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CULTURA ESCRITA: o que nos ensinam as crianças colaboradoras? Quem lê? Quem escreve? Para quê? Por quê?

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Cultura Escrita: o que nos ensinam as crianças colaboradoras? Este trabalho foi realizado com 70 professores da Escola Bosque durante dezembro/2008, em curso de formação continuada na própria escola, ministrado pela professora Maria do Rocio Rodi Gonçalves. Com o objetivo de analisar os processos de aquisição da escrita nas crianças, nas relações de ensino e no movimento das transformações histórico-sociais.

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Page 1: Cultura Escrita

CULTURA ESCRITA:o que nos ensinam as crianças colaboradoras?

Quem lê? Quem escreve?

Para quê? Por quê?

Page 2: Cultura Escrita

Na pesquisa realizada percebemos que:1. As crianças têm, basicamente, noções das

funções da escrita – para nomear, identificar, mostrar, indicar, informar, comunicar.

- P’ra pegar o ônibus certo, ler as coisas no shopping e comprar um carro (7 anos, menino)

Page 3: Cultura Escrita

As noções das funções da escrita das crianças colaboradoras... Escrever uma carta para o Papai Noel (4 anos, menina).

Ler livros! Eu gosto de ler as perguntas, as cartas da minha mãe. Gosto de escrever que a minha mãe gosta de mim, que eu gosto dela, do meu pai e meus irmãos (6 anos, menina).

Posso ajudar a minha família, a cozinhar, vou saber o nome dos ingredientes (7 anos, menino).

Se a gente ler livros ou histórias a gente pode descobrir mais coisas, o mundo. Pode fazer histórias, textos e muitas outras coisas (8 anos, menina).

A gente aprende a saber o significado das palavras e como se escreve, através disso vou conseguir trabalhar e ter uma profissão (8 anos, menina).

A escrita é boa porque é uma forma de nós nos comunicarmos com a sociedade (10 anos, menina).

Page 4: Cultura Escrita

2. As crianças revelam tentativas de aproximação e interpretação, levantando hipóteses e suposições (essas tentativas implicam erros). As crianças usam os termos “letra”, “sílaba”, “palavra” indistintamente. Há uma grande confusão entre “imagem” e representação gráfica e escrita, nos remete a uma discussão mais aprofundada do realismo nominal e do “conflito cognitivo”; aponta para investigação entre o lógico e o lúdico nos processos de aprendizagem infantil.

Page 5: Cultura Escrita

Tentativas de aproximação e interpretação, usam os termos “letra”, “sílaba”, “palavra” indistintamente. Confusão entre “imagem” e representação gráfica e escrita... Aponta para investigação entre o lógico e o lúdico... É umas bolinhas e um i (3 anos, menino). Eu só sei fazer uma bola e dois b (3 anos,

menino). Eu quero aprender a fazer uma bicicleta (3

anos, menino). É o x! (4 anos, menino). A desenhar (4 anos, menina). Lá em casa tem uma manga... [o motivo de ler

e escrever] - é p’ra crescer (5 anos, menino).

Page 6: Cultura Escrita

3. Quanto menos conhecimento específico sobre a linguagem escrita (metalingüístico) a criança tem, mais noção da funcionalidade da linguagem escrita ela demonstra. Há um período em que a criança “perde o sentido”, em prol da decifração. Aos poucos, ela consegue conciliar decifragem e sentido. A criança que aprende a “ler sozinha” não perde o sentido, mas precisamente busca sempre mais sentido enquanto decifra.

Page 7: Cultura Escrita

Quanto menos conhecimento específico... Há um período que perde o sentido... A criança com mais autonomia busca sempre mais sentido enquanto decifra. Eu escrevo na escola da mamãe e tô lendo o meu

livro de pau (5 anos, menina). Primeiro é a data, depois pode ser cópia ou ditado (7

anos, menino). Para mim acertar as palavras, escrever Escola

Bosque, o meu nome e a data (7 anos, menina). Quero ler histórias, quero ler livros, tenho que

aprender a ler p’ra poder ler as coisas. Escrever? Ah! Eu não sei. Hum! É p’ra mim estudar os deveres de casa (8 anos, menina).

Aprender a ler? Ninguém escreveria uma música, um texto, não teria sentido (8 anos, menina).

Ler? É muito difícil! Só sei tirar do quadro (9 anos, menina).

