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1 CUIDADOS COM A SAÚDE DA BOCA CD Elaine C. Camargo Especialista em Odontologia Preventiva e Social, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e em Administração Hospitalar. Mestranda em Imaginologia e Diagnóstico Estomatológico. Fundadora e Presidente da Associação Brasileira de Odontologia Hospitalar. Membro do Corpo Clínico com serviço de Odontologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Hospital Moinhos de Vento, Mãe de Deus Center e Clínica Psiquiátrica Santa Tecla. Clínica Odontológica e Unidade Móvel para atendimento hospitalar e domiciliar. A preocupação com os dentes pode parecer sem importância junto aos problemas e sequelas decorrentes da doença neurológica. Paciente, familiares e cuidadores estão envolvidos em acontecimentos urgentes, entretanto, o estado da boca, que é mais do que dentes, pode alterar a evolução clínica, e a sua boa condição pode reduzir fatores negativos do tratamento. Neste capítulo, tentaremos informar a importância da cavidade bucal, seus componentes, dicas básicas para reconhecimento de anormalidades e de realização da higiene oral. Cavidade Bucal A figura ao lado mostra as partes visíveis da cavidade bucal. Existem ainda glândulas que formam saliva e pontos na língua responsáveis pelo paladar (gosto). Na boca, vivem bactérias que podem entrar na corrente sanguínea, afetando o organismo em geral. A infecção dentária, frequentemente, passa despercebida por influência do estado do paciente (alteração de consciência ou outros sinais), dos medicamentos utilizados e pela sua localização de difícil acesso. A boca limpa oferece conforto e reduz o risco de infecção local ou a distância (em outro órgão).

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CUIDADOS COM A SAÚDE DA BOCA

CD Elaine C. Camargo

Especialista em Odontologia Preventiva e Social, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e em Administração

Hospitalar. Mestranda em Imaginologia e Diagnóstico Estomatológico. Fundadora e Presidente da Associação

Brasileira de Odontologia Hospitalar. Membro do Corpo Clínico com serviço de Odontologia do Complexo Hospitalar Santa Casa

de Porto Alegre, Hospital Moinhos de Vento, Mãe de Deus Center e Clínica Psiquiátrica Santa Tecla. Clínica Odontológica e

Unidade Móvel para atendimento hospitalar e domiciliar.

A preocupação com os dentes pode parecer sem importância junto aos

problemas e sequelas decorrentes da doença neurológica. Paciente, familiares e

cuidadores estão envolvidos em acontecimentos urgentes, entretanto, o estado da

boca, que é mais do que dentes, pode alterar a evolução clínica, e a sua boa condição

pode reduzir fatores negativos do tratamento. Neste capítulo, tentaremos informar a

importância da cavidade bucal, seus componentes, dicas básicas para reconhecimento

de anormalidades e de realização da higiene oral.

Cavidade Bucal

A figura ao lado mostra as partes visíveis da

cavidade bucal. Existem ainda glândulas que formam

saliva e pontos na língua responsáveis pelo paladar

(gosto). Na boca, vivem bactérias que podem entrar na

corrente sanguínea, afetando o organismo em geral. A

infecção dentária, frequentemente, passa despercebida

por influência do estado do paciente (alteração de

consciência ou outros sinais), dos medicamentos

utilizados e pela sua localização de difícil acesso. A boca

limpa oferece conforto e reduz o risco de infecção local ou

a distância (em outro órgão).

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Por que o cuidado da boca

O estado da boca é responsável também pela mastigação, deglutição, digestão

e comunicação verbal (fala). No paciente entubado ou simplesmente acamado, as

bactérias quando aspiradas podem ser responsáveis por infecções pulmonares. A

presença de doenças bucais prejudica a absorção de nutrientes e aumenta o risco de

várias outras doenças, como a aterosclerose, infarto cardíaco, derrame cerebral e

complicações do diabetes. Ainda, a qualidade e quantidade da saliva são alteradas,

expondo o paciente a maior risco de infecção.

Essa imagem mostra a relação entre algumas

estruturas. Existem ainda glândulas, músculos,

ossos, vasos sanguíneos, nervos e gânglios.

Todos estão intimamente ligados, e o estado de um

afeta o outro.

O dentista age aliado a outros profissionais de

saúde para controlar uma infecção ou bacteremia

(bactérias na corrente sanguínea) de origem

dentária, realiza tratamentos necessários e oferece

mais segurança aos familiares e cuidadores. O

exame bucal pode encontrar sinais que indiquem problemas.

