curso de direito processual civil

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CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 1. CONCEITO DE RECURSO Recurso é o "remédio voluntário idóneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna". 1. É preciso fazer algumas anotações a esse conceito. a) O conceito de recurso não pertence à teoria geral do processo. Trata-se de conceito jurídico-positivo, que depende, pois, do exame de um dado ordenamento jurídico. b) O recurso prolonga o estado de litispendência, não instaura processo novo. c) O direito de recorrer é conteúdo do direito de ação (e também do direito de exceção), e o seu exercício revela-se como desenvolvimento do direito de acesso aos tribunais. d) O direito de recorrer é um direito potestativo processual3, tendo em vista que objetiva alterar situações jurídicas, invalidando, revisando ou integrando uma decisão judicial. 2. O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO A Constituição Federal de 1988, no inciso LV do art. 5°, assegurou a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele inerentes; todavia, expressamente, não aludiu ao duplo grau de jurisdição, mas sim aos instrumentos inerentes ao exercício da ampla defesa. Por esse motivo, autorizada doutrina pátria repele que o duplo grau de jurisdição esteja alçado à categoria de princípio constitucional. Malgrado apareça na dogmática processual desde os tempos mais remotos como princípio processual relacionado ao recurso, vez que se constitui na possibilidade de análise, por um outro órgão, do inconformismo do interessado (parte, MP ou terceiro) quanto à decisão proferida, o princípio do duplo grau de jurisdição vem sofrendo críticas de segmento respeitável da doutrina processual. Com efeito, traz a doutrina como pontos negativos desse princípio: a dificuldade de acesso à justiça, o desprestígio da primeira instância, a quebra de unidade do poder jurisdicional, a dificuldade na descoberta da verdade mais próxima possível da real e a inutilidade do procedimento oral. Seguem os argumentos pertinentes a cada um desses aspectos. Ademais, é preciso dizer que há causas de competência originária do STF (art. 102,1, CF/88), em que não há duplo grau de jurisdição. Há, porém, recursos garantidos constitucionalmente, e que não podem ser eliminados por lei infraconstitucional (p. ex.: o recurso ordinário para o STF, art. 102, II, e para o STJ, art. 105, II, ambos da Constituição Federal). Considerando que o princípio não precisa estar expressamente previsto para que esteja embutido no sistema normativo, pode-se concluir que a Constituição Federal, ao disciplinar o Poder Judiciário com uma organização hierarquizada, prevendo a existência de vários tribunais, tem nela inserido o princípio do duplo grau de jurisdição. "Ademais, é possível retirar o princípio do duplo grau de jurisdição, como o fazem Calmon de Passos, Nelson Nery

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CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

1. CONCEITO DE RECURSO

Recurso é o "remédio voluntário idóneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o

esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna".

1. É preciso fazer algumas anotações a esse conceito.

a) O conceito de recurso não pertence à teoria geral do processo. Trata-se de conceito jurídico-positivo, que

depende, pois, do exame de um dado ordenamento jurídico.

b) O recurso prolonga o estado de litispendência, não instaura processo novo.

c) O direito de recorrer é conteúdo do direito de ação (e também do direito de exceção), e o seu exercício

revela-se como desenvolvimento do direito de acesso aos tribunais.

d) O direito de recorrer é um direito potestativo processual3, tendo em vista que objetiva alterar situações

jurídicas, invalidando, revisando ou integrando uma decisão judicial.

2. O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

A Constituição Federal de 1988, no inciso LV do art. 5°, assegurou a todos os litigantes em processo

administrativo ou judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele

inerentes; todavia, expressamente, não aludiu ao duplo grau de jurisdição, mas sim aos instrumentos

inerentes ao exercício da ampla defesa. Por esse motivo, autorizada doutrina pátria repele que o duplo grau

de jurisdição esteja alçado à categoria de princípio constitucional.

Malgrado apareça na dogmática processual desde os tempos mais remotos como princípio processual

relacionado ao recurso, vez que se constitui na possibilidade de análise, por um outro órgão, do

inconformismo do interessado (parte, MP ou terceiro) quanto à decisão proferida, o princípio do duplo grau de

jurisdição vem sofrendo críticas de segmento respeitável da doutrina processual. Com efeito, traz a doutrina

como pontos negativos desse princípio: a dificuldade de acesso à justiça, o desprestígio da primeira instância,

a quebra de unidade do poder jurisdicional, a dificuldade na descoberta da verdade mais próxima possível da

real e a inutilidade do procedimento oral. Seguem os argumentos pertinentes a cada um desses aspectos.

Ademais, é preciso dizer que há causas de competência originária do STF (art. 102,1, CF/88), em que não há

duplo grau de jurisdição. Há, porém, recursos garantidos constitucionalmente, e que não podem ser

eliminados por lei infraconstitucional (p. ex.: o recurso ordinário para o STF, art. 102, II, e para o STJ, art. 105,

II, ambos da Constituição Federal).

