crucifixo - cópia

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O Crucifixo que São Francisco e Santa Clara encontraram na igreja De São Damião iluminou as suas vidas. Traz até hoje a luz de Deus para tantas pessoas! Este pequeno livro quer apresentá-lo e ajudar a descobrir alguns de seus interessantes segredos. Quer ajudar a receber a sua luz e a sua benção. Para passar adiante. O CRUCIFIXO DE SÃO DAMIÃO Fr. José Carlos Corrêa Pedroso, OFMCap Centro Franciscano de Espiritualidade

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Page 1: Crucifixo - Cópia

O Crucifixo

que São Francisco

e Santa Clara

encontraram na igreja De São Damião

iluminou as suas vidas.

Traz até hoje

a luz de Deus

para tantas pessoas!

Este pequeno livro

quer apresentá-lo e

ajudar a descobrir

alguns de seus interessantes segredos.

Quer ajudar a receber

a sua luz e a sua benção.

Para passar adiante.

O CRUCIFIXO

DE

SÃO DAMIÃO

Fr. José Carlos Corrêa Pedroso, OFMCap

Centro Franciscano de Espiritualidade

Page 2: Crucifixo - Cópia

Vamos ver de perto

o Crucifixo

de São Damião.

É aquele

que falou com

São Francisco

no começo de sua

vida de conversão,

e com Santa Clara

durante seus

quarenta e dois

anos de mosteiro.

Vamos saber porque

Francisco e Clara

conseguiram ouvi-

lo.

Page 3: Crucifixo - Cópia

Estamos diante de um ícone,

uma figura com especial

valor simbólico e religioso.

Os ícones expressam a

teologia da luz, a teologia da

beleza. Nosso crucifixo é um

hino à santidade de Deus,

expressa na luz e na beleza.

Nós vamos explicar um

crucifixo feito há novecentos

anos. Mas não vamos nos

limitar a descrever a figura e

os seus símbolos,

riquíssimos. Vamos mostrar

como esse ícone transformou

a vida de São Francisco e de

Santa Clara — e como ainda

é uma fonte de oração,

santificação e transformação

para nós, hoje.

Page 4: Crucifixo - Cópia

Um ícone não é uma figura qualquer: é uma figura santa.

Quem o faz não é um pintor qualquer:

É uma pessoa consagrada à santidade

Esse pintor é chamado iconógrafo: o pintor de ícones.

Ele é um eremita: que vive na solidão da contemplação

Um mestre o ensina a contemplar:

1). Deixando-se envolver pela luz de Deus que passou para um santo;

2). Passando essa luz para uma tábua;

3) Sabendo que daí essa luz vai santificar as pessoas,

envolvendo-as na santidade de Deus

Page 5: Crucifixo - Cópia

O iconógrafo

Um iconógrafo não é um pintor qualquer, é uma pessoa consagrada, que

dedica toda a sua vida a fazer ícones. Trata-se de um contemplativo que,

descoberta sua vocação, coloca-se sob a direção de um mestre.

Com ele, vai aprendendo a se deixar iluminar pela Luz da santidade de Deus.

Contempla-a no que é santo: pessoas ou mistérios.

É na medida em que se sente iluminado que vai aprendendo a escolher e

preparar a tábua, a colher o material para preparar as tintas. Todo o material

usado é natural, tirado das plantas, da terra, de ovos.

A tábua é alisada e fica com a superfície levemente côncava. Sobre ela é

colado um pano fino, sobre o qual é passada uma base. Cada fase do

processo que vamos apresentar é feita muito lentamente, só depois de muita

contemplação.

Page 6: Crucifixo - Cópia

Quando o

icónógrafo sente

que já foi envolvido

por bastante de Luz

que veio de Deus

e que passou para o

santo,

dle prepara o

quadro e as tintas

De acordo com o

ensino do seu

mestre.

Ele corta a tábua,

Ele a lixa,

Ele cola um pano sobre ela,

Ele a cobre

com um fundo branco.

Page 7: Crucifixo - Cópia

Depois,

sempre continuando

a sua contemplação,

ele risca o contorno

do santo

que pretende desenhar.

Page 8: Crucifixo - Cópia

Depois, o iconógrafo

preenche tudo

que está fora do contorno

Com uma cor dourada

ou azul,

porque ele está

representando

O santo

como ele já está vivendo

na glória de Deus

Page 9: Crucifixo - Cópia

Depois ele localiza

Tudo que vai ser carne

Do santo

E pinta rosto,

Mãos, pés...

Da cor da terra,

Porque nós somos barro

Na medida em que ele

For crescendo na contemplação

Vai voltar para pintar essa carne

Com cores cada vez mais claras,

Representando a luz de Deus

Que vai crescendo

Na santidade.

Representando a luz de Deus

Que vai crescendo

Na santidade.

Page 10: Crucifixo - Cópia

Esse trabalho pode levar meses ou anos....

É pouco a pouco...

Que o iconógrafo

Vai pintando os outros detalhes.

Ele sempre usa formas e cores simbólicas

Que vão falar de uma beleza que não é a nossa:

É a de Deus.

Page 11: Crucifixo - Cópia

Quando o ícone fica pronto

é levado para a Igreja

ou para uma casa.

Diante dele,

as pessoas não vão falar...

vão tomar um banho de luz

e de santidade.

É Deus

quem estará

olhando para elas

e as santificando.

Page 12: Crucifixo - Cópia

Um ícone muito

conhecido em quase

todos os países

é o quadro de Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro,

hoje guardado em uma igreja

de Roma.

Sua devoção é muito

difundida.

Esse é um ícone muito rico

em detalhes.

Page 13: Crucifixo - Cópia

É provável que este ícone

A Santíssima Trindade

Feito por Roublov

No século XVII

Seja o mais famoso.

É tido como uma

obra prima.

O estudo

de seus detalhes

Pode dar um livro.

Page 14: Crucifixo - Cópia

O Crucifixo

de São Francisco

foi colocado

há mais de

novecentos anos

na capela de São Damião.

Hoje, nessa capela,

está apenas uma cópia.

