crise dos misseis em cuba

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ETEC BENTO QUIRINO – 2ºIADM Bruno Silva Agustinho – Nº: 03 Lydiane Gomes Pádua - Nº: 17 Marcos Cesar Marconato Junior - Nº: 18 Murilo Nobre de Oliveira - Nº: 34 TRABALHO DE GEOGRAFIA CRIDE DOS MÍSSEIS EM CUBA

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Page 1: Crise dos misseis em cuba

ETEC BENTO QUIRINO – 2ºIADM

Bruno Silva Agustinho – Nº: 03

Lydiane Gomes Pádua - Nº: 17

Marcos Cesar Marconato Junior - Nº: 18

Murilo Nobre de Oliveira - Nº: 34

TRABALHO DE GEOGRAFIA

CRIDE DOS MÍSSEIS EM CUBA

CAMPINAS

JUNHO - 2014

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CONTEÚDONA BEIRA DO ABISMO............................................................................................................3

TREZE DIAS DE ANGUSTIAS...............................................................................................10

EMFIM, UM BRASIL DECIDIDO...........................................................................................15

O PESO DA DECISÃO.............................................................................................................20

BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................26

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NA BEIRA DO ABISMO

Um inimigo ardiloso e um aprendiz de tirano batem àporta dos EUA com a bomba nas mãos. E a perigosa crise dos mísseis

de outubro inaugura uma nova era de terror nuclear

As provas: fotos aéreas mostram instalações militares soviéticas em Cuba. Tudo estava pronto para um ataque atômico

Os alertas soturnos ecoavam desde agosto de 1945, quando o homem, num perverso toque de mágica, fez evaporar uma cidade inteira com o apertar de um botão. Quando Hiroxima desapareceu do mapa, nasceu um novo mundo, cuja própria existência – antes a única convicção que aproximava todos os seus habitantes – já não era mais certa. Pela primeira vez desde que seus pés começaram a caminhar pela Terra, a humanidade segurava nas mãos a decisão entre viver e morrer. E a volúpia febril despertada por esse poder fazia calar qualquer instinto de preservação. Dezessete anos se passaram, e a penosa corrida chegou ao seu ponto mais dramático. A capacidade humana de destruir o planeta passou de um incômodo pesadelo a uma ameaça assustadoramente verdadeira e palpável. Nas últimas semanas, as duas maiores potências da Terra estiveram a ponto de mergulhar no precipício sem fim, puxando com elas todos os povos que presenciam seu atemorizante duelo. O indizível desfecho de um possível enfrentamento armado entre os Estados Unidos e a União Soviética foi miraculosamente impedido, graças aos resquícios de humanidade que ainda sobrevivem em seus líderes superpoderosos – e, vale lembrar, graças também a uma certa dose de sorte. No apagar das luzes, John Kennedy e Nikita Kruschev, os homens que controlam os destinos do mundo, sentiram

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as repercussões de sua perigosa dança, seguiram suas emoções mais terrenas e deram um passo atrás. A partir de agora, todos se perguntam: a marcha para a perdição continuará? Os arquiinimigos ouvirão as sirenes de emergência ou continuarão bailando ao som grave de seus monstruosos arsenais? Talvez o mundo seja outro a partir deste outubro de 1962. Quais dissabores ele nos reserva, só os próximos anos serão capazes de revelar.

Assim como o nascimento da ameaça do holocausto nuclear, a gênese da última crise também ocorreu quando se fecharam as cortinas da II Guerra Mundial. A divisão do espólio do conflito entre os vencedores rachou o globo e plantou a semente para o desafio enfrentado nas semanas que se passaram. Mas a Guerra Fria entre o mundo capitalista, unido sob os auspícios dos americanos, e o bloco comunista, chefiado a ferro e a fogo pelos soviéticos, nunca tinha estado tão perto de se transformar num inferno. É aí que entra a figura de um incontrolável aspirante a tirano entronado numa irriquieta ilha caribenha. Disposto a pagar qualquer preço para sustentar seus sonhos de poder, Fidel Alejandro Castro Ruz, o comandante da barulhenta revolução de Cuba, quis brincar de Nero no meio dos gigantes. Nem em seus mais bizarros delírios ele imaginava o tamanho do estrago que seria capaz de fazer. Aliado ao maroto Kruschev, o dirigente russo sempre atento à chance de um xeque-mate no tabuleiro ideológico, Castro decidiu levar a Guerra Fria à soleira da porta dos americanos. Não se sabe de quem partiu a idéia – sem imprensa livre e com fúria impiedosa na punição aos inconfidentes, URSS e Cuba não deixam que seus segredos cheguem aos ouvidos do mundo. De qualquer forma, a instalação de mísseis nucleares numa ilha quase grudada à Flórida foi, sem dúvida, a mais ousada jogada que alguém seria capaz de imaginar.

Contribuiu para a quase calamidade o inexplicável atraso dos americanos na descoberta da manobra. Além de oito anos de prosperidade e calmaria, o governo do ex-presidente Dwight Eisenhower deixou como legado a criação de uma azeitada máquina de monitoramento e espionagem dos adversários comunistas. No caso dos mísseis soviéticos em Cuba, as engrenagens ficaram travadas durante meses.

Se a vigilância dos EUA ao espectro vermelho costuma chegar aos limites da paranóia, desta vez Washington agiu com um descuido espantoso. Em julho último, a inteligência americana notou um súbito aumento no número de navios soviéticos a caminho de Cuba – hoje, acredita-se que tenha sido esse o período de início da montagem dos mísseis. O secretário de Defesa, Robert McNamara, ordenou que a movimentação fosse seguida de perto. Apesar dos indícios suspeitíssimos, Kennedy e seus auxiliares caíram no conto de Kruschev, que jurava de pés juntos que a URSS não colocaria armas em Cuba. No mês passado, Kennedy visitou o Congresso e assegurou que não havia mísseis de ataque na ilha. No mesmo dia, o secretário de Justiça, Robert Kennedy, ouvia essa mesma garantia do embaixador soviético, Anatoly Dobrynin. Kruschev

