crimes hediondos

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CRIMES HEDIONDOS Infelizmente, o rol dos crimes hediondos está entre aqueles assuntos que devem ser memorizados. Em prova, dificilmente será questionado se um crime “X” é o não hediondo. No entanto, é possível que a banca pergunte a respeito de prazos de prisão temporária ou de progressão de regime na hipótese de determinado delito, diferenciados em crimes hediondos. Fique esperto: a tentativa não afasta a hediondez! Portanto, na hipótese de tentativa de estrupo ou de homicídio qualificado, por exemplo, o crime permanecerá hediondo, devendo ser aplicada a Lei 8.072/90. As pegadinhas em relação ao homicídio na Lei de Crimes Hediondos são sempre as mesmas. Questionarão se é possível a existência de um grupo de extermínio composto por uma única pessoa – a redação do art. 1º, inciso I, pode fazer com que o leitor chegue a tal conclusão. A resposta é não. O que o dispositivo quis dizer: não é preciso que todos os integrantes do grupo de extermínio participem da execução do homicídio para o reconhecimento da hediondez. Há divergência quanto ao número mínimo de integrantes de um grupo de extermínio. A Lei 8.072/90não diz, mas boa parte da doutrina entende que a formação é a mesma da associação criminosa (CP, art. 288): três ou mais pessoas. Não confunda grupo de extermínio com concurso de pessoas. Se Caio, Tício e Mévio decidem matar João, a hipótese será de homicídio em concurso de pessoas, e não de grupo de extermínio. Por outro lado, se o trio decide matar

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crimes hediondos

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Page 1: Crimes Hediondos

CRIMES HEDIONDOS

Infelizmente, o rol dos crimes hediondos está entre aqueles assuntos que

devem ser memorizados. Em prova, dificilmente será questionado se um crime

“X” é o não hediondo. No entanto, é possível que a banca pergunte a respeito

de prazos de prisão temporária ou de progressão de regime na hipótese de

determinado delito, diferenciados em crimes hediondos.

Fique esperto: a tentativa não afasta a hediondez! Portanto, na hipótese de

tentativa de estrupo ou de homicídio qualificado, por exemplo, o crime

permanecerá hediondo, devendo ser aplicada a Lei 8.072/90.

As pegadinhas em relação ao homicídio na Lei de Crimes Hediondos são

sempre as mesmas. Questionarão se é possível a existência de um grupo de

extermínio composto por uma única pessoa – a redação do art. 1º, inciso I,

pode fazer com que o leitor chegue a tal conclusão. A resposta é não. O que o

dispositivo quis dizer: não é preciso que todos os integrantes do grupo de

extermínio participem da execução do homicídio para o reconhecimento da

hediondez.

Há divergência quanto ao número mínimo de integrantes de um grupo de

extermínio. A Lei 8.072/90não diz, mas boa parte da doutrina entende que a

formação é a mesma da associação criminosa (CP, art. 288): três ou mais

pessoas.

Não confunda grupo de extermínio com concurso de pessoas. Se Caio,

Tício e Mévio decidem matar João, a hipótese será de homicídio em concurso

de pessoas, e não de grupo de extermínio. Por outro lado, se o trio decide

matar torcedores de determinado time, estará caracterizado o grupo de

extermínio. Explico: a principal característica de homicídio em atividade típica

de grupo de extermínio a impessoalidade. A vítima é assassinada em razão de

alguma característica especial ( ex: ser mendigo), e não por ser “A” ou “B”. A

sua identidade é irrelevante para o homicida.

Em Direito, há exceção para tudo. No entanto, em relação às qualificadoras

do homicídio, fique esperto: todas elas tornam o crime hediondo.

No § 1º do art. 121 do CP está previsto o intitulado homicídio privilegiado –

na verdade, não é privilégio, mas causa de diminuição de pena - , hipótese em

que o agente mata “ impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou

Page 2: Crimes Hediondos

sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da

vítima”. Não é crime hediondo, pois não está no rol do art. 1º da Lei 8.072/90.

