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Crimes Contra o

sistema FinanCeiro naCional

&Contra o

merCado de Capitais

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www.lumen ju ris.com.br

editores

João de almeida

adriano pilattialexandre Freitas Câmaraalexandre morais da rosaaury lopes Jr.Cezar roberto BitencourtCristiano Chaves de FariasCarlos eduardo adriano JapiassúCláudio CarneiroCristiano rodrigueselpídio donizettiemerson GarciaFauzi hassan ChoukrFelippe Borring rocha

Conselho editorial

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rio de JaneiroCentro – rua da assembléia, 10 loja G/hCep 20011-000 – Centrorio de Janeiro – rJ tel. (21) 2531-2199 Fax 2242-1148

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são paulorua Correia vasques, 48 – Cep: 04038-010 vila Clementino – são paulo – sp telefax (11) 5908-0240 / 5081-7772

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minas Geraisrua araguari, 359 – sala 53 Cep 30190-110 – Barro preto Belo horizonte – mG tel. (31) 3292-6371

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rio Grande do sulrua padre Chagas, 66 – loja 06 moinhos de vento – porto alegre – rsCep: 90570-080 – tel. (51) 3211-0700espírito santorua Constante sodré, 322 – térreo Cep: 29055-420 – santa lúcia vitória – es.tel.: (27) 3235-8628 / 3225-1659

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Cezar roBerto BitenCourt

Juliano Breda

Crimes Contra o

sistema FinanCeiro naCional

&Contra o

merCado de Capitais

editora lumen Juris

rio de Janeiro2010

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Copyright © 2010 by Cezar roberto Bitencourt e Juliano Breda

Categoria: direito penal Financeiro

produção editorial

livraria e editora lumen Juris ltda.

a livra ria e edi to ra lumen Juris ltda.não se res pon sa bi li za pelas opi niões emi ti das nesta obra.

É proi bi da a repro du ção total ou par cial, por qual quer meio ou pro ces so, inclu si vequan to às carac te rís ti cas grá fi cas e/ou edi to riais. a vio la ção de direi tos auto rais

cons ti tui crime (Código penal, art. 184 e §§, e lei no 10.695, de 1o/07/2003),sujei tan do-se à busca e apreen são e inde ni za ções diver sas (lei no 9.610/98).

todos os direi tos desta edi ção reser va dos àlivraria e editora lumen Juris ltda.

impresso no Brasilprinted in Brazil

Cip-Brasil. CataloGação-na-FontesindiCato naCional dos editores de livros, rJ

--------------------------------------------------------------------------------B536c

Bitencourt, Cezar robertoCrimes contra o sistema financeiro nacional & contra o mercado de capitais / Cezar

roberto Bitencourt, Juliano Breda. - rio de Janeiro : lumen Juris, 2010.

inclui bibliografiaisBn 978-85-375-0747-6

1. Crime do colarinho branco - Brasil. 2. instituições financeiras - Corrupção - Brasil.3. mercado de capitais - Brasil. i. Breda, Juliano. ii. título.

10-0788. Cdu: 343.37(81)

24.02.10 24.02.10 017668

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sumário

prefácio

pri mei ra parteCri mes Con tra o sis te ma Finan Cei ro naCio nal

lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986

Cezar roberto Bitencourt

Capítulo i – definição e Constituição do sistema Financeiro nacional1. Conceito de instituição financeira2. instituição financeira por equiparação

Capítulo ii – títulos irregulares1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal

Capítulo iii – divulgação de informação Falsa ou prejudicial1. Considerações preliminares2. o bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: informação falsa ou prejudicialmente incompleta

4.1. divulgação falsa de informação sobre instituição financeira protegidapelo sigilo financeiro: conflito aparente de normas

5. tipo subjetivo: adequação típica6. publicação de balanço falsificado: inadequação típica7. Consumação e tentativa8. Classificação doutrinária9. pena e ação penal

Capítulo iv – Gestão Fraudulenta de instituição Financeira1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado

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3. sujeitos ativo e passivo do crime4. Fraude civil e fraude penal: ontologicamente semelhantes5. tipo objetivo: adequação típica

5.1. elemento normativo: fraudulentamente5.2. Gestão fraudulenta na modalidade omissiva

6. tipo subjetivo: adequação típica7. Consumação e tentativa de gestão fraudulenta8. Classificação doutrinária9. pena e ação penal

Capítulo iv-a – Gestão temerária de instituição Financeira1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime

3.1. a questionável atribuição de responsabilidade penal a gerente pela prá-tica de gestão temerária

4. inconstitucionalidade da (in)definição do crime de gestão temerária5. tipo objetivo: adequação típica

5.1. a inadequada tipificação do crime de gestão temerária5.2. Gestão temerária: contornos típicos (ou a falta de)5.3. Crime habitual: impossibilidade de considerar-se isoladamente uma con-

duta humana como gestão temerária6. tipo subjetivo: adequação típica

6.1. ausência de previsão de modalidade culposa7. a (i)legalidade de caução com ações ou debêntures emitidas pelo próprio

devedor7.1. revogação do art. 12, iii, da resolução nº 1.748/90 do Banco Central

pela resolução/Cmn nº 2.682/997.2. normas penais em branco e retroatividade das ditas normas complemen-

tadoras8. Consumação e tentativa de gestão temerária9. Classificação doutrinária10. pena e ação penal

Capítulo v – apropriação indébita Financeira1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime

3.1. sujeito ativo3.2. sujeito passivo

4. pressuposto da apropriação indébita financeira5. tipo objetivo: adequação típica6. tipo subjetivo: adequação típica

6.1. elemento subjetivo especial do injusto: em proveito próprio ou alheio7. apropriação indébita financeira e relação mandante-mandatário8. Consumação e tentativa9. Classificação doutrinária

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10. algumas questões especiais sobre atipicidade11. pena e ação penal

Capítulo vi – Falsa informação sobre operação ou situação Financeira1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. semelhanças e dessemelhanças entre o crime do art. 6º da lei nº 7.492/86e o crime de estelionato

4.2. a obtenção de vantagem indevida: elemento normativo implícito5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

Capítulo vii – títulos ou valores mobiliários Fraudulentos1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

Capítulo viii – Cobrança de Juros ou Comissões extorsivos1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. exigência em desacordo com a legislação: vantagem indevida4.2. elemento normativo especial: em desacordo com a legislação

5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

Capítulo iX – Falsidade ideológica Financeira1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. distinção entre falsidade material e falsidade ideológica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

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Capítulo X – Falsidade em demonstrativos Contábeis1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. impossibilidade de pretensa interpretação extensiva da descrição típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

Capítulo Xi – Contabilidade paralela1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal

Capítulo Xii – sonegação de informações às autoridades Competentes1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime

3.1. sujeito ativo3.2. sujeito passivo

4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal

Capítulo Xiii – desvio de Bens indisponíveis1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos do crime

3.1. sujeito ativo3.2. sujeito passivo

4. tipo objetivo: adequação típica5. apropriar-se ou desviar em proveito próprio ou alheio6. tipo subjetivo: adequação típica7. Classificação doutrinária8. Consumação e tentativa9. pena e ação penal

Capítulo Xiv – declaração Falsa de Crédito1. Considerações preliminares

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2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime

3.1. sujeito ativo3.2. sujeito passivo

4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal

Capítulo Xv – manifestação Falsa de interventor, liquidante ou síndico1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal

Capítulo Xvi – operar instituição Financeira ilegal1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declara-ção falsa

5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

Capítulo Xvii – Concessão de empréstimo ou adiantamento ilegais1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: tomar, receber ou deferir empréstimo ou adiantamento

4.1. a sociedade cujo controle seja por “ela” exercido4.2. atipicidade do uso de bens ou coisas de instituição financeira4.3. a interpretação adequada do excessivo uso de elementos normativos

5. Conceder ou receber adiantamento de remuneração ou qualquer outro paga-mento (parágrafo único, inc. i)

6. de forma disfarçada, promover a distribuição ou receber lucros (parágrafoúnico, inc. ii)

7. tipo subjetivo: adequação típica8. Consumação e tentativa9. Classificação doutrinária10. pena e ação penal

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Capítulo Xviii – violação de sigilo de operação Financeira1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. Que teve conhecimento em razão de ofício: relação de causalidade5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal

Capítulo XiX – Financiamento mediante Fraude1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. obtenção de vantagem ilícita: financiamento mediante fraude5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

Capítulo XX – aplicar Financiamento em Finalidade diversa1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica

4.1. Finalidade diversa da prevista em lei ou contrato5. tipo subjetivo: adequação típica6. Classificação doutrinária7. Consumação e tentativa8. pena e ação penal

Capítulo XXi – Falsa identidade1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. sonega informação que deveria prestar ou presta informação falsa7. atipicidade do ingresso irregular de divisas e equivocada capitulação no

art. 21, parágrafo único8. Consumação e tentativa9. Classificação doutrinária10. Questões especiais11. pena e ação penal

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Capítulo XXii – evasão de divisas1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. espécies de evasão de divisas5. efetuar operação de câmbio não autorizada

5.1. elementar normativa: operação de câmbio5.2. elementar normativa “não autorizada”: sentido e alcance5.3. elementar normativa “divisas”

6. tipo subjetivo (caput): dolo e elemento subjetivo especial do tipo6.1. elemento subjetivo especial do tipo: com o fim de promover evasão de

divisas do país7. Consumação e tentativa de operação de câmbio não autorizada

7.1. Consumação7.2. tentativa

8. Classificação doutrinária9. promover, a qualquer título, sem autorização legal, a saída de moeda ou di-

visa para o exterior9.1. Bem jurídico tutelado9.2. tipo objetivo: adequação típica

9.2.1. elementar normativa: “a qualquer título”9.2.2. elementar normativa: saída de moeda ou divisa para o exterior

9.2.2.1. saída de divisas para o exterior9.2.2.2. o significado de moeda: tratamento jurídico

9.3. elementos normativos especiais da ilicitude: “não autorizada” (caput) e“sem autorização legal” (parágrafo único)

9.4. tratamento do erro sobre elementos normativos especiais da ilicitude9.5. tipo subjetivo: adequação típica9.6. Consumação e tentativa de promover, sem autorização legal, a saída de

moeda ou divisa10. manter no exterior depósitos não declarados

10.1. Bem jurídico tutelado10.2. tipo objetivo: adequação típica

10.2.1. elementar normativa: repartição federal competente10.3. tipo subjetivo: adequação típica

10.4. Consumação ou tentativa do crime de manutenção de depósito no exterior não declarado

11. exportação clandestina ou sem cobertura cambial12. aspectos relevantes quanto à competência de foro13. pena e natureza da ação penal

Capítulo XXiii prevaricação Financeira1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa

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7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal

Capítulo XXiv – responsabilidade penal e delação premiada nos Crimes Contrao sistema Financeiro nacional

1. responsabilidade penal nos crimes contra o sistema financeiro2. delação premiada: favor legal e antiético

seGunda parteCrimes Contra o merCado de Capitais

lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1986,com as alterações promovidas pela lei 10.30, de 31 de outubro de 2001

Juliano Breda

Capítulo XXv – manipulação do mercado de Capitais1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Concurso de manipulações do mercado8. Classificação doutrinária9. pena e ação penal10. Competência

Capítulo XXvi – uso indevido de informação privilegiada1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo do crime4. tipo objetivo: adequação típica5. tipo subjetivo: adequação típica6. Consumação e tentativa7. Classificação doutrinária8. pena e ação penal9. Competência

Capítulo XXvii – exercício irregular de Cargo, profissão, atividade ou Função1. Considerações preliminares2. Bem jurídico tutelado3. sujeitos ativo e passivo4. tipo objetivo e tipo subjetivo5. Consumação e tentativa6. pena, ação penal e competência7. Classificação doutrinária8. os crimes contra o mercado de capitais e os crimes antecedentes da lavagem

de dinheiro

Bibliografia

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prefácio

todas as vezes que somos hon ra dos com o con vi te para pre fa ciar um livronos depa ra mos com o dile ma de come çar pelo autor (ou auto res) ou pela obra.pela admi ra ção que tenho e pela longa ami za de que me une a Cezar robertoBitencourt e, agora, mais recen te men te, a Juliano Breda, claro que a esco lhaficou fácil. vamos ini ciar pelos auto res.

Cezar Bitencourt é um ícone do direito penal bra si lei ro. um dos mais con -sa gra dos auto res nessa área, com inú me ros livros publi ca dos (iso la da men te ouem coau to ria) e mui tas deze nas de arti gos. sua pro du ção cien tí fi ca, no entan to,não pode ser medi da exclu si va men te pela quan ti da de (exor bi tan te), senão,sobre tu do, pela qua li da de (impe cá vel, lúci da).

na atua li da de, além de pena lis ta dos mais lidos e mais influen tes no nossopaís, exer ce com bri lho sin gu lar o magis té rio, assim como a nobre pro fis são daadvo ca cia. É dou tor em direito penal pela universidade de sevilha (onde con -quis tou a nota máxi ma, cum laude). da sua tese de dou to ra men to nas ceu o fan -tás ti co livro Falência da pena de pri são, que já nas ceu clás si co. nosso vín cu lomaior de ami za de, aliás, vem pre ci sa men te desse nosso perío do aca dê mi co naterra de Cervantes.

sua fre quên cia a incon tá veis cur sos de longa dura ção (de espe cia li za ção, deexten são, de mes tra do e de dou to ra do) expli ca, ainda que ape nas em parte, quemhoje é o reno ma do Cezar Bitencourt, que se dis tin gue (den tre seus pares) pelacla re za expo si ti va das suas ideias, assim como pela sin ce ri da de das suas colo ca -ções. Foi coor de na dor do curso de pós-gra dua ção em ciên cias penais da puC-rs,tendo apro vei ta do essa opor tu ni da de (de forma pro fí cua e exem plar) para for maruma legião de outros pena lis tas de reno me (que lhe pres ta ram uma belís si ma emere ci da home na gem recen te men te). É pro fes sor con vi da do de vários cur sos depós-gra dua ção, tanto no Brasil quan to exte rior, e ainda foi dire tor da escolasuperior do ministério público no rio Grande do sul (o que demons tra sua apti -dão para o exer cí cio de lide ran ça). Foi Conselheiro Federal da oaB, na ges tão2004-2006.

Juliano Breda é doutor em direito das relações sociais pela universidadeFederal do paraná, desde 2004. no ano 2000 con quis tou, na mesma universi da -

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de, o títu lo de mestre. É advo ga do cri mi nal e mem bro da direção do GrupoBrasileiro da associação internacional de direito penal, além de secretário-Geral da ordem dos advogados do Brasil – seção do paraná. palestrante eprofessor nas áreas de direito penal e direito processual penal em cur sos de pós-Graduação. É autor do livro Gestão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra e dis po -si ti vos pro ces suais da lei 7.492/86. rio de Janeiro: editora renovar, 2002, 208 p.,e de diver sos arti gos sobre direito e processo penal.

superando todos os obs tá cu los ima gi ná veis (sobre tu do na atua li da de), gera -dos pelo fati gan te exer cí cio da advo ca cia e do magis té rio, os emi nen tes auto res, depois de anos de refle xão, encon tra ram moti va ção (e tempo) para nos brin darcom este fan tás ti co livro, “Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal & con trao mer ca do de capi tais”.

procuraram nas suas dou tas e madu ras elu cu bra ções con ci liar a lei com ajuris pru dên cia (aliás, bas tan te escas sa nos dois temas), tendo como des ta ca do panode fundo a expe riên cia de ambos como advo ga dos mili tan tes. nenhum deli to (nasduas áreas esco lhi das) ficou fora das con si de ra ções refle ti das dos dois auto res quedevem ser, desde logo, aplau di dos por essa ini cia ti va. não são temas do nosso diaa dia, ao con trá rio, são árduos, des gas tan tes, e de difí cil com preen são (nor mal -men te). Cuida-se de obra de gran de valia para todos os ope ra do res jurí di cos, espe -cial men te juí zes, pro mo to res e pro cu ra do res, dele ga dos e advo ga dos.

tudo que se publi ca, claro, busca um públi co. o livro que estou tendo ahonra de pre fa ciar vai alcan çar um públi co muito espe cia li za do. suas lições, alémdisso, vão desa guar, natu ral men te, na juris pru dên cia dos tri bu nais supe rio res.escrever é uma manei ra de con ver sar, de dia lo gar. porém, pela pro fun di da de doscomen tá rios, mais que dia lo gar (visan do à cons tru ção de uma pro fí cua dou tri na),os auto res (com este livro) estão cre den cia dos a que rer pro du zir mudan ças navivên cia juris pru den cial do país.

os auto res, para além de recor dar con cei tos essen ciais, esbo çam várioscami nhos inter pre ta ti vos para tex tos legais pouco cla ros, obs cu ros. É nesse con -tex to que se abrem ao diá lo go, uma prá ti ca que, no campo da ciên cia (tal comosubli nhou marcus vinicius da Cunha, em diálogos de anísio teixeira, rio deJaneiro: uFrJ, 2006), “sem pre trans cor re em clima hos til-amis to so, como bemassi na la Karl popper, pois o tra ba lho cien tí fi co não é fruto de esfor ços indi vi -duais, mas decor re, isto sim, da crí ti ca recí pro ca entre pes soas dese jo sas de com -par ti lhar conhe ci men tos”.

Considerando-se os avan ços infor má ti cos e tec no ló gi cos, tor nou-se per fei -ta men te plau sí vel supor que as guer ras, as dita du ras, a opres são e a cri mi na li da -de (sobre tu do a eco nô mi co-finan cei ra) não vão ces sar, por que são (des gra ça da -men te) ine ren tes à con di ção huma na. se de um lado não se nos anto lha pos sí velima gi nar uma socie da de sem con fli tos, espe cial men te penais, de outro, pare cetam bém bas tan te razoá vel afir mar que a civi li za ção cres cen te nos leve a redu zirtais des vios ao míni mo pos sí vel. todos temos o dever moral de con tri buir para

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isso, desen ca dean do (na medi da das pos si bi li da des de cada um) pro ces sos e dili -gên cias per ma nen tes, estu dos, opi niões, deba tes etc.

Foi o que fize ram Cezar Bitencourt e Juliano Breda, uma vez mais, nestepre cio so livro que escre ve ram com deno do ímpar. explicar de forma clara e obje -ti va aqui lo que é difí cil de enten der cons ti tui uma das ati vi da des mais nobres dequem se preo cu pa com a demo cra ti za ção da infor ma ção. de outro lado, lou vá vela pos tu ra de ambos em pro cu rar cons truir uma dou tri na que evite o arbí trio, oabuso, o fas cis mo. ronda nosso ambien te lati no-ame ri ca no o deno mi na dodireito penal do ini mi go, espe cial men te no âmbi to dos deli tos eco nô mi cos (oueco nô mi cos-finan cei ros). É um ver da dei ro caça às bru xas (da idade média). asóli da dou tri na estam pa da neste livro tam bém tem o pro pó si to de evi tar repe ti -ções dos recen tes abu sos come ti dos (nesta área) por alguns dele ga dos, juí zes epro mo to res/pro cu ra do res.

Com a ina ção nada se con quis ta. tampouco deve mos ficar espe ran do pelaini cia ti va alheia. todos que escre vem, escre vem na espe ran ça de poder mudaralgu ma coisa. Já que não pode mos mudar o mundo, qual quer mudan ça, ainda queem peque na dose, já jus ti fi ca o sacri fí cio (e o pra zer) de dia lo gar por meio daspala vras. parabenizo os auto res por não terem se dei xa do levar pela roti namedío cre, que con so me gran de parte da bele za (assim como da insus ten tá velleve za) dos nos sos rela cio na men tos e do nosso poder de cria ção.

Que o livro tenha o mere ci do reco nhe ci men to de todos.

são paulo, 07 de dezem bro de 2009.

luiz Flávio Gomesdiretor-presidente da rede de ensino lFG.

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pri mei ra parte

Cri mes Con tra osis te ma Finan Cei ro naCio nal

lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986

Cezar roberto Bitencourt

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Capítulo i

definição e Constituição dosistema Financeiro nacional

sumário: 1. Conceito de instituição Financeira. 2. instituição finan cei ra por equi -pa ra ção.

art. 1º Considera-se ins ti tui ção finan cei ra, para efei to desta lei, a pes soajurí di ca de direi to públi co ou pri va do, que tenha como ati vi da de prin ci pal ouaces só ria, cumu la ti va men te ou não, a cap ta ção, inter me dia ção ou apli ca ção derecur sos finan cei ros de ter cei ros, em moeda nacio nal ou estran gei ra, ou a cus tó -dia, emis são, dis tri bui ção, nego cia ção, inter me dia ção ou admi nis tra ção de valo -res mobi liá rios.

parágrafo único. equiparam-se à ins ti tui ção finan cei ra:i – a pes soa jurí di ca que capte ou admi nis tre segu ros, cam bio, con sór cio,

capi ta li za ção ou qual quer tipo de pou pan ça, ou recur sos de ter cei ros;ii – a pes soa natu ral que exer ça qual quer das ati vi da des refe ri das neste arti -

go, ainda que de forma even tual.

1. Conceito de ins ti tui ção finan cei ra

a pró pria lei dos Crimes con tra o sistema Financeiro nacional defi niu ocon cei to de ins ti tui ção finan cei ra em seu art. 1º: “Considera-se ins ti tui ção finan -cei ra, para efei to desta lei, a pes soa jurí di ca de direi to públi co ou pri va do, quetenha como ati vi da de prin ci pal ou aces só ria, cumu la ti va men te ou não, a cap ta -ção, inter me dia ção ou apli ca ção de recur sos finan cei ros de ter cei ros, em moedanacio nal ou estran gei ra, ou a cus tó dia, emis são, dis tri bui ção, nego cia ção, inter -me dia ção ou admi nis tra ção de valo res mobi liá rios.”

essas ins ti tui ções desem pe nham a indis pen sá vel fun ção de inter li ga çãoentre os dife ren tes pólos de nego cia ção exis ten tes no mer ca do. o arti go con tem -pla inú me ras ins ti tui ções, com natu re za e obje to diver sos. são essas, basi ca men -

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te, as ins ti tui ções finan cei ras exis ten tes no sistema Financeiro nacional, segun -do defi ni ção do pró prio Banco Central do Brasil.1

– Bancos comer ciais: os ban cos comer ciais são ins ti tui ções finan cei ras pri -va das ou públi cas que têm como obje ti vo prin ci pal pro por cio nar supri men to derecur sos neces sá rios para finan ciar, a curto e a médio pra zos, o comér cio, aindús tria, as empre sas pres ta do ras de ser vi ços, as pes soas físi cas e ter cei ros emgeral. a cap ta ção de depó si tos à vista, livre men te movi men tá veis, é ati vi da detípi ca do banco comer cial, o qual pode tam bém cap tar depó si tos a prazo. deveser cons ti tuí do sob a forma de socie da de anô ni ma e na sua deno mi na ção socialdeve cons tar a expres são “Banco” (resolução Cmn nº 2.099, de 1994).

– Bancos múl ti plos: os ban cos múl ti plos são ins ti tui ções finan cei ras pri va dasou públi cas que rea li zam as ope ra ções ati vas, pas si vas e aces só rias das diver sas ins -ti tui ções finan cei ras, por inter mé dio das seguin tes car tei ras: comer cial, de inves -ti men to e/ou de desen vol vi men to, de cré di to imo bi liá rio, de arren da men to mer -can til e de cré di to, finan cia men to e inves ti men to. essas ope ra ções estão sujei tasàs mes mas nor mas legais e regu la men ta res apli cá veis às ins ti tui ções sin gu la rescor res pon den tes às suas car tei ras. a car tei ra de desen vol vi men to somen te pode -rá ser ope ra da por banco públi co. o banco múl ti plo deve ser cons ti tuí do com, nomíni mo, duas car tei ras, sendo uma delas, obri ga to ria men te, comer cial ou deinves ti men to, e ser orga ni za do sob a forma de socie da de anô ni ma. as ins ti tui çõescom car tei ra comer cial podem cap tar depó si tos à vista. na sua deno mi na ção social, deve cons tar a expres são “Banco” (resolução Cmn nº 2.099, de 1994).

– Bancos de inves ti men to: os ban cos de inves ti men to são ins ti tui çõesfinan cei ras pri va das espe cia li za das em ope ra ções de par ti ci pa ção socie tá ria decará ter tem po rá rio, de finan cia men to da ati vi da de pro du ti va para supri men to decapi tal fixo e de giro e de admi nis tra ção de recur sos de ter cei ros. devem sercons ti tuí dos sob a forma de socie da de anô ni ma e ado tar, obri ga to ria men te, emsua deno mi na ção social, a expres são “Banco de investimento”. não pos suem con -tas cor ren tes e cap tam recur sos via depó si tos a prazo, repas ses de recur sos exter -nos, inter nos e venda de cotas de fun dos de inves ti men to por eles admi nis tra dos.as prin ci pais ope ra ções ati vas são finan cia men to de capi tal de giro e capi tal fixo,subs cri ção ou aqui si ção de títu los e valo res mobi liá rios, depó si tos inter fi nan cei -ros e repas ses de emprés ti mos exter nos (resolução Cmn nº 2.624, de 1999).

– Bancos de desen vol vi men to: os ban cos de desen vol vi men to são ins ti tui -ções finan cei ras con tro la das pelos gover nos esta duais e têm por obje ti vo pre cí -puo pro por cio nar o supri men to opor tu no e ade qua do dos recur sos neces sá rios aofinan cia men to, a médio e a longo pra zos, de pro gra mas e pro je tos que visem a

1 todos os con cei tos e defi ni ções sobre as ins ti tui ções finan cei ras típi cas e por equi pa ra ção foram reti ra dosdo site do BCB (http://www.bcb.gov.br/? sFnComp).

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pro mo ver o desen vol vi men to eco nô mi co e social do res pec ti vo estado. as ope -ra ções pas si vas são depó si tos a prazo, emprés ti mos exter nos, emis são ou endos sode cédu las hipo te cá rias, emis são de cédu las pig no ra tí cias de debên tu res e detítulos de desenvolvimento econômico. as ope ra ções ati vas são emprés ti mos efinan cia men tos diri gi dos prio ri ta ria men te ao setor pri va do. devem ser cons ti tuí -dos sob a forma de socie da de anô ni ma, com sede na capi tal do estado que deti -ver seu con tro le acio ná rio, deven do ado tar, obri ga tó ria e pri va ti va men te, em suadeno mi na ção social, a expres são “Banco de desenvolvimento”, segui da do nomedo estado em que tenha sede (resolução Cmn nº 394, de 1976). o Banconacional de desenvolvimento econômico e social (Bndes), cria do em 1952como autar quia fede ral, foi enqua dra do como uma empre sa públi ca fede ral, comper so na li da de jurí di ca de direi to pri va do e patri mô nio pró prio, pela lei nº 5.662,de 21 de junho de 1971. o Bndes é um órgão vin cu la do ao ministério dodesenvolvimento, indústria e Comércio exterior e tem como obje ti vo apoiarempreen di men tos que con tri buam para o desen vol vi men to do país. suas linhasde apoio con tem plam finan cia men tos de longo prazo e cus tos com pe ti ti vos, parao desen vol vi men to de pro je tos de inves ti men tos e para a comer cia li za ção demáqui nas e equi pa men tos novos, fabri ca dos no país, bem como para o incre men -to das expor ta ções bra si lei ras. Contribui, tam bém, para o for ta le ci men to daestru tu ra de capi tal das empre sas pri va das e o desen vol vi men to do mer ca do decapi tais. a Bndes par, sub si diá ria inte gral, inves te em empre sas nacio nais atra -vés da subs cri ção de ações e debên tu res con ver sí veis. o Bndes con si de ra ser defun da men tal impor tân cia, na exe cu ção de sua polí ti ca de apoio, a obser vân cia deprin cí pios ético-ambien tais e assu me o com pro mis so com os prin cí pios do desen -vol vi men to sus ten tá vel. as linhas de apoio finan cei ro e os pro gra mas do Bndesaten dem às neces si da des de inves ti men tos das empre sas de qual quer porte e setoresta be le ci das no país. a par ce ria com ins ti tui ções finan cei ras, com agên cias esta -be le ci das em todo o país, per mi te a dis se mi na ção do cré di to, pos si bi li tan do ummaior aces so aos recur sos do Bndes.

– Caixas econômicas: a Caixa econômica Federal, cria da em 1861, está re -gu la da pelo decreto-lei nº 759, de 12 de agos to de 1969, como empre sa públi cavin cu la da ao ministério da Fazenda. trata-se de ins ti tui ção asse me lha da aos ban -cos comer ciais, poden do cap tar depó si tos à vista, rea li zar ope ra ções ati vas e efe -tuar pres ta ção de ser vi ços. uma carac te rís ti ca dis tin ti va da Caixa é que ela prio -ri za a con ces são de emprés ti mos e finan cia men tos a pro gra mas e pro je tos nas áreasde assis tên cia social, saúde, edu ca ção, tra ba lho, trans por tes urba nos e es por te.pode ope rar com cré di to dire to ao con su mi dor, finan cian do bens de con su modurá veis, emprés ti mo sob garan tia de penhor indus trial e cau ção de títu los, bemcomo tem o mono pó lio do emprés ti mo sob penhor de bens pes soais e sob con -sig na ção, além do mono pó lio da venda de bilhe tes de lote ria fede ral. além decen tra li zar o reco lhi men to e a pos te rior apli ca ção de todos os recur sos oriun dos

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do Fundo de Garantia do tempo de serviço (FGts), inte gra o sistema Brasileirode poupança e empréstimo (sBpe) e o sistema Financeiro da habita ção (sFh).

– as socie da des de cré di to, finan cia men to e inves ti men to, tam bém conhe -ci das por finan cei ras, foram ins ti tuí das pela portaria do ministério da Fazenda309, de 30 de novem bro de 1959. são ins ti tui ções finan cei ras pri va das que têmcomo obje ti vo bási co a rea li za ção de finan cia men to para a aqui si ção de bens, ser -vi ços e capi tal de giro. devem ser cons ti tuí das sob a forma de socie da de anô ni -ma e na sua deno mi na ção social deve cons tar a expres são “Crédito, Financia -mento e investimento”. tais enti da des cap tam recur sos por meio de acei te ecolo ca ção de letras de Câmbio (resolução Cmn nº 45, de 1966) e recibos dedepósitos Bancários (resolução Cmn nº 3454, de 2007). as socie da des de cré di -to ao microem preen de dor, cria das pela lei nº 10.194, de 14 de feve rei ro de 2001,são enti da des que têm por obje to social exclu si vo a con ces são de finan cia men tose a pres ta ção de garan tias a pes soas físi cas, bem como a pes soas jurí di cas clas si fi -ca das como microem pre sas, com vis tas a via bi li zar empreen di men tos de natu re -za pro fis sio nal, comer cial ou indus trial de peque no porte. são impe di das de cap -tar, sob qual quer forma, recur sos junto ao públi co, bem como emi tir títu los evalo res mobi liá rios des ti na dos à colo ca ção e à ofer ta públi cas. devem ser cons ti -tuí das sob a forma de com pa nhia fecha da ou de socie da de por quo tas de res pon -sa bi li da de limi ta da, ado tan do obri ga to ria men te em sua deno mi na ção social aexpres são “sociedade de Crédito ao microempreendedor”, veda da a uti li za ção dapala vra “Banco” (resolução Cmn nº 2.874, de 2001).

– as socie da des de cré di to imo bi liá rio são ins ti tui ções finan cei ras cria daspela lei nº 4.380, de 21 de agos to de 1964, para atuar no finan cia men to habi ta -cio nal. Constituem ope ra ções pas si vas des sas ins ti tui ções os depó si tos de pou -pan ça, a emis são de letras e cédu las hipo te cá rias e os depó si tos inter fi nan cei ros.suas ope ra ções ati vas são: finan cia men to para cons tru ção de habi ta ções, aber tu -ra de cré di to para com pra ou cons tru ção de casa pró pria, finan cia men to de capi -tal de giro a empre sas incor po ra do ras, pro du to ras e dis tri bui do ras de mate rial decons tru ção. devem ser cons ti tuí das sob a forma de socie da de anô ni ma, ado tan -do obri ga to ria men te em sua deno mi na ção social a expres são “Crédito imobi -liário”. (resolução Cmn nº 2.735, de 2000).

– as socie da des cor re to ras de títu los e valo res mobi liá rios são cons ti tuí dassob a forma de socie da de anô ni ma ou por quo tas de res pon sa bi li da de limi ta da.dentre seus obje ti vos estão: ope rar em bol sas de valo res; subs cre ver emis sões detítu los e valo res mobi liá rios no mer ca do; com prar e ven der títu los e valo resmobi liá rios por conta pró pria e de ter cei ros; encar re gar-se da admi nis tra ção decar tei ras e da cus tó dia de títu los e valo res mobi liá rios; exer cer fun ções de agen -te fidu ciá rio; ins ti tuir, orga ni zar e admi nis trar fun dos e clu bes de inves ti men to;emi tir cer ti fi ca dos de depó si to de ações e cédu las pig no ra tí cias de debên tu res;inter me diar ope ra ções de câm bio; pra ti car ope ra ções no mer ca do de câm bio detaxas flu tuan tes; pra ti car ope ra ções de conta mar gem; rea li zar ope ra ções com -

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pro mis sa das; pra ti car ope ra ções de com pra e venda de metais pre cio sos, no mer -ca do físi co, por conta pró pria e de ter cei ros; ope rar em bol sas de mer ca do rias ede futu ros por conta pró pria e de ter cei ros. são super vi sio na das pelo BancoCentral do Brasil (resolução Cmn nº 1.655, de 1989).

– as socie da des dis tri bui do ras de títu los e valo res mobi liá rios são cons ti tuí -das sob a forma de socie da de anô ni ma ou por quo tas de res pon sa bi li da de limi ta -da, deven do cons tar na sua deno mi na ção social a expres são “distribuidora detítulos e valores mobiliários”. algumas de suas ati vi da des: inter me deiam a ofer -ta públi ca e a dis tri bui ção de títu los e valo res mobi liá rios no mer ca do; admi nis -tram e cus to diam as car tei ras de títu los e valo res mobi liá rios; ins ti tuem, orga ni -zam e admi nis tram fun dos e clu bes de inves ti men to; ope ram no mer ca do acio -ná rio, com pran do, ven den do e dis tri buin do títu los e valo res mobi liá rios, inclu -si ve ouro finan cei ro, por conta de ter cei ros; fazem a inter me dia ção com as bol -sas de valo res e de mer ca do rias; efe tuam lan ça men tos públi cos de ações; ope ramno mer ca do aber to e inter me deiam ope ra ções de câm bio. são super vi sio na daspelo Banco Central do Brasil (resolução Cmn nº 1.120, de 1986).

– as socie da des de arren da men to mer can til são cons ti tuí das sob a forma desocie da de anô ni ma, deven do cons tar obri ga to ria men te na sua deno mi na ção social a expres são “arrendamento mercantil”. as ope ra ções pas si vas des sas socie -da des são emis são de debên tu res, dívi da exter na, emprés ti mos e finan cia men tosde ins ti tui ções finan cei ras. suas ope ra ções ati vas são cons ti tuí das por títu los dadívi da públi ca, ces são de direi tos cre di tó rios e, prin ci pal men te, por ope ra ções dearren da men to mer can til de bens móveis, de pro du ção nacio nal ou estran gei ra, ebens imó veis adqui ri dos pela enti da de arren da do ra para fins de uso pró prio doarren da tá rio. são super vi sio na das pelo Banco Central do Brasil (resolução Cmnnº 2.309, de 1996).

– Cooperativas de cré di to: as coo pe ra ti vas de cré di to obser vam, além dalegis la ção e das nor mas do sis te ma finan cei ro, a lei nº 5.764, de 16 de dezem -bro de 1971, que defi ne a polí ti ca nacio nal de coo pe ra ti vis mo e ins ti tui o regi -me jurí di co das socie da des coo pe ra ti vas. atuando tanto no setor rural quan tono urba no, as coo pe ra ti vas de cré di to podem se ori gi nar da asso cia ção de fun -cio ná rios de uma mesma empre sa ou grupo de empre sas, de pro fis sio nais dedeter mi na do seg men to, de empre sá rios ou mesmo ado tar a livre admis são deasso cia dos em uma área deter mi na da de atua ção, sob cer tas con di ções. oseven tuais lucros aufe ri dos com suas ope ra ções – pres ta ção de ser vi ços e ofe re -ci men to de cré di to aos coo pe ra dos – são repar ti dos entre os asso cia dos. as coo -pe ra ti vas de cré di to devem ado tar, obri ga to ria men te, em sua deno mi na ção social, a expres são “Cooperativa”, veda da a uti li za ção da pala vra “Banco”.devem pos suir o núme ro míni mo de vinte coo pe ra dos e ade quar sua área deação às pos si bi li da des de reu nião, con tro le, ope ra ções e pres ta ções de ser vi ços.estão auto ri za das a rea li zar ope ra ções de cap ta ção por meio de depó si tos à vistae a prazo somen te de asso cia dos, de emprés ti mos, repas ses e refi nan cia men tos

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de outras enti da des finan cei ras e de doa ções. podem con ce der cré di to, somen -te a asso cia dos, por meio de des con to de títu los, emprés ti mos, finan cia men tose rea li zar apli ca ção de recur sos no mer ca do finan cei ro (resolução Cmn nº3.106, de 2003). as coo pe ra ti vas cen trais de cré di to, for ma das por coo pe ra ti vassin gu la res, orga ni zam em maior esca la as estru tu ras de admi nis tra ção e supor -te de inte res se comum das coo pe ra ti vas sin gu la res filia das, exer cen do sobreelas, entre outras fun ções, super vi são de fun cio na men to, capa ci ta ção de admi -nis tra do res, geren tes e asso cia dos e audi to ria de demons tra ções finan cei ras(resolução Cmn nº 3.106, de 2003).

– agências de fomen to: as agên cias de fomen to têm como obje to social acon ces são de finan cia men to de capi tal fixo e de giro asso cia do a pro je tos naunidade da Federação onde tenham sede. devem ser cons ti tuí das sob a formade socie da de anô ni ma de capi tal fecha do e estar sob o con tro le de unidade daFederação, sendo que cada unidade só pode cons ti tuir uma agên cia. tais enti -da des têm sta tus de ins ti tui ção finan cei ra, mas não podem cap tar recur sosjunto ao públi co, recor rer ao redes con to, ter conta de reser va no BancoCentral, con tra tar depó si tos inter fi nan cei ros na qua li da de de depo si tan te ou dedepo si tá ria nem ter par ti ci pa ção socie tá ria em outras ins ti tui ções finan cei ras.na sua deno mi na ção social deve cons tar a expres são “agência de Fomento”acres ci da da indi ca ção da unidade da Federação Controladora. É veda da a suatrans for ma ção em qual quer outro tipo de ins ti tui ção inte gran te do sistemaFinanceiro nacional. as agên cias de fomen to devem cons ti tuir e man ter, per ma -nen te men te, fundo de liqui dez equi va len te, no míni mo, a 10% do valor de suasobri ga ções, a ser inte gral men te apli ca do em títu los públi cos fede rais (resoluçãoCmn nº 2.828, de 2001).

– associações de pou pan ça e emprés ti mo: as asso cia ções de pou pan ça eemprés ti mo são cons ti tuí das sob a forma de socie da de civil, sendo de pro prie da -de comum de seus asso cia dos. suas ope ra ções ati vas são, basi ca men te, dire cio na -das ao mer ca do imo bi liá rio e ao sistema Financeiro da habitação (sFh). as ope -ra ções pas si vas são cons ti tuí das de emis são de letras e cédu las hipo te cá rias, depó -si tos de cader ne tas de pou pan ça, depó si tos inter fi nan cei ros e emprés ti mos exter -nos. os depo si tan tes des sas enti da des são con si de ra dos acio nis tas da asso cia ção e,por isso, não rece bem ren di men tos, mas divi den dos. os recur sos dos depo si tan -tes são, assim, clas si fi ca dos no patri mô nio líqui do da asso cia ção e não no pas si voexi gí vel (resolução Cmn nº 52, de 1967).

– Bancos de câm bio: os ban cos de câm bio são ins ti tui ções finan cei ras auto -ri za das a rea li zar, sem res tri ções, ope ra ções de câm bio e ope ra ções de cré di tovin cu la das às de câm bio, como finan cia men tos à expor ta ção e impor ta ção eadian ta men tos sobre con tra tos de câm bio e, ainda, a rece ber depó si tos em con -tas sem remu ne ra ção, não movi men tá veis por che que ou por meio ele trô ni copelo titu lar, cujos recur sos sejam des ti na dos à rea li za ção das ope ra ções acima

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cita das. na deno mi na ção des sas ins ti tui ções deve cons tar a expres são “Banco deCâmbio” (res. Cmn nº 3.426, de 2006).

2. instituição finan cei ra por equi pa ra ção

o arti go 1º, em seu pará gra fo único, dis põe a res pei to de deter mi na das pes -soas físi cas e jurí di cas con si de ra das ins ti tui ções finan cei ras por equi pa ra ção. valetrans cre ver: “equipara-se à ins ti tui ção finan cei ra: i – a pes soa jurí di ca que capteou admi nis tre segu ros, câm bio, con sór cio, capi ta li za ção ou qual quer tipo de pou -pan ça, ou recur sos de ter cei ros; ii – a pes soa natu ral que exer ça quais quer das ati -vi da des refe ri das neste arti go, ainda que de forma even tual.”

no inci so i, figu ram as enti da des que, por sua natu re za de cap ta ção e inter -me dia ção de recur sos da pou pan ça popu lar, são legal men te equi pa ra das às ins ti -tui ções pró prias do sis te ma finan cei ro, repre sen ta das pelas segu ra do ras, as admi -nis tra do ras de con sór cios, as ins ti tui ções de câm bio e as socie da des de capi ta li za -ção, pos suin do auto ri za ção legal para o exer cí cio des sas ati vi da des. não há, emrela ção a essas enti da des, gran des deba tes ou diver gên cias dou tri ná rias e juris -pru den ciais.

– as admi nis tra do ras de con sór cio são pes soas jurí di cas pres ta do ras de ser -vi ços rela ti vos à for ma ção, à orga ni za ção e à admi nis tra ção de gru pos de con sór -cio, cujas ope ra ções estão esta be le ci das na lei nº 5.768, de 20 de dezem bro de1971. ao Banco Central do Brasil (Bacen), por força do dis pos to no art. 33 da leinº 8.177, de 1º de março de 1991, cabe auto ri zar a cons ti tui ção de gru pos de con -sór cio, a pedi do de admi nis tra do ras pre via men te cons ti tuí das sem inter fe rên ciaexpres sa da refe ri da autarquia, mas que aten dam a requi si tos esta be le ci dos, par -ti cu lar men te quan to à capa ci da de finan cei ra, eco nô mi ca e geren cial da empre sa.também cum pre ao Bacen fis ca li zar as ope ra ções da espé cie e apli car as pena li -da des cabí veis. ademais, com base no art. 10 da lei nº 5.768, o Bacen pode inter -vir nas empre sas de con sór cio e decre tar sua liqui da ção extra ju di cial. o grupo éuma socie da de de fato, cons ti tuí da na data da rea li za ção da pri mei ra assem bleiageral ordi ná ria por con sor cia dos reu ni dos pela admi nis tra do ra, que cole tam pou -pan ça com vis tas à aqui si ção de bens, con jun to de bens ou ser vi ço turís ti co, pormeio de auto fi nan cia men to (Circular BCB nº 2.766, de 1997).

– as socie da des cor re to ras de câm bio são cons ti tuí das sob a forma de socie -da de anô ni ma ou por quo tas de res pon sa bi li da de limi ta da, deven do cons tar nasua deno mi na ção social a expres são “Corretora de Câmbio”. têm por obje to social exclu si vo a inter me dia ção em ope ra ções de câm bio e a prá ti ca de ope ra -ções no mer ca do de câm bio de taxas flu tuan tes. são super vi sio na das pelo BancoCentral do Brasil (resolução Cmn nº 1.770, de 1990).

– sociedades segu ra do ras são enti da des cons ti tuí das sob a forma de socie da -des anô ni mas espe cia li za das em pac tuar con tra to por meio do qual assu mem a

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obri ga ção de pagar ao con tra tan te (segu ra do), ou a quem este desig nar, umainde ni za ção, no caso em que adve nha o risco indi ca do e temi do, rece ben do, paraisso, o prê mio esta be le ci do.

– sociedades de capi ta li za ção são enti da des cons ti tuí das sob a forma desocie da des anô ni mas, que nego ciam con tra tos (títu los de capi ta li za ção) que têmpor obje to o depó si to perió di co de pres ta ções pecu niá rias pelo con tra tan te, oqual terá, depois de cum pri do o prazo con tra ta do, o direi to de res ga tar parte dosvalo res depo si ta dos cor ri gi dos por uma taxa de juros esta be le ci da con tra tual -men te, con fe rin do, ainda, quan do pre vis to, o direi to de con cor rer a sor teios deprê mios em dinhei ro.

– entidades aber tas de pre vi dên cia com ple men tar são enti da des cons ti tuí -das uni ca men te sob a forma de socie da des anô ni mas e têm por obje ti vo ins ti tuire ope rar pla nos de bene fí cios de cará ter pre vi den ciá rio con ce di dos em forma derenda con ti nua da ou paga men to único, aces sí veis a quais quer pes soas físi cas. sãoregi das pelo decreto-lei nº 73, de 21 de novem bro de 1966, e pela lei Comple -mentar nº 109, de 29 de maio de 2001. as fun ções do órgão regu la dor e do órgãofis ca li za dor são exer ci das pelo ministério da Fazenda, por inter mé dio do Conse -lho nacional de seguros privados (Cnsp) e da superintendência de segurosprivados (susep). as enti da des fecha das de pre vi dên cia com ple men tar (fun dosde pen são) são orga ni za das sob a forma de fun da ção ou socie da de civil, sem finslucra ti vos, e são aces sí veis, exclu si va men te, aos empre ga dos de uma empre sa ougrupo de empre sas ou aos ser vi do res da união, dos estados, do distrito Federal edos municípios, entes deno mi na dos patro ci na do res, ou aos asso cia dos ou mem -bros de pes soas jurí di cas de cará ter pro fis sio nal, clas sis ta ou seto rial, deno mi na -das ins ti tui do res. as enti da des de pre vi dên cia fecha da devem seguir as dire tri zesesta be le ci das pelo Conselho monetário nacional, por meio da resolução nº3.121, de 25 de setem bro de 2003, no que tange à apli ca ção dos recur sos dos pla -nos de bene fí cios. também são regi das pela lei Complementar nº 109, de 29 demaio de 2001.

Juliano Breda, a respeito do inciso ii do art. 1º da lei nº 7.492/86 (parágrafoúnico – equipara-se à instituição financeira: ii – a pessoa natural que exerça quais -quer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual), já dis -correu: “para que seja pos sí vel carac te ri zar ati vi da de pri va ti va de ins ti tui çãofinan cei ra é neces sá ria a pre sen ça dos ele men tos pró prios das ins ti tui ções finan -cei ras na con du ta do agen te: cap ta ção, inter me dia ção e apli ca ção de recur sosfinan cei ros. nesse sen ti do, ensi na QuiroGa mosQuera: ‘nesse sen ti do, por -tan to, o poder Judiciário enten deu que a lei nº 4.595/64 apro vou como indi ca -dor de ati vi da de típi ca de ins ti tui ção finan cei ra a cole ta aco pla da com a inter me -dia ção, ou a cole ta segui da da apli ca ção; tendo-se em mente que cole ta sig ni fi careco lher de ter cei ros. Concluindo, a pre sen ça de uma das ati vi da des pre vis tas noarti go 17, iso la da men te, em uma ope ra ção rea li za da por uma deter mi na da pes -

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soa (físi ca ou jurí di ca), não pode carac te ri zá-la como ins ti tui ção financeira’. agran de dis cus são gira em torno da expres são ‘ainda que de forma eventual’, men -cio na da no final do inci so ii, isso por que acaba esten den do de manei ra extre maa inci dên cia penal da lei 7.492/86. se com preen di da de manei ra lite ral, a inter -pre ta ção da lei pode bei rar o absur do, como diver sos auto res já denun cia ram.2paulo JosÉ da Costa Júnior tem a mesma opi nião: ‘[...] em maté ria penal,a abran gên cia do con cei to não pode dar mar gem à incer te za e à inse gu ran ça jurí -di ca, vio lan do-se o basi lar prin cí pio do direito penal, que é o pos tu la do da lega -li da de. Foi exa ta men te o que suce deu na reda ção do art. 1º em tela: a ampli tu dedo con cei to deu lugar à inde ter mi na ção. Basta indi car, a títu lo exem pli fi ca ti vo,a difi cul da de de inter pre ta ção do inci so ii do pará gra fo único, que cuida da equi -pa ra ção da pes soa natu ral que exer ça quais quer das ati vi da des decli na das nocaput e no inci so i do mesmo pará gra fo, ainda que de forma eventual’.3 essaequi pa ra ção não foi novi da de da lei 7.492/86, pois já exis tia na norma do pará -gra fo único da lei de reforma Bancária.”4

obviamente, não é razoá vel tra tar o par ti cu lar que pra ti ca uma ope ra çãode cap ta ção e inter me dia ção de recur sos de ter cei ros como se cons ti tuís se umains ti tui ção finan cei ra. se assim fosse pos sí vel, bas ta va que um indi ví duo cap -tas se recur sos de dois ou três ami gos, com a pro mes sa de apli cá-los no sis te mafinan cei ro, para que a lei o con si de ras se para fins penais equi pa ra do ao pre si -den te de um banco múl ti plo. de outro lado, pare ce con tra di tó ria a pre vi são doart. 2º, em face do crime des cri to no art. 16 da lei nº 7.492/86: “art. 16 – Fazerope rar, sem a devi da auto ri za ção, ou com auto ri za ção obti da median te decla -ra ção (veta do) falsa, ins ti tui ção finan cei ra, inclu si ve de dis tri bui ção devalo res mobi liá rios ou de câm bio: pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (qua tro) anos,e multa.” ora, qual o sen ti do da equi pa ra ção se a ati vi da de clan des ti na des ti -na da à prá ti ca das ope ra ções pri va ti vas das ins ti tui ções finan cei ras já é puni dade modo espe cí fi co?

na rea li da de, a pre vi são só ganha rá sig ni fi ca do na medi da em que a pes soanatu ral exer ça as ati vi da des refe ri das no arti go 1º, ainda que de forma even tual,atin gin do de modo ine quí vo co os inte res ses tute la dos pela lei. dessa forma, con -clui-se que o inci so ii, iso la da men te con si de ra do, não é capaz de esta be le cer a

2 a títu lo de exem plo, nilo Batista e Juarez tavarez na apre sen ta ção e pre fá cio do livro de JosÉCarlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal rio de Janeiro: lumem Juris, 2000.

3 Crimes do Colarinho Branco. são paulo: saraiva, 2000, p. 65.4 lei nº 4.595/64 – art. 17. Consideram-se ins ti tui ções finan cei ras, para os efei tos da legis la ção em vigor, as

pes soas jurí di cas públi cas ou pri va das, que tenham como ati vi da de prin ci pal ou aces só ria a cole ta, inter -me dia ção ou apli ca ção de recur sos finan cei ros pró prios ou de ter cei ros, em moeda nacio nal ou estran gei -ra, e a cus tó dia de valor de pro prie da de de ter cei ros.parágrafo único. para os efei tos desta lei e da legis la ção em vigor, equi pa ram-se às ins ti tui ções finan cei -ras as pes soas físi cas que exer çam qual quer das ati vi da des refe ri das neste arti go, de forma per ma nen te oueven tual.

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equi pa ra ção que pre ten deu criar, sob pena de criar uma vio la ção evi den te einjus ti fi cá vel aos cri té rios de razoa bi li da de e pro por cio na li da de que infor mam àinter pre ta ção e à apli ca ção dos tex tos legais.

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Capítulo ii

títulos irregulares

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitosativo e pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo:ade qua ção típi ca. 6. Consumação e ten ta ti va. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. penae ação penal.

art. 2º imprimir, repro du zir ou, de qual quer modo, fabri car ou pôr em cir -cu la ção, sem auto ri za ção escri ta da socie da de emis so ra, cer ti fi ca do, cau te la ououtro docu men to repre sen ta ti vo de títu lo ou valor mobi liá rio:

pena – reclu são, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.parágrafo único. incorre na mesma pena quem impri me, fabri ca, divul ga,

dis tri bui ou faz dis tri buir pros pec to ou mate rial de pro pa gan da rela ti vo aos papéis refe ri dos neste arti go.

1. Considerações pre li mi na res

os ante ce den tes mais remo tos deste arti go, que ora comen ta mos, encon -tram-se na lei do mercado de Capitais (lei nº 4.728/65). Com efei to, o art. 73desse diplo ma legal dis pu nha o seguin te: “ninguém pode rá fazer, impri mir oufabri car ações de socie da des anô ni mas, ou cau te las que as repre sen tem, semauto ri za ção escri ta e assi na da pela res pec ti va repre sen ta ção legal da socie da de,com fir mas reco nhe ci das”.

o § 1º desse mesmo dis po si ti vo pres cre via que: “ninguém pode rá fazer,impri mir ou fabri car pros pec tos ou qual quer mate rial de pro pa gan da para vendade ações de socie da de anô ni ma, sem auto ri za ção dada pela res pec ti va repre sen -ta ção legal da socie da de”.

embora man te nha algu mas incon gruên cias, o atual diplo ma legal apre sen -ta um certo avan ço. nesse sen ti do, era a con clu são de pimentel: “não obs tan te oapri mo ra men to da reda ção, em rela ção à lei revo ga da, o texto atual men te emvigor se res sen te de defei tos. assim é que, na medi da em que a aná li se se desen -

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vol ver, apon ta re mos o que não pare ce tec ni ca men te cor re to.”1 Contudo, pas sa -dos mais de vinte anos, e com a extraor di ná ria evo lu ção tec no ló gi ca, acre di ta mosque se trata de uma pre vi são legal obso le ta, con si de ran do-se ele va do nível deinfor ma ti za ção atin gi do pelos seto res públi co e pri va do.

2. Bem jurí di co tute la do

o bem jurí di co tute la do, espe cí fi ca e dire ta men te, é a regu la ri da de for maldo pro ces so de emis são e nego cia ção dos valo res mobi liá rios e, por exten são, acre di bi li da de e a esta bi li da de do sis te ma finan cei ro nacio nal. discordamos, nopar ti cu lar, do enten di men to de manoel pedro pimentel, segun do o qual “o obje -to jurí di co dos cri mes pre vis tos neste art. 2º e seu pará gra fo único, é a boa exe -cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do gover no [...]”2 (gri fa mos), na medi da que con di -cio na ria a pro te ção penal à valo ra ção posi ti va da polí ti ca gover na men tal, que ahis tó ria dos últi mos vinte anos demons tra que nem sem pre o gover no tem ado -ta do a melhor polí ti ca eco nô mi ca. na rea li da de, a pro te ção penal impõe-se, inde -pen den te men te de ser boa ou equi vo ca da a polí ti ca eco nô mi ca do gover no; por -tan to, não é e não podem ser polí ti cas gover na men tais, puras e sim ples, obje to depro te ção penal, como se fos sem bens jurí di cos dig nos de tal pro te ção.

aliás, neste sen ti do, é incen su rá vel o magis té rio de ali mazloum, que pedi -mos venia para subs cre vê-la e trans cre vê-la, in ver bis:

“Com efei to, o sistema Financeiro nacional deve ser vir aos inte res sesda cole ti vi da de, con for me con sig na o art. 192, e não aos inte res ses do gover -nan te, res pon sá vel pela imple men ta ção de polí ti cas de cará ter eco nô mi co. osistema Financeiro nacional deve ser visto como um pode ro so ins tru men tode rea li za ção da alme ja da jus ti ça social (art. 170 da CF), tanto que estru tu ra -do de forma a pro mo ver o desen vol vi men to equi li bra do do país e a ser vir aosinte res ses da cole ti vi da de. assim sendo, pode-se afir mar que o sistemaFinanceiro nacional, patri mô nio per ten cen te a toda cole ti vi da de é o bemjurí di co a ser tute la do pela men cio na da lei penal.”3 (gri fos do ori gi nal)

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo pode ser qual quer pes soa, tra tan do-se, por tan to, de crimecomum, que não exige qual quer qua li da de ou con di ção espe cial. na rea li da de,

1 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, são paulo, revista dos tribunais,1987, p. 33.

2 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 34.3 ali mazloum. Crimes do cola ri nho bran co. objeto jurí di co, pro vas ilí ci tas, porto alegre, síntese, 1999, p. 39.

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além do rol espe cial cons tan te do art. 25, qual quer pes soa pode ser sujei to ativodesta infra ção penal e, ainda, com a pos si bi li da de nor mal de coau to ria e par ti ci -pa ção. Com inte res san te posi cio na men to diver gen te, no entan to, mani fes ta-setórtima, afir man do: “[...] em se tra tan do da moda li da de de impres são irre gu lardos títu los, con tem pla da no caput, não sendo os mes mos fal sos, somen te fun cio -ná rio da socie da de emis so ra, des ti tuí do de poder para auto ri zar a emis são dos papéis, pode ria deter mi nar a con fec ção dos refe ri dos papéis irre gu la res, res pon -den do, assim, pelo crime, na con di ção de man dan te” (gri fos do ori gi nal).4

sujeito pas si vo, igual men te, pode ser qual quer pes soa que por ven tu ra venhaa ser lesa da pelos auto res desta infra ção penal; pode, inclu si ve, ser a pró pria ins -ti tui ção finan cei ra e, secun da ria men te, o estado, que é o res pon sá vel pelo sis te -ma finan cei ro nacio nal. Como demons tra mos em outros capí tu los, não segui mosaque la linha majo ri tá ria enca be ça da por pimentel, para a qual sujei to pas si voprin ci pal “é o estado, ofen di do na boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca doGoverno. sempre o estado será sujei to pas si vo, poden do con cor rer com ele outros ofen di dos”.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

as con du tas incri mi na das são impri mir, repro du zir, fabri car e pôr em cir -cu la ção títu los valo res mobi liá rios. de certo modo, essas con du tas5 encon tram-se super pos tas, na medi da em que umas absor vem as outras, pelo menos, as trêspri mei ras, pois quem fabri ca, impri me e repro duz. pioneiramente, manoel pedropimentel des ta cou esse aspec to como o pri mei ro dou tri na dor a comen tar o pre -sen te diplo ma legal, in ver bis: “estes modos de agir estão de algu ma forma,super pos tos. Quem impri me, fabri ca ou repro duz, e vice-versa. a menos que sepre ten da incluir como sujei to ativo do crime o fabri can te do papel em que seimpri miu o docu men to, o que é impen sá vel. Fabricar, por tan to, é tam bém impri -mir o docu men to, e repro du zir o docu men to, pela impres são, é tam bém impri -mir.” tórtima tam bém reco nhe ce a redun dân cia ver bor rá gi ca que esta mos regis -tran do nos seguin tes ter mos: “as duas pri mei ras expres sões, impri mir e repro du -zir, estão, na prá ti ca, com preen di das no con cei to mais abran gen te da ter cei ra,fabri car, que deve ser enten di da como ato de criar o docu men to repre sen ta ti vode títu lo ou valor mobi liá rio. aliás, a fór mu la redun dan te do legis la dor, ado ta dana reda ção do dis po si ti vo em aná li se, rece beu da dou tri na as mere ci das crí ti cas.”6

4 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, 2. ed., rio de Janeiro, lumen Juris,2002, p. 21.

5 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, são paulo, 1987, p. 35-6.6 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, 2. ed., rio de Janeiro, lumen Juris,

2002, p. 17-8.

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nucci, refe rin do-se aos ele men tos nuclea res do tipo, acri ti ca men te,mani fes ta-se nos seguin tes ter mos: “impri mir (fazer a impres são de algo),fabri car (cons truir, pro du zir), divul gar (tor nar públi co, difun dir), dis tri buir(entre gar a ter cei ros, espa lhar), faz dis tri buir (pro mo ver a dis tri bui ção porinter mé dio de outrem), tendo por obje tos pros pec to (impres so com ilus tra çõese infor ma ções) e mate rial de pro pa gan da (qual quer ins tru men to de pro pa ga -ção de ideias), desde que rela cio na dos a cer ti fi ca do, cau te la ou docu men torepre sen ta ti vo de títu lo ou valor mobi liá rio.”7 não mere ce qual quer repa roessa mani fes ta ção de nucci, deven do-se regis trar, por óbvio, seu esfor ço emdar sen ti do espe cí fi co a vocá bu los que em muito se asse me lham, como des ta -cou pimentel.

pôr em cir cu la ção, isto é, fazer cir cu lar, intro du zir ou colo car no mer ca do,ao con trá rio das con du tas ante rio res, pode apa re cer numa pro gres são cri mi no sa,mas, para o mesmo agen te, repre sen ta ria post fac tum impu ní vel, ou, na melhordas hipó te ses, absor ve ria as demais con du tas. trata-se, na rea li da de, da hipó te sede crime de ação múl ti pla ou de con teú do varia do, para ficar mos com a lin gua -gem tra di cio nal. na rea li da de, não é exa ge ro afir mar que há duas for mas de vio -lar a norma proi bi ti va do caput, ou seja, crian do o docu men to (cer ti fi ca do, cau -te la etc.) sem auto ri za ção escri ta da socie da de emis so ra e, nes sas con di ções, colo -cá-lo em cir cu la ção. destaque-se, por opor tu no, que os ser vi ços de lan ça men to edis tri bui ção de títu los mobi liá rios no mer ca do têm suas pró prias for ma li da des,embo ra, regra geral, sejam dele ga dos pela socie da de emis so ra a uma ins ti tui çãofinan cei ra (coor de na do ra).8 na rea li da de, nenhu ma emis são públi ca de valo resmobi liá rios será dis tri buí da no mer ca do sem pré vio regis tro na Comissão devalores mobiliários (art. 19 da lei nº 6.385/76). essas exi gên cias for mais, pra ti -ca men te, invia bi li zam a colo ca ção em cir cu la ção no mer ca do de um títu lo semauto ri za ção da socie da de emis so ra, como des ta ca tórtima, com a pro fi ciên cia desem pre: “entretanto, cum pre assi na lar ser de difí cil con cre ti za ção a hipó te se decon se guir alguém que um títu lo cir cu le no mer ca do sem auto ri za ção da socie da -de emis so ra, não sendo o mesmo falso.”9

a rea li za ção de qual quer das con du tas incri mi na das deman da a pre sen çado ele men to nor ma ti vo “sem auto ri za ção escri ta da socie da de emis so ra”. emsen ti do seme lhan te, mani fes ta-se a famí lia delmanto, in ver bis: “para haver ocrime, há a neces si da de da pre sen ça do ele men to nor ma ti vo: sem auto ri za çãoescri ta da socie da de emis so ra. não basta, por tan to, even tual auto ri za çãooral.”10 trata-se, na rea li da de, de uma carac te rís ti ca nega ti va do tipo, pois é a

7 Guilherme de souza nucci. leis penais e processuais penais Comentadas, são paulo, saraiva, p. 1046.8 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 18.9 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 18.10 roberto delmanto, roberto delmanto Junior e Fabio m. de almeida delmanto. leis penais espe ciais

comen ta das, rio de Janeiro, renovar, 2006, p. 132.

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sua ausên cia que per mi te a ade qua ção típi ca, a des pei to de sua fun ção carac te -ri za do ra da anti ju ri di ci da de da ação (fun ção híbri da de ele men tos nor ma ti vosespe ciais da ili ci tu de).11

de se notar, ade mais, que as con du tas tipi fi ca das não deman dam fal si fi ca -ção docu men tal, mate rial ou for mal, resi din do sua nuli da de na ausên cia de auto -ri za ção da socie da de emis so ra, sendo sufi cien te que sua fabri ca ção ou colo ca çãoem cir cu la ção ocor ra à reve lia da socie da de emis so ra. É, diga mos, uma espé ciesui gene ris de frau de, dis tin guin do-se dos cri mes do gêne ro fal sum.

incorre na mesma pena, segun do o pará gra fo único, quem impri me, fabri -ca, divul ga, dis tri bui ou faz dis tri buir pros pec to ou mate rial de pro pa gan da rela -ti vo aos papéis men cio na dos no caput. embora não este ja claro no texto con ti dono refe ri do pará gra fo, pode-se depreen der que se pune a rea li za ção de ‘publi ci -da de de títu los irregulares’. na rea li da de, o texto legal não o diz, mas deve ria tê-lo dito, como, por exem plo, “nas mes mas con di ções” ou “nas con di ções des cri tasno caput” etc. pela inter pre ta ção lite ral do pará gra fo único, toda e qual querpubli ci da de sobre títu los ou valo res mobi liá rios amol dar-se-ia às con du tas des -cri tas nesse pará gra fo, que cons ti tui ria um ver da dei ro des pau té rio. assim, aúnica forma de res trin gir o alcan ce dessa dis po si ção, situan do-a num planorazoá vel, é exi gir a pre sen ça da mesma ele men tar nor ma ti va do caput, que, repi -ta-se, nem impli ci ta men te cons ta.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo sub je ti vo é cons ti tuí do tão somen te pelo ele men to sub je ti vo geral,que é o dolo, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de qual quer das con du tasdes cri tas no caput, ou seja, fabri car (que abran ge impri mir e repro du zir), dequal quer modo, cer ti fi ca do, cau te la ou outro docu men to repre sen ta ti vo de títu -lo ou valor mobi liá rio. o mesmo ele men to sub je ti vo geral, o dolo, cons ti tuí dopela von ta de cons cien te de impri mir, fabri car, divul gar, dis tri buir ou fazer dis -tri buir pros pec to ou mate rial de pro pa gan da rela ti vo aos mes mos papéis refe ri -dos no caput.

deve-se des ta car, ade mais, que é indis pen sá vel que o sujei to ativo saibaque pra ti ca qual quer das ações elen ca das no caput “sem auto ri za ção escri tada socie da de emis so ra”. essa cons ciên cia nada mais é que o ele men to inte -lec tual do dolo que deve abran ger todos os ele men tos da des cri ção típi ca. afalta desse conhe ci men to gera erro de tipo, pelas razões que expu se mos ao

11 examinamos o erro que inci de sobre esses “ele men tos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de”, no capí tu lo quetra ta mos do crime de eva são, para onde reme te mos o lei tor, para não ser mos repe ti ti vo. ver, igual men te,nosso tratado de direito penal, parte Geral, 14. ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 1, p. 414.

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comen tar mos o art. 8º dessa mesma lei de regên cia (item 4.2), para ondereme te mos o lei tor.

não vemos con fi gu ra do, no dis po si ti vo sub exa men, qual quer ele men tosub je ti vo espe cial do injus to, ao con trá rio do enten di men to de tórtima,12 quereco nhe ce a exis tên cia de uma espe cial inten cio na li da de do agen te, que seriarepre sen ta da pela ele men tar “sem auto ri za ção escri ta da socie da de emis so ra”. narea li da de, para nós, esta mos dian te de um ele men to nor ma ti vo espe cial do injus -to (ver comen tá rios ao art. 8º), cuja pre sen ça afas ta a pró pria ili ci tu de da con du -ta, além de acar re tar, evi den te men te, sua ati pi ci da de, con for me demons tra mosem outros dis po si ti vos dessa mesma lei de regên cia.

nessa infra ção penal não há, por fim, pre vi são de moda li da de cul po sa, razãopela qual even tual con du ta impru den te, negli gen te ou impe ri ta esta rá fora doalcan ce do sis te ma puni ti vo penal.

6. Consumação e ten ta ti va

respeitando enten di men to diver gen te, con si de ra mos que as con du tas des -cri tas no caput, com exce ção de ‘pôr em circulação’, são cri mes mate riais, isto é,aque les que exi gem um resul ta do natu ral, des ta ca do da con du ta. não se podenegar que as ações de impri mir, repro du zir ou fabri car cau sam trans for ma ção nomundo exte rior e esse aspec to é sufi cien te para carac te ri zá-las como cri mesmate riais. a even tual ocor rên cia de pre juí zo, se ocor rer, repre sen ta rá somen teexau ri men to do crime. Como des ta ca, luci da men te, tórtima: “o crime con su ma-se quan do o agen te logra con cluir o pro ces so de impres são ou fabri ca ção dodocu men to.”13

a ten ta ti va, con si de ran do-se cri mes mate riais, é per fei ta men te admi ti danes sas três moda li da des, que con fi gu ram cri mes plu ris sub sis ten tes, que admi temfra cio na men to da con du ta.

na moda li da de, con tu do, de ‘pôr em circulação’, o crime é for mal, con su -man do-se inde pen den te men te da super ve niên cia de even tual resul ta do, e, nes -sas con di ções, a ten ta ti va resul ta de difí cil con fi gu ra ção.

no dis pos to no pará gra fo único deste dis po si ti vo des ta ca-se a preo cu pa çãodo legis la dor em coi bir a divul ga ção e a comer cia li za ção dos mes mos papéis refe -ri dos no caput. o exces so repe ti ti vo das con du tas incri mi na das é repe ti do nestepará gra fo, sem ampliar sig ni fi ca ti va men te sua abran gên cia. nas moda li da des dedivul gar ou dis tri buir, que repre sen tam novos núcleos com por ta men tais, porcons ti tuí rem cri mes for mais, não se admi te, em tese, a figu ra ten ta da.

12. tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 21.13 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 19.

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7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de cri mes comuns (podem ser pra ti ca dos por qual quer pes soa, nãosendo exi gi da nenhu ma qua li da de ou con di ção espe cial); mate riais, nas moda li -da des de impri mir, repro du zir e fabri car (con su mam-se somen te com a efe ti vacon cre ti za ção des sas ações); for mais, nas demais moda li da des (aper fei çoam-seinde pen den te men te da pro du ção de qual quer pre juí zo efe ti vo a alguém); deforma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo espe cial para exe -cu ção des sas infra ções penais, poden do ser rea li za dos do modo ou pelo meioesco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vos (os com por ta men tos des cri tos no tipoimpli cam a rea li za ção de con du tas ati vas, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi -bi ti va, e não man da men tal); ins tan tâ neos (a con su ma ção ocor re em momen todeter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul -ta do); unis sub je ti vos (podem ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi -tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); unis sub sis ten tes, nas moda li da des de‘pôr em circulação’, ‘ divulgar’ e ‘ distribuir’ (pra ti ca das com ato único); plu ris sub -sis ten te, nas moda li da des ‘impri mir, repro du zir e fabricar’ (as con du tas podemdes do brar-se em mais de um ato, admi tin do, por con se guin te, a forma ten ta da).

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são reclu são de dois a oito anos emulta. a ação penal, como todos os cri mes deste diplo ma legal, é públi ca incon -di cio na da, deven do a auto ri da de com pe ten te agir ex offi cio, inde pen den te men -te da mani fes ta ção de quem quer que seja.

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Capítulo iii

divulgação de informaçãoFalsa ou prejudicial

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. o bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ati -vo e pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: infor ma ção falsa ou pre ju di cial men te.incom ple ta. 4.1. divulgação falsa de infor ma ção sobre ins ti tui ção finan cei ra pro te -gi da pelo sigi lo finan cei ro: con fli to apa ren te de nor mas. 5. tipo sub je ti vo: ade qua -ção típi ca. 6. publicação de balan ço fal si fi ca do: ina de qua ção típi ca. 7. Consumaçãoe ten ta ti va. 8. Classificação dou tri ná ria. 9. pena e ação penal.

art. 3º divulgar infor ma ção falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta sobre ins -ti tui ção finan cei ra:

pena – reclu são de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

manoel pedro pimentel afir ma va que “este arti go repe te, de forma sucin ta,o dis pos to no art. 177, § 1º, i, do Cp”,1 des ta can do, no entan to, que na hipó te sedesse dis po si ti vo foram indi ca dos, expres sa men te, os agen tes do deli to e os meiosque podem ser uti li za dos para a afir ma ção falsa, ao con trá rio do que fez o dis po -si ti vo da norma espe cial, tipi fi can do um crime comum, con tra o patri mô nio, oqual pode ria atin gir pes soas inde ter mi na das, em geral, ou os acio nis tas em par ti -cu lar. destaca ainda que o legis la dor da norma espe cial, optan do por uma defi -ni ção redu zi da da con du ta proi bi da, para do xal men te, ampliou o alcan ce danorma. não defi nin do os agen tes que podem pra ti car o crime, dei xou em aber toa qua li fi ca ção daque les que podem ser seu sujei to ativo, não lhes exi gin do qual -quer qua li da de ou con di ção espe cial.

a lei nº 1.521/51 (lei de economia popular) cri mi na li za, em seu art. 3º, viia X, fatos que tam bém vêm a se ade quar a diver sas figu ras típi cas elen ca das noart. 177 do Cp. Com efei to, as infra ções pra ti ca das con tra socie da des por ações

1 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, são paulo,revista dos tribunais,1987, p. 42.