O original que

São Francisco conheceu

está na basílica

de Santa Clara,

em Assis.

Page 15: Crucifixo - Cópia

O ícone de São Damião

é uma figura colorida,

pintada

em uma tábua de nogueira

com 2,10 m de altura

e 1,30 m de largura.

e 2 cm de espessura.

Vemos Jesus Cristo duas vezes:

Primeiro na cruz,

onde, com 1,80 m,

sua presença

domina todo o quadro.

Page 16: Crucifixo - Cópia

Depois,

vemos Jesus

subindo aos céus.

Ele está saindo de um círculo

que representa a terra:

tem os pés como os

de quem sobe um degrau,

sua cabeça e mão direita

já estão no reino

dos habitantes do céu.

E carrega uma cruz de ouro

com cabo de madeira:

É o sinal da sua vitória.

Page 17: Crucifixo - Cópia

Chegando ao céu, Jesus encontra os Santos,

aqui representados por dez figuras com auréolas.

Mas ele está sendo recebido pelo Pai e o Espírito Santo.

O Pai é representado pela mão que abençoa.

O Espírito Santo está no dedo:

No cântico Veni Creator ele é chamado “dedo da direita do Pai”.

Page 18: Crucifixo - Cópia

Reparem que o quadrado grande,

abaixo dos braços de Jesus

representa o Livro da Vida na Terra.

O meio-quadro, no alto, representa o Livro da Vida no Céu.

É um meio quadrado, porque nós só sabemos muito pouco

do Livro da Vida depois da morte.

Da mesma forma,

a cabeça de Jesus está cercada por um círculo bem grande;

sua chegada ao céu está cercada por um círculo menor;

O Pai e o Espírito Santo estão em meio círculo,

porque já tivemos a sua revelação

mas não os vemos diretamente.

Page 19: Crucifixo - Cópia

A Trindade no céu

Jesus chegando ao céu

Jesus na Terra

Livro da vida na Terra

Livro da Vida no Céu

Page 20: Crucifixo - Cópia

Esta figura

representa

as

pessoas

que estiveram

ao lado

da cruz

de Jesus.

Estão dentro

de um

quadro

que simboliza

um livro

aberto,

porque nós

pudemos

conhecê-las

Page 21: Crucifixo - Cópia

Aqui estão Nossa Senhora

e São João Evangelista.

Os dois apontam com a mão direita

para o Deus crucificado.

Nossa Senhora tem a mão esquerda

apoiando o rosto:

é um símbolo da contemplação.

São João simplesmente

segura o manto com a esquerda.

Sobre os dois cai o sangue

precioso de Jesus,

que sai da chaga do peito e

que também sai da chaga

da mão direita.

São João olha para Maria,

que ele acolheu como sua Mãe.

Page 22: Crucifixo - Cópia

Do outro lado estão

Maria Madalena,

Maria, a mulher de Jacó,

e o centurião.

A Madalena também tem uma

atitude contemplativa.

A outra Maria faz um gesto

de admiração.

O centurião segura o decreto

da condenação de Jesus

na mão esquerda mas,

com a mão direita, testemunha

sua fé na Trindade de Deus.

Ele reconheceu que Jesus

era o Filho de Deus.

A outra figura pequena,

com diversas voltas acima da

cabeça, costuma ser apresentada

como filho do centurião,

que Jesus curou,

ou como o povo ali presente.

Page 23: Crucifixo - Cópia

Aqui podemos ver o centurião

com maiores detalhes.

Page 24: Crucifixo - Cópia

À direita está

um soldado romano:

Longino, aquele que

deu uma lançada

em Jesus.

À esquerda está um

sacerdote que,

petulante,

com a mão na cintura,

diz a Jesus que,

se for Deus,

que desça da cruz.

Page 25: Crucifixo - Cópia

Embaixo da mão direita de Jesus, dois anjos comentam a grandeza

do amor de Jesus, que deu sua Vida pela Humanidade.

Eles também são banhados pelo sangue que sai da chaga de Jesus.

Page 26: Crucifixo - Cópia

Embaixo da mão esquerda de Jesus, outros dois anjos comentam

a grandeza do amor de Jesus, que deu sua Vida pela Humanidade.

Eles também são banhados pelo sangue que sai da chaga de Jesus.

Page 27: Crucifixo - Cópia
Page 28: Crucifixo - Cópia

Nas duas extremidades da cruz, há duas figurinhas

que se dirigem para o centro: para Jesus.

Alguns estudiosos dizem que elas estão representando

As santas mulheres que foram cuidar do corpo de Jesus

no sepulcro. E vieram a ser as primeiras testemunhas da Ressurreição.

Alguns outros dizem que devem ser dois anjos, argumentando que

as duas figuras estão descalças.

Mas é difícil até perceber se elas estão mesmo sem calçados.

Page 29: Crucifixo - Cópia
Page 30: Crucifixo - Cópia
Page 31: Crucifixo - Cópia

Das chagas

dos pés de Jesus,

como também das chagas

das mãos e do peito,

o sangue brota

como uma flor

e cai sobre personagens que,

por ele,

são lavados dos pecados.

Abaixo dos pés de Jesus,

recebendo também

o seu sangue salvador,

há vestígios de seis figuras:

poderiam de São Damião,

de São Rufino, padroeiro

da cidade...

Temos segurança

da penúltima,

que é São Pedro

Page 32: Crucifixo - Cópia

Não é tão fácil perceber, nesta nossa reprodução

um tanto defeituosa, mas abaixo do galinho

está uma fogueirinha

Essas duas figurinhas identificam São Pedro,

que estava aquecendo as mãos

junto a uma fogueira quando negou Jesus.

Então, como Jesus tinha avisado,

o galo cantou!

Você consegue ver um galinho

aqui no alto?

Page 33: Crucifixo - Cópia
Page 34: Crucifixo - Cópia

Acima da cabeça de Jesus, está escrito, em latim: “Jesus Nazareno,

Rei dos Judeus”.

Essa inscrição é própria do Evangelho de São João.

