currículo em salto para o futuro - tv escola
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Currculo:conhecimento e cultura
ISSN 1982 - 0283
Ano XIX N 1 Abril/2009
Ministrio da
Educao
Secretaria
de Educao a Distncia
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SUMRIO
CurrCulo: ConheCimento eCultura
Aos professores e professoras ................................................................................... 3
Rosa Helena Mendona
Apresentao Currculo: conhecimento e cultura ................................................ 4
Sobre a qualidade na educao bsica e a concepo de currculo
Antonio Flvio Barbosa Moreira
Texto 1 A construo do currculo ................................................................................. 10
Seleo do conhecimento escolar
Lucola Santos
Texto 2 A organizao do currculo ........................................................................ 15
Currculo: entre disciplinaridades, interdisciplinaridades e outras idias!
Slvio Gallo
Texto 3 Currculo: tempos e espaos ...................................................................... 27
Texto A: A escola, o tempo e as crianas
Maria das Mercs Ferreira Sampaio e Alda Junqueira Marin
Texto B: Currculo e espao
Alredo Veiga-Neto
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Em 2009, o Salto para o Futuro apresenta uma
nova concepo. O compromisso manter a sua
losoa e, ao mesmo tempo, utilizar as ormas
de comunicao e de interatividade possibilita-
das pelo permanente desenvolvimento tecnol-
gico. A mudana de ormato no programa tele-
visivo e no site, em tempos de convergncia de
mdias, sugere que as previses de um uturo
em que a tecnologia eetivamente aria parte do
cotidiano das escolas e da prtica dos proesso-
res j se tornaram uma realidade.
E a publicao eletrnica (boletim) tambm mu-dou. Alm de uma diagramao mais leve, ela
compreende uma apresentao, de autoria do
consultor da srie, e trs textos que correspon-
dem aos eixos temticos das edies dos progra-
mas 1, 2 e 3 (Salto revista). Estes mesmos textos
do subsdios ao programa 4, no qual so apre-
sentados, por meio de entrevistas, novos olhares
sobre os eixos propostos, e ao programa 5, que
dedicado aos debates em torno dos temas veicu-
lados ao longo da semana.
Para esta srie inaugural, dentro desta nova
concepo, revisitamos um tema que, por sua
abrangncia e signicado, est sempre em pau-
ta: as questes envolvendo a construo do
currculo escolar. Assim, a srie Currculo: co-
nhecimento e cultura uma retomada da srie
apresentada em 2008. Anal, este assunto, que
ocupa um lugar central na educao, permite
sempre novos olhares.
A srie Currculo: conhecimento e cultura prope
uma refexo sobre o currculo escolar, tendo
como pressuposto a diversidade da sociedade
contempornea. Ao longo da srie, so pro-
blematizadas questes que envolvem desde a
construo e a organizao do currculo at sua
vivncia nas escolas. Dierentes ormas de co-nhecimento, novas organizaes de espaos e
tempos escolares e uma abordagem que integre
as diversas disciplinas e reas do saber tambm
so pontos em discusso.
A srie Currculo: conhecimento e cultura con-
ta com a consultoria instigante do proessor
Antonio Flvio Barbosa Moreira, que tambm
oi o consultor da srie Currculo: questes con-
temporneas, exibida em 2008. Encaminhamos,
para a leitura e debate nas telessalas, a publica-
o eletrnica, que apresenta a proposta peda-
ggica e trs textos, sendo um deles indito.
Rosa Helena Mendona1
CurrCulo: ConheCimentoeCultura
Aos proessores e proessoras,
1 Supervisora pedaggica do Programa Salto para o Futuro.
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J se tem acentuado o quanto o currculo consti-
tui, nos dias de hoje, tema de importncia crucial
para proessores, gestores, pesquisadores, estu-dantes, pais e polticos. Nos sistemas educacio-
nais e nas escolas, inmeros tm sido os esoros
por elaborar propostas curriculares que venham
a avorecer a construo de uma escola de qua-
lidade no pas. Muitos desses esoros tm apre-
sentado resultados bastante positivos e tm pro-
piciado o sucesso dos alunos em suas trajetrias
escolares, contribuindo para que se consolide a
construo de qualidade na educao bsica.
Talvez seja pertinente, nesse momento, esclare-
cermos o que estamos entendendo por qualida-
de em educao. Inicialmente, enatizamos que
no nos satisazem vises restritas de qualidade
que supervalorizem: bons resultados em examesnacionais; o domnio de conhecimentos, habili-
dades e competncias que se estabeleam pre-
viamente; o emprego de tecnologias avanadas; o
oco na produtividade; a celebrao de novos m-
todos de gesto e de novos procedimentos peda-
ggicos. Ainda que tais elementos possam estar
presentes na concepo de qualidade que adota-
mos, consideramos que no ultrapassamos o n-
vel instrumental quando a noo de qualidade se
undamenta, prioritariamente, em pressupostostcnicos. Para ns, essa concepo no pode es-
tar distanciada da discusso dos ns da educao,
dos juzos de valor, do comprometimento com
a justia social, bem como da considerao das
aes e dos interesses dos sujeitos que participam
do processo pedaggico (Moreira e Kramer, 2007).
Deendemos uma educao de qualidade que
torne o sujeito capaz de se mover de uma orma
restrita de viver seu cotidiano, at uma participa-
o ativa na transormao de seu ambiente. Esse
processo acilitado por um processo educativo
que propicie ao aluno: um bom desempenho no
mundo imediato, a habilidade de criticar e trans-
cender suas experincias culturais, a capacidadede autorrefexo, a compreenso da sociedade
em que est inserido (e de seus problemas), bem
como o domnio de processos de aquisio de no-
vos saberes e conhecimentos.
Relevncia, nesse enoque, corresponde ao poten-
cial que certos saberes e certos procedimentos
APRESENTAO
CurrCulo: ConheCimentoeCultura
SOBRE A QUALIDADE NA EDUCAO BSICA
Antonio Flvio Barbosa Moreira1
1 Proessor e Coordenador do Mestrado em Educao da Universidade Catlica de Petrpolis - UCP. Consultor da srie.
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apresentam para capacitar as pessoas a reconhe-
cer e a aceitar seus papis na mudana de seus
ambientes e no crescimento da sociedade mais
ampla. Relevncia sugere, ento, contedos e ati-vidades que contribuam para ormar pessoas au-
tnomas, crticas e criativas, aptas a compreen-
der como as coisas so, porque so assim e como
podem ser modicadas por aes humanas. Em
resumo, uma concepo renovada de qualidade
incorpora a crena em uma escola reormulada
e ampliada, assim como em uma ordem social
mais justa e menos excludente (Avalos, 1992).
No processo Currculo em movimento: o compro-
misso com a qualidade da educao bsica, desen-
volvido pela Diretoria de Concepes e Orienta-
es Curriculares para a Educao Bsica (Brasil,
Ministrio da Educao, 2008), deseja-se que a
viso de qualidade em educao se materializeem uma escola que oerea aos seus estudantes a
possibilidade de uma aprendizagem eetiva. Nesse
sentido, uma educao de qualidade busca propi-
ciar aos alunos o desenvolvimento de suas capaci-
dades e potencialidades como sujeitos histricos
e culturais, bem como garantir a apropriao de
conhecimentos historicamente produzidos.
O oco na aprendizagem de conhecimentos esco-
lares, acentuado pelo MEC, associa-se viso de
qualidade e relevncia por ns apresentada, na
medida em que no se pode esperar que um estu-
dante atue crtica e criativamente em processos
de transormao social (tanto de seus ambientes
mais prximos quanto da sociedade como umtodo), sem ter apreendido os conhecimentos ne-
cessrios para se mover adequadamente nesses
ambientes e para atingir nveis mais elevados de
pensamento e de ao.
A nase no conhecimento escolar justica-se, as-
sim, por ser a escola um espao privilegiado de
construo e de reconstruo dos conhecimentos
historicamente produzidos. O que sugerimos no
uma absoro passiva de tais conhecimentos,
mas sim uma apreenso ativa que proporcione,
aos estudantes, condies para melhor entender
o mundo em que vivem e nele operar.
Na escola, o currculo espao em que se concre-
tiza o processo educativo pode ser visto como
o instrumento central para a promoo da qua-
lidade na educao. por meio do currculo que
as aes pedaggicas se desdobram nas escolas
e nas salas de aula. por meio do currculo quese busca alcanar as metas discutidas e denidas,
coletivamente, para o trabalho pedaggico. O
currculo corresponde, ento, ao verdadeirocora-
o da escola. Da a necessidade de permanentes
discusses sobre o currculo, que nos permitam
avanar na compreenso do processo curricular
e das relaes entre o conhecimento escolar, a
sociedade, a cultura, a autoormao individual e
o momento histrico em que estamos situados.
Para melhor justicarmos a organizao desta
srie, que se prope a oerecer momentos sig-
nicativos de dilogos e debates sobre questes
curriculares, pode ser til esclarecermos o que es-
tamos entendendo pela palavra currculo.
