curso clÍnica psicanalÍtica 2012 - aula 2 - histeria e toc: possíveis confluências

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Clínica Psicanalítica: manejo e subjetivações na contemporaneidade Tema: Histeria e TOC: possíveis confluências Coordenação Alexandre Simões ALEXANDRE SIMÕES ® Todos os direitos de autor reservados .

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Page 1: CURSO CLÍNICA PSICANALÍTICA 2012 - Aula 2 - Histeria e TOC: possíveis confluências

Clínica Psicanalítica:manejo e subjetivações na

contemporaneidade

Tema:

Histeria e TOC: possíveis confluências

Coordenação Alexandre

Simões

ALEXANDRE SIMÕES

® Todos os direitos de

autor reservados.

Page 2: CURSO CLÍNICA PSICANALÍTICA 2012 - Aula 2 - Histeria e TOC: possíveis confluências

Em nosso encontro anterior, nos concentramos em um tema que nos aproximou das considerações sobre a histeria na atualidade:

A histeria na atualidade: novas trajetórias nos labirintos da falta?

Page 3: CURSO CLÍNICA PSICANALÍTICA 2012 - Aula 2 - Histeria e TOC: possíveis confluências

Partimos de algumas balizas conceituais para, na sequência, examinar um fragmento clínico.

Dentre as balizas indicadas, retorno

especialmente a duas:

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A histeria, sendo um modo do sujeito ser remetido à sua própria divisão, comporta uma

forma específica de gozo

Primeiro operador clínico:

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Segundo operador:

aquilo que pode se manifestar como uma privação de gozo apresenta-se como um gozo na privação.

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Um discurso distinto

instaura uma clínica igualmente distinta.

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Há aproximadamente quatro anos, uma jovem que se encontrava na transição da adolescência para os

primeiros anos da idade adulta, me procurou motivada por duas situações distintas e com um grande incômodo.

Inicialmente, havia a perda abrupta da mãe. Ainda não tinha completado um ano que a mãe - com quem a

paciente vivia - sofreu um AVC de grandes proporções e faleceu.

Fragmento Clínico:

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Para a jovem paciente, esta perda ainda não era muito bem compreendida e restava-lhe, na proximidade deste momento traumático, se reconhecer como uma pessoa

sem sorte, distinta de todas as outras jovens de seu círculo de relações. A paciente afirmava que não

conhecia ninguém, na pequena cidade onde morava, que tivesse passado por semelhante acontecimento.

Page 9: CURSO CLÍNICA PSICANALÍTICA 2012 - Aula 2 - Histeria e TOC: possíveis confluências

A perda da mãe e a certeza de que uma tragédia muito singular havia se abatido sobre a sua vida

faziam ecoar outras perdas já ocorridas, especialmente a incapacidade de seu pai ser, aos

seus olhos, um pai.

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Anos antes, o pai e a mãe da paciente viviam juntos, embora muito mal. Formavam uma família com três filhos, sendo a

paciente a filha caçula. As crises de ciúme do pai, associadas ao seu alcoolismo, tornavam a relação familiar difícil e

constantemente tensa, chegando a ocorrer algumas agressões físicas do pai em relação à mãe.

A paciente era muito nova nesta época, mas esta era a imagem que, posteriormente, lhe foi possível capturar de seu

pai: um pai decaído.

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Este pai, sem uma ocupação muito específica, ridicularizado e criticado pela família da mãe (composta por irmãos e irmãs muito unidos, com um grande grau de influência recíproca entre suas vidas), separou-se de sua

mãe. Foi a partir daí que cada um de seus dois irmãos acabou sendo criado mais de perto por uma das tias. A família, assim, se

“tentacularizou”, ainda que todos continuassem morando muito próximos uns dos outros.

A jovem foi a única que permaneceu morando junto de sua mãe. A partir do falecimento desta, a paciente, então, se

lamentava:

“perdi minha mãe, nunca tive uma família, nunca tive um pai. Todas as outras pessoas tem; eu sou a única que não...”

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Esta fala da paciente, tão repleta de um traço narcísico – na medida em que indica a sua captura por uma imagem que mesmo sendo negativizada é idealizada – e alienante, nos

conduz a perceber a presença da divisão do sujeito:

“a alienação reside na divisão do sujeito” (Lacan, Escritos, p. 855)

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A segunda situação de grande incômodo que também participou da chegada da paciente à análise foi, após a

morte da mãe, o surgimento de uma dupla sintomatologia:

a) a paciente percebia, no que se refere ao seu humor e sua própria relação com a vida, um grande contraste entre o antes e o após a perda da mãe: anteriormente, a jovem era uma líder na sua escola, uma pessoa cheia de iniciativa, participante de todas as ações, alguém que se destacava entre as amigas.

