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TERRORISMO INTERNACIONAL E POLTICA EXTERNA BRASILEIRA APS O 11 DE SETEMBRO

MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

Ministro de Estado Secretrio-Geral

Embaixador Celso Amorim Embaixador Antonio de Aguiar Patriota

FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

Presidente INSTITUTO RIO BRANCO

Embaixador Jeronimo Moscardo

Diretor

Embaixador Fernando Guimares Reis

A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

Ministrio das Relaes Exteriores Esplanada dos Ministrios, Bloco H Anexo II, Trreo, Sala 1 70170-900 Braslia, DF Telefones: (61) 3411-6033/6034 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br

CIRO LEAL M. DA CUNHA

Terrorismo internacional e poltica externa brasileira aps o 11 de setembroPrmio Azeredo da Silveira - 2o lugar entre as dissertaes apresentadas no Mestrado em Diplomacia do IRBr, 2004-2005

Braslia, 2010

Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de Gusmo Ministrio das Relaes Exteriores Esplanada dos Ministrios, Bloco H Anexo II, Trreo 70170-900 Braslia DF Telefones: (61) 3411-6033/6034 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br E-mail: [email protected]

Capa: Emanoel Arajo Grande Relevo Branco - sem data Madeira esmaltada de branco, 2,7x11,17m Equipe Tcnica: Eliane Miranda Paiva Maria Marta Cezar Lopes Cntia Rejane Sousa Arajo Gonalves Erika Silva Nascimento Jlia Lima Thomaz de Godoy Juliana Corra de Freitas Programao Visual e Diagramao: Juliana Orem e Maria Loureiro

Impresso no Brasil 2010 Cunha, Ciro Leal M. da. Terrorismo internacional e a poltica externa brasileira aps o 11 de setembro / Ciro Leal M. da Cunha. Braslia : Fundao Alexandre de Gusmo, 2009. 216p. Dissertao (Mestrado) Instituto Rio Branco. 2005 ISBN: 978.85.7631.190-4 Poltica externa Brasil. 2. Terrorismo. I. Ttulo. II. Instituto Rio Branco. CDU 327(81) CDU 323.28(73)

Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

A Renata.

Agradecimentos

Devo enorme gratido a algumas pessoas e instituies em razo do apoio com que me presentearam na elaborao deste trabalho. Em primeiro lugar, agradeo ao meu orientador, Ministro Alexandre Guido Lopes Parola, seu exemplo, confiana e disposio a ensinar. Devo muitssimo a Renata, minha companheira, por seu apoio incondicional, pacincia, interesse e carinho. Espero que este trabalho faa jus, ao menos, a um de seus dias perdidos em meu auxlio; duvido poder, um dia, retribuir. A minha famlia, por tudo lhe sou eternamente grato. Como sempre, no me faltaram; seu estmulo e compreenso mostraram meu caminho e o abriram. Espero jamais decepcion-los. Aos colegas e mestres do Instituto Rio Branco, agradeo de corao o aprendizado dirio proporcionado no perodo to marcante do curso. O Instituto, que propiciou a alegria de elaborar esta dissertao, ter sempre meu reconhecimento e carinho profundos. Fao meno especial ao colega e amigo Leonardo de Almeida Carneiro Enge, grande incentivador desta publicao. Na Secretaria de Estado das Relaes Exteriores, obtive o apoio necessrio pesquisa e anlise contidas neste estudo. Fao meno especial ao Embaixador Marcos Vincius Pinta Gama e ao Secretrio Marcus Rector Toledo Silva, ento na CG-COCIT; e ao Ministro Achilles Emlio Zaluar Neto, poca na DNU.

A Universidade de Braslia, a Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, o Instituto Brasileiro de Cincias Criminais e o Senado Federal, com suas excelentes bibliotecas, prestaram valioso auxlio s pesquisas que desembocaram neste estudo. Expresso, por fim, minha gratido ao Professor Guido Fernando Silva Soares, que me apresentou ao tema fascinante do terrorismo e beleza da carreira diplomtica. Sua memria segue como inspirao.

Lista de abreviaturas e siglas

ABACC: Agncia Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares ABIN: Agncia Brasileira de Inteligncia ACNUR: Alto Comissariado das Naes Unidas para os Refugiados ADM: arma de destruio macia AGNU: Assembleia Geral das Naes Unidas AIEA: Agncia Internacional de Energia Atmica ALCA: rea de Livre Comrcio das Amricas AMIA: Asociacin Mutual Israelita Argentina ASEAN: Association of Southeast Asian Nations BCB: Banco Central do Brasil BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento Brasemb: Embaixada do Brasil CAT: Comit Antiterrorismo CDH: Comisso de Direitos Humanos CIA: Central Intelligence Agency CICAD: Comisso Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas CICTE: Comit Interamericano Contra o Terrorismo CIDH: Comisso Interamericana de Direitos Humanos CNEN: Comisso Nacional de Energia Nuclear COAF: Conselho de Controle de Atividades Financeiras

COCIT: Coordenao-Geral de Combate aos Ilcitos Transnacionais CONARE: Comit Nacional para os Refugiados CPAB: Conveno sobre a Proibio de Armas Biolgicas CPAQ: Conveno sobre a Proibio de Armas Qumicas CSNU: Conselho de Segurana das Naes Unidas CTBT: Comprehensive Test Ban Treaty CTNBio: Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana Cpula ASPA: Cpula Amrica do Sul - Pases rabes Delbrasonu: Misso do Brasil junto s Naes Unidas Delbrasupa: Misso do Brasil junto Organizao dos Estados Americanos DNU: Diviso das Naes Unidas DRCI: Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional ENCLA: Estratgia Nacional de Combate Lavagem de Dinheiro EUA: Estados Unidos da Amrica FARC: Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia FATF: Financial Action Task Force FBI: Federal Buerau of Investigation FMI: Fundo Monetrio Internacional G4: Grupo dos Quatro G7: Grupo dos Sete GAFIC: Grupo de Ao Financeira do Caribe GAFI: Grupo de Ao Financeira GAFISUD: Grupo de Ao Financeira da Amrica do Sul GSI: Gabinete de Segurana Institucional GTE: Grupo de Trabalho Especializado sobre Terrorismo Interpol: International Criminal Police Organization IPCC: Comit Intergovernamental de Mudana de Clima IRA: Irish Republican Army JID: Junta Interamericana de Defesa Mercosul: Mercado Comum do Sul MNA: Movimento No Alinhado MP: Ministrio Pblico MRE: Ministrio das Relaes Exteriores MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NSS: The National Security Strategy of the United States of America OCDE: Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

OEA: Organizao dos Estados Americanos OMC: Organizao Mundial do Comrcio ONG: organizao no governamental ONU: Organizao das Naes Unidas OPAQ: Organizao para a Proscrio de Armas Qumicas OTAN: Organizao do Tratado do Atlntico Norte PDN: Poltica de Defesa Nacional (Decreto 5.484/05) PF: Polcia Federal PM: Polcia Militar RBPI: Revista Brasileira de Poltica Internacional SDQBNEx: Sistema de Defesa Qumica Biolgica e Nuclear SERE: Secretaria de Estado das Relaes Exteriores SGNU: Secretrio-Geral das Naes Unidas SISBIN: Sistema Brasileiro de Informaes SIVAM: Sistema de Vigilncia da Amaznia STF: Supremo Tribunal Federal TIAR: Tratado Interamericano de Assistncia Recproca TNP: Tratado de No Proliferao Nuclear UE: Unio Europeia UIF: Unidade de Inteligncia Financeira URSS: Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

Sumrio

Introduo, 15 1.A temtica do terrorismo no ps-11 de Setembro, 21 1.1.Ordem e agenda internacionais, 21 1.2.O regime internacional antiterrorista, 26 2.Caractersticas gerais do regime internacional antiterrorista, 31 2.1.Repdio inequvoco ao terrorismo, 31 2.2.O terrorismo como ameaa paz e segurana internacionais, 34 2.2.1.A perspectiva acadmica o novo terrorismo, 36 2.2.2.O tema no Conselho de Segurana das Naes Unidas, 39 2.3.Os deveres de preveno e represso viso geral, 44 3.O cumprimento das normas estabelecidas, 47 3.1.Repdio inequvoco do terrorismo, 48 3.2.Providncias brasileiras quanto preveno e represso, 49 3.2.1.Direito brasileiro, 49 3.2.2.Vinculao s normas internacionais (tratados e resolues), 51 3.2.3.Preparo institucional, 53 3.2.4.Cooperao internacional, 55 3.2.5.Armas de destruio macia (ADMs), 60 3.2.6.Financiamento do terrorismo, 66 3.2.7.Trplice Fronteira, 76 3.3.Concluses parciais, 83

4.O regime em construo viso geral, 85 4.1.EUA, 85 4.1.1.A Estratgia de Segurana Nacional, 89 4.1.2.O segundo mandato de Bush, 94 4.1.3.Posicionamento dos EUA resumo, 95 4.2.Reino Unido, 98 4.3.Frana, 101 4.4.China, 104 4.5.Rssia, 107 4.6.Concluses parciais, 111 5.O regime em construo posies brasileiras, 113 5.1.Baixa prioridade do tema na agenda externa, 113 5.1.1.Antiterrorismo: oportunidade contra o crime organizado, 117 5.2.Prioridade ao desenvolvimento na agenda externa, 119 5.3.nfase nas causas subjacentes do terrorismo, 122 5.3.1.Perspectiva comparada EUA e a noo de Estados fracassados, 129 5.4.Oposio, em princpio, resposta militarizada, 133 5.4.1.Conselho de Segurana das Naes Unidas, 135 5.4.2.Contexto hemisfrico, 138 5.4.3. A invocao do TIAR, 143 5.4.4.Colmbia soluo pacfica e contrariedade s listas de terroristas, 144 5.5.Fortalecimento do multilateralismo e do direito internacional, 150 5.5.1.A defesa dos direitos humanos no combate ao terrorismo, 156 5.5.2.Apoio conveno abrangente sobre terrorismo, 159 5.6.Concluses parciais, 163 Concluso, 167 Referncias, 173 Livros e artigos, 173 Artigos de jornais e revistas, 195 Documentos, 200 Discursos, 211 Entrevistas ao autor, 214

Introduo

O objetivo deste trabalho descrever e analisar as principais diretrizes da poltica externa brasileira quanto ao tema do terrorismo internacional aps o 11 de Setembro. Tenciona-se compreender, basicamente, o teor e as razes dessas orientaes, alm de avaliar os riscos e as oportunidades que a temtica do terrorismo apresenta ao Brasil. Para tanto, as posies brasileiras e suas motivaes so comentadas em um quadro formado pelo presente contexto internacional e suas repercusses no tratamento do terrorismo, pelas linhas tradicionais e atuais da diplomacia brasileira e pelos interesses nacionais mais diretamente relacionados temtica do terrorismo internacional. Devido ao carter predominantemente descritivo e analtico deste trabalho, foram empregados, mormente, os mtodos histrico e hermenutico. Com o primeiro, buscou-se a reconstituio das posies recentes da poltica externa brasileira quanto ao tema, bem como de suas motivaes, e do ambiente internacional em que se inserem. J com o segundo, visou-se interpretao dos materiais pesquisados, sobretudo documentos e discursos diplomticos. No se trata, destarte, de investigao terica. No se especula sobre importantes pontos como o conceito de terrorismo e suas causas, a no ser como parte do objeto central desta dissertao. Tampouco se estabeleceu um marco terico rgido em que se inserisse o esforo analtico geral. No obstante, conceitos como regime internacional,15

