currículo em salto para o futuro - tv escola

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  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    Currculo:conhecimento e cultura

    ISSN 1982 - 0283

    Ano XIX N 1 Abril/2009

    Ministrio da

    Educao

    Secretaria

    de Educao a Distncia

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    SUMRIO

    CurrCulo: ConheCimento eCultura

    Aos professores e professoras ................................................................................... 3

    Rosa Helena Mendona

    Apresentao Currculo: conhecimento e cultura ................................................ 4

    Sobre a qualidade na educao bsica e a concepo de currculo

    Antonio Flvio Barbosa Moreira

    Texto 1 A construo do currculo ................................................................................. 10

    Seleo do conhecimento escolar

    Lucola Santos

    Texto 2 A organizao do currculo ........................................................................ 15

    Currculo: entre disciplinaridades, interdisciplinaridades e outras idias!

    Slvio Gallo

    Texto 3 Currculo: tempos e espaos ...................................................................... 27

    Texto A: A escola, o tempo e as crianas

    Maria das Mercs Ferreira Sampaio e Alda Junqueira Marin

    Texto B: Currculo e espao

    Alredo Veiga-Neto

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    3

    Em 2009, o Salto para o Futuro apresenta uma

    nova concepo. O compromisso manter a sua

    losoa e, ao mesmo tempo, utilizar as ormas

    de comunicao e de interatividade possibilita-

    das pelo permanente desenvolvimento tecnol-

    gico. A mudana de ormato no programa tele-

    visivo e no site, em tempos de convergncia de

    mdias, sugere que as previses de um uturo

    em que a tecnologia eetivamente aria parte do

    cotidiano das escolas e da prtica dos proesso-

    res j se tornaram uma realidade.

    E a publicao eletrnica (boletim) tambm mu-dou. Alm de uma diagramao mais leve, ela

    compreende uma apresentao, de autoria do

    consultor da srie, e trs textos que correspon-

    dem aos eixos temticos das edies dos progra-

    mas 1, 2 e 3 (Salto revista). Estes mesmos textos

    do subsdios ao programa 4, no qual so apre-

    sentados, por meio de entrevistas, novos olhares

    sobre os eixos propostos, e ao programa 5, que

    dedicado aos debates em torno dos temas veicu-

    lados ao longo da semana.

    Para esta srie inaugural, dentro desta nova

    concepo, revisitamos um tema que, por sua

    abrangncia e signicado, est sempre em pau-

    ta: as questes envolvendo a construo do

    currculo escolar. Assim, a srie Currculo: co-

    nhecimento e cultura uma retomada da srie

    apresentada em 2008. Anal, este assunto, que

    ocupa um lugar central na educao, permite

    sempre novos olhares.

    A srie Currculo: conhecimento e cultura prope

    uma refexo sobre o currculo escolar, tendo

    como pressuposto a diversidade da sociedade

    contempornea. Ao longo da srie, so pro-

    blematizadas questes que envolvem desde a

    construo e a organizao do currculo at sua

    vivncia nas escolas. Dierentes ormas de co-nhecimento, novas organizaes de espaos e

    tempos escolares e uma abordagem que integre

    as diversas disciplinas e reas do saber tambm

    so pontos em discusso.

    A srie Currculo: conhecimento e cultura con-

    ta com a consultoria instigante do proessor

    Antonio Flvio Barbosa Moreira, que tambm

    oi o consultor da srie Currculo: questes con-

    temporneas, exibida em 2008. Encaminhamos,

    para a leitura e debate nas telessalas, a publica-

    o eletrnica, que apresenta a proposta peda-

    ggica e trs textos, sendo um deles indito.

    Rosa Helena Mendona1

    CurrCulo: ConheCimentoeCultura

    Aos proessores e proessoras,

    1 Supervisora pedaggica do Programa Salto para o Futuro.

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    J se tem acentuado o quanto o currculo consti-

    tui, nos dias de hoje, tema de importncia crucial

    para proessores, gestores, pesquisadores, estu-dantes, pais e polticos. Nos sistemas educacio-

    nais e nas escolas, inmeros tm sido os esoros

    por elaborar propostas curriculares que venham

    a avorecer a construo de uma escola de qua-

    lidade no pas. Muitos desses esoros tm apre-

    sentado resultados bastante positivos e tm pro-

    piciado o sucesso dos alunos em suas trajetrias

    escolares, contribuindo para que se consolide a

    construo de qualidade na educao bsica.

    Talvez seja pertinente, nesse momento, esclare-

    cermos o que estamos entendendo por qualida-

    de em educao. Inicialmente, enatizamos que

    no nos satisazem vises restritas de qualidade

    que supervalorizem: bons resultados em examesnacionais; o domnio de conhecimentos, habili-

    dades e competncias que se estabeleam pre-

    viamente; o emprego de tecnologias avanadas; o

    oco na produtividade; a celebrao de novos m-

    todos de gesto e de novos procedimentos peda-

    ggicos. Ainda que tais elementos possam estar

    presentes na concepo de qualidade que adota-

    mos, consideramos que no ultrapassamos o n-

    vel instrumental quando a noo de qualidade se

    undamenta, prioritariamente, em pressupostostcnicos. Para ns, essa concepo no pode es-

    tar distanciada da discusso dos ns da educao,

    dos juzos de valor, do comprometimento com

    a justia social, bem como da considerao das

    aes e dos interesses dos sujeitos que participam

    do processo pedaggico (Moreira e Kramer, 2007).

    Deendemos uma educao de qualidade que

    torne o sujeito capaz de se mover de uma orma

    restrita de viver seu cotidiano, at uma participa-

    o ativa na transormao de seu ambiente. Esse

    processo acilitado por um processo educativo

    que propicie ao aluno: um bom desempenho no

    mundo imediato, a habilidade de criticar e trans-

    cender suas experincias culturais, a capacidadede autorrefexo, a compreenso da sociedade

    em que est inserido (e de seus problemas), bem

    como o domnio de processos de aquisio de no-

    vos saberes e conhecimentos.

    Relevncia, nesse enoque, corresponde ao poten-

    cial que certos saberes e certos procedimentos

    APRESENTAO

    CurrCulo: ConheCimentoeCultura

    SOBRE A QUALIDADE NA EDUCAO BSICA

    Antonio Flvio Barbosa Moreira1

    1 Proessor e Coordenador do Mestrado em Educao da Universidade Catlica de Petrpolis - UCP. Consultor da srie.

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    apresentam para capacitar as pessoas a reconhe-

    cer e a aceitar seus papis na mudana de seus

    ambientes e no crescimento da sociedade mais

    ampla. Relevncia sugere, ento, contedos e ati-vidades que contribuam para ormar pessoas au-

    tnomas, crticas e criativas, aptas a compreen-

    der como as coisas so, porque so assim e como

    podem ser modicadas por aes humanas. Em

    resumo, uma concepo renovada de qualidade

    incorpora a crena em uma escola reormulada

    e ampliada, assim como em uma ordem social

    mais justa e menos excludente (Avalos, 1992).

    No processo Currculo em movimento: o compro-

    misso com a qualidade da educao bsica, desen-

    volvido pela Diretoria de Concepes e Orienta-

    es Curriculares para a Educao Bsica (Brasil,

    Ministrio da Educao, 2008), deseja-se que a

    viso de qualidade em educao se materializeem uma escola que oerea aos seus estudantes a

    possibilidade de uma aprendizagem eetiva. Nesse

    sentido, uma educao de qualidade busca propi-

    ciar aos alunos o desenvolvimento de suas capaci-

    dades e potencialidades como sujeitos histricos

    e culturais, bem como garantir a apropriao de

    conhecimentos historicamente produzidos.

    O oco na aprendizagem de conhecimentos esco-

    lares, acentuado pelo MEC, associa-se viso de

    qualidade e relevncia por ns apresentada, na

    medida em que no se pode esperar que um estu-

    dante atue crtica e criativamente em processos

    de transormao social (tanto de seus ambientes

    mais prximos quanto da sociedade como umtodo), sem ter apreendido os conhecimentos ne-

    cessrios para se mover adequadamente nesses

    ambientes e para atingir nveis mais elevados de

    pensamento e de ao.

    A nase no conhecimento escolar justica-se, as-

    sim, por ser a escola um espao privilegiado de

    construo e de reconstruo dos conhecimentos

    historicamente produzidos. O que sugerimos no

    uma absoro passiva de tais conhecimentos,

    mas sim uma apreenso ativa que proporcione,

    aos estudantes, condies para melhor entender

    o mundo em que vivem e nele operar.

    Na escola, o currculo espao em que se concre-

    tiza o processo educativo pode ser visto como

    o instrumento central para a promoo da qua-

    lidade na educao. por meio do currculo que

    as aes pedaggicas se desdobram nas escolas

    e nas salas de aula. por meio do currculo quese busca alcanar as metas discutidas e denidas,

    coletivamente, para o trabalho pedaggico. O

    currculo corresponde, ento, ao verdadeirocora-

    o da escola. Da a necessidade de permanentes

    discusses sobre o currculo, que nos permitam

    avanar na compreenso do processo curricular

    e das relaes entre o conhecimento escolar, a

    sociedade, a cultura, a autoormao individual e

    o momento histrico em que estamos situados.

    Para melhor justicarmos a organizao desta

    srie, que se prope a oerecer momentos sig-

    nicativos de dilogos e debates sobre questes

    curriculares, pode ser til esclarecermos o que es-

    tamos entendendo pela palavra currculo.