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A literatura especializada tem registrado, ao
longo dos tempos, vrios signicados para a
palavra currculo. Dominam, entre eles, os
que associam currculo a contedos e os que
vem currculo como experincias de apren-
dizagem. Outras concepes apontam para
a idia de currculo como: uma proposta ou
um plano capaz de denir o que azer nas
escolas, o conjunto de objetivos educacio-
nais a serem alcanados e, ainda, o prprio
processo de avaliao (j que os exames na-
cionais tm tendido a ornecer signicativos
subsdios para o processo de elaborao docurrculo). Essas dierentes vises, assim
como as dierentes nases que nelas se
encontram, expressam o que em um dado
momento se considera ser educao e se
imagina ser um cidado educado. Refetem,
ainda, as infuncias tericas e ideolgicas
que se revelem dominantes nesse momento
histrico.
Nossa opo admitir a importncia e a
necessria articulao dos dierentes ele-
mentos ressaltados em cada uma das con-
cepes apresentadas. Ao mesmo tempo,
consideramos o conhecimento como a
matria-prima do currculo, o que nos leva
a entender o currculo como o conjunto de
experincias pedaggicas organizadas e oe-
recidas aos alunos pela escola, experincias
essas que se desdobram em torno do conhe-
cimento.
Na concepo que deendemos, h um oco
signicativo no conhecimento escolar, indis-
pensvel, a nosso ver, nos dias de hoje. H
tambm uma evidente valorizao do pro-
cesso em que o conhecimento ensinado e
organizado pela instituio escolar, em meio
s relaes que se desenvolvem entre os par-
ticipantes do processo. H, por m, a valo-rizao da escola como o espao educativo
por excelncia, perspectiva que desejamos
privilegiar nesta srie. A despeito de saber-
mos que outros espaos contribuem hoje,
de modo intenso, para a educao de nos-
so estudante, avorecendo-lhe a aquisio
de saberes e valores e, ainda, contribuindo
eetivamente para a construo de sua iden-
tidade, nossa escolha oi ressaltar a centra-
lidade da escola no processo educativo. Jul-
gamos ser necessrio renov-la, ampli-la e
apereio-la, bem como articul-la mais es-
treitamente com distintos espaos, grupos e
movimentos sociais. Pensamos, no entanto,
ser indispensvel preserv-la e, sem ingenui-
dade ou romantismos, deend-la como um
SobreaConCepodeCurrCulo
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espao de resistncia, de produo, de buscas,
de crtica, de investigao, de dilogo. A escola
pode, quem sabe, participar do anncio de no-
vos tempos. No processo em que se volta paraa produo, para o movimento e para a mu-
dana, a escola pode ajudar a ormar indiv-
duos no conormistas e sim questionadores,
que rejeitem alguns dos valores celebrados no
mundo contemporneo, como o individualis-
mo, a competitividade e o consumismo. Da,sua inegvel importncia hoje.
textoSdaSrieCurrCulo: ConheCimentoeCultura2
TEXTO 1 A CONSTRUO DO CURRCULO
Durante muitas dcadas, buscou-se a causa
do racasso ou do sucesso dos alunos em a-
tores exteriores a escola, como a renda ou
o nvel cultural da amlia dos estudantes.
Depois dos anos 70, os estudos no campo do
currculo passaram a questionar se os con-
tedos curriculares e a orma como eram
ministrados possibilitavam a aprendizagem
dos alunos das camadas populares, que
geralmente tinham um baixo rendimento
escolar. Nesse contexto, os processos ree-
rentes aos conhecimentos escolares passa-ram a ter grande importncia no campo do
currculo. Mostrou-se undamental, ento,
identicar e organizar os contedos que
realmente possibilitem promover o suces-
so dos estudantes na escola. Toda teoria
de currculo reserva espao para discutir o
conhecimento a ser ensinado e aprendido
nas escolas. Ou seja, examina o processo
de seleo do conhecimento escolar, tendo
em vista a construo do currculo. Outros
aspectos concernentes ao conhecimento,
como os processos de sua organizao, de
hierarquizao e de distribuio nas salas
de aula, tm tambm representado alvos
centrais das teorias crticas e ps-crticas de
currculo. O primeiro programa examinar aconstruo do currculo e a importncia do
conhecimento escolar no mundo contem-
porneo, tendo em vista a diversidade cultu-
ral presente na sociedade.
2 Estes textos so complementares srie Currculo: conhecimento e cultura, com veiculao de 13 a 17 deabril de 2009 no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC).
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Como percebemos o espao e o tempo e
como azemos uso do espao e do tempo
no so propriedades ou capacidades natu-
rais e inatas para ns. Nossas percepes,
disposies e representaes espaciais e
temporais so construdas nas complexas
relaes culturais que estabelecemos social-
mente. Tais relaes so particularmente
ricas e desaadoras no ambiente escolar;
na escola que aprendemos e internalizamos
boa parte daquilo que pensamos ser o espa-
o e daquilo que somos capazes de azer no
espao em que vivemos; o mesmo ocorre
com o tempo. Considerando que o tempo
de escola se passa na ase de crescimento e
desenvolvimento das crianas, importante
Nas escolas, em geral, costume trabalharno contexto das chamadas grades curricu-
lares, compostas por disciplinas, cada uma
delas representando uma rea do conheci-
mento humano. Dessa orma, a realidade do
ensino contemporneo a compartimenta-
lizao do conhecimento, enmeno cons-
tituinte de um todo maior, a especializao
do saber. Quando assiste a uma determi-
nada aula de uma das disciplinas que com-
pem o currculo escolar, cada aluno abre
a gavetinha de seu arquivo mental em
que guarda os conhecimentos especcos
daquela disciplina; ao nal da aula, echa
essa gavetinha e abre aquela reerente
matria a ser estudada na prxima aula, eassim por diante... E como cada uma das
gavetinhas estanque, sem nenhuma re-
lao com as demais, os alunos no conse-guem perceber que todos os conhecimentos
vivenciados na escola so perspectivas di-
erentes de uma mesma e nica realidade,
parecendo cada um deles autnomo e au-
tossuciente, quando na verdade s pode
ser compreendido em sua totalidade como
parte de um conjunto. Como podemos, na
medida de nossas possibilidades sem dvi-
da alguma sensivelmente limitadas pela bu-
rocracia escolar , organizar o currculo de
orma a superar esta compartimentalizao
de que vtima nosso sistema educacional?
Como, no contexto de uma grade curricular
disciplinar, podemos promover prticas in-
terdisciplinares? So temas em discusso nosegundo programa da srie.
TEXTO 3 (A e B) CURRCULO: TEMPOS E ESPAOS
TEXTO 2 A ORGANIZAO DO CURRCULO
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GARCIA, R. L. & MOREIRA, A. F. B. Currculo
na contemporaneidade: incertezas e desafos.So Paulo: Cortez, 2003.
MOREIRA, A. F. B. (org.). Currculo: polticas e
prticas. Campinas: Papirus, 2006.
MOREIRA, A. F. & CANDAU, V. M. (orgs.).
Multiculturalismo: dierenas culturais e pr-ticas pedaggicas. Petrpolis: Vozes, 2008.
SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma
introduo s teorias do currculo. Belo Hori-
zonte: Autntica, 1999.
que a escola estimule esse processo. Insistin-
do na relao escola-vida, o tempo na escola
deve ser um tempo de convvio, um tempo
de aprendizagem e um tempo de disciplina,para a realizao de tareas. Na escola, o
currculo que mais intensa e continuamente
espacializa e temporaliza as aes humanas.
Neste terceiro programa, discutiremos mo-
dos, limites e possibilidades com que espao
e tempo podem/devem ser tratados nas es-colas.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
AVALOS, B. Education or the poor: quality orrelevance? British Journal o Sociology o Edu-
cation, v. 13, n. 4, p. 419-436, 1992.
BRASIL. Ministrio da Educao. Secretaria
da Educao Bsica. Diretoria de Concep-
es e Orientaes Curriculares para Educa-
o Bsica. Currculo em movimento: o com-
promisso com a qualidade da educao bsica.
Braslia: mimeo, 2008.
MOREIRA, A. F. B & KRAMER, S. Contempo-raneidade, educao e tecnologia. Educao
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SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma
introduo s teorias do currculo. Belo Hori-
zonte: Autntica, 1999.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
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Ningum tem dvida de que as crianas e os
adolescentes vo escola para aprender. As-
sim, a importncia dos contedos curricula-
res parece bvia, mas existe muita discusso
e muita divergncia em torno da seleo dos
contedos curricu-
lares. So algumas
dessas discordn-
cias que buscare-
mos aqui ocalizar.
