cultura afro-brasileira · 2020. 10. 12. · aspectos da cultura brasileira, como a música...

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1 CULTURA AFRO-BRASILEIRA Denomina-se cultura afro-brasileira o conjunto de manifestações culturais do Brasil que sofreram algum grau de influência da cultura africana desde os tempos do Brasil colônia até a atualidade. A cultura da África chegou ao Brasil, em sua maior parte, trazida pelos escravos negros na época do tráfico transatlântico de escravos. No Brasil a cultura africana sofreu também a influência das culturas europeia (principalmente portuguesa) e indígena, de forma que características de origem africana na cultura brasileira encontram- se em geral mescladas a outras referências culturais. Traços fortes da cultura africana podem ser encontrados hoje em variados aspectos da cultura brasileira, como a música popular, a religião, a culinária, o folclore e as festividades populares. Os estados do Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram os mais influenciados pela cultura de origem africana, tanto pela quantidade de escravos recebidos durante a época do tráfico como pela migração interna dos escravos após o fim do ciclo da cana-de-açúcar na região Nordeste. Ainda que tradicionalmente desvalorizados na época colonial e no século XIX, os aspectos da cultura brasileira de origem africana passaram por um processo de revalorização a partir do século XX que continua até os dias de hoje. Evolução histórica Escravos africanos no Brasil, oriundos de várias nações (Rugendas, c. 1830).

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CULTURA AFRO-BRASILEIRA Denomina-se cultura afro-brasileira o conjunto de manifestações culturais do Brasil que sofreram algum grau de influência da cultura africana desde os tempos do Brasil colônia até a atualidade. A cultura da África chegou ao Brasil, em sua maior parte, trazida pelos escravos negros na época do tráfico transatlântico de escravos. No Brasil a cultura africana sofreu também a influência das culturas europeia (principalmente portuguesa) e indígena, de forma que características de origem africana na cultura brasileira encontram-se em geral mescladas a outras referências culturais. Traços fortes da cultura africana podem ser encontrados hoje em variados aspectos da cultura brasileira, como a música popular, a religião, a culinária, o folclore e as festividades populares. Os estados do Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram os mais influenciados pela cultura de origem africana, tanto pela quantidade de escravos recebidos durante a época do tráfico como pela migração interna dos escravos após o fim do ciclo da cana-de-açúcar na região Nordeste. Ainda que tradicionalmente desvalorizados na época colonial e no século XIX, os aspectos da cultura brasileira de origem africana passaram por um processo de revalorização a partir do século XX que continua até os dias de hoje.

Evolução histórica

Escravos africanos no Brasil, oriundos de várias nações (Rugendas, c. 1830).

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De maneira geral, tanto na época colonial como durante o século XIX a matriz cultural de origem europeia foi a mais valorizada no Brasil, enquanto que as manifestações culturais afro-brasileiras foram muitas vezes desprezadas, desestimuladas e até proibidas. Assim, as religiões afro-brasileiras e a arte marcial da capoeira foram frequentemente perseguidas pelas autoridades. Por outro lado, algumas manifestações de origem folclórico, como as congadas, assim como expressões musicais como o lundu, foram toleradas e até estimuladas. Entretanto, a partir de meados do século XX, as expressões culturais afro-brasileiras começaram a ser gradualmente mais aceitas e admiradas pelas elites brasileiras como expressões artísticas genuinamente nacionais. Nem todas as manifestações culturais foram aceitas ao mesmo tempo. O samba foi uma das primeiras expressões da cultura afro-brasileira a ser admirada quando ocupou posição de destaque na música popular, no início do século XX. Posteriormente, o governo da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas desenvolveu políticas de incentivo do nacionalismo nas quais a cultura afro-brasileira encontrou caminhos de aceitação oficial. Por exemplo, os desfiles de escolas de samba ganharam nesta época aprovação governamental através da União Geral das Escolas de Samba do Brasil, fundada em 1934. Outras expressões culturais seguiram o mesmo caminho. A capoeira, que era considerada própria de bandidos e marginais, foi apresentada, em 1953, por mestre Bimba ao presidente Vargas, que então a chamou de "único esporte verdadeiramente nacional". A partir da década de 1950 as perseguições às religiões afro-brasileiras diminuíram e a Umbanda passou a ser seguida por parte da classe média carioca[1]. Na década seguinte, as religiões afro-brasileiras passaram a ser celebradas pela elite intelectual branca. Em 2003, foi promulgada a lei n° 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), passando-se a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio incluam no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira.

