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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DE CASCAVEL - UNIVEL CASCAVEL – PR CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL LUCIANO MATHEUS RAHAL O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DE CASCAVEL - UNIVEL

CASCAVEL – PR

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

LUCIANO MATHEUS RAHAL

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

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Cascavel/PR

2009

LUCIANO MATHEUS RAHAL

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Monografia apresentada ao programa de Pós-graduação como pré-requisito para obtenção do Título de Especialista em Direito Penal e Processo Penal.Orientador: Fábio Forselini, Esp.

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Cascavel/PR

2009

LUCIANO MATHEUS RAHAL

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Esta monografia foi julgada e aprovada como pré-requisito para obtenção do grau de

Especialista em Direito Penal e Processo Penal da Faculdade de Ciências Sociais

Aplicadas de Cascavel - Univel.

Cascavel PR, 01 de Outubro de 2009.

Prof. Lúcio Scheuer, Ms.

Coordenador da Pós-Graduação UNIVEL

______________________________

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Prof. Fábio Forselini, Esp.

Orientador

DEDICATÓRIA

A Deus,

autor e consumador de minha fé e

a razão de meu existir.

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“Os castigos têm por fim único impedir o culpado de ser nocivo futuramente à sociedade e desviar seus concidadãos da senda do crime. Entre as penas, e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado. [...] Quanto mais atrozes forem os castigos, tanto mais audacioso será o culpado para evitá-los. Acumulará os crimes, para subtrair-se à pena merecida pelo primeiro. [...] Para que o castigo produza o efeito que dele se deve esperar, basta que o mal que causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime. Devem contar-se ainda como parte do castigo os terrores que precedem a execução e a perda das vantagens que o crime devia produzir. Toda severidade que ultrapasse os limites se torna supérflua e, por conseguinte, tirânica.”

(Cesare Beccaria)

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................

08

1.1 Contextualização ................................................................................................. 10

1.1.1 Definição do Tema ............................................................................................

13

1.2 Objetivos ..............................................................................................................14

1.2.1 Objetivo Geral ...................................................................................................15

1.2.2 Objetivos Específicos ....................................................................................... 15

1.3 Justificativa do Trabalho ......................................................................................16

1.4 Procedimentos Metodológicos ............................................................................ 17

2 REFERENCIAL TEÓRICO .....................................................................................17

2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ......................................................... 17

2.2 Dos direitos e garantias fundamentais ligados ao tema ......................................20

2.3 O regime disciplinar diferenciado ........................................................................ 22

3. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 30

4. REFERÊNCIAS .....................................................................................................33

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1. INTRODUÇÃO

A Carta Magna de 1988 inaugurou junto ao Estado brasileiro uma revolucionária

ordem constitucional e estabeleceu novas bases democráticas a uma sociedade em

rápida transformação, recém advinda de anos “obscuros”, notadamente do regime

militar.

O princípio da dignidade da pessoa humana foi inserido pela Constituição

Federal de 1988 já no Título I, Dos Princípios Fundamentais, mais precisamente no

inciso III, do artigo 1º1, de modo a balizar todo o ordenamento infraconstitucional

vindouro, revelando nítido caráter jusfundamental.

Neste panorama, a Lei Federal nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003,

introduziu o Regime Disciplinar Diferenciado no âmbito da Lei Federal nº 7.210, de

11 de julho de 1984, denominada Lei de Execução Penal, por meio de significativas

modificações no sistema de execução da pena, bem como trouxe uma nova

modalidade de encarceramento dentro do sistema já existente.

1 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)III - a dignidade da pessoa humana;

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Paralelamente, a realidade oculta do sistema carcerário brasileiro, incógnita

perante nossa sociedade, começou a ser revelada com o surgimento de grupos

criminosos organizados que passaram a atuar dentro e fora das instituições

prisionais.

Uma das causas desta preocupante realidade no sistema penitenciário nacional

foi e ainda é a carência de padronização quanto ao seu gerenciamento e

manutenção, haja vista que nos Estados membros não existe uniformidade quanto à

estrutura das prisões ou um modelo padrão para o cumprimento da execução penal

prevista na Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

Este distorcido sistema, portanto, é fruto da desestruturação do próprio sistema

carcerário, o qual inchou vertiginosamente como reflexo da influência do

movimento “Lei e Ordem” e “Hard Control” (controle duro), nascidos no

sistema norte-americano (dentre outros fatores), cujo maior expoente no Brasil

foi a edição da Lei Federal nº 8.072, de 25 de julho de 1990, conhecida como

Lei dos crimes hediondos, e a consequente criação do regime integralmente

fechado, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida recentemente pelo

Supremo Tribunal Federal.2

2 Texto extraído do Supremo Tribunal Federal: <www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=82959&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>.

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Assim, pela própria incapacidade do Estado em exercer seu direito de punir de

maneira eficaz, deu-se o surgimento, no seio do sistema penitenciário, de

organizações criminosas intramuros altamente eficazes, pela primeira vez na

história.

Por conseguinte, para combater esta patologia, criada pela própria ineficiência

do sistema penitenciário, o legislador criou um mecanismo de encarceramento

mais rígido denominado Regime Disciplinar Diferenciado, por meio da Lei

Federal nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003.

Nesta razão, o presente trabalho tem como objetivo analisar o Regime

Disciplinar Diferenciado e os inevitáveis e muitas vezes insolucionáveis

conflitos com o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.