Durante muito
tempo, o racasso
escolar oi atribu-
do s diculdades
que as crianas
das camadas po-
pulares tinham em aprender o que a esco-
la ensinava. Discutia-se que essas crianas,
vindas de meio social desavorecido, no
tinham desenvolvido uma linguagem, h-
bitos e habilidades capazes de garantir a
aprendizagem dos contedos escolares. No
entanto, no nal dos anos 60, um grupo de
acadmicos ingleses que trabalhava no cam-
po da Sociologia da Educao decidiu voltar
seus estudos e pesquisas para a questo do
conhecimento escolar. Se a escola trabalha
com a socializao do conhecimento, esse
se tornava, para eles, a questo-chave para
suas refexes e trabalhos.
Diante do racas-
so escolar das
crianas, esses
intelectuais se
perguntaram: segrande contingen-
te de crianas no
aprende o que es-
tamos lhe ensinan-
do, no ser por
que estamos lhe
ensinando as coisas erradas? Nesse mo-
mento, ao invs de se atribuir s amlias
e s crianas a culpa pelo racasso escolar,
buscaram-se na prpria escola as razes
para o insucesso das crianas provenientes
de lares menos avorecidos econmica e
socialmente.
Esse grupo de intelectuais ingleses lanou
TEXTO 1
A CONSTRUO DO CURRCULO
SeleodoConheCimentoeSColarLucola Santos1
(...) os proessores
comprometidos com a
educao de seus alunos no
podem deixar de se interrogarsobre a importncia e
relevncia daquilo que esto
ensinando.
1 Pedagoga. Proessora da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG.
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diversas questes que passaram, desde en-
to, a inquietar a comunidade acadmica,
tais como: Quais so os critrios, os princ-
pios a partir dos quais se decide o que es-colar e o que no ? Que interesses presidem
a seleo dos contedos curriculares? Quais
so os conhecimentos que, realmente, vale
a pena ensinar s crianas?
A partir desse momento, os proessores com-
prometidos com a educao de seus alunos
no podem deixar de se interrogar sobre a
importncia e relevncia daquilo que esto
ensinando.
A discusso sobre os contedos curriculares
ganhou destaque nos anos 70. Intelectu-
ais americanos, ingleses e de outros pases
comearam a mostrar como os contedoscurriculares eram perpassados por interes-
ses das elites, uma vez que o ponto de vista
desse grupo social, ou seja, sua ideologia,
que dominava os currculos. Exemplo disso
estava no ato de que a orma de alar desse
grupo, denominada de verso autorizada da
lngua, era a nica aceita na escola. Outro
exemplo poderia ser dado, considerando a
disciplina Histria, uma vez que essa disci-
plina se restringia a azer um relato dos atos
histricos, de acordo com a verso ocial,
narrada com base nos interesses da classe
dominante. A histria escolar silenciava a
respeito das lutas das camadas populares
ou no lhes atribua a importncia que me-reciam. Foi nesse contexto que muitas pes-
quisas e estudos demonstraram a ideologia
presente nos livros didticos e nas aulas dos
proessores.
Em vista disso, os proessores no podem
deixar de questionar se em suas aulas no
esto desvalorizando a cultura das camadas
populares. Ou seja, se no esto, implci-
ta ou explicitamente, tratando de maneira
preconceituosa alguns de seus alunos por
pertencerem a grupos de menor prestgio
social.
Na atualidade, mesmo os que se colocam
ao lado dos interesses das camadas popula-
res, em avor de uma pedagogia crtica, tm
pontos de vista dierentes sobre o que deva
ser ensinado nas escolas. De um lado, esto
aqueles que deendem a posio de que a es-cola deve propiciar s crianas e aos adoles-
centes das camadas populares o acesso ao
conhecimento cientco, s obras literrias,
enm produo cultural de maior prest-
gio social, ou seja, chamada verso autori-
zada da cultura ou, ainda, ao conhecimento
historicamente acumulado e validado aca-
dmica e socialmente.
De acordo com essa perspectiva, esses co-
nhecimentos so considerados instrumen-
tos indispensveis na luta poltica desse
segmento social, bem como elementos in-
dispensveis para a participao eetiva na
vida em sociedade Os que deendem essaposio argumentam que a escola o nico
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espao que permite s crianas das camadas
populares o acesso ao conhecimento siste-
matizado. Essa posio chamada de uni-
versalista e os educadores que a deendemarmam que existem saberes, conhecimen-
tos e valores que so universais e transcul-
turais, por azerem parte do patrimnio cul-
tural da humanidade.
De outro lado, es-
to aqueles que
reutam a idia de
que existam co-
nhecimentos uni-
versais, uma vez
que se designam
como tais os co-
nhecimentos que
azem parte da cul-tura de um grupo
especco. Nesse
sentido, o currculo escolar deve expressar a
diversidade cultural existente em nossa so-
ciedade, organizando-se com base nas ml-
tiplas experincias presentes nas dierentes
culturas, de tal modo que os alunos possam
se reconhecer e valorizar a cultura do grupo
social a que pertencem e tambm entender
e respeitar a cultura do outro. No Brasil, es-
sas duas posies oram representadas pela
Pedagogia crtico-social dos contedos, de
carter universalista, e pela pedagogia de
Paulo Freire, de carter no universalista.
Nesse contexto, importante lembrar que
o ato de um currculo ser universalista, ou
no ser universalista, no o torna, em si
mesmo, algo a ser combatido ou valoriza-do. Existem problemas que os dois tipos de
currculo podem engendrar. Segundo Grig-
non (1992) 2, muitas vezes, em nome da pos-
sibilidade de ascenso e mobilidade social,
assim como pela
possibilidade de
luta pelos direitos
sociais, o que seria
conquistado com
o acesso cultura
autorizada, a esco-
la termina excluin-
do alunos das ca-
madas populares,
por desconheceros universos (ma-
terial e simblico)
vivenciados por essas crianas e adolescen-
tes. Nesse mesmo sentido, esse autor critica
algumas ormas que assumem os currculos
centrados nas culturas dos alunos, quando
propem para as camadas populares uma
educao escolar centrada no ldico, na es-
pontaneidade e na criatividade popular, ter-
minando por reservar apenas para as elites
uma educao que trabalha com abstraes
e capacidade de raciocnio.
Com base nessas posies, cabe ao proessor
(...) importante lembrarque o ato de um currculo
ser universalista, ou no ser
universalista, no o torna,
em si mesmo, algo a ser
combatido ou valorizado.
2 Grignon, C. A escola e as culturas populares: pedagogias legitimistas e pedagogias relativistas.Teoria eEducao, 5:50-54, 1992.
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refetir sobre o que est ensinando e suas
contribuies para que os alunos adquiram
dierentes ormas de raciocnio, bem como
construam o pensamento abstrato.
Pode-se dizer que, na atualidade, as pedago-
gias chamadas de novas, alternativas ou cr-
ticas rejeitam um
currculo centrado
apenas em habili-
dades cognitivas.
Deendem a idia
de que o currculo
escolar deve incluir
outros contedos
como: as artes, a
cultura corporal,
as novas reas dos
conhecimentos esaberes prticos.
Insistem em que o
currculo busque a integrao de contedos
de dierentes campos, rompendo com a orga-
nizao disciplinar. Enatizam, ainda, a impor-
tncia de o currculo estar centrado em pro-
blemas da vida cotidiana, buscando ormas
de trabalho que permitam ao aluno construir
conhecimento, bem como dierentes habilida-
des intelectuais, ormas de conduta e valores.
Para isso, importante considerar o desen-
volvimento e os interesses dos estudantes. Os
alunos, dependendo das suas aixas etrias,
vo apresentar certas predisposies e poten-
cialidades no que diz respeito ao desenvolvi-mento cognitivo, aetivo e motor.
Partindo dessa concepo de currculo, o
proessor deve se perguntar se no currcu-
lo com o qual trabalha h espao para die-
rentes ormas de maniestaes culturais e,tambm, se permite a integrao dos conhe-
cimentos escolares, possibilitando ao aluno
uma compreenso mais abrangente dos
contedos com os
quais trabalha. Ou,
ainda, se os conte-
dos selecionados
so adequados ao
ciclo de desenvol-
vimento e aos inte-
resses dos alunos
com os quais tra-
balha.
Em sntese, pode-se dizer que a sele-
o dos contedos
curriculares, apesar das controvrsias, inclui
algumas idias comuns. A primeira delas
que os contedos selecionados devem ser
relevantes socialmente e, ao mesmo tempo,
devem atender ao nvel de desenvolvimento
e aos interesses das crianas e adolescentes.
Em segundo lugar, esses contedos devem
envolver questes da vida cotidiana, permi-
tindo ao aluno construir conhecimentos e
habilidades de vrias ordens, assim como
ormas de conduta e valores adequados
vida em uma sociedade democrtica. Em
terceiro lugar, os contedos curricularesdevem permitir que os alunos desenvolvam
(...) undamental que o
currculo trabalhe com
habilidades que vo alm do
desenvolvimento cognitivo e
envolvam dierentes campos
da cultura, garantindo a
presena de produes
culturais dos mais dierentes
grupos sociais e culturais
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sua capacidade de argumentao, de ques-
tionamento, de crtica e sua capacidade de
ormular propostas de soluo para proble-
mas detectados. Finalmente, undamentalque o currculo trabalhe com habilidades
que vo alm do desenvolvimento cogni-
tivo e envolvam dierentes campos da cul-
tura, garantindo a presena de produes
culturais dos mais dierentes grupos sociais
e culturais, de tal modo que os estudantes
sejam capazes de lidar com a dierena, va-
lorizando e respeitando a cultura do outro,
condio necessria para a vida em uma so-
ciedade realmente democrtica.