Page 8: Cultura Escrita

4. O sentido que as crianças atribuem à escrita, seus esquemas de interpretação, são variados e dependem das experiências passadas bem como dos conhecimentos adquiridos. Entretanto, a falta de conhecimento não significa incapacidade mental e motora. Nenhuma carência deve servir de pretexto para uma carência maior ainda.

Page 9: Cultura Escrita

O sentido - os esquemas de interpretação são variados, dependem das experiências e dos conhecimentos adquiridos... Falta de conhecimento não é incapacidade... Não justifica carência maior! P’ra mexer no computador (4 anos, menino).

Criança não sabe nada. Adulto sabe tudo, ler, sabe o número (4 anos, menino).

P’ra ler as historinhas que tem em casa (4 anos, menina). P’ra crescer um homem bem trabalhador (5 anos, menino). Tenho 5 anos ainda, vou fazer 6 e vou aprender a ler p’ra poder

ler as coisas para quem não sabe ler. O Mizael tem 3 e a Thalita tem 4 (5 anos, menino).

P’ra gente não puxar carroça (6 anos, menino). Não respondeu, ficou calado (7 anos, menino). Não sei o que é escrita. Escrever é bacana. Sei escrever bacana,

mas não sei ler (8 anos, menina). É bom p’ra quando eu tiver algum negócio, eu não vou ser

enganado, eu vou ler os documentos e ninguém vai me roubar (8 anos, menina).

Page 10: Cultura Escrita

5. A educação infantil transmite informação sobre letras e números para as crianças, nem sempre claras e adequadas quanto à função e ao mecanismo da leitura. Muitas crianças ficam mais preocupadas com o desempenho acadêmico do que de fato aprender a gostar mais de ler

Page 11: Cultura Escrita

Informação sobre letras e números, nem sempre claras e adequadas quanto à função e ao mecanismo da leitura... As crianças ficam mais preocupadas com o desempenho acadêmico do que aprender a gostar mais de ler. É... porque... eu faço na minha escola. A minha... a

minha... professora me explica (3 anos, menina). Escrever no quadro, no caderno p’ra professora e

ela vê se tá certo (5 anos, menina). Ler é letra i-o-q-f-g-u-x-g-h-a-n-j-b-bu (5 anos,

menino) Um monte de atividade... P’ra aprender o som do P,

do L, do V, do S, do P, do D, do Z, do M, do R, do C, do F, de G, do J (5 anos, menino).

Eu faço esses trabalhos. Esses que os professores dão para mim (6 anos, menino).

Page 12: Cultura Escrita

Na hora que alguém perguntar a gente deve saber responder (6 anos, menina).

Aprender para passar para outra sala (6 anos, menina).

Tenho que gostar de escrever p’ra eu tirar dez na prova e passar de série (6 anos, menina).

Prestar atenção no que a professora fala, no que ela tá fazendo (7 anos, menina).

P’ra passar de ano (8 anos, menina). Quando a gente for escrever e ler tem que ser

direitinho porque se a gente for ler e escrever na sala e tiver errado a professora põe zero p’ra gente (8 anos, menino).

Page 13: Cultura Escrita

Os mitos sobre leitura (Revista Criança/MEC, 2006)MENTIRAS VERDADES

Crianças não gostam de ler Crianças aprendem a gostar de lerCrianças estragam livros Crianças aprendem a manipular os livrosA leitura deve ensinar conteúdo Leitura deve divertirpedagógicoLeitura só na biblioteca É incentivada na sala de aulaO ambiente deve ser silencioso O ambiente é gostoso, permitindo que as

crianças se expressemSó alfabetizados podem ler As crianças ‘lêem’ antes de serem

alfabetizadasCrianças só entendem textos Crianças compreendem textos complexos e fáceis palavras difíceisA professora só conta histórias A professora conta e lê históriasLivros são os únicos objetos para Vários suportes de texto – revistas, bulas deleitura remédio, receitas, documentos, embalagens

– podem ser usados para leituraTodas as crianças devem ler um As crianças devem ler livros diferentesúnico livro ao mesmo tempo

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Nenhuma criança urbana chega totalmente ignorante à escola.

Quais as práticas leitoras da família?

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Page 20: Cultura Escrita

A influência das condições de vida das crianças no processo de elaboração e construção do

conhecimento do mundo

- Abordagem Qualitativa -

MARCA – IDENTIDADE

Qual a palavra mais bonita?

Yamada - porque lá tem Papai Noel

Page 21: Cultura Escrita

Nescau (falou o nome da marca). Eu vou dizer uma coisa, a senhora vai achar graça, eu

bebo leite na mamadeira. O meu dente vai ficar torto quando eu crescer. Ainda sou bebê.

