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Cultura Cultura Jornal Angolano de Artes e Letras ECO DE ANGOLA - 3 EVOCAÇÃO DE MANUEL FERREIRA Leonel Cosme evoca a memória e o trabalho de Manuel Ferreira, introdutor dos estudos de literatura africana nas Universidades portugue- sas, nomeadamente de Lisboa. LETRAS - 7 e 8 SIKOLA QUER MELHOR EDUCAÇÃO EM ANGOLA A 3ª Conferência de Educação do projecto Sikola, realizada na Universidade Jean Piaget de Angola, procurou contribuir para o reforço da qualidade do Ensino Primário. NAVEGAÇÕES- 15 e 16 GOZ’AQUI CELEBROU 5 ANOS DE (HUMOR)IDADE O Goz’Aqui existe há cinco anos, por isso, a organização associou a festa do 5.º aniversário ao espectáculo que atraiu mais de 100 pessoas ao Camões. ARTES - 13 ECO DE ANGOLA - 3 PRÉMIO DE CULTURA E ARTES AFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS ECO DE ANGOLA - 3 PRÉMIO DE CULTURA E ARTES AFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS PRÉMIO DE CULTURA E ARTES AFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS PRÉMIO DE CULTURA E ARTES AFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS PRÉMIO DE CULTURA E ARTES AFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS AFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS Os v enc edor es da 17ª edição do pr émio P r émio Nacion - al de C ultur a e A r t es , a mais tan t e impor distinção do Estado A ngola - no nest t no nest e sec t or , r ec eber am, na noit e de 9 de No v embr o , os tr of éus e diplo - mas c or r espon - den t es . O minis - tr o de Estado e Chef e da C asa C ivil do P r esi - den t e da R epublica, R epublica, F r eder ic o C ar - doso , disse que o pr émio distingue a super ação ar tística e o génio dos cr iador es ango - lanos , que , c om o seu tr abalho , t êm c on tr ibuí - EVOCAÇÃO DE MANUEL 7 e 8 LETRAS - t êm c on tr ibuí - do par a a afir - l A mação de ngola além-fr on t eir as . ARTES - 13 ARTES - 13 e de Lisboa. t , nomeadamen sas icana nas Univ a afr tur a er lit odut tr a, in eir r er anuel F M oca a memór osme ev eonel C L EVOCAÇÃO DE MANUEL e de Lisboa. - tugue ersidades por icana nas Univ or dos estudos de odut abalho de ia e o tr oca a memór FERREIRA EVOCAÇÃO DE MANUEL NAVEGAÇÕES- 15 e 16 FERREIRA NAVEGAÇÕES- 15 e 16 amões ao C ao espec ganização associou a f or qui e A ’A z o O G 5 ANOS DE (HUMOR)IDADE GOZ’AQUI CEL . amões aiu mais de 100 pessoas tr táculo que a esta do 5.º aniv ganização associou a f , por isso o anos e há cinc xist qui e 5 ANOS DE (HUMOR)IDADE EBROU GOZ’AQUI CEL aiu mais de 100 pessoas io ersár esta do 5.º aniv , a , por isso 5 ANOS DE (HUMOR)IDADE EBROU LA o da qualidade do Ensino P ç or ef o r iaget de A ersidade Jean P Univ ducação do pr ência de E er onf A 3ª C A EM ANGOL MELHOR EDUCAÇÃO SIKOLA QUER NAVEGAÇÕES- 15 e 16 . io imár r o da qualidade do Ensino P on ou c ocur ngola, pr iaget de A o Sikola, r t ojec ducação do pr A MELHOR EDUCAÇÃO SIKOLA QUER NAVEGAÇÕES- 15 e 16 a ibuir par tr on ealizada na o Sikola, r 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | Nº 148 | Ano VI Director: José Luís Mendonça Kz 50,00 UNIDOS POR UMA ANGOLA DEMOCRÁTICA, UNA E INDIVISÍVEL

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CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras

ECO DE ANGOLA - 3

EVOCAÇÃO DE MANUEL FERREIRALeonel Cosme evoca a memória e o trabalho de Manuel Ferreira, introdutor dos estudos de literatura africana nas Universidades portugue-sas, nomeadamente de Lisboa.

LETRAS - 7 e 8

SIKOLA QUER MELHOR EDUCAÇÃOEM ANGOLAA 3ª Conferência de Educação do projecto Sikola, realizada na Universidade Jean Piaget de Angola, procurou contribuir para o reforço da qualidade do Ensino Primário.

NAVEGAÇÕES- 15 e 16

GOZ’AQUI CELEBROU 5 ANOS DE (HUMOR)IDADE

O Goz’Aqui existe há cinco anos, por isso, a organização associou a festa do 5.º aniversário ao espectáculo que atraiu mais de 100 pessoas ao Camões.

ARTES - 13

ECO DE ANGOLA - 3

PRÉMIO DE CULTURA E ARTESAFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS

ECO DE ANGOLA - 3

PRÉMIO DE CULTURA E ARTESAFIRMA ANGOLA ALÉM-FRONTEIRAS

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Os vencedores da 17ª edição do prémio Prémio Nacion-al de Cultura e Artes, a mais

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no neste sector, receberam, na noite de 9 de Novembro, os troféus e diplo-mas correspon-dentes. O minis-tro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presi-dente da Republica,

Republica, Frederico Car-doso, disse que o prémio distingue a superação artística e o génio dos criadores ango-lanos, que, com o seu trabalho, têm contribuí-

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têm contribuí-do para a a�r-

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21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | Nº 148 | Ano VI • Director: José Luís Mendonça • Kz 50,00UNIDOS POR UMA

ANGOLA DEMOCRÁTICA,UNA E INDIVISÍVEL

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2 | ARTE POÉTICA 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | Cultura

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Conselho de Administração

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Caetano Pedro da Conceição Júnior

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Carlos Alberto da Costa Faro Molares D’Abril

Mateus Francisco João dos Santos Júnior

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Olímpio de Sousa e Silva

Catarina Vieira Dias da Cunha

ÁFRICAÀ minha mãeÁfrica, minha ÁfricaÁfrica de orgulhosos guerreiros das savanas ancestraisÁfrica que canta minha avóà beira de seu rio distanteeu nunca te conhecimas o meu olhar está cheio do teu sangueo teu belo sangue negro através dos campos difundidoo sangue do teu suoro suor do teu trabalhoo trabalho da escravidãoescravidão dos teus filhos África, diz-me Áfricaé no entanto teu esse dorso que se curvae se deita sobre o peso da humilhaçãoesse dorso tremulo a listras vermelhasque disse sim ao chicote nos caminhos do meio dia?Então gravemente uma voz me respondeufilhos impetuosos, esta árvore robusta e jovemaquela árvore láesplendidamente só no meio das flores brancas e desbotadasesta é a África, tua África que renasceque renasce pacientemente obstinadamentee cujos frutos têm pouco a poucoo amargo sabor da liberdade.______________________________David Léon Mandessi Diop teve uma vida curta: nasceu em 1927, em

Bordeaux, França e morreu em 1960, aos 32 anos, num acidente de aviãona costa do Senegal. Diop, uma promessa da poesia francesa de ascendên-cia africana, é considerado o mais revoltado dos poetas do movimento daNegritude.

Filho de pai senegalês e mãe camaronesa, Diop produziu uma poesiafortemente marcada pela raiva e o protesto contra os valores europeus.Escreveu um único livro (lançado ainda em vida), “Coups de Pilon” em queseus poemas retratam pelo sofrimento do negro desde os tempos da escra-vidão, pela dominação colonial e a condição do negro no século XX, nmasociedade marcada pelo racismo e pelos valores da cultura europeia, e ter-mina com um chamado à luta do povo africano.

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Nº 148/Ano VI/ 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL

Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaEditor:Adriano de MeloSecretária:Ilda RosaFotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação: Jorge de Sousa,Alberto Bumba, Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:

Angola: Domingos de Barros Neto, Fátima Viegas, Gon-çalves Handyman Malha, Leonel Cosme, Rúbio Praia,Soberano Canhanga

Senegal: David Diop

Portugal: Ana T. Rocha, Manuel Vaz

FONTES DE INFORMAÇÃO GLOBAL:

AFREAKAAFRICULTURES, Portal e revista de referênciaAGULHACORREIO DA UNESCOMODO DE USAR & CO. OBVIOUS MAGAZINE

POEMA DE DAVID DIOP

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ECO DE ANGOLA | 3Cultura | 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017PRÉMIO NACIONAL DE CULTURA E ARTES

TEM AFIRMADO ANGOLA ALÉM-FRONTEIRASOPrémio Nacional de Culturae Artes é a mais importantedistinção do Estado Angola-no neste sector, tendo como principalobjectivo incentivar a criação artísticae cultural, bem como a investigaçãocientifica no domínio das ciências hu-manas e sociais.Os vencedores da 17ª edição doprémio referente ao ano de 2017, nasnove modalidades artísticas em con-curso, receberam, na noite de 9 deNovembro, os troféus e diplomas cor-respondentes. A cerimónia juntouhomens de cultura, da sociedade epolítica angolana.O ministro de Estado e Chefe da Ca-sa Civil do Presidente da Republica,Frederico Cardoso, que entregou osgalardões em representação do Presi-dente da República, João Lourenço,disse que o prémio distingue a supera-ção artística e o génio dos criadoresangolanos, que, com o seu trabalho,têm contribuído para a afirmação deAngola além-fronteiras.O júri presidido pelo antropólogoVirgílio Coelho contou com José LuísMendonça e Cremilda de Lima, na dis-ciplina de Literatura, Francisco Van-Dúnem (Van) e Marcela Costa, para ade Artes Plásticas, Dionísio Rocha eDina Santos, na Música, Isabel André eAdelino Caracol, no Teatro, LaritzaMarques e Domingos Nguizani naDança, Tomás Ferreira e Marisol Ka-diegi, na disciplina de Cinema e Audio-visual, Constância de Ceita e VirgílioCoelho na Investigação em CiênciasHumanas e Sociais, Cristóvão Kajiban-ga e Marcelina Gomes, para as Festivi-dades Culturais Populares, e para oJornalismo Cultural, Mara Dalva e JoséRodrigues, e identificou os seguintesvencedores para 2017:LITERATURAAo escritor António Fonseca, peloconjunto da sua obra “um agrimensorde etno-ficções”, criador de uma lite-ratura genuína que se deixa entranharpelas diversas linguagens e pela ima-gética criativa popular do todo nacio-nal que é Angola.”ARTES VISUAIS E PLÁSTICASHorácio Dá Mesquita, pelo mérito dasua mais recente exposição individualsobre cerâmica artística, que ressaltaum forte pendor investigativo e criati-vo, e pelo conjunto da sua obra, quetem desenvolvido há mais de 40 anoscom bastante brio, argúcia e perícia.MÚSICAAo músico e compositor Carlos La-martine, um dos grandes artífices damúsica nacional, cujas composições einterpretações assentam não apenasna música popular urbana, mas tam-

bém, abordam os géneros satírico e re-volucionário, a trova e o folclore, queenriquecem e valorizam o universocontemporâneo da música angolana.TEATROAo grupo teatral PROTEVIDA, pelasua obra continuada, que desenvolveuum gráfico ascendente ao longo dosanos. Tem o mérito de ter criado um fes-tival anual de teatro – o Festipaz – paraalém de fazer adaptação de obras de au-tores nacionais que abordam questõesprementes da sociedade angolana.DANÇAÀ Companhia de Dança Contempo-rânea de Angola (CDCA), por introdu-zir novas técnicas na interpretaçãodas suas obras, que constituem geral-mente matérias de investigação colhi-das na realidade etnográfica nacional(danças folclóricas e patrimoniais) ena vasta literatura e artes plásticas an-golana contemporâneas. A generali-dade das suas criações, as qualidadestécnicas e artísticas dos seus traba-lhos são marcados pelo rigor dos es-pectáculos apresentados regularmen-te em regime de temporada tanto nopaís quanto no estrangeiro.CINEMA E AUDIOVISUAISO realizador Abel Couto desenvol-veu uma carreira ao longo de quarentaanos e é, do ponto de vista histórico, opioneiro da ficção televisiva em Angola.INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAISA título póstumo ao historiador Em-manuel Esteves, investigador consagra-do, professor de História de Angola, comtrabalhos fundamentais sobre a Histó-ria do Caminho de Ferro de Benguela e

seu impacto económico, social e culturale sobre questões referentes ao Inventá-rio de Bens Patrimoniais e Móveis. Énessa área específica que se enquadra asua actividade em relação a MbanzaKongo, ao apresentar o projecto «Mban-za Kongo cidade a desenterrar para pre-servar», que ajudou a levar à classifica-ção da cidade de Mbanza Kongo comopatrimónio cultural da Humanidade. JORNALISMO CULTURALA jornalista e apresentadora MariaLuísa Fançony, apresentadora dos pro-gramas «Reencontrar África» e «Afri-kiya», sempre primou pela postura di-dáctica, qualidade na elaboração esté-tica e narrativa, longevidade, apego epersistência na temática, no tratamen-to jornalístico e divulgação de aspec-tos da cultura angolana e africana.