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cons ti tuem, em prin cí pio, cri mes con tra a eco no mia da socie da de; se não sig ni -fi cam a mesma coisa, andam pelo menos muito pró xi mo, deman dan do extre macau te la na busca da dis tin ção. a sub si dia rie da de da figu ra des cri ta no caput doart. 177 do Cp é expres sa; assim, somen te se tipi fi ca rá esse crime “se o fato nãocons ti tui crime con tra a eco no mia popu lar” (pre cei to secun dá rio do art. 177,caput, do Cp). a ques tão fun da men tal, afi nal, passa a ser como encon trar a me -lhor solu ção para esse apa ren te con fli to de nor mas.

para magalhães noronha, a solu ção seria a seguin te: “em se tra tan do desocie da de por ações, pare ce-nos neces sá rio o exame de que o fato tenha lesa doou posto em peri go as peque nas eco no mias de um gran de, exten so e inde fi ni donúme ro de pes soas. assim, se o fato é enqua drá vel no art. 177 do Código e emdis po si ti vos da lei 1.521, de 1951, que subs ti tuiu o decreto-lei 869, de 1938, masse a lesão real ou poten cial atin ge ape nas a uma ou duas deze nas de pes soas ricasou de mag na tas que subs cre ve ram todo o capi tal social, cre mos que muito mal odeli to pode ria ser con si de ra do con tra a eco no mia do povo. ao con trá rio, se asubs cri ção fosse feita por avul ta do e exten so núme ro de pes soas que, com seusmin gua dos recur sos, subs cre ve ram uma ou outra ação, a ofen sa patri mo nial seriadiri gi da con tra a eco no mia popu lar. numa hipó te se, temos peque no grupo depes soas pre ju di ca do, nou tra é, a bem dizer, o povo, tal o núme ro de lesa dos quesofre o dano.”2 essa orien ta ção tam bém era des ta ca da por heleno Cláudio Fra -goso, nos seguin tes ter mos: “o cri té rio em geral acei to pela dou tri na e que se extrai da pró pria lei de eco no mia popu lar é o de apli car esta sem pre que a socie -da de por ações for orga ni za da por subs cri ção públi ca, apre sen tan do cunho niti -da men te popu lar.”

na atua li da de, a par tir da lei nº 6.404/76, a aber tu ra de capi tais, subs cri çãode ações, é sem pre públi ca, che gan do ao conhe ci men to de, em tese, milhões depes soas. não nos agra dam as suges tões de magalhães noronha e heleno Fragoso,pois ambas pecam pela falta de cien ti fi ci da de. não se pode inven tar cri té rioscasuís ti cos todas as vezes que sur gir o con fli to apa ren te de nor mas, crian dodiver gên cias dou tri ná rio-juris pru den ciais e geran do inse gu ran ça jurí di ca. naver da de, a solu ção deve rá ser, neces sa ria men te, a tra di cio nal, isto é, aque la ofe -re ci da pelos prin cí pios orien ta do res do con fli to apa ren te de nor mas.

nesse caso, con tu do, deve-se tra ba lhar com dois prin cí pios, ao con trá rio doque nor mal men te ocor re quan do a solu ção é encon tra da com a uti li za ção de ape -nas um deles. Com efei to, são apli cá veis os prin cí pios da sub si dia rie da de e daespe cia li da de. a sub si dia rie da de vem expres sa no pre cei to secun dá rio do art.177. no entan to, para apli car o prin cí pio da sub si dia rie da de, é fun da men tal defi -nir a espé cie de crime que deter mi na do fato cons ti tui. essa defi ni ção somen te

2 magalhães noronha. direito penal, 15. ed., são paulo, saraiva, 1979, v. 2, p. 482-3.

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pode rá ser encon tra da, com segu ran ça, por meio do prin cí pio da espe cia li da de.Considera-se espe cial uma norma penal, em rela ção à outra geral, quan do reúnetodos os ele men tos desta, acres ci dos de mais alguns, deno mi na dos espe cia li zan -tes. isto é, a norma espe cial acres cen ta ele men to pró prio à des cri ção típi ca pre -vis ta na norma geral. assim, como afir ma Jescheck: “toda a ação que rea li za otipo do deli to espe cial rea li za tam bém neces sa ria men te, ao mesmo tempo, o tipodo geral, enquan to o inver so não é ver da dei ro.”3 somente os fatos, in con cre to,podem per mi tir o con fron to ana lí ti co peran te os dois diplo mas legais para atri -buir-lhes a qua li fi ca ção cor re ta.

Comparando-se, final men te, a dis po si ção cons tan te do Código penal e acon ti da na lei espe cial, chega-se a uma con clu são para do xal: o Código penal, queé diplo ma geral, pode-se afir mar, tipi fi ca um crime pró prio ou espe cial (art. 177e seu § 1º), enquan to o art. 3º da lei nº 7.492/86, que é um diplo ma espe cial, tipi -fi ca um crime comum. na ver da de, é ape nas uma curio si da de, pois o crime queesta mos exa mi nan do, comum, é o con ti do na norma espe cial, e não aque le que épró prio ou espe cial, mas con ti do na lei geral, que é o Código penal.

2. o bem jurí di co tute la do

os bens jurí di cos pro te gi dos por esse tipo penal são plú ri mos, ou seja, pro -te ge-se, em um pri mei ro momen to, a ins ti tui ção finan cei ra con tra a qual é divul -ga da a infor ma ção inve rí di ca (falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta), que é atin -gi da nega ti va men te; tute la-se, igual men te, os inte res ses dos inves ti do res emgeral que, pri va dos das infor ma ções cor re tas ou pre mia dos com infor ma ções fal -sas ou pre ju di cial men te incom ple tas, podem sofrer sérios e gra ves danos ou reaispre juí zos finan cei ros, morais e mate riais. a tute la penal esten de-se, evi den te -men te, ao sis te ma finan cei ro nacio nal, como um todo, que é o des ti na tá rio geralda pro te ção de todo o pre sen te diplo ma legal e, secun da ria men te, ao estadocomo guar dião e deten tor do mono pó lio do sis te ma finan cei ro nacio nal.4

manoel pedro pimentel afir ma va que “este arti go repe te, de forma sucin ta,o dis pos to no art. 177, § 1º, i, do Cp, rela ti va men te à admi nis tra ção de socie da -de por ações”.5 examinando o bem jurí di co desse dis po si ti vo do Código penal,tive mos opor tu ni da de de afir mar: “o bem jurí di co pro te gi do pela pre vi são do

3 Jescheck. tratado de derecho penal, trad. santiago mir puig e Francisco muñoz Conde, Barcelona, Bosch,1981, p. 1035.

4 de um modo geral, tórtima tam bém con cor da com esse nosso enten di men to, embo ra inver ta a ordem deprio ri da de, colo can do em pri mei ro plano a esta bi li da de do sis te ma finan cei ro nacio nal. tórtima. Crimescon tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 23.

5 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, são paulo,revista dos tribunais,1987, p. 42.

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inci so i do § 1º do art. 177 do Cp é o patri mô nio alheio, par ti cu lar men te daque -les que inves tem em socie da des aber tas; em outros ter mos, tute la-se o patri mô niodos acio nis tas con tra a orga ni za ção e a admi nis tra ção frau du len ta e abu si va dassocie da des por ações.”6 Quanto ao bem jurí di co, no entan to, pimentel7 reco nhe -cia que “o obje to jurí di co desta figu ra típi ca é duplo. em pri mei ro lugar, a pro te -ção é con fe ri da à boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do Governo, que pode serpre ju di ca da pela divul ga ção falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta sobre ins ti tui -ção finan cei ra. em segun do lugar, a pro te ção é dada, tam bém, ao inves ti dor e aomer ca do de títu los e valo res mobi liá rios, incluin do-se aí a pro te ção ao patri mô niode pes soa jurí di ca ou de pes soa natu ral, qua li fi ca da como ins ti tui ção finan cei ra”.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo pode ser qual quer pes soa, tra tan do-se, por tan to, de crimecomum, que não exige qual quer qua li da de ou con di ção espe cial. na rea li da de,além do rol espe cial cons tan te do art. 25, qual quer pes soa pode ser sujei to ativodessa infra ção penal, além de admi tir natu ral men te as figu ras da coau to ria e dapar ti ci pa ção.

Gostamos da clas si fi ca ção cria da por manoel pedro pimentel, numa belafigu ra de lin gua gem, quan do afir ma que esse crime pode ser come ti do “de den -tro da ins ti tui ção finan cei ra para fora”, como tam bém “de fora para den tro dains ti tui ção finan cei ra”, ou seja, em suas pró prias pala vras:

“de den tro da ins ti tui ção finan cei ra para fora, podem come ter o crimeo dire tor, o geren te ou um sócio da ins ti tui ção finan cei ra, divul gan do obalan ço (embo ra, como vere mos adian te, a divul ga ção de balan ço falso, porsi só, não tipi fi ca este crime), sobre a situa ção eco nô mi ca da socie da de, ouela bo ran do rela tó rio incor re to, divul gan do-o.”

“de fora para den tro da ins ti tui ção finan cei ra, será sujei to ativo qual -quer pes soa impu tá vel que se com por te con for me a des cri ção do tipo penal.nesse caso, o sujei to agirá em pre juí zo da ins ti tui ção finan cei ra, divul gan doinfor ma ção falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta, em detri men to da enti da -de, desa cre di tan do-a.”

Contudo, embo ra se trate de crime comum, há um míni mo neces sá rio deexi gên cia, qual seja a de que o sujei to ativo exer ça ou se encon tre numa situa çãoou posi ção que lhe dê algu ma cre di bi li da de para “divul gar infor ma ção sobre ins -

6 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte especial, 5. ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 3,p. 278.

7 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 44.

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ti tui ção finan cei ra”, falsa ou ver da dei ra. Caso con trá rio, se não repre sen tar a ins -ti tui ção finan cei ra, não per ten cer a nenhum órgão, enti da de ou ins ti tui ção fis ca -li za do ra, ofi cial ou extra-ofi cial, ou não gozar de deter mi na do sta tus no mer ca -do finan cei ro, de capi tais, mer ca do ló gi co ou simi lar, que rele vân cia a decla ra çãode um anô ni mo pode ria ter nesse mundo espe cia li za do? nenhuma, aliás, seriaabso lu ta men te irre le van te para a cre di bi li da de, a esta bi li da de, a segu ran ça, asaúde ou a segu ran ça do sis te ma finan cei ro, da res pec ti va ins ti tui ção ou para opró prio mer ca do de capi tais. estaremos, con se quen te men te, dian te de uma con -du ta atí pi ca, indi fe ren te ao sis te ma penal, sem qual quer poten cia li da de lesi va.

por essas razões, a nosso juízo, um sim ples anô ni mo, pode ría mos acres cen -tar, sem cre di bi li da de, não pode ser autor desse tipo de crime espe cial. em sín te -se, em casos simi la res, deman da-se redo bra da cau te la no exame da ido nei da de dadivul ga ção falsa ou incom ple ta para atin gir qual quer dos bens jurí di cos tute la dos,espe cial men te quan do puder diri gir-se dire ta men te à ins ti tui ção finan cei ra.

sujeitos pas si vos podem ser a ins ti tui ção finan cei ra sobre a qual seja divul -ga da a infor ma ção falsa ou trun ca da, os inves ti do res de um modo geral que pos -sam ser poten cial men te pre ju di ca dos e, igual men te, o sis te ma finan cei ro nacio -nal. secundariamente, a nosso juízo, o estado, como res pon sá vel e mono po li za -dor do sis te ma finan cei ro nacio nal, res pon sá vel, em últi ma ins tân cia, pela mora -li da de e cre di bi li da de do sis te ma finan cei ro nacio nal.

na lin gua gem de pimentel, são sujei tos pas si vos, de den tro para fora, osinves ti do res de um modo geral, o mer ca do de títu los e valo res mobi liá rios e apró pria ins ti tui ção finan cei ra. de fora para den tro, são sujei tos pas si vos a ins ti -tui ção finan cei ra, dire ta men te, e sis te ma finan cei ro, indi re ta men te.

4. tipo obje ti vo: infor ma ção falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta

divulgar é pro pa lar, vei cu lar, dar publi ci da de, tor nar públi co falsa infor ma -ção ou pre ju di cial men te incom ple ta, ou seja, levar ao conhe ci men to de núme roinde ter mi na do de pes soas. a ade qua ção típi ca pode decor rer de divul ga ção inte -gral ou par cial men te falsa, bem como de divul ga ção pre ju di cial men te incom ple -ta ou trun ca da. deve refe rir-se, a nosso juízo, ao obje to-fim da ins ti tui ção finan -cei ra, isto é, deve ver sar sobre aspec tos rela cio na dos com a situa ção eco nô mi co-finan cei ra da ins ti tui ção, refe rin do-se, evi den te men te, a dados que pos sam aba larde algu ma forma a cre di bi li da de, a esta bi li da de e a segu ran ça neces sá rias ao bomfun cio na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal, que é, como des ta ca mos, o bemjurí di co fun da men tal men te pro te gi do nessa figu ra penal. mais ou menos nessalinha, exem pli fi ca tigre maia:8 “em nosso enten der, a infor ma ção de que se cogi -

8 rodolfo tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, 1. ed., 2ª tira gem, rio de Janeiro,malheiros, 1999, p. 49-50.

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ta no texto legal tanto pode ser a reve la ção de um fato ou con jun to deter mi na dode fatos, como pode ser a aná li se ou rela to de dados con cer nen tes ao per fil eco nô -mi co, empre sa rial ou mer ca do ló gi co de deter mi na da ins ti tui ção finan cei ra”.

divulgar infor ma ção pre ju di cial men te incom ple ta sig ni fi ca – segun dotórtima9 – “vei cu lar notí cia par cial, trun ca da ou detur pa da, omi tin do fatos ouaspec tos rele van tes do con tex to onde estão inse ri dos, levan do os des ti na tá rios danotí cia a um erra do jul ga men to sobre o que na ver da de se passa com a ins ti tui -ção finan cei ra. seria o caso, por exem plo, em que o agen te divul gas se a noti ciade que certa auto ri da de, de órgão fis ca li za dor do sis te ma finan cei ro, teria se pro -nun cia do acer ca da imi nen te inter ven ção do Banco Central em deter mi na da ins -ti tui ção (notí cia ver da dei ra), dei xan do, toda via, de escla re cer que, algu mas horas depois, o pró prio presidente do BaCen des men ti ria a exis tên cia das supos tasirre gu la ri da des que pode riam jus ti fi car a medi da inter ven ti va (art. 2º, ii, da leinº 6.024/74)”, com ple men tan do, cor re ta men te, tórtima, desde que o divul ga dortives se ciên cia do des men ti do pelo pró prio órgão fis ca li za dor. Com essa omis são,que carac te ri za infor ma ção pre ju di cial men te incom ple ta, o infor man te incor re -rá na proi bi ção con ti da no tipo penal ora em exame. nessa segun da moda li da de– divul gar infor ma ção pre ju di cial men te incom ple ta –, não é neces sá rio que adivul ga ção seja falsa, na medi da em que a pre ju di cia li da de deve decor rer daincom ple tu de ou da insu fi ciên cia da infor ma ção, capaz, isto é, idô nea a cau sarpre juí zo, dano ou, de qual quer forma, apre sen tar poten cial lesi vo ao sis te mafinan cei ro, à ins ti tui ção finan cei ra ou a poten cial inves ti dor. exigir-se que ainfor ma ção incom ple ta seja igual men te falsa peca ria pela redun dân cia, pois esseaspec to já está abran gi do pela moda li da de ante rior, divul gar infor ma ção falsa,carac te ri zan do, por tan to, um inde se já vel bis in idem, into le rá vel em sede de cri -mi na li za ção de con du tas. sintetizando: infor ma ção pre ju di cial men te incom ple -ta não deixa de ser uma moda li da de sui gene ris de infor ma ção falsa, pois infor -ma ção incom ple ta, trun ca da, par cial, quan do ten den cio sa ou espe cial men te diri -gi da a con fun dir, enga nar ou criar um juízo equi vo ca do sobre a ins ti tui ção finan -cei ra, não deixa de ser falsa.

a divul ga ção falsa ou incom ple ta (pre ju di cial) pode pro du zir-se atra vés dequal quer meio (inclu si ve atra vés da fala): impren sa, rádio, tele vi são, inter net,expo si ção ao públi co, obras lite rá rias etc. enfim, sem pre que haja comu ni ca ção aum núme ro inde ter mi na do de pes soas, esta rá con fi gu ra da a ação de divul gar.não é neces sá rio que a infor ma ção tenha cará ter sigi lo so para tipi fi car o crime,sendo sufi cien te que sua fal si da de refi ra-se à situa ção, dado ou fato rele van te etenha poten cial para pro du zir dano, efe ti vo ou poten cial, para a ins ti tui ção, parao sis te ma finan cei ro ou para a pró pria cole ti vi da de.

9 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, 2. ed., rio de Janeiro, lúmen Júris,2002, p. 24.

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não se des co nhe ce que esse tipo de infor ma ção inve rí di ca pode ser divul ga -da no inte res se da pró pria ins ti tui ção finan cei ra, cau san do pre juí zos aos inves ti -do res, cor ren tis tas etc. pode ocor rer, por exem plo, com divul ga ção de rela tó riode audi to ria exter na, alte ran do dados impor tan tes sobre a real situa ção finan cei -ra da ins ti tui ção, maquian do resul ta dos nega ti vos de seu pas si vo, difi cul tan do ouilu din do a cole ti vi da de inte res sa da (inves ti do res, cor ren tis tas, acio nis tas etc.) nodire cio na men to das medi das neces sá rias ou cabí veis etc.10

informação falsa é aque la que não cor res pon de à rea li da de, aque la que éinve rí di ca, fic tí cia, isto é, repre sen ta da pela cria ção de fatos arti fi ciais, ine xis ten -tes, dis tor ci dos ou ini dô neos sobre ins ti tui ção finan cei ra. mas essa fal si da deinfor ma ti va deve, neces sa ria men te, refe rir-se a fatos ou aspec tos rele van tes dains ti tui ção finan cei ra, tais como a men ti ra sobre o obje to em que recai rá ati vi da -de da com pa nhia, a afir ma ção dis tor ci da sobre os recur sos finan cei ros que elapos sui para rea li zar sua fina li da de, a asser ti va men ti ro sa sobre o endi vi da men toteme rá rio da ins ti tui ção, em des con for mi da de com as reais pos si bi li da des dacom pa nhia, a deso nes ti da de de pro pó si to etc.

a divul ga ção de infor ma ção sobre ins ti tui ção finan cei ra, para cons ti tuircrime, tem de ser falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta. a fal si da de da infor ma -ção pode ser total ou par cial. pode ocor rer a fal si da de por que o fato não exis tiuou por que, embo ra exis tin do, tem con teú do, dados, dimen sões ou quais quer outras carac te rís ti cas rele van tes dis tin tas das divul ga das. logo, a fal si da de dainfor ma ção pode recair sobre o todo ou parte da infor ma ção, desde que sejapoten cial men te lesi va aos bens jurí di cos tute la dos.

É neces sá rio, repe tin do, que a infor ma ção falsa ou pre ju di cial men te incom -ple ta sobre ins ti tui ção finan cei ra seja rele van te, deven do pos suir poten cia li da delesi va. assim, não tipi fi ca esse crime infor ma ção de con teú do irre le van te, inca pazde pro du zir ou cau sar uma situa ção dano sa para a cole ti vi da de, a ins ti tui ção oupara o pró prio sis te ma finan cei ro. a infor ma ção, tanto a falsa, quan to pre ju di cial -men te incom ple ta, segun do o con teú do típi co, pode ser pra ti ca da por qual quermodo ou meio, tra tan do-se, por tan to, de crime de forma livre. É des ne ces sá rio,con tu do, que haja um gran de núme ro de pes soas a quem se divul gue a infor ma -ção falsa, sendo sufi cien te ape nas um ouvin te ou con fi den te. essa forma de con -du ta pode, afi nal, aca bar crian do uma cadeia atra vés da qual se amplia a divul ga -ção falsa, com pro fun da reper cus são nega ti va sobre a ins ti tui ção finan cei ra. em outros ter mos, trans mi ti da a uma pes soa que seja, a falsa infor ma ção torna-seaces sí vel ao conhe ci men to de mui tas outras, bas tan do isso para que se reco nhe çater o agen te divul ga do infor ma ção inve rí di ca ou pre ju di cial men te incom ple ta.

10 tórtima. Crime con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 25.

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a infra ção desse tipo penal, espe cial men te com ple xo, a des pei to de sucin to,exige, mais do que em qual quer outro, que a denún cia obser ve rigo ro sa men te odis pos to no art. 41 do Código de processo penal, des cre ven do e indi vi dua li zan -do com cla re za e pre ci são a espé cie e a natu re za da infor ma ção (falsa ou pre ju di -cial men te incom ple ta), con fron tan do-a com a que deve ria cons tar e, fun da men -tal men te, demons tran do a exis tên cia não ape nas da von ta de, mas tam bém dacons ciên cia de pra ti car a ação e obter o resul ta do jurí di co pre ten di do. Caso con -trá rio, incor re na cen su ra aven ta da por tigre maia,11 in ver bis: “de qual quermodo deve rá a denún cia obser var os requi si tos do art. 41 do Cpp, sendo, nahipó te se deste crime, de rejei tar-se a ves ti bu lar que ‘não con tém a indi ca ção,clara e pre ci sa, da infor ma ção divul ga da e a qual falte a des cri ção dos ele men tosessen ciais de lugar, data e auto ri da de des ti na tá ria da infor ma ção incriminada’.”

4.1. divulgação falsa de infor ma ção sobre ins ti tui ção finan cei rapro te gi da pelo sigi lo finan cei ro: con fli to apa ren te de nor mas

e se a divul ga ção falsa refe rir-se a infor ma ção sobre ope ra ção ou ser vi çopres ta do por ins ti tui ção finan cei ra pro te gi do por sigi lo, have rá con cur so de cri -mes (for mal ou mate rial), com o pre vis to no art. 18 desse mesmo diplo ma legal,ou esta re mos dian te do con fli to apa ren te de nor mas? tigre maia,12 optan do pelapri mei ra alter na ti va, afir ma: “se as infor ma ções divul ga das forem pro te gi daspelo sigi lo finan cei ro pode rá haver con cur so for mal com o do tipo do art. 18 dalei de regência.”

não nos pare ce, con tu do, que a ques tão seja assim tão sim ples ante algu masdifi cul da des dog má ti cas, a come çar pelo fato de a infra ção penal defi ni da neste art.3º ser clas si fi ca da como crime comum e aque la do art. 18 ser crime pró prio, exi -gin do, con se quen te men te, qua li da de ou con di ção espe cial do sujei to ativo. há, poroutro lado, a exi gên cia de que o sujei to ativo tenha conhe ci men to da ope ra ção sigi -lo sa em razão de ofí cio. e ainda, as con du tas incri mi na das são abso lu ta men te dis -tin tas: a do art. 3º, ora sub exa men, é a de “divul gar” ope ra ção, nas cir cuns tân ciasdes cri tas, enquan to a con du ta des cri ta no art. 18 é “vio lar sigi lo de ope ra ção ou ser -vi ço”, que, a nosso juízo, nem pre ci sa ser divul ga do para tipi fi car esse crime. poroutro lado, divul gar infor ma ção falsa não viola sigi lo de nin guém, pelo con trá rio,pre ser va-o, man ten do seu con teú do intac to, des co nhe ci do e sigi lo so; o sigi lo so -men te pode rá ser vio la do se expos to a públi co, em razão de ofí cio, tor nan doconhe ci do o seu con teú do, algo ino cor ren te na infor ma ção falsa incom ple ta.

na nossa ótica, não há con cur so de cri mes, seja mate rial ou for mal, porabso lu ta incom pa ti bi li da de de ade qua ção típi ca. Consideramos des ne ces sá ria a

11 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 51-2.12 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 53.

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invo ca ção do con fli to apa ren te de nor mas, para defi nir-se a ade qua ção típi ca dedeter mi na do com por ta men to, entre as pre vi sões con ti das nos arts. 3º e 18 da leide regên cia, ante o con teú do espe cí fi co de cada dis po si ti vo. em outros ter mos,qual quer que seja a solu ção, cer ta men te, não have rá con cur so de dois cri mes.

mas afora essas ques tões espe cí fi cas de tipi ci da de estri ta, há ainda outroaspec to fun da men tal atra vés do qual sem pre se afas ta a dupla inci dên cia de vio -la ção de uma plu ra li da de de nor mas penais incri mi na do ras com uma única con -du ta. em outros ter mos, para aque les, no entan to, que enfren ta rem difi cul da deem iden ti fi car qual das infra ções teria ocor ri do, encon tra rão res pos ta den tro dopró prio sis te ma. Com efei to, a solu ção é facil men te encon tra da com um ins ti tu todemo crá ti co, cien tí fi co, téc ni co e dog má ti co, que desem pe nha extraor di ná riafun ção, no pró prio Código penal de 1940, impe din do inclu si ve equí vo cos gros sei -ros de cumu la ção de impu ta ções ina de qua das. referimo-nos ao con fli to apa ren tede nor mas, cuja impor tân cia mos tra-se ainda mais rele van te na pre sen te lei deregên cia, con si de ran do-se que seus diver sos tipos penais e res pec ti vos bens jurí -di cos tute la dos asse me lham-se em gran de parte. o fun da men to bási co do con fli -to apa ren te de nor mas é exa ta men te impe dir o bis in idem, deter mi nan do, no casocon cre to, qual a norma que deve ter apli ca bi li da de, com pa ra ti va men te a outrasque pos sam apre sen tar seme lhan ça mais ou menos clara, como a norma elei ta.

deve-se par tir do pres su pos to, cien tí fi co e meto do ló gi co, de que o direitopenal cons ti tui um sis te ma orde na do e har mô ni co e, por isso, suas nor mas apre -sen tam entre si (ou, pelo menos, devem apre sen tar) uma rela ção de inter de pen -dên cia e hie rar quia, per mi tin do a apli ca ção de uma só lei ao caso con cre to,excluin do ou absor ven do as demais. no entan to, ao con trá rio do que faz com ocon cur so de cri mes, o Código penal não regu la as situa ções de con fli to apa ren tede nor mas, deven do a solu ção ser encon tra da atra vés da inter pre ta ção, pres su -pon do, porém, a uni da de de con du ta ou de fato, a plu ra li da de de nor mas coe xis -ten tes e a rela ção de hie rar quia ou de depen dên cia entre essas nor mas.

nesse caso, no entan to, resol ve-se a ade qua ção típi ca pelo prin cí pio da espe -cia li da de, con fron tan do-se os dois tipos penais. Considera-se espe cial umanorma penal, em rela ção à outra geral, quan do reúne todos os ele men tos desta,acres ci dos de mais alguns, deno mi na dos espe cia li zan tes. isto é, a norma espe cialacres cen ta ele men to pró prio, espe cí fi co, à des cri ção típi ca pre vis ta na normageral. a regu la men ta ção espe cial tem a fina li da de, pre ci sa men te, de excluir a leigeral e, por isso, deve pre ce dê-la. o prin cí pio da espe cia li da de evita o bis inidem, deter mi nan do a pre va lên cia da norma espe cial em com pa ra ção com ageral, e pode ser esta be le ci do in abs trac to, enquan to os outros prin cí pios exi gemo con fron to in con cre to das leis que defi nem o mesmo fato.

a dis pa ri da de das ele men ta res típi cas, além da natu re za de crime comum(art. 3º) e crime pró prio (art. 18), apon tam como norma espe cí fi ca a con ti da nesseúlti mo dis po si ti vo, resul tan do como norma geral a pre vi são do art. 3º. em outroster mos, sem pre que a divul ga ção falsa ou incom ple ta for pra ti ca da, “com conhe -

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ci men to em razão de ofí cio”, e “vio lan do sigi lo de ope ra ção ou ser vi ço pres ta dopor ins ti tui ção finan cei ra”, não res ta rá qual quer dúvi da sobre a ade qua ção típi -ca: vio la ção de sigi lo de ope ra ção finan cei ra. É irre le van te a seme lhan ça ou adiver gên cia dos bens jurí di cos tute la dos, bem como a maior ou menor comi na -ção penal de um ou de outro tipo penal.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo sub je ti vo é repre sen ta do pelo dolo, que é cons ti tuí do pela cons ciên -cia e a von ta de de rea li zar a con du ta des cri ta no tipo penal ou, mais espe ci fi ca -men te, cons ti tuí do pela von ta de cons cien te de divul gar infor ma ção falsa ou pre -ju di cial men te incom ple ta. o dolo, pura men te natu ral, cons ti tui o ele men to cen -tral do injus to pes soal da ação, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de açãodiri gi da ime dia ta men te con tra o man da men to nor ma ti vo.

a cons ciên cia, ele men to inte lec tual do dolo, deve abran ger todos os ele men -tos cons ti tu ti vos do tipo, inde pen den te men te de serem obje ti vos, nor ma ti vos ousub je ti vos, ou seja, é indis pen sá vel que o sujei to pas si vo tenha plena cons ciên ciade que a infor ma ção que divul ga é falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta. deve-seter pre sen te, ade mais, que a cons ciên cia, ele men tar do dolo, deve ser atual, efe ti -va, ao con trá rio da cons ciên cia da ili ci tu de, que pode ser poten cial. mas a cons -ciên cia do dolo abran ge somen te a repre sen ta ção dos ele men tos inte gra do res dotipo penal, fican do fora dela a cons ciên cia da ili ci tu de, que hoje, como ele men tonor ma ti vo, está des lo ca da para o inte rior da cul pa bi li da de. sintetizando, em ter -mos bem esque má ti cos, dolo é a von ta de de rea li zar o tipo obje ti vo, orien ta da peloconhe ci men to de suas ele men ta res no caso con cre to, isto é, saben do que a infor -ma ção que divul ga é falsa ou pre ju di cial men te incom ple ta.

o autor, como afir ma Claus roxin, somen te pode rá ser puni do pela prá ti cade um fato dolo so quan do conhe cer as cir cuns tân cias fáti cas que o cons ti tuem.13

o even tual des co nhe ci men to de um ou outro ele men to cons ti tu ti vo do tipocons ti tui erro de tipo, exclu den te do dolo. por isso, embo ra a cons ciên cia da fal -si da de, como ele men to do dolo, deva ser atual, quem, na dúvi da, não se abs témde divul gá-la, assu me o risco de ofen der o bem jurí di co pro te gi do e, nes sas cir -cuns tân cias, res pon de dolo sa men te pelo crime, ainda que na forma even tual.usar de estra té gias como, por exem plo, indi car a fonte da infor ma ção falsa,repor tar-se a inde ter mi na ções, tais como “ouvi dizer”, “comen tam”, “falam poraí” etc., ou mesmo pedir segre do, não tem o con dão de afas tar o crime. Confi -gura-se o crime mesmo quan do se divul ga a quem já tem conhe ci men to da fal si -da de da infor ma ção, pois ela ser vi rá de refor ço na con vic ção do ter cei ro.

13 Claus roxin. teoría del tipo penal...p. 171.

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presume-se a vera ci da de da infor ma ção até que se prove o con trá rio. se oagen te esti ver con ven ci do de que a infor ma ção é ver da dei ra, não res pon de pelocrime, pois incor re em erro de tipo por igno rar uma ele men tar típi ca – fal sa men -te –, ou seja, não sabe o que faz. a cer te za do agen te, embo ra errô nea, de que ainfor ma ção é ver da dei ra impe de a con fi gu ra ção do dolo. se tiver dúvi da, noentan to, sobre a fal si da de ou a pre ju di cia li da de da infor ma ção, deve rá abs ter-sede divul gá-la, caso con trá rio res pon de rá pelo crime, por dolo even tual.

por fim, não há pre vi são de moda li da de cul po sa, assim sendo, even tual di -vul ga ção de infor ma ção, nas cir cuns tân cias men cio na das no tipo penal, decor ren -te de desa ten ção, impru dên cia ou negli gên cia, cons ti tui com por ta men to atí pi co.

6. publicação de balan ço fal si fi ca do: ina de qua ção típi ca

examinando a clás si ca mono gra fia de manoel pedro pimentel, depa ra mo-nos com a seguin te afir ma ção: “o con cur so de cri mes é pos sí vel, v. g., quan do obalan ço divul ga do tenha sido fal si fi ca do, hipó te se em que have rá con cur so entreo crime de divul ga ção, pre vis to nesta lei, e o crime de fal si da de mate rial ou ideo -ló gi ca, pre vis tos nos arts. 297, 298 ou 299 do Cp”14 (gri fa mos).

a des pei to da incon tes tá vel auto ri da de de pimentel, não pode mos con cor -dar com dois gran des equí vo cos que refe ri da afir ma ção encer ra. deixaremos delado o equi vo ca do enten di men to de que have ria con cur so de cri mes entre o dedivul ga ção e os de fal si da de. não é neces sá rio maior esfor ço para con cluir-se queesse aspec to se resol ve pela con fron ta ção de crime-meio e crime-fim, eli mi nan -do-se natu ral men te as fal si da des, que foram os meios pelos quais se pro du ziu umbalan ço fal si fi ca do. não have ria, con se quen te men te, con cur so de cri mes.

desperta maior inte res se, a asser ti va de que a publi ca ção de balan ço fal si fi -ca do tipi fi ca ria o crime des cri to neste arti go 3º, que ora exa mi na mos; para o obje -ti vo que nos pro pu se mos, qual seja o de rea li zar algu mas ano ta ções aos cri mesdefi ni dos na lei nº 7.492/86 e, con se quen te men te, enfren tar alguns aspec tos polê -mi cos que o quo ti dia no pode nos ofe re cer, não deixa de ser uma vexa ta queas tio.nesse momen to, depa ra mo-nos com a neces si da de de um acu ra do exame da tipi -ci da de e, por exten são, uma pas sa gem pelo con fli to apa ren te de nor mas.

de plano, deve-se des ta car que a con du ta incri mi na da é “divul gar infor ma -ção falsa” e não “fal si fi car infor ma ção a divul gar”, que é exa ta men te o que ocor -re ria com a “fal si fi ca ção de balan ço”, suge ri da por pimentel. significa, no entan -to, que o agen te do crime – divul gar infor ma ção falsa – não pre ci sa ser o autorda fal si fi ca ção ou da fal si da de, aliás, o autor da fal si fi ca ção pode, inclu si ve, ser

14 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 46.

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des co nhe ci do ou, ainda, a fal si fi ca ção pode ser invo lun tá ria ou decor rer de errode ter cei ro.

enfatizando, a con du ta incri mi na da é “divul gar” e não “fal si fi car”, afora ofato de que todos os ele men tos cons ti tu ti vos do tipo penal devem ser abran gi dospelo dolo. o tipo penal – con ce bi do como con jun to dos ele men tos do fato puní -vel des cri to na lei penal – exer ce uma fun ção limi ta do ra e uma fun ção indi vi dua -li za do ra da con du ta huma na penal men te rele van te. tipicidade é a con for mi da -de do fato pra ti ca do pelo agen te com a mol du ra abs tra ta men te des cri ta na leipenal. para encon trá-la, faz-se um juízo de tipi ci da de, isto é, uma ope ra ção inte -lec tual de cone xão entre a infi ni ta varie da de de fatos pos sí veis da vida real e omode lo típi co des cri to na lei. nessa ope ra ção, ana li sa-se se a con du ta em ques tãoapre sen ta todos os requi si tos que a lei exige para qua li fi cá-la como infra ção penal.a falta de qual quer dos ele men tos ou requi si tos legais com po nen tes da figu ra legalabs tra ta, na con du ta con cre ti za da pelo agen te, afas ta a sua tipi ci da de. dessaforma, o tipo cum pre, repe tin do, além da fun ção fun da men ta do ra do injus to, tam -bém uma fun ção limi ta do ra do âmbi to do penal men te rele van te. É a garan tia docida dão de res pon der cri mi nal men te somen te por aqui lo que efe ti va men te cons -ti tua crime, nos exa tos ter mos pre vis tos em lei (prin cí pio da reser va legal).

Com a fal si fi ca ção do balan ço de uma empre sa, ocor re uma situa ção com -ple ta men te dife ren te, ou seja, a única coisa que o autor da fal si fi ca ção do balan -ço de uma ins ti tui ção finan cei ra não quer é que per ce bam ou des cu bram que setrata de um balan ço fal si fi ca do, aliás, se pudes se impe di ria que tal balan ço fossepubli ca do. o dolo de quem fal si fi ca um balan ço é dar apa rên cia de regu la ri da de dacon ta bi li da de da empre sa e jamais divul gar infor ma ção ou situa ção falsa ou pre ju -di cial, mas ape nas cum prir uma for ma li da de con tá bil, se pos sí vel, espe ran do quenão seja des co ber ta por nin guém. não há o dolo de divul gá-lo ou de dar-lhe publi -ci da de, pelo con trá rio, só de fal si fi cá-lo e, se fosse pos sí vel, gos ta ria que nin guémdele tomas se conhe ci men to. as con du tas, por tan to, são com ple ta men te dife ren tes,como tam bém o são os ele men tos sub je ti vos que as orien tam. e fal si fi car balan çonão se con fun de com divul gar infor ma ção falsa, sendo impos sí vel inter pre tar umacoisa por outra, sem vio lar o prin cí pio da taxa ti vi da de da reser va legal.

além desse aspec to obje ti vo da tipi ci da de, o tipo somen te se com ple ta como acrés ci mo do aspec to sub je ti vo, que orien ta, deli mi ta e fun da men ta o tipo obje -ti vo. somente conhe cen do a sub je ti vi da de da ação pode-se defi nir a real inten -ção do agen te, mor men te quan do não há pre vi são de moda li da de cul po sa, comoocor re nessa infra ção penal. os ele men tos sub je ti vos que com põem a estru tu rado tipo penal assu mem trans cen den tal impor tân cia na defi ni ção da con du ta típi -ca, pois é atra vés do ani mus agen di que se con se gue iden ti fi car e qua li fi car a ati -vi da de com por ta men tal do agen te. somente conhe cen do e iden ti fi can do a inten -ção – von ta de e cons ciên cia – do sujei to ativo poder-se-á clas si fi car um com por -ta men to como típi co, espe cial men te quan do a figu ra típi ca exige tam bém umespe cial fim de agir, que cons ti tui o conhe ci do ele men to sub je ti vo espe cial do

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tipo, que, para a cor ren te tra di cio nal, deno mi na va-se dolo espe cí fi co (ter mi no -lo gia com ple ta men te supe ra da).

resumindo, a publi ca ção de balan ço fal si fi ca do de uma ins ti tui ção finan cei -ra não se adé qua à con du ta des cri ta no art. 3º, ora sub exa men, ante a falta dodolo de divul gar infor ma ção falsa, e a publi ca ção impos ta por lei não se con fun -de com a inten ção dolo sa de divul gar exi gi da pelo tipo penal sub exa men.

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime com a ação de divul gar do sujei to ativo, ou seja, nomomen to em que alguém toma conhe ci men to da divul ga ção, não sendo exi gí velefe ti vo pre juí zo finan cei ro da ins ti tui ção ou de inves ti dor. na nossa con cep ção,não é neces sá rio que che gue ao conhe ci men to de um núme ro inde ter mi na do depes soas. Comentando o crime de divul ga ção de segre do no Código penal, Celsodelmanto,15 com a auto ri da de que o carac te ri zou, afir ma va: “em nossa opi nião,toda via, basta que se narre a uma só, por quan to o que se tem em vista é o com -por ta men to divul gar e não o resul ta do divul ga ção”. mutatis mutan dis, apli ca-seo mesmo enten di men to nessa infra ção penal.

na moda li da de de divul gar infor ma ção falsa, trata-se de crime peri go abs -tra to, bas tan do a prá ti ca efe ti va da divul ga ção para con su mar-se a ação. namoda li da de de pre ju di cial men te incom ple ta, trata-se de peri go con cre to, deven -do-se demons trar a poten cia li da de lesi va da pre ju di cia li da de da infor ma çãoincom ple ta, sob pena de não se con fi gu rar a figu ra típi ca.

dogmaticamente, a ten ta ti va é admis sí vel, pois se trata de crime plu ris sub sis -ten te, isto é, de mais de um ato, admi tin do fra cio na men to. tratando-se de divul -ga ção oral, é pra ti ca men te impos sí vel o cona tus; con tu do, sendo a divul ga ção feitapor escri to, mídia impres sa etc., sem pre que, por algu ma razão estra nha ao que rerdo agen te, for impe di da de con su mar-se, esta rá carac te ri za da a ten ta ti va.

8. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (que pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa,inde pen den te men te de osten tar deter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial);for mal (con su ma-se inde pen den te men te da pro du ção efe ti va de deter mi na doresul ta do; pimentel con si de ra-o crime de mera con du ta16); dolo so (não há pre -vi são legal para a figu ra cul po sa); de peri go abs tra to, na moda li da de de infor ma -ção falsa (é pre su mi da a pro ba bi li da de de dano); de peri go con cre to, na moda li -da de pre ju di cial men te incom ple ta (deve ser com pro va da sua poten cia li da de lesi -

15 Celso delmanto. Código penal, 3. ed., rio de Janeiro, editora renovar, 1991, p. 262.16 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 46.

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va); de forma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo espe cialpara exe cu ção dessa infra ção penal, poden do ser rea li za do do modo ou pelo meioesco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipoimpli ca a rea li za ção de uma con du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi -bi ti va, e não man da men tal); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen todeter mi na do, a prin cí pio, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a açãoe o resul ta do); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te,admi tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); plu ris sub sis ten te (pode ser des do -bra do em vários atos, que, no entan to, inte gram a mesma con du ta); depen den dodas cir cuns tân cias, pode ser unis sub sis ten te.

9. pena e ação penal

as penas comi na das são a de reclu são, de dois a seis anos, e a pecu niá ria,qual seja a pena de multa. trata-se, como se cons ta ta, de penas cumu la ti vas, enão alter na ti vas, sendo, por tan to, de impo si ção obri ga tó ria.

a ação penal é de natu re za públi ca incon di cio na da, deven do a auto ri da decom pe ten te agir ex offi cio, isto é, inde pen den te men te de qual quer mani fes ta çãode quem quer que seja.

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Capítulo iv

Gestão Fraudulentade instituição Financeira

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. Fraude civil e frau de penal: onto lo gi ca men te seme lhan tes. 5. ti -po obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5.1. elemento nor ma ti vo: frau du len ta men te. 5.2. Ges -tão frau du len ta na moda li da de omis si va. 6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 7. Con -sumação e ten ta ti va de ges tão frau du len ta. 8. Classificação dou tri ná ria. 9. pena eação penal.

art. 4º Gerir frau du len ta men te ins ti tui ção finan cei ra:pena – reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.parágrafo único – se a ges tão é teme ra ria:pena – reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

a lei de economia popular (lei n. 1.521, de 26 de novem bro de 1951),ainda vigen te, é o ante ce den te mais genuí no dos cri mes de ges tão frau du len ta outeme rá ria, embo ra sem dis tin guir as duas moda li da des, comi nan do-lhes amesma san ção penal (deten ção de dois a dez anos e multa). o art. 3º dis põe oseguin te: “iX – gerir frau du len ta ou teme ra ria men te ban cos ou esta be le ci men tosban cá rios, ou de capi ta li za ção, socie da de de segu ros, pecú lios ou pen sões vita lí -cia; socie da des para emprés ti mos ou finan cia men to de cons tru ções e ven das deimó veis a pres ta ções, com ou sem sor teio ou pre fe rên cia por meio de pon tos ouquo tas; cai xas eco nô mi cas; cai xas raiffeisen; cai xas de mútuos, de bene fi cên cia,socor ros ou emprés ti mos; caixa de pecú lio, pen são e apo sen ta do ria: cai xas cons -tru to ras; coo pe ra ti vas; socie da de de eco no mia cole ti va, levan do-as à falên cia ouà insol vên cia, ou não cum prin do qual quer das cláu su las con tra tuais com pre juí -zo dos inte res sa dos”.

o vetus to diplo ma legal apre sen ta duas extraor di ná rias van ta gens em suaestru tu ra típi ca, repre sen ta das pela exi gên cia da satis fa ção de duas ele men ta restípi cas, que são ver da dei ras con di cio nan tes: “levan do-as à falên cia ou à insol vên -cia, ou não cum prin do qual quer das cláu su las con tra tuais com pre juí zo dos inte -

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res sa dos”. no entan to, esse diplo ma legal per deu atua li da de, com o sur gi men to denovas ins ti tui ções que, con se quen te men te, não se encon tra vam no seu rol taxa ti -vo, fican do fora, por tan to, do seu alcan ce em razão do prin cí pio da reser va legal.

o texto legal, que ora comen ta mos, igno rou o anteprojeto da Comissão dereforma da parte especial do Código penal, e res pec ti vas emen das, pre fe rin do,equi vo ca da men te, uma reda ção con ci sa e sem ele men ta res, con si de ra vel men tepior do que o pro je to refe ri do, que lhe ante ce deu.1

2. Bem jurí di co tute la do

tratando-se de crime plu rio fen si vo, esse dis po si ti vo legal tem a pre ten sãode tute lar mais de um bem jurí di co, des ta can do-se, fun da men tal men te, o sis te -ma finan cei ro bra si lei ro con tra ges tões frau du len tas ou arris ca das leva das a efei -to por seus con tro la do res, admi nis tra do res, dire to res e geren tes. as ins ti tui çõesfinan cei ras, enquan to enti da des indi vi dual men te rele van tes no sis te ma finan cei -ro, tam bém são obje tos da tute la penal, inclu si ve aque las per te cen tes à ini cia ti vapri va da. nesse sen ti do, pro te ge-se a lisu ra, cor re ção e hones ti da de das ope ra çõesatri buí das e rea li za das pelas ins ti tui ções finan cei ras e asse me lha das. o bom eregu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro repou sa na con fian ça que a cole ti -vi da de lhe acre di ta. a cre di bi li da de é um atri bu to que asse gu ra o regu lar e exi -to so fun cio na men to do sis te ma finan cei ro como um todo.

protege-se, igual men te, os bens e valo res, enfim, o patri mô nio da cole ti vi -da de, repre sen ta da pelos inves ti do res dire tos que des ti nam suas eco no mias, ouao menos parte delas, às ope ra ções rea li za das pelas ins ti tui ções finan cei ras exa -ta men te por acre di ta rem na lisu ra, cor re ção e ofi cia li da de do site ma. por fim,ape nas para real çar, tanto a incri mi na ção da ges tão frau du len ta quan to da ges tãoteme rá ria des ti nam-se a pro te ger os mes mos bens jurí di cos, mudan do ape nas osmodus ope ran di do infra tor.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

por defi ni ção legal, podem ser sujei tos ati vos dos cri mes con tra o sis te mafinan cei ro, mas espe cial men te des tes tipi fi ca dos como ges tão frau du len ta e ges -tão teme rá ria, entre outros, os con tro la do res e admi nis tra do res das ins ti tui ções fi -nan cei ras, sendo con si de ra dos, como tais, os dire to res e geren tes (art. 25º e § 1º).são equi pa ra dos aos admi nis tra do res, tam bém por pre vi são legal expres sa, ointer ven tor, o liqui dan te e o sín di co (art. 25, § 2º), usan do a ter mi no lo gia que eraado ta da pela anti ga lei de Falências. trata-se, na rea li da de, de crime pró prio,

1 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, são paulo, revista dos tribunais,1987, p. 4748.

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exi gin do uma par ti cu lar con di ção do sujei to ativo, qual seja exer cer uma das fun -ções refe ri das no art. 25 e seus pará gra fos. nada impe de, a par ti ci pa ção de ter cei -ros, estra nhos à admi nis tra ção de ins ti tui ções finan cei ras, anco ra dos pela pre vi -são legal do art. 29 do Código penal.

a impu ta ção da prá ti ca de ges tão frau du len ta ou teme rá ria de ins ti tui çãofinan cei ra a um sim ples geren te de agên cia beira a autên ti ca res pon sa bi lia depenal obje ti va. não se pode olvi dar, em pri mei ro lugar, que agên cia, casa ou uni -da de, regra geral, repre sen tam uma minús cu la célu la, quase insig ni fi can te, nessecom ple xo mer ca do finan cei ro, cujo “cen tro ner vo so” fica con cen tra do em suasmatri zes, que ela bo ram as dire tri zes que deter mi nam o fun cio na men to de todauma rede de agên cias. o setor geren cial, espe cial men te de agên cias ou de con -tas, fica com limi ta da ou quase nenhu ma mar gem para deci dir estra té gias ou ope -ra ções, e que são sem pre as menos sig ni fi ca ti vas, no ema ra nha do de negó cios,que são obje tos da ati vi da de-fim das ins ti tui ções finan cei ras.

Quando, no entan to, se puder demons trar que o geren te real men te detémpoder deci só rio, inde pen den te men te das dire tri zes deter mi na das pelo con tro lecen tral da ins ti tui ção finan cei ra, e o fizer con tra rian do a boa pra xis ban cá ria, ouo uso cor ri quei ro des sas ins ti tui ções, e, prin ci pal men te, deso be de cen do orien ta -ção supe rior, auto de ter mi nan do-se, nes sas hipó te ses, cri te rio sa men te exa mi na -das, poder-se-á impu tar-lhe a prá ti ca de ges tão frau du len ta, atri buin do-se-lhe ares pon sa bi li da de por gerir ina de qua da men te, pelo menos parte, de ins ti tui çãofinan cei ra, desde que cal ca da em sérias e robus tas pro vas.

sujeito pas si vo, final men te, é o estado, guar dião e res pon sá vel pela esta bi -li da de, con fia bi li da de e ido nei da de do sis te ma finan cei ro nacio nal.secundariamente, tam bém podem ser con si de ra dos como sujei tos pas si vos a pró -pria ins ti tui ção finan cei ra e os inves ti do res e cor ren tis tas quan do, even tual men -te, forem lesa dos.2

4. Fraude civil e frau de penal: onto lo gi ca men te seme lhan tes

nélson hungria esta be le ceu a seguin te dis tin ção entre ilí ci to penal e ilí ci tocivil: “ilícito penal é a vio la ção da ordem jurí di ca, con tra a qual, pela sua inten -si da de ou gra vi da de, a única san ção ade qua da é a pena, e ilí ci to civil é a vio la çãoda ordem jurí di ca, para cuja debe la ção bas tam as san ções ate nua das da inde ni za -ção, da exe cu ção for ça da ou in natu ra, da res ti tui ção ao sta tus quo ante, da brevepri são coer ci ti va, da anu la ção do ato, etc.”3 (gri fos do ori gi nal).

Comerciar é a arte de nego ciar, de tirar van ta gem eco nô mi ca do negó cio ouqual quer tran sa ção que se rea li ze; esse aspec to encer ra um jogo de inte li gên cia,

2 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, 2ª ed., rio de Janeiro, lumen Juris, p. 41.3 nelson hungria. Comentários ao Código penal, 5ª ed., rio de Janeiro, Forense, 1980, v. 7, p. 178.

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de astú cia, uma espé cie de brin ca dei ra de escon de-escon de, donde resul tou aexpres são popu lar de que “o segre do é a alma do negó cio”. em outros ter mos, énor mal nas tran sa ções comer ciais ou civis certa dose de malí cia entre as par tes,que, com habi li da de, pro cu ram ocul tar even tuais defi ciên cias de seu pro du topara, assim, rea li zar um negó cio mais lucra ti vo ou van ta jo so. não era outro oenten di men to de magalhães noronha, que reco nhe cia: “se assim não fosse, raroseria o negó cio ou a tran sa ção em que se não divi sa ria frau de puní vel, pois, neles,são fre quen tes os peque nos ardis, os ligei ros arti fí cios, os leves expe dien tes visan -do a resul ta do ren do so”.4

a ques tão fun da men tal é, afi nal, quan do essa malí cia ou habi li da de ultra -pas sa os limi tes do moral men te legí ti mo para pene trar no campo do ilí ci to, doproi bi do, do engo do ou da indu ção ao erro? na ver da de, a ili ci tu de come ça quan -do se extra po lam os limi tes da “malí cia” e se uti li zam o enga no e o indu zi men toa erro para a obten ção de van ta gem, em pre juí zo de alguém. no entan to, nes sascir cuns tân cias, se esti ver carac te ri za do o enga no, a burla, ainda assim pode con -fi gu rar-se não mais que a frau de civil, que terá como con se quên cia a anu la ção do“con tra to”, com as res pec ti vas per das e danos. heleno Fragoso5 des ta ca va umexem plo muito elu ci da ti vo: “se alguém vende um auto mó vel, silen cian do sobredefei to essen cial (por exem plo: que bra da trans mis são), isto será uma frau decivil, que anu la rá o con tra to. se alguém, toda via, vende um auto mó vel sem mo -tor, ilu din do o adqui ren te, pra ti ca rá um este lio na to, ou seja, uma frau de penal”.Com efei to, atos mali cio sos de comér cio que não atin gem o nível de burla, embo -ra irre gu la res, não cons ti tuem uma frau de penal, para o qual é insu fi cien te ahabi tual saga ci da de do mundo dos negó cios.

Como se dis tin gue a frau de civil da frau de penal? há dife ren ça essen cialentre uma e outra? existem cri té rios segu ros para apurá-la?

doutrina e juris pru dên cia por longo tempo deba te ram-se na ten ta ti va deencon trar cri té rios segu ros que per mi tis sem detec tar a dis tin ção entre as espé ciesou natu re za da frau de, civil ou cri mi nal. Carmignani, retro ce den do à con cep çãoroma na, afir mou que na frau de penal deve ria exis tir gran de per ver si da de eimpos tu ra. a famo sa teo ria mise-en-scène, atri buí da a um autor ale mão, foidesen vol vi da pelos fran ce ses e recep cio na da por Carrara (§ 2.344). para os defen -so res dessa con cep ção, a frau de civil pode reves tir-se de sim ples men ti ra ousilên cio, enquan to a frau de penal exi gi ria deter mi na da arti fi cio si da de para ludi -briar a víti ma. essa teo ria tam bém per deu atua li da de e adep tos, pois a dis tin çãoda natu re za da frau de não resi de ape nas no meio ou modo de exe cu ção.6

4 magalhães noronha. direito penal, 15ª ed., são paulo, editora saraiva, 1979, v. 2, p. 380.5 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal, 10ª ed., rio de Janeiro, Forense, 1988, v. 1, p. 446.6 Fragoso. lições de direito penal, parte especial, cit., v. 1, 447.

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após demo ra da enu me ra ção de teo rias, nélson hungria acaba con cluin do:“o cri té rio que nos pare ce menos pre cá rio é o que pode ser assim fixa do: háquase sem pre frau de penal quan do, rela ti va men te idô neo (sic) o meio ilu den te,se des co bre, na inves ti ga ção retros pec ti va do fato, a idéia pre con ce bi da, o pro pó -si to ab ini tio da frus tra ção do equi va len te eco nô mi co. tirante tal hipó te se deardil gros sei ro, a que a víti ma se tenha ren di do por indes cul pá vel inad ver tên ciaou omis são de sua habi tual pru dên cia, o ina dim ple men to preor de na do ou pre -con ce bi do é tal vez o menos incer to dos sinais orien ta do res na fixa ção de umalinha divi só ria nesse ter re no con tes ta do da frau de...”.7

várias teo rias, enfim, obje ti vas e sub je ti vas, pre ten de ram expli car a dis tin çãoentre as duas espé cies de frau des, civil e penal. os argu men tos, no entan to, nãoapre sen ta ram sufi cien tes e con vin cen tes con teú dos cien tí fi cos que anco ras sem ascon clu sões que suge riam, levan do a moder na dou tri na a recu sá-las. na ver da de,não há dife ren ça onto ló gi ca entre frau de civil e frau de penal, sendo insu fi cien testodas as teo rias que – sem negar-lhes impor tân cia – pro cu ra ram esta be le cer inabs trac to um prin cí pio que as dis tin guis se com segu ran ça; não se pode, res pon sa -vel men te, fir mar a prio ri um juízo defi ni ti vo sobre o tema. Fraude é frau de emqual quer espé cie de ili ci tu de – civil (admi nis tra ti vo, fis cal), penal –, repou san doeven tual dife ren ça entre ambas tão-somen te em seu grau de inten si da de.

na frau de civil obje ti va-se o lucro do pró prio negó cio, enquan to na frau depenal se visa o “lucro” ilí ci to. a ine xis tên cia de dano civil impe de que se fale empre juí zo ou dano penal.8 embora essa dis tin ção além de com ple xa, não seja nadapací fi ca, não deixa de ofe re cer um indi ca ti vo bas tan te inte res san te para enca mi -nhar pos sí vel dis tin ção entre uma e outra espé cie de frau de, qual seja, a fina li da -de da frau de: na frau de civil a fina li da de é o lucro do pró prio negó cio, enquan tona frau de penal a fina li da de é obter “lucro ilí ci to”.

mas enfim, con cluí mos que não há cri té rio cien tí fi co que abs tra ta ou con -cre ta men te dis tin ga, com segu ran ça, uma frau de da outra! assim, somen te razõespolí ti co-cri mi nais podem jus ti fi car a sepa ra ção, em ter mos de direi to posi ti vo,entre frau de civil e frau de penal. essa sele ção, mesmo obje ti van do aten der aointe res se social, não pode ade quar-se a um padrão abs tra to de irre to cá vel con teú -do e segu ran ça cien tí fi cos. por isso, o máxi mo que se pode tole rar é a fixa ção decri té rios elu ci da ti vos que per mi tam uma segu ra opção do apli ca dor da lei.

5. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

Gerir sig ni fi ca diri gir, admi nis trar, geren ciar, exer cer a ges tão de, no caso,ins ti tui ção finan cei ra. o ges tor nada mais é do que aque le que gere, e, se gere

7 nelson hungria. Comentários ao Código penal, cit. v. 7, p. 191.8 José Frederico marques. estelionato, ili ci tu de civil e ili ci tu de penal, rt, 560:286, junho de 1982.

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bem, gera bons resul ta dos, bons fru tos. em outras pala vras, fazen do um tro ca di -lho, quan do se gere bem, geram-se bons resul ta dos, e a roda dos negó cios giraposi ti va men te. Gerir, enfim, deve ser inter pre ta do à luz da pró pria defi ni ção deins ti tui ção finan cei ra, ins cul pi da no art. 1º da lei 7.492/86. o cará ter abs tra todessa des cri ção típi ca, des ta ca Juliano Breda, “faz com que sejam sub su mi das umainfi ni da de de prá ti cas do mer ca do finan cei ro. melhor seria uma des cri ção maispor me no ri za da da con du ta ofen si va ao mer ca do, como exis te, por exem plo, nocrime des cri to no art. 379 do Código dos valores mobiliários de portugal, maiscon di zen te com o prin cí pio a tipi ci da de”.9 Gerir, na rea li da de, sig ni fi can do oexer cí cio de atos de ges tão, pres su põe uma deter mi na da dura ção desse exer cí cio,sua rea li za ção por um certo tempo, impos sí vel de cir cuns cre ver-se em atos iso -la dos, como que rem algu mas deci sões judi ciais de pri mei ro grau.

a tipi fi ca ção do crime de ges tão frau du len ta (e tam bém teme rá ria), comefei to, exige a prá ti ca rei te ra da dos atos carac te ri za do res da frau de ou da teme ri -da de. em outros ter mos, ges tão frau du len ta e ges tão teme rá ria são clas si fi ca dascomo cri mes habi tuais impró prios. destaca, com a per cu ciên cia de sem pre,tórtima que: “Com efei to, a lei não diz, sim ples men te, pra ti car ato de ges tãofrau du len to (ou teme rá rio), mas sim gerir frau du len ta men te... a indi car plu ra li -da de de atos, pau tan do a con du ta do agen te em um deter mi na do perío do detempo”.10 luiz Flavio Gomes, comun gan do do mesmo enten di men to, sus ten ta:“daí decor re que “gerir” encer ra a prá ti ca de uma série de atos de coman do, deadmi nis tra ção ou dire ção de uma ins ti tui ção finan cei ra. um só ato, como se vê,não con fi gu ra a ges tão exi gi da pelo tipo. de outro lado, não é qual quer ato quecarac te ri za ges tão de ins ti tui ção finan cei ra: ape nas e exclu si va men te os queenvol vam deli be ra ções, deci sões com certo grau de defi ni ti vi da de ou ‘atua ção de comando’”.11

na rea li da de, quan do o legis la dor dese jou punir deter mi na do ato frau du len -to, iso la da men te, inde pen den te do exer cí cio da ati vi da de de ges tão, o fez deforma indi vi dual e de manei ra expres sa, como, por exem plo, nos arts. 6º (sone -gar infor ma ção ou pres tá-la fal sa men te); 7 º (emis são irre gu lar de títu los ou valo -res mobi liá rios), 9º (fal si da de ideo ló gi ca finan cei ra) e 10 (fal si da de de demons -tra ti vos con tá beis). em todas essas infra ções, o crime con su ma-se com a prá ti cade um único ato frau du len to, ao con trá rio da pre vi são do art. 4º que deman da umcon jun to de atos frau du len tos que cons ti tuem a ges tão irre gu lar de uma ins ti tui -ção finan cei ra, como con clui, com abso lu to acer to, ali mazloum, afir man do quea ges tão frau du len ta “não se per faz com a prá ti ca de um único ato; exige, isso sim,

9 Juliano Breda. Gestão Fraudulenta... p. 94-5,10 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 32.11 luiz Flavio Gomes. notas dis tin ti vas do crime de ges tão frau du len ta: art. 4º da lei 7.492/86, in roberto

podval (org.) temas de direito penal econômico, são paulo, revista dos tribunais, 2001, p. 358.

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certa habi tua li da de e deve ser extraí do do con jun to de atos que com põem a ges -tão de uma ins ti tui ção finan cei ra, con si de ra da neces sa ria men te den tro de umperío do razoá vel de tempo”.12

o que carac te ri za o crime habi tual, via de regra, é a prá ti ca rei te ra da de cer -tos atos que, iso la da men te, podem cons ti tuir um indi fe ren te penal. em outroster mos, a repe ti ção, isto é, a rei te ra ção com habi tua li da de do mesmo ato, a plu -ra li da de da mesma con du ta é que per mi te a carac te ri za ção da figu ra típi ca. É par -ti cu lar men te incen su rá vel, nesse sen ti do, o enten di men to de rodrigues da silva,in ver bis: “o refe ri do núcleo, gerir, é pre di ca do ver bal de natu re za habi tual, evi -den cian do con du tas rei te ra ti vas, repe ti das no tempo e no espa ço. Gerir, sig ni fi -can do admi nis trar, reger e gover nar não se con su ma com ape nas um ato de ges -tão, gerên cia, de admi nis tra ção ou gover no, exige, neces sa ria men te, uma suces -são de atos apre ciá veis num deter mi na do con tex to e lapso tem po ral”.13

Com efei to, para que se possa con cluir que deter mi na da ges tão é frau du len -ta ou teme rá ria deve-se, neces sa ria men te, ana li sar o con jun to de atos no con tex -to de uma admi nis tra ção ou gerên cia. nem toda frau de per pe tra da pelo “admi -nis tra dor” de ins ti tui ção finan ceir ra carac te ri za a ges tão frau du len ta, pois pode,inclu si ve, nem inte grar atos de ges tão. aliás, even tuais frau des, ainda que repe -ti das, se não inte gra rem espci fi ca men te aque las ati vi da des geren ciais, admi nis -tra do ras e típi cas de um ges tor, não se ade quam à des cri ção de “ges tão frau du len -ta”, por que de ges tão não se trata. Com efei to, o con cei to de ges tão é extre ma -men te abran gen te, englo ban do ati vi da des irre le van tes para a pro du ção de danosou para lesão do bem juri di co tute la do, des vin cu la do, por tan to, da ati vi da de-fimde ins ti tui ção finan cei ra, tais como, admi nis tra ção de pes soal, recur sos huma nos,paga men to de des pe sas gerais etc. eventuais frau des pra ti ca das, nesse âmbi to, àevi dên cia, não tipi fi cam a con du ta de ges tão frau du len ta tipi fi ca das no caput doart. 4º. por isso, acer ta da men te, des ta ca Juliano Breda: “para a carac te ri za ção dages tão frau du len ta será neces sá rio indi vi dua li zar a área da ins ti tui ção res pon sá -vel pelas prá ti cas ilí ci tas, res trin gin do a inci dên cia da impu ta ção àque les quedeti nham o domí nio espe cí fi co de ges tão e coman do das ope ra ções ban cá rias oufinan cei ras anti ju rí di cas, ou seja, os res pon sá veis dire tos pela prá ti ca do núcleodo tipo, repre sen ta do pelo verbo ‘gerir’”.14

nada impe de, por outro lado, que um ou outro des ses atos, indi vi dual men -te, tam bém possa con fi gu rar crime, diver so, é ver da de, daque le que se carac te ri -za pela habi tua li da de. na rea li da de, indi vi dual men te, cada um des ses atos podeser, em si mesmo, indi fe ren te ao direi to penal (espe cial men te na hipó te se de ges -tão teme rá ria), ou pode cons ti tuir outro crime (na hipó te se da ges tão frau du len -

12 ali mazloum. Crimes do cola ri nho bran co, porto alegre, síntese, 1999, p. 63.13 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do Colarinho Branco, Brasília, Brasília Jurídica, 1999, p. 48.14 Juliano Breda. Gestão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra... p. 96.

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ta), dis tin to da figu ra habi tual, como já refe ri mos (arts. 6º, 7º, 9º e 10). não éoutra a visão sem pre eru di ta de João mestieri, que pon ti fi ca: “no tipo dos deli toshabi tuais é exi gi da como ele men to cons ti tu ti vo a habi tual rei te ra ção dos atos, osquais, sin gu lar men te con si de ra dos, não cons ti tui riam deli to, ou cons ti tui riamdeli to diver so... o núme ro de ações neces sá rias para se evi den ciar a habi tua li da -de não pode ser pre ci sa do de manei ra abs tra ta e gené ri ca, mas, sim, ape nas emrela ção a uma dada fat tis pe cie”.15

por todas essas razões, dis cor da mos do magis té rio de Guilherme nucci,quan do afir ma “que uma única ação do admi nis tra dor, desde que envol ta pelafrau de (ou pelo ele va do risco), pode ser sufi cien te para pre ju di car seria men te asaúde finan cei ra da ins ti tui ção. logo, o deli to não é habi tual”. para nós, inques -tio na vel men te, trata-se de crime habi tual, embo ra impró prio, pois é deli to queexige a rei te ra ção de atos, não exa ta men te nos mol des do curan dei ris mo, que émode lo de deli to habi tual pro prio. não igno ra mos, por outro lado, a sim pa tiaque alguns jul ga dos do stF têm demons tra do pela tese con trá ria (hC 89.364/pr,2ª t., rel. Joaquim Barbosa, 23.10.2007, infor ma ti vo 385), embo ra o cará ter habi -tual seja muito mais forte na moda li da de de ges tão teme rá ria, onde atos iso la doscons ti tuem um inde fe ren te penal, como demons tra mos no capí tu lo que exa mi -na mos essa espé cie de ges tão.

posto isso, con cluí mos com tórtima,16 é pos sí vel que alguns dos meiosempre ga dos pelo agen te na ges tão frau du len ta pos sam, iso la da men te con si de ra -dos, carac te ri zar figu ras deli ti vas autô no mas, dis tin tas e inde pen den tes, comofal si da de da demons tra ção con tá bil, poden do, lol gi ca men te, um absor ver ooutro. havendo frau de de natu re za penal, por exem plo, penal men te rele van te enão exis tin do a rei te ra ção ou habi tua li da de na rea li za ção de tal frau de, ou, em outros ter mos, evi den cian do-se tra tar-se de ato iso la do e espo rá di co na admi nis -tra ção da ins ti tui ção finan cei ra, inci di rá em uma infra ção sim ples, indi vi dual eiso la da, con ti da em outro arti go deste mesmo diplo ma legal ou no bojo do Códigopenal, e não na pre vi são con ti da no arti go 4º da lei 7.492/86, ante a ausên cia darei te ra ção da con du ta.

5.1. elemento nor ma ti vo: frau du len ta men te

Gerir frau du len ta men te é uti li zar-se de frau de na ges tão empre sa rial.Fraude, por sua vez, é todo e qual quer meio enga no so, que tem a fina li da de deludi briar, de alte rar a ver da de de fatos ou a natu re za das coi sas, e deve ser inter -pre ta da como gêne ro, que pode apre sen tar-se sob várias espé cies ou moda li da -des dis tin tas, tais como, arti fí cio, ardil ou qual quer outro meio frau du len to,

15 João mestieri. manual de direito penal, rio de Janeiro, Forense, 1999, vol. i, p. 245.16 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 34.

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como dis tin guiu o legis la dor de 1940 na defi ni ção do crime de este lio na to. Comoescla re ce Juliano Breda, “assim, depreen dem-se cer tos ele men tos para a per fei -ta com preen são do núcleo típi co. Gerir pres su põe o coman do deci só rio no desen -vol vi men to do obje to social da ins ti tui ção. a frau de con sis te nas prá ti cas cons -tan te men te empre ga das duran te esse exer cí cio, aptas a ilu dir, enga nar o sujei topas si vo, lesio nan do ou pondo em risco o bem jurí di co pro te gi do”.17

para gerir frau du len ta men te, isto é, alte ran do a ver da de ou a natu re za defatos, docu men tos, ope ra ções ou quais quer ações dire ti vas, que sem pre tem afina li da de de enga nar alguém, indu zin do-o ou man ten do-o em erro, pode-se,efe ti va men te, empre gar arti fí cio, ardil ou qual quer outro meio frau du len to.artifício é toda simu la ção ou dis si mu la ção idô nea para indu zir uma pes soa emerro, levan do-a à per cep ção de uma falsa apa rên cia da rea li da de; ardil é a trama,o estra ta ge ma, a astú cia; qual quer outro meio frau du len to é uma fór mu la gené -ri ca para admi tir qual quer espé cie de frau de que possa enga nar a víti ma, que sãomera men te exem pli fi ca ti vos da frau de penal, tra tan do-se de crime de formalivre. no entan to, o ministério público deve rá iden ti fi car a espé cie ou moda li da -de de frau de per pe tra da, des cre ven do, inclu si ve, em que está con sis te. significaadmi tir, em outros ter mos, que se o ministério público impu tar a prá ti ca do fatodeli tuo so median te arti fí cio, e, afi nal, a prova dos autos demons trar que se tratade ardil, have rá ine gá vel pre juí zo para a defe sa, fican do claro que o parquet nãoobser vou seu dever fun cio nal de des cre ver, deta lha da men te, a infra ção penalimpu ta da, não poden do pros pe rar a denún cia.

enfim, é fun da men tal que se des cre va na denún cia exa ta men te em que con -sis te a frau de, quais são os atos in con cre to que carac te ri zam aqui lo que se deno -mi na frau de, mas não ape nas de uma ou outra ope ra ção ou de um ou outro ato,mas tam bém deve demons trar que a frau de, em qual quer de suas moda li da des,seja rei te ra da com habi tua li da de, e que se tra tam real men te de atos típi cos deges tão, e não ape nas de outras ati vi da des mera men te admi nis tra ti vas, secun dá -rias ou aces só rias, irre le van tes para a admi nis tra ção espe cí fi ca da ins ti tui çãofinan cei ra. em sen ti do seme lhan te, apon ta Juliano Breda: “além disso, é per fei -ta men te pos sí vel a exis tên cia de fun ções de dire ção ou ges tão de ins ti tui çãofinan cei ra sem que o depar ta men to pos sua rela ção com os mer ca dos finan cei rosou de capi tais. um exem plo sim ples seria o dire tor ou geren te de mar ke ting deum banco comer cial, pois frau des nesse setor difi cil men te vio la riam o bem jurí -di co tute la do”.18

não se deve esque cer, ade mais, que a inter pre ta ção em maté ria penal re -pres si va deve ser sem pre res tri ti va, e somen te nesse sen ti do nega ti vo é que se

17 Juliano Breda. Gestão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra... p. 101.18 Juliano Breda. Gestão Fraudulenta de instituição Financeira e dispositivos processuais da lei 7.492/86,

rio de Janeiro, renovar, 2002, p. 69.