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    A literatura especializada tem registrado, ao

    longo dos tempos, vrios signicados para a

    palavra currculo. Dominam, entre eles, os

    que associam currculo a contedos e os que

    vem currculo como experincias de apren-

    dizagem. Outras concepes apontam para

    a idia de currculo como: uma proposta ou

    um plano capaz de denir o que azer nas

    escolas, o conjunto de objetivos educacio-

    nais a serem alcanados e, ainda, o prprio

    processo de avaliao (j que os exames na-

    cionais tm tendido a ornecer signicativos

    subsdios para o processo de elaborao docurrculo). Essas dierentes vises, assim

    como as dierentes nases que nelas se

    encontram, expressam o que em um dado

    momento se considera ser educao e se

    imagina ser um cidado educado. Refetem,

    ainda, as infuncias tericas e ideolgicas

    que se revelem dominantes nesse momento

    histrico.

    Nossa opo admitir a importncia e a

    necessria articulao dos dierentes ele-

    mentos ressaltados em cada uma das con-

    cepes apresentadas. Ao mesmo tempo,

    consideramos o conhecimento como a

    matria-prima do currculo, o que nos leva

    a entender o currculo como o conjunto de

    experincias pedaggicas organizadas e oe-

    recidas aos alunos pela escola, experincias

    essas que se desdobram em torno do conhe-

    cimento.

    Na concepo que deendemos, h um oco

    signicativo no conhecimento escolar, indis-

    pensvel, a nosso ver, nos dias de hoje. H

    tambm uma evidente valorizao do pro-

    cesso em que o conhecimento ensinado e

    organizado pela instituio escolar, em meio

    s relaes que se desenvolvem entre os par-

    ticipantes do processo. H, por m, a valo-rizao da escola como o espao educativo

    por excelncia, perspectiva que desejamos

    privilegiar nesta srie. A despeito de saber-

    mos que outros espaos contribuem hoje,

    de modo intenso, para a educao de nos-

    so estudante, avorecendo-lhe a aquisio

    de saberes e valores e, ainda, contribuindo

    eetivamente para a construo de sua iden-

    tidade, nossa escolha oi ressaltar a centra-

    lidade da escola no processo educativo. Jul-

    gamos ser necessrio renov-la, ampli-la e

    apereio-la, bem como articul-la mais es-

    treitamente com distintos espaos, grupos e

    movimentos sociais. Pensamos, no entanto,

    ser indispensvel preserv-la e, sem ingenui-

    dade ou romantismos, deend-la como um

    SobreaConCepodeCurrCulo

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    espao de resistncia, de produo, de buscas,

    de crtica, de investigao, de dilogo. A escola

    pode, quem sabe, participar do anncio de no-

    vos tempos. No processo em que se volta paraa produo, para o movimento e para a mu-

    dana, a escola pode ajudar a ormar indiv-

    duos no conormistas e sim questionadores,

    que rejeitem alguns dos valores celebrados no

    mundo contemporneo, como o individualis-

    mo, a competitividade e o consumismo. Da,sua inegvel importncia hoje.

    textoSdaSrieCurrCulo: ConheCimentoeCultura2

    TEXTO 1 A CONSTRUO DO CURRCULO

    Durante muitas dcadas, buscou-se a causa

    do racasso ou do sucesso dos alunos em a-

    tores exteriores a escola, como a renda ou

    o nvel cultural da amlia dos estudantes.

    Depois dos anos 70, os estudos no campo do

    currculo passaram a questionar se os con-

    tedos curriculares e a orma como eram

    ministrados possibilitavam a aprendizagem

    dos alunos das camadas populares, que

    geralmente tinham um baixo rendimento

    escolar. Nesse contexto, os processos ree-

    rentes aos conhecimentos escolares passa-ram a ter grande importncia no campo do

    currculo. Mostrou-se undamental, ento,

    identicar e organizar os contedos que

    realmente possibilitem promover o suces-

    so dos estudantes na escola. Toda teoria

    de currculo reserva espao para discutir o

    conhecimento a ser ensinado e aprendido

    nas escolas. Ou seja, examina o processo

    de seleo do conhecimento escolar, tendo

    em vista a construo do currculo. Outros

    aspectos concernentes ao conhecimento,

    como os processos de sua organizao, de

    hierarquizao e de distribuio nas salas

    de aula, tm tambm representado alvos

    centrais das teorias crticas e ps-crticas de

    currculo. O primeiro programa examinar aconstruo do currculo e a importncia do

    conhecimento escolar no mundo contem-

    porneo, tendo em vista a diversidade cultu-

    ral presente na sociedade.

    2 Estes textos so complementares srie Currculo: conhecimento e cultura, com veiculao de 13 a 17 deabril de 2009 no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC).

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    Como percebemos o espao e o tempo e

    como azemos uso do espao e do tempo

    no so propriedades ou capacidades natu-

    rais e inatas para ns. Nossas percepes,

    disposies e representaes espaciais e

    temporais so construdas nas complexas

    relaes culturais que estabelecemos social-

    mente. Tais relaes so particularmente

    ricas e desaadoras no ambiente escolar;

    na escola que aprendemos e internalizamos

    boa parte daquilo que pensamos ser o espa-

    o e daquilo que somos capazes de azer no

    espao em que vivemos; o mesmo ocorre

    com o tempo. Considerando que o tempo

    de escola se passa na ase de crescimento e

    desenvolvimento das crianas, importante

    Nas escolas, em geral, costume trabalharno contexto das chamadas grades curricu-

    lares, compostas por disciplinas, cada uma

    delas representando uma rea do conheci-

    mento humano. Dessa orma, a realidade do

    ensino contemporneo a compartimenta-

    lizao do conhecimento, enmeno cons-

    tituinte de um todo maior, a especializao

    do saber. Quando assiste a uma determi-

    nada aula de uma das disciplinas que com-

    pem o currculo escolar, cada aluno abre

    a gavetinha de seu arquivo mental em

    que guarda os conhecimentos especcos

    daquela disciplina; ao nal da aula, echa

    essa gavetinha e abre aquela reerente

    matria a ser estudada na prxima aula, eassim por diante... E como cada uma das

    gavetinhas estanque, sem nenhuma re-

    lao com as demais, os alunos no conse-guem perceber que todos os conhecimentos

    vivenciados na escola so perspectivas di-

    erentes de uma mesma e nica realidade,

    parecendo cada um deles autnomo e au-

    tossuciente, quando na verdade s pode

    ser compreendido em sua totalidade como

    parte de um conjunto. Como podemos, na

    medida de nossas possibilidades sem dvi-

    da alguma sensivelmente limitadas pela bu-

    rocracia escolar , organizar o currculo de

    orma a superar esta compartimentalizao

    de que vtima nosso sistema educacional?

    Como, no contexto de uma grade curricular

    disciplinar, podemos promover prticas in-

    terdisciplinares? So temas em discusso nosegundo programa da srie.

    TEXTO 3 (A e B) CURRCULO: TEMPOS E ESPAOS

    TEXTO 2 A ORGANIZAO DO CURRCULO

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    GARCIA, R. L. & MOREIRA, A. F. B. Currculo

    na contemporaneidade: incertezas e desafos.So Paulo: Cortez, 2003.

    MOREIRA, A. F. B. (org.). Currculo: polticas e

    prticas. Campinas: Papirus, 2006.

    MOREIRA, A. F. & CANDAU, V. M. (orgs.).

    Multiculturalismo: dierenas culturais e pr-ticas pedaggicas. Petrpolis: Vozes, 2008.

    SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma

    introduo s teorias do currculo. Belo Hori-

    zonte: Autntica, 1999.

    que a escola estimule esse processo. Insistin-

    do na relao escola-vida, o tempo na escola

    deve ser um tempo de convvio, um tempo

    de aprendizagem e um tempo de disciplina,para a realizao de tareas. Na escola, o

    currculo que mais intensa e continuamente

    espacializa e temporaliza as aes humanas.

    Neste terceiro programa, discutiremos mo-

    dos, limites e possibilidades com que espao

    e tempo podem/devem ser tratados nas es-colas.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AVALOS, B. Education or the poor: quality orrelevance? British Journal o Sociology o Edu-

    cation, v. 13, n. 4, p. 419-436, 1992.

    BRASIL. Ministrio da Educao. Secretaria

    da Educao Bsica. Diretoria de Concep-

    es e Orientaes Curriculares para Educa-

    o Bsica. Currculo em movimento: o com-

    promisso com a qualidade da educao bsica.

    Braslia: mimeo, 2008.

    MOREIRA, A. F. B & KRAMER, S. Contempo-raneidade, educao e tecnologia. Educao

    & Sociedade, v. 28, n. 100, p. 1037-1057, 2007.

    SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma

    introduo s teorias do currculo. Belo Hori-

    zonte: Autntica, 1999.

    BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    10

    Ningum tem dvida de que as crianas e os

    adolescentes vo escola para aprender. As-

    sim, a importncia dos contedos curricula-

    res parece bvia, mas existe muita discusso

    e muita divergncia em torno da seleo dos

    contedos curricu-

    lares. So algumas

    dessas discordn-

    cias que buscare-

    mos aqui ocalizar.

    Durante muito

    tempo, o racasso

    escolar oi atribu-

    do s diculdades

    que as crianas

    das camadas po-

    pulares tinham em aprender o que a esco-

    la ensinava. Discutia-se que essas crianas,

    vindas de meio social desavorecido, no

    tinham desenvolvido uma linguagem, h-

    bitos e habilidades capazes de garantir a

    aprendizagem dos contedos escolares. No

    entanto, no nal dos anos 60, um grupo de

    acadmicos ingleses que trabalhava no cam-

    po da Sociologia da Educao decidiu voltar

    seus estudos e pesquisas para a questo do

    conhecimento escolar. Se a escola trabalha

    com a socializao do conhecimento, esse

    se tornava, para eles, a questo-chave para

    suas refexes e trabalhos.