Com o destino do mundo nas mãos: Kruschev e Kennedy reunidos em 1961

Bloqueio: navio com armas dá meia-volta

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procurou Kennedy pessoalmente naquela semana e repetiu: não interessava aos soviéticos espalhar seu poderio bélico mundo afora. Mas a montagem do arsenal era tão evidente que a própria população de Cuba passou a desconfiar. Por meio da comunicação entre moradores da ilha e seus parentes exilados em Miami, os EUA receberam mais de mil denúncias sobre os trabalhos dos russos. O governo, contudo, optou por desprezar as informações. Solitário em sua crença de que a carga dos navios soviéticos era bélica, o diretor da CIA, John McCone, era incapaz de convencer o presidente. Ainda passou o vexame de ser alertado sobre a instalação dos mísseis pela inteligência francesa – ele passava lua-de-mel em Paris. A negligente inocência de Kennedy chegou a tal ponto que os americanos não compreenderam um recado colocado bem debaixo de seu nariz, dentro de seu próprio território. Uma semana antes que a crise emergisse, o presidente de Cuba, Osvaldo Dorticós – pouco mais que um mensageiro do regime, pois quem manda mesmo é Fidel – discursou na Assembléia Geral da ONU, em Nova York. Seu pronunciamento foi de clareza cristalina: "Se Cuba for atacada, saberá se defender. Repito: temos meios para nossa defesa. Também temos nossas armas inevitáveis, as armas que preferíamos não ter adquirido, as armas que desejamos jamais utilizar".

 

Como se ainda faltasse alguma coisa para convencer os americanos da tempestade que se formava, as provas concretas foram, enfim, obtidas – e apenas cinco dias depois. Na manhã do último dia 14, um avião U-2 equipado com uma câmara fotográfica de último tipo avistou o que parecia ser uma nova construção militar em San Cristóbal, na província de Pinar del Rio, no oeste de Cuba. As fotografias registradas pelo aparelho foram examinadas com minúcia. Agora era certo: os soviéticos instalavam mísseis em Cuba, e as características das cargas flagradas pelos americanos sinalizavam que esses mísseis eram capazes de carregar ogivas atômicas. As implicações eram gravíssimas. Os soviéticos fincavam as primeiras bases para que, dentro de pouco tempo, fossem capazes de disparar uma bomba nuclear em qualquer metrópole americana,

Tomada de decisões: o comitê executivo de segurança que assessorou Kennedy

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inclusive Nova York e Washington. Ciente do peso da responsabilidade que repousaria sobre os ombros do presidente nos dias que estavam pela frente, o assessor especial para Assuntos de Segurança Nacional, McGeorge Bundy, o primeiro a receber o explosivo relatório, decidiu poupar o chefe de uma noite insone – contaria as novidades só na manhã seguinte, no dia 16. Esgotado por um fim de semana de campanha eleitoral (no mês que vem, os americanos vão às urnas para eleger parlamentares e governadores), Kennedy ganhou mais algumas horas de descanso com Jackie antes de enfrentar os dias mais difíceis de sua vida. Ao despertar para o desafio, o mais jovem presidente eleito da história americana (aos 43 anos, em 1960) enfim mostrou possuir a estatura intelectual e moral necessária para liderar a principal democracia do mundo. No decorrer da crise, Kennedy se trancou com um grupo seleto de auxilares (comandados pelo irmão, Robert), apostou numa estratégia moderada e consistente, evitou alarmar a população e, principalmente, não deu ouvidos às pressões dos "falcões" de Washington – sedentos por sangue, os parlamentares republicanos, de oposição, não aceitavam nada aquém de uma ofensiva militar imediata contra Cuba. Os americanos descobririam nas etapas seguintes da duríssima negociação (leia reportagem a seguir) que tal providência arriscaria levar o mundo à ruína.

Mais calejado depois de algumas trapalhadas nesses dois primeiros anos de governo, Kennedy logo elegeu uma linha mestra para a condução de seu país na crise. Sabendo que ganharia o apoio de todos os países não-alinhados a Moscou, o presidente decidiu não fazer nenhum movimento brusco, oferecendo tempo e espaço para que Kruschev sentisse a pressão e recuasse. Foi, de fato, o que acabou ocorrendo, resultado do bloqueio naval no Atlântico. Kennedy não pode, porém, sair da crise como o mocinho pacato que afugentou na lábia o bandido que apontava a arma para sua testa. É imperativo lembrar que o inimigo apareceu na janela ao ser atraído pelo próprio presidente. Foi com seu papel na fracassada invasão à Baía dos Porcos, em abril de 1961, que Kennedy ofereceu de bandeja a melhor desculpa possível para Castro e Kruschev – a de que era preciso armar a ilha para evitar outra tentativa de invasão a Cuba. O americano também precisa responder pelo erro grosseiro de avaliação diante das manobras de Kruschev. Ele acreditava que seu oponente não ousaria chegar tão perto de suas fronteiras.

Por que, afinal, o arisco camarada fez uma aposta tão arrojada? Das paredes do Kremlin, como se sabe, não costumam escapar informações desse tipo. Observadores estrangeiros acreditam, entretanto, que o jactante russo queria aproveitar o momento frágil vivido pelo governo Kennedy e equilibrar a balança de poder da Guerra Fria, que pende para os americanos. Kruschev também amargava problemas no quintal de casa, com constantes desafios à sua autoridade como líder do mundo socialista, e sabia que estava perdendo terreno na corrida das armas – os americanos têm vantagem tecnológica e numérica na comparação de arsenais balísticos. Com o que restou da confiança colhida nas escassas vitórias vermelhas (o Sputnik, a Baía dos Porcos, a viagem de Yuri Gagárin) e farto do que via como uma postura arrogante de Kennedy (nas negociações sobre o futuro de Berlim e na oferta de um tratado sobre testes de mísseis), Kruschev arriscou. Conforme um dos raros relatos já divulgados de seus interlocutores em Moscou, dizia querer "jogar um porco-espinho nas calças do Tio Sam".

 

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A intrepidez do comandante vermelho durou onze dias repletos de temores, reuniões secretas, mobilizações militares e lances de desespero. Ironia suprema, Nikita Kruschev, o soberano de um império que se vangloria de sua frieza e destemor diante do sentimentalismo dos ocidentais, foi o primeiro a sucumbir. Na noite do dia 26, a Casa Branca recebia uma mensagem incomum. No lugar dos comunicados impessoais e sisudos geralmente assinados por Kruschev, chegava uma carta extensa e franca, claramente escrita sob extrema comoção. Concluiu-se que os nervos de aço de Kruschev haviam fraquejado – ele tomara para si a decisão de oferecer um acordo aos americanos, e redigira a carta de próprio punho, sem consultar a cúpula comunista. Sua proposta: Kennedy prometeria jamais atacar Cuba, todos os mísseis iriam embora. "Entendemos perfeitamente que, se atacarmos vocês, vocês

responderão da mesma forma", escreveu Kruschev. "Somos pessoas normais, que compreendemos e avaliamos corretamente a situação. Só lunáticos e suicidas poderiam agir de outra forma. Não queremos destruir seu país, mas sim, apesar das nossas diferenças ideológicas, competir pacificamente, e não por meios militares. Somente um louco é capaz de acreditar que as armas são os principais meios de vida de uma

Espionagem aérea: a análise das fotos

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sociedade. Se as pessoas não mostrarem sabedoria, elas entrarão em confronto, e a exterminação recíproca começará."

