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Crises e Oportunidades REFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS , JANEIRO 2004 PUBLICADO POR

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Page 1: Crises e Oportunidades - VIVA Trust · 2009-10-26 · Criatividade e inovação em um tempo de crise por Gerardo Ourracariet, ... junto com as Representações da AVINA, vivi o começo

Crises e OportunidadesREFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS

, JANEIRO 2004PUBLICADO POR

Portada 12/2/04, 1:13 PM1

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Conteúdo

Pg.

PrefácioPeter Fuchs,por Presidente VIVA ....................................................................... 5

O fator humano na gênese e na solução das crisespor Stephan Schmidheiny ......................................................... 7

Os caminhos abertos da América Latinapor Julio Moura,Presidente GrupoNueva ........................................................... 11

A crise e o um por centopor Brizio Biondi-Morra,Presidente AVINA .................................................................... 14

AMANCO Argentina:Criatividade e inovação em um tempo de crisepor Gerardo Ourracariet,Gerente Geral da AMANCO Argentina ..................................... 17

Entrevista com Gerardo Ourracariet,Gerente Geral da AMANCO Argentinapor Sibylle Feltrin .................................................................... 20

E o navio zarpa...lembranças de uma crise; AVINA Argentinapor Sibylle Feltrin ..................................................................... 26

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PrefacioPOR PETER FUCHS / PRESIDENTE VIVA

Quando eu trabalhava como representante do Comitê Internacional da Cruz Vermelha nas regiõesem estado de guerra na Nicarágua e em El Salvador, éramos obrigados a enfrentar a presença constanteda crise.

Na Argentina, junto com as Representações da AVINA, vivi o começo da grande crise e a mutaçãode uma situação normal para uma de tumultos, incertezas e insegurança.

Finalmente, em uma visita recente à AMANCO Argentina, fiquei sabendo de que maneira aempresa havia superado a crise.

Desde que conheço a América Latina, o continente nunca esteve imune a crises e, ao que parece,tampouco estará livre delas num futuro previsível. O GrupoNueva, a AVINA e VIVA sempre viverãosob o perigo da crise. Por isso, acredito que vale a pena refletir sobre o assunto, analisar se em todacrise também não se esconde umaoportunidade e se é possível aprender com as experiências dopassado.

A palavra “crise” provém do grego “krísis” e significa “escolha” ou “decisão”. Ou seja, se referea uma questão comum na qual, de repente, aparece uma encruzilhada e somos obrigados a escolherum caminho. No século XVI, os médicos introduziram a palavra no seu vocabulário para descrever omomento crítico de uma doença, da qual o paciente morreria ou se recuperaria e sobreviveria. Maistarde, a palavra foi incorporada ao vocabulário comum para descrever uma situação difícil, perigosa.

A idéia inicial para este folheto “Crises e Oportunidades, Reflexões e Experiências” estáprovavelmente enraizada no significado original da palavra “crise”, no sentido de “momento dediscernir e decidir”. O ser humano se inclina à inércia, à acomodação. Enquanto tudo está funcionandomais ou menos bem, se acomoda sem ambicionar grandes mudanças e prefere uma rotina tranqüila.Nessas circunstâncias, não se vê obrigado a inovar, nem a buscar uma adaptação permanente. Noentanto, nesse agradável estado de tranqüilidade não é possível produzir avanços extraordináriosporque não são demandados esforços criativos. Em muitos casos, não reconhecemos os primeirossinais de uma crise – ou os relegamos – para não perturbar nossa tranqüilidade. Porém, por trás dessacalma, a crise continua se desenvolvendo e acaba caindo sobre nossas cabeças com grande estrondo.

A partir daí, somente restam duas escolhas: sujeitarmo-nos à inércia, lamentando nosso tristedestino como vítimas da crise; ou, mobilizarmo-nos, mudarmos, sermos criativos para tomar decisões.Ao escolher a segunda opção, a inércia é superada; novas e provavelmente melhores soluções – nãovislumbradas pela grande acomodação dos dias de tranqüilidade – com certeza serão encontradas.Dessa maneira, a incerteza da crise é transformada em oportunidade. São nesses momentos decisivosque se manifesta o verdadeiro vigor operativo de uma empresa ou a aprovação social de uma organizaçãofilantrópica.

Por esse motivo, VIVA se valeu da oportunidade da crise na Argentina para convidar vários personagensimportantes para contar suas experiências e compartilhar suas reflexões sobre as crises e as oportunidadesgeradas por elas.

Seria uma grande satisfação se isso nos ajudasse a estar mais conscientes das crises que nosrodeiam, evitar a acomodação e inspirar uma criatividade constante e não apenas em tempos de crise.Essa seria a melhor contribuição que o GrupoNueva e a AVINA poderiam oferecer a VIVA.

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O fator humano na gênese e na solução das crisesPOR STEPHAN SCHMIDHEINY

A história ensina que as coisas nunca são tão boascomo acreditamos nos períodos de otimismo eeuforia, mas, ao mesmo tempo, raras vezes se

tornam ou permanecem tão negativas como vistasdo fundo do poço de uma crise.

Desde o começo do séculoXVI, quando os conquista-dores espanhóis descobriraminesgotáveis minas de ouro emsuas terras, a América Latinaé um continente de sonhosa p a i x o n a d o s , p e r s p e c t i v a sauspiciosas e oportunidadesrealmente incomuns. Ao mesmotempo, guerras e conflitos detoda espécie, má administraçãopolítica e econômica, desastresnaturais e ciclos econômicosfazem da crise uma característica onipresente navida e na civilização da América Latina. Portanto,os últimos cinco séculos de história deste extensocontinente traduzem uma seqüência interminávelde sobressaltos, fazendo-o flutuar entre extremosde crises e oportunidades.

As duas décadas passadas novamentemostraram o modelo acentuado de ciclos quecaracteriza o desenvolvimento da América Latina.Depois da década perdida – os anos 80 – e doesgotamento do império soviético, uma nova ondade otimismo e esperança atravessou o continen-te. Os mercados foram abertos, a ingerência dosgovernos diminuiu, os regimes autoritários forambanidos e o processo de participação democráticasaiu fortalecido.

Na década de 90, a América Latina pareciabrilhar sob os holofotes de oportunidades quaseilimitadas. No Hemisfério Norte, a bolha daI n t e r n e t s e i n f l a v a p r o d u z i n d o s o m a sextraordinárias de capital novo, e dela brotavaminvestidores com ousadia suficiente para canalizarrecursos de centenas de bilhões de dólares àseconomias latino-americanas. Os lucros erampromissores e os riscos quase nulos, pois,finalmente, os jovens países do continentepareciam haver amadurecido e começavam a secomportar como jovens adultos.

Fazendo uma retrospectiva, tudo aquilorepresentou uma falsa esperança. Por uma série

de razões, algumas nascidas alimesmo e outras forjadas emoutros países, muitas naçõeslatino-americanas não foramc a p a z e s d e s u s t e n t a r ocrescimento positivo da déca-da de 90 e algumas, semsombra de dúvida, amargaramum retrocesso.

Entregue a uma campanhamaciça de privatização dasempresas estatais e de utilidadepública, a Argentina era vista

como um modelo exemplar da nova eraeconômica. Incentivado pelo FMI, o governodeterminou a paridade da moeda nacional com odólar norte-americano e – apesar de continuarexistindo uma margem considerável entre as taxasde juros – supostamente eliminou a insegurançaem relação ao câmbio de moedas. O resultado nãopoderia ser outro: investidores internacionais detoda espécie fizeram investimentos e empréstimosde forma quase ilimitada. Apenas uma parte doabundante fluxo de capitais foi utilizada paramelhorar a qualidade da infra-estrutura e acompetitividade do parque produtivo do país.Com toda possibilidade, a maior parte foidestinada à loucura do consumo e, além disso,acelerou o crescimento do câncer da corrupção.

Em meados da década de 90, as cifrasmacroeconômicas começaram a evidenciar umgrande desequilíbrio entre a capacidade de gerarriquezas e o crescente endividamento do país.Apesar disso, os lucros a curto prazo eram tremen-damente tentadores. Não se deu importânciaaos primeiros sinais de um perigo que seaproximava – ou estes foram sim-plesmentemenosprezados – e a chamada “festa da pizza comchampanhe” prosseguiu, tomando o lugar dasensatez econômica.

A corda começou a quebrar em conseqüênciada desvalorização da moeda no Brasil, principal

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O FATOR HUMANO NA GÊNESE E NA SOLUÇÃO DAS CRISES

A principal oportunidade para um paísem processo de recuperação de uma crise

é a renovação da consciência sobre ovalor do trabalho e a produção

responsável.

POR STEPHAN SCHMIDHEINY

parceiro comercial da Argentina. O impacto foiintenso em todos os níveis e os efeitos, continua-dos. A paralisia política e econômica tomou conta.Em termos monetários, a Argentina perdeu quasedois terços do valor do seu patrimônio nacional.Com isso, as esperanças e a sempre manifestadaauto-estima dosa r g e n t i n o ssucumbiram. Fal-tando pouco tempopara completar doisanos dos pioresmeses da crise, éimpossível não sesurpreender como baixo nível deagitação social ede violência queacompanharam uma queda tão patética.

Nosso Grupo, até certo ponto em contradiçãocom nosso costumeiro ritmo anticíclico deinvestimento, ficou enredado na espiral da crise.Como parte da estratégia de nos transformarmosno principal fornecedor de tubos de plástico docontinente, na primavera de 1998 com-pramos aempresa líder desse setor no mercado argentino,exatamente no momento mais alto de umaeconomia superaquecida, de expectativas epreços exorbitantes que desafiavam as empresas.O que veio a seguir foi um desastre para o Grupo,reflexo da crise que o país vivia. As vendas detubos foram reduzidas a um terço do volumeanterior. As conseqüências amargas foram aredução de pessoal, o fechamento de fábricas egrandes perdas.

Um observador isento poderia comentar – deacordo com o primeiro parágrafo deste texto – queisso é uma ocorrência perfeitamente “ n o r m a l ”n a América Latina, q u e a c o n t e c e comfreqüência e, sem dúvida, voltará a acontecer.Mas existe alguma recompensa para aqueles quese arriscam, que têm a propriedade e a firmezapara sobreviver à crise? Que futuro está reserva-do para a Argentina e sua população depois desofrimentos e perdas tão sufocantes?

Aqui a história pode nos ensinar algumaslições importantes. Em poucas palavras, a históriainsinua que as coisas nunca são tão boas comoacreditamos nos períodos de otimismo e euforia,

mas, ao mesmo tempo, raras vezes se tornam oupermanecem tão negativas como vistas do fundodo poço de uma crise.

De fato, a história do nosso próprio Grupoconfirma essas lições: em 1982, investimos noChile durante uma tremenda crise econômica

(c o m o a d aArgentina, em2001, resultado deu m a m o e d asupervalorizadapelo câmbio fixo),q u a n d o t o d omundo tratava detransferir tudo oque era possívelpara um paraísofiscal. Ao Chile

custaram vários anos e uma política de reformaeconômica completa para voltar ao caminho docrescimento sustentável. Conseguiu e, certamente,recompensou aqueles que foram tolerantes osuficiente para afrontar a crise.

A grande oportunidade intrínseca à crise,acredito, está na renovação consciente de virtudese valores básicos. Quando as coisas são fáceis, odinheiro nasce da especulação e não do valoragregado da produtividade; os empréstimos parafinanciar o consumo são facilmente obtidos e osgrandes projetos com financiamento internacionalsão uma grande tentação para aqueles que estãono poder. As virtudes básicas necessárias paraproduzir formas sustentáveis de desenvolvimentoeconômico são esquecidas facilmente. Quando asoportunidades para melhorar os próprios padrõesde vida e o status social se dão mais em funçãodas relações políticas e pessoais, o centro dosinteresses humanos se desloca do trabalho sérioe a iniciativa empresarial abraça os favorecimentossociais e os jogos de poder.