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pode admi tir o arbí trio judi cial, sem ser vio la da a taxa ti vi da de do prin cí pio dareser va legal. a seguin te expres são de nélson hungria ilus tra muito bem esseracio cí nio: “não pode ser temi do o arbi trium judi cis quan do des ti na do a evi tar,pro liber ta te, a exces si va ampli tu de prá ti ca de uma norma penal ine vi ta vel men -te gené ri ca”.19

5.2. Gestão frau du len ta na moda li da de omis si va

afinal, é admis sí vel a pos si bi li da de de con fi gu rar-se a ges tão frau du len ta namoda li da de omis si va, em hipó te ses, por exem plo, em que o admi nis tra dor de ins -ti tui ção finan cei ra tenha o dever legal de impe dir a ocor rên cia de deter mi na dafrau de? a even tual coni vên cia do admi nis tra dor pode ria con ver ter-se em omis -são penal men te rele van te, desde que tives se conhe ci men to de frau de per pe tra dapor subor di na dos em bene fí cio da ins ti tui ção finan cei ra?

de plano pode-se afir mar que a omis são pura sim ples é ini dô nea para carac -te ri zar crime algum, ante a falta de pre vi são legal, o que vio la ria o prin cí pio dalega li da de. os cri mes omis si vos pró prios são obri ga to ria men te pre vis tos em tipos penais espe cí fi cos, em obe diên cia ao prin ci pio da reser va legal. nao há nenhu mapre vi são de moda li da de omis si va de ges tão, até por que, gerir, pres su põe a prá ti -ca de uma ati vi da de posi ti va, rei te ra da, incom pa tí vel com uma pos tu ra mera -men te omis si va. Com efei to, gerir frau du len ta men te não é equi pa rá vel a omi tir-se ou dei xar de fis ca li zar. em se tra tan do, con tu do, de uma con du ta omis si vaimpró pria, há neces si da de de maior refle xão, pois estes cri mes não exi gem umatipo lo gia pró pria, espe cí fi ca, indi vi dual, como é o caso dos omis si vos pró prios,inse rin do-se na tipi fi ca ção comum dos cri mes comi sis vos de resul ta do. mas nes -ses cri mes omis si vos impró prios o agen te, como garan ti dor, tem a obri ga ção deagir com a fina li da de de impe dir a ocor rên cia de deter mi na do even to, isto é,deve agir para impe dir que deter mi na do resul ta do ocor ra.

Com efei to, na moda li da de de crime omis si vo impró prio, surge a figu ra dogaran ti dor, para a qual nosso Código penal esta be le ce três hipó te ses (art. 13, § 2º)em que ela pode cara ca te ri zar-se, quais sejam: a) obri ga ção de cui da do, pro te çãoou vigi lân cia; b) assu mir, de outra forma, a res pon sa bii da de de impe dir o resul -ta do, e, final men te; c) com o com por ta men to ante rior, criar o risco da ocor rên -cia do resul ta do.

não vemos, con tu do, nenhu ma hipó te se da qual decor ra a “obri ga ção legalde cui da do, pro te ção ou vigi lân cia” dos admi nis tra does (art. 1º) sobre a con du tadiá ria de seus subal ter nos, na admi nis tra ção de ins ti tui ção finan cei ra, de moldea elevá-los à con di ção de garan te. ademais, não se pode esque cer que é indis pen -

19 nelson hungria. Comentários ao Código penal, cit., vol. 7, p. 179.

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sá vel a exis tên cia dessa pre vi são, sem a qual não há que se falar, con se quen te -men te, na figu ra do garan tri dor. a segun da moda li da de – assu mir de outra formaa obri ga ção de impe dir o resul ta do – é de difí cil ocor rên cia, na medi da que o con -tro la dor e o admi nis tra dor não têm inte res se em assu mir mais res pon sa bi li da dedas que já têm. dessa forma, difi cil men te, colo car-se-ão em situa ção de fato queos colo que na con di ção de garan ti dor. por fim, igual men te, de impro vá vel ocor -rên cia é que os admi nis tra do res com o com por ta men to ante rior, criem o riscoda ocor rên cia do resu ta do, isto é, da prá ti ca de con du ta frau du len ta.

em outros ter mos, sin te ti ca men te, não vemos como pos sí vel a obri ga ção deo admi nis tra dor, por omis são, res pon der por even tuais frau des pra ti ca das pelosdire to res e admi nis tra do res que efe ti va men te geri rem a ins ti tui ção finan cei ra,sob pena de atri buir-se-lhe ver da dei ra res pon sa bi li da de penal obje ti va. nessesen ti do, con clui Juliano Breda: “essa inter pre ta ção serve, prin ci pal men te, paraevi tar uma res pon sa bi li da de obje ti va do dire tor da ins ti tui ção. até por que os cri -mes omis si vos devem ainda estar estri ta men te vin cu la dos ao prin cí pio da lega -li da de. para que fosse pos sí vel essa incri mi na ção deve ria haver uma tipi fi ca çâoautô no ma da infra ção do dever de impe dir prá ti cas mani pu la do ras no mer ca do,como ocor re em portugal, no crime do art. 379, nº 3 do Código de valoresmobiliários”.20 o sim ples conhe ci men to da rea li za ção de uma infra ção penal oumesmo a con cor dân cia psi co ló gi ca carac te ri zam, no máxi mo, “coni vên cia”, quenão é puní vel, nem a títu lo de par ti ci pa ção, se não cons ti tuir, pelo menos, algu -ma forma de con tri bui ção cau sal, ou, então, cons ti tuir, por si mesma, uma infra -ção típi ca. tampouco será res pon sa bi li za do como par tí ci pe quem, tendo ciên ciada rea li za ção de um deli to, nâo o denun cia às auto ri da des, salvo se tiver o deverjurí di co de fazê-lo.

6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é repre sen ta do pelo dolo, que é cons ti tuí do pela von -ta de livre e cons cien te de gerir a ins ti tui ção finan cei ra frau du len ta men te. o dolo– que se encon tra no tipo – deve abran ger todos os ele men tos con fi gu ra do res dades cri ção típi ca, sejam eles fáti cos, jurí di cos ou cul tu rais. eventual des co nhe ci -men to de um ou outro ele men to cons ti tu ti vo do tipo pode cons ti tuir erro de tipo,exclu den te do dolo. em outros ter mos, o agen te deve ter von ta de e cons ciên cia degerir, median te frau de, ins ti tui ção finan cei ra. essa é a repre sen ta ção sub je ti va quedeve abran ger e orien tar a ação do sujei to ativo des cri ta no tipo penal.

no entan to, há uma certa desin te li gên cia na dou tri na quan do abor da aneces si da de ou não de ele men to sub je ti vo espe cial do tipo: para um setor é indis -

20 Juliano Breda. Gestão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra... p. 105.

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pen sá vel, para outro, apre sen ta-se des ne ces sá rio. pimentel ape sar de afir mar queo tipo não requer nenhum ele men to sub je ti vo espe cial,21 des ta ca, no entan to,que ges tão frau du len ta é aque la em que a frau de é pra ti ca da “com o fito de pre -ju di car alguém ou de obter inde vi da van ta gem para o agen te ou para outrem”.22

e o que seria esse “fito de pre ju di car alguém ou de obter inde vi da van ta gem”senão o espe cial fim de agir exi gi do pelo tipo penal?! Breda apreen de com sin gu -lar per fei ção o equí vo co de pimentel, o qual afas ta o espe cial fim de agir, des ta -can do in ver bis: “o ilus tre pena lis ta cer ta men te foi traí do pelo con cei to de frau -de, que traz ima nen te a ideia de um ardil em bene fí cio pró prio ou alheio, pois,como se asse ve rou, difi cil men te se pode con ce ber o empre go de mano bra enga -no sa des pro vi do de qual quer inten ção”.23

não há pre vi são da moda li da de cul po sa do crime de ges tão frau du len ta,ante a ausên cia de pre vi são legal. o prin cí pio da excep cio na li da de do crime cul -po so (art. 18, pará gra fo único, do Código penal),24 asse gu ra que a impu ta çãopenal de um deli to cul po so pres su põe expres sa pre vi são legal, ou seja, no silên -cio do tipo penal, o crime é sem pre dolo so. Consequentemente, uma vez ine xis -tin do pre vi são legal expres sa, no art. 4º, caput, da lei nº 7.492/86, de forma cul -po sa espe cí fi ca para a con du ta de gerir frau du len ta men te ins ti tui ção finan cei ra,a única con clu são pos sí vel, suces si va men te, é a de que a norma legal defi nesomen te o crime dolo so, não pre ven do a moda li da de cul po sa.

7. Consumação e ten ta ti va de ges tão frau du len ta

Consuma-se o crime de ges tão frau du len ta desde que a frau de se pro du za nacap ta ção, apli ca ção, inter me dia ção e admi nis tra ção de recur sos finan cei ros, queé a ati vi da de fim de instituição finan cei ra, ou, ainda, na cus tó dia, emis são, dis -tri bui ção ou inter me dia ção ou admi nis tra ção de títu los ou valo res mobi liá rios.no entan to, des ta ca rodrigues da silva, “o refe ri do núcleo, gerir, é pre di ca dover bal de natu re za habi tual, evi den cian do con du tas rei te ra ti vas, repe ti ti vas notempo e no espa ço. Gerir, sig ni fi can do admi nis trar, reger e gover nar não se con -su ma com ape nas um ato de ges tão, de admi nis tra ção ou de gover no, exige,neces sa ria men te, uma suces são de atos apre ciá veis num deter mi na do con tex to elapso tem po ral”.

em outras pala vras, con su ma-se o crime de ges tão frau du len ta com a prá ti -ca con ti nua da das frau des no exer cí cio dos pode res de ges tão, sendo insu fi cien te

21 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 53.22 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 51.|23 Juliano Breda. Gestão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra... p. 111.24 art. 18. (...) parágrafo único - salvo os casos expres sos em lei, nin guém pode ser puni do por fato pre vis to

como crime, senão quan do o pra ti ca dolo sa men te.

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a prá ti ca de ape nas um ato frau du len to, espe cial men te em decor rên cia do sen ti -do ou sig ni fi ca do do verbo gerir. tratando-se de crime for mal, não exige a con -cre ti za ção do resul ta do pre vis to no tipo, que, se ocor rer, repre sen ta rá somen te oexau ri men to do crime. o tipo penal pro cu ra, igual men te, nas pala vras de JulianoBreda, “pro te ger a con fian ça do mer ca do finan cei ro nos atos de dire ção da ins ti -tui ção finan cei ra. a lesão decor ren te é na cre di bi li da de sis tê mi ca, pro du zi da pelages tão frau du len ta nos orga nis mos vitais ao desen vol vi men to segu ro e equi li bra -do da polí ti ca eco nô mi ca nacio nal. a vio la ção, por exem plo, pode ocor rer na fis -ca li za ção do mer ca do e das ins ti tui ções pelas auto ri da des, não ape nas à pou pan -ça popu lar”.25

tratando-se de crime impro pria men te habi tual, apre sen ta-se extre ma men -te com ple xa a admis si bi li da de da moda li da de ten ta da, rei nan do gran de desins te -li gên cia na dou tri na. exemplo des sas difi cul da des pode ser des ta ca da na seguin -te mani fes ta ção de Juliano Breda, in ver bis: “assim, em tese, quan do essas frau -des em habi tua li da de não obti ve rem o suces so enga no so, res ta ria con fi gu ra da aten ta ti va. entretanto, como o suces so do empre go dos meios frau du len tos, ouseja, a obten ção da van ta gem inde vi da, não é pres su pos to para a con su ma ção,inad mi te-se, por tan to, a ten ta ti va”.26 em se tra tan do de crime for mal, indis cu ti -vel men te, é, teo ri ca men te, pos sí vel a ten ta ti va, embo ra, deva mos reco nhe cer,seja de difí cil com pro va ção. nesse sen ti do, era o magis té rio de pimentel, paraquem, “a exe cu ção frau du len ta, que pode rá inclu si ve ser con du ta omis si va rele -van te, é um com ple xo de atos, tor nan do difí cil a decom po si ção de um iter cri mi -nis em que fique claro o momen to em que se ini ciou a exe cu ção e, mais, quemoti vos inde pen den tes da von ta de do agen te impe di ram a con su ma ção”.27

8. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime pró prio (somen te pode ser pra ti ca do por agen te que reúnadeter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial, na hipó te se, que seja con tro la dor,admi nis tra dor, dire tor ou geren te de ins ti tui ção finan cei ra, bem como inter ven -tor, liqui dan te ou sín di co); for mal (que se con su ma com a sim ples prá ti ca de atosfrau du len tos na ges tão da ins ti tui ção finan cei ra, inde pen den te men te de pro du -ção de qual quer resul ta do lesi vo); de peri go con cre to (deve, com pro va da men te,colo car em peri go efe ti vo o bem jurí di co pro te gi do, decor ren te da ges tão frau du -len ta rea li za da); de forma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modopara exe cu ção dessa infra ção penal, poden do ser rea li za do do modo ou pelo meio

25 Juliano Breda. Gestão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra e dis po si ti vos pro ces suais da lei 7.492/86, riode Janeiro, renovar, 2002, p. 121/122.

26 Juliano Breda. Gestão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra... p. 123.27 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 53.

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esco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipoimpli ca a rea li za ção de uma con du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi -bi ti va, e não man da men tal); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen todeter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul -ta do, embo ra a con di ção de crime habi tual possa dar um certo sen ti do ou certapro xi mi da de com uma espé cie de per ma nên cia); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca -do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, co-auto ria e par ti ci pa ção.não nos pare ce, con tu do, que se possa defi ni-lo como plu ris sub sis ten te, pois os vários atos que carac te ri zam o crime habi tual, são inde pen den tes, autô no mos e,basi ca men te, iguais, e o que carac te ri za a plu ris sub sis tên cia é a exis tên cia de umamesma ação huma na que pode ser divi da em atos do mesmo com por ta men to,frag men tan do a ação huma na).

9. pena e ação penal

as san ções comi na das, cumu la ti va men te, são a reclu são de três a doze anos,e a pena pecu niá ria na moda li da de de multa. o absur do que se refle te na des -pro por cio na li da de da san ção comi na da deixa muito clara a falta de cri té rios queorien tam o legis la dor na valo ra ção das con du tas incri mi na das, bem como na ava -lia ção da impor tân cia do bem juri di co tute la do. Como fize mos adian te, em outros dis po si ti vos, con tun den tes crí ti cas, para não pare cer mos radi cal men tecon trá rios a ânsia puni ti va do legis la dor bra si lei ro, nos limi ta re mos a trans cre veras lúci das e pro ce den tes crí ti cas lan ça das há vinte anos por manoel pedropimentel, in ver bis: “o cri té rio puni ti vo do legis la dor é intei ra men te alea tó rio.não há qual quer jus ti fi ca ti va para a comi na ção de penas mais ou menos seve ras.Basta veri fi car que a Comissão de reforma da parte especial do Código penal, noanteprojeto que ela bo rou, fixa va a pena para este deli to, quer se tra tas se de ges -tão frau du len ta ou de ges tão teme rá ria, entre os limi tes de dois a sete anos dereclu são e multa. a lei que exa mi na mos, sem qual quer jus ti fi ca ti va, dis tin guiu ages tão frau du len ta da teme rá ria, comi nan do à pri mei ra a pena de reclu são de trêsa doze anos, e à segun da, reclu são de dois a oito anos, além da multa obri ga to rianas duas hipó te ses. Ficamos sem saber quais as razões que ins pi ra ram o legis la -dor a fazer essa opção”.28

Com uma pena de até doze anos de reclu são, e com esse comen tá rio de manoelpedro pimentel, nada mais pre ci sa ser acres cen ta do por se cons ta tar a fla gran te vio -la ção do prin cí pio da pro por cio na li da de, sem falar que, não raro, os magis tra dos depri mei ro grau ainda exa ge ram no momen to do cál cu lo da pena, valo ran do ina de -qua da men te os ele men tos do arti go 59 e seguin tes do Código penal.

28 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 54.

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Capítulo iv-a

Gestão temerária de instituição Financeira

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 3.1. a ques tio ná vel atri bui ção de res pon sa bi li da de penal a ge -ren te pela prá ti ca de ges tão teme rá ria. 4. inconstitucionalidade da (in)defi ni ção docrime de ges tão teme rá ria. 5. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5.1. a ina de qua datipi fi ca ção do crime de ges tão teme rá ria. 5.2. Gestão teme rá ria: con tor nos típi cos(ou a falta de). 5.3. Crime habi tual: impos si bi li da de de con si de rar-se iso la da men teuma con du ta huma na como ges tão teme rá ria. 6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca.6.1. ausência de pre vi são de moda li da de cul po sa. 7. a (i)lega li da de de cau ção comações ou debên tu res emi ti das pelo pró prio deve dor. 7.1. revogação do art. 12, iii,da resolução 1748/90 do Banco Central pela resolução/Cmn nº 2682/99. 7.2. nor -mas penais em bran co e retroa ti vi da de das ditas nor mas com ple men ta do ras. 8. Con -sumação e ten ta ti va de ges tão teme rá ria. 9. Classificação dou tri ná ria. 10. pena eação penal.

art. 4º Gerir frau du len ta men te ins ti tui ção finan cei ra:pena – reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.parágrafo único – se a ges tão é teme rá ria:pena – reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

o sis te ma finan cei ro bra si lei ro tem ado ta do certa malea bi li da de quan do sedepa ra com algu ma pes soa, físi ca e/ou jurí di ca, em situa ção eco nô mi ca ins tá vel,faci li tan do a rene go cia ção de suas dívi das, ado tan do a conhe ci da pre mis sa de queé pre fe rí vel a satis fa ção de parte do débi to a cor rer o risco de ver sua tota li da deina dim pli da. trata-se de pos tu ra comum ado ta da até mesmo pelo GovernoFederal que, não raro, edita leis (v. g., leis nºs 9.964/00, nº 10.684/03, e, maisrecen te men te, a lei nº 11.941/09) auto ri zan do pro gra mas espe ciais de par ce la -men to con ce di dos a empre sas ina dim plen tes peran te o Fisco, cujo obje ti vo prin -ci pal é pos si bi li tar que tais empre sas vol tem a reco lher em dia os tri bu tos vin cen -dos, fican do num segun do plano o res ga te de dívi das ante rio res (embo ra tam bémseja um dos seus obje ti vos). neste últi mo diplo ma legal (lei nº 11.941/09), porvez pri mei ra, essas “benes ses” foram esten di das tam bém às pes soas físi cas. Ja -

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mais, em qual quer des sas hipó te ses, cogi tou-se, nes sas ope ra ções, uma pos sí velcon du ta teme rá ria do Governo Federal.1

em outros ter mos, dese ja mos demons trar que o sim ples reco nhe ci men to dedifi cul da des finan cei ras, inclu si ve impos si bi li tan do de hon rar seus com pro mis -sos, de parte de algum deve dor, não pode obri gar uma ins ti tui ção finan cei ra a,ime dia ta men te, dei xar de ado tar estra té gias de rola gem de dívi das ten den tes àsol va bi li da de total ou par cial de deter mi na do cre di to. não se pode igno rar, poroutro lado, as con se quên cias nefas tas que um decre to de falên cia de um gran dedeve dor repre sen ta para todos os seus cre do res: de plano, todas as garan tias, reaise pes soais, bem como seu acer vo patri mo nial aca bam sendo trans fe ri dos para ocon cur so uni ver sal de cre do res. não é por outra razão que mera cons ta ta ção dedifi cul da des finan cei ras não reco men da ati tu des drás ti cas con tra o deve dor, taiscomo ajui zar pedi do de falên cia, fechar as por tas para cré di tos, não reno va çõesde emprés ti mos etc. e essa pos tu ra apa ren te men te com pla cen te com o deve dorem difi cul da des finan cei ras, por si só, não pode levar ao reco nhe ci men to dateme ra ri da de de uma ope ra ção de cré di to, pois é uma estra té gia por demaisconhe ci da e fre quen te men te ado ta da nos meios finan cei ros e ban cá rios, pelosmelho res e mais pre pa ra dos exe cu ti vos deste mer ca do alta men te espe cia li za do.

a his tó ria do comér cio ao longo dos tem pos demons tra que, desde os mer -ca do res, os gran des empreen de do res, dos mais diver sos seto res, comer cial, indus -trial, ban cá rio, cam bial ou finan cei ro, a curto, médio ou longo prazo, depen den -do das cir cuns tân cias, têm con di ções de se recu pe ra rem e vol tar a se tor na remnova men te empre sas ou ins ti tui ções com satis fa tó rio grau de sol va bi li da de, jus -ti fi can do-se as rene go cia ções que o mer ca do roti nei ra men te tem feito. de ummodo muito par ti cu lar nos seto res ban cá rios, finan cei ros e cam bial, de mer ca dode capi tais, suas ati vi da des-fins labo ram dia ria men te com o risco, pois finan cia -men tos, emprés ti mos, inves ti men tos, cau ções, segu ros tra zem impreg na do gran -de mar gem de risco. a espe ra por suas rea li za ções, que se alon gam no tempo, estásem pre sujei ta a intem pé ries (no duplo sen ti do), que jus ti fi cam, inclu si ve, sobre -ta xas, ou seja, um certo per cen tual embu ti do nas taxas de juros, que varia segun -do o maior ou menor risco que a ope ra ção enfren te.

todas essas razões demons tram a neces si da de de gran de cau te la no examedo sig ni fi ca do do vocá bu lo ‘ temerária’, que, cer ta men te, não pode ter toda aabran gên cia regu lar men te per mi ti da pelo ver ná cu lo. na ver da de, esta elas ti ci da -de ver na cu lar não se com pa ti bi li za com a cer te za jurí di ca e a taxa ti vi da de exi gi -

1 pode-se lem brar, mais recen te men te, do envol vi men to do pró prio poder Judiciário no conhe ci do caso davariG, na ten ta ti va de evi tar a decre ta ção de sua falên cia, em que deter mi na do maigs tra do – como umver da dei ro ges tor – usou de todo seu poder juris di cio nal deter mi nan do a rola gem de dívi das, com pou caspers pec ti vas de paga men to. poder-se-á res pon sa bi li zar cri mi nal men te o Juiz da 1ª vara de Justiçaempresarial do rio de Janeiro, luiz roberto ayoub, em razão de ter aumen ta do con si de ra vel men te osdébi tos da varig?

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das pelo direito penal da cul pa bi li da de, isto é, da res pon sa bi li da de penal sub je -ti va e indi vi dual. orientado por esses pos tu la dos fun da men tais é que se deveana li sar a figu ra penal deno mi na da pelo legis la dor de ges tão teme rá ria.

2. Bem jurí di co tute la do

tratando-se de crime plu rio fen si vo, tem a pre ten são de tute lar mais de umbem jurí di co, des ta can do-se, fun da men tal men te, o sis te ma finan cei ro nacio nal,con tra ges tões arris ca das ou, na lin gua gem do legis la dor, ges tões teme rá rias,leva das a efei to por seus con tro la do res, admi nis tra do res, dire to res e geren tes. asins ti tui ções finan cei ras, enquan to enti da des indi vi dual men te rele van tes no sis -te ma finan cei ro, tam bém são obje to da tute la penal, inclu si ve aque las per ten cen -tes à ini cia ti va pri va da. nesse sen ti do, pro te ge-se a lisu ra, a cor re ção e a hones -ti da de das ope ra ções atri buí das e rea li za das pelas ins ti tui ções finan cei ras e asse -me lha das. o bom e regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro repou sa nacon fian ça que a cole ti vi da de lhe acre di ta. a cre di bi li da de é um atri bu to que asse -gu ra o regu lar e exi to so fun cio na men to do sis te ma finan cei ro como um todo.

protege-se, igual men te, os bens e valo res, enfim, o patri mô nio da cole ti vi -da de, repre sen ta da por inves ti do res dire tos, acio nis tas, depo si tan tes, pou pa do resetc., que des ti nam suas eco no mias, ou ao menos parte delas, às ope ra ções rea li -za das pelas ins ti tui ções finan cei ras exa ta men te por acre di ta rem na lisu ra, na cor -re ção e na ofi cia li da de do sis te ma.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

por defi ni ção legal, podem ser sujei tos ati vos dos cri mes con tra o sis te mafinan cei ro, entre outros, os con tro la do res e admi nis tra do res das ins ti tui çõesfinan cei ras, sendo con si de ra dos como tais os dire to res e geren tes (art. 25 e § 1º).são equi pa ra dos aos admi nis tra do res, tam bém por pre vi são legal, o inter ven tor,o liqui dan te e o sín di co (art. 25, § 2º), usan do a ter mi no lo gia que era ado ta da pelaanti ga lei de Falências. tratando-se, no entan to, de crime pró prio, exige umapar ti cu lar con di ção do sujei to ativo, qual seja, exer cer uma das fun ções refe ri dasno art. 25 e seus pará gra fos, que serão exa mi na das quan do tra tar mos desse dis po -si ti vo. nada impe de a par ti ci pa ção de ter cei ros nessa infra ção penal, estra nhos àadmi nis tra ção de ins ti tui ções finan cei ras, desde que anco ra das pela pre vi sãolegal do art. 29 do Código penal e de seus pará gra fos.

no entan to, via de regra, tem sido reco nhe ci do como sujei to ativo de crimede ges tão frau du len ta e de ges tão teme rá ria (art. 4º, caput e pará gra fo único) ogeren te de agên cia ban cá ria ou casa de câm bio, que seria efe ti va men te quem,segun do afir mam, com sua ati vi da de geren cial, pode ria lesar a saúde da ins ti tui -ção finan cei ra e, con se quen te men te, do sis te ma finan cei ro como um todo.demonstraremos adian te nossa resis tên cia quan to a esse enten di men to.

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sujeito pas si vo, final men te, é o estado, guar dião e res pon sá vel pela esta bi -li da de, con fia bi li da de, ido nei da de e cre di bi li da de do sis te ma finan cei ro nacio nal.mas não se pode igno rar que, desse tipo penal, que é plu rio fen si vo, decor re tam -bém múl ti pla sub je ti vi da de pas si va. assim, secun da ria men te, tam bém podem sercon si de ra dos como sujei tos pas si vos a pró pria ins ti tui ção finan cei ra, quan dosofre pre juí zo em razão da ges tão teme rá ria, e os inves ti do res e cor ren tis tasquan do, even tual men te, forem lesa dos.2

3.1. a ques tio ná vel atri bui ção de res pon sa bi li da de penal a geren te pelaprá ti ca de ges tão teme rá ria

a impu ta ção da prá ti ca de ges tão teme rá ria de ins ti tui ção finan cei ra a umsim ples geren te exige redo bra do cui da do na inves ti ga ção e na com pro va ção daexten são, da impor tân cia, da liber da de de ação e do poder deci só rio que deter -mi na do geren te de uma agên cia, casa ou uni da de de uma ins ti tui ção finan cei radetém. não se pode olvi dar, em pri mei ro lugar, que agên cia, casa ou uni da de,regra geral, repre sen tam uma minús cu la célu la, quase insig ni fi can te, nesse com -ple xo mer ca do finan cei ro, cujo ‘cen tro nervoso’ fica con cen tra do em suas matri -zes, que ela bo ram as dire tri zes que deter mi nam o fun cio na men to de toda umarede de agên cias. o setor geren cial, espe cial men te de agên cias ou de con tas, ficacom limi ta da ou quase nenhu ma mar gem para deci dir estra té gias ou ope ra ções,e que são sem pre as menos sig ni fi ca ti vas, no ema ra nha do de negó cios, que sãoobje tos da ati vi da de-fim das ins ti tui ções finan cei ras. no par ti cu lar, mere ce des -ta que o magis té rio de manoel pedro pimentel, que, ao comen tar o art. 17 destediplo ma legal, refe rin do-se à res pon sa bi li da de penal do geren te, fez a seguin teafir ma ção: “há que se dis tin guir o geren te men cio na do no art. 25, do geren te deuma agên cia ban cá ria, que rece be ou outor ga um emprés ti mo, auto ri za do peladiretoria da matriz. seria até mesmo dis pen sá vel essa auto ri za ção, se o emprés -ti mo esti ves se den tro dos limi tes da auto ri za ção con ce di da con tra tual men te aogeren te”. e, com irre to cá vel sen si bi li da de, pros se gue pimentel: “o geren te deuma agên cia ban cá ria, que está liga do à empre sa por laços empre ga tí cios, na ver -da de não diri ge a ins ti tui ção finan cei ra – no caso um banco – mas ape nas admi -nis tra uma peque na par ce la do todo, como pre pos to, exe cu tan do a polí ti ca tra ça -da pelos seus supe rio res e cum prin do as tare fas subal ter nas que lhe são con fia dase aos seus subor di na dos.”3

sempre foi assim, mas apri mo rou-se sobre mo do com o sur gi men to da erada infor ma ti za ção, che gan do ao extre mo de vir defi ni do da matriz todos os cri -

2 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, 2. ed., rio de Janeiro, lumen Juris,p. 41, antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 47.

3 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 132.

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té rios obje ti vos e sub je ti vos, devi da men te padro ni za dos pelas dire tri zes docoman do cen tral, desde a sim ples aber tu ra de con tas, pas san do pela con ces sãode talões de che ques, emprés ti mos pes soais à pes soa físi ca, taxas de juros, taxapara a cap ta ção de recur sos, cele bra ção de con tra tos etc. nesse sen ti do, é a con -clu são daque le pen sa men to suprar re fe ri do de pimentel: “seria exces si va men terigo ro sa a inter pre ta ção con trá ria, pois acar re ta ria a res pon sa bi li da de de repre -sen ta ção da ins ti tui ção ban cá ria a um sim ples geren te de agên cia, que tempode res limi ta dos e cuja par ti ci pa ção nas deci sões fun da men tais da empre sa énula.”4 enfim, qual quer ope ra ção pouco mais sig ni fi ca ti va é des lo ca da paraapre cia ção e apro va ção de dire to rias da ins ti tui ção, onde o geren te de agên cianão tem nenhu ma influên cia deci só ria; geren cia sem voz nem voto.Certamente, não é desse geren te que cuida o dis pos to do art. 25, caput, destediplo ma legal espe cial.

Quando, no entan to, se puder demons trar que o geren te real men te detémpoder deci só rio, inde pen den te men te das dire tri zes deter mi na das pelo con tro lecen tral da ins ti tui ção finan cei ra, e o fizer con tra rian do a boa pra xis ban cá ria, ouo uso cor ri quei ro des sas ins ti tui ções, e, prin ci pal men te, deso be de cen do orien ta -ção supe rior, auto de ter mi nan do-se, nes sas hipó te ses, cri te rio sa men te exa mi na -das, poder-se-á impu tar-lhe a prá ti ca de ges tão teme rá ria, atri buin do-se-lhe ares pon sa bi li da de por gerir ina de qua da men te, pelo menos parte, de ins ti tui çãofinan cei ra, desde que cal ca da em sérias e robus tas pro vas. de nada vale a invo -ca ção que comu men te se tem feito, para real çar sua res pon sa bi li da de, de quedetém o domí nio final do fato, que, no mais das vezes, não passa de pura figu raretó ri ca, sem res pal do algum nos fatos e prin ci pal men te nas pro vas tra zi das aosautos, sob o crivo do con tra di tó rio.

mas, nes ses casos, no mais das vezes, já não esta re mos falan do de geren te deagên cias ou uni da des iso la das, mas de gerên cias depar ta men tais, na esca la supe -rior da admi nis tra ção cen tral da ins ti tui ção finan cei ra, onde se tomam deci sões,ela bo ram-se estra té gias, pro gra mam-se ope ra ções etc. nessas hipó te ses, poroutro lado, não será neces sá ria qual quer par ti ci pa ção da admi nis tra ção supe riorda enti da de, que pode real men te estar dis tan te e alheia à prá ti ca geren cial incri -mi na da. denunciar, nes sas hipó te ses, con tro la do res ou admi nis tra do res supe rio -res repre sen ta rá, nor mal men te, autên ti ca res pon sa bi li da de penal obje ti va pros -cri ta, repe tin do, pelo moder no direi to penal da cul pa bi li da de, sob o manto dares pon sa bi li da de penal indi vi dual e sub je ti va.

4 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 132.

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4. inconstitucionalidade da (in)defi ni ção do crime deges tão teme rá ria

a defi ni ção da con du ta incri mi na da no pará gra fo único do dis po si ti vo oraexa mi na do – fazen do um tro ca di lho – é uma gran de teme ri da de, na medi da emque colo ca em risco todos os pos tu la dos liber tá rios asse gu ra dos em um estadodemocrático de direito, devi da men te recep cio na dos pela atual ConstituiçãoFederal, den tre os quais, des ta ca da men te, encon tra-se o prin cí pio da reser valegal, cunha do por Feuerbach, no iní cio do sécu lo XiX, sob o ver be te nul lun cri -men nulla poena sine lege.

o prin cí pio da reser va legal é um impe ra ti vo que não admi te des vios nemexce ções e repre sen ta uma con quis ta da cons ciên cia jurí di ca que obe de ce a exi -gên cias de jus ti ça, que somen te os regi mes tota li tá rios o têm nega do. em ter mosbem esque má ti cos, pode-se dizer que, pelo prin cí pio da lega li da de, a ela bo ra çãode nor mas incri mi na do ras é fun ção exclu si va da lei, isto é, nenhum fato pode sercon si de ra do crime e nenhu ma pena cri mi nal pode ser apli ca da sem que antes daocor rên cia desse fato exis ta uma lei defi nin do-o como crime e comi nan do-lhe asan ção cor res pon den te (art. 5º, inc. XXXiX, da CF). a lei deve defi nir com pre ci -são e de forma cris ta li na a con du ta proi bi da. são inad mis sí veis, pelo prin cí pio delega li da de, expres sões vagas, equí vo cas, inde ter mi na das, ambí guas ou exa ge ra da -men te aber tas, na defi ni ção de cri mes e comi na ção de penas. nesse sen ti do pro -fe ti za Claus roxin, afir man do que: “uma lei inde ter mi na da ou impre ci sa e, porisso mesmo, pouco clara não pode pro te ger o cida dão da arbi tra rie da de, por quenão impli ca uma auto li mi ta ção do ius punien di esta tal, ao qual se possa recor rer.ademais, con tra ria o prin cí pio da divi são dos pode res, por que per mi te ao juiz rea -li zar a inter pre ta ção que qui ser, inva din do, dessa forma, a esfe ra do legis la ti vo.”5

não se pode igno rar que todo e qual quer tipo penal exces si va men te aber to,como é o caso da defi ni ção do crime de ges tão frau du len ta ou teme rá ria, deve tersua incons ti tu cio na li da de reco nhe ci da, por vio lar o prin cí pio da lega li da de estri -ta, pois além de inci tar a inde se ja da amplia ção da puni bi li da de, invia bi li za oexer cí cio da ampla defe sa e impe de que o cida dão possa ser devi da men te moti -va do pela norma penal, por des co nhe cer os limi tes do proi bi do. no par ti cu lar, éabso lu ta men te equi vo ca do o enten di men to sus ten ta do por rodolfo tigre maia,quan do afir ma: “de qual quer modo, não se cons ta ta vio la ção do prin cí pio dareser va legal no dis po si ti vo. a uma, por que sua obje ti vi da de jurí di ca, con subs -tan cia da na garan tia da ido nei da de eco nô mi co-finan cei ra da ins ti tui ção, em par -ti cu lar, e do pró prio sFn, em geral, bem como indi re ta men te o inte res se públi -

5 Claus roxin. derecho penal... p. 169.

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co na pre ser va ção da pou pan ça dos par ti cu la res, é com pa tí vel com o câno necons ti tu cio nal. a duas, por que ao lado de outros ele men tos cul tu rais uti li za dospelo legis la dor penal (v.g., ‘rap tar mulher hones ta [...]’, art. 219 do Cp), é per fei -ta men te pas sí vel de deli mi ta ção con cei tual con cre ta, ainda que de valo ra çãomais per meá vel ao con tex to his tó ri co em que se dá sua lei tu ra e reco nhe ci men -to.”6 venia con ces sa, há, inques tio na vel men te, incons ti tu cio na li da de quan do olegis la dor, dis pon do da pos si bi li da de de uma reda ção legal mais pre ci sa, maisclara e obje ti va, não a adota, como fez na incri mi na ção da deno mi na da ges tãoteme rá ria. Corrobora esse nosso enten di men to, a famí lia delmanto, ao con tes taras afir ma ções supra cita das de tigre maia, com irres pon dí veis argu men tos jurí -di cos, que, por sua per ti nên cia, pedi mos venia para trans cre vê-los: “Com todores pei to, nenhum dos argu men tos pros pe ra. o pri mei ro, rela ti vo à obje ti vi da dejurí di ca do tipo incri mi na dor, a tute la do sis te ma finan cei ro nacio nal, nada dizcom a ques tão do legis la dor optar, ou não, pelo empre go de tipos extre ma men teaber tos, que aca bam não defi nin do qual é, pro pria men te, a con du ta deli tuo sa. osegun do, igual men te não pros pe ra, por duas razões: a. não foi feliz a lem bran çado tipo do anti qua do, pre con cei tuo so, incons ti tu cio nal e ampla men te cri ti ca doart. 219 do Cp, que aca bou sendo alte ra do pela lei nº 11.106/05, o qual não serve,data venia, de argu men to vigo ro so; b. é incon tes te que a con cei tua ção do que sejateme rá rio não é pas sí vel de ‘deli mi ta ção con cei tual concreta’; vigo ra rá, sem pre,o casuís mo e a idios sin cra sia deste ou daque le mem bro do ministério público edo poder Judiciário, abrin do-se peri go so pre ce den te.”7

por essas e outras razões é inad mis sí vel, na defi ni ção de con du tas cri mi no -sas, a uti li za ção de tipos exa ge ra da men te aber tos, mesmo que se invo que ‘inte -res se público’, ‘inte res ses de uma justa solu ção do caso concreto’ ou ‘que se tratede bens jurí di cos cole ti vos preponderantes’ em rela ção aos inte res ses da segu ran -ça jurí di ca ou ao prin cí pio da reser va legal estri ta, pois nenhum des tes dois últi -mos prin cí pios admi te qual quer rela ti vi za ção em um estado democrático dedireito. os pon tos de vista da jus ti ça e da neces si da de de proi bi ção ou de puni -ção devem ser con si de ra dos den tro dos limi tes da reser va legal estri ta ou estar-se-ia renun cian do ao prin cí pio da deter mi na ção em favor das con cep ções judi -ciais sobre a Justiça. enfim, todos esses cri té rios invo ca dos são insu fi cien tes paradis ci pli nar os limi tes da per mis são do uso de tipos aber tos, sem vio lar o prin cí -pio cons ti tu cio nal da lega li da de, a des pei to de virem sendo, inva ria vel men te,acei tos pelos tri bu nais bra si lei ros.

6 rodolfo tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal – anotações à lei Federal n.7.492/86, 1. ed., 2ª tira gem, são paulo, malheiros editores, 1999, p. 60.

7 roberto delmanto, roberto delmanto Junior e Fabio m de almeida delmanto. leis penais especiaisComentadas, são paulo, ed. renovar, 2006, p. 145.

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desafortunadamente, orien ta ção como essa que ora defen de mos, a des pei tode sua rigo ro sa cons ti tu cio na li da de, não tem sido encam pa da pela juris pru dên -cia, pois, como denun cia a famí lia delmanto, “pre va le ceu o prag ma tis mo em des -fa vor da segu ran ça jurí di ca, inter pre ta ções ‘ salvacionistas’ aca ba ram se impon -do”,8 em sen ti do dia me tral men te con trá rio à dou tri na ampla men te majo ri tá ria.

a segu ran ça jurí di ca, reque ri da pelo prin cí pio da reser va legal, exige a defi -ni ção pre ci sa e obje ti va das con du tas proi bi das, coro lá rio de um estadodemocrático de direito. Com efei to, um pre cei to penal será sufi cien te men tepre ci so e deter mi na do na medi da em que do mesmo se possa dedu zir um clarofim de pro te ção do legis la dor9 e que, com segu ran ça, o teor lite ral do con teú doproi bi ti vo mar que os limi tes da exten são con ti da na con du ta tipi fi ca da, demar -can do cla ra men te o âmbi to do proi bi do, algo que não ocor re na defi ni ção (ou melhor, ausên cia de defi ni ção) do crime de ges tão teme rá ria. no entan to, a des -pei to de tudo, os tex tos legais con ti nuam abu san do do uso exces si vo de tiposaber tos, difi cul tan do a inter pre ta ção do coman do legal e, por exten são, vio lan doo pró prio prin cí pio da reser va legal ante a impos si bi li da de de se des co brir oslimi tes da proi bi ção con ti da nes ses tipos penais.

o prin cí pio da tipi ci da de exige que a norma penal con te nha a des cri çãohipo té ti ca de com por ta men to proi bi do com a maior pre ci são pos sí vel, comoforma de impe dir o poder indis cri mi na do de atri buir a alguém uma puni ção legalsem uma cor res pon den te infra ção penal, devi da men te iden ti fi cá vel. É into le rá -vel que o legis la dor ordi ná rio possa criar um tipo penal tão vago e impre ci socomo ges tão teme rá ria sem decli nar que ‘tipo de conduta’ pode ria carac te ri zar,dolo sa men te, a teme ri da de no gerir deter mi na da ins ti tui ção finan cei ra. nessesen ti do, já afir ma va Celso delmanto, in ver bis: “as leis que defi nem cri mes de -vem ser pre ci sas, mar can do exa ta men te a con du ta que obje ti vam punir. assim,em nome do prin cí pio da lega li da de, não podem ser acei tas leis vagas ou impre -ci sas, que não dei xam per fei ta men te deli mi ta do o com por ta men to que pre ten -dem incri mi nar. por outro lado, ao juiz que vai apli car leis penais é proi bi do oempre go da ana lo gia ou da inter pre ta ção exten si va para incri mi nar algum fatoou tor nar mais seve ra sua puni ção. as even tuais falhas da lei incri mi na do ra nãopodem ser preen chi das pelo juiz, pois é veda do a este com ple tar o tra ba lho dolegis la dor, para punir alguém.”10

na rea li da de, a tipi fi ca ção de ges tão teme rá ria encon tra-se tem po ral men teiso la da em nosso orde na men to jurí di co, pai ran do sobre nós como uma erro niaperam bu lan do à pro cu ra de uma solu ção menos insó li ta que a sua cria ção.afirmamos ‘iso la da temporalmente’ por que, de um lado, não faz jus a seus ante -

8 roberto delmanto et al. leis penais espe ciais comen ta das... p. 144.9 Claus roxin. derecho penal... p. 172.10 Celso delmanto. Código penal Comentado, 3. ed., rio de Janeiro, ed. renovar, 1991, p. 4.

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ce den tes, como, por exem plo, o que dis pu nha a conhe ci da lei de economiapopular, em seu art. 3º, iX, e dis tan cia-se de pro je tos legis la ti vos que tra mi tam noCongresso nacional. Com efei to, o men cio na do art. 3º, iX, pres cre ve in ver bis:

“Gerir fra du len ta ou teme ra ria men te ban cos ou esta be le ci men tos ban -cá rios, ou de capi ta li za ção, socie da des de segu ros, pecú lios ou pen sões vita -lí cias; socie da des para emprés ti mos ou finan cia men tos de cons tru ções even das de imó veis a pres ta ções, com ou sem sor teio ou pre fe rên cia por meiode pon tos ou quo tas; cai xas eco nô mi cas; cai xas raiffeisen; cai xas mútuas, debene fi cên cia, socor ros ou emprés ti mos; cai xas de pecú lio, pen são e apo sen -ta do ria; cai xas cons tru to ras; coo pe ra ti vas; socie da des de eco no mia cole ti va,levan do-as à falên cia ou à insol vên cia, ou não cum prin do qual quer das cláu -su las con tra tuais com pre juí zo dos inte res sa dos.” (gri fa mos).

de outro lado, divor cia-se do pen sa men to jurí di co bra si lei ro, como se cons -ta ta dos pro je tos de refor ma do códi go penal, que ado tam pos tu ra abso lu ta men -te dis tin ta, supe ran do a inde se já vel e exa ge ra da aber tu ra típi ca con sa gra da nodis po si ti vo que ora ana li sa mos. Com efei to, dois anteprojetos de reforma daparte especial do Código penal Brasileiro dão outra defi ni ção à ges tão teme rá riaespe ci fi can do, taxa ti va men te, as moda li da des ou as espé cies de con du tas quepodem ser abran gi das por esse tipo penal. o pri mei ro deles, obje to da portariamJ nº 790, de 27/10/87, des cre ve, em seu art. 390: “Gerir, frau du len ta men te, ins -ti tui ção finan cei ra ou enti da de inte gran te do sis te ma de dis tri bui ção de títu los evalo res mobi liá rios, levan do-as à insol vên cia ou à liqui da ção extra ju di cial, outeme ra ria men te, assu min do tal risco.” o anteprojeto pre si di do pelo então min.evandro lins e silva, por sua vez, de forma ainda mais explí ci ta, não ape nasdeter mi na que o crime de ges tão teme rá ria é de peri go con cre to, como tam bémrela cio na as con du tas típi cas que pode riam con fi gu rá-la, in ver bis:

“art. 404. expor ins ti tui ção finan cei ra ao peri go de liqui da ção for ça da,median te a prá ti ca de qual quer dos seguin tes atos de ges tão teme rá ria:

i – rea li zar ope ra ção, ativa ou pas si va, arris ca da, de pura espe cu la çãoou de mero favor de que resul te perda ele va da;

ii – apro var polí ti cas ou ope ra ções, ati vas ou pas si vas, que vio lem nor -mas legais ou regu la men ta res sobre diver si fi ca ção de ris cos, limi tes ope ra -cio nais e de imo bi li za ção;

iii – con tra tar ope ra ção de cré di to sem exi gir as garan tias pres cri tas emlei ou regu la men to;

iv – rea li zar des pe sas gerais ou imo bi li za ções exces si vas em rela ção àesca la e aos resul ta dos ope ra cio nais de enti da de finan cei ra;

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v – pagar juros noto ria men te supe rio res aos legais ou empre gar qual -quer meio rui no so, para obter recur sos e retar dar a decre ta ção da liqui da -ção for ça da.”

argutamente, rodrigues da silva denun cia que o atual diplo ma legal não dáos con tor nos neces sá rios da figu ra típi ca, ferin do o prin cí pio da tipi ci da de taxa -ti va. afirma, acer ta da men te, refe ri do autor que: “dei xou de tra çar os con tor nosneces sá rios ao deli nea men to da figu ra típi ca, ferin do fla gran te men te a regra datipi ci da de, ver da dei ra expres são do nul lum cri men sine prae via lege.”11 poisbem, para obser var o man da men to cons ti tu cio nal que con sa gra o prin cí pio dareser va legal, bas ta ria que o atual diplo ma legal seguis se o exem plo daque le quefoi emi ti do na déca da de cin quen ta do sécu lo pas sa do (lei de economia popular),que trans cre ve mos ante rior men te. seria sufi cien te, por exem plo, que se lhe hou -ves se dado a seguin te reda ção:

“art. 4º – Gerir frau du len ta ou teme ra ria men te ins ti tui ção finan cei ralevan do-a à falên cia ou à insol vên cia, ou não cum prin do qual quer das cláu -su las con tra tuais com grave pre juí zo dos inte res sa dos.”

embora essa ainda não seja a reda ção ideal, pelo menos, já se teria ele men -tos obje ti vos que per mi ti riam um míni mo de deli mi ta ção da con du ta cri mi na li -za da e seus res pec ti vos efei tos, quais sejam, levar a ins ti tui ção finan cei ra à ban -car ro ta, (dis so lu ção judi cial, insol vên cia, não cum pri men to de cláu su las con tra -tuais etc.), que a carac te ri za ria como crime de resul ta do. Contudo, acre di ta mosque se deve ria ado tar, de lege feren da, com urgên cia, uma das duas defi ni çõessuge ri das pelos pro je tos supra men cio na dos.

para con cluir este tópi co, tra ze mos à cola ção frag men to da eru di ta sen ten -ça pro la ta da na ação penal nº 2003.70.00.039529-0/pr, pelo culto e cora jo so JuizFederal Flavio antônio da Cruz, em que reco nhe ce a incons ti tu cio na li da de datipi fi ca ção do crime de “ges tão teme rá ria”, in ver bis:

por sinal, mesmo que se admi tis se que se tra ta ria de tipo comis si vodolo so, não have ria outra solu ção senão o reco nhe ci men to da sua incons ti -tu cio na li da de; pois per sis ti ria a lesão à segu ran ça jurí di ca. a lei não des cre -ve mini ma men te o que seria o ale ga do crime de mera con du ta: quan do ages tão seria teme rá ria.

há tipos – rei te ro – car re ga dos de ele men tos nor ma ti vos; de ele men -tos de des va lor glo bal, etc. mas nes tes, cabe ao Judiciário afe rir o con teú do

11 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co, p. 41.

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semân ti co que vigo ra junto à popu la ção; junto aos des ti na tá rios da norma,para que a apli ca ção – em sen ten ça – não des toe do con teú do apreen di dosocial men te. o art. 4º, pará gra fo único, não per mi te essa obten ção.

desse modo:

a) caso se enten da que o art. 4º, pará gra fo único, vei cu la crime comis -si vo dolo so de mera con du ta, a sua incons ti tu cio na li da de decor re rá daausên cia de deta lha men to do com por ta men to proi bi do. viola o pos tu la donul lum cri men, nulla poena sine lege certa;

b) caso se enten da (como eu, par ti cu lar men te, julgo) cui dar-se decrime impru den te – não obs tan te não haja expres sa men ção a tal qua li da -de (exi gi da pelo art. 18, Cp) – o vício encon trar-se-á na ausên cia de exi -gên cia de um resul ta do lesi vo. a mera lesão (em si con si de ra da) a deve res gerais de cau te la não pode ser tipi fi ca da penal men te em um estado dedireito, dian te da ele va da carga de sub je ti vi da de (arbí trio) envol vi da.”(gri fos do ori gi nal).

e, cora jo sa e acer ta da men te, con clui o culto magis tra do fede ral, dr. Flavioantonio da Cruz: “dado que não me cabe com ple tar tipos penais defei tuo sos (art.5º, inc. XXXiX, CF), decla ro inci den ter tan tum a incons ti tu cio na li da de do art. 4º,pará gra fo único da lei 7.492, não obs tan te reco nhe ça a ele va da dimen são dosinte res ses comu ni tá rios que busca tute lar e a res pei tá vel juris pru dên cia em sen -ti do opos to.” (gri fos do ori gi nal).

depois dessa exem plar deci são, nada mais pre ci sa ser dito!

5. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

5.1. a ina de qua da tipi fi ca ção do crime de ges tão teme rá ria

a impre vi dên cia do legis la dor bra si lei ro, na tare fa de tipi fi car o crime deges tão teme rá ria, obri ga comen ta do res e dou tri na do res a faze rem mala ba ris mosher me nêu ti cos na ten ta ti va de con cei tua rem ou defi ni rem refe ri da infra çãopenal, dizen do mais quan do que rem menos, ou que ren do mais quan do dizemmenos, mas pre ten den do sem pre – ainda que por vezes não con si gam – pre ci saros limi tes entre crime dolo so e crime cul po so. mas a culpa, cer ta men te, não é dosque se esfor çam nessa árdua tare fa, mas do legis la dor que tipi fi ca crime dolo socom ele men tar nor ma ti va – teme rá ria – que repre sen ta a essên cia do crime cul -po so, na medi da em que teme rá rio, além de arris ca do e peri go so, tam bém sig ni fi -ca impru den te, que, segun do nosso códi go penal, é uma das moda li da des de culpaestri to senso (art. 18, ii). tentando ame ni zar essa erro nia legis la ti va, ma noelpedro pimentel afir ma va que “o legis la dor não se deu conta que ges tão teme rá ria

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pode resul tar de sim ples impru dên cia”,12 que é uma das for mas de culpa espe ci fi -ca das pelo nosso Código penal de 1940 (impru dên cia, negli gên cia e impe rí cia).

trilhando nessa zona griz, bei ran do tera to lo gia, vemos con fun di rem-se nadefi ni ção desse crime aspec tos dolo sos e cul po sos, como se tives sem o mesmo sig -ni fi ca do, a mesma gra vi da de e mere ces sem a mesma repro va ção penal. pedindovenia aos auto res, des ta ca mos ape nas para exem pli fi car a difi cul da de em defi nira natu re za – dolo sa ou cul po sa – de ges tão teme rá ria, na dic ção do texto legal queora comen ta mos. rodrigues da silva nos faz a seguin te afir ma ção: “para o crimede ges tão teme rá ria, a apreen são inte lec ti va res sal ta a ideia de que o tipo se con -ten ta com as con du tas negli gen tes, impru den tes e impe ri tas do agen te, habi tual -men te demons trá veis por seu jeito de geren ciar, admi nis trar ou reger. na rea li -da de, o gran de ele men to sub je ti vo infor ma dor da ges tão teme rá ria, dife ren te -men te da ges tão frau du len ta, é a culpa cons cien te e o dolo even tual.”13 Constata-se que o autor esque ceu do prin cí pio da excep cio na li da de do crime cul po so eque, como afir ma va manoel pedro pimentel, não foi pre vis ta a moda li da de cul -po sa desta infra ção penal, aliás, nesse aspec to, não há diver gên cia dou tri ná rio-juris pru den cial.14 Com efei to, não há pre vi são da moda li da de cul po sa, des ta can -do-se, ade mais, que a culpa não é ele men to sub je ti vo de nenhum tipo penal, massim nor ma ti vo, posto que se com põe exclu si va men te de ele men tos nor ma ti vos.

elias oliveira, nos idos de 1952, comen tan do a lei de economia popular,dava a seguin te defi ni ção: “ges tão teme rá ria sig ni fi ca a que é feita sem a pru dên -cia ordi ná ria ou com dema sia da con fian ça no suces so que a pre vi si bi li da de nor -mal tem como impro vá vel, assu min do ris cos auda cio sos em tran sa ções peri go sasou ines cru pu lo sa men te arris can do o dinhei ro alheio.”15 a lei de economiapopular tem sua inter pre ta ção favo re ci da, no par ti cu lar, pela exis tên cia de con -di ções obje ti vas de puni bi li da de, quais sejam, “levan do-as à falên cia ou à insol -vên cia, ou não cum prin do qual quer das cláu su las con tra tuais com pre juí zo dosinte res sa dos.” (art. 3º, iX, da lei nº 1.521/51). a ocor rên cia de qual quer des sesdados obje ti vos, que lamen ta vel men te não exis tem na lei nº 7.492/86, faci li ta aade qua da inter pre ta ção do tipo legal.

a juris pru dên cia da época assen ta va-se na ocor rên cia des sas con di ções aoexa mi nar as impu ta ções rela ti vas a ges tão teme rá ria e, ante a ine xis tên cia deprova cabal de insol vên cia ou não ocor ren do falên cia, con si de ra vam ine xis ten tea infra ção penal.16 no entan to, a lei atual não conta com esses ele men tos obje ti -vos que deli mi ta vam con cre ta men te a abran gên cia do tipo, como exige o prin cí -pio da taxa ti vi da de. aliás, o coti dia no foren se tem nos demons tra do que bom

12 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 52.13 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do Colarinho Branco, Brasília, ed. Brasília Jurídica, 1999, p. 48.14 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 52.15 elias oliveira. Crimes con tra a eco no mia popu lar, rio de Janeiro, ed. Freitas Bastos, 1952, p. 154.16 tJ\sp – rt, nº 444/300; tacrimsp – rt, nº 476/379.

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seg men to da magis tra tu ra nacio nal tem trans for ma do meros ilí ci tos civis e admi -nis tra ti vos em cri mes, vio lan do absur da men te o prin cí pio da reser va legal, aotrans for ma rem as nor mas admi nis tra ti vas do Banco Central e do Conselhomonetário nacional em fon tes com ple men ta res da tipi ci da de penal, que deve serestri ta, como se esti vés se mos ante norma penal em bran co.

em outros ter mos, com a exis tên cia desse tipo penal – ges tão teme rá ria –vago, impre ci so, ambí guo e absur da men te aber to, a juris pru dên cia atual estáadmi tin do a incri mi na ção de con du tas não alcan ça das pelo direi to penal, vio lan -do a garan tia cons ti tu cio nal do nul lun cri men nulla poena sine lege. nesse sen -ti do, abso lu ta men te cor re ta a cora jo sa denún cia de rodrigues da silva, nosseguin tes ter mos: “o poder Judiciário está crian do tipos novos por meio da ana -lo gia, ferin do, fla gran te men te, a lex major rela ti va men te à divi são dos pode rese, espe cial men te, ao prin cí pio da reser va legal.”17

urge que se encon tre algu ma forma de estan car essa san gria injus ta e arbi -trá ria que per mi te ao judi ciá rio con ti nuar cri mi na li zan do con du tas não abran gi -das pelo tipo penal em exame. antonio Carlos rodrigues da silva, acer ta da men -te, denun cia: “não se pode negar estar se per mi tin do, com esse tipo sem limi tes,a incri mi na ção de con du tas ante rior men te não alcan ça das pelo direito penal.elevou-se à cate go ria de frau de penal sim ples ilí ci tos de natu re za civil. pode-se extrair como exem plo, den tre as con du tas incri mi na das no jul ga do do tribunalregional Federal em que foi rela tor o juiz tourinho neto, algu mas que não pas -sam de sim ples ilí ci tos civis.”18 não é muito dife ren te a crí ti ca con tun den te deroberto podval, quan do pon ti fi ca: “depara-se com uma situa ção pecu liar: paraque a ins ti tui ção finan cei ra sofra a inter ven ção, neces sá rio se faz (nos ter mos doinci so i do art. 2º da lei 6.024/74) que a enti da de tenha sofri do pre juí zo. dessamanei ra, a inter ven ção somen te será pos sí vel no caso em que a ges tão do admi -nis tra dor acar re te pre juí zo efe ti vo aos cre do res. se tiver resul ta do algum lucro daope ra ção, ainda que o dire tor tenha agido de forma teme rá ria, a inter ven ção nãoserá con cre ti za da. essa mesma con du ta, no entan to, no âmbi to cri mi nal, pres cin -de do resul ta do final nega ti vo: basta sua rea li za ção para ser con si de ra da cri mi no -sa.” e, demons tran do a ilo gi ci da de do sis te ma – pros se gue podval –, “o racio cí -nio lógi co leva à seguin te con clu são: um fato que a lei penal pune com san çõesbas tan te seve ras pode para a admi nis tra ção, ser, mais do que indi fe ren te, abso lu -ta men te regu lar. estamos dian te de uma com ple ta inver são de valo res, já que alei penal, con si de ra da como ulti ma ratio, está sendo apli ca da para con du tas tole -ra das em outras esfe ras do direi to”.19

17 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 46.18 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co, Brasília, ed. Brasília Jurídica, 1999, p. 45-6.19 roberto podval. intervenção e liquidação extrajudicial no sistema Financeiro nacional. aspectos penais

das liquidações e intervenções extrajudiciais, in: José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei -ro nacio nal... p. 38.

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para se evi tar a cria ção de ‘tipos penais’, por ana lo gia, pelos juí zes de pri -mei ro grau, con fi gu ran do a mais peri go sa das dita du ras, que é a dita du ra judi cial,suge ri mos a com bi na ção de dois diplo mas legais, ambos em vigor, para não pre -ju di car o acu sa do, evi tan do-se, assim, a res pon sa bi li da de penal obje ti va, quer porana lo gia, quer por inter pre ta ção ana ló gi ca ou por qual quer outro fun da men to. ares pon sa bi li da de penal foi bani da do direi to penal da cul pa bi li da de, do direi topenal do fato, no estado Constitucional con tem po râ neo; a par tir da revoluçãoFrancesa, foi con sa gra da a res pon sa bi li da de penal sub je ti va e indi vi dual, que aca -bou recep cio na da pelas cons ti tui ções de todos os estados democráticos dedireito do ocidente.

assim, far-se-ia a com bi na ção de dois diplo mas legais, ou seja, o arti go 4ºda lei nº 7.492/86 com o inci so iX do art. 3º da lei nº 1.521/51. sustentando apos si bi li da de de con ju gar-se aspec tos favo rá veis de uma lei ante rior com osaspec tos favo rá veis de lei pos te rior, tive mos opor tu ni da de de afir mar o seguin -te:20 parte da dou tri na opõe-se a essa pos si bi li da de, por que isso repre sen ta ria acria ção de uma ter cei ra lei, tra ves tin do o juiz de legis la dor. Bustos ramirez,con tra ria men te, admi te a com bi na ção de leis no campo penal, pois, como afir -ma, nunca há uma lei estri ta men te com ple ta, enquan to há leis espe cial men teincom ple tas, como é o caso da norma penal em bran co; con se quen te men te, ojuiz sem pre está con fi gu ran do uma ter cei ra lei, que, a rigor, não passa de sim -ples inter pre ta ção inte gra ti va, admis sí vel na ati vi da de judi cial, favo rá vel aoréu. no mesmo sen ti do era o enten di men to de Frederico marques, segun do oqual, se é per mi ti do esco lher o ‘todo’ para garan tir tra ta men to mais favo rá velao réu, nada impe de que se possa sele cio nar parte de um todo e parte de outro,para aten der a uma regra cons ti tu cio nal que deve estar acima de pru ri dos delógi ca for mal.

a nosso juízo, esse é o melhor enten di men to, que per mi te a com bi na -ção de duas leis, apli can do-se sem pre os dis po si ti vos mais bené fi cos. osupremo tribunal Federal teve opor tu ni da de de exa mi nar essa maté ria edeci diu pela pos si bi da de da con ju ga ção de leis para bene fi ciar o acu sa do (hCnº 69.033-5, rel. min. marco aurélio, dJu, 13 de março de 1992, p. 2925).adotando-se esse enten di men to, enfim, somen te esta rá tipi fi ca da a ges tãoteme rá ria que tiver, como con se quên cia, fun da men tos para se decre tar a ‘ -falência’ da ins ti tui ção finan cei ra (atual men te subs ti tuí da pela liqui da çãojudi cial) ou insol vên cia ou então pelo “não cum prin do de qual quer das cláu -su las con tra tuais com pre juí zo dos inte res sa dos”, como pre co ni za o art. 3º,inci so iX, da lei nº 1.521/51.

20 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte Geral, 14. ed., são paulo, saraiva, 2006,p. 176.

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5.2. Gestão teme rá ria: con tor nos típi cos (ou a falta de)

o que é, afi nal, ges tão teme rá ria, qual é a sua abran gên cia, quais as pos sí -veis con du tas que pode rão ade quar-se a essa pre vi são legal? o que, quem, como,quan do e onde se pode rá reco nhe cer que deter mi na da con du ta é penal men teteme rá ria, com abso lu ta segu ran ça, isto é, com a cer te za que o direito penalConstitucional exige?

Gerir sig ni fi ca o exer cí cio con ti nua do de uma ati vi da de geren cial, que pres -su põe o cará ter de habi tua li da de, que não pode cir cuns cre ver-se em um ou outroato pra ti ca do iso la da ou espo ra di ca men te. manoel pedro pimentel nos dava aseguin te defi ni ção: “Gestão teme rá ria é carac te ri za da pela abu si va con du ta, queultra pas sa os limi tes da pru dên cia, arris can do-se o agen te além do per mi ti domesmo a um indi ví duo arro ja do. É o com por ta men to afoi to, arris ca do, atre vi do.”21

para que o crime de ges tão teme rá ria se con fi gu re, é indis pen sá vel que secons ta te, em cará ter mais ou menos sequen cial, isto é, em perío do tem po ralrazoá vel, a ocor rên cia de um núme ro subs tan cial de atos arris ca da men te teme -rá rios, em desa cor do com a prá ti ca mer ca do ló gi ca. em outras pala vras, é neces -sá rio agir assu min do ris cos não reco men dá veis pela pra xis finan cei ro-ban cá ria,para que se possa valo rar essa orien ta ção com por ta men tal como ges tão teme rá -ria, capaz de cor res pon der à proi bi ção penal con ti da no pará gra fo único do art.4º da lei nº 7.492/86. em temos bem esque má ti cos, para que se possa afe rir a ges -tão do admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra, deve-se, neces sa ria men te, pro ce -der rigo ro sa aná li se do con jun to dos atos pra ti ca dos pelo mesmo den tro de umrazoá vel lapso tem po ral e, ade mais, é neces sá rio que sejam exa mi na dos den tro detodo um con tex to mer ca do ló gi co.

Qual o real sen ti do que se pode dar ao ver ná cu lo ‘ temerária’, uti li za do pelolegis la dor, como defi ni dor da moda li da de de ges tão teme rá ria de ins ti tui çãofinan cei ra? poder-se-ia, por exem plo, atri buir-lhe o sig ni fi ca do abran gen te, aber -to e extre ma men te vago, tal como admi ti do em nosso ver ná cu lo? este, sem dúvi -da algu ma, é o mais grave pro ble ma que a impre vi dên cia do legis la dor de entãonos ofe re ce, com a falta de des cri ção de qual quer con du ta tipi fi ca do ra da infra çãopenal que possa ter ima gi na do. Compete ao intér pre te, nos limi tes per mi ti dospelo estado Constitucional democrático, demons trar a ina de qua ção da pre ten di -da tipi fi ca ção, res trin gin do, inter pre ta ti va men te, seu alcan ce. nesse sen ti do,acom pa nha-nos Guilherme nucci ao con cluir: “logo, neces si ta-se tra ba lhar como con cei to de teme rá rio, bus can do apli car, sem pre que pos sí vel, uma inter pre ta -ção res tri ti va, con ce den do-lhe limi ta do alcan ce, sob pena de se che gar ao absur -do de punir admi nis tra do res de ins ti tui ção finan cei ra por atos tolos, que podem

21 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 51.

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ser con si de ra dos de pés si ma ges tão – fruto, pos si vel men te, da falta de voca çãopara o exer cí cio da fun ção – mas jamais de ele va do risco, adre de pla ne ja do.”22

pelo sen ti do pura men te ver na cu lar, ‘ temerário’ sig ni fi ca arris ca do, peri go -so ou impru den te, expres sões que apre sen tam em sua essên cia uma anti no miadog má ti ca, na medi da que iden ti fi cam uma espé cie de con du ta não abran gi dapelo dolo, isto é, sig ni fi cam exa ta men te um com por ta men to que pode pro du zirdeter mi na do resul ta do não que ri do e nem mesmo assu mi do pelo agen te, poden -do carac te ri zar, no máxi mo, crime cul po so. trata-se, na rea li da de, de uma ver -da dei ra vexa ta quaes tio, que nos pare ce uma mons truo si da de mito ló gi ca, sem pénem cabe ça, e que tem cau sa do, sob a pena inte li gen te, nem sem pre inte li gí vel,de alguns magis tra dos, into le rá veis injus ti ças ante a gra vi da de das san ções comi -na das e apli ca das. nessa linha, pimentel des ta ca va que o legis la dor esta va crian -do um mons tro amea ça dor, que pode rá sobres sal tar qual quer admi nis tra dor oucon tro la dor de ins ti tui ção finan cei ra, cer cean do sua ação, ini bin do sua ini cia ti -va, por que pode rá, em qual quer momen to, ser acu sa do de gerir teme ra ria men tea empre sa, sem que exis tam parâ me tros obje ti vos para limi tar o cri té rio acu sa tó -rio, entre gan do “a defi ni ção da tipi ci da de a um cri té rio emi nen te men te sub je ti -vo, redu zin do dura men te a garan tia asse gu ra da pelo prin cí pio cons ti tu cio nal dareser va legal”.23

5.3. Crime habi tual: impos si bi li da de de con si de rar-se iso la da men te umacon du ta huma na como ges tão teme rá ria

o crime de ges tão teme rá ria de ins ti tui ção finan cei ra é, indis cu ti vel men te,crime habi tual (impró prio), razão pela qual, repe tin do, a prá ti ca de ape nas um ououtro ato de ges tão, iso la da ou espo ra di ca men te, não é jurí di co-penal men te rele -van te a ponto de tipi fi car a con du ta des cri ta no pará gra fo único do art. 4º da lei nº7.492/86. nesse sen ti do, era o magis té rio de manoel pedro pimentel24 que pon ti -fi ca va: “a exe cu ção da con du ta, que pode rá inclu si ve ser con du ta omis si va rele van -te, é um com ple xo de atos, tor nan do difí cil a decom po si ção de um iter cri mi nis emque fique claro o momen to em que se ini ciou a exe cu ção e, mais, que moti vos inde -pen den tes da von ta de do agen te impe di ram a con su ma ção”. em ter mos seme lhan -tes, José Carlos tórtima25 afir ma que “a carac te ri za ção dos cri mes em aná li se, estáa exi gir a ‘rei te ra ção, pelo agen te, dos atos frau du len tos ou temerários’”.

22 Guilherme nucci. leis penais e pro ces suais penais comen ta das, 3. ed., são paulo, editora revista dostribunais, 2006, p. 1050.

23 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma... p. 52.24 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sistema Financeiro nacional. são paulo: rt, 1987, p. 53.25 José Carlos tórtima. dos Crimes con tra o sistema Financeiro nacional, cit., p. 31.