Os americanos foram dormir otimistas com a chance de acordo, mas ainda teriam mais um dia de angústia pela frente. Provavelmente convencido pelos camaradas de partido, Kruschev divulgou outra mensagem, desta vez de forma pública, colocando outra exigência na conta dos americanos: a remoção de seus mísseis na Turquia, vizinha da URSS. Moscou comparava a presença das armas dos EUA no país à ameaça dos mísseis soviéticos em Cuba. Kennedy lustrou a cara-de-pau e decidiu ignorar o segundo recado: preparou uma resposta apenas para a carta original de Kruschev. Inacreditavelmente, os momentos de espera por uma definição do russo foram, na verdade, os mais perigosos dos treze dias de crise. Se houve um dia em que a pior das guerras esteve mesmo perto de começar, esse dia foi sábado, 27 de outubro de 1962. Pela manhã, a crise provocou sua primeira e única baixa: o major Rudolph Anderson, que pilotava um U-2 de reconhecimento americano derrubado por baterias antiaéreas soviéticas. Dias antes, Kennedy prometera dar sinal verde para um ataque caso os inimigos dessem o primeiro tiro. Mais consciente dos possíveis desdobramentos dessa ordem, decidiu aguardar. Ao mesmo tempo, os preparativos militares chegavam ao grau máximo. Os dois lados estavam prontos para a batalha. O Pentágono já havia definido até a sequência de alvos que deveriam ser eliminados na ilha. A CIA informava que todos os mísseis instalados pelos soviéticos em Cuba também estavam prontos para o disparo.

No fim da noite, Washington enviou uma mensagem ao comando da Otan, a aliança militar ocidental. "A situação está ficando urgente", avisava o texto. "Dentro de um prazo muito curto, nosso país pode considerar necessário adotar uma ação militar em nome de seus próprios interesses e dos interesses das nações aliadas no Hemisfério Ocidental." Dias depois, Robert Kennedy confessaria que a saída negociada era, a essa altura, apenas uma fina esperança, e não mais a expectativa geral. "A expectativa era de um confronto militar já no dia seguinte", revelou. Nunca saberemos exatamente o que aconteceu naquela noite em Moscou. Na manhã seguinte, no entanto, Nikita Kruschev enfim sepultou o episódio, garantindo que a humanidade não tivesse presenciado seu derradeiro amanhecer. Em pronunciamento transmitido pela Rádio Moscou, o russo anunciava que as armas seriam encaixotadas e devolvidas à URSS. Até o fechamento desta edição de VEJA, o trabalho de desnuclearização da ilha seguia dentro dos conformes, sem sobressaltos, sob supervisão da ONU (e com ajuda brasileira). Tirante alguma nova reviravolta, a população cubana chegará a 1963 sem mísseis soviéticos no chão nem mísseis americanos sobre sua cabeça. Foi ela, então, a grande vencedora? Muito longe disso. É aí que entra a figura de um incontrolável aspirante a tirano entronado numa irriquieta ilha caribenha. Protegido pelo irmão mais velho de Moscou (que manterá a ajuda financeira e militar) e livre da ameaça do vizinho poderoso de Washington (que tem de manter a palavra e desistir da invasão), Fidel Alejandro Castro Ruz agora tem Cuba nas mãos para fazer o que bem entender.

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TREZE DIAS DE ANGUSTIAS

Surpresas, aflições, sustos e reviravoltas: a impressionantesequência de acontecimentos que marcou as negociações para

o fim da queda-de-braço entre Washington e Moscou

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O embate no Conselho de Segurança da ONU: os americanos colocam os soviéticos na parede com provas irrefutáveis

Terça-feira, 16 de outubro, 8h45, WashingtonO assessor de Segurança Nacional dos EUA, McGeorge Bundy, entrega ao presidente John Kennedy as conclusões de uma missão de reconhecimento aéreo no oeste de Cuba. A inteligência americana não tem dúvidas: os soviéticos levaram mísseis nucleares à ilha. Um avião U-2 flagrara o transporte das cargas militares dois dias antes. Às 9 horas, Kennedy convoca o Comitê Executivo do Conselho de Segurança Nacional, ou "Ex-Comm", formado por 14 integrantes do primeiro escalão do governo e coordenado por

seu irmão, Robert. Em poucos instantes, três linhas de ação são colocadas à mesa: bloqueio naval da ilha, ataques aéreos às bases de mísseis ou invasão em larga escala de Cuba.

 

Quarta, 17 de outubroKennedy cumpre sua agenda de compromissos públicos. Para evitar uma onda de pânico, mantém a descoberta em segredo. Fora da Casa Branca, demonstra bom humor e até faz piadas. A portas fechadas, porém, só pensa na grave crise que surge no horizonte. O Estado Maior das Forças Armadas defende com veemência a opção pela invasão. Mas o secretário de Defesa, Robert McNamara, insiste no bloqueio naval, estratégia que impediria a chegada de novos mísseis. À noite, outro vôo de U-2 flagra novos mísseis soviéticos em Cuba Detalhes

perturbadores: um U-2 americano deu um rasante e flagrou base soviética

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– desta vez, são SS-5 de longo alcance. As armas são capazes de atingir praticamente qualquer ponto no território americano.

 

Quinta, 18 de outubroO ministro das Relações Exteriores da URSS, Andrey Gromyko, visita a Casa Branca – a reunião fora marcada antes da descoberta dos mísseis. A grande dúvida: Moscou sabia que os americanos tinham fotografado as bases? O diálogo é inusitado. Gromyko, que sabia dos mísseis, garante que as cargas entregues à ilha só servem para "ajudar na capacidade de defesa de Cuba e no desenvolvimento de sua pacífica democracia". Kennedy, que também sabia dos mísseis, vence a tentação de confrontar o visitante, finge não saber de nada e apenas repete que não aceitará a instalação de bases de ataque no país vizinho. À noite, um jantar de gala é oferecido a Gromyko no Departamento de Estado. No andar de baixo, o Ex-Comm discutia os próximos passos da crise.