FESTIVIDADES CULTURAIS POPULARESÀs Festividades da Nossa Senhorado Monte, na província da Huíla, pelasseguintes razões:a) Por existirem há mais de 100anos (desde 1902);b) Por terem incorporado no seuseio importantes elementos da cultu-ra local nos diversos domínios;c) Por terem sido as mais mobiliza-doras de turistas internos numa dadafase da sua realização, concorrendoassim para o «contágio» nacional ins-piradora de realização de festas de ci-dades pelo resto do país;d) Por manterem inalterável a espi-ritualidade do povo que ao longo dotempo assumiu a romaria ao santuá-rio da Nossa Senhora do Monte.

Laureados

Lamartine recebe diploma das mãos da ministra da Cultura

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Areligião enquanto fenómenosocial foi o mais presente e omais antigo, aquele que de al-guma forma, sempre acompanhou oser humano, na sua longa caminhada,constituindo um factor de integraçãoe simultaneamente de desintegração.Basta recordar as quezílias, violênciase cisões que surgiram ao longo dos sé-culos, no seio das grandes religiõesmonoteístas do mundo, como o ju-daísmo, o islamismo e o cristianismo.Não pretendendo realizar umaabordagem histórica aprofundada so-bre as doutrinas, organização e estru-turas das religiões acima citadas. Im-porta contudo, lembrar aos presentesque as primeiras atitudes de intole-rância na religião surgiram em tornoda figura de Jesus Cristo quando iniciauma vida pública de pregações, ensi-namentos, testemunhos e milagres. Falar de intolerância religiosa re-mete-nos, necessariamente ao seu re-verso: a tolerância.A ideia de tolerância religiosa en-contra fundamentação teórica no sé-culo XVI, com o movimento da Refor-ma, protagonizado por Martinho Lu-tero, que deu origem ao nascimentodas igrejas protestantes e, poste-riormente, ao movimento da Contra-Reforma, com vista à reorganizaçãoda Igreja Católica.A partir do século XVII surge o prin-cipal tratado sobre a teoria da tolerân-cia com John Locke, cuja obra “Cartaacerca da Tolerância” (1689) se ocu-pou principalmente da relação entreas confissões religiosas. Esta obra ex-posta ainda hoje é consultada, porqueela contém um princípio do direito pú-blico ocidental, que consiste em ne-nhum Estado ter a missão de salvar al-mas, nem a competência de avaliar averdade religiosa, devendo protegeros direitos humanos e garantir a tole-rância em relação às confissões. No século XVIII, Voltaire retomou amesma questão no seu “Tratado sobrea Tolerância” (1792), baseando-senum caso de intolerância religiosa, apartir do julgamento de um comer-ciante, calvinista, da cidade de Toulou-se, acusado por um suposto homicídiode seu filho, o qual se converteu à reli-gião católica, o que gerou entre a co-munidade cristã, ódios e conflitos. No século XX (1948) o princípio detolerância passou a ser reconhecido pe-la ONU- Organização das Nações Uni-das, com a Declaração Universal dos Di-reitos Humanos , no seu artigo 18º:Toda a pessoa tem direito à liberda-de de pensamento, de consciência e dereligião; esse direito implica a liberda-de de mudar de religião ou de convic-ção, assim como a liberdade de mani-festar a religião ou convicção, sozinhoou em comum, tanto em público como

em privado, pelo ensino, pela prática,pelo culto e pelos ritos.A tolerância está ligada à liberda-de, ou seja, à capacidade de agir se-gundo a própria convicção e com li-berdade responsável, não forçadospor coacção, mas levados pela cons-ciência do dever.O eminente sociólogo alemão MaxWeber, que filiou o progresso do ca-pitalismo na sua relação com o cris-tianismo, escreveu todavia em 1917que “é destino da nossa cultura to-mar novamente consciência destefacto, de uma maneira mais clara, de-pois que, durante um milénio, aorientação pretensamente ou apa-rentemente exclusiva baseada namensagem grandiosa da ética cristãnos tornou cegos para a mudança”. Entramos agora numa nova fase dahistória humana, tal como refere Mo-reira (2007), não no fim dos tempos,mas o fim de um tempo.Procuramos com esta apresenta-ção dar um retoque histórico e cultu-ral da questão da tolerância e intole-rância, mas o nosso estudo recai, so-bre os casos em Angola . Não vamosde modo algum discutir os princi-pais conceitos utilizados na nossaabordagem temática - religião, tole-rância e intolerância, por não estar-mos, propriamente, num debatecientífico, mas procuramos respon-der à interrogação: Há intolerânciaou liberdade religiosa em Angola?A Constituição da República de An-gola de 2010 instituiu o princípio dauniversalidade (artigo 22º, alínea b),no qual todos os cidadãos e cidadãs de-vem respeitar e considerar os seus se-melhantes sem discriminação de espé-cie alguma e manter com os mesmosrelações que permitam promover, sal-vaguardar e reforçar o respeito e a tole-rância recíprocos.

De igual forma, orienta o artigo 41ºque “ninguém pode ser privado dos seusdireitos, perseguido ou isento de obriga-ções por motivo de crença religiosa oude convicção filosófica ou política”.Assim sendo, a leitura dos dispositi-vos constitucionais angolanos assegu-ra o respeito, a tolerância e a liberdadereligiosa, preservando, assim, o direi-to subjectivo de consciência, tanto pa-ra professar, quanto para aderir a umdeterminado credo religioso.Importa referir que Angola é insti-tucionalmente um Estado laico, reafir-mado na sua Constituição de 2010, noseu Artigo 10º:1º - A República de Angola é um Es-tado laico, havendo separação entre oEstado e as igrejas, nos termos da lei.2º - O Estado reconhece e respeitaas diferentes confissões religiosas, asquais são livres na sua organização eno exercício das suas actividades,desde que se as mesmas se confor-mem à Constituição e às leis da Repú-blica de Angola.3º - O Estado protege as igrejas e asconfissões religiosas, bem como osseus lugares e objectos de culto, desdeque não atentem contra a Constituiçãoe a ordem pública e se conformemcom a Constituição e a lei.Em termos simples e práticos, istoquer dizer, que o Estado angolano nãotem uma religião oficial e a sua actua-ção não pode adoptar, nem defender aposição de uma determinada religiãoou instituição religiosa . De contrárioviolaria a sua laicidade.A relação Estado e Igreja(s)As relações entre o Estado e as Igre-jas nos primeiros anos da Indepen-dência de Angola , permitem-nos des-tacar três momentos distintos quepassamos a designar por ruptura,abertura e cooperação.

O momento de ruptura correspondeao período de adopção de um sistema eideologia marxistas, desde a indepen-dência (1975) até à década de 80, emque o Estado assume uma posição de“distanciamento” de todo e qualquerculto religioso, apropriando-se do pa-trimónio e dos bens religiosos. A Igreja Católica assumida “aliadanatural” do governo colonial portu-guês como uma religião de Estado dei-xa de ser privilegiada e, por sua vez, aIgreja Metodista , embora em algunsgrupos sociais e políticos apontada co-mo o berço de grande parte dos diri-gentes políticos do MPLA, apercebe-setambém do distanciamento destes,sentindo por isso, um certo isolamento.O MPLA , partido no poder, exerce oseu poder regulador sobre as institui-ções religiosas implantadas no país,quer apontando a religião como “ópiodo povo”, “forma de alienação”, quer di-minuindo o poder religioso na formaçãoespiritual e social do indivíduo, sobretu-do no campo da educação e ensino. Apesar das tensões entre o Estadoangolano e as Igrejas, os religiosos nãodeixavam de cultuar e de se expandir,contrariando a profecia de Neto numdado momento histórico, ao referir-seque “talvez daqui a cinquenta anos jánão hajam mais igrejas em Angola...” .Porém, a situação começou a rever-ter-se a partir de 1987, quando se abriuo processo de reconhecimento jurídicocom a aprovação do Decreto Executivonº 9/87, de 24 de Janeiro, que reconhe-ce as primeiras doze igrejas. Apesar docontrolo estatal a que as instituições re-ligiosas estavam sujeitas, começou-se aregistar um campo religioso plural,(Viegas 2000, 2008, 2010).A década de 1990 representa o mo-mento de abertura, que coincide coma realização das primeiras eleições de-mocráticas. Viveu-se uma autênticaexplosão religiosa, por um lado, com osurgimento de Novos Movimentos Re-ligiosos locais e por outro, com a en-trada de igrejas de origem estrangeirado ramo evangélico e pentecostal ouneopentecostal, como por exemplo, aIgreja Evangélica Bom Deus, a IgrejaProfética Vencedora no Mundo, a Igre-ja Universal do Reino de Deus e a ManáIgreja Cristã, entre outras.Os sinais de tolerância se fazemsentir com a publicação de um segun-

FÁTIMA VIEGAS

Igreja Evangélica Baptista

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A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ENQUANTO PROCESSO DE DESTRUIÇÃO DO OUTRO

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do instrumento jurídico, o DecretoExecutivo nº 46/91, de 16 de Agostode 1991, que estabelece os requisi-tos legais necessários ao reconheci-mento das Igrejas. Abriu-se uma no-va etapa, sendo reconhecidas 50 ins-tituições religiosas. O actual panorama religioso atingiuníveis estrondosos de multiplicaçãode novos credos, novas espiritualida-des. Em cada rua, esquina, quintal oupraça, encontra-se um local de culto.Ao lado das igrejas juridicamente re-conhecidas, operam outras não reco-nhecidas, cada uma delas desenvol-vendo as suas práticas e crenças. É um período caracterizado pelaproliferação patológica de igrejas,seitas e grupos de oração, que preo-cupam não só o Estado, como tam-bém a sociedade pelo crescimentodescontrolado e desordenado do fe-nómeno religioso.A proliferação e a expansão dasIgrejas nos anos 90 e seguintes foiverdadeiramente impressionante:prova disso são as imensas “cate-drais” construídas pela Igreja Univer-sal do Reino de Deus no Alvalade, noRocha Pinto e em Viana, pela IgrejaBom Deus, no Kilamba Kiaxi e ainda a“catedral” de uma das Igrejas Tocoís-tas construída no bairro do Golfe, emLuanda, abarcando 50.000 lugares,um dos maiores edifícios cristãos docontinente africano . O Kimbanguis-mo registou igualmente um cresci-mento considerável nos anos 90, eafirma hoje orgulhosamente ser a se-gunda confissão em Angola, depois daIgreja Católica , vangloriando -se terconstruído um dos maiores templosdo país, igualmente no bairro do Gol-fe, albergando 20.000 lugares. As igrejas reconhecidas nas suas ta-refas sociais desempenham um papelde “sociedades-providência”, tecemlaços de proximidade e solidariedade.Muitas delas passam a ser cada vezmais encaradas como parceiras so-ciais e fundamentais no processo dereconciliação nacional e na resoluçãodos problemas candentes das popula-ções vulneráveis, sobretudo onde o

Estado não se fazia presente. Nesta década de 90, o Governo an-golano prosseguiu com a legalizaçãode instituições religiosas, reconhe-cendo um total de 68 igrejas. Depreen-de-se que aumentaram as iniciativasdo Governo e do Partido no poder(MPLA), no sentido de uma maioraproximação e parceria com as insti-tuições religiosas. Porém, o período de maior parceriae flexibilidade, é o momento de coope-ração, depois das eleições democráti-cas em 1992, até à actualidade.Neste momento de cooperação, deu-se continuidade ao processo de reco-nhecimento jurídico das igrejas cristãse não cristãs, que embora moroso edescontínuo, o Ministério da Justiçaconcedeu personalidade jurídica a oi-tenta e cinco igrejas e paralelamenteoperam oito organizações religiosasconstituídas por igrejas reconhecidas enão reconhecidas juridicamente. Sen-do duas congregam igrejas reconheci-das: Aliança Evangélica de Angola –AEA e o Conselho de Igrejas Cristãs emAngola – CICA e o Fórum Cristão Ango-lano. As restantes, a União das Igrejasdo Espírito Santo – UIESA, a Tribuna Li-vre das Igrejas Africanas – TRILIA, oConselho de Igrejas de Reavivamentoem Angola – CIRA, a Aliança das IgrejasAfricanas – AIAF, que, embora sejamassociações com personalidade jurídi-ca têm no seu seio, quer igrejas reco-nhecidas, quer não reconhecidas juri-dicamente. Posteriormente, em 2015foram criadas as ditas “PlataformasEcuménicas”, através da Circular Nº228 do Ministério da Justiça e Direitoshumanos que afirmam estar enquadra-das no seu seio muitas outras sem per-sonalidade jurídica.Luanda é uma das cidades de Ango-la com o maior índice de locais de cul-to cristãos e não cristãos e as relaçõesentre o Estado e as Igrejas são bem vi-síveis, quer através da realização su-cessiva de cultos de oração pela pacifi-cação dos espíritos e pela paz, quer noreforço da educação moral e cívica pa-ra a unidade e a reconciliação nacio-nal, quer ainda, na canalização de aju-

