ele poder figurar no panteon dos nossos

heróis. Esse último caso é o do índio botocudo

Bernardo, que subiu ao pódio dos nossos heróis depois

de salvar, por volta de 1887, 128 náufragos do vaso de

guerra da Marinha Imperial, na foz do Rio Doce.

Canibais eram também os avós do caboclo Bernardo,

como canibais foram ainda os seus pais, enquanto ele,

personagem de outra época na foz do rio Doce,

assombrava uma pequena população, composta de

brancos e mestiços, com os seus hábitos tribais.

Esse rolo todo quanto à sua origem foi feito pela

elite capixaba, que fraudou a sua identidade a fim de

livrá-lo da ira da Corte para com os botocudos, dos

quais era, em verdade, um belo exemplar (Medeiros,

2002:01).

A narrativa de Medeiros afirma que eram

“canibais” os avós e os pais de Bernardo e que, apesar

de morar em uma vila, continuavam com seus “hábitos

tribais” “assombrando” a população local,

provavelmente cristãos convertidos. Entretanto, o

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Aula 4| Religiosidades populares 116

salvador (do naufrágio) nesta perspectiva é quem é

salvo. O grande feito aqui é da elite capixaba, pois é ela

quem maquia de caboclo o índio viabilizando a

condecoração, pois, caso contrário, um feito heróico

“botocudo” não seria reconhecido pelo Império.

Esta versão associa duas perspectivas, uma

intelectualizada e uma popular, que nos remete, a

última, à Banda de Congo São Benedito do Rosário da

Vila do Riacho, município de Aracruz, a alguns

quilômetros de Regência. Ali, ser Botocudo é um estado

a ser criado em contraste com os indígenas Tupiniquim.

Parte do conhecimento sobre as questões

indígenas que Antônio possui, segundo ele, deve-se ao

tempo em que atuou informalmente como

representante da etnogênese tupiniquim em reuniões,

encontros e congressos, onde eram discutidas as

implicações jurídicas das reivindicações fundiárias dos

grupos indígenas. No entanto, ao reunir orientações

jurídicas, antropológicas e históricas, sob o amálgama

da tradição oral, como fora certamente socializado por

sua mãe, Antônio tornou-se não só um intermediador

de conhecimentos, mas também um produtor de

histórias. Os livros didáticos, principalmente de História

do Brasil, e as tradições orais são as fontes para

reconstruir 500 anos de história que seus ancestrais, os

indígenas botocudos, ocuparam tradicionalmente suas

terras na região.

Os botocudo devem sua elementar insipiência ao

que George Simmel chamou de natureza

sociologicamente positiva do conflito (Simmel, 1983). O

reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no

Brasil despertou no grupo social uma autoconsciência

identitária por aproximação étnica. Por similaridade,

perceberam que possuíam verossimilhanças culturais,

estreitas relações sociais e de parentesco, além de

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Aula 4| Religiosidades populares 117

grande semelhança fenotípica com os reconhecidos

institucionalmente indígenas tupiniquim. Em

conseqüência disso reclamaram com seus “parentes” o

direito de participar das reivindicações fundiárias do

grupo. O que foi prontamente negado pelos tupiniquim,

sob a alegação de que eles já não eram indígenas, por

morarem na vila do riacho, por estarem urbanizados

teriam perdido os direitos fundiários. Contra-

argumentaram afirmação que eram “índios

desaldeados”, o que não resolveu o impasse.

O fato de não serem reconhecidos pelos

“parentes” tupiniquim como descendentes dos povos

originários foi a motivação que encontraram para a

etnogênese botocudo. A identidade que inicialmente

fora despertada pela semelhança agora fundamenta-se

pela diferenciação e pelo contraste étnico, aspecto

considerado por Fredrik Barth como fundamental para a

constituição dos grupos étnicos (2001:16). Aqui dois

grupos que representam, no imaginário, uma única

matriz constroem sua religiosidade através de

aproximações e contrastes.

Em setembro de 2006, estive com Dona

Astrogilda e o capitão Antônio no centro espírita de

orientação umbandista que presidem na Vila do Riacho,

curiosamente ao lado de uma igreja batista. A mesa de

santo e outros paramentos sagrados revelaram a

relação que existia entre aquela religiosidade e a da foz

do rio.

Astrogilda falava com liberalidade sobre os

santos que ocupavam a mesa e as devoções religiosas

do grupo e Antônio permanecia sempre atento ao que

versávamos. Para ela, o santo mais importante daquela

mesa era Santo Expedito, elevado por trás dos outros,

pronto para qualquer “causa justa e urgente”. Em

momento oportuno, Antônio me olhou nos olhos com ar

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Aula 4| Religiosidades populares 118

de quem deseja revelar um segredo, curvou-se para o

meu lado e disse baixinho: “Santo Expedito atingiu um

grau de luz tão alto que já não baixa no terreiro, agora

a guia principal é o Caboclo Sete Flechas quem faz os

serviços”. Conforme a etnogênese botocudo vai se

constituindo e a geração subsequente vai se

legitimando na liderança, Expedito vai perdendo

capacidade de ação na realidade humana e o Caboclo

Sete Flechas, de feições indígenas, vai ocupando o

lugar central no imaginário.

O caboclo que ali tem vez não é somente o Sete

Flechas. Hasteadas em lugar de destaque na parede

frontal do altar duas bandeiras com a imagem de

Caboclo Bernardo ocupavam sozinhas os lados opostos

da mesa de santo. Após comentar as performances das

bandas de congo na Festa de Caboclo Bernardo naquele

ano, Antônio me chamou a atenção para a terceira

versão do herói. Perguntou o mestre da banda de

congo: “você sabia que Caboclo Bernardo era um índio

botocudo? Pois é, ele era!”, respondendo sua própria

pergunta. E acrescentou: “Não demora ele faz milagre

lá em Regência, vai depender da fé do povo”, sem

esforço um relevante dado antropológico se apresentou

naquele momento.

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Aula 4| Religiosidades populares 119

Na fotografia, a Bandeira de Caboclo Bernardo

da Banda de Congo São Benedito do Rosário

empunhada por uma devota. Somente na Festa de

Caboclo Bernardo, a bandeira deixa o centro espírita de

umbanda dirigido por dona Astrogilda e por seu filho

Antônio. A imagem traz o busto de Bernardo e o

naufrágio em segundo plano; a maioria das ilustrações

remonta esta perspectiva, semelhante ao busto em

bronze que a Marinha do Brasil presenteou a Vila de

Regência. No detalhe do naufrágio: no lado direito do

herói nadam desorientados aqueles que serão tragados

pelas águas; do lado esquerdo, Bernardo agarrado ao

cabo de vai e vem traz pelo pescoço um náufrago

(Foto: Hauley Valim, 2006).

No entanto, manifestações religiosas de Caboclo

Bernardo não são novidades para Dona Astrogilda. Nas

últimas versões da Festa de Caboclo Bernardo,

documentei duas experiências protagonizadas por ela.

No ano de 2004, após falar sobre a importância da

festa para a “cultura popular”, descreveu a visão

religiosa que presenciou no caminho:

Quando a gente vinha ali na estrada, eu olhei

para a praia, e o ônibus fez uma meia paradinha por

causa dos buracos. Tinha uma banda de congo, mais

uma coisa bonita mesmo, aquelas roupas branca e

azul, mas a calças dos homens era tipo de marujo, tudo

fofinha por baixo. E eu estou esperando até agora,

neste momento, esta banda chegar aqui, mas não

chegou ainda. Mas o que esta banda de congo estava

fazendo na praia? Estou com 73 anos nas costas e não

estou doida não, estou vendo visão. Isso aí deve ser

uma representação, porque hoje é dia do grande

tripulante Caboclo Bernardo, deve de ser algum marujo

por lá brincando, só pode. Representando ele porque

estamos com alegria (Veiga &Valim, 2006:04).

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Aula 4| Religiosidades populares 120

No ano de 2006, presenciei a descrição de outra

experiência religiosa na costumeira prédica de

Astrogilda na festa de Caboclo Bernardo. Porém, desta

vez, ela vivenciou uma cura direta protagonizada pelo

herói e por Nossa Senhora. Tanto a visão da banda de

congo na praia quanto a intervenção direta foram

dramatizadas por Dona Astrogilda em performances

públicas no interior da capelinha de Caboclo Bernardo.

Experiências religiosas como estas protagonizadas no

interior de outro grupo étnico incidem diretamente

sobre a religiosidade local, já que outros sentidos são

compartilhados coletivamente nas festividades.

A ENTIDADE

A antropóloga Véronique Boyer (1999), no texto

“O pajé e o caboclo: de homem a entidade”, fez um

breve levantamento bibliográfico e percebeu,

principalmente na região amazônica, que a

multiplicidade de sentidos que o termo caboclo carrega

transita entre o “caboclo-homem” e o “caboclo-

entidade”. A depender da região onde está sendo

pronunciado, refere-se qualitativamente a uma

determinada população ou a um “ser invisível” oriundo

da tradição do candomblé com influência ameríndia

(1999:30).

Tanto o “caboclo-homem” quanto o “caboclo-

entidade” são personagens familiares para as

religiosidades populares. A multiplicidade de possíveis

sentidos que a palavra caboclo carrega aliado à

interação simbólica, característica do imaginário

religioso popular, pode ter sido um dos gatilhos da

constituição da quarta versão de Caboclo Bernardo que

descreveremos.

Foi um dia de domingo. Eu cheguei do lado de

fora de casa e vi um pessoal de branco na pracinha e

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Aula 4| Religiosidades populares 121

fui perguntar para Sangalha [esposo]: “tem uma banda

de congo por aí? Tem alguma coisa marcada para hoje?

Acho que não tem nada não?! Fiquei curiosa e fui lá

olhar, para saber de onde era aquela banda de congo.