1.1Contextualização

O Regime Disciplinar Diferenciado foi inspirado no "cárcere duro" do

direito italiano3, aplicado largamente no combate ao crime organizado, com

base no Código Penitenciário Italiano, bem como no movimento Lei e Ordem e

“Hard Control” norte-americanos, já mencionados.

3Texto extraído da revista âmbito jurídico: <www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/725.pdf>.

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Conforme será demonstrado, o Regime Disciplinar Diferenciado configurou

flagrante represália ao surgimento de grupos criminosos organizados dentro do

próprio sistema carcerário brasileiro, os quais passaram a abalar e confrontar a

estrutura organizacional dos Poderes Públicos constituídos (Judiciário, Executivo e

Legislativo), eis que tais entidades continuaram a comandar atividades criminosas

extremamente estruturadas e eficazes, tanto dentro do sistema penitenciário como

fora dele.

Entre os grupos criminosos organizados que surgiram neste contexto podemos

destacar os seguintes: a) no Estado do Rio de Janeiro: (i) o Comando Vermelho

(CV), criado entre os anos de 1969 e 1975; (ii) o Terceiro Comando (TC), surgido

nos anos 90; e, (iii) a Amigos dos Amigos (ADA), criado na década de 90; b) no

Estado de São Paulo: (i) Terceiro Comando da Capital (TCC), cuja data de criação é

desconhecida; (ii) o Primeiro Comando da Capital (PCC), criado em 1993, no Centro

de Reabilitação Penitenciária de Taubaté/SP4.

O Estado de São Paulo foi quem primeiramente tomou a iniciativa de

instituir o Regime Disciplinar Diferenciado dentro do sistema prisional por

meio da Resolução SAP-026 de 04 de maio de 20015.

Para fundamentar referida medida, o referido ente da federação lastreou-se

na regra constitucional contida no art. 24, inciso I, que concede legitimidade

concorrente aos Estados Federados para legislar sobre direito penitenciário.

44

Texto extraído do Jus Navigandi: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9828>.5 Publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, volume111 – Número 84, de 05 de maio de 2001.

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Não obstante, a doutrina predominante criticou duramente referida medida,

argumentando que a forma utilizada para criá-lo foi inconstitucional, por

entender que a competência concorrente mencionada na Carta Magna dizia

respeito exclusivamente ao direito penitenciário, ou seja, as normas peculiares

de organização prisional em cada ente federado.

Ademais, o Regime Disciplinar Diferenciado, diziam os críticos, criou nova

regra de execução penal, e não mera disciplina prisional, motivo pelo qual

deveria ter sido, desde o início, objeto de norma federal.

Visando pacificar a dura discussão entravada à época, o Presidente da

República, inspirado pelo aparente sucesso do Regime Disciplinar

Diferenciado no Estado de São Paulo, editou a Medida Provisória nº 28, de 04

de fevereiro de 2002, que, a pretexto de dispor sobre normas gerais de direito

penitenciário, na realidade legislava sobre execução penal, ou em outras

palavras, sobre direito penal, mesmo contra a vedação expressa do art. 62, §

1º, "b" da Constituição Federal. A referida Medida foi rejeitada pelo Congresso

Nacional em 24 de abril de 2002.

No curso deste acirrado debate jurídico e legislativo, no dia 15 de março de 2003

foi cruelmente assassinado o Juiz-Corregedor da Vara de Execuções Penais de

Presidente Prudente/SP, Dr. José Machado Dias6, por ordem de uma das

organizações criminosas atuantes no Estado de São Paulo.

6 Texto extraído do wikipedia: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro_Comando_da_Capital#Refer.C3.AAncias>.

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Neste contexto, o Poder Executivo Federal, aproveitando-se do Projeto de

Lei nº 4204/01(interrogatório do acusado e defesa efetiva), de autoria de

Comissão constituída pelo Ministério da Justiça e presidida pela

Professora Ada Pellegrini Grinover, acrescentou o Regime Disciplinar

Diferenciado, culminando com a edição da Lei federal nº 10.792, de 1º de

dezembro de 2003, que deu nova redação ao artigo 52 da Lei de

Execuções Penais, objeto de estudo detido no presente trabalho.

Em síntese, o preso que cometer falta grave ou aquele sobre o qual recaiam

fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações

criminosas, quadrilha ou bando, estará sujeito ao Regime Disciplinar

Diferenciado, ou RDD, como também é conhecido, ou seja, seu objetivo é

combater esta “nova espécie” de detentos, penalizando com mais rigor os

reclusos considerados de “alta periculosidade”, segundo critérios até certo

ponto subjetivos.

Da criação do Regime Disciplinar Diferenciado surgiram diversos

questionamentos sobre sua constitucionalidade, principalmente sua

desconformidade aos direitos e garantias individuais da Constituição Federal

de 1988, como a garantia do preso em não ser submetido a tratamento

desumano ou degradante (art. 5º, III), a proibição de penais cruéis (art. 5º,

XLVII, “e”) e o respeito à integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX). Por

fim, em afronta a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil

(art.1º, inciso III): a dignidade da pessoa humana.

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1.1.1 Definição do Tema

A definição do tema do presente trabalho foi norteada a partir do confronto da

sistemática trazida pelo Regime Disciplinar Diferenciado com os direitos e

garantias fundamentais, bem como fundamentos da República, previstos na

Constituição Federal, já mencionados anteriormente, destacando-se o princípio

da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, inciso III, da Carta

Magna.