Considerando que o princípio não precisa estar expressamente previsto para que esteja embutido no sistema

normativo, pode-se concluir que a Constituição Federal, ao disciplinar o Poder Judiciário com uma organização

hierarquizada, prevendo a existência de vários tribunais, tem nela inserido o princípio do duplo grau de

jurisdição. "Ademais, é possível retirar o princípio do duplo grau de jurisdição, como o fazem Calmon de

Passos, Nelson Nery Jr. etc., da cláusula geral do devido processo legal, e da garantia do contraditório, como o

faz Delosmar Mendonça Jr".

Na verdade, o princípio do duplo grau de jurisdição não chega a consistir numa garantia, pois a Constituição

Federal a ele apenas se refere, não o garantindo.

3. O RECURSO NO SISTEMA DOS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL

O sistema de impugnação da decisão judicial é composto dos seguintes instrumentos:

a) A ação autónoma de impugnação é o instrumento de impugnação da decisão judicial, pelo qual se dá

origem a um processo novo, cujo objetivo é o de atacar/interferir em decisão judicial.  São exemplos: a ação

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rescisória, a querela nullitatis, os embargos de terceiro, o mandado de segurança e o habeas corpus contra

ato judicial e a reclamação constitucional.

b) Sucedâneo recursal é todo meio de impugnação de decisão judicial que nem é recurso nem é ação

autónoma de impugnação. Trata-se de categoria que engloba todas as outras formas de impugnação da

decisão. São exemplos: pedido de reconsideração, pedido de suspensão da segurança (Lei Federal n.

8.437/1992, art. 4°; Lei Federal n. 12.016/2009, art. 15)

4. CLASSIFICAÇÃO

4.1. Quanto à extensão da matéria: recurso parcial e recurso total

O art. 505 do CPC está assim redigido: "A sentença pode ser impugnada no todo ou em parte". Onde se lê

"sentença", leia-se "decisão".

Recurso parcial é aquele que, em virtude de limitação voluntária, não compreende a totalidade do conteúdo

impugnável da decisão. O recorrente decide ou não impugnar todos os capítulos recorríveis da decisão ou

impugnar apenas uma parcela de um capítulo decisório. O capítulo não impugnado fica acobertado pela

preclusão e, se se tratar de capítulo de mérito, ficará imutável por força da coisa julgada material.

Recurso total é aquele que abrange todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida (não necessariamente o

seu conteúdo integral, pois há decisões que têm o conteúdo impugnável restringido pela lei, como acontece

em relação aos embargos infringentes, quando, havendo divergência parcial, apenas esta matéria poderá

constituir objeto do recurso35). Se o recorrente não especificar a parte em que impugna a decisão, entender-

se-á total o recurso.

4.2. Quanto à fundamentação: fundamentação livre e fundamentação vinculada

Fundamentação livre. Recurso de fundamentação livre é aquele em que o recorrente está livre para, nas

razões do seu recurso, deduzir qualquer tipo de crítica em relação à decisão, sem que isso tenha qualquer

influência na sua admissibilidade. 

Ex.: apelação, agravo, recurso ordinário e embargos infringentes.

Fundamentação vinculada. Nesse caso, a lei limita o tipo de crítica que se possa fazer contra a decisão

impugnada. O recurso caracteriza-se por ter fundamentação típica. Nos recursos de fundamentação vinculada,

o recorrente deve "alegar" um dos vícios típicos para que o seu recurso seja admissível. Essa alegação é

indispensável para que o recurso preencha o requisito da regularidade formal (abaixo examinado). Afirmado

pelo recorrente um dos vícios que permitem a interposição do recurso, o recurso, por esse aspecto, deve ser

conhecido; a verificação da procedência ou improcedência das alegações é um problema atinente ao juízo de

mérito recursal. São exemplos: embargos de declaração, recurso especial e o extraordinário.

5. ATOS SUJEITOS A RECURSO E RECURSOS EM ESPÉCIE

5.1. Introdução - considerações sobre as mudanças feitas pela Lei Federal n.11.232/2005, em relação à

definição dos pronunciamentos judiciais.

A nova redação do § 1° do art. 162 do CPC, introduzida pela Lei Federal n.11.232/2005 ("sentença é o ato do

juiz proferido conforme os arts. 267 e 269 desta Lei"), foi proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito

Processual. O objetivo da alteração do texto foi ressaltar que a sentença não mais extingue o processo, tendo

em vista que toda sentença de prestação (sentença que reconhece a existência de um direito a uma

prestação), agora dá ensejo à execução imediata, sem necessidade de um outro processo (de execução) com

esse objetivo. É por isso que também foi alterado o art. 463 do CPC, para retirar a menção que se fazia ao

"encerramento da atividade jurisdicional" com a prolação da sentença. De fato, proferida a sentença, o juiz

não mais encerra a sua atividade jurisdicional, pois deverá continuar a atuar, agora na fase executiva.

Page 3: Curso de direito processual civil

É preciso compreender a sentença como o ato que encerra o procedimento nas fases de conhecimento ou de

execução; a sentença encerra a primeira instância. O encerramento do procedimento fundar-se-á ora no art.

267, ora no art. 269 do CPC - isso é certo. Não há como retirar da noção de sentença - ao menos até que se

reestruture o sistema recursal - a idéia de encerramento de instância.