    Diante do racas-

    so escolar das

    crianas, esses

    intelectuais se

    perguntaram: segrande contingen-

    te de crianas no

    aprende o que es-

    tamos lhe ensinan-

    do, no ser por

    que estamos lhe

    ensinando as coisas erradas? Nesse mo-

    mento, ao invs de se atribuir s amlias

    e s crianas a culpa pelo racasso escolar,

    buscaram-se na prpria escola as razes

    para o insucesso das crianas provenientes

    de lares menos avorecidos econmica e

    socialmente.

    Esse grupo de intelectuais ingleses lanou

    TEXTO 1

    A CONSTRUO DO CURRCULO

    SeleodoConheCimentoeSColarLucola Santos1

    (...) os proessores

    comprometidos com a

    educao de seus alunos no

    podem deixar de se interrogarsobre a importncia e

    relevncia daquilo que esto

    ensinando.

    1 Pedagoga. Proessora da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG.

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    11

    diversas questes que passaram, desde en-

    to, a inquietar a comunidade acadmica,

    tais como: Quais so os critrios, os princ-

    pios a partir dos quais se decide o que es-colar e o que no ? Que interesses presidem

    a seleo dos contedos curriculares? Quais

    so os conhecimentos que, realmente, vale

    a pena ensinar s crianas?

    A partir desse momento, os proessores com-

    prometidos com a educao de seus alunos

    no podem deixar de se interrogar sobre a

    importncia e relevncia daquilo que esto

    ensinando.

    A discusso sobre os contedos curriculares

    ganhou destaque nos anos 70. Intelectu-

    ais americanos, ingleses e de outros pases

    comearam a mostrar como os contedoscurriculares eram perpassados por interes-

    ses das elites, uma vez que o ponto de vista

    desse grupo social, ou seja, sua ideologia,

    que dominava os currculos. Exemplo disso

    estava no ato de que a orma de alar desse

    grupo, denominada de verso autorizada da

    lngua, era a nica aceita na escola. Outro

    exemplo poderia ser dado, considerando a

    disciplina Histria, uma vez que essa disci-

    plina se restringia a azer um relato dos atos

    histricos, de acordo com a verso ocial,

    narrada com base nos interesses da classe

    dominante. A histria escolar silenciava a

    respeito das lutas das camadas populares

    ou no lhes atribua a importncia que me-reciam. Foi nesse contexto que muitas pes-

    quisas e estudos demonstraram a ideologia

    presente nos livros didticos e nas aulas dos

    proessores.

    Em vista disso, os proessores no podem

    deixar de questionar se em suas aulas no

    esto desvalorizando a cultura das camadas

    populares. Ou seja, se no esto, implci-

    ta ou explicitamente, tratando de maneira

    preconceituosa alguns de seus alunos por

    pertencerem a grupos de menor prestgio

    social.

    Na atualidade, mesmo os que se colocam

    ao lado dos interesses das camadas popula-

    res, em avor de uma pedagogia crtica, tm

    pontos de vista dierentes sobre o que deva

    ser ensinado nas escolas. De um lado, esto

    aqueles que deendem a posio de que a es-cola deve propiciar s crianas e aos adoles-

    centes das camadas populares o acesso ao

    conhecimento cientco, s obras literrias,

    enm produo cultural de maior prest-

    gio social, ou seja, chamada verso autori-

    zada da cultura ou, ainda, ao conhecimento

    historicamente acumulado e validado aca-

    dmica e socialmente.

    De acordo com essa perspectiva, esses co-

    nhecimentos so considerados instrumen-

    tos indispensveis na luta poltica desse

    segmento social, bem como elementos in-

    dispensveis para a participao eetiva na

    vida em sociedade Os que deendem essaposio argumentam que a escola o nico

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    12

    espao que permite s crianas das camadas

    populares o acesso ao conhecimento siste-

    matizado. Essa posio chamada de uni-

    versalista e os educadores que a deendemarmam que existem saberes, conhecimen-

    tos e valores que so universais e transcul-

    turais, por azerem parte do patrimnio cul-

    tural da humanidade.

    De outro lado, es-

    to aqueles que

    reutam a idia de

    que existam co-

    nhecimentos uni-

    versais, uma vez

    que se designam

    como tais os co-

    nhecimentos que

    azem parte da cul-tura de um grupo

    especco. Nesse

    sentido, o currculo escolar deve expressar a

    diversidade cultural existente em nossa so-

    ciedade, organizando-se com base nas ml-

    tiplas experincias presentes nas dierentes

    culturas, de tal modo que os alunos possam

    se reconhecer e valorizar a cultura do grupo

    social a que pertencem e tambm entender

    e respeitar a cultura do outro. No Brasil, es-

    sas duas posies oram representadas pela

    Pedagogia crtico-social dos contedos, de

    carter universalista, e pela pedagogia de

    Paulo Freire, de carter no universalista.

    Nesse contexto, importante lembrar que

    o ato de um currculo ser universalista, ou

    no ser universalista, no o torna, em si

    mesmo, algo a ser combatido ou valoriza-do. Existem problemas que os dois tipos de

    currculo podem engendrar. Segundo Grig-

    non (1992) 2, muitas vezes, em nome da pos-

    sibilidade de ascenso e mobilidade social,

    assim como pela

    possibilidade de

    luta pelos direitos

    sociais, o que seria

    conquistado com

    o acesso cultura

    autorizada, a esco-

    la termina excluin-

    do alunos das ca-

    madas populares,

    por desconheceros universos (ma-

    terial e simblico)

    vivenciados por essas crianas e adolescen-

    tes. Nesse mesmo sentido, esse autor critica

    algumas ormas que assumem os currculos

    centrados nas culturas dos alunos, quando

    propem para as camadas populares uma

    educao escolar centrada no ldico, na es-

    pontaneidade e na criatividade popular, ter-

    minando por reservar apenas para as elites

    uma educao que trabalha com abstraes

    e capacidade de raciocnio.

    Com base nessas posies, cabe ao proessor

    (...) importante lembrarque o ato de um currculo

    ser universalista, ou no ser

    universalista, no o torna,

    em si mesmo, algo a ser

    combatido ou valorizado.

    2 Grignon, C. A escola e as culturas populares: pedagogias legitimistas e pedagogias relativistas.Teoria eEducao, 5:50-54, 1992.

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    refetir sobre o que est ensinando e suas

    contribuies para que os alunos adquiram

    dierentes ormas de raciocnio, bem como

    construam o pensamento abstrato.

    Pode-se dizer que, na atualidade, as pedago-

    gias chamadas de novas, alternativas ou cr-

    ticas rejeitam um

    currculo centrado

    apenas em habili-

    dades cognitivas.

    Deendem a idia

    de que o currculo

    escolar deve incluir

    outros contedos

    como: as artes, a

    cultura corporal,

    as novas reas dos

    conhecimentos esaberes prticos.

    Insistem em que o

    currculo busque a integrao de contedos

    de dierentes campos, rompendo com a orga-

    nizao disciplinar. Enatizam, ainda, a impor-

    tncia de o currculo estar centrado em pro-

    blemas da vida cotidiana, buscando ormas

    de trabalho que permitam ao aluno construir

    conhecimento, bem como dierentes habilida-

    des intelectuais, ormas de conduta e valores.

    Para isso, importante considerar o desen-

    volvimento e os interesses dos estudantes. Os

    alunos, dependendo das suas aixas etrias,

    vo apresentar certas predisposies e poten-

    cialidades no que diz respeito ao desenvolvi-mento cognitivo, aetivo e motor.

    Partindo dessa concepo de currculo, o

    proessor deve se perguntar se no currcu-

    lo com o qual trabalha h espao para die-

    rentes ormas de maniestaes culturais e,tambm, se permite a integrao dos conhe-

    cimentos escolares, possibilitando ao aluno

    uma compreenso mais abrangente dos

    contedos com os

    quais trabalha. Ou,

    ainda, se os conte-

    dos selecionados

    so adequados ao

    ciclo de desenvol-

    vimento e aos inte-

    resses dos alunos

    com os quais tra-

    balha.

    Em sntese, pode-se dizer que a sele-

    o dos contedos

    curriculares, apesar das controvrsias, inclui

    algumas idias comuns. A primeira delas

    que os contedos selecionados devem ser

    relevantes socialmente e, ao mesmo tempo,

    devem atender ao nvel de desenvolvimento

    e aos interesses das crianas e adolescentes.

    Em segundo lugar, esses contedos devem

    envolver questes da vida cotidiana, permi-

    tindo ao aluno construir conhecimentos e

    habilidades de vrias ordens, assim como

    ormas de conduta e valores adequados

    vida em uma sociedade democrtica. Em

    terceiro lugar, os contedos curricularesdevem permitir que os alunos desenvolvam

    (...) undamental que o

    currculo trabalhe com

    habilidades que vo alm do

    desenvolvimento cognitivo e

    envolvam dierentes campos

    da cultura, garantindo a

    presena de produes

    culturais dos mais dierentes

    grupos sociais e culturais

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    sua capacidade de argumentao, de ques-

    tionamento, de crtica e sua capacidade de

    ormular propostas de soluo para proble-

    mas detectados. Finalmente, undamentalque o currculo trabalhe com habilidades

    que vo alm do desenvolvimento cogni-

    tivo e envolvam dierentes campos da cul-

    tura, garantindo a presena de produes

    culturais dos mais dierentes grupos sociais

    e culturais, de tal modo que os estudantes

    sejam capazes de lidar com a dierena, va-

    lorizando e respeitando a cultura do outro,

    condio necessria para a vida em uma so-

    ciedade realmente democrtica.

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    Estamos acostumados, nas escolas, a traba-

    lhar no contexto das chamadas grades cur-

    riculares. Em geral, elas so compostas por

    disciplinas, cada uma delas representando

    uma rea do conhecimento humano. Acostu-

    mamo-nos com esta realidade, pensamos que

    seja natural que acontea assim e, raramen-te, nos perguntamos qual a razo disto.