Todavia, há situação que pode causar confusão: a do homicídio

qualificação-privilegiado. Explico: O § 2º do art. 121 do CP possui

qualificadoras de natureza objetiva (incisos III e IV) e subjetiva (I, II e V). O

homicídio privilegiado é compatível com as qualificadoras de natureza objetiva

(ex.: o pai que mata o estuprador da filha com o emprego de veneno). Neste

caso, o homicídio será considerado, ao mesmo tempo, qualificado e

privilegiado. Surge, então, a dúvida? Ele será hediondo? A resposta é não. A

razão: em primeiro lugar, não há previsão no art. 1º da Lei 8.072/90. Ademais,

não seria coerente, em um mesmo contexto, diminuir a pena e impor os

malefícios da Lei dos Crimes Hediondos.

Agora, imagine a segunda situação: Tício, agindo com vontade de matar por

motivo torpe – logo, qualificado – dispara tiros contra Mévio. No entanto, por

erro na execução atinge Caio, que vem a falecer. Pergunto: o fato de Tício

atingir uma pessoa diversa da pretendida afasta a hediondez do crime? E "se

Tício confundisse as vítimas, e, ao invés de atirar em seu inimigo, matasse o

seu irmão gêmeo?. Nas duas hipóteses, o homicídio será hediondo. Isso

porque, tanto na hipótese de “aberratio ictus”(CP, art. 73) quanto na de “erro

sobre a pessoa” (CP, art. 20, § 3º), leva-se em consideração a vítima

pretendida, e não a efetivamente atingida. Logo, se o homicídio foi praticado

por motivo torpe ( ou presente outra qualificadora), ele será hediondo, ainda

que o agente não mate a vítima desejada, mas pessoa diversa.

Em 2009, o CP passou a contar com o § 3º em seu art. 158 (extorsão), com

a seguinte redação: “Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade

da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem

econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa;

se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art.

158, §§ 2º e 3º, respectivamente.”. Trata-se do intitulado “sequestro

relâmpago”, que, por razões inexplicáveis, não foi incluído ao rol de crimes

hediondos, ainda que ocorra a morte da vítima. Alguns autores entendem que o

delito será hediondo em razão da remissão que o dispositivo faz ao art. 159, §§

2º e 3º, mas raciocínio não deve prevalecer, pois, como já dito, o critério

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adotado para que um crime seja considerado hediondo é o legal. Ou seja, se

um delito estiver no rol do art. 1º da Lei 8.072/90, é hediondo. Senão, não.

São equiparados aos crimes hediondos o tráfico de drogas, o terrorismo e a

tortura. Significa dizer que a Lei 8.072 é aplicável a eles, exceto quanto ao que

a lei própria dispuser de outra forma. Por isso, as disposições da Lei 11.343/06

(Lei de Drogas) e da Lei 9.455/97 (Lei de Tortura) devem prevalecer quando

em conflito com a Lei de Crimes Hediondos (princípio da especialidade), que

deve funcionar como norma geral.

Os crimes hediondos e equiparados são insuscetíveis de anistia, graça,

indulto e fiança.

Perceba que o que a Lei 8.072/90 veda, em seu art. 2º, II, é a fiança, e não

a liberdade provisória. Portanto, é possível que o acusado por um crime

hediondo aguarde o desfecho da ação penal solto. O que não é possível, no

entanto, é que a liberdade seja condicionada ao pagamento de fiança, por

expressa vedação legal, mas o juiz não está impedido de impor outra das

medidas cautelares do art. 319 do CPP.

Ao contrário do que costuma se pensar no senso comum, juridicamente,

crime hediondo não é o crime praticado com extrema violência e com requinte

de crueldade e sem nenhum senso de compaixão ou misericórdia por parte de

seus autores, mas sim um dos crimes expressamente previstos na Lei

8.072/90. Portanto, não são crimes que o legislador entendeu merecerem

maior reprovação por parte de Estado. Os crimes hediondos, do ponto de vista

da criminologia sociológica, são os crimes que estão no topo da pirâmide de

desvalorização axiológica criminal, devendo, portanto, ser entendidos como

crimes mais graves, mais revoltantes, que causam maior aversão à

coletividade.

Crime Hediondo diz respeito ao delito cuja lesividade é acentuadamente

expressiva, ou seja, crime de extremo potencial ostensivo, ao qual

denominamos crime “de gravidade acentuada”. Do ponto de vista semântico, o

termo hediondo significa ato profundamente repugnante, imundo, horrendo,

sórdido, ou seja, um ato indiscutivelmente nojento, segundo os padrões da

moral vigente.