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hegemonia e ordem internacional foram centrais apresentao e organizao dos problemas tratados neste estudo. A escolha do tema justificada, em primeiro lugar, pela atual mudana no perfil dos conflitos armados, sua multiplicao e globalizao. Os conflitos armados envolvendo entes no estatais tendem, hodiernamente, a ocorrer com elevada frequncia, em detrimento das guerras tradicionais. Estas minguam, dentre outras razes, por haver poucas disputas de fronteiras e em funo da possibilidade de escalada nuclear. Em oposio, outras formas de conflitos armados (novos conflitos) proliferam. Tornou-se menos complexa a aquisio e a operao tcnica de armamentos de enorme poder destrutivo por entes no estatais. A Guerra Fria inundou o mundo com armas sofisticadas, as quais o fim da bipolaridade disponibilizou a grupos no estatais, especialmente nos arsenais da ex-URSS. Os particulares, hoje, detm tambm os meios financeiros para armar-se pesadamente. Essa convergncia de fatores gera a atual multiplicao de grupos armados independentes dos Estados, prontos a combater. Enfim, as armas esto disponveis, o conhecimento tecnolgico de fcil operao e os recursos necessrios no so proibitivamente vultosos. natural, portanto, como aponta F. Reinares, que os ataques terroristas causem mais mortes, mesmo nos perodos em que seu nmero diminui.1 De fato, tm-se observado inmeros conflitos sangrentos envolvendo entes outros que os Estados. Evidencia-se claramente, assim, o retorno da iniciativa civil (no estatal) guerra. Isso aumenta a necessidade do estudo dos novos conflitos, dos quais o terrorismo espcie.2 A intensa e crescente transnacionalizao do terrorismo justifica a escolha por estudar o tema em sua face internacional. A linha divisria entre conflitos internos e internacionais tende a desaparecer. A globalizao, acentuada a partir dos anos 1990 e fundada na inovao tecnolgica, acelerou o tempo, reduziu os espaos e estreitou a distncia entre o interno e o externo. Faz o mundo funcionar por meio de redes, entre elas as finanas, a produo, o1 E.J. Hobsbawm, O novo sculo: entrevista a Antonio Polito, So Paulo, Companhia das Letras, 2000, pp. 16-20,41-46; E.J. Hobsbawm, A epidemia da guerra, in Folha de S. Paulo, 14.04.2002, caderno mais! n 531, pp. 06-10; W. Laqueur, The new terrorism fanaticism and the arms of mass destruction, New York, Oxford University, 1999, pp. 04-05; F. Reinares, Terrorismo y antiterrorismo, Barcelona, Paids, 1998, p. 212; L. Martnez-Cards, El terrorismo: aproximacin al concepto, in Actualidad Penal 1 (1998), p. 484; P. Wilkinson, Terrorism and the liberal state, London, Macmillan, 1977, p. 181. 2 E.J. Hobsbawm, A epidemia... cit., pp. 06-10.

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INTRODUO

crime organizado e o terrorismo. Com efeito, segundo aponta R.O. Keohane, [w]hen globalism is characterized as multidimensional, () the expansion of terrorisms global reach is an instance of globalization.3 Por conseguinte, o terrorismo mais frequentemente dotado de internacionalidade que no passado, tanto em seu cometimento quanto em suas repercusses. Esse atributo vem sendo demonstrado, como na operao que resultou nos ataques do 11 de Setembro. Importa, pois, que os estudos sobre terrorismo focalizem seus aspectos internacionais.4 Em segundo lugar, mostra-se relevante, nesse contexto, o estudo das diversas posies de poltica externa, inclusive a brasileira, acerca do terrorismo. Tal exame pode fornecer subsdios compreenso de como o terrorismo afeta os Estados e, adicionalmente, de maneiras possveis de os governos lidarem com o fenmeno. O tema tambm justificado, em terceiro lugar, em razo da importncia do terrorismo na agenda internacional e de suas repercusses para a ao externa do Brasil. Apesar de, recentemente, no ter sido alvo direto de ataques terroristas internacionais, o Pas viu-se colocado em situaes nas quais importantes interesses seus relacionavam-se ao tema. Desde o incio da dcada de 1990, e mais intensamente aps os atentados de 11 de Setembro, existem suspeitas de que a Trplice Fronteira abrigaria grupos terroristas e financiadores do terrorismo. Em decorrncia daqueles atentados, o Pas invocou o Tratado Interamericano de Assistncia Recproca (TIAR), considerando-os uma agresso s Amricas. Recentemente, houve presses, aparentemente difusas, para que o governo brasileiro classificasse as Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia (FARC) como grupo terrorista. Devese, ademais, ter em conta que a Constituio Federal de 1988 tem no repdio ao terrorismo um princpio das relaes exteriores brasileiras (art. 4, VIII). Por fim, o marco temporal escolhido para o estudo justifica-se devido ao aumento na relevncia do terrorismo na agenda internacional aps o3 Conforme R.O. Keohane, [t]he globalization of informal violence was not created by September 11. Indeed, earlier examples, extending back to piracy in the seventeenth century, can be easily found. But the significance of globalization of violence, as well as economically and socially is not its absolute newness but its increasing magnitude as a result of sharp declines in the costs of global communications and transportation. 4 R.O. Keohane, The globalization of informal violence, theories of world politics and the liberalism of fear, in Dialog-IO 1 (2002) pp. 29-43; C. Lafer, A identidade internacional do Brasil e a poltica externa brasileira passado, presente e futuro, So Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 17, 63.

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11 de Setembro e importncia histrica do perodo. Como coloca A. Remiro Brotns, [e]l terrorismo se ha destacado, as, a partir del 11 de septiembre de 2001, sobre cualquier otra amenaza, vieja o nueva, a la paz y la seguridad internacionales. Conforme o Chanceler Celso Amorim, o mundo vive, sob o impacto das grandes interrogaes surgidas do 11 de Setembro e da recente invaso do Iraque, diante de uma encruzilhada, momento to decisivo quanto 1945.5 Diante desse quadro, afigura-se relevante o estudo da poltica externa brasileira com relao ao terrorismo internacional aps o 11 de Setembro. O trabalho est organizado da seguinte forma: no captulo 1, desenvolvese reflexo acerca do impacto do 11 de Setembro nas relaes internacionais e nos esforos internacionais antiterroristas, com o objetivo de contextualizar e delimitar o estudo das posies brasileiras sobre o tema proposto. Enfocase o tratamento do terrorismo como um regime internacional que apresenta normas estabelecidas e, ao mesmo tempo, importantes pontos em discusso. A partir de ento, o estudo dividido em duas partes: a primeira, sobre do cumprimento, pelo Brasil, das regras antiterroristas postas e a segunda, sobre as posies brasileiras para os aspectos em construo do regime em tela. O captulo 2 trata de caractersticas gerais do regime internacional antiterrorista estabelecido. Ressaltam-se a evoluo do tratamento do flagelo rumo a sua condenao inequvoca pela comunidade internacional, a insero do terrorismo no temrio da segurana internacional e os deveres gerais de preveno e represso desse delito. Objetiva-se, assim, preparar a discusso central da primeira parte do estudo o cumprimento das obrigaes antiterroristas pelo Brasil que trazida no captulo 3. Neste, a considerao de medidas internas justifica-se em razo da natureza das normas internacionais antiterroristas, que determinam, em geral, medidas nacionais de preveno e represso. No captulo 4, introduz-se a segunda parte da anlise as discusses sobre a parcela em construo do regime internacional antiterrorista , ao se analisarem, brevemente, as posies dos cinco pases com assento permanente no Conselho de Segurana das Naes Unidas (CSNU). Visa-se, assim,A. Remiro Brotns, El orden internacional tras los atentados del 11 de septiembre de 2001, in Revista Espaola de Derecho Internacional 1-2 (2001), p. 126; C. Amorim, O Brasil e os novos conceitos globais e hemisfricos de segurana, in Brasil, Ministrio da Defesa, Seminrio Atualizao do pensamento brasileiro em matria de defesa e segurana, disponvel [on-line] in https://www.defesa.gov.br/enternet/sitios/internet/ciclodedebates/textos.htm [15.09.2004].5

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INTRODUO

demonstrar, primeiro, a existncia de desacordos a respeito de pontos centrais do tratamento do terrorismo internacional e, segundo, estabelecer as principais tendncias para esse tratamento. Pode-se, assim, melhor visualizar o contexto em que se inserem as posies brasileiras sobre o regime em construo, assunto do captulo 5. Neste, busca-se cotejar o discurso externo brasileiro sobre terrorismo com as orientaes gerais da ao externa do Pas e seus interesses mais concretos. O captulo traz uma tentativa de sistematizar os aspectos centrais da viso brasileira acerca do regime em construo. Por fim, o captulo Concluso sintetiza os resultados do trabalho.

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1. A temtica do terrorismo no ps-11 de Setembro

Agrande importncia dos atentados de 11 de setembro de 2001 torna inadivel o esforo, terico e poltico, de avaliar de que forma impactaram o tratamento internacional do terrorismo. No presente captulo, trata-se da centralidade obtida pelo tema na agenda internacional e da maior disposio da comunidade internacional a reforar as medidas de preveno e represso do flagelo, ainda que importantes discusses sobre o terrorismo permaneam em aberto. 1.1. Ordem e agenda internacionais Num plano simblico, os atentados a Nova York e Washington representam o fim dos felizes anos 90 iniciados com a queda do Muro de Berlim, da era Clinton e da ideia de fim da histria. Simboliza, em verdade, a era de muros, reais ou virtuais, como aqueles entre Israel e Gaza, ao redor da Unio Europeia (UE) e na fronteira entre EUA e Mxico.6 No mbito das relaes internacionais, em geral, os analistas parecem dividir-se entre, de um lado, os que interpretam os atentados como ponto de inflexo profunda na ordem ou no sistema internacional, e, de outro, aqueles que enxergam somente uma modificao significativa na agenda internacional.6

S. Zizek, A fortaleza Amrica, in Folha de S. Paulo, 07.11.2004, disponvel [on-line] in http:/ /www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0711200404.htm [07.11.2004].