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na ver da de, a prá ti ca de atos arris ca dos faz parte desse seg men to pro fis sio -nal, que tra ba lha com a con fian ça e a boa-fé, com apos tas finan cei ras e com aespe cu la ção de inves ti men tos, alhu res, arris ca dos. o risco, sabem todos os exper -tos, sem pre exis te como um ingre dien te natu ral dessa ati vi da de, que é alta men -te espe cia li za da e exige, por isso mesmo, conhe ci men tos de mer ca do, de eco no -mia, de direi to finan cei ro, de mer ca do de capi tais, de téc ni cas ban cá rias, dematé ria cam bial, den tre mui tos outros. são por razões como essas que o crime deges tão teme rá ria de ins ti tui ção finan cei ra não se aper fei çoa com a sim ples ocor -rên cia de atos de gerên cia, regên cia ou admi nis tra ção iso la dos ou espo rá di cos,mas pela uti li za ção con tí nua, roti nei ra e habi tual de deci sões não ape nas arris ca -das e inse gu ras na admi nis tra ção da enti da de, mas que sejam efe ti va men te peri -go sas ou rui no sas e com gran de pro ba bi li da de de resul ta rem ine xi to sas, compoten cial, inclu si ve, de leva rem a ins ti tui ção à ban car ro ta.

mas, mais do que isso, é neces sá rio que tais atos apre sen tem, como con se -quên cia, não ape nas pre juí zo dire ta men te vin cu la do a um ou a outro ato, masque resul tem da ‘polí ti ca administracional’, como um todo, em gra vo sas con se -quên cias finan cei ras para a ins ti tui ção, para os cor ren tis tas ou para os inves ti do -res em geral. no entan to, o exame da ges tão da ins ti tui ção finan cei ra não podeser ava lia do, no plano pura men te jurí di co, quer pelo jul ga dor, quer por qual queroutro ope ra dor do direi to, mas depen de rá, fun da men tal men te, do exame téc ni -co de espe cia lis tas des sas ati vi da des (ope ra do res do mer ca do finan cei ro, da bolsade valo res, (ex)exe cu ti vos de gran des ins ti tui ções finan cei ras etc.). Com efei to, anosso juízo, podem e devem ser nomea dos espe cia lis tas, pelo juiz, com a mis sãode ela bo ra rem um laudo peri cial, com a fina li da de de for ne cer uma prova téc ni -ca valio sa ao jul ga dor para for mar a sua con vic ção. Contudo, pela com ple xi da dedo con jun to de medi das, atos ou deci sões que a admi nis tra ção de uma ins ti tui çãofinan cei ra opor tu ni za, suge ri mos que o laudo peri cial seja ela bo ra do por umaespé cie de junta ou comis são peri cial, for ma da por três espe cia lis tas e não somen -te por um peri to ofi cial ou duas pes soas com diplo ma, como nor mal men te reco -men da o Código de processo penal bra si lei ro. (art. 159 do Cpp, com reda çãoalte ra da de 2008).

na apre cia ção da prá ti ca de ges tão teme rá ria é inad mis sí vel, por exem plo, oexame frag men ta do e indi vi dua li za do de cada ope ra ção de cré di to for ma li za dopor uma ins ti tui ção finan cei ra, des pre zan do-se por com ple to a dimen são detodas as ope ra ções cele bra das e da pró pria admi nis tra ção como um todo. em outros ter mos, o crime de ges tão teme rá ria não pode ser apre cia do de forma pon -tual em rela ção a cada ato de ges tão ou a cada ope ra ção finan cei ra cele bra da, masdeve resul tar de um exame glo bal da admi nis tra ção, numa cadeia sequen cial eabran gen te de toda ati vi da de ges to ra que, tendo iní cio, meio e fim, faça per sis -tir, em seu todo, a teme ra ri da de da ges tão.

a ges tão teme rá ria é clas si fi ca da como crime de peri go e não de dano; noentan to, se a ampli tu de semân ti ca do art. 4º da lei nº 7.492/86 encon tra resis tên -

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cia em seto res do judi ciá rio para reco nhe cer sua incons ti tu cio na li da de por mal -fe rir o prin cí pio da taxa ti vi da de, sub me te-se, pelo menos, à exi gên cia de umperi go con cre to para a tipi fi ca ção da con du ta. elucidativa nesse sen ti do, a liçãode miguel reale Junior, que pon ti fi ca:26

“se ordi na ria men te a reda ção típi ca não pode e nem deve valer-sede cláu su las gené ri cas ou ele men tos nor ma ti vos exces si va men te aber tos,par ti cu lar men te no que diz res pei to aos deli tos de peri go abs tra to, o graude inde ter mi na ção será tão extre mo que a tare fa valo ra ti va do juiz res -ta rá des vin cu la da de qual quer mar gem de refe rên cia, bem assim aosmem bros da comu nhão social não pode rá haver refe rên cia do proi bi do edo per mi ti do.

a tare fa urgen te é a de con ci liar essa forma de cons tru ção típi ca como míni mo de deter mi na ção reque ri do pelo prin cí pio da lega li da de, isto é,com preen der-se os tipos gené ri cos e vazios segun do a exi gên cia da reser valegal, rea li zan do-se uma inter pre ta ção segun do a Constituição, como ensi -nam Canotilho e Jorge miranda (direito Constitucional, 2. ed., Coimbra,almedina, 1980, p. 275; manual de direi to cons ti tu cio nal, t. ii, Coimbra,Coimbra, 1983, p. 232). [...]

por estas razões, veri fi ca-se a impos si bi li da de total de con si de rar ocrime de ges tão teme rá ria crime de peri go abs tra to ou pre su mi do, como atémesmo forma de limi tar a inter pre ta ção das nor mas, pois seriam incons ti tu -cio nais o art. 4º e seu pará gra fo único da lei nº 7.492/86 se com preen di do otipo como de peri go abs tra to ou pre su mi do.

Como de peri go con cre to, esta be le cem-se bali zas, que con ci liam a des -cri ção gené ri ca e inde ter mi na da com os prin cí pios cons ti tu cio nais de lega -li da de e taxa ti vi da de. neste sen ti do, a ação arris ca da só é teme rá ria peran tea lei penal se cria um efe ti vo peri go à inco lu mi da de da ins ti tui ção finan cei -ra, à sua sani da de e higi dez eco nô mi ca, fazen do sur gir uma situa ção peri go -sa à pró pria enti da de e ao pró prio sis te ma finan cei ro.”

6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

na rea li da de fáti ca, na con du ta defi ni da como teme rá ria, regra geral, nãohá a von ta de cons cien te do sujei to pas si vo de colo car em risco ou cau sar pre -juí zo à ins ti tui ção finan cei ra ou aos seus inves ti do res. a pra xis tem demons -tra do que, nor mal men te, os admi nis tra do res ou con tro la do res des sas ins ti tui -ções ousam maior ganho, maior ren ta bi li da de e, como o risco é ine ren te a suas

26 miguel reale Junior. problemas penais con cre tos, p. 17 e 21.

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ati vi da des, aca bam ultra pas san do, por vezes, os limi tes tole rá veis. outrasvezes, é a pró pria neces si da de de recu pe rar inves ti men tos, isto é, de sal varparte do patri mô nio já inves ti do da ins ti tui ção que deman da maior risco oumaior ousa dia em suas ope ra ções de ‘ salvamento’, sem que isso possa repre -sen tar von ta de cons cien te de expor a ins ti tui ção a risco des ne ces sá rio. porisso, tra tan do-se de ‘dolo decor ren te de uma con du ta temerária’, o mais razoá -vel é que se admi ta, no máxi mo, dolo even tual, mais pró xi mo da culpa cons -cien te, que é afas ta da pela ausên cia de pre vi são legal expres sa (excep cio na li -da de do crime cul po so). há dolo even tual quan do o agen te não quer dire ta -men te a rea li za ção do tipo, mas a acei ta como pos sí vel ou até pro vá vel, assu -min do o risco de pro du zi-lo (art. 18, i, in fine, do Cp). a cons ciên cia e a von -ta de, que repre sen tam a essên cia do dolo dire to, como seus ele men tos cons ti -tu ti vos, tam bém devem estar pre sen tes no dolo even tual. para que este se con -fi gu re, é insu fi cien te a mera ciên cia da pro ba bi li da de da teme ri da de do ato oua atua ção cons cien te da pos si bi li da de con cre ta de o ato ser valo ra do comoteme rá rio, como sus ten tam os defen so res da teo ria da pro ba bi li da de. É indis -pen sá vel uma deter mi na da rela ção de von ta de entre o ato arris ca do ou teme -rá rio e o agen te, e é exa ta men te esse ele men to voli ti vo que dis tin gue o doloeven tual da culpa cons cien te.

a dou tri na espe cia li za da, pra ti ca men te a una ni mi da de, como vere mos,segue essa mesma dire ção. reale Junior sus ten ta: “[...] tam bém, que a con du tadeve ser infor ma da pela inten cio na li da de mani fes ta do agen te de colo car a inte -gri da de eco nô mi co-finan cei ra da ins ti tui ção sob grave e imi nen te risco [...] osujei to ativo, assim, deve agir com dolo, ante ci pan do men tal men te e que ren do asitua ção de alto risco, extraor di ná rio risco para a saúde da ins ti tui ção e do sis te -ma finan cei ro.”27 José Carlos tórtima afir ma que, “quan to à ges tão teme rá ria,cuida-se, como já refe ri do linhas atrás, do dolo even tual, con sis ten te em assu miro agen te o risco do resul ta do dano so ou peri go so. ao con trá rio do que pode suge -rir a expres são teme rá ria, a mera impru dên cia do agen te não chega a con fi gu raro ilí ci to penal em tela, por ser inad mis sí vel a puni ção penal de con du ta ape nascul po sa, salvo quan do a lei expres sa men te o per mi te (art. 18, pará gra fo único, doCódigo penal).”28

6.1. ausência de pre vi são de moda li da de cul po sa

não há pre vi são da moda li da de cul po sa do crime de ges tão teme rá ria,fican do clara essa asser ti va não ape nas pela falta de pre vi são legal, mas tam bém

27 miguel reale Junior. problemas penais con cre tos. são paulo: malheiros, 1997, pp. 24-25. 28 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sistema Financeiro nacional, 2. ed., rio de Janeiro, lúmen Júris,

2002, p. 39-40.

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pela pró pria pena comi na da, reclu são, tanto para ges tão frau du len ta como paraa ges tão teme rá ria. o prin cí pio da excep cio na li da de do crime cul po so (art. 18,pará gra fo único, do Código penal)29 asse gu ra que a impu ta ção penal de umdeli to cul po so pres su põe expres sa pre vi são legal, ou seja, no silên cio da normapenal, o crime é sem pre dolo so. da mesma forma, tam bém não pode haverdúvi da dog má ti ca no sen ti do de que a impru dên cia é uma moda li da de de crimecul po so, con soan te dis põe o inc. ii do art. 18 do Código penal.30

Consequentemente, uma vez ine xis tin do pre vi são legal expres sa, no art. 4º,pará gra fo único, da lei nº 7.492/86, de forma cul po sa espe cí fi ca para a con du -ta de gerir teme ra ria men te ins ti tui ção finan cei ra, a única con clu são pos sí vel,suces si va men te, é a de que a norma legal defi ne somen te o crime dolo so, nãopre ven do a moda li da de cul po sa. por fim, o pró prio tigre maia, que tem umavisão mais rea cio ná ria dessa maté ria, comun ga desse enten di men to, in ver bis:“há de exis tir von ta de de pra ti car as ações geren ciais teme rá rias, deven do osujei to ativo ter cons ciên cia de que tais atos são teme rá rios, qual seja, con trá -rios à cau te la nego cial do bonus pater fami lias. a prá ti ca por mera culpa stric -to sensu é um indi fe ren te penal, já que, ao con trá rio da moda li da de pre vis ta nalei de economia popular, não há, aqui, lamen ta vel men te, pre vi são para con -du tas cul po sas.”31

embora a locu ção ‘ temerária’ tam bém possa sig ni fi car ‘ imprudência’, cer ta -men te não foi com esse sen ti do que o legis la dor a uti li zou no pará gra fo único doart. 4º, que ora exa mi na mos, como a pró pria pena comi na da não deixa dúvi da(reclu são de dois a oito anos e multa). imprudência, como uma das moda li da desde crime cul po so defi ni das pelo nosso Código penal, é a prá ti ca de uma con du taarris ca da ou peri go sa e tem cará ter comis si vo. É a impre vi são ativa (culpa infacien do ou in com mit ten do). Conduta impru den te, que não deixa de ser teme -rá ria, é aque la que se carac te ri za pela intem pes ti vi da de, pre ci pi ta ção, insen sa tezou imo de ra ção. imprudente é, por exem plo, o moto ris ta que, embria ga do, viajadiri gin do seu veí cu lo auto mo tor com visí vel dimi nui ção de seus refle xos e acen -tua da libe ra ção de seus freios ini bi tó rios.32

na impru dên cia, há visí vel falta de aten ção, o agir des cui da do não obser vao dever obje ti vo de cau te la devi da que as cir cuns tân cias fáti cas exi gem. se oagen te for mais aten to, pode rá pre ver o resul ta do, alte ran do e uti li zan do seus freios ini bi tó rios e assim não rea li zar a ação lesi va. uma carac te rís ti ca da impru -

29 art. 18. [...] parágrafo único – salvo os casos expres sos em lei, nin guém pode ser puni do por fato pre vis -to como crime, senão quan do o pra ti ca dolo sa men te.

30 art. 18. diz-se o crime: [...] ii – cul po so, quan do o agen te deu causa ao resul ta do por impru dên cia, negli -gên cia ou impe rí cia.

31 rodolfo tigre maia. dos Crimes con tra o sistema Financeiro nacional... p. 62.32 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, 14. ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 1, p. 304-5.

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dên cia é a con co mi tân cia da culpa e da ação. enquanto o agen te pra ti ca a ação,vai-se desen vol ven do ao mesmo tempo a impru dên cia: ação e impru dên cia coe -xis tem, são, diga mos, simul tâ neas. o agen te sabe que está sendo impru den te, temcons ciên cia que está agin do arris ca da men te, mas, por acre di tar, con vic ta men te,que não pro du zi rá o resul ta do, ava lia mal, agin do, e o resul ta do não que ri do enão acei to se con cre ti za.

mas enfim, para con cluir este tópi co, a des pei to da impru den te opção dolegis la dor na cri mi na li za ção de ges tão de ins ti tui ção finan cei ra con ti da no pará -gra fo único do art. 4º, dei xou de cri mi na li zar a moda li da de cul po sa, como reco -nhe ce una ni me men te a dou tri na nacio nal. aliás, na tipi fi ca ção de autên ti ca con -du ta impru den te, como sendo dolo sa e, ainda, com exa ge ra da comi na ção penal,res sal ta, mais uma vez, a fla gran te des pro por cio na li da de em que incor reu o legis -la dor de então.

7. a (i)lega li da de de cau ção com ações ou debên tu res emi ti das pelopró prio deve dor

o Banco Central proi biu, atra vés de reso lu ção, que as ins ti tui ções finan cei -ras rece bes sem, em garan tia de débi to, ações ou debên tu res emi ti das pelo pró priodeve dor de ope ra ção finan cei ra. vejamos o que dis põe o art. 12 daresolução/Cmn nº 1.748, de 30 de agos to de 1990:

“art. 12. entendem-se como cober tas por garan tias as ope ra ções ampa -ra das por:

[...] iii – cau ção de ações nego cia das em bol sas de valo res e de debên tu res

regis tra das na comis são de valo res mobi liá rios, estas de emis são de empre -sas não liga das, dire ta ou indi re ta men te, ao cre dor/deve dor, sendo que asnomi na ti vas deve rão estar regis tra das no livro de ações nomi na ti vas e asescri tu rais na res pec ti va enti da de depo si tan te/cus to dian te.”

o obje ti vo desse dis po si ti vo, con vém res sal tar, era pre ve nir o aco lhi -men to, por ins ti tui ções finan cei ras, de garan tias teme rá rias ofe re ci das portoma do ras de cré di tos, cir cuns tân cia esta que, con for me o caso, pode ria colo -car em risco a liqui dez e a sol va bi li da de des sas ins ti tui ções e, con se quen te -men te, a pró pria con fian ça nelas depo si ta da pelo mer ca do finan cei ro. não épor outra razão que o Conselho monetário nacional, no uso de sua com pe -tên cia nor ma ti va, edi tou essa resolução no ano de 1990: naque la época,enten deu-se que as res tri ções impos tas eram com pa tí veis com as dire tri zes dapolí ti ca mone tá ria vigen te, prin ci pal men te as esta be le ci das no art. 3º, inc. v

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e vi, da lei nº 4.595/64.33 daí a incum bên cia que lhe foi con fe ri da pelo art.4º, inc. vi, dessa mesma lei.34

desnecessário enfa ti zar que a inter pre ta ção do art. 12, inc. iii, da resolu -ção/Cmn nº 1.748/90 devia ocor rer não só em con so nân cia com o dis pos to na leinº 4.595/64, mas espe cial men te de acor do com a pró pria Constituição Federal (jáem vigor a atual). nossa Carta magna esta be le ce que o sis te ma finan cei ro nacio -nal é estru tu ra do de forma a pro mo ver o desen vol vi men to equi li bra do do país ea ser vir aos inte res ses da cole ti vi da de (art. 192). nesse sen ti do, atri bui aoConselho monetário nacional a fun ção regu la do ra das ati vi da des desem pe nha -das por ins ti tui ções finan cei ras e, espe ci fi ca men te, dis ci pli na do ra da forma comoas garan tias devem ser exi gi das por estas em ope ra ções de cré di to. presumiu-se,no plano admi nis tra ti vo, que a prá ti ca de atos de ges tão de ins ti tui ção finan cei -ra, em desa cor do com tais nor ma ti vas, pode colo car em risco o desen vol vi men -to equi li bra do do país e os inte res ses da cole ti vi da de, que podem ser atin gi dospela even tual insol vên cia do banco que admi nis tra os seus recur sos.

esse racio cí nio deve ria nor tear a exe ge se do art. 12, inc. iii, da resolu -ção/Cmn nº 1.748/90. Com efei to, a proi bi ção do rece bi men to, em garan tia deope ra ções de cré di to, de debên tu res emi ti das pela pró pria empre sa toma do ra dosrecur sos deve ria ser inter pre ta da no sen ti do de que a proi bi ção refe re-se aoscasos em que a ado ção dessa pos tu ra por uma ins ti tui ção finan cei ra torna vul ne -rá vel a sua pos sí vel capa ci da de de liqui dez de recur sos.

o mesmo não se pode afir mar, con tu do, em rela ção aos casos em que taisdebên tu res sejam rece bi das somen te como refor ço às garan tias ante rior men tepres ta das, ou seja, o banco não está pra ti can do uma ges tão capaz de vul ne rar suasaúde finan cei ra, muito antes pelo con trá rio, pois ape nas pro cu ra refor çar as cau -te las que ante rior men te já havia ado ta do. nesse sen ti do, uma inter pre ta ção con -for me a Constituição indi ca que, à luz do prin cí pio da razoa bi li da de, não podeser defi ni do como ile gal o rece bi men to de debên tu res emi ti das em com ple men -ta ção das garan tias pes soais e reais ante rior men te pres ta das. Com efei to, nessahipó te se, a ins ti tui ção finan cei ra esta rá, cer ta men te, pro cu ran do refor çar asgaran tias que asse gu ram a pro ba bi li da de de as dívi das pen den tes serem ade qua -da men te adim pli das. diversa seria a hipó te se se as debên tu res emi ti das pela pró -pria deve do ra repre sen tas sem única e exclu si va men te o débi to, pois, nesse caso,a ope ra ção não esta ria las trea da por garan tias sufi cien te men te aptas para o seufutu ro adim ple men to.

33 art. 3º a polí ti ca do Conselho monetário nacional obje ti va rá: [...] v – propiciar o aper fei çoa men to dasins ti tui ções e dos ins tru men tos finan cei ros, com vis tas à maior efi ciên cia do sis te ma de paga men tos e demobi li za ção de recur sos; [...] vi – zelar pela liqui dez e sol vên cia das ins ti tui ções finan cei ras; [...]

34 art. 4º Compete ao Conselho monetário nacional, segun do dire tri zes esta be le ci das pelo presidente darepública: [...] vi – disciplinar o cré di to em todas as suas moda li da des e as ope ra ções cre di tí cias em todasas suas for mas, inclu si ve acei tes, avais e pres ta ções de quais quer garan tias por parte das ins ti tui ções finan -cei ras; [...]

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Fica ainda mais clara a legi ti mi da de ope ra cio nal quan do, por exem plo, orefor ço de garan tias são con cre ti za das atra vés de debên tu res rece bi das com cláu -su la pro sol ven do, ou seja, caso não venham a ser res ga ta das a con ten to, as con -di ções ante rio res do pacto vol tam a ter intei ra apli ca bi li da de. aliás, não fariasen ti do que uma ins ti tui ção finan cei ra pra ti cas se uma con du ta com o obje ti vo derefor çar o res guar do do seu patri mô nio, isto é, refor çan do garan tias exis ten tes, eque, ao mesmo tempo, essa con du ta possa carac te ri zar ges tão teme rá ria. por essarazão, a nosso juízo, ainda que se admi tis se a pre vi são do art. 4º ora em examecomo norma penal em bran co, a acei ta ção de debên tu res, com o obje ti vo derefor çar outras garan tias exis ten tes, afas ta a impu ta ção obje ti va do tipo penaldes cri to no art. 4º, pará gra fo único, da lei nº 7.492/86. Com efei to, um dos prin -cí pios da teo ria da impu ta ção obje ti va é o de que não há impu ta ção obje ti va dacon du ta ou do resul ta do quan do o sujei to age com o fim de dimi nuir o risco aobem jurí di co pro te gi do.35 assim, por exem plo, não res pon de por lesão cor po ralaque le que veio a causá-la em alguém numa situa ção capaz de evi tar a mortedessa pes soa. em outros ter mos, não pode res pon der por ges tão teme rá ria aque -le que pra ti ca con du ta com a fina li da de de for ta le cer as pos si bi li da des de sol veruma dívi da pac tua da.

7.1. revogação do art. 12, iii, da resolução nº 1.748/90 do BancoCentral pela resolução/Cmn nº 2.682/99

a veda ção do art. 12, inc. iii, da resolução/Cmn nº 1.748 – enfa ti zan do –deve ria ser apli ca da somen te aos casos em que debên tu res ofe re ci das pela pró -pria toma do ra dos recur sos fos sem a única garan tia do negó cio. no entan to, aresolução/Cmn nº 1.748/90, incluin do o seu art. 12, foi revo ga da pela resolu -ção/Cmn nº 2.682/99, que dei xou de proi bir o ofe re ci men to de uma garan tianes ses ter mos. Consequentemente, a revo ga ção con ti da na resolução nº 2.682/99deve ser apli ca da retroa ti va men te, isto é, inclu si ve a fatos ocor ri dos na vigên ciada reso lu ção ante rior.

Com efei to, por alguns anos, o art. 12, inc. iii, da resolução/Cmn nº 1.748/90proi biu o rece bi men to, pela ins ti tui ção finan cei ra, de garan tia con subs tan cia daem debên tu res emi ti das por empre sas liga das dire ta ou indi re ta men te ao cre -dor/deve dor. a ratio dessa veda ção, no âmbi to admi nis tra ti vo (via reso lu ção doBaCen), era óbvia: evi tar que uma ins ti tui ção finan cei ra con ce des se cré di to auma pes soa jurí di ca exi gin do garan tia cuja liqui dez esti ves se dire ta men te rela -cio na da à expec ta ti va que o mer ca do finan cei ro depo si ta sobre essa empre sa. em outros ter mos, as debên tu res emi ti das por uma empre sa, toma do ra de um cré di -

35 nesse sen ti do: roXin, Claus. ‘reflexões sobre a problemática da imputação objetiva em direito penal’.in: problemas Fundamentais de direito penal. lisboa: vega, 1986, p. 149.

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to, sofrem refle xos ime dia tos de even tual des con fian ça que o mer ca do finan cei -ro venha a ter sobre a ‘saúde financeira’ dessa empre sa, o que não ocor re ria, p.ex., em rela ção a bens imó veis ou debên tu res emi ti das por outra empre sa que nãoa toma do ra do emprés ti mo. essa veda ção, enfim, pre ten dia evi tar ou mino rar osris cos con si de ra dos, senão anor mais, pelo menos mani fes ta men te imi nen tes nacon ces são de cré di tos por ins ti tui ções finan cei ras.

7.2. normas penais em bran co e retroa ti vi da de das ditas nor mascom ple men ta do ras

tipo penal aber to não se con fun de com norma penal em bran co. Com efei -to, o tipo penal aber to que tipi fi ca (não des cre ve) ges tão frau du len ta e teme rá riaé uma norma penal com ple ta, cuja con cre ti za ção é ope ra da pelo jul ga dor pormeio de um juízo de valo ra ção ou de acor do com os dados cir cuns tan ciais, sempoder invo car ‘nor mas complementares’ ou sub si diá rias, que impli ca ria em usarana lo gia in malan par tem. nesse sen ti do, sus ten ta pablo rodrigo alflen da silva,“as leis penais em bran co tam bém não se equi pa ram aos tipos penais aber tos, jáque estes uni ca men te estão aber tos à con cre ti za ção, sendo que a sua ‘comple-mentação’ o juiz a pro duz por meio de um juízo de valor ou de acor do com ascir cuns tân cias”.36 em outros ter mos, o prin cí pio da tipi ci da de estri ta não admi tea invo ca ção de outros diplo mas legais para com ple men tar ou ampliar a des cri çãotípi ca de deter mi na da con du ta, mesmo sob o fun da men to da insu fi ciên cia danorma proi bi ti va.

por essa razão, invo car a apli ca ção com ple men tar de reso lu ções do BancoCentral ou do Conselho monetário nacional para deli mi tar os con tor nos típi cosdo crime de ges tão teme rá ria pres su põe, equi vo ca da men te, o enten di men to deque o art. 4º, caput e pará gra fo único, da lei nº 7.492/86, tem natu re za de normapenal em bran co, o que não cor res pon de à rea li da de nor ma ti va. em outros ter -mos, sus ten tar que o com ple men to do que deve ser enten di do por ges tão teme rá -ria é dado por nor mas admi nis tra ti vas que regu lam deter mi na das ope ra çõesfinan cei ras viola os prin cí pios mais come zi nhos da dog má ti ca penal. essa orien -ta ção foi ado ta da, equi vo ca da men te, em deci são de pri mei ro grau em que o jul ga -dor, no famo so “Caso encol”,37 invo cou proi bi ção cons tan te da resolu ção/Cmnnº 1.748/90, para con si de rar, com esse com ple men to, que esta ria con fi gu ra da ges -tão teme rá ria, igno ran do que embo ra a tipi fi ca ção de ges tão teme rá ria decor ra de

36 pablo rodrigo alflen da silva. leis penais em bran co e o direito penal do risco, rio de Janeiro, lumenJuris, 2004, p. 190.

37 ação penal nº 2000.34.00.024315-4, que tra mi tou peran te a 12ª vara Federal Criminal da seção Judiciáriado distrito Federal.

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um tipo penal aber to, trata-se de norma penal com ple ta, não neces si tan do e nãoadmi tin do com ple men ta ção de nenhu ma outra norma, penal ou extra pe nal.

muito embo ra o iní cio da déca da de 90 tenha sido mar ca do por uma pos tu -ra mais inter ven cio nis ta e fis ca li za tó ria do Banco Central do Brasil nas ins ti tui -ções finan cei ras, não se pode esque cer que a esta bi li za ção da nossa eco no mia,nota da men te ini cia da ao final daque la déca da, levou à ado ção de uma pos tu radia me tral men te opos ta, isto é, as ins ti tui ções finan cei ras rece be ram maior auto -no mia em rela ção à rea li za ção de deter mi na das ope ra ções. esse novo pano ra malevou o Banco Central a edi tar a resolução/Cmn nº 2.682/99, que, em seu art.16, revo gou expres sa men te a resolução/Cmn nº 1.748/90. o qua dro nor ma ti vocapaz de con fe rir ili ci tu de à dação em garan tia das debên tu res teria per ma ne ci -do inal te ra do, ape sar dessa revo ga ção, caso a proi bi ção esta be le ci da no ante riorinc. iii do art. 12 da resolução/Cmn nº 1.748/90 tives se sido expres sa men teman ti da na resolução/Cmn nº 2.682/99. Contudo, uma breve lei tu ra destaresolução indi ca que a pos tu ra ado ta da pelo Conselho monetário nacional, nouso de sua atri bui ção legal e cons ti tu cio nal de esta be le cer os rumos da polí ti camone tá ria bra si lei ra, foi a de des re gu la men tar os ter mos legal men te esta be le ci -dos para o rece bi men to de bens em garan tia pelas ins ti tui ções finan cei ras. note-se que, ao longo de todos os dis po si ti vos legais desta resolução, não exis te qual -quer norma seme lhan te ao art. 12 da resolução revo ga da, cor ro bo ran do a tese deque, ape sar de o BaCen ter regu la men ta do os níveis de risco a que se podemsub me ter as ins ti tui ções finan cei ras em ope ra ções de cré di to, nada res tou dis pos -to acer ca dos casos espe cí fi cos em que as garan tias des sas ope ra ções podem serrece bi das. significa afir mar que, a par tir de então, não há veda ção legal para queuma ins ti tui ção finan cei ra possa rece ber, em garan tia de uma ope ra ção de cré di -to, debên tu res ou ações emi ti das pela pró pria toma do ra.

a super ve niên cia da revo ga ção da proi bi ção legal de rece bi men to emgaran tia de debên tu res emi ti das pela pró pria toma do ra do cré di to faz com que, apar tir de então, essa ope ra ção seja líci ta. Com efei to, nos ter mos do art. 2º doCódigo penal e do art. 5º, inc. Xl, da Constituição Federal, ad argu men tan dum,a norma com ple men ta do ra bené fi ca (resolução/Cmn nº 2.682/99), que deixa decon si de rar essa ope ra ção ilí ci ta, deve retroa gir seus efei tos a fatos ocor ri dos antesde sua vigên cia. a ope ra ção envol ven do a dação das debên tu res emi ti das pelopró prio deve dor, a par tir da resoluão/Cmn nº 2.682/99, dei xou de ser proi bi dapelas nor mas admi nis tra ti vas do BaCen e, con se quen te men te, tal con du ta nãopode ser con si de ra da como cri mi no sa, ope ran do-se a abo li tio cri mi nis.

em ter mos bem esque má ti cos, os deno mi na dos tipos penais em bran co –com os quais não se con fun de o tipo aber to que cri mi na li za a ges tão frau du len taou teme rá ria – têm alte ra do seu con teú do proi bi ti vo sem pre que se alte ram asres pec ti vas nor mas com ple men ta do ras (v.g., a res tri ção de dação de debên tu resemi ti das pela pró pria deve do ra), deven do inci dir, obri ga to ria men te, a regra daretroa ti vi da de da lex mitior, pois é abo li do o crime sem pre que a alte ra ção da

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norma com ple men tar impli car na ces sa ção da exi gên cia cuja inob ser vân ciacarac te ri za va dita infra ção penal.

8. Consumação e ten ta ti va de ges tão teme rá ria

Consuma-se o crime de ges tão teme rá ria com a prá ti ca rei te ra da de ope ra -ções ou ati vi da des ousa das, arris ca das, que colo quem em risco a ins ti tui ção finan -cei ra. a des pei to de tra tar-se de crime for mal, não sendo exi gi do resul ta do paraque o crime se con fi gu re, faz-se neces sá rio, para carac te ri zar a ges tão teme rá ria,que os atos ges to res minem ou eli mi nem a capa ci da de finan cei ra de hon rar oscom pro mis sos da refe ri da ins ti tui ção. Como demons tra mos ao longo deste capí -tu lo, é indis pen sá vel a rei te ra ção de ações ou ope ra ções con si de ra das rui no sas noexer cí cio da ges tão da ins ti tui ção, ado tan do-se pro ce di men to inu sual e não reco -men dá vel no mer ca do finan cei ro-ban cá rio. É insu fi cien te a prá ti ca de uma ououtra ope ra ção, iso la da men te, para con fi gu rar ges tão teme rá ria, espe cial men teem decor rên cia do sig ni fi ca do do verbo gerir.

tratando-se de crime impro pria men te habi tual, apre sen ta-se extre ma men -te com ple xa a admis si bi li da de de moda li da de ten ta da, rei nan do gran de desin te -li gên cia na dou tri na. no entan to, a inad mis si bi li da de do crime ten ta do nãodecor re do fato de tra tar-se de crime for mal, mas da sua natu re za habi tual, cujosatos, iso la da men te, cons ti tuem um indi fe ren te penal.

9. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime pró prio (somen te pode ser pra ti ca do por agen te que reúnadeter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial, na hipó te se, que seja con tro la dor,admi nis tra dor, dire tor ou geren te de ins ti tui ção finan cei ra, bem como inter ven -tor, liqui dan te ou sín di co); for mal (que se con su ma com a sim ples prá ti ca de atosteme rá rios na ges tão de ins ti tui ção finan cei ra, inde pen den te men te de pro du çãode qual quer resul ta do lesi vo); de peri go con cre to (deve, com pro va da men te, colo -car em peri go efe ti vo o bem jurí di co pro te gi do, decor ren te da ges tão teme rá riarea li za da); de forma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo paraexe cu ção dessa infra ção penal, poden do ser rea li za do do modo ou pelo meioesco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipoimpli ca a rea li za ção de uma con du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi -bi ti va e não man da men tal); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen todeter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul -ta do, embo ra a con di ção de crime habi tual possa dar um certo sen ti do ou certapro xi mi da de com uma espé cie de per ma nên cia); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca -do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção.não nos pare ce, con tu do, que se possa defi ni-lo como plu ris sub sis ten te, pois os vários atos que carac te ri zam o crime habi tual, são inde pen den tes, autô no mos e,

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basi ca men te, iguais, e o que carac te ri za a plu ris sub sis tên cia é a exis tên cia de umamesma ação huma na que pode ser divi da em atos do mesmo com por ta men to,frag men tan do a ação huma na).

10. pena e ação penal

as san ções comi na das, cumu la ti va men te, são a reclu são de dois a oito anos,e a pena pecu niá ria na moda li da de de multa. o absur do que se refle te na des pro -por cio na li da de da san ção comi na da, con for me regis tra mos em rela ção ao crimede ges tão frau du len ta, mos tra-se pre sen te igual men te nesta pre vi são do pará gra -fo único rela ti va men te à ges tão teme rá ria.

a natu re za da ação penal, como em todos os cri mes pre vis tos nesse diplo malegal, é públi ca incon di cio na da, isto é, deve a auto ri da de com pe ten te pro ce der aper se cu tio cri mi nis, inde pen den te men te de qual quer mani fes ta ção do ofen di doou de seu repre sen tan te legal.

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Capítulo v

apropriação indébita Financeira

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime de apro pria ção indé bi ta finan cei ra. 3.1. sujeito ativo. 3.2. sujeitopas si vo. 4. pressuposto da apro pria ção indé bi ta finan cei ra. 5. tipo obje ti vo: ade qua -ção típi ca. 6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6.1. elemento sub je ti vo espe cial doin jus to: em pro vei to pró prio ou alheio. 7. apropriação indé bi ta finan cei ra e rela çãoman dan te-man da tá rio. 8. Consumação e ten ta ti va. 9. Classificação dou tri ná ria.10. algumas ques tões espe ciais sobre ati pi ci da de. 11. pena e ação penal.

art. 5º “apropriar-se, quais quer das pes soas men cio na das no art. 25 destalei, de dinhei ro, títu lo, valor ou qual quer outro bem móvel de que tem a posse,ou des viá-lo em pro vei to pró prio ou alheio”.

pena – reclu são, 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.parágrafo único. incorre na mesma pena qual quer das pes soas men cio na das

no art. 25 desta lei, que nego ciar direi to, títu lo ou qual quer outro bem móvel ouimó vel de que tem a posse, sem auto ri za ção de quem de direi to.

1. Considerações pre li mi na res

até fins do sécu lo Xviii, a apro pria ção indé bi ta era somen te uma espé ciedo gêne ro furto. o direi to roma no des co nhe ceu até mesmo a dis tin ção entreapro pria ção indé bi ta e este lio na to (fur tum pro prium e fur tum impro prium), quesomen te mais tarde foi ela bo ra da pela dou tri na alemã, por polí ti ca cri mi nal, aopre ten der limi tar o con cei to do crime de furto, evi tan do a exa cer ba ção de penas.Contudo, a tipi fi ca ção como crime autô no mo, sob a deno mi na ção de abuso decon fian ça, foi obra do direi to fran cês, por meio do Código de 1791, sendo repe -ti da pelo Código napoleônico de 1810, o que aca bou por influen ciar outros Có -digos euro peus, como o por tu guês, o suíço e o sardo.1

no Brasil, as ordenações Filipinas não faziam dis tin ção entre furto e apro -pria ção indé bi ta. os Códigos de 1830 (art. 258) e 1890 (art. 331) não tive ram me -

1 nelson hungria. Comentários ao Código penal... p. 127.

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lhor sorte. o projeto sá pereira seguiu o direi to fran cês, ado tan do o nomen juris“abuso de con fian ça”. na rea li da de, a atual ter mi no lo gia, apro pria ção indé bi ta,foi uma opção cor re ta, diga-se de pas sa gem, do projeto alcântara machado, semres trin gir-se a um abuso de con fian ça. exatamente essa orien ta ção foi a ado ta dapelo Código penal de 1940, com a seguin te defi ni ção: apro priar-se de coisa alheiamóvel, de que tem a posse ou deten ção.

no âmbi to espe cí fi co do direi to penal eco nô mi co, no entan to, a apro pria çãoindé bi ta finan cei ra, ter mi no lo gia que pre fe ri mos para dis tin gui-la da apro pria -ção indé bi ta tra di cio nal, não pos sui ante ce den te nor ma ti vo, embo ra, des ta que,acer ta da men te, tórtima, “o tives se con ce bi do o art. 388 do anteprojeto de re -for ma de Código (cf. nº i, supra) com a seguin te reda ção: apro priar-se de títu loou qual quer outro papel de valor mobi liá rio, rece bi do em cus tó dia ou depó si to”.2

a pri mei ra obser va ção que deve ser feita à reda ção deste art. 5º da lei nº7.492/86 refe re-se à res pon sa bi li da de penal dos con tro la do res e admi nis tra do resdas ins ti tui ções finan cei ras, esta be le ci da no art. 25 da lei em exame. Como sus -ten ta mos no capí tu lo que exa mi na mos o dis pos to no art. 25 dessa lei espe cial,não se trata nem de res pon sa bi li da de obje ti va, nem de res pon sa bi li da de penal depes soa jurí di ca, mas tão somen te da tra di cio nal res pon sa bi li da de penal sub je ti vae indi vi dual, con sa gra da pelo direito penal da cul pa bi li da de, aliás, é somen te sobesse enfo que que deve ser exa mi na da a res pon sa bi li da de penal dis ci pli na da emtodo este diplo ma legal.

o dis pos to nesse dis po si ti vo asse me lha-se, em muito, ao dis pos to no art. 168do Código penal, que trata do crime de apro pria ção indé bi ta nos seguin tes ter -mos: “apro priar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a deten ção”.distingue-se, fun da men tal men te, em dois aspec tos bási cos: de um lado, a apro -pria ção indé bi ta con ti da no códi go penal tem como obje to mate rial ‘coisa alheia móvel’, ao passo que a pre vi são do dis po si ti vo em exame tem como obje to ‘títu -lo, valor ou qual quer outro bem móvel’; de outro lado, o códi go penal refe re-seà coisa alheia móvel ‘de que tem a posse ou a detenção’, enquan to o dis po si ti voespe cial refe re somen te àque les bens ‘de que tem a posse’, acres cen tan do, noentan to, a figu ra de ‘des viá-lo em pro vei to pró prio ou alheio’.

essas peque nas dife ren ças, no entan to, não lhes atri buem natu re zas dis tin -tas, tra tan do-se, enfim, de duas moda li da des do mesmo tipo de crime, qual seja,de apro pria ção indé bi ta, que, para não as con fun dir, deno mi na re mos de apro -pria ção indé bi ta finan cei ra. por se tra tar de for mas seme lhan tes de apro pria ção,faz-se neces sá rio, igual men te, se exa mi nar o pres su pos to da apro pria ção, tam bémda figu ra espe cial, qual seja, a posse pree xis ten te do obje to da apro pria ção.

2 José Carlos tórtima. Crimes do cola ri nho bran co, 2. ed., rio de Janeiro, lumen Juris, 2002, p. 43.

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2. Bem jurí di co tute la do

de um modo geral, a dou tri na tem sus ten ta do, inva ria vel men te, que ostipos penais cons tan tes da lei nº 7.492/86, têm por obje ti vi da de jurí di ca a pro te -ção do sis te ma finan cei ro nacio nal, prio ri ta ria men te, e ape nas, secun da ria men -te, visa ria à pro te ção de outros bens jurí di cos, como o patri mô nio da pró pria ins -ti tui ção finan cei ra ou dos seus inves ti do res. vejamos, alea to ria men te, o enten di -men to de alguns dou tri na do res, rela ti va men te ao bem jurí di co tute la do pela pre -vi são cons tan te do art. 5º (apro pria ção indé bi ta finan cei ra). Guilherme nucci vêcomo obje to da pro te ção jurí di ca “a cre di bi li da de do mer ca do finan cei ro e a pro -te ção do inves ti dor”.3 para paulo Cezar da silva, o obje ti vo desse dis po si ti vo “étute lar a polí ti ca eco nô mi ca do Governo Federal, cui dan do para que as ope ra çõesatri buí das às ins ti tui ções finan cei ras ou a entes asse me lha dos se rea li zem de formaregu lar e hones ta, zelan do pela esta bi li da de e cre di bi li da de do sistema Financeironacional, no caso deste arti go, com ênfa se ao patri mô nio da ins ti tui ção finan cei -ra e dos inves ti do res”.4 tórtima, por sua vez, sus ten ta que “a tute la jurí di ca aquiestá dire ta men te vol ta da para o patri mô nio da pró pria ins ti tui ção finan cei ra e deseus clien tes, muito embo ra, em pri mei ro plano, res guar de-se o nor mal e regu larfun cio na men to do sistema Financeiro nacional”5 (gri fos acres cen ta dos).

embora tam bém tenha mos sus ten ta do a exis tên cia de obje ti vi da de jurí di cacole ti va e suprain di vi dual da lei nº 7.492/86, como des ta ca mos ao exa mi nar ocrime de ges tão frau du len ta ou teme rá ria, temos difi cul da de em ado tar orien ta -ção que des co nhe ce a exis tên cia da tute la penal, prio ri ta ria men te, de outros bensjurí di cos, indi vi duais ou cole ti vos, em deter mi na dos tipos penais. sustentamosque refe ri do diplo ma legal tem a pre ten são de tute lar, fun da men tal men te, o sis -te ma finan cei ro nacio nal pro te gen do-o dos maus admi nis tra do res, espe cial men -te con tra atos ou ges tões frau du len tas, teme rá rias ou arris ca das, leva das a efei topor ines cru pu lo sos con tro la do res, admi nis tra do res ou dire to res. Como des ta ca vaJoão marcello de araújo Junior, refe rin do-se ao diplo ma legal em geral, “a des -pei to da lesão ao patri mô nio indi vi dual que pos sam cau sar, a tôni ca da repro va -ção social está cen tra da na amea ça do dano que repre sen tam para o sis te mafinan cei ro, que se carac te ri za como um inte res se jurí di co supra-indi vi dual [...]”6

as ins ti tui ções finan cei ras, enquan to enti da des indi vi dual men te rele van tes nosis te ma finan cei ro, tam bém são obje tos da tute la penal, inclu si ve aque las per ten -cen tes à ini cia ti va pri va da. nesse sen ti do, pro te ge-se a lisu ra, a cor re ção e a

3 Guilherme nucci. leis penais e pro ces suais penais comen ta das... p. 1052.4 paulo Cezar da silva. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, são paulo, Quartier latin, 2006, p. 149.5 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 44.6 João marcello de araújo Junior. dos cri mes con tra a ordem eco nô mi ca, são paulo, revista dos tribunais,

1995, p. 145-6.

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hones ti da de das ope ra ções atri buí das e rea li za das pelas ins ti tui ções finan cei ras easse me lha das. o bom e regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro repou sa nacon fian ça que a cole ti vi da de lhe acre di ta. a cre di bi li da de é um atri bu to que asse -gu ra o regu lar e exi to so fun cio na men to do sis te ma finan cei ro como um todo.

no entan to, em alguns dis po si ti vos deste diplo ma legal, há outros bens jurí -di cos, prio ri ta ria men te tute la dos, inclu si ve indi vi duais, como ocor re, por exem -plo, com a tipi fi ca ção con ti da neste dis po si ti vo que ora ana li sa mos. Com efei to,o bem jurí di co pro te gi do, neste art. 5º – apro pria ção indé bi ta finan cei ra – é ainvio la bi li da de patri mo nial da pró pria ins ti tui ção finan cei ra, dos inves ti do res,em par ti cu lar, e da cole ti vi da de, em geral, espe cial men te em rela ção ao direi tode pro prie da de, e não ao direi to pos ses só rio. na ver da de, pro te ge o direi to depro prie da de, dire ta e ime dia ta men te, con tra even tuais abu sos do pos sui dor quepossa ter a inten ção de dis por de tais bens como se seus fos sem.

acreditamos, con tu do, que o dis po si ti vo em exame pro te ge mais do que osim ples direi to de pro prie da de, ou seja, os direi tos reais de garan tia, como o usu -fru to e o penhor, tam bém estão pro te gi dos penal men te, uma vez que o usu fru -tuá rio, assim como o deve dor, pode apro priar-se inde vi da men te da res, vio lan doo direi to do nu-pro prie tá rio ou do cre dor pig no ra tí cio.

a tipi fi ca ção do crime de apro pria ção indé bi ta finan cei ra silen ciou, noentan to, sobre o abuso de con fian ça, ao con trá rio de inú me ros Códigos euro peus,por influên cia do direi to fran cês. pode exis tir, e na maio ria das vezes é nor malque exis ta, uma rela ção de fidú cia na prá ti ca desse tipo de crime, mas, deci di da -men te, não é ele men to indis pen sá vel à sua con fi gu ra ção. É neces sá rio e sufi cien -te que a justa posse exer ci da pelo agen te (não há refe rên cia tam pou co a meradeten ção), alie no domi ne, sobre o obje to mate rial pro te gi do pree xis ta à ilí ci taapro pria ção, a exem plo do que ocor re com a apro pria ção indé bi ta tra di cio nal,dis ci pli na da em nosso Código penal (art. 168).

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

3.1. sujeito ativo

por defi ni ção legal, a exem plo de inú me ros dos cri mes con tra o sis te mafinan cei ro, só podem ser sujei tos ati vos os con tro la do res e admi nis tra do res dasins ti tui ções finan cei ras, sendo con si de ra dos como tais os dire to res e geren tes(art. 25 e § 1º). são equi pa ra dos aos admi nis tra do res, tam bém por expres sa pre -vi são legal, o inter ven tor, o liqui dan te e o sín di co (art. 25, § 2º), na ter mi no lo giaque era ado ta da pela anti ga lei de Falências. trata-se, na rea li da de, de crime pró -prio, exi gin do uma con di ção espe cial do sujei to ativo, qual seja exer cer uma dasfun ções refe ri das no art. 25 e seus pará gra fos.

a con di ção espe cial (con tro la dor, admi nis tra dor e equi pa ra dos), no entan -to, como ele men tar do crime de apro pria ção indé bi ta finan cei ra, comu ni ca-se ao

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par ti cu lar que even tual men te con cor ra, na con di ção de coau tor ou par tí ci pe,para a prá ti ca do crime, nos ter mos da pre vi são do art. 30 do Cp. dessa forma, éneces sá rio que pelo menos um dos auto res reúna a con di ção espe cial exi gi da pelotipo penal, poden do os demais não pos suir tal qua li da de.

É indis pen sá vel, con tu do, que o par ti cu lar (extra neus) tenha cons ciên cia daqua li da de espe cial do con tro la dor ou admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra, sobpena de não res pon der por esse crime, que é pró prio. desconhecendo essa con -di ção, o dolo do par ti cu lar não abran ge todos os ele men tos cons ti tu ti vos do tipo,con fi gu ran do-se o conhe ci do erro de tipo, que afas ta a tipi ci da de da con du ta.responderá, no entan to, por outro crime, con soan te o per mis si vo con ti do no art.29, § 2º, do Código penal, que abri ga a cha ma da coo pe ra ção dolo sa men te dis tin -ta, auto ri zan do-o a res pon der, em prin cí pio, por crime menos grave.

o pro prie tá rio dos bens (dinhei ro, títu lo, valor, direi to ou qual quer outrobem móvel ou imó vel), pela reda ção do dis po si ti vo – “apro priar-se [...] em pro -vei to pró prio ou alheio” –, não pode ser sujei to ativo deste crime, pois somen tese pode apro priar-se daqui lo de que não se é dono ou pro prie tá rio. assim, sujei -to ativo será sem pre pes soa diver sa do pro prie tá rio, seja pos sui dor ou deten tor,inde pen den te men te de haver rece bi do a posse ou deten ção de ter cei ro.

por fim, os mem bros de con se lhos esta tu tá rios, em prin cí pio, não podemfigu rar como sujei to ativo dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, nosmol des pre co ni za dos no art. 25 desse diplo ma legal. o peso do veto pre si den cialà locu ção ‘mem bros de con se lhos estatutários’ impe de que inter pre ta ções, maisou menos arro ja das, pro cu rem equi pa ra ções ou jus ti fi ca ti vas varia das para fun -da men tar seu alcan ce pela pre ten são puni ti va, pois seriam facil men te alcan ça daspela res pon sa bi li da de penal obje ti va. não vemos, por outro lado, nenhu ma difi -cul da de em com preen der os fun da men tos desse veto,7 repre sen tan do ape nas oônus de legis la ção que dese ja pon tuar quem deve res pon der por esse ou aque lecrime, pois, não fosse essa opção polí ti co-cri mi nal, pode ria sim ples men te sercon ce bi do como crime comum. no entan to, a exis tên cia de pro vas con cre tas quecom pro vem a prá ti ca efe ti va de deter mi na da con du ta que possa ade quar-se aalgum tipo penal, ine vi ta vel men te, pode rá, pelo prin cí pio da indi vi dua li za ção dares pon sa bi li da de penal, o con se lhei ro res pon der por suas ações, desde que não setrate, logi ca men te, de crime pró prio, a menos que sejam alcan ça dos pela pre vi -são do art. 29 do Cp.

embora não os indi vi dua li ze, tanto o caput, quan to em seu pará gra fo únicoexi gem que o sujei to ativo reúna a con di ção espe cial dos agen tes refe ri dos noarti go 25 da lei nº 7.492/96. seria des ne ces sá rio des ta car que a pre vi são, tanto docaput, quan to do pará gra fo único recep cio na a abran gên cia, por equi pa ra ção, do

7 Áureo natal de paula. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal e o mer ca do de capi tais, 4. ed.,Curitiba, Juruá, 2009, p. 143.

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rol con ti do no § 1º do refe ri do arti go. Casuisticamente, se neces sá rio, poder-se-á ques tio nar seu afas ta men to.

o rol con ti do no § 1º do art. 25 da lei nº 7.492/86 – “inter ven tor, liqui dan -te ou sín di co” – é nume rus clau sus, não admi tin do a inclu são de qual quer outrahipó te se seme lhan te, ou seja, não abran ge pes soa que desem pe nhe fun ção diver -sa das ali rela cio na das, por exem plo, o comis sá rio, que admi nis tra va os bens dacon cor da ta, sob pena de vio lar o prin cí pio da reser va legal. há inclu são de duasfigu ras não recep cio na das pelo códi go penal bra si lei ro, inter ven tor e liqui dan te,vin dos de outra seara do direi to.

interventor é o admi nis tra dor tem po rá rio inves ti do nessa fun ção, median -te desig na ção do Banco Central do Brasil, por força do dis pos to no art. 5º da leinº 6.024/74. o liqui dan te é uma figu ra con sa gra da que admi nis tra as “socie da desem liqui da ção”, igual men te não recep cio na da pelo códi go penal de 1940.liquidante, estri ta men te, era o admi nis tra dor ad hoc desig na do pelo BancoCentral do Brasil, no caso de liqui da ção extra ju di cial de ins ti tui ção finan cei ra(art. 16 da lei nº 6.04/74, ou desig na do pela assembleia Geral, ou quem os esta -tu tos deter mi na rem). síndico era a deno mi na ção que se dava ao encar re ga do daadmi nis tra ção da falên cia, mais espe ci fi ca men te da massa fali da, sob dire ção esupe rin ten dên cia do juiz na anti ga lei de Falências (decreto-lei nº 7.661/45).atualmente, porém, a lei de Falências (lei nº 11.101/2005) deno mi na admi nis -tra dor judi cial a pes soa que exer ce essa fun ção.

o fun da men to dessa equi pa ra ção entre admi nis tra do res ou con tro la do res éo de que, além de “subs ti tuí-los” na admi nis tra ção da ins ti tui ção finan cei ra, emtese, pra ti can do crime, vio lam tam bém deve res ine ren tes ao cargo ou fun ção quedesem pe nham, jus ti fi can do, inclu si ve, maior repro va bi li da de social. são fun çõesque exi gem maior abne ga ção do indi ví duo, que geram uma expec ta ti va de segu -ran ça e serie da de, pro vo can do even tual con du ta ilí ci ta maior cen su ra por carac -te ri zar infi de li da de a um múnus públi co.

3.2. sujeito pas si vo

sujeito pas si vo, final men te, é o estado, guar dião e res pon sá vel pela esta bi -li da de, con fia bi li da de e ido nei da de do sis te ma finan cei ro nacio nal. secundaria -mente, segun do a dou tri na tra di cio nal, tam bém podem ser con si de ra dos comosujei tos pas si vos a pró pria ins ti tui ção finan cei ra e os inves ti do res e cor ren tis tasquan do, even tual men te, forem lesa dos.8

na rea li da de, não ape nas inves ti do res ou cor ren tis tas podem ser sujei tospas si vos desta infra ção penal, mas qual quer pes soa, físi ca ou jurí di ca, titu lar do

8 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, 2. ed., rio de Janeiro, lumen Juris, p. 41.

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direi to patri mo nial atin gi do pela ação tipi fi ca da; em regra, é o pro prie tá rio e,excep cio nal men te, o mero pos sui dor, quan do a posse dire ta decor ra de direi toreal (usu fru to ou penhor), uma vez que se rela cio nam à pro prie da de. assim, nãoape nas o dono do bem, do direi to ou da coisa pode ser sujei to pas si vo de apro -pria ção indé bi ta finan cei ra, como tam bém o titu lar de direi to real de garan tia,como usu fru tuá rio ou cre dor pig no ra tí cio, con si de ran do que o dis po si ti vo legalacres ceu em seu pará gra fo ‘bem imóvel’.

discordamos do enten di men to tra di cio nal da dou tri na que defi ne, nessahipó te se espe cial, o par ti cu lar como sujei to pas si vo secun dá rio, a exem plo do quepre le cio na va pimentel, in vebis: “sujei to pas si vo prin ci pal é o estado, já que alesão ou o peri go de lesão atin ge pri mor dial men te a boa exe cu ção da polí ti ca eco -nô mi ca do gover no. serão sujei tos pas si vos secun dá rios, os pre ju di ca dos pelascon du tas dano sas ou peri go sas des cri tas nos tipos con ti dos no art. 5º e no seupará gra fo único”. na ver da de, não vemos nenhu ma razão lógi ca ou jurí di ca paracolo cá-los em segun do plano, mesmo que se trate de infra ção penal con tra aadministração pública, que não é o caso do dis po si ti vo ora exa mi na do, pois,espe ci fi ca men te, lesa tanto bem jurí di co per ten cen te à ordem públi ca, quan tobem jurí di co per ten cen te ao par ti cu lar (patri mô nio). na rea li da de, o estado é sem -pre sujei to pas si vo pri má rio de todos os cri mes, desde que avo cou a si o mono pó -lio do ius punien di, daí o cará ter públi co do direi to penal que somen te tute la inte -res ses par ti cu la res pelos refle xos que sua vio la ção acar re ta na cole ti vi da de. Comefei to, a lei penal pro te ge, em pri mei ro plano, o inte res se da ordem jurí di ca geral,cujo titu lar é o estado e, secun da ria men te, o inte res se do par ti cu lar. Como lecio -na va heleno Fragoso, “o que na dou tri na se con si de ra sujei to pas si vo é o titu lar dointe res se ime dia ta men te ofen di do pela ação deli tuo sa ou do bem jurí di co par ti cu -lar men te pro te gi do pela norma penal, ou seja, o sujei to pas si vo par ti cu lar ousecun dá rio”. por isso, a nosso juízo, nessa maio ria de cri mes, chega a ser des ne ces -sá rio men cio nar o estado como sujei to pas si vo, pois seria uma afir ma ção pleo nás -ti ca. no entan to, em deter mi na dos cri mes, não há sujei to pas si vo par ti cu lar, comoocor re nos cha ma dos cri mes con tra a paz públi ca (arts. 286 a 288). Contudo, oestado con ti nua, como sem pre, sendo o titu lar do bem jurí di co lesa do.

em outros cri mes, porém, como esses capi tu la dos nos cri mes con tra aadministração pública pra ti ca dos por seus pró prios fun cio ná rios, é o estado queapa re ce como sujei to pas si vo par ti cu lar, pois é titu lar do bem jurí di co dire ta men -te ofen di do pela ação incri mi na da. Quando, nessa espé cie de crime, atin ge-setam bém o patri mô nio ou qual quer outro inte res se penal men te tute la do do par -ti cu lar, este tam bém se apre sen ta como sujei to pas si vo e, se alguém deve serdeno mi na do como sujei to secun dá rio, acre di ta mos que, ainda assim, deve ria sero estado, que é sem pre ofen di do, e não o par ti cu lar even tual men te lesa do.

em sín te se, o estado, que é o sujei to pas si vo per ma nen te de todos os cri mespra ti ca dos con tra a administração pública, deve ria ser, con tu do, con si de ra docomo sujei to pas si vo secun dá rio sem pre que hou ver lesa do ou ofen di do dire ta -

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men te bem jurí di co per ten cen te a algum par ti cu lar. Finalmente, somen te paraevi tar mos difi cul da des meto do ló gi cas, segui re mos a dou tri na majo ri tá ria, res sal -van do ape nas nosso enten di men to pes soal sobre essa temá ti ca.

4. pressuposto da apro pria ção indé bi ta finan cei ra

pressuposto do crime de apro pria ção indé bi ta é a ante rior posse líci ta doobje to mate rial alheio, do qual o agen te apro pria-se inde vi da men te. a posse, quedeve pree xis tir ao crime, deve ser exer ci da pelo agen te em nome alheio, isto é,em nome de outrem, seja ou não em bene fí cio pró prio”.9 É neces sá rio que oagen te possa ter dis po ni bi li da de físi ca dire ta ou ime dia ta do bem alheio – dinhei -ro, títu lo, valor ou qual quer outro bem móvel –, sub se quen te à tra di tio volun tá -ria, livre e cons cien te. Contudo, a essa dis po ni bi li da de mate rial não deve cor res -pon der a dis po ni bi li da de jurí di ca uti domi nus. ou seja, o que o agen te pos suíaalie no domi ne passa a pos suir causa domi nii. “dá-se uma con tra dic tio entrecausa pos ses sio nis vel deten tio nis e a super ve nien te con du ta do agen te em rela -ção à coisa pos suí da ou deti da.”10 Com efei to, não há vio la ção da posse mate rialdo domi nus, pois a coisa alheia já se encon tra no legí ti mo e des vi gia do poder dedis po ni bi li da de físi ca do agen te.

pressuposto do crime de apro pria ção indé bi ta finan cei ra, rei te ran do, é aante rior posse líci ta do bem alheio, do qual o agen te se apro pria inde vi da men te.Como afir ma va heleno Fragoso, refe rin do-se à apro pria ção indé bi ta tra di cio nal,“a posse que deve pree xis tir ao crime deve ser exer ci da pelo agen te em nome alheio (nomi ne alie no), isto é, em nome de outrem, seja ou não em bene fí cio pró -prio”.11 Quer dizer, neste crime, o dolo é sub se quen te, pois a apro pria ção segue-se à posse da coisa. na ver da de, no crime de apro pria ção indé bi ta, há uma alte -ra ção do títu lo da posse, uma vez que o agen te passa a agir como se dono fosse dacoisa alheia de que tem a posse legí ti ma. para se carac te ri zar a apro pria ção indé -bi ta, tanto a tra di cio nal, como a espe cial (finan cei ra), é fun da men tal a pre sen çado ele men to sub je ti vo trans for ma dor da natu re za da posse, de alheia para pró -pria. ao con trá rio do crime de furto, o agen te tem a posse líci ta da coisa. recebe-a legi ti ma men te. muda somen te o ani mus que o liga à coisa ou aos obje tos men -cio na dos expres sa men te no dis po si ti vo sub exa men.

este pri mei ro ele men to – posse legí ti ma de bem alheio móvel –, sobre o qualse deve inver ter o ani mus rem sibi haben di, é indis pen sá vel ao exame da carac te -ri za ção do crime de apro pria ção indé bi ta finan cei ra. em não haven do a ante riorposse legí ti ma de coisa alheia móvel, não se pode falar em apro pria ção indé bi ta,

9 heleno Claudio Fragoso. lições de direito penal... p. 416.10 nelson hungria. Comentários ao Código penal, v. 7... p. 129.11 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal... p. 416.

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em que a inver são do títu lo da posse é fun da men tal. no entan to, se o sujei to ativoage de má-fé, man ten do em erro a víti ma, que, ludi bria da, entre ga a coisa, pra ti -ca o crime de este lio na to, e não o de apro pria ção indé bi ta. ao con trá rio, se a von -ta de de pos suir a coisa, isto é, o ani mus, ante ce de a posse, que já é adqui ri da emnome pró prio e não no de ter cei ro, não se con fi gu ra apro pria ção indé bi ta.

5. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a reda ção do art. 5º, caput e pará gra fo, não é das mais feli zes, geran do gran -de difi cul da de na ‘ faina’ inter pre ta ti va, dei xan do gran de dúvi da sobre a ori geme a natu re za dos bens rela cio na dos como pos sí vel obje to mate rial de apro pria ção.não indi ca em que con di ções o sujei to ativo esta ria na posse dos mes mos, se osrece beu em cus tó dia ou depó si to na ins ti tui ção finan cei ra, ou se decor rem denegó cio estra nho a ela, nem quem seriam seus ver da dei ros donos ou titu la res.permite que um desa vi sa do intér pre te possa supor que, estan do satis fei ta a sim -ples con di ção da sub je ti vi da de ativa, exi gi da pelo tipo, de con tro la dor ou admi -nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra, seja sufi cien te para puni-lo pelo dis pos toneste art. 5º, por qual quer apro pria ção indé bi ta que tenha pra ti ca do, fato que jápreo cu pa va manoel pedro pimentel.12 no entan to, não foi esse, cer ta men te, oobje ti vo da lei nº 7.492/86, que se preo cu pou em escla re cer, de plano, que sedes ti na pro te ger o sis te ma finan cei ro nacio nal, não se pro pon do, logi ca men te, acri mi na li zar a apro pria ção indé bi ta tra di cio nal, que já encon tra sufi cien te repro -va ção no Código penal (art. 168),13 mas crian do somen te uma apro pria ção indé -bi ta espe cial, que pode ser deno mi na da ‘ financeira’, posto que pra ti ca da no âmbi -to do sis te ma finan cei ro nacio nal, cujo obje to mate rial deve rá ser, neces sa ria -men te, bem, valor ou títu lo cus to dia do ou depo si ta do na ins ti tui ção, deri van do,daí e a esse títu lo, a sua posse. nesse sen ti do, é incen su rá vel a con clu são detórtima quan do afir ma cate go ri ca men te: “o tipo penal da cabe ça do arti go rea -li za-se, por tan to, quan do o admi nis tra dor ou geren te da ins ti tui ção finan cei raapro pria-se de dinhei ro, títu los ou quais quer outros bens depo si ta dos ou cus to -dia dos na ins ti tui ção ou os des via em pro vei to pró prio ou de outrem.”14

12 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 55.13 “apropriação indé bi ta

art. 168. apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a deten ção:pena — reclu são, de 1 (um) a 4 (qua tro) anos, e multa.aumento de pena§ 1º a pena é aumen ta da de um terço, quan do o agen te rece beu a coisa:i – em depó si to neces sá rio;ii – na qua li da de de tutor, cura dor, sín di co, liqui da tá rio, inven ta rian te, tes ta men tei ro ou depo si tá rio judi -cial;iii – em razão de ofí cio, empre go ou pro fis são”.• publicado como § 1º o único pará gra fo deste arti go.

14 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 44-5.

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há três espé cies de ações incri mi na das, duas no caput – apro priar-se e des -viá-lo –, dife ren te men te da apro pria ção indé bi ta tra di cio nal, con ti da no Cp (art.168), e uma no pará gra fo único – nego ciar basi ca men te os mes mos obje tos mate -riais, ape nas excluin do dinhei ro, e incluin do direi to e qual quer bem imó vel. aexem pli fi ca ti va rela ção de bens que cons ti tuem o obje to mate rial da apro pria çãoindé bi ta espe cial teria sido melhor sin te ti za da na mesma expres são uti li za da peloCódigo penal: ‘coisa alheia móvel’.

no diplo ma legal codi fi ca do, a ação incri mi na da con sis te em apro priar-se decoisa alheia móvel de que tem a posse ou deten ção, ao passo que, nesta lei espe -cial, incri mi na-se (a) a ação de apro priar-se de dinhei ro, títu lo, valor ou qual queroutro bem móvel de que tem a posse, não se refe rin do à mera deten ção; (b) incri -mi na-se, igual men te, a ação de “des viá-los em pro vei to pró prio ou alheio”. háaqui, nesta segun da figu ra, um erro cras so do legis la dor, posto que se refe re aos vários bens elen ca dos no dis po si ti vo legal, mas o verbo nuclear ‘des viá-lo’ estágra fa do no sin gu lar. vejamos, a seguir, as duas con du tas deli ti vas cons tan tes docaput, igno ran do-se a incor re ção gra ma ti cal e, pos te rior men te, a ter cei ra figu ra,cons tan te do pará gra fo único, qual seja, ‘ negociar’.

(a) apropriar-se dos obje tos de que tem a posse é tomá-los para si, istoé, inver ter a natu re za da posse, pas san do a agir como se dono fosse dos obje -tos alheios de que tem posse. embora o texto legal não o diga expres sa men -te, a locu ção ‘apro priar-se... de que tem a posse’ só pode ser obje tos alheios,isto é, per ten cen tes a outrem. esse aspec to fica muito claro com a segun dacon du ta cri mi na li za da, que é ‘des viá-los em pro vei to pró prio ou de terceiro’.

(b) ‘des viá-los em pro vei to pró prio ou de terceiro’, pois essa segun daincri mi na ção refor ça o enten di men to de que o agen te detém a posse emnome de ter cei ro, a exem plo do que pres cre ve o Código penal (art. 168),embo ra o faça expres sa men te, ao con trá rio da lei espe cial que é omis sa, nopar ti cu lar. porque não são seus, ou seja, por que não lhe per ten cem, o agen -te não pode apro priar-se nem des viar aque les obje tos men cio na dos no caputdo arti go em exame, quais sejam, dinhei ro, títu lo, valor ou qual quer outrobem móvel de que tem a posse, e não pode des viá-los nem em pro vei to pró -prio, nem de ter cei ro.

desviar é alte rar a des ti na ção dos bens alheios, dar-lhes outro des ti no,outra fina li da de, é uti li zar qual quer dos bens alheios men cio na dos no dis po si ti -vo em fina li da de diver sa da que nor mal men te lhes tenha sido pre vis ta. desviaro uso ou a des ti na ção dos bens men cio na dos sig ni fi ca des vir tuar sua uti li za ção,inde vi da men te, ou seja, tanto sem auto ri za ção legal, como sem auto ri za ção dequem de direi to. Com efei to, o verbo nuclear ‘ desviar’ tem o sig ni fi ca do, nessedis po si ti vo legal, de dar-lhe outro enca mi nha men to ou, em outros ter mos, osujei to ativo dá ao obje to mate rial apli ca ção diver sa da que lhe foi deter mi na da

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em bene fí cio pró prio ou de outrem. nesta figu ra, que não exis te na apro pria çãoindé bi ta tra di cio nal (somen te no pecu la to-des vio, art. 312, 2ª parte, do Cp), não háo pro pó si to de apro priar-se, que é iden ti fi ca do como o ani mus rem sibi haben di,poden do ser carac te ri za do o des vio proi bi do pelo tipo, com sim ples uso irre gu lardo obje to mate rial da apro pria ção indé bi ta finan cei ra. em outros ter mos, ao invésdo des ti no certo e deter mi na do do bem de que se tem a posse, o agen te lhe dáoutro, no inte res se pró prio ou de ter cei ro. o des vio pode rá con sis tir no uso irre gu -lar do obje to mate rial (dinhei ro, títu lo, valor ou qual quer outro bem móvel).

(c) nego ciar, por fim, os bens obje to mate rial, rela cio na do no pará gra -fo único, den tre os quais estão incluí dos direi to e qual quer bem imó vel eexcluí do “dinhei ro”, desde que ocor ra sem auto ri za ção de quem de direi to.negociar, que não é uma con du ta uti li za da nos tipos penais simi la res, comona apro pria ção indé bi ta (art. 168) e no pecu la to (312), ambos do Códigopenal, “sig ni fi ca con cluir uma ope ra ção mer can til ou finan cei ra, envol ven -do, no caso, o bem do lesa do, poden do tal negó cio ser uma venda, umemprés ti mo, ofer ta em garan tia etc. para a con fi gu ra ção não se exige que opro prie tá rio do bem sofra efe ti vo pre juí zo”.15

Quanto ao verbo nego ciar, no sen ti do empre ga do pelo legis la dor, a melhorforma de tra du zi-lo é comer ciar, seja por venda ou per mu ta, dação em paga men -to, emprés ti mo ou em garan tia pig no ra tí cia. pimentel tam bém já ques tio na va ainclu são de imó vel como obje to mate rial deste crime, na moda li da de de nego -ciar, afir man do: “nego ciar imó vel de que tem a posse, sem auto ri za ção de quemde direi to, é algo bas tan te impro vá vel, por que nego ciar, aqui com o sen ti do deven der, impli ca na neces si da de de trans mis são do domí nio, direi to que o pos sui -dor não tem.”16

por fim, o texto legal per mi te inter pre ta ção exten si va ou ana ló gi ca ante aslocu ções ‘ou qual quer outro bem móvel’, cons tan te no caput do arti go, e ‘ouqual quer bem móvel ou imóvel’, refe ri do no pará gra fo único. depara-se, noentan to, com uma difi cul da de her me nêu ti ca ante a ine xis tên cia de parâ me troscom pa ra ti vos, orien ta do res e limi ta do res da inter pre ta ção exten si va ade qua da.Com efei to, nas hipó te ses per mis si vas da inter pre ta ção ana ló gi ca, nor mal men te,o legis la dor penal usa expres sões limi ta do ras, como, por exem plo, ‘ou outras semelhantes’, sig ni fi can do que a exten são das hipó te ses exem pli fi ca das deveguar dar estri ta seme lhan ça, a exem plo do que ocor re na defi ni ção do crime con -

15 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 48.16 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 57.

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ti nua do, quan do rela cio na as con di ções obje ti vas “de tempo, lugar, manei ra deexe cu ção e outras seme lhan tes” (art. 71 do Cp).

não se trata de ana lo gia em sen ti do estri to, como pro ces so inte gra ti vo danorma lacu no sa, mas de ‘inter pre ta ção por analogia’, isto é, de um pro ces sointer pre ta ti vo ana ló gi co pre via men te deter mi na do pela lei, ou seja, um meioindi ca do para inte grar o pre cei to nor ma ti vo den tro da pró pria norma, esten den -do-o a situa ções aná lo gas, como ocor re no exem plo supra men cio na do. não éinco mum a lei dis por que, além dos casos espe ci fi ca dos, o pre cei to se apli que a outros aná lo gos ou seme lhan tes. Completa-se o con teú do da norma com um pro -ces so de inter pre ta ção exten si va, apli can do-se ana lo gi ca men te aos casos seme -lhan tes que se apre sen tem, por deter mi na ção da pró pria norma; como des ta ca vaJiménez de asúa, “é a pró pria lei que a orde na e, por isso, não se trata de ana lo -gia, mas de inter pre ta ção ana ló gi ca, posto que ela se vin cu la à pró pria von ta de dalei” (gri fos acres cen ta dos).

essa téc ni ca – inter pre ta ção ana ló gi ca –, uti li za da em mui tos dis po si ti vos penais, não deixa de ser uma espé cie de inter pre ta ção exten si va, conhe ci da comointer pre ta ção ana ló gi ca, em que a pró pria lei deter mi na que se amplie seu con -teú do ou alcan ce e for ne ce cri té rio espe cí fi co para isso. a ‘inter pre ta ção ana -lógica’, repe tin do, é pro ces so inter pre ta ti vo, dis tin guin do-se, por tan to, da ‘ -analogia’, que é pro ces so inte gra ti vo e tem por obje to a apli ca ção de lei. nomesmo sen ti do, o pena lis ta espa nhol polaino navarrete afir ma: “por inter pre ta -ção ana ló gi ca deve-se enten der a inter pre ta ção de um pre cei to por outro queprevê caso aná lo go, quan do no últi mo apa re ce claro o sen ti do que no pri mei roestá obs cu ro: com este enten di men to, se a con si de ra como uma espé cie de inter -pre ta ção sis te má ti ca. distinta da inter pre ta ção ana ló gi ca, que é a apli ca ção da leipor ana lo gia, que con sis te em fazer apli cá vel a norma a um caso seme lhan te, masnão com preen di do na letra nem no pen sa men to da lei.”17

por isso, a inter pre ta ção ana ló gi ca, ao con trá rio da ana lo gia, pode ser, e nor -mal men te é, apli ca da às nor mas penais incri mi na do ras. estas, em obe diên cia aoprin cí pio nul lum cri men, nulla poena sine lege, não podem ter suas lacu nas inte -gra das ou col ma ta das pela ana lo gia em obe diên cia exa ta men te ao prin cí pio nul -lum cri men sine prae via lege.

