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CRISE ECONÔMICA, FRONTEIRA DE RESURSOS E O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA: O CASO DA EXPANSÃO DA AGROPECUÁRIA NO ESTADO DE MATO GROSSO Charles Mueller Departamento de Economia, Unb

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CRISE ECONÔMICA, FRONTEIRA DE RESURSOS E O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA:

O CASO DA EXPANSÃO DA AGROPECUÁRIA NO ESTADO DE MATO GROSSO

Charles Mueller

Departamento de Economia, Unb

COMENTÁRIOS INICIAIS

– Não é ainda possível se afirmar, com absoluta convicção, quais os efeitos, a profundidade e a durabilidade da atual crise econômica mundial.

– Foi muito grande o pessimismo inicial dos analistas econômicos, que chegou a beirar o pânico.

– Mais recentemente já se observa certo alívio; recentemente a OCDE identificou o fim da recessão iniciada em 1988 na maior parte dos países, e muitas das atuais avaliações são cautelosamente otimistas.

– Muitos reconhecem que há o risco da ocorrência de recidiva, de efeitos preocupantes.

– IMPACTOS DA CRISE SOBRE A AMAZÔNIA• Via demanda de recursos naturais e commodities que a

Amazônia pode oferecer, que tende a gerar efeitos detrimentais em termos de desmatamento e de abertura de áreas, e elevados níveis das consequentes emissões de gases do efeito estufa .

• Chegou-se a ver a atual crise como fator de redução da destes efeitos, o que nos daria um pouco de tempo para respirar e organizar estratégias visando minorar tais impactos.

• É que as grandes crises do passado geravam forte redução na demanda de recursos naturais que a Amazônia podia suprir.

– Peculiaridade da atual crise: o efeito China. Ou melhor, o efeito da demanda originada especialmente de um grupo de países asiáticos, cujas economias continuam crescendo a despeito da crise.

– Com isto, o efeito de contenção de demanda de recursos naturais acabou sendo bem menos significativo, reduzindo pouco as pressões sobre a Região.

• A preocupação maior com relação ao desmatamento na Amazônia atualmente – às vésperas da reunião de Copenhagem – se prende à liberação que ele produz de gases de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global.

• Levantamento recente do INPE constatou que entre 1999 e 2008 as emissões da Amazônia totalizaram entre 700 e 800 milhões de toneladas de carbono anuais.

• O Governo afirma que vem ocorrendo definitiva redução no desmatamento, mas mesmo que a queda na taxa de desmatamento registrada em 2007 e 2008 seja mantida, espera-se uma redução das emissões para níveis no entorno de 500 milhões de toneladas, o que ainda preocupa.

– Um dos vetores do desmatamento se origina, sem dúvida, no processo de abertura de áreas e de produção de terras para a agropecuária.

– Nosso objetivo aqui é o de discutir a evolução recente desse processo em Mato Grosso, um importante estado com terras na Amazônia e que está sendo palco de expansão espetacular de frentes de atividades agropecuárias.

– Essa expansão atingiu mais fortemente o Cerrado, mas também afetou, de forma expressiva parcelas da Amazônia do estado.

– Na verdade, em razão de circunstâncias históricas, houve certa simultaneidade no desenrolar recente do processo na região do Cerrado e em áreas amazônicas do Estado.

– É que na década de 1970 um grande número de projetos de colonização privados foram instalados no norte de Mato Grosso, muitos em áreas amazônicas ou em áreas de transição entre os dois biomas – do Cerrado e da Amazônia.

– Assim, extensas áreas já se encontravam ocupadas e mesmo abertas quando o presente surto agropecuário atingiu o estado.

PANO DE FUNDO CONCEITUAL:

– A noção de frentes de expansão agropecuária:frentes que se expandem e se retraem no interior de fronteira de recursos, de Donald Sawyer (em“Ocupación y desocupación de la frontera agrícola en el Brasil; un ensayo de interpretación estructural y espacial.” In: CEPAL/PNUMA (Orgs.), Expansión de la Frontera Agrícola y Medio Ambiente en América Latina. Madrid, Naciones Unidas/CIFCA, 1983).

– O modelo de ‘produção de solos’, de GervásioRezende.

• A noção de Sawyer de “fronteira de recursos”, considera a fronteira não como uma linha, mas sim como um espaço socialmente construído.