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Estamos acostumados, nas escolas, a traba-
lhar no contexto das chamadas grades cur-
riculares. Em geral, elas so compostas por
disciplinas, cada uma delas representando
uma rea do conhecimento humano. Acostu-
mamo-nos com esta realidade, pensamos que
seja natural que acontea assim e, raramen-te, nos perguntamos qual a razo disto.
Quando olhamos para a histria, porm,
vemos que esta tendncia antiga. Ainda
durante a antiguidade grega e romana ve-
remos dierentes exemplos de conjuntos
de saberes que eram chamados a compor
o conjunto de artes e cincias a serem
aprendidas. As dierentes reas podemos
dizer disciplinas soreram uma srie de al-
teraes, culminando na organizao dupla
eita por Marciano Capella (410-439) sob o
nome de trivium (gramtica, retrica e lo-
soa) e quadrivium (aritmtica, geometria,
astronomia e msica), que dominaria todo
o perodo medieval, articulada com os estu-
dos da , e seria a base mesma da educao
da modernidade.
Subjacente a esta concepo de educao e
de currculo, estava a noo de que o mun-
do, a realidade, constitui uma totalidade
que no pode ser abarcada completamente
pelo esprito humano. Portanto, necess-
rio dividir os saberes em reas, em aspectos
distintos, que devem ser estudados, apren-
didos e articulados, numa viso enciclopdi-
ca (os gregos alavam em enkyklios paidia,
uma ormao geral e completa; a palavra
1 Para a construo deste texto, utilizei trechos de artigos e captulos de livros que escrevi sobre este tema,desde 1994 at o incio desta dcada
2 Proessor da Faculdade de Educao da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pesquisador doCNPq. Coordenador do DiS Grupo de Estudos e Pesquisas Dierenas e Subjetividades em Educao FE-Unicamp.
TEXTO 2
A ORGANIZAO DO CURRCULOCURRCULO: ENTRE DISCIPLINARIDADES, INTERDISCIPLINARIDADES E
OUTRAS IDIAS! 1
Slvio Gallo 2
1. ABRINDO A QUESTO...
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enciclopdia deriva da noo de crculo
kyklios , smbolo da totalidade e da comple-
tude para eles). Assim, podemos dizer que
o processo educativo implica a perda da to-talidade da ignorncia para, atravs da an-
lise (que, por sua vez, signica a diviso em
partes), possibilitar o conhecimento e, nal-
mente, recuperar a totalidade, agora como
sabedoria. Eu diria que esse o undamento
primeiro de uma losoa do currculo dis-
ciplinar.
Na modernidade, com o advento do mto-
do cientco, assistimos a uma prolierao
cada vez maior e mais rpida das disciplinas,
que num movimento intenso de especiali-
zao, vo se subdividindo e criando novas
reas. O lsoo, gemetra e matemtico
Ren Descartes, visto por muitos como umaespcie de pai da modernidade, criou uma
imagem interessante para o conjunto dos
conhecimentos: a rvore dos saberes. Nes-
sa imagem, as razes da rvore representa-
riam o mito, como conhecimento origin-
rio; o tronco representaria a losoa, que
d consistncia e sustentao para o todo;
os galhos, por sua vez, representariam as
dierentes disciplinas cientcas, que por
sua vez se subdividem em inmeros ramos.
Interessante notar que a imagem da rvore,
por mais que d vazo ao recorte, diviso
e s subdivises, remete sempre de volta
totalidade, pois h uma nica rvore, e para
alm do conhecimento das partes, podemoschegar ao conhecimento do todo, isto , to-
mando distncia podemos ver a rvore em
sua inteireza.
quase impossvel no transportar imedia-tamente a imagem da rvore para o curr-
culo disciplinar. Tambm a, nesse currculo
que marcou a escola como instituio mo-
derna, podemos ver, subjacente, a imagem
da rvore. E, atravs da rvore, o anseio
totalidade, por mais que se tenha investido
na ragmentao dos saberes, na comparti-
mentalizao das disciplinas na composio
dos currculos.
No movimento essencialmente moderno de
disciplinarizao, de paulatina e crescen-
te especializao dos saberes, assistimos
perda da totalidade (como ignorncia) para
possibilitar o conhecimento; nesse proces-so, vo-se criando as dierentes cincias e
prolieram os novos saberes. Nas escolas,
o processo reproduzido na dimenso do
ensino-aprendizagem, e os currculos mais e
mais se especializam, subdividindo-se cada
vez mais. No entanto, quanto mais nos en-
ronhamos pelos galhos da rvore, mais di-
cil ca vislumbrar a rvore em sua comple-
tude; s vezes, chega-se mesmo a se perder
a dimenso da unidade, de que a rvore
uma s e que aquele ramo daquele galho
parte deste todo.
curioso que, num determinado momento,
dado todo o avano cientco e tecnolgico,certos problemas j no podem ser resolvi-
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Por conta disto, nas ltimas dcadas, a
questo da interdisciplinaridade tem estado
muito em moda nos debates educacionais; e
como toda coisa importante que, de repente,
vira modismo, esvazia-se de sentido. Muita
gente tem usado esse conceito como uma
espcie de trava-lnguas, uma palavra da
qual no se az a menor idia do signicado,
mas que inseridano discurso para
dar um certo ar de
intelectualidade,
de modernidade. E
uma questo de ex-
trema importncia
vira brincadeira de
criana...
Vamos, ento, em busca de seu sentido, que
me parece transparente: a interdisciplinari-
dade a conscincia da necessidade de um
inter-relacionamento explcito e direto entre
as disciplinas todas. Em outras palavras, a
interdisciplinaridade a tentativa de supe-
rao de um processo histrico de abstrao
do conhecimento que culmina com a total
desarticulao do saber que nossos estudan-
tes (e tambm ns, proessores) tm o des-
prazer de experimentar.
A realidade do ensino contemporneo a
compartimentalizao do conhecimento,
enmeno constituinte de um todo maior,
a especializaodo saber. Nas so-
ciedades antigas,
a produo do co-
nhecimento azia-
se em resposta s
necessidades de
explicao de uma
realidade misterio-
sa que era experimentada no dia-a-dia, es-
pantando os nossos ancestrais e levando-os
a ormular questes undamentais em tor-
no do sentido da vida e do universo. As res-
postas ento construdas estavam inseridas
naquele contexto social e eram necessaria-
mente globalizantes: misturavam religiosi-
dade, engenhosidade e praticidade. Deste
dos pela especializao cientca. Na educa-
o, por sua vez, os proessores comearam
a espantar-se rente ao ato de que os estu-
dantes, aps aprender disciplinarmente, ra-
ramente conseguiam azer a operao lgica
para recuperar a totalidade, articulando os
saberes que aprenderam de orma isolada.
2. A EMERGNCIA DA INTERDISCIPLINARIDADE
(...) a interdisciplinaridade
a conscincia da necessidade
de um inter-relacionamento
explcito e direto entre as
disciplinas todas.
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modo, os primeiros conhecimentos sobre
o mundo construdos pelo homem no es-
tavam dissociados, mas todos brotavam de
um ponto comum e procuravam explic-lo;ao surgir a Astronomia, a observao siste-
mtica dos astros no cu, aparecia a neces-
sidade de medir seus movimentos, metri-
c-los, dando maior impulso Matemtica
e Geometria; a explicao dos movimentos
que ocorriam na Terra e no Universo levava
Fsica e a mais avanos na Matemtica, e
assim sucessivamente.
Com o crescente acmulo do saber, entre-
tanto, oi ocorrendo uma especializao
cada vez mais radical: um sico, por exem-
plo, cada vez menos um matemtico, no
sentido de que no mais estuda a Matem-
tica em si mesma, mas apenas se utiliza dosprocessos matemticos j existentes para
poder equacionar as questes tericas com
que trabalha na Fsica. E o mesmo ocorre
com as demais cincias, pois quanto mais
conhecimentos so acumulados sobre uma
determinada aceta do saber, mais dicil ca
para que cada indivduo domine a totalidade
do conhecimento global sobre a realidade.
Uma ilustrao bastante prtica desta bru-
tal especializao do saber podemos encon-
trar na medicina. Antigamente, era muito
comum a gura do clnico geral, um m-
dico que procurava entender as doenas do
paciente como um processo somtico global,envolvendo ento todo o organismo e mais
as ansiedades e contradies psicossociais
do indivduo. Com o crescimento dos conhe-
cimentos mdicos acerca do corpo humano,
esta postura mdica oi cada vez mais relega-da a um segundo plano, enquanto cava cada
vez mais importante a gura do especia-
lista, um prossional que conhece a undo
um dos aspectos ou sistemas de nosso corpo.