da humanitária e autorização deemissoras religiosas , acordos para acriação de postos médicos, institui-ções escolares do ensino primário,secundário e superior.Vivem-se momentos de liberdade etolerância religiosas, regulados numprimeiro momento pelo Decreto Exe-cutivo nº46/91, do Ministério da Justi-ça e da Secretaria de Estado da Cultura,o que possibilitou aos cidadãos organi-zarem as suas igrejas, numa tentativade obterem reconhecimento legal dogoverno, que foi posteriormente subs-tituído pela Lei nº02/04, de 21 de Maio,designada “Lei sobre o Exercício da Li-berdade de Consciência, de Culto e deReligião”, bastante permissiva à proli-feração de movimentos religiosos.Este ambiente de grande liberdadeproporcionou a proliferação religiosade credos cristãos e não cristãos,anunciando as mais variadas soluçõespara os problemas espirituais e so-ciais que afligiam as populações.Por um lado, surgem novas dinâmi-cas religiosas desenhadas pela (re)emergência das igrejas neotradicio-nais que propõem um novo ecumenis-mo entre igrejas, pastores e comuni-dades; a recuperação da memória his-tórica e cultural, através da exaltaçãode figuras proféticas da resistênciacristã colonial, como Njinga Mbandi,Kimpa Vita, Simão Kimbangu; uma no-va hermenêutica bíblica (adequadaaos problemas comuns e quotidianosdas pessoas, como a história dos so-fredores); e ainda, uma certa recria-ção da feitiçaria (como causadora dosmales – identificando e acusando,muitas vezes, crianças e velhos).Por outro lado, surge no seio das po-pulações angolanas, a religião muçul-mana, que embora não tivesse sidouma religião de tradição na Angola co-lonial, onde por razões históricas pre-dominavam confissões e credos de ca-rácter essencialmente cristãos, (cato-licismo e protestantismo), começa adespertar interesse nas populações,através do contacto com pessoas vin-das de outras paragens de África. Nos principais centros urbanos po-de-se observar, o progresso quantitati-vo de mesquitas ou outros locais ondeos muçulmanos praticam os seus cul-tos, mas também e sobretudo a extraor-dinária capacidade de adaptação e in-serção dos emigrantes muçulmanos nasociedade angolana e a aderência, emespecial da camada feminina mais jo-vem, que se casam com os emigrantesmuçulmanos, optando, por tolerar osmodos de estar, de vestir e de orar.Assim, encontram-se mesquitas es-palhadas por Angola , onde muçulma-nos angolanos e estrangeiros prati-cam os seus cultos, rompendo com osobstáculos impostos pela história e in-teragindo nos patamares da cosmogo-nia das populações angolanas, empur-rados pelos ventos da globalizaçãoque gradualmente vão diluindo asideias mais conservadoras.Na contemporaneidade, uma talmudança chamou a atenção de todosos angolanos. Em vez de se limitar oencontro com as religiões, passou a

acentuar-se cada vez mais a responsa-bilidade destas, face à manutenção dapaz, da justiça social, da unidade na-cional e da coesão social, com apelosfortes para a construção de uma socie-dade fraterna, coesa, harmoniosa, on-de reinam a tolerância e a coabitaçãoreligiosas, às quais derivam não tantodo progresso da laicidade, como tam-bém do hábito da diversidade culturalnas populações angolanas e do senti-do pragmático da religião.Pode-se dizer que o panorama reli-gioso mudou, porque certos crentesaderiram aos novos credos religiosos,aos novos “profetas, pastores e ima-mes” e aos novos “deuses”, quer sejamcristãos, islâmicos ou outros. Nestabase as relações no campo religiosoangolano devem ser encaradas numcontexto dinâmico. Dinâmicas ligadasao que Jean-Pierre Chrétien (1993)chamou a “invenção religiosa”. Há intolerância religiosa em Angola?Sabe-se, porém, que a execução dosprincípios de tolerância e respeito àdiversidade não é uma prática simplesnem fácil, sobretudo quando existeuma falta gritante de conhecimentos eeducação formal como é o caso da so-ciedade angolana, que recebeu do co-lonialismo português uma herança de90% de população analfabeta. Muito recentemente, a sociedadeluandense sentiu-se perplexa porqueum grupo de uma determinada seitareligiosa decidiu assaltar e vandalizara imagem de uma santa muito venera-da pelos cristãos católicos, no santuá-rio da “Mamã Muxima” .A propósito deste triste episódio, obispo da diocese de Viana, Dom Joa-quim Ferreira Lopes, ao ser entrevis-tado por um jornalista angolano, des-qualificou o acto de intolerância reli-giosa, como não sendo uma caracte-rística do cidadão angolano. Esta emi-nente figura da Igreja Católica recor-dou que a imagem da “Mamã Muxima”existe naquele local geográfico desdeo século XVII e nunca ninguém a van-dalizou, por isso concluiu ser um actoinstruído por alguém não angolano.Portanto, para o bispo católico, o an-golano não é um intolerante religioso. Em relação ao Governo, a comunida-de muçulmana em Angola tem váriasvezes considerado como intolerantereligioso, acusando-o de mandar des-truir ou encerrar as suas mesquitas. A rápida expansão do islamismo emAngola, bispos e outros líderes de igre-jas cristãs manifestam as suas apreen-sões, com os olhares postos nos confli-tos religiosos havidos em outros paí-ses como a Nigéria e o Sudão. Os seusreceios assentam, fundamentalmente,pela eventual entrada de grupos mu-çulmanos radicais, jihadistas, que po-dem constituir um iminente risco deacções terroristas ou pelo enfraqueci-mento da maioria da população queperfilha a religião cristã.Estes e outros casos que, se fazemsentir, esporadicamente, na socieda-de angolana, não são consideradoscomo intolerância religiosa e falta deliberdade religiosa.

Igreja da Sagrada Família

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O que se verifica, não só com a co-munidade muçulmana, mas também,com instituições religiosas cristãs, éque estas instituições, em muitos ca-sos não respeitam nem cumprem comos preceitos administrativos e jurídi-cos vigentes, sendo, por isso sujeitasao encerramento ou destruição dassuas infra-estruturas. As igrejas e seitas religiosas queatentam contra a dignidade da pessoahumana, acusando crianças de feitiça-ria, são encerradas as suas portas e osprotagonistas levados à Justiça, pornão se conformarem com as leis públi-cas ou violam os direitos humanossendo sujeitas à punição jurídica.Importa realçar que nos primeirosdoze anos da independência, a ideolo-gia política do Estado, assente no mar-xismo-leninismo, inibiu a liberdadede culto e de consciência, a vida dasigrejas e dos crentes angolanos eramautênticas cadeias de resistência eoposição espirituais à ideologia do Es-tado, podendo, portanto, considerar-se momentos de intolerância e de per-seguição à religião.Porém, com a abertura do multipar-tidarismo, a partir de 1991, a liberda-de religiosa não só de jure como naprática se faz sentir, de tal modo que asociedade angolana assistiu uma gri-tante e preocupante proliferação reli-giosa, com o surgimento de movimen-tos religiosos, que no tempo e no espa-ço foram conquistando cada vez maisuma afirmação cultural e espiritual,surpreendendo e chocando as pes-soas mais atentas, em virtude de al-guns destes movimentos associarem aPalavra de Deus ao misticismo e inte-resses económicos. O fenómeno religioso expande-se, num ambiente democrático,obedecendo a um clima de liberda-de de consciência e tolerância reli-giosa, construindo lugares de culto,pacificando os espíritos, ajudandosocialmente as populações maisvulneráveis, realizando os seus ri-tuais religiosos, desde que não sejamincompatíveis com a ordem pública eo interesse nacional.O processo de crescimento de locaisde cultos cristãos e não cristãos vemprecisamente demonstrar que a igual-dade das religiões perante a Lei, é umdireito de todos e não apenas de al-guns grupos de fé.É neste clima de liberdade de cons-ciência e tolerância religiosa, que a re-ligião se apresenta como um rio comvárias correntes.As instituições religiosas cristãs, nasua maioria comungam um espíritoecuménico, quer entre o corpo ecle-siástico, ora pregando nos rituais li-túrgicos, ora contribuindo na forma-ção pastoral, quer entre grupos coraisque vão animando os cultos com osseus cânticos, proporcionando entreos cristãos uma participação fraterna,aberta e acolhedora.À guisa de conclusão, parece-nosrealista poder afirmar que a intolerân-cia religiosa não tem lugar na socieda-de angolana.

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Socióloga, Professora Associada no InstitutoSuperior de Ciências da Educação, Ministério doEnsino Superior, Luanda, Angola.

Na altura, a Declaração contou com 48 vo-tos a favor, 0 contra e 8 abstenções.

Alguns países africanos, como o Egipto e aLíbia, adoptam uma religião oficial. Não são Es-tados laicos.

Angola está situada na região austral docontinente africano, fazendo fronteira a Nortecom a República do Congo e a República Demo-crática do Congo, a Leste com a República Demo-crática do Congo e República da Zâmbia, a Oestebanhada pelo Oceano Atlântico e a Sul com a Re-pública da Namíbia. Foi colonizada pela potên-cia portuguesa desde o século XV e assumiu a suaindependência a 11 de Novembro de 1975.

Apesar do Estado Português e a Igreja Cató-lica actuarem conjuntamente, a sua relaçãopermanece separada e distinta, particularidadeque se deve ao princípio da “Concordata” entre oEstado e o Vaticano, que exprime certamente acomplementaridade de interesses, mas sem dei-xar de demarcar a exterioridade entre o poderreligioso e poder secular.

As relações entre a Igreja Católica e as Igre-jas protestantes analisadas em termos de podere contra poder, têm sido discutidas e analisadas,por exemplo, por Didier (1998 ª), Tony Neves(2007), Viegas (2010)

MPLA – Movimento Popular de Libertaçãode Angola, que conduziu o povo angolano à in-dependência.

Extracto do discurso de Neto, numa reuniãode militantes do MPLA, aos 21 de Maio, in Jornalde Angola, Maio de 1977.

Com o Decreto Executivo nº9/87, o Estadoangolano adoptou uma posição mais flexível pa-ra com as Igrejas, abrindo um processo de libe-ralização do direito de exercício da liberdade re-ligiosa contemplando 12 instituições, IgrejaEvangélica do Sudoeste de Angola, Igreja Evan-gélica Congregacional de Angola, Igreja Meto-dista Unida, Igreja Católica, Igreja Evangélicade Angola, Igreja Evangélica Reformada de An-gola, Igreja de Jesus Cristo Sobre a Terra (Kim-banguista), Igreja Evangélica Baptista em An-gola, Assembleia de Deus Pentecostal, Igreja Ad-ventista do Sétimo Dia, Convenção Baptista deAngola, União das Igrejas Evangélicas de Ango-la. Para mais esclarecimentos ver Viegas, 1999.

A Igreja Tocoísta é oriunda de um movimen-to cristão profético, lançado no Congo nos anos40 pelo angolano Simão Gonçalves Toko. Comum fundo teológico e histórico bastante seme-lhante à dos kimbanguistas, ela desenvolveu-sedoutrinalmente, em Angola e no Exterior dopaís. Relativamente a este assunto, ver, porexemplo F. J. Grenfell, «Simão Toco: an Angolanprophet», Journal of Religion in Africa, vol. 28, n°2, 1998, p. 210-226; A. Margarido, « The Tokoist

Church and Portuguese colonialism in Angola »,in R. H. Chilcote (dir.), Protest and Resistance inAngola and Brazil. Comparative Studies, Berke-ley, Londres, University of California Press, 1972,p. 29-52; Blanes e Sarró, 2015.

A religião mais importante em Angola (cujonúmero de habitantes é de 20 milhões, segundo osdados estatísticos) é o catolicismo, ao qual per-tence cerca de 80% da população. O resto é repar-tido por inúmeras denominações religiosas cris-tãs e não cristãs; O número de crentes do Kimban-guismo era de 1 350 000 membros. Esta igreja so-freu uma cisão religiosa. Ver Viegas, 1999.

No quadro das relações Estado/Igrejasexistem em Angola, quatro emissoras religio-sas, a saber: a Rádio Eclésia, da Igreja Católica,a Rádio Transnacional, das igrejas evangéli-cas, a Rádio Kairós, da Igreja Metodista Unida ea Rádio Esperança, da Igreja Tocoísta. Por ou-tro lado, é transmitida no canal1 da TelevisãoPública de Angola, o culto dominical da IgrejaCatólica e da Igreja Metodista Unida, e a RádioNacional de Angola transmite o programa“Ecos do Evangelho”, semanalmente, nas pri-meiras horas do domingo.

Estima-se que existem 57 locais de culto(mesquitas e moradias) muçulmanos, distribuí-dos principalmente, pelas províncias de Luanda,Lunda Sul, Benguela, Cabinda, Zaire e Lunda-Norte (província que possui as maiores áreasdiamantíferas, onde se processa o conhecido“tráfico ilícito de diamantes”. Estima-se que em2000 existiam cerca de 100.000 cidadãos es-trangeiros e angolanos a apanharem diaman-tes, conhecidos por “garimpeiros”.

Há ainda a referir a existência de Comunida-des e Associações sócio-económicas, a saber:Comunidade Islâmica de Angola – CoIA, Comu-nidade de Divulgação da Religião Islâmica emAngola – CDRIA, Comunidade Angolana dosCrentes Muçulmanos – CACM, Organização dePropaganda da Religião Islâmica em Angola –OPRIA, Aliança Muçulmana de Angola – AL-MUA, Associação Islâmica de Desenvolvimentode Angola - AIDA e a Associação de Beneficênciade Angola – ABA.

Sabe-se que a referida seita é de origem cris-tã e o assalto foi feito por um grupo composto porseis homens e uma mulher, que decidiram no dia23 de Outubro de 2013, assaltar o santuário ecom paus danificaram a santa “Mamã Muxima”.