• A realização do potencial da fronteira é feita mediante a evolução de frentes de atividade – de formas concretas de empreendimentos no campo da agropecuária e/ou da extração de recursos naturais.

• Resultado da ação humana, uma frente de atividade pode impactar de forma expressiva as condições naturais originais de partes do espaço potencial.

• Tem, assim, impactos em termos de liberação de gases do efeito estufa.

Três fatores básicos afetam decisivamente a expansão de frentes de atividade:

• A disponibilidade de terras serem ocupadas, ‘produzidas’ e disponibilizadas para a produção.

• Expansão de mercados. Vem sendo muito importante nesse sentido, o crescimento – interno e especialmente internacional – da demanda por commodities agrícolas e de carnes.

• Por último, mas fundamental: Investimentos em infra-estrutura de transportes, tornando acessíveis partes do espaço da fronteira.

• Um componente do fator disponibilidade de terra pode ser ilustrado mediante o modelo de produção de terra agricultável de Gervásio Rezende (em “Ocupação agrícola, estrutura agrária e mercado de trabalho rural no Cerrado....” IN: Helfland e Rezende, Região e Espeço no Desenvolvimento Agrícola Brasileiro, Brasília, IPEA, 2003, cap. 6).

• Numa abordagem microeconômica esse modelo argumenta que, nos casos de sucesso observam-se no espaço da fronteira, processos de construção de solos agricultáveis.

• Uma objeção ao modelo: muito focado em comportamento individual, numa visão micro; valeria a pena adotar visão mais macro e que tomasse em conta elementos dos conflitos sociais e de eventos complexos que se desenrolam em áreas da fronteira amazônica. Mas ele pode ser útil.

É importante reconhecer que influem, no processo, também:

• Mudanças tecnológicas. Um caso notório é o das tecnologias desenvolvidas pelo sistema EMBRAPA para o Cerrado e mesmo para partes da Amazônia.

• Políticas de desenvolvimento regional. Exemplo para a Amazônia, relevante para Mato Grosso: os já referidos projetos de colonização da década de 1970.

É importante reconhecer que influem, no processo, também:

• Deficiências de infraestrutura institucional. Dificuldade do setor público em implementar normas e políticas. Cobertura deficiente do judiciário.

• Demais políticas agrícolas (crédito, preços mínimos, etc.)

• Políticas macroeconômicas, com efeitos que podem ser tanto positivos como negativos sobre a expansão de frentes agropecuárias.

É importante reconhecer que influem, no processo, também:

• Mudanças tecnológicas. Um caso notório é o das tecnologias desenvolvidas pelo sistema EMBRAPA para o Cerrado e mesmo para partes da Amazônia.

• Políticas de desenvolvimento regional. Exemplo para a Amazônia, relevante para Mato Grosso: os já referidos projetos de colonização da década de 1970.

• Deficiências de infraestrutura institucional. Dificuldade do setor público em implementar normas e políticas. Cobertura deficiente do judiciário.

• Demais políticas agrícolas (crédito, preços mínimos, etc.)

• Políticas macroeconômicas, com efeitos que podem ser tanto positivos como negativos sobre a expansão de frentes agropecuárias.

Períodos considerados:

• O período de 1999 a 2005, de impressionante crescimento da produção e das exportações do agronegócio brasileiro, acompanhados por significantes aumentos de produtividade.

• Como resultado, acelerou-se marcadamente a expansão de frentes agrícolas, que chegaram a atingir fortemente partes da Amazônia de Mato Grosso.

• Paradoxalmente este foi um período difícil para a atividade pecuária – efeito do ciclo do gado.

• Em 2006 e 2007 houve pausa nas condições que favoreceram o surto de commodities, que chegou a gerar algum pânico, mas ele foi novamente retomado – pelo menos em parte – em 2008; atualmente a situação está indefinida, dependendo muito da evolução da crise externa.

• Entre 1999 e 2005 foi impressionante a expansão da agricultura na região de fronteira do Cerrado, mas também, em partes da Amazônia de Mato Grosso.

• A expansão da pecuária bovina também teve impactos nesta última região. Caso mais complexo.

1. Fronteiras de Mato Grosso: evolução da área em lavouras e da lavoura da soja, 1996, 2005 E 2006Área em lavouras

temporárias (ha)

Variação

da

Variação

da

% area

munic. % soja/ Índice

1996 2005 2006

area

95-05

area

05-06

em lav.,

2005

total lav.