Desta maneira, hoje comum que consulte-
mos um cardiologista que se esorar para
descobrir possveis alhas e/ou disunes em
nosso corao ou sistema circulatrio, sem
na maioria das vezes dar-se conta de que este
sistema, tomado isoladamente, perde todo
seu sentido, pois parte de um organismo
muito mais abrangente...
evidente que a perspectiva da especializa-
o nos trouxe inmeros benecios, promo-vendo imensos avanos no conhecimento,
mas preciso que no percamos de vista
a necessidade de compreender sempre es-
sas especializaes como parte de um todo
complexo e inter-relacionado, sob pena de
desvirtuarmos o prprio conhecimento ad-
quirido ou construdo.
Mas o que tudo isso tem a ver com a edu-
cao? Acontece que o processo que ocorre
com a medicina emblemtico, anlogo
quele que aconteceu historicamente com
o conhecimento humano sobre o universo,
na aventura do saber que o lsoo Augus-
te Comte, no sculo XIX, descreveu como aevoluo do pensamento mitolgico, teol-
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gico e losco para o pensamento cient-
co. Mesmo discordando da cega na po-
sitividade da cincia, inegvel o progresso
da cincia e da tcnica ao longo da histriada humanidade. medida em que aumen-
ta a quantidade de conhecimento, ca mais
dicil se perceber a relao entre as vrias
reas e as vrias perspectivas, processo este
que acaba por culminar na abstrao que vi-
vemos hoje: o total alheamento, a completa
dissociao entre os vrios conhecimentos.
Quando assiste a uma aula de Histria, cada
aluno abre a gavetinha de seu arquivo
mental em que guarda os conhecimentos
histricos; ao nal da aula, echa essa ga-
vetinha e abre aquela reerente matria
a ser estudada na prxima aula, e assim por
diante... E como cada uma das gavetinhas estanque, sem nenhuma relao com as
demais, os alunos no conseguem perceber
que todos os conhecimentos vivenciados
na escola so perspectivas dierentes de
uma mesma e nica realidade, parecendo
cada um deles autnomo e autossuciente,
quando na verdade s pode ser compreen-
dido em sua totalidade como parte de um
conjunto, pea mpar de um imenso puzzle
que pacientemente montamos ao longo dos
sculos e dos milnios.
Vale ressaltar que essa compartimentaliza-
o sustentada e intensicada pelo apare-
lho burocrtico da escola do qual ns, pro-essores, somos is instrumentos, atravs
de nossos programas, livros-texto, dirios
de classe etc. Deste modo, que relao pode
haver entre uma aula de Histria e uma de
Geograa ou uma aula de Cincias?
O que devemos inerir dessa breve anlise
do processo histrico de construo do sa-
ber que a responsabilidade pelo desvio da
especializao que acaba por se ver refe-
tido na estrutura de nossa educao no
pode ser imputada aos proessores nem,
muito menos, aos alunos. Por outro lado,
os proessores podem ter uma participao
extremamente importante no processo de
romper com essa tradio alienante e supe-
rar a contradio histrica entre o saber e a
realidade.
Como podemos azer isso? Quebrando, namedida de nossas possibilidades sem dvi-
da alguma sensivelmente limitadas pela bu-
rocracia escolar , a compartimentalizao
de que vtima nosso sistema educacional.
O objetivo deste texto no o de or-
necer receitas de como se deve ou de
como se pode trabalhar de orma inter-
disciplinar, nem muito menos desenvol-
ver uma anlise de especialista sobre o
assunto, mas convidar os colegas rele-
xo e ao debate, rompendo antes de tudo
as nossas prprias amarras, aquelas que
nos ancoram nos portos seguros de nos-
sas especialidades, alheios aos monstrose s tormentas que povoam os mares
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desconhecidos das demais reas de co-
nhecimento.
Sem dvida alguma, bastante dicil paraqualquer proessor trabalhar na perspectiva
de uma interdisciplinaridade, dado que o-
mos, ns prprios, ormados de orma com-
partimentalizada
e de certo modo
treinados para
trabalhar desta
maneira, reprodu-
zindo nos alunos
as estruturas dos
arquivos mentais
estanques. Entre-
tanto, como j vi-
mos, esse ensino
compartimenta-lizado leva a uma
abstrao do real,
pois o mundo or-
ma um todo com-
plexo e multiacetado, uma pluralidade de
inter-relacionamentos. Devemos lembrar
que o aluno, na sutil inocncia de sua vir-
gindade acadmica, apreende o mundo en-
quanto essa pluralidade, compreendendo-a
ou no; ca, assim, bastante complicado
para ele assimilar as compartimentalizaes
que lhe oerecemos na escola. Uma das pri-
meiras barreiras na educao das crianas
e certamente uma das mais diceis de ser
transposta essa percepo intuitiva emuitas vezes inconsciente da multiplicidade
do real, que ele precisa abstrair para assimi-
lar a compartimentalizao de saberes que
lhe imposta por ns, proessores.
Se, no lugar de partirmos de racionalizaes
abstratas de um saber previamente produ-
zido, comearmos o processo educacional
na realidade que
o aluno vivencia
em seu cotidiano,
poderemos chegar
a uma educao
muito mais inte-
grada, sem disso-
ciaes abstratas;
aparte a nova lo-
soa de educao
que implica essa
postura e mesmo anova viso de mun-
do que ela suscita,
tambm experi-
mentaramos, com
essa postura pedaggica, uma sensvel me-
lhoria no aproveitamento e rendimento dos
alunos, pois aquela barreira intuitiva no
mais precisaria ser ultrapassada.
Sei que estamos, ns proessores, em larga
medida com ps e mos atados pela buro-
cracia escolar. O que podemos azer pou-
co, mas a pequena ao transormadora no
espao em que somos autnomos pode ter
uma repercusso e um resultado maior doque o que imaginamos; sem dvida, no m-
(...) determinadas
disciplinas so erramentas
instrumentais que auxiliamna compreenso dos
conhecimentos, enquanto
outras compem a
cosmologia contempornea
e outras ainda procuram
explicitar a vivncia e aapreenso histrica do
espao humano.
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nimo conseguiremos mais do que insistindo
na plida apatia conormista que nos reduz
a meros reprodutores da mesmice.
Para as condies atuais de nossa educa-
o, penso que as posturas desejveis se-
riam aquelas que procurassem minimizar
as aparncias da compartimentalizao,
dado que no podemos venc-la de imedia-
to, entranhada que est em nossos currcu-
los. Cada proessor poderia, para comear,
tentar mostrar que os contedos que ensi-
na em suas aulas no esto isolados, mas
se relacionam de algum modo com tudo o
mais que o aluno aprende na escola. Seria de
grande importncia que os alunos percebes-
sem aquilo que eu j colocava no incio des-
te artigo: que determinadas disciplinas so
erramentas instrumentais que auxiliam nacompreenso dos conhecimentos, enquanto
outras compem a cosmologia contempo-
rnea e outras ainda procuram explicitar a
vivncia e a apreenso histrica do espao
humano. O mnimo que podemos esperar
que o aluno consiga compreender estas in-
ter-relaes bsicas entre as disciplinas que
estuda e, num segundo estgio, possa perce-
ber as relaes da apreenso do espao his-
trico com a cosmologia e assim por diante.
O grande problema que se nos apresenta :
como, no contexto de uma grade curricular
disciplinar, promover prticas interdiscipli-
nares? So duas as principais respostas: apedagogia de projetos e os temas transver-
sais. No primeiro caso, a metodologia con-
siste em construir coletivamente projetos
temticos, em torno dos quais os proes-
sores de cada disciplina desenvolvem seuscontedos prprios. No segundo, a idia
a de inverter a lgica da grade curricular:
em lugar de ela ser articulada em torno das
disciplinas, so escolhidos alguns temas
que sero o eixo do currculo, e atravessa-
ro todas as disciplinas. A metodologia dos
temas transversais oi criada por um grupo
de proessores espanhis na Universidade
Autnoma de Barcelona e depois adotada no
Brasil, sendo a reerncia bsica para os Par-
metros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental.
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Quando a cincia, por um lado, e a educa-
o, por outro, comearam a ressentir-se da
perda da totalidade, que chega a parecer ir-
recupervel em alguns momentos, apelou-se
ento para o movimento inverso, o de recu-
perao do geral, da completude, que para
os antigos gregos consistiria na verdadeira
sabedoria. Em termos epistemolgicos, j
no sculo XIX comeamos a ver os esoros
interdisciplinares; em termos pedaggicos,
eles tornaram-se visveis no sculo XX. Ora, o
que so as propostas de interdisciplinarida-
de, de colocar em dilogo as dierentes disci-
plinas, seno uma orma de resgatar a tota-
lidade perdida? Que a interdisciplinaridade
seno a tentativa de, para alm dos galhos,
conseguir vislumbrar a rvore completa?