Quando cheguei percebi que não era banda de congo,

mas um pessoal do centro espírita de umbanda lá de

Uberlândia, Minas Gerais. A gente foi conversando com

eles e os curiosos foram chegando, o pessoal daqui da

vila, né. Eles falaram que, neste centro, há muito

tempo eles ouviam falar de Regência e Caboclo

Bernardo, e que tinha uma senhora no centro que

incorporava a entidade de Caboclo Bernardo. Eles

sempre quiseram vir aqui, mas não tinham

oportunidade porque o ônibus era muito caro...

A senhora que incorporava Caboclo Bernardo

estava operada. Ela estava sentada num banco ali na

praça e contava do naufrágio. Sobretudo ela falava

assim: “olha quando tem festa, quando é a minha

festa...”, aliás, ele falava assim através dela: “Quando

tem festa eu fico sentado ali naquela árvore, atrás dela,

fico ali olhando...”, e apontou a árvore – ela nem existe

mais porque a prefeitura reformou a praça, arrancou a

árvore e plantou outra, “eu fico ali atrás observando

tudo, olhando tudo e sei tudo”. Ela apontava para cá e

falava: “olha, eu morava ali, por ali assim, morei ali e

foi ali que me mataram”.

Mas ninguém se interessou, ninguém teve a

curiosidade de perguntar, se alguém anotou o endereço

deles eu não sei. Eles foram lá em casa duas vezes,

tomaram água, tomaram suco... Eu fiquei tão pasma...

Foi uma coisa tão surpreendente que eu não tive a

curiosidade de perguntar o endereço deles. Eles

falaram que iriam voltar na Festa de Caboclo Bernardo,

isso foi em noventa e oito, noventa e nove, mas até

hoje não voltaram, nem a gente teve mais notícias

deles (Vila de Regência, 06/2005).

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Aula 4| Religiosidades populares 122

O evento descrito por Bibiu aconteceu na praça

da vila de Regência próximo à Igreja Católica, nos

finais da década de 90. A narrativa apresenta um caso

clássico de uma médium incorporada por uma entidade

espiritual. Segundo a descrição da historiadora, a

senhora recém-operada recebeu a “entidade de Caboclo

Bernardo”, representação até ali desconhecida para a

população da vila. A experiência mediúnica narrada

suscita uma variante que, diferente das outras, não

vindica determinada origem étnica do herói.

A narração não deixa de fora os dois aspectos

elementares do fenômeno: o naufrágio, o mito

fundante, e a Festa de Caboclo Bernardo, o ritual

religioso que atualiza na memória a narrativa mítica. A

descrição também destaca o lugar de origem do grupo,

a tradição religiosa e, consequentemente, a força da

experiência, que motiva um deslocamento de

aproximadamente 1300 quilômetros, entre a cidade de

Uberlândia – MG, e a vila de Regência.

Segundo Reginaldo Prandi, “a umbanda juntou o

catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente

negra e símbolos, espíritos e rituais de referência

indígena, inspirando-se, assim, nas três fontes básicas

do Brasil mestiço”. Neste sentido, a dinâmica da

descrição narrativa poderia, sem esforço, ser

recomposta dentro da tradição de umbanda e até

mesmo do candomblé caboclo, onde a presença deste

tipo de entidade e este tipo de experiência são comuns.

Antropologicamente, não estamos preocupados

se a narrativa apresenta um “fato histórico”, o que

também não pode ser descartado, o importante é o

sentido que ela produz ao ser contada e recontada.

Durante uma entrevista, abordei o assunto com Dona

Mariquinha e antes mesmo que eu concluísse a questão

sobre a médium, ela interrompeu minha fala com a

Dica do professor

Guardião da alma de Caboclo Bernardo e Rainha das bandas de congo são autotitulações que passaram a conter posteriormente as atribuições rituais de Seu Miúdo e Dona Mariquinha, respectivamente. Com o tempo, as titulações caíram no uso dos participantes da

Festa de Caboclo Bernardo. Dona Mariquinha é a organizadora da Festa de Caboclo Bernardo, assim como idealizadora da capelinha de Caboclo Bernardo, e se responsabiliza, em parte, pela dimensão ritual do sistema simbólico. Seu Miúdo, durante sua vida, dedicou-se à manutenção das narrativas que remontam o ato heróico. Foi responsável, por sua vez, pela dimensão do mito.

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Aula 4| Religiosidades populares 123

afirmação: “sei que ela foi visitar a tumba de Caboclo

Bernardo e recebeu a entidade”, e acrescentou “tem

que saber quem é para convidar para a festa, mandar

um ofício para eles virem”. A visita ao jazigo do herói,

mencionada por Mariquinha, não aparece na versão de

Marly, assim como se difere o local onde aconteceu a

epifania.

Porém, mais curiosa é a apropriação que Seu

Miúdo faz do acontecimento. Em uma cena do

documentário “Assim Caminha Regência” (trecho

26’36”), o Guardião da Alma de Caboclo Bernardo

afirma que “ele abaixou [Bernardo] em um centro

espírita lá em Uberlândia, Minas, então abaixou ele e

um companheiro, eu e ele, aí fizeram muita oração,

para ele, pra mim”. Se para Dona Mariquinha interessa

acrescentar mais grupos na incipiente devoção ao

Caboclo Bernardo, para Seu Miúdo importante é

adquirir, através de autoatribuições, relações e

semelhanças com o herói do naufrágio.

Bernardo na vila constitui-se como um

personagem histórico, um “caboclo-homem” conforme

classificou Véronique de Boyer, que adquire outra

substância e status religioso com esta versão, além das

contribuições da versão tupiniquim. No vai e vem de

sentidos e símbolos, o “caboclo-homem”

metamorfoseou-se em “caboclo-entidade”, oferecendo,

em termos qualitativos, outro insumo para a

constituição do sistema cultural investigado, que

caracteriza, em suma, a religiosidade popular brasileira,

que, conforme o sociólogo, Pedro Ribeiro, acumula os

fatores eficientes das mais variadas contribuições em

favor de sua própria perspectiva religiosa.

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Aula 4| Religiosidades populares 124

O NEGRO

O que inicialmente apresentou-se como uma

displicência jornalística me desperta para mais uma

intricada versão do herói, que o associa simbolicamente

a um personagem religioso bem conhecido pelas

populações afrodescendentes. Folheando o livro

“Negros do Espírito Santo” (Osório; Bravin & Santanna,

1999) em uma livraria, deparei-me com uma figura

muito familiar. Seu Miúdo, figura póstuma bem

conhecida na vila, posava ao lado da imagem de São

Benedito em uma fotografia tirada na igreja de São

Benedito, em Regência. A imagem trazia a seguinte

legenda:

Devoto. Ele é o guardião da memória de Caboclo

Bernardo, o escravo negro que, em 7 de setembro

1887, salvou do naufrágio o navio Imperial Marinheiro

na barra do Rio Doce, em frente à Vila de Regência, em

Linhares. Chegou a ser condecorado pela princesa

Isabel e hoje é reverenciado com uma festa em seu

nome. Seu Miudinho não deixa a história morrer e

segue cantando jongos em homenagem ao herói negro

e a Bino Santo [São Benedito] (Osório; Bravin &

Santanna, 1999:112).

Sentido narrativo semelhante encontrei no

carnaval da capital capixaba no ano de 2002. A “Escola

de Samba Independentes de Boa Vista” trazia como

tema “O congo e o jongo: o mais capixaba dos

enredos”. O tema contava a importância do congo

como uma contribuição das três raças para a formação

da identidade capixaba, em consonância com o tríptico

estrutural da identidade brasileira, o negro, o branco e

o índio, de Gilberto Freire (1975). No entanto, o

interessante foi uma outra forma de assimilação do

herói presente na dinâmica carnavalesca.

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Aula 4| Religiosidades populares 125

O carnavalesco descrevia no perfil da escola o

carro alegórico Congo da Serra:

Carro Congo da Serra – Fantasia Caboclo

Bernardo – Este carro representa toda uma lenda que

diz que um navio negreiro de nome "Palermo" quando

se aproximava da costa serrana começou a naufragar e

os negros começaram a clamar por São Benedito e

conseguiram se salvar agarrando-se ao mastro do

navio.

Logo após, apresentou o destaque do carro

“Congo da Serra”:

Destaque Principal: José Áureo – Caboclo

Bernardo foi uma pessoa que nadou até o navio que

naufragava com uma corda amarrada ao corpo a qual

amarrou ao mastro no qual os negros estavam

agarrados e as pessoas que estavam na praia os

puxaram.

Disparidade alguma haveria se juntássemos

duas narrativas. Existe uma clara continuidade na

descrição do evento, a não ser em relação ao

protagonista que, em determinado momento, é

abruptamente substituído por outro. Na primeira

perícope, quem protagoniza o evento é São Benedito,

quem, após clamor, solta o mastro do navio para os

escravos se agarrarem. Na segunda parte, no entanto,

no desfecho do salvamento, em vez do santo, quem

aparece é o herói, quem nada até os náufragos com a

corda amarrada à cintura finalizando o salvamento.

A relação entre o santo e o herói na descrição

começa a fazer sentido quando resgatadas as

narrativas míticas que relatam os feitos destes dois

personagens. O principal milagre atribuído a São

Benedito, no Estado do Espírito Santo, é o salvamento

Para navegar

http://www.vitoria.es.gov.br/secretarias/cultura/perfil2002.htm, acessado dia em 10/2006. http://www.vitoria.es.gov.br/secretarias/cultura/perfil2002.htm, acessado dia em 10/2006.

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Aula 4| Religiosidades populares 126

de oitos escravos no naufrágio do navio Palermo – a

aproximadamente 80 quilômetros da foz do Rio Doce,

no município da Serra. As narrativas contam que os

negros foram salvos ao se agarrarem ao mastro que se

soltou do navio submerso, após interpelarem ao santo.