Nesse Evangelho se diz que Jesus é a luz que brilhou nas trevas. E

se vai mostrando que essa luz brilhou cada vez mais.

Para expressar e destacar a luz, além da claridade do Cristo, muitos

detalhes do crucifixo são reforçados em preto e vermelho. Um

exemplo é dos olhos de Jesus.

Page 35: Crucifixo - Cópia

Diante deste Cristo

de São Damião, nós sabemos

que São Francisco

fez esta oração:

“Sumo e soberano Deus,

iluminai as trevas

do meu coração.

Dai-me uma fé reta,

esperança certa,

caridade perfeita,

bom senso e conhecimento,

Senhor,

para que eu cumpra

o vosso santo e

verdadeiro mandamento”.

Page 36: Crucifixo - Cópia

1. Sumo e soberano Deus

A leitura das biografias medievais pode dar a

impressão de que Francisco chegou, viu o

Crucificado, ouviu-o e respondeu imediatamente com

a sua oração.

Na realidade, ele deve ter ficado muito tempo, dias,

contemplando e orando, antes de formular a oração

que chegou até nós. E já devia fazer algum tempo

que estava nessa oração de busca quando o ícone o

iluminou.

Em Espoleto, quando teve o sonho do castelo de armas, ele já percebera que

era o Senhor quem lhe falava, e já exclamara: “Senhor, que queres que eu

faça”.

Orando na solidão, ele já sentira “dentro dele mesmo um espírito novo, que o

levava a orar ao Pai”. Em São Damião, a luz detonou sua visão interior.

Page 37: Crucifixo - Cópia

2 Iluminai, Senhor!

O jovem Francisco deve ter ficado extasiado com tanta luz deste Cristo. É

Jesus na Cruz, é Jesus na Ressurreição e é Jesus na Ascensão. Sempre

luminoso.

Porque ele é “a luz que brilhou nas trevas” (Jo, 1,9-10).

Trevas são a escuridão em que o ser humano fica quando rompe com Deus.

No meio delas, resplandece a Palavra de Amor de Deus.

Como São João vai demonstrando em seu

Evangelho, Jesus vai ficando cada vez mais

luminoso, na medida em que as pessoas o aceitam.

E quanto mais luminoso fica, parece que muitos

encontram razões ainda maiores para não aceitá-lo.

A luz do Crucificado fez Francisco olhar para si

mesmo e perceber que, lá dentro, tudo era escuridão.

Sem que se desse conta, a luz de Deus já fizera com

que aprendesse a olhar para dentro.

Page 38: Crucifixo - Cópia

2. Iluminai as trevas

Outro passo deve ter sido dado quando, atraído por

aqueles enormes olhos abertos e tranqüilos, o centro da

luz, ele foi levado a olhar para onde Jesus olhava: para

o mundo imenso lá fora e para dentro de si mesmo.

Enxergando o mundo lá fora com o olhar do Filho de

Deus, ele ouviu que estava sendo chamado para uma

reconstrução.

Olhando com o olhar de Jesus para a sua própria interioridade, percebeu

que o seu coração, a sua interioridade, estava em trevas. É importante que

não tenha falado em “iluminai as trevas da minha mente”, como nós,

provavelmente, diríamos.

Estamos acostumados, principalmente em nossa civilização ocidental, com

idéias e palavras que falam à mente, mesmo quando são figuras gráficas,

como os sinais do trânsito.

Page 39: Crucifixo - Cópia

3. Fé, Esperança e Caridade

Fé é a total confiança em Jesus

Cristo:

Ele nem se engana nem me

engana.

É o caminho iluminado que

descobrimos em um mundo

confuso.

São Francisco tinha muitas

razões para pedir uma “fé

direita”. Tinha plena

consciência das heresias que

pululavam em seu tempo,

principalmente a dos cátaros.

Não queria nele mesmo e, mais

tarde, não quis em seus

seguidores, nenhuma “fé

torta”. Apesar do amor fraterno

que sempre teve para com os

hereges.

Page 40: Crucifixo - Cópia

Esperança

é a virtude que nos anima a

nos movermos na direção de

Deus.

Tem que ser a nossa força

na escuridão.

Costumamos colocar

nossas esperanças em

ideais, de curto ou longo

alcance, mas sem firmeza.

A esperança boa tem que ser

certa, firme, inabalável.

Mas uma esperança dessas

é só a que Deus dá.

Page 41: Crucifixo - Cópia

Caridade é o amor.

Só será total quando

conseguirmos dar-nos

inteiramente a quem amamos:

como as Pessoas da Trindade

se amam. Então, vai ser

perfeito. É a nossa entrega na

escuridão.

Nossas limitações não

permitem que nosso amor seja

perfeito, embora possa ser

aperfeiçoado.

Mas, nós vivemos numa

confusão de amores

desnorteados porque quisemos

“ser como Deus” e o

rejeitamos.

Ora, só Ele é o Amor.

Page 42: Crucifixo - Cópia

Nós estamos nos julgando deuses, e não somos. Então,

a nossa visão do próprio eu não é apenas insegura:

é falsa.

O bom senso de Francisco levou-o a escrever, com os

seus companheiros, uma “Regra de Vida” segura, firme,

mas profundamente livre. Ele sempre foi imensamente

compreensivo com seus frades

e com todas as pessoas.

Certamente porque se tratou de um bom senso pedido a

um Jesus ressuscitado e triunfante mas que ainda

ostentava a cruz da sua obediência ao Pai.

De acordo com o ensinamento evangélico, a Igreja

sempre proclamou que Jesus, por nós, “se fez

obediente, obediente até a morte, e morte de cruz”.

Page 43: Crucifixo - Cópia

Podemos acreditar que foi o bom senso concedido

por Deus que levou São Francisco ao conhecimento

de um sentido de obediência muito mais profundo do

que costuma ser apresentado por nós.

Alguns acreditam que São Francisco fez a oração

diante do Crucifixo como uma resposta a Jesus que

mandara reconstruir a sua casa. Isso daria a toda a

oração um sentido de pronta obediência ao mandato

claro de restaurar a capelinha.