A questo de undo : a prtica interdisci-
plinar d conta de resgatar essa totalidade?
Ou ela consegue apenas colocar remendos
nos retalhos que a disciplinarizao criou?
Investindo nessa metora, a realidade seria
uma imensa pea de tecido, recortada em
inmeros pedaos pelas tesouras da espe-
cializao; a interdisciplinaridade seria uma
costura dos retalhos, resultando numa
colcha que, no nal das contas, nunca ser
novamente o mesmo tecido de outrora.
Um dos principais crticos contemporneosda interdisciplinaridade Edgar Morin, com
sua teoria da complexidade. Morin denuncia
que a interdisciplinaridade no d conta de
rearticular os saberes ragmentados, que ela
mais conrma as ronteiras entre os saberes
do que as az desaparecer. Para o pensador
rancs, necessrio algo mais orte que a
interdisciplinaridade, que ele v na transdis-
ciplinaridade. Essa, sim, teria condies de
quebrar as ronteiras rgidas entre as disci-
plinas, promovendo uma religao dos sa-
beres, rumo a uma viso da complexidade e
da totalidade do mundo. Em sua concepo,
a realidade complexa (variada, com ml-
tiplos aspectos), mas una. E o conhecimen-
to, se num determinado momento precisa
perder-se nas sutilezas da especializao,
precisa depois resgatar essa viso do todo,
da complexidade de uma realidade nica.
Pergunto, ento: teremos, de ato, uma rea-
lidade nica? Haver uma unidade do mun-
do? Ser o mundo uma grande rvore, que
se ramica e ramica, mas que, no undo,
nica? Ser o currculo, por sua vez, ex-
presso dessa unidade que se ragmenta,
podendo ser recuperada em seguida? Em
outras palavras, a metora da rvore uma
boa imagem para pensarmos os processos
de produo e circulao dos saberes? Ela
nos az pensar ainda mais ou, ao contrrio,
paralisa nosso pensamento?
3. OS LIMITES DA INTERDISCIPLINARIDADE
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Embora a tradio losca insista numa
unidade do real, na armao de que a mul-
tiplicidade e a dierena so apenas ilus-
rias, aparentes, h uma posio losca
que ousa investir no contrrio, isso , ar-
mar que a realidade multiplicidade, di-
erena. No sculo XX, Gilles Deleuze oi umdos lsoos a investir nessa posio.
Na perspectiva dessa viso losca do
mundo, a realidade multiplicidade. No
podemos alar em uma realidade, mas em
mltiplas realidades interconectadas. As-
sim, em termos de conhecimento, no h
uma ragmentao articial da unidade que
precisa ser resgata-
da, mas a unida-
de que articial,
uma bula criada
por nossas iluses.
Em termos de cur-
rculo, no h reli-
gao dos saberes
a ser perseguida,
pois no h como
religar o que nunca esteve ligado. Ao con-
trrio, o que precisamos buscar so ormas
de dilogo na dierena, dilogo na multipli-
cidade, sem a inteno de reduzir os dieren-
tes ao mesmo, ao uno.
Nessa perspectiva, como pensar uma i-
losoia do currculo? Se a rvore j no
uma imagem pertinente, pelo seu ape-
lo unidade, que imagem pode nos azer
pensar na multiplicidade, e mais, pensar
multiplicidades?
Fazendo esse mesmo exerccio, embora
no tivessem como objeto o currculo e
sim o livro, Deleuze e Guattari propuse-
ram a imagem do rizoma em lugar da ima-
gem da rvore.
Penso que a imagem do rizoma se conver-
te em poderosa erramenta para pensarmos
uma losoa do
currculo. Com a
imagem da rvore,
camos na com-
partimentalizao:
os galhos vo se ra-
micando e se es-
pecializando cada
vez mais, perdendo
contato, pois cada
ramo se autonomiza em relao aos demais,
embora permaneam todos parte da mesma
rvore. Mas a comunicao entre os ramos
de uma rvore ca dicultada, assim como
ca dicultada e, quem sabe, impossibilita-
da, a comunicao entre as disciplinas num
(...) o que precisamos buscar
so ormas de dilogo
na dierena, dilogo na
multiplicidade, sem a
inteno de reduzir osdierentes ao mesmo, ao uno.
4. FINALIZANDO COM UM CONVITE: PENSAR O MUNDO COMO
MULTIPLICIDADE...
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currculo escolar. Impossvel no lembrar
aqui tambm a imagem das gavetas: as dis-
ciplinas convertem-se em gavetas de um
arquivo, compartimentos estanques, semcomunicao entre si. O currculo discipli-
nar, imageticamente representado na e pela
rvore, az de ns seres ragmentados, mas
ragmentos que remetem a uma unidade
perdida.
Com o rizoma, as coisas se passam de ma-
neira distinta. Sua imagem remete para uma
mirade de linhas que se engalnham, como
num novelo de l emaranhado pela brinca-
deira do gato. Ou talvez essa no seja a me-
lhor imagem; um rizoma promiscuidade,
mistura, mestiagem, mixagem de reinos,
produo de singularidades sem implicar o
apelo identidade. Lembro-me de um beloconto de Michael Ende, do livro O Espelho
no Espelho, que narra a histria de uma ilha,
uma cidade-labirinto, na qual as pessoas
eram condenadas inelicidade. Apenas
uma vez na vida, na adolescncia, cada um
tinha sua chance de escapar da ilha e ser e-
liz: desenvolvia asas nas costas e, aps um
dia de provas (o rito de passagem), se osse
julgado apto, poderia voar para ora da ilha,
construir sua vida e ser eliz; caso contr-
rio, estaria condenado a viver ali o resto de
seus dias, na inelicidade. Um garoto passa
pela prova, que consiste em caminhar um
dia todo pela cidade, sem ver sua amada. Ele
caminha, carregando uma rede de pescador.E vai encontrando pessoas inelizes que pe-
diam a ele que levasse algo delas consigo,
como uma orma de elas mesmas poderem
ser um pouco elizes. E ele vai colocando
coisas em sua rede: a muleta de um aleija-do, uma cruz de erro, uma jia, uma lata,
um saco de dinheiro... No nal do dia, todo
esse peso o impede de alar vo e ele, ine-
liz, descobre que sua prova consistia em ter
sido desobediente e egosta. Mas o que me
interessa aqui sua rede de pescador, cheia
dos objetos os mais dierentes possveis: pa-
rece-me essa uma tima imagem de rizoma.
Um emaranhado de multiplicidades, uma
mistura de coisas no misturveis (o chi-
clete com banana, na sabedoria popular de
Jackson do Pandeiro), uma mestiagem.
Se pensarmos o currculo como rizoma e
no como rvore, as disciplinas j no se-riam gavetas que no se comunicam, mas
tenderiam a soar como linhas que se mis-
turam, teia de possibilidades, multiplicidade
de ns, de conexes, de interconexes. Se a
rvore no estimula e mesmo no permite
o dilogo, o rizoma, ao contrrio, em sua
promiscuidade, estimula os encontros e as
conjunes. Mas se a imagem da rvore im-
plica um currculo como sistema echado e
unitrio, a imagem do rizoma, por sua vez,
implica um currculo como sistema aberto
e mltiplo. Isto , no um currculo, mas
muitos currculos. No um mapa, mas mui-
tos mapas. No um percurso, mas inmeros
percursos. E sempre com pontos de partidae pontos de chegada distintos. O que no
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inviabiliza encontros, mas, ao contrrio, os
possibilita, os promove, os estimula.
Assim chegamos idia de transversalida-de, criada pela losoa rancesa contempo-
rnea para armar uma produo de sabe-
res e uma circulao por entre eles que se
az de orma livre, no hierrquica, catica.
E produtiva, promotora de encontros, con-
junes, misturas, mestiagens. Se o rizoma
pode ser a imagem do currculo, ou se o cur-
rculo pode ser concebido imagem do rizo-
ma, a transversalidade o tipo de trnsito
por entre os liames de um rizoma, de um
emaranhado de saberes.
Explicando melhor: se o currculo discipli-
nar implica um planejamento prvio, uma
escolha das disciplinas que devero comporesse currculo e a determinao de seus con-
tedos, para atingir uma srie de objetivos
predeterminados pelo planejamento, num
currculo rizomtico teramos uma abertura
para todo e qualquer percurso, uma aber-
tura para as experincias. Enquanto o cur-
rculo disciplinar echado, justamente por
supor uma unidade (dada de antemo ou a
ser recuperada posteriormente, tanto az...),
um currculo rizomtico aberto, sobretudo
por ser uma aposta na multiplicidade, sem al-
mejar uma unidade dada ou a ser construda
mas, exatamente ao contrrio, um investi-
mento no desmonte de qualquer simulacro
de unidade que nos imposto.