5.2. Sistematização

Somente as decisões judiciais podem ser alvo de recurso. Os despachos, atos não decisórios, são irrecorríveis

(art. 504 do CPC). Também são irrecorríveis os atos praticados pelo escrivão por conta de delegação do

magistrado (CPC, art. 162, § 4°; CF/88, art. 93, XIV) - tais atos podem ser revistos pelo próprio magistrado, a

partir de provocação feita nos autos, sem maiores formalidades.

As decisões que podem ser proferidas pelo juízo singular são a decisão interlocutória e

a sentença. Será decisão inlerlocutória toda decisão que não encerrar o procedimento em primeira

instância; sentença é a decisão judicial que encerra o procedimento em primeira instância, ultimando a fase

de conhecimento ou de execução.

Em tribunal, as decisões podem ser classificadas a partir do órgão prolator. São, então, isoladas (chamadas,

no jargão processual, de monocráticas) ou acórdãos (colegiadas). Ambas as decisões podem ou não encerrar

o procedimento, não sendo esse o aspecto que as diferencia41; acórdãos e decisões monocráticas podem

ser interlocutórios ou finais. As decisões monocráticas podem ser proferidas pelo relator ou pelo

Presidente/Vice-Presidente do Tribunal, em causas que são da sua competência (como, p. ex., no pedido de

suspensão de segurança).

Consoante já restou acentuado, os despachos são, na dicção do art. 504 do CPC, irrecorríveis. Doutrina e

jurisprudência vêm admitindo, entretanto, o agravo de instrumento contra despacho, quando dele

resultar algum prejuízo para a parte. Significa, então, que o agravo de instrumento contra despacho de mero

expediente depende da presença ás prejuízo. Em outras palavras, o prejuízodesponta, nesse caso, como

requisito de admissibilidade para o agravo. É comum, contudo, em casos da espécie haver decisões de

tribunais que não conhecem do agravo, em razão da ausência de prejuízo. Nessa hipótese, há sobreposição do

juízo de mérito frente ao de admissibilidade. De fato, para que seja conhecido o agravo de instrumento, basta

que se alegue o prejuízo ocasionado pelo despacho. Se efetivamente há o prejuízo, aí a questão já passa a ser

de mérito. Então, alegado o prejuízo, deve o recurso ser conhecido. Se há ou não o prejuízo, tal circunstância

será decisiva para, respectivamente, o provimento ou não do agravo. Nesse caso, deve o despacho, então, ser

considerado como uma decisão interlocutória, transmudando de natureza e passando a ser recorrível.

Os embargos de declaração cabem contra qualquer decisão. O STF, entretanto, possui reiteradas decisões no

sentido de não admitir embargos de declaração contra decisões monocráticas, ao fundamento de que o

recurso cabível seria o agravo regimental (agravo interno). De todo modo, opostos embargos de declaração,

estes são recebidos como agravo regimental, mercê da aplicação do princípio da fungibilidade.

6. DESISTÊNCIA DO RECURSO

O recurso é uma demanda e, nessa qualidade, pode ser revogada pelo recorrente. A revogação do recurso

chama-se desistência44. A desistência do recurso pode ser parcial ou total, e pode ocorrer até o início do

julgamento45 (até a prolação do voto). O recorrente pode desistir por escrito ou em sustentação oral. A

desistência pressupõe recurso já interposto; se o recurso ainda não foi interposto, e o interessado manifesta

vontade de não interpô-lo, o caso é de renúncia. Em caso de litisconsórcio unitário, a desistência do recurso

somente é eficaz se todos os litisconsortes desistirem. A desistência impede uma nova interposição do recurso

de que se desistiu, mesmo se ainda dentro do prazo. O poder de desistir do recurso é especial e deve constar

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expressamente na procuração outorgada ao advogado (art. 38 do CPC). Dispensa homologação (art. 501 do

CPC);

7. RENÚNCIA AO DIREITO DE RECORRER E AQUIESCÊNCIA À DECISÃO

A renúncia ao direito de recorrer é o ato pelo qual uma pessoa manifesta a vontade de não interpor o recurso

de que poderia valer-se contra determinada decisão. Independe da aceitação da outra parte (art. 502, CPC).

Não se admite renúncia a termo ou sob a condição. A renúncia é sempre anterior à interposição do recurso,

mas não se admite a renúncia antes do momento em que o direito de recorrer seria exercitável - não se

admite renúncia anterior à prolação da decisão que poderia ser impugnada. E possível que se renuncie ao

direito de recorrer de fornia independente, reservando-se o direito de interpor recurso adesivo. Se, após a

renúncia, o recurso for interposto, será considerado inadmissível, pois a renúncia é fato extintivo do direito de

recorrer. Havendo litisconsórcio unitário, a renúncia somente será eficaz se todos os litisconsortes a ela

anuírem.

A aceitação é o ato por que alguém manifesta a vontade de conformar-se com a decisão proferida. Pode ser

por escrito ou tácita. A aceitação tácita consiste na prática., sem reserva alguma, de um ato incompatível com

a vontade de recorrer (CPC, art. 503, parágrafo único). Havendo litisconsórcio unitário, para que a aceitação

seja eficaz, todos os litisconsortes unitários devem comportar-se nesse sentido. Admite-se aceitação parcial

ou total. A aquiescência pode ocorrer antes ou depois do recurso interposto58. Embora o texto fale apenas em

parte, também o terceiro pode aquiescer com a decisão.