Por que criança toma Nescau? P’ra ficar forte. Professora, eu não tomo Nescau, porque

a mamãe não tem dinheiro. Quando eu me operar, toda hora vou p’ra piscina. A mamãe vai vender hoje lá na piscina (menino, 6 anos).

Computadores Positivo (falou o nome da marca) São computadores muito positivos, eles são muito

avançados e também eles podem alcançar a rede a quilômetros de distância (menino, 8 anos).

Page 22: Cultura Escrita

Tipo – Identificação (sem ler a marca) (leite Ninho) – eu tinha um leite desse (5 anos, menina)

(envelope da Oi) – “o carteiro chegou com um desse” (5 anos, menina);

(Bavária Premium) – isto é cerveja, eu não gosto de beber, meu colega do meu tamanho já bebe, ele fica doidinho (6 anos, menino);

(bula) - p’ra mim isso representa coisa de laboratório, farmácia ou coisa de hospital (8 anos, menino).

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ARBITRÁRIA – Erro Construtivo Massa de modelar lápis (3 anos, menina);

Super Bonder Ah! Isso não é negócio de raspar barba, é negócio de sandália, é de colar p’ra endireitar (3 anos, menina);

Toalhas de Papel Scala sorvete, guaraná (3 anos, menino);

O que eu levaria para um passeio? Refrigerante! (apontou o rótulo do Omo, com duas crianças andando de bicicleta) entretanto, disse logo em seguida: “é sabão em pó – para lavar roupa” (4 anos, menino);

Arroz Biju vem uma ‘tapiocona’. Ah! É arroz!! (6 anos, menino);

Sorine é injeção! (8 anos, menina).

Page 24: Cultura Escrita

APELATIVA – Slogan / Artes (Açúcar União) – diz “morango” e aponta no rótulo

(4 anos, menina).

(Chá Cidreira – Dr. Oertker): mato, para capinar (5 anos, menino).

(Café) – pegou o rótulo e cheirou, olhou a imagem de Nossa Senhora e disse: “olha Nossa Senhora da Conceição, depois disse “Círio de Nazaré” (6 anos, menina)

Page 25: Cultura Escrita

INJUNTIVA – Orientação

(para bula) - “esse é o papel para mamãe ver como eu vou tomar (6 anos, menino);

(Tylenol) – “uso pediátrico, alívio da febre e dor” (6 anos, menino);

(macarrão) – “não contém colesterol” (7 anos, menina);

(bula) – “p’ra ver os ingredientes, quantas gotas são p’ra pessoa tomar” (7 anos, menina);

Page 26: Cultura Escrita

INJUNTIVA – Orientação

(leite Ninho) – “instantâneo, tem ferro e vitaminas” (7 anos, menino);

No supermercado, “é preciso ver o preço, se não vem comida errada, ver se a embalagem não tá batida ou se não tá furada!” (6 anos, menino);

rótulos? “é o papel que vem nas coisas para a gente comer, para poder a gente ler para a gente saber se faz mal ou faz bem (7 anos, menina).

Page 27: Cultura Escrita

DESTAQUE ÀS DIDÁTICAS Profa. Aida – Vários rótulos espalhados sobre TNT

amarelo, com perguntas sobre identificação dos rótulos - portadores de textos e os preços dos produtos. Uma das crianças com confiança e boa auto-estima: “essa roupa me deixa inteligente, viu pai, nem preciso de sua ajuda”; “não sei, vou pedir para mamãe me ajudar...”; “tá bem! tá bem! vou colocar o número aqui”; “Você já vai? Eu vou demorar p’ra escrever o meu nome”; (sua mãe disse-lhe ‘deixa eu ver se não comeste nenhuma letra’); “a tia Aida disse que tá tudo certo”; “não esqueça do meu livro, não vou trocar de roupa, nem de sapato”; “essa roupa me deixa inteligente”.

Page 28: Cultura Escrita

Profa. Mônica fez perguntas com respaldo em Emília Ferreiro:

tem algo que pode ser lido? onde está? o que diz? como sabe que diz isto?

DESTAQUE ÀS DIDÁTICAS

Page 29: Cultura Escrita

Profa. Leila – entrevistou a mãe da colaboradora (3 anos) a fim de observar o conhecimento prévio acerca dos produtos de casa e seus alimentos preferidos, a sua liberdade de escolha e familiaridades. Sua mãe forneceu alguns rótulos. A professora criou dois cartazes: um como prateleiras de

supermercado e outros sendo o carrinho de compras vazio.