Uma crise tão drástica como a da Argentinasignifica um doloroso despertar. Subitamente, ogoverno, os empresários e as pessoas comunstomaram consciência de algo muito concreto: alongo prazo, ninguém pode gastar mais do queproduz. A riqueza de um país e de seus habitan-tes não é um dote natural divino, mas algo que acriatividade humana, as habilidades e o trabalhoproduzem e mantêm em constante crescimento.

O doloroso destino da maioria dos países comgrandes reservas de petróleo é um exemploconvincente. Basta observar o caso da Venezuela,um dos grandes produtores e exportadores de pe-tróleo do mundo, onde é provável que esteja sendogerada a mais grave crise política, econômica esocial do continente.

A principal oportunidade para um país emprocesso de recuperação de uma crise é arenovação da consciência sobre o valor do trabalhoe a produção responsável, e sobre a necessidadede criar condições adequadas para estimular aprodução e os investimentos. Os principais ingre-dientes da receita são tão conhecidos e tudo estátão bem documentado que enumerá-los seria cairno lugar comum. São os mesmos ingredientesindispensáveis a um projeto de desenvolvimentosustentável. O império da lei e da sua proteçãopara todos, os processos democráticos e aadministração pública transparente e responsável;as políticas econômicas e orçamentáriassaudáveis; o amplo acesso à assistência sanitáriae à educação de qualidade, e o uso eficiente dosrecursos naturais estão entre os ingredientes queimediatamente nos vêm à mente.

As oportunidades intrínsecas a um projetosemelhante rumo a novos caminhos e soluções sãomuito maiores do que as promessas ilusórias paraum futuro melhor. Essas oportunidades podemfazer um país ir ao encontro de resultadosespetaculares, como provam as tantas históriasbem-sucedidas em todos os continentes, nasúltimas décadas. A maioria dessas histórias é frutodo trabalho produtivo de pessoas sagazes e moti-vadas que, dirigidas por bons governantes, têm osenso de investimento no seu próprio futuro.

Com o passar dos anos, encontrei paralelossurpreendentes entre os períodos de crises eoportunidades para empresas e países. Minhaexperiência me diz que é mais difícil manter umaempresa excelentemente bem-sucedida, criativa,consciente dos gastos e competitiva do que mudaro rumo de um negócio que está enfrentando umagrande crise. Acredito que isso tem a ver com umadas forças mais intensas da natureza humana: ainércia, definida como resistência a mudanças.Enquanto as coisas estão bem, as pessoas resistemà mudança, mesmo diante da obviedade de queesta lhes trará benefícios. Em tempos de crise,quando não há dúvida de que uma mudança derumo é necessária para evitar o desastre, aceita-

se quase tudo quando se é solicitado a rescindirvelhos modelos, perder influência e revogarprerrogativas estabelecidas. Em tempos de crise,o espírito humano parece que se liberta de todosesses obstáculos que nos impedem de fazer o quemais nos convém.

As crises sempre fazem os seres humanosespecular sobre a possível existência de regras, afim de evitá-las. Seria muito difícil provar avitória dessas regras porque, se fossem bem-sucedidas, nada aconteceria, e sempre existemperíodos na história em que há poucosacontecimentos memoráveis. Apesar de não meatrever a esboçar nenhuma regra nesse sentido,acredito ser possível vislumbrar determinadosmodelos nas catástrofes nacionais.

As crises não acontecem por acaso (exceçãoaos desastres naturais). A crise é conseqüênciada ação humana coletiva ou da sua ausência.Existem modelos comuns de comportamento quesugerem a oportunidade – e a conseqüente perdada mesma, como na história a seguir, tantas vezesrepetida. Um país que experimenta crescimentoe prosperidade começa a expor os sinais típicosde reaquecimento econômico e de abuso político,com freqüência acompanhados do aumento dadivisão social. Supondo que essas tendências sãofacilmente identificáveis, deveríamos esperarque os cidadãos mais conscientes e preocupadoslevantassem a voz e mostrassem a necessidadede mudança de rumo. O que se deve fazer émuito óbvio: restringir, a curto prazo, o acúmuloda dívida externa destinada a financiar o consumoe o déficit fiscal. Mas, se os que estão no poder eos que dele se beneficiam aceitassem o ultimato,teriam de mudar seu próprio comportamento eatribuir-se a autodisciplina. Porém, esperar poressa disciplina é querer muito da naturezahumana. Em decorrência, todos os esforços sãofeitos para manter o status quo pelo tempo queseja possível. São ignorados os fatos e astendências, e não são tomadas as medidascorretivas, sequer no começo da crise, quandoseriam relativamente menos dolorosas e maiseficazes.

Tamanha resistência à mudança resulta emoportunidades perdidas. À medida que o tempopassa, os problemas sem resolução crescem detal forma que parece que a crise explodiu da noitepara o dia. A oportunidade para empregar

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Os caminhos abertos da América LatinaPOR JULIO MOURA / PRESIDENTE GRUPONUEVA

“... e com a mão posta no bloco de gelo,como que prestando um juramento

sobre o texto sagrado, exclamou: “Esteé o grande invento do nosso tempo”.

Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez

POR STEPHAN SCHMIDHEINY

renovada paraprocurar novoscaminhos . Emcer to sen t ido ,talvez esta seja ap r i n c i p a lo p o r t u n i d a d eq u e a c r i s epersistente na

A m é r i c a L a t i n a e s t áproporcionando a todos.

E é exatamente nessecenário que os empresários la-tino-americanos começam ase abrir a novas idéias ; aquestionar seu próprio lugar eo objetivo de suas em- presasna sociedade. Nos últimosanos, organizações como oInstituto Ethos, no Brasil, oua Fundação Prohumana, noChile, promovem com sucessoo conceito de responsabilidadesocial empresarial.

Entre os empresários énotório um maior interessepelos assuntos “públicos”.Eles estão procurando meiose elementos para participar econtribuir de forma positiva

nas mudanças que visem a melhoria da sociedadeda qual fazem parte.

A bem-sucedida empresa brasi leiraNATURA já é um exemplo desse novoparadigma empresarial emergente, ou seja, obtera integração das vertentes econômica, social,ética e ambiental, para criar valor não apenaspara seus acionistas, mas também para suas 300mil vendedoras em todo o país ; para ascomunidades indígenas, que contribuem para asustentabilidade das florestas primárias de ondea empresa extrai a matéria-prima para seusprodutos de beleza e de cuidado pessoal; e, de

medidas suaves e eficazes já passou; osofrimento e as perdas generalizadas sãoinevitáveis, e tornam-se necessárias medidasmuito mais drásticas.

Os responsáveis pela crise – tanto peloresultado de suas ações como por não teremtomado as medidas apropriadas – têm,freqüentemente, a oportunidade de protegerseus próprios interesses e de se esconder du-rante os anos de turbulência. (Algumas vezes,no entanto, certos indivíduos egocêntricos sãosuficientemente atrevidos para planejar umregresso ao poder político. Fechar-lhes asportas é uma das oportunidades geradas pelacrise).

Aproveitar as oportunidades para evitaras crises exige, antes de tudo, uma liderançacomprometida e sólida, alicerçada emvalores honestos. A seriedade para investir,nos períodos de prosperidade, na educação

de pessoas e instituições para enfrentarverdadeiros desafios; a coragem para reconhecere denunciar a crise que se aproxima quando a“festa“ ainda está em pleno auge; e a habilidadepara planejar e implementar medidas corretivas,dividindo de maneira justa e eqüitativa os custos,resultarão, neste caso, no ato bem-sucedido deprevenir males maiores.

Esses fundamentos são aplicáveis tantoàqueles que têm responsabilidade nas empresase nas organizações da sociedade civil, como aosque trabalham na administração pública. Pessoascomo essas representam o tipo de liderança quea AVINA está disposta a apoiar. Com esforçosconjuntos, conseguiremos aproveitar ao máximoas oportunidades para evitar as crises ou para sairdelas. Como resultado, a expansão dos ciclos la-tino-americanos de apogeus e crepúsculosdiminuirá gradualmente e, assim, os modelos dedesenvolvimento serão mais sustentáveis.

Com og e l o e mM a c o n d o , on o r m a lt r a n s c e n d e oextraordinário naAmérica Latina.A região não estáem crise; a regiãoé a própria crise. E se todac r i s e r e p r e s e n t a u m aoportunidade, então a AméricaLatina é o continente dasoportunidades permanentes.

O primeiro requisito paraquem quiser fazer negócios naAmérica Latina é aceitar essarealidade. Mas deve-se semprecontar com o inesperado, o quesignifica ter clareza estratégi-ca e flexibilidade tática.Aliás,muita flexibilidade. In-clusive para rever a própriaestratégia permanentemente.Em certo sentido, tudo é cir-cunstancial.

Após muitos anos depermanência em um contextocomo esse, os empresárioslat i n o - a m e r i c a n o s e s t ã odesenvolvendo uma nova capacidade deadaptação e de abertura em relação às tendênciasque ocorrem na região, não só no planoestritamente econômico, mas também no social,no político e no cultural.

Em sua crise constante, a sociedade latino-americana cresce e amadurece. E uma característicadesse processo está no fato de essa mesmasociedade se encontrar, atualmente, maissensibi l izada à necessidade de promovermudanças profundas. Novas lideranças emergemde vários setores da sociedade civil, das empre-sas e da classe po-lítica. Existe uma disposição

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OS CAMINHOS ABERTOS DA AMÉRICA LATINAPOR JULIO MOURA / PRESIDENTE GRUPONUEVA

1 EBITDA: ganhos antes dos investimentos, depreciação, impostos e amortização.

um modo geral, para a sociedade brasileira,oferecendo um modelo de empresa exemplar.

Atualmente, os empresários latino-americanosestão muito mais preparados do que seus cole-gas alemães, suíços ou austríacos para enten-der e lidar comassuntos sociais ep o l í t i c o s ; p a r abuscar, a partir daempresa, um novoe s p a ç o p a r ac o n t r i b u i r n aconstrução de ump r o j e t o d es o c i e d a d esustentável.

Se a primeiravertente a partir da qual é possível a n a l i s a ra s oportunidades geradas pela crise latino-americana é a sensibilização da sociedade nofomento das mudanças necessárias, a segunda serefere às oportunidades que essa crise ofereceespecificamente às empresas. Uma dessasoportunidades é poder caminhar mais rápido eprofundamente do que as companhias norte-ame-ricanas e européias, na construção da cidadaniacorporativa responsável. Porém, a grandeoportunidade é tornarem-se mais competitivas,mais eficientes e produtivas, e mais bem-sucedidas nos mercados globais, contribuindo demaneira crescente para a melhoria das socieda-des onde estão inseridas.

No GrupoNova já trabalhamos dentro dessenovo contexto. Nossas empresas estão efetivandouma estratégia empresarial que integra em umúnico sistema de gestão as vertentes econômica,social e ambiental. E estamos trabalhando emmeio a uma das piores restrições econômicassofridas pela região em muitos anos. Os resulta-dos são alentadores e mostram que caminhamosna direção certa: nos últimos três anosmelhoramos o E B I T D A (Earnings beforeI n v e s t m e n t s , D e p r e c i a t i o n , Ta x e s a n dAmortization) em mais de US$ 100 milhões.

Ainda resta muito por aprender e muitocaminho a percorrer. Porém, casos como o daAMANCO Argentina – relatado neste folheto –nos entusiasmam e motivam.

Recentemente, o GrupoNova incorporou aempresa chilena MASISA. Como parte doprocesso de integração, seus executivos começarama conhecer e a colocar em prática nossa Visão eValores, nossos Princípios e nossa estratégia em-

p r e s a r i a lfundamentada noconceito de triplor e s u l t a d o( e c o n ô m i c o ,s o c i a l ea m b i e n t a l ) .Um dos principaise x e c u t i v o s d aM A S I S Aexpressou umaf r a s e q u e n o s

e n c h e d e satisfação: “Não podíamos tercaído e m m e l h o r e s mãos”.