A aceitação e a renúncia implicam preclusão lógica do direito de recorrer.

8. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE MÉRITO DO RECURSO

8.1. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito: distinção

O juízo de admissibilidade opera sobre o plano de validade dos atos jurídicos. Mais precisamente do ato

jurídico complexo procedimento.

Toda postulação se sujeita a um duplo exame do magistrado: primeiro, verifica-se se será possível o exame do

conteúdo da postulação; após, e em caso de um juízo positivo no primeiro momento, examina-se a

procedência ou não daquilo que se postula. O primeiro exame "tem prioridade lógica, pois tal atividade

[análise do conteúdo da postulação] só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos

indispensáveis para tornar legítimo o seu exercício". No juízo de admissibilidade, verifica-se a existência dos

requisitos de admissibilidade.

Distingue-se do juízo de mérito, que é aquele "em que se apura a existência ou inexistência de fundamento

para o que se postula, tirando-se daí as consequências cabíveis, isto é, acolhendo-se ou rejeitando-se a

postulação. No primeiro, julga-se esta admissívelou inadmissível; no segundo,

procedente ou improcedente ", Por isso que se fala em admissibilidade do recurso, da petição inicial, da

denunciação da lide etc. O juízo de admissibilidade é sempre preliminar ao juízo de mérito: a solução do

primeiro determinará se o mérito será ou não examinado.

8.2. Generalidades sobre o juízo de admissibilidade

Em regra, reconhece-se ao órgão perante o qual se interpõe o recurso a competência para verificar-lhe a

admissibilidade; nega-se-lhe competência, ao contrário, para examinar-lhe o mérito. É importante frisar que,

ressalvado o caso do agravo de instrumento (CPC, arts. 524 a 527), os recursos são interpostos perante o

órgão que proferiu a decisão recorrida. Assim, o juízo a quo (aquele que proferiu a decisão recorrida) e o

juízo adquem (que julgará o recurso) têm competência para fazer o juízo de admissibilidade, com exceção do

agravo retido (CPC, art. 523), do agravo de instrumento contra decisão do juiz de primeira instância (CPC,

arts. 524 a 527) e do agravo contra denegação de recursos especial ou extraordinário (CPC, art. 544): nesses

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casos, o juízo de admissibilidadesomente é exercido pelo órgão adquem. A verificação feita pelo primeiro

órgão concerne apenas à existência dos requisitos no momento da interposição do recurso. Escapam a tal

controle as causas de inadmissibilidade supervenientes ao recebimento do recurso cujo exame fica reservado

ao órgão adquem.

O juízo de admissibilidade, entretanto, não será subtraído à apreciação do juízo adquem: sempre caberá

recurso da decisão do juízoa quo que não conhecer de um recursoperante ele interposto - para exemplificar,

arts. 522 e 544, ambos do CPC.

8.3. Objeto do juízo de admissibilidade

8.3.1. Consideração introdutória

O objeto do juízo de admissibilidade dos recursos é composto dos chamados requisitos de admissibilidade,

que se classificam em dois grupos: a) requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de

recorrer): cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de

recorrer65; b) requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercício do direito de recorrer): preparo,

tempestividade e regularidade formal.

8.3.2. Cabimento. Princípio da fungibilidade. Regras da singularidade e da taxatividade dos recursos

O cabimento desdobra-se em dois elementos: a previsão legal do recurso e sua adequação; previsto o recurso

em lei, cumpre verificar se ele é adequado a combater aquele tipo de decisão. Se for positiva a resposta,

revela-se, então, cabível o recurso.

8.3.2.1. Princípio da fungibilidade dos recursos

É aquele pelo qual se permite a conversão de um recurso em outro, no caso de equivoco da parte, desde que

não houvesse erro grosseiro ou não tenha precluído o prazo para a interposição. Trata-se de aplicação

específica do princípio da instrumentalidade das formas.

Atualmente, trazem os doutrinadores os seguintes pressupostos para a aplicação do princípio da fungibilidade:

a) "Dúvida objetiva ": que é necessário existir uma dúvida razoavelmente aceita, a partir de elementos

objetivos, como a equivocidade de texto da lei (sentença incidente do art. 325 do CPC; art. 17 da Lei de

Assistência Judiciária) ou as divergências doutrinárias (indeferimento liminar da reconvenção, p. ex.)

b) Inexistência de erro grosseiro: fala-se em erro grosseiro quando nada justificaria a troca de um recurso pelo

outro, pois não há qualquer controvérsia sobre o tema c) Observância do prazo: o recurso interposto há que

respeitar o prazo daquele que deveria ter sido, pois as situações de dúvida podem envolver recursos com

prazos diferentes (agravo de instrumento e apelação, por exemplo), quando, então, o respeito ao prazo seria

imposição que esvaziaria a utilidade do princípio.

8.3.2.2. Regra da unicidade, unirrecorribilidade ou singularidade

De acordo com essa regra, não é possível a utilização simultânea de dois recursos contra a mesma decisão;

para cada caso, há um recurso adequado e somente um. A interposição de mais de um recurso contra uma

decisão implica inadmissibilidade do recurso interposto por último. Trata-se de regra implícita no sistema

recursal brasileiro - no CPC/39, estava prevista no art. 809.73.