O evento que fez de Bernardo herói, semelhantemente,

foi o salvamento de 128 marinheiros náufragos do

navio Imperial Marinheiro na foz do Rio Doce. A

estratégia utilizada por Bernardo foi levar até os

destroços do navio uma corda por onde os náufragos

chegaram até a praia.

A continuidade da descrição carnavalesca

permite pensar que, no ato do salvamento do navio

Palermo, estiveram presentes os dois personagens, o

santo e o herói. A narrativa divide em duas partes o

evento, descreve as duas estratégias usadas, os dois

protagonistas estão presentes na descrição, entretanto,

a construção do texto funde as distintas tradições em

consequência da verossimilhança das narrativas. A

confluência narrativa é possível porque não existe

contradição étnica na afirmação “Caboclo Bernardo é

um escravo negro”, presente na legenda da foto e no

imaginário religioso popular, claro.

A similaridade da narrativa dos naufrágios

sintetiza em um lugar comum a origem dramática das

populações afrodescendentes e caboclas no Estado do

Espírito Santo. A presença de Bernardo no mito de

origem do direito fundiário tupiniquim também remonta

um drama social. O milagre e o ato heróico viabilizam a

passagem de um período dramático para um período de

redenção dos grupos. Estes fatos assinalam as trocas

simbólicas (Bourdieu, 2003) que capacitam ou orientam

grupos na administração dos próprios conflitos, criando

heróis, gerando símbolos e paradigmas de

comportamento (Turner, 1974:03). Fazer de Bernardo

um escravo negro significa acrescentar um importante

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Aula 4| Religiosidades populares 127

vulto da história do Espírito Santo no processo de

resistência e de reconstrução da identidade afro-

descendente capixaba.

QUAL DAS VERSÕES É A MAIS IMPORTANTE? E O

QUE TUDO ISSO TEM A VER COM AS MATRIZES DA

RELIGIOSIDADE POPULAR NO BRASIL?

Segundo Fredrik Barth, as categorias étnicas

oferecem “um recipiente organizacional que pode

receber conteúdo em diferentes quantidades e formas

nos diversos sistemas culturais” (2000:33). Com as

várias facetas do herói descritas, é possível afirmar que

Bernardo está longe de ser uma figura homogênea. Na

verdade, sua hibridez está em consonância com a

multifacetada religiosidade popular. A Festa de Caboclo

Bernardo, neste sentido, é um lugar de interação social

e simbólica, onde os sentidos sobre o herói se

sobrepõem uns sobre os outros gerando e agregando

novas formas de percebê-lo. Assim como nos cultos de

caboclo na Amazônia, a Festa de Caboclo Bernardo

parece incorporar as distintas “representações relativas

a vários grupos de população” (Boyer, 1999:35), sem

que haja conflitos ou contradições aparentes. A

dinâmica das várias facetas em constituição que o herói

possui constitui-se como “trabalho simbólico árduo

sobre a multiplicidade de sentidos da palavra caboclo”

(Boyer, 1999:30).

Na temporalidade ritual da Festa de Caboclo

Bernardo, é possível perceber as variadas atribuições

que o herói possui de perspectivas étnicas distintas e

de forma alguma simplificada. Na Festa de Caboclo

Bernardo, é possível se deparar com uma

“multiplicidade de estruturas conceituais complexas,

muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às

outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares

e inexplícitas” (Geertz, 1989:07).

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Aula 4| Religiosidades populares 128

É nesta tensão polissêmica que a identidade

religiosa na vila de Regência se constitui, assim como

se constituíram inúmeras outras identidades, dadas as

estruturas da religiosidade popular no Brasil. Por isso,

não se deve circunscrever o sentido que o herói possui

à perspectiva da população de Regência, pois seria

ignorar as versões que de alguma forma são

assimiladas na interação simbólica que acontece entre

os grupos étnicos. Interessam sim, neste sentido, as

variadas versões do herói, pois cada uma delas atende

as necessidades tácitas da construção das identidades

socioreligiosas de cada grupo, caracterizando assim a

dinâmica religiosa presente nas interações entre as

culturas religiosas populares no Brasil.

EXERCÍCIO 3

Em sua opinião como seria possível integrar a

religiosidade popular em sua prática docente junto ao

ensino religioso.

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

A importância da cultura popular para a

compreensão das matrizes da religiosidade

brasileira;

Breves aspectos teórico-metodológicos;

Análise de caso a partir da Etnografia da

Festa de Caboclo Bernardo;

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Aula 4| Religiosidades populares 129

O tupiniquim como a segunda faceta do herói

que se revelou na pesquisa empírica e se

remete à matriz indígena;

O tema da entidade e sua ação estruturadora

em tal ramo da religiosidade brasileira.

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Novas Configurações nas Religiosidades

Cristãs Brasileiras

AU

LA

5

Ap

res

en

taç

ão

Nesta aula vamos fazer uma reflexão aplicada ao estudo das

novas configurações dos cristianismos emergentes de diversos

matizes, situando as hibridações como possibilidades dentro da

complexidade religiosa, compondo o quadro maior exemplar e

representativo das diversidades das religiosidades na cultura

brasileira.

Ob

jeti

vo

s

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja

capaz de:

Discutir a configuração dos cristianismos emergentes a partir

de da construção de um quadro de referência;

Situar as hibridações como possibilidades dentro da

complexidade religiosa;

Identificar matizes exemplares das religiosidades na cultura

brasileira.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 132

Novas configurações nas religiosidades

cristãs brasileiras

Seremos forçados a concluir que nosso

mundo não se secularizou, mas antes

que os deuses e esperanças religiosas

ganharam novos nomes e novos

rótulos, e seus sacerdotes e profetas,

novas roupas, novos lugares e novos

empregos.

(Rubem Alves)

Começando...

Nesta aula vamos fazer verificações, análises e

interpretações com respeito às novas configurações

religiosas que vêm surgindo no contexto da cultura

brasileira, considerando os cristianismos e as demais

religiões que vêm emergindo, com matizes diversos.

Nossos objetivos são: os de a) Discutir a configuração

dos cristianismos emergentes a partir de da construção

de um quadro de referência; b) Situar as hibridações

como possibilidades dentro da complexidade religiosa;

e c) Identificar matizes exemplares das religiosidades

na cultura brasileira.

O fenômeno religioso se apresenta hoje

renascido. Renasceu como uma força operativa. Este

dado é facilmente verificável. O conjunto das ações no

campo acadêmico dentre outros, que têm se dedicado a

religião é tão notável que não se pode ter qualquer

dúvida de quão patente é o fenômeno no mundo

contemporâneo. Se verificarmos o número de Trabalhos

de Conclusão de Cursos, a quantidade de dissertações e

teses de importantes instituições de ensino que têm se

detido nesta temática, podemos perceber que este é

um objeto de pesquisa em voga. Sendo assim, vale a

pena o estudarmos. Mas antes, analise a seguinte

provocação:

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 133

E aí, você se sente provocado? Que idéias

importantes o texto lhe traz? Este texto acima busca

espelhar de forma lúcida as novas possibilidades em

termos culturais que temos vivido hoje. Na verdade,

“Híbrido” do grego hybris, corresponde a uma

mistura que violava as leis naturais. Para os gregos

o termo correspondia à desmedida, ao ultrapassar

das fronteiras, ato que exigia imediata punição.

Híbrido é também o que participa de dois ou mais

conjuntos, gêneros ou estilos. Considera-se híbrida

a composição de dois elementos diversos

anomalamente reunidos para originar um terceiro

elemento, que pode ter as características dos dois

primeiros (reforçadas ou reduzidas).

O termo híbrido tem vindo a ser utilizado, sobretudo

pela crítica pós-moderna preferentemente aos

termos mestiçagem ou sincretismo, uma vez que o

termo mestiçagem estaria, sobretudo associado à

mistura de raças, no sentido de miscigenação,

enquanto que o termo sincretismo estaria sobretudo

associado à mistura de diferentes credos religiosos.

Assim, hibridação seria a expressão mais apropriada

quando queremos abarcar diversas mesclas

interculturais.

A fronteira é o limite entre duas partes distintas, por

exemplo, dois países, representando muito mais do

que uma mera divisão e unificação de pontos

diversos.

As fronteiras determinam a área territorial exata de

um Estado e a sua base física, podendo ser naturais,

geométricas ou arbitrárias.

(...)

A permeabilidade das fronteiras convencionais que

separam os vários níveis de cultura, os gêneros

culturais, a ciência e a tecnologia, e ainda o emergir

de fenômenos e objetos híbridos são das mais

importantes manifestações das dinâmicas culturais

no mundo contemporâneo. Essas dinâmicas

desenvolvem-se numa área marcada pela tensão

entre a globalização cultural e rearticulação local de

configurações culturais, e têm dado lugar ao

aparecimento e confrontação de diferentes formas

de pensar a condição pós-moderna, opondo a

celebração dessa condição à tentativa de construir

um pensamento crítico pós-moderno, que permita

explorar os novos territórios da cultura, as formas

de associação e dissociação ligadas aos novos

repertórios culturais e às configurações culturais

emergentes e as suas implicações sociais e políticas.

http://pt.shvoong.com/humanities/1740173-hibridismo-fronteira/ Acessado em 16/03/2011

Hibrido na Religião

Pluralidade na Religião

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 134

como tudo em nossa cultura, pegamos palavras antigas

para dar-lhes novos sentidos. É assim que acontece.