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Estudos afro-brasileiros

Bloco afro Ilê Aiyê na Bahia

O interesse pela cultura afro-brasileira manifesta-se pelos muitos estudos nos campos da sociologia, antropologia, etnologia, música e linguística, entre outros, centrados na expressão e evolução histórica da cultura afro-brasileira Muitos estudiosos brasileiros como o advogado Edison Carneiro, o médico legista Nina Rodrigues, o escritor Jorge Amado, o poeta e escritor mineiro Antonio Olinto, o escritor e jornalista João Ubaldo, o antropólogo e museólogo Raul Lody, entre outros, além de estrangeiros como o sociólogo francês Roger Bastide, o fotografo Pierre Verger, a pesquisadora etnóloga estadunidense Ruth Landes, o pintor argentino Carybé, dedicaram-se ao levantamento de dados sobre a cultura afro-brasileira, a qual ainda não tinha sido estudada em detalhe Alguns infiltraram-se nas religiões afro-brasileiras, como é o caso de João do Rio, com esse propósito; outros foram convidados a fazer parte do Candomblé como membros efetivos, recebendo cargos honorificos como Obá de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá e Ogan na Casa Branca do Engenho Velho, Terreiro do Gantois, e ajudavam financeiramente a manter esses Terreiros. Muitos sacerdotes leigos em literatura se dispuseram a escrever a história das religiões afro-brasileiras, recebendo a ajuda de

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acadêmicos simpatizantes ou membros dos candomblés. Outros, por já possuírem formação acadêmica, tornaram-se escritores paralelamente à função de sacerdote, como é caso dos antropólogos Júlio Santana Braga e Vivaldo da Costa Lima, as Iyalorixás Mãe Stella e Giselle Cossard, também conhecida como Omindarewa a francesa, o professor Agenor Miranda, a advogada Cléo Martins e o professor de sociologia Reginaldo Prandi, entre outros. Os negros trazidos da África como escravos geralmente eram imediatamente batizados e obrigados a seguir o Catolicismo. A conversão era apenas superficial e as religiões de origem africana conseguiram permanecer através de prática secreta ou o sincretismo com o catolicismo. Algumas religiões afro-brasileiras ainda mantém quase que totalmente suas raízes africanas, como é o caso das casas tradicionais de Candomblé e do Xangô do Nordeste; outras formaram-se através do sincretismo religioso, como o Batuque, o Xambá e a Umbanda. Em maior ou menor grau, as religiões afro-brasileiras mostram influências do Catolicismo e da encataria europeia, assim como da pajelança ameríndia[4]. O sincretismo manifesta-se igualmente na tradição do batismo dos filhos e o casamento na Igreja Católica, mesmo quando os fiéis seguem abertamente uma religião afro-brasileira. Já no Brasil colonial os negros e mulatos, escravos ou forros, muitas vezes associavam-se em irmandades religiosas católicas. A Irmandade da Boa Morte e a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foram das mais importantes, servindo também como ligação entre o catolicismo e as religiões afro-brasileiras. A própria prática do catolicismo tradicional sofreu influência africana no culto de santos de origem africana como São Benedito, Santo Elesbão, Santa Efigênia e Santo Antônio de Noto (Santo Antônio de Categeró ou Santo Antônio Etíope); no culto preferencial de santos facilmente associados com os orixás africanos como São Cosme e Damião (ibejis), São Jorge (Ogum no Rio de Janeiro), Santa Bárbara (Iansã); na criação de novos santos populares como a Escrava Anastácia; e em ladainhas, rezas (como a Trezena de Santo Antônio) e festas religiosas (como a Lavagem do Bonfim onde as escadarias da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim em Salvador, Bahia são lavadas com água de cheiro pelas filhas-de-santo do candomblé). As igrejas pentencostais do Brasil, que combatem as religiões de origem africana, na realidade têm várias influências destas como se nota em práticas como o batismo do Espírito Santo e crenças como a de incorporação de entidades espirituais (vistas como maléficas). Enquanto o Catolicismo nega a existência de orixás e guias, as igrejas pentencostais acreditam na sua existência, mas como demônios. Segundo o IBGE, 0,3% dos brasileiros declaram seguir religiões de origem africana, embora um número maior de pessoas sigam essas religiões de forma reservada. Inicialmente desprezadas, as religiões afro-brasileira foram ou são praticadas abertamente por vários intelectuais e artistas importantes como Jorge Amado, Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia (que

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freqüentavam o terreiro de Mãe Menininha), Gal Costa (que foi iniciada para o Orixá Obaluaye), Mestre Didi (filho da iyalorixá Mãe Senhora), Antonio Risério, Caribé, Fernando Coelho, Gilberto Freyre e José Beniste (que foi iniciado no candomblé ketu).