Concluindo com o magis té rio de asúa, inter pre ta ção ana ló gi ca e ana lo gia sãocoi sas dis tin tas, “por que a inter pre ta ção é o des co bri men to da von ta de da lei emseus pró prios tex tos, ao passo que com a ana lo gia não se inter pre ta uma dis po si -ção legal, que em ver da de não exis te, mas, ao con trá rio, apli ca-se ao caso con cre -

17 miguel polaino navarrete. derecho penal: fun da men tos cien tí fi cos del derecho penal, Barcelona, Bosch,1996, v. 1, p. 416.

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to uma regra que dis ci pli na um caso seme lhan te. naquela falta a expres são lite ral,mas não a von ta de da lei, e na ana lo gia falta tam bém a von ta de desta”.18

poder-se-á dis cu tir a natu re za do pro vei to exi gi do para con fi gu rar o crimede apro pria ção indé bi ta finan cei ra, se deve ou não ter natu re za eco nô mi ca.Contrariamente, con tu do, ao que se pode ria exi gir nos cri mes patri mo niais, aqui,mesmo que impli que, nesta figu ra, valor patri mo nial, o pro vei to pode ser dequal quer natu re za, patri mo nial, moral, fun cio nal etc. nessa moda li da de, o crimecon su ma-se com a efe ti va ção do des vio, inde pen den te men te da real obten ção depro vei to para si ou para outrem, basta que refe ri do des vio faça parte do ele men -to sub je ti vo espe cial do tipo.

embora pre sen te no tipo, a ele men tar ‘sem auto ri za ção de quem de direito’diz res pei to à anti ju ri di ci da de, mas é, ao mesmo tempo, um ele men to nor ma ti vodo tipo, cuja pre sen ça deve ser cons ta ta da sob pena de des ca rac te ri zar-se o crime,pois, se o negó cio for feito com a devi da auto ri za ção, não have rá ilí ci to penal.19

a sua ausên cia torna a con du ta não só atí pi ca como per mi ti da. o tipo penal, queora ana li sa mos, traz em sua cons tru ção típi ca a locu ção ‘sem auto ri za ção de quemde direito’, cons ti tuin do ele men tar típi ca, nesse caso, como carac te rís ti ca nega -ti va expres sa da figu ra típi ca. a ausên cia de auto ri za ção de quem de direi to, nestecaso, cons ti tui ele men tar do tipo; aliás, a exis tên cia de auto ri za ção de quem dedirei to afas ta não ape nas a anti ju ri di ci da de, como nor mal men te ocor re ria, mastam bém a pró pria tipi ci da de da con du ta. enfim, se o sujei to pas si vo, isto é, o titu -lar, dono ou pos sui dor do títu lo, direi to ou qual quer outro bem móvel ou imó velauto ri zar que os mes mos podem ser ‘ negociados’, a con du ta do sujei to ativo seráatí pi ca, ou seja, indi fe ren te ao direi to penal.

6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien tede apro priar-se, isto é, de asse nho rear-se de bem móvel (dinhei ro, títu lo, valorou qual quer outro bem) de que tem a posse em nome de outrem, com a cons ciên -cia de que não lhe per ten ce, inver ten do o títu lo da posse, ou des viá-lo de suafina li da de em pro vei to pró prio ou alheio. em outros ter mos, é neces sá ria a exis -tên cia de von ta de cons cien te e defi ni ti va de não res ti tuir a coisa alheia ou des -viá-la de sua fina li da de.

o dolo – que se encon tra no tipo – deve abran ger todos os ele men tos con -fi gu ra do res da des cri ção típi ca, sejam eles fáti cos, jurí di cos ou cul tu rais. o autorsomen te pode rá ser puni do pela prá ti ca de um fato dolo so quan do conhe cer as

18 luís Jiménez de asúa. principios de derecho penal – la ley y el deli to, Buenos aires, abeledo-perrot,1990, p. 122.

19 pimentel. Crimes con tra o sis te ma... p. 59.

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cir cuns tân cias fáti cas que o cons ti tuem. eventual des co nhe ci men to de um ououtro ele men to cons ti tu ti vo do tipo pode cons ti tuir erro de tipo, exclu den te dodolo. em outros ter mos, o agen te deve ter von ta de e cons ciên cia de apro priar-sedos bens móveis alheios, isto é, de tomar para si coisa que não lhe per ten ce ou,como diz o texto legal, de des viá-los em pro vei to pró prio ou alheio. essa é arepre sen ta ção sub je ti va que deve abran ger e orien tar a ação do sujei to ativo, oqual, se pra ti car as duas figu ras típi cas, apro priar-se e depois des viá-los, pra ti ca -rá crime único, por tra tar-se de crime de con teú do varia do.

no crime de apro pria ção indé bi ta finan cei ra, a exem plo do que ocor re coma apro pria ção indé bi ta tra di cio nal, há uma inver são do títu lo da posse, já que oagen te passa a agir como se dono fosse da coisa alheia de que tem a posse legí ti -ma. É fun da men tal a pre sen ça do ele men to sub je ti vo trans for ma dor da natu re zada posse, de alheia para pró pria, como ele men to sub je ti vo espe cial do injus to, sobpena de não se con fi gu rar a apro pria ção inde vi da.

afirma-se que, nesse crime, o dolo é sub se quen te, pois a apro pria ção segue-se à posse líci ta da coisa. o dolo é, na espé cie, como afir ma Fernando Fragoso, “avon ta de de asse nho rear-se de bem móvel (ani mus rem sibi haben di), com cons -ciên cia de que per ten ce a outrem, inver ten do o títu lo da posse”.20 Contrariandoesse enten di men to, heleno Fragoso sus ten ta va que “não exis te dolo sub se qüen -te [sic] [...] o dolo deve neces sa ria men te domi nar a ação (res sal va da a situa çãoexcep cio nal de actio libe ra in causa), e no caso se reve la com a apro pria ção, ouseja, quan do o agen te inver te o títu lo da posse”.

na ver da de, embo ra pare ça, não che gam a ser con tra di tó rias as duas orien -ta ções; basta que se pro cu re empres tar maior pre ci são aos ter mos empre ga dos,isto é, deve-se inter pre tar ade qua da men te o sen ti do da locu ção ‘dolo subsequente’. explicando: não se des co nhe ce que o dolo, neces sa ria men te e sem -pre, tem de ser atual, isto é, con tem po râ neo à ação proi bi da. se fosse ante rior,estar-se-ia dian te de um crime pre me di ta do; se fosse pos te rior, de crime não setra ta ria, pois a con du ta pra ti ca da não teria sido orien ta da pelo dolo. Com efei to,quan do se fala em dolo sub se quen te, não se está pre ten den do afir mar que o doloé pos te rior à ação de apro priar-se, como pode ter inter pre ta do heleno Fragoso;logi ca men te, busca-se ape nas dei xar claro que é neces sá rio o ani mus apro prian -di ocor rer após a posse alie no nomi ne.

6.1. elemento sub je ti vo espe cial do injus to: em pro vei to pró prio ou alheio

para que se com ple te, con tu do, essa con du ta típi ca, é indis pen sá vel, nasduas pri mei ras figu ras típi cas – apro priar-se ou des viá-los –, além do dolo, a pre -

20 Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, in heleno Cláudio Fragoso. lições dedireito penal, parte especial, 10. ed., rio de Janeiro, Forense, 1988, v. 1, p. 693.

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sen ça do ele men to sub je ti vo espe cial do injus to, ou seja, que se faça o des vio empro vei to pró prio ou alheio, de tal sorte que a even tual ausên cia desse ele men tosub je ti vo impe de a con fi gu ra ção dessa infra ção penal. esse ele men to sub je ti voestá implí ci to na pri mei ra figu ra, ‘em pro vei to próprio’, pois seria incom preen sí -vel apro priar-se em bene fí cio de ter cei ro, e explí ci to na segun da, ‘des viá-los empro vei to pró prio ou de alheio’. Com efei to, se o des vio ope rar-se em bene fí cio dapró pria ins ti tui ção finan cei ra, não have rá apro pria ção indé bi ta finan cei ra, pro -pria men te, mas o des vio do obje to mate rial pode rá con fi gu rar outro crime, e nãoeste. em outros ter mos, o des vio dos bens, obje to mate rial desta infra ção penal,não encon tra ade qua ção típi ca no pre cei to pri má rio deste arti go 5º.

por outro lado, essa espe ci fi ca ção do dolo não se faz pre sen te na ter cei ramoda li da de de apro pria ção indé bi ta, qual seja, ‘ negociar’ direi to, títu lo ou qual -quer bem móvel ou imó vel. Com efei to, não há a exi gên cia da pre sen ça de qual -quer ele men to sub je ti vo espe cial do injus to rela ti va men te à con du ta de ‘ -negociar’. na rea li da de, essa ter cei ra figu ra de ‘apro pria ção indé bi ta financeira’cons ti tui crime autô no mo, inde pen den te, que ape nas apro vei tou-se da estru tu rado tipo do art. 5º ora em exame; é, diga mos, uma figu ra para si ta, divor cia da dascon du tas típi cas que, nor mal men te, seguem o per fil his tó ri co dos simi la res cri -mes-bási cos apro pria ção indé bi ta e pecu la to.

7. apropriação indé bi ta finan cei ra e rela ção man dan te-man da tá rio

a rela ção man dan te-man da tá rio pode apre sen tar uma gama varia da desitua ções, que pode ir da sim ples infra ção ético-dis ci pli nar, pas san do pelo ina -dim ple men to con tra tual (ilí ci to civil), até a carac te ri za ção de infra ção penal(este lio na to, apro pria ção indé bi ta finan cei ra etc.). diante dessa mul ti pli ci da dede situa ções, é impos sí vel esta be le cer regras gené ri cas, visto que somen te ocasuís mo pode rá indi car a natu re za de even tual infra ção (civil, admi nis tra ti va,cam bial ou cri mi nal).

a figu ra da apro pria ção indé bi ta finan cei ra pres su põe a exis tên cia de ele -men to sub je ti vo espe cial do injus to, ou seja, a toma da do bem alheio em pro vei -to pró prio ou alheio. a exis tên cia de rela ção jurí di ca man dan te-man da tá rio levaà con clu são da ine xis tên cia do dolo. o sim ples fato de o man da tá rio, por exem -plo, depo si tar em conta ban cá ria valor por ele admi nis tra do não impli ca, neces -sa ria men te, a inver são do onus pro ban di, o que colo ca ria nos ombros do agen tea obri ga ção de fazer prova de fato nega ti vo – o de não haver pra ti ca do o crime –,mor men te com a con se quên cia de, não a imple men tan do, vir a ser con de na do.não se pode cogi tar de prova da ausên cia da inten ção de apro priar-se, por quan -to ine ren te à razoa bi li da de que nor teia o pro ce di men to- padrão.

Com efei to, não se pode esque cer que a figu ra da apro pria ção indé bi tafinan cei ra exige um ele men to sub je ti vo espe cial do tipo, qual seja, tomar para sio bem de que tem posse com a inten ção de não res ti tuí-lo ou des viá-lo da fina li -

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da de para a qual o rece beu. será da acu sa ção, por certo, a obri ga ção de pro var queo sim ples depó si to ban cá rio inver teu a natu re za da posse. se o estado-acu sa dornão con se gue tra zer aos autos ele men tos con vin cen tes a res pei to da exis tên cia dedolo na apro pria ção do bem, isto é, se não há a indis pen sá vel cer te za sobre ainten ção final do agen te (ele men to sub je ti vo espe cial do injus to), a apro pria çãoindé bi ta finan cei ra não está con fi gu ra da e a com po si ção do lití gio deve resol ver-se na esfe ra do direi to pri va do.

por outro lado, quan do o advo ga do rece be valo res, a títu lo de paga men -to par cial de hono rá rios, para ajui zar ação, mas não o faz, incor re em ina dim -plên cia con tra tual civil e não no crime do art. 168 do Código penal, pois nãorece beu tais impor tân cias para res ti tuí-las, pres su pos to fun da men tal da apro -pria ção indé bi ta.

8. Consumação e ten ta ti va

o momen to con su ma ti vo do crime de apro pria ção indé bi ta, con vém regis -trar de plano, é de difí cil pre ci são, pois depen de, em últi ma aná li se, de uma ati -tu de sub je ti va. Consuma-se, enfim, com a inver são da natu re za da posse, carac -te ri za da por ato demons tra ti vo de dis po si ção da coisa alheia ou pela nega ti va emdevol vê-la. É pre ci so, por tan to, des ta ca va manoel pedro pimentel, “que hajaefe ti va demons tra ção de que houve a inver são do títu lo da posse, atra vés dealgum ato que a reve le. em con clu são, só quan do ficar reve la do o inten to dosujei to ativo, atra vés de atos exte rio res, de pos suir a coisa em seu pró prio nome,como se fosse dono, é que have rá con di ção de afir mar, com cer te za, que o crimese con su mou”.21

a con su ma ção da apro pria ção indé bi ta finan cei ra e, por exten são, o aper fei -çoa men to do tipo coin ci dem com aque le momen to em que o agen te, por atovolun tá rio e cons cien te, inver te o títu lo da posse exer ci da sobre a coisa, pas san -do a dela dis por como se pro prie tá rio fosse. Contudo, a cer te za da recu sa emdevol ver a coisa somen te se carac te ri za por algum ato exter no, típi co de domí -nio, com o ânimo de apro priar-se dela.

o ani mus rem sibi haben di, carac te rís ti co do crime de apro pria ção indé bi -ta finan cei ra, pre ci sa ficar demons tra do à sacie da de. se o agen te não mani fes ta ainten ção de ficar com a res e, ao con trá rio, res ti tui-a à víti ma tão logo pos sí vel,o dolo da apro pria ção indé bi ta não se aper fei çoa. a sim ples demo ra na devo lu -ção da res, quan do não exis te prazo pre vis to para tanto, não carac te ri za o deli tode apro pria ção indé bi ta.

21 pimentel. Crimes con tra o sis te ma... p. 61.

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Como crime mate rial, a ten ta ti va é pos sí vel, embo ra de difí cil con fi gu ra ção.hungria cri ti ca va dura men te a cor ren te con trá ria à admis si bi li da de da ten ta ti vana apro pria ção indé bi ta tra di cio nal, nos ter mos seguin tes: “não aco lhe mos a opi -nião daque les que enten dem não ser pos sí vel a ten ta ti va de apro pria ção indé bi -ta. É ela con fi gu rá vel não ape nas no exem plo clás si co do men sa gei ro infiel que ésur preen di do no momen to de vio lar o enve lo pe que sabe con ter valo res, senãotam bém toda a vez que a apro pria ção encer ra um iter ou, como diz hafter, seexe cu ta median te um ato reco nhe cí vel ab exter no (‘einen äus ser lich erkenn ba -ren akt’), como, por exem plo, venda ou penhor.”22

a des pei to da difi cul da de de sua com pro va ção, a iden ti fi ca ção da ten ta ti vafica na depen dên cia da pos si bi li da de con cre ta de se cons ta tar a exte rio ri za ção doato de von ta de do sujei to ativo, capaz de demons trar a alte ra ção da inten ção doagen te de apro priar-se do bem alheio, inver ten do a natu re za da posse. não sepode negar a con fi gu ra ção da ten ta ti va quan do, por exem plo, o pro prie tá rio sur -preen de o pos sui dor efe tuan do a venda do bem que lhe per ten ce e somen te ainter ven ção daque le – cir cuns tân cia alheia à von ta de do agen te – impe de a tra -di ção do obje to ao com pra dor, desde que nenhum ato ante rior tenha demons tra -do essa inten ção. magalhães noronha e heleno Fragoso, embo ra assu min do aexis tên cia de con tro vér sia, reco nhe ciam que, como crime de dano, a apro pria çãoindé bi ta, dou tri na ria men te, admi te a ten ta ti va. todos os aspec tos dog má ti cosapli cá veis à apro pria ção indé bi ta tra di cio nal apli cam-se igual men te à apro pria -ção indé bi ta finan cei ra, por todas as razões já expos tas.

9. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime pró prio (somen te pode ser pra ti ca do por agen te que reúnadeter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial, na hipó te se, que seja con tro la dor,admi nis tra dor, dire tor ou geren te de ins ti tui ção finan cei ra, bem como inter ven -tor, liqui dan te ou sín di co); mate rial (exige resul ta do natu ra lís ti co, repre sen ta dopela dimi nui ção do patri mô nio da víti ma); dolo so (não há pre vi são legal para afigu ra cul po sa); de forma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modopara exe cu ção dessa infra ção penal, poden do ser rea li za do do modo ou pelo meioesco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipoimpli ca a rea li za ção de uma con du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi -bi ti va e não man da men tal); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen todeter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul -ta do); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin -

22 nelson hungria. Comentários ao Código penal... p. 145.

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do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); e plu ris sub sis ten te (pode ser des do bra doem vários atos que, no entan to, inte gram a mesma con du ta).

10. algumas ques tões espe ciais sobre ati pi ci da de

a mora ou sim ples des ca so em devol ver o ‘bem alheio’ não con fi gu ra, por sisó, apro pria ção indé bi ta finan cei ra por fal tar-lhe o ele men to sub je ti vo orien ta -dor da con du ta, qual seja, o ani mus apro prian di, além do espe cial fim do injus to,‘em pro vei to pró prio ou alheio’. se o agen te, na loca ção de coisa móvel, deixa deres ti tuí-la no prazo con ven cio na do, sem, con tu do, reve lar ani mus rem sibihaben di, o fato cons ti tui mero ilí ci to civil e não apro pria ção indé bi ta. por fim,coisa fun gí vel (dinhei ro, por exem plo), empres ta da ou depo si ta da, para ser res ti -tuí da na mesma espé cie, quan ti da de e qua li da de, não pode ser, geral men te, obje -to de apro pria ção indé bi ta. Contudo, na hipó te se espe cí fi ca de apro pria ção indé -bi ta finan cei ra, por expres sa pre vi são no caput do art. 5º, que ora exa mi na mos, aapro pria ção ou o des vio, em pro vei to pró prio ou alheio, pode carac te ri zar estainfra ção espe cial, mas somen te, repe tin do, nes tas duas moda li da des. porém, seráabso lu ta men te impos sí vel con fi gu rar-se a apro pria ção na ter cei ra moda li da de,qual seja, “nego ciar direi to, títu lo ou qual quer outro bem móvel ou imó vel”. denotar-se que o legis la dor, ao con trá rio do que fez no caput do arti go 5º, pro po si -tal men te, excluiu, no pará gra fo único, o termo ‘ dinheiro’ do rol exem pli fi ca ti voali con tem pla do.

11. pena e ação penal

a pena comi na da, cumu la ti va men te, é de reclu são, de dois a seis anos, emulta. a ação penal é públi ca incon di cio na da, não depen den do da mani fes ta çãode quem quer que seja. a auto ri da de com pe ten te deve agir de ex offi cio.

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Capítulo vi

Falsa informação sobre operaçãoou situação Financeira

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 4.1. semelhanças e des se me lhan çasentre o crime do art. 6º da lei nº 7.492/86 e o crime de este lio na to. 4.2. a obten çãode van ta gem inde vi da: ele men to nor ma ti vo implí ci to. 5. tipo sub je ti vo: ade qua çãotípi ca. 6. Classificação dou tri ná ria. 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e ação penal.

art. 6º induzir ou man ter em erro sócio, inves ti dor, ou repar ti ção públi cacom pe ten te, rela ti va men te à ope ra ção ou situa ção finan cei ra, sone gan do-lheinfor ma ção ou pres tan do-a fal sa men te.

pena – reclu são, de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

1. Considerações pre li mi na res

este tipo penal foi, ori gi na ria men te, intro du zi do na legis la ção bra si lei rapela lei nº 7.492/86, não haven do pre ce den tes nos diplo mas legais nacio nais,nem mesmo nos projetos ou anteprojetos de que tenha mos conhe ci men to.destaca pimentel1 que, nesse dis po si ti vo, tem-se a impres são de que o legis la dorpre ten deu nor ma ti zar as rela ções inter nas da ins ti tui ção finan cei ra, pro te gen doos inte res ses de sócio, inves ti dor e repar ti ção públi ca rela ti va men te ao aces so àsinfor ma ções ver da dei ras, a res pei to dos aspec tos ope ra cio nais e finan cei ros dasocie da de.

no entan to, com acui da de, tórtima2 des ta ca que a lei das sociedadesanônimas (nº 6.404/76), em seu art. 157, § 1º, já demons tra va a aten ção do legis -la dor com as infor ma ções refe ren tes às ope ra ções e quais quer outros fatos rele -van tes das com pa nhias aber tas, que, nas assem bleias gerais, devem ser pres ta dasaos seus acio nis tas.

1 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 62.2 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 51.

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2. Bem jurí di co tute la do

o con teú do dos arti gos 6º, 9º e 10 apre sen tam gran de seme lhan ça não ape -nas quan to aos meios ou modus ope ran di e obje tos mate riais, mas tam bém quan -to aos bens jurí di cos tute la dos, tra tan do-se todos de cri mes plu rio fen si vos.Certamente por essas razões, manoel pedro pimentel afir mou que este dis po si ti -vo, “de uma certa forma, ante ci pa a tipi fi ca ção de figu ras que serão des cri tas nosarts. 9º e 10 desta lei”.3

o bem jurí di co tute la do, espe ci fi ca men te, é a invio la bi li da de e a cre di bi li -da de do mer ca do de capi tais, zelan do pela regu la ri da de das tran sa ções ope ra dasnas e pelas ins ti tui ções finan cei ras. para o bom e regu lar fun cio na men to dessemer ca do, é indis pen sá vel asse gu rar-se da reti dão das infor ma ções pres ta das asócio, inves ti dor e repar ti ção públi ca com pe ten te rela ti vas à ope ra ção ou à situa -ção finan cei ra.

tratando-se de crime plu rio fen si vo, tute la, igual men te, o patri mô nio desócio e inves ti dor, proi bin do que sejam indu zi dos ou man ti dos em erro, com aomis são de infor ma ção ou median te infor ma ção falsa, ao mesmo tempo impe deque a pró pria repar ti ção públi ca com pe ten te seja víti ma da mesma infra ção.tutela-se, enfim, tanto o inte res se social, repre sen ta do pela con fian ça recí pro caque deve pre si dir os rela cio na men tos patri mo niais indi vi duais e comer ciais,quan to o inte res se públi co de repri mir a frau de cau sa do ra de dano à ins ti tui çãofinan cei ra. no entan to, o bem jurí di co deve ser efe ti va men te lesa do em res pei toao prin cí pio da ofen si vi da de, como afir ma reale Junior: “na pers pec ti va da anti -ju ri di ci da de mate rial, é impe rio so que essa ação tenha poten cia li da de de cau sarlesão ao bem jurí di co pro te gi do”.4

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo, apa ren te men te, deve ria ser somen te aque les do rol con ti do noart. 25, pois, teo ri ca men te, deve agir em nome da ins ti tui ção finan cei ra para so -ne gar infor ma ção ou pres tá-la fal sa men te a sócio, inves ti dor ou à repar ti çãopúbli ca com pe ten te. Contudo, assim não o é, poden do-se, quem sabe, falar-se emcrime rela ti va men te impró prio?!

no entan to, embo ra esta deva ser a regra, admi ti mos a pos si bi li da de de umcon ta dor, audi tor ou algo que o valha, por exem plo, no exer cí cio de sua fun çãoou ati vi da de, pra ti car qual quer das con du tas des cri tas no tipo, isto é, sone garinfor ma ção ou pres tá-la fal sa men te a sócio, inves ti dor ou à repar ti ção públi ca

3 pimentel. Crimes con tra o sis te ma... p. 62.4 miguel reale Junior. direito penal aplicado, são paulo, revista dos tribunais, 1994, p. 38.

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com pe ten te, à reve lia de con tro la do res ou admi nis tra do res. evidentemente que seriam, neste caso, sujei tos ati vos dessa infra ção penal, inde pen den te men te defazê-lo em cará ter pes soal ou não, pois o tipo penal não exige que ação seja pra -ti ca da em bene fí cio pró prio ou de ter cei ro. e, nesta hipó te se, não é neces sá ria acor res pon sa bi li da de de algum admi nis tra dor ou con tro la dor, que pode, inclu si -ve, des co nhe cer a ati vi da de do subal ter no, sendo afas ta do, dessa forma, o cará terabso lu to de crime pró prio.

o con cur so de pes soas, quan do efe ti va men te ocor rer, por óbvio, deve seradmi ti do, o que não se admi te é a sua pre sun ção, pura e sim ples, por repre sen tarautên ti ca res pon sa bi li da de penal obje ti va. na rea li da de, além do rol espe cial cons -tan te do art. 25, outras pes soas tam bém podem ser sujei tos ati vos dessa infra çãopenal, além da pos si bi li da de nor mal de coau to ria e par ti ci pa ção, logi ca men te.

sujeito pas si vo, por fim, será o sócio ou inves ti dor, quan do forem os lesa dos,e, secun da ria men te, o estado, que é o res pon sá vel pelo sis te ma finan cei ro nacio -nal; no entan to, quan do a decla ra ção devi da omi ti da ou pres ta da fal sa men te des -ti nar-se à repar ti ção com pe ten te, o sujei to pas si vo é o estado que a repre sen ta.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

incriminam-se duas con du tas dis tin tas, quais sejam, indu zir ou man ter emerro sócio, inves ti dor ou repar ti ção públi ca com pe ten te. as duas con du tas são exa -ta men te iguais às uti li za das no crime de este lio na to. sonegar infor ma ção ou pres -tá-la fal sa men te, ao con trá rio do que afir mou manoel pedro pimentel,5 entre outros, não repre sen tam as con du tas incri mi na das, mas ape nas indi cam o modo oua forma de rea li zar aque las (indu zir ou man ter), como demons tra re mos adian te.

‘induzir’ tem o sig ni fi ca do de o agen te incu tir ou per sua dir alguém com suaação. examinando o sig ni fi ca do desse verbo, na tipi fi ca ção do crime de indu zi -men to ao sui cí dio, fize mos as seguin tes con si de ra ções: “induzir sig ni fi ca sus ci taro sur gi men to de uma idéia, tomar a ini cia ti va inte lec tual, fazer sur gir no pen sa -men to de alguém uma idéia até então ine xis ten te. pela indu ção o indu tor anulaa von ta de de alguém.” mutatis mutan dis, apli cam-se os mes mos con cei tos para ocaso deste crime, a exem plo do que ocor re no crime de este lio na to. no entan to,nesta figu ra, não se empre ga o verbo ’instigar’, como faz naque le crime con tra avida, pre fe rin do o verbo ‘ manter’, que quer dizer que a víti ma já se encon tra emerro, limi tan do-se o agen te, com sua ação frau du len ta, a não alte rar os fatos.Contudo, se a con du ta do agen te for mera men te omis si va, não se pode rá falar,por si só, em sone ga ção de infor ma ção, por que, mesmo nesta figu ra, a con du ta écomis si va.

5 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 63: “a figu ra indi ca duas manei ras de rea li za -ção do crime: indu zir ou man ter em erro e sone gar infor ma ção ou pres tar falsa infor ma ção”.

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‘erro’, na acep ção do tipo em exame, é a falsa repre sen ta ção ou ava lia çãoequi vo ca da da rea li da de. a víti ma supõe, por erro (no caso, indu zi do ou man ti -do por outrem), tra tar-se de uma rea li da de, quan do na ver da de está dian te deoutra; faz, em razão do erro, um juízo equi vo ca do da rela ção pro pos ta pelo agen -te. a con du ta frau du len ta do sujei to – sone ga ção de infor ma ção ou sua pres ta çãofalsa – leva a víti ma a incor rer em erro. o agen te colo ca –ou man tém – a víti manuma situa ção enga no sa, fazen do pare cer rea li da de o que efe ti va men te não é, enisso resi de a frau de, cons ti tui o meio frau du len to indu zir ou man ter sócio,inves ti dor ou repar ti ção públi ca com pe ten te em erro.

a frau de reque ri da na norma incri mi na do ra con ti da no art. 6º limi ta-sesomen te às duas for mas expres sas no res pec ti vo dis po si ti vo legal: sone ga ção deinfor ma ção ou pres ta ção de infor ma ção falsa. nesse sen ti do, lecio na, com abso -lu to acer to, reale Junior: “essa omis são de infor ma ção ou a infor ma ção falsadevem dizer res pei to à ope ra ção ou à situa ção finan cei ra da ins ti tui ção”.6 Comefei to, qual quer outra infor ma ção, não ver da dei ra, rela ti va a qual quer outroaspec to que não seja espe ci fi ca men te ope ra ção finan cei ra ou situa ção finan cei rade ins ti tui ção do gêne ro, não tipi fi ca rá as con du tas des cri tas nesse dis po si ti vo.poderá, evi den te men te, carac te ri zar outro crime de fal sum, mas não este, epode rá, inclu si ve, não ser da com pe tên cia da Justiça Federal, depen den do dascir cuns tân cias.

as con du tas deli tuo sas, pre vis tas neste arti go 6º, podem con cre ti zar-se deduas for mas: indu zin do a víti ma a erro ou man ten do-a no erro. na pri mei rahipó te se, a víti ma é leva da ao erro atra vés de um dos dois meios frau du len tosexpres sos no tipo, quais sejam sone gan do infor ma ção ou pres tan do-a fal sa men te(no caso de este lio na to, a víti ma é leva da ao erro em razão do estra ta ge ma, doardil ou engo do uti li za do pelo agen te); na segun da hipó te se, a víti ma (sócio,inves ti dor ou repar ti ção públi ca), que já se encon tra em erro, volun tá rio ou não,limi ta-se à ação do sujei to ativo de man ter o ofen di do na situa ção equi vo ca da emque se encon tra, sob os mes mos meios frau du len tos pre vis tos no tipo, ante rior -men te men cio na dos.

enfim, é pos sí vel que o agen te pro vo que a incur são da víti ma em erro ouape nas se apro vei te dessa situa ção em que a víti ma já se encon tra. de qual quersorte, nas duas moda li da des, come te o crime des cri to neste arti go sexto, porcomis são, indu zin do ou man ten do a víti ma em erro. parece-nos impor tan te refor -çar que, mesmo na segun da hipó te se, a con du ta é comis si va, pois para ‘ manter’ oagen te em erro deve agir posi ti va men te, razão pela qual cons ti tui grave equí vo coafir mar-se que a sone ga ção de infor ma ção repre sen ta a forma omis si va7 de pra ti -

6 miguel reale Junior. direito penal aplicado, são paulo, revista dos tribunais, 1994, n. 4, p. 38.7 Guilherme de souza nucci. Código penal Comentado... p. 1055; Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis -

te ma finan cei ro nacio nal... p. 695.

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car o crime. não se pode esque cer que as con du tas incri mi na das são indu zir ouman ter em erro, enquan to sone gar decla ra ção ou pres tá-la fal sa men te repre sen -tam somen te o modo ou forma de pra ti car aque las con du tas, que, neces sa ria men -te, exi gem uma ação comis si va.

a con tra rio sensu, admi tin do-se, segun do enten di men to de alguns dou tri -na do res, como crime omis si vo, o sujei to pas si vo que já se encon tra em erro, sefor man ti do, não pela omis são (sone ga ção de infor ma ção), mas pela pres ta ção deinfor ma ção falsa, não come te rá esse mesmo crime com a con du ta posi ti va; e tam -pou co come tê-la-á por indu ção (indu zir), posto que a víti ma já se encon tra emerro. no entan to, não se pode olvi dar que, pelo prin cí pio da reser va legal, crimecomis si vo não pode ser come ti do por omis são, e o inver so tam bém é ver da dei ro,ou seja, o crime omis si vo tam bém não pode ser come ti do por comis são. por isso,venia con ces sa, inter pre tan do-se a sone ga ção de infor ma ção como forma decome ti men to omis si vo do crime, redu zir-se-ia em dema sia do o alcan ce do tipopenal e, cer ta men te, não deve ser essa a melhor inter pre ta ção. nesse sen ti do, éincen su rá vel o magis té rio de José Carlos tórtima, quan do afir ma: “ocorre,entre tan to, que, a rigor, o alvo da incri mi na ção da lei não é o fato de o lesa do dei -xar de rece ber a infor ma ção devi da, mas sim o que o agen te fez ou dei xou defazer para que tal suce des se. e o que a lei muito cla ra men te recri mi na ao agen -te, para sub me tê-lo aos seus rigo res, é ter sone ga do a infor ma ção (ou a pres ta dofal sa men te) e não mera men te omi tin do-a, o que é muito dife ren te.”8

a nosso juízo, sone gar infor ma ção e pres tá-la fal sa men te indi cam a formade rea li zar as duas moda li da des de con du tas proi bi das, ‘ induzir’ e ‘ manter’ emerro, e ambas con du tas são comis si vas, pois exi gem um face re. em outros ter mos,sone ga ção de infor ma ção e pres tar infor ma ção falsa podem ser for mas tanto de ‘ -induzir’ a erro como de ‘ manter’ a víti ma em erro, por que ambas são con du tascomis si vas, isto é, exi gem a prá ti ca de uma ação. ‘sonegar’, segun do os léxi cos, é“não men cio nar, não rela cio nar nos casos em que a lei exige des cri ção ou men -ção”; tam bém pode sig ni fi car, numa segun da acep ção, “dizer que não tem, tendo,ou ocul tar com frau de”.9 reiterando, não se pode esque cer que as con du tas proi -bi das no art. 6º da lei nº 7.492/86 não são sone ga ção de infor ma ção ou a pres ta -ção infor ma ção falsa, mas ‘indu zir ou manter’ as víti mas em erro, e ambas impli -cam, repe tin do, um agir posi ti vo, um face re.

na rea li da de, o direito penal con tém nor mas proi bi ti vas e nor mas impe ra -ti vas (man da men tais). a infra ção das nor mas impe ra ti vas cons ti tui a essên cia docrime omis si vo. a con du ta que infrin ge uma norma man da men tal con sis te emnão fazer a ação orde na da pela refe ri da norma. logo, a omis são em si mesma nãoexis te, juri di ca men te, pois somen te a omis são de uma ação deter mi na da pela

8 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 55-6.9 Grande dicionário larousse Cultural da lín gua por tu gue sa, são paulo, nova Cultural ltda., 1999, p. 839.

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norma con fi gu ra rá a essên cia da omis são, e o tipo penal em exame não impõe quese efe tue deter mi na da infor ma ção a sócio, inves ti dor ou à repar ti ção públi ca paraque, em sendo ‘sone ga da a informação’ devi da, o agen te res pon da pelo crime detê-la omi ti do. este crime não exis te!

em outros ter mos, tipi fi ca-se o crime omis si vo quan do o agen te não fazo que pode e deve fazer, que lhe é juri di ca men te orde na do. portanto, o crimeomis si vo con sis te sem pre na omis são de uma deter mi na da ação que o sujei totinha obri ga ção de rea li zar e que podia fazê-lo. o crime omis si vo divi de-se emomis si vo pró prio e omis si vo impró prio. os pri mei ros são cri mes de mera con -du ta, como, por exem plo, a omis são de socor ro, aos quais não se atri bui resul -ta do algum, enquan to os segun dos, os omis si vos impró prios, são cri mes deresul ta do.

os cri mes omis si vos pró prios são obri ga to ria men te pre vis tos em tipos penais espe cí fi cos, em obe diên cia ao prin cí pio da reser va legal, dos quais sãoexem plos carac te rís ti cos os pre vis tos nos arts. 135, 244, 269 etc. os cri mes omis -si vos impró prios, por sua vez, como cri mes de resul ta do, não têm uma tipo lo giaespe cí fi ca, inse rin do-se na tipi fi ca ção comum dos cri mes de resul ta do, como ohomi cí dio, a lesão cor po ral etc. na ver da de, nes ses cri mes não há uma cau sa li da -de fáti ca, mas jurí di ca, em que o omi ten te, deven do e poden do, não impe de oresul ta do. Com efei to, ape sar de se tra tar de crime mate rial, o agen te res pon depelo resul ta do não por tê-lo cau sa do, mas por não ter evi ta do sua ocor rên cia,estan do juri di ca men te obri ga do a fazê-lo, pois, nes ses cri mes, o não impe di men -to, quan do pos sí vel, equi va le, para o direito penal, a cau sar o resul ta do. Convémdes ta car, desde logo, que o dever de evi tar o resul ta do é sem pre um dever decor -ren te de uma norma jurí di ca, não o con fi gu ran do deve res pura men te éti cos, morais ou reli gio sos.

Concluindo, não há pre vi são de moda li da de omis si va das con du tas proi bi -das no arti go que ora exa mi na mos, “indu zir ou man ter em erro sócio, inves ti dor[...]”. em outros ter mos, a sim ples omis são de infor ma ção, gene ri ca men te falan -do, não cons ti tui crime dos admi nis tra do res, con tro la do res, dire to res, geren tesde ins ti tui ção finan cei ra, ou equi pa ra dos, até por que, repe tin do, não há a deter -mi na ção legal de pres tar infor ma ção, ver da dei ra ou não, a sócio, inves ti dor ourepar ti ção públi ca.

sócio é mem bro ou pes soa vin cu la da, asso cia da ou per ten cen te a umasocie da de ou asso cia ção; inves ti dor é quem inves te capi tais em uma empre sa,aque le que apli ca recur sos em empreen di men tos ou em ope ra ções que ren de -rão juros ou lucros, nor mal men te, em médio ou longo prazo; repar ti ção públi -ca é seção ou depar ta men to de órgão da admi nis tra ção públi ca. na ver da de, ocida dão não pode negar infor ma ções rele van tes à auto ri da de fis cal, ao BancoCentral, à Comissão de valores mobiliários, por exem plo, mas sim à repar ti çãopúbli ca. no entan to, o legis la dor uti li za equi vo ca da men te a expres são ‘repar ti -ção pública’ como se fosse ou iden ti fi cas se as ins ti tui ções encar re ga das da fis -

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ca li za ção, da nor ma ti za ção do sis te ma finan cei ro nacio nal, como o Banco Cen -tral ou o Conselho monetário nacional.10 operação finan cei ra é a rea li za ção denegó cios finan cei ros, é a “cole ta, inter me dia ção ou apli ca ção de recur sos finan -cei ros pró prios ou de ter cei ros, em moeda nacio nal ou estran gei ra, e a cus tó diade valor de pro prie da de de ter cei ros” (art. 17 da lei nº 4.595/64). no entan to,os negó cios rea li za dos pelos ban cos, no exer cí cio de sua ati vi da de mer can til,deno mi nam-se, de um modo geral, ope ra ções ban cá rias. situação finan cei rasig ni fi ca a posi ção, o esta do ou a con di ção finan cei ra de uma enti da de, socie -da de, pes soa ou de um esta be le ci men to; refe re-se às con di ções de liqui dez dequal quer pes soa, grupo ou enti da de em deter mi na do momen to, ou seja, estádire ta men te rela cio na da à dis po ni bi li da de de saldo líqui do, have res finan cei -ros, moe das ou bens con ver sí veis em moeda (facil men te) etc. enfim, situa çãofinan cei ra indi ca as pos si bi li da des ou os recur sos finan cei ros que deter mi na dapes soa pode dis por.

4.1. semelhanças e des se me lhan ças entre o crime do art. 6ºda lei nº 7.492/86 e o crime de este lio na to

a carac te rís ti ca fun da men tal do este lio na to é a frau de, uti li za da pelo agen -te para indu zir ou man ter a víti ma em erro, com a fina li da de de obter van ta gempatri mo nial ilí ci ta. o este lio na to11 é um crime que apre sen ta gran de com ple xi -da de estru tu ral tipo ló gi ca pela rique za de ele men tos obje ti vos, nor ma ti vos e sub -je ti vos que o com põem, des ta can do-se, por sua rele vân cia, a dupli ci da de de nexocau sal e de resul ta dos. a des pei to da aven ta da seme lhan ça deste crime com o deeste lio na to, há alguns aspec tos em que se dis tin guem, radi cal men te, que mere -cem ser escla re ci dos.

a come çar pelo fato de que, no crime de este lio na to, a con du ta incri mi na -da é “obter, para si ou para outrem, van ta gem ilí ci ta, em pre juí zo alheio [...]”,enquan to no crime que exa mi na mos as con du tas incri mi na das são “indu zir ouman ter em erro sócio, inves ti dor ou repar ti ção públi ca [...]”. Com efei to, ‘ -induzir’ ou ‘ manter’ são os ver bos nuclea res indi ca ti vos das con du tas incri mi na -das no tipo espe cial, enquan to no crime de este lio na to ‘ induzir’ ou ‘ manter’, pelocon trá rio, são meios uti li za dos para obter van ta gem em pre juí zo de outrem.Constata-se, assim, que a locu ção ‘indu zir ou manter’ tem fun ções dog má ti cascom ple ta men te dis tin tas em um e outro tipos penais.

para enga nar sócio, inves ti dor ou repar ti ção públi ca, indu zin do-o ouman ten do-o em erro, ao con trá rio do este lio na to que admi te o empre go de

10 Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 695.11 “art. 171. obter, para si ou para outrem, van ta gem ilí ci ta, em pre juí zo alheio, indu zin do ou man ten do

alguém em erro, median te arti fí cio, ardil, ou qual quer outro meio frau du len to.”

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arti fí cio, ardil ou qual quer outro meio frau du len to, o crime espe cial do art. 6ºsomen te pode ser exe cu ta do ‘sone gan do infor ma ção ou pres tan do-a falsamente’, que são os dois úni cos meios frau du len tos pre vis tos no tipo penal.É indis pen sá vel que o meio frau du len to seja sufi cien te men te idô neo para enga -nar a víti ma, isto é, para indu zi-la a erro. a ini do nei da de do meio, no entan to,pode ser rela ti va ou abso lu ta: sendo rela ti va men te ini dô neo o meio frau du len -to para enga nar a víti ma, pode rá con fi gu rar-se ten ta ti va; con tu do, se a ini do -nei da de for abso lu ta, tra tar-se-á de crime impos sí vel, por abso lu ta ine fi cá cia domeio empre ga do (art. 17 do Código penal). Constata-se, em outros ter mos, aocon trá rio do este lio na to – que é crime de forma livre e admi te qual quer meiopara indu ção ou manu ten ção em erro –, que esta infra ção penal, que é crimede forma vin cu la da, prevê expres sa men te as duas for mas de sua prá ti ca: sone -gan do infor ma ção ou pres tan do-a fal sa men te. em qual quer das duas hipó te ses,é neces sá ria uma influên cia deci si va no pro ces so de for ma ção de von ta de davíti ma para indu zi-la ou mantê-la em erro, abran gen do os aspec tos voli ti vos einte lec ti vos da ação. em outras pala vras, a sone ga ção de infor ma ção ou a infor -ma ção falsa devem ser sufi cien te men te rele van tes para indu zir ou man ter oofen di do em erro.

a ação tipi fi ca da no crime de este lio na to é obter van ta gem ilí ci ta (para si oupara outrem), em pre juí zo alheio, indu zin do ou man ten do alguém em erro,median te arti fí cio, ardil ou qual quer outro meio frau du len to. ao passo que ascon du tas incri mi na das no art. 6º da lei nº 7.492/86 são indu zir ou man ter emerro sócio, inves ti dor ou repar ti ção públi ca com pe ten te.

a dupli ci da de de nexo cau sal está repre sen ta da por dupla rela ção de causae efei to; num pri mei ro momen to, fun cio na a frau de como causa, e o enga nodecor ren te do ardil, como efei to; no momen to sub se quen te, o erro con se quen tedo enga no, como causa, e a obten ção da van ta gem inde vi da e o dano patri mo nialcor res pon den te (esses dois repre sen tan do a segun da dupli ci da de). trata-se, comefei to, de crime de resul ta do duplo, uma vez que, para se con su mar, exige aobten ção de van ta gem ilí ci ta, de um lado, e a ocor rên cia efe ti va de um pre juí zopara a víti ma, de outro. não basta a exis tên cia do erro decor ren te da frau de,sendo neces sá rio que da ação resul te van ta gem ilí ci ta e pre juí zo patri mo nial.ademais, à van ta gem ilí ci ta deve cor res pon der um pre juí zo alheio. a ausên ciade qual quer des ses resul ta dos des ca rac te ri za o este lio na to con su ma do, res tan do,em prin cí pio, a figu ra da ten ta ti va.

por outro lado, o crime de este lio na to é, como per ce be mos, um crime mate -rial (exige duplo resul ta do: van ta gem inde vi da do autor e pre juí zo da víti ma),enquan to o crime do art. 6º, que exa mi na mos, é, para boa parte da dou tri na, umcrime for mal, que se con su ma com sim ples rea li za ção de qual quer das duas con -du tas tipi fi ca das. para pimentel, é mais do que isso; clas si fi ca-o de crime de meracon du ta, por mais para do xal que pare ça, e acres cen ta: “e assim é por que, bastaque o agen te indu za o sujei to pas si vo a erro, ou no erro o man te nha, sone gan do-

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lhe infor ma ção ou pres tan do-a fal sa men te, para que o crime se com ple te em seuele men to obje ti vo.”12

ademais, o crime de este lio na to exige, como ele men to sub je ti vo espe cial doinjus to, cons ti tuí do pelo espe cial fim de obter van ta gem patri mo nial ilí ci ta, para siou para outrem. a sim ples fina li da de de pro du zir dano patri mo nial ou pre juí zo a alguém, sem visar à obten ção de pro vei to injus to, não carac te ri za o este lio na to. nafalsa infor ma ção sobre ope ra ção ou situa ção finan cei ra, por sua vez, não há exi gên -cia de ele men to sub je ti vo espe cial de obter van ta gem para si ou para outrem.

por todo o expos to, não nos con ven ce o enten di men to segun do o qual, nãosendo a con du ta come ti da em cená rio de ins ti tui ção finan cei ra, o crime carac te -ri za este lio na to.13 na ver da de, para des clas si fi car a con du ta para ao este lio na to,é indis pen sá vel que satis fa ça todas essas ele men ta res do este lio na to, ele men ta resessas não exi gi das pelo tipo espe cial, que além de tudo devem cons tar da des cri -ção da denún cia ofe re ci da pelo parquet.

4.2. a obten ção de van ta gem inde vi da: ele men to nor ma ti vo implí ci to

reale Junior, com base no magis té rio de delitala sobre fal si da de de balan -ço, sus ten ta que a van ta gem inde vi da está implí ci ta nas con du tas de indu zir ouman ter sócio, inves ti dor ou ins ti tui ção públi ca em erro, a des pei to de não estarexpres sa no texto legal. nesse sen ti do, o indu zi men to a erro ou a manu ten çãonele de sócio, inves ti dor ou repar ti ção públi ca “não esgo ta o mode lo típi co, quenão se com ple ta com a mera cons ta ta ção do enga no”.14 realmente, não teria sen -ti do algum a ação de indu zir ou mantê-los em erro sem qual quer fina li da de. Comracio cí nio sem pre ati la do, con clui reale Junior: “seria iló gi co que se pro du zis seno espí ri to de pes soas qua li fi ca das como sócios, inves ti do res ou ‘repar ti ções públicas’, um erro sobre situa ção finan cei ra sem a pro je ção de uma inten cio na li -da de vol ta da à obten ção de uma van ta gem.”15

por outro lado, manoel pedro pimentel, preo cu pa do com outro aspec to,abor dan do o obje to mate rial desta infra ção penal, refe re que “se a van ta gem pre -ten di da for juro, comis são ou qual quer tipo de remu ne ra ção, esta rá satis fei ta a pri -mei ra parte da des cri ção típi ca [...]”.16 em outros ter mos, pimentel tam bém reco -nhe ce que o obje to mate rial da infra ção é uma ‘ vantagem’, e, acres cen ta mos nós,se con tra riar a legis la ção em vigor, será ‘ indevida’, como sus ten ta reale Junior.

12 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 63-4.13 Guilherme nucci. Código penal Comentado... p. 1054, in fine.14 reale Junior. direito penal aplicado... p. 38-9.15 reale Junior. direito penal aplicado... p. 39.16 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 76.

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vantagem ilí ci ta ou inde vi da é todo e qual quer pro vei to ou bene fí cio con -trá rio à ordem jurí di ca, isto é, não per mi ti do por lei. a obten ção da van ta geminde vi da, ao con trá rio do que ocor re nos cri mes de furto e de apro pria ção indé -bi ta, é uma ele men tar cons ti tu ti va implí ci ta do crime em exame. a sim ples imo -ra li da de da van ta gem é insu fi cien te para carac te ri zar essa ele men tar nor ma ti va.a nosso juízo, con tu do, à van ta gem inde vi da não é neces sá ria a cor res pon dên cia,simul tâ nea, de um pre juí zo alheio, ao con trá rio do que ocor re no crime de este -lio na to. Com efei to, a ausên cia dessa cor res pon dên cia, isto é, se o sujei to ativoobti ver a van ta gem ilí ci ta, mas não cau sar pre juí zo a ter cei ro, será irre le van tepara a tipi fi ca ção do crime que ora exa mi na mos.

os meios uti li za dos pelo agen te, porém, tanto para o indu zi men to da víti -ma em erro, quan to para sua manu ten ção, ao con trá rio do crime de este lio na to,limi tam-se a sone ga ção de infor ma ção ou pres tá-la fal sa men te. assim, se o indu -zi men to ou a manu ten ção em erro se pro du zir por qual quer outro meio, não setipi fi ca rá este crime. em qual quer das duas hipó te ses pos sí veis, no entan to, éneces sá ria uma influên cia deci si va no pro ces so de for ma ção de von ta de da víti -ma, abran gen do os aspec tos voli ti vos e inte lec ti vos.

por fim, a van ta gem tem de ser injus ta, inde vi da, isto é, ile gal. se for justa,esta rá afas ta da a figu ra de qual quer crime, poden do con fi gu rar, even tual men te,exer cí cio arbi trá rio das pró prias razões (art. 345 do Cp). Quando a lei quer limi -tar a espé cie de van ta gem, usa o ele men to nor ma ti vo inde vi da, injus ta, sem justacausa, ile gal, como des ta ca mos em inú me ras pas sa gens no volu me do tra ta do dedireito penal, em que exa mi na mos os cri mes con tra o patri mô nio. assim, haven -do a frau de para enga nar, para indu zir em erro, para obter van ta gem ilí ci ta, nãoimpor ta a natu re za (eco nô mi ca ou não); con tu do, quan to à espé cie é dife ren te:deve ser injus ta, ao passo que o pre juí zo alheio não é exi gi do pelo tipo penal, emrazão do bem jurí di co vio la do.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo geral é o dolo, repre sen ta do pela von ta de livre e cons -cien te de enga nar sócio, inves ti dor ou repar ti ção públi ca com pe ten te, sone gan -do infor ma ção ou pres tan do-a fal sa men te ( outros meios frau du len tos estãoexcluí dos da ade qua ção típi ca). deve abran ger não ape nas a ação, como tam bémo meio enga na dor (frau du len to) e a pró pria van ta gem inde vi da (implí ci ta), rela -ti va men te à ope ra ção ou situa ção finan cei ra.17 em sen ti do seme lhan te, já sus ten -ta va pimentel, a seu tempo, “é o dolo, que deve abran ger todos os ele men tos do

17 reale Junior. direito penal aplicado... p. 38.

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tipo. assim, deve o agen te ter cons ciên cia de que está sone gan do infor ma ção quesabe exis tir ou pres tan do infor ma ção que sabe não ser ver da dei ra”.18

o dolo, na pri mei ra figu ra, ‘indu zir em erro’, deve ante ce der o empre go domeio frau du len to (sone gan do infor ma ção ou pres tan do-a fal sa men te) e a pro du -ção do resul ta do levan do à víti ma a erro efe ti va men te, veri fi can do-se a rela çãocau sal entre ação e resul ta do. na segun da figu ra, ‘man ter em erro’, o dolo é con -co mi tan te ao refe ri do erro: cons ta ta da a exis tên cia do erro, o dolo con sis te exa -ta men te em sua manu ten ção.

para tórtima, há ainda a neces si da de da pre sen ça do “ele men to sub je ti voespe cial do tipo, con sis ten te no espe cial fim de indu zir ou man ter a víti ma emerro”.19 temos difi cul da de em acei tar esse enten di men to, na medi da em que acon du ta incri mi na da – indu zir ou man ter em erro – não pode repre sen tar aomesmo tempo o seu espe cial fim de agir. no entan to, como demons tra mos emtópi co à parte, o espe cial fim de agir, como ele men to sub je ti vo espe cial do injus -to, está implí ci to no tipo, que é a obten ção de van ta gem inde vi da.

não há pre vi são de moda li da de cul po sa, a des pei to da pos si bi li da de de alguémser indu zi do ou man ti do em erro por impru dên cia ou negli gên cia do autor.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (embo ra apa ren te men te pró prio, não exige qua -li da de ou con di ção espe cial do sujei to ativo, bas tan do que exer ça deter mi na dafun ção ou ati vi da de em uma ins ti tui ção finan cei ra, mas isso não trans for ma otipo em crime pró prio); mate rial (embo ra haja séria diver gên cia dou tri ná ria,con si de ra mos que se trata de crime mate rial, que exige êxito no obje ti vo de enga -nar a víti ma); dolo so (não admi te moda li da de cul po sa); ins tan tâ neo (o resul ta dose pro duz de ime dia to; sua exe cu ção não se alon ga no tempo); de forma vin cu la -da (só poden do ser pra ti ca do median te sone ga ção de infor ma ção ou pres tan do-afal sa men te); comis si vo (somen te pode ser pra ti ca do com uma con du ta posi ti va,excep cio nal men te comis si vo-omis si vo); unis sub je ti vo (pode ser come ti do porape nas um sujei to ativo); plu ris sub sis ten te (pode ser sec cio na do em mais de umato em uma mesma con du ta).

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime no lugar e no momen to em que o agen te con se gueenga nar a víti ma, indu zin do-a ou man ten do-a em erro. na ver da de, é indis pen -sá vel o enga no da víti ma, isto é, que ela seja efe ti va men te indu zi da ou man ti da

18 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 64.19 no mesmo sen ti do, tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 59.

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em erro em decor rên cia do meio frau du len to uti li za do pelo sujei to ativo, ou seja,que o erro decor ra da sone ga ção de infor ma ção ou de sua pres ta ção falsa. em outros ter mos, que aque le (o erro) seja con se quên cia desta (de infor ma ção nãover da dei ra). não basta a exis tên cia do erro decor ren te da frau de, sendo neces sá -rio que da ação resul te van ta gem ilí ci ta e pre juí zo patri mo nial de outrem.

tratando-se de crime mate rial, que admi te seu fra cio na men to, é, teo ri ca -men te, admis sí vel a ten ta ti va, uma vez que o iter cri mi nis pode ser inter rom pi -do por cau sas estra nhas à von ta de do agen te. para o êxito da frau de, é neces sá rioque o meio frau du len to seja sufi cien te men te idô neo para enga nar a víti ma, istoé, para indu zi-la a erro. a ini do nei da de do meio, no entan to, pode ser rela ti va ouabso lu ta: sendo rela ti va men te ini dô neo o meio frau du len to para enga nar a víti -ma, pode rá con fi gu rar-se ten ta ti va, se esti ve rem pre sen tes os demais requi si tos;con tu do, se a ini do nei da de for abso lu ta, tra tar-se-á de crime impos sí vel (art. 17).

Quando o agen te não con se gue enga nar a víti ma (sócio, inves ti dor ou a fis -ca li za ção), o sim ples empre go do meio frau du len to (sone gan do infor ma ção oupres tan do-a fal sa men te) não foi sufi cien te men te idô neo para o fim pre ten di do,não se poden do cogi tar, sequer, de ten ta ti va puní vel. Com efei to, não carac te ri -za o crime em exame se, a des pei to de com pro va da a auto ria, o meio empre ga dopelo agen te for ine fi caz para indu zir ou man ter a víti ma em erro.

8. pena e ação penal

as penas comi na das são a reclu são, de dois a seis anos, e multa. a natu re zada ação penal é públi ca incon di cio na da, deven do, con se quen te men te, a auto ri -da de com pe ten te agir ex offi cio, inde pen den te men te e qual quer mani fes ta ção doofen di do.

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Capítulo vii

títulos ou valoresmobiliários Fraudulentos

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua çãotípi ca. 6. Classificação dou tri ná ria. 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e ação penal.

art. 7º emitir, ofe re cer ou nego ciar, de qual quer modo, títu los ou valo resmobi liá rios:

i – fal sos ou fal si fi ca dos;ii – sem regis tro pré vio de emis são junto à auto ri da de com pe ten te, em con -

di ções diver gen tes das cons tan tes do regis tro ou irre gu lar men te regis tra dos;iii – sem las tro ou garan tia sufi cien tes, nos ter mos da legis la ção;iv – sem auto ri za ção pré via da auto ri da de com pe ten te, quan do legal men te

exi gi da:pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

a lei nº 4.728/65, que dis ci pli nou o mer ca do de capi tais, pre viu em algunsdis po si ti vos (arts. 72, 73 e 74) con du tas seme lhan tes, comi nan do pena de um aqua tro anos de reclu são. o anteprojeto da Comissão de reforma da parte espe -cial do Código penal tam bém tra ta va da mesma ques tão (art. 387), com algu mavan ta gem lin guís ti ca. o projeto que resul tou na lei ora exa mi na da, segun domanoel pedro pimentel, “modi fi cou sen si vel men te a reda ção pro pos ta por aque -le anteprojeto. e, a meu ver, para pior. no nº i, reu niu coi sas desi guais, alu din -do aos títu los ou valo res mobi liá rios fal sos e aos fal si fi ca dos, não se refe rin do aostítu los regis tra dos median te decla ra ção falsa; no nº ii, acres cen ta os títu los ouvalo res mobi liá rios irre gu lar men te regis tra dos, visan do a alcan çar os regis tra dosmedian te decla ra ção falsa, suprin do par cial men te a falta ante rior. no nº iii, nãofez refe rên cia aos títu los ou valo res mobi liá rios com las tro insu fi cien te, dando aenten der que, para o legis la dor, las tro insu fi cien te é o mesmo que não ter las tro;final men te, no nº iv, acres cen tou a cláu su la quan do legal men te exi gi da, crian do

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uma norma incom ple ta, que depen de rá de com ple men ta ção de outra, edi ta da emoutra lei.”1

2. Bem jurí di co tute la do

Como crime plu rio fen si vo pro te ge, prio ri ta ria men te, o patri mô nio dosinves ti do res, bem como a fé públi ca que goza o mer ca do mobi liá rio e finan cei roe, secun da ria men te, a invio la bi li da de e a cre di bi li da de do mer ca do de capi tais,zelan do pela regu la ri da de das tran sa ções ope ra das em um dos rele van tes seg -men tos do sis te ma finan cei ro nacio nal. para o bom e regu lar fun cio na men todesse mer ca do, é indis pen sá vel asse gu rar-se a reti dão da emis são, da com pra e davenda de títu los e valo res mobi liá rios, refor çan do, dessa forma, a tute la da fépúbli ca dos títu los e valo res imo bi liá rios, além do patri mô nio dos inves ti do res.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo pode ser qual quer pes soa das con du tas de ofe re cer e nego ciar,tra tan do-se, por tan to, de crime comum, que não exige qual quer qua li da de oucon di ção espe cial. relativamente à con du ta de emi tir, como crime pró priosomen te pode ser come ti do por ges tor ou admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei -ra. no entan to, nas três con du tas incri mi na das, é per fei ta men te admis sí vel ocon cur so even tual de pes soas nas moda li da des de coau to ria e par ti ci pa ção.

sujeito pas si vo, igual men te, pode ser qual quer pes soa que por ven tu ra venhaa ser lesa da pelo autor des sas infra ções penais e, secun da ria men te, o estado, queé o res pon sá vel pelo sis te ma finan cei ro nacio nal. aliás, inde pen den te men te daexis tên cia de outras pes soas físi cas ou jurí di cas lesa das pela con du ta, o estadoserá sem pre sujei to pas si vo de toda infra ção penal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

as con du tas incri mi na das são emi tir, ofe re cer ou nego ciar. a) ‘emitir’ sig ni -fi ca expe dir ou colo car em cir cu la ção o obje to da ação, no caso, títu los ou valo -res mobi liá rios. a sim ples ela bo ra ção do títu lo é um indi fe ren te penal. assim,con fec cio nar o títu lo sem o colo car em cir cu la ção não cons ti tui figu ra típi ca.dessa forma, des ta ca regis prado, “se aque le que ela bo ra e subs cre ve o títu lo nãoo põe em cir cu la ção ime dia ta men te, não terá pra ti ca do o deli to. entretanto, se ofez, e ter cei ro põe o títu lo em cir cu la ção com a sua aquies cên cia, res pon de rácomo par tí ci pe ou co-autor desse ter cei ro”.2 b) ‘oferecer’ sig ni fi ca ofer tar, mos -

1 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 67.2 luiz regis prado. direito penal econômico, são paulo, revista dos tribunais, 2004, p. 252.

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trar, expor à venda ou apre sen tar títu los ou valo res mobi liá rios. d) ‘negociar’ étran sa cio nar, comer ciar, fazer negó cio ou pra ti car qual quer ato de comér cio como obje to da ação típi ca.

a locu ção ‘de qual quer modo’ sig ni fi ca que qual quer das con du tas – emi tir,ofe re cer ou nego ciar – podem ser pra ti ca das de forma livre, sem vin cu la ção, porqual quer meio. nesse sen ti do, reco nhe cia pimentel, que a locu ção ‘de qual quermodo’ sig ni fi ca que, qual quer que seja o modo da emis são, do ofe re ci men to ouda nego cia ção, tipi fi ca rá o crime.3 trata-se de crime de con teú do varia do, isto é,mesmo que o sujei to ativo pra ti que as três con du tas res pon de rá por crime único.

segundo hugo de Brito machado, “por títu los ou valo res mobi liá rios se hãode enten der os papéis repre sen ta ti vos de bens ou direi tos. podem repre sen tardirei tos de pro prie da de de bens, como acon te ce com os títu los de par ti ci pa çãosocie tá ria, que cor po ri fi cam par ce las do direi to de pro prie da de sobre o patri mô -nio social, ou direi tos de cré di to, como acon te ce com os papéis rela ti vos a finan -cia men tos.”4

as con du tas tipi fi ca das são com ple men ta das pelas con di ções em que essestítu los não podem ser pro du zi dos e comer cia li za dos, tra tan do-se, por con se guin -te, de crime de forma vin cu la da, segun do dis pos to nos res pec ti vos inci sos, abai -xo ana li sa dos.

i. Fal sos ou fal si fi ca dos

Como se cons ta ta, ambos os vocá bu los têm sig ni fi ca dos dis tin tos: a) falso –é o títu lo con fec cio na do, for ma do ou ela bo ra do, intei ra men te ou não, imi tan doo ver da dei ro; b) fal si fi ca do, por sua vez, é o títu lo ver da dei ro que foi adul te ra dotanto em sua forma, como em seu con teú do, com a fina li da de de pas sar-se porver da dei ro. “assim, fal sos, são aque les que foram adre de fabri ca dos, eiva dos deimpos tu ra total. são os con ce bi dos já para enga nar, fal sos desde a ori gem. por suavez, fal si fi ca dos, seriam aque les que têm ori gem idô nea, porém foram pos te rior -men te alte ra dos para mudar a ver da de que neles se con ti nha.”5 em outros ter -mos, falso é a con tra fa ção, que é a repro du ção por imi ta ção, frau du len ta, do títu -lo ver da dei ro, enquan to títu lo fal si fi ca do é a alte ra ção ou modi fi ca ção de docu -men to exis ten te (ver da dei ro) ou, na feliz sín te se de pimentel: “Falso é o títu lo ouo valor mobi liá rio que é intei ra men te for ma do, fabri ca do, imi tan do o ver da dei -ro – a imi ta tio veri; fal si fi ca do é o títu lo ou o valor mobi liá rio ver da dei ro quesofre alte ra ção na sua forma ou na sua essên cia, em deta lhe impor tan te, paramodi fi car-lhe o valor ou para outro fim que o autor da fal si fi ca ção tenha em vista

3 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 69.4 hugo de Brito machado. Curso de direito tributário, 11. ed., são paulo, malheiros, 1996, p. 245.5 Áureo natal de paula. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 189.

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– a immu ta tio veri.”6 na rea li da de, falso ou fal si fi ca do não passa de um exces solin guís ti co do legis la dor, abso lu ta men te des ne ces sá rio, pois todo títu lo fal si fi ca -do é igual men te falso, como sus ten ta nucci: “o que é fal si fi ca do é igual men tefalso (não ver da dei ro, não autên ti co), pouco inte res san do se a fal si da de é mate -rial (docu men to inte gral men te cons truí do ou par cial men te modi fi ca do) ou ideo -ló gi ca (docu men to ver da dei ro, mas preen chi do de modo irre gu lar, por com ple -to ou par cial men te).”7

É indis pen sá vel que o falso ou fal si fi ca do tenha ido nei da de sufi cien te paraenga nar, ludi briar, isto é, para se fazer pas sar por ver da dei ro, caso con trá rio nãose pode rá falar em crime, reves tin do-se refe ri da con du ta de ati pi ci da de. Comefei to, o falso gros sei ro não tem poten cia li da de lesi va, não ser vin do para con fi -gu rar o crime. realmente, se o fal sum não tiver poten cia li da de ofen si va,demons tra dor de capa ci da de de enga nar a víti ma, o com por ta men to será atí pi co.

ii. sem regis tro pré vio de emis são junto à auto ri da de com pe ten te, emcon di ções diver gen tes das cons tan tes do regis tro ou irre gu lar men teregis tra dos

Compete à Comissão de valores mobiliários (Cvm) pro ce der ao regis tro daemis são públi ca de valo res mobi liá rios (art. 19 da lei nº 6.385/76): “[...] a ofer tapúbli ca de títu los deve ser pre ce di da de um pro ces so, aber to na Cvm, duran te oqual os ana lis tas da ins ti tui ção farão minu cio so exame dos docu men tos exi gi dospela legis la ção, como, v. g., o con tra to entre a socie da de emis so ra e a ins ti tui çãofinan cei ra coor de na do ra do lan ça men to dos papéis[...]”8 nesse inci so segun doestão pre vis tas três hipó te ses ou modos pelos quais o crime se aper fei çoa: (i) afalta do regis tro pré vio, (ii) o lan ça men to do títu lo em con di ções diver sas das quecons tam no regis tro ou, ainda, (iii) títu lo regis tra do irre gu lar men te. Com efei to,os títu los ou valo res podem estar regis tra dos peran te a auto ri da de com pe ten te,mas podem ter sido irre gu lar men te regis tra dos ou, ainda, podem ser comer cia li -za dos em con di ções diver sas das cons tan tes do regis tro e, se isso ocor rer, emqual quer des sas hipó te ses, con fi gu rar-se-á o crime.

iii. sem las tro ou garan tia sufi cien tes, nos ter mos da legis la ção

‘lastro’ e ‘ garantia’, segu ra men te, têm sig ni fi ca dos dis tin tos, embo ra ambossig ni fi quem for mas diver sas de asse gu rar que a ins ti tui ção finan cei ra atua cor re -ta men te ao colo car títu los no mer ca do finan cei ro. ‘lastro’, sem uma defi ni ção

6 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 70.7 Guilherme de souza nucci. leis penais e pro ces suais penais comen ta das... p. 1056.8 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 63.

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téc ni ca espe cí fi ca, tem o sen ti do de res pal do, de cober tu ra de uma ope ra ção poroutra. ‘Garantia’, por sua vez, pode ser real ou pes soal, pre vis ta na legis la ção.títulos e valo res mobi liá rios devem ter las tro e garan tia sufi cien tes para pode remcir cu lar como se ‘ moeda’ fos sem do sis te ma mobi liá rio. Caracterizará o crimefazer esses títu los cir cu la rem (emi tir, ofe re cer ou nego ciar) sem las tro ou garan -tia. dito de outra forma, para que títu los ou valo res mobi liá rios pos sam ser emi -ti dos, ofer ta dos ou nego cia dos, neces si tam ter supor te finan cei ro para cobrireven tual res ga te. a ausên cia de ‘las tro financeiro’, pelo que se depreen de do textolegal, pode ser supri da por outra garan tia que asse gu re a ido nei da de e o res ga tedos títu los, cuja ausên cia, efe ti va men te, tipi fi ca este crime. não era outro o magis -té rio de pimentel, na sua feliz sín te se: “sem las tro sufi cien te, sig ni fi ca que os títu -los ou valo res mobi liá rios foram emi ti dos, ofe re ci dos ou nego cia dos sem que exis -tis se o supor te finan cei ro ade qua do para cobrir o seu opor tu no res ga te. semgaran tia sufi cien te quer dizer que, além de não ter las tro sufi cien te, os papéis tam -bém não estão cober tos por garan tia de outro tipo, dei xan do intei ra men te a des -co ber to os títu los ou valo res mobi liá rios, que não pode rão ofe re cer qual quer segu -ran ça ao mer ca do de capi tais ou aos inves ti do res, no caso de serem toma dos.”9

essa norma penal em bran co encon tra sua com ple men ta ção em outras nor -mas extra pe nais, como nas leis nºs 4.728/65 (mer ca do de capi tais), 6.385/76(mer ca do de valo res mobi liá rios) e 6.404/76 (socie da de por ações). o conhe ci -men to e o mane jo da pre vi são cons tan te neste arti go 7º impli ca, neces sa ria men -te, na con sul ta a esses três diplo mas legais.

iv. sem auto ri za ção pré via da auto ri da de com pe ten te, quan dolegal men te exi gi da

a cir cu la ção regu lar de títu lo e valo res mobi liá rios neces si ta de pré via auto -ri za ção de auto ri da de com pe ten te, de acor do com a natu re za de cada títu lo, v. g.,títu los em geral (Banco Central), valo res mobi liá rios (Comissão de valoresmobiliários), emis são de debên tu res por ins ti tui ção finan cei ra (Banco Central)etc. a ele men tar “quan do legal men te exi gi da” deve ser inter pre ta da em sen ti doamplo, v. g., leis, decre tos, regu la men tos etc. não se pode, con tu do, con fun diressa auto ri za ção pré via para emis são, ofe re ci men to ou nego cia ção de títu los ouvalo res mobi liá rios, com auto ri za ção para fun cio na men to de ins ti tui ção finan -cei ra, que, neste caso, infrin gi ria o dis pos to no art. 16 deste diplo ma legal. nessesen ti do, exem pli fi ca tigre maia: “a empre sa pode rá estar auto ri za da a ope rar nomer ca do, mas ine xis tir a auto ri za ção pré via exi gí vel para nego ciar aque la espe cí -fi ca emis são de deter mi na dos títu los mobi liá rios, como as ins ti tui ções finan cei -

9 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 70.