Santuário católico, construído no séculoXVII, a 130 km de Luanda, no município da Quis-sama. É considerado um dos maiores centrosmarianos da África subsariana. Este santuárioestá sob a jurisdição da Diocese de Viana, umdos municípios da província de Luanda.

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Igreja Muçulmana

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No seu último grande ensaio saí-do em 1989, O Discurso noPercurso Africano, editado pe-la Plátano Editora, Manuel Ferreira fazcomo que um repositório do que na-suavidae obra marcou o longo percur-so de escritoreinvestigador realizadono mundo de língua portuguesa. Hoje é sabido que Manuel Ferreirafoi o introdutor dos estudos de litera-tura africana nas Universidades por-tuguesas, nomeadamente de Lisboa.Nascido a 18 de Julho de 1917, emGândara dos Olivais, freguesia de Mar-razes e concelho de Leiria, tem sido alijustamente comemorado o centenáriodo seu nascimento, não só para honrarum ilustre filho da terra,mastambém,e sobretudo, a personalidade de reno-me internacional distinguida emtodo o mundo comoprecursora dosestudos da literatura africana delíngua portuguesa.Manuel Ferreira faleceu a 17 deMarço de 1992, no último local de resi-dência, em Linda-a-Velha,já com75anos de idade, grande parte dos quaisvividos nas antigas colónias portugue-sas, como Cabo Verde, Angola e Goa,até retornardefinitivamente a Portu-gal, em 1954, em função da sua car-reira de militar expedicionário, inicia-da em Coimbra, aos 16 anos, como vo-luntário. De família modesta e faleci-do o pai quando tinha dois anos deidade, o ingresso no Exército foi umrecurso de vida, logo que obteve umcurso comercial tirado em Leiria,parao que foraprecisocaminhar a pé osquilómetros que distanciavam aquelacidade da sua aldeia.Em Coimbra, o ambiente contes-tatário do Exército à política militarde Salazar envolveu-o ao ponto de,em 1938, ser detido e colocado naprisão da PVD do Porto, a seguirtransferido para o Aljube e depoisjulgado por um tribunal militar, queacabou por o absolver. Era um jovemcabo de vinte e poucos anos sem an-tecedentes criminais…Mas foi na prisão do Porto que eledespertou verdadeiramente para oconhecimento do mundo, o papel his-tórico de Portugal nele e da política ac-tual seguida pelo governo de Salazar,graças ao contacto com outros presosde elevadaformação política e cultu-ral, adversários do regime, nomeada-mente um que viria a destacar-se,muitos anos depois , em Angola: JofreAmaral Nogueira, historiador e en-saísta afecto ao Partido Comunista,que mais tarde,naquela colónia, foiprofessor do ensino técnico, e nas ci-dades de Luanda, Nova Lisboa e Sá daBandeira desenvolveu notável activi-

dade cívica e cultural, ao mesmo tem-po que ia escrevendo nos jornais e pu-blicava livros sobre a colonização deAngola, até ser obrigado a retornar aPortugal, por motivo de doença de fa-miliar. É imaginável queno contactodojovem Manuel Ferreira na prisão comopositores ao regime fascista e colo-nialista alguém lhe tivesse lembrado,até por graça, que no mesmo ano doseu nascimento – 1917 – teve lugar aRevolução Russa, as Aparições de Fáti-ma e no Sul de Angola a morte (porsuicídio ou alvejado pela tropa ingle-sa) do insubmisso rei dos cuanhamas,Mandume Ya Ndemufayo…Em 1941, o cabo Manuel Ferreira foimobilizado para servir em Cabo Ver-de, onde permaneceu até 1947, fez ocurso liceal, casou com a caboverdia-na Orlanda Amarilis, que com ele sefez escritora, nasceu o primeiro filho eescreveu o primeiro livrode temáticacaboverdiana: ”Morna”. EmCabo Ver-de, entãoassolado por anos de fome,se poderá dizer que ele renasceu, re-configurado na sensibilidade e na for-mação ideológica.Como nos conta:“No fogo da nossa juventude, anda-mos metidos, noite e dia, por todos oscantos e recantos da cidade do Minde-lo, cedo nos demos a amar a música ca-boverdiana, presos do gosto da suadança, da sua culinária, do seu folclo-

re, do modo de viver e entender omundo, enriquecemo-nos na visãodas coisas e entender o mundo, enri-quecemo-nos na visão das coisas e dohomem.(…) Aprendendo como o colo-nialismo trava e sufoca o espírito deiniciativa, a capacidade criadora po-pular, a todos os níveis; como o colo-nialismo não estava nada interessadoem dar solução aos problemas funda-mentais das populações; como a voca-ção do colonialismo é antropofágica,etc. (…) E, fatalmente, à medida queprocurámos aprofundar certos as-pectos da problemática caboverdia-na, maior necessidade e maior ape-tência tínhamos para conhecer o quese passava nos outros países africa-nos, colónias portuguesas. E natural-mente orientámos as nossas preocu-pações no sentido de estudar o fenó-meno literário e cultural de cada umadessas nações. Quer dizer, da ‘escolacaboverdiana’ fomos catapultadospara a ́ escola africana´.“Quando regressa a Portugal, já comfamília constituída, cumprida a comis-são de serviço, já os primeiros escritos– “Grei” e “A Casa dos Motas” – têm amarca do neo-realismoque, pontifi-cando na moderna literatura portu-guesa, ele interiorizara nas ilhas so-fredoras do Atlântico. Mas pouco tem-po demorou no país natal: já sargento,

é colocado em Goa, onde fica até 1954,sem se sentir atraído por uma vivênciameio indiana que não o inspirara, masaproveitando os seis anos de perma-nência para tirar um curso de Farmá-cia, e a esposa, de professora primária. Colocado nas Caldas da Raínha, con-cluio livro de contos de temática ca-boverdiana, “Morabeza”, prefaciadopor José Cardoso Pires, que é distin-guido com o Prémio Fernão MendesPinto, da oficiosa Agência Geral do Ul-tramar. Todavia, a colaboração que vaimantendocomjornais e revistas literá-rias, a par do relacionamento compersonalidades não afectas ao regime,é motivo para ser transferido, em1958, para Lisboa. Aqui se desdobra asua actividade jornalística e é dado àestampa o seu primeiro romance detemática caboverdiana, “Hora di Bai”,distinguido pela Academia de Ciênciascom o Prémio Ricardo Malheiros. Em1961 é convidado para secretariar adirecção da Sociedade Portuguesa deEscritores, presidida por Ferreira deCastro, cargo que ele exerce até 1965,quando aquela Sociedade é dissolvidapor acção da polícia política em conse-quência da distinção que confere ao li-vro “Luuanda”, de Luandino Vieira, en-tão já prisioneiro, com outros naciona-listas angolanos, no campo de concen-tração do Tarrafal. Também como con-sequência da acção destruidora da PI-DE, em Angola, na mesma altura e porigual distinção da Sociedade Culturalde Angola ao livro de Luandino Vieira,esta fora igualmente dissolvida, e porarrastamento, em Sá da Bandeira, aeditora IMBONDEIRO, que publicaraLuandino e outros autores indepen-dentistas da chamada Geração de 5O.Do envolvimento de Manuel Ferrei-ra naquele acontecimento, que levou àprisão alguns membros directivos daSPE, resultou que ele fosse destacado,ainda em 1965, já como tenente, paraAngola, onde fica dois anos. É outroperíodo de confirmações práticas eteóricas, com a principal colónia dePortugal em guerra declarada. Paraele, sem novidades nem surpresas, da-do que há muito vinha seguindo aten-tamente o movimento independentis-

IN MEMORIAMMANUEL FERREIRA

E O DISCURSO NO PERCURSO AFRICANO

LETRAS | 7Cultura | 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017

LEONEL COSME

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Um Natal com a Avó faz partedum grupo de sete narrativas(contos) que integram a obra AÚltima Ouvinte, do escritor Gociante-Patissa, um livro de se ler até às últi-mas palavras. A narrativa explicita aconvivência da Velha-Mbali com osseus netos. Passados muitos anos, Velha-Mbalichega à capital com objectivo de pas-sar apenas o Natal com os seus netos,tendo recusado o convite de passartambém o reveillon, porque ela amavamais ficar nas zonas rurais do que naszonas urbanas. Mas, infelizmente, da parte da Ve-lha-Mbali as coisas não correram bem.Na véspera de regressaerquimbo, foiatropelada por um Kupapata (motota-xistas, na sua maioria sem o domíniodas regras de trânsito) e perdera o seugalo, para a alegria dos netos, em certamedida e apesar de tudo, pois a Velha-Mbali não poderia continuar a viagemsem o galo, as galinhas estavam à espe-ra deste para reprodução lá no quim-bo. Velha-Mbali teve de voltar à casa epassar o reveillon com os seus netos. É uma narrativa que visa manifestaro amor e o carinho que as avós têm pe-los seus netos e, de igual modo, o cari-nho e o apego dos netos pelas avós.Aproveita narrar também os fenóme-nos sociais, tais como a venda feita porzungueirosmenores de idade, assimcomo o frenético trânsito e os motoris-tas que adoram fazer ultrapassagens esentido contrário. A narrativa é conta-da num registo bastante subjectivoe

que, feita a análise, podemos caracteri-zá-lo como narrador heterodiegético eomnisciente quanto à focalização. Um facto curioso em A Última Ou-vinte - Um Natal Com A Avó é a cons-tante interferência de terminologias elinguajar em Umbundu, «Kanekulu»(pág. 62), em português, neto, neti-nho. São marcas que nos fazem viajarnos livros de Boaventura Cardoso eUanhengaXitu. Umbundu é uma lín-gua predominante na região Centro eSul de Angola. Essas interferências fa-zem-nos viajar no desejo de aprenderas línguas nacionais. «OmwenyoOku-lima, olohomboovyovilyaopapelo»(pág. 62), em português, viver é culti-var. Comer papéis, ou seja, dinheiro écoisa de cabritos. O novo sistema de governação de-verá apostar na implementação daslínguas nacionais no sistema de ensi-no de base. Pode-se notar um grandedesejo do escritor GociantePatissa apartir dos seus textos. O Umbundu é a língua de berço doescritor e, por uma questão de origina-lidade, o conto é marcado por váriostraços morfossintáticos desta línguaBantu. Como se pode constatar no diá-logo da Velha-Mbali com o Kupapataque a atropelou. «Netele, a njali, ndaka-peleokutetaonimbu.»Em português, édesculpar, minha mãe, a intenção erafazer corta-mato. «Amõlawange, wato-pamuelecokutivetapaloomootetao-nimbu?!»Traduzido, és tão parvo as-sim, meu filho, que queres cortar matona estrada?! «Vangecele, mamã», em

português, perdão, mãezinha. (pág. 63) Os contos que constituem o livro AÚltima Ouvinte recorrem a expressõespróprias do uso oral da Língua Portu-guesa em Angola, pelo que são co-muns os desvios em relação à normaculta, palavras de origem Umbundu,provérbios e gírias. «Minha mamoite,arreou na tanga; olha "mónica"; táqui-surtião... » (…) «Consciente de que opior havia passado, os netos partilha-ram com a avó a alegria de saber que,finalmente, passariam juntos o réveil-lon.» (pág. 63) E que no meu Natal eno meu Reveillon, euesteja também ao ladoda minha a avó._________________(*) Sobre o autor

Gonçalves Handy-man Malha é o pseudô-nimo de Gonçalo Do-mingos Salvador Quize-la, de nacionalidade an-golana, natural do mu-nicípio do Cazenga.Nascido a 30 de Novem-bro de 1995. Actual-mente exerce a funçãode professor do ensinomédio. É discente da Fa-culdade de Letras daUniversidade AgostinhoNeto no curso de Línguae Literaturas em LínguaPortuguesa.

ta das colónias africanas, cultural, polí-tico e militar, designadamente em An-gola com a prisão e desterro de Agosti-nho Neto para Cabo Verde, depois deter passado, como ele, Manuel Ferreira,pelas cadeias da polícia política do Por-to e Lisboa, e também absolvido.Em1961 já ele se inclui, com a publicaçãode “Morabeza”, nos cadernos mensaisda editora IMBONDEIRO (1960-1965),com a qual se relaciona por óbvias afi-nidades. Como diz: “Embora, por estra-

tégia política, incluísse também escri-tores que nada tinham a ver com a Áfri-ca e alguns deles até com ligações como regime, a Imbondeiro soube presti-giar-se e na altura desempenhou umpapel de relevo na divulgação e presti-gio das literaturas africanas.”A estada de dois anos em Angola ser-viu-lhe, principalmente, para conheceros escritores e poetas que, em liberda-de controlada, mantinham a chama ar-dente da luta pela independência, en-quanto nas horas vagas coligia e orde-nava os elementos com que formatariaas antologias e os ensaios bibliográfi-cos que ainda hoje são imprescindíveisa quem, nas Universidades, escolhe aformatura em Literaturas Africanas. No último regresso a Portugal, ma-tricula-se na Faculdade de Letras e noInstituto de Ciências Sociaise Políti-cas, em que se licencia. Quando, em1974, depois do 25 de Abril, passa àreserva com o posto de capitão, é con-vidado para a docência na Faculdadede Letras de Lisboa, que exerceu até aolimite de idade em 1987. No termo doseu percurso académico, ele nos diz:“Ao fim de treze anos de existênciada cadeira, de permeio com seminá-

rios,etc., e do curso de mestrado queentretanto fora criado; da preparaçãode teses de mestrado e de doutora-mento; e do trabalho desenvolvido noâmbito do Instituto de Estudos Africa-nos da Faculdade de Letras de Lisboa,que nos cabe dirigir com o antropólo-go Manuel Viegas Guerreiro; quer naajuda a doutorandos e investigadoresnão só africanos como europeus ouamericanos que estudam sobre África– pode afirmar-se, sem receio, que naFaculdade de Letras de Lisboa, no âmbi-to do citado Instituto, à volta do qual sepretendeu também criar o grupo GEA-FRO (Grupo de Estudos Africanos),além do mais, há uma área de literaturasafricanas em franco desenvolvimento.Aliás facto reconhecido pela Faculdadee que o Prof Fernando Cristóvão publi-camente reconheceu, ao afirmar em1987, no acto do jubileu do autor que‘Lembrando estes momentos mais rele-vantes da biografia de Manuel Ferreira,a Faculdade de Letrashomenageou neleprincipalmente o iniciador e impulsio-nador dos estudos literários africanosem Portugal e por esse trabalho pionei-ro lhe está especialmente grata.” Para concluir e não alongar mais o

espaço jornalístico ocupado, registe-se que, como autor de vasta obra fic-cional, ensaística e didáctica (que nosabstemos de mencionar e consta dasenciclopédias)publicada e traduzidaem vários países da Europa, África eAmérica, Manuel Ferreirapode serconsiderado como o literato e acadé-mico africanólogo maisconstante e di-versificado da sua época.