Agora, um retraimento havia se abatido sobre a paciente e ela já não mais era tão segura de si, mas, bem ao contrário, portava um questionamento sobre seu próprio valor, suas capacidades e habilidades. Uma espécie de perda de brilho, ao ver da paciente, se abateu sobre ela própria.

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Freud vai nos propor que a inibição é uma problemática

narcísica e, enquanto tal, funciona como uma defesa

para o paciente, comportando uma cota de

desconhecimento.

Ou seja, com a manutenção da inibição o paciente não

vem a saber sobre sua própria divisão.

Esta sintomatologia, na qual nós

podemos reconhecer claramente a

incidência de uma Inibição sobre a

paciente, era bastante discreta. A

outra sintomatologia, que virá a seguir, é que

será bem mais exuberante. Porém, parece-me que esta

marca da inibição não deve ser

desprovida de seu valor.

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b) gradativamente, um amplo quadro de sintomas, condutas, rituais e repetições foi se instalando -

identificados pela paciente e por suas tias como um TOC prêt-à-porter: transtorno obsessivo-compulsivo.

Esta sintomatologia era bastante severa quanto àquilo que exigia da paciente: sua energia, tempo e paciência iam se definhando diante dos rituais para se vestir, se levantar da cama ao acordar, tomar banho, arrumar seu quarto, sair de casa, escrever alguma coisa no caderno, se preparar para

dormir, etc.

Ao lado desta sintomatologia que atingia afazeres e ações havia também uma sintomatologia invasiva e com traços repetitivos que se

referia aos pensamentos. A paciente era instigada a pensar certos conteúdos e a elaborar alguns planos mentais.

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Estes dois aspectos (a inibição e a aparição do que a paciente nomeava como TOC) causavam grande

mal-estar e traziam o enigma:

“por que isto tudo acontece comigo?”

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De minha parte, considerei importante realizar na condução clínica do caso uma minuciosa trajetória pelos labirintos desta sintomatologia.

A paciente falava de seus sintomas como se fossem edemas; ela estava plena deles, a ponto de estourar. Busquei, portanto, uma espécie de

esvaziamento dos mesmos.

Nesta trilha, a paciente me narrava (sem nenhuma linearidade) as manifestações dos

sintomas, seus detalhes, incidências, momentos de agravamento e de abrandamento. Ela

insistentemente associava-os à morte da mãe, ainda que não conseguisse compreender muito

bem o nexo que aí podia se estabelecer.

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A paciente dizia que seu maior sonho era se ver livre de seus

sintomas, ainda que ela acreditasse que isto tudo nunca

fosse passar.

Em meio à estratégia de exaustão (falar e redizer o

sintoma), surgia um misto de lembrança e imagem de si que a paciente assim descreveu:

“sou uma criança que está em um lugar muito escuro e me

encontro agachada, com medo de me levantar.”

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A paciente, desde a morte da mãe, foi também morar com uma tia, tal como seus irmãos haviam feito bem anteriormente na ocasião da

separação entre seus pais.

Ela ainda tem contato com o pai que, segundo ela, faz o contrário de um pai: lhe procura para lhe pedir alguns trocados para beber.

Motivo este de grande irritação para a paciente.

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Como sinalizamos mais atrás:

Na histeria, aquilo que pode se manifestar como uma privação de gozo apresenta-se como um gozo na privação.

E não é incomum que na histeria este lugar (lugar do gozo e do gozo na privação) esteja mediatizado pela relação com uma outra Mulher.

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Por isso, em termos de condução clínica devemos nos valer de forma instrutiva daquilo que Freud não fez - como ele muito bem sinalizou no pós-

escrito ao caso Dora.Freud começou pela indagação acerca do objeto

e, assim, deixou de considerar a duplicidade subjetiva aí implicada.

Devemos sempre criar condições, na análise de um histérico, para a indagação crucial: antes de

perguntar o que ele deseja, cabe perguntar:

“quem deseja ?”

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Prosseguiremos nos próximos encontros com os temas:

02/04: Histeria e psicose: as fronteiras da dissociação16/04: Histeria e atuação: corpo e gozo

Até lá!

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ALEXANDRE SIMÕES

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