Doenças da boca

A cárie e a gengivite são as doenças mais comuns, ambas causadas pelos

componentes da Placa Dental ou Placa Bacteriana.

A Placa Bacteriana é uma camada incolor, formada por

bactérias e açúcares, que se gruda nos dentes. Deve ser removida

durante a higiene oral. As bactérias podem entrar na corrente

circulatória causando dano também em outros órgãos.

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1. Cárie dentária

É uma doença infecciosa que destrói o dente, tanto a coroa,

como a raiz do dente. Mesmo depois de tratada, pode retornar em

torno das restaurações e próteses existentes.

Em vários estágios, só o exame do dentista as encontra.

Preferencialmente, desenvolvem-se em sulcos da área de

mastigação, nos espaços entre os dentes e próximo à linha da

gengiva.

Infecção Pulpar / Abscesso

Sem tratamento, a cárie evolui, causa muita dor e origina abscessos (bolsas de

pus) no tecido ósseo, logo abaixo da raiz do dente. Nesse estágio, é necessário o

tratamento de canal ou a extração do dente.

2. Gengivite

É uma inflamação da gengiva que ao progredir

atinge as fibras e o osso que seguram os dentes. Se

não controlada causa a perda dos dentes. Só com

raspagem do dentista é que a placa bacteriana e o

tártaro podem ser removidos.

Como identificar a gengivite

A gengiva doente é vermelha e inchada, sangra durante a escovação ou com o

fio dental e pode ter secreção de pus. A pessoa tem mau hálito constante ou gosto ruim

na boca; a migração da posição dos dentes e retrações gengivais também são sinais de

gengivite.

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3. Lesões bucais

Há vários tipos de feridas e enfermidades bucais. As mais comuns são:

Aftas: são pequenas zonas de inflamação de cor branca e cercadas por uma

área avermelhada. Não são contagiosas, desaparecem em 7 a 10 dias e o

reaparecimento é comum. Para um alívio temporário, pomadas analgésicas

podem se aplicadas. A lavagem com antissépticos sem álcool pode ajudar a

reduzir a irritação. Em alguns casos, o dentista ou médico prescreve

antibióticos para prevenir infecção.

Herpes simples ou herpes labial: grupos de bolhas dolorosas que aparecem

ao redor dos lábios. São causadas por vírus, contagiosas e, geralmente,

desaparecem em uma semana. Como não existe cura para as infecções

herpéticas, as bolhas podem reaparecer em momentos de estresse, exposição

ao sol, alergias ou febre. Anestésicos tópicos podem proporcionar um alívio

temporário. Os medicamentos antivirais podem reduzir esse tipo de infecção.

Leucoplasia: tem uma aparência esbranquiçada e pode aparecer no lado

interno da bochecha, na gengiva ou na língua. Muitas vezes, é associada ao

fumo, próteses mal ajustadas, dentes quebrados e mordidas na bochecha. O

tratamento começa com a remoção dos fatores que causam as lesões.

Candidíase (ou sapinho): é uma infecção fúngica, reconhecida por sua cor

branca, amarelada ou avermelhada nas superfícies úmidas da boca. A região

sob a mancha pode ficar dolorida, com ardência e com risco de infeccionar. O

tratamento consiste em controlar as condições que causam o seu

aparecimento. O estresse, os antibióticos e a diminuição das defesas do corpo

podem favorecer seu surgimento. Quando é causada por um antibiótico, a

redução da dose ou a mudança do tratamento pode resolver. Medicamentos

contra fungos, como nistatina e miconazol são usados. A adequada higiene

oral e o bom ajuste na prótese são fundamentais para a prevenção.

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4. Problemas frequentes (o que fazer até chegar ao dentista)

• Dor de Dente Fazer bochecho com água morna e tentar remover quaisquer alimentos presos

entre os dentes. Em caso de inchaço, colocar uma compressa fria no lado de fora da

bochecha. Não colocar nada diretamente no dente ou gengiva dolorida.

• Objetos presos entre os dentes

Tentar remover o objeto com fio dental. Guiar o fio dental, cuidadosamente, para

não machucar a gengiva. Não tentar a retirada do objeto com um instrumento afiado ou

pontiagudo.

• Acidentes com Perda de dentes

Colocar o dente em um recipiente com leite, água salgada ou saliva; caso estes

não estejam disponíveis, usar água. Não tocar na raiz.

• Quebra de dentes

Suavemente, retirar a sujeira e os fragmentos de dentes da área ferida e limpar

com água morna. Colocar compressa fria na face e no local do dente ferido para

minimizar o inchaço.