Com efeito, a necessidade de tratamento diferenciado a determinadas espécies

de presos, mormente aqueles membros ou envolvidos com as já mencionadas

organizações criminosas, é inegável.

Afinal, a extrema sofisticação e violência das quadrilhas geradas no cerne do

próprio sistema prisional colocou em questionamento a própria credibilidade dos

poderes instituídos, bem como exigiram (e ainda exigem) um tratamento

diferenciado para seus líderes, sob pena de minar o direto fundamental da

segurança, descrito no caput7 do já citado artigo 5º da Constituição Federal8.

7 Substantivo masculino. Rubrica: termo jurídico. Enunciado de artigo de lei ou regulamento. Tradução extraída do Dicionário de Língua Portuguesa Houaiss: <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=caput&stype=k>. 8 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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Porém, entende-se inaceitável a forma como referido regime foi disciplinado, sob

a perigosa justificativa do resguardo da Ordem Pública, mormente quando

nitidamente conflitante com os fundamentos basilares da Carta Magna (a

Constituição Cidadã), infligindo uma crueldade desmedida a certos detentos

encarcerados, produzindo nestes sequelas físicas e psicológicas de proporções

muitas vezes irreversíveis.

Neste panorama, o questionamento que o presente trabalho visa

solucionar é o seguinte: Em que medida o Regime Disciplinar Diferenciado conflita

com o princípio da dignidade da pessoa humana?

1.2 Objetivos

O presente trabalho está subdividido em objetivos Geral e Específicos, no qual o

primeiro consistirá numa análise abrangente do Regime Disciplinar

Diferenciado frente à Carta Magna. Sobre os objetivos específicos, serão

aprofundados os temas que envolvem o assunto, bem como serão trazidos a

lume conceitos, doutrinas e posicionamentos de operadores do Direito e,

também, decisões de Tribunais Pátrios.

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1.2.1 Objetivo Geral

O objetivo principal do presente será analisar o Regime Disciplinar Diferenciado

e seus institutos, sua adequação e confrontação à Constituição Federal, bem

como propor alterações legislativas à atual sistemática, de modo a harmonizá-

lo aos ditames da Carta Magna, notadamente o princípio da dignidade da

pessoa humana.

1.2.2 Objetivos Específicos

Entre os objetivos específicos estão trazer a lume o conceito de Regime

Disciplinar Diferenciado, seus pressupostos, requisitos e efeitos sobre os presos a

ele submetidos.

Ainda, serão levantados argumentos tanto favoráveis quanto contrários à sua

implementação, sempre sob a ótica constitucional, com fundamentos em

doutrinadores, operadores do direito e decisões dos mais diversos tribunais pátrios.

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Outrossim, buscaremos propor modificações à atual sistemática, harmonizando-

a à Constituição Federal no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa

humana, de forma a conservar sua constitucionalidade, eis que indispensável para o

combate do crime organizado.

1.3 Justificativa do Trabalho

A justificativa do trabalho está em reconhecer a necessidade de manutenção do

Regime Disciplinar Diferenciado no contexto da atual política carcerária e de

segurança pública brasileira, visando o combate aos poderosos grupos criminosos já

mencionados, desde que devidamente aperfeiçoado e efetivadas as devidas

adaptações para a preservação de sua constitucionalidade.

Sob este enfoque, justifica-se, portanto, o estudo do Regime Disciplinar

Diferenciado o qual é gerador de acaloradas discussões junto a doutrinadores,

juristas, formadores de opinião nos meios de comunicação e operadores do Direito

(Juízes, Promotores de Justiça, Advogados etc.) a ponto de sua constitucionalidade

já estar sendo objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, através de Ação

Direta de Inconstitucionalidade – ADI9 impetrada pelo Conselho Federal da Ordem

dos Advogados do Brasil.

9Publicada no Supremo Tribunal Federal: Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4.162. <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4162&processo=4162>.

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1.4 Procedimentos Metodológicos

O presente trabalho de conclusão de curso foi desenvolvido por mim, em

conjunto com o aluno e colega de turma SANDRO MIGUEL SOUZA, sendo que para

o uso deste material em outros trabalhos como referência deverá ser mencionado os

nomes de ambos os autores.

Trata-se de um estudo teórico-reflexivo de caráter exploratório, por meio de

pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos, internet, legislação, entre outros.

A análise será qualitativa à luz dos referenciais teóricos pesquisados,

objetivando demonstrar que o regime implantado na Lei de Execução Penal trouxe

prejuízos a presos provisórios e sentenciados, ao sistema carcerário brasileiro como

um todo, bem como conflitou com fundamentos constitucionais, especialmente o

princípio da dignidade da pessoa humana.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, já em seu artigo primeiro, os

princípios basilares da República Federativa do Brasil, merecendo especial relevo a

norma insculpida no inciso III10, notadamente porquanto balizadora de toda a norma

infra-constitucional e constitucional (poder constituinte derivado) em território

nacional.

Na realidade, a origem de referida norma principiológica remonta à Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de

novembro de 1969, mais precisamente em seu artigo 5º, itens 1 e 2, promulgada

pelo Decreto Presidencial nº 678, de 06 de novembro de 1992, e publicada no Diário

Oficial da União em 09 de novembro de 1992.