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Dentre aqueles est C. Lafer, ao afirmar que o mundo mudou. A lgica das relaes internacionais tenderia a tornar-se hobbesiana e as relaes internacionais, moda de Carl Schmitt, a polarizar-se entre amigos e inimigos tudo isso com a decorrente maior proeminncia dos temas de segurana. As expectativas por apoios e alinhamentos teriam passado a ser mais expressivas, reduzindo o espao para nuanas.7 No mesmo sentido,A.C. Lessa e F.A. Meira veem o realinhamento das relaes internacionais, como aps a queda do Muro de Berlim, agora com os novos conceitos de segurana internacional no centro da agenda diplomtica. D.L. Rosenfield tambm diagnostica mudanas profundas: o terrorismo islmico, ao exigir novos enfoques diplomticos e militares, teria gerado uma reconfigurao geopoltica na qual aliados dos EUA, como Egito e Paquisto, passariam a ser mais importantes que aliados tradicionais como Frana e Alemanha. G.M.C. Quinto v uma redefinio do funcionamento do sistema internacional, tendo sido deslocados os eixos diplomtico e estratgico em benefcio de maior unipolaridade dos EUA o que teria levado muitos pases a uma viso hobbesiana da realidade internacional.8 Por outro lado, R.A. Barbosa analisa o ps-11 de Setembro como um misto de ruptura e continuidade: a agenda poltica internacional teria mudado, no a ordem internacional. O cmbio desta dependeria de novo arranjo global entre as principais potncias militares, processo de longo prazo nesse ponto, o autor parece aproximar-se do realismo estrutural, que prioriza a anlise dos polos de poder na descrio do sistema internacional.97 R.A. Barbosa, Os Estados Unidos ps 11 de setembro de 2001: implicaes para a ordem mundial e para o Brasil, in RBPI 1 (2002), p. 72; C. Lafer, Mudam-se os tempos: diplomacia brasileira 2001-2002, vol. 2, Braslia, Funag/IPRI, 2002, p. 51. 8 A.C. Lessa e F.A. Meira, O Brasil e os atentados de 11 de setembro de 2001, in RBPI 2 (2001), pp. 44-61; D.L. Rosenfield, Bush e o terror, in Folha de S. Paulo, 30.10.2004, disponvel [online] in http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3010200408.htm [30.10.2004]; G.M.C. Quinto, Os desafios do novo cenrio internacional de segurana e suas implicaes para o Brasil, in C. Brigago e D. Proena Jr. (orgs.), Paz e terrorismo textos do seminrio Desafios para a poltica de segurana internacional: misses de paz da ONU, Europa e Amricas, So Paulo, Hucitec, 2004, pp. 25-26. 9 Sobre realismo estrutural, ver K.N. Waltz, Theory of international politics, trad. port. de M.L.F. Gayo, Teoria das relaes internacionais, Lisboa, Gradiva, 2002. Nesse sentido parece argumentar R. Ricupero, que aponta trs fatores de mudana na mais decisiva estrutura das relaes internacionais: a consolidao do euro como moeda universal de reserva; a expanso da UE a 25 membros, com possibilidades de novos scios; e, sobretudo, a aprovao da Constituio Europeia. Teriam efeitos mais duradouros, p.ex., que o terrorismo (Nasce uma estrela, in Folha de S. Paulo, 13.02.2005, disponvel [on-line] in http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/ fi1302200505.htm [07.03.2005]). R. Ricupero, assim como R.A. Barbosa, privilegia a anlise dos plos internacionais de poder na anlise do sistema internacional.

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A TEMTICA DO TERRORISMO NO PS-11 DE SETEMBRO

Alteraram-se, contudo, as prioridades dos atores principais (EUA, UE, Japo, China e Rssia) em suas alianas e parcerias. Sobretudo em virtude da demonstrao de vontade de poder dos EUA, o terrorismo foi inserido no centro da agenda internacional, onde permanecer como dado permanente na cooperao em segurana e na formulao de poltica externa de todos os pases.10 P.R. Almeida tampouco cr numa mudana radical no sistema internacional. Concorda que a agenda alterou-se: so prioritrios os temas de segurana e de combate ao terrorismo, em detrimento das preocupaes com o desenvolvimento, agora em segundo plano. Similarmente, em 2001, C. Amorim avaliava ser cedo para considerar o 11 de Setembro um divisor de guas como os ataques nucleares ao Japo, mas seria indubitvel a modificao da agenda internacional.11 A melhor percepo parece ser a do segundo grupo de interpretaes sobre o ps-11 de Setembro. O dado essencial do funcionamento das relaes internacionais, entendido aqui como a hegemonia estadunidense, no se alterou. Passou a haver, contudo, um fortalecimento do elemento coero dessa hegemonia. Os atentados ocorreram quando os EUA, aps a vitria na Guerra Fria e uma dcada de crescimento econmico extraordinrio em que seu oramento de defesa se multiplicou , haviam atingido a plena maturidade de seu poder relativo, comparvel somente quele do Imprio Romano. Alaramse situao de superioridade incontrastvel nos campos econmico, tecnolgico e militar, traduzvel na expresso hiperpotncia.12R.A. Barbosa, Os Estados Unidos... cit., pp. 72, 81-82. Veja on-line 1723, 24.10.2001, Ricos e arrogantes, http://www.pralmeida.org/00PRAfiles/ VEJAentrevPagAmar.html [10.11.2004]; C. Amorim, Reflexes sobre o mundo ps-11 de Setembro, in Panorama da Conjuntura Internacional 12 (2001-2002), pp. 08-09. 12 R.A. Barbosa, Os Estados Unidos... cit., pp. 73-74; T. Todorov, Le nouveau dsordre mondial, trad. esp. de Z. de Torres Burgos, El nuevo desorden mundial, Barcelona, Pennsula, 2003, pp. 48-68. Conforme R.A. Barbosa, os EUA representavam, por volta de 2001, cerca de 31% do produto mundial (mais que os quatro seguintes Japo, Alemanha, Inglaterra e Frana juntos); eram os maiores importadores e exportadores do planeta (17% das importaes de bens e 8% de servios; 13% das exportaes de bens e 18% de servios, em dados de 1998); os maiores produtores industriais (cerca de 25% da produo mundial); os maiores investidores recipientes de investimentos diretos; e os principais produtores e exportadores de filmes e de programas televisivos. A superioridade tecnolgico-militar evidente e revela-se no fato de os EUA serem, historicamente, o nico ator a projetar poder militar, simultaneamente, em diferentes e distantes terrenos. Seu oramento de defesa supera a soma daqueles dos quinze seguintes. No mesmo sentido, G. Dupas, Fundamentos, contradies e conseqncias hegemnicas, in Poltica Externa 3 (2002-2003), p. 16.10 11

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Seus interesses encontram-se no mundo inteiro e h disposio a defendlos pela fora. Contudo, ao contrrio dos imperialismos tradicionais, os EUA se contentam com a no hostilidade econmica e poltica dos governos estrangeiros. Essa situao satisfatoriamente referida como hegemonia.13 No presente trabalho, entende-se hegemonia como a situao em que um pas (hegemon) exerce, sobre os demais, preeminncia militar, econmica e cultural, inspirando-lhes e condicionando-lhes as opes, tanto por fora de seu prestgio quanto em virtude de seu elevado potencial de coero e intimidao. O sistema internacional conduzido na direo desejada pelo hegemon, mas h, em geral, percepo disseminada de que o interesse geral buscado. Assim compreendida, hegemonia uma posio intermediria no binmio consenso-coero (ou influncia-domnio), oscilando no tempo entre os dois polos, mas sempre composta por ambos.14 Como se ver (4.1), a reao estadunidense aos atentados reforou a coero em detrimento do consenso no binmio que compe a noo de hegemonia. Isso no implica afirmar que as alteraes na agenda internacional em grande medida, resultado das novas prioridades dos EUA representem alteraes de pouca profundidade no funcionamento das relaes internacionais. Na verdade, a hierarquia das prioridades na poltica internacional guarda relao ntima com a ordem internacional. Parcela significativa da gesto da ordem consiste no descongestionamento da agenda do sistema internacional, por meio de sua simplificao em favor das grandes potncias. Dessa forma, alguns temas de interesse dessas potncias prevalecem sobre outros em prol da gesto mundial. Esse mecanismo requer, evidentemente, formas de controle (especialmente dominao, primazia ou hegemonia) sobre os demais Estados para que as grandes potncias possuam o poder positivo de obter dos demais atores internacionais comportamentos adequados a seus interesses e valores.15 Como afirma H. Bull, Como os estados so bastante desiguais em poder, s alguns problemas internacionais so resolvidos. As demandas de certos estadosT. Todorov, Le nouveau dsordre... cit., pp. 48-68. S. Belligni, verbete Hegemonia, in N. Bobbio et.al., Dizionario di politica, trad. port. de C.C. Varriale et.al., Dicionrio de Poltica, vol. 1, Braslia, UnB, 2004, pp. 579-81; G. Dupas, Fundamentos, contradies... cit., p. 17; B. Fausto, Hegemonia: consenso e coero, in Poltica Externa 3 (2002-2003), pp. 45-49. 15 C. Lafer, Paradoxos e possibilidades estudos sobre a ordem mundial e sobre a poltica exterior do Brasil num sistema internacional em transformao, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, pp. 96-107.13 14

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(os fracos) podem ser na prtica ignoradas, enquanto as de outros (os fortes) so admitidas como as nicas relevantes na pauta do que precisa ser resolvido.16 A desigualdade de poder entre os Estados determina que certas temticas sejam fundamentais na agenda internacional, geralmente em favor dos Estados mais fortes. Essa seletividade implica simplificao das relaes internacionais e, assim, contribui para a ordem.17 lcito, portanto, compreender que uma alterao radical da agenda internacional, como verificada aps o 11 de Setembro, provavelmente leve a um funcionamento diferente das relaes internacionais como um todo. Feitas essas ressalvas de natureza conceitual, devem-se ressaltar alguns pontos exemplificativos de alterao. notrio que a segurana passou ao topo da agenda internacional, em detrimento dos temas econmicos e da agenda do desenvolvimento. At processos integracionistas de cunho mais econmico, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Association of Southeast Asian Nations (ASEAN), so forados a considerar aspectos de segurana mais seriamente. Ao mesmo tempo, o governo Bush testa o conceito de risco moral nas finanas internacionais (os credores devem assumir a responsabilidade pelos riscos tomados, sem que o Fundo Monetrio Internacional (FMI) os salve em caso de default) no caso da Argentina, mas consideraes poltico-estratgicas ensejaram tratamentos muito mais benevolentes a Turquia e Paquisto com relao a suas dvidas externas.18 Verifica-se maior tolerncia para com aes contrrias ao Direito Internacional em nome da segurana e das polticas de poder. Com esse retorno da Realpolitik, reduzem-se os espaos para relaes de corteH. Bull, The anarchical society, trad. port. de S. Bath, A sociedade anrquica, Braslia, UnB/ IPRI; So Paulo, Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2002, p. 236. 17 H. Bull, The anarchical... cit., p. 236. Em H. Bull, ordem internacional significa um padro de atividade que sustenta os objetivos elementares ou primrios da sociedade dos estados, ou sociedade internacional (p. 13). 18 J. Almino, Reflexes sobre a guerra morna, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas polticojurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 325; J. Almino, Insero internacional de segurana do Brasil: a perspectiva diplomtica, in C. Brigago e D. Proena Jr. (orgs.), Brasil e o mundo novas vises, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 2002, pp. 57-61; A.G.A. Vallado, A autonomia pela responsabilidade: o Brasil frente ao uso legtimo da fora, in C. Brigago e D. Proena Jr. (orgs.), Brasil e o mundo novas vises, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 2002, pp. 222-25; V.C. Mello, Paz e segurana na ONU: a viso do Brasil, in C. Brigago e D. Proena Jr. (orgs.), Brasil e o mundo novas vises, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 2002, pp. 164-65.16