Se o currculo disciplinar nos remete a uma
pedagogia da ordem, que investe em hie-
rarquias, planejamentos, organizaes, con-
trole, um currculo rizomtico, por sua vez,implica uma pedagogia do caos, isto , um
processo educativo que escape ao controle,
traando linhas de uga, que rompa hierar-
quias, que desaa planos prvios. Aventu-
rar-se, sem bssola, pelos mares da multi-
plicidade dos saberes.
Fica o convite...
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indiCaeSbibliogrfiCaS
O PROFESSOR INTERESSADO EM APROFUNDAR-SE EM TEMAS TRATADOS
NESTE ARTIGO PODE RECORRER S SEGUINTES OBRAS:
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Na escola, a criana aprende muito sobre o
tempo, construindo o conceito de tempo e
desenvolvendo modos de viver o tempo, ou
seja, de organizar sua ao sob o parmetro
da organizao dos tempos escolares.
Ao iniciar seu percurso escolar, a criana
tem uma noo de tempo com base em sua
vivncia amiliar e social. Em geral, para ela
tempo o que demora a passar, uma coisa
que no pra, o que alta para as rias ou
para seu aniversrio, por exemplo. O passa-
do mais vago, sendo necessrio trabalhar
sua ligao com o presente, bem como de-
senvolver atividades para a aprendizagem
de certas dimenses como durao, veloci-
dade, sequncia e medida do tempo. Para
construir o conceito de tempo essas ativida-
des so importantes a criana vai ultrapas-
sar a noo de tempo vivido medida que
perceber melhor o que passa rpido, o que
dura muito, o mais antigo e o mais novo, o
que veio antes e depois, o agora, o amanh,
os ciclos da vida. Tambm a medida do tem-
po em anos, meses, semanas, dias, horas,minutos, segundos ser aprendida com a
ajuda do proessor. Essa aprendizagem do
conceito de tempo se associa estreitamente
com a aprendizagem dos contedos das dis-
ciplinas que constituem o currculo do En-
sino Fundamental, especialmente Histria e
Matemtica.
A aprendizagem do tempo, contudo, desdo-
bra-se para alm do que a escola prev em
seu currculo para a ormao de conceitos,
atingindo a interiorizao de modos de or-
ganizao pessoal, de acordo com as regras
escolares de emprego do tempo.
TEXTO 3 (A e B)
CURRCULO: TEMPOS E ESPAOS
texto a - CurrCuloetempo
A ESCOLA, O TEMPO E AS CRIANAS
Maria das Mercs Ferreira Sampaio1
Alda Junqueira Marin2
1 Mestre e doutora em Educao pela PUC/SP.2 Proessora da PUC - SP.
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Na escola, o tempo um grande organiza-
dor da atividade e o padro que o tempo
escolar seja sempre controlado e ocupado.
De ato, a disciplina do tempo uma dasprincipais aprendizagens escolares, que se
estende enquanto dura o processo de esco-
larizao, e se desenvolve a cada ano, a cada
ms e a cada dia letivo.
Mas as pessoas tm ritmos biolgicos e dis-
posies emocionais dierentes, e por isso
tambm varia a sua percepo do tempo: a
mesma situao pode parecer muito rpida
para alguns, enquanto outros sentem que
o tempo se arrastou. Mesmo assim, o tem-
po cronometrado parmetro e medida
para todos, independentemente dos tempos
pessoais que ainda persistem, enquanto se
aprende a pensar e viver na sintonia linear,escalonada e rgida do tempo escolar, subs-
tituindo modos de aprender temporalmente
mais fexveis como os da amlia.
Na escola se aprende o sentido imperativo do
tempo, que nos traz a necessidade de saber,
a cada momento, que horas so, de azer as
coisas no tempo certo, de no desperdiar
tempo. A cada dia preciso chegar a tempo,
h um tempo certo para cada atividade, no
se pode perder tempo, o tempo voa, no se
deixa nada para depois, tempo no volta, h
que se correr para acompanhar o tempo do
proessor, tem de largar a atividade mesmo
sem terminar, se acabou o tempo... pre-ciso pensar sobre essa questo, pois, desse
modo, o tempo se apresenta como algo xo,
com valor em si mesmo.
Seria possvel substituir a rigidez da ordemdas coisas no tempo pela fexibilidade na
criao do ambiente educativo desaador
e convidativo? O que, de ato, ensinamos a
nossos alunos por meio da organizao do
tempo escolar? O que mais gostaramos de
lhes transmitir, avorecendo seu desenvolvi-
mento?
O desenvolvimento humano ocorre num
longo e contnuo processo de aprendizagens
e relaes sociais, ao longo do qual nos in-
serimos na cultura comum e tambm nos
tornamos indivduos singulares. Assim, as
crianas, nas dierentes situaes sociais,
enquanto aprendem comportamentos, va-lores e costumes de sua cultura, tambm
desenvolvem a linguagem, o pensamento,
a conscincia e modos de viver e atuar no
mundo, que as distinguem dos demais. Tem
muita importncia o ambiente oerecido s
crianas, pois ambiente educativo o que
acolhe, abre perspectivas, possibilita esco-
lhas, oerece parmetros para a crtica so-
cial, infuindo na ormao de indivduos
participantes e criativos.
No exerccio de sua uno, a instituio es-
colar educa as novas geraes de modo pe-
culiar, ao mesmo tempo em que reproduz e
produz a cultura da sociedade. A orma es-colar de socializao marcada por deter-
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minados modos de organizao de tempos,
espaos, saberes, normas e ritos, que per-
mitem distinguir e identicar a escola em
dierentes sociedades. So os traos de suacultura institucional, historicamente consti-
tuda e sedimentada em prticas.
Historicamente, espaos e tempos escolares
organizam-se para a ordem e para o mximo
rendimento, para relaes que classicam,
separam e aastam saberes e tambm pesso-
as, emoes, necessidades particulares. Em
relao s regras de emprego do tempo na
escola, sua aprendizagem resulta em autodis-
ciplina, sinalizada pela relao intensa com
o relgio. Observa-se que, nessa organizao,
o currculo sore a determinao dos tempos
escolares e tambm a organizao do curr-
culo reora a aprendizagem de saberes quese esgotam nos recortes do tempo.
Assim, ormatando as situaes de ensino
e aprendizagem nos recortes horrios em
que se dispe o dia letivo, ormata-se tam-
bm o processo de conhecimento. O prprio
conhecedor, por meio dos procedimentos
usuais de descontinuidade e ragmentao,
acaba por limitar-se ao uso das inormaes
prontas para aplicar, exercitar e memorizar.
Ento, a aprendizagem escolar do tempo
sempre uma imposio e sempre desavor-
vel ao desenvolvimento das crianas.
No bem assim, pois a aprendizagem so-
ciocultural do tempo necessria para or-
ganizar a vida das pessoas nos parmetros
da vida social, o que se constri nas relaes
de ajuste e equilbrio das necessidades do in-divduo aos tempos e costumes da vida em
comum. A questo que o tempo de apren-
der um tempo de cada um, com seu ritmo
prprio e, ainda, o tempo dos estudantes
marcado por vivncias de outros espaos,
por aetos e expectativas de outras situa-
es de sua vida. Para que as crianas che-
guem a organizar-se nos tempos do grupo e
consigam dar sentido a seu prprio tempo,
preciso que encontrem condies para ex-
perimentar, optar e encontrar equilbrio en-
tre necessidades e desejos pessoais e a orga-
nizao coletiva, a avor de todos. E educar
nessa direo exige conhecer os estudantes
e pensar cuidadosamente o que se prope,para que a aprendizagem do tempo esco-
lar amplie os recursos pessoais dos alunos,
e no os empobrea, ignorando os indcios
do que podem atingir e do que az sentido e
combina com o seu tempo.
Segurar-se sentado por horas a o no com-
bina com o tempo dos alunos. Isto pode pro-
duzir amortecimento da curiosidade, dis-
perso do pensar, divagaes interminveis,
mas no resulta em aprendizagens signi-
cativas, no introduz no processo humano
mais sosticado de conhecer, que relacio-
nal e envolve pensar, perguntar, alar e, tam-
bm, calar e elaborar. Aluno em atividadeprecisa sentar, andar, comunicar-se, parar
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e retomar o rumo, azer tentativas e pergun-
tar, para que possa compreender o sentido
e a importncia do que lhe proposto em
sala de aula, ou no aguenta e acha as aulaschatas, insuportveis.
Quando os educadores buscam transormar
a escola em que atuam, porque acreditam
que seu trabalho
pode avorecer o
crescimento dos
alunos e os rumos
de sua insero so-
cial. De ato, suas
prticas tanto po-
dem contribuir
para sedimentar,
como para com-
bater preconceitose discriminaes
sociais; podem propiciar a criao de estru-
turas mais rgidas, ou mais fexveis e cria-
tivas de pensar e agir. Atuando numa dire-
o mais transormadora, a escola contribui
para ortalecer e ormar pessoas que, mais
do que apenas se adaptar, podem resistir
a imposies, enrentar limites e desaos,
criar alternativas, deender seus direitos e
ajudar na inveno de modos mais justos e
solidrios de viver em sociedade.