    Quando olhamos para a histria, porm,

    vemos que esta tendncia antiga. Ainda

    durante a antiguidade grega e romana ve-

    remos dierentes exemplos de conjuntos

    de saberes que eram chamados a compor

    o conjunto de artes e cincias a serem

    aprendidas. As dierentes reas podemos

    dizer disciplinas soreram uma srie de al-

    teraes, culminando na organizao dupla

    eita por Marciano Capella (410-439) sob o

    nome de trivium (gramtica, retrica e lo-

    soa) e quadrivium (aritmtica, geometria,

    astronomia e msica), que dominaria todo

    o perodo medieval, articulada com os estu-

    dos da , e seria a base mesma da educao

    da modernidade.

    Subjacente a esta concepo de educao e

    de currculo, estava a noo de que o mun-

    do, a realidade, constitui uma totalidade

    que no pode ser abarcada completamente

    pelo esprito humano. Portanto, necess-

    rio dividir os saberes em reas, em aspectos

    distintos, que devem ser estudados, apren-

    didos e articulados, numa viso enciclopdi-

    ca (os gregos alavam em enkyklios paidia,

    uma ormao geral e completa; a palavra

    1 Para a construo deste texto, utilizei trechos de artigos e captulos de livros que escrevi sobre este tema,desde 1994 at o incio desta dcada

    2 Proessor da Faculdade de Educao da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pesquisador doCNPq. Coordenador do DiS Grupo de Estudos e Pesquisas Dierenas e Subjetividades em Educao FE-Unicamp.

    TEXTO 2

    A ORGANIZAO DO CURRCULOCURRCULO: ENTRE DISCIPLINARIDADES, INTERDISCIPLINARIDADES E

    OUTRAS IDIAS! 1

    Slvio Gallo 2

    1. ABRINDO A QUESTO...

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    enciclopdia deriva da noo de crculo

    kyklios , smbolo da totalidade e da comple-

    tude para eles). Assim, podemos dizer que

    o processo educativo implica a perda da to-talidade da ignorncia para, atravs da an-

    lise (que, por sua vez, signica a diviso em

    partes), possibilitar o conhecimento e, nal-

    mente, recuperar a totalidade, agora como

    sabedoria. Eu diria que esse o undamento

    primeiro de uma losoa do currculo dis-

    ciplinar.

    Na modernidade, com o advento do mto-

    do cientco, assistimos a uma prolierao

    cada vez maior e mais rpida das disciplinas,

    que num movimento intenso de especiali-

    zao, vo se subdividindo e criando novas

    reas. O lsoo, gemetra e matemtico

    Ren Descartes, visto por muitos como umaespcie de pai da modernidade, criou uma

    imagem interessante para o conjunto dos

    conhecimentos: a rvore dos saberes. Nes-

    sa imagem, as razes da rvore representa-

    riam o mito, como conhecimento origin-

    rio; o tronco representaria a losoa, que

    d consistncia e sustentao para o todo;

    os galhos, por sua vez, representariam as

    dierentes disciplinas cientcas, que por

    sua vez se subdividem em inmeros ramos.

    Interessante notar que a imagem da rvore,

    por mais que d vazo ao recorte, diviso

    e s subdivises, remete sempre de volta

    totalidade, pois h uma nica rvore, e para

    alm do conhecimento das partes, podemoschegar ao conhecimento do todo, isto , to-

    mando distncia podemos ver a rvore em

    sua inteireza.

    quase impossvel no transportar imedia-tamente a imagem da rvore para o curr-

    culo disciplinar. Tambm a, nesse currculo

    que marcou a escola como instituio mo-

    derna, podemos ver, subjacente, a imagem

    da rvore. E, atravs da rvore, o anseio

    totalidade, por mais que se tenha investido

    na ragmentao dos saberes, na comparti-

    mentalizao das disciplinas na composio

    dos currculos.

    No movimento essencialmente moderno de

    disciplinarizao, de paulatina e crescen-

    te especializao dos saberes, assistimos

    perda da totalidade (como ignorncia) para

    possibilitar o conhecimento; nesse proces-so, vo-se criando as dierentes cincias e

    prolieram os novos saberes. Nas escolas,

    o processo reproduzido na dimenso do

    ensino-aprendizagem, e os currculos mais e

    mais se especializam, subdividindo-se cada

    vez mais. No entanto, quanto mais nos en-

    ronhamos pelos galhos da rvore, mais di-

    cil ca vislumbrar a rvore em sua comple-

    tude; s vezes, chega-se mesmo a se perder

    a dimenso da unidade, de que a rvore

    uma s e que aquele ramo daquele galho

    parte deste todo.

    curioso que, num determinado momento,

    dado todo o avano cientco e tecnolgico,certos problemas j no podem ser resolvi-

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    Por conta disto, nas ltimas dcadas, a

    questo da interdisciplinaridade tem estado

    muito em moda nos debates educacionais; e

    como toda coisa importante que, de repente,

    vira modismo, esvazia-se de sentido. Muita

    gente tem usado esse conceito como uma

    espcie de trava-lnguas, uma palavra da

    qual no se az a menor idia do signicado,

    mas que inseridano discurso para

    dar um certo ar de

    intelectualidade,

    de modernidade. E

    uma questo de ex-

    trema importncia

    vira brincadeira de

    criana...

    Vamos, ento, em busca de seu sentido, que

    me parece transparente: a interdisciplinari-

    dade a conscincia da necessidade de um

    inter-relacionamento explcito e direto entre

    as disciplinas todas. Em outras palavras, a

    interdisciplinaridade a tentativa de supe-

    rao de um processo histrico de abstrao

    do conhecimento que culmina com a total

    desarticulao do saber que nossos estudan-

    tes (e tambm ns, proessores) tm o des-

    prazer de experimentar.

    A realidade do ensino contemporneo a

    compartimentalizao do conhecimento,

    enmeno constituinte de um todo maior,

    a especializaodo saber. Nas so-

    ciedades antigas,

    a produo do co-

    nhecimento azia-

    se em resposta s

    necessidades de

    explicao de uma

    realidade misterio-

    sa que era experimentada no dia-a-dia, es-

    pantando os nossos ancestrais e levando-os

    a ormular questes undamentais em tor-

    no do sentido da vida e do universo. As res-

    postas ento construdas estavam inseridas

    naquele contexto social e eram necessaria-

    mente globalizantes: misturavam religiosi-

    dade, engenhosidade e praticidade. Deste

    dos pela especializao cientca. Na educa-

    o, por sua vez, os proessores comearam

    a espantar-se rente ao ato de que os estu-

    dantes, aps aprender disciplinarmente, ra-

    ramente conseguiam azer a operao lgica

    para recuperar a totalidade, articulando os

    saberes que aprenderam de orma isolada.

    2. A EMERGNCIA DA INTERDISCIPLINARIDADE

    (...) a interdisciplinaridade

    a conscincia da necessidade

    de um inter-relacionamento

    explcito e direto entre as

    disciplinas todas.

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    modo, os primeiros conhecimentos sobre

    o mundo construdos pelo homem no es-

    tavam dissociados, mas todos brotavam de

    um ponto comum e procuravam explic-lo;ao surgir a Astronomia, a observao siste-

    mtica dos astros no cu, aparecia a neces-

    sidade de medir seus movimentos, metri-

    c-los, dando maior impulso Matemtica

    e Geometria; a explicao dos movimentos

    que ocorriam na Terra e no Universo levava

    Fsica e a mais avanos na Matemtica, e

    assim sucessivamente.

    Com o crescente acmulo do saber, entre-

    tanto, oi ocorrendo uma especializao

    cada vez mais radical: um sico, por exem-

    plo, cada vez menos um matemtico, no

    sentido de que no mais estuda a Matem-

    tica em si mesma, mas apenas se utiliza dosprocessos matemticos j existentes para

    poder equacionar as questes tericas com

    que trabalha na Fsica. E o mesmo ocorre

    com as demais cincias, pois quanto mais

    conhecimentos so acumulados sobre uma

    determinada aceta do saber, mais dicil ca

    para que cada indivduo domine a totalidade

    do conhecimento global sobre a realidade.

    Uma ilustrao bastante prtica desta bru-

    tal especializao do saber podemos encon-

    trar na medicina. Antigamente, era muito

    comum a gura do clnico geral, um m-

    dico que procurava entender as doenas do

    paciente como um processo somtico global,envolvendo ento todo o organismo e mais

    as ansiedades e contradies psicossociais

    do indivduo. Com o crescimento dos conhe-

    cimentos mdicos acerca do corpo humano,

    esta postura mdica oi cada vez mais relega-da a um segundo plano, enquanto cava cada

    vez mais importante a gura do especia-

    lista, um prossional que conhece a undo

    um dos aspectos ou sistemas de nosso corpo.

    Desta maneira, hoje comum que consulte-

    mos um cardiologista que se esorar para

    descobrir possveis alhas e/ou disunes em

    nosso corao ou sistema circulatrio, sem

    na maioria das vezes dar-se conta de que este

    sistema, tomado isoladamente, perde todo

    seu sentido, pois parte de um organismo

    muito mais abrangente...

    evidente que a perspectiva da especializa-

    o nos trouxe inmeros benecios, promo-vendo imensos avanos no conhecimento,

    mas preciso que no percamos de vista

    a necessidade de compreender sempre es-

    sas especializaes como parte de um todo

    complexo e inter-relacionado, sob pena de

    desvirtuarmos o prprio conhecimento ad-

    quirido ou construdo.