Art. 5º. Direito à Integridade Pessoal.1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

A importância “universal” e absoluta deste alicerce do Estado Democrático de

Direito, como “valor supremo de toda a sociedade”, é reforçada de maneira

contundente por Cunha Júnior:

10 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)III - a dignidade da pessoa humana;

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A dignidade da pessoa humana assume relevo como valor supremo de toda sociedade para o qual se reconduzem todos os direitos fundamentais da pessoa humana. É uma “qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecer do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimais para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. 11 (CUNHA Júnior, 2009, p. 527-528)

No mesmo sentido Jacintho:

Hoje já não se pode falar em Estado de Direito democrático sem se falar em direitos fundamentais universais e indivisíveis, plenamente assegurados, assim como em um determinado momento histórico não se podia falar em Constituição quando não havia tripartição de poderes e uma declaração de direitos.(...)O Estado de Direito brasileiro pugna pelo modelo democrático, em tudo garantidor da evolução da pessoa humana. É, portanto, princípio-matriz do Estado de direito democrático brasileiro a dignidade humana. É princípio que se sobrepõe a todos os outros e que orienta interpretação de todos os outros e que orienta a interpretação de todos os regimes constitucionais postos em vigor a partir da Carta Política de 1988. (JACINTHO, 2009. p. 205-206)

Neste contexto, até pela privilegiada posição geográfica, logo no art.1º da

Constituição Federal, antes mesmo dos direitos e garantias fundamentais da pessoa

humana (dentre os quais situa-se o direito à segurança pública, contido no caput do

artigo 5º), o princípio sob estudo é matriz e norma interpretativa orientadora de todas

as demais leis subseqüentes, dentre as quais, obviamente, incluem-se os

dispositivos referentes à execução de pena.

Nesse sentido, também caminha o professor Silva, ao fixar o aludido princípio da

dignidade da pessoa humana como limitador expresso do poder de punir do Estado:

Para ficar apenas na principal referência, o poder de punir encontra limite no princípio da dignidade humana, estabelecido como fundamento da República enquanto Estado Democrático de Direitos (CF, art. 1º, III). Acerca desse princípio, que se traduz num direito absoluto e que se situa acima de qualquer outro na hierarquia das leis, e que não pode ser violado nem mesmo em caso de guerra.[...]É a dignidade do indivíduo, como primeiro limite material a ser respeitado por um Estado democrático, que fixa limites máximos à rigidez das penas e

11 SARLET, Ingo Wolfgang, 2002, apud Cunha Júnior, 2009, p. 527-528.

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aguça a sensibilidade de todos com relação aos danos por elas causados. [...] É que o Estado que mata, que tortura, que humilha o cidadão, não só perde qualquer legitimidade como contradiz a sua própria razão de ser, que é servir à tutela dos direitos fundamentais do homem, colocando-se no mesmo nível dos delinqüentes. (SILVA, 2009, p. 66-67)

Em síntese, por ocasião da elaboração legislativa, o princípio da dignidade da

pessoa humana em nenhum momento pode ser relegado a mera “norma de

intenções”, definidora de orientações gerais abstratas e sem validade concreta, sob

pena de minarmos o próprio Estado Democrático de Direito, e retrocedermos à

época, não tão longínqua, de violação diuturna aos direitos mais elementares do

homem: vida, liberdade sexual da mulher, integridade física, dentre outros.

Como muito bem colocado por Silva, trata-se de direito absoluto e que se situa

acima de qualquer outro na hierarquia das leis, não podendo ser violado nem

mesmo em caso de guerra, pelo menos enquanto sob a égide da nossa Constituição

Cidadã.

2.2 Dos direitos e garantias fundamentais ligados ao tema

Fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana, a Carta Magna,

ainda, enumerou direitos e garantias fundamentais intimamente relacionados ao

tema sob estudo, os quais, por encontrarem-se inseridos dentre os princípios

fundamentais do art.5º, são cláusulas pétreas, e, portanto, igualmente servem de

norte e limite para qualquer produção legislativa, principalmente em matéria penal.

Dentre tais, destacam-se os inseridos nos incisos III, XLVII, alínea “e”, e inciso

XLIX, todos do artigo 5º da Constituição Federal12, os quais disciplinam 12 Art. 5º (...)

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respectivamente que: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento

desumano ou degradante, não haverá penas cruéis e é assegurado aos presos o

respeito à integridade física e moral.

Nesse sentido, Motta Filho e Douglas comentam com absoluta precisão:

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

Redundante e contumaz variação do direito à vida, que busca assegurar a integridade física e psíquica do indivíduo, a fim de que o mesmo possa efetivamente exercer outros direitos fundamentais. Conditio sine qua non13

para a implementação fática da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). No plano objetivo, podemos inferir que ele proíbe os castigos corporais impingidos às crianças ou aos detentos.

[...]

XLVII – não haverá penas:

(...)

e) cruéis;

As penas cruéis são igualmente excluídas por serem incompatíveis com a sadia evolução do Direito Penal e não corroborarem o próprio espírito da Constituição quando, por exemplo, neste mesmo artigo, veda a tortura e o tratamento degradante (inciso III).

[...]

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

O preso só perderá a sua liberdade de locomoção, mantendo todos os demais direitos que dela não derivam. Dispositivo idêntico encontramos no artigo 38 do Código Penal14 e nos arts. 40 a 43 da Lei nº 7.210/8415. (Motta e

(...)