05

custo

transp

1. Cerrado Alto Teles Pires 698.854 2.134.705 2.129.453 1.435.851 -693.602 46,1 74,9 2.406

2. Cerrado Parecis 942.747 1.684.955 1.594.502 742.208 -852.294 45,3 73,3 2581

3. Cerrado Canarana 219.521 536.281 424.069 316.760 -107.309 12,6 68,0 1992

4. Cerrado Aripuanã 19.386 193.411 167.948 174.025 6.077 12,1 82,3 4044

5. Cerrado Arinos 37.231 194.837 179.521 157.606 -21.915 1,8 73,0 3174

6. Cerrado SINOP 17.974 181.403 159.731 163.429 3.698 12,6 58,2 2704

Total, áreas - Cerrado 1.935.713 4.925.592 4.655.224 2.989.879 -1.665.345

1. Amazônia Parecis 6145 58844 61524 52699 2680 2,7 68,0 2561

2. Amazonia Canarana 11.544 146.821 156.035 135.277 9.214 8,2 78,8 1992

3. Amazônia Aripuanã 36.962 219.004 196.138 182.042 -22.866 1,8 73,0 4044

4. Amazônia Arinos 8.681 217.575 161.800 208.894 -55.775 5,8 53,7 3173

5. Amazônia SINOP 30.818 437.289 277.654 406.471 -159.635 12,4 59,4 2704

6. Amazônia Pr Alta Floresta 59.832 62.170 36.622 2.338 -25.548 1,2 2,8 3505

7. Amazônia Pr Colider 58.529 80.331 43.322 21.802 -37.009 1,9 35,2 2858

8. Amazônia PR Norte Araguaia 37.899 226.916 151.144 189.017 -75.772 2,8 46,1 2674

Total, áreas - Amazônia 250.410 1.448.950 1.084.239 1.198.540 -364.711

Mato Grosso: Evoluções do PIB per capita, da população e do efetivo de bovinos nas fronteiras do Cerrado e da Amazônia

Pib real per cápita* Crescimento População (cont. IBGE) Crescimento EFETIVO DE BOVINOS Crescimento

REGIÕES 1999 2004 PIB PC 1999 2004 população 2000 2005 efetivo bov.

1999-2004 1999-2004 2000-2005

1. Cerrado Alto Teles Pires 12082 25210 108,7 81.975 113.441 38,4 442.652 391.573 -11,5

2. Cerrado Parecis 22525 35352 56,9 40.655 58.772 44,6 169.866 183.075 7,8

3. Cerrado Canarana 6501 13487 107,5 74.372 75.810 1,9 1.287.042 1.578.851 22,7

4. Cerrado Aripuanã 6244 9369 50,0 49.653 50.718 2,1 654.031 917.234 40,2

5. Cerrado Arinos 5168 15192 194,0 15.809 18.031 14,1 115.416 166.207 44,0

6. Cerrado SINOP 7931 12568 58,5 12.216 19.455 59,3 36.370 33.816 -7,0

1. Amazônia Parecis 4821 7416 53,8 10.154 13.735 35,3 315.454 281.244 -10,8

2. Amazonia Canarana 5998 20090 234,9 5.519 9.463 71,5 160.348 153.584 -4,2

3. Amazônia Aripuanã 5244 6011 14,6 80.968 82.018 1,3 992.734 1.603.766 61,6

4. Amazônia Arinos 5168 8523 64,9 47.426 59.029 24,5 979.897 1.340.522 36,8

5. Amazônia SINOP 6605 8903 34,8 118.974 139.229 17,0 439.001 515.119 17,3

6. Amazônia Pr Alta Floresta 5021 7011 39,6 82.460 89.483 8,5 1.141.757 2.105.141 84,4

7. Amazônia Pr Colider 4394 6469 47,2 133.710 126.471 -5,4 1.326.969 2.258.502 70,2

8. Amazônia PR Norte Araguaia 4212 7017 66,6 103.467 103.595 0,1 1.795.559 2.644.527 47,3

* Valores do PIB per capita de 1999 convertidos para preços de 2004 com base na variação do IPCA

no período (1,517; 99-04)Nota: uso do PIB como indicador de pressão.