 

Sexta, 19 de outubroKennedy faz campanha eleitoral no Meio-Oeste dos EUA e deixa o irmão a cargo das reuniões do Ex-Comm. Robert é instruído a preparar planos completos tanto para um bloqueio naval como para um ataque aéreo. Kennedy também encomenda dois discursos ao assessor Theodore Sorensen: um para anunciar o bloqueio e outro para o caso de bombardeio. O presidente ainda não estava decidido, mas já se inclinava pelo bloqueio.

 

Sábado, 20 de outubroO presidente é chamado pelo irmão a retornar a Washington. Ele resiste à idéia, mas Robert o convence de que é preciso tomar uma decisão final. O porta-voz de Kennedy, Pierre Salinger, diz que ele precisa voltar à Casa Branca "porque está com um resfriado". Às 13h30, o Ex-Comm volta a se reunir. Foram cinco horas de discussões. A hipótese de bloqueio naval ganhava ainda mais força, mas não havia consenso.

 

Domingo, 21 de outubroNa nova reunião do comitê, Kennedy decide fechar a questão. Pergunta ao general Walter Sweeney, do Comando Aéreo Estratégico, quantas baixas seriam provocadas por um ataque e como ele poderia garantir a destruição de todos os mísseis. O militar responde que entre 10.000 e 20.000 pessoas morrerriam – e ainda assim não seria possível assegurar 100% de sucesso na eliminação do arsenal soviético. O único caminho razoável era mesmo o bloqueio. Pelas leis internacionais, a medida é um ato de guerra. Por sugestão do subsecretário de Estado, George Ball, Kennedy decide usar o termo "quarentena", eufemismo para tentar evitar críticas na comunidade internacional. Depois da reunião, a imprensa procura Kennedy querendo saber qual é exatamente a

A localização dos mísseis: americanos mapearam a ameaça instalada na ilha

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situação em Cuba – a essa altura, os repórteres já sabiam que havia armas ofensivas na ilha. O presidente pede a eles que não revelem nenhuma informação confidencial. Kennedy telefona pessoalmente aos jornais Washington Post e The New York Times para cobrar um tom menos alarmista dos diários na cobertura do assunto.

 

Segunda, 22 de outubroA crise dos mísseis torna-se pública. Em discurso transmitido em rede nacional de rádio e televisão, Kennedy anuncia a presença das armas nucleares em Cuba e lança a idéia do bloqueio naval. Durante dezessete minutos, a população fica congelada diante de seus aparelhos. Nas horas que precederam o pronunciamento, os americanos colocaram suas forças militares em prontidão. Enquanto Kennedy discursava, 300 embarcações da Marinha tomavam o Atlântico e 20 aviões da Aeronáutica decolavam com bombas nucleares, prontos para uma possível guerra. Em Moscou, Nikita Kruschev recebia uma cópia antecipada do discurso. Ficou furioso com seus próprios militares (que não conseguiram esconder os mísseis) e com os americanos – fosse bloqueio ou fosse "quarentena", para ele era ato de guerra. O russo ordenou que as embarcações na rota de Cuba não parassem.

 

Terça, 23 de outubroA pedido de Washington, a Organização dos Estados Americanos aprova uma resolução que apóia a "quarentena" e pede a remoção

dos mísseis. Uma nova missão de reconhecimento traz a Washington imagens impressionantes dos mísseis – numa delas, os soviéticos parecem testar as armas para um possível lançamento. Os navios americanos se posicionam na linha da quarentena. Têm ordens para parar à força qualquer embarcação que tente cruzá-la.

 

Quarta, 24 de outubroO bloqueio entra em vigor. A tensão aumenta quando as embarcações soviéticas não muda a rota para Cuba. Os americanos já esperam pelo pior quando, de repente, a esquadra vermelha dá meia-volta. "Eles piscaram primeiro", diz o secretário de Estado Dean Rusk a McGeorge Bundy. Mas a construção das bases de mísseis em Cuba continua. Ao mesmo tempo, os militares americanos – sem conhecimento de Kennedy – elevam seu grau de preparação para guerra, agora em Defcon 2. É o mais alto grau de alerta já registrado nos EUA.

 

Quinta, 25 de outubroO embaixador americano na ONU, Adlai Stevenson, apresenta ao Conselho de Segurança as provas da existência dos mísseis em Cuba. Pressionado pela contundente

Kennedy discursa na Casa Branca: dezessete minutos de apreensão

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exposição de Stevenson, o embaixador soviético, Valerian Zorin, fica sem palavras. Fidel Castro autoriza sua defesa antiaérea a abrir fogo contra qualquer piloto americano avistado sobre a ilha.

 

Sexta, 26 de outubroPela primeira vez desde o início da quarentena, um navio soviético é parado e inspecionado pelos americanos. Dentro do Marcula, porém, havia apenas um carregamento de papel. A CIA diz a Kennedy que ainda não há sinais de interrupção na montagem dos mísseis. Quando o presidente americano começa a acreditar que a quarentena não será suficiente para intimidar os inimigos, chega uma inesperada carta de Kruschev. O líder russo oferecia um acordo simples: se Kennedy prometesse não atacar Cuba, as armas seriam removidas.

 

Sábado, 27 de outubroQuando os americanos já davam o acordo como certo, chega outra mensagem de Kruschev, mais severa e com uma exigência adicional: a remoção dos mísseis dos EUA na Turquia. A crise chega ao seu momento mais perigoso. Kennedy ordena que os militares se preparem para atacar Cuba na segunda-feira pela manhã. Um avião espião americano é abatido sobre Cuba e seu piloto é morto. É quando Kennedy decide dar uma cartada inesperada – fingir que a segunda carta de Kruschev jamais chegara e aceitar a oferta do dia anterior. Washington considera remota a chance de sucesso do truque.

 

Domingo, 28 de outubroO espectro da guerra enfim se dissipa. Kruschev aceita a proposta de Kennedy e anuncia a decisão na Rádio Moscou. Os líderes trocam cartas confirmando os termos do acordo. O soviético também se corresponde com Fidel Castro – Kruschev explica sua decisão de retirar os mísseis; o cubano justifica a autorização para abater o avião americano, na véspera. O Kremlin autoriza o começo da remoção dos mísseis instalados em Cuba. As forças militares americanas mantêm o cerco à ilha para assegurar que a promessa seja cumprida.