D a m e s m a forma, nos sentimos gratifica-dos quando, em sua última reunião anualcelebrada na cidade de Cuzco (Peru), os gerentesda AMANCO analisaram suas estratégias e planosde ação, tratando os temas relativos ao meioambiente e ao social com a mesma naturalidadecom que sempre discutiram os assuntoseconômicos. Que diferença de quatro anos atrás!.Eles já estão conscientes de que a adoção de ummodelo de gestão responsável é um elementoimportante de diferenciação nos mercados; queos índices relativos ao ambiente de trabalhomostram que nossos colaboradores se sentemmais motivados e satisfeitos; e que o diálogo e aconsulta com seus principais públicos ajudam aidentificar novas possibilidades de negócios,reduzir riscos e fortalecer a reputação.

A endêmica crise latino-americana não só nosoferece a oportunidade de desenvolver novas emais eficientes formas de satisfazer nossosclientes, de criar novos canais de distribuição ede procurar diversificar nossa oferta de produtose serviços. Também nos dá a oportunidade deaprender a nos relacionarmos com a sociedadecivil.

Em 2002, por exemplo, Terranova recebeu o“Prêmio Nacional à Inovação em Cidadania eGestão Local” por seu programa de apoio aodesenvolvimento da comunidade de Menque, na

VII Região ao sul do Chile. O prêmio foiconcedido pela Fundação Nacional para aSuperação da Pobreza, Fundação Ford, MinistérioSecretaria Geral de Governo e Instituto deAssuntos Públicos da Universidade do Chile.

Outro exemplo: no Equador, a AMANCOparticipa de um bem-sucedido programa parao desenvolvimento da micro e pequena empresa,em conjunto com outras organizações, incluídaa AVINA.

Nesse processo de procurar o sucessoempresarial simultaneamente à nossa contribuiçãopara melhorar a qualidade de vida das pessoas, aAVINA é um parceiro natural e estratégico paraque ambos – empresa e organizações da sociedade

civil – possam aprender a trabalhar juntos,superar velhos preconceitos e encontrar novasfórmulas que permitam ganhos para todos.

Vivemos, trabalhamos e sonhamos em umaAmérica Latina sempre agitada e em crise.Estamos aprendendo a aceitar que esta é umacircunstância que ainda nos acompanhará pormuito tempo. Portanto, em vez de desânimo,desenvolvemos uma atitude positiva e otimistaque nos permite descobrir as múltiplas oportu-nidades que a nossa região oferece. Estamos con-vencidos de que a principal delas é a de sermosem um modelo bem-sucedido de empresaresponsável.

Como o gelo em Macondo, o normaltranscende o extraordinário na

América Latina. A região não estáem crise; a região é a própria crise.

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“O mundo se divide em três categorias.Um por cento cria as regras do jogo.

Quatro por cento jogam.E os restantes 95 por cento sequer

sabem que existe um jogo”.

A crise e o um por centoPOR BRIZIO BIONDI-MORRA / PRESIDENTE AVINA

Ninguém se beneficia deuma crise. Se assim fosse, seriadenominada prosperidade. Criseé desmoronamento de valoreseconômicos e sociais, degradaçãodo meio ambiente e – na medidaem que germina violência edicotomias – crise também signi-fica destruição de valores éticos.Uma crise põe a perder décadasde trabalho. Nos obriga a darmarcha a ré no tempo e anula assofridas vitórias do passado.

Porém, dizem alguns entendidos, vivemos evamos viver crises. Então, além de superar ascrises e garantirmos a sobrevivência, por que nãoprocuramos tirar proveito delas? O argumento éracional, prático. Quem vai brigar contra ele?

No entanto, acredito que se nos conforma-mos com essa postura otimista de forma simplista,quase axiomática –“do mal sempre se pode tiraralgo bom”, – também corremos o risco de nosresignarmos, aceitando o fatalismo implícito.Seria o mesmo que dizer: “as crises são inevitáveis,somente podemos minimizar seus efeitos”.Inconscientemente, poderíamos esquecer que, nofundo, todos temos alguma criatividade. Umacriatividade onde está implícita a prevenção dascrises e, ao preveni-las, excluir suas conseqüênciasdevastadoras. Criatividade que tem a ver com umsistema de educação coletiva que funcione. Paramuitos observadores, a crise argentina era umacrise anunciada. E, como tal, inevitável. O quedela aprendemos para evitar as que virão?

Na verdade, o que está em jogo é a criatividadecapaz de colocar em movimento um cicloduradouro, sem os altos e baixos que dão doispassos adiante e três para trás. Nesse sentido, acrise, quando chega, nos apresenta sua maioroportunidade. Porque ela nos mostra que as regrasdominantes já não são factíveis, se é que o foramno passado. É sob essa perspectiva que a crisesimboliza o momento de maior receptividade a

novos modelos. Se esse momentoé bem aproveitado, se obtém umavanço geral. E a esse exemplo demelhoria não devemos renunciar.

A Revolução Francesa foiuma grande tragédia humana.Paradoxalmente, porém, proporcionoua edificação dos direitos humanoscomo um grande princípio universald a s o c i e d a d e . A R e v o l u ç ã oBolchevique foi outra grandetragédia; contudo, quem se aventura,nos dias de hoje, a competir em

um mundo de maiorias excluídas sabendo que aconta a ser paga o levará à bancarrota? Isso nãosignifica que a guilhotina e os “gulags” sejustifiquem no balanço de benefícios a longoprazo. Tampouco que apenas se aprende a liçãopor meio de tragédias. Porém, a crise mostra queexistem modelos de organização social maisviáveis e benéficos que outros, e que o empenhopara sempre melhorar é a nossa principal garantiade estabilidade. Com esse avanço de formacontinuada seria possível alcançar progressosharmônicos, sem a necessidade de revoluções edo preço que se paga por elas.

Pessoalmente, estou convencido de que umaAmérica Latina aberta a melhorias graduais econstantes, sem crises e desmoronamentosfreqüentes, está ao nosso alcance. E essa conquistatraria benefícios incalculáveis, pois simplesmentesignificaria uma mudança de paradigma.

À primeira vista, afirmar que é possível evitarcrises num contexto como o latino-americano pa-rece uma piada. Com poucas exceções, nossaexperiência e nossa história m o s t r a m ocontrário. Não por casualidade, a América Latinatem a reputação de ser o território dos apogeus edos fracassos. Em décadas recentes, outras regiõestornaram-se conhecidas por seus retrocessos,como partes da África, ou por seus progressos,como partes da Ásia. Mas a América Latinacontinua mantendo sua fama de terra dos “booms

and busts”, para usar a terminologia de WallStreet. O custo é enorme. Todavia, muito alémdo econômico e do social, o maior custo está namanutenção da crença do “sempre foi assim e éimpossível mudar”.

Certa vez,um economistame disse: “Omundo se dividee m t r ê scategorias. Umpor cento cria asregras do jogo.Quatro por centoj o g a m . E o srestantes 95 porc e n t o s e q u e rsabem que existeum jogo”. Como em todo ditado popular, aquiexiste alguma verdade. E a questão é: em qualdas três categorias nos situamos? Desconfio quepouquíssimos, na América Latina, estãoplenamente conscientes a respeito de quais sãoas atuais regras do jogo. Explicá-las neste breverelato seria mudar de assunto. Mas a impressão éque muitos ainda estão lutando contra as regrasde um mundo que já não existe, como donQuixote. Bem intencionados, mas deslocados.Atualizar-se seria apenas dar um primeiro passo.O seguinte seria conseguir melhorar as regraspara que um jogo de elite se transforme em umjogo de grandes maiorias.

A realidade perversa é que nossa região tempoucas e más experiências quanto à criação deregras de jogo. Quando tentou no econômico,inventou um jogo perdedor: o da substituição dasimportações. Quanto tentou no político, conviveucom as ditaduras, fossem elas de direita ou deesquerda, outro jogo perdedor. Apenas emdécadas recentes surgiram aqueles que começama aprender qual é o jogo que traz recompensas.Porém, se desejamos não somente participarnaquilo que já existe, mas moldar nosso futurode acordo com nossas prioridades e valores, temosde aprender a construir possibilidades. E issoenvolve o desenvolvimento de habilidades quenão nos ensinaram na escola, mas que estão aonosso alcance.

Uma habilidade importante é a arte de

derrotar o fatalismo sem cair na utopia. Para issoé preciso ser profundamente realista. Essa tarefarequer uma firmeza intelectual e um esforçocontínuo em longo prazo, para os quais ainda não

e s t a m o spreparados. JohnM a y n a r dKeynes, para darum exemplo, aocriar novas regrasde jogo, mais doque um teórico eidealista, era umhomem de grandee x p e r i ê n c i a .Como negociadorpara a Inglaterrae p r i n c i p a l

a rq u i t e t o d e Bretton Woods, se queixava dopoder dos Estados Unidos: “We have the brains,but they have the money”. A América Latinatampouco tem o dinheiro. Mas está apostando naeducação dos seus cérebros?

Outro aspecto importante é ter consciência deque ninguém está condenado a jogar na terceiradivisão; mas, para subir no ranking, é precisoprimeiro vencer nas divisões menores. Quereracabar com o campeonato já seria o império dautopia.

Nesse sentido, o problema da América Latinaé duplo. Por um lado, os privilegiados – os queteriam as ferramentas para nos conduzir à primeiradivisão – freqüentemente preferem refugiar-seem subsídios e outros privilégios, uma forma deganhar torneios sem ter de jogar. Nas palavras deum reconhecido economista, a estratégia doempresário latino-americano muitas vezes serestringe a “conseguir um almoço com o ministro”.No outro lado, a maioria das pessoas sequer tema possibilidade de aprender a jogar. Se tivessemalguma oportunidade, poderiam se transformarem atores bem-sucedidos.

Isso me faz lembrar o caso de um nativo queencontrei no deserto de Kalahari. Até poucos anosatrás, esses nativos viviam, como algumas tribosda Nova Caledônia, na idade da pedra. Por meiode um intérprete perguntei: “Como vocêconsegue água no meio de tanto deserto?” Eleme respondeu: “Me dê seu copo”. Com o cajado

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AMANCO Argentina: criatividade e inovação em um tempo de crise

POR GERARDO OURRACARIET / GERENTE GERAL AMANCO ARGENTINA

1 Jared Diamond, “Guns, Germs and Steel”, Norton 19972 Wilfred Thesiger, “Arabian Sands”, Longmans 1972

POR BRIZIO BIONDI-MORRA / PRESIDENTE AVINA

que trazia nas mãos, começou a fazer um buracona areia, acompanhando a raiz de uma pequenaerva que cresce na região. A um metro sob a terra,a raiz terminava em um tubérculo que maisparecia uma grande cebola. Ele então o retirou ecomeçou a raspá-lo com uma pedra, e –espremendo os pedacinhos com as mãos – encheumeu copo com água.

Esse nativo era mais esperto, mais atento,mais criativo do que qualquer pessoa comdiploma universitário que eu conheci. Seuproblema estava em não saber como colocar suashabilidades no contexto do jogo moderno.Quando o conheci, sua miséria estava na ofertaque o governo acabara de fazer: menos de umquilo de feijão grátis por dia, “porque é precisoajudar os pobres”. O resultado? Os nativoscomeçaram a se fixar nas proximidades doscentros urbanos para receber e comer feijões; seusfilhos perderam as habilidades necessárias paraperpetuar a milenar tradição de vida no deserto,e quando o dinheiro para pagar o subsídio acabou– porque sempre acaba – o programa de feijõesgrátis conseguiu que, em apenas uma geração,alguns poucos gerentes incompetentes – mas bemintencionados – transformassem uma populaçãode antiga tradição e cultura, acostumada a viverlivre no meio de paisagens esplêndidas, emescravos de favelas miseráveis, sem comida, semtrabalho, sem futuro e sem identidade.