8 | LETRAS 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | Cultura

“UM NATAL COM A AVÓ” E que no meu Natal e no Reveillon, esteja também ao lado da minha avó

GONÇALVES HANDYMAN MALHA

Manuel Ferreira

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LETRAS | 9Cultura | 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017NGHÉRI-HI, O “IMPERADOR DO LIBOLO”

EVOCAÇÃO DO ALGARVIO QUE FOI O MAIOR POVOADOR DE ANGOLA

MANUEL VAZAntes de mais, tenho de fazer unsavisos e algumas declarações,que parte de vocês vão, comcerteza, achar contraditórias, mas quenão são tanto como isso.Embora tenha sido um dos benefi-ciados com o chamado Ultramar, eportanto acabei por ficar prejudica-do com o 25 de Abril, que aplaudi eaplaudo como um momento necessá-rio da nossa viragem, tenho que di-zer que entendo que as colónias, apar da Inquisição dita Santa, mas quefoi apenas um desfilar de arreliantestropelias, estiveram na origem doatraso secular cujas consequênciasainda hoje sofremos.No entanto, factos são factos, a His-tória é a História, e, no fundo, algumacoisa poderá ficar, apesar de o racismoainda por aqui se ir manifestando comdemasiada recorrência. Devo aindadeclarar que o Portugal de hoje, nesseaspecto, já não tem a ver nada com oque vim deparar em 1981, quando re-gressei de Angola. Sobre uma polémica que se instalourecentemente sobre se Portugal deviapedir desculpa pela colonização e pelaescravatura, tenho a dizer, que estouradicalmente contra. Colonização foiuma série de ciclos que envolveu des-de muito cedo a humanidade, nós pró-prios fomos colonizados pelos roma-nos e depois pelos árabes, e mal de nósse ainda pensássemos obrigar estespovos a pedirem-nos desculpas. E nãoesquecer, por exemplo, que a maiorparte das etnias que hoje se reivindi-cam angolanas foram também invaso-ras – vieram essencialmente da regiãodos Grandes Lagos, só se consideran-do que os autóctones são apenas osKoiSan, conhecidos erradamente co-mo bosquímanos. Aliás ainda há coló-nias, e infelizmente ainda há escrava-tura, vamos é lutar de algum modo pa-ra que isso desapareça da face da ter-ra, é mais urgente.Mas vamos ao que interessa hoje:apresentar o livro do meu amigo Ja-ques Arlindo dos Santos, profissionalde seguros que queria ser escritor eque fundou uma das associações cul-turais mais importantes de Angola, aAssociação Chá de Caxinde.Circunstancialmente, conheço-o hárelativamente pouco tempo, mas fuiamigo chegado de dois dos seus ir-mãos, o Bito e o Aguiar dos Santos, am-bos já desaparecidos, especialmente oBito de quem guardo muitas saudadesdas discussões infinitas que chegavam

sempre até às tantas da madrugada,nos idos de 1972, no Huambo.Vamos então ao livro, de que vou sermuito sintético, porque o que interessahoje aqui é a figura do seu antepassado,o louletano Manuel Jorge, de seu nomecompleto Manuel Jorge de Sousa Cala-do, que retrata com mão de mestre.Como diz no prefácio a nossa amigaMaria LuisaDolbeth e Costa, «Na pro-gressão da leitura, a história vai seguin-do recortada por pausas intencionaispara nos fazer parar e, quiçá, essa espe-ra, para o desenrolar dos acontecimen-tos, cria também o suspense, manten-do-nos amarrados à leitura, sempre naexpetativa do que vai acontecer a se-guir, e não nos deixa parar porque esta-remos sempre a ligar o fio à meada.»Autor de Casseca – Cenas da vidaem Calulo (1993), Chove na GrandeKitanda (1996), ABC do Bê Ó (1999),Berta Ynari ou o Pretérito Imperfeitoda Vida, vencedor do Grande PrémioSonangol de Literatura, em 2000, eKasakas& Cardeais (2002), JacquesArlindo dos Santos nasceu a 6 de Ou-tubro de 1943, fez os estudos primá-rios em Calulo, Kwanza-Sul, e secun-dário em Luanda. Foiprofissional deSeguros e Técnico de contas, tendoexercido a função de Diretor Comer-cial na Empresa Nacional de Seguros eResseguros de Angola, ENSA. Foi, ain-da, como já disse, sócio fundador daAssociação Cultural e Recreativa Cháde Caxinde, assumindo a presidênciado seu Conselho Diretivo, de que seafastou recentemente para dar lugaraos mais novos. Sobre Jacques Arlin-do dos Santos, o escritor e atual Mi-nistro da Comunicação Social de An-gola, João Melo, considera: «que o au-tor faz a história das mentalidades semtirar nem pôr. Acredite quem quiser.Não faltam, até, as trepidantes aventu-ras sexuais. Se os dramas individuais

não fazem mover a história, pelo me-nos no seu conjunto (não renego mi-nhas raízes marxistas!), têm muitomais importância do que, durante mui-to tempo, nos quiseram fazer crer oscientistas macro(céfalos?)».

Localização da província do Kwanza Sul no mapa de Angola

Igreja do Wako-Kungo

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10 | LETRAS 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | CulturaTendo-me chamado a atenção com oseu curioso ABC do Bê O, que reforceicom a leitura de Casseca, crescente-mente interessante, acabei por quasedelirar com as aventuras de um generaldo prédio do cão da Fidelidade, que coma corrupção engorda tanto que, depoisde morto, tem de ser içado por umagrua, incluído no seu volume Kasacas&Cardeais, pelo que não me surpreendicom a ambição declarada de com este li-vro novo fazer marco de história literá-ria. Que consegue realmente.Aproveitando para fazer uma rese-nha histórica do Kwanza Sul e das re-giões limítrofes, nomeadamente a Ki-sama, Jacques dos Santos não deixa delembrar algumas figuras históricasque passaram por lá nos séculos XIX eXX, como por exemplo o húngaro La-dislau Magyar, que inspirou a Ana Pau-la Tavares, uma das vozes principais dapoesia angolana, o longo e primordialpoema História de amor da princesaOzoro e do húngaro Ladislau Magyar.Nghéri-Hi, que quer dizer O que éque eu fiz?, subintitulado Maka dagrande família, retrata de maneira tãoobjetiva como sintética o processo demiscigenação através da descrição deevolução de uma família que se afirmaa partir de um europeu, o louletano Ma-nuel Jorge, e de uma africana da socie-dade rural e das colaterais relações queo homem vem a ter com outras africa-nas, daí resultando dezenas de filhos. Aconsequência é uma multiplicidade deirmãos e primos que, através das suasaventuras e desventuras, vão deixandotambém, as mais diversas descendên-cias, mais ou menos inseridas na socie-dade dominante, mais ou menos mar-ginalizadas dessa sociedade. Refira-se,por exemplo, que o conhecido Lúcio La-ra, que foi uma das personalidadesmais influentes do MPLA, nos primór-dios da independência, é também umdos seus descendentes.Os Ngana sobas respeitavam-no soba aura de “o primeiro branco” mesmoquando em flagrante desrespeito pelassuas crenças e tradições, o adotaramcomo um deles, desesperando quer osquimbanda e os detentores do poderdo feitiço pelo lado nativo, quer os colo-nos e seus chefes pelos portugueses.Manuel Jorge era uma espécie de deus,um ser sobredotado, que usava a suainteligência para decidir como um ma-gistrado, sobre as maka mais complica-das das sanzalas, intervindo com auto-ridade nos mahézu dos vereditos, queeram sufragados nos plenários do so-bado grande de Ndalahuso e onde ele, apartir do momento em que foi aceite,num gesto bem recebido pelos nativos,fez questão de se apresentar vestidocom panos livres, deixando à mostra otronco nu, imitando o melhor que po-dia os hábitos indígenas. Isto é, impôs-se pelo seu sentido de justiça, a que to-dos os africanos são muito sensíveis,exatamente porque eram tratados coma total ausência dela, e por se ter habi-tuado a ser africano em África. (Não va-le a pena lembrar o velho ditado). Porisso não admira que passasse a ser co-nhecido como o Imperador do Libolo,que de certa maneira até o era, por toda

esta postura e porque acabou por sertambém um grande povoador, comuma prole de mais de seis dezenas, eque não teve vergonha de reconhecercomo seus filhos, ao contrário da maiorparte dos seus patrícios portugueses,que renegavam os seus rebentos. Co-mo diz Jacques dos Santos,ele era «Umindivíduo que ganhou fama de sábio efoi procurado por pessoas importan-tes, de conhecimento, e que ao longodo tempo da sua vida, em diversos mo-mentos, visitaram o Libolo. Foramseus interlocutores missionários, ne-gociantes, militares, estudiosos e auto-ridades superiores que tiveram de en-frentar, em ocasiões distintas, o tom dasua voz forte e rouca assim como osseus olhos hipnotizadores».De realçar que Manuel Jorge faziaisto quando em Portugal se pensavaem África como habitada apenas porselvagens, e mesmo Eça de Queiroz, deque era um leitor de estimação, justifi-cava uma das suas personagens de OsMaias dizendo que «O enfraquecimen-to dos portugueses se deveria a umapretensa degenerescência de raça».Pelo meio, neste seu livro, o Jacquesrevela-nos de vez em quando factospouco conhecidos da História de An-gola, como os acontecimentos que le-varam, nos finais de 1822, a Junta Pro-visória do Governo da Colónia de An-gola, que tinha à testa o bispo D. JoãoDamasceno Póvoas, a rebelar-secontra a coroa portuguesa e a pensarnuma alternativa de independênciapara o território, por influência doque aconteceu no Brasil, que um cer-to deputado Amaral Gourgel, deideias independentistas, preconiza-va uma ligação a esta jovem nação.«Mas não aconteceu nem a indepen-dência de Angola nem a ligação como Brasil, porque um regimento de in-fantaria, em alerta, opôs-se às ideiase derrubou a Junta».Também não pode esquecer asconstantes ações de resistência doshabitantes do Libolo, primeiro em1894/95 e depois nas primeiras déca-das do século passado, originadasporque os colonos, «A coberto da re-gra de pretensa superioridade extra-vasavam o poder, usavam-no com abu-

so, sobretudo no tratamento dado aosnegros. O uso da força, a atribuiçãodos mais humilhantes serviços, trouxede volta a escravatura no seu exercíciopleno». É preciso dizer que nesse tem-po era comum menorizar os autócto-nes, sendo corrente a violência da ocu-pação portuguesa, com a extorsão degado e de outros bens dos sobas locais,que ainda sofriam a humilhação doapoderamento das suas filhas e mu-lheres. «Decididamente, destino demulher não branca em Angola era serdesgraçada, obedecer aos homens e àsleis primárias dominantes». Neste ca-so, os autóctones também não eramisentos de culpas.Jacques dos Santos vai ainda maislonge e mergulha no passado recenteangolano, assinalando que «Parecia fa-zer lei, na complicada Luanda, umaorientação do tipo incumprimento to-tal da ordem. (…) os defensores da his-tória da capital, do seu presente, so-bretudo da violenta sociedade dos diasde hoje, eram obrigados a admitir quea realidade suplantava o seu imaginá-rio, sendo, nessa época especial, crueldemais para a cidade e os cidadãos.»Por isso, aproveita uma intervençãona Assembleia Nacional, para pergun-tar:«É legítimo que se pergunte, então,porque se invoca permanentemente ocolonialismo para justificar as nossasdesgraças? As nossas penas tornam-seainda mais dolorosas quando se perce-be que a felicidade e o bem-estar pro-metidos e profusamente propaladosao longo destas décadas, não estão aacontecer. (…) A mentira permanenteenvergonha até quem a escuta e ganhacorpo com tais pronunciamentos jáque é enorme o tamanho da fome quese apoderou de alguns núcleos da nos-sa população ativa, uma fome doentiaque magoa as entranhas, fere e mata».Pela voz de Benjamim Jorge, des-cendente do Imperador do Libolo, elevai ainda mais longe e aponta:«Neste mundo, onde as ideologiasse confundem e onde perdura ainda aincapacidade de se aceitar o inevitávelpluralismo religioso, os cidadãos des-te país devem ter o direito de saber de-fender e como defender que cada pes-soa é dona da vontade de ter a fé no