Só papel no 'Marcula': o navio soviético foi o único parado pelo bloqueio

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EMFIM, UM BRASIL DECIDIDO

A ponte entre Washington, Brasília e Havana ajudoua desarmar a crise atômica. Desta vez, Goulart não se enrolou

nem defendeu Fidel só Brizola se agarrou à bomba

A visita de abril: Jango é recebido na Casa Branca. A conversa foi dura, mas houve empatia entre os dois.

Sentado na cama da suíte presidencial, ainda de pijama, John Fitzgerald Kennedy lia o Washington Post e o New York Times quando seu assessor especial para Assuntos de Segurança Nacional, McGeorge Bundy, entrou no quarto. Pela primeira vez, Kennedy ouvia que a União Soviética instalava mísseis nucleares em Cuba. Exatamente ao mesmo tempo, no Brasil, diplomatas dos Estados Unidos acertavam os últimos detalhes do roteiro da visita de Kennedy a João Belchior Marques Goulart, marcada para novembro. O aguardado desembarque do americano no país trazia a esperança de um importantíssimo ajuste de sintonia entre os presidentes, afastados nos últimos meses por uma série de perigosos descompassos. Era a manhã de terça-feira 16. Dez dias depois, Kennedy escrevia a Jango para avisar que a visita teria de ser adiada ainda por causa� dos reflexos da crise dos mísseis, seria impossível se ausentar de Washington nas datas previstas (dia 12 em Brasília, dia 13 em São Paulo e dia 14 em Natal). Ainda assim, os presidentes pareciam mais próximos do que nunca. Afinal, o envolvimento brasileiro nas negociações que cercaram o delicadíssimo episódio ajudou a dissipar algumas incertezas e desconfortos entre Washington e Brasília. Tirando os desvarios de alguns tresloucados que insistem em tentar manipular o presidente, o Brasil aproveitou a crise

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para se posicionar claramente entre as nações civilizadas e democráticas, sem as ambiguidades costumeiras do governo Jango.

O elemento decisivo para convencer o presidente brasileiro foi uma carta assinada por Kennedy e entregue no dia 23 pelo embaixador dos EUA no país, Lincoln Gordon. A mensagem não deixava dúvidas da gravidade da situação. Depois de quase duas horas reunido com Gordon, Jango deixou o gabinete visivelmente abalado. De acordo com auxiliares próximos, estava com o rosto pálido. Reunido com seus principais ministros, o presidente confessou ter ficado impressionado com as informações trazidas pelo embaixador americano sobre as armas soviéticas. Depois de várias horas de discussões, decidiu-se que a posição oficial do governo seria de cautela, moderação e expectativa. Não haveria desta vez gestos amistosos na direção dos cubanos e soviéticos o Brasil� não tomaria providência alguma para tentar defender a ilha.

A declaração de Jango não deixava margem para manipulações: "O Brasil ficará do lado dos Estados Unidos caso o problema cubano seja levado às últimas consequências". No dia seguinte, Goulart aproveitou a reunião dos ministros militares por ocasião da Semana da Asa, no Ministério da Aeronáutica, para conferenciar com eles. O ministro da Guerra, general Amaury Kruel, disse que as Forças Armadas estavam "unidas e coesas" em torno da posição adotada pelo governo. "Estamos prontos para cumprir as decisões da última conferência ministerial de Punta del Este, especialmente no caso previsto de uma nação estrangeira oferecer armas ofensivas a outra nação do continente." Os titulares das pastas militares garantiram a Jango que "as Forças Armadas têm um comandante-em-chefe a quem obedecem e cujas diretrizes seguem". O ministro da Marinha, almirante Pedro Paulo de Araújo Suzano, reiterou: "Cumpriremos as ordens do presidente da República. É ele quem decide a política externa do Brasil."

Choque político - Mais tarde, o embaixador Lincoln Gordon procurou Goulart para intermediar uma conversa telefônica com Kennedy, que transmitiu detalhes da situação. O recado do americano ao brasileiro era lúgubre: "Já não posso fazer mais nada. As próximas 48 horas serão decisivas e da mais extrema importância". Jango chamou o primeiro-ministro Hermes Lima para discutir outro assunto da conversa com Kennedy: o papel do Brasil como interlocutor com Fidel Castro. Ao embaixador brasileiro em Havana, Luís Bastián Pinto, seria confiada a missão de garantir que o revolucionário cubano ouvisse a mensagem de Washington a� instalação dos mísseis tinha de parar. Em tempos de acirrado embate ideológico, a interlocução logo esquentou o choque político no país. Alguns relatos negados pelos Estados Unidos davam conta de que� � Goulart enviara mensagem a Kennedy pedindo garantias de que os americanos não invadiriam Cuba. A oposição aproveitou para atacar. Herbert Levy, presidente nacional da UDN, classificou a nota do Brasil sobre a crise de "totalmente inepta, senão ridícula".

Para ele, descartar a hipótese de invasão armada significava negar a chance de defesa à segurança do continente todo. "Isso acontece com o Brasil porque nosso governo pretende fazer política interna às custas da política internacional. Nosso governo continua a

'Comandante-em-chefe': militares prometem obedecer a política externa de Jango

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interpretar com cinismo os princípios de autodeterminação e não-intervenção. Autodeterminação, obviamente, é a escolha do governo pelo próprio povo. Por acaso existe essa condição em Cuba? Sobre a não-intervenção, o conceito não pode ser invocado quando há uma evidente invasão de potências não-americanas no hemisfério." O governador eleito de São Paulo, Adhemar de Barros, também entrou no assunto. "Tenho condenado os métodos de Fidel Castro e já tive a oportunidade de, pessoalmente, dizer-lhe que estava diante de um criminoso. Seria capaz de repetir a mesma atitude hoje", afirmou. Os udenistas Adauto Lúcio Cardoso e José Monteiro de Castro articularam a convocação do primeiro-ministro à Câmara para explicar a posição do governo na crise. Hermes Lima prometeu comparecer à Casa no próximo dia 5 para prestar esclarecimentos.