Há cinco séculos, algo parecido aconteceu naAmérica Latina. Como explica Jared Diamond1 ,as desigualdades gritantes que justificaram aexaltada vitória de Pizarro em Cajamarca – 169espanhóis contra 80 mil incas – não corresponderamao fato de que uns eram poucos e valentes eoutros muitos e covardes, mas que os incas nãohaviam compreendido que o jogo dos conquista-dores era diferente. O mesmo acontece hoje aobeduíno do Saara. O grande explorador WilfredThesiger2 , com títulos das universidades deEaton e Cambridge, neto do vice-rei da Índia, eem muitos aspectos um representante típico daelite do Império Britânico no seu apogeu, escreviaem 1946: “Em minhas viagens anteriores à África,sempre usufrui o respeito dado a um cidadãoinglês. Mas agora, no deserto da Arábia, sinto-me humilhado por meus companheiros beduínosanalfabetos, os quais têm, muito mais do que eu,generosidade, valentia, tenacidade, paciência,bom humor e caráter. Com nenhum outro povoexperimentei uma sensação tão intensa deinferioridade”. Hoje, os filhos desses mesmos

nobres beduínos mastigam chiclete e acompanhamnovelas em televisão a cores com antenasparabólicas. Certamente sabem que algo perderam,mas eles não têm a menor idéia do que aconteceue por quê. Fazem parte dos 95 por cento.

Diante disso, uma reflexão sobre a experiênciade crise nos abre a possibilidade de uma mudançade paradigma, de um salto qualitativo não funda-mentado em um único ato heróico, mas no poderdas pequenas e constantes transformações.Vejamos um exemplo econômico. Uma diferençano crescimento anual do PIB (Produto InternoBruto) de apenas 2% entre um país e outro – tãopequena que parece desprezível – faz umamudança substancial na trajetória de uma vida. Éo caso da América Central e da Coréia do Sul. Há40 anos, a América Central era uma região rica emcomparação com a Coréia do Sul. Hoje, apesar deter riquezas naturais muito maiores, a AméricaCentral tem menos da metade da renda per capitada Coréia. Um crescimento com altos e baixos –tão excelente como 6% ao ano da Nicarágua dosanos 60 e 70, e às vezes de menos de 10% comonos anos 80 – tem como resultado médio umaestagnação ou regressão. Enquanto que 3% maisou menos constantes – sem os despotismos de umaditadura e sem os excessos das conseqüentesrevoluções – mais que triplica os recursos natrajetória de vida de uma pessoa. A diferença étão grande e tão rápida – em apenas algumas dé-cadas– que já não se trata de sacrificar-se pelobem-estar das gerações futuras. Trata-se deconseguir uma transformação extraordinária notranscurso da própria vida. No entanto, para nosenvolver em um projeto como esse, temos deavivar uma ética do cotidiano, valorizar o dia-a-dia, honrar o esforço renovado. É como seapostássemos em uma semente de mostarda.

Poderíamos dar outros exemplos, em outrossetores, mas seria a mesma coisa. Uma dasgenialidades da AVINA e do seu fundador é quefazemos parcerias considerando a visão de outros.Não a nossa. Os participantes são outros. Avalorização do outro, do processo participativo ecompartilhado, está no centro de nossos valores.A AVINA não procura ser o protagonista, mas oparceiro. Apesar de imperceptível – qual antídotoàs crises – VIVA significa esse esforço duplo, com-pletamente aberto, ou seja, o da criação de rique-zas e oportunidades, de investimento socialmultiplicador em um processo de aprendizageme benefício mútuos. A partir dessa perspectiva, ascrises são mais do que oportunidades. São a origemda nossa existência.

A crise do país quase semque percebêssemos, nos primeirosmeses de 2002 nos encontrávamosdebruçados em uma detalhadaanálise de cenários que poderiamresultar na superação da crise oua t é m e s m o n o f e c h a m e n t oresponsável das operações daAMANCO na Argentina.

E não era para menos: ogoverno de De La Rua acabavade desmoronar, fruto da ineficiênciaque já estamos acostumados aver na classe política argentina. Esse fatoproduziu um desfile de cinco presidentes em dezdias, além de uma tremenda desvalorização damoeda que, em três meses, chegou a 350%. O paísparou. Ao mesmo tempo, a população se mobilizouem assembléias nos bairros, procurando saídasimediatas ao desmanche político, econômico e so-cial da Argentina. Os bancos fecharam suas portasdurante vários dias, com o propósito de reter a saídade divisas, resultado da desconfiança geral. Quantoao governo, as medidas sucessivamente adotadasforam pouco felizes: default, “corralito”, ou seja,confisco do dinheiro dos poupadores nos bancos,impedindo-lhes o direito de sacar suas economiase, ainda por cima, repressão.

A empresa em criseNa AMANCO Argentina sofríamos com a

crise do país da mesma forma como se sofre aquebra do melhor cliente. As vendas caíram aníveis jamais imaginados; foi preciso reduzir aprodução ao mínimo; pela primeira vez, nossosfuncionários sentiram que a situação eraextremamente difícil, talvez insuperável.

A tudo isso se somaram os assaltos perpetra-dos contra a empresa, cada vez por grupos de maisde 10 pessoas armadas. Ao todo foram cincoassaltos, que conseguiram amedrontar todo opessoal e suas famílias.

O ambiente de trabalho não era bom. Mais

ainda: havia poucos meses, nodia 28 de junho de 2001, quetínhamos fechado a fábrica deRosario e reduzido em 20% oss a l á r i o s p a r a c o n t i n u a rfuncionando. O fechamentodessa fábrica merece umaconsideração à parte, pois foirealizada de forma responsável,com um trabalho – mantidoainda hoje – de demissõesassistidas desenvolvido com oFUNDES. Apesar de tudo, não

deixava de ser o fim das atividades de uma dasfábricas mais importantes e modernas do país.Lembro-me que nessa ocasião um operário, commais de 30 anos de casa, comentou: “O país,certamente, vai ficar pior do que agora se aAMANCO decidir fechar nossa fábrica emRosario”. O tempo lhe deu razão.

Com toda essa sucessão de fatos externos einternos negativos, o índice anual sobre ambientede trabalho na AMANCO Argentina foi um dospiores do Grupo: atingimos apenas 72% para umobjetivo fixado em 80%. Na Reunião Anual daAlta Gerência (RAAGA), realizada em setembrode 2002, em Curitiba, me senti envergonhadoquando foram apresentados esses resultadosrelativos a 2001, sentimento que se somou àpreocupação em conhecê-los.

Corriam os meses de fevereiro e marçode 2002, e nossos cenários de sobrevivência(ou de fechamento) já estavam a ponto deserem implementados. Também estávamospreparados para agir. Pessoalmente, meimpus dois objetivos: um era conduzir a em-presa como se ela fosse minha. Respeitaria to-dos e cada um dos princípios corporativos, avisão, os valores e a missão, mas não faria nadapara demonstrar um bom indicador aos meuschefes que, por outro lado, pudesse ameaçarnosso desempenho a médio prazo. Mas asvendas caíram ainda mais nesse momento,

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AMANCO ARGENTINA: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO EM UM TEMPO DE CRISE A CRISE DO PAÍS

Na AMANCO Argentina sofríamoscom a crise do país da mesma forma

como se sofre a quebra do melhor cliente.

1 mark up é a “Margem de Benefícios” entre o custo da matéria-prima e o preço de venda

POR GERARDO OURRACARIET / GERENTE GERAL AMANCO ARGENTINA

Hoje podemos relatar essasexperiências porque nos momentos mais

difíceis não nos afastamos nunca documprimento da Visão, dos Valores e

da Missão do Grupo.

2 Fidelizar: Esta palabra es un argentinismo que significa “lograr la fidelidad de alguien”.

porque decidimos vender apenas paraaqueles que podiam pagar ou para aqueles que,apesar dos problemas financeiros, mantivessemum comportamento sério e honesto durante acrise, situação que para nós representava aconfiabilidade que podíamos depositar nesses“parceiros” daA M A N C O . Ooutro objetivop e s s o a l e r ar e a f i r m a r a o sm e u s c h e f e s acredibilidade e aconfiança em nós depositadas.

Nossa estratégia: a sobrevivênciaDurante todo o mês de março de 2002, as

conferências telefônicas tiveram freqüênciasemanal. Do lado de cá da linha estavam osgerentes operativos; do outro, os corporativos. Foinessas reuniões que definimos os parâmetros queseriam pontuais na estratégia de sobrevivência.Iríamos trabalhar com quatro indicadores país enão mais do que dez indicadores empresa. Emfunção de como evoluíssem os indicadores país,tomaríamos as decisões mais radicais (cenário defechamento ou de permanência); de acordo coma evolução dos indicadores empresa, definiríamosos ingredientes que sustentassem a sobrevivência.A única certeza era que só uma má combinaçãodesses indicado-res nos conduziria ao f racasso ,situação que nunca consideramos seriamentecomo factível, visto que toda a equipe trabalhavacom afinco pela sobrevivência.

Com os indicadores país (balança comercial,índice de preços ao consumidor (IPC), reservaslíquidas do Banco Central e arrecadação fiscal) eos principais indicadores empresa (faturamento,volume de vendas, preços, gastos gerais,contribuição, mark up1 , cobranças, capital de giro,rotatividade dos estoques e cash flow) funcionando,iniciamos os ajustes mais finos. Tivemos dereduzir o número de gerentes (são os salários maisaltos), conseguindo incorporar alguns argentinosna equipe da Costa Rica (gerente de logística egerente de marketing e novos produtos) e emoutras operações (gerente de fábrica no Peru).Definimos ações vitais destinadas a privilegiarprincipalmente o cash flow e a geração de reser-

vas líquidas, caso a crise piorasse.Por outro lado, a impossibilidade de impor-

tar produtos (complementos para irrigação, infra-estrutura e saneamento) nos deu a oportunidadepara ajudar a desenvolver pequenos fornecedoresl o c a i s q u e , amparados pela dimensão (massa

c r í t i c a ) q u e aA M A N C Os i g n i f i c a v a ,começaram a vercom bons olhos acriação dep a r c e r i a s

comerciais e industriais que os salvaria da banca-rrota. Do nosso lado, eles nos supririam com oque precisávamos. Essas alianças foram e sãobenéficas para esses pequenos fornecedores, pois,além de manterem-se vivos, estão adotandopadrões ambientais e de produto semelhantes aosda AMANCO.

O serviço aos nossos parceiros os clientes:Logo percebemos que os grandes clientes

que haviam sobrevivido estavam em péssimasituação financeira. Paradoxalmente,os pequenosclientes atravessavam melhor a crise, mas nãotinham (nem têm) recursos para fazer estoques,nem cacife para obterem crédito das grandesempresas. Foi aí que surgiu a idéia de realizar umserviço que incluísse e integrasse este pequenocliente. Assim nasceu a AMANCO Venda Móvel,que não é outra coisa que a rememoração davenda ambulante, a mesma que permitiu a nossosavós não ficarem desabastecidos durante a crisedos anos 30.

A AMANCO Venda Móvel chega aospequenos clientes e os abastece com nossosprodutos em quantidades limitadas. Em umaúnica ação promove, vende, envia, fatura,entrega e cobra. Dessa forma, o pequeno clientenão precisa ter grande estoque, repõe apenas onecessário e paga em efetivo (para ele, um preçojusto; para nós, uma operação rentável por seruma venda sem intermediários). O custo doserviço é muito baixo – e nisso nos ajudou adesvalorização do peso –, de forma que o clientetorna-se fiel ao serviço e ao produto, e não aopreço.

Em agosto de 2002 lançamos dois AVM na

Capital Federal e na Grande Buenos Aires, coma expectativa de chegarmos a quatro em 2003.Atualmente contamos com sete unidades (cincona Capital Federal e na Grande Buenos Aires, umem Córdoba e outro em Rosario), que nospermitem chegara mais de m i lc l i en tes que, porserem pequenos eendividados, eramantes atendidos pordistribuidores ou re-distribuidores.

Primeiros resultados: os funcionários e acomunidade

Já no primeiro quadrimestre de 2002, osindicadores começaram a nos sorrir. Apenas faltavao sorriso da nossa própria gente, os funcionários.Foi então que, com o apoio da AVINA,desenvolvemos um programa de voluntariado queconvidava os empregados e suas famílias aparticiparem dos projetos que foram surgindo apartir dos contatos com os responsáveis pelaAssociação Evalú. Trata-se de uma associação semfins lucrativos que procura capacitar para o trabalhoos habitantes da Villa Puerta 8 de Podestá ealimenta 94 crianças necessitadas. Evalú foi iden-tificada em nossa comunidade graças aos serviçosda AVINA e por intermédio de uma organizaçãoparceira, a Defensores do Chaco.