A palavra “híbrido” que antes tinha o sentido de

mistura, e fenômeno que produzia coisa ruim, que só

podia trazer confusão. Agora passou a ter o sentido de

acontecimento novo, tanto que merece inclusive

admiração. Por isto que a ocorrência que é chamada de

“composição de elementos diversos anomalamente

reunidos” não assusta mais ninguém. Com muita

facilidade você encontra quem ria da tentativa de se

achar quem posse ser considerado “normal”. O

diferente quase não assusta mais.

Hoje as “mesclas interculturais” podem ser

chamadas de hibridismos. Os hibridismos

representariam as associações de elementos que antes

estavam bem demarcados em seus nichos culturais. E

mais importante, a dinâmica cultural do mundo que

vivemos tem sido decisivamente distinguida pelos

fenômenos que invadem fronteiras, emergem híbridos

em sua nova configuração.

Desta maneira, o global e local se manifestam

juntos. O antigo e o novo se articulam de maneiras

originárias. A emergência de fenômenos híbridos é

extremamente procurada nos dias de hoje. Veja a

composição que estamos fazendo e procurem

interpretá-la de seu ponto de vista:

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 135

EXERCÍCIO 1

Descreva do seu ponto de vista o que acontece na

representação acima:

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

É difícil? Antes tínhamos muitas mais

dificuldades para entender o novo. Levávamos algum

tempo para nos acostumarmos com aquilo que víamos

de diferente. Hoje cada vez mais, e mais rápido, vamos

nos defrontando com coisas que antes só podíamos

chamar de esquisitas.

Encontramos os híbridos nas esquinas, nos

shoppings, nas praças. Quase não conseguimos mais

chamá-los de exóticos, pois estes elementos não são

mais fenômenos só de outras culturas, que vêm até

nós. Estes dados nos chegam em conversas com

amigos, com parentes. Nossos irmãos e amigos estão

envolvidos por eles.

Precisamos, por isto, adquirir alguns princípios

para podermos levar acabo a tarefa de entender de

maneira crítica os “novos territórios da cultura”,

entender as novas convergências e associações

possíveis no que tange a cultura contemporânea.

Principalmente no que se refere a religiões.

Aí está uma questão pertinente. Precisamos

fazer um movimento em direção ao intento de elaborar

um arrazoado que ponha em tela o questionamento:

como hoje, do alto de tantas piedades e devoções

milenares, pode haver espaço para novas experiências

Mircea Eliade

Quer saber mais?

Mircea Eliade (1907-1986) nasceu em Bucareste, onde realizou seus estudos universitários, formando-se em Filosofa. Depois disso, partiu para Índia, tendo ali estudado o sânscrito e as filosofias do sudeste asiático. Eliade adquiriu renome como professor de História das Religiões, tendo lecionado na Universidade de Bucareste, na École des Hautes Études de Paris, no Instituto do Extremo Oriente de Roma, no Instituto Jung de Zurique, na Universidade de Chicago. Foi também Doutor Honoris Causa de numerosas universidades de todo o mundo. Premiado em 1977 pela Academia Francesa, recebeu a Legião de Honra. http://ro.wikipedia.org/wiki/Mircea_Eliade acessado em

09/10/2006.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 136

religiosas? Como pode surgir tão facilmente novas

religiosidades para além das tradições religiosas, já

consagradas pela humanidade?

Mais uma vez, precisamos adquirir referências

para a elaboração do entendimento das emergências

culturais nos termos das novas religiosidades

brasileiras.

1. Construção de um quadro de referências para

entender as novas configurações religiosas:

Um elemento que poderia nos ajudar muito

neste processo de construir uma percepção das novas

religiosidades brasileiras é revisitar um dos mais

importantes historiadores e teóricos dos estudos das

religiões que foi Mircea Eliade, quando diz:

Segundo Eliade, o Sagrado é complexo e

total. Este parece que será um princípio a ser

rebuscado na leitura dos fenômenos religiosos. Veja o

gráfico abaixo que tenta se deter em pelo menos três

noções presentes na concepção de Elide:

Propomo-nos apresentar o fenômeno do sagrado

em toda a sua complexidade, e não apenas no que

ele comporta de irracional. Não é a relação entre os

elementos não-racional e racional da religião que

nos interessa, mas sim o sagrado na sua

totalidade.

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.16 e 17.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 137

A própria idéia de Sagrado em Eliade, e suas

noções co-extensivas precisam ser investigadas. Assim

se o sagrado é complexo e total o que isto realmente

quer dizer? Em primeiro lugar a noção de Sagrado em

Eliade não pode ser desassociada de suas múltiplas

possibilidades de manifestações.

“O Sagrado se manifesta”. Esta é a pedra de

toque de todo pensamento de Eliade. Isto já pode ser

visto em seu livro: Die Religionem und Heilige que

diz: “Etwas Heiliges ist ein geoffenbart” [algo de

sagrado se nos revela].1 Para a fundamentação desta

idéia, Eliade criou o termo hierofania. Deste modo, a

expressão serviria para falar do ato da manifestação do

Sagrado. Não importa a sua pluralidade, nem a sua

modalidade. Toda invasão do Sagrado no cotidiano das

pessoas é uma manifestação hierofânica.2

Os chamados “fatos sagrados” existem para

Eliade dentro uma diversidade, que nos leva a observar

um sem números de “documentos” que implicam nos

conhecimentos de “mitos, ritos, formas divinas, objetos

sagrados e venerados, símbolos, cosmologias,

doutrinas; homens, plantas e lugares sagrados.3 É

assim que podemos dizer que a manifestação do

Sagrado é plural. Eliade fala que as hierofanias são

variadas. Elas são múltiplas.4

A busca pela complexidade do Sagrado no

levaria a termos que nos deparar como hierofanias de

toda espécie. As hierofanias astrológicas, meteóricas,

aquáticas, vulcânicas, telúricas entre outras,5 que

seriam as hierofanias primordiais ou primitivas. Sem

falar da sacralidade fisiológica (em muitas religiões as

1 ELIADE, Mircea. Die Religionem und Heilige. Elemente der religionsgerchichte. Salzburgo und

Munich, 1954. p.27. 2 ________________. Sagrado e profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.17-19.

3________________. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.8.

4 Id. Ibid. Pasin, p.13-38.

5 Id. Ibid. Pasin, p.103-312.

:: Sagrado:

A palavra Sagrado, derivada do latim "sacer" (sagrado), constitui uma das dimensões fundamentais da vida religiosa e designa uma área ou conjunto de realidades (seres, lugares, coisas ou momentos) que de certa forma estão separados do mundo profano comum (mormente contexto

ocidental), manifestando um poder superior e podendo ser abordados apenas ritualmente. No contacto com o sagrado, o homem experimenta algo que o ultrapassa, que o transcende. Assim sendo, as realidades sagradas não existem em função das suas próprias características, mas sim devido à transcendência nelas manifestada... Para saber mais leia: http://www.knoow.net/ciencsociaishuman/filosofia/sagrado.htm. Acessado em 27/03/2011.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 138

ocorrências orgânicas estão marcadas por rituais –

puberdade, casamento, maternidade, etc..).

Também teríamos que lidar com hierofanias

ligadas aos domínios do fogo, do ferro e da agricultura,

culminando com as formas acesso ao Sagrado através

das escritos sagrados, das vivências xamânicas, de

eventos mediúnicos, etc... A presença do Sagrado se

estendendo por diversas experiências religiosas

possíveis.

Quando começamos a pensar na complexidade

do Sagrado temos que entender que tipo designer está

sendo proposto aqui. Segundo Eliade temos que ir em

direção do que chamamos hoje de complexidade.

1.1 Teorias de complexidade e as religiões:

Existem duas maneiras distintas de tratar o

tema. Uma é aquela que ver a complexidade como um

sistema aberto. Como o somatório de todos os

fenômenos e as possibilidades existentes no cosmo.

O termo vem do latim complexus, significa

aquilo que é tecido junto. “Corresponde à

multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua

interação da infinidade de sistemas e fenômenos que

compõem o mundo natural”. 6 Assim para alguns

autores, o próprio cosmo está mais para um caos de

incertezas e de indeterminismos. Mas para G.

Lipovetsky este “caos é também constitutivo e

organizador”. 7

A outra maneira de pensar a complexidade foi

aquela que a submeteu a teoria dos sistemas. A

complexidade cósmica, ou a do meio passou a ser

6 MARIOTTI, H. apud KUNZLER, Caroline de Morais. A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann.

Estudos de Sociologia, 16, p. 124. 2004. 7 LIPOVETSKY, G. A apud Id. Ibid. Loc. Cit.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 139

considerada em segundo plano, para dá-se importância

para a complexidade sistêmica, ou social. A tentativa

desta modalidade de percepção da complexidade é a de

tratar da complexidade do sistema. A partir do conceito

de autopoiesis** buscou-se pensar um sistema

complexo que “reproduz os seus elementos e suas

estruturas dentro de um processo operacionalmente

fechado”.8

Niklas Luhmann reafirma a autonomia dos

sistemas. Esta teoria discute a maneira de com o

sistema social dá conta de sua complexidade e daquela

entorno de si. O sistema social faz uso de operações

básicas que lhes são pertinentes. O seu crescimento e

8 MATHIS, Armin. A sociedade na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Em:

http://www.infoamerica.org/documentos_pdf/luhmann 05.pdf Acessado em 28/10/2011, p.3-4.

Niklas Luhmann

Luhmann nasceu em Lüneburg, Baixa Saxôni.

Depois da guerra Luhmann estudou Direito na

Universidade de Freiburg. Durante um ano sabático

em 1961, foi para Harvard, onde conheceu e

estudou com Talcott Parsons, um dos mais

influentes teóricos de sistemas sociais. Foi professor

na Universidade Alemã de Ciências Administrativas

em Speyer até 1965. Quando passou atuar a no

Centro de Investigação Social da Universidade de

Münste. Atuou também como professor na

Universidade de Franktur e posteriormente na

Universidade de Bielefeld. Sua obra mais importante

foi “Die Gesellschaft der Gesellschaft [sociedade da

sociedade] (1997). É um dos mais influentes

estudiosos da sociologia alemã.