A reação alarmada da oposição tinha justificativas de sobra. Afinal, está se tratando aqui de um governo que insistiu na tolice da política externa "independente" mesmo durante a mais radical polarização política de que se tem notícia no globo. Há pouco menos de um ano, o mesmo Goulart que hoje diz apoiar os americanos na crise dos mísseis reatava as relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética, rompidas desde o governo do marechal Eurico Gaspar Dutra, em 1948 o presidente� foi convencido da ilusão de que seria possível transitar confortavelmente entre as esferas de influência capitalista e comunista. Jango também se recusou a apoiar a invasão de Cuba, ensaiada por Kennedy para conter Fidel Castro, e manifestou publicamente sua oposição às sanções dos americanos contra a ilha, apesar dos selvagens ataques aos interesses comerciais de Washington em Havana (leia reportagem nesta edição). Mas nada é motivo de maior preocupação que as sandices proferidas pela gente cerca João Goulart. O ministro do Trabalho e Previdência Social, Almino Affonso, é um dos defensores de Fidel no governo brasileiro. "Não há necessidade de eleições livres num país como Cuba, onde cada cidadão tem um fuzil na mão para defender o povo", disse ele recentemente. "A revolução cubana é a grande sementeira que há de se espalhar por toda a América em um futuro não muito distante." O ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas, é outro alvo da ira da oposição o chanceler� defendeu com unhas e dentes a não-expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA) e conduziu todos os detalhes do reatamento com a URSS. Por fim, há Leonel Brizola, o cunhado-problema do presidente, sempre disposto a balançar o barco mesmo durante as tempestades mais temíveis. Na crise dos mísseis, o governador do Rio Grande do Sul e deputado eleito pelo estado da Guanabara comprou a versão soviética da história, aceitando a justificativa infame de que as fotos das bases militares em Cuba eram forjadas. Também acusou o embaixador brasileiro na OEA, Ilmar Pena Marinho, de traição. Segundo Brizola, o diplomata descumpriu as orientações oficiais do governo brasileiro ao apoiar o bloqueio naval na votação entre os países do continente (o que, obviamente, era uma mentira deslavada).

Tendência comunista - Brizola, aliás, colocou Goulart em apuros com Kennedy desde o primeiro contato entre os presidentes. O brasileiro, que não esconde a profunda admiração pelo americano, foi recebido pela primeira vez na Casa Branca no último

Cunhado-problema: Goulart e Brizola

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mês de abril. O presidente queria deixar uma boa impressão tinha, de fato, vontade de� ser amigo dos Estados Unidos. Logo de cara, Kennedy quis saber o que Goulart faria para garantir uma indenização rápida e justa à International Telephone & Telegraph (ITT), empresa americana de telefonia que teve sua subsidiária gaúcha estatizada pelo cunhado do presidente, em fevereiro. Jango teve se explicar e prometer que a eventual nacionalização de empresas no país seria pacífica e negociada. A conversa teve outros momentos complicados. Kennedy manifestou preocupação com a "tendência esquerdista-comunista do movimento trabalhista brasileiro". Ao notar que Goulart não tinha gostado do comentário, o americano explicou que não pretendia interferir nas questões internas do país. Jango, por sua vez, cobrou Kennedy sobre a suspeita de apoio americano aos golpes militares desencadeados na América Latina. O americano rejeitou a insinuação e assegurou que seu país não colabora com essas práticas. Apesar da dureza da conversa, houve boa dose de empatia entre os dois, o que ajuda a explicar a decisão de Kennedy de convocar o Brasil a ajudar na condução da crise ainda que,� poucas semanas depois da visita, Goulart tenha assustado outra vez os americanos, agora com o polêmico discurso em defesa das reformas de base no Primeiro de Maio. Logo em seguida, Brizola lançou um colérico ataque aos americanos, levando Lincoln Gordon a pedir uma reprimenda de Goulart ao cunhado. O presidente disse que não compartilhava das idéias do governador, mas não aceitou passar um pito nele.

Com o acordo para desarmar a bomba-relógio cubana já costurado, Kennedy escreveu a Jango mais uma vez, lamentando o adiamento da visita ao Brasil (agora prevista para junho de 1963) e dizendo estar "ansioso para reatar e aprofundar as relações pessoais" com o colega. "Aproveito essa ocasião para congratular-me com o povo brasileiro pelas suas recentes eleições, que tenho acompanhado com grande interesse", escreveu o americano. "O processo pacífico e disciplinado foi, para mim, uma demonstração de força e vitalidade do governo democrático em seu país." Goulart chamou Gordon para um brinde à vitória das democracias na crise. Que Jango não espere, porém, ser adulado por Washington. No início da contenda, Kennedy ficou irritado com o Brasil pela oposição irredutível à possibilidade de uso de força para segurar os soviéticos em Cuba.

Também falta resolver a questão das hostilidades contra algumas empresas americanas com negócios no Brasil. Ainda assim, a parceria deve continuar, pelo menos nas próximas semanas. Mesmo com a ameaça de conflito afastada pelo menos por enquanto� , a participação brasileira na mediação deve continuar.�

À meia-noite do último dia 29, um Caravelle partiu do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com destino a Havana (antes, foi preciso alertar as tropas americanas e garantir a segurança do vôo, já que o bloqueio à ilha ainda vigorava). A bordo estavam o general Albino Silva, chefe do Gabinete Militar da Presidência, e outras cinco pessoas, incluindo o embaixador cubano no país, Joaquín Hernández Armas. A delegação brasileira acompanharia de perto a desmontagem do arsenal atômico. No decorrer da crise inteira, Fidel concordou com Kennedy num único ponto: ele também queria o envolvimento dos brasileiros nas negociações, evitando que suas relações internacionais ficassem subordinadas apenas aos interesses soviéticos. Horas depois do desembarque, Albino Silva conversou com Castro na residência do embaixador Bastián Pinto, no elegante bairro de Miramar. O general avisou a Goulart que os resultados das conversas

No Salão Oval: momentos complicados

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foram "satisfatórios". Eleito no último dia 18 para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU (biênio 1963-1964), o Brasil tenta emplacar agora um plano de desnuclearização da América Latina e da África, proibindo testes e uso de armas desse tipo nas duas regiões. "O projeto vem recebendo apoio cada vez maior e poderá ser prestigiado até pelos americanos", gaba-se Hermes Lima, convicto de que o comportamento dúbio do governo nos flertes com Washington não será capaz de azedar a relação outra vez.

Ao reatar as relações diplomáticas com os soviéticos, no fim do ano passado, o Brasil aceitou enfrentar algumas situações inusitadas – e, em alguns casos, ridículas – no trato com os timoneiros da esquadra comunista. Uma delas ocorreu neste mês, no Rio de Janeiro. Em plena crise dos mísseis, o embaixador soviético no país, Ilya Tchernyschov, morreu afogado enquanto gozava de seu costumeiro banho de mar matinal no litoral da Guanabara. A tragédia foi seguida de um pequeno escândalo. Responsável pela remoção do corpo no Instituto Médico-Legal, o encarregado de negócios da URSS no Brasil, Andrey Fomin, deu vexame. Ao notar que o veículo funerário era decorado por uma cruz – o rabecão fora cedido gratuitamente pela Santa Casa de Misericórdia –, o diplomata russo impediu o transporte do féretro. Inconformado com a presença do símbolo cristão no carro em que repousava seu finado camarada, foi flagrado pela reportagem do jornal O Globo enquanto constrangia os prestativos funcionários do IML carioca. "Tirem essa cruz!", gritava, rubro de raiva. Apesar da cooperação gentil das instituições locais, Fomin só permitiu o traslado do caixão ao aeroporto quando convenceu o servidor responsável a remover a cruz grudada à porta do automóvel.