O voluntariado incide em oferecer mão-de-obra para Evalú. Essa mão-de-obra é a dos nossosfuncionários e de suas famílias. A contribuição daempresa é oferecer tempo, ou seja, o voluntáriopode realizar seu trabalho durante as horas deturno, até um máximo de cinco dias completos porano. Até o momento temos oito projetos, alguns játerminados, outros em andamento e outros na fila.Alguns exemplos de projetos: construção debanheiros no restaurante da associação,manutenção do seu refeitório, coleta de alimentosnão perecíveis (das mãos de fornecedores eclientes), oficina de costura, horta familiar,educação e prevenção sexual para adolescentes,

intervenção em caso de violência familiar, lazer,etc.

Consideramos muito importante essa “pon-t e ” c o m a c o m u n i d a d e p r ó x i m a , p o i s ,independentemente do fato de colaborarmos e nos

r e l a c i o n a r m o scom ela, as esposase os filhos dealguns dos n o s s o so p e r á r i o sp r o c u r a m o sserviços de Evalú,pois são famíliasmuito humildes enumerosas que,apesar dos maridos

terem trabalho, convivem com outras necessidades.Além disso, o trabalho na comunidade

permitiu que nossos funcionários se sentissemmelhor com eles mesmos e com a AMANCO. Oambiente de trabalho melhorou notavelmente: de72% para 82%, de acordo com a medição no finalde 2002. Também melhoraram outros indicadoresque, apesar de não fazerem parte da estratégiade sobrevivência, são componentes permanentesda estratégia da AMANCO. Por isso podemosdizer com satisfação que diminuíram os gastoscom energia e água, o número de acidentes (em2003 não tivemos nenhum), a rotatividade demão-de-obra, o desperdício de matéria-prima, en-tre outros indicadores.

Ainda não sabemos quanto dessa melhora sedeve ao comportamento responsável daAMANCO Argentina quando enfrentamos ascrises às quais nosso país e o nosso continente jáestão habituados. Talvez só daqui a um bomtempo se saberá. Porém, estamos confiantes ehoje podemos relatar essas experiências porquenos momentos mais difíceis não nos afastamosnunca do cumprimento da Visão, dos Valores eda Missão do Grupo. Essa maneira de agir nosproporciona consciência tranqüila no presente, aomesmo tempo em que nos predispõe a atuar comtoda energia e vontade com vistas ao futuro. Aexperiência de vida pela qual passamos nosmantém com a cabeça erguida para enfrentarmosos desafios que virão em médio e longo prazos.

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Entrevista com Gerardo OurracarietGerente Geral da AMANCO Argentina

POR SIBYLLE FELTRIN

Depois de quatro anos de recessão, em dezembro de 2001, a criseargentina piorou. Uma das medidas anunciadas pelo governo para

deter a queda dos depósitos foi limitar os saques bancários a 250pesos semanais, o famoso “corralito”. Simultaneamente, o

desemprego chegou a um ponto extremo, com 2,53 milhões dedesempregados, que representam 18,3% da população

economicamente ativa. Os argentinos protestaram com greves, saquese manifestações que resultaram em mais de 30 mortes. Em menos deduas semanas, a Argentina teve cinco presidentes, até que em 1º de

janeiro de 2002 foi nomeado presidente interino o peronista EduardoDuhalde. Por causa da contínua fuga de capitais, uma das primeirasmedidas de Duhalde foi suspender a paridade do peso em relação aodólar norte-americano, medida criada em 1991 pelo ex-presidente

Carlos Menem para deter a hiperinflação. O peso sofreu uma grandedesvalorização e, em conseqüência, a população perdeu grande parte

de suas economias, ficando inadimplente e sem poder pagar suasdívidas, a maioria cotada em dólares. Neste contexto de crise

econômica, política e social, a pobreza e a fome cresceramdesmesuradamente, mergulhando a sociedade argentina em uma crise

extremamente grave.

SIBYLLE FELTRIN: A crise, na realidade,não começou em dezembro de 2001. Em junhodaquele ano, a AMANCO foi obrigada a fecharuma unidade em Rosario. Como o Sr. viveu esseprocesso e como foi o fechamento?

GERARDO OURRACARIET: Situaçõescomo essa são muito duras. Para evitar qualquertipo de erro, contratamos uma empresa especia-lizada em gerenciamento de crises para, juntos,elaborarmos um plano detalhado, e como equando comunicar aos atingidos. De acordo comespecialistas em comunicação, o maior risco era asituação ser noticiada pela imprensa e os habi-tantes do bairro reagirem com atos violentos. Ébom lembrar que Rosario é uma região conhecidapor elevados índices de desemprego (mais de50%) e alto grau de violência. Além disso,tínhamos de comunicar e discutir a decisão sobreo fechamento com o sindicato local, que semprehavia utilizado a fábrica de Rosario como um

modelo para atividades sindicais. Dentro do con-texto, nos saímos muito bem e creio que não co-metemos nenhum erro de comunicação.

Além disso, tomamos várias medidasconcretas para apoiar nossos funcionários. Umgrupo de psicólogos se encarregou, por exemplo,dos aspectos emocionais. Também oferecemosuma indenização bastante generosa (superior àestabelecida por lei) e ajudamos a todos para quea utilizassem ou investissem bem. O FUNDESnos assessorou no processo de “desligamentoassistido”, aplicando o programa “Comece suaEmpresa”. Com esse programa, os funcionáriosdemitidos foram capacitados para abrir suaspróprias microempresas. Atualmente, algunsvendem pizzas ou bolachas, outros são donos decreches, etc. No total, 53 aderiram ao programa;o u t r o s n ã o q u i s e r a m p a r t i c i p a r. Ta m b é moferecemos um seminário de marketing pessoal,para ajudá-los a vender melhor seus talentos.Além disso, oferecemos trabalho a 13 funcionários

na unidade de Pablo Podestá. Apesar de ficarbastante longe de Rosario, todos aceitaram a ofer-ta e até hoje nenhum se demitiu. A AMANCOlhes oferece casa e comida de segunda a sexta-feira, e transporte de regresso a suas casas nosfinais de semana.

SF: Como a crise de dezembro de 2001 semanifestou na AMANCO Argentina?

GO: A crise atingia de forma significativa asvendas e a produção da empresa. Comparando ovolume de vendas de 1999 (28 mil toneladas) como de 2002 (7.270 toneladas), se constata uma gran-de queda: 74%.

Em 2001, o ambiente de trabalho tambémficou péssimo. Eu percebia uma grande mudançaquando andava pelos corredores. Comoconseqüência da crise, os funcionários haviamperdido a vontade de dialogar com os gerentes,com medo de se inteirar de algo ruim, preferindobaixar a cabeça para passarem despercebidos.Dessa forma criou-se um abismo entre a gerênciae os empregados. No final do ano, os indicadoresda pesquisa de clima organizacional confirmavamminha percepção e o indicador geral de 72% eraum dos mais baixos de todo o Grupo. Porexemplo, apenas 63% dos empregadosmanifestavam “confiança na empresa”; só 43%pensavam que “a empresa estava conseguindo osresultados esperados”; não mais que 53% percebia“estabilidade e futuro na empresa”, e apenas 55%afirmavam que “na empresa existem oportunidadespara eu me desenvolver e fazer carreira”.

Levando em consideração a crise do país,mais algumas medidas não populares que tivemosde tomar para sobreviver após o fechamento dafábrica de Rosario, esses indicadores eramcompreensíveis, porém, nada satisfatórios.

SF: Nesse contexto difícil, quais medidas oSr. decidiu tomar?

GO: Quando existe uma crise grave é precisotomar decisões duras para sobreviver como, porexemplo, demitir funcionários. Coube a mim, porvárias vezes, fazer esse trabalho duro. Nos seusmelhores tempos, a AMANCO Argentina chegoua ter um total de 450 pessoas, com três fábricas.Como sub-gerente tive de demitir 70-80 pessoas

de uma única vez. Com o fechamento da fábricade Rosario ficamos reduzidos às 130 pessoas quefazem parte da nossa folha de pagamentoatualmente. Como conheço todos pelo nome e seida situação familiar de cada um, isso foi aindamais difícil para mim.

Outra medida imediata foi reduzir os altossalários para diminuir custos. O que fiz foi falarpessoalmente com cada funcionário. Dessamaneira, o empregado recebe a informaçãodiretamente da pessoa que toma a decisão. E istoé muito importante porque proporciona certa re-serva moral para enfrentar qualquer situação fu-tura, na qual você tem de tomar uma decisão pa-recida. Na maioria dos casos, as pessoas souberamentender e valorizaram as coisas que foram feitas.

Essas são decisões muito difíceis, mas eu tinhatudo muito claro: queria devolver ao Grupo a maiorparte possível dos esforços e dos milhõesinvestidos na Argentina. Minha prioridade erasalvar a operação e a fonte de trabalho. Essa era aluz no fim do túnel nesse cenário tão tenso e difí-cil.

SF: Que outras medidas comerciais foramtomadas?

GO: De um modo geral, a crise nos obrigoua ser criativos e inovadores. Por exemplo,alugamos um espaço dentro da fábrica para umapequena empresa familiar que produz outrosplásticos para, assim, gerar um pouco de caixa, enos encarregamos da exportação de alguns de seusprodutos, garantindo a qualidade. Eles, por suavez, têm a possibilidade de aprender sobre nossosvalores, cultura de ordem e limpeza, etc.

Outra coisa que fizemos, e da qual muito nosorgulhamos, é o fato de alguns técnicos eoperários, que haviam sido transferidos da fá-brica de Rosario, terem construído comdesenvolvimento interno uma máquina queaproveita os refugos de plástico e produz tubosde três camadas. É um negócio altamente lucra-tivo e só foi possível graças à grande experiênciae aos profundos conhecimentos dos nossosfuncionários de Rosario. Em outras palavras, jáamortizamos mil vezes os custos da transferênciados 13 empregados de Rosario para PabloPodestá.

Outro problema que enfrentávamos no setor

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ENTREVISTA COM GERARDO OURRACARIET / GERENTE GERAL DA AMANCO ARGENTINAPOR SIBYLLE FELTRIN

1 EBITDA: ganhos antes dos investimentos, depreciação, impostos e amortização.

sanitário era que já não podíamos contar com osgrandes clientes como parceiros permanentes.Então procuramos clientes de outro nível, aquelesque ninguém quer, e criamos uma forma decomercialização de risco. Como estávamos em umperíodo de crise, tínhamos de arriscar. Mas nãoinventamos nada novo, simplesmente lembramosa crise mundial dos anos 30 e o que os nossos avóshaviam feito naquele momento: compravam o queiam precisar diariamente, mas apenas naspequenas quantidades que pudessem pagar. E foidessa forma que criamos a AMANCO VendaMóvel, um serviço para clientes AMANCO. Esseserviço dispõe de uma variada oferta de maisde 50 produtos diferentes, e a compra, ofaturamento, a remessa e a entrega são feitos pormeio de uma única operação. Para desenvolveressa nova forma de venda, juntamos uma frota queno começo contava com apenas dois caminhõesmédios na Capital Federal e na Grande BuenosAires. Atualmente, contamos com cinco nessaregião e mais dois caminhões em Córdoba eRosario. A AMANCO Venda Móvel produzexcelentes resultados. Por exemplo, duplicamoso número de clientes do mercado sanitário. Nãose deve esquecer que esse tipo de cliente é muitocumpridor de seus deveres e dificilmente atrasaseus pagamentos. Trata-se de um negócio ondetodos se beneficiam: pela falta de intermediário,os clientes contam com um preço mais justo e nóscom uma margem melhor de benefício. Ou seja,atualmente, a Venda Móvel corresponde a 15%do total de nossas vendas, mas a margem bruta éde 40%, o dobro de uma atividade tradicional.