Um conhecimento um pouco mais amplo de tudo que

São Francisco escreveu e viveu mostra que se

tratava, sim de obediência, mas de uma obediência

muito maior. Através da entrega total de sua vida a

Deus, ele (e mais tarde seus seguidores) trariam uma

restauração profunda à Santa Igreja Universal.

Era seu carisma, que estava desabrochando com a

luz do Crucificado.

Page 44: Crucifixo - Cópia

Em primeiro lugar, ele viu em Cristo crucificado o

maior exemplo da verdadeira obediência: corresponder

ao amor de Deus, que é todo o Bem.

Deus quis transmitir todo o Bem, isto é, Ele inteiro, ao

homem com o seu mundo. Jesus é a Palavra, que devia

fazer a transmissão, trazendo aos homens o seu

convite. Ainda que a missão fosse difícil (Pai, se for

possível, afasta de mim este cálice, mas não se faça a

minha vontade e sim a tua!), Jesus obedeceu.

Em segundo lugar, mesmo na escuridão interior, ele

deve ter sentido que o Bem de Deus vinha a ele através

desse Cristo luminoso: pediu tudo que achou

necessário para cumprir o “mandamento”: luz, fé,

esperança e amor, bom senso e conhecimento.

Obedecer, para ele, era acolher todos os bens que o

Deus Bom nos manda, usá-los e retribuir — ou mesmo

devolver — com gratidão.

Page 45: Crucifixo - Cópia

Santa Clara refere, em seu Testamento, que

Francisco teve, em São Damião, uma profunda

experiência de Deus:

“Pois, quando o Santo, logo depois de sua

conversão, sem ter ainda irmãos ou

companheiros, estava construindo a igreja de

São Damião, em que foi visitado plenamente

pela graça divina e foi impelido a abandonar

totalmente o mundo, numa grande alegria e

iluminação do Espírito Santo, profetizou a

nosso respeito aquilo que o Senhor veio a

cumprir mais tarde.

Pois, nessa ocasião, ele disse em voz alta e em francês para uns

pobres que moravam ali perto:

Venham me ajudar na obra do mosteiro de São Damião, porque nele

ainda haverão de morar umas senhoras cuja vida famosa e santo

comportamento vão glorificar nosso Pai celestial em toda a sua santa

Igreja (TestCl 9-14)”.

Page 46: Crucifixo - Cópia

Entendemos que a santa quer falar de uma

experiência muito mais longa, muito mais profunda

do que a de simplesmente ter escutado um pedido

de Jesus e ter respondido com a oração “Iluminai”.

O texto confirma que a proposta de Deus, feita

através do ícone de luz, era restaurar a Igreja, toda

a sua Santa Igreja, através de muitos homens e

mulheres que, em tantos séculos, pediram e

continuam a pedir para terem sua interioridade

iluminada, para viverem a fé, a esperança e a

caridade, para terem bom senso e conhecimento

das coisas de Deus.

É assim que a vontade de Deus, que é Amor e Salvação,

vai sendo cumprida através da história.

Page 47: Crucifixo - Cópia

O encontro com o

Crucifixo de São Damião

marcou o íntimo

de São Francisco.

durante a sua vida,

ele cresceu no amor

do Crucificado.

No fim da vida,

recebeu a visita

de Jesus

como um

serafim de fogo

que marcou nele

as suas chagas.

Nosso encontro

com o Cristo

de S.Damião

deve nos levar

a uma conversão.

Page 48: Crucifixo - Cópia

Nós vamos nos aprofundar

um pouco mais

na espiritualidade da luz

para que ela nos ajude

a caminhar na direção

dessa nossa transformação

em Jesus,

a imagem da divindade.

Page 49: Crucifixo - Cópia

A Igreja Oriental ensina:

A única santidade é a de Deus.

A santidade de Deus se revela nessa Luz

que nos transforma para sermos e para

vermos a Beleza.

Quando ainda não o conhecemos bem,

pode até ser que, formados em outras

culturas, tenhamos dificuldade para

perceber a beleza expressa num ícone.

Mas nós vamos aproveitar, olhando

detidamente o Cristo de São Damião, para

enxergar — como Francisco e Clara

enxergaram — que essa é a beleza que

teríamos se não tivéssemos cedido à

tentação de “ser como Deus”.

Page 50: Crucifixo - Cópia

Seremos outros cristos não se acontecerem em nossa vida situações

semelhantes às dele, mas na medida em que refletirmos a beleza que

Deus continua a ver em tudo, porque continua a ser Criador.

Nosso Crucifixo é um livro de Teologia e um livro de Oração. Mas

entendendo teologia como no Oriente: não o estudo sobre Deus, mas a

vida em Deus.

Page 51: Crucifixo - Cópia

2 Teologia da Luz

Um ícone, como é o Crucifixo de São Damião, só pode ser entendido e

apreciado na visão da “Teologia da Luz”, da Igreja Oriental.

Em primeiro lugar, “teologia”, aqui, não fala de um estudo de Deus. É

uma experiência, uma vivência de Deus.

Para essa teologia, tanto quanto podemos dizer que “Deus é Amor” e que

“Deus é Santo”, podemos dizer que “Deus é Luz”.

A sua santidade, então, comunica-se como a Luz. Santa é uma pessoa

que se tornou iluminada pela Luz-Santidade de Deus.

Page 52: Crucifixo - Cópia
Page 53: Crucifixo - Cópia
Page 54: Crucifixo - Cópia

Quando contou a história da criação, a Bíblia foi dizendo que “Deus viu que

era bom”. O texto grego da Bíblia diz que tudo era “kalón”: não só bom,

mas também bonito. Deus estava mostrando que tudo é como Ele: cheio de

bondade e resplandecente de beleza.

Um santo escreveu que o Reino de Deus é quando todas as belezas

chegam à Beleza perfeita. Um escritor famoso também disse que o Espírito

Santo é a captação direta da beleza.

Por isso o Espírito Santo, que é a alegria eterna, em quem o Pai e o Filho

se comprazem, incendeia os nossos corações para dizermos com Jesus:

“Venha a nós o vosso reino”.