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grociano, de modo que mesmo comrcio e meio ambiente so temticas infectadas pela lgica de segurana.19 1.2. O regime internacional antiterrorista Como reflexo e causa das alteraes na agenda internacional que passou a ter no terrorismo um tema central , nota-se a maior cobrana que os pases sofrem para prevenir e reprimir o fenmeno. Esse recrudescimento d-se concomitantemente com alteraes significativas no tratamento internacional do tema, o que no exclui a existncia de importantes pontos em aberto nesse tratamento. sustentvel afirmar que a estrutura de combate ao terrorismo internacional atingiu, aps o 11 de Setembro, nveis de institucionalizao, cooperao e consentimento que permitem sua classificao como um regime internacional.20 A despeito da inexistncia de uma definio unnime de terrorismo, os documentos internacionais antiterroristas, sobretudo aqueles das Naes Unidas, so percebidos como sistema coerente que constitui verdadeiro cdigo de conduta na matria. A eficcia desse regime dependeria da condenao geral ao terrorismo como mtodo poltico e da fiscalizao dessa condenao pelos principais atores internacionais, sobretudo os EUA.21 J.S. Nye Jr., ao refletir sobre a cooperao internacional antiterrorista luz da noo de bem pblico global, considera no haver interesse unnime na produo do bem no terrorismo, mesmo porque h Estados que se valem do terrorismo ou o apoiam.22 Ainda que houvesse essa unanimidade,19 A.G.A. Vallado, A autonomia pela responsabilidade... cit., pp. 213-14, 222-25. Em sentido semelhante, C. Lafer, Mudam-se os tempos... cit., p. 51. Similarmente: Atos terroristas de indescritvel barbrie provocam reaes e suscitam posturas que tm o potencial de afetar os princpios do multilateralismo. O risco de guerra volta a pairar sobre o mundo. Tudo isso se reflete em crises econmicas, financeiras e polticas, que tendem a ser mais graves nos pases mais pobres. Nossa regio a Amrica do Sul tambm sofre os efeitos desses abalos. (Discurso do Embaixador Celso Amorim, por ocasio da transmisso do cargo de Ministro de Estado das Relaes Exteriores, em Braslia (1.01.2003), in L.I. Lula da Silva, C. Amorim, e S.P. Guimares, A poltica externa do Brasil, Braslia, IPRI/Funag, 2003, p. 52). 20 Na definio de R.O. Keohane: Regimes are institutions with explicit rules, agreed upon by governments, that pertain to a particular set of issues in international relations (Neoliberal institutionalism: a perspective in world politics in R.O. Keohane, International institutions and state power: essays in international relations theory, Boulder, Westview, 1989, apud L.G. Nascentes da Silva, A estruturao de uma poltica internacional sobre anti-terrorismo sob a tica da teoria dos regimes internacionais, Dissertao (Mestrado) Instituto de Relaes Internacionais da UnB, Braslia, 2003, pp. 46-70). Sobre regimes internacionais, sobretudo na rea de segurana, ver G. Lamazire, O conceito de regime internacional e o regime de noproliferao de armas de destruio em massa, in Poltica Externa 4 (1996). 21 L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 08-28.

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permaneceriam as disputas acerca da definio dos fornecedores do bem em questo, uma vez que, se todos dele se beneficiam, h grande vantagem em ser um carona (free rider), ou seja, em no contribuir. Normalmente, quando h muitos participantes pequenos, a maior parte teme arcar com custos maiores que seus benefcios, tornando mais difcil a produo do bem. Entretanto, a existncia dos EUA como pas preponderante e com o maior incentivo para a supresso do o terrorismo facilita a tarefa mas no elimina todas as disputas sobre o custeio e a tentao de no contribuir.23 nesse contexto que o regime em tela serve exatamente para induzir que alguns Estados adotem polticas antiterroristas que, de outra forma, no adotariam. Tal adeso depende, portanto, da disposio dos Estados mais poderosos a imporem as normas e princpios do regime. Afinal, mesmo sendo o hegemon atual do sistema internacional, os EUA, que so capazes de fazer tal cobrana, so incapazes de produzir, sozinhos, mecanismos antiterroristas eficazes. O carter transnacional do terrorismo demanda polticas pblicas de mbito mundial contra o fenmeno.24 Por isso, as contribuies para a produo do bem coletivo (preveno e represso do terrorismo) so exigidas e impostas, sobretudo pelos EUA,22 Conforme J.S. Nye Jr., os cticos argumentam que, se o terrorista de um o guerreiro da liberdade do outro, tratar a luta contra o terrorismo como um bem pblico internacional mera hipocrisia dos fortes, interessados em desarmar os fracos. Contudo, afirma, esse no o caso, pois nem todos os movimentos de libertao nacional causaram a morte aleatria de inocentes, e todas as grandes religies professam cdigos morais nas guerras. O terrorismo inaceitvel mesmo quando praticado pelos mais fortes. Portanto, o cerne do terrorismo claro o suficiente para que, na ONU, a conduta seja deslegitimada. Para ser um bem comum global, arremata J.S. Nye Jr., uma ampla coalizo deveria deslegitimar o uso do terrorismo (com o argumento central de condenar ataques a no combatentes) e punir os Estados que abrigam terroristas. 23 J.S. Nye Jr., A North American perspective, in THE TRILATERAL COMMISSION, Addressing the new international terrorism: prevention, intervention and multilateral cooperation, Washington D.C., The Trilateral Commission, 2003, pp. 05-14. Conforme J.S. Nye Jr., medidas militares ou de nation building implicam custos elevados, que nem todos esto dispostos a oferecer. At mesmo a perigosa ideia de desviar o terrorismo para outros pode vir a surgir. Em geral, afirma o autor, essas medidas egostas so errneas, pois cidados de muitos pases so vitimados nos ataques e alguns terroristas islmicos tm como alvo toda a civilizao ocidental. Assim, nessa perspectiva, ser um free rider no constitui soluo. 24 A. Procpio, Terrorismo e relaes internacionais, in RBPI 2 (2001), pp. 62-81. Nesse sentido, J.S. Nye Jr. entende que a maior lio do ps-11 de Setembro que os EUA necessitam de uma cooperao ampla para combater o terrorismo. (A North American perspective cit., pp. 05-14). Da mesma forma, P. Wilkinson aponta que o fundamental, nessa causa, a cooperao em inteligncia e que a hiperpotncia estadunidense incapaz de vencer essa luta unilateralmente (A European viewpoint, in THE TRILATERAL COMMISSION, Addressing the new international terrorism: prevention, intervention and multilateral cooperation, Washington D.C., The Trilateral Commission, 2003, pp. 21-28).

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que tm grande interesse nesse bem (ver 4.1)25. Os nus (ajustes das polticas domsticas e externas) so distribudos sem, necessariamente, guardar relao com os ganhos individuais. A paz e a segurana, nesse caso, so consideradas indivisveis.26 Mesmo com a elevada legitimidade do antiterrorismo 27 e a consequente disposio da comunidade internacional a bancar seus custos, h, no seio do regime em questo, razes para graves desacordos que impedem uma estratgia comum. O terrorismo, afirma J.S. Nye Jr., afeta os pases de maneira desigual; natural que haja diferentes abordagens e avaliaes sobre a ameaa. De fato, difcil a coordenao entre os atores nos casos em que concordam quanto ao resultado a ser evitado, mas discordam quanto a como evit-lo (quanto ao equilbrio preferido). essa a situao do antiterrorismo: compartilha-se a premissa bsica de que necessrio combater o terrorismo, mas h discordncia a respeito de aspectos centrais da tarefa. 28 Quanto maior esse conflito de interesses, mais difcil a coordenao entre os atores e mais provvel a resoluo do dilema pelo poder relativo dos Estados envolvidos.2925 Os EUA tambm buscam convencer do interesse geral no regime: Os ataques do terror internacional j demonstraram que nenhum pas ou regio pode se considerar a salvo do flagelo do terrorismo, mas [com] maior cooperao, (...) ns podemos tornar o mundo um lugar melhor e mais seguro. (...) Todas as naes, inclusive o Brasil, tm interesse nesse conflito. O terrorismo uma ameaa para todos ns e precisamos fazer tudo o que pudermos para derrot-lo. (J. Danilovich, Resolues de ano novo, in Folha de S. Paulo, 09.01.2005, disponvel [on-line] in http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0901200508.htm [09.01.2005]). 26 L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 46-70; R.A. Barbosa, Os Estados Unidos... cit., pp. 81-82. 27 Como aponta G. Picco, a al-Qaeda, ao atacar Rssia, China, ndia e EUA, aproximou-os. Os quatro representam cerca de metade da populao mundial e muito mais em termos militares e tecnolgicos. Entretanto, cabe ao tempo dizer se essa gang of four seria formada (New entente after September 11? The United States, Russia, China and India, in Global Governance 1 (2003), pp. 15-21). 28 Nesse sentido: pelo menos no plano do discurso, existe amplo consenso em torno da necessidade de se atacar o flagelo do terrorismo. Divergem os pases, entretanto, em relao a importantes aspectos do problema, tais como o papel a ser atribudo ao respeito aos direitos humanos no encaminhamento de medidas na rea de contraterrorismo, bem como a definio das melhores estratgias para lidar com as causas do fenmeno. (BRASIL, MRE, Delbrasonu para SERE, Telegrama n 1724, 23.07.2004). 29 J.S. Nye Jr., Introduction, in THE TRILATERAL COMMISSION, Addressing the new international terrorism: prevention, intervention and multilateral cooperation, Washington D.C., The Trilateral Commission, 2003, pp. 01-04; L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 46-70. R. Calduch Cervera, La incidencia de los atentados del 11 de Septiembre en el terrorismo internacional, in Revista Espaola de Derecho Internacional 1-2 (2001), pp. 198-99.

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Todos os pases com assento permanente no CSNU, com efeito, veem na cooperao internacional antiterrorista uma prioridade, mas cada um tem uma viso especfica a respeito das polticas a serem adotadas. At a designao de determinados grupos como terroristas encontra discrepncias (ver 4.4 e 4.5). Essas divergncias, como ser mostrado ao longo do trabalho, permeiam toda a discusso a respeito do tema. Por conseguinte, deve-se apontar uma caracterstica ao regime internacional antiterrorista: nele, h pontos fundamentais em aberto. O regime tem regras slidas e indiscutveis (como os tratados setoriais das Naes Unidas e a resoluo 1373 do CSNU), mas muitas questes, como a definio de terrorismo, a possibilidade de uso da fora e o terrorismo de Estado, permanecem em discusso, fazendo com que o regime tenha elevado grau de plasticidade. A presente dissertao parte dessas premissas para demonstrar que o Brasil insere-se nas regras do regime antiterrorista e busca nele uma determinada configurao favorvel e um lugar determinado na agenda internacional. As posies a serem analisadas tratam da substncia desse equilbrio pretendido. Para melhor sistematizar a anlise proposta, o comportamento brasileiro quanto ao regime internacional antiterrorista ser estudado em dois blocos. O primeiro dir respeito, predominantemente, ao cumprimento das normas estabelecidas do regime. Por sua vez, o segundo tratar das posies brasileiras quanto a aspectos do regime ainda em construo. A anlise assim compartimentada dever oferecer melhor organizao ao trabalho.