Além disso, no final de 2002 aproveitamos a Ven-da Móvel e nossa rede de distribuição para levar ali-mentos às pessoas mais necessitadas, próximas à nossacomunidade, por meio de um projeto de voluntariadoque reuniu clientes e colaboradores. Os clientes queconseguiam a comida confiavam em nós e sabiam queos alimentos chegavam ao destinatário final. Foi umaexperiência muito bonita.

No setor de infraestrutura, partimos para avenda direta, eliminando a intermediação do dis-tribuidor. Na agropecuária, potencializamos a ven-da direta para os produtores porque são “bonspagadores”. O produtor não tem os vícios dealguns clientes da cidade. Quando colhe, ele pagaimediatamente.

Por falta de dinheiro, também fomos muitocriativos na área de marketing: deixamos de ir àsgrandes feiras e procuramos o contato direto comnossos clientes, distribuidores e lojistas. Alémdisso, em vez de sermos patrocinadores de umclube de futebol de primeira divisão, hojefazemos cartazes com o logo da AMANCO e da-mos de brinde aos nossos clientes. Não restadúvida que essa estratégia de aproximação nosproporcionou um número maior de clientes, masé difícil medir quantos mais. O que, sim, sabe-mos é que os índices de satisfação chegam a 96%.

SF: Quais medidas foram tomadas paramelhorar o ambiente de trabalho?

GO: Por toda empresa senti algo que jápercebia nos corredores e no refeitório quandofalava com alguém: as pessoas, pelo simples fatode terem trabalho, sentiam-se obrigadas a fazeralgo pelo próximo, mas não tinham tempo livrepara dedicar-se. Isso eu senti. Dessa forma, haviaterreno fértil para um programa de voluntariado.Fabián Ferraro, líder-parceiro da AVINA, fez umaanálise para identificar os líderes dos bairros nasproximidades da nossa empresa e nos recomendouque fizéssemos parceria com a Evalú, umaorganização sem fins lucrativos. Eva, a fundadora,é uma professora que dedica todo o seu tempolivre para capacitar pessoas ao trabalho. Alémdisso, todas as noites ela oferece refeições para94 crianças pobres. Por falta de orçamento, aAMANCO não pôde financiar com dinheiro, mas,para isso, existem outras empresas grandes naregião comprometidas com essa causa. Mas Evasempre diz que nós conquistamos o coração deEvalú. Por meio do programa de voluntariado, osfuncionários da AMANCO e suas famílias apóiamcom mão-de-obra e conhecimentos diversasatividades de Evalú, entre elas, a construção deum refeitório e de banheiros, além dotreinamento dessas pessoas para o trabalho. Alémdisso, a AMANCO permite que cada empregadoutilize até cinco dias de trabalho por ano paraatividades voluntárias. Em muitos casos, nossopessoal ultrapassa esses cinco dias permitidos.

Também organizamos dentro da empresauma Jornada Solidária para os funcionários e suasfamílias, com peça de teatro, visita à fábrica eapresentações de Evalú. A entrada era a doação

de um alimento não perecível por pessoa, poste-riormente destinado a outros refeitórioscomunitários.

SF: Que importância tinha a AVINA,naquele momento, para a AMANCO?

GO: A relação com a AVINA era – e ainda é –fundamental para o gerenciamento de crise. AAVINA é a nossa referência para trabalharmos comnossos diferentes públicos que são, entre outros,os colaboradores internos, a comunidade e tambémos fornecedores. É crucial o apoio da AVINA noprograma de voluntariado. É aí onde a gerência daAMANCO e eu tiramos o sangue da AVINA. Àsvezes, o pessoal da AVINA nem percebe.

Iniciamos com Pedro Tarak e CarmenOlaechea, e suas respectivas equipes.Começamos a nos reunir com outros empresáriosinteressados e a implementar coisas queemergiram desses encontros como, por exemplo,o programa de voluntariado. Os resultados foramimediatos. O que acontece quando as pessoasvêem que o gerente geral também se envolve emassuntos sociais, trabalha de forma responsávelcom os clientes e os colaboradores, e tenta, alémdisso, devolver os 20% do salário que havia sidonecessário cortar? Tudo isso produz uma grandetranqüilidade. O silêncio nos corredores desapa-rece e o ambiente de trabalho melhora. Hoje emdia, o voluntariado é uma atividade comum den-tro da empresa e posso conversar com os mais sim-ples funcionários sobre as nossas atividadessociais com a comunidade. E isso é algo muitoimportante. Diria que a recuperação aconteceu apartir dessa estreita cooperação com a AVINA.

SF: Como essas atividades sociaisrepercutem nos resultados da empresa?

GO: Estou plenamente convencido de que amelhora dos indicadores se deve, em parte, aonosso compromisso de Responsabilidade SocialEmpresarial. Nesse contexto, queria ressaltar umfato: existem clientes que aceitam pagar até 10%a mais por nossos produtos porque sabem quetemos um comportamento social e em relação aomeio ambiente responsável. Ou seja, hoje em diaa vantagem competitiva não se restringe a ven-der produtos de alta qualidade, mas também

envolve um comportamento socialmenteresponsável por parte da empresa.

Se compararmos os indicadores de 2001 comos de 2002, podemos constatar que o EBITDA1

muda de 2,2 milhões de dólares negativos para310.000 dólares; economizamos energia; o núme-ro de acidentes baixou de oito para zero e os diasperdidos por acidente de trabalho de 54 a zero.Isto representa muito dinheiro. Para reduzir onúmero de acidentes, tivemos uma idéia muitoboa: em segredo, convidamos as esposas e osfilhos dos nossos funcionários para fotografar ascrianças nos tubos, brincando com as peças e comos óculos de proteção. Fizemos cartazes com fra-ses como “Papai, respeite as normas de segurançaporque te esperamos para o jantar em casa”. Nodia seguinte, o impacto foi incrível quando osfuncionários chegaram e viram as fotos e as fra-ses dos seus filhos por toda a fábrica.

SF: E como tudo isso influiu no ambientede trabalho?

GO: Os indicadores do clima no ambientede trabalho são significativos. Se em 2001 a médiaera de 72%, em 2002 aumentou para 82%. Hoje,os indicadores mais altos referem-se à missão daempresa: subiu de 70% para 85%; o de motivaçãopassou de 73% para 85%; o de segurança e am-biente, de 77% para 85%; o de valores, de 73%para 85% e o de trabalho em equipe, de 75% para86%. Estou muito satisfeito com esses índicesporque vejo que a Responsabilidade Social Em-presarial faz os funcionários mais felizes e, alémdisso, paga.

SF: O Sr. pensou em algum momento quenão iria conseguir mudar a situação?

GO: Não. Apesar de tudo, eu sempre tivecerteza de que não fecharíamos: 50% porqueconfiava nos meus colaboradores; os outros 50%eram pura intuição. Dói muito viver uma situaçãocomo essa. Com o gerente financeiro elaboramosum plano muito detalhado para cada cenário defechamento (concordata, saída moderada, etc.).Naquele momento, o primeiro objetivo era gerarcash flow. Mas não podia falar disto com maisninguém dentro da empresa. Em casa, sim,compartilhava com minha esposa.

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ENTREVISTA COM GERARDO OURRACARIET / GERENTE GERAL DA AMANCO ARGENTINAPOR SIBYLLE FELTRIN

SF: O Sr. sentiu-se apoiado pelo Grupo?

GO: Em todos os sentidos, me senti apoiadopor todos. Uma conseqüência de toda essa crisepoderia ter sido perder meu trabalho. Mas vouser sincero: sempre recebi um apoio muito, muitogrande por parte da gerência do Grupo e nuncame senti sozinho. As discussões sobre um possívelfechamento eram muito duras, mas ninguémduvidava da veracidade dos dados que euoferecia. Isso me deu muita segurança etranqüilidade. Sempre tentei ser muito objetivoe fazer o que era melhor tanto para o Grupo comopara nós: se for necessário fechar, vamos fechar.Se for preciso manter apenas a atividade decomercialização até que as coisas melhorem, va-mos fazê-lo. Porém, confesso que coloquei todomeu conhecimento profissional no cenário defechamento, mas meu profissionalismo e todo omeu coração estavam no cenário da recuperaçãoda empresa, que era minha hipótese desde ocomeço.

Acredito que meus chefes gostaram dessaatitude. O que mais me reconforta é que sintoque acreditam no que faço. Nunca percebidesconfiança. E isso é fundamental.

SF: Qual foi o maior obstáculo fora da criseeconômica?

GO: Sem nenhuma dúvida eram os roubosna empresa. O impacto foi muito grande. Imaginedez pessoas entrando armadas com fuzis. Você nãosabe como vai terminar tudo isso, e sua vida estáem jogo. A situação fica muito complicada. Nessesmomentos, à insegurança em relação ao trabalhojunta-se a insegurança pessoal. O primeiro rouboocorreu no Natal. Fazia dois dias que o governode Fernando de la Rúa havia caído, todas as ruasestavam cheias de gente com paus e armas.Porém, não era o exército; eram pessoasrevoltadas que queriam se aproveitar da situação.Eu queria ir à empresa para ver o que havia acon-tecido. Sem titubear, minha esposa disse: “voucom você”. No caminho havia veículos queimadose tive de passar com a caminhonete por um de-clive e me abaixar para chegar ao escritório.Minha sensação pessoal, idêntica à das pessoascom as quais conversei no dia seguinte, era deque se essa situação durasse muito tempo não

haveria solução. Não poder entrar nem sair dafábrica. Era um problema externo e incontrolávelque nos mantinha preocupados. Felizmente, osroubos foram diminuindo e logo a situação foicontrolada. Hoje, com a ajuda dos especialistasdo Grupo , contamos com uma nova estratégia desegurança e as pessoas sentem-se mais seguras.O resto, gerenciar a empresa sem essa ameaça,foi mais fácil.

SF: Quais foram as lições dessa crise para o Sr.?

GO: Essa crise nos mostrou duas ou trêscoisas muito importantes. Em primeiro lugar,podemos agir com Responsabilidade SocialEmpresarial durante uma crise por mais dura queela seja. Simplesmente suplantamos o orçamentocom criatividade e idéias inovadoras. Em segundolugar, pudemos melhorar o ambiente de trabalhoao compartilhar com os funcionários e suasfamílias os conceitos de Visão, Missão e Valoresdo Grupo, trabalhando também com os demaispúblicos que influenciamos e que nosinfluenciam. Foi assim que surgiram projetos devoluntariado, preferências de fornecedores dacomunidade a ofertas semelhantes, preferênciapor incorporar pessoal da comunidade quando fornecessário;e, apesar da crise, obter a certificaçãoISO 14000.Finalmente, pudemos ser criativos namaneira de fazer negócios e de atrair novos clien-tes, com projetos como o AMANCO VendaMóvel, que nos possibilitou chegar ao pequenocliente de forma direta.

SF: Se hoje houvesse uma nova crise, o Sr.reagiria da mesma forma? O que faria diferente?

GO: É uma pergunta difícil. Mas gostaria deesclarecer uma coisa: a crise ainda não terminoue é muito forte. Também tento explicar isso aoGrupo, porque alguns indicadores estão melhores,mas ainda não como deveriam estar. A empresaestá equilibrada – ou ligeiramente abaixo doequilíbrio. Devo conformar-me com isso? Não, eunão me conformo.

Dessa forma, é preciso gerenciar a crise per-manentemente. A crise produz vertigem e épreciso compensá-la com outras coisas. Uma coisamuito importante é ser coerente, agir de acordocom certos critérios e ajudar na capacitação e notreinamento das pessoas, da maneira que for

possível. Sim, teria feito algumas coisas demaneira diferente. Porque o gerenciamento decrises produz uma experiência valiosa. Minharelação com o Grupo também amadureceu. AAVINA jogou um papel muito importante, e mepermitiu compreender realmente a visão e amissão do GrupoNueva e da AMANCO.

SF: Como essa crise atingiu o Sr. comoindivíduo? Como sua esposa reagiu?