Pasin em: Mathis, Armin. A sociedade na teoria dos

sistemas de Niklas Luhmann. Em: http://www.

infoamerica.org/documentos_pdf/luhmann_05.pdf Acessado em 28/10/2011.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 140

transformações dependem exclusivamente de

estruturas com seu próprio de “DNA”.

Segundo a teoria de Luhmann os sistemas

podem se articular. É o que chama de “acoplamento

estrutural”. Dois sistemas podem aproximar para a

realização tarefas que lhes são pertinentes. Portanto, o

sistema social na operação comunicativa pode se servir

de sistemas de pensamentos que são atinentes ao

sistema psíquico.

Neste acoplamento estrutural não acontecem

misturas, os sistemas permanecem autônomos. O meio

não lhes afeta. Não há ocorrência de interpenetrações.9

Assim a complexidade verificada aqui será sempre a

produzida dentro dos sistemas fechados. É

complexidade em “close up”.

A única coisa que não pode ocorrer na teoria dos

sistemas de Niklas Luhmann é a produção de híbridos.

Os sistemas não produzem misturas de modo a fazer

surgir novos sistemas. Não acontecem invasões de

fronteiras. As transformações ocorridas estão de

alguma maneira, previstas no “DNA” nos sistemas. Por

esta teoria a complexidade do meio não altera a

composição e a configuração dos sistemas, ainda que

estes possam se complexos.

Dito de uma forma que nos interessa: os

sistemas de crenças não podem gerar novas piedades.

Os grupos religiosos podem se tornas mais complexos

para dar conta da complexidade cósmica.

Ou seja, um grupo religioso pode sofrer

transformações, mas não forma novos grupos. Os

grupos podem se modificar diante da irritabilidade do

9 Id. Ibid, p.4

::Autopoiesis:

Trata-se de um termo criado pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Poiesis é o ato criativo (mesma raiz de “poesia”); a vida é auto-poiética, ela cria, ela inventa e reinventa a si própria – a partir de si própria. Um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos), onde as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas

que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Por tanto um sistema vivo, como sistema autônomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando. Para se aprofundar ler: http://pt.wikipedia.org/wiki/Autopoiese e http://www. neuroredes.com.br/site/artigos/convivencialidade.htm

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 141

meio. Os grupos religiosos poderiam até se acoplarem,

mas estes se manteriam rigorosamente autônomos.

A percepção de complexidade da teoria dos

sistemas não nos favoreceria ao entendimento do

porque vermos surgir no campo religioso brasileiro, a

cada momento novas religiosidades. Veja o gráfico

abaixo:

Na gravura acima vemos as religiões postas

convenientemente lado a lado. Sem dúvidas, é uma

visão da pluralidade religiosa. Mas, no entanto estas

não se misturam. Não acontecem hibridismos,

sincretismo, combinações, bricolagens. Talvez seja

necessário volta a teoria da complexidade “aberta”.

1.2. Teoria de complexidade aberta e religiões:

As teorias de complexidade também podem se

vista dentro de uma perspectiva mais articulada com o

meio. É a percepção que pode ser chamada de

complexidade aberta.

A complexidade desta maneira implica hoje em

uma visão apropriada de conceber a realidade e as suas

“mesclas interculturais”. Realidades híbridas,

trasvasardoras de fronteiras, gerando emergências

culturais que somente poderiam ser percebidas dentro

deste outro paradigma. Um paradigma aceito por Fritjof

Capra em sua de concepção sistêmica da vida:

Quer saber mais?

Fritjof Capra Ph.D em física e teórico de sistemas, é diretor fundador do Center for Ecoliteracy em Berkeley, Califórnia. O Centro de escolaridade avança para a sustentabilidade. Capra é autor de cinco best-sellers internacionais, O Tao da Física (1975), O Ponto de Mutação (1982), Sabedoria Incomum (1988), A Teia da Vida (1996) e As Conexões Ocultas (2002). Seu mais recente livro, A Ciência de Leonardo, foi publicado em capa dura em 2007 e em papel reciclado em 2008. Para conhecer mais: http://www.fritjofcapra.net/ . Acessado em 28/03/2011.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 142

Segundo a teoria da complexidade de Capra este

fenômeno também pode ser chamado de Ecologia

profunda. Segundo Capra as realidades de

interpenetram, estão implicadas. Os fenômenos

obedecem ao designer da circularidade da natureza. Os

sistemas são não lineares. É o próprio Capra que diz:

Para Capra a complexidade seria constituída da

“totalidade dos sistemas integrados não reduzíveis a

unidade menores.” 10 De uma forma mais radical ele

10

CAPRA, Frijof. O ponto de Mutação. A ciência, sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix,

1994, p.260.

A nova visão da realidade, de que vimos falando,

baseia-se na consciência do estado de inter-relação

e interdependência essencial de todos os fenômenos

– físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais.

Essa visão transcende as atuais fronteiras

disciplinares e conceituais e será explorada no

âmbito de novas instituições. Não existe, no

presente momento, uma estrutura bem

estabelecida, conceitual ou institucional, que

acomode a formulação do novo paradigma, mas as

linhas mestras já estão formuladas por indivíduos,

comunidades e organizações que estão

desenvolvendo novas formas de pensamento e que

estabelecem de acordo com novos princípios.

CAPRA, Fritjof. O ponto de Mutação. A ciência,

sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1994, p.259.

Informação sobre Complexidade

A Teoria da Complexidade vem mostrar a

interdependência essencial de todos os fenômenos –

é o que Fritjof Capra (1996) chama de Visão

Ecológica Profunda. Segundo ele, estamos todos

encaixados nos processos cíclicos da natureza. O ser

humano é um finíssimo fio dessa rede universal que

ele chama de Teia da Vida. E a mais óbvia

característica de qualquer rede é a sua não-

linearidade. É óbvio, também, que o conceito de

diálogo está intimamente ligado com o padrão de

rede.

TORRES, José J. M. Teoria da complexidade: uma nova

visão de mundo para a estratégia. Em: http://www.facape.br/ruth/adm-filosofia/Texto_5-Teoriada_ Complexidade_e_Estrat.pdf Acessado em 28/03/2011.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 143

diz: “Todo e qualquer organismo é uma totalidade

integrada e, portanto, é um sistema vivo.”11

Aplicando ao contexto das experiências

religiosas e seus sistemas simbólicos, a teoria da

complexidade vista em Fritjof Capra permite observar

as hibridações dentro do todo vivo sistêmico. As novas

religiões, logo, seriam emergências pervasivas de

outros campos de crenças. As novas religiosidades

seriam manifestações híbridas, sincréticas, combinadas,

fruto de inreligionações12 possíveis. Veja o gráfico

abaixo:

Na gravura acima vemos as religiões invadindo

os espaços rituais, conceituais e simbólicos umas das

outras. As religiões apresentam mesclas interculturais,

fazendo surgir hibridismos, inreligionações significativas

que podem ser vistas a olho nu. Estas misturas

precisam agora serem consideradas de forma mais

detidas.

11

Id. Ibid. Loc. Cit. 12

O termo inreligionação será alvo de maior comentário mais adiante.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 144

EXERCÍCIO 2

1) Na construção de um quadro de referências para

entender as novas configurações religiosas que

conceitos e critérios você levaria em consideração:

1. facilidade ( ); 2. sagrado ( ); 3. complexidade ( );

4. deuses ( ); 5 hierofanias ( ); 6. hibridismos ( );

7) religiões organizadas ( ).

2)Quais são autores que mais ajudariam a realizar a

construção deste quadro de referências?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

2. As inreligionações e hibridações como

princípio para a complexidade religiosa:

Diante da percepção da complexidade aberta

resta-nos agora aplicar tal princípio para o

entendimento do surgimento das novas configurações

das religiosidades na realidade brasileira. A

complexidade aberta dá o pano de fundo para entender

como a condição humana se aflora de forma inusitada e

originária. Deste modo, podemos inesperadamente nos

esbarra com a emergência de híbridos religiosos.

Com a aproximação, ou fusão, ou paralelismo,

ou convergências dos sistemas religiosos, a

complexidade aberta pode nos ajudar a ver como

surgem combinações de movimentos religiosos em

nossa cultura. 13

13

FERRETTI, Sérgio F. Repensando o sincretismo. São Paulo: Fatema/ Edusp, 1995, p.92.

Quer saber mais?

Andrés Torres Queiruga, nasceu em Riveira, Galiza, em 1940. Realizou estudos no seminário de Santiago de Compostela e na Universidade de Comillas, passou dois anos em Roma realizando a sua tese. Atua como professor de Teologia Fundamental no Instituto Teológico Compostelano, e de Filosofia da Religião

na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), é membro da Real Academia Galega. É Diretor e Editor de Encrucillada: Revista Galega de Pensamento Cristián. Publicou por Paulinas Editora: Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus (2001), Recuperar a Ressurreição (2004) e Esperança apesar do mal (2007). Disponível em http://www.paulinas.org.br/ loja/DetalheAutor.aspx? idAutor=7407

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 145

Esta situação não deve ser nem vista somente

como fruto de uma cosmovisão. É própria condição

humana que aponta para o surgimento do que é novo.