    Mas o que tudo isso tem a ver com a edu-

    cao? Acontece que o processo que ocorre

    com a medicina emblemtico, anlogo

    quele que aconteceu historicamente com

    o conhecimento humano sobre o universo,

    na aventura do saber que o lsoo Augus-

    te Comte, no sculo XIX, descreveu como aevoluo do pensamento mitolgico, teol-

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    gico e losco para o pensamento cient-

    co. Mesmo discordando da cega na po-

    sitividade da cincia, inegvel o progresso

    da cincia e da tcnica ao longo da histriada humanidade. medida em que aumen-

    ta a quantidade de conhecimento, ca mais

    dicil se perceber a relao entre as vrias

    reas e as vrias perspectivas, processo este

    que acaba por culminar na abstrao que vi-

    vemos hoje: o total alheamento, a completa

    dissociao entre os vrios conhecimentos.

    Quando assiste a uma aula de Histria, cada

    aluno abre a gavetinha de seu arquivo

    mental em que guarda os conhecimentos

    histricos; ao nal da aula, echa essa ga-

    vetinha e abre aquela reerente matria

    a ser estudada na prxima aula, e assim por

    diante... E como cada uma das gavetinhas estanque, sem nenhuma relao com as

    demais, os alunos no conseguem perceber

    que todos os conhecimentos vivenciados

    na escola so perspectivas dierentes de

    uma mesma e nica realidade, parecendo

    cada um deles autnomo e autossuciente,

    quando na verdade s pode ser compreen-

    dido em sua totalidade como parte de um

    conjunto, pea mpar de um imenso puzzle

    que pacientemente montamos ao longo dos

    sculos e dos milnios.

    Vale ressaltar que essa compartimentaliza-

    o sustentada e intensicada pelo apare-

    lho burocrtico da escola do qual ns, pro-essores, somos is instrumentos, atravs

    de nossos programas, livros-texto, dirios

    de classe etc. Deste modo, que relao pode

    haver entre uma aula de Histria e uma de

    Geograa ou uma aula de Cincias?

    O que devemos inerir dessa breve anlise

    do processo histrico de construo do sa-

    ber que a responsabilidade pelo desvio da

    especializao que acaba por se ver refe-

    tido na estrutura de nossa educao no

    pode ser imputada aos proessores nem,

    muito menos, aos alunos. Por outro lado,

    os proessores podem ter uma participao

    extremamente importante no processo de

    romper com essa tradio alienante e supe-

    rar a contradio histrica entre o saber e a

    realidade.

    Como podemos azer isso? Quebrando, namedida de nossas possibilidades sem dvi-

    da alguma sensivelmente limitadas pela bu-

    rocracia escolar , a compartimentalizao

    de que vtima nosso sistema educacional.

    O objetivo deste texto no o de or-

    necer receitas de como se deve ou de

    como se pode trabalhar de orma inter-

    disciplinar, nem muito menos desenvol-

    ver uma anlise de especialista sobre o

    assunto, mas convidar os colegas rele-

    xo e ao debate, rompendo antes de tudo

    as nossas prprias amarras, aquelas que

    nos ancoram nos portos seguros de nos-

    sas especialidades, alheios aos monstrose s tormentas que povoam os mares

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    desconhecidos das demais reas de co-

    nhecimento.

    Sem dvida alguma, bastante dicil paraqualquer proessor trabalhar na perspectiva

    de uma interdisciplinaridade, dado que o-

    mos, ns prprios, ormados de orma com-

    partimentalizada

    e de certo modo

    treinados para

    trabalhar desta

    maneira, reprodu-

    zindo nos alunos

    as estruturas dos

    arquivos mentais

    estanques. Entre-

    tanto, como j vi-

    mos, esse ensino

    compartimenta-lizado leva a uma

    abstrao do real,

    pois o mundo or-

    ma um todo com-

    plexo e multiacetado, uma pluralidade de

    inter-relacionamentos. Devemos lembrar

    que o aluno, na sutil inocncia de sua vir-

    gindade acadmica, apreende o mundo en-

    quanto essa pluralidade, compreendendo-a

    ou no; ca, assim, bastante complicado

    para ele assimilar as compartimentalizaes

    que lhe oerecemos na escola. Uma das pri-

    meiras barreiras na educao das crianas

    e certamente uma das mais diceis de ser

    transposta essa percepo intuitiva emuitas vezes inconsciente da multiplicidade

    do real, que ele precisa abstrair para assimi-

    lar a compartimentalizao de saberes que

    lhe imposta por ns, proessores.

    Se, no lugar de partirmos de racionalizaes

    abstratas de um saber previamente produ-

    zido, comearmos o processo educacional

    na realidade que

    o aluno vivencia

    em seu cotidiano,

    poderemos chegar

    a uma educao

    muito mais inte-

    grada, sem disso-

    ciaes abstratas;

    aparte a nova lo-

    soa de educao

    que implica essa

    postura e mesmo anova viso de mun-

    do que ela suscita,

    tambm experi-

    mentaramos, com

    essa postura pedaggica, uma sensvel me-

    lhoria no aproveitamento e rendimento dos

    alunos, pois aquela barreira intuitiva no

    mais precisaria ser ultrapassada.

    Sei que estamos, ns proessores, em larga

    medida com ps e mos atados pela buro-

    cracia escolar. O que podemos azer pou-

    co, mas a pequena ao transormadora no

    espao em que somos autnomos pode ter

    uma repercusso e um resultado maior doque o que imaginamos; sem dvida, no m-

    (...) determinadas

    disciplinas so erramentas

    instrumentais que auxiliamna compreenso dos

    conhecimentos, enquanto

    outras compem a

    cosmologia contempornea

    e outras ainda procuram

    explicitar a vivncia e aapreenso histrica do

    espao humano.

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    nimo conseguiremos mais do que insistindo

    na plida apatia conormista que nos reduz

    a meros reprodutores da mesmice.

    Para as condies atuais de nossa educa-

    o, penso que as posturas desejveis se-

    riam aquelas que procurassem minimizar

    as aparncias da compartimentalizao,

    dado que no podemos venc-la de imedia-

    to, entranhada que est em nossos currcu-

    los. Cada proessor poderia, para comear,

    tentar mostrar que os contedos que ensi-

    na em suas aulas no esto isolados, mas

    se relacionam de algum modo com tudo o

    mais que o aluno aprende na escola. Seria de

    grande importncia que os alunos percebes-

    sem aquilo que eu j colocava no incio des-

    te artigo: que determinadas disciplinas so

    erramentas instrumentais que auxiliam nacompreenso dos conhecimentos, enquanto

    outras compem a cosmologia contempo-

    rnea e outras ainda procuram explicitar a

    vivncia e a apreenso histrica do espao

    humano. O mnimo que podemos esperar

    que o aluno consiga compreender estas in-

    ter-relaes bsicas entre as disciplinas que

    estuda e, num segundo estgio, possa perce-

    ber as relaes da apreenso do espao his-

    trico com a cosmologia e assim por diante.

    O grande problema que se nos apresenta :

    como, no contexto de uma grade curricular

    disciplinar, promover prticas interdiscipli-

    nares? So duas as principais respostas: apedagogia de projetos e os temas transver-

    sais. No primeiro caso, a metodologia con-

    siste em construir coletivamente projetos

    temticos, em torno dos quais os proes-

    sores de cada disciplina desenvolvem seuscontedos prprios. No segundo, a idia

    a de inverter a lgica da grade curricular:

    em lugar de ela ser articulada em torno das

    disciplinas, so escolhidos alguns temas

    que sero o eixo do currculo, e atravessa-

    ro todas as disciplinas. A metodologia dos

    temas transversais oi criada por um grupo

    de proessores espanhis na Universidade

    Autnoma de Barcelona e depois adotada no

    Brasil, sendo a reerncia bsica para os Par-

    metros Curriculares Nacionais para o Ensino

    Fundamental.

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    22

    Quando a cincia, por um lado, e a educa-

    o, por outro, comearam a ressentir-se da

    perda da totalidade, que chega a parecer ir-

    recupervel em alguns momentos, apelou-se

    ento para o movimento inverso, o de recu-

    perao do geral, da completude, que para

    os antigos gregos consistiria na verdadeira

    sabedoria. Em termos epistemolgicos, j

    no sculo XIX comeamos a ver os esoros

    interdisciplinares; em termos pedaggicos,

    eles tornaram-se visveis no sculo XX. Ora, o

    que so as propostas de interdisciplinarida-

    de, de colocar em dilogo as dierentes disci-

    plinas, seno uma orma de resgatar a tota-

    lidade perdida? Que a interdisciplinaridade

    seno a tentativa de, para alm dos galhos,

    conseguir vislumbrar a rvore completa?

    A questo de undo : a prtica interdisci-

    plinar d conta de resgatar essa totalidade?

    Ou ela consegue apenas colocar remendos

    nos retalhos que a disciplinarizao criou?

    Investindo nessa metora, a realidade seria

    uma imensa pea de tecido, recortada em

    inmeros pedaos pelas tesouras da espe-

    cializao; a interdisciplinaridade seria uma

    costura dos retalhos, resultando numa

    colcha que, no nal das contas, nunca ser

    novamente o mesmo tecido de outrora.

    Um dos principais crticos contemporneosda interdisciplinaridade Edgar Morin, com

    sua teoria da complexidade. Morin denuncia

    que a interdisciplinaridade no d conta de

    rearticular os saberes ragmentados, que ela

    mais conrma as ronteiras entre os saberes

    do que as az desaparecer. Para o pensador

    rancs, necessrio algo mais orte que a

    interdisciplinaridade, que ele v na transdis-

    ciplinaridade. Essa, sim, teria condies de

    quebrar as ronteiras rgidas entre as disci-

    plinas, promovendo uma religao dos sa-

    beres, rumo a uma viso da complexidade e

    da totalidade do mundo. Em sua concepo,

    a realidade complexa (variada, com ml-

    tiplos aspectos), mas una. E o conhecimen-

    to, se num determinado momento precisa

    perder-se nas sutilezas da especializao,

    precisa depois resgatar essa viso do todo,

    da complexidade de uma realidade nica.