GO: Durante todo esse período recebi muitoapoio do Grupo AMANCO e também da minhaesposa, da minha família. E isso foi fundamental.

No aspecto pessoal, minha vida não mudou.Minha esposa estava muito preocupada com aminha reação diante de uma situação tão difícil.Mas não tive problemas de saúde, nemconseqüências do stress; tampouco tive uma noitede insônia porque, quando a situação fica muitotensa, mantenho uma calma muito grande. É omeu estilo pessoal. Por isso, não sofriterrivelmente.

Porém, uma coisa que sempre me preocupaé a demissão de funcionários. Mas, em situaçõesde crise, deve-se tomar decisões duras parasobreviver, para não ter de fechar todas as fábri-cas e colocar em risco todos os postos de trabalho.

Talvez a chave esteja em não perder a calma evoltar todos os esforços nas coisas que devem serfeitas, que são inevitáveis. Dedico muito tempo nadefinição dos critérios e na coerência da minhaestratégia pessoal. Apenas depois coloco tudo emprática. Nesse contexto quero ressaltar uma coisa:somente entendo a visão do Grupo há três ou quatroanos e admito que assim o trabalho se torna maisfácil. A obrigação de cada gerente geral é ter umavisão ampla. Minha responsabilidade não é apenascom os nossos funcionários, mas também com acomunidade. Então, a execução das atividades deResponsabilidade Social Empresarial é lógica, nadacomplicada. Se você está convencido dos valoresdo Grupo e se estes são coerentes com seus própriosvalores, você vai em frente.

SF: Quando o Sr. teve certeza de que iriaalcançar seus objetivos?

GO: Quando os indicadores começaram amelhorar. Em outubro de 2002 percebi que ascoisas estavam melhorando. Lembro de umencontro de líderes em Pirámides, onde Stephan

Schmidheiny disse: “Parece que saímos dovermelho, na Argentina”. Eu não sabia que eleestava tão informado e, pela primeira vez, mesenti realmente bem. Havíamos conseguido re-sultados positivos, mas, quando você vive dentroda trincheira do cotidiano, você não percebe. Essecomentário me fez muito bem e fiquei tranqüilo.Agora, minha vontade é de que as coisasmelhorem ainda mais.

Isso me lembra uma situação bem concreta.Em novembro de 2002, eu estava na Patagonia.Com meu filho e um amigo dele fomos a um lagoem um bote improvisado. Da praia, minha esposatirou uma fotografia. De repente, um golpe devento nos levou para uma parte profunda e escurado lago. Disse aos meninos: “Garotos, vamos paraa costa”. Nós três remamos com as mãos, com acabeça baixa, sem colocar o corpo n’água porqueestava muito fria. Em determinado momento,minha esposa, da praia, disse: “Parem de remar,porque já dá pé”. Desci do bote e a água chegavaaos meus joelhos. O que aconteceu? Às vezes,você está remando até a costa, com a cabeça baixa,e não percebe que já chegou na praia. Foiexatamente isso que senti quando Stephan fezseu comentário.

SF: Neste momento, como o Sr. vê o futuroda empresa?

GO: Este ano estaremos dentro do objetivoque ainda não é o da rentabilidade. Tudo é umgrande desafio, mas consigo vislumbrar umapequena rentabilidade para o próximo ano. Oprimeiro objetivo era gerar cash flow positivo paranão fechar; agora começamos a ter novamente ob-jetivos de rentabilidade.

Para mim, o grande sucesso foi sair da crisee, ao mesmo tempo, não relegar a um segundoplano a Responsabilidade Social Empresarial. Éimportante não esperar sair da crise para depoisintegrar a RSE na política da empresa. Para mim,esta é a grande diferença. Acredito que as duascoisas podem ser feitas paralelamente. Porexemplo, havíamos pensado em interromper oprocesso de certificação ISO 14000. Como pensarem ISO 14000 se você está a ponto de quebrar?Decidimos continuar trabalhando para obter acertificação, diminuindo um pouco as atividades.Porém, nunca deixamos de trabalhar nessadireção. Tenho certeza de que este é o caminhocorreto.

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POR SIBYLLE FELTRIN

E o navio zarpa...lembranças de uma crise – AVINA Argentina

Resumo da troca de idéias entre os Representantes da AVINA Argentina nomomento da crise: Carmen Olaechea/Buenos Aires, Pedro Tarak/Patagônia,

Germán Castellanos e Mercedes de Urquiza/Córdoba e Carlos Oxenford,Centro de Serviços Cone Sul (CSCS).

A crise na Argentina recrudesceu no dia 19 de dezembro de 2001 quando, nomeio de uma onda de saques no comércio, greves, distúrbios e protestos nasruas (“cacerolazos”), o governo decretou estado de sítio. Quinze dias antes,

o governo havia imposto limites de acesso a todas as contas bancárias,inclusive as depositadas em dólares. No final do ano, bloqueou de vez o

acesso às contas de poupança, aos investimentos a prazos fixos em pesos eem dólares superiores a 5.000 dólares.

PRIMEIRAS REAÇÕES DA AVINADIANTE DA CRISE

Com a crise, o trabalho das equipes dos diver-sos escritórios da AVINA mudou bruscamente parase concentrar na necessidade urgente de resolverproblemas complexos como pagamentos, brigas comos bancos, etc. e facilitar o funcionamento daSociedade Civil.

A AVINA Córdoba, por exemplo, tratou de res-paldar os grupos de parceiros que procuravamrespostas à crescente violência e às necessidadesmais extremas, promovendo o diálogo e aparticipação. Na verdade, todos os escritórios daAVINA Argentina tiveram de dar respostas quefacilitassem o desenvolvimento dos projetos de seusparceiros em uma situação de muita insegurança.

Aliás, uma das sensações mais fortes vividasnaquela época era a insegurança, exatamente ocontrário do que a maioria das pessoas queria, istoé, segurança. Apesar de a gestão de risco terproduzido algumas respostas simples em relação aosprojetos em andamento e aos desembolsos, a própriainércia do deslocamento da situação não permitiaque a AVINA oferecesse muitas certezas.

Ações funcionais relativas às iniciativas dosparceiros da AVINA:

As primeiras dificuldades a superar diziamrespeito ao sistema financeiro, à instabilidadecambial e à incerteza geral, o que nos forçou a

congelar os de-sembolsos bem como a tramitaçãode novas iniciativas. Em um segundo momento, foiimprescindível inventarmos sistemas criativos paraoferecer respostas e manter nossa credibilidade.

Ações estratégicas em relação aos líderes e à posiçãoinstitucional da AVINA:

O grande desafio para a AVINA era manter umaimagem de espaço neutro e imparcial, mas que aomesmo tempo não fosse interpretado como falta decompromisso. Nesse contexto foi muito importantemanter uma independência equilibrada diante dasações produzidas pelos próprios líderes, com o pro-pósito de preservar a AVINA como uma valiosaferramenta.

Se Desejava que a AVINA continuasse sendoum espaço de reflexão dos valores do DesenvolvimentoSustentável e uma plataforma de conexão e deoportunidades para a construção de relações decompanheirismo. No dia 19 de dezembro de 2001,por exemplo, um grupo de líderes de Córdobasolicitou o escritório da AVINA para uma reuniãopor este ser um espaço neutro e com capacidade deorganização, sem que isso obrigasse a afluência a seinclinar para um ou outro lado.

Preparação do Plano de Contingência:Apenas três dias depois de explodir a crise,

estabelecemos um plano para garantir, no curtoprazo, o funcionamento dos escritórios. Tambémtomamos as medidas necessárias para garantir a

segurança física dos empregados. Além disso,instituímos prioridades sobre as seguintes questões:• Preservar o capital social: os líderes e suas

organizações continuariam ativos e funcionando.• Aumentar os serviços não financeiros: substituir

e/ou agregar desembolsos por encontros,informação, inclusão, etc.

• Revisar os planos operacionais dos escritórios:redefinir objetivos e prioridades, e estipular re-cursos de acordo com a estratégia ad hoc definida.

Em fevereiro de 2002 – depois de um mês emeio de instalada a crise – foi formalizada a “Equipede Gestão de Riscos” responsável pela preparaçãode um “Plano de Contingência”. Aos parâmetros de-finidos em dezembro foi agregado um mapadetalhado de cenários e ações cujo objetivo era o degarantir o funcionamento dos escritórios a médio elongo prazo, a segurança do pessoal e o capital socialconstruído. Isso envolveu a identificação dasnecessidades de apoio e a preparação de planos bá-sicos de contingência diante dos prováveis cenários:o mais pessimista receava a derrocada total daeconomia, a hiperinflação, o caos social, a violênciaextrema e a impossibilidade de introduzir recursosno país por vias legais, o que significava fechar asportas da AVINA na Argentina. O cenário mais po-sitivo apontava para a preservação do status quo ouuma melhora na situação para continuarmos funcio-nando, aliás, como já vínhamos fazendo.

EXPERIÊNCIAS PESSOAIS

GERMÁN CASTELLANOS: “Vivi essa crise comouma situação de muita ambigüidade. Por um lado,uma grande dor ao ver que não foram evitadas aviolência e as mortes; por outro, ao perceber que jáse tratava de uma situação anunciada, ou seja, asensação de que o modelo desenvolvido naArgentina nos últimos 15 anos era absolutamenteinsustentável e que mais cedo ou mais tardeassistiríamos ao seu final.

Mesmo assim, percebia uma grande oportunidadepela possibilidade de que outros atores pudessemse manifestar diante da desqualificação dos dirigen-tes tradicionais. Ao mesmo tempo, tinha aconsciência de que a velocidade do desmantelamentoe a falta de qualificação dos governantes que nos haviaconduzido a essa situação – com aquiescência detodos – eram mais rápidas do que o desenvolvimentode outros líderes com diferentes valores. Portanto,não havia a possibilidade de produzir mudanças emcurto prazo. Porém, a situação acentuava anecessidade de dar respostas aos problemas

imediatos, mas tendo certeza de que o trabalhoverdadeiro era a construção de uma cidadaniaresponsável, paulatinamente a longo prazo”.

CARMEN OLAECHEA: “Para mim, a situação foide muita angústia e também de uma certa desilusãoao constatar que a rede não funcionava comoesperávamos. Era meu primeiro ano como Repre-sentante da AVINA e, além da ansiedade de iniciaressa função, por alguns momentos eu sequeracreditava que estava vivendo uma situação tãoterrível. De dezembro de 2001 a junho de 2002 foicomo estar dentro de um túnel, ou melhor, dentrode dois: um de luz, no qual depositava minha maisíntima convicção de que a equipe de Buenos Airessairia fortalecida e consolidada diante dacomplexidade da situação; o outro túnel era escuro,cheio de intermináveis horas de trabalho e umasensação permanente de esgotamento. Nosprimeiros seis meses trabalhei todos os finais da se-mana. Cheguei a tamanho estresse que podia ficarsentada horas diante da janela com a cabeça vazia.E foi o que fiz durante as férias. Sempre tinha do-res no estômago e admito que não sei o que teriafeito sem o apoio do meu marido. Mas semprepredominava o otimismo. Se eu não tivesseotimismo, por que a equipe haveria de ter?”

PEDRO TARAK: “Vivi toda essa situação commuita dor, mas já pressentia que algo estava poracontecer; a crise não havia chegado de surpresa.No entanto, me incomodava o fato de ser um privi-legiado nessa crise. Por isso, quando me informaramsobre o corralito, não tirei meu dinheiro do banco.Não podia fazê-lo, não podia ir contra meus valoresmais íntimos. Já havia vivido crises anteriores commortos e tudo. Essa crise era diferente, mas o quemais me atemorizou foram os boatos de que iriamcontrolar todas as ONG’s. Na psicose do medo, noslembramos imediatamente do passado e imagina-mos o pior. Mas, no fundo, eu tinha muita esperançae sabia que iríamos sair dessa. Hoje estou muito maisforte.”