Filhas-de-santo do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá na Bahia

Religiões afro-brasileiras

• Babaçuê - Pará • Batuque - Rio Grande do Sul • Cabula - Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina • Candomblé - Em todos estados do Brasil • Culto aos Egungun - Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo • Culto de Ifá - Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo • Macumba - Rio de Janeiro • Omoloko - Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo • Quimbanda - Rio de Janeiro, São Paulo • Tambor-de-Mina - Maranhão

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• Terecô - Maranhão • Umbanda - Em todos estados do Brasil • Xambá - Alagoas, Pernambuco • Xangô do Nordeste - Pernambuco • Confraria • Irmandade dos homens pretos • Sincretismo

Arte

Tecelã do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, Salvador, Bahia

O Alaká africano, conhecido como pano da costa no Brasil é produzido por tecelãs do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá em Salvador, no espaço chamado de Casa do Alaká. Mestre Didi, Alapini (sumo sacerdote) do Culto aos Egungun e Assògbá (supremo sacerdote) do culto de Obaluaiyê e Orixás da terra, é também escultor e seu trabalho é voltado inteiramente para a mitologia e arte yorubana.[6] Na pintura foram muitos os pintores e desenhistas que se dedicaram a mostrar a beleza do Candomblé,

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Umbanda e Batuque em suas telas. Um exemplo é o escultor e pintor argentino Carybé que dedicou boa parte de sua vida no Brasil esculpindo e pintando os Orixás e festas nos mínimos detalhes, suas esculturas podem ser vistas no Museu Afro-Brasileiro e tem alguns livros publicados do seu trabalho. Na fotografia o francês Pierre Fatumbi Verger, que em 1946 conheceu a Bahia e ficou até o último dia de vida, retratou em preto e branco o povo brasileiro e todas as nuances do Candomblé, não satisfeito só em fotografar passou a fazer parte da religião, tanto no Brasil como na África onde foi iniciado como babalawo, ainda em vida iniciou a Fundação Pierre Verger em Salvador, onde se encontra todo seu acervo fotográfico.

Culinária

A feijoada brasileira, considerada o prato nacional do Brasil, é frequentemente citada como tendo sido criada nas senzalas e ter servido de alimento para os escravos na época colonial. Atualmente, porém, considera-se a feijoada brasileira uma adaptação tropical da feijoada portuguesa que não foi servida normalmente aos escravos. Apesar disso, a cozinha brasileira regional foi muito influenciada pela cozinha africana, mesclada com elementos culinários europeus e indígenas. A culinária baiana é a que mais demonstra a influência africana nos seus pratos típicos como acarajé, caruru, vatapá e moqueca. Estes pratos são preparados com o azeite-de-dendê, extraído de uma palmeira africana trazida ao Brasil em tempos coloniais. Na Bahia existem duas maneiras de se preparar estes pratos "afros". Numa, mais simples, as comidas não levam muito tempero e são feita nos terreiros de candomblé para serem oferecidas aos orixás. Na outra maneira, empregada fora dos terreiros, as comidas são preparadas com muito tempero e são mais saborosas, sendo vendidas pelas baianas do acarajé e degustadas em restaurantes e residências.

Música e dança

A música criada pelos afro-brasileiros é uma mistura de influências de toda a África subsaariana com elementos da música portuguesa e, em menor grau, ameríndia, que produziu uma grande variedade de estilos.

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A música popular brasileira é fortemente influenciada pelos ritmos africanos. As expressões de música afro-brasileira mais conhecidas são o samba, maracatu, ijexá, coco, jongo, carimbó, lambada, maxixe, maculelê Como aconteceu em toda parte do continente americano onde houve escravos africanos, a música feita pelos afro-descendentes foi inicialmente desprezada e mantida na marginalidade, até que ganhou notoriedade no início do século XX e se tornou a mais popular nos dias atuais. Instrumentos afro-brasileiros:

• Afoxé • Agogô • Atabaque • Berimbau • Tambor

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Tambor de Crioula do Maranhão

O Tambor de Crioula do Maranhão é uma forma de expressão de matriz afro-brasileira que envolve dança circular, canto e percussão de tambores. Seja ao ar livre, nas praças, no interior de terreiros, ou associado a outros eventos e manifestações, é realizado sem

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local específico ou calendário pré-fixado e praticado especialmente em louvor a São Benedito. Essa manifestação afrobrasileira ocorre na maioria dos municípios do Maranhão, envolvendo uma dança circular feminina, canto e percussão de tambores. Dela participam as coreiras ou dançadeiras, conduzidas pelo ritmo intenso dos tambores e pelo influxo das toadas evocadas por tocadores e cantadores, culminando na punga ou umbigada – gesto característico, entendido como saudação e convite.

