criminologia e psicanÁlise: aspectos filosÓficos ... · winnicott, privação e delinqüência....

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Page 1: CRIMINOLOGIA E PSICANÁLISE: ASPECTOS FILOSÓFICOS ... · WINNICOTT, Privação e Delinqüência. Martins Fontes. São Paulo, 1999. 6 Estudo realizado, em agosto de 2003, pelo IPEA

X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009

X Salão de

Iniciação Científica PUCRS

CRIMINOLOGIA E PSICANÁLISE: ASPECTOS

FILOSÓFICOS, PSICANALÍTICOS E JURÍDICOS DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Bruno Tadeu Buonicore, Giovani Agostini Saavedra (orientador)

Faculdade de Direito, PUCRS, Programa de Pós Graduação em Ciências Criminais

Resumo

Introdução

O Estatuto da Criança e do Adolescente entra em vigor em 1990, revogando o antigo

código de menores e representando uma nova era na previsão normativa dos direitos juvenis.

Nas palavras de Cury (2008), o Estatuto se revela verdadeiro sistema constitucional especial

de proteção aos direitos fundamentais do jovem e da criança. A edificação de tal diploma

legal é inspirada na tendência de diversos documentos internacionais da ONU1 em conferir a

criança e ao adolescente a proteção integral, que no ensinamento de Ishida (2001) representa o

reconhecimento do adolescente como sujeito de direitos especiais e específicos levando em

consideração sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, em contraposição ao

antigo paradigma paternalista e correcionalista da chamada “situação irregular”.

O Estatuto elenca na parte geral, nos artigos 1º a 6º, os princípios2 que devem nortear

sua hermenêutica bem como pautar a conduta de todo profissional envolvido com a questão

juvenil. No que toca a privação de liberdade, para o adolescente infrator entre 12 e 18 anos,

prevista pelo ECA, nos artigos 112, 120 e 121, sob a forma de medida sócio- educativa, Cury

(2008) nos ensina a respeito dos princípios que devem observar: “a medida privativa de

liberdade deve atender aos princípios da brevidade enquanto limite cronológico, da

excepcionalidade enquanto limite lógico e do respeito da condição especial de pessoa em

desenvolvimento, enquanto limite ontológico”.

1 Pacto de São José (1969): “direito as medidas de proteção, que na sua condição de menor requer, da família, sociedade e Estado”; Regras de Beijing (1985); Regras Mínimas da ONU para jovens privados de liberdade (1990); Declaração de Genebra (1924): “necessidade de proporcionar à criança e ao adolescente uma proteção especial”; Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): “direito a cuidados e assistência especial” 2 Os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos universalmente; Todos os direitos fundamentais previstos constitucionalmente, bem como os direitos especiais, respeitando a condição de pessoa em desenvolvimento, devem ser aplicados na práxis da justiça juvenil; É dever do Estado, da sociedade e da família propiciar o ambiente necessário para a construção e a reconstrução subjetivo-funcional do adolescente; É prioridade do Estado promover o desenvolvimento do adolescente e da criança; Deve ser punido todo aquele que agir com violência e crueldade para com o adolescente ou a criança.

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X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009

Partindo do pressuposto do Estatuto da Criança e do Adolescente estar em vias de

completar 20 anos de sua história cabe questionarmos em que medida os princípios que

nortearam sua gênese e orientam sua hermenêutica vem correspondendo à realidade da práxis

institucional pátria competente ao longo dessas duas décadas, sobretudo no que tange o

adolescente em conflito com a lei.

Pretende-se lançar mão dos conceitos do psicanalista inglês Winnicott (1999) acerca da

tendência anti-social juvenil, dos movimentos de maturação típicos do adolescente e do

respectivo substrato ambiental suficientemente adequado para sua construção e reconstrução

subjetiva, para questionar a legitimidade no modo como as instituições vêm lidando com a

questão da perturbação social juvenil.

O presente estudo tem o intuito de demonstrar que o Estado, por meio de sua malha

institucional, não vem fornecendo, ao longo do referido transcurso temporal, o que seria um

ambiente adequado na concepção psicanalítica de Winnicott para reconstrução subjetiva

desses jovens, tão pouco vem instrumentalizando o núcleo principiológico que emana do

ECA.

A presente pesquisa busca analisar a hipótese de que existe uma demanda popular de

natureza punitivista3 e de defesa social4 em relação ao adolescente infrator, difundida,

sobretudo, pelas redes de comunicação social em massa, que vem impedindo a adequação da

práxis institucional aos princípios de natureza pedagógica do ECA.