CARLOS OXENFORD: “No aspecto estritamentepessoal foi diferente. Por um lado, ver familiares,amigos e companheiros de grande talento abando-nando o país pela dificuldade de conseguir trabalho.Isso me fazia sentir tristeza e raiva ao mesmo tempo.A pobreza crescente, certamente, me causava muitapreocupação. A falta de recursos das pessoas ajudoua fomentar a delinqüência, fazendo crescer ainsegurança, que também me atingiu pessoalmente.Minha maior preocupação era a possibilidade de umrompimento de vínculos entre os diferentes extratossociais, nem sempre antagônicos, além da violência

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POR SIBYLLE FELTRIN E O NAVIO ZARPA... LEMBRANÇAS DE UMA CRISE – AVINA ARGENTINA

gerada por ter de enfrentar uma situação limite. Mastudo isso estava misturado com a esperança de quea Argentina, em algum momento, teria de ascenderdo fundo do poço. E esse momento havia chegado.”

REAÇÃO DAS EQUIPES

“Os mais antigos da equipe já haviam vividosituações extremas – a ditadura e a hiperinflação,por exemplo, que embora com aspectos diferenteseram igualmente intensas – e isso foi fundamentalpara respaldar os mais jovens”, conta Carmen. “Aangústia da equipe durou apenas uns dias. Depois,recuperamos uma coesão e um espírito de equipeimpressionantes. Tínhamos uma preocupação pri-mordial – que país temos? – e uma imediata e coti-diana – como continuar trabalhando com tantasincertezas? A equipe demonstrou uma capacidadede moderação e empatia notáveis, e grande criatividadepara dar respostas aos líderes no dia-a-dia”.

“Em Córdoba, o maior desafio foi manter umequilíbrio entre o compromisso pessoal e anecessidade de preservar a AVINA como ferramentapara a construção do Desenvolvimento Sustentável.Era importante evitar que a AVINA fosse acusadade manipular a política local. Vivemos bem de pertoa reação de Fernando Barbera, que naquele momen-to dividia seu papel de empresário do setorgastronômico com uma consultoria para a AVINAem meio período. Em determinado momento, seucompromisso pessoal prevaleceu sobre todos osdemais e ele proibiu a entrada de políticos efuncionários públicos em seus restaurantes até queeles pusessem em dia suas contribuições para osrefeitórios infantis da sua cidade, Mendoza. QuandoFernando assumiu essa atitude, ele interrompeu suarelação de trabalho com a AVINA, para impedir aexposição pública e diminuir os riscos para ainstituição”.

REAÇÃO DOS LÍDERES E DAS REDES

Buenos AiresImediatamente, os líderes assumiram sua

responsabilidade diante de suas equipes, tentandocontê-las e tranqüiliza-las. No entanto, quando acrise se agravou, muitos acudiram aos escritórios daAVINA, alguns chorando e muito angustiados,temendo não ter mais acesso aos recursos e perdersuas equipes e a capacidade de cumprir com seuscompromissos. Além disso, alguns deles se viamobrigados a distribuir comida, algo que nuncahaviam feito antes. Quando a crise explodiu, os lí-

deres não contavam com parcerias e cada um lutavacom seus próprios meios, ou seja, a rede de líderesainda não funcionava como se esperava.

CórdobaUm grupo de líderes muito próximos a AVINA

tomou a iniciativa e se organizou a partir do momen-to em que a crise explodiu. Essa atitude de liderarum processo de organização em resposta à crise foiconseqüência de um trabalho de construção decompanheirismo previamente realizado pela AVINAe que, diante do aprofundamento da crise, serviude estímulo para eles.

No dia 19 de dezembro veio à tona a percepçãode que, diante da gravidade da situação, asorganizações da sociedade civil não podiampermanecer indiferentes e deviam se mobilizar paraminimizar os prejuízos no curto prazo, e começar apensar no longo prazo como protagonistas daconstrução de um futuro melhor. Ao entardecer dodia 20 de dezembro, esse grupo de líderes criou ummovimento cidadão denominado “O Início doInício”, com a definição de quatro princípios básicosque orientariam sua ação e um chamamento para apacificação e o diálogo. Eles desejavam assumir umpapel cívico que extrapolava os limites do seucompromisso com a própria organização e ampliavasua contribuição a um desenvolvimento maissustentável em situações extremas.

OPORTUNIDADES DA CRISE

Germán insiste no fato de que refletir sobreCrise e Oportunidades não deve nos fazer esquecerque, além das oportunidades que surgem, todosteríamos preferido evitar a crise e tudo que veiojunto com ela: perda de vidas humanas, de valores,de modelos de comportamento e de bens. Noentanto, diante do inevitável, é essencial identificare capitalizar as oportunidades a partir da crise e nãoficar a mercê de suas conseqüências negativas.

Oportunidades para a sociedade:

A SOCIEDADE SE ORGANIZA: Em abril de 2002,depois de alguns meses de profundo silêncio dasociedade, era possível constatar, em Buenos Aires,uma ânsia das pessoas em se unir e se organizar: asuniversidades ofereciam atividades queproporcionavam a reflexão; as ONG’s se uniam,promovendo encontros em praças, etc. Em Córdoba,a crise ajudou a aproximar os protagonistas domundo social e do mundo empresarial, que antesresistiam a uma atuação cooperativa.

AUTODETERMINAÇÃO:

Outra oportunidade foi o fato de as pessoas jánão se considerarem vítimas, mas decidirem tomaras rédeas em suas próprias mãos. Carmen comenta:“Já que ninguém acreditava em nosso dinheiro,decidimos pelo ‘monopólio’. Começamos a fazernotas, os famosos ‘patacones’. ‘lecopes”, etc., quenão tinham valor oficial. Mas todo mundo (comexceção das farmácias), aceitou. Foi maravilhoso. Senão tivéssemos feito isso, a crise social teria ficadofora de controle”.

Oportunidades para a AVINA:

A possibilidade de dar respostas imediatas,flexíveis e com significado comum em situaçõescríticas como essa, produzia um aumentoexponencial da credibilidade e uma grande lealdademútua entre os escritórios da AVINA e seusparceiros.

Para a AVINA Córdoba, a crise gerou uma ex-celente oportunidade para fortalecer as relaçõesentre os atores da sociedade civil e do empresariado.Antes da crise, a possibilidade de as ONG’sestabelecerem parcerias entre si ou com as empresasera encarada com grande resistência e desconfiança.Porém, consciente de que barreiras como essadiminuem em situações críticas, mas crescempaulatinamente na medida em que a crise seacomoda, a AVINA Córdoba não desperdiçou omomento e facil itou a criação de vínculos,contribuindo, dessa forma, para a abertura de novosespaços de participação.

Graças à crise, a AVINA Buenos Aires pôdemedir a articulação da rede de organizações sociais.Ficou evidente que a cidadania não estava suficien-temente forte e organizada para reclamar soluçõesespecíficas, e que as ONG’s tinham dificuldadespara formar parcerias e desenvolver estratégiascomuns; suas ações se limitavam a dar respostas asituações de emergência para seus beneficiados e àprópria sobrevivência.

LIÇÕES APRENDIDAS

Para a AVINA:

A AVINA definiu suas prioridades para evitarmaiores prejuízos, tratando de salvar as oportunida-des geradas pela crise:

• A antecipação:

A convergência entre o olhar local e a visãomacro da situação nos permitiu antever que essa

crise se desataria. Em várias oportunidades, StephanSchmidheiny y Peter Fuchs (naquele momento Re-presentante Regional do Cone Sul), nos advertiramque a convergência de indicadores macro fatalmen-te resultaria em uma situação onde seria muito difí-cil evitar a violência. Também observaram que essaimpressão coincidia com a percepção dos parceirosda AVINA, que começavam a enfrentar a dificuldadede conter uma situação como essa em seus bairros.

• A assessoria institucional:

Nesse momento, os Representantes consideravamde extrema importância a orientação de Peter Fuchspara fazê-los ver até que ponto a instituição foiextremamente importante para mostrar a todos atéque ponto a instituição em seu conjunto estavadisposta a enfrentar riscos. Essa é uma questão quenão pode ficar apenas a critério do Representanteporque, por estar muito envolvido no problema, émuito difícil, para ele, fazer uma avaliação objetiva.

• A análise profissional dos riscos em situações de crise:

A rápida resposta de Georg Engeli (naquelemomento responsável por AVINA Group Risk &Knowledge Management e pelo Centro de Serviçosde Buenos Aires) proporcionou um espaço de análisedas conseqüências para o staff, os líderes parceirose para a própria AVINA como instituição. Essetrabalho foi de extrema utilidade.

• A flexibilidade de adaptação a situações de mudançada realidade:

A adaptação de políticas e ações para darrespostas às necessidades dos parceiros da AVINAdeve estar fundamentada no conhecimento dadinâmica local, como assim o exigiu, neste caso, ocolapso dos sistemas bancários e de câmbio.

• Adaptar a estratégia do escritório:

Ao constatar que a rede dos l íderes nãofuncionava como era de se esperar em tempo decrise, a AVINA Buenos Aires redefiniu suaestratégia, concentrando sua ação na formação deuma rede de l íderes capazes de trabalhararticuladamente tanto em tempo de paz como emtempo de crise.

Pedro mantém-se firme: “Deve-se criar as redesclássicas temáticas e estratégicas para aumentar oimpacto das ações da AVINA. No entanto, para su-perar a divisão da sociedade, deve-se construir, pa-ralelamente, ‘’andaimes” ou matrizes sociais que

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POR SIBYLLE FELTRIN E O NAVIO ZARPA... LEMBRANÇAS DE UMA CRISE – AVINA ARGENTINA

favoreçam a criação ou a restauração de espaços ondese possa construir valores, companheirismo, afetocoletivo e caminhos comuns. Sem isso, as redes te-máticas podem aprofundar as fragmentações entresi e, dessa forma, os passos em direção aodesenvolvimento sustentável ficam prejudicados”.

Para toda a AVINA – Líderes:Em dezembro de 2002, um grupo de líderes de

Córdoba resumia o que havia aprendido ao constatarque:• Davam valor à crise como uma oportunidade de

aprendizado.• A parceria e a criação de vínculos com outros era

uma necessidade imposta pela conjuntura.• A urgência determinou uma dinâmica de

flexibilidade, inovação e criatividade locais.• As parcerias táticas vislumbraram a possibilidade

de estabelecer objetivos comuns a longo prazo ede evolução para parcerias estratégicas, tanto en-tre organizações sociais como com outros setores,incluindo o Estado.

A partir da recuperação de valores solidários daspessoas e do desenvolvimento dessas capacidadespara produzir “uma grande resposta a um grandeproblema”, as organizações perceberam que sairiamfortalecidas. Paralelamente, advertiram de formacontundente que não cairiam “no enaltecimento dacrise” como oportunidade, e que também nãoconsideravam como naturais as causas e os efeitosde uma crise amplamente anunciada.

CONCLUSÃO

Para a AVINA foi extremamente importantemanter a missão e a visão de longo prazo, bem comoa coerência e operatividade de seu pessoal para de-finir estratégias e planos de contingência. Alémdisso, uma vez definida a estratégia, a flexibilidadee a criatividade eram indispensáveis para responderàs necessidades mais urgentes dos líderes. Final-mente, a crise mostrou que um dos serviçosessenciais da AVINA é criar os espaços para que umarede de líderes articulados possa influir junto àcomunidade.

Em termos gerais, essa crise pode ser interpre-tada como mais uma dessas rupturas na história quemarca o início de um novo processo. Algunsidentificam o fim da era do “não meta o nariz ondenão é chamado” que intimidava qualquerparticipação em questões públicas, uma herançatraumática dos tempos da repressão. Outrosargumentam que os argentinos dormiram no pontoe não foram sensíveis aos “como” por dar preferênciaaos “que” e, por isso, tiveram de arcar com asconseqüências.

A impressão que fica é que o sentimento básicoe comum era a absoluta falta de credibilidade napolítica tradicional e a sensação de que, com baseem um ceticismo são, o povo argentino não estádisposto a entregar cheques em branco a ninguéme começa a descobrir que os processos de mudançacomeçam individualmente, em cada uma daspessoas.

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PUBLICADO POR JANEIRO 2004

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