• Mordida na Língua ou na Bochecha

Aplicar pressão diretamente na área da hemorragia, utilizando gaze ou pano

limpo. Em caso de inchaço, aplicar compressas frias.

• Medicamentos podem alterar a saúde bucal

Alguns medicamentos podem apresentar efeitos indesejáveis na boca, como

secura, inflamações, ulcerações, dormência, formigamento, distúrbios de movimento,

alterações do paladar e, durante a escovação ou uso do fio dental, sangramento

excessivo da gengiva. Isso poderá ser contornado com substituições ou reduções de

doses sob orientação do médico.

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• Boca seca

A boca é naturalmente úmida, e a mucosa seca aumenta o risco de cárie,

gengivite e de outras lesões, também dificulta a mastigação e a deglutição e causa

desconforto. Os lábios, a língua e as gengivas devem, portanto, ser lubrificados várias

vezes ao dia, principalmente quando o paciente respira muito pela boca. Deve ser

oferecido água com frequência, utilizar substitutos ou estimulantes de saliva e produtos

de higiene especiais.

Alguns medicamentos podem causar o ressecamento da boca: anti-histamínicos

(antialérgicos), descongestionantes, analgésicos, diuréticos, medicamentos para

pressão alta e antidepressivos.

Para realizar os cuidados bucais

Para o cuidado bucal, curativo e preventivo, faz-se necessário bom

relacionamento com a família e profissionais da saúde. Devem ser aplicados recursos

diferenciados, para informação e treinamento, baseados na troca de experiência entre

todas as pessoas envolvidas com o paciente.

Participação do paciente, dos familiares e profissionais

O posicionamento dos dentes do paciente e interferências que afetem suas

funções devem ser conhecidos pelos cuidadores, para que, com bom senso e carinho,

a saúde da boca seja mantida. O estado da pessoa, acamada ou com limitação

(dependência parcial ou total), e a capacidade de se comunicar (dificuldade de

compreensão ou auditiva) mostram a melhor maneira de realizar a higiene bucal. A

conversa sobre a rotina entre os envolvidos pode facilitar, criando motivação e

melhoramentos.

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Dicas de Higiene Bucal

• Realizá-la após cada refeição ou pelo menos duas vezes ao dia;

• Utilização de escova, fio dental, pouca pasta ou nenhuma, antissépticos

sem álcool e produtos indicados pelo dentista (irrigadores, estimuladores,

escovas especiais, enxaguatórios, cremes, abridores de boca ou qualquer

outro meio de auxílio).

Em pacientes com a motricidade comprometida, a higiene deve ser realizada por

outra pessoa, podendo seguir estas orientações:

• Deixe em um local de fácil alcance: luvas, toalha, escova, pasta de dentes,

copo com água e bacia;

• Caso esteja acamado, ajude-o a sentar ou eleve a cabeceira da cama,

quando não for contraindicado;

• Cubra o peito e os ombros com uma toalha para não molhar a roupa;

• Coloque luvas e solicite para o paciente abrir a boca, ou abra-a

cuidadosamente, podendo-se utilizar abridores de boca.

• Faça a escovação em todas as superfícies dos dentes (frente, atrás,

superfície de mastigação) com movimentos de vaivém;

• Limpe delicadamente a parte interna das bochechas e a superfície da

língua, usando, de preferência, uma gaze embebida em solução de

gluconato de clorexidina a 0,12%;

• Segure uma bacia ou outro recipiente abaixo da boca, para o paciente

cuspir o excesso de pasta de dentes ou de líquido;

• Caso não consiga bochechar ou cuspir, coloque um pouco de água dentro

da boca do paciente e deixe-a escorrer para dentro da bacia;

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• O uso de prótese será permitido ou não, mas, no caso de

utilização, a sua limpeza deve ser rigorosa.

• Existem propagandas de produtos de higiene oral que

informam algumas manobras. Vale a pena ler e treiná-las.

• Escovas tipo dedeira (para bebês ou animais de estimação)

podem facilitar a escovação no paciente com dependência

física.

A saúde bucal é uma porção indivisível da saúde geral!

Dedico este capítulo à memória de minha mãe, que sempre incentivou meu

esforço no atendimento às pessoas com necessidades especiais. Os dois meses em

que ela esteve no CTI, após traumatismo crânio-encefálico, possibilitaram-me praticar

o amor incondicional e os cuidados bucais até então desconhecidos por mim. Desejo

que esse aprendizado possa ser compartilhado e utilizado quando necessário.