8.3.2.3. Regra da taxatividade

Consiste na exigência de que a enumeração dos recursos seja taxativamente prevista em lei. O rol legal dos

recursos é numerus clausus. Só há os recursos legalmente previstos. Lei, aqui, é termo que deve ser

compreendido em sentido amplo, como fonte formal do Direito.

Além das espécies recursais previstas no art. 496 do CPC, podem ser lembrados, ainda: a) o recurso

inominado nos Juizados Especiais; b) os embargos infringentes de alçada da Lei de Execução Fiscal; c) os

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agravos internos previstos para o incidente de suspensão de segurança (art. 15 da Lei n. 12.016/2009; Lei

Federal n. 8.347/92).

8.3.3. Legitimidade (art. 499, CPC)

A legitimidade para a interposição do recurso está prevista no art. 499 do CPC: "O recurso pode ser interposto

pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público".

Parte. Quando a lei menciona a "parte vencida" como legitimada a recorrer, quer referir-se não só a autor e

réu, haja ou não litisconsórcio, mas também ao terceiro interveniente, que, com a intervenção, se tornou

parte. O assistente, o denunciado, o chamado etc. recorrem na qualidade de parte, pois adquiriram essa

qualidade com a efetivação de uma das modalidades interventivas. No conceito de "parte vencida" também

deve ser incluído aquele sujeito processual que é parte apenas de alguns incidentes, como é o caso do juiz, na

exceção de suspeição, e o terceiro desobediente, no 14 do CPC. caso da aplicação da multa do parágrafo

único do art.

Terceiro prejudicado.77 Terceiro é aquele que, até então, não participa do processo. O recurso de terceiro é

uma modalidade de intervenção de terceiro; o terceiro, com o recurso, passa a fazer parte do processo.

Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação

jurídica submetida à apreciação judicial (§ 1°, art. 499, CPC). Só se admite o recurso de terceiro

juridicamente prejudicado78. O terceiro prejudicado há de ser titular ou da mesma relação jurídica discutida

ou de uma relação jurídica conexa com aquela deduzida em juízo. Pode-se dizer que todos aqueles que,

legitimados a intervir no processo, não o fizeram, salvo o caso da oposição, podem recorrer. O litisconsorte

necessário não-citado também poderá recorrer.

Ministério Público. Pode recorrer na qualidade de parte ou como custos legis. A legitimação recursal

como custos legis é concorrente com a das partes, mas é primária, ou seja, independe do comportamento

delas (a propósito, o enunciado n. 99 da súmula da jurisprudência predominante do STJ: "O Ministério Público

tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da

parte"), mesmo que se trate de demanda acidentaria (nesse sentido, o enunciado n. 226 da súmula do STJ: "O

Ministério Público tem legitimidade para recorrer na ação de acidente do trabalho, ainda que o segurado

esteja assistido por advogado").

8.3.4. Interesse

8.3.4.1. Generalidades

O exame do interesse recursal segue a metodologia do exame do interesse de agir (condição da ação). Para

que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade - o recorrente deve esperar, em tese, do

julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto

a decisão impugnada - e necessidade - que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcançar este objetivo.

Não se pode recorrer apenas para discutir o fundamento da decisão; é preciso discordar da conclusão a que

chegou o órgão jurisdicional. Não há utilidade na discussão sobre os fundamentos, sem alterar a conclusão,

pois a motivação não fica imutável pela coisa julgada material (art. 469 do CPC).

Um exemplo de recurso desnecessário é aquele interposto pelo réu, em ação monitoria, contra a decisão que

determina a expedição do mandado monitório. O recurso aqui é desnecessário, porquanto a simples

apresentação da defesa (embargos monitórios) já ésuficiente para impedir que a decisão monitoria produza

qualquer efeito executivo.

8.3.4.2. Interesse recursal e formação do precedente judicial

O direito brasileiro adota um sistema de valorização dos precedentes judiciais, muitos dos quais com eficácia

vinculativa, portanto é possível conceber a existência de interesse recursal limitado à discussão do

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precedente, que se encontra na fundamentação, independentemente da impugnação da norma jurídica

individualizada, que se encontra no dispositivo.

8.3.5. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer

É impeditivo do poder de recorrer o ato de que diretamente haja resultado a decisão desfavorável àquele que,

depois, pretenda impugná-la. Por exemplo: da sentença que homologa a desistência, não pode recorrer a

parte que desistiu. É o caso da preclusão lógica, que consiste na perda de um direito ou faculdade processual

por quem tenha realizado atividade incompatível com o respectivo exercício. Trata-se de regra que diz

respeito ao princípio da confiança, que orienta a lealdade processual (proibição doventre contra

factumproprium). A desistência, a renúncia ao direito sobre o que se funda a ação e o reconhecimento da

procedência do pedido são fatos impeditivos do direito de recorrer, salvo se o recorrente pretender discutir a

validade de tais atos, o que redundaria na rescisão da decisão judicial que os tenha por fundamento. São

extintivos do direito de recorrer a renúncia ao direito de recorrer e a aceitação, já examinados.