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2. Caractersticas gerais internacional antiterrorista

do

regime

Visto que o 11 de Setembro levou ao estabelecimento ainda que com pontos importantes em discusso de um regime internacional antiterrorista, cabe comentar alguns pontos de ordem geral desse regime. Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que o tratamento do flagelo, na atualidade, de condenao incondicional. Segundo, que o terrorismo se tornou um tema definitiva e profundamente inscrito na agenda de segurana internacional, suscitando a possibilidade de graves sanes e at de intervenes armadas o que refora a coercitividade do regime. Terceiro e ltimo, sero abordados brevemente os deveres gerais do regime. 2.1. Repdio inequvoco ao terrorismo Os debates e as decises da Assembleia Geral das Naes Unidas (AGNU) sobre terrorismo refletem, de maneira suficientemente fidedigna, a evoluo de discusses fundamentais sobre o tema no mbito internacional. Sua anlise auxilia o presente estudo no que tange descrio do estado atual da matria.30Conforme C.A.C. Gonalves da Silva, ainda que as Resolues da Assembleia Geral das Naes Unidas padeam do carter de obrigatoriedade, espelham ou ao menos insinuam a formao de indispensveis consensos internacionais que paulatinamente vo se sedimentando e estabelecendo a vontade da sociedade internacional representada por aquele plenrio. Essa assertiva torna-se patente em se tratando de terrorismo. (A proteo jurdica internacional contra o terrorismo e o Tribunal Penal Internacional, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 246).30

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Em 1972, incluiu-se a temtica do terrorismo internacional, pela primeira vez, na agenda da AGNU. Os debates daquele ano giraram em torno de duas opes bsicas: (a) tratamento jurdico-normativo isolar o terrorismo do contexto polticosocial, formulando conceito geral e abstrato, e, assim, legislar criminalmente, com regras abstratas e impessoais. Tal era a posio do bloco ocidental, desejoso de um tratado internacional para a represso; e (b) abordagem jurdico-poltica prevenir o terrorismo por meio da identificao e da eliminao de suas causas subjacentes, particularmente o colonialismo e o racismo. Partir-se-ia da anlise da ordem internacional e das formas de subvert-la para tratar o terrorismo.Aideia era defendida pelo grupo afro-asitico e apoiada pelo bloco comunista. Em princpio, as perspectivas no parecem excludentes; porm, enquanto a primeira enfatizava a represso, a segunda privilegiava a eliminao das causas do terrorismo, em especial o colonialismo, contexto no qual seria legtimo usar de violncia.31 A partir dessas discusses, adotou-se a resoluo 3034 (XXVII), resultado de relativa convergncia32. O ttulo da resoluo33 mostra o predomnio da viso jurdico-poltica na ocasio. O documento no trata de nenhuma medida concreta de represso ao terrorismo nem ao menos o condena. Enfoca, ao contrrio, as causas subjacentes do terrorismo e o direito autodeterminao dos povos condena o colonialismo e legitima os movimentos de libertao nacional. Estabelece, tambm, um Comit Especial sobre Terrorismo (chamado Comit dos 35) que, entre 1973 e 1979, funcionou sem conseguir alcanar consensos. Nesses anos, prevaleceu o dissenso entre as duas abordagens acima descritas; as resolues da AGNU sobre o tema somente foram adotadas devido maioria afro-asitica, privilegiando o enfoque jurdico-poltico.3431 J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas ante el derecho internacional contemporneo, Madrid, Tecnos, 2000, pp. 39-40; C. Ramn Chornet, Terrorismo y respuesta de fuerza en el marco del derecho internacional, Valencia, Tirant lo Blanch, 1993, pp. 148-51. 32 76 votos a favor, 34 contra e 16 abstenes a maior parte daqueles que no votaram favoravelmente eram do bloco ocidental. 33 3034 (XXVII). Measures to prevent international terrorism which endangers or takes innocent human lives or jeopardizes fundamental freedoms, and study of the underlying causes of those forms of terrorism and acts of violence which lie in misery, frustration, grievance and despair and which cause some people to sacrifice human lives, including their own, in an attempt to effect radical changes. 34 C.A.C. Gonalves da Silva, A proteo jurdica... cit., p. 247; S. Pellet, A ambigidade da noo de terrorismo, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 13-4; C. Ramn Chornet, Terrorismo y respuesta... cit., pp. 147-48, 15255; J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., p. 40; J. Prez Montero, La lucha y la cooperacin internacional contra el terrorismo, in Anuario Hispano-Luso-Americano de Derecho Internacional 9 (1991), p. 178.

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CARACTERSTICAS GERAIS DO REGIME INTERNACIONAL ANTITERRORISTA

No entanto, desde o incio da dcada de 1980 at hoje (exceto as resolues 42/129, 54/110 e 55/158), todas foram adotadas por consenso. Especial significao legada resoluo 40/61, de 198535, que, pela primeira vez, exprimiu consenso na condenao inequvoca e na qualificao criminal de todos os atos, mtodos e prticas de terrorismo, cometidos em qualquer lugar e por qualquer pessoa. Desde ento, todas as resolues incluem esse repdio incondicional, o que demonstra a prevalncia atual da viso jurdiconormativa. Esse processo, fortalecido na dcada de 1990, foi favorecido, dentre outros fatores, pelo virtual trmino da descolonizao, pelo fim da Guerra Fria e pelo processo de paz rabe-israelense.36 A resoluo 49/60 AGNU paradigmtica da mudana. Aprovada em 1994 e renovada anualmente, inclui a condenao inequvoca e o chamado cooperao internacional antiterrorista, sem mencionar as causas subjacentes do terrorismo nem mesmo no prembulo. De fato, uma importante caracterstica original das resolues da AGNU na dcada de 1990 e no ps-11 de setembro de 2001 a nova nfase nas medidas repressivas contra o terrorismo internacional. Como avalia B. Wanderley Jr., repeliram-se dois conceitos: o da legitimidade do terrorismo em certos casos e a alegao de neutralidade legtima perante o terrorismo (no colaborao na luta antiterrorista).3735 G. Guillaume, (Terrorisme et droit international, in Recueil des Cours 215 (1989), p. 316) tambm ressalta a importncia dessa resoluo trata-a como a. mais importante. No mesmo sentido, C.A.C. Gonalves da Silva, A proteo jurdica... cit., pp. 248-49; A.D. Sofaer, Terrorismo e direito internacional, in Dialogo 3 (1987), p. 04. Como aponta J. Prez Montero, tambm nessa ocasio, houve disputa entre, de um lado, os pases de influncia sovitica e os no alinhados e, de outro, os ocidentais, com posies anlogas s j tratadas. Entretanto, o grau de enfrentamento foi menor nos debates, demonstrando desejo real de proteger os inocentes do flagelo do terrorismo (La lucha... cit., pp. 182-83). 36 Ver, a ttulo de exemplo de como o fim da Guerra Fria levou maior convergncia entre EUA e URSS sobre o tema: I. Beliaev e J. Marks (orgs.), Common ground on terrorism: SovietAmerican cooperation against the politics of terror, New York, W.W. Norton, 1991. 37 J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., pp. 41-43; C.A.C. Gonalves da Silva, A proteo jurdica... cit., pp. 248-49; P.C. Wilcox, Intergovernmental responses: international organizations and law, in Y. Alexander e E.H. Brenner (orgs.), Terrorism and the law, Ardsley, Transnational, 2001, pp. 31-32; A.J.M. Souza e Silva, Combate ao terrorismo: a evoluo do tratamento multilateral e os reflexos para o Brasil, Tese (XLV Curso de Altos Estudos), Instituto Rio Branco, Braslia, 2003, pp. 40-73; B. Wanderley Jr., A cooperao internacional como instrumento de combate ao terrorismo, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 294; M. Halberstam, The evolution of the United Nations position on terrorism: from exempting national liberation movements to criminalizing terrorism wherever and by whomever committed, in Columbia Journal of Transnational Law 3 (2003), pp. 575-77; L. Migliorino, La dichiarazione delle Nazioni Unite sulle misure per eliminare il terrorismo internazionale, in Rivista di Diritto Internazionale 4

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Sinteticamente, a comunidade internacional passou de uma viso jurdicopoltica sobre o terrorismo condescendente com o flagelo em determinadas situaes, particularmente em movimentos de libertao nacional para uma jurdico-normativa, de condenao inequvoca do fenmeno. Passou-se a enfatizar medidas de represso ao terrorismo e a exigir, com maior vigor, a cooperao dos Estados nesse sentido. 2.2. O terrorismo como ameaa paz e segurana internacionais Para o presente estudo, central a percepo de que o 11 de Setembro levou incorporao definitiva, num novo e elevado patamar, do terrorismo no temrio da paz e da segurana internacionais. Manifestaes inequvocas desse fenmeno so a invocao do TIAR e a indita utilizao do artigo 5 do Tratado do Atlntico Norte (que determina a obrigao bsica de autodefesa coletiva) e, sobretudo, a invaso doAfeganisto, legitimada politicamente pela resoluo 1368 do Conselho de Segurana das Naes Unidas (ver 5.4.3 e 2.2.2). Esta interveno deixa patente que o terrorismo tornou-se um assunto de paz e guerra.38 certo que, desde o fim da Guerra Fria, havia uma tendncia de ampliao do alcance da noo de segurana internacional para incluir temas no militares, entre eles o terrorismo. Essa vaga era defendida pelos pases centrais e pela burocracia onusiana (ideia de multidimensionalidade da segurana).39 As sanes do CSNU contra Estados apoiadores de terroristas, ainda na dcada de 1990 (2.2.2), mostram que, no que tange ao terrorismo, essas tendncias j haviam alcanado resultados concretos.(1995), p. 966. A Resoluo 40/61 foi influenciada pela consternao da opinio pblica internacional com os eventos do caso Achille Lauro (sequestro de navio por terroristas palestinos, que ensejou uma morte e crise diplomtica entre EUA e Itlia) e de Beirute (tomada de refns americanos e assassinato de diplomata sovitico), ambos em 1985. 38 P. Wilkinson, A European viewpoint cit., pp. 21-28; C. Amorim, O Brasil e os novos... cit. Conforme C. Amorim, o 11 de setembro despertou na OTAN ambies quase que ilimitadas. (...) [O] terrorismo passou da categoria de risco para transformar-se em uma misso de permanente combate (ofensivo, se necessrio) da aliana transatlntica. [A] OTAN transformase de uma organizao de defesa coletiva, no sentido clssico e militar do termo, em uma organizao mais bem de segurana coletiva. Ainda, com a ao no Afeganisto, decidiu-se a celeuma acerca da possibilidade de operaes fora da rea da OTAN. 39 Sobretudo no perodo Boutros-Ghali e de sua Agenda para a Paz, houve militarizao (num sentido intervencionista e coercitivo) do discurso abrangente sobre paz e segurana internacionais, em detrimento da linguagem da diplomacia (A.A. Patriota, O Conselho de Segurana aps a Guerra do Golfo: a articulao de um novo paradigma de segurana coletiva, Braslia, Instituto Rio Branco/Funag/Centro de Estudo Estratgicos, 1998, p. 192).

