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28/11/2017 Cristãs contrariam suas religiões para defender a legalização do aborto - Jornal O Globo
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Cristãscontrariam
suasreligiões
paradefender
alegalização
doaborto
Católicas eevangélicas semobilizam em
grupos contra PEC181
POR PAULA FERREIRA
25/11/2017 4:30 / atualizado 27/11/2017 10:05
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Camila Mantovani, que criou a Frente Evangelica pela Legalizaçãodo Aborto - Leo Martins / Agência O Globo
RIO- Uma interpretação de uma passagem do livro
Êxodo, na Bíblia, virou uma ferramenta na luta de
Camila Mantovani, 22 anos, frequentadora da
Igreja Batista do Caminho, em Niterói, para
defender a descriminalização do aborto. O Livro
Sagrado, geralmente usado para defender o
contrário, virou fonte de argumentos para religiosas
como ela, que lutam pela liberação do aborto sem se
afastar de suas denominações. Camila é uma das
mulheres que criou há dois meses a Frente
Evangélica pela Legalização do Aborto, com cerca
de 30 integrantes no Rio. Ela segue o caminho das
Católicas pelo Direito de Decidir. São mulheres que
tentam convencer membros de suas denominações
de que defender a vida pode significar garantir o
acesso das mulheres a procedimentos legais e
seguros para a interrupção da gravidez. A presença
desses grupos chamou a atenção nos últimos
protestos contra a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 181, que pode criminalizar a
interrupção da gravidez nos casos já previstos em
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Polêmica gerada pormenção antiabortoinviabiliza objetivo originalda PEC 181
lei: estupro, risco à vida da mãe e bebês com
anencefalia.
— Algo que tem
funcionado para
conseguir apoio nessa
pauta é trabalhar com
dados. Mostrar porque
a criminalização não
funcionou e explicar
que defender a
legalização é diferente
de defender a prática.
Resgatamos alguns
trechos da Bíblia, como uma do Êxodo (capitulo 21,
versículos 22 e 23), no qual fica claro que a vida da
mulher está muito acima da do feto, quando diz que
a vida dela deve ser paga com outra. Enquanto no
caso da perda do feto, o agressor deveria ser
“multado”. Temos na Bíblia um exemplo do quanto
a vida da mulher vale mais do que a de um embrião
— argumenta Camila, estudante de licenciatura em
educação, na Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ), que sofreu violência sexual aos 12
anos.
A PEC 181 foi, inicialmente, criada para estender a
licença-maternidade de mães com bebês
prematuros, mas uma alteração no texto, feita por
deputados da bancada religiosa, propõe incluir na
Constituição a proteção da vida “desde a
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concepção”. Na prática, isso resultaria numa
proibição total ao aborto.
Rosângela Talib, coordenadora do Católicas pelo Direito de Decidir- Divulgação
— Essa mudança é um escárnio com a vida, e com o
próprio cristianismo. O argumento é muito simples:
enquanto cristãos, a defesa da vida tem que estar
em primeiro lugar. Se prezamos pela vida, temos de
garantir que as mulheres não sejam mortas —
defende Camila, que milita no PSOL, partido autor
de uma ação no Supremo Tribunal Federal que pede
a liberação do aborto até a 12ª semana de gestação.
— A criminalização não impede que os abortos
aconteçam e assassina as mulheres que o praticam.
Ser a favor da legislação atual é uma contradição
com a sacralização da vida. Precisamos de uma
redução de danos, de um sistema que mate menos
pessoas. Por isso argumentamos pela legalização.
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Há dois meses, Camila se mobilizou com outras fiéis
para criar a Frente Evangélica pela Legalização do
Aborto, mas a iniciativa foi combatida por radicais
da trincheira oposta desde o primeiro encontro.
Antes da chegada das participantes, o espaço
escolhido para o encontro teve as paredes pichadas
com versículos bíblicos e frases que associavam as
evangélicas a favor da legalização a figuras satânicas
presentes no Livro Sagrado.
DISTÂNCIA ENTRE DENOMINAÇÕES E
FIÉIS
Boa parte das religiões considera a existência da
vida desde o momento da fecundação. Interromper
o processo seria um pecado, um atentado à vida.
Mas, apesar desse dogma, Camila acredita que a
opinião de grande parte dos fiéis é bem diferente.
Uma enquete organizada na internet pelo grupo
dela sobre a possibilidade de articular um
movimento nacional de religiosas em prol da
legalização teve o interesse de 17 mil mulheres em
vários estados do país.
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A distância entre o que defendem a Igreja Católica,
denominações evangélicas e deputados da bancada
religiosa no Congresso e o que realmente pensam
seguidores dessas religiões apareceu em uma
pesquisa realizada pelo Ibope, neste ano, a pedido
do grupo Católicas pelo Direito de Decidir —
organização criada em 1993 e que tem como pauta
central a legalização do aborto. A pesquisa
entrevistou pessoas acima de 16 anos em 143
municípios do Brasil e chegou à conclusão de que
65% dos católicos e 58% dos evangélicos
consideram que a decisão a respeito da interrupção
da gestação deve ser da mulher.
— A Igreja considera o aborto um pecado mortal,
que prevê a expulsão da fiel. Mas nós trabalhamos
com a ideia de que direitos sexuais e reprodutivos
são direitos humanos, não devem ser contestados —
afirma Rosângela Talib, uma das coordenadoras do
grupo de católicas pró-aborto. — Na doutrina
católica há a teoria do probabilismo que diz que, em
questões morais difíceis e quando não há uma
posição única dentro da Igreja, a despeito de a
hierarquia defender que o aborto é um crime, o fiel
deve escolher que decisão tomar. Baseadas nessa
doutrina, defendemos o direitos das mulheres de
decidirem pela interrupção da gravidez.
Procurada pelo GLOBO, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) discorda. Em nota,
defendeu que “desde quando o óvulo é fecundado,
encontra-se inaugurada uma nova vida, que não é
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nem a do pai, nem a da mãe, mas a de um novo ser
humano”. Devido a isso, condena “todas e
quaisquer iniciativas que pretendam legalizar o
aborto no Brasil.”
Em novembro do ano passado, o Papa Francisco
chegou a ser alvo de conservadores por ter
autorizado padres a perdoarem fiéis que tenham
cometido o aborto. Antes, apenas os bispos tinham
esse poder. Mesmo assim, quando anunciou a
medida, o Pontífice ressaltou que o aborto é “um
pecado grave, uma vez que põe fim à vida de um
inocente”.
Questionada se, em uma realidade como essa, faz
sentido o canto feminista ouvido em manifestações
pró-aborto “se o Papa fosse mulher, o aborto seria
legal”, Rosângela admite:
— Temos uma Igreja patriarcal. Não há
representação feminina nos altos escalões, apesar
de mulheres serem a maioria nas igrejas. Devido a
isso, há dificuldade de pensar questões relacionadas
à vida das mulheres. Na Anunciação de Jesus,
Maria diz “eu aceito”. Até ela foi consultada.
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