As novas religiosidades são fruto do tesouro

interior dos seres humanos. Este ser humano que lhe

tem como inerente abri-se para a complexidade em

torno de si. É o que afirma Ludwich Feuerbach quando

diz:

Esta fala de Feuerbach, que com muita facilidade

tem sido desqualificada, aponta para o liame e o nexo

existente entre a interioridade humana e a consciência

de Deus. Apesar dos aspectos controversos de sua

visão de religião, interessa-nos as razões

antropológicas que o levam a aceitar a religião.14

Assim, as religiões possíveis estão no bojo da condição

humana. Esta é a face mais verdadeira da religião a

seus fieis: a face que os ajuda assumir sua condição

humana inserida na cultura.15

14

MARTINS, José Ricardo. A Religião sob um outro olhar: Comentário sobre o livro A Essência do

Cristianismo” de Ludwig Feuerbach. Em: http://www.administradores.com.br/informe-se/ artigos/ a-

religiao-sob-um-outro-olhar-ludwig-feuerbach-e-a-essencia-do-cristianismo/24426/. Acessado em

23/04/2011. 15

MESLIN, Michel. A experiência humana de divino. Fundamento de uma antropologia religiosa.

Petrópolis: Vozes, 1992, p.197.

A consciência de Deus é a consciência que o homem

tem de si mesmo, o conhecimento de Deus o

conhecimento que o homem tem de si mesmo... a

religião é uma revelação solene das preciosidades

ocultas do homem, a confissão dos seus mais

íntimos pensamentos, a manifestação pública dos

seus segredos de amor.

FEUERBACH, Ludwich. A essência do cristianismo. 2ª Ed. Capinas: Papirus, 1997.p.55-56.

::Ludwich Feuerbach:

Pensador alemão, nascido em Rechenberg em 1804, foi dos mais influentes alunos de Hegel, com quem estudo teologia. Após isso, iniciou-se nas ciências naturais, estudos que passou a determina o

enfoque. Sua filosofia religiosa teria determinado os estudos de Karl Marx patente em as “Teses sobre Feuerbach”. Dentre as suas obras principais encontram se: Crítica da filosofia hegeliana (1839); A essência do cristianismo (1841); Sobre a apreciação do escrito “A essência do cristianismo” (1842); Lutero como árbitro entre Strauss e Feuerbach (1843); A essência da religião (1846); Preleções sobre a essência da religião (1851) e Teogonia (1857). http://www.infoescola.com/filosofos/ludwig-feuerbach/

Se a religião cumpre funções sociais, tornando-se,

portanto, passível de análise sociológica, tal se deve ao

fato de que os leigos não esperam da religião justificações

de existir capazes de livrá-los da angustia existencial da

contingência e da solidão, da miséria biológica, da doença

do sofrimento e da morte. Contam com ela para que lhes

forneça justificações de existir em uma posição

determinada, em suma, de existir como de fato existem,

ou seja, com todas as propriedades que lhes são

socialmente inerentes. (...) Em geral, tal questão constitui

uma interrogação social a respeito das causas e razões

das injustiças e privilégios. Assim as teodicéias são

sempre sociodicéias.

BOURDIEU, Pierre. A economina da trocas simbólicas. São

Paulo: Perspectivas, 1999, p. 48-49.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 146

As religiões vistas deste modo têm muito mais a

ver com a vida concreta dos fieis. Aos fieis interessa

não a teologia de cada grupo, mas o arrazoado que lhe

fundamente o cotidiano. Assim a pergunta: “Até

quando...?” é levado muito a sério pelos fieis.

Quando aliamos a condição humana de olhar

para as suas necessidades interiores e concretas, e sair

em busca de sua realização, com a dimensão complexa

da realidade que fornece os elementos para a

composição, combinatórias para isto, começamos a

entender o influxo que faz surgir o novo em termos de

religiões. Igualmente, tal condição se porta dentro das

possibilidades sistêmicas da complexidade.

Esta condição antropológica aliada à

complexidade da realidade faz-nos perceber que

estaremos sempre em movimento ao novo, ao que

realmente possa atender as demandas religiosas. Deste

modo, fazemos surgir novos empenhos e serviços

religiosos, visando encontrar novos caminhos e

direcionamentos. Andrés Torres Queiruga diz:

As religiões jamais são fatos isolados, mas sempre

formam parte de um tecido muito denso de contatos

e de influxos, muitas vezes nem sequer conscientes.

O Islã é impensável se, juntamente com as

tradições africanas, não se leva em conta o contato

com o judaísmo e com o cristianismo (...) Entre a

Índia, a China e o Japão as migrações de idéias e os

amálgamas de espiritualidade forma um continuun

inextricável. E a própria Bíblia é simplesmente

impensável se não for vista submersa no amplíssimo

e fecundo húmus da religiosidade milenar do Oriente

Médio.

QUEIRUGA, Andrés T. Do terror de Isaac ao Abba

de Jesus. Por uma nova imagem de Deus. São Paulo: Paulinas, 2001, p.331-332.

ou seja, com todas as propriedades que lhes são

socialmente inerentes. (...) Em geral, tal questão

constitui uma interrogação social a respeito das

causas e razões das injustiças e privilégios. Assim as

teodicéias são sempre sociodicéias.

BOURDIEU, Pierre. A economina da trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 1999, p. 48-49.

Pierre Boudieu

Quer

saber mais?

PIERRE BOUDIEU Nascido numa família campesina,

em 1951 O sociólogo francês morreu aos 71 anos de idade em 23 de janeiro de 2002. Ingressou na Faculdade de Letras, em Paris. Foi catedrático de sociologia no Colége de France, era considerado um dos intelectuais mais influentes da sua época. A educação, a cultura, a literatura e a arte foram os seus objetos de estudo. Bourdieu vinha dedicando-se ao estudo dos meios de comunicação e da política. Notabilizou-se pela sua teoria dos campos de produção simbólica. O tema da violência simbólica foi consideram também como a pedra de toque de sua vasta obra. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Bourdieu acessado 18/10/2006

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 147

No citado de Queiruga encontramos a afirmação

de que as religiões não são fatos isolados. As

religiosidades comporiam um tecido maior, mais denso

de “contatos e influxos”. A própria origem das grandes

religiões se explicaria pelos caldos culturais, que as

tornam vizinhas e “inextricáveis.” Neste particular, no

devir das religiões institucionais e das religiosidades

populares não haveria qualquer oposição. 16

Isto ocorre, talvez porque os próprios agentes

populares das religiões sejam em certos momentos

reinventores ativos e autônomos de suas tradições.17 A

popularização das crenças de um sistema religioso

específico já deveria nos apontar para certa

plasticidade, e até mesmo fluidez das recriações

religiosas no âmbito mais ampliado. É assim que

acontece a transformação de um sistema religioso

erudito em outro comunitário resultado de exercício

coletivo de popularização. 18

Sem o controle eclesiástico central que

monopoliza, desapropria e destitui o capital religioso 19

e um laicato subalterno, existe as condições concretas

para recriação no imaginário livre e fértil.20

Se os sistemas de crença já têm dentro de si o

germe de suas próprias transformações. O que sucede

quando os grupos religiosos se encontram é a

incorporação de novos elementos? Isto pode fazer

surgir até mesmo novas configurações de

religiosidades.

16

STÜRNNER, Rosângela. Religiosidade popular e os PCNs do ensino religioso. Em: VVAA. VII

Simpósio de ensino religioso. Ensino religioso: diversidade e identidade. São Leopoldo: EST/ Sinodal,

2008, p.86-87. 17

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os deuses do povo. São Paulo: Brasiliense, 1980, p.203, e MAUÉS,

Raymundo Heraldo. Padres, Pajés, Santos e Festas: catolicismo popular e controle eclesiástico. Belém:

CEJUP, 1995, p.184. 18

Id. Ibid. p.204. 19

MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma nova invenção da Amazônia. Religiões, histórias, identidades.

Belém: CEJUP, 1999, p.185. E: BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. 5ªed. São Paulo:

Perspectiva, 1999, p.39-40. 20

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Op. Cit, p. 213.

:: Sociodicéia:

Segundo Bourdieu, às elites é dada a perguntar pelas causas das injustiças e dos privilégios. Assim pode ser entendida como um arrazoado sociológico das demandas meritórias a partir de uma linguagem religiosa.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 148

Queiruga diz que na inreligionação, as religiões

entram em contato em um movimento espontâneo

gerando incorporações que resultam em crescimento.21

Mas, mais recentemente Afonso Maria Ligorio Suares

aprofundou esta questão quando disse:

Segundo Afonso Soares há uma concomitância

entre fatores externos e internos. Exatamente como já

apontamos aqui, a religiões têm elementos dentro de si

que são transformadores e que em contato com as

demais lhes permite assimila o novo. É claro que não se

pode deixar de perceber quando este movimento é

proposital.

As novas religiosidades seriam resultantes do

atendimento das exigências internas dos grupos

religiosos, que tendem a se renovarem. Apesar do

movimento de identidade religiosa sugerir que não

existem mudanças, tal percepção somente poderia ser

aceita dentro da teoria da “ilusão da permanência” que

é uma maneira muito específica entender das

mudanças nas religiões.22 Assim o grupos religiosos

estão em movimento, ativando e reativando,

21 QUEIRUGA, Andrés T. Do terror de Isaac ao Abba de Jesus. Por uma nova imagem de Deus. São

Paulo: Paulinas, 2001, p.334.

22 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004, p.93.

Inreligionação – toda religião transforma-se a partir

de dentro, no contata com as demais; gostemos ou

não, o artefato religião se reconfigura ou se

reordena no ritmo das crises, descoberta as e

intercâmbios que realiza com os demais sistemas

religiosos. Nesse processo as pessoas não precisam

apostatar ou sair de suas religiões de origem. Uma

comunidade religiosa deixa-se tocar por outra

religião, assimilando o que lhe parece fazer mais

sentido de descartando o que não lhe convém ou

não consegue traduzir para seu próprio código.

SOARES, Afonso Maria ligorio. No espírito do Abbá.

Fé, revelação e vivências plurais. São Paulo: Paulinas, 2008, p.13-14.