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

(...)

XLVII - não haverá penas:

(...)

e) cruéis;

(...)

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

13 Sine qua non ou condição sine qua non originou-se do termo legal em latim para “sem o qual não pode ser”. Tradução extraída do wikipedia: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Sine_qua_non>.14 Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.151

Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.Art. 41 - Constituem direitos do preso:I - alimentação suficiente e vestuário;

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Douglas, 2005, p. 78, 108-110). (sublinhas nossas)

Como visto, referidos fundamentos são derivativos do próprio princípio

fundamental da dignidade humana, previsto no art. 1º, inciso III, da CF, como

fundamento do Estado Brasileiro. Por este princípio, veda-se a adoção de penas

atentatórias à dignidade da pessoa humana, vedação esta que as normas supra

transcritas procuram reforçar e detalhar, de modo a assegurar maior eficácia.

2.3 O regime disciplinar diferenciado

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;III - Previdência Social;IV - constituição de pecúlio;V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;XI - chamamento nominal;XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 13.8.2003)Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.Art. 42 - Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança, no que couber, o disposto nesta Seção.Art. 43 - É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento.Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvidas pelo Juiz da execução.

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O Regime Disciplinar Diferenciado, conforme já amplamente mencionado, foi

inserido pela Lei Federal nº 10.792/03, alterando alguns artigos da Lei nº 7.210/84.

Vejamos suas principais alterações:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione a subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;II – recolhimento em cela individual;III – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;IV – o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.§. 1º. O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.§ 2º. Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. (...)Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente.§ 1º. A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.§ 2º. A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias. (sem destaque no original)

Sinteticamente, pode-se definir o Regime Disciplinar Diferenciado como um

conjunto de regras disciplinadoras do cumprimento da pena privativa de liberdade do

preso já condenado ou a custódia do preso provisório em condições especiais, mais

severas que o preso chamado “comum”.

Destarte, de acordo com o caso concreto, o instituto pode assumir duas feições,

quais sejam: o RDD "punitivo" (art. 52, caput e incisos, da Lei 7.210/84) e o RDD

"cautelar" (art. 52, parágrafos 1º e 2º, do referido diploma legal).

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Na verdade a regra traçada pelo legislador é um tanto confusa, pecando pela

falta de técnica, dando margens a diferentes interpretações, o que em se tratando de

execução penal e de normas tão duras é um tanto temerário.

Em linhas gerais, entretanto, os requisitos para decretação do RDD são: a) a

prática de falta grave (artigo 50, I a VI, da Lei 7.210/84), devidamente comprovada

em procedimento próprio, com observância de ampla defesa; b) a existência de

fundado risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;

e, ainda, c) a fundada suspeita de envolvimento ou participação do custodiado, a

qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. Ainda, estas duas

últimas hipóteses estão reguladas nos parágrafos do art. 52 da Lei 7.210/84.

Afora o excessivo subjetivismo das expressões “fundada suspeita de

envolvimento ou participação do custodiado, a qualquer título, em organizações

criminosas”, e, “ fundado risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal

ou da sociedade”, o RDD, na forma como posta originalmente, violenta frontalmente

as normas principiológicas constitucionais já discorridas acima, quais sejam, a

dignidade da pessoa humana (art. 1, inciso III); vedação da tortura e a tratamento

desumano ou degradante (art. 5º, inciso III), vedação de penas cruéis (XLVII, “e”),

respeito à integridade física e moral dos presos (XLIX); na medida que não

estabelece limites temporais bem definidos para sua duração.

Com efeito, a lei prevê duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem

prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite

de um sexto da pena aplicada. Desta forma, imaginando uma condenação de 60

(sessenta) anos de reclusão (o que não é difícil em se tratando de presos de alta

periculosidade), 1/6 (um sexto) da pena significa 10 (dez) anos. Neste raciocínio,

pela atual legislação, seria possível o recolhimento do preso pelo prazo de até 10

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(dez) anos em cela individual, visitas semanais de apenas duas pessoas, com

duração de duas horas, e saída (banho de sol) limitada a 2 (duas) horas diárias.

Com efeito, o isolamento absoluto é talvez a pior das penas que pode ser

afligida ao ser humano, pois priva-o do exercício de atributo que lhe é inerente, qual

seja, o relacionamento.

O ser humano é uma criatura eminentemente social, nascido, desenvolvido e

extinto em sociedade. Retirar-lhe a possibilidade do mínimo contato por período que

pode chegar a mais de um ano fere de morte sua dignidade, sua higidez mental,

ainda mais desprovido de acompanhamento médico ou psicológico, conferindo

caráter de inegável crueldade à pena, o que é inadmissível sob a Ordem

Constitucional vigente.