Inscrito no Livro das Formas de Expressão, em 2007, esse bem imaterial inclui-se entre as expressões do que se convencionou chamar de samba, derivadas, originalmente, do batuque, assim como o jongo no Sudeste, o samba de roda do Recôncavo Baiano, o coco no Nordeste e algumas modalidades do samba carioca. Além de sua origem comum, constatam-se, entre essas expressões do samba, traços convergentes na polirritmia dos tambores, no ritmo sincopado, nos principais movimentos coreográficos e na umbigada.

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Praticado livremente, seja como divertimento ou em devoção a São Benedito, o Tambor de Crioula não tem local definido, nem época fixa de apresentação, embora se observe uma maior ocorrência desse evento durante o Carnaval e nas manifestações de Bumba-meu-boi. Trata-se de um referencial de identidade e resistência cultural dos negros maranhenses, que compartilham um passado comum. Os

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elementos rituais do Tambor permanecem vivos e presentes, propiciando o exercício dos vínculos de pertencimento e a reiteração de valores culturais afro-brasileiros.

A dança do tambor de Crioula, normalmente executada só pelas mulheres, apresenta coreografia bastante livre e variada. Uma dançante de cada vez, faz evoluções diante dos tambozeiros, enquanto as demais, completando a roda entre tocadores e cantadores, fazem pequenos movimentos para a esquerda e a direita; esperando a vez de receber a punga e ir substituir a que está no meio. A punga é dada geralmente no abdômen, no tórax, ou passada com as mãos, numa espécie de cumprimento. Quando a coreira que está dançando quer ser substituída, vai em direção a uma companheira e aplica-lhe a punga. A que recebe, vai ao centro e dança para cada um dos tocadores, requebrando-se em frente do tambor grande, do meião e o pequeno, e repete tudo de novo até procurar uma substituta.

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Jongo, a dança profana

O jongo, ou caxambu é um ritmo que teve suas origens na região africana do Congo-Angola. Chegou ao Brasil-Colônia com os

negros de origem bantu trazidos como escravos para o trabalho forçado nas fazendas de café do Vale do Rio Paraíba, no interior

dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

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A influência da nação bantu foi fundamental na formação da cultura brasileira. Para acalmar a revolta e o sofrimento dos negros

com a escravidão e distrair o tédio dos brancos, os donos das isoladas fazendas de café permitiam que seus escravos dançassem

o jongo nos dias dos santos católicos. Para esses negros africanos e seus filhos, o jongo era um dos únicos momentos permitidos

de trocas e confraternização.

O jongo é uma dança profana, para o divertimento, mas uma atitude religiosa permeia a festa. Antigamente, só os mais velhos

podiam entrar na roda. Os jovens ficavam de fora observando. Os antigos eram muito rígidos com os mais novos e exigiam muita

dedicação e respeito para ensinar os segredos ou “mirongas” do jongo e os fundamentos dos seus pontos. O jongo é uma dança

dos ancestrais, dos pretos-velhos escravos, do povo do cativeiro, e por isso pertence à “linha das almas”.

No dia 15 de novembro, às 15h, acontecerá a exibição dos livros animados, Capoeira, Jongo e Maracatu, de Sonia Rosa. A

atividade será gratuita, realizada pelas mediadoras da Sala de Leitura da Cidade das Artes. Mais

informações: http://www.cidadedasartes.org/programacao/interna/274

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Capoeira

Laura Aidar

Arte-educadora e artista visual

A capoeira é uma expressão cultural brasileira que compreende os elementos: arte-marcial, esporte, cultura popular, dança e música. Ela constrói relações de sociabilidade e familiaridade entre mestres e discípulos, sendo difundida de modo oral e gestual nas ruas e academias. A capoeira foi criada no século XVII pelo povo escravizado da etnia banto e se difundiu por todo o Brasil. Hoje é considerada um dos maiores símbolos da cultura brasileira.