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O PESO DA DECISÃO

O secretário de Justiça dos EUA defende a estratégia daCasa Branca, conta as lições que aprendeu com o irmão presidente

e revela os bastidores da crise dos mísseis de Cuba

'Pressão enorme': no auge da crise, os irmãos Kennedy trocam confidências no lado de fora do Salão Oval

Há pouco mais de uma década, os irmãos John e Robert pouco se falavam – separados por oito anos de diferença na idade e por constantes desencontros nas mudanças da família, os filhos do embaixador Joseph Kennedy passaram a infância e a juventude afastados. Enquanto Robert estudava nas melhores escolas particulares da costa leste americana, John servia na II Guerra Mundial. Quando o caçula finalmente se alistou, em outubro de 1943, o irmão mais velho, já tenente, se recuperava das lesões sofridas num heróico resgate da tripulação de seu barco nas Ilhas Salomão, em agosto. Em 1946, John, eleito deputado, se mudava para Washington, enquanto Robert, com o serviço militar concluído, se matriculava na Universidade de Harvard, perto de Boston. Os caminhos dos irmãos só se uniram há exatos onze anos, em outubro de 1951, quando John, Robert e a irmã Patricia passaram sete semanas juntos num giro por Israel, Índia, Vietnã e Japão. A viagem marcou a primeira ocasião em que os irmãos puderam se conhecer de verdade – e dela resultou uma relação de enorme empatia e proximidade. Já adultos, "Jack" e "Bobby" descobriam que, além de irmãos, eram melhores amigos. A confiança fraternal surgida na jornada asiática explica o papel decisivo de Robert na condução da crise dos mísseis soviéticos em Cuba, nas últimas semanas. Coordenador da campanha eleitoral de 1960 e secretário de Justiça no governo de John Kennedy, Robert foi o principal interlocutor do presidente nos duríssimos momentos da crise. A

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atuação de Bobby no caso foi muito além dos limites do cargo que ocupa: o secretário foi estrategista, diplomata, articulador político e confidente do presidente. Um dos idealizadores do bloqueio naval de Cuba e o principal emissário de Kennedy junto aos soviéticos, Robert Kennedy sai da crise como astro de primeira grandeza na constelação política americana. Casado com Ethel Skakel há doze anos, pai de três meninos e quatro meninas, o espantosamente jovem Bobby – apenas 36 anos – concedeu a seguinte entrevista a VEJA.

* * *

VEJA - Quando o senhor soube da instalação dos mísseis soviéticos em Cuba?Kennedy - Na manhã de 16 de outubro, pouco depois das 9 horas, o presidente Kennedy me chamou na Casa Branca. Ele disse que estávamos com um grande problema. Em seguida, já em sua sala, me contou sobre os mísseis e armas atômicas em Cuba. Às 11h45 daquela mesma manhã, vimos as fotografias da construção das bases. O sentimento geral na reunião era de enorme surpresa. Ninguém esperava que os russos colocariam mísseis na ilha. No mês passado, recebi uma mensagem pessoal de Kruschev dizendo que o presidente Kennedy deveria ficar tranquilo, que nenhum míssil balístico seria enviado a Cuba. Enquanto os agentes da CIA mostravam as fotos aéreas naquela manhã, percebi que era tudo uma grande mentira – os russos estavam construindo as bases ao mesmo tempo em que mandavam aquelas mensagens a nós.

VEJA - Qual foi a reação do presidente?Kennedy - Depois da reunião, caminhei com ele até a ala residencial da Casa Branca. O presidente sabia que a situação era difícil. Muita coisa estava em jogo, mas ele sabia que teria de agir. Os Estados Unidos não podiam aceitar o que os russos tinham feito. Ele estava convencido desde o início de que teria de fazer alguma coisa. E encomendou a nós recomendações sobre possíveis alternativas. Foi na tarde daquele primeiro dia que começamos a discutir a idéia de uma quarentena ou bloqueio naval. O secretário McNamara logo se transformou no principal defensor da idéia. Ele argumentava que seria uma pressão limitada, que poderia ser intensificada de acordo com as circunstâncias. Além disso, era uma pressão forte, que seria bem entendida e que nos deixaria no controle da situação.

VEJA - Não se falava numa possível ação militar nesse primeiro momento?Kennedy - É claro que sim. Alguns defendiam um ataque surpresa, pois diziam que a quarentena não suspenderia a instalação dos mísseis, que já estavam em Cuba. O bloqueio seria como "fechar a porteira depois que o cavalo fugiu do celeiro", diziam eles. Mas o argumento mais forte era o de que uma quarentena contra Cuba levaria os russos a fazer o mesmo conosco em Berlim. Se o presidente Kennedy exigisse a retirada dos mísseis de Cuba para acabar com o bloqueio, eles pediriam a retirada dos mísseis que cercam a União Soviética. McNamara lembrou que um ataque aéreo cirúrgico contra as bases era considerado impossível pelo Estado Maior das Forças Armadas. A ação militar teria de incluir todas as instalações militares de Cuba, o que levaria a uma invasão. Talvez a crise chegaria a esse ponto, dizia McNamara. "Mas não vamos começar por aí", pedia ele.

VEJA - A oposição não gostou dessa postura do governo, considerada fraca pelos republicanos.

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Kennedy - Bem, estamos em campanha eleitoral (para o Congresso e os governos estaduais)... Por causa disso, os republicanos saíram por aí dizendo que o governo não estava tomando as providências necessárias para garantir nossa segurança. Alguns, como o senador Homer Capehart, já pediam ação militar imediata contra Cuba. Dias depois, quando o presidente Kennedy fez seu discurso sobre a crise em rede nacional de televisão, ele se reuniu com os líderes parlamentares. Foi sua reunião mais difícil no mês inteiro. Eu não estava lá, mas notei como foi desgastante quando o encontrei, pouco depois. Os líderes do Congresso achavam que o presidente tinha de agir de forma mais enérgica, com um ataque, uma invasão. Depois de ouvir todas as críticas, o presidente explicou que estava cumprindo todos os passos necessários, e que era possível resolver a questão sem uma guerra devastadora. Ele lembrou que nosso ataque poderia ser respondido por uma chuva de mísseis que mataria milhões de americanos. Essa era uma aposta que ele não estava disposto a fazer até que todas as outras possibilidades estivessem esgotadas. O presidente estava irritado no fim do encontro. Mais tarde, se acalmou, e admitiu que a reação dos parlamentares foi parecida com a nossa quando ouvimos pela primeira vez sobre os mísseis.