O crime hediondo é o crime que causa profunda e consensual repugnância

por ofender, de forma acentuadamente grave, valores morais da indiscutível

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legitimidade, como sentimento comum de piedade, de fraternidade, de

solidariedade e de respeito à dignidade da pessoa humana.

São considerados crimes hediondos:

Homicídio quando praticado em atividade típica de extermínio, ainda que

cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, parágrafo 2º,

incisos I, II, III, IV e V).

Latrocínio

Extorsão qualificada pela morte

Extorsão mediante sequestro e na forma qualificada

Estrupo

Epidemia com resultado morte

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins

terapêuticos ou medicinais crime de genocídio previsto nos artigos 1º, 2º e 3º

da Lei 2889/56.

São crimes equiparados a hediondos:

Tráfico ilícito de entorpecentes

Tortura

Terrorismo

Page 5: Crimes Hediondos

TORTURA

Atualmente, os atos de violência praticados contra pessoa por meio de

tortura e penas cruéis, desumanas e degradantes ganham o repúdio de toda a

Nação, mas nem sempre foi assim. Tais delitos se desencadeavam nas formas

mais desumanas e cruéis de tortura, geralmente com práticas sádicas,

dilaceração de mentes, mutilação dos corpos, em que os criminosos possuíam

a sua gratificação com o sofrimento de suas vítimas.

Com o decorrer da história e evolução humana, a tortura e as penas

cruéis acompanham este desenvolvimento e sofrem mutações no tocante a

aceitação e reprovação de muitas de suas práticas.

Em cada lapso temporal, evidenciam-se transformações sociais que

afetam todas as relações sociais interpessoais, desde os primórdios com as

sociedades arcaicas até perdurar nos dias de hoje.

A violência advinda da tortura é uma experiência que atravessa a

história. O entendimento desta evolução tem por base a preocupação moral e

ética no tocante às suas práticas. É vasto o campo que trata às questões

pertinentes a tortura. São vários os posicionamentos gerais sobre tal tema.

O disposto no texto constitucional de 1988 acerca de tortura e das penas

cruéis e desumanas tem como embasamento o golpe militar de 1964, no qual a

constituição vigente foi derrubada. Neste momento aconteceram perseguições,

surgiu a “segurança nacional”, a guerrilha urbana e as organizações de

esquerda. Neste período, juntamente com a suspensão do habeas corpus, com

a cassação de deputados, a paralisação do Congresso Nacional e com a

censura absoluta, todos advindos com AI-5, surge a prática da tortura e penas

cruéis, desumanas e degradante no Brasil.

Segundo o entendimento de FERNANDES (1996, p. 149):

“[...] a tortura, de forma extremada de violência, parece ter se entranhado no

homem ao primeiro sinal de Inteligência deste. Só o ser humano é capaz de

prolongar sofrimento de animal da mesma espécie ou de outra. Os seres

inferiores ferem ou matam a caça. Devoram-na depois. O homem é diferente.

O impulso de destruição o conduz à aflição de dores por prazer, por vingança

ou para atender a objetivos situados mais adiante.”

Page 6: Crimes Hediondos

Assim, tem-se que a tortura não gerou sempre na sociedade o repúdio,

pois ela era considerada um meio legal de prova, que almejava o anseio da

verdade no processo e uma forma de pena cruel estabelecida para alguns

crimes. Vale salientar que por muitas vezes esta situação fora amplamente

aceita pelo Estado e seus agentes, apesar de não haver uma previsão legal

desta prática, e por diversas vezes indo de encontro aos dispositivos legais.

Analisando o crime de tortura, veremos em um dos seus núcleos, o

“constranger”. Trata-se do principal núcleo. Este constrangimento pode ocorrer

por violência ou por grave ameaça. Logo, poderá ocorrer por violência, ou

através da vis compulsiva. Este crime pode ocorrer através de meios morais,

em se tratando de grave ameaça.

É característica da tortura, o fato dele abrigar um crime formal. Há nele,

somente, a intenção do sofrimento físico ou mental. Essa lei também ampara a

pessoa presa ou sujeita a medida de segurança, que for alvo de uma tortura,

praticada por aquele que deveria prestar na verdade, a proteção desses

indivíduos. Aqui, estamos falando de policiais, agentes carcerários. Logo, trata-

se de uma modalidade própria, do crime de Tortura.