    Pergunto, ento: teremos, de ato, uma rea-

    lidade nica? Haver uma unidade do mun-

    do? Ser o mundo uma grande rvore, que

    se ramica e ramica, mas que, no undo,

    nica? Ser o currculo, por sua vez, ex-

    presso dessa unidade que se ragmenta,

    podendo ser recuperada em seguida? Em

    outras palavras, a metora da rvore uma

    boa imagem para pensarmos os processos

    de produo e circulao dos saberes? Ela

    nos az pensar ainda mais ou, ao contrrio,

    paralisa nosso pensamento?

    3. OS LIMITES DA INTERDISCIPLINARIDADE

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    Embora a tradio losca insista numa

    unidade do real, na armao de que a mul-

    tiplicidade e a dierena so apenas ilus-

    rias, aparentes, h uma posio losca

    que ousa investir no contrrio, isso , ar-

    mar que a realidade multiplicidade, di-

    erena. No sculo XX, Gilles Deleuze oi umdos lsoos a investir nessa posio.

    Na perspectiva dessa viso losca do

    mundo, a realidade multiplicidade. No

    podemos alar em uma realidade, mas em

    mltiplas realidades interconectadas. As-

    sim, em termos de conhecimento, no h

    uma ragmentao articial da unidade que

    precisa ser resgata-

    da, mas a unida-

    de que articial,

    uma bula criada

    por nossas iluses.

    Em termos de cur-

    rculo, no h reli-

    gao dos saberes

    a ser perseguida,

    pois no h como

    religar o que nunca esteve ligado. Ao con-

    trrio, o que precisamos buscar so ormas

    de dilogo na dierena, dilogo na multipli-

    cidade, sem a inteno de reduzir os dieren-

    tes ao mesmo, ao uno.

    Nessa perspectiva, como pensar uma i-

    losoia do currculo? Se a rvore j no

    uma imagem pertinente, pelo seu ape-

    lo unidade, que imagem pode nos azer

    pensar na multiplicidade, e mais, pensar

    multiplicidades?

    Fazendo esse mesmo exerccio, embora

    no tivessem como objeto o currculo e

    sim o livro, Deleuze e Guattari propuse-

    ram a imagem do rizoma em lugar da ima-

    gem da rvore.

    Penso que a imagem do rizoma se conver-

    te em poderosa erramenta para pensarmos

    uma losoa do

    currculo. Com a

    imagem da rvore,

    camos na com-

    partimentalizao:

    os galhos vo se ra-

    micando e se es-

    pecializando cada

    vez mais, perdendo

    contato, pois cada

    ramo se autonomiza em relao aos demais,

    embora permaneam todos parte da mesma

    rvore. Mas a comunicao entre os ramos

    de uma rvore ca dicultada, assim como

    ca dicultada e, quem sabe, impossibilita-

    da, a comunicao entre as disciplinas num

    (...) o que precisamos buscar

    so ormas de dilogo

    na dierena, dilogo na

    multiplicidade, sem a

    inteno de reduzir osdierentes ao mesmo, ao uno.

    4. FINALIZANDO COM UM CONVITE: PENSAR O MUNDO COMO

    MULTIPLICIDADE...

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    currculo escolar. Impossvel no lembrar

    aqui tambm a imagem das gavetas: as dis-

    ciplinas convertem-se em gavetas de um

    arquivo, compartimentos estanques, semcomunicao entre si. O currculo discipli-

    nar, imageticamente representado na e pela

    rvore, az de ns seres ragmentados, mas

    ragmentos que remetem a uma unidade

    perdida.

    Com o rizoma, as coisas se passam de ma-

    neira distinta. Sua imagem remete para uma

    mirade de linhas que se engalnham, como

    num novelo de l emaranhado pela brinca-

    deira do gato. Ou talvez essa no seja a me-

    lhor imagem; um rizoma promiscuidade,

    mistura, mestiagem, mixagem de reinos,

    produo de singularidades sem implicar o

    apelo identidade. Lembro-me de um beloconto de Michael Ende, do livro O Espelho

    no Espelho, que narra a histria de uma ilha,

    uma cidade-labirinto, na qual as pessoas

    eram condenadas inelicidade. Apenas

    uma vez na vida, na adolescncia, cada um

    tinha sua chance de escapar da ilha e ser e-

    liz: desenvolvia asas nas costas e, aps um

    dia de provas (o rito de passagem), se osse

    julgado apto, poderia voar para ora da ilha,

    construir sua vida e ser eliz; caso contr-

    rio, estaria condenado a viver ali o resto de

    seus dias, na inelicidade. Um garoto passa

    pela prova, que consiste em caminhar um

    dia todo pela cidade, sem ver sua amada. Ele

    caminha, carregando uma rede de pescador.E vai encontrando pessoas inelizes que pe-

    diam a ele que levasse algo delas consigo,

    como uma orma de elas mesmas poderem

    ser um pouco elizes. E ele vai colocando

    coisas em sua rede: a muleta de um aleija-do, uma cruz de erro, uma jia, uma lata,

    um saco de dinheiro... No nal do dia, todo

    esse peso o impede de alar vo e ele, ine-

    liz, descobre que sua prova consistia em ter

    sido desobediente e egosta. Mas o que me

    interessa aqui sua rede de pescador, cheia

    dos objetos os mais dierentes possveis: pa-

    rece-me essa uma tima imagem de rizoma.

    Um emaranhado de multiplicidades, uma

    mistura de coisas no misturveis (o chi-

    clete com banana, na sabedoria popular de

    Jackson do Pandeiro), uma mestiagem.

    Se pensarmos o currculo como rizoma e

    no como rvore, as disciplinas j no se-riam gavetas que no se comunicam, mas

    tenderiam a soar como linhas que se mis-

    turam, teia de possibilidades, multiplicidade

    de ns, de conexes, de interconexes. Se a

    rvore no estimula e mesmo no permite

    o dilogo, o rizoma, ao contrrio, em sua

    promiscuidade, estimula os encontros e as

    conjunes. Mas se a imagem da rvore im-

    plica um currculo como sistema echado e

    unitrio, a imagem do rizoma, por sua vez,

    implica um currculo como sistema aberto

    e mltiplo. Isto , no um currculo, mas

    muitos currculos. No um mapa, mas mui-

    tos mapas. No um percurso, mas inmeros

    percursos. E sempre com pontos de partidae pontos de chegada distintos. O que no

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    inviabiliza encontros, mas, ao contrrio, os

    possibilita, os promove, os estimula.

    Assim chegamos idia de transversalida-de, criada pela losoa rancesa contempo-

    rnea para armar uma produo de sabe-

    res e uma circulao por entre eles que se

    az de orma livre, no hierrquica, catica.

    E produtiva, promotora de encontros, con-

    junes, misturas, mestiagens. Se o rizoma

    pode ser a imagem do currculo, ou se o cur-

    rculo pode ser concebido imagem do rizo-

    ma, a transversalidade o tipo de trnsito

    por entre os liames de um rizoma, de um

    emaranhado de saberes.

    Explicando melhor: se o currculo discipli-

    nar implica um planejamento prvio, uma

    escolha das disciplinas que devero comporesse currculo e a determinao de seus con-

    tedos, para atingir uma srie de objetivos

    predeterminados pelo planejamento, num

    currculo rizomtico teramos uma abertura

    para todo e qualquer percurso, uma aber-

    tura para as experincias. Enquanto o cur-

    rculo disciplinar echado, justamente por

    supor uma unidade (dada de antemo ou a

    ser recuperada posteriormente, tanto az...),

    um currculo rizomtico aberto, sobretudo

    por ser uma aposta na multiplicidade, sem al-

    mejar uma unidade dada ou a ser construda

    mas, exatamente ao contrrio, um investi-

    mento no desmonte de qualquer simulacro

    de unidade que nos imposto.

    Se o currculo disciplinar nos remete a uma

    pedagogia da ordem, que investe em hie-

    rarquias, planejamentos, organizaes, con-

    trole, um currculo rizomtico, por sua vez,implica uma pedagogia do caos, isto , um

    processo educativo que escape ao controle,

    traando linhas de uga, que rompa hierar-

    quias, que desaa planos prvios. Aventu-

    rar-se, sem bssola, pelos mares da multi-

    plicidade dos saberes.

    Fica o convite...

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    26

    ALVES, Nilda & GARCIA, Regina Leite (orgs.) (1999).O Sentido da Escola. Rio de Janeiro: DP&A Editora.

    APPLE, Michel (s/d). Educao e Poder. PortoAlegre: Artes Mdicas.

    BOCHNIAK, Regina (1992). Questionar o Co-nhecimento: interdisciplinaridade na escola...e ora dela. So Paulo: Loyola.

    BRASIL-MEC-SEF (1997). Parmetros Curricu-lares Nacionais vol. 8: Apresentao dos Te-mas Transversais e tica. Braslia: MEC/SEF.

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    DELEUZE, Gilles (1992). Conversaes. Rio deJaneiro: Editora 34.

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    ENDE, Michael (s/d). O Espelho no Espelho.So Paulo: Crculo do Livro.

    FAZENDA, Ivani C.A. (1979). Integrao e In-terdisciplinaridade no ensino brasileiro: eeti-vidade ou ideologia. So Paulo: Loyola.

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    GALLO, Slvio (1994). Educao e Interdisciplinarida-de; Impulso, vol. 7, n 16. Piracicaba: Ed. Unimep.