8.3.6. Tempestividade

O recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei. O termo inicial do prazo recursal é o da intimação

da decisão (art. 506, CPC). O prazo para a interposição do recurso é peremptório, insuscetível, por isso, de

dilação convencional.

A tempestividade do recurso é aferida pela data do protocolo. Em outras palavras, o que importa, para

verificar a tempestividade do recurso, é que ele tenha sido apresentado ao protocolo dentro do prazo

legalmente previsto. A devolução tardia dos autos é irrelevante para a aferição da tempestividade do recurso.

Interposto o recurso no prazo previsto em lei, ele é tempestivo. A circunstância de os autos ficarem retidos

com o advogado ou o fato de haver uma demora na sua devolução ao juízo ou tribunal não influi na

tempestividade do recurso.

STJ editou o enunciado n. 216 da súmula da sua jurisprudência predominante: "A tempestividade de recurso

interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da Secretaria e não pela data da

entrega na agência do correio".

8.3.7. Regularidade formal. A regra da dialeticidade dos recursos

Para que o recurso seja conhecido, é necessário, também, que preencha determinados requisitos formais que

a lei exige; que observe "a forma segundo a qual o recurso deve revestir-se". Assim, deve o recorrente, por

exemplo, sob pena de inadmissibilidade de seu recurso: a) apresentar as suas razões, impugnando

especificamente as razões da decisão recorrida;112 b) juntar as peças obrigatórias no agravo de instrumento;

c) juntar, em caso de recurso especial fundado na divergência jurisprudencial, a prova da divergência, bem

como transcrever trechos do acórdão recorrido e do aresto paradigma (art. 541, par. ún., CPC; art. 255, §2°,

RISTJ, respectivamente); d) afirmar, em tópico ou item preliminar do recurso extraordinário, a existência de

repercussão geral; e) formular pedido de nova decisão (error in judicando) ou de anulação da decisão

recorrida (error in procedendo); f) o agravo retido interposto contra decisão proferida em audiência deve ser

interposto oralmente (art. 523, §3°, CPC); g) à exceção do agravo retido, no exemplo mencionado, e dos

embargos de declaração em Juizados Especiais Cíveis (art. 49, Lei Federal n. 9.099/95), que podem ser

interpostos oralmente, os demais recursos deverão ser interpostos por petição escrita, sendo-lhes vedada a

interposição por simples cota nos autos, "tendo em vista até mesmo a impossibilidade da aferição da

tempestividade, pois a inexistência do registro de ingresso no protocolo do órgão judicial impede a contagem

do prazo recursal".

Page 8: Curso de direito processual civil

O recurso deve ser subscrito por advogado legalmente constituído. Mesmo no âmbito dos Juizados Especiais

Cíveis, em que se confere à própria parte a capacidade postulatória, o recurso há de ser subscrito por

advogado.

8.3.8. Preparo

O preparo consiste no adiantamento das despesas relativas ao processamento do recurso. À sanção para a

falta de preparo oportuno dá-se o nome de deserção. Trata-se de causa objetiva de inadmissibilidade, que

prescinde de qualquer indagação quanto à vontade do omisso. O preparo há de ser comprovado no momento

da interposição"6 (art. 511, CPC) - anexando-se à peça recursal a respectiva guia de recolhimento, se assim o

exigir a legislação pertinente, inclusive quanto ao pagamento do porte de remessa e de retomo. Em razão do

disposto no § 4° do art. 515 do CPC, não se deve mais reconhecer a imediata deserção. A ausência de preparo

constitui, a toda evidência, um vício sanável.

No sistema dos Juizados Especiais Cíveis, entretanto, é possível a efetivação do preparo do recurso contra a

sentença em até 48 horas após a sua interposição, conforme o art. 42, § 1°, da Lei Federal n° 9.099/95.

8.4. Natureza jurídica do juízo de admissibilidade

Tendo em vista a premissa aqui estabelecida, segundo a qual o juízo de admissibilidade é um juízo sobre a

validade do procedimento (neste caso, o recursal), adota-se o seguinte posicionamento sobre a natureza

jurídica do juízo de admissibilidade: a) se positivo, será um juízo declaratório da eficácia, decorrente da

constatação da validade do procedimento (aptidão para a prolação da decisão sobre o objeto posto sob

apreciação); b) se negativo, será um juízo constitutivo negativo, em que se aplica a sanção da

inadmissibilidade (invalidade) ao ato-complexo, que se apresenta defeituoso/viciado. Predomina o

entendimento de que o juízo de inadmissibilidade é declaratório negativo, com eficácia retroativa.

O juízo de inadmissibilidade é constitutivo negativo e tem eficácia ex nunc, ressalvada expressa previsão legal

que determine a eficácia ex tunc, que a princípio não se reputa conveniente, tendo em vista que os atos

processuais, e o procedimento em particular, produzem efeitos até que seja decretada a sua invalidade

(inadmissibilidade, no caso do procedimento recursal).

8.5. Juízo de mérito

8.5.1. Conceito de mérito do recurso

O mérito do recurso é a pretensão recursal, que pode ser a de invalidação, reforma, integração ou

esclarecimento (esses últimos exclusivos dos embargos de declaração). Compõe-se o mérito do recurso da

causa de pedir recursal e da respectiva pretensão.