Deus em que acredita. Devem possuira capacidade de discernir que quandoduas mãos se encontram, sejam elasda cor que forem, refletem no chãouma sombra da mesma cor. E é igual-mente importante que se pense nestaverdade indesmentível: cada vez maiso mundo deixará de ser caracterizadopor países identificados pela exclusãoque fazem das etnias e das raças, parapassar a ser marcado pela coabitaçãode todas elas no mesmo espaço urba-no e nacional, donas dos mesmos di-reitos e obrigações enfim, devem ter aconsciência de que se torna necessá-ria a urgente abolição dos privilégiosherdados do passado».Enfim, como diz no prefácio a LuísaDolbeth e Costa, esta «Não é uma obraapenas de interesse descritivo, masmuito mais profunda, em que as análi-ses sociais e os temas abordados exi-gem também um nível de maturidadedo leitor porque lhe expõe, até, e comgrande realismo, cenas chocantes pa-ra pensar, podendo-se quase dizer, pe-rante elas, que a realidade supera anossa imaginação. Mais uma vez po-demos reafirmar que, neste jogo denarrativa não linear, mas cheia de in-terrupções intencionais, não deixa deser pertinentedizermos que devemosestar sempre atentos às constantesanalepses, muitas vezes para “navegarpelos lamaçais do seu complicadopassado”, e apara atingirmos a inteligi-bilidade dos assuntos e dos temas.»Como muito acertadamente diz oAdolfo Maria, numa nota publicada nointroito, deste livro, «É uma monu-mental saga de família (suspeito queda família do autor), mas também éuma estória necessária da História deAngola para melhor nos entendermoscomo cidadãos deste País e melhor ocompreender. Parabéns ao Jacquesdos Santos, incansável homem da cul-tura angolana».Faço também minhas, estas pala-vras. Tenho dito. _______________________________________Palestra lida no dia 15 de Novembro

de 2017 no Restaurante O Pote, em Lis-boa, no ciclo de almoços temáticos daTertúlia À Margem

Manuel Vaz (ao centro) ladeado por Jacques dos Santos (direita) e J. Arrimar (esquerda)

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AutorDada a longa caminhada, pelos ata-lhos da literatura angolana, e não só,Luís Mendonça dispensa qualquer tipode apresentação pois a sua biografia, esobretudo o seu vasto contributo nocampo das letras, mormente na moda-lidade poética,é sobejamente conheci-do: angolano, nascido na comuna daMussuemba, município do Golungo Al-to, Província do Kwanza Norte,aos24.11.1955, é titularde vários prémios,tanto dentro como fora do país, dosquais assinalo, em particular, os pré-mios «Sagrada Esperança», «GrandePrémio Sonangol de Literatura», «No-tícias Gerais da Lusofonia», «AngolaTrinta Anos». Colocando, pois, de parteconsiderações meramente biográficas,passo agora a abordar «O Reino dasCasuarinas» na óptica prevalecentedahermenêutica literária.Do LivroAs raízes «estruturantes», que sus-tentam o «Reino das Casuarinas», as-sentam,em minha opinião, em três pi-lares(o terceiro dos quais se relevamais incisivo, em termos de resulta-dos produzidospelo que merecerá, daminha parte, uma menção, sintéti-ca).Oprimeiro pilar, é,pois, a da explo-são da guerra dita do «norte de Ango-la», levada a cabo pela então «UPA»,em 1961, e onde Kapoko, o pai deNkuku – relevante personagem nocorpus do romance em análise – foibarbaramente assassinado, na ondade matanças indiscriminadas; segun-do, o do advento da «Revolução dosCravos», em Portugal, (25.04.1974)que acabou por alterar a configuraçãodo panorama político-social angola-no,descompaginando o status quo en-tão prevalecente,acelerando,ipso fac-to, a hora da independência nacional;o terceiro, a da erupção do conflito in-terno angolano. Sobre o terceiro pilarEm 1975, com o despoletarda guer-ra fratricida, os «braços armados» dostrês Movimentos Angolanos de Liber-tação -ELNA, FALA e FAPLA – passama disputar entre si, através das armas,o poder total conduzindo, desta feita,o país para o precipício colocando-o,uma vez mais, no «Centro do Fura-cão»(na profética, e ao mesmo tempo,fatalista expressão do historiadorejornalista britânicoBasilDavidson). Énesta altura que cada Movimento en-gendra as suas capacidades de luta e éigualmente dentro deste contexto queo MPLA dissemina,já em solo angola-

no, os «CIR» (Centros de Instrução Re-volucionária) fundamentados naideologia marxista-leninista, de pen-dor soviético e onde adita «PequenaBurguesia Urbana» (PBU) mobilizadaou alistada voluntariamente, se depa-ra com uma forte resistência, da partedos detentores do poder,em integrá-lano seu seio, sofrendo, ora de modoaberto, ora velado, múltiplas rejei-ções,consubstanciadas emexclusões eperseguições de vária índole, comopodemosaferir da paradigmáticacon-dutaperversa,manifestada,reiterada-mente,pelo comissário SukaMunhun-gu, retratado no livro (pp. 90 e 133). É exactamente num desses «CIR», o«CIR Povo em Armas», na Província doKwanza-Sul, onde o grosso das perso-nagens fundadorasdo «Reino das Ca-suarinas», acabam por integrar o pelo-tão constituídomaioritariamente pela«PBU» e que,mais tarde,serão selec-cionados para alfabetizarem a catervaem armas, constituída essencialmentepor camponeses e operários iletrados,travando, a partir daqui,entre si, rela-ções de camaradagem que acabarão-por desembocar numa rede de amiza-des perenes,amizades essas levadasaté às últimas consequências que omesmo é dizer aoúltimo estádio emque homens,em pleno século XX,sãocatapultados à Idade da Pedra, curtin-do – passe a expressão - «vidas paleo-líticas»,a partir do momento em quelhes são diagnosticada«SAA», enten-da-se: «Síndrome de Amnésia Auto-Adquirida» (p. 226).Após terem enfrentado os abrolhosda vida, na «guerra e na paz», os seismoradores do «Reino das Casuarinas»passam a deambular, agora, sob a ba-tuta de uma amnésia colectiva, contro-lados, no dia a dia, por baixo dos fron-dosos ramosde uma solitária casuari-na perdida,noamplo quintal do «ma-nicómio de Luanda».É a partir destelugar–refúgiodegente heterogénea emultidimensional- que o grupo, umavez atingido o grau de saturação daloucura,enceta uma monumental fu-ga,rumo à Ilha da Kyandaonde - numespaço acobertado por verdejantescasuarinas e impregnadode tradicio-nais crenças místicas e míticas - fun-dam o encantado «Reino das Casuari-nas». É neste reino fantasmagóricoonde aos 14.04.1987 os seus habitan-tes «passam», para usar uma expres-são eminentemente gongórica,«destapara a melhor» (p. 308).Neste momento, vêm-me à mente asmágicas noites sabáticas, envoltas emextravagantes procissões nocturnas,protagonizadas pela ralé marginalizada

e barulhenta de cegos, coxos, manetas,leprosos, inválidos que vão desembocarno fantástico reino dos «malfeitores»,no «Pátio dos Milagres», reino de trêssoberanos poderosos, nomeadamente:ClopinTrovillefou, Matias HungadiSpi-cali e Guillame Rousseau, retratados pe-lo escritor francês, Victor-Marie Hugo,na sua monumental obra intitulada«Notre-Dame de Paris», mais conhecidapor «O Corcunda de Notre-Dame», per-sonagens essas que, mutatismutandis,parecem compatibilizarem-se com umPrimitivo, Nkuku, Volvo do Povo, Euta-násia (aliás, D. Fineza), Profeta, entreoutros, retratados por Luís Mendonça,no seu romance, facetas essas, julgo,coincidentes e pontuais mas de maneiranenhuma plagiadas, dados os contextosdiametralmente opostos em que amboslivros surgem.CríticaNo «O Reino das Casuarinas», o autorsurpreende-nos na medida em que sen-do (re)conhecido - sobretudo na nossapraça - como escritor virado mais para ogénero da poesia (a partir da qual con-seguiu alcandorar-seaos altos patama-res de reconhecimento tanto nacionalcomo internacional, graças ao manejode um aprimorado estilo literário nacriação de poemários de elevado teorconteudísticoprenhes de profundo va-lor mensagístico) surge agora,e comoque do nada, a brindar-nos com um no-vo trabalho desta feita virado para a pro-sa. E, logo desde as primeiras páginas,

ele – impulsionado pela impressionantereserva dasua vasta cultura enciclopé-dica, convoca o leitor- através de um es-tilo de viva e palpitante artenarrativa -para um palco teatral onde actores e fi-gurantes,quais personagens «estra-nhas» (para não dizer «alienígenas»)-ressurgidas do vendaval de vidas, forja-das nummundo demarcadopelo espíri-to daépoca,passam, a desfilar,numasimbiose de sinergética empatia. São es-sas, afinal, as «Sobras da Guerra» (para-fraseando o escritor Ismael Mateus).Numa airosa descrição,regida poruma euritmiacronometrada, J. L. Men-donça, move-se com segurança naabordagem de fogosos envolvimentoscarnais, tacitamente consentidos, aoabrigo de um primitivo «código deconduta» colectivamente aplaudido eunanimemente abraçado, vividos emacções e pensamentos, na efervescên-cia do bater da ondas crepusculares,de encontro ao quebra-mar, registan-do, para a posteridade, uma etapa deenigmática confusão sócio-política eético-moral.Epifanicamente falando, «O Reinodas Casuarinas» apresenta-se como li-vro escrito com impressionante fideli-dade fotográfica,captando vivênciasmultiformes (sociais, políticas, milita-res, culturais) sobretudo da década 80,etapa em que – volto a referir – Angolaviveu uma situação deveras «dinâmi-ca». Com efeito, no período retratadopelo autor (1975-1987) vivenciam-semomentos dificílimos, seja no âmbitomilitar, político como no social. Tal si-tuação foi-se agravando a ponto de seatingir o cúmulo no dito golpe de Esta-do fraccionista de 27.05.1977 que le-vou o país ao caos, conforme demons-trado,sentidamente, pelo então Presi-dente António Agostinho Neto, aco-berto dos discursos de desencanto,pronunciados aquando do seu périplopelas Províncias do Cuando-Cubango,Malanje e Uige, no mês de Agosto de1979 (p. 306).«O Reino das Casuarinas» constitui-se, assim, livro polifónico, abarcandocom inusitada sagacidade intelectuale clara visão pluridimensional, áreasda história,geografia, política, econo-mia (micro e macro), sociologia, polí-tica sanitária, diplomática e tudo issoimpregnado de tonalidades estilísti-cas eminentemente pedagógicas (p.239), graduadas em diferentes planosde mundividências convergentes, tec-nicamente bem contextualizados. Porvezes, ao longo da leitura, parece con-fluírem, nas entrelinhas do macrotex-to,subsídios estilísticos de tipologiagongórica, como, por exemplo, se de-

VISÃO PANORÂMICA DA OBRA O REINO DAS CASUARINAS

DE JOSÉ LUÍS MENDONÇADOMINGOS DE BARROS NETO

LETRAS | 11Cultura | 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017

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duz do microtextoextraidoda página220, e que passo a ler: «… Pela frenteda porta sem porta, veio vindo comseus passos de ballet a nossa rainha,com a lata de leite Nido que ela acoto-velava nas suas saídas pelos mean-dros do rio citadino, sob cujas águas oseu instinto se grudava às portas domanjar com o faro apurado da sobre-vivência colectiva» (fim de citação). Uma outra característica, que consi-dero relevante no romance,é o facto deele se guarnecerdeexpressões linguísti-cas de derivação autóctone,hauridas doespaço literário-cultural de onde elas di-manam(p. 15 e demais notas de rodapé)dando origem a notas descritivas,retra-tandolugares, figuras e tempos mais oumenos conhecidos, (re)corporificado-satravés de metáforas, hipérboles, pará-bolas, oximoro, etc., ofertandofrescaspaisagens surrealistas, pintadas comcores caleidoscópicas. Sem sombra dedúvida, um livro assim, galvaniza o lei-tor, projectando-o para uma visãomulti-dimensional do tempo e do espaço, numquadro de projecção sincrónica. ConclusãoA concluir, ouso afirmar que a obrahoje aqui relançada,foi escrita com no-tória sensibilidade, objectividade nar-rativa e rigorosidade de análise doscontextos, espelhando,deste modo, otrabalho de um exímio escritor e, por-quê não dizê-lo, de um grande pensa-dor que, no laboratório da sua inteli-

gência, consegue dissecar- com umaavançada tecnologia literária,esculpi-dacom frequente recurso aos sucedâ-neos histórico-linguísticos típicos dopróprio espaço nacional - os estadospatológicosde uma boa franja da socie-dade angolana dos anos 70/80. «O Reino das Casuarinas» acaba as-sim por se transformar num romanceepicamente poetizado, narrado com cor-recção, clareza e harmonia, numestilo vi-vaz, logo bem escritoque, obviamente,galvaniza o leitor, projectando-o parauma serena enigmática introspecção.