Denir os rumos e inovar, preservando pr-
ticas e tradies que azem sentido, d mui-
to trabalho e exige refexo desse coletivode educadores. Exige perguntar e perguntar
sobre os modos de organizar o trabalho, os
tempos e os espaos na escola, para com-
preender as prticas vigentes e o que justi-
ca sua presena, e mais: exige analisar deti-damente o currculo, como pea central da
atuao mais especca e singular da escola.
Ou seja, se tempos e espaos orem dispostos
a servio de uma
relao de conhe-
cimento mais rica
e ecunda para to-
dos os alunos, ser
necessrio alongar
ou encurtar tem-
pos, abrir ou par-
tilhar espaos, tor-
nar mais rgeis as
ronteiras entre asdisciplinas, desco-
brir novos modos de viver a educao esco-
lar e novas relaes dos estudantes com o
conhecimento.
J temos algumas providncias em anda-
mento. Por exemplo: a Lei n. 9.394/96, de Di-
retrizes e Bases da Educao Nacional, legi-
timou a possibilidade de organizar o ensino
por ciclos e no mais por sries anuais, em
respeito a necessidades de aprendizagem
das crianas. Nessa modalidade, permite-se
aos alunos que avancem na aprendizagem
em seu ritmo, de modo mais lento ou mais
rpido, e altera-se a avaliao, que passa aser contnua, sem as interrupes ao nal
Quando os educadores
buscam transormar a escola
em que atuam, porque
acreditam que seu trabalho
pode avorecer o crescimento
dos alunos e os rumos de sua
insero social.
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de cada ano para decidir sobre a continui-
dade, ou no, dos alunos na sequncia dos
estudos.
Esse modo de orga-
nizar o tempo do
processo de ensino
exige outras modi-
caes, implica
quebra de prticas
j sedimentadas h
mais de um sculo.
toda a organiza-
o da escola que
se altera quando
o tempo muda. Os
tempos mais fe-
xveis, na organizao em ciclos, exigem
repensar a seleo e a distribuio dos con-tedos curriculares, tradicionalmente en-
gatados ao critrio de seriao. No tendo
mais lugar a escolha por sries, retoma-se
a discusso sobre as aprendizagens bsicas
e inegociveis, sobre os conceitos centrais
necessrios como erramentas para pensar
e compreender a prtica social.
No entanto, as mudanas s acontecero
no interior da escola, na atuao dos edu-
cadores, que precisam refetir sobre o sen-
tido de suas prticas. Quem est no interior
da escola sabe muito bem que h caminhos
para inventar a es-
cola do ensinar eaprender, na qual
os tempos e espa-
os estaro a servi-
o da implementa-
o de alternativas
criadas, para um
melhor trabalho,
pelo coletivo de
seus prossionais.
O que se preten-
de constituir um
ambiente srio e
agradvel para um
trabalho educativo ecundo e produtivo. No
horizonte das buscas, o que se deseja vivertempos alargados e fexveis, para a expan-
so das possibilidades humanas de proes-
sores e alunos. O que se pergunta, ento, do
interior de cada escola, : quais seriam as
possibilidades de integrar atividades, alargar
os tempos de aprender, utilizar os espaos
disponveis para dierentes e novas explora-
es educativas, respeitando as necessida-
des dos alunos?
Quem est no interior da
escola sabe muito bem que
h caminhos para inventar
a escola do ensinar e
aprender, na qual os tempos
e espaos estaro a servio
da implementao dealternativas criadas, para um
melhor trabalho, pelo coletivo
de seus prossionais.
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O currculo um arteato escolar que, alm
de tratar do que e do como ensinar e apren-
der isso , alm de tratar de contedos e
de modos de ensinar e aprender, unciona
como um dispositivo que nos ensina deter-
minadas maneiras de perceber, signicar e
usar o espao. Alm disso, o currculo nos
ensina a articularmos o espao com o tem-
po. Pode-se dizer, ento, que o currculo ,
tambm, uma mquina de espacializao e
de temporalizao.
As maneiras como percebemos o espao e
o tempo, como azemos uso do espao e dotempo e o que pensamos acerca do espao e
do tempo no so propriedades ou capacida-
des naturais e inatas para ns. No nascemos
com tais capacidades; ao contrrio, elas so
aprendidas desde a nossa mais tenra idade.
Em outras palavras, a percepo do espao e
a do tempo no so atributos daquilo que se
costuma chamar de natureza humana. Am-
bos no esto dados de imediato para ns, mas
so ensinados e apreendidos, de modo que, de
sociedade para sociedade, de cultura para cul-
tura, variam as maneiras como eles so perce-
bidos, vivenciados e utilizados.
No caso do espao, por exemplo, a criana
aprende a lidar com ele de acordo com o pr-
prio ambiente em que vive, em termos do ta-
manho, orma e distribuio dos objetos, das
distncias entre eles, da sua mobilidade, etc.
Tamanho, orma, distribuio, distncias e
mobilidade uncionam como estmulos com
os quais a criana interage e aos quais ela vai
respondendo, de modo a ir se ajustando ao
seu entorno. Todo esse processo acontece nas
complexas relaes culturais que estabelece-
mos socialmente.
Se tudo isso se inicia no ambiente amiliar,
na escola que tais relaes passam a ser par-ticularmente variadas e desaadoras. O am-
biente social da escola extremamente rico
em dierentes conguraes espaciais e em
mltiplos rituais e prticas que distribuem
espacialmente as coisas. Essas coisas sejam
objetos, sejam pessoas ocupam lugares que
so determinados em uno de suas respecti-
vas unes, importncia, papis que desem-
penham, etc. Anal, a escola representa, na
maioria das vezes, o primeiro ambiente em
que a criana permanece por vrias horas, dia-
riamente, num espao relativamente conna-
do e com alta densidade populacional.
Em boa parte por causa desse connamento
texto b - CurrCuloeeSpao
Alredo Veiga-Neto1
1 Mestre em Gentica. Doutor em Educao. Proessor do Programa de Ps-Graduao em Educao(mestrado) da Universidade Luterana do Brasil ULBRA.Proessor Convidado do Programa de Ps-Graduao emEducao (mestrado e doutorado) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.
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concentrado, as salas de aula oram organiza-
das de maneira a manter os alunos e as alunas
distribudos de modos mais ou menos rgidos,
mas sempre bastante codicados. Assim, porexemplo, nas salas de aula h lugares tradicio-
nalmente previstos para o proessor ou a pro-
essora, bem como para os alunos e as alunas.
Onde e como cada um se senta, como cada um
se movimenta e usa o espao e o uso de gestos
no so atos naturais e nem sempre acontece-
ram da mesma ma-
neira. E mesmo que
se adotem prticas
pedaggicas mais
inovadoras e tidas
como mais livres
como a distribuio
circular de alunos e
proessores , sem-pre possvel iden-
ticar aquilo que
permitido ou proi-
bido, recomendvel
ou reprovvel, normal ou anormal azer.
Mesmo as prticas menos regradas, menos
disciplinares, tm de obedecer, implcita ou
explicitamente, algumas normas e acordos,
sob o risco de se criarem situaes com pouco
ou nenhum aproveitamento de aprendizagens
signicativas. Na ausncia de qualquer ordem
espacial, logo se estabelece o caos.
no ambiente social da escola, ento, que
aprendemos e internalizamos boa parte da-quilo que pensamos ser o espao e aquilo que
somos capazes de azer no espao em que vi-
vemos. As expresses a escola prepara para a
vida ou a escola ensina a viver tm, desse
modo, mais do que uma importncia retrica:alm de ensinar conhecimentos e valores, a es-
cola, com seus variados e numerosos rituais,
ensina muitos cdigos de convvio social que
implicam o uso que cada um pode ou deve a-
zer do espao.
Chamamos de cur-
rculo todo o con-
junto de preceitos
e procedimentos
que colocam em
uncionamento, na
educao escolar,
as atividades de en-
sinar e aprender. Spor isso, j se pode
dizer que ele uncio-
na nos ensinando a
usar determinadas
maneiras de perceber, signicar e usar o espa-
o. Mas, alm disso, e num sentido mais sutil
e quase imperceptvel para muitos, o currculo
promove uma articulao entre o espao e o
tempo, de modo que, de uma s vez, ele nos
ensina sobre o espao, sobre o tempo e sobre
as relaes entre ambos. Vejamos isso mais de
perto, ainda que resumidamente.
Como bem sabemos, o currculo oi inventa-
do, h menos de 500 anos, com o objetivo deordenar/organizar o que e como ensinar nas es-
no ambiente social
da escola, ento, que
aprendemos e internalizamos
boa parte daquilo que
pensamos ser o espao e
aquilo que somos capazes deazer no espao em
que vivemos.
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