De outro vértice, entendemos absolutamente sensata a posição do professor

Luiz Flávio Gomes acerca do tema, ao adotar como referência para o limite máximo

de tempo para a inserção do preso no RDD, o prazo já previsto na LEP para

sanções disciplinares, qual seja, 30 (dias):

A grave e preocupante questão da disciplina do preso que se encontra recolhido em algum estabelecimento penal de segurança máxima (fechado) ou média (semi-aberto) já se encontrava (e se encontra) devidamente regulada na Lei de Execução Penal (LEP - Lei 7.210/1984), especialmente nos artigos 53, IV, 54 e 58. Uma das mais severas sanções previstas nesta lei consiste no "isolamento do preso na própria cela". Cuida-se de conseqüência penal a ser imposta pelo diretor do presídio, em ato motivado, por prazo não superior a 30 (trinta) dias. Esse conjunto de dispositivos legais que acaba de ser enumerado já era (e é) mais do que suficiente para manter a devida disciplina e a ordem dentro dos estabelecimentos penais.Parece muito evidente a razoabilidade e superioridade técnica e garantista da LEP em relação ao famigerado RDD e, agora, ao RMAX (regime de segurança máxima, que estaria na iminência de ser aprovado pelo Congresso Nacional). Quando a LEP foi redigida (1984) ainda não se falava em "Direito penal do inimigo", que é uma idéia difundida mais recentemente na América Latina (estamos nos referindo à doutrina de Jakobs, Derecho penal del enemigo, Madrid: Thonson-Civitas, 2003, obra que tem como co-autor Cancio Meliá). Todo endurecimento penal ofensivo à dignidade humana, para além de constituir expressão desse modelo de "direito" penal, enquadra-se no movimento punitivista simbólico e emergencial, desenvolvido desde os anos 80, sobretudo na Itália (para combater - inicialmente - as organizações mafiosas). (GOMES, 2009)

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Talvez o limite de 30 (trinta) dias já previsto na LEP seja insuficiente para afastar

o risco gerado pelo exercício da atividade em organizações criminosas por presos,

ou mesmo a “punição” pela falta grave praticada, em certos casos, porém, de outra

parte, entende-se absolutamente desarrazoado um isolamento celular superior a 90

(noventa) dias, porquanto evidentemente desautorizado pelo fundamento

constitucional da dignidade da pessoa humana, portanto, inconstitucional.

Com efeito, o total isolamento celular e social destrói a personalidade, tornando

a prática degradante, atuando tão somente como mecanismo de segregação dentro

da carceragem em decorrência da incapacidade do Estado em impedir a

comunicação (via telefones celulares, rádios, etc.) dos membros da organização

criminosa e puni-los de acordo com a lei, já existente.

Na prática, os presos inseridos no regime sob comento estão privados de

contato físico (as visitas limitadas e semanais não permite este tipo de contato),

ademais o detento é proibido também de assistir televisão, ouvir rádio e ler jornais

ou revistas.

Nesta razão, ficou evidenciado que a criação do RDD pelo legislador pátrio foi

inspirada no famigerado “Direto Penal do Inimigo”, propagandeado pelo jurista

alemão Gunther Jackobs, que prevê sinteticamente a criação de leis mais duras a

determinados criminosos:

Direito penal do inimigo é uma teoria enunciada por Günther Jakobs, um doutrinador alemão que sustenta tal teoria (Feindstrafrecht, em alemão) desde 1985, com base nas políticas públicas de combate à criminalidade nacional e/ou internacional.A tese de Jakobs está fundada sob três pilares, a saber: a) antecipação da punição do inimigo; b) desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; c) criação de leis severas direcionadas à clientela (terroristas, delinqüentes organizados, traficantes, criminosos econômicos, dentre outros) dessa específica engenharia de controle social.Jakobs refere-se ao inimigo como alguém que não admite ingressar no Estado e assim não pode ter o tratamento destinado ao cidadão, não

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podendo beneficiar-se dos conceitos de pessoa. A distinção, portanto, entre o cidadão (o qual, quando infringe a Lei Penal, torna-se alvo do Direito Penal) e o inimigo (nessa acepção como inimigo do Estado, da sociedade) é fundamental para entender as idéias de Jakobs.16

O professor Igor Raphael de Novaes Santos, também, comentou sobre o

assunto, se referindo ao RDD como “consectário do direito penal do inimigo”:

Em suma, sustenta o jurista alemão que, paralelamente aos cidadãos, existem aqueles que deveriam ser chamados de inimigos, ou seja, "indivíduos cuja atitude na vida econômica, mediante sua incorporação a uma organização, reflete seu distanciamento, presumivelmente duradouro em relação ao Direito" [19], razão por que, em face do perigo e ameaça que proporcionariam à existência da sociedade, deveria ser instaurada uma guerra na qual o legislador pudesse se valer de instrumentos como a "otimização de bens jurídicos em detrimento da tutela à esfera da liberdade" e a formulação de tipos que se dirigem à "conservação com respeito a fatos futuros e não à sanção de fatos já perpetrados" [20], o que, permissa venia, implicaria em "uma renúncia às garantias materiais e processuais do Direito Penal da normalidade" [21].”17

No mesmo sentido, o professor Paulo Cesar Busato é preciso e definitivo a este

respeito:

A imposição de uma fórmula de execução da pena diferenciada segundo características do autor relacionadas com "suspeitas" de sua participação na criminalidade de massa não é mais que um "Direito Penal do Inimigo, quer dizer, (...) a adoção do Regime Disciplinar Diferenciado representa o tratamento desumano de determinado tipo de autor de delito, distinguindo evidentemente entre cidadãos e inimigos. (CARVALHO, 2007, p. 297)

É de se observar que a disciplina do RDD, especialmente os §§1º e 2º do art. 52

da Lei de Execução Penal enquadra-se justamente nessa punição antecipada de

atos que, em si, não constituem fato típico algum, atribuindo, como visto, aos

indivíduos que "a qualquer título" participem de organizações criminosas”, a

presunção de culpa, o que se revela, em tese, uma arbitrariedade injustificável sob a

atual ótica constitucional, se não temperada pelo contraditório e ampla defesa.