Enquanto o mérito do recurso é, em regra, sujeito a uma única apreciação (órgão adquem), sua

admissibilidade submete-se, em geral, a um duplo controle (juízos a quo e adquem). Há casos, porém que o

recurso permite ao juízo a quo rever a decisão recorrida, como é o caso dos embargos de declaração, julgados

pelo próprio órgão a quo. O mérito do recurso pode não coincidir com o mérito da causa. É possível que uma

questão seja de admissibilidade da causa e, ao mesmo tempo, seja uma questão de mérito do recurso.

8.5.2. A causa de pedir recursal: o error in procedendo e o error in indicando

Como qualquer demanda, o recurso tem a sua causa de pedir. A causa de pedir recursal compõe-se do fato

jurídico apto a autorizar a reforma, a invalidação, a integração e o esclarecimento da decisão recorrida. Os

fatos aptos a gerar integração (omissão) e esclarecimento (obscuridade) serão examinados no capítulo

destinado aos embargos de declaração. Neste momento, cumpre concentrar-se nos fatos jurídicos capazes de

gerar a reforma (error in indicando) e a invalidação (error in procedendo) da decisão.

8.5.3. Cumulação de pedidos no recurso

Page 9: Curso de direito processual civil

O error in procedendo e o error in indicando podem ser alegados, simultaneamente, no recurso. O vício de

atividade deve vir alegado inicialmente, sendo seguido da demonstração do vício de juízo. É que, enquanto a

alegação do primeiro, uma vez acolhida pelo tribunal, gera a anulação da decisão, o acolhimento da alegação

do error in indicando ocasiona sua reforma. Daí haver, logicamente, essa ordem de alegações. Primeiro, alega-

se o erro de forma para, em seguida, ser demonstrado o vício de fundo. Enfim, há possibilidade de cumulação

dos mencionados "vícios" como "causas de pedir" recursais.

Se a decisão judicial contiver mais de um capítulo (decisão objetivamente complexa: uma decisão

formalmente única, mas substancialmente complexa, por conter mais de uma decisão), nada impede que, no

recurso, se alegue error in procedendo em relação a um capítulo (por exemplo: não houve motivação ou a

decisão foi extrapetitd) e error in indicando em relação a outro. Aplica-se aqui, amplamente, o regramento da

cumulação própria de pedidos, já visto no capítulo sobre petição inicial, no volume l deste curso.

Nada impede, também, que, em um mesmo recurso, impugne-se mais de uma decisão, desde que se

respeitem os requisitos de admissibilidade como o cabimento e a tempestividade.

8.5.4. Julgamento rescindente e julgamento substitutivo. O efeito substitutivo dos recursos

Julgamento rescindente é o que, acolhendo a alegação de error in procedendo, invalida a decisão recorrida,

determinando que se profira novo julgamento no juízo a quo. Há hipóteses, entretanto, que, acolhida alegação

de error in procedendo,não é necessária a devolução dos autos à primeira instância, pois a sanação da

invalidade pode dar-se no mesmo juízo adquem. É aplicação da regra do aproveitamento dos atos

processuais: não se deve anular todo o ato se apenas uma parte da decisão está nula e essa parte pode ser

consertada sem prejuízo das demais (art. 248,fine, do CPC)

Julgamento substitutivo é o que, acolhendo ou não error in judicando, ou não acolhendo error in

procedendo, opera a substituição da decisão recorrida pela decisão que julgou o recurso, exatamente porque

não podem "subsistir duas decisões com o mesmo objeto".

9. PRINCÍPIO DAPROIBIÇÃO DA.REFORMATIO IN PEJUS. VEDAÇÃO AO "BENEFÍCIO COMUM" DO RECURSO

Se um único dos litigantes parcialmente vencidos impugnar a decisão, a parte deste que lhe foi favorável

transitará normalmente em julgado, não sendo lícito ao órgão ad quem exercer sobre ela atividade cognitiva,

muito menos retirar, no todo ou em parte, a vantagem obtida com o pronunciamento de grau inferior

(proibição da reformado in pejus).

Ocorre a reformatio in pejus quando o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais

desfavorável ao recorrente, sob o ponto de vista prático, do que aquela contra a qual se interpôs o recurso.

Não se permite a reformatio in pejus em nosso sistema. Trata-se de princípio recursal não expressamente

previsto no ordenamento, mas aceito pela quase generalidade dos doutrinadores.

10. EFEITOS DOS RECURSOS154

10.1. Impedimento ao trânsito em julgado

A interposição do recurso impede o trânsito em julgado da decisão. O recurso prolonga a litispendência, agora

em nova instância. Apenas os recursos admissíveis produzem efeitos e, portanto, apenas o recurso que for

conhecido poderia impedir o trânsito em julgado; recurso não-conhecido não impede o trânsito em julgado; o

recurso inadmissível, pouco importa qual seja a causa da inadmissibilidade, não produz qualquer efeito.