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Contudo, entende-se, aqui, que os atentados a Nova York e Washington levaram a um aprofundamento desse processo e integrao definitiva do terrorismo na agenda de segurana internacional, desta vez como tema central. As reaes imediatas aos eventos foram, como exposto acima, de alta gravidade, bem como os desenvolvimentos subsequentes. Nunca houvera interveno militar apoiada pelo CSNU em retaliao a atos terroristas. So inditos, outrossim, os esforos internacionais para conter o financiamento do terrorismo (3.2.6) e a aquisio de armas de destruio macia por terroristas (3.2.5). Jamais vista, tambm, a elevada importncia que as principais potncias atribuem luta contra o terrorismo na atualidade, inscrevendo-a no bojo das ameaas segurana internacional (ver captulo 4)40. O Secretrio-Geral das Naes Unidas (SGNU) tambm reconhece a centralidade do tema: The threats to peace and security in the twenty-first century include not just international war and conflict but civil violence, organized crime, terrorism and weapons of mass destruction.41 Aps o 11 de Setembro, tambm a VI Comisso da AGNU endossou a avaliao de que o terrorismo internacional constitui ameaa paz e segurana internacionais.42 O tema tratado pela diplomacia brasileira com percepo similar: Ao olharmos para o futuro, continuamos a considerar que a concertao diplomtica representa a melhor forma de se forjar um consenso internacional na luta contra a proliferao de armas de destruio em massa, o terrorismo e outras ameaas paz e segurana internacionais. [grifo nosso]43 Tambm a atual Poltica de Defesa Nacional (PDN, Decreto 5.484/ 05) considera que atores no estatais e novas ameaas permeiam as relaesQuanto China, ver ONU, A/56/410S/2001/914, disponvel [on-line] in http:// daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N01/554/05/PDF/N0155405.pdf?OpenElement [02.03.2005]. 41 ONU, Secretrio-Geral, In larger freedom: towards development, security and human rights for all Report of the Secretary-General, 2005, disponvel [on-line] in http://www.un.org/ largerfreedom/report-largerfreedom.pdf [1.06.2005]. 42 BRASIL, MRE, Delbrasonu para SERE, Telegrama n 149, 29.01.2002. 43 Aula Magna do Senhor Ministro das Relaes Exteriores, Embaixador Celso Amorim, no Instituto Rio Branco A diplomacia do Governo Lula, Braslia, 10 de abril de 2004.40

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internacionais e os arranjos de segurana entre os Estados; o terrorismo internacional, bem como outros delitos transnacionais, so ameaas paz, segurana e ordem democrtica ( 2.6). Como se notar mais adiante (5.4), essa interpretao condiciona e molda, em grande medida, as respostas possveis ao fenmeno terrorista, inclusive a brasileira. No caso dos Estados Unidos da Amrica (EUA) e, em certa medida, da Rssia e do Reino Unido, enseja a doutrina da guerra preventiva (4.1, 4.2 e 4.5). 2.2.1. A perspectiva acadmica o novo terrorismo Tambm na academia, aps a queda do Muro de Berlim, passaram a proliferar ideias a respeito de segurana internacional diferentes das consideraes a respeito de conflitos interestatais. O fim do conflito bipolar levou elaborao de inmeras definies de segurana que incluem aspectos outros que a guerra e a paz tradicionais entre os Estados.44 Anatureza atual do fenmeno terrorista leva muitos acadmicos a sua incluso no rol das ameaas estratgicas ou a ressaltarem, de forma menos conceitual, a grande magnitude do risco que representa.45 Expresso exacerbada de tal tendncia oferecida por M. van Creveld. Conforme o renomado historiador da guerra, os conflitos de baixa intensidade (com destaque para o terrorismo) tm tornado irrelevantes as foras armadas e a guerra tradicionais. Aps a II Guerra, predominou aquele tipo de violncia que, mais eficiente em termos de mortes e de restabelecimento de fronteiras, humilhou at os mais poderosos exrcitos em praticamente todos os confrontos. M. van Creveld chega a afirmar que o Estado no ter futuro se no defender-se eficazmente desses conflitos, pois perder o monoplio da violncia armada.46L. Tibiletti, Antiterrorismo na Amrica Latina, in C. Brigago e D. Proena Jr. (orgs.), Paz e terrorismo textos do seminrio Desafios para a poltica de segurana internacional: misses de paz da ONU, Europa e Amricas, So Paulo, Hucitec, 2004, p. 293; G. Sarfati, Estudos de segurana internacional: de Tucdides aos novos conceitos, in C. Brigago e D. Proena Jr. (orgs.), Panorama brasileiro de paz e segurana, So Paulo, Hucitec; Rio de Janeiro, Konrad Adenauer, 2004, p. 178. 45 Para J.L. Bruguire, o terrorismo constitui um dos riscos mais importantes do sculo XXI, um risco estratgico. (O desafio da ameaa islamita no limiar do sculo XXI: riscos e processo de reao, in Revista CEJ 18 (2002), p. 39). 46 M. van Creveld, The transformation of war, New York, Free, 1991, pp. 02-10, 17, 20-25, 60-61, 197-98, 202. Este ltimo argumento, radical e aparentemente equivocado, deriva logicamente da viso de M. van Creveld de que o Estado , historicamente, produto e causa do monoplio da violncia organizada e da necessidade de proteo distintiva dos civis. Em sentido similar, A. Cassese prope que o terrorismo seja lido no contexto do declnio dos Estados nacionais e, especialmente, dentro do quadro da desintegrao de comunidades em grupos menores, subgrupos e minorias (Terrorism, politics, and law: the Achille Lauro affair, Cambridge, Polity, 1989, pp. 15-16).44

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Muitos apontam para o alto poder destrutivo de que os atentados podem valer-se atualmente. Armas potentes esto, pela primeira vez, disponveis aos terroristas, sendo de difcil rastreamento. Sua tecnologia de fcil operao e seu custo no impraticvel. Na viso de W. Laqueur, isso significaria uma transformao radical, talvez uma revoluo, na natureza do terrorismo. Todavia, o autor no sugere que todos os grupos terroristas usaro armas de destruio macia (ADMs) no futuro prximo; a maioria no o far, provavelmente. H, por enquanto, dificuldades tcnicas considerveis (ver 3.2.5). O terrorismo tradicional, de menor poder destrutivo, persistir: apesar do surgimento do novo terrorismo, o velho est longe de morto. Mesmo assim, o perigo enorme; poucos ataques de natureza macia podem ser devastadores e h grupos que tm adotado um tom apocalptico. A atividade terrorista, em suma, mais rentvel e menos arriscada hoje devido s tecnologias disponveis para a articulao, a destruio e o impacto psicolgico. S. Rosenne refora: [t]errorist acts increased in their severity, unpredictability and everywhereness.47 A percepo do terrorismo como ameaa paz e segurana internacionais justificada tambm pela natureza crescentemente transnacional e organizada em redes do fenmeno, que se tornou globalizado.As novas tecnologias de transportes, comunicao e fluxos financeiros, marca dos anos 1990, ensejaram essa tendncia. Hoje, o terrorismo tende transnacionalizao para santurios, obteno de fundos, armas e outros recursos. Sua atuao e seus impactos superam as fronteiras estatais, atingindo, muitas vezes, o sistema internacional, que se tornou mais vulnervel em funo da crescente interdependncia. Estratgias nacionais isoladas so, portanto, quase ineficazes contra o novo terrorismo; h necessidade de colaborao internacional.4847 E.J. Hobsbawm, O novo sculo... cit., pp. 16-20,41-46; E.J. Hobsbawm, A epidemia... cit., pp. 6-10; W. Laqueur, The new terrorism fanaticism and the arms of mass destruction, New York, Oxford University, 1999, pp. 04-05; L. Martnez-Cards, El terrorismo... cit., p. 484; B. Wanderley Jnior, A cooperao internacional... cit., p. 295; T. Todorov, Le nouveau dsordre... cit., pp. 48-68; S. Rosenne, General course on public international law, Recueil des Cours 291 (2001), p. 169; O.B. Amorim Filho, A geopoltica e a primeira guerra do sculo XXI, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 341. Como afirma S.E. Flynn, Terrorism is simply too cheap, too available, and too tempting to ever be totally eradicated (The neglected home front, in Foreign Affairs 5 (2004), pp. 20-33). 48 J. Almino, Insero internacional... cit., pp. 57-61; Reflexes sobre a guerra... cit., p. 323; A.C. Vaz, Cooperao multilateral frente ao terrorismo internacional: dimenses e desafios da participao brasileira, in II encontro de estudos: terrorismo, Braslia, Gabinete de Segurana Institucional, Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2004, pp. 79-101; L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 151-69; J.M. Lasmar, A ao terrorista

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A organizao em rede de pequenas clulas terroristas, tambm produto da chamada sociedade da informao, dificulta sobremaneira o combate ao terrorismo. Tradicionalmente, os grupos consistiam de centenas ou milhares de membros organizados hierarquicamente em organizaes semimilitares, ao passo que, hoje, podem constituir uma infinidade de clulas minsculas, descentralizadas, dispersas e com poucos elos de comunicao entre si. A deteco e a infiltrao tornaram-se praticamente impossveis. Conforme M. Castells, essas redes podem expandir-se infinitamente, desde que os novos ns compartilhem os mesmos cdigos de comunicao (como valores e objetivos de desempenho). Em sntese, os avanos tecnolgicos e organizacionais tornaram o terrorismo mais perigoso e de mais difcil controle pelas autoridades. Ainda, no se pode mais falar em uma Internacional Terrorista de orientao marxista: hoje, a ameaa muito mais difusa.49 Alm disso, com os meios de comunicao em massa alguns de difuso global um ato violento clamoroso pode, a partir de qualquer ponto, prender a ateno de uma parte grande da humanidade. A natureza espetacular do terrorismo desperta o sensacionalismo da imprensa, amplificando os efeitos imateriais do ato. Isso confere maior eficcia aosinternacional e o Estado: hegemonia e contra-hegemonia nas relaes internacionais, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 427-32; J.B. Bell, Transnational terror, Washington D.C., American Enterprise for Public Policy Research; Stanford, Hoover Institution on War, Revolution and Peace, 1975, p. 04; A. Cassese, Terrorism, politics... cit., pp. 3-4; C. Lafer, A diplomacia brasileira e o terrorismo, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 106-107; O. Malik, Enough of the definition of terrorism, London, The Royal Institute of International Affairs, 2002, p. 55; C. Ramn Chornet, Terrorismo y respuesta... cit., pp. 161-68. 49 W. Laqueur, The new terrorism cit., p. 05; N. Chomsky, 9-11, trad. port. de L.A. Aguiar, 11 de setembro, 3 ed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002, pp. 40, 68; M. Castells, The rise of the network society, trad. port. de R.V. Majer, A sociedade em rede, 6 ed., So Paulo, Paz e Terra, 2002, pp. 40, 566-67; J. Arquilla e D. Ronfeldt, The advent of netwar (revisited), in J. Arquilla e D. Ronfeldt (orgs.), Networks and netwars: the future of terror, crime, and militancy, Washington D.C., 2001, disponivel [on-line] in http://www.rand.org/publications/MR/MR1382/ [30.09.2002], pp. 01-10; D.S. Soares, De Marx a Deus os tortuosos caminhos do terrorismo internacional, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 199; J.S. Nye Jr., A North American perspective cit., pp. 05-14. J.S. Nye Jr. tambm considera as novas motivaes terroristas, sobretudo a religiosa, um fator de maior brutalidade e indiscriminao dos ataques. Anteriormente, os objetivos mais delimitados dos terroristas limitariam a violncia.