É assim que se abrem os nossos “olhos do Espírito”, como dizia São

Francisco, para contemplarmos toda a Beleza à luz da eternidade. Essa é a

verdade de Jesus transfigurado.

Page 55: Crucifixo - Cópia

Observe-se que o fundo do Cristo da

Ascensão é vermelho, o fundo do

quadro dos santos é dourado, e o

fundo do Crucificado é negro.

Page 56: Crucifixo - Cópia

Podemos falar em Teologia da Luz ou em Teologia da Beleza. Mas, como

se trata da Beleza de Deus, pode ser que não a entendamos bem.

Estamos acostumados a olhar outras coisas e outras belezas, sem ver

Deus.

O grande destaque do Crucificado de São Damião são os seus enormes

olhos. São grandes, brancos, e têm linhas pretas e vermelhas acima e

abaixo para se destacarem mais.

São olhos de amor, de paz, que se dirigem para todos, mesmo os que es-

tão longe, oferecendo a luz de Deus.

Page 57: Crucifixo - Cópia

1). Deus Santo, Deus Luz

A palavra ícone vem do grego êikon, que quer dizer imagem. Como tal, é uma

representação. Mas não é como as nossas estátuas ou quadros, porque o

ícone já é feito como uma experiência da Luz da santidade, que, depois, é

transmitida.

Na visão da Igreja Oriental, teologia é viver Deus. E viver Deus é partilhar da

santidade da Trindade. Para poder falar dessa santidade, que é in-exprimível,

usam o símbolo da Luz.

Todo ícone apresenta um santo ou outro mistério sagrado. Um santo é uma

pessoa iluminada por Deus e, por isso mesmo, luminosa: transmite luz. Para

que haja um ícone, é necessária a intervenção de um iconógrafo (um pintor de

ícones) que, na contemplação, acolhe a Luz de Deus que passou pouco a

pouco para o santo. Como conseqüência, o iconógrafo também se torna

luminoso. Então, passa para uma tábua a Luz de Deus, que recebeu do santo.

E a tábua, o ícone, vai ser uma lâmpada, um sol, capaz de transmitir santidade

de Deus para quem se expõe à sua luz.

Por tudo isso, o santo não é representado como se estivesse vivendo na terra

e no seu tempo, como nós costumamos fazer. Ele é representado na glória de

Deus, onde já recebeu toda a sua Luz.

O ícone não é uma comunicação dirigida à mente: é uma palavra de vida que

passa de coração para coração. Do coração de Deus até o nosso.

Page 58: Crucifixo - Cópia

Outro detalhe importante: além de não ter sombras, o ícone não tem

sinais de movimento, porque todo o seu movimento é interior: a

santificação progressiva. Isso é expresso pela luz interior e por figuras

geométricas muito equilibradas, que só poderemos observar se nos

detivermos com atenção.

Mas não são feitas para observar: só para transmitirem um sentimento.

Isto é muito importante: diferentemente dos nossos quadros e imagens,

os ícones não são feitos para ficarmos olhando: são eles que olham para

nós e nos iluminam.

Por isso mesmo, ainda que os detalhes de cores e símbolos sejam bem

caprichados, não têm nenhuma intenção de serem “perfeitos” ou

realistas como detalhes.

Page 59: Crucifixo - Cópia

Para dar exemplo de alguns detalhes estabelecidos: a figura de Jesus

costuma ter uma auréola dividida por uma cruz. Um dos quatro braços

nunca é visto, porque fica por trás da cabeça; nos outros três

costumam ser postas três letras gregas: um ómicron, um omega e um

ny: hó On, Aquele que é.

As Nossas Senhoras costumam ser distinguidas por três estrelas:

uma da cabeça e duas nos ombros. Essas últimas duas nem sempre

ficam visíveis.

Também pode haver inscrições. A maioria em grego, muitas em russo.

O Crucifixo de São Damião tem inscrições em latim.

Quando o iconógrafo acha que sua parte está terminada, avisa os

sacerdotes. Eles virão, muitas vezes acompanhados pelo povo, para

benzer o ícone e para transportá-lo para a igreja ou para uma casa. A

liturgia da Igreja Oriental não pode ser celebrada sem ícones.

Page 60: Crucifixo - Cópia

3. Ícones

Além dos aspectos que já expusemos acima, há outros importantes que

devem ser considerados.

Com a visão que demos do iconógrafo, de sua contemplação e de seu

trabalho, é claro que não teria cabimento alguém comprar um ícone numa

loja de objetos religiosos.

Um fiel não vai orar diante do ícone como nós oramos. Ele nem tenta “falar”

com o ícone ou pedir uma intercessão. É o ícone que olha para ele e que

“fala” com ele. Como? Dando-lhe um banho de luz. Transformado, ele vai

crescer no bem.

Não é pelo toque que o ícone transmite sua força; é pela luz.

Page 61: Crucifixo - Cópia

É provável que nossos olhos ocidentais se voltem para os ícones mais

estudando-os do que sentindo-os. Damos, então, mais algumas explicações

“ocidentais” que nos ajudem a apreciar o ícone de São Damião.

1. Embora tenha muitas coisas em comum com os ícones bizantinos (de Bizâncio,

a antiga Constantinopla, hoje Istambul) o ícone de São Damião tem claras

conotações de uma origem siríaca. Monges sírios devem ter vivido na região, por

onde sempre passaram muitos estrangeiros. Mas também é românico, porque dá

para ver que o iconógrafo tinha assimilado características da pintura local, se não

foi mesmo um italiano.

2. É evidente que estamos diante de um Crucificado siríaco; Ele não está morto

na cruz. Ressuscitou, venceu a morte. Tem os olhos abertos, não tem coroa de

espinhos e sua posição é serena, mas, triunfante. Na mentalidade siríaca isso é

bem expresso pelo fato de Jesus estar, ao mesmo tempo, numa cruz e em um

caixão de defuntos (fundo preto), mas sem tampa.

3. É fundamental a inscrição “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”, porque todos os

detalhes são pintados na perspectiva do Evangelho de São João, que apresenta

Jesus como a Luz.