Quando o recurso for conhecido, não há discussão: a data do trânsito em julgado é a data do trânsito em

julgado da última decisão. Quando o recurso não for conhecido, há três soluções:

Page 10: Curso de direito processual civil

a) o trânsito em julgado retroage à data da interposição do recurso ou à data em que se verificou o fato que

impediu o seu julgamento de mérito;

b) o trânsito em julgado retroage à data da expiração do prazo recursal (recurso intempestivo) ou à data da

interposição do recurso incabível; nos demais casos de inadmissibilidade, a data do trânsito em julgado é a

data do trânsito em julgado da última decisão;

c) a data do trânsito é a data do trânsito em julgado da última decisão, sempre.

A terceira corrente parece a concepção que está mais de acordo com o princípio da segurança jurídica,

conforme exposto no item sobre a natureza jurídica do juízo de admissibilidade. O STJ aderiu a esse

posicionamento.

10.2. Efeito suspensivo

O efeito suspensivo é aquele que provoca o impedimento da produção imediata dos efeitos da decisão que se

quer impugnar. O efeito suspensivo não decorre, pois, da interposição do recurso: resulta da mera

recorribilidade do ato. No direito brasileiro, ainda vige a regra de que os recursos, ordinariamente, são

dotados de efeito suspensivo. Assim, se o recurso não possuir este efeito, deverá constar expressamente do

texto legal (art. 497 do CPC).

10.3. Efeito devolutivo: extensão e profundidade (efeito translativo)

A interposição do recurso transfere ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. Podem variar,

de recurso para recurso, a extensão e a profundidade do efeito devolutivo. O efeito devolutivo é comum a

todos os recursos. É da essência do recurso provocar o reexame da decisão - e isso que caracteriza a

devolução.

O efeito devolutivo determina os limites horizontais do recurso; o efeito translativo, os verticais. O efeito

devolutivo delimita o que se pode decidir; o efeito translativo, o material com o qual o adquem trabalhará

para decidir a questão que lhe foi submetida. O efeito devolutivo (extensão) relaciona-se ao objeto litigioso do

recurso (a questão principal do recurso); o efeito translativo (profundidade do efeito devolutivo) relaciona-se

ao objeto de conhecimento do recurso, às questões que devem ser examinadas pelo órgão adquem como

fundamentos para a solução do objeto litigioso recursal.

O efeito devolutivo limita o efeito translativo, que é o seu aspecto vertical: o tribunal poderá apreciar todas as

questões que se relacionarem àquilo que foi impugnado - e somente àquilo.

10.4. Efeito regressivo ou efeito de retratação

Trata-se do efeito que autoriza o órgão jurisdicional a quo a rever a decisão recorrida, como ocorre, por

exemplo, no agravo de instrumento, na apelação contra sentença que indefere a petição inicial (CPC, art. 296)

e na apelação em causas propostas segundo os ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal

n. 8.069/1990, art. 198, VII). Alguns utilizam a denominação "efeito diferido". Não deixa de ser uma dimensão

do efeito devolutivo.

10.5. Efeito expansivo subjetivo (extensão subjetiva dos efeitos)

Em regra, a interposição do recurso produz efeitos apenas para o recorrente (principio da personalidade do

recurso). O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os

seus interesses (art. 509, CPC). A regra só se aplica ao litisconsórcio unitário, pois nos outros casos a

comunicação de efeitos do recurso aos co-litigantes omissos não se impõe, pela desnecessidade da

uniformidade da disciplina. O efeito expansivo subjetivo não é uma consequência natural do julgamento de

um recurso, mas uma regra própria do litisconsórcio unitário, aplicável no âmbito recursal.

Page 11: Curso de direito processual civil

11. O RECURSO ADESIVO

Recurso adesivo é o recurso contraposto ao da parte adversa, por aquela que se dispunha a não impugnar a

decisão, e só veio a impugná-la porque o fizera o outro litigante. Recurso independente é aquele interposto

autonomamente por qualquer das partes, sem qualquer relação com o comportamento do adversário.

Somente é possível cogitar de interposição adesiva em caso de sucumbência recíproca. O recurso adesivo não

é espécie de recurso. Trata-se de forma de interposição de recurso. O recurso pode ser interposto de

forma independente e de forma adesiva. O recurso adesivo é exatamente o mesmo recurso que poderia ter

sido interposto autonomamente, diferenciando-se apenas pela técnica de interposição.

A lei permite a interposição adesiva da apelação, dos embargos infringentes, do recurso especial e do recurso

extraordinário (art. 500, II, CPC). Também se admite recurso ordinário constitucional na forma adesiva,

quando fizer as vezes de recurso de apelação (art. 539, II, "b", CPC), apenas no caso de ações propostas por

Município ou pessoa residente no Brasil em face de Estado estrangeiro ou de organismo internacional (CF/88,

art. 109, II). No juizado especial: não admite no recurso inominado, mas admite-se no recurso extraordinário

O recurso adesivo visa evitar, portanto, a interposição precipitada do recurso pelo parcialmente vencido,

graças à certeza de que terá nova oportunidade de impugnar a decisão. Ambas as partes vêem-se

incentivadas a abster-se de impugnar a decisão, pois, recorrendo imediatamente, poderiam provocar a reaçao

de um adversário em princípio disposto a conservar-se inerte É um contra-estímulo ao recurso.