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    guagens, Espaos e Tempos no Ensinar e noAprender. Rio de Janeiro: DP&A, p. 65-180.

    GONALVES, Francisca S. (1994). Interdiscipli-naridade e construo coletiva do conhecimento:concepo pedaggica desafadora; Educao eSociedade, n 49. Campinas: Papirus/CEDES.

    JAPIASSU, Hilton (1976). Interdisciplinaridadee patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago.

    ____ (1988). Introduo ao Pensamento Episte-molgico. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 5 ed.

    MORAES, Maria Cndida (1997). O ParadigmaEducacional Emergente. Campinas: Papirus.

    MORIN, Edgar (s/d). Cincia com Conscincia.Lisboa: Publicaes Europa-Amrica.

    PINHANOS DE BIANCHI, Jos Joo (2001). AEducao e o Tempo trs ensaios sobre a hist-ria do currculo escolar. Piracicaba: Ed. Unimep.

    indiCaeSbibliogrfiCaS

    O PROFESSOR INTERESSADO EM APROFUNDAR-SE EM TEMAS TRATADOS

    NESTE ARTIGO PODE RECORRER S SEGUINTES OBRAS:

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    Na escola, a criana aprende muito sobre o

    tempo, construindo o conceito de tempo e

    desenvolvendo modos de viver o tempo, ou

    seja, de organizar sua ao sob o parmetro

    da organizao dos tempos escolares.

    Ao iniciar seu percurso escolar, a criana

    tem uma noo de tempo com base em sua

    vivncia amiliar e social. Em geral, para ela

    tempo o que demora a passar, uma coisa

    que no pra, o que alta para as rias ou

    para seu aniversrio, por exemplo. O passa-

    do mais vago, sendo necessrio trabalhar

    sua ligao com o presente, bem como de-

    senvolver atividades para a aprendizagem

    de certas dimenses como durao, veloci-

    dade, sequncia e medida do tempo. Para

    construir o conceito de tempo essas ativida-

    des so importantes a criana vai ultrapas-

    sar a noo de tempo vivido medida que

    perceber melhor o que passa rpido, o que

    dura muito, o mais antigo e o mais novo, o

    que veio antes e depois, o agora, o amanh,

    os ciclos da vida. Tambm a medida do tem-

    po em anos, meses, semanas, dias, horas,minutos, segundos ser aprendida com a

    ajuda do proessor. Essa aprendizagem do

    conceito de tempo se associa estreitamente

    com a aprendizagem dos contedos das dis-

    ciplinas que constituem o currculo do En-

    sino Fundamental, especialmente Histria e

    Matemtica.

    A aprendizagem do tempo, contudo, desdo-

    bra-se para alm do que a escola prev em

    seu currculo para a ormao de conceitos,

    atingindo a interiorizao de modos de or-

    ganizao pessoal, de acordo com as regras

    escolares de emprego do tempo.

    TEXTO 3 (A e B)

    CURRCULO: TEMPOS E ESPAOS

    texto a - CurrCuloetempo

    A ESCOLA, O TEMPO E AS CRIANAS

    Maria das Mercs Ferreira Sampaio1

    Alda Junqueira Marin2

    1 Mestre e doutora em Educao pela PUC/SP.2 Proessora da PUC - SP.

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    Na escola, o tempo um grande organiza-

    dor da atividade e o padro que o tempo

    escolar seja sempre controlado e ocupado.

    De ato, a disciplina do tempo uma dasprincipais aprendizagens escolares, que se

    estende enquanto dura o processo de esco-

    larizao, e se desenvolve a cada ano, a cada

    ms e a cada dia letivo.

    Mas as pessoas tm ritmos biolgicos e dis-

    posies emocionais dierentes, e por isso

    tambm varia a sua percepo do tempo: a

    mesma situao pode parecer muito rpida

    para alguns, enquanto outros sentem que

    o tempo se arrastou. Mesmo assim, o tem-

    po cronometrado parmetro e medida

    para todos, independentemente dos tempos

    pessoais que ainda persistem, enquanto se

    aprende a pensar e viver na sintonia linear,escalonada e rgida do tempo escolar, subs-

    tituindo modos de aprender temporalmente

    mais fexveis como os da amlia.

    Na escola se aprende o sentido imperativo do

    tempo, que nos traz a necessidade de saber,

    a cada momento, que horas so, de azer as

    coisas no tempo certo, de no desperdiar

    tempo. A cada dia preciso chegar a tempo,

    h um tempo certo para cada atividade, no

    se pode perder tempo, o tempo voa, no se

    deixa nada para depois, tempo no volta, h

    que se correr para acompanhar o tempo do

    proessor, tem de largar a atividade mesmo

    sem terminar, se acabou o tempo... pre-ciso pensar sobre essa questo, pois, desse

    modo, o tempo se apresenta como algo xo,

    com valor em si mesmo.

    Seria possvel substituir a rigidez da ordemdas coisas no tempo pela fexibilidade na

    criao do ambiente educativo desaador

    e convidativo? O que, de ato, ensinamos a

    nossos alunos por meio da organizao do

    tempo escolar? O que mais gostaramos de

    lhes transmitir, avorecendo seu desenvolvi-

    mento?

    O desenvolvimento humano ocorre num

    longo e contnuo processo de aprendizagens

    e relaes sociais, ao longo do qual nos in-

    serimos na cultura comum e tambm nos

    tornamos indivduos singulares. Assim, as

    crianas, nas dierentes situaes sociais,

    enquanto aprendem comportamentos, va-lores e costumes de sua cultura, tambm

    desenvolvem a linguagem, o pensamento,

    a conscincia e modos de viver e atuar no

    mundo, que as distinguem dos demais. Tem

    muita importncia o ambiente oerecido s

    crianas, pois ambiente educativo o que

    acolhe, abre perspectivas, possibilita esco-

    lhas, oerece parmetros para a crtica so-

    cial, infuindo na ormao de indivduos

    participantes e criativos.

    No exerccio de sua uno, a instituio es-

    colar educa as novas geraes de modo pe-

    culiar, ao mesmo tempo em que reproduz e

    produz a cultura da sociedade. A orma es-colar de socializao marcada por deter-

  • 8/3/2019 Currculo em Salto para o Futuro - TV Escola

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    minados modos de organizao de tempos,

    espaos, saberes, normas e ritos, que per-

    mitem distinguir e identicar a escola em

    dierentes sociedades. So os traos de suacultura institucional, historicamente consti-

    tuda e sedimentada em prticas.

    Historicamente, espaos e tempos escolares

    organizam-se para a ordem e para o mximo

    rendimento, para relaes que classicam,

    separam e aastam saberes e tambm pesso-

    as, emoes, necessidades particulares. Em

    relao s regras de emprego do tempo na

    escola, sua aprendizagem resulta em autodis-

    ciplina, sinalizada pela relao intensa com

    o relgio. Observa-se que, nessa organizao,

    o currculo sore a determinao dos tempos

    escolares e tambm a organizao do curr-

    culo reora a aprendizagem de saberes quese esgotam nos recortes do tempo.

    Assim, ormatando as situaes de ensino

    e aprendizagem nos recortes horrios em

    que se dispe o dia letivo, ormata-se tam-

    bm o processo de conhecimento. O prprio

    conhecedor, por meio dos procedimentos

    usuais de descontinuidade e ragmentao,

    acaba por limitar-se ao uso das inormaes

    prontas para aplicar, exercitar e memorizar.

    Ento, a aprendizagem escolar do tempo

    sempre uma imposio e sempre desavor-

    vel ao desenvolvimento das crianas.

    No bem assim, pois a aprendizagem so-

    ciocultural do tempo necessria para or-

    ganizar a vida das pessoas nos parmetros

    da vida social, o que se constri nas relaes

    de ajuste e equilbrio das necessidades do in-divduo aos tempos e costumes da vida em

    comum. A questo que o tempo de apren-

    der um tempo de cada um, com seu ritmo

    prprio e, ainda, o tempo dos estudantes

    marcado por vivncias de outros espaos,

    por aetos e expectativas de outras situa-

    es de sua vida. Para que as crianas che-

    guem a organizar-se nos tempos do grupo e

    consigam dar sentido a seu prprio tempo,

    preciso que encontrem condies para ex-

    perimentar, optar e encontrar equilbrio en-

    tre necessidades e desejos pessoais e a orga-

    nizao coletiva, a avor de todos. E educar

    nessa direo exige conhecer os estudantes

    e pensar cuidadosamente o que se prope,para que a aprendizagem do tempo esco-

    lar amplie os recursos pessoais dos alunos,

    e no os empobrea, ignorando os indcios

    do que podem atingir e do que az sentido e

    combina com o seu tempo.

    Segurar-se sentado por horas a o no com-

    bina com o tempo dos alunos. Isto pode pro-

    duzir amortecimento da curiosidade, dis-

    perso do pensar, divagaes interminveis,

    mas no resulta em aprendizagens signi-

    cativas, no introduz no processo humano

    mais sosticado de conhecer, que relacio-

    nal e envolve pensar, perguntar, alar e, tam-

    bm, calar e elaborar. Aluno em atividadeprecisa sentar, andar, comunicar-se, parar

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    30

    e retomar o rumo, azer tentativas e pergun-

    tar, para que possa compreender o sentido

    e a importncia do que lhe proposto em

    sala de aula, ou no aguenta e acha as aulaschatas, insuportveis.