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ras que não cap tam depó si tos públi cos, que ape nas estão auto ri za das a emi tirdebên tu res quan do pre via men te auto ri za dos pelo BaCen.”10

a ausên cia dessa for ma li da de, além da infra ção admi nis tra ti va, con fi gu raessa infra ção penal pela falta de auto ri za ção pré via da auto ri da de com pe ten te.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo sub je ti vo é cons ti tuí do tão somen te pelo ele men to sub je ti vogeral, que é o dolo, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de emi tir, ofe re cerou nego ciar títu los mobi liá rios fal sos ou fal si fi ca dos, sem regis tro pré vioperan te a auto ri da de com pe ten te, sem las tro ou garan tia exi gi da pela legis la -ção, sem auto ri za ção pre via da auto ri da de com pe ten te, quan do legal men teexi gi da. É indis pen sá vel que o sujei to ativo tenha cons ciên cia da irre gu la ri -da de de seus títu los ou valo res e, como ele men to cog ni ti vo do dolo, essacons ciên cia deve ser atual, isto é, real, efe ti va no momen to da ação, não secon fun din do, por tan to, com a cons ciên cia da ili ci tu de, ele men to da cul pa bi -li da de (que pode ser poten cial).

não há exi gên cia de qual quer ele men to sub je ti vo espe cial do injus to e tam -pou co há pre vi são de moda li da de cul po sa.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (pode ser pra ti ca do, em regra, por qual querpes soa, não sendo exi gi da nenhu ma qua li da de ou con di ção espe cial); for mal(não exi gên cia de pro du ção mate rial de resul ta do, con su man do-se com a pró -pria ação); de forma vin cu la da (somen te pode ser come ti do vio lan do as regrasdes ta ca das nos inci sos do dis po si ti vo legal, por vio lar for ma li da des neces sá riaspara emis são, ofe re ci men to ou nego cia ção de títu los ou valo res mobi liá rios);comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipo impli ca a rea li za ção de umacon du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi bi ti va e não man da men -tal); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen to deter mi na do, não haven -do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul ta do); unis sub je ti vo(pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, coau -to ria e par ti ci pa ção); unis sub sis ten te, nas moda li da des emi tir e ofe re cer(crime come ti do em ato único); e plu ris sub sis ten te, na moda li da de de nego -ciar (a ação cri mi no sa pode ser des do bra da em vários atos, admi tin do, nessaforma, a ten ta ti va).

10 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 81.

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7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime com a rea li za ção das con du tas emi tir, ofe re cer ounego ciar, em qual quer das moda li da des des cri tas nos qua tro inci sos rela cio na dos,inde pen den te men te da pro du ção con cre ta de qual quer resul ta do sen so rial men teper cep tí vel.

nas moda li da des de emi tir e ofe re cer, é inad mis sí vel a figu ra ten ta da portra tar-se de crime unis sub sis ten te, sendo impos sí vel seu fra cio na men to.Contudo, a con du ta de nego ciar, por se tra tar de crime plu ris sub sis ten te, admi tea ten ta ti va, con fi gu ran do-se sem pre que for invo lun ta ria men te inter rom pi da.

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são reclu são, de dois a oito anos, emulta. deparamo-nos, neste dis po si ti vo, com san ção penal absur da men te grave,sem obe de cer qual quer parâ me tro obje ti vo, igno ran do-se que não é a gra vi da deda pena que pode sur tir efei to pre ven ti vo geral, mas a cer te za de sua puni ção,segun do pos tu la do de Beccaria. inconformado com a gra vi da de des sas penas,pimentel des ta ca va: “torna-se bas tan te clara a cir cuns tân cia de não exis ti remparâ me tros para a fixa ção das pena li da des. a ver da de é que a deci são de fixar estaou aque la quan ti da de ou qua li da de de pena é, geral men te, arbi trá ria. em cer toscasos, muito evi den te, salta aos olhos a gra vi da de da con du ta. em outros, esta be -le ce-se facil men te o con sen so de que se trata de con du ta de menor gra vi da de,faci li tan do a tare fa de comi nar pena mais leve.”

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Capítulo viii

Cobrança de Jurosou Comissões extorsivos

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 4.1 exigência em desa cor docom a legis la ção: van ta gem inde vi da. 4.2. elemento nor ma ti vo espe cial: em desa -cor do com a legis la ção. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. Classificação dou tri ná -ria. 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e ação penal.

art. 8º exigir, em desa cor do com a legis la ção (veta do), juro, comis são ouqual quer tipo de remu ne ra ção sobre ope ra ção de cré di to ou de segu ro, admi nis -tra ção de fundo mútuo ou fis cal ou de con sór cio, ser vi ço de cor re ta gem ou dis -tri bui ção de títu los ou valo res mobi liá rios.

1. Considerações pre li mi na res

trata-se de uma infra ção penal asse me lha da a duas infra ções cons tan tes doCódigo penal, extor são (art. 158) e con cus são (art. 316), que tra zem em seu bojoo mesmo verbo nuclear: exgir. assemelha-se, ainda, ao crime de usura dis ci pli -na do na lei de economia popular (art. 4º, alí nea “a”, da lei nº 1521/51).

manoel pedro pimentel já lem bra va que o anteprojeto da Comissão dereforma da parte especial do Código penal, rela ti va men te ao mesmo tema, suge -ria, no art. 396, a seguin te reda ção: “Cobrar juro, comis são, ou taxa sobre ope ra -ções de cré di to, admi nis tra ção de fundo mútuo ou fis cal, ser vi ço de cor re ta gemou de dis tri bui ção de títu los ou valo res mobi liá rios, em desa cor do com a legis la -ção: pena – deten ção, de sete meses a dois anos, e multa”.

na nossa legis la ção ante rior, no entan to, não encon tra mos ante ce den tesimi lar ao dis po si ti vo que pas sa mos a con si de rar.

2. Bem jurí di co tute la do

discordamos, nova men te, do enten di men to tra di cio nal da dou tri na que, deum modo geral, tem sus ten ta do, inva ria vel men te, que os tipos penais cons tan tesda lei nº 7.492/86, inclu si ve este, têm como obje ti vi da de jurí di ca a pro te ção da

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“boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do Governo”,1 ou, sim ples men te, do sis te -ma finan cei ro nacio nal, prio ri ta ria men te, e ape nas, secun da ria men te, visa ria àpro te ção de outros bens jurí di cos. sustentamos, ardo ro sa men te, que, prio ri ta ria -men te, neste art. 8º, o obje to jurí di co é a pro te ção do patri mô nio dos usuá rios dosis te ma finan cei ro nacio nal, que acre di tam na “boa exe cu ção da polí ti ca eco nô -mi ca do gover no”. na essên cia, ado ta mos o mesmo enten di men to sus ten ta do portigre maia: “a obje ti vi da de jurí di ca ime dia ta da norma é res guar dar o patri mô -nio dos usuá rios do sis te ma con tra exi gên cias ile gais na rea li za ção de ope ra çõesfinan cei ras e media ta men te asse gu rar a con fia bi li da de no sFn”,2 e por tórtima:“volta-se a tute la jurí di ca [...], de forma ime dia ta, para a pro te ção do patri mô niodos usuá rios do sis te ma. tal preo cu pa ção, toda via, repre sen ta ape nas um aspec -to do obje ti vo maior de res guar dar a pró pria con fia bi li da de do sFn, cujos refle -xos na boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do gover no já foram acen tua dos.”3

Consideramos abso lu ta men te equi vo ca da a afir ma ção rei te ra da de que oobje to jurí di co “é a boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do gover no”, por doisaspec tos fun da men tais: pri mei ro, por que parte da pre sun ção iure et iure de quea “polí ti ca eco nô mi ca do gover no é sem pre boa”, o que não é, em abso lu to, ver -da dei ro, aliás, a nossa his tó ria recen te, ao longo da vigên cia desse diplo ma legal,com pro va os gran des equí vo cos que os gover nos pra ti ca ram em suas, mui tasvezes, desas tro sas polí ti cas eco nô mi co-finan cei ra, tendo, em deter mi na do perío -do, atin gi do a 84% de infla ção, em um mês; em segun do lugar, por que, mesmoque resul te com pro va da que “a exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do gover no” nãoé boa, ainda assim, todos nós “súdi tos” con ti nua mos com a obri ga ção legal de res -pei tá-la e se infrin gir mos a proi bi ção cons tan te deste art. 8º res pon de re mos cri -mi nal men te por sua infrin gên cia.

na ver da de, a nosso juízo, pro te ge-se a lisu ra, a cor re ção e a hones ti da de dasope ra ções atri buí das e rea li za das pelas ins ti tui ções finan cei ras e asse me lha das. obom e regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro repou sa na con fian ça que acole ti vi da de lhe atri bui. a cre di bi li da de é um atri bu to que asse gu ra o regu lar eexi to so fun cio na men to do sis te ma finan cei ro como um todo. secundariamente,por certo, está o obje ti vo de res guar dar essa con fia bi li da de que o sis te ma finan -cei ro nacio nal requer, cujos refle xos na “boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca dogover no” é uma expec ta ti va de todos nós.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo pode ser qual quer pes soa, tra tan do-se, por tan to, de crime co -mum, que não exige qual quer qua li da de ou con di ção espe cial. na rea li da de, além

1 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 74.2 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma... p. 83.3 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 67.

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do rol espe cial cons tan te do art. 25, qual quer pes soa pode ser sujei to ativo dessainfra ção penal, além de admi tir natu ral men te as figu ras da coau to ria e da par ti -ci pa ção.

Contudo, embo ra se trate de crime comum, há um míni mo neces sá rio deexi gên cia, qual seja a de que o sujei to ativo exer ça ou se encon tre numa situa çãoou posi ção que lhe auto ri ze poder exi gir ou con di cio nar a ope ra ção dese ja da aocum pri men to de sua exi gên cia, deven do, por tan to, pelo menos, ser um ope ra dordo mer ca do finan cei ro. a mesma exi gên cia fora do mer ca do, isto é, fora do âmbi -to do sis te ma finan cei ro, não será abran gi da pelas nor ma ti vas deste diplo malegal, cons ti tuin do, por con se guin te, crime da com pe tên cia da jus ti ça esta dual.

sujeito pas si vo, igual men te, pode ser qual quer pes soa que por ven tu ra venhaa ser lesa da pelos auto res dessa infra ção penal; pode, inclu si ve, ser a pró pria ins -ti tui ção finan cei ra e, secun da ria men te, o estado, que é o res pon sá vel pela mora -li da de e pela cre di bi li da de do sis te ma finan cei ro nacio nal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

trata-se de um tipo penal fan ta sio so, em que a exi gên cia decor ren te do seuverbo nuclear exi gir não é mate rial, mas pura men te ideo ló gi ca, con si de ran do-seo sig ni fi ca do atri buí do nos tipos penais simi la res do Código penal, como extor -são (art. 158) e con cus são (316), na medi da em que, nes ses tipos penais, a con du -ta deve ser idô nea para impor, no sujei to pas si vo, temor, receio de, em não aten -den do a exi gên cia, sofrer con se quên cias gra ves. Certamente, não se pode, a des -pei to da simi li tu de refe ri da, dar o mesmo sen ti do à ação de exi gir cons tan te nestetipo penal, ao atri buí do naque les simi la res antes men cio na dos, que suge rem vio -lên cia implí ci ta, poder de coa ção, enfim, a capa ci da de de fazer a víti ma sub me -ter-se à exi gên cia. assiste razão, no par ti cu lar, ao lamen to de tigre maia quan -do afir ma: “no entan to, ao uti li zar a expres são ‘ exigir’ a norma teve redu zi do seualcan ce àque las situa ções em que o sujei to ativo, median te vio lên cia ficta ougrave amea ça (vio lên cia moral), com pe le o sujei to pas si vo ao paga men to inde vi -do”4 (ban cá rio-finan cei ro). esse aspec to, por óbvio, não está pre sen te nesse tipode rela ção, até por que, demons tra-nos a pos tu ra gover na men tal ao longo davigên cia do diplo ma legal, com os con tor nos, as mano bras e as estra té gias que aspolí ti cas mone tá ria, fis cal, tri bu tá ria, finan cei ra e cam bial têm ado ta do ao longodo tempo, espe cial men te em rela ção às taxas de juro ofi ciais, invia bi li zam qual -quer pre ten são de efe ti vi da de da norma proi bi ti va sub exa men. os ver bos ‘ -solicitar’, ‘ aceitar’, ‘ pedir’ não fazem parte do dis po si ti vo exa mi na do, invia bi li -zan do pra ti ca men te a puni ção da proi bi ção pre ten sa men te exis ten te.

4 tigre maia. dos cri mes con tra ao sis te ma finan cei ro... p. 83.

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o verbo nuclear ‘ exigir’ tem o sen ti do de obri gar, orde nar, impor ao sujei -to pas si vo o aten di men to de sua pre ten são, no caso, juro, comis são ou qual quertipo de remu ne ra ção sobre as ope ra ções men cio na das no tipo penal. Como des -ta ca tórtima: “o verbo que des cre ve a con du ta incri mi na da no art. 8º é exi gir,que, no direito penal, tem a acep ção de recla mar sob amea ça explí ci ta ou implí -ci ta.”5 no mesmo sen ti do, era a mani fes ta ção de pimentel que afir ma va: “talcomo ocor re no crime de extor são, o sujei to ativo cons tran ge a víti ma a lhe con -ce der a van ta gem inde vi da. o temor pro vo ca do naque le que sofre o cons tran gi -men to é que o leva a ceder à exi gên cia.”6 na ver da de, para que se con fi gu re odeli to, é neces sá rio que a van ta gem exi gi da seja inde vi da, isto é, taxas exces si vasnão cor res pon dam, no todo ou em parte, à dis po si ção legal. É equi vo ca do e des -pro po si tal falar-se em temor, nesta infra ção penal, que, se tem sen ti do lá nos cri -mes con tra o patri mô nio ou mesmo con tra a pes soa, é incom preen sí vel e até ina -cei tá vel nos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro, em que “as armas” são de outranatu re za e nin guém impõe medo ou cons tran ge nin guém. ademais, rara men te,para não dizer nunca, no mer ca do finan cei ro se pode rá com pro var ocor rên cia deeven tual exi gên cia, como cons ta do texto legal. seria razoá vel, para pos si bi li tar acri mi na li za ção de algu ma ope ra ção exces si va men te one ro sa, que se uti li zas semver bos nuclea res como ‘ solicitar’, ‘ estipular’ ou ‘ acordar’, remu ne ra ção (juro,comis são etc.) con tra lege.

Convém des ta car que ‘ exigir’ não se con fun de com o sim ples ‘ solicitar’ (ver -bo núcleo da cor rup ção pas si va), pois naque le há uma impo si ção do sujei to pas -si vo, que, valen do-se da fun ção que exer ce ou do posto que ocupa, ‘constrange’o sujei to pas si vo com sua ‘ exigência’. É indis pen sá vel que a exi gên cia, implí ci taou explí ci ta, seja moti va da pela impor tân cia da fun ção que o agen te exer ce oupelo posto que ocupa. não exis tin do fun ção ou não haven do rela ção de cau sa li -da de entre ela e o fato impu ta do, não se pode falar em crime de extor são finan -cei ra, poden do exis tir, resi dual men te, qual quer outro crime, pro va vel men te forado âmbi to finan cei ro.

o texto legal usa ele men tar nor ma ti va “em desa cor do com a legis la ção”para defi nir que a exi gên cia deve cons ti tuir uma van ta gem inde vi da, pois se nãocon tra rias se a legis la ção não seria inde vi da. essa exi gên cia da van ta gem inde vi -da pode ser dire ta ou indi re ta. É dire ta quan do o sujei to ativo a for mu la dire ta -men te à víti ma ou de forma explí ci ta, dei xan do clara a sua pre ten são; é indi re taquan do o sujei to se vale de inter pos ta pes soa ou quan do a fór mu la táci ta, implí -ci ta ou sub-rep ti cia men te.

Quando even tual men te a ins ti tui ção finan cei ra, atra vés de seus admi nis tra -do res, con tro la do res, dire to res ou geren tes, firma con vê nio com algu ma enti da -

5 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p.68.6 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 75.

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de, socie da de, asso cia ção ou algo asse me lha do, atra vés do qual, por ven tu ra, esta -be le çam taxas de juro, comis são ou qual quer outra remu ne ra ção, mesmo queexces si vas, não carac te ri za a exi gên cia con ti da no art. 8º que ora exa mi na mos.Com efei to, repe tin do, ‘ exigir’ sig ni fi ca recla mar, impor, orde nar, deter mi nar, oque é visi vel men te incom pa tí vel com a cele bra ção de con vê nio. ora, na cele bra -ção de um con vê nio não há exi gên cia de qual quer das par tes, ao con trá rio, exis -te uma con ver gên cia de von ta des. Quando uma das par tes diver ge, dis cor da ousim ples men te não acei ta os ter mos do acor do, não o cele bram, sim ples men te.

4.1. exigência em desa cor do com a legis la ção: van ta gem inde vi da

a ele men tar nor ma ti va cons tan te do tipo penal – exi gên cia em desa cor docom a legis la ção –, indis cu ti vel men te, é uma forma dife ren te de o legis la dor proi -bir a obten ção coer ci ti va de van ta gem inde vi da, para não dizer ile gal. e uma exi -gên cia desta natu re za busca, obvia men te, uma van ta gem inde vi da. vantagem ‘ -indevida’ é aque la que é ilí ci ta, ile gal, injus ta, con tra lege, enfim, que não é ampa -ra da pelo orde na men to jurí di co. normalmente, a ile ga li da de da van ta gem é deter -mi na da por norma extra pe nal. ademais, a van ta gem pode ser pre sen te ou futu ra.

o crime de ‘extor são financeira’ é for mal, ou seja, sua con su ma ção nãodepen de da ocor rên cia do resul ta do natu ra lís ti co, veri fi can do-se com a sim plesexi gên cia da ‘van ta gem indevida’, inde pen den te men te de ser aten di da pelo ofen -di do. por isso, é fun da men tal que a exi gên cia pre ce da à obten ção da ‘inde vi da vantagem’ (juro, comis são ou qual quer outra remu ne ra ção), isto é, a exi gên cianão pode ser pos te rior a ela.

sustentamos, de um modo geral, a neces si da de de a ‘ vantagem’ ser de natu -re za eco nô mi co-patri mo nial. nesse sen ti do, afir ma-se que a van ta gem pode rela -cio nar-ser a qual quer ganho, lucro ou bene fí cio de natu re za patri mo nial, mesmoque possa ser obti do indi re ta men te. no entan to, con for me des ta ca mos ao exa mi -nar mos os cri mes de extor são (art. 158) e extor são median te seques tro (art. 159),quan do a lei quer res trin gir a van ta gem à natu re za eco nô mi ca,7 o faz expres sa -men te, posi cio na men to nor mal men te ado ta do na dis ci pli na dos cri mes patri mo -niais (arts. 155 a 183). Contudo, no dis po si ti vo em exame, não só não há defi ni -ção da natu re za da van ta gem exi gi da, como sequer refe re-se à van ta gem algu ma,mas sim ples men te “exi gir, em desa cor do com a legis la ção”, que é, a nosso juízo,uma forma dis tin ta de refe rir-se à van ta gem inde vi da. porém, o obje to mate rialda con du ta nuclear ‘ exigir’ é “juro, comis são ou qual quer outro tipo de remu ne -ra ção” sobre as ope ra ções que men cio na e, nes sas cir cuns tân cias, outra coisa nãoé, que van ta gem inde vi da de natu re za eco nô mi ca.

7 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte especial, 5ª ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 3,p. 102-3 e 115-8.

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e se não hou ver exi gên cia, mas sim ples soli ci ta ção de juro, comis são ouqual quer tipo de remu ne ra ção sobre ope ra ções, diga mos, in gene ri, finan cei ras?neste caso, à evi dên cia, não se aper fei çoa o crime des cri to neste arti go 8º da leinº 7.492/86. transportando-se para o Código penal, por outro lado, não se pode -rá falar em con cus são (art. 316 do Cp), mas ape nas em cor rup ção pas si va (art. 317do Cp). Com efei to, rela ti va men te à cobran ça exces si va de encar gos finan cei ros(juro, comis são ou outro tipo de remu ne ra ção), não há uma espé cie de crime sub -si diá rio que pudes se sub su mir a con du ta de soli ci tar, a exem plo de cor rup ção econ cus são. em sen ti do seme lhan te, des ta ca tigre maia: “a sim ples soli ci ta ção ouo mero pedi do ou cobran ça, moda li da de mais fre quen te e con sen tâ neas com aobje ti vi da de jurí di ca pre ten di da, serão indi fe ren tes penais ou pode rão, con for meas cir cuns tân cias con cre tas, carac te ri zar crime de este lio na to ou de cor rup çãopas si va”,8 fora, por tan to, do âmbi to do sis te ma finan cei ro nacio nal.

na pra xis, a demons tra ção de que se trata de soli ci ta ção (cor rup ção pas si va)do fun cio ná rio cor rup to e não exi gên cia (con cus são) enfren ta gran de difi cul da -de pro ba tó ria, assim como a com pro va ção de que se trata de con cus são (exi gên -cia do fun cio ná rio) e não de cor rup ção ativa (ofer ta ou pro mes sa). pois bem, essadifi cul da de tam bém pode rá sur gir na hipó te se da deno mi na da ‘extor são financeira’ ou ‘cobran ça de juros ou comis sões extorsivos’ sobre a neces si da de dedis tin guir se houve exi gên cia ou soli ci ta ção, se houve impo si ção ou sim ples ade -são etc. a dúvi da, cer ta men te, deve favo re cer o acu sa do, deven do-se inter pre tarsem pre como sim ples soli ci ta ção ou ade são que seriam, no caso, con du tas atí pi -cas, no âmbi to dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro.

4.2. elemento nor ma ti vo espe cial: em desa cor do com a legis la ção

a locu ção ‘em desa cor do com a legislação’ é ele men to nor ma ti vo do tipo devalo ra ção jurí di ca com dupla valo ra ção dog má ti ca: é ele men to sui gene ris do fatotípi co, na medi da em que é, ao mesmo tempo, carac te ri za dor da ili ci tu de. Cumpredes ta car, desde logo, que os ele men tos nor ma ti vos do tipo não se con fun dem comos ele men tos jurí di cos nor ma ti vos da ili ci tu de. enquanto aque les são ele men toscons ti tu ti vos do tipo penal, estes, embo ra inte grem a des cri ção do crime, refe rem-se à ili ci tu de e, assim sendo, cons ti tuem ele men tos sui gene ris do fato típi co, namedi da em que são, ao mesmo tempo, carac te ri za do res da ili ci tu de. esses ele men -tos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de nor mal men te são repre sen ta dos por expres -sões como ‘ indevidamente’, ‘ injustamente’, ‘sem justa causa’, ‘sem licen ça da autoridade’, ‘sem per mis são legal’, ‘em desa cor do com a legislação’ etc.

8 rodolfo tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 84.

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há gran de polê mi ca em rela ção ao erro que inci de sobre esses ele men tos:para alguns, cons ti tui erro de tipo, por que nele se loca li za, deven do ser abran gi -do pelo dolo; para outros, cons ti tui erro de proi bi ção, por que, afi nal, aque lesele men tos tra tam exa ta men te da anti ju ri di ci da de da con du ta. para Clausroxin,9 “nem sem pre cons ti tui um erro de tipo nem sem pre um erro de proi bi -ção (como se acei ta em geral), mas pode ser ora um ora outro, segun do se refi -ra a cir cuns tân cias deter mi nan tes do injus to ou somen te à anti ju ri di ci da de daação”. em sen ti do seme lhan te, para Jescheck,10 “trata-se de ele men tos de valo -ra ção glo bal do fato”, que devem, pois, ser decom pos tos, de um lado, naque laspar tes que os inte gram (des cri ti vos e nor ma ti vos), que afe tam as bases do juízode valor e, de outro, naque las que afe tam o pró prio juízo de valor. os pri mei rosper ten cem ao tipo; os últi mos, à anti ju ri di ci da de. o pro ce di men to para essadecom po si ção, suge ri da por Jescheck, deve ser seme lhan te ao uti li za do pela teo -ria limi ta da da cul pa bi li da de para resol ver o erro inci den te sobre os pres su pos -tos fáti cos das cau sas de jus ti fi ca ção.

a rea li za ção dessa dis tin ção, no entan to, pode ser muito difí cil, espe cial -men te naque les casos em que a cons ta ta ção dos fatos já impli que, simul ta nea -men te, sua valo ra ção jurí di ca. Welzel,11 a seu tempo, defen den do uma cor ren -te mino ri tá ria, sus ten ta va que os ele men tos em exame, embo ra cons tan tes dotipo penal, são ele men tos do dever jurí di co e, por con se guin te, da ili ci tu de. porisso, qual quer erro sobre eles deve ser tra ta do como erro de proi bi ção. essa tesede Welzel é ina cei tá vel, na medi da em que impli ca acei tar a vio la ção do cará ter‘ fechado’ da tipi ci da de, a qual deve abran ger todos os ele men tos da con du tatipi fi ca da. no entan to, o melhor enten di men to, a nosso juízo, em rela ção ànatu re za do erro sobre esses ele men tos nor ma ti vos é sus ten ta do por muñozConde,12 que, admi tin do não ser muito raro coin ci di rem erro de tipo e erro deproi bi ção, afir ma: “o cará ter seqüen cial das dis tin tas cate go rias obri ga a com -pro var pri mei ro o pro ble ma do erro de tipo e somen te solu cio na do este se podeana li sar o pro ble ma do erro de proi bi ção”; logo, pode-se con cluir, deve ser tra -ta do como erro de tipo.

em sín te se, como o dolo deve abran ger todos os ele men tos que com põem afigu ra típi ca, e se as carac te rís ti cas espe ciais do dever jurí di co forem um ele men -to deter mi nan te da tipi ci da de con cre ta, a nosso juízo, o erro sobre elas deve sertra ta do como erro de tipo. assim, even tual erro que inci dir sobre a exis tên cia deper mis são legal para a emis são de títu los ao por ta dor carac te ri za erro de tipo,exclu den te do dolo, por con se guin te.

9 Claus roxin. teoria del tipo penal, Buenos aires, depalma, 1979, p. 217. 10 Jescheck. tratado de derecho penal... p. 337.11 hans Welzel. derecho penal ale mán... p. 234.12 muñoz Conde. el error en dere cho penal... p. 60.

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5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo sub je ti vo é cons ti tuí do tão somen te pelo ele men to sub je ti vo geral,que é o dolo, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de exi gir juro, comis são ouqual quer outro tipo de remu ne ra ção em desa cor do com a legis la ção. Convém des -ta car, ade mais, que é indis pen sá vel ficar demons tra do que o sujei to ativo temcons ciên cia de que a cobran ça que exige da remu ne ra ção do capi tal está acima doper mi ti do pela legis la ção em vigor. esta cons ciên cia nada mais é que o ele men tointe lec tual do dolo que deve abran ger todos os ele men tos da des cri ção típi ca.

não há exi gên cia de qual quer ele men to sub je ti vo espe cial do injus to, espe -ci fi ca dor do dolo e tam pou co há pre vi são de moda li da de cul po sa, razão pela qualeven tual con du ta impru den te, negli gen te ou impe ri ta esta rá fora do alcan ce dosis te ma puni ti vo penal.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (que pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa, in -de pen den te men te de osten tar deter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial); for -mal (con su ma-se inde pen den te men te da pro du ção efe ti va de deter mi na do resul -ta do); dolo so (não há pre vi são legal para a figu ra cul po sa); de forma livre (o legis -la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo para exe cu ção dessa infra ção penal,poden do ser rea li za do do modo ou pelo meio esco lhi do pelo sujei to ativo); comis -si vo (o com por ta men to des cri to no tipo impli ca a rea li za ção de uma con du taativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi bi ti va, e não man da men tal); ins tan tâ -neo (a con su ma ção ocor re em momen to deter mi na do, não haven do um dis tan cia -men to tem po ral entre a ação e o resul ta do); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); plu ris -sub sis ten te (pode ser des do bra do em vários atos, que, no entan to, inte gram amesma con du ta), depen den do das cir cuns tân cias pode ser unis sub je ti vo.

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime de extor são finan cei ra com a sim ples exi gên cia dosujei to ativo, ou seja, no momen to em que o sujei to pas si vo toma conhe ci men tode seu con teú do. o crime capi tu la do no art. 8º da lei nº 7.492/86 é for mal e con -su ma-se com a mera exi gên cia da van ta gem inde vi da (em desa cor do com a legis -la ção), qual seja, juro, comis são ou qual quer outra remu ne ra ção sobre ope ra çãorefe ri da no tipo penal. Com efei to, não é neces sá rio que se efe ti ve o aten di men -to da exi gên cia com a acei ta ção do ofen di do; se ocor rer, repre sen ta rá, somen te,o exau ri men to do crime, que se encon tra va per fei to e aca ba do com a impo si çãodo sujei to ativo.

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dogmaticamente, a ten ta ti va é inad mis sí vel, pois se trata de crime unis sub -sis ten te, isto é, de ato único, não admi tin do fra cio na men to. Contudo, con cre ta -men te, pode ser que a exi gên cia se revis ta de diver sos atos; por exem plo: a exi -gên cia da van ta gem inde vi da é feita por meio de cor res pon dên cia, que se extra -via, sendo inter cep ta da pela auto ri da de poli cial antes de a víti ma conhe cer seucon teú do. nesta hipó te se, pode, teo ri ca men te, depen den do da ido nei da de deexi gên cia, carac te ri zar-se ten ta ti va de extor são finan cei ra.

8. pena e ação penal

a pena comi na da é reclu são de um a qua tro anos e multa. a ação penal,como todos os cri mes deste diplo ma legal, é públi ca incon di cio na da, deven do aauto ri da de com pe ten te agir ex offi cio.

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Capítulo iX

Falsidade ideológica Financeira

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 4.1 distinção entre fal si da demate rial e fal si da de ideo ló gi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. Classificaçãodou tri ná ria. 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e ação penal.

art. 9º Fraudar a fis ca li za ção ou o inves ti dor, inse rin do ou fazen do inse rir,em docu men to com pro ba tó rio de inves ti men to em títu los ou valo res mobi liá -rios, decla ra ção falsa ou diver sa da que deve ria cons tar:

pena – reclu são de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

trata-se de moda li da de espe cial de fal si da de ideo ló gi ca pre vis ta no Códigopenal (art. 299), da qual se dis tin gue por ser mais espe cí fi ca e, fun da men tal men -te, pelo espe cial fim de agir, que é dis tin to. lembra tórtima que refe ri do dis po -si ti vo já foi obje to de preo cu pa ção da Comissão de reforma da parte especial doCódigo penal, in ver bis: “art. 390. inserir, ou fazer inse rir, em docu men to com -pro ba tó rio de inves ti men to em títu los ou valo res mobi liá rios, com o intui to deindu zir a erro a auto ri da de públi ca ou o inves ti dor, decla ra ção falsa ou diver sa daque dele deve ria cons tar.”1

os títu los e valo res, cus to dia dos nos esta be le ci men tos espe cia li za dos, ban -cos comer ciais e de inves ti men tos, nas cor re to ras e dis tri bui do ras ou em enti da -des asse me lha das ou equi pa ra das, ou ainda na bolsa de valo res, de um modogeral, são repre sen ta dos por docu men tos que lhes dão um cunho ofi cial. poressas razões, exis tem “os cer ti fi ca dos e extra tos de ações, debên tu res e notas pro -mis só rias escri tu rais, as cau te las repre sen ta ti vas de aqui si ção des sas ações,debên tu res e nps, os extra tos com pro ba tó rios de quo tas de fun dos etc., juri di ca -men te tute la dos pelo tipo em ques tão”.2

1 tórtima. Crimes do cla ri nho bran co... p. 73.2 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 87.

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2. Bem jurí di co tute la do

o bem jurí di co tute la do, espe ci fi ca men te, é a invio la bi li da de e a cre di bi li -da de do mer ca do de capi tais, zelan do pela regu la ri da de das tran sa ções ope ra dasem um dos rele van tes seg men tos do sis te ma finan cei ro nacio nal, inad mi tin do,inclu si ve, frau de à fis ca li za ção e aos inves ti do res. para o bom e regu lar fun cio -na men to desse mer ca do, é indis pen sá vel asse gu rar-se a reti dão das infor ma ções3

con ti das na escri tu ra ção e na con ta bi li za ção de todas as ope ra ções, tute lan do-se,dessa forma, a fé públi ca da docu men ta ção dos títu los e valo res imo bi liá rios,além do patri mô nio dos inves ti do res e das pró prias ins ti tui ções finan cei ras.

o pró prio tigre maia reco nhe ce, neste dis po si ti vo, a tute la prio ri tá ria dopatri mô nio pri va do, afir man do: “cuida-se de res guar dar o patri mô nio dos inves -ti do res, mas pro te gen do tam bém o inte res se esta tal na fis ca li za ção do mer ca do,quer exer cen do-a para fins de con tro le de seu fun cio na men to, quer com a fina -li da de tri bu tá ria, mas, de qual quer modo, para pro te ger o sFn.”4 no mesmo sen -ti do, não des toan do de todo, tórtima sin te ti za: “a tute la ime dia ta da lei exer ce-se aqui sobre o inte res se esta tal na fis ca li za ção do mer ca do e sobre o patri mô niodo inves ti dor. mediatamente, por sua vez, visa asse gu rar a esta bi li da de e a cre di -bi li da de do sFn.”5

objeto mate rial é o docu men to com pro ba tó rio de inves ti men to em títu los ouvalo res mobi liá rios, sendo, por tan to, ele men to jurí di co-nor ma ti vo do tipo penal.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo pode ser qual quer pes soa, tra tan do-se, por tan to, de crime co -mum, que não exige qual quer qua li da de ou con di ção espe cial. na rea li da de, alémdo rol espe cial cons tan te do art. 25, qual quer pes soa pode ser sujei to ativo dessainfra ção penal e, ainda, com a pos si bi li da de nor mal de coau to ria e par ti ci pa ção.

sujeito pas si vo, igual men te, pode ser qual quer pes soa que por ven tu ra venhaa ser lesa da pelos auto res dessa infra ção penal; pode, inclu si ve, ser a pró pria ins -ti tui ção finan cei ra e, secun da ria men te, o estado, que é o res pon sá vel pelo sis te -ma finan cei ro nacio nal. pimentel enca be ça aque la cor ren te que con tes ta mos,para a qual o sujei to pas si vo prin ci pal “é o estado, ofen di do na boa exe cu ção dapolí ti ca eco nô mi ca do Governo. sempre o estado será sujei to pas si vo, poden docon cor rer com ele outros ofen di dos. vítimas da frau de, além da fis ca li za ção,serão os inves ti do res, pre ju di ca dos efe ti va ou poten cial men te”.6

3 Falta a nota de roda pÉ 4 rodolfo tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 86. 5 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 73-4.6 pimentel. Crimes con tra o sis te ma... p. 83.

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É abso lu ta men te equi vo ca da a orien ta ção de alguns auto res ao insis ti remque o estado é sem pre e obri ga to ria men te o sujei to pas si vo prin ci pal de pra ti ca -men te todas as infra ções con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, como se cons ta tana seguin te cita ção: “sujei to pas si vo é o estado, repre sen ta do pelas pes soas jurí -di cas de direi to públi co inter no, titu la res dos bens e inte res ses lesa dos pelas con -du tas típi cas repri mí veis. independentemente da exis tên cia de outras pes soasfísi cas ou jurí di cas lesa das pela con du ta, o estado será sem pre sujei to pas si vo darela ção cri mi no sa.”7 (gri fa mos). para não ser mos repe ti ti vos, suge ri mos con sul -tar nossa mani fes ta ção dia me tral men te opos ta, no capí tu lo rela ti vo à “apro pria -ção indé bi ta finan cei ra” (art. 5º), para onde reme te mos o lei tor.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a con du ta des cri ta neste art. 9º guar da estrei ta seme lhan ça com aque la con -ti da no art. 299 do Cp, in ver bis: “omi tir, em docu men to públi co ou par ti cu lar,decla ra ção que dele deve ria cons tar, ou nele inse rir ou fazer inse rir decla ra çãofalsa ou diver sa da que devia ser escri ta, com o fim de pre ju di car direi to, criarobri ga ção ou alte rar a ver da de sobre fato juri di ca men te rele van te.” a seme lhan -ça, con tu do, atri buí da ao crime des cri to no dis po si ti vo da lei espe cial, com o defal si da de ideo ló gi ca (art. 299), des cri ta no Código penal, não passa de mera apa -rên cia, na medi da em que o falso des cri to no arti go da lei espe cial não é o crimeem si, ao con trá rio do que ocor re na simu la ção pre vis ta no art. 299. Com efei to,o falso con ti do na fal si da de ideo ló gi ca finan cei ra (art. 9º) cons ti tui somen te omeio de rea li za ção do crime nele pre vis to, que é exa ta men te a frau de pra ti ca dacon tra a fis ca li za ção ou o inves ti dor. em outros ter mos, como des ta ca a famí liadelmanto: “o núcleo é frau dar, isto é, enga nar, ludi briar, com forma vin cu la da,ou seja, inse rin do ou fazen do inse rir (con du tas comis si vas, por tan to) decla ra çãofalsa ou diver sa da que deve ria cons tar.”8

no entan to, a dife ren ça mais rele van te das duas figu ras resi de no espe cialfim de agir con sa gra do em cada tipo penal: no tipo espe cial (art. 9º), o fim é frau -dar a fis ca li za ção ou o inves ti dor, ao passo que na fal si da de ideo ló gi ca do códi gopenal, o espe cial fim é “pre ju di car direi to, criar obri ga ção ou alte rar a ver da desobre fato juri di ca men te rele van te”. mas até mesmo esse ele men to sub je ti voespe cial do injus to dos dois tipos é pare ci do, com a dife ren ça de que o tipo emexame é mais espe cí fi co (frau dar a fis ca li za ção ou o inves ti dor), enquan to o fimespe cial do art. 299 é mais abran gen te, como vimos ante rior men te.

a con du ta incri mi na da, repe tin do, é ‘ fraudar’ a fis ca li za ção ou o inves ti dor,que tem o sen ti do de enga nar, ludi briar, indu zir em erro a víti ma. ‘inserindo ou

7 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 31.8 delmanto et al. leis penais e pro ces suais penais comen ta das... p. 162.

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fazen do inserir’ são os meios (ou modos) atra vés dos quais o legis la dor prevê aforma de frau dar a fis ca li za ção e os inves ti do res, que pode ser dire ta (pes soal -men te) ou indi re ta (por inter pos ta pes soa). nesse sen ti do, des ta ca tórtima, “ofal sum des ti na-se aqui a frau dar a fis ca li za ção ou o inves ti dor. Fraudar tem o sen -ti do de ludi briar, levar a erro, ou seja, ao falso ou incom ple to enten di men to darea li da de fáti ca. inserir sig ni fi ca incluir ou intro du zir para que fique cons tan do.Fazer inse rir é a moda li da de indi re ta de agir, na qual o agen te atua por inter pos -ta pes soa, even tual men te ino cen te ou inim pu tá vel (auto ria media ta)”.9

É indis pen sá vel que o falso ideo ló gi co tenha ido nei da de sufi cien te paraenga nar, ludi briar a fis ca li za ção ou o inves ti dor, caso con trá rio não se pode ráfalar em crime, reves tin do-se refe ri da con du ta de ati pi ci da de ou, em outros ter -mos, con fi gu ran do-se crime impos sí vel por abso lu ta ini do nei da de do meio uti li -za do. no mesmo sen ti do, para Guilherme nucci: “[...] o falso gros sei ro não tempoten cia li da de lesi va, não ser vin do para con fi gu rar o crime. por outro lado, estedeli to situa-se no âmbi to das ins ti tui ções finan cei ras. se outro for o docu men tofal si fi ca do, pode dar ense jo a apli ca ção do art. 299 do Código penal, bem como a outras leis espe ciais.”10 realmente, se o fal sum não tiver poten cia li da de ofen si -va, demons tra dor de capa ci da de de enga nar a víti ma, ver san do, por exem plo,sobre fato juri di ca men te irre le van te peran te o bem jurí di co pro te gi do, o com -por ta men to será atí pi co.

previu o legis la dor duas for mas ou modos de frau dar a fis ca li za ção e o inves -ti dor, quais sejam, “inse rin do ou fazen do inse rir [...] em títu los ou valo res mobi -liá rios, decla ra ção falsa ou diver sa da que dele deve ria cons tar”: a) inse rin do(intro du zin do – dire ta men te) ou b) fazen do inse rir (forma indi re ta, por inter pos -ta pes soa) decla ra ção falsa ou diver sa da que deve ria cons tar. ambas podem serinser tas em docu men to públi co ou par ti cu lar, tanto por fun cio ná rio públi co ounão. a frau de, nesta infra ção penal, é sui gene ris, dife ren te das conhe ci das frau -des espa lha das em diver sos arti gos do Código penal, na medi da em que não érepre sen ta da por nenhum ardil, estra ta ge ma ou arti fí cio, tra tan do-se, por tan to,de uma frau de de con teú do ideo ló gi co e não mate rial, indi ca da pela locu ção inse -rin do ou fazen do inse rir, que é seu meio de exe cu ção.

por outro lado, há duas pos si bi li da des de decla ra ções, falsa ou diver sa daque deve ria cons tar e, como se cons ta ta, ambas têm sig ni fi ca dos dis tin tos: a) afalsa – aque la que con tra ria o real con teú do que deve ria ter, não cor res pon de aocon teú do autên ti co que deve ria apre sen tar; b) diver sa da que deve ria cons tar –não é falsa, mas tam pou co cor res pon de ao real con teú do que deve ria ter, tra tan -do-se, por con se guin te, ainda que tam bém seja ver da dei ra, de decla ra ção ino por -tu na, imper ti nen te e inú til, por que fora de pro pó si to ou fora do con tex to.

9 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 74.10 Guilherme de souza nucci. leis penais e pro ces suais penais comen ta das... p. 1059.

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não nos pare ce ade qua do falar-se em decla ra ção subs ti tu ta, na hipó te se dedecla ra ção diver sa da que deve ria cons tar, como afir mam alguns auto res, comosylvio do amaral: “as duas moda li da des dis tin guem-se fun da men tal men te, por -que na pri mei ra o agen te faz uma afir ma ção falsa, enquan to, na segun da, ocor rea subs ti tui ção de uma decla ra ção ver da dei ra e subs tan cial por outra tam bém ver -da dei ra, mas inó cua ou imper ti nen te ao caso.”11

por outro lado, é igual men te equi vo ca do afir mar-se que, quan do essa deno -mi na da ‘decla ra ção substituta’ for igual men te ver da dei ra e subs tan cial, não sedeve falar em subs ti tu ta, mas sim ples men te em omis são da decla ra ção ver da dei -ra, a exem plo da pri mei ra figu ra pre vis ta no art. 299 do Cp. o cerne deste equí -vo co resi de no fato de equi pa rar as duas figu ras do art. 299 do Cpp “omi tir [...]decla ra ção que dele devia cons tar” e decla ra ção “[...] diver sa da que devia serescri ta”, como se sig ni fi cas sem a mesma coisa. obviamente são situa ções dife ren -tes com sig ni fi ca dos igual men te dis tin tos, caso con trá rio, seriam redun dan tes.na figu ra de omi tir des cum pre uma norma impe ra ti va, dei xan do de incluirdecla ra ção ver da dei ra, enquan to na “decla ra ção diver sa da que deve ria ser escri -ta” é a inclu são de decla ra ção não falsa, des cum prin do um coman do proi bi ti vo.mas a figu ra da ‘ omissão’ lá da fal si da de ideo ló gi ca cons tan te do Código penalnão pode ser apli ca da por ana lo gia no tipo espe cial que ora exa mi na mos. assim,a omis são de decla ra ção que deve ria cons tar de docu men to, não pre vis ta no tipopenal espe cial, cons ti tui lacu na que não pode ser supri da por ana lo gia. nomesmo sen ti do da nossa orien ta ção, pimentel pro fes sa va: “ao con trá rio do tipopre vis to no art. 299 do Cp, esta figu ra não se refe re à omis são, excluin do, por -tan to, a fal si da de ideo ló gi ca na forma omis si va, que é expres sa pelo verbo omi -tir.”12 na ver da de, a pura e sim ples omis são não se con fun de com a inser ção dedecla ra ção diver sa da que deve ria ser escri ta, num jogo de com pen sa ção do intér -pre te. sintetizando, a omis são de decla ra ção que deve ria cons tar de docu men topúbli co ou par ti cu lar cons ti tui con du ta atí pi ca.

a decla ra ção falsa ou diver sa da que deve ria ser escri ta, final men te, deve recair sobre fato juri di ca men te rele van te, ou seja, é neces sá rio que a decla ra ção‘ indevida’ cons ti tua ele men to subs tan cial do ato no docu men to. uma sim plesmen ti ra, por exem plo, mera irre gu la ri da de ou sim ples pre te ri ção de for ma li da denão cons ti tui rão o fal sum idô neo a enga nar nin guém. mas é impor tan te des ta carque o tipo em exame refe re-se à fal si da de ideo ló gi ca e não à fal si da de mate rial,dife ren cian do-se ambas de modo que, enquan to a fal si da de mate rial afeta aauten ti ci da de do docu men to em sua forma extrín se ca e con teú do intrín se co, afal si da de ideo ló gi ca afeta-o tão somen te em sua idea ção, no pen sa men to que suas letras encer ram. a fal si da de ideo ló gi ca versa sobre o con teú do do docu men to ou

11 sylvio do amaral apud rodolfo tigre maia. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 87.12 pimentel. Crimes con tra o sis te ma... p. 82.

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títu lo, enquan to a fal si da de mate rial diz res pei to a sua forma. no falso ideo ló gi -co, basta a poten cia li da de do dano, inde pen den te men te de perí cia.

por fim, algu mas ques tões espe ciais mere cem des ta que, pon tual men te.Quanto à fal si da de em folha assi na da em bran co enten de-se que: a) é crime defal si da de ideo ló gi ca, se a folha foi abu si va men te preen chi da pelo agen te, quetinha sua posse legí ti ma; b) se o papel esta va sob a guar da do agen te ou foi obti -do por outro meio cri mi no so, sendo preen chi do de forma abu si va, há crime defal si da de mate rial (art. 297 ou 298); c) quan do, na hipó te se ante rior, hou verrevo ga ção do man da to ou “tiver ces sa do a obri ga ção ou facul da de de preen chero papel”, o agen te tam bém res pon de por fal si da de mate rial.13

4.1. distinção entre fal si da de mate rial e fal si da de ideo ló gi ca

a fal si da de de um docu men to pode apre sen tar-se sob duas for mas: mate rialou ideo ló gi ca. a fal si da de mate rial alte ra o aspec to for mal do docu men to, cons -truin do um novo ou alte ran do o ver da dei ro; a fal si da de ideo ló gi ca, por sua vez,alte ra o con teú do do docu men to, total ou par cial men te, man ten do inal te ra do seuaspec to for mal. na pri mei ra, o vício inci de sobre a parte exte rior do docu men to,isto é, sobre seu aspec to físi co, ainda que seu con teú do seja ver da dei ro. no fal -sum mate rial, o sujei to modi fi ca as carac te rís ti cas ori gi nais do obje to mate rialpor meio de rasu ras, bor rões, emen das, subs ti tui ção de pala vras ou letras, núme -ros etc. na fal si da de ideo ló gi ca, por sua vez, segun do o magis té rio de damásio deJesus, “o vício inci de sobre as decla ra ções que o obje to mate rial deve ria pos suir,sobre o con teú do das idéias. inexistem rasu ras, emen das, omis sões ou acrés ci mos.o docu men to, sob o aspec to mate rial, é ver da dei ro; falsa é a idéia que ele con -tém. daí tam bém cha mar-se de falso ideal”.14

na ver da de, na cri mi na li za ção da fal si da de ideo ló gi ca pro te ge-se a fé públi -ca no que se refe re à auten ti ci da de do docu men to em seu aspec to subs tan cial;con si de ra-se o con teú do inte lec tual (ideal do docu men to, não sua forma), aocon trá rio da fal si da de docu men tal, em que se leva em con si de ra ção o aspec tomate rial. naquela, o docu men to é for mal men te per fei to, sem con tra fa ção oualte ra ção; nesta, na fal si da de docu men tal ou mate rial, a alte ra ção ocor re nascarac te rís ti cas ori gi nais, exte rio res ou físi cas do docu men to. Falsidade ideo ló gi -ca e fal si da de mate rial apre sen tam subs tan ciais dife ren ças, como já adver tianelson hungria: “enquanto a fal si da de mate rial afeta a auten ti ci da de ou a inal -te ra bi li da de do docu men to na sua forma extrín se ca e con teú do intrín se co, a fal -si da de ideo ló gi ca afeta-o tão-somen te na sua idea ção, no pen sa men to que as suas letras encer ram.”15

13 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal, parte especial, rio de Janeiro, p. 358.14 damásio de Jesus. direito penal, parte especial, são paulo, saraiva, 1988, v. 4, p. 5. 15 nelson hungria. Comentários ao Código penal, v. 9, p. 272.

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resumindo, a fal si da de ideo ló gi ca versa sobre o con teú do do docu men to,enquan to a fal si da de mate rial diz res pei to a sua forma. no falso ideo ló gi co, bastaa poten cia li da de de dano e inde pen de de perí cia.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo sub je ti vo é cons ti tuí do tão somen te pelo ele men to sub je ti vo geral,que é o dolo, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de frau dar a fis ca li za ção ouo inves ti dor, inse rin do ou fazen do inse rir decla ra ção falsa ou diver sa da quedeve ria cons tar em docu men to com pro ba tó rio de inves ti men to em títu los ouvalo res mobi liá rios. Convém des ta car, ade mais, que é indis pen sá vel ficar de -mons tra do que o sujei to ativo conhe cia a ver da de rela ti va à decla ra ção a ser inse -ri da no docu men to, tendo cons ciên cia, em outros ter mos, da fal si da de da decla -ra ção inse ri da. essa cons ciên cia nada mais é que o ele men to inte lec tual do doloque deve abran ger todos os ele men tos da des cri ção típi ca.

na tipi fi ca ção de frau de median te fal si da de ideo ló gi ca finan cei ra, embo ranão este ja expres sa, a nosso juízo, há exi gên cia, implí ci ta, do ele men to sub je ti voespe cial do injus to, espe ci fi ca dor do dolo, qual seja o espe cial fim de frau dar a fis -ca li za ção ou o inves ti dor, modi fi can do a ver da de sobre fato juri di ca men te rele -van te. não ocor ren do essa fina li da de espe cial, o tipo penal não se aper fei çoa, nãohaven do, por con se guin te, justa causa para a ação penal.

nessa infra ção penal – frau de median te fal si da de ideo ló gi ca – não há pre vi -são de moda li da de cul po sa, razão pela qual even tual con du ta impru den te, negli -gen te ou impe ri ta esta rá fora do alcan ce do sis te ma puni ti vo penal.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa, nãosendo exi gi da nenhu ma qua li da de ou con di ção espe cial); mate rial (ação e resul -ta do ocor rem em momen tos dis tin tos, ou seja, a con su ma ção somen te ocor requan do a frau de pro duz o resul ta do, frau dan do a fis ca li za ção ou o inves ti dor); deforma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo espe cial para exe -cu ção dessa infra ção penal, poden do ser rea li za do do modo ou pelo meio esco -lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipo impli ca area li za ção de uma con du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi bi ti va enão man da men tal); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen to deter mi na -do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul ta do); e unis -sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do,coau to ria e par ti ci pa ção. não nos pare ce, con tu do, que se possa defi ni-lo comoplu ris sub sis ten te, pois os vários atos que carac te ri zam o crime habi tual são inde -pen den tes, autô no mos e, basi ca men te, iguais, e o que carac te ri za a plu ris sub sis -

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tên cia é a exis tên cia de uma mesma ação huma na que pode ser divi da em atos domesmo com por ta men to, frag men tan do a ação huma na).

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime de frau dar, median te fal si da de ideo ló gi ca, os docu -men tos men cio na dos, com a prá ti ca das con du tas, inse rin do ou fazen do inse rirdecla ra ção falsa ou diver sa da que deve ria cons tar. Contrariamente ao enten di -men to de boa par ce la da dou tri na, con si de ra mos esta infra ção penal de natu re zamate rial, ao con trá rio da simi lar con ti da no art. 299 do Cp, pois o resul ta doencon tra-se tem po ral men te sepa ra do da con du ta. Com efei to, o resul ta do ocor -re somen te quan do é atin gi do o obje ti vo de frau dar a fis ca li za ção ou o inves ti -dor.16 Consuma-se o crime, enfim, com a efe ti va rea li za ção do falso, o que ocor -re quan do a inser ção se dá.

tem-se enten di do que a simu la ção con fi gu ra o crime de fal si da de ideo ló gi -ca. no entan to, cum pre notar que a simu la ção frau du len ta (ser vin do de docu -men to de enga no e locu ple ta ção ilí ci ta), em cer tos casos, deixa o qua dro dos cri -mi na falsi para figu rar entre os cri mes patri mo niais, como dupli ca ta simu la da,frau de à exe cu ção etc.

o falso somen te apre sen ta rele vân cia jurí di ca quan do pene tra na rela tio adhomi nes, pois a fal si da de man ti da em sigi lo é inca paz de pro du zir qual quer efei -to, não encon tran do ade qua ção típi ca, ante a abso lu ta ausên cia de poten cia li da -de lesi va.

a ten ta ti va, con si de ran do-se crime mate rial, é admi ti da nas moda li da desinse rir e fazer inse rir, como exem pli fi ca tórtima, “poden do o agen te inse rir adecla ra ção falsa no docu men to e ter, por qual quer moti vo alheio à sua von ta de,frus tra do o obje ti vo de levar o lesa do a erro”.17

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são reclu são, de um a cinco anos, emulta. a ação penal, como todos os cri mes deste diplo ma legal, é públi ca incon -di cio na da, deven do a auto ri da de com pe ten te agir ex offi cio, inde pen den te men -te da mani fes ta ção de quem quer que seja.

16 no mesmo sen ti do, José Carlos tórtima. Crimes con tra ao sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 75.17 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 75.

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Capítulo X

Falsidade emdemonstrativos Contábeis

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 4.1. impossibilidade de pre -ten sa inter pre ta ção exten si va da des cri ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi -ca. 6. Classificação dou tri ná ria. 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e ação penal.

art. 10. Fazer inse rir ele men to falso ou omi tir ele men to exi gi do pela legis -la ção, em demons tra ti vos con tá beis de ins ti tui ção finan cei ra, segu ra do ra ou ins -ti tui ção inte gran te do sis te ma de dis tri bui ção de títu los de valo res mobi liá rios.

pena – reclu são de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

trata-se de moda li da de espe cial de fal si da de ideo ló gi ca pre vis ta no Códigopenal (art. 299), da qual se dis tin gue por ser mais espe cí fi ca e, fun da men tal men -te, pelo espe cial fim de agir, que é dis tin to. lembra tórtima que refe ri do dis po -si ti vo já foi obje to de preo cu pa ção da Comissão de reforma da parte especial doCódigo penal, in ver bis: “art. 390. inserir, ou fazer inse rir, em docu men to com -pro ba tó rio de inves ti men to em títu los ou valo res mobi liá rios, com o intui to deindu zir a erro a auto ri da de públi ca ou o inves ti dor, decla ra ção falsa ou diver sa daque dele deve ria cons tar.”1

os títu los e valo res, cus to dia dos em esta be le ci men tos espe cia li za dos, ban -cos comer ciais e de inves ti men tos, cor re to ras e dis tri bui do ras ou em enti da desasse me lha das ou equi pa ra das, ou ainda na bolsa de valo res, de um modo geral,são repre sen ta dos por docu men tos que lhes dão um cunho ofi cial. por essas razões, exis tem “os cer ti fi ca dos e extra tos de ações, debên tu res e notas pro mis só -rias escri tu rais, as cau te las repre sen ta ti vas de aqui si ção des sas ações, debên tu rese nps, os extra tos com pro ba tó rios de quo tas de fun dos etc., juri di ca men te tute -la dos pelo tipo em ques tão”.2

1 tórtima. Crimes do cla ri nho bran co... p. 73.2 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 87.

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2. Bem jurí di co tute la do

o bem jurí di co tute la do, nova men te, é a invio la bi li da de e a cre di bi li da de dosis te ma finan cei ro, zelan do pela regu la ri da de e pela cor re ção da con ta bi li da dedas ins ti tui ções finan cei ras. para o bom e regu lar fun cio na men to deste mer ca do,é indis pen sá vel asse gu rar-se da reti dão da con ta bi li da de das res pec ti vas ins ti tui -ções, tute lan do-se, dessa forma, a fé públi ca de seus balan ços, além do patri mô -nio dos inves ti do res e das pró prias ins ti tui ções finan cei ras. indiscutivelmente,pro cu ra-se res guar dar o patri mô nio dos inves ti do res e dos acio nis tas das refe ri -das ins ti tui ções.

objeto mate rial são os demons tra ti vos con tá beis, ou seja, balan ços, balan ce -tes, demons tra ti vos de resul ta do etc.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo pode ser qual quer pes soa, tra tan do-se, por tan to, de crimecomum, que não exige qual quer qua li da de ou con di ção espe cial. na rea li da de,além do rol espe cial cons tan te do art. 25, qual quer pes soa pode ser sujei to ativodessa infra ção penal, além da pos si bi li da de nor mal de coau to ria e par ti ci pa ção.no entan to, nessa infra ção penal, o mais ade qua do é que o sujei to ativo seja quemtem poder de mando para poder fazer inse rir infor ma ção falsa em demons tra ti -vos fis cais; con tu do, é inad mis sí vel mera pre sun ção pelo sim ples fato de ser con -tro la dor ou admi nis tra dor, sendo indis pen sá vel que se faça a prova da efe ti vaprá ti ca da ação incri mi na da.

na moda li da de de omi tir, somen te pode ser sujei to ativo quem tem real -men te o dever jurí di co de agir. ausente esse dever jurí di co de agir, toda e qual -quer omis são cons ti tui um indi fe ren te penal.

sujeito pas si vo, igual men te, pode ser qual quer pes soa que por ven tu ra venhaa ser lesa da pelos auto res dessa infra ção penal, espe cial men te o inves ti dor; pode,inclu si ve, ser a pró pria ins ti tui ção finan cei ra e, secun da ria men te, o estado, queé o res pon sá vel pelo sis te ma finan cei ro nacio nal. vítimas da fal si da de, além dosis te ma finan cei ro, serão os inves ti do res e acio nis tas.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a dou tri na espe cia li za da3 tem des ta ca do, acer ta da men te, a defei tuo sa estru -tu ra tipo ló gi ca da des cri ção con ti da neste art. 10 da lei nº 7.492, que, basi ca men -te, repe te o con ti do no art. 9º que aca ba mos de comen tar, amplian do somen te a

3 por todos, manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 87; José Carlostórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 78; rodolfo tigre maia. dos cri mes con tra o”.

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sua impro prie da de lin guís ti ca. Com efei to, a con du ta des cri ta neste dis po si ti voguar da estrei ta seme lhan ça com aque la con ti da no art. 9º, in ver bis: “Fraudar afis ca li za ção ou o inves ti dor, inse rin do ou fazen do inse rir, em docu men to com -pro ba tó rio de inves ti men to em títu los ou valo res mobi liá rios, decla ra ção falsa oudiver sa da que deve ria cons tar.”

a seme lhan ça, con tu do, atri buí da aos dois dis po si ti vos não passa de sim plesapa rên cia, na medi da em que o fal sum des cri to no arti go 9º, não é o crime em si,ao con trá rio do que ocor re com a inser ção de ele men to falso pre vis ta no art. 10.Com efei to, o falso con ti do na fal si da de ideo ló gi ca finan cei ra (art. 9º) cons ti tui,como lá afir ma mos, somen te o meio ou o modo de rea li za ção do crime nele pre -vis to, que é exa ta men te a frau de pra ti ca da con tra a fis ca li za ção ou o inves ti dor;ou seja, ‘o núcleo é fraudar’, cujos modos ou for mas de rea li zá-la é inse rin do oufazen do inse rir decla ra ção falsa ou diver sa da que deve ria cons tar. a con du taincri mi na da no art. 9º, repe tin do, é ‘ fraudar’ a fis ca li za ção ou o inves ti dor, quetem o sen ti do de enga nar, ludi briar, indu zir a erro a víti ma. inserindo ou fazen -do inse rir são os meios (ou modos) atra vés dos quais o legis la dor prevê a formade frau dar a fis ca li za ção e os inves ti do res, que pode ser dire ta (pes soal men te) ouindi re ta (por inter pos ta pes soa).

ao passo que as con du tas incri mi na das neste art. 10 são ‘fazer inserir’ ele -men to falso ou ‘ omitir’ ele men to exi gi do pela legis la ção, que são dife ren tesdaque la con ti da no arti go ante rior e tam bém alte ra, como se cons ta ta, o obje tomate rial das ações, que são “demons tra ti vos con tá beis de ins ti tui ção finan cei ra”lato sensu. Cabe des ta car que, na hipó te se de não se tra tar de ins ti tui ção finan cei -ra, não have rá ade qua ção típi ca,4 poden do-se admi tir a pos si bi li da de de apli ca çãosub si diá ria do crime de fal si da de ideo ló gi ca cons tan te do Código penal (art. 299).

paradoxalmente, na des cri ção do dis po si ti vo em exame, o legis la dor excluiua forma dire ta e ime dia ta de rea li za ção da con du ta que pre ten deu cri mi na li zar,qual seja ‘ inserir’, ado tan do somen te a forma media ta de rea li za ção da con du tatípi ca, que só pode mate ria li zar-se atra vés de inter pos ta pes soa, fazen do inse rir.pela esdrú xu la reda ção uti li za da no texto legal, ficou excluí da da cri mi na li za çãoa rea li za ção dire ta da con du ta ou, em outros ter mos, se o agen te, por si mesmo,inse rir ele men to falso em demons tra ti vos con tá beis de ins ti tui ção finan cei ra,não pra ti ca rá o crime aqui des cri to ante os sagra dos prin cí pios da reser va legal eda taxa ti vi da de da tipi ci da de estri ta. não era outro o magis té rio de pimentel,5que, na déca da de oiten ta, pon ti fi cou: “a opção do legis la dor não incluiu o verboinse rir e, com isso, pro vo cou con se quên cias rele van tes. a reda ção do dis po si ti -vo, excluin do a forma dire ta de agir, pro vo cou, a esse títu lo – inse rir – a ati pi ci -da de do fato.” estamos dian te de um dos para do xos jurí di cos mais absur dos: inse -

4 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 79.5 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 89.

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rir ele men to falso não é crime, mas fazer inse rir o é, ou seja, man dar fazer cons -ti tui crime, mas fazê-lo, pes soal men te, não o é. em outros ter mos, o des va lor daação não está em pra ti car fal si da de ideo ló gi ca, mas em man dar alguém pra ti cá-laou, em uma lin gua gem mais clara, em se uti li zar de inter pos ta pes soa para fal si -fi car demons tra ti vos con tá beis de ins ti tui ção finan cei ra.

4.1. impossibilidade de pre ten sa inter pre ta ção exten si va dades cri ção típi ca

surpreendentemente, Guilherme nucci, afir man do que o legis la dor esque -ceu de incluir a forma ver bal ‘ inserir’, suge re inter pre ta ção exten si va para abran -ger tam bém essa forma, pois, afi nal, quem pode o mais pode o menos. melhor,veja mos o que sus ten ta nucci, lite ral men te: “houve esque ci men to do legis la dorquan to à forma inse rir (intro du zir), moti vo pelo qual, segun do nos pare ce, pode -mos dar à expres são ‘fazer inserir’ uma inter pre ta ção exten si va, envol ven do,tam bém, o ato de ‘ inserir’. afinal, se o menos grave (fazer inse rir) é puni do, commaior razão, a situa ção mais séria (inse rir) tam bém deve ser.”

Criminalizar con du tas a pre tex to de esque ci men to do legis la dor, veniacon ces sa, é vio lar todos os prin cí pios mais come zi nhos do direi to penal da cul -pa bi li da de. a par tir deste momen to, nossa per ple xi da de maior deixa de ser aesdrú xu la cons tru ção tipo ló gi ca do legis la dor, que é supe ra da pela inter pre ta -ção do ilus tre pena lis ta, que arre ma ta com a suges tão dupla men te equi vo ca dade ado tar uma ‘inter pre ta ção extensiva’ à tipi fi ca ção de crime, para inse rir –sem que rer fazer tro ca di lho – con du ta não pre vis ta pelo legis la dor. o pri mei -ro equí vo co refe re-se à vio la ção da taxa ti vi da de estri ta da tipi ci da de que, emhipó te se algu ma, admi te inter pre ta ção exten si va (que não se con fun de cominter pre ta ção ana ló gi ca, que é admi ti da quan do expres sa men te pre vis ta); osegun do equí vo co está em con fun dir inter pre ta ção exten si va com ana lo gia,que não é méto do inter pre ta ti vo, mas forma de col ma tar lacu nas legais, igual -men te inad mis sí vel em direi to penal mate rial, espe cial men te in malam par tem,como a suge ri da.

em ter mos bem esque má ti cos, pode-se afir mar que este tipo penal punecri mi nal men te a ela bo ra ção de balan ços de ins ti tui ção finan cei ra maquia dos.in contestável, nesse sen ti do, a exem pli fi ca ção ofer ta da por tórtima,6 in ver -bis: “esta mos dian te do que vul gar men te deno mi na-se maquia gem de balan -ços, vale dizer, a adul te ra ção dolo sa dos demons tra ti vos da empre sa finan cei -ra com os mais varia dos obje ti vos (não indi ca dos no pró prio tipo). assim,pode o agen te, v. g., ao pre ten der faci li tar a cap ta ção de recur sos, median te o

6 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 79.

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lan ça men to de títu los no mer ca do (hipó te se com preen di da na pre vi são doart. 396 do já refe ri do ante pro je to), adul te rar os ele men tos de suas demons -tra ções finan cei ras para exi bir um desem pe nho que na rea li da de a ins ti tui çãonão pos sui (sone gan do dados de seu pas si vo cir cu lan te, por exem plo). Comotam bém mani pu lar outros ele men tos para simu lar pre juí zo ou apre sen tarlucro menor do que o efe ti va men te obti do, eli din do, assim, o paga men to doimpos to de renda.”

por outro lado, há duas pos si bi li da des de con cor rer para a ela bo ra ção dedemons tra ti vos con tá beis não cor res pon den tes com o con teú do que deve ria con -ter e, como se cons ta ta, ambas com sig ni fi ca dos dis tin tos: a) fazen do inse rir ele -men to falso – ele men to falso é aque le que con tra ria o real con teú do que deve riater, não cor res pon den do ao con teú do autên ti co que deve ria apre sen tar; b) omi -tin do ele men to exi gi do pela legis la ção – não se trata de ele men to falso ou ver da -dei ro, mas ausên cia de ele men to que a legis la ção expres sa men te exige que cons -te de demons tra ti vos con tá beis.

na figu ra de “omi tir ele men to exi gi do pela legis la ção”, o agen te des cum preuma norma impe ra ti va, dei xan do de incluí-lo “em demons tra ti vos con tá beis deins ti tui ção finan cei ra”. o vocá bu lo ‘ legislação’ uti li za do neste tipo penal deve serinter pre ta do lato sensu, não se res trin gin do, con se quen te men te, à lei for mal oua decre to-lei, abran gen do os conhe ci dos decre tos, regu la men tos, reso lu ções, cir -cu la res, por ta rias etc. a omis são de ele men to exi gi do pela legis la ção não se con -fun de com a inser ção de decla ra ção diver sa da que deve ria cons tar, num jogo decom pen sa ção do intér pre te. esta segun da alter na ti va, inser ção de decla ra çãodiver sa, não foi cri mi na li za da pelo dis po si ti vo em exame, cons ti tuin do-se emcon du ta atí pi ca.

a inser ção de docu men to falso (por inter pos ta pes soa) ou a omis são de ele -men to exi gi do pela legis la ção, final men te, deve cons ti tuir fato juri di ca men terele van te, ou seja, é neces sá rio que a inclu são de ele men to falso, por inter pos tapes soa, ou a omis são ‘ indevida’ cons ti tuam ele men to essen cial men te rele van tedos demons tra ti vos con tá beis de ins ti tui ção finan cei ra, capaz de alte rar a suasubs tân cia. uma mera irre gu la ri da de ou sim ples pre te ri ção de for ma li da de, porexem plo, não cons ti tui rão o fal sum idô neo a enga nar, se não tiver poten cia li da -de para alte rar a subs tân cia de refe ri dos docu men tos. ademais, é impor tan te des -ta car que o tipo em exame refe re-se à fal si da de ideo ló gi ca e não à fal si da de mate -rial, dife ren cian do-se ambas de modo que, enquan to esta afeta a auten ti ci da de dodocu men to em sua forma extrín se ca e con teú do intrín se co, a fal si da de ideo ló gi -ca afeta-o tão somen te em sua idea ção, no pen sa men to que suas letras encer ram.a fal si da de ideo ló gi ca versa sobre o con teú do do docu men to, enquan to a fal si da -de mate rial diz res pei to a sua forma. no falso ideo ló gi co, basta a poten cia li da dedo dano, inde pen den te men te de perí cia.

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a dis tin ção que pro cu ra mos demons trar entre fal si da de mate rial e fal si da deideo ló gi ca, quan do exa mi na mos o art. 9º desta mesma lei, apli ca-se intei ra men -te aqui, razão pela qual dei xa mos de repe ti-la.7

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo sub je ti vo é cons ti tuí do tão somen te pelo ele men to sub je ti vo geral,que é o dolo, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de alte rar a ver da de sobredemons tra ti vos con tá beis de ins ti tui ção finan cei ra, fazen do inse rir ele men tofalso ou omi tin do ele men to exi gi do pela legis la ção. destaca-se, ade mais, que éindis pen sá vel ficar demons tra do que o sujei to ativo conhe cia a ver da de rela ti vaao docu men to que devia ser inse ri do ou a exi gên cia de inclu são, pela legis la ção,do ele men to omi ti do. essa cons ciên cia nada mais é que o ele men to inte lec tualdo dolo que deve abran ger todos os ele men tos da des cri ção típi ca.

na tipi fi ca ção de fal si da de de demons tra ti vos con tá beis, embo ra não este jaexpres sa, a nosso juízo, há exi gên cia, implí ci ta, do ele men to sub je ti vo espe cial doinjus to, espe ci fi ca dor do dolo, qual seja o espe cial fim de fazer inse rir ele men tofalso ou omi tir ele men to exi gi do pela legis la ção, modi fi can do a ver da de sobrefato juri di ca men te rele van te, que é o resul ta do con tá bil de ins ti tui ção finan cei -ra. não ocor ren do essa fina li da de espe cial, o tipo penal não se aper fei çoa, nãohaven do, por con se guin te, justa causa para a ação penal.

nessa infra ção penal – frau de median te fal si da de ideo ló gi ca – não há pre vi -são de moda li da de cul po sa, razão pela qual even tual con du ta impru den te, negli -gen te ou impe ri ta esta rá fora do alcan ce do sis te ma puni ti vo penal.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa, nãosendo exi gi da nenhu ma qua li da de ou con di ção espe cial); mate rial na forma defazer inse rir (que não se con su ma com a sim ples prá ti ca da con du ta des cri ta naforma de fazer inse rir, mas com a inser ção efe ti va do ele men to falso no demons -tra ti vo con tá bil); de mera con du ta (na forma de omi tir ele men to exi gi do pelalegis la ção); de forma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo

7 a fal si da de de um docu men to pode apre sen tar-se sob duas for mas: mate rial ou ideo ló gi ca. a fal si da demate rial alte ra o aspec to for mal do docu men to, cons truin do um novo ou alte ran do o ver da dei ro; a fal si -da de ideo ló gi ca, por sua vez, alte ra o con teú do do docu men to, total ou par cial men te, man ten do inal te ra -do seu aspec to for mal. na pri mei ra, o vício inci de sobre a parte exte rior do docu men to, isto é, sobre seuaspec to físi co, ainda que seu con teú do seja ver da dei ro. no fal sum mate rial, o sujei to modi fi ca as carac te -rís ti cas ori gi nais do obje to mate rial por meio de rasu ras, bor rões, emen das, subs ti tui ção de pala vra ou letras, núme ros etc. na fal si da de ideo ló gi ca, o vício inci de sobre as decla ra ções que o obje to mate rial deve -ria pos suir, sobre o con teú do das ideias. inexistem rasu ras, emen das, omis sões ou acrés ci mos. o docu men -to, sob o aspec to mate rial, é ver da dei ro; falsa é a ideia que ele con tém.

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espe cial para exe cu ção dessa infra ção penal, poden do ser rea li za do do modo oupelo meio esco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo, na forma de fazer inse rir (ocom por ta men to des cri to no tipo impli ca a rea li za ção de uma con du ta ativa, poisa norma penal tipi fi ca do ra é proi bi ti va e não man da men tal); omis si vo na outra(omi tir ele men to exi gi do pela legis la ção); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re emmomen to deter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a açãoe o even to; unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te,admi tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); plu ris sub sis ten te, na forma ‘fazer inserir’ (a ação pode ser des do bra da em vários atos, admi tin do a ten ta ti va); eunis sub sis ten te na forma ‘ omitir’ (crime de mera ati vi da de ou crime de atoúnico, que não admi te fra cio na men to, não admi tin do ten ta ti va).