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grupos radicais em seus pleitos. O novo terrorismo , enfim, como expe J. Baudrillard, o resultado da apropriao pelos terroristas dos recursos do poder dominante da modernidade.50 Todas essas facilidades, que democratizaram o terrorismo e o fortaleceram, tambm reduziram sua dependncia de eventuais apoios de Estados. Esse auxlio existe por vezes, mas as aes fogem do controle oficial. Como afirma X. Raufer, aps a Guerra Fria, os grupos terroristas deixaram de ser mquinas sob o comando de Estados para se tornarem organismos (lifeforms) independentes, de difcil identificao e de rpida proliferao.51 2.2.2. O tema no Conselho de Segurana das Naes Unidas Tambm no mbito do CSNU, confirma-se a hiptese de que o terrorismo ganhou espao definitivo e central na agenda de segurana internacional ps11 de Setembro. Com o fim da Guerra Fria (mais especificamente, aps a Guerra do Golfo), as manifestaes do Conselho, particularmente com a invocao do Captulo VII da Carta das Naes Unidas (Ao Relativa a Ameaas Paz, Ruptura da Paz e Atos de Agresso), multiplicaram-se em nmero e funes tendncia em que se inserem as medidas antiterroristas. A agenda do CSNU tornou-se cada vez mais complexa, indo muito alm de situaes de conflitos interestatais. Segundo A.A. Patriota, o Captulo VII foi posto a servio de uma concepo de paz e segurana internacionais menos tolerante a preceitos como igualdade soberana e no ingerncia em assuntos internos sobretudo quando levantados como escudo para justificar atos50 H.C. Fragoso, Terrorismo e criminalidade poltica, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 123; C. Ramn Chornet, Terrorismo y respuesta... cit., pp. 161-8.; J. Baudrillard, LEspirit du terrorisme, in Le Monde, 2.11.2002, trad. ingl., The spirit of terrorism, disponvel [on-line] in http:// www.chass.utoronto.ca/~ikalmar/illustex/baudriterror.htm [24.07.2003]. Sobre como os terroristas usam os meios de comunicao macia, ver: F.P. Melo Neto, Marketing do terror, So Paulo, Contexto, 2002. 51 S. Halper e J. Clarke, America alone: the neo-conservatives and the global order, New York, Cambridge University, 2004, p. 34; A. Cassese, Terrorism, politics cit., pp. 15-6; X. Raufer, Al Qaeda: a different diagnosis, in Studies in Conflict & Terrorism 6 (2003), pp. 392, 397-98. P. Wilkinson tambm entende que o novo terrorismo no tem necessidade de Estado patrocinador. (A European viewpoint cit., pp. 21-28). Em sentido similar, A.S. Cruz Jr. afirma que os elementos caractersticos da globalizao alaram o terrorismo a um dos grandes problemas atuais da humanidade (O carter contraproducente do terrorismo diante de seus fins, in C. Brigago, e D. Proena Jr. (orgs.), Paz e terrorismo textos do seminrio Desafios para a poltica de segurana internacional: misses de paz da ONU, Europa e Amricas, So Paulo, Hucitec, 2004, p. 223).

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de violncia do estado contra o indivduo, para acobertar o terrorismo, para promover o armamentismo agressivo, para perpetuar as formas flagrantes de injustia.52 Tradicionalmente, examina G. Guillaume, o CSNU observava a prtica de somente condenar o terrorismo em incidentes determinados. A partir da dcada de 1990, o combate ao terrorismo j ensejou sanes contra Estados (por exemplo, resolues 731 (1992), 748 (1992) e 883 (1993) contra a Lbia; e 1044 (1996) e 1054 (1996), contra o Sudo), e contra o governo Talib e a al-Qaeda (1267 (1999) e 1363 (2001), sobretudo) o que M.C. Bassiouni considera uma forma de facto de responsabilidade criminal de Estados.53 Mais importante, a resoluo 1368 (2001), ao reconhecer o direito de legtima defesa, individual ou coletiva, serviu para conferir legitimidade poltica (juridicamente, h controvrsias54)52 A.A. Patriota, O Conselho de Segurana... cit., pp. 155-56, 168; Interveno do Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg, Representante Permanente do Brasil na ONU, na 59 AGNU Report of the Security Council; Question of equitable representation on and increase in the membership of the Security Council and related matters: joint debate, em Nova York (11.10.2004), disponvel [on-line] in http://www.un.int/brazil/speech/04d-rms-59agnu-equitablerepresentation1110.htm [25.06.2005]. Como afirma J. Alcaide Fernndez, at 1990, somente se utilizara a fora militar sob o CSNU em duas ocasies. (Las actividades terroristas... cit., p. 252). Segundo A.A. Patriota, aps a Guerra do Golfo, o Captulo VII foi invocado em nmero maior de vezes, em processo contnuo de experimentao, e reinterpretado em seus meios e objetivos. Seu escopo teleolgico de aplicao ampliou-se, passando a incluir situaes de emergncia humanitria, violaes macias dos direitos humanos, defesa da ordem democrtica, proliferao de armas de destruio em massa e para o combate ao terrorismo, tema que nos ocupa. 53 M.C. Bassiouni, Legal control of international terrorism: a policy-oriented assessment, in Harvard International Law Journal 1 (2002), pp. 96-97. Desde a dcada de 1970, a Comisso de Direito Internacional da ONU discute, sem sucesso, a ideia de crimes de Estado. 54 A. Pellet considera inquietante o fato de a Resoluo 1368 ter admitido, contra os atentados de 11 de Setembro, o exerccio do direito de legtima defesa individual ou coletiva. Por se tratar de ato no estatal e de autoria ainda no identificada, tratar-se-ia de interpretao ampla do art. 51 da Carta das Naes Unidas, no correspondendo ao seu teor literal (Terrorismo e guerra. O que fazer nas Naes Unidas?, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 176). Sobre o uso da fora contra o terrorismo, ver: A. Cassese, The international communitys legal response to terrorism, in International and Comparative Law Quarterly 3 (1989); R. Bermejo Garca, El derecho internacional frente al terrorismo: nuevas perspectivas tras los atentados del 11 de septiembre?, in Anuario de Derecho Internacional 17 (2001); N. Schrijver, Responding to international terrorism: moving the frontiers of international law for enduring freedom?, in Netherlands International Law Review 3 (2001); S.D. Murphy, Terrorism and the concept of armed attack in article 51 of the UN Charter, in Harvard International Law Journal 1 (2002); M.P.P. Garcia, O direito internacional e o uso da fora, in C. Brigago eD. Proena Jr. (orgs.), Panorama brasileiro de paz e segurana, So Paulo, Hucitec; Rio de Janeiro, Konrad Adenauer, 2004; A.F. Velloso, Terrorismo internacional e a legtima defesa no direito internacional: o artigo 51 da Carta das Naes

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invaso do Afeganisto pelos EUA e seus aliados aps o 11 de Setembro. At o 11 de Setembro, havia pequeno apoio internacional ao uso da fora em reao a ataques terroristas, apesar de nem a AGNU nem o CSNU terem repudiado os ataques dos EUA contra Afeganisto e Sudo, em 1998, como resposta aos atentados contra suas embaixadas em Nairbi e Dar-es-Salaam.55 Quantitativamente, percebe-se a importncia do 11 de Setembro para a maior ateno do CSNU ao terrorismo. No stio das Naes Unidas na internet, so listadas, atualmente, 29 resolues antiterroristas do Conselho. Delas, apenas uma 635 (1989) anterior Guerra do Golfo. Nos 12 anos entre esta resoluo e o 11 de Setembro, emitiram-se 12 resolues; nos quatro anos posteriores, as 17 restantes.56 As resolues mais recentes consideram qualquer ato de terrorismo uma ameaa paz e segurana como a resoluo 1611 (2005)57 o que possibilita, em teoria, a invocao do Captulo VII da Carta das Naes Unidas. Apesar de essa tendncia expressar-se anteriormente como no prembulo da resoluo 748 (1992)58 parece ter-se solidificado aps os atentados a Nova York e Washington. Afinal, com a resoluo 1368 (2001) que se legitima, politicamente, a invaso do Afeganisto como resposta aos ataques.59 Dessa forma, parece correto reiterar que a percepo do terrorismoUnidas, in L.N.C. Brant (org.), Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil perspectivas poltico-jurdicas, Rio de Janeiro, Forense, 2003; A. Remiro Brotns, El orden... cit.; C. Ramn Chornet, La lucha contra el terrorismo internacional despus del 11 de septiembre de 2001, in Revista Espaola de Derecho Internacional 1-2 (2001); J. Alcaide Fernndez, La guerra contra el terrorismo: una opa hostil al derecho de la comunidad internacional?, in Revista Espaola de Derecho Internacional 1-2 (2001). 55 G. Guillaume, Terrorisme et droit international cit., p. 316; J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., p. 253; L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 10317; N. Schrijver, Responding... cit., p. 275; S.D. Murphy, Terrorism and the concept... cit., p. 49. 56 ONU, CSNU, UN action against terrorism actions by the Security Council, disponvel [online] in http://www.un.org/terrorism/sc.htm [31.05.2005]. Parece haver resolues do CSNU anteriores a 1989, como a 579 (1985), que, na sequncia do caso Achille Lauro, condena os atos de terrorismo, de forma mais ou menos genrica, e a tomada de refns. 57 1. Condemns without reservation the terrorist attacks in London on 7 July 2005, and regards any act of terrorism as a threat to peace and security 58 Convinced that the suppression of acts of international terrorism, including those in which states are directly or indirectly involved, is essential for the maintenance of international peace and security. 59 S.P. Subedi, The UN response to international terrorism in the aftermath of the terrorist attacks in America and the problem of the definition of terrorism in international law, in International Law Forum 3 (2002), p. 160.