4. A inscrição em latim e diversos outros pontos demonstram que o Crucifixo foi

feito na Itália, e na cidade de Assis.

Isto é por enquanto. Vamos fazer muitas outras observações quando estivermos

conhecendo o Cristo de São Damião por partes.

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3. Olhos que iluminam

Outra perspectiva. É o ícone que olha para nós. É Deus quem nos santifica. De

fato, Jesus é “o vidente, o único que vê o Pai” (Jo 6,46), porque está “voltado

para Ele” (Jo, 1,18).

Ao mesmo tempo em que nos enxerga com amor refletidos no Pai, ele quer

compartilhar conosco a sua visão divina. Ou quer abrir nossos olhos para que

enxerguem o mundo, as pessoas, tudo como Deus vê, porque, quando

“quisemos ser como Deus”, perdemos essa capacidade.

São Francisco, em sua Primeira Admoestação, fala-nos de enxergar com os

“olhos do espírito” a presença de Jesus na Eucaristia. Foi com os olhos do

espírito, certamente iluminados pelo seu Crucifixo, que Francisco e Clara

sempre viram Deus. É impressionante que usem só imagens visuais sempre

que falam em Deus.

A linguagem luminosa dos ícones não sugere idéias. Detona a transformação.

Podíamos aprender a viver como um iconógrafo. Contemplando toda presença

de luz de Deus que já chegou não só aos santos e santas, como aos mistérios

celestes, mas também todo sinal de luz que descobrimos nas pessoas, nos

acontecimentos e nas coisas deste mundo.

Podíamos lembrar também que toda luz que entra está desencadeando um

processo. Se resistirmos, vamos nos embotar. Se nos abrirmos, virão novas

luzes. Nós precisamos da Luz e temos que passá-la adiante.

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Um primeiro passo é esquecer o próprio eu, percebendo que o verdadeiro

centro de tudo é Deus. Para nós, já é demais sermos filhos queridos do

Senhor Altíssimo, que se fez pequeno.

Depois, uma das primeiras iluminações do coração de Francisco deve ter

sido a capacidade de ver, lá dentro, que Deus é o sumo Bem, todo o Bem,

que só Ele é bom e que não existe nada de bom fora dele. Esse veio a ser

um ponto básico da espiritualidade de São Francisco e de seus seguidores.

Quando, no fim de sua vida, chegou à maior união com o Crucificado

recebendo suas chagas, Francisco expressou-o ardorosamente na oração

que escreveu para Frei Leão:

Page 64: Crucifixo - Cópia

Vós sois santo, Senhor Deus único,

que fazeis maravilhas.

Vós sois forte, vós sois grande,

vós sois altíssimo,

vós sois rei onipotente,

vós Pai Santo, rei do céu e da terra.

Vós sois trino e uno,

Senhor Deus dos deuses,

vós sois o bem, todo bem, o sumo bem,

Senhor Deus vivo e verdadeiro.

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Vós sois amor, caridade;

vós sois sabedoria, vós sois humildade,

vós sois paciência,

vós sois beleza, vós sois mansidão,

vós sois se­gurança, vós sois descanso,

vós sois gozo,

vós sois nossa esperança e alegria,

vós sois justiça, vós sois temperança,

vós sois toda nossa riqueza e satisfação.

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Os ícones falam ao coração. A grande diferença é que as palavras à

mente definem. E as palavras ao coração, não definindo, abrem os

horizontes.

As palavras à mente convencem. As palavras ao coração, movem.

Essa é uma tremenda experiência de Deus, que o levaria a exclamar:

“Quem sois Vós, Senhor? e quem sou eu?”.

A Oração diante do Crucifixo de São Damião é a primeira que

conhecemos do nosso santo. A última deve ser o Cântico de Frei Sol.

Na primeira, ele era jovem e se sentiu escuro no interior. Na última,

cego, doente, em fim de vida e em tempo de inverno, sua oração já era

toda luz, luz interior. Em suas outras orações é possível notar como a

sua Luz foi crescendo.

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Vós sois beleza, vós sois mansidão,

vós sois protetor,

vós sois guarda e defen­sor nosso;

vós sois fortaleza, vós sois refrigério.

Vós sois nossa esperança,

vós sois nossa fé,

vós sois nossa caridade,

vós sois toda doçura nossa,

vós sois nossa vida eterna:

Grande e admirável Senhor,

Deus onipotente,

mi­sericordioso Salvador.

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4 Sangue Redentor

Nós continuamos a celebrar, todos os dias e em todos os lugares, a Morte de

Jesus como porta da nossa Vida. Foi o seu sangue redentor que nos mereceu a

salvação.

Nossos Crucifixos comuns costumam apresentar Jesus Cristo morto depois de

intensos sofrimentos, com o corpo coberto de sangue.

No Crucifixo de Francisco e Clara há o mínimo de Sangue: é o que brota das

chagas e nos liberta da opção de querermos ser deuses. É um sangue que se

derrama sobre todos, até sobre Nossa Senhora e os Anjos, porque todos

precisamos dele, nós que temos uma vida alimentada por seu Corpo e seu

Sangue.

O Evangelho recorda que, ao pé da Cruz, os sacerdotes clamavam: “Que o teu

sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos!”. Estavam proferindo uma maldição,

mas Jesus transformou-a numa bênção.

Forma de vida, o sangue redentor pagou pelos nossos pecados e abriu as portas

de um Reino novo: um convite a todos os povos e o prelúdio da eternidade.

Dos pés feridos de Jesus escorre o sangue sobre diversos santos, não

identificáveis porque esmaecidos pelo tempo. Do peito, parece cair só sobre São

João.

Chamamos a atenção para o fato de que, no ícone de São Damião, o sangue

brota sempre como uma flor, que traz vida para o mundo. É um sangue que já não

martiriza o Crucificado; enaltece o Ressuscitado.

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1. Sangue da Vida

Na linguagem hebraica da Bíblia, o sangue é a sede da vida. Um corpo sem sangue

é um corpo morto. Porque o sangue é a vida, e esta pertence a Deus, Ele vinga o

sangue inocente.