16 Texto extraído do Wikipedia: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_penal_do_inimigo>.17 Texto extraído do Jus Navigandi: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11957>.

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Por demais evidente a intenção do legislador em “afastar” os suspeitos de

integrarem facções criminosas do convívio social, prisional e, mais grave, humano,

tachando-os de “inimigos do Estado Democrático”, afligindo-lhes penas intoleráveis

ao ser humano, como que travando uma suposta guerra contra o crime organizado,

porém utilizando-se de armas defesas.

Neste panorama, reiteramos que a lei traçou duas classes de cidadãos, os

“comuns”, que são amparados por todas as espécies de direitos e garantias

constitucionais, e os “inimigos” do Estado, contra os quais foi reservado o RDD por

prazo que pode exceder um ano de isolamento celular.

Consoante já referido, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

ajuizou ADI18 (Ação Direta de Inconstitucionalidade) argumentando que o RDD é

inconstitucional por impor ao preso isolamento prolongado, restringir

demasiadamente o recebimento de visitas e alterar o regime de cumprimento da

pena, ação esta que pende de decisão pelo Supremo Tribunal Federal.

Nessa mesma argumentação, em agosto de 2006, o Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo julgou inconstitucional referido regime de pena por meio do

Habeas Corpus N° 00978.305.3, oriundo da comarca de São Paulo, em que foi

Impetrante Maria Cristina De Souza Rachado, sendo Impetrado Marcos Willians

Herbas Camacho, mediante o seguinte argumento:

O chamado RDD (Regime disciplinar diferenciado), é uma aberração jurídica que demonstra à saciedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor.A questão já foi abordada por está 1ª Colenda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na ocasião, como muito bem asseverou o E. Des. Marco Nahum, no Habeas Corpus n° 893.915-3/5-00 - São Paulo (v.u): "o referido regime disciplinar diferenciado determina que o preso seja recolhido em cela individual, com saídas diárias de 02 horas para banho de sol, que significa dizer que a pessoa fica isolada por 22 horas ao dia. Sua duração é de um ano, sem prejuízo de que nova sanção seja aplicada em virtude de outra falta grave, podendo o prazo de isolamento se estender até 1/6 da pena. Ainda é proibido ao preso que ouça, veja, ou leia qualquer meio de

18 ADI nº 4.162

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comunicação, o que significa dizer que não recebe jornais, ou revistas, assim como não assiste televisão, e não ouve rádio. Independentemente de se tratar de uma política criminológica voltada apenas para o castigo, e que abandona os conceitos de ressocialização ou correção do detento, para adotar "medidas estigmatizantes e inocuizadoras" próprias do "Direito Penal do Inimigo', o referido "regime disciplinar diferenciado,' ofende inúmeros preceitos constitucionais". E continua o insigne Magistrado, "trata-se de uma determinação desumana e degradante (art. 5o,III, da CF), cruel (art. 5o, XLVII, da CF), o que faz ofender a dignidade humana (art. 1o, III, da CF). Por fim note-se que o Estado Democrático é aquele que procura um equilíbrio entre a segurança e a liberdade individual, de maneira a privilegiar, neste balanceamento de interesses, os valores fundamentais de liberdade do homem. O desequilíbrio em favor do excesso de segurança com a conseqüente limitação excessiva da liberdade das pessoas implica, assim, em ofensa ao Estado Democrático". O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao entender como inconstitucional o citado regime disciplinar, ainda deixou evidente que a medida "é desnecessária para a garantia da segurança dos estabelecimentos penitenciários nacionais e dos que ali trabalham, circulam e estão custodiados, a teor do que já prevê a Lei 7.210/84”. Se o acima narrado já não bastasse, o próprio Ministério da Justiça afirmou que "o isolamento não é boa prática; (...); um modelo de gestão muito mais positivo é o de abrigar os presos problemáticos em pequenas unidades de até dez presos, com base de que é possível proporcionar um regime positivo para presos que causam transtorno, confinando-os em 'isolamento em grupos', em vez da segregação individual". É evidente a inconstitucionalidade da lei, que instituiu o referido RDD, impondo-se o reconhecimento da ilegalidade da medida adotada contra o paciente, e a concessão do "writ, a fim de que o reeducando seja imediatamente transferido.A pena do reeducando está sendo executada além dos limites permitidos por lei. Há um desvio ou excesso de execução, uma vez que além de extrapolar o que foi fixado na sentença condenatória, ofende os princípios acima referidos, em especial o respeito à dignidade humana. Este desvio ou excesso de execução, previsto no artigo 185 e seguintes da Lei de Execução Penai, pode e deve ser sanado por meio de "habeas corpus", por força do artigo 647 do CPP, uma vez que se constitui em constrangimento ilegal sofrido pelo paciente.

Por outro lado, entende-se que a despeito de contundentes críticas à sistemática

prisional sob comento, não se pode ignorar a premente necessidade de efetivo e

duro combate ao crime organizado e seus integrantes, sob pena, inclusive, de

irreversível infiltração destas organizações no âmago dos poderes constituídos,

corrompendo o sistema de forma indelével.