    Quando os educadores buscam transormar

    a escola em que atuam, porque acreditam

    que seu trabalho

    pode avorecer o

    crescimento dos

    alunos e os rumos

    de sua insero so-

    cial. De ato, suas

    prticas tanto po-

    dem contribuir

    para sedimentar,

    como para com-

    bater preconceitose discriminaes

    sociais; podem propiciar a criao de estru-

    turas mais rgidas, ou mais fexveis e cria-

    tivas de pensar e agir. Atuando numa dire-

    o mais transormadora, a escola contribui

    para ortalecer e ormar pessoas que, mais

    do que apenas se adaptar, podem resistir

    a imposies, enrentar limites e desaos,

    criar alternativas, deender seus direitos e

    ajudar na inveno de modos mais justos e

    solidrios de viver em sociedade.

    Denir os rumos e inovar, preservando pr-

    ticas e tradies que azem sentido, d mui-

    to trabalho e exige refexo desse coletivode educadores. Exige perguntar e perguntar

    sobre os modos de organizar o trabalho, os

    tempos e os espaos na escola, para com-

    preender as prticas vigentes e o que justi-

    ca sua presena, e mais: exige analisar deti-damente o currculo, como pea central da

    atuao mais especca e singular da escola.

    Ou seja, se tempos e espaos orem dispostos

    a servio de uma

    relao de conhe-

    cimento mais rica

    e ecunda para to-

    dos os alunos, ser

    necessrio alongar

    ou encurtar tem-

    pos, abrir ou par-

    tilhar espaos, tor-

    nar mais rgeis as

    ronteiras entre asdisciplinas, desco-

    brir novos modos de viver a educao esco-

    lar e novas relaes dos estudantes com o

    conhecimento.

    J temos algumas providncias em anda-

    mento. Por exemplo: a Lei n. 9.394/96, de Di-

    retrizes e Bases da Educao Nacional, legi-

    timou a possibilidade de organizar o ensino

    por ciclos e no mais por sries anuais, em

    respeito a necessidades de aprendizagem

    das crianas. Nessa modalidade, permite-se

    aos alunos que avancem na aprendizagem

    em seu ritmo, de modo mais lento ou mais

    rpido, e altera-se a avaliao, que passa aser contnua, sem as interrupes ao nal

    Quando os educadores

    buscam transormar a escola

    em que atuam, porque

    acreditam que seu trabalho

    pode avorecer o crescimento

    dos alunos e os rumos de sua

    insero social.

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    de cada ano para decidir sobre a continui-

    dade, ou no, dos alunos na sequncia dos

    estudos.

    Esse modo de orga-

    nizar o tempo do

    processo de ensino

    exige outras modi-

    caes, implica

    quebra de prticas

    j sedimentadas h

    mais de um sculo.

    toda a organiza-

    o da escola que

    se altera quando

    o tempo muda. Os

    tempos mais fe-

    xveis, na organizao em ciclos, exigem

    repensar a seleo e a distribuio dos con-tedos curriculares, tradicionalmente en-

    gatados ao critrio de seriao. No tendo

    mais lugar a escolha por sries, retoma-se

    a discusso sobre as aprendizagens bsicas

    e inegociveis, sobre os conceitos centrais

    necessrios como erramentas para pensar

    e compreender a prtica social.

    No entanto, as mudanas s acontecero

    no interior da escola, na atuao dos edu-

    cadores, que precisam refetir sobre o sen-

    tido de suas prticas. Quem est no interior

    da escola sabe muito bem que h caminhos

    para inventar a es-

    cola do ensinar eaprender, na qual

    os tempos e espa-

    os estaro a servi-

    o da implementa-

    o de alternativas

    criadas, para um

    melhor trabalho,

    pelo coletivo de

    seus prossionais.

    O que se preten-

    de constituir um

    ambiente srio e

    agradvel para um

    trabalho educativo ecundo e produtivo. No

    horizonte das buscas, o que se deseja vivertempos alargados e fexveis, para a expan-

    so das possibilidades humanas de proes-

    sores e alunos. O que se pergunta, ento, do

    interior de cada escola, : quais seriam as

    possibilidades de integrar atividades, alargar

    os tempos de aprender, utilizar os espaos

    disponveis para dierentes e novas explora-

    es educativas, respeitando as necessida-

    des dos alunos?

    Quem est no interior da

    escola sabe muito bem que

    h caminhos para inventar

    a escola do ensinar e

    aprender, na qual os tempos

    e espaos estaro a servio

    da implementao dealternativas criadas, para um

    melhor trabalho, pelo coletivo

    de seus prossionais.

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    O currculo um arteato escolar que, alm

    de tratar do que e do como ensinar e apren-

    der isso , alm de tratar de contedos e

    de modos de ensinar e aprender, unciona

    como um dispositivo que nos ensina deter-

    minadas maneiras de perceber, signicar e

    usar o espao. Alm disso, o currculo nos

    ensina a articularmos o espao com o tem-

    po. Pode-se dizer, ento, que o currculo ,

    tambm, uma mquina de espacializao e

    de temporalizao.

    As maneiras como percebemos o espao e

    o tempo, como azemos uso do espao e dotempo e o que pensamos acerca do espao e

    do tempo no so propriedades ou capacida-

    des naturais e inatas para ns. No nascemos

    com tais capacidades; ao contrrio, elas so

    aprendidas desde a nossa mais tenra idade.

    Em outras palavras, a percepo do espao e

    a do tempo no so atributos daquilo que se

    costuma chamar de natureza humana. Am-

    bos no esto dados de imediato para ns, mas

    so ensinados e apreendidos, de modo que, de

    sociedade para sociedade, de cultura para cul-

    tura, variam as maneiras como eles so perce-

    bidos, vivenciados e utilizados.

    No caso do espao, por exemplo, a criana

    aprende a lidar com ele de acordo com o pr-

    prio ambiente em que vive, em termos do ta-

    manho, orma e distribuio dos objetos, das

    distncias entre eles, da sua mobilidade, etc.

    Tamanho, orma, distribuio, distncias e

    mobilidade uncionam como estmulos com

    os quais a criana interage e aos quais ela vai

    respondendo, de modo a ir se ajustando ao

    seu entorno. Todo esse processo acontece nas

    complexas relaes culturais que estabelece-

    mos socialmente.

    Se tudo isso se inicia no ambiente amiliar,

    na escola que tais relaes passam a ser par-ticularmente variadas e desaadoras. O am-

    biente social da escola extremamente rico

    em dierentes conguraes espaciais e em

    mltiplos rituais e prticas que distribuem

    espacialmente as coisas. Essas coisas sejam

    objetos, sejam pessoas ocupam lugares que

    so determinados em uno de suas respecti-

    vas unes, importncia, papis que desem-

    penham, etc. Anal, a escola representa, na

    maioria das vezes, o primeiro ambiente em

    que a criana permanece por vrias horas, dia-

    riamente, num espao relativamente conna-

    do e com alta densidade populacional.

    Em boa parte por causa desse connamento

    texto b - CurrCuloeeSpao

    Alredo Veiga-Neto1

    1 Mestre em Gentica. Doutor em Educao. Proessor do Programa de Ps-Graduao em Educao(mestrado) da Universidade Luterana do Brasil ULBRA.Proessor Convidado do Programa de Ps-Graduao emEducao (mestrado e doutorado) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.

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    concentrado, as salas de aula oram organiza-

    das de maneira a manter os alunos e as alunas

    distribudos de modos mais ou menos rgidos,

    mas sempre bastante codicados. Assim, porexemplo, nas salas de aula h lugares tradicio-

    nalmente previstos para o proessor ou a pro-

    essora, bem como para os alunos e as alunas.

    Onde e como cada um se senta, como cada um

    se movimenta e usa o espao e o uso de gestos

    no so atos naturais e nem sempre acontece-

    ram da mesma ma-

    neira. E mesmo que

    se adotem prticas

    pedaggicas mais

    inovadoras e tidas

    como mais livres

    como a distribuio

    circular de alunos e

    proessores , sem-pre possvel iden-

    ticar aquilo que

    permitido ou proi-

    bido, recomendvel

    ou reprovvel, normal ou anormal azer.

    Mesmo as prticas menos regradas, menos

    disciplinares, tm de obedecer, implcita ou

    explicitamente, algumas normas e acordos,

    sob o risco de se criarem situaes com pouco

    ou nenhum aproveitamento de aprendizagens

    signicativas. Na ausncia de qualquer ordem

    espacial, logo se estabelece o caos.

    no ambiente social da escola, ento, que

    aprendemos e internalizamos boa parte da-quilo que pensamos ser o espao e aquilo que

    somos capazes de azer no espao em que vi-

    vemos. As expresses a escola prepara para a

    vida ou a escola ensina a viver tm, desse

    modo, mais do que uma importncia retrica:alm de ensinar conhecimentos e valores, a es-

    cola, com seus variados e numerosos rituais,

    ensina muitos cdigos de convvio social que

    implicam o uso que cada um pode ou deve a-

    zer do espao.

    Chamamos de cur-

    rculo todo o con-

    junto de preceitos

    e procedimentos

    que colocam em

    uncionamento, na

    educao escolar,

    as atividades de en-

    sinar e aprender. Spor isso, j se pode

    dizer que ele uncio-

    na nos ensinando a

    usar determinadas

    maneiras de perceber, signicar e usar o espa-

    o. Mas, alm disso, e num sentido mais sutil

    e quase imperceptvel para muitos, o currculo

    promove uma articulao entre o espao e o

    tempo, de modo que, de uma s vez, ele nos

    ensina sobre o espao, sobre o tempo e sobre

    as relaes entre ambos. Vejamos isso mais de

    perto, ainda que resumidamente.

    Como bem sabemos, o currculo oi inventa-

    do, h menos de 500 anos, com o objetivo deordenar/organizar o que e como ensinar nas es-

    no ambiente social

    da escola, ento, que

    aprendemos e internalizamos

    boa parte daquilo que

    pensamos ser o espao e

    aquilo que somos capazes deazer no espao em

    que vivemos.

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