Ele, numa palavra, constitui ponto de re-ferência dentro do acervo cultural patri-monial da literatura angolana, enquantopromotor - do ponto de vista estratégi-co-pedagógico- da promoção de novos va-lores, mormente nesta etapa em que a «ro-sa-dos-ventos» aponta, irreversivelmente,para a adopção de condutas positivas quelevem a uma sólidamudança de mentali-dades, visando o surgimento de inclusivosespaçosharmoniosos, mais humaniza-dos,menos fundamentalizados. Na verda-de, e concluo, os livros – e este é umdeles,certamente – têm múltiplas valên-

cias dentre as quais sublinho a seguinte:colocar ao nosso dispor (nós, pobres mor-tais) reinos onde farrapos humanos sãotransformados em heróis míticos que vãodando sustentabilidade aos nossos sonhosde ilusão, povoados de mundos brilhan-tes,prenhes de fantasias oníricas desven-dadas,nos interstícios das subconsciên-cias, pelos magos stravinskis, que são, emúltima instância, os escritores.Palestra lida no dia 14 de Novembro de

2017 no Centro Cultural Camões, em Luanda,no relançamento do romance de J. L. Mendonça

Profícuas cartas e postais

de Adriano Mixinge

12 | LETRAS 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | Cultura

ANA T. ROCHA

O beijo da Madame Ki-Zerbo (2017) é o título do mais recente livro de Adria-no Mixinge, publicado pela editora Guerra & Paz.Com uma belíssima ilustração na capa, da autoria de Rosa Cubillo, o O beijo daMadame Ki-Zerbo recupera textos que Adriano Mixinge já havia publicado noJornal de Angola. Organizado em duas partes – “I. O beijo da Madame Ki-Zerbo(Cartas de Espanha escritas entre 1997 e 2002)” e “II. Sonho de uma n’dengue-lândia (Postais de Paris escritos entre 2006 e 2007)” – o livro é preenchido porcrónicas que, ao longo dos anos, identificados em cada um dos títulos, de cadauma das partes, Mixinge foi escrevendo num registo de proximidade com os lei-tores, revelando um desejo de partilha com os mesmos e de diluição das distan-cias geográficas, pois estas “cartas” e “postais” foram “emitidos” desde Madrid eParis para um destinatário angolano.Pese embora a necessidade que o autor sente de frisar o lugar onde se encon-tra no momento da escrita e de nomear os episódios que lhe vão sucedendo, osespaços que vai visitando, os livros que vai lendo, etc., estes textos estão longede se parecer com algo que possamos classificar de “carta-diarística”. Os objeti-vos do autor são claros: a didática e a partilha de conhecimentos, questões eideias. Será impossível ler este conjunto de curtos textos sem aprender algo denovo, pois, mais uma vez, Adriano Mixinge revela-se um esmerado estudioso,um compulsivo leitor e um curioso entusiasta do conhecimento e das ideias. Es-tes textos são, portanto, fruto da generosidade intelectual que o caracteriza.Desde curtas críticas a livros, a exposições e a filmes, passando por confis-sões de certas inquietações e tentativas de contágio de ideias e iniciativas até àpartilha de episódios pessoais, Adriano Mixinge menciona nestes textos muitoda história e da cultura de vários espaços do mundo. Este mapeamento é signifi-cativo, pois revela uma linha de pensamento do escritor e/ou do intelectual dachamada diáspora. Isto é: a constante linha reflexiva de torna-viagem. Luanda eAngola surgem sempre como o espaço recetor para onde o escritor projeta osresultados das suas aprendizagens, observações, descobertas, instrução e cres-cimento. Este sentimento e expressão, característicos à geração literária deAdriano Mixinge, encontram a sua melhor descrição no poema “Circum-nave-gação” da poeta são-tomense Conceição Lima.Embora as republicações nos surjam muitas vezes como desnecessárias, nãosobram duvidas no final da leitura de O beijo da Madame Ki-Zerbo de que, pelomaterial crítico e didático, a reunião destes textos é útil e importante.

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Do humorista Dange actua nestaquinta-feira, 23 de Novembro,no Instituto Camões - CentroCultural Português, e no dia 29, no mes-mo palco subirá Richa, um profissionalque se tem notabilizado no humor madein Angola. As festividades alusivas ao 19de Novembro, data do Goz’Aqui - eventode humor e (stand up comedy) terminamno dia 7 de Dezembro, no “Camões” queagora é a “Meca do Humor Angolano”, se-gundo fez saber ao Cultura, Tiago Costa,fundador e produtor da marca angolanacujo objectivo é a prestação de serviçosartísticos e culturais, produção de con-teúdos de humor digitais e a promoçãode novos talentos na área da comédia. Orlando Capata, Ladilson, Arroz Do-ce, Sargento Apito, Edú Cómico, Maes-tro, Nelson Vemba e Tiago Costa (Mes-tre de Cerimónias) foram alguns dosartistas que fizeram parte da II ediçãodo Festival Nacional de Humor, na Casade Cultura Angola-Brasil, no dia 10deste mês, em Luanda.O Goz’Aqui existe há cinco anos, porisso, a organização associou a “festado 5.º aniversário” ao espectáculo queatraiu mais de 100 pessoas àquela salana baixa luandense que viu mulherescomo Laureth, Yoko e Renata Torresapresentarem-se com paródias hilá-rias que várias vezes provocaram pro-fundas gargalhadas no auditório. Wazemba, Richa, Maestro foramhilariantes. Os três fizeram paródiasdas suas vivências em Torres Vedras,localidade portuguesa onde concor-reram no concurso “Tropa dos Tune-za” tendo conquistado os lugares ci-meiros da competição.Noite e Dia, Kelly Silva e Nerú Americano As mudanças que têm sucedido nasempresas e institutos públicos não pas-saram despercebidas pelos humoristasque, cada um a seu jeito, foi explorandoos prós e os contras destas mudanças.Determinados músicos da nossa praçaforam “fustigados” pelos humoristascom a subtileza que caracteriza o standup comedy, sublinhe-se que, os artistasrevelaram-se atentos ao estado de coi-sas, ora dando nota positiva àquelecomportamento de alguma figura pú-blica, ora criticando incisivamente aconduta de aqueloutra personalidade. - O nosso país precisa de quadros for-mados. A cantora Noite e Dia interpre-tou a a música “Abre o livro, sem malda-de”. Tem alguns tipos de indivíduos quequando se lhes abre o livro, estes nãoconseguem fazer a leitura”, disse irónicoSargento Apito, que na sua apresenta-ção conquistou risos e gargalhadas sópelo sua forma de andar, e pela maneira

de falar como alguns povos de etniaovimbundo, um verdadeiro entertainer! Edu Cómico, conhecido humoristado município de Viana apresentou-senestes termos: - “Eu quando chego nu-ma sala primeiro “s’apresento”, paranão falarem que este humorista é ma-tumbo. Meu nome completo é Boi JeanPrececê, nome de rua (...), sou naturaldo bolso, província do casaco, municí-pio dos botões”, mas se fizéssemos umflashfoward (avanço)”, poderíamos di-zer que foi algo saudosista.- Sou humorista de há muito tempo.O humor que se fazia no passado jánão é o de hoje, antes usávamos traposdentro das roupas para ter bundagrande e barriga grande, mas agoraestou a “dançar a dança” destes humo-ristas novos, anunciado também a suaentrada para a equipa do GozAqui. Os passos da dança “5 minutos” doextrovertido Kelly Silva foram motivosde piada, sendo que para lá da música, oex-futebolista Mantorras não escapou àparódia de Kitengo Kunga que assumiuestar aborrecido com o antigo craque: - “Estou chateado com o Mantor-ras, um gajo que ganha em Euros diz“discutissão”?Renata Fortes foi bastante incisivano que diz respeito ao comportamen-to dos homens nas relações afectivas.Voltando à música, Orlando Capataapresentou uma proposta inusitadaintitulada: “A epopeia do Kuduro” enavegou por várias máres. Falou de Jéssica Pitbull, de NerúAmericano e tantos outros tendo ele-vado o jovem kudurista a um caso deestudo, mas não resistiu ao bichinhode falar sobre política e musicou a exo-neração de algumas entidades dos ór-gãos de comunicação socil a seguintefrase: tá fora, oh tá fora! No final de três horas de espectácu-lo, em que pisaram o palco do InstitutoCamões nomes recentes e antigos da

cena humorística angolana, o público,a julgar pela “avalanche” de aplausos,saiu inteiramente satisfeito da II edi-ção do Festival Nacional de Humor, quetambém contou com a participação deRafa Mukendi, Os Magma, Scait Borra-beu, Artur Pop e outros humoristas.Tiago Costa antes de ter sido inter-rompido pelo público para cantar pa-rabéns, disse que o festival surgiu danecessidade de juntar antigos talen-tos do humor aos novos e que, dirigiu-

se aos artistas convidados, outros hu-moristas: eu não conseguiria fazer na-da sem vós!, anuiu. Foi um momento comovente. Todosartistas subiram ao palco, uns anun-ciaram os seus espectáculos a solo, ou-tros despediram-se do público compiadas e acenos, no fundo veio ao decima o compromisso em bem-fazer,que é uma matéria-prima fundamen-tal para enriquecer a cultura angolanae a comédia em particular.

GOZ’AQUI CELEBROU 5 ANOS DE (HUMOR)IDADE

RÚBIO PRAIA

ARTES | 13Cultura | 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017

As mulheres também sabem jogar cartas de humor

Tiago Costa foi um dos humoristas convidados

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Era um dia como os de outrora...e um pobre camponês, tão po-bre que tinha apenas a pelesobre os ossos e três galinhas queciscavam alguns grãos de teff queencontravam pela terra poeirenta,estava sentado na entrada da suavelha cabana como todo o fim detarde. De repente, viu chegar um ca-çador montado a cavalo. O caçadorse aproximou, desmontou, cumpri-mentou-o e disse:— Eu me perdi pela montanha eestou procurando o caminho que le-va à cidade de Gondar.— Gondar? Fica a dois dias daqui— respondeu o camponês. — O sol jáestá se pondo e seria mais sensato sevocê passasse a noite aqui e partissede manhã cedo.O camponês pegou uma das suastrês galinhas, matou-a, cozinhou-ano fogão a lenha e preparou um bomjantar, que ofereceu ao caçador. De-pois de comerem os dois juntos semfalar muito, o camponês ofereceusua cama ao caçador e foi dormir nochão ao lado do fogo.No dia seguinte bem cedo, quandoo caçador acordou, o camponês ex-

plicou-lhe como teria que fazer parachegar a Gondar: — Você tem que seenf iar no bosque até encontrar umrio, e deve atravessá-lo com seu ca-valo com muito cuidado para nãopassar pela parte mais funda. Depoistem que seguir por um caminho àbeira de um precipício até chegar auma estrada mais larga...O caçador, que ouvia com atenção,disse: — Acho que vou me perder denovo. Não conheço esta região...Você me acompanharia até Gon-dar? Poderia montar no cavalo, naminha garupa.— Está certo — disse o camponês—, mas com uma condição. Quando agente chegar, gostaria de conhecer orei, eu nunca o vi.— Você irá vê-lo, prometo.O camponês fechou a porta dasua cabana, montou na garupa docaçador e começaram o trajecto.Passaram horas e horas atravessan-do montanhas e bosques, e maisuma noite inteira. Quando iam porcaminhos sem sombra, o camponêsabria o seu grande guarda-chuvapreto, e os dois se protegiam do sol.E quando por fim viram a cidade deGondar no horizonte, o camponêsperguntou ao caçador:

— E como é que se reconhece um rei?— Não se preocupe, é muito fácil:quando todo mundo faz a mesmacoisa, o rei é aquele que faz outra,diferente.Observe bem as pessoas à sua vol-ta e você o reconhecerá.Pouco depois, os dois homens che-garam à cidade e o caçador tomou ocaminho do palácio. Havia um montede gente diante da porta, falando econtando histórias, até que, ao veremos dois homens a cavalo, se afastaramda porta e se ajoelharam à sua passa-gem. O camponês não entendia nada.Todos estavam ajoelhados, exceptoele e o caçador, que iam a cavalo.— Onde será que está o rei? —perguntou o camponês.— Não o estou vendo!— Agora vamos entrar no palácioe você o verá, garanto!E os dois homens entraram a cava-lo dentro do palácio.O camponês estava inquieto. Delonge via uma fila de pessoas e deguardas também a cavalo que os es-peravam na entrada. Quando passa-ram na frente deles, os guardas des-montaram e somente os dois conti-nuaram em cima do cavalo. O campo-nês começou a ficar nervoso:— Você me falou que quando todo

mundo faz a mesma coisa... Mas ondeestá o rei?— Paciência! Você já vai reconhe-cê-lo! É só lembrar que, quando todosfazem a mesma coisa, o rei faz outra.Os dois homens desmontaram docavalo e entraram numa sala imensado palácio. Todos os nobres, os cor-tesãos e os conselheiros reais tira-ram o chapéu ao vê-los.Todos estavam sem chapéu, ex-cepto o caçador e o camponês, quetampouco entendia para que serviaandar de chapéu dentro de um palá-cio. O camponês chegou perto do ca-çador e murmurou:— Não o estou vendo!— Não seja impaciente, você vaiacabar reconhecendo-o! Venha sen-tar comigo.E os dois homens se instalaram numgrande sofá muito confortável. Todomundo ficou em pé à sua volta. O cam-ponês estava cada vez mais inquieto.Observou bem tudo o que via, aproxi-mou-se do caçador e perguntou:— Quem é o rei? Você ou eu?O caçador começou a rir e disse:— Eu sou o rei, mas você tambémé um rei, porque sabe acolher um es-trangeiro!E o caçador e o camponês ficaramamigos por muitos e muitos anos.