A este respeito, Guilherme de Souza Nucci é bastante claro, sustentando que

não se combate o crime organizado da mesma forma que a criminalidade comum,

subsidiando sua tese no argumento da relativização e harmonização dos direitos e

garantias fundamentais:

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"(...) proclamar a inconstitucionalidade desse regime, fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil é, com a devida vênia, uma contradição. Pior ser inserido em uma cela coletiva, repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados aos presos provisórios, sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual, longe da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio, além de não se submeter a nenhum tipo de assédio de outros criminosos." (NUCCI, 2008, p.335)

É inegável que o Estado brasileiro está padecendo da “patologia” do crime

organizado, instalado no cerne do Sistema Penitenciário, porém, para tratar desse

mal, não se pode fazê-lo utilizando-se de instrumentos vedados pelo próprio

ordenamento jurídico e regime democrático que o Estado procura tutelar.

O estudo detido do RDD revelou, portanto, sem maiores ilações acadêmicas, a

disposição do legislador em demonstrar à sociedade "a necessidade do Estado em

retomar o controle do sistema penitenciário", mas para isso utilizou-se de um novo

modelo de aprisionamento que na verdade revelou em seu âmago o próprio

reconhecimento da falência da organização do sistema carcerário brasileiro.

3. CONCLUSÃO

Em síntese, o presente trabalho propõe-se a demonstrar a absoluta

imprescindibilidade do Regime Disciplinar Diferenciado ante o atual contexto das

organizações criminosas no Brasil, as quais minam a própria capacidade do Estado

em exercer seu ius puniendi e garantir a segurança pública como verdadeiro direito

fundamental do cidadão.

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De outro vértice, entende-se que sob a formatação atual, notadamente face ao

excessivo tempo em que o reeducando pode ser colocado sob isolamento absoluto,

bem como os critérios muitas vezes pouco claros e subjetivos para a implantação do

preso em referido regime evidentemente mais gravoso, muitas vezes há o flagrante

atrito com o princípio constitucional da dignidade da pessoal humana, por infligir

sofrimento excessivo e desnecessário ao detento.

Nesta razão, propõe-se a seguinte alteração legislativa, de modo a permitir um

confronto menos gritante, eis que inevitável em certa medida, com as normas

superiores acima aludidas (art. 1º, inciso III, art. 5º, inciso III, inciso XLVII, alínea “e”,

e inciso XLIX, todos da Constituição Federal).

Sugerimos a limitação do período máximo de isolamento celular para 90

(noventa) dias, prorrogável uma única vez por igual período, por entender que

aludido interregno é mais que suficiente para o afastamento da condição geradora

do “risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade”,

mediante a devida atuação dos órgãos de repressão e investigação estatal.

Outrossim, a despeito de imprecisas e genéricas, os requisitos de “fundada

suspeita de envolvimento ou participação do custodiado, a qualquer título, em

organizações criminosas (§ 2º, art. 52)” e “fundado risco para a ordem e segurança

do estabelecimento penal ou da sociedade” (§ 1º, art. 52), merecem ser mantidas no

instituto sob comento, desde que efetivamente observado o contraditório, garantido

à defesa prévia manifestação, mediante despacho fundamentado do juiz competente

e observada a limitação temporal acima sugerida, como meio estritamente cautelar e

não punitivo.

Enfim, concluindo, consignamos que a criminalidade atual é incomparavelmente

mais complexa, organizada, estruturada (tecnologia, abundantes recursos humanos

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e financeiros) e letal que a de 30 ou 40 anos atrás, tornando arcaica, portanto, todo

o arcabouço legislativo oriundo do mesmo período.

Prova disto são os alarmantes índices de criminalidade nos grandes, médios e

pequenos centros urbanos, bem como zona rural de todo o Brasil, revelando não

tratar-se de fenômeno social restrito a determinada região, ou estrato social.

Consigne-se ainda que a “alta criminalidade” não se combate tão somente com

os tradicionais instrumentos estatais: policiamento ostensivo, incremento das penas

e segregação celular.

As organizações criminosas, as quais o RDD se propõe a combater, não são

mais contidas por referidas “armas”, eis que, reiteramos, valendo-se de graves

lacunas presentes no sistema prisional e no próprio estado polícia, coordena

ataques, roubos, seqüestros, homicídios, administra empresas, dentre outros, isto ao

arrepio do poder público.

Um preso mantido por um ano sob o RDD, como prevê a atual legislação, é

facilmente substituído por outro agente na hierarquia criminosa, no mais das vezes

mais jovem (não raro adolescente) e inconseqüente.

Obviamente, a solução não é o RDD na forma como idealizada, mas

investimentos maciços em inteligência investigativa, reestruturação humana e

tecnológica da polícia judiciária, extinção dos grandes presídios e construção de

pequenas unidades prisionais pelo interior do país, a par da sempre almejada (e

nunca concretizada) redução das desigualdades sociais, cuja profundidade do tema

não permite maiores detalhamentos neste breve trabalho.

Com fulcro nestas premissas, concluímos que o Estado Democrático não pode,

sob a única justificativa do combate a criminalidade organizada, humilhar e em certa

medida torturar física e psicologicamente o cidadão, mediante o excessivo

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isolamento celular, sob pena de perder sua própria legitimidade social,

contradizendo, assim, sua própria razão de ser, qual seja, a tutela dos direitos

fundamentais do ser humano.

4. REFERÊNCIAS

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