Quer

saber mais?

Danièle Hervieu-Léger é sociólga; e a atual presidenta e professora na École

des Hautes Études en Sciences Sociales [Escola de Autos estudos em Ciências sociais] (EHESS). É também diretora da revista Archives de Sciences Sociales des Religions. Ministrou um curso de Sociologia da Religião, na PUC/SP. Trata-se de uma das principais obras da socióloga francesa. Mais informações em: http://www.pucsp.br/rever/rv2_2005/t_leger.htm e http://historiadordoimpossivel.blogspot.com/2009/01/livro-de-danile-hervieu-lger-monta-o.html

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 149

inventando e reinventando seu imaginário religioso.23

As novas configurações da religiosidade

brasileira também são resultado de contato externo,

aproximações cambiantes em que os sistemas

religiosos se obrigam a realizar. Dentro complexidade

do Sagrado, grupos religiosos surgem, reinventam-se,

trazendo um novo designer para realidade brasileira no

que tange a presença religiosa.

A própria estrutura das religiões se abre para o

surgimento de novas religiosidades. Assim, isto algo

que não deveria nos surpreender. Cada vez mais nos

depararemos com novas experiências religiosas vividas

de forma plural e originárias. Observe a seguinte

gravura:

Deve está mais do que claro para você que o

digrama se refere a algo que hipótese alguma pode ser

considerada tradicional. Mas no entanto, esta imagem

acima bem pode representar a amalgama de crenças

facilmente observáveis.

Na verdade você verá no próximo segmento da

nossa aula algo bem similar a isto. Um fenômeno

religioso que surgiu recentemente na França, e está se

espalhando pelo mundo, e há pelo mesmo um caso

verificado aqui no Brasil. Mas agora responda a

seguinte questão:

23

HERVIEU-LÉGER, Danièle. O peregrino e o convertido. A religião em movimento. Petrópolis:

Vozes, 2008, p.27.

Dica de leitura

O homem toma conhecimento do Sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.16 e 17.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 150

EXERCÍCIO 3

O que são inreligionações, sugira alguns exemplos?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

3. Casos exemplares de novas configurações de

religiosidades, considerando os cristianismos

emergentes:

O que vamos fazer agora é apenas passar em

revista alguns poucos casos que podem aguçar a nossa

percepção da religiosidade, referentes as novas

possibilidades de hibridismos e inreligionações na

contemporaneidade e no contexto da cultura brasileira.

É de grande importância que você possa fazer

uso dos critérios que fomos formando na medida em

que for entrando em contato com os relatos de

experiências diversas. Vamos conceder a você uma

prancha de recursos para lhe ajudar na leitura. Leia o

primeiro relato:

Relato A

Comunidade Católica Apostólica Espiritualista

Nosso Senhor do Bonfim - Pai Simbá

MALAQUIAS, Terezinha* Nos primeiros sábados de cada mês, às 19h,

costuma haver missa na Comunidade Católica

Apostólica Espiritualista Nosso Senhor do Bonfim.

Desde as 18h, o espaço da igreja já costuma estar

lotado, sem nenhuma cadeira ou banco vazio. O

altar é coberto por tecido amarelo e ao fundo, na

parede, há uma estrela grande talhada em madeira,

tendo ao centro a imagem de Nossa Senhora

Aparecida, padroeira do Brasil. No altar também dois anjos, um de cada lado. Flores do campo deco-

Importante

Prancha de Leitura: Quais os elementos culturais que antes você percebia como sendo separados e agora estão juntos? ________________________________ Quantos credos religiosos podem está envolvido aqui? ________________________________ Quais o elementos hibridados encontramos aqui? ________________________________ Faça uma pesquisa na internet visando

encontrar informações atuais a este respeito: ________________________________

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 151

ram toda a igreja. Quem preside a celebração é o

padre José Carlos Lima. Após o canto de entrada

(“Deixa a luz do céu entrar”), o padre faz uma

rápida saudação a todos os presentes, e pede que

cada qual faça uma oração na intenção das almas.

O restante é, basicamente, o rito católico previsto

no Missal Romano. A não ser por um inusitado

atrativo: após a proclamação do santo Evangelho,

padre lima atua como médium e recebe o espírito

do defunto padre Gregório, saudoso vigário de

ascendência alemã da Igreja católica apostólica

romana de São Judas Tadeu, no Bairro paulistano

do Jabaquara. A homilia fica a cargo do ilustre

visitante, desencarnado há mais de vinte anos. Em

seguida, segue o rito católico normal. Sob a

presidência do médium em transe, que só recobra a

consciência pouco antes da bênção final, após a

partida do padre Gregório, que promete voltar mês

que vem.

O povo que ali acorre com devoção costuma

retornar ao templo às quintas-feiras para receber

passes e conselhos de pai Simbá, nome adotado por

padre Lima nos dias em que abre o primeiro andar

de sua casa de oração para ritos e celebrações afro

tipicamente mediúnica. Embora a abertura oficial

dos trabalhos só aconteça por volta das 21h, desde

o final da tarde, pai Simbá já está acolhendo as

pessoas e preparando oferendas para os

frequentadores da casa. Toda a equipe é muito

atenciosa. As funções abrem-se com uma gira;

defuma-se o local e a platéia. Na gira do Preto

Velho, pai Simbá canta e dança entre os seus filhos

de santo. Está sempre bastante animado. Vestido

com uma espécie de saia e trajando blusa colorida,

toca nos braços dos filhos-de-santo e, em segundos,

eles entram em transe. Chama a atenção no

conjunto um senhor de traços asiáticos, um de suas

filhas-de-santo. Começam a dançar com o corpo

encurvado, como se fossem todos velhos. Pai Simbá

assume o toque do atabaque e o som é muito bom

e contagiante. Visivelmente, há, na gira e na

platéia, muito mais pessoas brancas do que negras.

Para completar a decoração do ambiente, está

exposto numa das paredes da casa um diploma

concedido a José Carlos de Lima, em 1994, pela

Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhor da

Assunção, que o qualifica como Bacharel em

Teologia católica.

MALAQUIAS, Terezinha. A presença de expressões

religiosas de origem afro no centro de São Paulo –

Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica,

PUC-SP, 2005. Em: SOARES, Afonso Maria Ligório.

No espírito do Abbá. Fé, revelação e vivências

plurais. São Paulo: Paulinas, 2008, p.117-118

Importante

Prancha de Leitura: Quais autores você se utilizaria para sua compreensão de tais

fenômenos? ________________________________

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 152

Você já havia lido algum relato sobre a

Comunidade Católica Apostólica Espiritualista Nosso Senhor

do Bonfim? E no Pai Simbá? Você acha que este

fenômeno religioso se enquadraria no que viemos

falando até aqui. As mescas que ocorrem aqui são de

uma natureza bastante interessante. No relato são

mencionados rito católico, experiência mediúnica, padre

e pai de santo. Trata-se de algo inusitado não acha. É

disto que estamos falando. Preste atenção neste outro

caso exemplar:

Relato B

IGREJA EVANGÉLICA BOLA DE NEVE

DANTAS, Bruna Suruagy do Amaral*

Fundada em 1999 pelo apóstolo e surfista Rinaldo

Luiz de Seixas Pereira, a Igreja Evangélica Boa de

Neve em menos de uma década conquistou

prestígio social e visibilidade pública, tornando-se

um empreendimento religioso de expressividade,

visitado a cada culto por um inúmeros jovens,

atraídos pela publicidade que anuncia a igreja como

a grande novidade do mercado de bens simbólicos.

Formando em Propagando e Marketing e pós–

graduação em administração, seu fundador e

idealizador anteviu a necessidade de criar um

produto diferenciado para atingir um público

específico, acompanhando, desse modo, a tendência

de especialização, diferenciação e segmentação das

organizações evangélicas. No mercado saturado de

ofertas pentecostais, o pastor Rina, como é

conhecido, teve a ousadia e a perspicácia de

escolher um segmento pouco prestigiado e

explorado pelas igrejas evangélicas. A fim de cativar

surfistas, skatistas, fisiculturistas, lutadores de jiu-

jítsu e esportistas de modo geral, a Igreja Bola de

Neve lançou um tipo de produto religioso e que

associa cuidado com a saúde, culto ao corpo,

imagem descontraída e linguagem informal.

Os fieis que dela fazem parte possuem visual

despojado, usam tatuagens e piercings, vestem

roupas descontraídas que valorizam os contornos do

corpo, aderem a acessórios da moda, pertencem a

diferentes “tribos” e apresentam os mais

diversificados perfis estéticos. As meninas vestem

calças justas, mini blusas e saias curtas, exibindo

corpos bonitos e bronzeados. Alguns rapazes são

musculosos e possuem corpos atléticos. Muitos

usam roupas despojadas, bermudas folgadas,

camisetas, bonés e chinelos. Eles praticam esportes

radicais e participam de torneios esportivos promovi-

Importante

Prancha de Leitura: Quais os elementos culturais que antes você percebia como

sendo separados e agora estão juntos? ________________________________ Quantos credos religiosos podem está envolvido aqui? ________________________________

Importante

Prancha de Leitura: Quais o elementos hibridados encontramos aqui?

________________________________ Faça uma pesquisa na internet visando encontrar informações atuais a este respeito: ________________________________ Quais autores você se utilizaria para sua compreensão de tais fenômenos? ________________________________

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 153

E agora Você já conhecia a Igreja Evangélica

Bola de Neve? Você acha que este fenômeno religioso

se enquadraria no que viemos falando até aqui. A

hibridação que ocorre aqui é realmente interessante.

No relato são mencionadas leis de mercado, fé

protestante, cultura dos esportes radicais. Trata-se de

algo inusitado não acha. É disto que estamos falando.