Grupo de capoeiristas

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Características da Capoeira • acompanhamento de música: berimbau, canto e palmas; • formação em roda: roda de capoeira; • graduação do capoeirista feita por cordas de cores diferentes atadas na cintura.

Uma característica que distingue a capoeira de outras lutas é o fato de a mesma ser acompanhada por música.

É a música que decide o ritmo e o estilo do jogo, que é praticado no decorrer da roda de capoeira, um círculo de pessoas onde a capoeira é jogada. Assim, os capoeiristas se alinham na roda de capoeira batendo palmas no ritmo do berimbau enquanto cantam para os dois praticantes jogarem.

O berimbau é um instrumento musical de corda feito de madeira, bambu, arame e uma cabaça.

O jogo pode terminar ao comando do capoeirista no berimbau (normalmente um capoeirista mais experiente), ou com o início de um novo combate entre uma nova dupla.

A música, por sua vez, é composta de instrumentos e canções, onde o ritmo varia de acordo com o 'toque de capoeira', que varia de lento (Angola) ao bastante acelerado.

Nos grupos de capoeira regional ou de capoeira angola, a graduação é simulada pelas cores de cordas atados na cintura do jogador.

Angola e Regional

Capoeira Angola

A Capoeira Angola é o estilo mais próximo de como os negros escravos jogavam a Capoeira. Caracterizada por ser mais lenta, porém rápida, movimentos furtivos executados perto do solo, como em cima, ela enfatiza as tradições da Capoeira, que em sua

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raiz está ligada aos rituais afro-brasileiros, sua música é cadenciada, orgânica e ritualizada, e o correto é estar sempre acompanhada por uma bateria completa de 08 instrumentos.

A designação “Angola” aparece com os negros que vinham para o Brasil oriundos da África, embarcados no Porto de Luanda que, independente de sua origem, eram designados na chegada ao Brasil de “Negros de Angola”, vide ABC da Capoeira Angola escrito pelo Mestre Noronha quando ele cita o Centro de Capoeira Angola Conceição da Praia, criado pela nata da capoeiragem baiana no início dos anos 1920.

Mestre Pastinha (Vicente Ferrera Pastinha) foi o grande ícone do estilo. Grande defensor da preservação da Capoeira Angola, inaugurou em 23 de fevereiro de 1941 o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA). Dos ensinamentos do Mestre Pastinha foram formados Grandes Mestres da capoeira Angola, dentre outros que continuam transmitindo seus conhecimentos para os novos angoleiros. É comum a primeira vista ver o jogo de Angola como não perigoso ou não elaborado, contudo o jogo Angola se assemelha ao xadrez pela complexidade dos elementos envolvidos, características como sutileza, o subterfúgio, a dissimulação, a teatralização, a mandinga e/ou mesmo a brincadeira para superar o oponente.

Um jogo de Angola pode ser tão ou mais perigoso do que um jogo de Regional.

Capoeira Regionale

A Capoeira Regional foi criada por Mestre Bimba (Manuel dos Reis Machado, 1899-1974). Ele criou sequências de ensino e metodizou o ensino de capoeira. Inicialmente, Bimba chamou sua capoeira de “Luta regional baiana”, de onde surgiu o nome regional.

Manoel dos Reis Machado, conhecido por ser um habilidoso lutador nos ringues, e inclusive, ser um exímio praticante da capoeira Angola, procurou fazer com que a capoeira tivesse uma maior força como luta e fez isto incorporando a ela novos golpes. Um fato que é conhecido, é de que Bimba teria incorporado golpes do Batuque, uma luta já extinta, que era rica em golpes traumáticos e desequilibrantes. Inclusive, sabe-se que o pai de Mestre Bimba era praticante desta luta.

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A Regional surgiu por volta de 1930. Mas Mestre Bimba se preocupou não só em fazer com que a capoeira fosse reconhecida como luta, ele também criou o primeiro método de ensino da capoeira, as “sequências de ensino” que auxiliavam o aluno a desenvolver os movimentos fundamentais da capoeira.

Em 1932, foi fundada por Mestre Bimba a primeira academia de capoeira registrada oficialmente, em Salvador, com o nome de “Centro de Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia”. Das muitas apresentações que Mestre Bimba fez, talvez a mais conhecida tenha sido a ocorrida em 1953, para o então presidente Getúlio Vargas, ocasião em que teria ouvido do presidente : “A capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional.” Na academia de Mestre Bimba, a rigorosa disciplina que vigorava determinava três níveis hierárquicos: “calouro”, “formado” e “formado especializado”. Uma das maiores honras para um discípulo era poder jogar Iúna, isto é, jogar na roda de capoeira ao som do toque denominado Iúna, executado pelo berimbau.