VEJA - No discurso na TV, o presidente deixou claro que o bloqueio naval era apenas o passo "inicial". Até que ponto ele acreditava no sucesso da estratégia?Kennedy - Ele estava calmo e confiante, sabia que era o caminho certo. Ainda assim, já havia ordenado ao Pentágono todos os preparativos necessários para qualquer ação militar. O país foi dormir naquele dia cheio de preocupação, mas também cheio de orgulho na força e na coragem do presidente. Ninguém era capaz de prever o que aconteceria nos próximos dias, mas todos sentíamos que o presidente, por causa de sua sabedoria e dignidade pessoal, teria o apoio de um país unido.

VEJA - Qual foi o momento mais tenso da crise?Kennedy - Foi quando duas embarcações russas, o Gagárin e o Komiles, ficaram a poucos quilômetros da linha do bloqueio. Aí chegou a notícia de que um submarino russo vinha com eles. Mandamos um porta-aviões. Se o submarino russo não subisse à superfície, usaríamos cargas explosivas. Esses poucos minutos de espera foram o momento de maior preocupação para o presidente. O mundo estava perto de um holocausto nuclear? Era nossa culpa? Cometemos algum erro? Ele cobriu o rosto com a mão. Seus olhos estavam penosos. Por algum motivo, lembrei de quando ele estava doente e quase morreu (depois de combater na II Guerra); de quando ele perdeu seu filho; de quando ouvimos que nosso irmão mais velho havia morrido. Os minutos demoravam a passar. Não podíamos fazer mais nada. Parecia que estávamos perto de um precipício e não havia para onde escapar. Foi quando um mensageiro trouxe um recado: os navios haviam parado. Todos na sala pareciam pessoas diferentes. Por um momento, o mundo havia parado, e agora ele continuava a rodar.

VEJA - Como estava o clima no momento em que a proposta de Kruschev finalmente chegou?Kennedy - A pressão era enorme. O presidente Kennedy já encomendava os preparativos para montar um governo civil em Cuba depois da invasão e ocupação do

"O mundo estava perto do holocausto nuclear? Era nossa culpa? Os minutos não passavam"

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país. O secretário McNamara informava que os militares previam baixas numerosas em caso de invasão. O presidente disse: "Devemos saber que esses mísseis serão apontados contra nós se decidirmos invadir. E devemos aceitar a possibilidade de que esses mísseis serão disparados quando as hostilidades começarem". À noite, a mensagem chegou. Muito se falou sobre essa carta. Disseram até que Kruschev estava tão instável e emotivo que a mensagem era incoerente. Não havia dúvida de que a carta fora escrita por ele pessoalmente. Era muito longa e emocionada, mas não era incoerente. E a emoção era motivada pela morte, destruição e anarquia que a guerra nuclear traria a seu povo e a toda a humanidade. Isso, dizia ele várias vezes, tinha de ser evitado. Fiquei um pouco mais otimista. Quando me despedi do presidente naquela noite, ele também parecia ter esperança no sucesso.

VEJA - O senhor poderia revelar o que mais chamou sua atenção no comportamento do seu irmão durante todas essas conversas e reuniões?Kennedy - Ele lembrava a todo momento que deveríamos compreender as implicações de cada um de nossos passos. Que tipo de resposta poderíamos prever? O que aconteceria depois? Ele sempre ressaltava a responsabilidade de pensar nos efeitos que nossas ações teriam sobre os outros. As decisões tomadas pelo presidente dos Estados Unidos poderiam abrir ou fechar as portas para os povos e governos de muitas outras nações. Era preciso estar sempre ciente dessa responsabilidade, dizia ele. O presidente estava decidindo em nome dos EUA, da União Soviética e de toda a humanidade. Nenhum de nós jamais esquecerá aquelas horas na Casa Branca. Vimos o significado e a responsabilidade do poder dos EUA, a responsabilidade que tínhamos com pessoas ao redor do globo que nunca ouviram falar de nós, os homens sentados numa sala decidindo o destino delas, decidindo se elas viveriam ou morreriam.

VEJA - Esse foi o maior aprendizado dos americanos nesse episódio?Kennedy - Acho que a lição final da crise dos mísseis é a importância de se colocar no lugar do outro país. O presidente Kennedy gastou mais tempo tentando prever o efeito de suas ações em Kruschev e nos russos do que em qualquer outra coisa que estivesse fazendo. O que guiava todas as decisões era o esforço para não colocar Kruschev em desgraça, para não humilhar a União Soviética. A guerra só ocorreria se colocássemos a União Soviética numa posição em que ela perdesse o respeito de seu próprio povo e dos outros países. Foi por isso que decidiu pelo bloqueio ao invés de uma ação militar. Foi por isso que ele relutou tanto em atacar as bases de mísseis. Os russos, pensava ele, teriam de reagir militarmente a essas ações. Ele sempre se perguntava: "Kruschev entende quais são os nossos interesses? A União Soviética teve tempo suficiente para reagir aos nossos movimentos? Quero dar espaço para as manobras do adversário. Não pretendo pressionar os russos um centímetro sequer além do necessário".

VEJA - O senhor teme que a ameaça de guerra com os soviéticos se concretize no futuro?Kennedy - O presidente Kennedy sabe que a União Soviética não quer uma guerra, e eles sabem que também queremos evitar um conflito armado. Portanto, se as hostilidades fossem iniciadas, seria por causa do fracasso de um ou do outro na compreensão dos objetivos do adversário. Desentendimentos e erros de cálculo provocam uma reação contrária. É assim que as guerras começam – guerras que ninguém quer e que ninguém vence. O presidente acredita desde o início que Kruschev é um homem racional, inteligente, capaz de mudar de posição se tiver tempo suficiente

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para isso. Mas sempre há a chance de um erro, de um descompasso, de uma falha no entendimento. O presidente Kennedy quer fazer o máximo para evitar essas chances do nosso lado. Mas a possibilidade de destruição da humanidade está sempre em sua cabeça.

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