No parágrafo 2º do dispositivo, temos a previsão de uma forma omissiva.

Pelo fato dele estar prevendo uma pena que vai até 4 anos de reclusão, não se

trata de crime hediondo. Aqui, o que ocorrerá, será uma negligência: uma

omissão própria. Entretanto, ele não tem o dolo de praticar o crime.

Obviamente, se houvesse o dolo, deixaria de ser tortura, fazendo ele ser alvo

da punição do parágrafo 1º.

A doutrina entende que a previsão do parágrafo 3º do artigo 1º, é um

crime preterdoloso: dolo no antecedente, culpa no consequente. O torturador

queria, a princípio, apenas torturar, mas houve um agravante: a morte da

vítima. Logo, a forma que o crime fora cometido, vai influenciar na dosemetria

da pena. Por exemplo, se houve a perfuração de um olho, teríamos uma lesão

corporal grave. Todavia, se houver perfuração dos dois olhos, teríamos uma

lesão corporal gravíssima (perda do sentido).

Uma tortura seguida de morte, é equiparado ao crime hediondo. Será o

juiz singular, quem irá julgar. E no caso do homicídio qualificado pela tortura?

Bem, o dolo é matar. A tortura, tem a ver com o meio utilizado, para eliminar.

Page 7: Crimes Hediondos

Vejamos outro caso: um indivíduo atira e mata a sua vítima, dias depois

de haver uma tortura. Nesse caso, ele cometeu dois crimes: haverá um

concurso de crimes. Seria o artigo 1º, inciso I, da Lei 9455/97, combinado com

o artigo 121 parágrafo 2º inciso V, do Código Penal.

As majorantes previstas no parágrafo 4º do artigo 1º, entram em

conjunto com a forma objetiva. O agente público, mencionado no dispositivo, a

doutrina majoritária entende que deve ser um agente público voltado para a

segurança pública. No caso da gestante, previsto no parágrafo supracitado,

temos uma observação importante a ser feita: o fato dela não aparentar estar

grávida , ou a pessoa aparentar ter bem menos de 60 anos e o torturador não

saber. Este pode utilizar disso, como uma via de defesa. O Inciso III, trata das

torturas que demoram horas. Será uma tortura que já terá aplicada a majorante

do sequestro.

DEFINIÇÃO LEGAL DA TORTURA

A preocupação com a dignidade humana tornou-se objeto de

convenções internacionais desde o advento da Declaração Francesa dos

Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, reza em seu

artigo V que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo

cruel, desumano ou degradante”

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de

Costa Rica), de 1969, em seu artigo 5º, n. 2, afirma que “ninguém deve ser

submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou

degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o

respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

Contudo, é a Convenção da ONU sobre tortura e outros tratamentos ou

penas cruéis, desumanos ou degradantes, de 10.12.1984, em seu artigo 1º,

que traz o conceito de tortura: “Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos

agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim

de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castiga-los

por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter

Page 8: Crimes Hediondos

cometido; de intimar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer

motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou

sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no

exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento

ou aquiescência”.

Na Constituição Imperial brasileira de 1824, surge uma declaração

majestosa contra a tortura e os demais tratamentos desumanos, o art.179, § 19

daquele diploma afirma: “Desde já ficam abolidos ou açoites, a tortura, a amrca

de ferro quente, e todas as demais penas cruéis”.

Conforme o entendimento de José Afonso da Silva, a condenação

explicitada na Constituição de 1988 (art. 5º. III, XLIII, XLVII e XLIX) à prática da

tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos já era

prevista em constituições anteriores, bem como é parte integrante das

“constituições modernas em geral”.

Apesar de existir uma previsão constitucional acerca da tortura no

ordenamento jurídico, persistia a ausência de um conceito de tal crime, e quais

as condutas que caracterizariam tal prática. O Estatuto da Criança e do

Adolescente, de 1990, trouxe a primeira tipificação do crime da tortura, o seu

artigo 233 traz como crime o ato de “submeter criança ou adolescente, sob sua

autoridade, guarda ou vigilância a tortura”. Posteriormente, a Lei dos Crimes

Hediondos, também de 1990, equipara o crime de tortura aos crimes

hediondos.