MATO GROSSO: FRONTEIRA DINÂMICA DO CERRADO, FRONTEIRA AMAZÔNICA E ZONAS DE TRANSIÇÃO - 2005

FRONTEIRA AMAZÔNICA

CERRADO – FRONTEIRA DINÂMICA

ARIPUANÃ

ALTA FLORESTACOLIDER NORTE

ARAGUAIA

ARINOS (A) SINOP (A)

SINOP (C)

PARECIS

ALTO TELES PIRES CANARANA

ARINOS (c)

CANARANA (A)

A = dinâmica da soja fora Cerrado

A

A

AA

AA

A

A

A

A

Fronteiras do Mato Grosso: crescimento do PIBPC, variação na

área em lavouras e crescimento de bovinos

Crescimento Lavouras, Crescimento

Regiões PIB PC Variação da efetivo bov.

1999-2004 area 95-05 2000-2005

1. Cerrado Alto Teles Pires 108,7 1.435.851 -11,5

2. Cerrado Parecis 56,9 742.208 7,8

3. Cerrado Canarana 107,5 316.760 22,7

4. Cerrado Aripuanã 50,0 174.025 40,2

5. Cerrado Arinos 194,0 157.606 44,0

6. Cerrado SINOP 58,5 163.429 -7,0

1. Amazônia Parecis (Transição) 53,8 52699 -10,8

2. Amazonia Canarana (Transição) 234,9 135.277 -4,2

3. Amazônia Aripuanã (Transição) 14,6 182.042 61,6

4. Amazônia Arinos (Transição) 64,9 208.894 36,8

5. Amazônia SINOP (Transição) 34,8 406.471 17,3

6. Amazônia Pr Alta Floresta 39,6 2.338 84,4

7. Amazônia Pr Colider 47,2 21.802 70,2

8. Amazônia PR Norte Araguaia 66,6 189.017 47,3

• Aspectos a ressaltar:– Nas áreas de Cerrado:

• Forte expansão da área em lavouras (1996-05).

• Em 2005 já era bastante elevada proporção da área geográfica em lavouras.

• Papel da soja, com mais de 70% da área cultivada.

• Certa retração da bovinocultura: substituição de pastagens por soja ou outra lavoura.

• Papel dos altos custos de transporte da região sobre as atividades de lavouras – substancial retração em 2006.

• Elevados níveis e forte expansão entre 1999 e 2004 do PIB real per capita desta sub-região. (Sinal de stress).

• Vazio demográfico em áreas prósperas.

• Nas áreas Amazônicas:

– Consideramos aí duas sub-regiões:

• A da zona de transição Cerrado-Amazônia.• A da “Amazônia profunda”.

• Na zona de transição:

– Certa expansão das lavouras, com elevada participação da soja; mas ainda reduzida a área geográfica das microrregiões ocupadas com lavouras. Caso limite SINOP.

– Retração da pecuária bovina.

– Vazio demográfico.

– PIBs per capita medianos mas com algum crescimento entre 1999 e 2004. Menos que no Cerrado.

– Papel da história da ocupação de partes desta região.

– Na sub-região “Amazônia profunda”.

• Dinamismo insignificante do setor de lavouras.

• Elevado crescimento, tanto em termos absolutos como em termos relativos, da bovinocultura.

• Natureza da bovinocultura em Mato Grosso:

– Nas áreas antigas de expansão de frentes agrícolas no Cerrado e de pecuária ‘moderna’: estagnação ou retração no período 2000-2005.

– Na “Amazônia profunda”: pecuária extensiva como fator na produção de terras...

• Impactos indiretos da expansão de lavouras nas regiões de fronteira: deslocamento de rebanhos no sentido da “Amazônia profunda”.

• Medidas para conter excessos da expansão de frentes de atividade exigindo desmatamento, e assim liberação de carbono para a atmosfera:

– Reduzir tanto quanto possível os incentivos econômicos para a ocupação e abertura de áreas.

– Rever os planos de expansão da infraestrutura de transporte nas áreas frágeis.

– Aprimorar reformas de infraestrutura institucional.

– Focar melhor e aprimorar a eficácia de ações de controle e repressão.

– Rever a localização e/ou a eficácia das ações de preservação das áreas de proteção, tanto na Amazônia como no Cerrado.