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime na forma de fazer inse rir com a con clu são da inser çãodo ele men to falso no demons tra ti vo con tá bil de ins ti tui ção finan cei ra.Contrariamente ao enten di men to de boa par ce la da dou tri na, con si de ra mos estainfra ção penal de natu re za mate rial, pois o resul ta do encon tra-se tem po ral men -te sepa ra do da con du ta. Com efei to, o resul ta do, isto é, a con su ma ção aper fei çoa-se somen te quan do é atin gi do o obje ti vo pre ten di do. Consuma-se o crime, enfim,com a efe ti va inser ção de ele men to falso no demons tra ti vo con tá bil. na moda li -da de de omi tir ele men to exi gi do pela legis la ção, con su ma-se no lugar e nomomen to em que a ação omi ti da deve ria rea li zar-se e não se rea li zou, isto é, con -su ma-se exa ta men te quan do da ela bo ra ção do demons tra ti vo con tá bil.

a ten ta ti va na moda li da de de fazer inse rir, como crime mate rial, é per fei -ta men te pos sí vel, cuja exe cu ção pode ser inter rom pi da por cir cuns tân cias alheiasà von ta de do agen te. a natu re za mate rial desta figu ra típi ca resi de no fato de quea inser ção de ele men to falso nos demons tra ti vos con tá beis alte ra fisi ca men te suarea li da de. na moda li da de de omi tir, como crime de mera ati vi da de, ou melhor,ina ti vi da de, a con du ta nega ti va não admi te fra cio na men to.

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são reclu são, de um a cinco anos, emulta. a ação penal, como todos os cri mes deste diplo ma legal, é de natu re zapúbli ca incon di cio na da, deven do a auto ri da de com pe ten te agir ex offi cio, inde -pen den te men te da mani fes ta ção de quem quer que seja.

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Capítulo Xi

Contabilidade paralela

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua çãotípi ca. 6. Consumação e ten ta ti va. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. pena e ação penal.

art. 11. manter ou movi men tar recur so ou valor para le la men te à con ta bi -li da de exi gi da pela legis la ção:

pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

não havia, na legis la ção bra si lei ra, infra ção seme lhan te à pre vis ta neste dis -po si ti vo legal. no entan to, a manu ten ção ou a movi men ta ção de con ta bi li da depara le la, popu lar men te conhe ci da como o famo so ‘Caixa 2’, de deter mi na dasempre sas, já havia sido obje to de preo cu pa ção do anteprojeto da Comissão dereforma da parte especial do Código penal, que esta be le cia em seu art. 395 oseguin te: “manter ou movi men tar recur so ou valor para le la men te a con ta bi li da -de exi gi da pela legis la ção, com o fim de obter van ta gem inde vi da: pena – re -clusão, de um a cinco anos, e multa”.

o projeto ori gi ná rio da Câmara dos deputados, con tu do, que redun dou nopre sen te diplo ma legal, dis pu nha no § 2º do art. 10 a seguin te pre vi são: “namesma pena incor re quem man tém con ta bi li da de para le la à exi gi da pela lei”,suge rin do a pena de dois a oito anos de reclu são, e multa. Consta que esse texto,com peque na alte ra ção final, com exce ção da ação penal, resul tou no texto finaldo atual art. 11 da lei nº 7.492/86. no entan to, dife ren te men te daque la pre vi sãosuge ri da pelo anteprojeto de reforma da parte especial do Código penal, foisupri mi da a exi gên cia de espe cial fim do tipo, que era repre sen ta do pela locu ção‘com o fim de obter van ta gem indevida’, amplian do exa ge ra da men te o alcan cedeste dis po si ti vo legal.

a dou tri na espe cia li za, com acer to, levan tou seve ras crí ti cas a essa equi vo -ca da opção do legis la dor, con for me o magis té rio des ta ca do, exem pli fi ca ti va men -te, de dois gran des espe cia lis tas. nesse sen ti do, manoel pedro pimentel, o pri -mei ro a arvo rar-se con tra esse dis po si ti vo, asse ve ra va: “nota-se que fora supri mi -do o ele men to sub je ti vo do tipo, que se nos afi gu ra essen cial à com po si ção desta

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figu ra deli tuo sa, pois tor na va impres cin dí vel a fina li da de de obter van ta geminde vi da. somente nessa hipó te se é que se torna cri mi no sa a manu ten ção oumovi men ta ção para le la men te à con ta bi li da de legal da empre sa. se não hou veresse fim escu so, não há por que proi bir sejam man ti dos e movi men ta dos recur -sos à mar gem da con ta bi li da de legal, ou para le la men te a ela, pois o com por ta men -to pode rá ser líci to, em cer tos casos.”1 nessa mesma linha, tórtima, rati fi ca:“preferiu o legis la dor do pre sen te diplo ma, entre tan to, supri mir a refe rên cia aoespe cial fim do agen te (com o fim de obter van ta gem inde vi da) que cons ta va noart. 395 do refe ri do ante pro je to, alar gan do, assim, a nosso ver de forma exces si va -men te drás ti ca e pouco equi li bra da, o campo de inci dên cia da norma puni ti va.”2

na ver da de, a lógi ca do racio cí nio dos comen ta do res supra ci ta dos resi de napos si bi li da de de o empre sá rio man ter uma escri tu ra ção con tá bil auxi liar, tãosomen te para fins de melhor acom pa nhar, no coti dia no, a movi men ta ção de suaempre sa, de uma manei ra mais infor mal. nesse tipo de con du ta, não have riaqual quer ile ga li da de ou imo ra li da de, pelo con trá rio, seria até uma forma de con -tro lar a ope ra cio na li za ção efe ti va do setor con tá bil da ins ti tui ção. Contudo, coma abran gên cia dada ao dis po si ti vo, a manu ten ção de escri ta con tá bil para le la tam -bém aca ba ria sendo alcan ça da pelo con teú do do dis po si ti vo legal que ora exa mi -na mos. por óbvio, faze mos coro às crí ti cas que aca ba mos de des ta car, por suaabso lu ta per ti nên cia.

2. Bem jurí di co tute la do

tutela-se, neste dis po si ti vo, tanto o sis te ma finan cei ro, quan to o sis te ma tri -bu tá rio, na medi da em que a con ta bi li da de para le la pro pi cia a sone ga ção de tri -bu tos, não ape nas devi dos pela pró pria ins ti tui ção finan cei ra, como de sua clien -te la, que tem faci li ta do apli ca ções igual men te oriun dos de con ta bi li da de para le -la, crian do uma ver da dei ra cor ren te de apli ca ção de recur sos à mar gem do sis te -ma tri bu tá rio, sem os devi dos reco lhi men tos aos cofres públi cos.

protege-se, igual men te, o direi to de acio nis tas, inves ti do res e apli ca do resque podem ser lesa dos com a admi nis tra ção irre gu lar da ins ti tui ção finan cei ra,prin ci pal men te pelo uso de con ta bi li da de para le la à ofi cial. aureo natal de paulaacres cen ta que “por refle xo será atin gi do o patri mô nio públi co que não pode rácon tar com os impos tos que decor rem das ope ra ções, que serão redu zi dos à partecon ta bi li za da, sendo os refe ren tes à outra parte sone ga dos, sendo então tam bémpro te gi da a boa exe cu ção da polí ti ca de arre ca da ção tri bu tá ria”.3

1 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 92; 2 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 81.3 aureo natal de paula. Crimes con tra ao sis te ma finan cei ro nacio nal e o mer ca do de capi tais, 4. ed.,

Curitiba: Jura, 2009, p. 241.

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tutela-se, tam bém, a lisu ra, a cor re ção e a hones ti da de das ope ra ções atri -buí das e rea li za das pelas ins ti tui ções finan cei ras e, como tal, devem ser devi da -men te con ta bi li za das.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo, embo ra o tipo não o diga expres sa men te, ao con trá rio do quefaz em vários dos cri mes tipi fi ca dos neste diplo ma legal, podem ser os con tro la -do res e os admi nis tra do res das ins ti tui ções finan cei ras, sendo con si de ra dos comotais os dire to res e os geren tes (art. 25 e § 1º). igualmente podem sê-lo os equi pa -ra dos aos admi nis tra do res, o inter ven tor, o liqui dan te e o sín di co (art. 25, § 2º).não che ga mos a afir mar, como fazia manoel pedro pimentel, que se trate decrime pró prio,4 até por que o tipo penal não faz exi gên cia de qual quer qua li da deou con di ção do sujei to ativo. somente as pecu lia res é que levam a pre su mir quemsejam os auto res mais pro vá veis das ações tipi fi ca das, mas esse aspec to não auto -ri za defi nir como crime pró prio.

sujeito pas si vo, final men te, é o estado, guar dião e res pon sá vel pela esta bi -li da de, con fia bi li da de e ido nei da de do sis te ma finan cei ro nacio nal. secunda -riamente, tam bém podem ser con si de ra dos como sujei tos pas si vos os inves ti do -res e os cor ren tis tas ou qual quer pes soa que seja lesa da.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

as con du tas cri mi na li za das são man ter ou movi men tar recur so ou valorpara le la men te à con ta bi li da de exi gi da pela legis la ção bra si lei ra, ou seja, proí be-se a manu ten ção de con ta bi li da de para le la, o conhe ci do ‘Caixa 2’. em outros ter -mos, cri mi na li za-se, na ver da de, a omis são cons ti tuí da pela não con ta bi li za ção derecei tas da ins ti tui ção finan cei ra e do resul ta do de ope ra ções e movi men ta çõesfinan cei ras alheias à escri tu ra ção con tá bil ofi cial.5 destaca a famí lia delmanto6

que os recur sos ou valo res são man ti dos ou movi men ta dos à reve lia dos órgãosarre ca da do res e, tam bém, de inves ti do res, sócios ou acio nis tas, que des co nhe cemessa prá ti ca. Que tal vez, no mundo dos negó cios, o uso do deno mi na do ‘caixa 2’seja um dos cri mes mais pra ti ca dos em nosso país, tanto para sone ga ção fis cal,quan to para outros fins.

‘manter’ sig ni fi ca con ser var, per ma ne cer, pros se guir ou ter recur so ou valorpara le la men te à con ta bi li da de exi gi da pela legis la ção; ‘ movimentar’, por sua vez,sig ni fi ca mover, colo car em cir cu la ção, fazen do tran sa ções comer ciais ou finan -

4 Falta o Con teú do da nota de roda pÉ5 Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 703.6 roberto delmanto et alee. leis penais espe ciais comen ta das... p. 166.

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cei ras com valor ou recur so para le la men te à con ta bi li da de ofi cial, isto é, excluí -das daque la con ta bi li da de sobre a qual inci di rão os tri bu tos gover na men tais.Como elu ci da José Carlos tórtima: “Cuida-se aqui, como já ano ta do, de coi bir auti li za ção do cog no mi na do caixa dois, repre sen ta do pela cir cu la ção de recur sosou valo res, pelas mãos do agen te, sem qual quer regis tro for mal e livres, por tan -to, da exa ção tri bu tá ria ou das obri ga ções para com os sócios e inves ti do res”.7

a des pei to da cla re za do uni ver so abran gi do por este diplo ma legal, con vémregis trar que a con du ta aqui incri mi na da, qual seja, a uti li za ção de con ta bi li da depara le la, como crime con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, somen te se con fi gu raquan do pra ti ca da no âmbi to de ins ti tui ções finan cei ras. em outras pala vras, asmes mas con du tas pra ti ca das no âmbi to das socie da des civis ou comer ciais, cer ta -men te, encon tra rão aga sa lho em outros diplo mas legais, v. g., legis la ção tri bu tá -ria (lei nº 8.137/90), Código penal etc. nesse sen ti do, acer ta da men te, afir matigre maia: “a con ta bi li da de para le la (“caixa 2”) pro pi cia a eva são de divi sas, asone ga ção fis cal, a espe cu la ção lesi va à ordem eco nô mi ca, a for ma ção de car téise oli go pó lios, a remu ne ra ção ocul ta de diri gen tes das empre sas, o paga men to desubor nos e pro pi nas, além de lesões patri mo niais aos inves ti do res.”8

absolutamente pro ce den te a crí ti ca de pimentel quan to à exclu são da reda -ção final do texto legal rela ti va men te à exi gên cia de ele men to sub je ti vo quecons ta va do anteprojeto de reforma do Código penal (art. 395), “com o fim deobter van ta gem inde vi da”. imaginava refe ri do autor, que com a ausên cia dessaele men tar, amplian do a abran gên cia do tipo, pode ria alcan çar qual quer com por -ta men to con tá bil para le lo à escri tu ra ção legal, e exem pli fi ca va: “Basta pen sar emuma hipó te se em que o empre sá rio man te nha uma escri tu ra ção auxi liar, para le -la à con ta bi li da de legal, com o intui to de melhor acom pa nhar a vida con tá bil daempre sa, fazen do lan ça men tos cor re tos, man ten do ou movi men tan do recur sosigual men te indi ca dos na con ta bi li da de legal.”9 no entan to, a des pei to da elo giá -vel e legí ti ma preo cu pa ção, há um equí vo co de inter pre ta ção que decor re do fatode par tir de pre mis sa falsa. Com efei to, a proi bi ção cons tan te do tipo é de “man -ter ou movi men tar recur so ou valor para le la men te” à con ta bi li da de ofi cial, enão, como ima gi na va o autor, de man ter “escri tu ra ção auxi liar, para le la à con ta -bi li da de legal”. realmente, a proi bi ção é de man ter ou movi men tar recur sos ouvalo res para le los, alheios, por tan to, à con ta bi li da de ofi cial (que fica excluí da datri bu ta ção nor mal), e não ape nas o aspec to ope ra cio nal que uti li za méto do auxi -liar para con tro lar a cor re ção da con ta bi li da de ofi cial (sem excluir, por tan to,qual quer recur so ou valor). portanto, a hipó te se suge ri da por pimentel não cons -ti tui crime, sendo con du ta atí pi ca.

7 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 82.8 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 92.9 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 92.

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5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien tede man ter ou movi men tar recur sos para le la men te à con ta bi li da de ofi cial. Éneces sá rio que o agen te tenha conhe ci men to da exis tên cia efe ti va de con ta bi li da -de para le la e von ta de de ope rar dessa forma. o dolo deve abran ger todos os ele -men tos con fi gu ra do res da des cri ção típi ca. eventual des co nhe ci men to de um ououtro ele men to cons ti tu ti vo do tipo cons ti tui erro de tipo, exclu den te do dolo.

não há neces si da de de espe cial fim de agir, sendo, por tan to, irre le van te afina li da de da con ta bi li da de para le la, e tam pou co há pre vi são da moda li da de cul -po sa, cujo com por ta men to, se exis tir, será atí pi co.

6. Consumação e ten ta ti va

na moda li da de man ter, que é crime per ma nen te, a exe cu ção da con du taalon ga-se no tempo, per du ran do ao mesmo tempo em que se con su ma ou, em outros ter mos, a con su ma ção pro trai-se no tempo, desde o momen to que come çaa rea li zar-se até quan to per du rar a manu ten ção. visto dessa forma, à evi dên cia,que essa infra ção, por sua natu re za de crime per ma nen te, não admi te ten ta ti va.

na moda li da de de movi men tar recur so ou valor para le la men te à con ta bi li -da de ofi cial, como crime ins tan tâ neo con su ma-se com o sim ples movi men to derecur so ou valor para le lo, embo ra o verbo ‘ movimentar’ indi que repe ti ção dacon du ta. tratando-se, porém, de crime for mal, que suge re repe ti ção, não háespa ço para a figu ra ten ta da.

7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de cri mes comuns (que podem ser pra ti ca dos por qual quer pes soa,não exi gin do qual quer qua li da de ou con di ção espe cial dos sujei tos ati vos, nasduas moda li da des); for mal (não depen de da ocor rên cia de resul ta do, repre sen ta -do por efe ti vo pre juí zo, embo ra possa ocor rer); dolo sos (não há pre vi são legalpara a figu ra cul po sa); de forma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma oumodo para exe cu ção des sas infra ções penais, poden do ser rea li za do pela forma oumeio esco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vos (os com por ta men tos des cri tos notipo impli cam a rea li za ção de con du tas ati vas); per ma nen te (na moda li da de deman ter, a exe cu ção alon ga-se e pro lon ga-se tem po ral men te, a con su ma ção igual -men te per du ra enquan to a con du ta pro trai-se ao longo do tempo); ins tan tâ neos(na moda li da de de movi men tar, a con su ma ção ocor re em momen to deter mi na -do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul ta do); unis -sub je ti vos (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu -do, coau to ria e par ti ci pa ção); unis sub sis ten te (na moda li da de de man ter, per ma -

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ne ce em ato único, alon gan do-se sua exe cu ção); plu ris sub sis ten te ou unis sub sis -ten te (depen den do do méto do elei to pelo sujei to ativo).

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são de reclu são, de um a cinco anos,e multa. esse parâ me tro de pena, com a míni ma não supe rior a um ano, admi tea sus pen são con di cio nal da pena.

a ação penal é públi ca incon di cio na da, não depen den do da mani fes ta ção dequem quer que seja. a auto ri da de com pe ten te deve agir de ex offi cio assim quetomar conhe ci men to de fato.

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Capítulo Xii

sonegação de informações àsautoridades Competentes

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 3.1. sujeito ativo. 3.2. sujeito pas si vo. 4. tipo obje ti vo: ade qua -ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. Consumação e ten ta ti va. 7. Clas -sificação dou tri ná ria. 8. pena e ação penal.

art. 12. deixar, o ex-admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra, de apre sen tarao inter ven tor, liqui dan te ou sín di co, nos pra zos e con di ções esta be le ci dos em leias infor ma ções, decla ra ções ou docu men tos de sua res pon sa bi li da de:

pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (qua tro) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

o crime des cri to neste art. 12 não tem pre ce den te em nosso orde na men tojurí di co-penal, cri mi na li zan do con du ta seme lhan te, a des pei to de a anti ga lei deFalências (dec. lei nº 7.661/45) já esta be le cer os deve res dos ex-admi nis tra do resde empre sas fali das. não foi, igual men te, incluí da figu ra seme lhan te no ante -projeto da Comissão de reforma da parte especial do Código penal. a ino va çãocon ti da no dis po si ti vo em exame sur giu, no entan to, com o projeto ori gi ná rio daCâmara dos deputados, dando ao art. 12 a seguin te reda ção: “deixar o ex-admi -nis tra dor das enti da des pre vis tas no art. 1º desta lei, de apre sen tar, ao inter ven -tor, liqui dan te ou sín di co, nos pra zos e con di ções esta be le ci dos em lei, as infor -ma ções, decla ra ções ou docu men tos de sua res pon sa bi li da de.” na rea li da de, odis pos to neste art. 12 é san cio na dor do dis pos to no art. 10 da lei nº 6.024/74, queé apli cá vel tam bém às liqui da ções judi ciais.1

2. Bem jurí di co tute la do

tutela-se como bem jurí di co, em pri mei ro plano, o regu lar sanea men to ouextin ção das ins ti tui ções finan cei ras que tive rem difi cul da de em ofe re cer garan -

1 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 97.

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tia, segu ran ça e cre di bi li da de quan to a sua capa ci da de de hon rar seus com pro -mis sos com cre do res, inves ti do res e acio nis tas. protege-se, nas con ci sas pala vrasde tórtima, “[...] a regu la ri da de e a boa mar cha dos pro ces sos de liqui da ção,inter ven ção e falên cia das ins ti tui ções finan cei ras ou enti da des equi pa ra das”.2além das ins ti tui ções finan cei ras, os ins ti tu tos da inter ven ção, da liqui da çãoextra ju di cial e, quan do for o caso, da falên cia (para os casos cabí veis) têm o obje -ti vo de sal va guar dar os inte res ses de cre do res e inves ti do res. na rea li da de, nãovisa somen te pro te ger as ins ti tui ções finan cei ras, mas obje ti va tam bém asse gu raros direi tos dos res pec ti vos cre do res.

para lhes dar a efi cá cia neces sá ria, o legis la dor pro cu rou atri buir-lhe cará -ter coer ci ti vo. dessa forma, con du ta do ex-admi nis tra dor, como a aqui des cri ta,que os des res pei tem cons ti tui infra ção penal. Claramente, pro te ge-se, igual men -te, o sis te ma finan cei ro nacio nal con tra os maus admi nis tra do res, que, mesmoapós afas ta dos da admi nis tra ção, pro cu ram des viar-se das impo si ções legais.

são obje to mate rial as infor ma ções, as decla ra ções e os docu men tos de res -pon sa bi li da de do ex-admi nis tra dor. esse obje to mate rial, na afir ma ção de pi -mentel, “[...] faz parte do acer vo que inte res sa ao inter ven tor, ao liqui dan te ouao sín di co, para com pro va ção de fatos, even tual con ti nua ção do negó cio, ou,enfim, para o pleno conhe ci men to a res pei to da vida da empre sa. a omis são, por -tan to, pre ju di ca o desen vol vi men to e a con clu são dos atos per ti nen tes à inter -ven ção, à liqui da ção ou à falên cia”.3

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

3.1. sujeito ativo

por defi ni ção legal, a exem plo de inú me ros dos cri mes con tra o sis te mafinan cei ro, só pode ser sujei to ativo o ex-admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra,sendo con si de ra dos como tal os ex-dire to res e ex-geren tes (art. 25 e § 1º). trata-se, na rea li da de, de crime pró prio, exi gin do uma con di ção espe cial do sujei toativo, qual ter exer ci do uma das fun ções refe ri das no art. 25 e seu pará gra fo.

nessa infra ção penal, espe ci fi ca men te, os equi pa ra dos aos admi nis tra do res,quais sejam, o inter ven tor, o liqui dan te e o sín di co4 (art. 25, § 2º), não podem sersujei to ativo, con tra ria men te ao enten di men to sus ten ta do por antonio Carlosrodrigues da silva. equivoca-se, venia con ces sa, quan do afir ma: “podem, tam -bém, come ter o deli to em ques tão o inter ven tor e o liqui dan te da orga ni za çãoban cá ria. no caso do inter ven tor, quan do se negar a pres tar as infor ma ções,

2 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 85.3 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 99.4 a iden ti fi ca ção e as fun ções de inter ven tor, liqui dan te e sín di co abor da mos quan do ana li sa mos o art. 5º

deste diplo ma legal, para onde reme te mos o lei tor, evi tan do, assim, a redun dân cia.

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decla ra ções ou docu men tos de sua res pon sa bi li da de na fase de liqui da ção extra -ju di cial, e o sín di co na fase falen cial.”5 nossa con tra rie da de a essa res pei tá velorien ta ção tem dois fun da men tos bási cos:

1º – o dis po si ti vo em exame não cri mi na li za a con du ta de admi nis tra dorde ins ti tui ção finan cei ra, ao qual se equi pa ram inter ven tor, liqui dan te e sín -di co, por que, nas situa ções res pec ti vas (inter ven ção, liqui da ção ou falên cia),subs ti tuem aque le e, nessa con di ção, na admi nis tra ção de ins ti tui ção sobinter ven ção, em liqui da ção ou fali da, res pon dem pelos mes mos cri mes quecome te rem. no entan to, na figu ra des cri ta neste dis po si ti vo, cri mi na li za con -du ta de ex-admi nis tra dor, no pós-admi nis tra ção, isto é, pela prá ti ca de irre -gu la ri da de fora da admi nis tra ção, embo ra em razão dela. a situa ção de inter -ven tor, liqui dan te ou sín di co, por tan to, não se equi pa ra à de ex-admi nis tra -dor, mas à de admi nis tra dor, e a taxa ti vi da de do prin cí pio da tipi ci da de nãoadmi te ana lo gia, inter pre ta ção ana ló gi ca ou exten si va para equi pa rá-las.

2º – por outro lado, a prá ti ca das con du tas rela cio na das pelo autorsupra men cio na do pode rão encon trar abri go no dis pos to no art. 15, quan dose tra tar de “mani fes ta ção falsa”, e nas demais hipó te ses, no art. 23, que tipi -fi ca o crime de pre va ri ca ção espe cial, ambos deste diplo ma legal. não sepode esque cer que quem exer ce as fun ções de inter ven tor, liqui dan te e sín -di co são equi pa ra dos a fun cio ná rio públi co (art. 327, § 1º, do Cp). por outrolado, even tual con du ta irre gu lar de sín di co que não encon trar ade qua çãotípi ca nos dis po si ti vos deste diplo ma legal pode rá ainda res pon der porcrime pre vis to na atual lei de Falências (lei nº 11.101/05).

a con di ção espe cial de ex-admi nis tra dor, no entan to, como ele men tar des -sa infra ção penal, comu ni ca-se ao par ti cu lar que even tual men te con cor ra, nacon di ção de coau tor ou par tí ci pe, para a prá ti ca do crime nos ter mos da pre vi -são do art. 30 do Cp. dessa forma, é neces sá rio que pelo menos um dos auto resreúna a con di ção espe cial exi gi da pelo tipo penal, poden do os demais não pos -suí rem tal qua li da de.

É indis pen sá vel, con tu do, que o par ti cu lar (extra neus) tenha cons ciên cia daqua li da de espe cial de ex-admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra, sob pena de nãores pon der por esse crime que é pró prio. desconhecendo essa con di ção, o dolo dopar ti cu lar não abran ge todos os ele men tos cons ti tu ti vos do tipo ou não os abran gecor re ta men te, con fi gu ran do-se o conhe ci do erro de tipo, que afas ta a tipi ci da de dacon du ta. responderá, no entan to, por outro crime, con soan te o per mis si vo con ti -

5 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cla ri nho bran co... p. 102.

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do no art. 29, § 2º, do Código penal, que abri ga a cha ma da coo pe ra ção dolo sa men -te dis tin ta, auto ri zan do-o a res pon der, em prin cí pio, por crime menos grave.

3.2. sujeito pas si vo

sujeito pas si vo pode ser a pró pria ins ti tui ção finan cei ra, seus sócios ou acio -nis tas, inves ti do res, cor ren tis tas. na rea li da de, não ape nas inves ti do res ou cor -ren tis tas podem ser sujei tos pas si vos dessa infra ção penal, mas qual quer pes soa,físi ca ou jurí di ca, quan do even tual men te lesa das. secundariamente, tam bém oestado, res pon sá vel pela esta bi li da de, con fia bi li da de e ido nei da de do sis te mafinan cei ro nacio nal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a con du ta incri mi na da é dei xar de apre sen tar infor ma ções, decla ra ções oudocu men tos de sua res pon sa bi li da de aos des ti na tá rios, quais sejam, inter ven tor,liqui dan te ou sín di co. Com acer to, tórtima con clui: “no caso, a omis são, penal -men te rele van te, ocor re quan do o agen te deixa de apre sen tar, no prazo e con di -ções pre vis tas em lei, os docu men tos e infor ma ções de sua res pon sa bi li da de aointer ven tor, liqui dan te ou sín di co da massa fali da.”6

há duas for mas pos sí veis de a con du ta do sujei to ativo rea li zar-se (umaomis si va ou ativa): (a) dei xan do o agen te de apre sen tar infor ma ções, decla ra çõesou docu men tos devi dos, no prazo legal, sua omis são adé qua-se à pre vi são con ti -da no dis po si ti vo sub exa men; ou, ainda, (b) mesmo que as apre sen te nos pra zos legais, mas sem satis fa zer as con di ções legal men te exi gi das para o ato, igual men -te, sua con du ta, mesmo que ativa, isto é, tenha apre sen ta do no prazo devi do, seráigual men te típi ca por não haver cum pri do as for ma li da des legais (con di ções).

as ins ti tui ções finan cei ras stric to sensu e as ins ti tui ções do mercado deCapitais não estão sujei tas ao pro ces so fali men tar, apli can do-se-lhes somen te osins ti tu tos da inter ven ção, da liqui da ção extra ju di cial e o regi me de admi nis tra -ção espe cial tem po rá ria.7 o Banco Central decre ta inter ven ção em ins ti tui çãofinan cei ra com o obje ti vo de sanear e nor ma li zar suas difi cul da des eco nô mi co-finan cei ras. a liqui da ção extra ju di cial de ins ti tui ção finan cei ra é decre ta da emcaso de insol vên cia ou quan do hou ver gra ves irre gu la ri da des ou vio la ções às nor -mas regu la men ta res (leis, reso lu ções, regu la men tos etc.). por isso, quan do osdiplo mas legais (leis nºs 7.492/86 e 6.024/74) refe rem-se à falên cia, deve-se con -cluir que refe ri dos diplo mas estão refe rin do-se às enti da des equi pa ra das àsgenuí nas ins ti tui ções finan cei ras, como, por exem plo, con sór cios.

6 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 86.7 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 86.

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a liqui da ção extra ju di cial foi uma ino va ção jurí di ca cria da pela lei nº6.024/74, asse gu ran do um tra ta men to dife ren cia do às ins ti tui ções finan cei rasquan do enfren tam difi cul da de finan cei ra, algo pare ci do com situa ção pré-fali -men tar das empre sas nor mais, decor ra ou não de má admi nis tra ção de seus ges to -res (admi nis tra do res e con tro la do res). na rea li da de, a liqui da ção extra ju di cial,que seria não mais que um neo lo gis mo do ins ti tu to fali men tar, exer ce, basi ca men -te, a mesma fun ção e tem o obje ti vo de afas tar a solu ção legal do esta do fali men -tar des sas ins ti tui ções do con tro le judi cial, man ten do-as sob o crivo do pró prioBanco Central, com regras pró prias. de resto, todo o fun cio na men to das ins ti tui -ções finan cei ras tem uma dis ci pli na jurí di ca com ple ta men te dis tin ta das demaissocie da des e asso cia ções civis e comer ciais em nosso orde na men to jurí di co.

devem ser obser va dos, casuis ti ca men te, os pra zos legal men te esta be le ci dose, igual men te, even tuais con di ções que cada caso possa exi gir, que, como ele -men ta res típi cas, devem ser abran gi das pela cons ciên cia do sujei to ativo. a leinº 6.024/74 deter mi na ao ex-admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra entre gar aointer ven tor (art. 10) ou ao liqui dan te (art. 20), no prazo de cinco dias, decla ra çãoassi na da, com uma série de dados dos admi nis tra do res, mem bros do con se lho fis -cal, ex-admi nis tra do res que esti ve ram em exer cí cio nos últi mos doze meses,man da dos outor ga dos, even tual par ti ci pa ção em outra socie da de como admi nis -tra dor ou con se lhei ro.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien tede dei xar de apre sen tar aos des ti na tá rios men cio na dos no dis po si ti vo legal, nospra zos e con di ções esta be le ci das em lei, infor ma ções, decla ra ções ou docu men -tos de sua res pon sa bi li da de.

o dolo deve abran ger todos os ele men tos con fi gu ra do res da des cri ção típi ca,sejam eles fáti cos, jurí di cos ou cul tu rais. o autor somen te pode rá ser puni do pelaprá ti ca de um fato dolo so quan do conhe cer as cir cuns tân cias fáti cas que o cons ti -tuem. eventual des co nhe ci men to de um ou outro ele men to cons ti tu ti vo do tipo,obje ti vo, nor ma ti vo ou sub je ti vo, pode cons ti tuir erro de tipo, exclu den te dodolo. em outros ter mos, o agen te deve ter von ta de e cons ciên cia de dei xar deapre sen tar aos des ti na tá rios (inter ven tor, liqui dan te ou sín di co) o obje to mate rial,qual seja, infor ma ções, decla ra ções ou docu men tos de sua res pon sa bi li da de.

6. Consumação e ten ta ti va

Como crime omis si vo pró prio – dei xar de apre sen tar –, o obje to mate rial(infor ma ções, decla ra ções ou docu men tos) con su ma-se no lugar e no momen toem que a ati vi da de devi da tinha de ser rea li za da, isto é, onde e quan do o sujei toativo deve ria agir e não o fez, den tro do prazo legal. segundo Frederico mar -

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ques,24 “tem-se a infra ção por con su ma da no local e tempo onde não se efe tuouo que se deve ria efe tuar. Cometem-se, pois, deli tos de omis são, ali onde o autor,para cum prir o dever jurí di co a ele impos to, deves se pra ti cá-lo, e não onde seencon tras se no momen to de seu com por ta men to iner te”. a con su ma ção rea li za-se num só momen to, embo ra a situa ção cria da possa pro lon gar-se no tempo.

a omis são pró pria, crime de mera ina ti vi da de, não admi te a ten ta ti va, poisnão exige um resul ta do natu ra lís ti co pro du zi do pela omis são. trata-se de crime deato único, unis sub sis ten te, que não admi te fra cio na men to. se o agen te deixa pas -sar o momen to em que deve ria agir, con su mou-se o deli to; se ainda pode agir, nãose pode falar em crime. até o momen to em que a ati vi da de do agen te ainda é efi -caz, den tro do prazo legal, a ausên cia desta não cons ti tui crime. se nesse momen -to – esgo ta do o prazo – a ati vi da de devi da não ocor rer, con su ma-se o crime.

7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime pró prio (somen te pode ser pra ti ca do por agen te que reúnadeter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial, na hipó te se, isto é, que seja ex-admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra, aliás, no caso, é crime de mão pró pria,isto é, somen te pode ser pra ti ca do dire ta men te pelo sujei to ativo indi ca do nopró prio tipo penal); for mal (não exige resul ta do natu ra lís ti co, repre sen ta do porefe ti vo pre juí zo à ins ti tui ção finan cei ra, mer ca do finan cei ro ou a qual quer pes -soa); dolo so (não há pre vi são legal para a figu ra cul po sa); de forma livre (o legis -la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo para exe cu ção dessa infra ção penal,poden do ser rea li za da do modo ou pelo meio esco lhi do pelo sujei to ativo); omis -si vo pró prio (o com por ta men to des cri to no tipo impli ca não rea li za ção da con -du ta des cri ta no tipo “dei xar de...”); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re emmomen to deter mi na do, aliás, no lugar e no momen to em que ação omi ti da deve -ria se rea li zar); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te,admi tin do, con tu do, a par ti ci pa ção em sen ti do estri to); e unis sub sis ten te (a con -du ta omi ti da não pode ser des do bra da em vários atos).

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são de reclu são, de um a qua troanos, e multa. a ação penal é públi ca incon di cio na da, não depen den do da mani -fes ta ção de quem quer que seja. a auto ri da de com pe ten te deve agir de ex offi cio.É admis sí vel, teo ri ca men te, a sus pen são con di cio nal do pro ces so.

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Capítulo Xiii

desvio de Bens indisponíveissumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos do cri -me. 3.1. sujeito ativo. 3.2. sujeito pas si vo. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. apro -priar-se ou des viar em pro vei to pró prio ou alheio. 6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi -ca. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. Consumação e ten ta ti va. 9. pena e ação penal.

art. 13. desviar bem alcan ça do pela indis po ni bi li da de legal resul tan te deinter ven ção, liqui da ção ou falên cia de ins ti tui ção finan cei ra: sumá rios

pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.parágrafo único. na mesma pena incor re o inter ven tor, o liqui dan te ou o

sín di co que se apro priar de bem abran gi do pelo caput deste arti go, ou des via-loem pro vei to pró prio ou alheio.

1. Considerações pre li mi na res

não havia, na legis la ção bra si lei ra, infra ção seme lhan te à pre vis ta neste dis -po si ti vo legal, a des pei to de parte dela encon trar-se des cri ta no art. 168, que tipi -fi ca o crime de apro pria ção indé bi ta, e parte no art. 171, § 2º, alie na ção ou one -ra ção frau du len ta de coisa pró pria, ambos do Código penal.

acreditamos, no entan to, que o des vio ou a apro pria ção de bens alcan ça dospela indis po ni bi li da de legal não rece biam a tute la penal sufi cien te men te ade qua -da, mesmo que fos sem con ju ga dos os dois dis po si ti vos ante rior men te men cio na -dos, jus ti fi can do-se a cria ção do dis po si ti vo que ora ana li sa mos. na ver da de, a leinº 6.024/74, que dis ci pli na o pro ces so de inter ven ção e liqui da ção extra ju di cialde ins ti tui ção finan cei ra, deter mi nou que todos os bens per ten cen tes a seusadmi nis tra do res fica rão indis po ní veis para asse gu rar pos sí vel even tual repa ra çãode danos (art. 36). ocorre que tal pre vi são legal não esta be le cia qual quer san cio -na men to para even tual des cum pri men to por parte des ses admi nis tra do res.

essa, por tan to, a razão de ser da exis tên cia do con teú do cons tan te deste arti -go 13 que pas sa mos a ana li sar. discordamos, no par ti cu lar, do enten di men to deJose Carlos tórtima, que con si de ra des ne ces sá ria a cri mi na li za ção inser ta nestedis po si ti vo, seguin do o enten di men to de manoel pedro pimentel.1

1 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 89; pimentel. Crimes con tra o sis -te ma finan cei ro nacio nal... p. 102.

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2. Bem jurí di co tute la do

destacamos, pre li mi nar men te, que o dis po si ti vo em exame aga sa lha duasações proi bi das dis tin tas, quais sejam, des viar e apro priar-se de bens alcan ça dospela indis po ni bi li da de decor ren tes de inter ven ção, liqui da ção extra ju di cial efalên cia de ins ti tui ção finan cei ra, embo ra tenham o mesmo obje to mate rial. essaindis po ni bi li da de de bem, per ten cen te aos ex-admi nis tra do res, foi cria da pelalei nº 6.024/74, que dis ci pli na o pro ces so de inter ven ção e liqui da ção extra ju di -cial de ins ti tui ção finan cei ra. esclarecedor, nesse sen ti do, o magis té rio depimentel, que lecio na: “criou-se o ins ti tu to da indis po ni bi li da de visan do a dargaran tias aos cre do res, quan to ao res sar ci men to de pre juí zos sofri dos, em con se -quên cia da inter ven ção, da liqui da ção extra ju di cial, ou da falên cia de ins ti tui çãofinan cei ra. Funciona esse ins ti tu to como uma ver da dei ra penho ra dos bens, móveis e imó veis, do admi nis tra dor, per den do este a plena dis po ni bi li da de dosmes mos, res trin gin do-se, assim, o pró prio direi to domi nial.”2

o bem jurí di co pro te gi do neste art. 13 – des vio de bens indis po ní veis – é ainvio la bi li da de patri mo nial da pró pria ins ti tui ção finan cei ra cujo pas si vo deveser, ainda que par cial men te, cober to pelo patri mô nio de seus admi nis tra do res,3desde que fique demons tra do, no encer ra men to de pro ces so ins ti tuí do pela leinº 6.024/74, que resul tou, total ou par cial men te, de culpa daque les. tutela-se,igual men te, o direi to dos acio nis tas, dos inves ti do res e dos apli ca do res de serem,pro por cio nal men te, res sar ci dos em even tuais pre juí zos que sofre rem em razãoda má ou teme rá ria admi nis tra ção da refe ri da ins ti tui ção finan cei ra.

protege-se, secun da ria men te, a lisu ra, a cor re ção e a hones ti da de das ope -ra ções atri buí das e rea li za das pelas ins ti tui ções finan cei ras e asse me lha das. obom e regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro resi de na con fian ça que gozaperan te a cole ti vi da de em geral e peran te acio nis tas e inves ti do res, em par ti cu -lar. a cre di bi li da de, repe tin do, é um atri bu to que garan te o regu lar e exi to so fun -cio na men to do sis te ma finan cei ro como um todo.

3. sujeitos do crime

3.1. sujeito ativo

a) sujeito ativo, para a figu ra cons tan te do caput, podem ser os admi nis tra -do res de ins ti tui ção finan cei ra que entrou em pro ces so de inter ven ção, liqui da -ção ou falên cia, bem como os ex-admi nis tra do res e ex-con tro la do res dos últi mosdoze meses e, haven do pro pos ta do Banco Central do Brasil, devi da men te apro -

2 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 103.3 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 89-90.

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va da pelo Conselho monetário nacional, tam bém podem ser os geren tes, os con -se lhei ros fis cais, de todos aque les que tenham con cor ri do nos últi mos doze mesespara a decre ta ção da situa ção reque ri da no tipo penal (ar. 36, §§ 1º e 2º, da lei nº6.024/74).4

b) sujeitos ati vos das con du tas des cri tas no pará gra fo único somen te podemser o inter ven tor, o liqui dan te e o sín di co, figu ras devi da men te equi pa ra das aoscon tro la do res e admi nis tra do res de ins ti tui ção finan cei ra. o rol con ti do no § 1ºdo art. 25 da lei nº 7.492/86 – inter ven tor, liqui dan te ou sín di co – é nume rusclau sus, não admi tin do a inclu são de qual quer outra hipó te se seme lhan te, ouseja, não abran ge pes soa que desem pe nhe fun ção diver sa das ali rela cio na das,como, por exem plo, o comis sá rio, que admi nis tra va os bens da con cor da ta, sobpena de vio lar o prin cí pio da reser va legal.

interventor é o admi nis tra dor tem po rá rio inves ti do nessa fun ção, median -te desig na ção do Banco Central do Brasil, por força do dis pos to no art. 5º da leinº 6.024/74. o liqui dan te é uma figu ra con sa gra da que admi nis tra as ‘socie da desem liquidação’, igual men te não recep cio na da pelo códi go penal de 1940. li -quidante, estri ta men te, era o admi nis tra dor ad hoc desig na do pelo Banco Centraldo Brasil, no caso de liqui da ção extra ju di cial de ins ti tui ção finan cei ra (art. 16 dalei nº 6.024/74), ou desig na do pela assem bleia geral ou deter mi na do pelos esta -tu tos. síndico era a deno mi na ção que se dava ao encar re ga do da admi nis tra çãoda falên cia, mais espe ci fi ca men te da massa fali da, sob dire ção e supe rin ten dên -cia do juiz na anti ga lei de Falências (decreto-lei nº 7.661/45). atualmente,porém, a lei de Falências (lei nº 11.101/2005) deno mi na admi nis tra dor judi ciala pes soa que exer ce essa fun ção.

3.2. sujeito pas si vo

na hipó te se do pará gra fo único, sujei to pas si vo ime dia to é, sem dúvi da, ospro prie tá rios dos bens tor na dos indis po ní veis, nor mal men te os ex-admi nis tra do -res ou ex-con tro la do res da ins ti tui ção finan cei ra. secundariamente, é o estado,guar dião e res pon sá vel pela esta bi li da de, con fia bi li da de e ido nei da de do sis te mafinan cei ro nacio nal.

Considerando-se, no entan to, que obje to mate rial é os bens per ten cen tesaos ex-admi nis tra do res e ex-con tro la do res da ins ti tui ção finan cei ra e não os bensper ten cen tes a esta ou à massa fali da, excluí mos a refe ri da ins ti tui ção como sujei -to pas si vo ime dia to deste tipo penal. admitimos a ins ti tui ção finan cei ra somen -te como sujei to pas si vo media to, embo ra tenha, como bem jurí di co tute la do, sua

4 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 108.

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invio la bi li da de patri mo nial, pois, ao final do pro ces so, pode rá res tar demons tra -do não haver culpa dos admi nis tra do res rela ti va men te ao pas si vo da ins ti tui ção,a des pei to de pode rem ser cul pa dos pela con du ta de des viar bens indis po ní veis.significa afir mar que a invio la bi li da de da indis po ni bi li da de decor re da natu re zaem si dessa con di ção tem po rá ria do bem (indis po ní vel), e não de culpa pro pria -men te pela situa ção finan cei ra da ins ti tui ção. logo, a vio la ção da indis po ni bi li -da de dos bens pes soais e a culpa lato sensu pelo pas si vo inde vi do de ins ti tui çãofinan cei ra são coi sas abso lu ta men te dis tin tas.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a con du ta incri mi na da na cabe ça do arti go é des viar bem alcan ça do pelaindis po ni bi li da de resul tan te de inter ven ção, liqui da ção ou falên cia de ins ti tui çãofinan cei ra. neste dis po si ti vo, o legis la dor evi tou falar em apro pria ção, na medi -da em que, regra geral, sujei to ativo desta con du ta será o pro prie tá rio dos bensalcan ça dos pela indis po ni bi li da de. essa foi tam bém a per cep ção de manoel pedropimentel: “poder-se-ia enten der que o legis la dor não quis incluir a fór mu la apro -priar-se, ao lado do des vio, por enten der que des viar é uma forma de apro priar.entretanto, no pará gra fo único desse art. 13, empre gou as duas expres sões,dizen do ‘[...] que se apro priar de bem abran gi do pelo caput deste arti go, ou des -viá-lo em pro vei to pró prio ou alheio’”.5 Contrariado, con tu do, com essa opção dolegis la dor, pimentel des ta cou que essa dupli ci da de de tra ta men to pode gerarcon fu são, temen do pela impu ni da de do com por ta men to apro priar-se, quan do serefe rir ao caput do arti go e não ao dis pos to no pará gra fo único.6 sem razão, con -tu do, manoel pedro pimentel, pois quem é pro prie tá rio dos bens não pode come -ter o crime de apro priar-se, na medi da em que essa con du ta sig ni fi ca tomar parasi, ou seja, inver ter a natu re za da posse, pas san do a agir como se dono fosse dacoisa alheia de que tem posse ou deten ção. no entan to, o sujei to ativo, via deregra, é de fato e de direi to o ver da dei ro pro prie tá rio do bem, e a apro pria çãoindé bi ta somen te pode ser come ti da por quem não é pro prie tá rio do obje to mate -rial, mas somen te detém a posse legí ti ma da coisa.

o verbo núcleo ‘ desviar’ tem o sig ni fi ca do, neste dis po si ti vo legal, de alte -rar o des ti no natu ral do obje to mate rial ou dar-lhe outro enca mi nha men to, ou,em outros ter mos, no des vio de bens indis po ní veis, o sujei to ativo dá ao obje -to mate rial apli ca ção diver sa da que lhe prevê a legis la ção. desviar é alte rar ades ti na ção dos bens indis po ní veis, dar-lhes outro des ti no, outra fina li da de, éuti li zar qual quer dos bens alheios men cio na dos no dis po si ti vo em fina li da dediver sa da que nor mal men te lhes tenha sido pre vis ta. desviar o uso ou a des ti -

5 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 104.6 pimentel, op cit.

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na ção dos bens men cio na dos sig ni fi ca des vir tuar sua uti li za ção, inde vi da men -te, ou seja, tanto sem auto ri za ção legal, como sem auto ri za ção de quem dedirei to. Com efei to, o verbo núcleo ‘ desviar’ tem o sig ni fi ca do de, neste dis po -si ti vo legal, dar-lhe outro enca mi nha men to ou, em outros ter mos, o sujei toativo dá ao obje to mate rial apli ca ção diver sa da que lhe foi deter mi na da ou lheé legal men te des ti na da. nesta infra ção penal – des vio de bens indis po ní veis –não há o pro pó si to de apro priar-se, que é iden ti fi ca do como o ani mus rem sibihaben di, até por que o sujei to ativo é o pró prio pro prie tá rio. pode ser carac te -ri za do o des vio proi bi do pelo tipo, com sim ples uso irre gu lar de bem alcan ça -do pela indis po ni bi li da de, decor ren te de inter ven ção, liqui da ção ou falên cia deins ti tui ção finan cei ra.

5. apropriar-se ou des viar em pro vei to pró prio ou alheio

nessas duas con du tas, des cri tas no pará gra fo único – apro priar-se e des viar–, esta mos dian te do deno mi na do crime pró prio, isto é, só podem ser seus auto -res o inter ven tor, o liqui dan te ou o sín di co da ins ti tui ção finan cei ra. no entan -to, para que os nomi na dos pos sam pra ti car qual quer das refe ri das con du tas,depen dem de um pres su pos to fáti co: que os bens tor na dos indis po ní veis sejamefe ti va men te entre gues pelo seu titu lar (ex-admi nis tra dor ou ex-con tro la dor)para o inter ven tor, liqui dan te ou sín di co.7 por óbvio, sem essa ‘ disponibilidade’fáti ca dos refe ri dos bens, torna-se impos sí vel a prá ti ca das con du tas con ti das nopará gra fo único pelo inter ven tor, liqui dan te ou sín di co. Com efei to, não se podeolvi dar que, regra geral, duran te o pro ces so de inter ven ção, liqui da ção ou falên -cia, os bens dos ex-admi nis tra do res, mesmo quan do decla ra dos indis po ní veis,per ma ne cem em poder de seus pro prie tá rios, que assu mem a con di ção de fiéispro prie tá rios com a res pon sa bi li da de pecu liar deste ins ti tu to.

na pre vi são do Código penal (art. 168), a ação incri mi na da con sis te emapro priar-se de coisa alheia móvel de que tem a posse ou deten ção. na tipi fi -ca ção cons tan te do pará gra fo único deste arti go 13, incri mi na-se a ação deapro priar-se de bem alcan ça do pela indis po ni bi li da de legal resul tan te de inter -ven ção, liqui da ção extra ju di cial ou falên cia de ins ti tui ção finan cei ra. Convémdes ta car, de plano, que o texto legal não dis tin guiu bens móveis ou imó veis,como obje tos mate riais, caben do ao intér pre te fazer a inter pre ta ção com pa tí -vel não só com o ins ti tu to da apro pria ção, mas tam bém con tex tua li zan do coma natu re za espe cial deste diplo ma legal. nesse par ti cu lar, mere ce ser con si de -ra da a pre vi são cons tan te do art. 5º e, par ti cu lar men te, do con teú do do seu

7 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 91.

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pará gra fo único, que, cer ta men te, ser vi rá como ele men to rele van te para umainter pre ta ção sis te má ti ca.

apropriar-se, na dic ção do Código penal, de bem de que tem a posse étomá-los para si, isto é, inver ter a natu re za da posse, pas san do a agir como sedono fosse. a locu ção ‘apro priar-se’ de bem abran gi do pelo dis pos to no caput doart. 13 sig ni fi ca ter por obje to mate rial bem per ten cen te a ex-admi nis tra dor deins ti tui ção finan cei ra “alcan ça do pela indis po ni bi li da de legal”, ou seja, bem alheio, isto é, per ten cen te a outrem, do qual tem a posse legí ti ma. Convém lem -brar que, ao exa mi nar mos os sujei tos ati vos espe ciais (item nº 3), des ta ca mos,como pres su pos to fáti co, terem, refe ri dos bens, sido entre gues ao inter ven tor,liqui dan te ou sín di co. ademais, tudo o que escre ve mos sobre apro pria ção indé -bi ta con ti da no art. 5º apli ca-se sub si dia ria men te aqui.

a ação de des viar, des cri ta no pará gra fo único, tem o mesmo sig ni fi ca do queaque la con ti da no caput do mesmo arti go, ou seja, é alte rar a des ti na ção dos bensindis po ní veis, dar-lhes outro des ti no, outra fina li da de, é uti li zar qual quer dosbens indis po ní veis, alheios, por tan to, em fina li da de diver sa da que lhes tenhasido pre vis ta. desviar o uso ou a des ti na ção dos bens men cio na dos sig ni fi ca des -vir tuar sua uti li za ção inde vi da men te, ou seja, tanto sem auto ri za ção legal, comosem auto ri za ção de quem de direi to. Com efei to, o verbo núcleo ‘ desviar’ tem osig ni fi ca do, neste dis po si ti vo legal, de dar-lhe outro enca mi nha men to ou, em outros ter mos, o sujei to ativo dá ao obje to mate rial apli ca ção diver sa da que lhefoi deter mi na da, em bene fí cio pró prio ou alheio. em outros ter mos, ao invés dodes ti no certo e deter mi na do do bem de que tema posse, o agen te lhe dá outro,no inte res se pró prio ou de ter cei ro.

por fim, resta uma últi ma refle xão a fazer neste tópi co: afi nal, qual a situa -ção dos bens da massa fali da que tam bém podem ser obje to de des vio ou apro -pria ção, não só por parte dos ex-admi nis tra do res, como tam bém dos sujei tosespe ciais men cio na dos no pará gra fo único, inter ven tor, liqui dan te o sín di co.no entan to, o dis pos to no dis po si ti vo em exame, tanto em seu caput, como emseu pará gra fo único, não abran ge os bens per ten cen tes à massa fali da, pelo con -trá rio, os exclui, a con tra rio sensu. Com efei to, o dis pos to no arti go sub exa menres trin ge o alcan ce das con du tas que incri mi na exclu si va men te a bem alcan ça -do pela indis po ni bi li da de legal resul tan te de inter ven ção, liqui da ção extra ju di -cial ou falên cia de ins ti tui ção finan cei ra. e essa indis po ni bi li da de, por expres -sa pre vi são legal, limi ta-se aos bens dos ex-admi nis tra do res da ins ti tui ção (art.36 da lei nº 6.024/74), com as exce ções pre vis tas em seus pará gra fos.Consequentemente, os bens per ten cen tes à massa fali da não rece bem a tute lapenal deste diplo ma legal.

estamos dian te de incrí vel lacu na legal, na medi da em que a apro pria ção ouo des vio de bens per ten cen tes à massa fali da cons ti tui con du ta atí pi ca peran te odis pos to no art. 13 e no pará gra fo único desta lei espe cial. aliás, esse aspec to jáhavia sido detec ta do por Fernando Fragoso, acom pa nha do, no par ti cu lar, por

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José Carlos tórtima.8 nada impe de, con tu do, que tais con du tas encon trem aga -sa lho típi co em outros diplo mas legais, como o Código penal ou mesmo na novalei de Falência.

6. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien tede des viar bem indis po ní vel em razão de inter ven ção, liqui da ção ou falên cia deins ti tui ção finan cei ra. É indis pen sá vel que o agen te tenha cons ciên cia da situa -ção dos bens (indis po ní veis) e von ta de de des viá-los de sua fina li da de legal. odolo deve abran ger todos os ele men tos con fi gu ra do res da des cri ção típi ca, sejameles fáti cos, jurí di cos ou cul tu rais. eventual des co nhe ci men to de um ou outroele men to cons ti tu ti vo do tipo cons ti tui erro de tipo, exclu den te do dolo.

nas figu ras des cri tas no pará gra fo único, o ele men to sub je ti vo é o dolo,repre sen ta do pela von ta de cons cien te de apro priar-se dos bens na situa ção des -cri ta no caput do arti go, saben do que os mes mos se encon tram indis po ní veis emdecor rên cia de inter ven ção, liqui da ção ou falên cia da ins ti tui ção finan cei ra. nahipó te se da segun da figu ra, os bens, na mesma situa ção des cri ta no caput destearti go, o agen te igual men te cons cien te de que se trata de bens indis po ní veis agecom o espe cial fim de des viá-los em pro vei to pró prio ou alheio.

Constata-se, de outro lado, que a con du ta de des viar refe ri dos bens é cri mi -na li za da de duas for mas dis tin tas, no caput e no pará gra fo único: ou seja, (a) sema exi gên cia de ele men to sub je ti vo espe cial do tipo, que é a hipó te se do caput, e (b)na hipó te se do pará gra fo único, com a exi gên cia do espe cial fim de agir, qual seja,em pro vei to pró prio ou alheio. em outros ter mos, na hipó te se des cri ta no caput,que trata de crime comum (embo ra, via de regra, seja come ti do pelos ex-admi nis -tra do res da ins ti tui ção), não há neces si da de de espe cial fim de agir, sendo, por tan -to, irre le van te a fina li da de do des vio inde vi do dos bens indis po ní veis; ao passoque, na hipó te se des cri ta no pará gra fo único, que trata de crime pró prio, isto é,que só pode ser come ti do por inter ven tor, liqui dan te ou sín di co, é indis pen sá velque haja o espe cial fim de des viá-los em pro vei to pró prio ou alheio. nesse caso,não é neces sá rio que o agen te logre con cre ti zar a fina li da de espe cial do des vio,sendo sufi cien te que sua ação seja moti va da por esse obje ti vo espe cial.

no crime de apro pria ção indé bi ta, como já refe ri mos, há uma inver são dotítu lo da posse, já que o agen te passa a agir como se dono fosse da coisa alheia deque tem a posse legí ti ma, razão pela qual os admi nis tra do res que, dire ta ou indi -re ta men te, são os pró prios donos dos bens indis po ní veis não podem apro priar-sedo que já lhes per ten ce. É fun da men tal a pre sen ça do ele men to sub je ti vo trans -

8 Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 706; José Carlos tórtima. Crimes con -tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 92.

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for ma dor da natu re za da posse, de alheia para pró pria, como ele men to sub je ti voespe cial do injus to, sob pena de não se con fi gu rar a apro pria ção inde vi da.afirma-se que, neste crime, o dolo é sub se quen te, pois a apro pria ção segue-se àposse líci ta da coisa. o dolo é, na espé cie, como afir ma Fernando Fragoso, “a von -ta de de asse nho rear-se de bem móvel (ani mus rem sibi haben di), com cons ciên -cia de que per ten ce a outrem, inver ten do o títu lo da posse”.9 Contrariando esseenten di men to, heleno Fragoso sus ten ta va que “não exis te dolo sub se qüen te [...]o dolo deve neces sa ria men te domi nar a ação (res sal va da a situa ção excep cio nalde actio libe ra in causa), e no caso se reve la com a apro pria ção, ou seja, quan doo agen te inver te o títu lo da posse”.10

na ver da de, embo ra pare ça, não che gam a ser con tra di tó rias as duas orien -ta ções; basta que se pro cu re empres tar maior pre ci são aos ter mos empre ga dos,isto é, deve-se inter pre tar ade qua da men te o sen ti do da locu ção ‘dolo subsequente’. explicando: não se des co nhe ce que o dolo, neces sa ria men te e sem -pre, tem de ser atual, isto é, con tem po râ neo à ação proi bi da. se fosse ante rior,estar-se-ia dian te de um crime pre me di ta do; se fosse pos te rior, de crime não setra ta ria, pois a con du ta pra ti ca da não teria sido orien ta da pelo dolo. Com efei to,quan do se fala em dolo sub se quen te não se está pre ten den do afir mar que o doloé pos te rior à ação de apro priar-se, como pode ter inter pre ta do heleno Fragoso;logi ca men te, busca-se ape nas dei xar claro que é neces sá rio o ani mus apro prian -di ocor rer após a posse alie no nomi ne.

7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (que pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa, nãoexi gin do qual quer qua li da de ou con di ção espe cial dos sujei tos ati vos, na moda li -da de de des viar, pre vis ta no caput do arti go); pró prios (somen te podem ser pra -ti ca dos por agen te que reúna deter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial, nahipó te se, que seja inter ven tor, liqui dan te ou sín di co, nas moda li da des de apro -priar-se e des viar, ambas des cri tos no pará gra fo único); mate riais (exi gem resul -ta dos natu ra lís ti cos, repre sen ta dos por alte ra ções sen so ria men te per cep tí veis);dolo sos (não há pre vi são legal para a figu ra cul po sa); de forma livre (o legis la dornão pre viu nenhu ma forma ou modo para exe cu ção des tas infra ções penais,poden do ser rea li za das pela forma ou pelo meio esco lhi do pelo sujei to ativo);comis si vos (os com por ta men tos des cri tos no tipo impli cam a rea li za ção de con -du tas ati vas); ins tan tâ neos (a con su ma ção ocor re em momen to deter mi na do, nãohaven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul ta do); unis sub je ti vos(pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, coau to ria

9 Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 693.10 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal... p. 423.

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e par ti ci pa ção); plu ris sub sis ten tes (podem ser des do bra dos em vários atos, que,no entan to, inte gram a mesma con du ta).

8. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime, na moda li da de des viar, no momen to em que o agen tecon cre ti ze o des vio do bem alcan ça do pela indis po ni bi li da de legal, trans fe rin do-o a ter cei ro, ou one ran do-o inde vi da men te, ou, por qual quer outro meio, dar-lhedes ti na ção diver sa da que deve ria. Consuma-se, igual men te, no momen to emque o agen te recu se-se a devol ver quan do lhe é soli ci ta do por quem de direi to.

o momen to con su ma ti vo do crime de apro pria ção indé bi ta, pri mei ra figu -ra cons tan te do pará gra fo único, é de difí cil pre ci são, pois depen de, em últi maaná li se, de uma ati tu de sub je ti va. Consuma-se, enfim, com a inver são da natu re -za da posse, carac te ri za da por ato demons tra ti vo de dis po si ção da coisa alheia, nocaso, de bem alcan ça do pela indis po ni bi li da de legal, ou pela nega ti va em devol -vê-la a quem de direi to. É neces sá rio que se demons tre que houve a inver são danatu re za da posse atra vés de algum ato ou gesto que a reve le. Concluindo,somen te quan do ficar demons tra da a inten ção do sujei to ativo, atra vés de atosexte rio res, de pos suir o bem, como se dono fosse, poder-se-á afir mar, com segu -ran ça, que o crime con su mou-se.

em outros ter mos, a con su ma ção da ação de apro priar-se, por exten são, oaper fei çoa men to do tipo coin ci de com o momen to em que o agen te, por atovolun tá rio e cons cien te, inver te o títu lo da posse exer ci da sobre o bem, dele dis -pon do como se pro prie tá rio fosse. a cer te za, con tu do, da recu sa em devol ver obem alheio somen te se carac te ri za por algum ato exter no, típi co de domí nio,com o ânimo de apro priar-se dele.

tratando-se de crime mate rial, a ten ta ti va é, teo ri ca men te, pos sí vel, embo -ra de difí cil con fi gu ra ção. a des pei to da difi cul da de de sua com pro va ção, a iden -ti fi ca ção da ten ta ti va fica na depen dên cia da pos si bi li da de con cre ta de se cons -ta tar a exte rio ri za ção do ato de von ta de do sujei to ativo, capaz de demons trar aalte ra ção da inten ção do agen te de apro priar-se do bem alheio, inver ten do anatu re za da posse. não se pode negar a con fi gu ra ção da ten ta ti va quan do, porexem plo, o pro prie tá rio sur preen de o pos sui dor efe tuan do a venda do bem quelhe per ten ce e somen te a inter ven ção daque le – cir cuns tân cia alheia à von ta dedo agen te – impe de a tra di ção do obje to ao com pra dor, desde que nenhum atoante rior tenha demons tra do essa inten ção.

9. pena e ação penal

a pena comi na da, cumu la ti va men te, é de reclu são, de dois a seis anos, emulta. mais uma vez, depa ra mo-nos com san ções absur da men te exa ge ra das,diría mos, des pro por cio nal men te abu si vas, con si de ran do-se, com pa ra ti va men te,

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as penas comi na das à matriz capi tu la da no Código penal (art. 168), cujas penascomi na das são de um a qua tro anos e multa.

a ação penal é públi ca incon di cio na da, não depen den do da mani fes ta ção dequem quer que seja. a auto ri da de com pe ten te deve agir de ex offi cio.

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Capítulo Xiv

declaração Falsa de Crédito

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime de apro pria ção indé bi ta finan cei ra. 3.1. sujeito ativo. 3.2. sujeitopas si vo. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. Con -sumação e ten ta ti va. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. pena e ação penal.

art. 14. apresentar, em liqui da ção extra ju di cial, ou em falên cia de ins ti tui -ção finan cei ra, decla ra ção de cré di to ou recla ma ção falsa, ou jun tar a elas títu lofalso ou simu la do:

pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.parágrafo único. na mesma pena incor re o ex-admi nis tra dor ou fali do que

reco nhe cer, como ver da dei ro, cré di to que não o seja.

1. Considerações pre li mi na res

a anti ga lei de Falências (dec. lei nº 7.661/45) pre via infra ção penal seme -lhan te a esta cons tan te do art. 14, com a seguin te reda ção: “art. 189 – será puni -do com reclu são de um a três anos: [...] ii – quem quer que, por si ou inter pos tapes soa, ou por pro cu ra dor, apre sen tar, na falên cia ou na con cor da ta pre ven ti va,decla ra ções ou recla ma ções fal sas, ou jun tar a elas títu los fal sos ou simu la dos; iii– o deve dor que reco nhe cer como ver da dei ros, cré di tos fal sos ou simu la dos.”

a atual lei de Falências con tém um dis po si ti vo legal bas tan te pare ci do aoque ora exa mi na mos (art. 175, lei nº 11.101/205), que será adian te ana li sa do. acomis são de reforma da parte especial do Código penal não cui dou de infra çãopenal seme lhan te a esta.

2. Bem jurí di co tute la do

tutela-se, como bem jurí di co, o patri mô nio da ins ti tui ção finan cei ra e, porexten são, dos seus cre do res, que visam par ti lhá-lo no final do pro ces so de liqui -da ção extra ju di cial ou de falên cia atra vés do regu lar sanea men to ou extin ção dasins ti tui ções finan cei ras em difi cul da des insa ná veis. a pre vi são cons tan te docaput obje ti va a pro te ção dos bens men cio na dos, no inte res se da ins ti tui ção e de

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seus cre do res, con tra a frau du len ta pos tu la ção de cré di tos ine xis ten tes ou alémdo real men te exis ten te.

no entan to, a pre vi são cons tan te do pará gra fo único obje ti va pro te ger osmes mos bens jurí di cos con tra a coni ven te e frau du len ta con du ta do pró prio ex-admi nis tra dor, que vali da a pos tu la ção de cré di to ine xis ten te ou ape nas supe riorao real men te devi do. nas pala vras de Áureo natal de paula: “o que a lei visa coi -bir é a coni vên cia do ex-admi nis tra dor com even tual ten ta ti va de frau de a regu -lar liqui da ção do ativo e sol vên cia do pas si vo, vez que é dever de indi car pre ci -sa men te quais são os cré di tos legí ti mos e quais são ile gí ti mos”.1

secundariamente, tute la o regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ronacio nal, que é o obje ti vo geral de todo este diplo ma legal.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

3.1. sujeito ativo

na figu ra des cri ta no caput deste art. 14, sujei to ativo será quem (teo ri ca -men te pre ten so cre dor) apre sen tar títu lo de cré di to ou recla ma ção falsa ou jun -tar títu lo de cré di to falso ou simu la do; será, igual men te, o titu lar de cré di to quequei ra rece ber mais do que tem direi to ou bur lar a ordem de pre fe rên cia dos cré -di tos median te decla ra ção falsa ou jun ta da de docu men to falso ou simu la do.trata-se, em ver da de, de crime comum, não exi gin do qua li da de ou con di çãoespe cial, pois qual quer do povo pode ser cre dor de qual quer ins ti tui ção, finan -cei ra ou não. “Certamente – des ta ca rodrigues da silva – o agen te do deli todemons tra rá exis tir, ini cial men te, uma pre sun ção juris tan tum de se tra tar de umcre dor da massa, não con fe rin do tal pre sun ção uma capa ci da de espe cial ao agen -te do crime.”2

oportuna a obser va ção de manoel pedro pimentel no sen ti do de que, em setra tan do de ter cei ro de boa-fé que entre gue a decla ra ção de cré di to ou a recla -ma ção falsa, não pra ti ca rá o crime, embo ra esta pre sun ção não favo re ça o pró -prio titu lar do direi to repre sen ta do na decla ra ção ou recla ma ção.3 ao con trá rio,nesta hipó te se, a pre sun ção será de que tinha conhe ci men to desta fal si da de.poderá, evi den te men te, ser demons tra da que esta pre sun ção não é ver da dei ra.

na hipó te se do pará gra fo único, no entan to, tra tan do-se de crime pró prio,somen te pode ser pra ti ca do pelo ex-admi nis tra dor ou pelo sín di co, que são osúni cos que teriam legi ti mi da de para reco nhe cer a legi ti mi da de de cré di to, admi -tin do como ver da dei ro cré di to ine xis ten te.

1 Áureo natal de paula. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal e o mer ca do de capi tais... p. 293.2 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 114.3 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 111.

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a exem plo do que ocor re com a pre vi são cons tan te do art. 12, os equi pa ra -dos ao admi nis tra dor, quais sejam, inter ven tor, liqui dan te e sín di co4 (art. 25, § 2º),não podem ser sujei tos ati vos por se tra tar de crime pró prio. Considerando-seque é cri mi na li za da con du ta de ex-admi nis tra dor ou fali do no pós-admi nis tra -ção, isto é, pela prá ti ca de irre gu la ri da de fora da admi nis tra ção, embo ra em razãodela. e a situa ção ou con di ção de inter ven tor, liqui dan te ou sín di co, não é equi -pa ra da à de ex-admi nis tra dor, mas à de admi nis tra dor, e a taxa ti vi da de do prin -cí pio da tipi ci da de não admi te ana lo gia, inter pre ta ção ana ló gi ca ou exten si vapara equi pa rá-las.

a con di ção espe cial de ex-admi nis tra dor, no entan to, como ele men tar destainfra ção penal, comu ni ca-se ao par ti cu lar que even tual men te con cor ra, na con di -ção de coau tor ou par tí ci pe, para a prá ti ca do crime nos ter mos da pre vi são do art.30 do Cp. dessa forma, é neces sá rio que pelo menos um dos auto res reúna a con di -ção espe cial exi gi da pelo tipo penal, poden do os demais não pos suir tal qua li da de.

É indis pen sá vel, con tu do, que o par ti cu lar (extra neus) tenha cons ciên cia daqua li da de ou da con di ção espe cial do con tro la dor ou admi nis tra dor de ins ti tui -ção finan cei ra, sob pena de não res pon der por esse crime que é pró prio.desconhecendo essa con di ção, o dolo do par ti cu lar não abran ge todos os ele men -tos cons ti tu ti vos do tipo, con fi gu ran do-se o conhe ci do erro de tipo que afas ta atipi ci da de da con du ta. responderá, no entan to, por outro crime, con soan te oper mis si vo con ti do no art. 29, § 2º, do Código penal, que abri ga a cha ma da coo -pe ra ção dolo sa men te dis tin ta, auto ri zan do-o a res pon der, em prin cí pio, porcrime menos grave.

3.2. sujeito pas si vo

sujeito pas si vo pode ser a pró pria ins ti tui ção finan cei ra, seus acio nis tas,inves ti do res e cor ren tis tas. na rea li da de, não ape nas inves ti do res ou cor ren tis taspodem ser sujei tos pas si vos dessa infra ção penal, mas qual quer cre dor legí ti moque tem direi to de par ti ci par do rateio dos ati vos, inclu si ve o estado, sem pre cre -dor de impos tos. secundariamente, tam bém o estado enquan to res pon sá vel pelaesta bi li da de, con fia bi li da de e ido nei da de do sis te ma finan cei ro nacio nal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

há um pres su pos to fáti co-jurí di co das con du tas cri mi no sas tipi fi ca das nestedis po si ti vo, quais sejam, a pré-exis tên cia de sen ten ça decla ra tó ria de falên cia oua decre ta ção de liqui da ção extra ju di cial pelo Banco Central, que é uma con di ção

4 a iden ti fi ca ção e as fun ções de inter ven tor, liqui dan te e sín di co, abor da re mos quan do ana li sar mos o art.5º deste diplo ma legal, para onde reme te mos o lei tor, evi tan do, assim, a redun dân cia.