Beber o sangue seria destruir a vida. Os prodígios com intervenção de sangue

anunciavam a vingança divina. Se os próprios judeus derramavam sangue de

vítimas junto ao altar é porque queriam significar que toda vida volta a Deus.

Por isso, foi um escândalo para os contemporâneos ouvirem Jesus dizer:

“Eu garanto a vocês: se vocês não comem a carne do Filho do Homem e não

bebem o seu sangue não terão a vida em vocês. Quem come a minha carne e bebe

o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha

carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a

minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu vivo nele (Jo 6,53-56)

A custo os cristãos conseguiram libertar-se do modo antigo de conceber o sangue.

Por que o sangue de Cristo transmitiria vida?

Mas o fundamento do que Jesus estava dizendo era sólido. Só a novidade era tão

grande que custou a ser assimilada. E ainda custa.

Se o sangue humano transmite vida humana, o sangue de Deus feito homem

transmite vida divina.

Vamos refletir melhor. Todas as culturas e todas as religiões sempre expressaram a

necessidade que temos de expiação e reparação. E, por isso, também falaram em

redenção.

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Nós vivemos cometendo enganos, leves ou mesmo graves. Muitas vezes,

desobedecemos às mesmas leis que criamos. Se nos sentimos na

obrigação de pedir desculpas às outras pessoas quando as desrespeitamos

ou ofendemos, mesmo que tenha sido “sem querer”, sabemos que algumas

falhas são muito maiores e, então, temos que pedir perdão a Deus.

Todos os povos sempre tiveram noção de culpa e de pecado, muitas vezes

de modo até exagerado.

De maneira geral, culpa é o sentimento de responsabilidade pelo erro.

Pecado é quando o erro foi contra Deus. Expiação é a nossa disposição de

voltar às boas. Reparação é o que fazemos para compensar pelo que foi

mal feito.

Redenção é uma palavra interessante. Vem do latim re+emere. Ao pé da

letra quer dizer “comprar de novo”, isto é, pagar para voltar a ser livre.

Esses conceitos sempre foram correntes em todas as culturas. A novidade

da Boa Nova de Jesus é que, para fazer tudo isso, ele nos ofereceu a

participação na vida divina, aquela grande finalidade para a qual fomos

criados e que seria nossa se não tivéssemos querido “ser como deuses”.

Os crucifixos comuns derramam sangue para nos comover mostrando

como Jesus sofreu por nós. No crucifixo de São Damião, o sangue é

derramado por um Cristo glorioso só para demonstrar que, graças a esse

sangue, nós ganhamos a vida divina.

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2. Cruz da Salvação

A própria cruz — duas retas que se atravessam — é símbolo de contradição, de

oposição, sinal de morte e sinal de salvação.

Comecemos com a contradição. A cruz é símbolo de que Deus veio para subverter

todo o mundo que nós tínhamos edificado. É bastante conhecido o texto de 1Cor

1,22-23:

Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém,

anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos.

Um pouco antes, lemos também o seguinte:

A linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem. Mas, para aqueles que

se salvam, para nós, é poder de Deus. Pois a Escritura diz: “Destruirei a sabedoria

dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes” (1Cor 1,18-19).

Jesus se coloca em total oposição à nossa sabedoria, a dos que “quiseram ser

como Deus”. É bom lembrar que, quando ele foi apresentado no templo, Simeão

disse a Maria:

Eis que este menino vai ser causa de queda e elevação de muitos em Israel. Ele

será um sinal de contradição (Lc 2, 34).

A cruz também é um símbolo muito anterior e muito mais amplo do que o

cristianismo: as duas linhas que se cortam podem ser um dos sinais mais claros da

“lei dos opostos”, que rege tantas manifestações da natureza. Essa situação indica

que sempre há tensão no que vivemos e que sempre há o risco de reduzirmos a

tensão fugindo ou nos omitindo. Mas a nossa vida cresce quando sabemos usar os

pólos opostos para construir o equilíbrio. Tanto o equilíbrio interior quanto o exterior,

de que necessitamos.

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De certa forma, a cruz é o contrário da Trindade, porque a Trindade une

num ciclo sem fim, enquanto a cruz corta e separa porque considera as

forças opostas. Mas a cruz também equilibra as forças opostas e nos

permite entrar no ciclo da Trindade.

A cruz sempre foi um sinal fácil de fazer, porque basta traçar duas retas em

sentido oposto. Talvez seja por isso que a usaram para pregar um

condenado de braços abertos, inventando um instrumento de suplício e de

morte.

Mas foi aí que Jesus, que veio para nos arrancar da morte, transformou a

cruz em sinal da vida.

São Francisco, que teve uma profunda consciência disso, ensinou desde o

começo os seus seguidores a rezarem uma oração que ele mesmo

apresenta no seu Testamento, e que também é relatada por seus biógrafos:

“Quando encontravam alguma igreja ou cruz, ajoelhavam-se para rezar e

devotamente diziam: “Nós te adoramos, ó Cristo, e te bendizemos, em

todas as tuas igrejas que estão no mundo inteiro, porque pela tua santa

cruz remiste o mundo” (LTC 37).

O que ele queria era identificar-se com o Jesus que morreu na cruz

obedecendo à vontade do Pai. Queria “seguir os vestígios de Jesus pobre e

crucificado”. Entre outras coisas, compôs o Ofício da Paixão, que rezava

todos os dias.

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1). A luz que vem de dentro

O Livro do Apocalipse, a revelação, descreve, no cap. 21, como vão ser o

novo céu e a nova terra. Fala de uma cidade toda construída de símbolos.

Entre outras coisas, afirma:

“Templo não vi nenhum na cidade, pois, o Senhor Deus, o Todo Poderoso e o

Cordeiro são o seu templo. E a cidade tão pouco necessita de sol nem de lua

para a iluminar, pois a glória de Deus a ilumina e a sua lâmpada é o

Cordeiro” (Ap 21,22-23).