O jogo de Iúna tinha a função simbólica de promover a demarcação do grupo dos formados para o grupo dos calouros. A única peculiaridade técnica do jogo de Iúna em relação aos jogos realizados em outros momentos no ritual da roda de capoeira era a obrigatoriedade da aplicação de um golpe ligado no desenrolar do jogo, além do fato de destacar-se pela maior habilidade dos capoeiristas que o executavam. O jogo de Iúna era praticado apenas ao som do berimbau, sem palmas ou outros instrumentos o que reforçava seu caráter solene. Ao final de cada jogo, todos os participantes aplaudiam os capoeiristas que saíam da roda.

A Regional é mais recente, com elementos fortes de artes-marciais em seu jogo. A Regional (Luta Regional Baiana) tornou-se rapidamente popular, levando a Capoeira ao grande público e mudando a imagem do capoeirista tido no Brasil até então como um marginal. Seu jogo é mais rápido, mas também existem jogos mais lentos e compassados. Apesar do que muitos pensam, na capoeira regional não são utilizados saltos mortais, pois um dos fundamentos da capoeira regional, segundo Mestre Bimba é manter no mínimo uma base ao solo (um dos pés ou uma das mãos).

O forte da capoeira regional são as quedas, rasteiras, cabeçadas. Em toques rápidos como São Bento Grande da Regional se faz um jogo mais rápido, porém sempre com manobras de ataque e defesa (importante ressaltar que todos os golpes devem ter objetivo), mas sempre respeitando o camarada vencido (parar o golpe se perceber que ele machucará o parceiro, mostrando assim sua superioridade e humildade diante do camarada). Ambos os estilos são marcados pelo uso de dissimulação e subterfúgio – a famosa mandinga – e são bastante ativos no chão, sendo frequentes as rasteiras, pontapés, chapas e cabeçadas.

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Maracatu de Baque Solto

Inscrito pelo Iphan, em dezembro de 2014, no Livro de Registro das Formas de Expressão, o Maracatu de Baque Solto é uma expressão cultural também conhecida por maracatu de orquestra, maracatu de trombone, maracatu de baque singelo ou maracatu rural. Brincadeira popular que ocorre durante as comemorações do Carnaval e no período da Páscoa, tem como personagem central

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o Caboclo de Lança e compõe-se por dança, música e poesia, e está associado ao ciclo canavieiro da Zona da Mata Norte de Pernambuco, especialmente, e às áreas sob sua influência cultural. Também ocorrem apresentações na Região Metropolitana do Recife e outras localidades. De seu movimento coreográfico surge uma dança que evoca o combate, e ao mesmo tempo relembra os movimentos dos trabalhadores nos canaviais.

O Maracatu de Baque Solto ou Maracatu Rural envolve performances dramáticas, musicais e coreográficas, resultantes da fusão de manifestações populares (cambindas, bumba meu boi, cavalo-marinho e coroação dos reis de congo). O aspecto sagrado/religioso/ritualístico perpassa o folguedo durante todo o ano, em que se dão os ensaios ou sambadas, além das apresentações nos períodos carnavalesco e pascoal, caracterizando-o, fundamentalmente, como possuidor do "segredo do brinquedo".

Os mais antigos maracatus foram criados em engenhos onde seus fundadores eram trabalhadores rurais, trabalhadores do canavial, cortadores de cana-de-açúcar, entre fins do século XIX e início do XX. A herança imaterial desse bem é legada aos contemporâneos por meio de gestos e indumentárias, nos "pantins" de caboclos e dos arreiamás, na dança das baianas, nas loas dos mestres, entre outros aspectos. Nas apresentações, o mestre de cada maracatu entoa loas em marchas, sambas e galope acompanhados do terno (as orquestras de sopro e percussão), enquanto no terreiro os caboclos, baianas e arreiamás se exibem fazendo suas evoluções.

Possui forte tradição na palha da cana, sobretudo na Zona da Mata Norte, e mesmo convivendo com as adversidades decorrentes de tal contexto socioeconômico, os canavieiros construíram um vigoroso legado cultural, em que os maracatus de baque solto sobressaem. Sua singularidade se expressa por meio da sua musicalidade (um tipo de batuque ou baque solto), seus movimentos coreográficos e indumentária dos personagens, e pela riqueza de seus versos de improviso.