Preste atenção neste outro caso exemplar:

do pela própria igreja. A maioria dos eventos de

evangelização – luau e festivais musicais -, assim

como os campeonatos esportivos organizados pela

Igreja Bola de Neve, ocorrem na praia, o que

contribui para reforçar a imagem e a identidade do

empreendimento.

O templo é decorado com artefatos praianos para

reproduzir o ambiente litorâneo. Espalhadas pela

igreja há barracas de praia, pranchas de surfe e

fotos de surfistas fazendo manobras radicais. No

altar, avista-se uma prancha longboard, que

funciona como um púlpito, o que se tornou a marca

da congregação e favoreceu sua divulgação no

mercado da fé. A imagem da nova organização

evangélica, que agrega esporte, corpo e religião,

teve um efeito publicitário impressionante,

garantindo a adesão de jovens, a ampliação do

número de fiéis e seu conseqüente crescimento. O

nome da igreja revela e anuncia as pretensões de

seu fundador: crescer de forma progressiva e

ininterrupta como uma bola de neve. Seu objetivo

tem sido alcançado com êxito. Em três anos, entre

2002 e 2003, a igreja cresceu 1100%, passando de

250 para três mil membros em todo país. Também

é possível constatar sua expansão pelo número de

templos espalhados pelo território nacional e

concentrado nas cidades litorâneas. Atualmente,

existem setenta e seis filiais dessa congregação,

dentre as quais estão sediadas em outros países –

PERÚ E Austrália. Entre os anos 2006 e 2008 o

número de filiais teve um crescimento de 171%.

A dupla linguagem do desejo na igreja Evangélica

Bola de Neve. Em: VVAA. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: ISER 30 (1). 2010, p.55-56.

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 154

Relato C

Movimento raeliano: sobre extraterrestres,

clones humanos e religiões na modernidade.

Carly Machado *

Raël, cujo nome de batismo é Claude Vourilhon,

jornalista automobilístico e piloto de carros de

corrida, relata em seus livros e entrevistas que em

13 de dezembro de 1973 estava num vulcão

próximo a Clermont-Ferrand, na França, quando

avistou um OVNI. Afirma que uma criatura radiante

surgiu e confiou a ele uma mensagem, revelando a

verdadeira origem da humanidade. Este ser

extraterrestre disse que daquele ponto em diante

Claude seria conhecido como Raël, que significa

"mensageiro”.

Segundo Raël os criadores identificam-se como os

Elohim (que traduzido quer dizer “aqueles que

vieram do céu”) e que foram “confundidos com

deuses”.

Raël apresenta na Mensagem Transmitida pelos

Extraterrestres – título de seu livro - a explicação,

ou “a verdade” - como ele define - sobre a origem

da vida humana na Terra (...) Segundo Raël, os

Elohim solicitaram a ele em seu primeiro encontro

(1973) que retornasse no dia seguinte com a Bíblia

e um lugar para fazer anotações. A partir daí, toda a

experiência relatada por Raël em 6 dias de encontro

se dá a partir de uma releitura do texto bíblico,

interpretando os relatos a partir de uma versão

científica – relativizaremos isto adiante - dos

acontecimentos ali descritos.

Raël coloca-se como o último profeta em uma

relação controversa com o cristianismo - por um

lado não rejeita a Bíblia, muito pelo contrário:

sempre reafirma que todas as verdades estão ali

apresentadas, mas destorcidas pelo imaginário

místico religioso dos autores da época que não

compreendiam a mensagem científica dos Elohim.

Por outro, no entanto, apresenta uma dura

contraposição à Igreja Católica, símbolo maior do

cristianismo. Toda a cosmologia do livro de Gênesis

é relida por Raël e, contraditoriamente, ao mesmo

tempo mantida e negada.

Os Elohim são apresentados como homens que

vivem em outro planeta e que atingiram um nível

técnico científico suficiente para serem eles mesmos

capazes de criar a vida humana. Este seria um ciclo

constante: humanos – e sempre humanos, Raël não

fala em outras espécies de vida inteligente – são

criados por humanos mais evoluídos e

gradativamente, evoluindo em suas próprias

capacidades técnico científicas, tornam-se capazes de criar outros seres humanos. Foi desta forma que

Importante

Prancha de Leitura: Quais os elementos culturais que antes você percebia como sendo separados e agora estão juntos? ________________________________ Quantos credos religiosos podem está envolvido aqui? ________________________________

Quais o elementos hibridados encontramos aqui ? ________________________________ Faça uma pesquisa na internet visando encontrar informações atuais a este respeito: ________________________________

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 155

E este grupo religioso de origem francesa, será

que vai se consolidar aqui no Brasil. No Rio de Janeiro,

no Bairro de Sante Tereza há um ponto de encontro.

Mas isto é muito pouco ainda.

Certamente você pode dizer. Só isto! Onde está

a riqueza de novas crenças religiosas que compõe a

religiosidade brasileira os casos acima mencionados são

apenas alguns para que você possa comparar e fazer

também os seus levantamentos. Preste atenção eles

estão, nos jornais, nas revistas na internet. As pessoas

falam sobre eles na escola, nas ruas e praças, e

principalmente na escola. Vá atrás destas informações,

colete dados. Faça o seu dossiê.

os Elohim uma vez criados, tornaram-se criadores,

agora da vida humana na Terra. Da mesma forma

os humanos na Terra neste momento tornam-se

agora capazes de criar a vida humana – através da

clonagem - aproximando-se do estágio de evolução

no qual de criaturas tornam-se criadores, retomando

o ciclo da criação.

(...)

A religião raeliana define-se mais freqüentemente

como um movimento e mesmo uma revolução,

denunciando assim seu perfil de ação e dinâmica na

cultura. A cultura religiosa raeliana, espalhada

através da mídia na rede social, hoje faz parte de

maneira indiscutível dos debates e dos

desenvolvimentos científicos no campo da clonagem

humana. Assim, além de marcado pela ciência, o

raelianismo deixa nela suas marcas.

MACHADO, Carly Barbosa. Movimento raeliano:

sobre extraterrestres, clones humanos e religiões na

modernidade Em: Identidades y convergencias. XI

Congresso Latinoamericano sobre Religion Y

Etnicidad. ALER/UMESP. AS impressiones, jul. 2007. CD-Rom.

Importante

Prancha de Leitura: Quais autores você se utilizaria para sua compreensão de tais fenômenos? ________________________________

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 156

EXERCÍCIO 3

Faça uma pesquisa na internet e relacione outros casos

exemplares de novas configurações de religiosidade na

cultura brasileira.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

Para entendermos os estado atual das novas

configurações da religiosidade na cultura

brasileira devemos construir um quadro de

referências para tratar do fenômeno religioso

como fazendo parte da complexidade, que

permite a produção de hibridações religiosas;

Aplicando conceito de complexidade aberta ao

contexto das hibridações religiosas temos a

possibilidade entender as fusões, os

paralelismo e convergências que alguns têm

chamado se sincretismos, mas que a luz da

condição humana Andrés Torres Queiruga

trem chamado de inreligionações,

reconfiguração e reinvenção a partir do

contato com outras religiões;

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Aula 5| Novas configurações nas religiosidades cristãs brasileiras 157

Alguns casos exemplares de novas

configurações de religiosidade

contemporânea: - Comunidade Católica

Apostólica Espiritualista Nosso Senhor do

Bonfim - Pai Simbá; - Igreja Evangélica Bola

de Neve; e - Movimento raeliano.

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AV1 – Estudo Dirigido da Disciplina

CURSO: Ensino Religioso

DISCIPLINA: Matrizes Religiosas na Cultura Brasileira

ALUNO(A): MATRÍCULA:

NÚCLEO REGIONAL: DATA: _____/_____/___________

QUESTÃO 1: Descreva o que significa desencantamento do mundo e

desmagificação.

Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:

Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:

endereço eletrônico) – OPCIONAL:

Resposta (com as suas palavras):

QUESTÃO 2: Descreva como ocorreu o sincretismo entre as religiões africanas e o

catolicismo no Brasil.

Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:

Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:

endereço eletrônico) – OPCIONAL:

Resposta (com as suas palavras):

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QUESTÃO 3: Descreva com suas palavras a tensão entre religiosidade popular e

religião institucional.

Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:

Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:

endereço eletrônico) – OPCIONAL:

Resposta (com as suas palavras):

QUESTÃO 4: Em sua opinião como seria possível integrar a religiosidade popular

em sua prática docente junto ao ensino religioso.

Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:

Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:

endereço eletrônico) – OPCIONAL:

Resposta (com as suas palavras):

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ATENÇÃO:

Na realização das avaliações (AV1 e AV2), procure desenvolver uma

argumentação com suas próprias palavras.

Observe que é importante você realizar uma pesquisa aprofundada para atender

aos objetivos propostos consultando diferentes autores. No entanto, é

fundamental diferenciar o que é texto próprio de textos que possuem

outras autorias, inserindo corretamente as referências bibliográficas

(citações), quando este for o caso.

Vale lembrar que essa regra serve inclusive para os nossos módulos, utilizados

com freqüência para as respostas das avaliações.

Em caso de dúvidas, consulte o material sobre como realizar as citações diretas

e indiretas ou entre em contato com o tutor de sua disciplina.

AS AVALIAÇÕES QUE DESCONSIDERAREM ESTE PROCEDIMENTO ESTARÃO

SEVERAMENTE COMPROMETIDAS.

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AV2 – Trabalho Acadêmico de Aprofundamento

CURSO: Ensino Religioso

DISCIPLINA: Matrizes Religiosas na Cultura Brasileira

ALUNO(A): MATRÍCULA:

NÚCLEO REGIONAL: DATA:

_____/_____/___________

Atividade Sugerida:

Faça uma pesquisa na internet e relacione outros três casos exemplares de novas

configurações de religiosidade na cultura brasileira.

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