Metodologia

Além de revisão bibliográfica e grupos de debates entre os profissionais das áreas

envolvidas, o estudo tem sido realizado, sobretudo no que toca a pesquisa de campo5,

utilizando-se a metodologia de pesquisa de Bourdieu (2007), valendo-se dos conceitos de

campo e hábito, utilizados pelo autor para descrever o movimento de forças dentro das

estruturas sociais, suas instituições e seus entes. Tem sido realizada uma análise da qualidade

do discurso midiático no que toca questões que envolvem o adolescente infrator, para tanto,

utiliza-se como amostra as notícias veiculadas sobre infração juvenil em três jornais de grande

3 Entende-se por demanda punitivista, nas palavras de Luís Flávio Gomes (2008), todo clamor social no sentido de aumento de pena ou diminuição de garantias processuais ao réu, de modo que ao atender tal demanda o Estado passa a utilizar o direito penal como instrumento de vingança pública. Ainda segundo o autor tal clamor punitivista é difundido pelos meios de comunicação sob forma de produto midiático.

4 Entende-se por defesa social, nas palavras do mestre Baratta (2002), a ideologia de segregar aquele que comete fato criminoso considerando-o um ente danoso para a sociedade, vilipendiando seus direitos fundamentais individuais em nome de uma duvidosa segurança coletiva, criando a ilusão de que o Estado é o “bom” que defende a sociedade dos “maus”

5 O conceito de campo para Bourdieu é uma esfera da vida social que se automatizou através da história, em torno de relações sociais. É a maneira como o autor concebe as instituições como configuração de relações entre atores individuais e coletivos.

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X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009

circulação da capital gaucha, quais sejam: Zero Hora, O Sul e Correio do Povo, nos períodos

de 01/01/1991 a 31/12/1991 e 01/01/2008 a 31/12/2008.

Resultados (ou Resultados e Discussão)

O presente estudo foi capaz de levantar, com base em dados oficiais da Secretária de

Assuntos Estratégicos do Governo Federal6, os seguintes resultados:

- Em relação a as instituições pátrias competentes para aplicação das medidas

socioeducativas, 71% não oferecem “ambiente físico” considerado adequado para a proposta

pedagógica do Estatuto. Variando as inadequações desde a inexistência de espaço para prática

esportiva e de convivência até as péssimas condições de higiene e limpeza. Ainda é preciso

salientar que das consideradas adequadas algumas o são mais para manutenção da segurança

do que para uma proposta sócio-educativa na medida em que muitas unidades possuem

aspecto tipicamente prisional.

No que diz respeito ao levantamento das notícias proposto, este se encontra apenas

parcialmente completo, porém tem-se observado, na amostra proposta, uma grande

quantidade de notícias com apelo punitivo, sobretudo no que diz respeito ao aumento de penas

e redução da menoridade penal.

Conclusão

O estudo observa, como, conclusão, ainda em vias de ser confirmada, na medida em

que o estudo não apresenta resultados definitivos, que as instituições pátrias competentes vem

caminhando, ao longo desses quase 20 anos, em direção oposta àquela proposta pelos

princípios do ECA, porém, em contraposição, vem caminhado na mesa direção do apelo

social punitivista e de defesa social em relação ao adolescente, difundido pela mídia, que

transforma o sentimento social de vingança pública em produto midiático.

Referências BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica. Editora Revan Ltda. Rio de Janeiro, 2002. CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Malheiros Editores Ltda. São Paulo, 2008. FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Editora Vozes. Petrópolis, 1999. GOMES, Luis Flávio. processos midiáticos, prisões "imediáticas".Disponível em http://www.iuspedia.com.br 09 maio. 2008. ISHIDA, Valter Kengi. Eca Comentado. Editora Atlas S.A. São Paulo, 2001. O CONSTRUTIVISMO ESTRUTURALISTA DE BOURDIEU, CORCUFF, Fhilippe. Tradução: Viviane Ribeiro. 15 La societé des individus, op.cit., p.108. PRATES, Flávio Cruz. Adolescente Infrator Juruá. Curitiba, 2002. WINNICOTT, Privação e Delinqüência. Martins Fontes. São Paulo, 1999.

6 Estudo realizado, em agosto de 2003, pelo IPEA e pelo Departamento da Criança e do Adolescente em conjunto com a Secretária de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, denominado Mapeamento da Situação das Unidades de Execução das Medidas Sócio- Esducativas de Privação de Liberdade ao Adolescente em Conflito com a Lei. Disponível: www.ipea.gov.br-pub-td-2003-td_0979.pdf.utl

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