(CONTO TRADICIONAL DA ETIÓPIA)

14 | BARRA DO KWANZA 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | Cultura

OS DOIS REIS DE GONDAR

Os dois reis

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NAVEGAÇÕES | 15Cultura | 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017

Um Ensino Primário de Qualida-de é o que produz uma efectivaaquisição de competências, va-lores e capacidades. Os elementos quecontribuem para a Qualidade do Ensi-no Primário são: • Políticas educativas adequadascom a ampla participação da socieda-de civil; • Investimento na educação (finan-ciamento); • Ambiente escolar favorável àaprendizagem; • Currículos relevantes e adequa-dos às realidades; • Liderança e boa gestão escolar; • Envolvimento da comunidade navida escolar; • Professores suficientes e com for-mação adequada; • Estratégias de ensino-aprendiza-gem eficazes. Com estes indicadores terminou a3ª CONFERÊNCIA de EDUCAÇÃO doProjecto “Sikola: Participar para umamelhor Educação em Angola”, realiza-da no Dia Mundial do Professor - 5 deOutubro de 2017, na UniversidadeJean Piaget de Angola, em Luanda.A conferencia foi promovida pelaAPDES – Agência Piaget para o De-senvolvimento e pela Rede-EPT An-gola – Rede Angolana da SociedadeCivil de Educação para Todos, repre-sentada pelo SINPROF (Sindicato Na-cional de Professores).Sob o lema “Ensino Primário deQualidade: Desafio à Participação deTodos”, a Conferência procurou con-tribuir para o reforço da qualidade doEnsino Primário, bem como:- Valorizar o Ensino Primário comoetapa determinante de todo o percur-so de Educação Formal; - Valorizar o papel do Professor co-mo elemento fundamental da qualida-de da Educação; - Divulgar os principais resultadosdo Projecto SIKOLA e da pesquisa so-bre o Ensino Primário; - Aproximar e promover o diálogoentre organizações Estatais, acadé-micas, da sociedade civil e empresaspara que, juntos, possam contribuirpara a melhoria da qualidade do En-sino Primário. O fórum contou com cerca de 220participantes de várias áreas do Minis-tério da Educação, empresas e financia-dores; organizações da sociedade civil eautoridades. Vinte prelectores/mode-radores reflectiram e debateram os te-mas dos 2 painéis e um momento cultu-ral do ISART com canto lírico. Professores de QualidadeO Painel 1 “Professores de Qualida-de: COLOCAR, FORMAR e MANTER os

melhores professores no Ensino Primá-rio” usufruiu da moderação de Alexan-dra Simeão (Ex Vice-Ministra da Educa-ção) com um contributo mais amplo,pela sua experiência e abordagem de ci-dadania, aos desafios do Ensino Primá-rio, da carreira docente e da valorizaçãodo professor deste nível de ensino. Dikwiza Kangala, do Instituto Na-cional de Formação de Quadros daEducação (MED) contextualizou a“Formação em Serviço dos professo-res do Ensino Primário” na Política deFormação de Quadros da Educação eenunciou os programas de formação adecorrer – o PREPA, destinado aosprofessores do Magistério Primário eo PAT que tem formado professoresdo EP nas áreas da Língua Portuguesae Matemática, de alguns Municípios. Pela APDES/ Sikola, Margarida Sil-va apresentou sucintamente uma“Proposta de Formação em Serviço -Especialização Pedagógica para o En-sino Primário”, baseada nos resulta-dos da pesquisa (necessidades identi-ficadas, tipologia de formação prefe-rencial), nos documentos do INFQE ena experiência adquirida pelas acçõesformativas anteriormente implemen-tadas. A proposta assenta no reforçodas competências dos actuais profes-sores do Ensino Primário, através demetodologias activas/ participativas,por formadores experientes e bemtreinados, com suporte didáctico parao professor, assente na supervisão pe-dagógica da prática docente. O tema “Processos de recrutamentoe selecção de professores” foi apre-sentado por Damião Bungo do SIN-PROF / Sikola, que partiu da pesquisada sua tese de licenciatura, apresen-

tando um cenário de desadequado en-quadramento de professores (entre aformação académica e a área ou nívelque leccionam) para propor critériosde selecção e recrutamento de profes-sores do Ensino Primário. Actores não estataisO Painel 2 “Contributos para umaEducação Pública de Qualidade: o pa-pel dos actores não estatais” foi de-senvolvido em forma de mesa redon-da (moderada pela Directora da AP-DES, Alina Santos) procurando abran-ger os contributos do Ensino Superior,do sector empresarial e das organiza-ções da Sociedade Civil. As Instituições de Ensino Superiorparticipantes - Universidade Jean Pia-get de Angola; ISCED - Instituto Supe-rior de Ciências da Educação e ISART -Instituto Superior de Artes referirampossíveis contributos para o EnsinoPrimário, sobretudo no domínio daformação inicial de professores. Noentanto ainda não se verifica um elode ligação com os magistérios primá-rios e com o Ensino Geral do Ministé-rio da Educação para identificar pro-blemas e encontrar soluções conjun-tas para um ensino primário com qua-lidade (por exemplo, na formação emserviço, para superar as lacunas apon-tadas pelos professores; na investiga-ção académica dos finalistas ou esta-giários nas escolas; nas propostas aoMED, etc.). O ISCED intenta iniciar aFormação de Professores do EnsinoPrimário; o ISART destacou as Artescomo meio de formação cívica e hu-mana, sendo o Ensino Primário a baseda formação integral. Actualmente jáforma para o ensino das artes e a UNI-

PIAGET forma para a educação física econsidera a necessidade de maior uti-lização dos meios de comunicação so-cial (como via de informação e forma-ção). Em cooperação com o Ministérioda Educação, estas instituições pode-riam dar resposta às necessidades deformação nas áreas das expressões(plástica, musical e motora) ou nou-tras identificadas. Para destacar os contributos dasorganizações da sociedade civil, esti-veram representadas a Rede Angola-na da Sociedade Civil de Educaçãopara Todos e a ADRA; o SINPROF e aAssociação de Escolas Comunitárias– AEC, sublinhando a sua disponibili-dade para o diálogo e colaboraçãocom as entidades Governamentais. ADNEG - Direcção Nacional de EnsinoGeral do MED que tem acompanhadotodas as Conferências de Educaçãodo Projecto Sikola, referiu a necessi-dade de reflexão e melhor avaliaçãono Ensino Primário, numa perma-nente atitude técnica e científica; re-forçou ainda a importância da aplica-ção dos normativos do MED, pelosresponsáveis locais e directores deescola, em ligação com as associa-ções da sociedade civil. As organizações presentes, além deterem destacado algumas práticas co-munitárias nas quais podem colabo-rar com o MED ou que poderão servirde exemplo a um Ensino de Qualidade,tais como, a formação contínua deprofessores em meio rural (e as ZIP);os projectos educativos de escola; avalorização e integração dos pais e en-carregados de educação; as activida-des extra-escolares; a ligação escola-comunidade; a conquista de espaços

SIKOLA QUER MELHOR EDUCAÇÃO EM ANGOLA

Um ângulo da conferência

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Tu kusiña kimbo lya vel´apo!(Encontrar-te-emos na aldeiacelestial!) – Cantava de formaangelical o coro da sociedade de mu-lheres da IECA que acompanhou Celi-ta Adolfo à sua última morada.A octogenária nascida e crescidana missão de Kamundongo (Kuito-Bié), onde se formou e louvou, mani-festara, em vida, o desejo de ser se-pultada junto de seus familiares econtemporâneos cujos restos repou-savam já em Kamundongo.Os filhos, sobrinhos, netos e bisne-tos, contados em centenas, não fize-ram mais senão cumprir o pedido daantiga diaconisa.- Vamos levar a avó a Kamundongoe cumprir com o seu último desejo. -Afirmaram entre tristeza e alegria.Tristeza porque era uma bibliotecaque ia a enterrar. Alegria porque a suaobra apontava para um descanso me-recido ao lado do Senhor.Dai a canção “tu kusiña kimbo lyavel´apo!”A missão de Kamundongo fica a 22quilómetros da capital biena. À seme-lhança das missões homólogas do Chi-lesso, Dondi, Chissamba, Chilume,Vouga, entre outras, Kamundongo viunascer e formou homens e mulheresque tiveram um papel relevante nosurgimento da consciência nacionalis-ta angolana, na luta pela emancipaçãodos angolanos e no processo de cria-ção da nossa nação (ainda em curso).Inicialmente como professora deartes e ofícios e mais tarde como par-teira, Celita Adolfo, nascida em 1928,

foi uma mulher que fez o máximo quepôde pelos homens e pela sua IECA dequem foi diaconisa. Teve, por isso, amerecida homenagem de despedidana Igreja Central do Kuito, tambémdesignada por “Catedral da Paz”, e umelogio fúnebre à dimensão da Grandemulher que foi.Em Kamundongo, localidade alcan-çável em tempo chuvoso apenas comrecurso a carros todo-o-terreno e compontecos a reclamar por reparações,as árvores frondosas que guardam a

memória de notáveis homens e mu-lheres da sociedade Biena e não só,acolheram as centenas de pessoasque foram ao último adeus a Celita.Uns cantando, outros acompa-nhando apenas os coros mas guar-dando reverência e expressando nosseus rostos comoção, outros aindamais soltos nos gestos e mais alegresnos semblantes, duas mulheres sedestacam entre a multidão.Uma é idosa. Tem o netinho às cos-tas. Setenta ou mais anos, indicam as

rugas e a flacidez da epiderme. Está to-da apossada de tristeza, como quemquer dizer, mas sem força, sem fôlego“sempre estivemos juntas, por que medeixas nesta cidade provisória”? Des-pejada de quase tudo, dos amigos deinfância e adolescência, das colegasdos coros em que cantou, despojadatalvez de filhos e netos ao longo dascarnívoras guerras travadas no planal-to central angolano, a idosa só podiaoferecer a sua comoção, enquanto pa-nos já envelhecidos de tantas lavagenscobriam seu corpo quase secular comotambém amparavam o “nekulu” quecabriolava despreocupado nas costas.Noutra frente, uma jovem há poucosaída da adolescência, disputava comas amigas o melhor cabelo empresta-do e grife da tarde sem sol, nem chuva.Com um vestidinho colado ao corpo,como se fosse sua pele, e a mostrar asencostas das nádegas, a jovem estavapintada à moda de mulheres da vida. E como nestes eventos a vaidade e apetulância vivem juntas, lá estava elatotalmente singular, exibindo as cha-ves de uma viatura que seu trabalhohonesto e limpo ainda não permitemcomprar. Se calhar, esteja também a so-nhar com uma despedida e um repou-so eterno em Kamundongo… Porém,para lá chegar, terá antes de conhecer eseguir as peugadas de Celita Adolfo eter como guião a fé, boas obras, hones-tidade e moderação.Kamundongo, Kuito, 04 de Feverei-ro de 2014

16 | NAVEGAÇÕES 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2017 | Cultura

AS MULHERES DE KAMUNDONGO

SOBERANO CANHANGA

de diálogo com o MED (como a RedeEPT e os sindicatos, na procura de-melhores condições salariais e pro-fissionais para os professores); refor-çaram a necessidade de maior envol-vimento da sociedade civil na defini-ção e implementação das políticaspúblicas em educação. O que é o Sikola?Tendo em conta os objectivos destaConferência da Educação, assinalam-se como aspectos menos consegui-dos, o limitado envolvimento dos de-cisores políticos da educação na mes-ma (não obstante a empenhada parti-cipação dos técnicos do MED) e a in-suficiente participação do público,pela limitação de tempo para abordara diversidade de temas propostos.A destacar positivamente, a carac-terização geral do Ensino Primário, apartir da pesquisa Sikola nas Provín-cias de Cabinda, Luanda e Lunda-

Norte, bem como as questões debati-das em torno dos múltiplos factoresque condicionam a sua qualidade e assugestões apresentadas. O projecto Sikola visa o reforço daqualidade da Educação, ao nível doEnsino Primário, através do diálogo,capacitação e participação de todosos agentes educativos, sobretudo osprofessores, a sociedade civil e as auto-ridades locais e tem a sua intervençãonas províncias de Cabinda, Luanda eLunda-Norte (de 2015 a 2017). As suasacções concretizam-se (1) na formaçãocontínua de professores/as e outrosagentes educativos do Ensino Primário;(2) na formação e apoio às organiza-ções da sociedade civil; (3) no reforçoda Rede EPT – Angola e (4) na pesqui-sa e informação sobre a Educação. Omesmo é co-financiado pela UniãoEuropeia e apoiado pelo Ministérioda Educação de Angola (MED) em vá-rios departamentos, com destaquepara a DNEG e o INFQE.

Máscara Chokwe Pwo