DESTAQUE ÀS DIDÁTICAS

Page 30: Cultura Escrita

Profa. Helena – foi ao supermercado com a criança colaboradora de 6 anos, fez perguntas sobre produtos e a criança pegava, dizia o nome e atribuía significados conforme o enunciado proposto.

Para a criança colaboradora de 8 anos, escolheu três livros e fez quatro perguntas relacionadas.

DESTAQUE ÀS DIDÁTICAS

1. Que imagens você vê na sua frente?

2. O que significam essas letras para você?

3. Que coisas são essas?

4. Que letras você conhece?

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Prof. Maurício, propôs investigar o modo como as crianças estimam valores e quantidades partindo de um valor pré-estabelecido. Cada criança manuseia um “cadernão espirado” que contém 35 (trinta e cinco) rótulos de produtos variados à sua escolha, tendo como orientação as questões levantadas:

DESTAQUE ÀS DIDÁTICAS

Page 32: Cultura Escrita

1. Se você tivesse R$ 10,00 para comprar esses produtos, o que compraria para você?

2. Se você tivesse R$ 10,00 para comprar esses produtos, o que você compraria - para quem e por quê?

3. (Considerando os produtos que ele escolheu comprar para si): “Você acha que com os R$ 10,00 dá para pagar o que você escolheu? Quanto você acha que custa cada produto?

4. (Considerando os produtos que ele escolheu comprar para as outras pessoas): “Você acha que com os R$ 10,00 dá para pagar o que você escolheu? Quanto você acha que custa cada produto?

Page 33: Cultura Escrita

Ao avaliar as respostas obtidas, percebemos que a criança de 8 anos guarda consigo uma noção mais próxima da realidade no que diz respeito à estimativa de valores, tanto ao considerar o preço individual de cada um dos produtos que citou, aproximando-se sobremaneira do preço tal dos mesmos, quanto ao considerar o total da soma desses valores, uma vez que sua resposta foi “uns sete reais”, quando na verdade o somatório deu R$4,70 (nesse caso a diferença não ultrapassa R$2,30).

Já com relação a criança de 6 anos, a diferença se faz notável, ao perceber que, ao indagá-la acerca do quanto custava todos os produtos que mencionou que compraria para si, sua resposta foi imediata, a saber: “dez reais”. No entanto, ao fazer a soma dos preços de cada produto dentre os citados, esta soma atingiu o valor um pouco acima de R$5,90, devido à parcela por ela referida como “e tal”, sugerindo alguma fração do todo considerando e, desse modo, constatamos que a quase 50% do valor estimado pela criança.

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Uma curiosidade importante a se verificar é a idéia de fração que a criança-colaboradora já começa a formar, detectada ao observamos respostas como um real e tal (preço do café União), um real e cinqüenta centavos e tal (preço de cem unidades do Chicletes Ben 10), ou ainda quarenta e cinco reais e tal (valor total da soma dos preços, quando da 4ª indagação).

A criança de seis anos ainda não desenvolveu a idéia de estimativa, quando a mesma afirma que o valor dos preços dos produtos citados (na 4ª. Indagação) é quarenta e cinco reais e tal, quando, na realidade, não ultrapassa R$10,00, um valor 450% maior, portanto.

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CONCEITUANDO...

Ensinar o código escrito na cultura - centra no letramento - significa alfabetizar no “lugar certo”, ou seja, através dos práticas sociais, culturais, de leitura, oralidade e escrita.

O que mais propriamente se denomina letramento é a imersão do indivíduo na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos de gêneros de material escrito (SOARES, 2003, p.13).

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O processo de letramento ou cultura letrada não acontece de modo espontâneo, exige mediação da professora e/ou da família proporcionando aos alunos, de forma constante e significativa, a interação com as práticas sociais de leitura e escrita, isto é, com a cultura escrita.

O aluno aprende a ler lendo, a escrever escrevendo num ambiente alfabetizador “vivo” que permita ler o mundo com sentido, função, sentimento, criação, tendo um(a) professor(a) que ensina de verdade, compreende a indissociabilidade e a especificidade da alfabetização e do letramento e conduz o processo com atividades didáticas que promovem de fato a aprendizagem.

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CULTURA ESCRITA:o que nos ensinam as crianças colaboradoras?

Page 38: Cultura Escrita

Quem lê? Quem escreve?Para quê? Por quê?