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como ameaa paz e segurana internacionais cristalizou-se e fortaleceuse aps o 11 de Setembro. Tambm chamam a ateno os grupos de trabalho e comits do CSNU que tratam do terrorismo internacional. Primeiro, existe o comit de sanes contra o Talib e a al-Qaeda, estabelecido pela resoluo 1267 (1999)60. Segundo, h o Comit Antiterrorismo (CAT), criado pela resoluo 1373 (2001), mais importante de todos, que ser comentado abaixo. Terceiro, criou-se um comit pela resoluo 1540 (2004) para implementar o prprio documento, que trata da preveno da aquisio de armas de destruio macia por terroristas. Por ltimo, cumpre mencionar o Grupo de Trabalho estabelecido pela resoluo 1566 (2004), com vistas a produzir recomendaes ao CSNU a respeito de medidas prticas a serem impostas a indivduos, grupos e demais entidades alm daqueles apontados pelo comit da resoluo 1267 envolvidas com atividades terroristas. Centrais a essa marcha rumo ao combate recrudescido e institucional do terrorismo pelo CSNU so a resoluo 1373 e o CAT, por ela criado. Emitida como decorrncia do 11 de Setembro, a resoluo determina medidas a serem adotadas por todos os Estados, numa espcie de cartilha antiterrorista supostamente vinculante.61 A resoluo em tela estabelece um conjunto de deveres de grande abrangncia. Com grande nfase, cria deveres estatais relacionados preveno e punio do financiamento do terrorismo, bem como ao congelamento de ativos de terroristas ou facilitadores. Os Estados so proibidos de oferecer apoio passivo ou ativo a entidades ou pessoas envolvidas com atos de terrorismo. Os Estados, ademais, devem negar santurio queles que financiam, planejam, apoiam ou cometem atos terroristas; devem certificar-se de que tais pessoas sejam levadas justia e de que as leis locais reprimam tais condutas. Determina-se que cooperem em investigaes60 Security Council Committee Established Pursuant to Resolution 1267 (1999) Concerning Al-Qaida and the Taliban and Associated Individuals and Entities. 61 L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 103-17. Na opinio de A. Pellet, esse documento excede os poderes do Conselho de Segurana. Ao prever obrigaes muito gerais e impessoais, faz parecer supostamente sob o Captulo VII da Carta da ONU que o CSNU pode tomar decises vinculantes para todos os Estados. O jusinternacionalista v nisso, portanto, legislao internacional que, alm de tudo, torna obrigatrios, na prtica, vrios documentos que os pases no ratificaram, especialmente a parte que trata do financiamento do terrorismo (artigos 1 e 2), com o que concorda S. Rosenne. Para A. Pellet, isso fere o direito internacional. Um governo ou legislador mundial somente seria legtimo se razoavelmente democrtico, o que no o caso (Terrorismo e guerra... cit., pp. 180-181; S. Rosenne, General course... cit., p. 171). Similarmente, J. Alcaide Fernndez, La guerra... cit., pp. 295-98.

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e procedimentos criminais, bem como no campo da inteligncia, e que previnam o movimento transfronteirio de terroristas. Os Estados so convocados a, dentro de trs meses, apresentarem relatrio ao CAT sobre a implementao da resoluo. dessa maneira que, aps o 11 de Setembro, instalou-se, no CSNU, processo de uniformizao das leis nacionais antiterroristas, notadamente por meio da resoluo 1373.62 Cumpre tratar agora, em breves apontamentos, do CAT. Formado por todos os membros (temporrios e permanentes) do CSNU, compete-lhe monitorar a implementao da resoluo 1373 e convocar os pases a informarem as medidas tomadas para tanto. As diretrizes aprovadas pelo CAT so geralmente dotadas de obrigatoriedade, j que so referendadas pelo CSNU com base no Captulo VII da Carta das Naes Unidas. O CAT tem a competncia de requerer aos pases quantos relatrios entender necessrios acerca do cumprimento daquela resoluo. O CAT , assim, capaz de montar um case contra certos pases, apresentando-o ao CSNU com sugestes de providncias ou oferecimento de assistncia.63 O Comit tambm tem pressionado os pases nas altas instncias multilaterais. Entretanto, em julho de 2004, cerca de um tero do total dos membros das Naes Unidas ainda no havia cumprido as obrigaes perante o CAT naquele ano. Em razo disso, a atuao do Comit tende a endurecer contra pases considerados no cooperativos, como vem sendo o caso do Paraguai.6462 S. Rosenne, General course... cit., pp.171-72; L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 103-17; V.C. Mello, Paz e segurana... cit., p. 179; R. Bermejo Garca, El derecho... cit., pp. 10-12. 63 Parece que, com a atuao do CAT, realiza-se a inverso do nus da prova proposto por A. Carter, J. Deutch e P. Zelikow, segundo os quais as normas internacionais deveriam mudar no sentido de que os Estados assegurassem no proliferao e o combate a criminosos em suas fronteiras (Catastrophic terrorism tackling the new danger, in Foreign Affairs 6 (1998)). 64 S. Rosenne, General course... cit., p. 172; L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 103-17; A.J.M. Souza e Silva, Combate ao terrorismo... cit., pp. 40-73; BRASIL, MRE, Delbrasonu para SERE, Telegrama n 1724, 23.07.2004. Em reunio de 19 de setembro de 2004, o Paraguai obteve avaliao bastante negativa do CAT no que tange ao cumprimento dos deveres internacionais antiterroristas. Diversos pases insinuaram que lhe falta vontade poltica de implementar a resoluo 1373. Enviou-se carta ao pas, em cobrana do cumprimento dos deveres em tela. A escolha do Paraguai como primeiro alvo ter-se-ia dado, segundo diplomata russo, por trs razes: demonstra indisposio ou dificuldade em cumprir o regime de contraterrorismo; no se situa em rea politicamente conturbada; e no de maioria muulmana. O Brasil afirmou que as eventuais dificuldades de pases nesse cumprimento deve ser examinada com cautela, mas avaliado que seria importante convencer o Paraguai a cooperar, j que, alm de o Brasil ter interesse na credibilidade dos mecanismos multilaterais antiterrorismo, essencial evitar que tema envolvendo pas da nossa vizinhana imediata seja levado considerao do CSNU. (BRASIL, MRE, Delbrasonu para SERE, Telegrama n 2434, 22.09.2004; BRASIL, MRE, Delbrasonu para SERE, Telegrama n 2435, 22.09.2004).

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Ao mesmo tempo, tarefa do CAT, segundo a resoluo 1377 (2001) do CSNU, cooperar com Estados e organizaes internacionais universais, regionais e sub-regionais para auxiliar no cumprimento da resoluo 1373 (2001). No h assistncia ativa (como a captura de terroristas) nem intercmbio de inteligncia no CAT.65 Em sntese, esses processos (mormente, a institucionalizao e o reforo do antiterrorismo no CSNU; a aplicao de sanes e a legitimao da invaso do Afeganisto) indicam a centralidade do terrorismo no temrio da segurana internacional. Outrossim, explicitam como j ressaltado (1.2) que existe um grupo de normas fortalecido em sua eficcia e obrigatoriedade coercitiva, apesar seus pontos em desenvolvimento. 2.3. Os deveres de preveno e represso viso geral Cumpre, por fim, delinear os deveres gerais de que consistem as regras mais bem acabadas do regime internacional antiterrorista. As normas decorrentes do regime podem, basicamente, ser diferenciadas entre deveres de preveno e deveres de represso do terrorismo. Os primeiros decorrem da igualdade soberana dos Estados, enquanto os segundos tm como fundamento imediato evitar a impunidade de pessoas culpadas de terrorismo.66 No que tange preveno, devem os Estados evitar, em seu territrio, o cometimento de atentados contra outros Estados ou nacionais destes, bem como coibir a organizao de atividades preparatrias de terrorismo contra outros territrios. Uma manifestao desses deveres inscreve-se nas resolues 49/60 e 51/210 da AGNU (4 e 5.a).67 O Estado no responsvel objetivamente por eventuais atentados, mas deve evitar sua comisso com a diligncia devida, examinada caso a caso em funo, sobretudo, das informaes disponveis s autoridades. A determinao da negligncia depende, v.g., de queixas anteriores de outros Estados acerca de atividades terroristas, bem como da notoriedade destas; da tolerncia e da aquiescncia com essas atividades etc. , enfim, um dever de agir em preveno, no uma responsabilidade pelos resultados.68L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 103-17. J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., pp. 86-95. 67 J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., pp. 86-95, 152. 68 J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., pp. 86-95.65 66

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CARACTERSTICAS GERAIS DO REGIME INTERNACIONAL ANTITERRORISTA

A cooperao internacional, por todos os meios factveis, faz parte das obrigaes de preveno. Incumbe aos Estados, ilustrativamente, intercambiar informaes. Esses deveres de cooperao esto presentes nos tratados parciais sobre terrorismo, bem como em todas as resolues consensuais da AGNU. O fornecimento de informaes obrigao absoluta quando constitui a nica maneira de evitar atos ou atividades de terrorismo.69 evidente que uma obrigao particularmente importante dos Estados , tanto dentro quanto fora de seu territrio, no organizar, instigar, ajudar ou participar de atos terroristas contra outros Estados ou seus nacionais.70 Enfim, o state-sponsored terrorism tem proibio clara no direito internacional, j tendo ensejado pesadas sanes, como contra a Lbia. Quanto represso do terrorismo, o dever bsico e geral do Estado a extradio ou o julgamento penal de supostos terroristas em seu territrio (princpio aut dedere aut judicare). Isso decorre dos tratados antiterroristas e do direito internacional geral. Como deveres acessrios de represso, devem os Estados: (a) tipificar os delitos estabelecidos em tratados em seu direito interno, alm de estabelecer jurisdio sobre esses crimes; (b) subministrar a informao relativa s circunstncias dos atos e aos supostos terroristas; (c) deter os suspeitos, conforme a situao, e investigar preliminarmente os fatos; (d) prestar toda a assistncia possvel ao processo penal ou de extradio (como traslado do acusado e envio de provas); e (e) prestar contas dos resultados dos procedimentos para represso e punio dos terroristas.71 Evidentemente, tratou-se, acima, dos deveres antiterroristas em seus aspectos gerais. As obrigaes mais especficas, como o combate ao financiamento do terrorismo (3.2.6) e a preveno da ADMs por terroristas (3.2.5) so tratadas adiante.

J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., pp. 86-95. J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., p. 206. 71 J. Alcaide Fernndez, Las actividades terroristas cit., pp. 95-105, 118.69 70

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3. O cumprimento das normas estabelecidas

Como se notou, o temrio do terrorismo adquiriu posio central na agenda internacional ps-11 de Setembro. Seu tratamento adquiriu maior institucionalidade e consenso e, ao mesmo tempo, maior coercitividade. Dado que o regime internacional antiterrorista contm determinadas regras estabelecidas de preveno e represso, mister, agora, avaliar seu cumprimento pelo Brasil. O cumprimento do regime justifica-se por trs razes bsicas. Primeiro, existem sanes por descumprimento. Segundo, no longo prazo, uma violao atual por um pas constitui precedente que pode favorecer futuras infraes contra si, anulando possveis benefcios imediatos.72 Por fim, a deteriorao da reputao do pas representa custo que se afigura crescente medida que o cumprimento do regime universaliza-se.73 Dessa maneira, afora os valores brasileiros de defesa da paz e do repdio ao terrorismo, inscritos na Constituio Federal (ver 3.2.1), interessa cumprir as regras do regime internacional antiterrorista em virtude de eventuais sanes, da possibilidade de tornar-se vtima do terrorismo no futuro74 e da preservao da imagem do Pas.Como aponta P.R. Pillar, uma possvel desvantagem de cooperar contra o terrorismo estar sujeito a represlias dos grupos terroristas contrariados (Terrorism and U.S. foreign policy, Washinton D.C., Brookings, 2001, pp. 188-89). 73 L.G. Nascentes da Silva, A estruturao... cit., pp. 46-70. 74 Vale lembrar, com H. Bull, que, independente do que os separe, os Estados modernos visam a manter para si o predomnio na organizao poltica mundial, sem contestao de atores no estatais, cooperando para manterem entre si o monoplio da violncia (The anarchical... cit. pp. 23, 25).72

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3.1. Repdio inequvoco do terrorismo Em conformidade com o tratamento jurdico e poltico do terrorismo internacional na atualidade, o Brasil tem expressado, reiteradamente, seu repdio inequvoco a todas as formas e manifestaes do terrorismo e o compromisso com seu combate. A Const