Uma característica dos ícones é que não fazem nenhum jogo de luz e

sombras, porque a luz não tem uma fonte exterior, como o sol, o fogo ou uma

lâmpada, mas sai da interioridade da pessoa, onde Deus habita. Nesse

ponto, o crucifixo de São Damião é um exemplar excelente, porque toda a luz

sai do Cristo ressuscitado que está na cruz.

Diante dele, São Francisco ficou tão tocado pela percepção dessa realidade,

que respondeu com a oração em que pede a luz para o seu coração. Depois

disso, toda a sua vida foi o crescimento da iluminação, ele teve uma

veneração especial pelo sol e pelo fogo, como símbolos de Deus-Luz e,

sempre falou de Deus através de símbolos visuais e, no fim, teve a

inspiração do Cântico de Frei Sol, em que, embora estivesse no fim da vida e

cego, deu uma amostra de toda a luz que brilhava em seu coração.

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Para expressar melhor essa Luz de Deus que vem de dentro dos santos,

juntamos alguns textos significativos de São Gregório Palamas, muito

venerado no Oriente, quando fala da Transfiguração:

“Deus é chamado de Luz não segundo a sua Essência mas, segundo a sua

Energia. A luz que iluminou os apóstolos não era algo sensível mas, por outro

lado, é igualmente errado ver nela uma realidade inteligível, que só seria

chamada de “luz” metaforicamente.

A Luz divina não é nem material nem espiritual, porque transcende a ordem

da criação e é “o esplendor inefável de uma natureza em três hipóstases”.

A Luz da Transfiguração do Senhor não teve nem começo nem fim;

permaneceu incircunscrita (no tempo e no espaço) e imperceptível para os

sentidos, ainda que tenha sido contemplada por olhos humanos... mas, por

uma transmutação de seus sentidos, os discípulos do Senhor passaram da

carne para o Espírito”.

É uma esclarecedora explicação para entender um dos trechos mais

inspirados de São Francisco, aquele em que fala da Eucaristia na sua

Admoestação 1.

É evidente que o que estamos dizendo enche-nos de admiração. Mas, o mais

importante é termos uma consciência cada vez mais nítida da luz que nos

está tornando luminosos.

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2. O que é o céu?

São Francisco, no seu Comentário ao Pai-nosso, explica as palavras: “que

estais no céu”:

“... nos anjos e nos santos, iluminando-os para o conhecimento, porque Vós,

Senhor, sois Luz; inflamando-os para o amor, porque Vós, Senhor, sois Amor;

morando neles e plenificando-os para a bem-aventurança, porque Vós, Senhor,

sois o sumo Bem, eterno, do qual vem todo bem, sem o qual não há nenhum

bem”.

Nessa visão, não somos nós que estamos no céu, mas é o céu que mora em

nós.

No ícone de São Damião, o céu é meio livro, um quadrado cortado pela

metade: já ouvimos falar dele o que sabemos por Jesus, mas ainda falta muito

para descobrirmos. Não nos foi dado o livro inteiro.

Contrasta com o mundo dos santos conhecidos, que ocupa um livro completo,

em que os corpos estão inteiros. O importante é que Deus já está em nós, só

que ainda estamos procurando avaliar sua plenitude, abrindo-nos cada vez

mais para ela. Por isso, Francisco pediu para ser iluminado.

Na imaginação popular, o céu é um ambiente fechado, com altos muros e uma

porta vigiada por São Pedro. Só os bons entram lá. Pensa-se em um lugar de

recompensas, de pra-zer, de alegria de reencontros, da segurança de que o

bem nunca mais vai terminar. O importante é pensar que, depois da morte,

“Deus vai ser tudo em todos” e, por isso, estaremos na plenitude da Vida.

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3). O que é um santo?

No Crucifixo de São Damião, são apresentados dez santos no céu: cinco de cada

lado de Jesus. Dez é um número simbólico representando a totalidade. Podemos

pensar tanto na totalidade de dedos nas mãos e nos pés como na soma dos

números mais importantes: 1+2+3+4=10. Jesus fala em dez virgens convidadas para

o casamento e em dez moedas que uma mulher festejou quando readquiriu a

totalidade. Os dez santos representam todas as pessoas que estão no céu. O fato

de serem todos parecidos também pode indicar que, na vida eterna, seremos todos

irmãos porque Deus será tudo em todos.

É bom recordar que nossas crenças religiosas são, freqüentemente, uma salada

cultural das religiões dos mais diversos povos que estão em nossas raízes. Ora,

todas as culturas sempre tiveram santos e pecadores, recompensas e castigos,

principalmente porque precisavam manter a ordem de seu povo. De alguma forma,

os que agiam corretamente eram os “santos” e os que não procediam bem eram os

“pecadores”. Para os primeiros, Deus era bondoso, para os segundos era

carrancudo e severo. A sociedade de hoje não fala mais em santos e pecadores,

mas também tem os seus tabus.

Temos bastante dificuldade para distinguir tudo isso da proposta evangélica segundo

a qual só Deus é Santo. Santas são as pessoas que se abrem para viver a sua

santidade. A santidade vai ser plenitude só quando estivermos na situação definitiva.

E não será preciso que nos classifiquem como santos.

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Ser santo não é ser sobre-humano, sem defeitos, multiplicando

milagres, sendo um bom intercessor. É justamente realizar o que

somos. Ter um eu verdadeiro (aquele que Deus conhece), viver a

dimensão do corpo tanto quanto a da alma.

O fundamental é ir vivendo o processo de transformação. Nesta

terra, sempre teremos falhas, mas elas são um elemento muito

positivo para ajudarmos o processo vendo o que nos falta e

deixando a luz de Deus entrar. Entrar e passar: ela vem de Deus

através de todas as pessoas e de todas as criaturas e tem que ser

passada adiante por cada um de nós.

Quando a Igreja canoniza um santo, o que está fazendo é proclamar

que essa pessoa, apesar dos defeitos que possa ter tido e das

falhas que possa ter cometido, está agora na luz plena de Deus e

pode ser olhada com toda confiança como um exemplo, por nós,

que ainda estamos no processo de nos abrirmos para Deus que

quer trazer todo o Bem para nós.

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