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obje ti va de puni bi li da de. a ausên cia des sas situa ções invia bi li za a ade qua çãotípi ca da con du ta, ori gi nan do-se a hipó te se de crime impos sí vel, por abso lu taimpro prie da de do obje to. o obje ti vo tanto da liqui da ção extra ju di cial, quan to dafalên cia é pro mo ver o acer to e a dis tri bui ção dos cré di tos segun do os cri té riosespe cial men te esta be le ci dos em lei. e “a con du ta incri mi na da – segun do tórtima– obje ti va, na ver da de, bur lar as regras que regem o con cur so de cre do res, sejapro pi cian do ao agen te uma posi ção inde vi da men te van ta jo sa em rela ção aos demais cre do res, seja con fe rin do-lhe um cré di to abso lu ta men te ine xis ten te. nopri mei ro caso, tanto pode o autor locu ple tar-se, exi bin do um cré di to supe rior aover da dei ro, como apre sen tá-lo em desa cor do com sua real clas si fi ca ção de pre fe -rên cia (art. 102 da lei de Falências), inde pen den te men te de even tual impug na -ção pelos demais cre do res (art. 87 da mesma lei)”.5

as con du tas incri mi na das são apre sen tar e jun tar, cons tan tes do caput, ereco nhe cer, cons tan te do pará gra fo único. ‘apresentar’ sig ni fi ca exi bir, tra zer apre sen ça de, mos trar, ofe re cer. no entan to, con si de ran do a natu re za do obje tomate rial, qual seja decla ra ção de cré di to ou recla ma ção falsa, ine ga vel men te ins -ti tu tos jurí di cos, ‘ apresentar’, nesse aspec to, sig ni fi ca pos tu lar, reque rer, habi li -tar o obje to mate rial em liqui da ção extra ju di cial ou em falên cia. em outros ter -mos, sig ni fi ca o ingres so em juízo, no caso de falên cia, ou melhor, a habi li ta çãode cré di to no con cur so uni ver sal de cre do res median te decla ra ção de cré di to ourecla ma ção falsa, isto é, em desa cor do com a rea li da de, for mal ou mate rial men -te. a segun da con du ta, ‘ juntar’, sig ni fi ca apor tar, ane xar “a elas títu lo falso ousimu la do”, que seria a com pro va ção docu men tal do recla ma do cré di to. os ter -mos ‘ falso’ ou ‘ simulado’ são redun dan tes, ambos sig ni fi cam basi ca men te amesma coisa, isto é, títu lo não ver da dei ro.

mais recen te men te, a deno mi na da nova lei de falên cias con tém um dis po -si ti vo legal bas tan te seme lhan te ao que ora exa mi na mos, in ver bis: “art. 175.apre sentar, em falên cia, recu pe ra ção judi cial ou recu pe ra ção extra ju di cial, rela -ção de cré di to, habi li ta ção de cré di tos ou recla ma ção fal sas, ou jun tar a elas títu -lo falso ou simu la do: pena – reclu são de 2 (dois) a 4 (qua tro) anos, e multa.”trata-se, ine ga vel men te, de dois diplo mas legais espe ciais, que apa ren te men teapre sen ta riam algu ma difi cul da de. nada, con tu do, que o prin cí pio da espe cia li -da de não resol va: ora pre va le ce rá apli ca ção de um diplo ma legal, ora de outro. Ésim ples: quan do se apu rar infra ção rela ti va a ins ti tui ções finan cei ras, genuí nasou equi pa ra das, apli ca-se a dis po si ção con ti da na lei nº 7.492/86; quan do a infra -ção a apu rar refe rir-se a ins ti tui ções de outra natu re za, apli ca-se a lei nº11.101/205, exa ta men te em obe diên cia ao prin cí pio da espe cia li da de.

5 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 96.

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por fim, a ter cei ra con du ta, pre vis ta no pará gra fo único, repre sen ta da pelo núcleo ver bal ‘ reconhecer’, como crime pró prio, somen te pode ser pra ti ca da porex-admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra. Com efei to, o ex-admi nis tra dor équem tem legi ti mi da de e conhe ci men to dos fatos ante rio res que ori gi na ram osdébi tos da ins ti tui ção, sendo, por tan to, quem pode e deve con fe rir a pro ce dên -cia ou não dos cré di tos habi li ta dos no “con cur so uni ver sal de cre do res”.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien tede apre sen tar, aos des ti na tá rios men cio na dos no dis po si ti vo legal, decla ra ção decré di to ou recla ma ção falsa ou jun tar a elas títu lo falso ou simu la do, na hipó te sedes cri ta no caput do arti go. É indis pen sá vel, por outro lado, que o agen te tenhacons ciên cia da fal si da de da decla ra ção de cré di to ou da recla ma ção, bem comode que o títu lo jun ta do não é ver da dei ro.

na hipó te se pre vis ta no pará gra fo único, igual men te, o ele men to sub je ti voé dolo repre sen ta do pela von ta de cons cien te do ex-admi nis tra dor ou fali do emreco nhe cer como ver da dei ro cré di to ine xis ten te. há, pela mesma razão, que oagen te saiba que o cré di to que reco nhe ce não é ver da dei ro.

não há, por fim, exi gên cia da pre sen ça de ele men to sub je ti vo espe cial dotipo e tam pou co pre vi são legal da moda li da de de crime cul po so, a des pei to daabsur da pre ten são ini cial do legis la dor de punir a moda li da de cul po sa de todas asinfra ções pre vis tas neste diplo ma legal, devi da men te abor ta da pelo ine vi tá vel eopor tu no veto pre si den cial.

6. Consumação e ten ta ti va

as moda li da des apre sen tar e jun tar, cons tan tes do caput, e reco nhe cer,cons tan te do pará gra fo único, são cri mes for mais que se con su mam com a sim -ples prá ti ca das ati vi da des des cri tas no tipo, inde pen den te men te da pro du ção dequal quer outro resul ta do.

a ten ta ti va de apre sen tar ou jun tar, a des pei to da difi cul da de de sua ocor -rên cia, é, teo ri ca men te, admis sí vel sem pre que qual quer das duas ações for inter -rom pi da no momen to de sua rea li za ção. no entan to, a ação de reco nhe cer, crimeato único, não admi te fra cio na men to, sendo inad mis sí vel a figu ra ten ta da.

7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de cri mes comuns, as moda li da des cons tan tes do caput, apre sen tare jun tar (que podem ser pra ti ca dos por qual quer pes soa, não exi gin do nenhu maqua li da de ou con di ção espe cial dos sujei tos ati vos, nas duas moda li da des), mas é

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crime pró prio, na moda li da de reco nhe cer, cons tan te do pará gra fo único (queexige qua li da de ou espe cial do sujei to ativo, no caso, ex-admi nis tra dor); for mal(não depen de da ocor rên cia de resul ta do, repre sen ta do por efe ti vo pre juí zo,embo ra possa ocor rer); dolo sos (não há pre vi são legal para a figu ra cul po sa); deforma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo para exe cu ção des -tas infra ções penais, poden do ser rea li za do pela forma ou meio esco lhi do pelosujei to ativo); comis si vos (os com por ta men tos des cri tos no tipo impli cam a rea -li za ção de con du tas ati vas); ins tan tâ neos (a con su ma ção ocor re em momen todeter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul -ta do); unis sub je ti vos (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin -do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); unis sub sis ten te (na moda li da de de reco -nhe cer, crime de ato único, não admi te fra cio na men to); plu ris sub sis ten te ouunis sub sis ten te (nas moda li da des apre sen tar e jun tar, depen den do do méto doelei to pelo sujei to ativo).

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são de reclu são, de dois a oito anos,e multa. mais uma vez esta mos dian te de absur da e des pro por cio nal san çãopenal, incom pa tí vel com a razoa bi li da de exi gi da pelo estado democrático dedireito. pimentel exter na sua con tra rie da de com o exces si vo puni ti vo destediplo ma legal, aler tan do que: “manifesto é o pen sa men to do legis la dor que edi -tou esta lei 7.492/86, imbuí do da con vic ção de que a seve ri da de das penas é fatordis sua só rio da prá ti ca de cri mes, no que, pare ce-me, está redon da men te enga na -do. mais do que a pena grave, é impor tan te a cer te za de que uma pena será apli -ca da e que será cobra do o seu efe ti vo cum pri men to.”6 destaque-se que infra çãoseme lhan te era tipi fi ca da na anti ga lei de Falência (dec. lei nº 7.661/45) e comi -na va-lhe a pena de reclu são de um a três anos (art. 189). não há, rigo ro sa men te,nada que jus ti fi que a incri mi na ção da mesma con du ta, em diplo mas legais dis tin -tos, capaz de demons trar a razoa bi li da de de tão absur da des pro por ção.

ação penal é públi ca incon di cio na da, como em todos os cri mes defi ni dosnesta lei espe cial, deven do a auto ri da de com pe ten te agir de ofí cio, inde pen den -te men te de qual quer mani fes ta ção da parte inte res sa da.

6 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 114.

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Capítulo Xv

manifestação Falsa de interventor,liquidante ou síndico

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 3.1. sujeito ativo. 3.2. sujeito pas si vo. 4. tipo obje ti vo: ade qua -ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. Consumação e ten ta ti va. 7. Clas -si ficação dou tri ná ria. 8. pena e ação penal.

art. 15. manifestar-se fal sa men te o inter ven tor, o liqui dan te ou o sín di co,(veta do) a res pei to de assun to rela ti vo à inter ven ção, liqui da ção extra ju di cial oufalên cia de ins ti tui ção finan cei ra:

pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

o pre ce den te dire to deste art. 15, con cor da a dou tri na, foi obje to da reda -ção con ti da no art. 189, iv, da então conhe ci da como lei de Falências (dec. leinº 7.661/45), nos seguin tes ter mos: “art. 189 – será puni do com reclu são de uma três anos: [...] iv – o sín di co que der infor ma ções, pare ce res ou extra tos dos livros do fali do ine xa tos ou fal sos, ou que apre sen tar expo si ção ou rela tó rios con -trá rios à ver da de.”

a atual lei de recuperação Judicial e Falência (lei nº 11.101/2005) man téma pro te ção penal da fide li da de fun cio nal des ses téc ni cos com a seguin te reda ção:“art. 171. sonegar ou omi tir infor ma ções ou pres tar infor ma ções fal sas no pro -ces so de falên cia, de recu pe ra ção judi cial ou de recu pe ra ção extra ju di cial, com ofim de indu zir a erro o juiz, o ministério público, os cre do res, a assem bléia-geralde cre do res, o Comitê ou o admi nis tra dor judi cial: pena – reclu são, de 2 (dois) a4 (qua tro) anos, e multa.”

2. Bem jurí di co tute la do

tutela-se como bem jurí di co a regu la ri da de e a boa mar cha dos pro ces sos deliqui da ção, inter ven ção e falên cia das ins ti tui ções finan cei ras ou enti da des equi -pa ra das. protege-se, em outros ter mos, o regu lar sanea men to ou extin ção das ins -ti tui ções finan cei ras que tive rem difi cul da de em ofe re cer garan tia, segu ran ça e

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cre di bi li da de quan to a sua capa ci da de de hon rar seus com pro mis sos com cre do -res, inves ti do res e acio nis tas. além das ins ti tui ções finan cei ras, têm o obje ti vo desal va guar dar os inte res ses de cre do res e inves ti do res. em sen ti do seme lhan te,mani fes ta-se Áureo de paula: “a fé públi ca nes sas mani fes ta ções, que geral men -te são por escri to, sendo por tan to docu men tos, e o regu lar sanea men to ou extin -ção das ins ti tui ções finan cei ras. em segun do lugar, o patri mô nio da pró pria ins -ti tui ção finan cei ra, o de seus sócios, dos inves ti do res e quem quer que tenhadirei to de cré di to para com elas, entre eles o pró prio estado pelos cré di tos tri bu -tá rios, vez que a con du ta de mani fes ta ções infiéis quase sem pre tem por fina li -da de frau dar a plena rea li za ção do ativo.”1

secundariamente, à evi dên cia, pro te ge, igual men te, o sis te ma finan cei ronacio nal con tra os maus admi nis tra do res e, nessa hipó te se, con tra inter ven tor,liqui dan te e sín di co que, por ven tu ra, afas tem-se de seus com pro mis sos éti cos,que as res pec ti vas fun ções lhes exi gem.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

tratando-se de crime pró prio, somen te podem ser sujei to ativo deste crimeo inter ven tor, o liqui dan te ou o sín di co, admi tin do, por evi dên cia, qual quer pes -soa que possa ser alcan ça da pelo dis pos to no art. 29 do Código penal.

sujeito pas si vo podem ser a pró pria ins ti tui ção finan cei ra, seus acio nis tas,inves ti do res e cor ren tis tas. na rea li da de, não ape nas inves ti do res ou cor ren tis taspodem ser sujei tos pas si vos dessa infra ção penal, mas qual quer cre dor legí ti moque tenha direi to de par ti ci par do rateio dos ati vos. secundariamente, tam bém oestado enquan to res pon sá vel pela esta bi li da de, con fia bi li da de e ido nei da de dosis te ma finan cei ro nacio nal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a exem plo do que ocor re com o dis pos to no arti go ante rior (art. 14), é indis -pen sá vel a satis fa ção de uma con di ção obje ti va de puni bi li da de, ou seja, um pres -su pos to fáti co-jurí di co da con du ta cri mi no sa tipi fi ca da neste dis po si ti vo, a pré-exis tên cia de sen ten ça decla ra tó ria de falên cia ou a decre ta ção de liqui da çãoextra ju di cial pelo Banco Central. a ausên cia desse pres su pos to invia bi li za a ade -qua ção típi ca da con du ta, ori gi nan do-se a hipó te se de crime impos sí vel por abso -lu ta impro prie da de do obje to. o obje ti vo tanto da liqui da ção extra ju di cial, quan -to da falên cia é pro mo ver o acer to e a dis tri bui ção dos cré di tos segun do os cri té -rios espe cial men te esta be le ci dos em lei. uma vez decre ta da a inter ven ção ou a

1 Áureo natal de paula. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 303.

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falên cia, inter ven tor, liqui dan te ou sín di co pas sam a res pon der pela admi nis tra -ção da ins ti tui ção finan cei ra que sofre tal medi da (art. 8º e 16 da lei nº 6.024/74e 59 da lei de Falências), subs ti tuin do, para todos os efei tos legais, seus anti gosges to res. Àqueles pro fis sio nais, no desem pe nho de seus múnus, des ta ca tórtima:“cabe tudo fazer para mini mi zar os pre juí zos e difi cul da des cau sa dos à ins ti tui -ção pela má admi nis tra ção dos últi mos, deven do-se, assim, espe rar que cum pramo seu papel com exa ção e com pe tên cia, fazen do jus à con fian ça neles depo si ta dapelo poder públi co.”2

manifestar-se, fal sa men te, sig ni fi ca expri mir ou decla rar, exter nar ponto devista téc ni co rela ti va men te à inter ven ção, liqui da ção extra ju di cial ou falên cia.manifestação deve ser falsa, isto é, não cor res pon den te à rea li da de dos fatos. atipi ci da de somen te exis ti rá se a mani fes ta ção falsa ocor rer no exer cí cio da fun -ção, em pro ces so de liqui da ção ou falên cia. essa fal si da de pode ser mate rial,moral ou ideo ló gi ca e ver sar sobre tema rela ti vo à inter ven ção, liqui da ção extra -ju di cial ou falên cia. o núcleo ver bal, des ta ca tigre maia, “é ‘mani fes tar-se’ o queabran ge qual quer exte rio ri za ção oral ou escri ta de temá rio per ti nen te aos pro ces -sos de inter ven ção, liqui da ção extra ju di cial e falên cia de ins ti tui ção finan cei ra”.3por dever de ofí cio, em razão faz fun ções que exer cem, essas “auto ri da des” têma obri ga ção de bem e fiel men te desem pe nhar as fun ções de inter ven tor, liqui -dan te ou sín di co, com as res pec ti vas res pon sa bi li da des.

trata-se de tipo penal dema sia da men te aber to, poden do levar à impres sãode que qual quer mani fes ta ção falsa dos sujei tos ati vos refe ri dos, rela ti va men te àinter ven ção, liqui da ção ou falên cia de ins ti tui ção finan cei ra, possa tipi fi car essecrime, aspec to que preo cu pa va pro fun da men te manoel pedro pimentel.Contudo, não pode ser assim sob pena de vio lar o prin cí pio da reser va legal. Comefei to, é neces sá rio, em pri mei ro lugar, que a mani fes ta ção refi ra-se a aspec tosrele van tes da fun ção (inter ven tor, liqui dan te ou sín di co) e, prin ci pal men te, quetenha ido nei da de sufi cien te para cau sar dano ou pre juí zo a alguém ou, pelo me -nos, gerar van ta gem inde vi da. nesse sen ti do, é a con clu são ali via da de ma noelpedro pimentel, que pon ti fi ca: “parece-nos, con tu do, que há um limi te implí ci -to para a exten são do tipo: os cri mes de falso devem carac te ri zar-se pela pos si bi -li da de, ao menos, de pro du ção de dano. o dano poten cial, decor ren te do falso, éessen cial para que se tenha pre sen te um fato puní vel. assim sendo, a mani fes ta -ção a que se refe re o dis po si ti vo deve ser rele van te, capaz de ofen der direi tos,criar obri ga ções ou alte rar a ver da de sobre fatos juri di ca men te rele van tes.”4

acreditamos que inter ven tor, liqui dan te e sín di co não devem emi tir opi -niões e apre cia ções pes soais, mesmo em rela ção aos ex-admi nis tra do res, mas, se

2 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 100.3 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 105.4 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 116.

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o fize rem, deve rão pri mar pela mesma reti dão e cor re ção com a rea li da de fáti ca;des vir tuan do-se ou fal sean do-se a ver da de, res pon de rão igual men te pelo crimeora sub exa men. reforça nosso enten di men to, a mani fes ta ção de FernandoFragoso, in ver bis: “o termo ‘mani fes tar-se’ per mi te a inter pre ta ção de que osopi na men tos pes soais cons ti tuam tam bém o ilí ci to. parece-nos que cons ti tui odeli to qual quer mani fes ta ção que se rela cio ne com a empre sa, a atua ção de ex-diri gen tes e fatos ocor ri dos no curso da inter ven ção, liqui da ção ou falên cia.”5

há crime simi lar na lei de recuperação Judicial e Falência (lei nº 11.101/2005),com a seguin te reda ção: “art. 171. sonegar ou omi tir infor ma ções ou pres tar infor -ma ções fal sas no pro ces so de falên cia, de recu pe ra ção judi cial ou de recu pe ra çãoextra ju di cial, com o fim de indu zir a erro o juiz, o ministério público, os cre do res,a assem bléia-geral de cre do res, o Comitê ou o admi nis tra dor judi cial: pena – reclu -são, de 2 (dois) a 4 (qua tro) anos, e multa.” vale aqui o que dis se mos lá quan docomen ta mos o dis pos to no art. 14. evidentemente, esta mos dian te de dois diplo mas legais espe ciais, que encon tram solu ção no prin cí pio da espe cia li da de, na medi daem que o con fli to de nor mas é pura men te apa ren te: ora pre va le ce rá apli ca ção de umdiplo ma legal, ora de outro. É sim ples: quan do se deve apu rar infra ção rela ti va a ins -ti tui ções finan cei ras, genuí nas ou equi pa ra das, apli ca-se a dis po si ção con ti da na leinº 7.492/86; no entan to, quan do a infra ção a apu rar refe rir-se a ins ti tui ções de outranatu re za, apli ca-se a lei nº 11.101/205, exa ta men te em obe diên cia ao prin cí pio daespe cia li da de. Quando se tra tar de crime con tra ins ti tui ção finan cei ra por equi pa -ra ção (as outras não admi tem falên cia), apli ca-se a lei nº 7.492/86; quan do, porém,tra tar-se de ins ti tui ção de outra natu re za, deve-se apli car a nova lei fali men tar,desde que este ja pre sen te o ele men to sub je ti vo espe cial do tipo.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien tede mani fes ta rem-se inter ven tor, liqui dan te ou sín di co a res pei to de assun to rela -ti vo à inter ven ção, liqui da ção extra ju di cial ou falên cia de ins ti tui ção finan cei ra.É indis pen sá vel, por outro lado, que o agen te tenha cons ciên cia da fal si da de damani fes ta ção e de que é rela ti va à ins ti tui ção finan cei ra.

não há, por fim, exi gên cia da pre sen ça de ele men to sub je ti vo espe cial dotipo e tam pou co pre vi são legal da moda li da de de crime cul po so.

6. Consumação e ten ta ti va

a con du ta mani fes tar-se fal sa men te, como crime for mal, con su ma-se coma sim ples prá ti ca da ati vi da de des cri ta no tipo, oral men te ou por escri to, inde -

5 Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 711-2.

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pen den te men te da pro du ção de qual quer outro resul ta do. tratando-se, con tu do,de crime de fal sum, é indis pen sá vel que a fal si da de seja sufi cien te men te idô neapara enga nar, não con fi gu ran do, a infra ção penal, even tual mani fes ta ção gros sei -ra men te falsa, per cep tí vel pelos homos medius.

a ten ta ti va de mani fes tar-se fal sa men te, crime de ato único, não admi te afigu ra ten ta ti va, como regra. havendo, porém, inter rup ção, por qual quer meio,da mani fes ta ção, esta rá con fi gu ra da a ten ta ti va.

7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime pró prio (que exige qua li da de ou espe cial do sujei to ativo,no caso, inter ven tor, liqui dan te ou sín di co de ins ti tui ção finan cei ra); for mal (nãodepen de da ocor rên cia de resul ta do, repre sen ta do por efe ti vo pre juí zo, embo rapossa ocor rer); dolo so (não há pre vi são legal para a figu ra cul po sa); de forma livre(o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modo para exe cu ção dessa infra çãopenal, poden do ser rea li za do pela forma ou meio esco lhi do pelo sujei to ativo);comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipo impli ca a rea li za ção de con du taativa); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen to deter mi na do, não haven -do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul ta do); unis sub je ti vo (podeser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, coau to ria e par -ti ci pa ção); e unis sub sis ten te (crime de ato único, que não admi te fra cio na men to).

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são de reclu são, de dois a oito anos,e multa. estamos nova men te dian te de exa ge ra da e des pro por cio nal san çãopenal, incom pa tí vel com a razoa bi li da de exi gi da pelo estado democrático dedireito. pimentel, estar re ci do com o injus ti fi cá vel exces so nas comi na ções de vários dis po si ti vos desse diplo ma legal, comen ta: “desconhecendo os moti vosque leva ram a esta pena tão mais grave, somen te pode mos pen sar que o legis la -dor insis te na idéia de que o cres ci men to da cri mi na li da de é con se quên cia dabran du ra das penas e, por isso, pre ten de exer ci tar o efei to inti mi da ti vo da puni -ção seve ra. discordamos desse cri té rio, pelas razões ante rior men te expos tas.”6

ação penal é públi ca incon di cio na da, como em todos os cri mes defi ni dosnesta lei espe cial, deven do a auto ri da de com pe ten te agir de ofí cio, inde pen den -te men te de qual quer mani fes ta ção da parte inte res sa da.

6 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 119.

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Capítulo Xvi

operar instituiçãoFinanceira ilegal

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 4.1. sem a devi da auto ri za -ção ou com auto ri za ção obti da median te decla ra ção falsa. 5. tipo sub je ti vo: ade qua -ção típi ca. 6. Classificação dou tri ná ria. 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e açãopenal.

art. 16. Fazer ope rar, sem a devi da auto ri za ção, ou com auto ri za ção obti damedian te decla ra ção (veta do) falsa, ins ti tui ção finan cei ra, inclu si ve de dis tri bui -ção de valo res mobi liá rios ou de câm bio:

pena – reclu são de 1 (um) a 4 (qua tro) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

a lei Federal nº 4.595, de 31 de dezem bro de 1964, pres cre via em seu art.44, § 7º, o seguin te: “Quaisquer pes soas físi cas ou jurí di cas que atuem comoins ti tui ção finan cei ra, sem estar devi da men te auto ri za das pelo Banco Centraldo Brasil, ficam sujei tas à multa refe ri da neste arti go e deten ção de 1 (um) a 2(dois) anos, fican do a esta sujei tos, quan do pes soa jurí di ca, seus dire to res eadmi nis tra do res.”

os ante ce den tes legis la ti vos da lei nº 7.492/86, ante pro je tos e pro je tos,expe ri men ta ram várias alte ra ções antes de resul ta rem no refe ri do diplo ma legal,rece ben do, inclu si ve, suges tões enca mi nha das pelo pró prio ministério daFazenda, que, den tre outras alte ra ções mais sig ni fi ca ti vas, pre fe ria o vocá bu lo‘fazer operar’, ao con trá rio do anteprojeto que, ori gi na ria men te, uti li za va ‘ -operar’. no entan to, o projeto ori gi ná rio da Câmara dos deputados tra zia reda -ção que não recep cio na va as suges tões apre sen ta das pelo ministério da Fazenda.na ver da de, “não seguiu, porém, toda a suges tão feita pela Comissão dereforma, fican do assim redi gi do: art. 16 – operar no mer ca do finan cei ro dedis tri bui ção de títu los e valo res mobi liá rios ou de câm bio, sem a devi da auto ri -za ção legal: pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (qua tro) anos, e multa. parágrafoúnico – proceder à cobran ça de juro, comis são, taxa ou impor tân cia em dinhei -

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ro, a qual quer títu lo, em desa cor do com a lei: pena – reclusão, de 1 (um) a 4(qua tro) anos, e multa.”.1

no entan to, ao tra mi tar no senado Federal, o projeto rece beu emen da queuniu o caput e seu pará gra fo em texto único, aco lhen do par cial men te a pro pos -ta que havia sido suge ri da pelo ministério da Fazenda, o que resul tou na seguin -te sín te se: art. 16 – Fazer ope rar, sem a devi da auto ri za ção, ou com auto ri za çãoobti da median te decla ra ção sone ga da ou falsa, ins ti tui ção finan cei ra, inclu si ve dedis tri bui ção de títu los e valo res mobi liá rios ou de câm bio: pena – reclusão, de 1(um) a 4 (qua tro) anos, e multa. Finalmente, esse foi o texto que aca bou sendoapro va do pelo Congresso nacional, con ver ti do no art. 16 da lei nº 7.492/86, querece beu o veto pre si den cial tão somen te para excluir a expres são “sone ga da ou”,com a seguin te jus ti fi ca ti va: “no art. 16, a expres são ‘sone ga da ou’, pela impos si -bi li da de fáti ca de ser obti da auto ri za ção para ins ti tui ção finan cei ra ope rar,median te decla ra ção não pres ta da” (mensagem 252).

manoel pedro pimentel,2 cri ti can do a opção de, pra ti ca men te, excluir ocon teú do do pará gra fo único, con cluiu: “não foi, entre tan to, a mais feliz, pois aofun dir o pará gra fo único com a cabe ça do arti go, o projeto igno rou a situa çãopecu liar de quem ‘atua, inde vi da men te, como ins ti tui ção finan cei ra, colo ca ouinter me deia a colo ca ção de títu los ou valo res mobi liá rios no mer ca do de capi tais,sem habi li ta ção legal ou devi da auto ri za ção.”

2. Bem jurí di co tute la do

o bem jurí di co tute la do, nova men te, é a invio la bi li da de e a cre di bi li da de dosis te ma finan cei ro, zelan do pela regu la ri da de e a cor re ção do fun cio na men to eda ope ra cio na li za ção das ins ti tui ções finan cei ras. para o bom e regu lar fun cio na -men to do sis te ma finan cei ro, é indis pen sá vel que se asse gu re a cor re ção e a regu -la ri da de de todas as ins ti tui ções finan cei ras. tutela-se igual men te o patri mô nioe os inte res ses eco nô mi co-finan cei ros dos inves ti do res e das pró prias ins ti tui çõesfinan cei ras, bem como dos acio nis tas das refe ri das ins ti tui ções.

protege-se, enfim, o inte res se esta tal na fis ca li za ção do mer ca do finan cei roem geral, visan do asse gu rar a sua esta bi li da de e cre di bi li da de, indis pen sá veispara seu regu lar fun cio na men to.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo deste crime pode ser qual quer pes soa físi ca impu tá vel que façafun cio nar ou ope rar ins ti tui ção finan cei ra irre gu lar ou que se uti li ze de inter pos -

1 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 122-3.2 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 123.

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ta pes soa para operá-la, além da pos si bi li da de nor mal de admi tir o con cur so even -tual de pes soas (coau to ria e par ti ci pa ção). manoel pedro pimentel,3 com acer to,já des ta ca va que: “res trin ge-se, assim, a auto ria aos diri gen tes de ins ti tui ção finan -cei ra, dire to res, geren tes, admi nis tra do res, excluí da a pos si bi li da de de ser cogi ta -da a prá ti ca do deli to por pes soa que não seja juri di ca men te res pon sá vel por umains ti tui ção finan cei ra”. Com a auto ri da de de um dos mais talen to sos e res pei ta doscate drá ti cos da universidade de são paulo de todos os tem pos, manoel pedropimentel pros se guia: “com essa res tri ção, ficou mar gi na li za da a pos si bi li da de deimpu tar-se o crime a pes soa físi ca que, não sendo ins ti tui ção finan cei ra, pra ti quea agio ta gem; ou, mesmo, a pes soa jurí di ca que, não sendo ins ti tui ção finan cei ra,pra ti que atos pri va ti vos desta”, desde que – acres cen ta mos nós – não seja daque -les exclu si vos de ins ti tui ção finan cei ras, v. g., ope ra ção de câm bio.

É abso lu ta men te equi vo ca da a orien ta ção que admi te a incur são nesse arti go16 de pes soa físi ca que, como cida dão, adqui re dólar no mer ca do infor mal (mer -ca do para le lo), para rea li za ção de pou pan ça, por acre di tar na maior esta bi li da dedessa moeda. em sen ti do seme lhan te, sus ten ta tórtima: “entretanto, essas ope ra -ções, fei tas sem pre no mer ca do para le lo, são penal men te irre le van tes, não haven -do ainda, para o par ti cu lar adqui ren te, qual quer san ção de natu re za admi nis tra ti -va para inibi-las.” não se pode esque cer, ade mais, que o ilí ci to admi nis tra ti vo-cam bial é pres su pos to do crime fnan cei ro-cam bial, ou, em outras pala vras, aausên cia daque le impe de a con fi gu ra ção deste. em outros ter mos, esse pou pa dornão é sujei to ativo da infra ção penal des cri ta neste arti go 16 da lei regen te.

sujeito pas si vo ime dia to é o estado que é o res pon sá vel pelo sis te ma finan -cei ro nacio nal. e, igual men te, pode ser sujei to pas si vo qual quer pes soa que, por -ven tu ra, venha a ser lesa da pelos auto res dessa infra ção penal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

“Fazer ope rar ins ti tui ção finan cei ra” não se con fun de com “rea li zar ope ra -ção finan cei ra, como se ins ti tui ção finan cei ra fosse”, ao con trá rio do que vemsendo inter pre ta do no quo ti dia no foren se, quer pelas infun da das denún cias ofe -re ci das pelo parquet, quer pelas equi vo ca das sen ten ças que as recep cio nam,como se refe ris sem à infra ção penal des cri ta no art. 16 sub exa men. não é outroo magis té rio de José Carlos tórtima4 que afir ma: “o que o tipo exige é que oagen te faça ope rar ins ti tui ção finan cei ra, algo muito dife ren te de rea li zar ope ra -ção finan cei ra, como se ins ti tui ção finan cei ra fosse.” Fazer ope rar exige a rei te -ra ção, a repe ti ção, ou seja, a prá ti ca insis ten te men te repe ti da de atos pri va ti vosde ins ti tui ção finan cei ra. revela-se, con se quen te men te, atí pi ca a prá ti ca de uma

3 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 124.4 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 104-5.

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ou outra con du ta ainda que genui na men te pri va ti va de ins ti tui ção finan cei ra,tais como uma ou outra ope ra ção de câm bio ou even tual cap ta ção de recur so deter cei ro. na ver da de, este tipo penal repre sen ta uma sim bio se de crime habi tuale crime per ma nen te. Com efei to, fazer ope rar ins ti tui ção finan cei ra é, ao mesmotempo, crime habi tual e per ma nen te na medi da em que sua exe cu ção se alon ga,pro train do-se no tempo, supon do a rei te ra ção com habi tua li da de dessa moda li -da de de con du ta proi bi da.

em sen ti do seme lhan te, reco nhe cen do que o ‘ núcleo verbal’ do tipo subexa men admi te duas inter pre ta ções dís pa res, tigre maia des ta ca: “a pri mei raapon ta para a neces si da de da cria ção de uma estru tu ra orga ni za cio nal aná lo ga àde uma ins ti tui ção finan cei ra regu lar, pró pria ou equi pa ra da, quer efe ti va men terea li zan do ati vi da des finan cei ras sem obje ti var pre ci pua men te lesar seus usuá -rios, quer simu lan do-as ou dis tor cen do-as, como meio para lograr os incau tosque bus quem seus ser vi ços. em resu mo, nesta pers pec ti va o tipo exi gi ria, paraalém do mero exer cí cio de ati vi da de finan cei ra, a pre sen ça de um simu la cro, dafacha da de uma ins ti tui ção finan cei ra legí ti ma ou, mesmo, de uma rami fi ca çãonão auto ri za da de uma ins ti tui ção legal men te habi li ta da a fun cio nar. esta visãotraz implí ci ta a carac te ri za ção do ilí ci to como crime habi tual pró prio, exi gin do aprá ti ca rei te ra da das ações pre vis tas no tipo para carac te ri zá-lo.”5 embora as duasalter na ti vas elen ca das por tigre maia sejam defen sá veis, quer nos pare cer quesão um tanto extre ma das, nos dois sen ti dos, difi cul tan do o enfren ta men to casuís -ti co em decor rên cia da plu ra li da de das ati vi da des de uma ins ti tui ção finan cei ra,espe cial men te com a abran gên cia que lhe atri buiu o dis pos to no art. 1º destediplo ma legal. ademais, con vém real çar que, pela dic ção deste últi mo dis po si ti -vo, refe ri das ins ti tui ções podem apre sen tar-se sob natu re zas diver sas, quaissejam, (a) ins ti tui ções finan cei ras pro pria men te ditas, (b) ins ti tui ções domercado de Capitais e (c) ins ti tui ções finan cei ras por equi pa ra ção.

assim, não é indis pen sá vel que apre sen te uma estru tu ra orga ni za cio nalaná lo ga à de uma ins ti tui ção finan cei ra regu lar, a pre sen ça de um simu la cro dafacha da de uma ins ti tui ção finan cei ra legí ti ma, ou mesmo de uma rami fi ca çãonão auto ri za da de uma ins ti tui ção legal men te habi li ta da a fun cio nar, como refe -re tigre maia. tampouco será sufi cien te “o reco nhe ci men to do exer cí cio desau -to ri za do de qual quer ato nego cial carac te rís ti co de tais ins ti tui ções, con soan tedefi ni das pelo art. 1º da lei de regência”, ao con trá rio do que sus ten ta o autorrefe ri do. na ver da de, a ques tão apre sen ta-se um pouco mais com ple xa: para

5 rodolfo tigre maira. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 107-8: “a segun da abor da gemcon cen tra-se na iden ti fi ca ção da pre sen ça de ‘ati vi da de finan cei ra pró pria ou por equiparação’, bas tan doo reco nhe ci men to do exer cí cio desau to ri za do de qual quer ato nego cial carac te rís ti co de tais ins ti tui ções,con soan te defi ni das pelo art. 1º da lei de regência, para con fron tar a inci dên cia típi ca, inde pen den te -men te de a mesma se dar no âmbi to ou não de um arca bou ço estru tu ral/fun cio nal simi lar ao usado poresta, ou de ser rei te ra da men te pra ti ca da, aos mol des da pri mei ra enun cia ção.”

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carac te ri zar a ação de “fazer ope rar ins ti tui ção finan cei ra” desau to ri za da é indis -pen sá vel a prá ti ca de ati vi da de carac te rís ti ca e espe cí fi ca, mas sobre tu do exclu -si va de ins ti tui ção finan cei ra, v. g. ope ra ção de câm bio, aber tu ra de conta cor -ren te, des con to de títu los cam biais ou mer can tis etc. por outro lado, em se tra -tan do de outras ati vi da des, que diría mos, não exclu si vas de ins ti tui ção finan cei -ra, tais como emprés ti mos a par ti cu la res, rece bi men tos de car nês, de taxas públi -cas ou pri va das etc., será neces sá rio o acrés ci mo da rei te ra ção, da repe ti ção, ouseja, de uma espé cie de habi tua li da de des sas ati vi da des, acres ci dos de algu maestru tu ra orga ni za cio nal ou a simu la ção de algo seme lhan te a uma ins ti tui ção dogêne ro para admi tir-se a sua ade qua ção típi ca. em sen ti do seme lhan te, impe cá -vel o magis té rio de tórtima, in ver bis: “entendemos, nada obs tan te res pei tá veisopi niões em con trá rio, que o deli to em causa exige um míni mo de habi tua li da depara sua con fi gu ra ção. Com efei to, seu enun cia do não se satis fez com a sim plesrea li za ção de uma ope ra ção pri va ti va de ins ti tui ção finan cei ra. o que o tipo exigeé que o agen te faça ope rar ins ti tui ção finan cei ra, algo muito dife ren te de rea li -zar ope ra ção finan cei ra, como se ins ti tui ção finan cei ra fosse.”6

segundo manoel pedro pimentel:7 “o texto afi nal apro va do dei xou de fora,segu ra men te, os agio tas, que empres tam dinhei ro a juros extor si vos, e que secom por tam como ver da dei ras ins ti tui ções finan cei ras, sem entre tan to pre ten derserem reco nhe ci dos como tal. Bem ana li sa do o texto legal, con clui-se que, aocon trá rio do que se pre ten deu fazer, desde a edi ção da lei 4.595/64, a agio ta gemfoi excluí da como crime autô no mo, con ti nuan do a ser regi da pelo art. 4º, e suasalí neas, da lei 1.521/51 (lei de economia popular), e caben do sua tipi fi ca çãosomen te nos casos ali expres sa men te indi ca dos.” Com efei to, uti li zar recur sospró prios para rea li zar emprés ti mos a ter cei ros, mesmo que usu rá rios, não con fi -gu ra crime con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, nota da men te o pre vis to no art.16 ora em exame, que exige ati vi da de pró pria de ins ti tui ção finan cei ra. a uti li -za ção de recur sos pró prios para efe tuar emprés ti mos a ter cei ros não ofen de inte -res ses, bens ou ser vi ços da união, fican do afas ta da a hipó te se de cons ti tuir crimecon tra o sis te ma finan cei ro nacio nal.8 Comprovando-se, no entan to, que se tra -ta va de cobran ça de juros usu rá rios ou extor si vos, a capi tu la ção cor re ta da infra -ção penal será aque la do art. 4º, alí nea ‘a’, da lei nº 1.521/51. em outros ter mos,a cobran ça de juros extor si vos em emprés ti mos rea li za dos por par ti cu lar, comseus pró prios recur sos, pode con fi gu rar, teo ri ca men te, o crime de usura, des cri -to no art. 4º da lei de economia popular (nº 1.521/51),9 e, nessa hipó te se, será dacom pe tên cia da Justiça estadual.

6 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 104-5.7 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 123.8 stJ, CC nº 29.933/sp, rel. ministro Jorge scartezzini, 3ª seção, dJ 01/07/04, p. 172.9 trF 4ª região, rse, nº 200070010144094/pr, rel. des. elcio pinheiro de Castro, 8ª turma, dJ, 19/11/03,

p. 963.

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por outro lado, a explo ra ção do deno mi na do fac to ring pode apre sen tar al -gu ma diver gên cia inter pre ta ti va. Contudo, o pró prio superior tribunal de Justi -ça reco nhe ceu que o conhe ci do fac to ring não se con fun de com ins ti tui ção finan -cei ra.10 aquelas são ins ti tui ções de fomen to mer can til, des ti na das a for ne cersupor te geren cial a empre sas pro du to ras de bens e ser vi ços, adqui rin do des tas oscré di tos resul tan tes de ven das a ter cei ros e assu min do os ris cos de even tual ina -dim plên cia dos deve do res.11 não é outro o enten di men to de donini, que sus ten -ta: “o empre sá rio de fac to ring não opera uma ins ti tui ção finan cei ra, uma vez quea ati vi da de de fomen to mer can til não visa à cap ta ção de recur sos, inter me dia çãoou apli ca ção de recur sos finan cei ros de ter cei ros. mas ape nas pres ta ser vi ços decom pra de cré di tos ven cí veis, com recur sos pró prios e não de ter cei ros, median -te preço certo e ajus ta do com o fatu ri za do. a ati vi da de de fac to ring é tipi ca men -te comer cial, por que no fac to ring ine xis te uma ope ra ção de cré di to, tal comoaque las pra ti ca das por ban cos, mas tão somen te uma venda à vista de cré di tos.”12

visto dessa forma, isto é, como ins ti tui ção de fomen to mer can til, com fina -li da de de for ne cer supor te eco nô mi co a empre sas pro du to ras de bens e ser vi ços,a con clu são ine vi tá vel é que tais ins ti tui ções que sigam, evi den te men te, a metasupra des ta ca da não depen dem de auto ri za ção do Banco Central para seu fun cio -na men to. no entan to, se os res pon sá veis por essas ins ti tui ções, des vir tuan do-sede suas fina li da des, cap ta rem recur sos de ter cei ros, finan cian do-se com esse tipode recur sos, a solu ção dessa ques tão muda de figu ra, ade quan do-se à proi bi çãocon ti da no dis po si ti vo em exame.

por fim, indis cu ti vel men te, a cap ta ção, a admi nis tra ção, a inter me dia ção oua apli ca ção de recur sos finan cei ros per ten cen tes a ter cei ros con fi gu ra o crimeque ora ana li sa mos por repre sen tar ope ra ção típi ca, genuí na e exclu si va de ins ti -tui ção finan cei ra. no entan to, con vém repe tir, cons ti tuem ati vi da des quedeman dam rei te ra ção, isto é, uma espé cie de habi tua li da de em sua exe cu ção.

4.1. sem a devi da auto ri za ção ou com auto ri za ção obti da median tedecla ra ção falsa

a frau de reque ri da na norma incri mi na do ra sub exa men limi ta-se as duasfor mas expres sas no res pec ti vo dis po si ti vo: sem a devi da auto ri za ção ou comauto ri za ção obti da median te decla ra ção falsa. essa auto ri za ção, ine xis ten te ouobti da median te decla ra ção falsa, deve dizer res pei to tanto ao aspec to for mal,quan to mate rial da ins ti tui ção, ou seja, deve refe rir-se à auto ri za ção de fun cio -

10 stJ, hC nº 7.463/pr, rel. min. Felix Fischer, dJ 22.02.99, p. 112.11 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 105.12 antonio Carlos donini. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, in: Factoring, rio de Janeiro,

Forense, 2003, p. 86.

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na men to con ce di da pelo Banco Central, como des ta ca tórtima, “a auto ri za ção aque se refe re a lei é aque la pre vis ta nos arts. 10, inci so iX, d, e 18 da lei nº 4.595,de 31/12/1964”.13-14

a nosso juízo, “sem auto ri za ção” e auto ri za ção obti da median te “decla ra çãofalsa” indi cam a forma de rea li zar a moda li da de de con du ta proi bi da, qual seja,fazer ope rar ins ti tui ção finan cei ra, frau du len ta men te. a frau de, nesta infra çãopenal, é sui gene ris, dife ren te das conhe ci das frau des espa lha das em diver sosarti gos do Código penal, na medi da em que não é repre sen ta da por nenhumardil, estra ta ge ma ou arti fí cio, tra tan do-se, por tan to, de uma frau de de con teú doideo ló gi co e não mate rial. Com efei to, qual quer outra decla ra ção não ver da dei -ra, rela ti va a qual quer outro aspec to que não seja espe ci fi ca men te rela cio na da aofun cio na men to da ins ti tui ção finan cei ra, não tipi fi ca rá a con du ta des cri ta nessedis po si ti vo. poderá, evi den te men te, carac te ri zar outro crime de fal sum, mas nãoeste, e pode rá, inclu si ve, não ser da com pe tên cia da Justiça Federal, depen den dodas cir cuns tân cias.

por outro lado, fazer ope rar sem auto ri za ção sig ni fi ca a ausên cia ou a ine -xis tên cia de auto ri za ção para o fun cio na men to da ins ti tui ção finan cei ra.declaração falsa, como meio de obter auto ri za ção de fun cio na men to, é aque laque con tra ria o real con teú do que deve ria ter, não cor res pon den do ao con teú doautên ti co que deve ria apre sen tar, mas com ido nei da de sufi cien te para via bi li zara auto ri za ção de fun cio na men to de ins ti tui ção finan cei ra.

a decla ra ção falsa, final men te, deve recair sobre fato juri di ca men te rele -van te, ou seja, é neces sá rio que a decla ra ção “inde vi da” cons ti tua ele men to subs -tan cial do ato no docu men to. uma sim ples men ti ra, por exem plo, mera irre gu -la ri da de ou sim ples pre te ri ção de for ma li da de não cons ti tui rão o fal sum idô neoa enga nar nin guém. mas é impor tan te des ta car que o tipo em exame refe re-se àfal si da de ideo ló gi ca e não à fal si da de mate rial, dife ren cian do-se ambas de modoque, enquan to a fal si da de mate rial afeta a auten ti ci da de do docu men to em suaforma extrín se ca e con teú do intrín se co, a fal si da de ideo ló gi ca afeta-o tão somen -te em sua idea ção, no pen sa men to que seu texto encer ra. a fal si da de ideo ló gi caversa sobre o con teú do do docu men to ou títu lo, enquan to a fal si da de mate rialdiz res pei to a sua forma.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo sub je ti vo é cons ti tuí do tão somen te pelo ele men to sub je ti vo geral,que é o dolo, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de fazer ope rar ins ti tui çãofinan cei ra sem a devi da auto ri za ção. É indis pen sá vel, con tu do, que o agen te

13 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 104.14 esse dis po si ti vo foi renu me ra do e alte ra do para o inci so X pela lei nº 7.730/89.

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tenha cons ciên cia de que a ins ti tui ção não dis põe da devi da auto ri za ção ou deque a auto ri za ção foi obti da median te decla ra ção falsa. essa cons ciên cia nadamais é que o ele men to inte lec tual do dolo que deve abran ger todos os ele men tosda des cri ção típi ca.

na tipi fi ca ção de fazer ope rar ins ti tui ção finan cei ra sem a devi da auto ri za -ção, embo ra não este ja expres sa, há a exi gên cia implí ci ta do ele men to sub je ti voespe cial do injus to, espe ci fi ca dor do dolo, qual seja, o espe cial fim de ope rar ins -ti tui ção finan cei ra, sem a devi da auto ri za ção ou com auto ri za ção obti da median -te decla ra ção falsa. não ocor ren do essa fina li da de espe cial, o tipo penal não seaper fei çoa, não haven do, por con se guin te, justa causa para a ação penal.

nessa infra ção penal, por fim, não há pre vi são de moda li da de cul po sa, razãopela qual even tual con du ta impru den te, negli gen te ou impe ri ta esta rá fora doalcan ce do sis te ma puni ti vo penal.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa, nãosendo exi gi da nenhu ma qua li da de ou con di ção espe cial); mate rial (ação e resul -ta do ocor rem em momen tos dis tin tos, ou seja, a con su ma ção somen te se con fi -gu ra com a efe ti va entra da da ins ti tui ção em fun cio na men to, irre gu lar men te);comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipo impli ca a rea li za ção de uma con -du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi bi ti va); ins tan tâ neo (a con su ma -ção ocor re em momen to deter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po -ral entre a ação e o resul ta do); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém,indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção. não nos pare ce,con tu do, que se possa defi ni-lo como plu ris sub sis ten te, pois os vários atos quecarac te ri zam o crime habi tual são inde pen den tes, autô no mos e, basi ca men te, iguais, e o que carac te ri za a plu ris sub sis tên cia é a exis tên cia de uma mesma açãohuma na que pode ser divi di da em atos do mesmo com por ta men to, frag men tan -do a ação huma na); e unis sub sis ten te ou plu ris sub sis ten te (depen den do da formaque for pra ti ca do).

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime de fazer ope rar ins ti tui ção finan cei ra quan do o agen tepra ti ca rei te ra da men te ati vi da des pró prias dessa ins ti tui ção sem a devi da auto ri -za ção ou com auto ri za ção obti da median te decla ra ção falsa. pode con su mar-secom a prá ti ca efe ti va de ati vi da des exclu si vas de ins ti tui ção finan cei ra.Consuma-se o crime, enfim, com o efe ti vo exer cí cio de ati vi da de genui na men tede ins ti tui ção finan cei ra.

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a ten ta ti va, con si de ran do-se sua natu re za impro pria men te habi tual, é, nomíni mo, de difí cil con fi gu ra ção, embo ra casuis ti ca men te possa, even tual men te,vir a con fi gu rar-se depen den do das cir cuns tân cias.

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são reclu são, de um a qua tro anos,e multa. a ação penal, como todos os cri mes deste diplo ma legal, é públi ca incon -di cio na da, deven do a auto ri da de com pe ten te agir ex offi cio, inde pen den te men -te da mani fes ta ção de quem quer que seja.

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Capítulo Xvii

Concessão de empréstimo ouadiantamento ilegais

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: tomar, rece ber ou defe rir emprés ti mo ou adian - ta men to. 4.1. a socie da de cujo con tro le seja por “ela” exer ci do. 4.2. atipicidade douso de bens ou coi sas de ins ti tui ção finan cei ra. 4.3. a inter pre ta ção ade qua da doexces si vo uso de ele men tos nor ma ti vos. 5. Conceder ou rece ber adian ta men to deremu ne ra ção ou qual quer outro paga men to (pará gra fo único, inc. i). 6. de formadis far ça da, pro mo ver a dis tri bui ção ou rece ber lucros (pará gra fo único, inc. ii).7. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 8. Consumação e ten ta ti va. 9. Classificação dou -tri ná ria. 10. pena e ação penal.

art. 17. tomar ou rece ber, qual quer das pes soas men cio na das no art. 25desta lei, dire ta ou indi re ta men te, emprés ti mo ou adian ta men to, ou defe ri-lo acon tro la dor, a admi nis tra dor, a mem bro de con se lho esta tu tá rio, aos res pec ti voscôn ju ges, aos ascen den tes, des cen den tes, a paren tes em linha cola te ral até o 2ºgrau, con san güí neos ou afins, ou a socie da de cujo con tro le seja por ela exer ci do,dire ta ou indi re ta men te, ou por qual quer des sas pes soas.

pena – reclu são, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.parágrafo único. incorre na mesma pena quem:i – em nome pró prio, como con tro la dor ou na con di ção de admi nis tra dor

da socie da de, con ce der ou rece ber adian ta men to de hono rá rios, remu ne ra ção,salá rio, ou qual quer outro paga men to, nas con di ções refe ri das neste arti go;

ii – de forma dis far ça da, pro mo ver a dis tri bui ção ou rece ber lucros de ins -ti tui ção finan cei ra.

1. Considerações pre li mi na res

antecedente dire to deste art. 17 encon tra-se no art. 34 da lei nº 4.595/64,conhe ci da como lei da reforma Bancária, que pre via a veda ção de deter mi na dosemprés ti mos (art. 34). os pre cei tos penais desse diplo ma legal foram revo ga dospor este dis po si ti vo da lei nº 7.492/86, que dis ci pli nou intei ra men te a maté ria.permanece em vigor, con tu do, a maté ria admi nis tra ti va, que não foi alcan ça da

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pelo diplo ma pos te rior. o inci so iii do art. 177 do Código penal, por sua vez,tipi fi ca o abuso de dire tor ou geren te que toma emprés ti mo à socie da de ou usa,em pro vei to pró prio ou de ter cei ro, dos bens ou have res sociais sem pré via auto -ri za ção da assem bleia geral. esse crime apre sen ta algu ma seme lhan ça com o cha -ma do de apro pria ção indé bi ta, embo ra seja espe cí fi co em rela ção a dire tor ougeren te (crime pró prio), que ape nas usa ou toma por emprés ti mo bens da socie -da de a que serve. a gran de dife ren ça da apro pria ção indé bi ta resi de exa ta men tena falta do ani mus apro prian di, pois o abuso do patri mô nio alheio limi ta-se a seuuso inde vi do.

o nati mor to Código penal de 1969 tra ta va dessa mesma infra ção penal, emseu art. 192, com a seguin te reda ção: “autorizar o res pon sá vel por ins ti tui çãofinan cei ra a con ces são de emprés ti mo a dire tor, mem bro do con se lho con sul ti -vo, fis cal ou seme lhan te, ou ao res pec ti vo côn ju ge: pena – reclusão, de 1 (um) a4 (qua tro) anos, e paga men to de dez a cin qüen ta dias-multa.”

2. Bem jurí di co tute la do

trata-se, mais uma vez, de crime plu rio fen si vo, vio lan do bens jurí di cosdiver sos, aten tan do, con cre ta men te, não ape nas con tra o sis te ma finan cei ronacio nal, como tam bém con tra o patri mô nio da ins ti tui ção finan cei ra, além dosinte res ses patri mo niais dos sócios, acio nis tas e inves ti do res. nesse sen ti do, é amani fes ta ção de nilo Batista: “dessa forma, as impor tan tes fun ções inter pre ta ti -vas e meto do ló gi cas que o bem jurí di co desem pe nha devem ser refe ri das, na aná -li se do tipo do art. 17 da lei 7.492/86, a algu ma ofen sa ao regu lar fun cio na men -to do sis te ma finan cei ro nacio nal, ao patri mô nio social da ins ti tui ção admi nis tra -da, e aos inte res ses dos acio nis tas e inves ti do res.”1

no dis po si ti vo sub exa men apa re ce cla ra men te a preo cu pa ção com a vul ne -ra bi li da de do sis te ma finan cei ro que repou sa na cre di bi li da de, na con fia bi li da dedo pró prio sis te ma que somen te seu equi lí brio, higi dez e fun cio na li da de podemasse gu rar peran te a cole ti vi da de. adota-se, neste caso, uma polí ti ca de con tro lee com ba te a méto dos nepo tis tas, os quais podem levar ao dese qui lí brio e até aque bra da ins ti tui ção finan cei ra afe ta da.

Cumpre des ta car que, rela ti va men te, às empre sas de con sór cio o patri mô -nio que se pro te ge é aque le per ten cen te aos con sor cia dos, de sorte que even tualemprés ti mo ou adian ta men to à empre sa coli ga da, reti ra do do patri mô nio da pró -pria socie da de de con sór cio, não tipi fi ca a con du ta des cri ta no caput do dis po si -ti vo obje to de aná li se. o tribunal regional Federal da 3ª região tem várias deci -sões nesse sen ti do. no par ti cu lar, não resta dúvi da de que está supe ra do o enten -

1 nilo Batista. empréstimos ilí ci tos na lei 7.492/86... p. 325.

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di men to que foi sus ten ta do por tigre maia, segun do o qual have ria crime, nes -sas hipó te ses, eis que “os valo res cobra dos a títu lo de remu ne ra ção dos ser vi çosde admi nis tra ção são recei tas da ins ti tui ção finan cei ra, com põe seu patri mô nio einci dem na proi bi ção legal”.2

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

trata-se de crime pró prio, exi gin do que os auto res reú nam a con di ção ou aqua li da de de con tro la dor ou admi nis tra dor da ins ti tui ção finan cei ra, assim con -si de ra dos os dire to res e geren tes, nos ter mos do caput do art. 25. dificilmenteaque les equi pa ra dos, pre vis tos no § 1º – inter ven tor, liqui dan te ou sín di co –,serão agen tes des ses cri mes, pois somen te pode rão pra ti cá-lo quan do a ins ti tui -ção encon trar-se na situa ção que lhes per mi ta agir, nes sas con di ções, é bas tan teimpro vá vel que possa ope rar com emprés ti mo ou adian ta men to e, muito menos,dis tri buir lucros, reais ou fic tí cios.

na hipó te se do inci so i do pará gra fo único, somen te con tro la dor ou admi -nis tra dor, isto é, sujei tos que efe ti va men te exer çam essas fun ções ou osten temessa con di ção podem pra ti car as ações de con ce der ou rece ber adian ta men to dehono rá rio, remu ne ra ção, salá rio ou qual quer outro paga men to, nas con di çõesrefe ri das no arti go. na pre vi são deste inci so, não se apli ca a gené ri ca equi pa ra -ção cons tan te do § 1º do art. 25, pois o texto, con tra ria men te à forma ado ta da nocaput, espe ci fi cou quem pode ser autor desta infra ção penal. na hipó te se dascon du tas des cri tas no inci so ii, do mesmo pará gra fo, no entan to, podem ser osmes mos sujei tos pas si vos habi li ta dos a rea li zar as con du tas des cri tas no caput,não haven do exi gên cia de qual quer outra qua li da de ou con di ção espe cial.

Quanto à res pon sa bi li da de penal de geren te de agên cia, reme te mos o lei torpara o enten di men to que sus ten ta mos, sobre o mesmo tema, no capí tu lo em queabor da mos o crime de ges tão teme rá ria, para não ser mos repe ti ti vos. ademais,nas hipó te ses con ti das neste dis po si ti vo, em que, nor mal men te, os bene fi ciá riossão os pró prios admi nis tra do res ou seus fami lia res, não há como atri buir-se res -pon sa bi li da de penal ao geren te que, à evi dên cia, é subor di na do aos ver da dei rosadmi nis tra do res da ins ti tui ção, sem auto no mia para deci dir. nesse sen ti do, já semani fes ta va manoel pedro pimentel, afir man do: “seria exces si va men te rigo ro saa inter pre ta ção con trá ria, pois acar re ta ria a res pon sa bi li da de de repre sen ta ção dains ti tui ção ban cá ria a um sim ples geren te de agên cia, que tem pode res limi ta dose cuja par ti ci pa ção nas deci sões fun da men tais da empre sa é nula.”3

2 rodolfo tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 114.3 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 132.

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4. tipo obje ti vo: tomar, rece ber ou defe rir emprés ti moou adian ta men to

o tipo obje ti vo apre sen ta uma com po si ção diver si fi ca da, cri mi na li zan do vários com por ta men tos dis tin tos, embo ra todos, teo ri ca men te, pos sam ser pra ti -ca dos pelos mes mos sujei tos ati vos. as con du tas incri mi na das no caput do art. 17são tomar, rece ber e defe rir, enquan to no inci so i do pará gra fo único são con ce -der e rece ber e, no inci so ii do mesmo pará gra fo, são pro mo ver ou rece ber. dascon du tas con tem pla das no pará gra fo único, nos ocu pa re mos em tópi cos a parte.

‘tomar’ sig ni fi ca obter, con se guir ou con trair “emprés ti mo”, ou ‘ receber’,que sig ni fi ca acei tar, aco lher ou obter “adian ta men to”, por qual quer das pes soasmen cio na das no art. 25 da lei regen te. em outras pala vras, tomar emprés ti motem o sig ni fi ca do de con traí-lo e rece bê-lo efe ti va men te. tomá-lo indi re ta men -te quer dizer uti li zar-se de inter pos ta pes soa para figu rar na con di ção de mutuá -rio. deferi-los, por sua vez, cons tan te da segun da parte do caput, sig ni fi ca auto -ri zar, con ce der emprés ti mo ou adian ta men to a con tro la dor, admi nis tra dor,mem bro de con se lho esta tu tá rio (mem bro de con se lho não esta tu tá rio não éatin gi do por essa proi bi ção) ou aos res pec ti vos paren tes men cio na dos no textolegal, bem como à socie da de cujo con tro le seja “por ela” exer ci do. em outros ter -mos, sig ni fi ca que o toma dor ou rece be dor, que nas duas figu ras ante rio resencon tram-se no polo pas si vo do con tra to de emprés ti mo, fun cio nam na ter cei -ra figu ra, defe ri dor, no polo ativo, con ce den do emprés ti mo ou adian ta men to, ouseja, cri mi na li za-se tanto a ação de tomar ou rece ber emprés ti mo ou adian ta -men to, quan to de defe ri-los ou, o que dá no mesmo, con ce dê-los, como uma mãode duas vias, não haven do, por tan to, lacu na. Com efei to, pune-se o con tro la dore o admi nis tra dor tanto quan do tomam ou rece bem emprés ti mo ou adian ta men -to de sua pró pria ins ti tui ção finan cei ra, como tam bém quan do os defe rem nãoape nas a si mes mos, mas igual men te a mem bro de con se lho esta tu tá rio (não rela -cio na do no art. 25), e tam bém aos res pec ti vos côn ju ges, ascen den tes, des cen den -tes, a paren tes na linha cola te ral até o 2º grau ou à socie da de sua con tro la da.

na segun da parte do caput do art. 17, a con du ta con tem pla da de defe riremprés ti mo ou adian ta men to, veda dos, abran ge duas situa ções dis tin tas: a) acon tro la dor, admi nis tra dor, mem bro de con se lho esta tu tá rio, aos res pec ti voscôn ju ges, ascen den tes, des cen den tes, paren tes em linha cola te ral, con san guí neosou afins; b) ou à socie da de cujo con tro le seja por ela exer ci do, dire ta ou indi re -ta men te, ou por qual quer des sas pes soas. trataremos da segun da hipó te se emtópi co sepa ra do, ante sua com ple xa e incom preen sí vel reda ção.

referindo-se à pri mei ra hipó te se da con du ta defe rir, des ta ca nilo Batista:“na segun da alter na ti va (daque la dis jun ti va ‘ou’ ao fim) con tem pla-se a con du tados admi nis tra do res que defe rem emprés ti mo ao con tro la dor, a outro admi nis -tra dor, a mem bro de con se lho esta tu tá rio, a cer tos paren tes de qual quer des sas

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pes soas dis cri mi na das no tipo.”4 empréstimo, com o sig ni fi ca do que é uti li za doneste arti go 17, é con tra to pelo qual uma coisa, bem ou valor é entre gue a alguémcom a obri ga ção de ser res ti tuí do em espé cie, que pode ser tanto one ro so(mútuo), como gra tui to (como da to). adiantamento, por sua vez, é a ante ci pa çãodo paga men to de parte do finan cia men to, na hipó te se pre vis ta no caput do art.17. não é, cer ta men te, adian ta men to ou ante ci pa ção de paga men to de hono rá -rios, salá rios, remu ne ra ção ou qual quer outro paga men to, por que essa moda li da -de de con du ta está pre vis ta no inci so i do pará gra fo único e não have ria razãopara repe ti-la. equivoca-se, venia con ces sa, tórtima ao afir mar que “por adian -ta men to deve-se enten der qual quer ante ci pa ção em dinhei ro refe ren te a hono -rá rios, salá rios ou outra remu ne ra ção even tual men te devi da”.5 tanto que, aocomen tar o dis pos to no inci so i do pará gra fo único, tórtima limi ta-se a regis trarque se trata de uma repe ti ção des ne ces sá ria a proi bi ção de adian ta men to que jáesta ria pre vis ta no caput. na rea li da de, enfa ti zan do, não se trata de repe ti ção,mas de moda li da de diver sa de adian ta men to, não con ti da no caput.

a cri mi na li za ção da con ces são ou do defe ri men to de emprés ti mo ou ante -ci pa ção a paren tes de con tro la dor ou admi nis tra dor visa com ba ter, dire ta e indi -re ta men te, uma espé cie de “nepo tis mo” pri va do. nesse sen ti do, des ta ca tórtima:“[...] veri fi ca-se, sem maior con tro vér sia, que a mens legis está orien ta da no sen -ti do de coi bir deter mi na das prá ti cas nepo tis tas em detri men to do equi lí briofinan cei ro ou do patri mô nio da ins ti tui ção. assim, v. g., os emprés ti mos con ce -di dos aos dire to res da ins ti tui ção e a seus paren tes ou a empre sas por eles con -tro la das, quase sem pre em con di ções alta men te favo re ci das, ape sar de não figu -rar esta cir cuns tân cia como ele men tar do tipo.”6

4.1. a socie da de cujo con tro le seja por “ela” exer ci do

a dou tri na espe cia li za da, em geral, cen tra sua crí ti ca ao equi vo co ver na cu -lar desta últi ma parte (3ª) do caput do art. 17 ao incluir o pro no me pes soal docaso reto ‘ela’, que não encon tra cor res pon den te subs tan ti vo no texto, tor nan doincom preen sí vel sua reda ção, in ver bis: “ou defe ri-lo [...], ou a socie da de cujocon tro le seja por ela exer ci do, dire ta ou indi re ta men te, ou por qual quer des saspes soas.” vejamos, a seguir, as con tun den tes e pro ce den tes crí ti cas rela ti vas aesse tema de alguns dos mais expres si vos espe cia lis tas dessa temá ti ca. FernandoFragoso, com a pers pi cá cia de sem pre, vati ci na: “a reda ção com pli ca da do tipofaz con cluir que o pri mei ro deli to a veri fi car é come ti do con tra o ver ná cu lo. opro no me ‘ela’ inse ri do na frase ‘ou a socie da de cujo con tro le seja por ela

4 nilo Batista. empréstimos ilí ci tos... p. 331.5 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 111.6 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 109.

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exercido’ pre ten de sig ni fi car ‘a ins ti tui ção financeira’ que não é refe ri da emnenhu ma pas sa gem do arti go. deduz-se tam bém que o emprés ti mo é rea li za docom uti li za ção de dis po ni bi li da de da ins ti tui ção finan cei ra, por que não há qual -quer refe rên cia a quem seja o mutuan te.”7 no mesmo sen ti do, tórtima sin te ti za:“na ver da de, a expres são ins ti tui ção finan cei ra não figu ra na reda ção do caputdo art. 17 em exame; logo, o pro no me ‘ela’ (no con tex to socie da de cujo con tro -le seja por ela exer ci do) não pode refe rir-se àque la (ins ti tui ção finan cei ra). ora,seria então o caso de, dian te da obs cu ri da de do texto, ampliar-se arbi tra ria men -te o alcan ce da norma incri mi na do ra? não nos pare ce razoá vel seme lhan te solu -ção.”8 Fazendo coro com essa orien ta ção, antonio Carlos rodrigues da silvades ta ca: “tal infe rên cia – não se encon trar veda do emprés ti mo da ins ti tui çãofinan cei ra para sua con tro la da – se extrai da difi cul da de de se encon trar o realsen ti do do pro no me ‘ela’ na expres são: ‘cujo con tro le seja por ela exercido’, pornão haver no pre cei to em ques tão, refe rên cia expres sa a ‘ins ti tui ção financeira’.”9 na sua conhe ci da e admi rá vel elo quên cia, nilo Batista, por suavez, con clui: “ela, quem? Já que cer ta men te não se trata da pró pria socie da de àqual é defe ri do o emprés ti mo veda do, e muito menos se trata da lei, que nãoexer ce o con tro le de nenhu ma socie da de, qual o sujei to repre sen ta do por essepro no me? É razoá vel supor que o legis la dor tenha pen sa do na ins ti tui ção finan -cei ra con tro la da ou admi nis tra da por quem defe riu o emprés ti mo, mas esta cri -mi na li za ção por pen sa men to, este tipo penal de gave ta não pode ter qual querefi cá cia peran te o prin cí pio da reser va legal, espe cial men te do ângu lo de suahis tó ri ca fun ção de taxa ti vi da de.”10

Com efei to, é razoá vel pre su mir-se que o legis la dor tenha pre ten di do coi biro emprés ti mo de ins ti tui ção finan cei ra à socie da de por ela con tro la da. no entan -to, o vocá bu lo ins ti tui ção finan cei ra não cons ta do texto do caput do art. 17 subexa men; con se quen te men te, o pro no me ‘ela’ não pode refe rir-se a subs tan ti vo(ins ti tui ção finan cei ra) que do texto não cons ta.11 não se cri mi na li za con du tas“por obra do espírito santo”, por pen sa men to, por inten ção não escri ta, ou, nafeliz expres são de nilo Batista, pelo “méto do de lei men tal”,12 ante a afron taexplí ci ta ao prin cí pio da reser va legal. em outros ter mos, por todas as razõesexpos tas, o defe ri men to ou a con ces são de emprés ti mo ou o adian ta men to porins ti tui ção finan cei ra à socie da de por ela con tro la da cons ti tui com por ta men toatí pi co, não sendo alcan ça do pelas proi bi ções cons tan tes do pre cei to pri má rio

7 Fernando Fragoso. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 715.8 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 108-9.9 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 128.10 nilo Batista. empréstimos ilí ci tos na lei 7.492/86, in: roberto podval (org.) temas de direito penal

econômico, são paulo, revista dos tribunais, 2001, p. 332.11 por todos, nilo Batista. empréstimos ilí ci tos... p. 330-3.12 nilo Batista. empréstimos ilí ci tos... p. 333.

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con ti do no caput do art. 17 sub exa men. interpretar-se em sen ti do con trá rioimpli ca em erro nia gros sei ra, que viola a taxa ti vi da de do prin cí pio da reser valegal de forma into le rá vel em um estado democrático de direito, con si de ran do-se que a mente do legis la dor não pode subs ti tuir o texto legal. e, fazen do corocom a súpli ca de nilo Batista, fica mos a espe ra de que “o rele vo cons ti tu cio nal damaté ria há de mere cer, em algum momen to, um posi cio na men to defi ni ti vo daCorte suprema. extrair-se do arti go 17 da lei 7.492/86 a con clu são de estar cri -mi na li za da a con du ta dos admi nis tra do res de uma ins ti tui ção finan cei ra quedefe rem emprés ti mo a uma socie da de por ela con tro la da é pro ce di men to queviola aber ta men te a fun ção da taxa ti vi da de do prin cí pio da lega li da de [...]”.

Finalmente, o art. 17, in fine, cri mi na li za a con ces são de emprés ti mo ouadian ta men to à socie da de con tro la da pelo con tro la dor ou admi nis tra dor, en -quan to pes soas físi cas, abran gi do na locu ção “ou por qual quer des sas pes soas”.não há, por outro lado, por falta de pre vi são legal, a proi bi ção penal de que ins -ti tui ção finan cei ra possa tomar emprés ti mo ou rece ber adian ta men to da pes soafísi ca de seu con tro la dor ou de seu admi nis tra dor.

4.2. atipicidade do uso de bens ou coi sas de ins ti tui ção finan cei ra

Convém des ta car, no entan to, para evi tar inter pre ta ção equi vo ca da, queeste dis po si ti vo legal (art. 17) não cri mi na li za o uso de bens ( móveis ou imó -veis) ou have res sociais (have res em geral, como títu los, dinhei ro etc.), aocon trá rio do que faz o Código penal rela ti va men te às socie da des por ações(art. 177, § 1º, iii), e, ainda assim, somen te se não hou ver a “pré via auto ri za -ção da assembleia Ge ral”. em outros ter mos, é inad mis sí vel que se inter pre teo even tual uso, por exem plo, de imó veis ou veí cu los como adian ta men to ouante ci pa ção de hono rá rios, salá rios, remu ne ra ção, ante ci pa ção dis far ça da de lucros, espe cial men te quan do se encon tra pre vis to em con tra to de tra ba lho efor admi ti do pelo estatuto social. nesse sen ti do, a lúci da mani fes ta ção detórtima: “todavia, não se con fun de essa últi ma hipó te se com a uti li za ção,pelas pes soas acima refe ri das, de imó veis ou veí cu los da empre sa, à guisa deremu ne ra ção indi re ta, nor mal men te pre vis ta no pró prio con tra to de tra ba lhoe admi ti da no estatuto social.”13

examinando dis po si ti vo do Código penal (art. 177, § 1º, inci so iii),14 quenão se apli ca a cri mes de ins ti tui ção finan cei ra, tive mos opor tu ni da de de afir marem nosso tratado de direito penal:

13 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 111.14 “art. 177, § 3º, iii – o dire tor ou o geren te que toma emprés ti mo à socie da de ou usa, em pro vei to pró prio

ou de ter cei ro, dos bens ou have res sociais, sem pré via auto ri za ção da assem bléia geral”.

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“o inci so iii tipi fi ca o abuso de dire tor ou geren te que toma emprés ti -mo à socie da de ou usa, em pro vei to pró prio ou de ter cei ro, os bens ou have -res sociais sem pré via auto ri za ção da assem bléia geral. [...]

“as con du tas tipi fi ca das são tomar por emprés ti mo ou usar dos bens ouhave res sociais. empréstimo é con tra to pelo qual uma coisa é entre gue coma obri ga ção de ser res ti tuí da em espé cie e gêne ro (como da to e mútuo). usardos bens ( móveis ou imó veis) ou have res sociais (have res em geral, comotítu los, dinhei ro etc.), desde que o faça arbi tra ria men te, isto é, sem auto ri -za ção da assem bléia geral. [...].

“o legis la dor pre ten deu pro te ger a socie da de con tra os maus admi nis -tra do res, que usam seus car gos para obter van ta gem inde vi da. nesse sen ti -do, o art. 154, § 2º, da lei nº 6.404/76 proí be que o admi nis tra dor se apro -vei te das faci li da des de suas fun ções, em pre juí zo da com pa nhia.”15

no entan to, essa dis po si ção con ti da no Código penal e tam pou co aque lapre vis ta na lei nº 6.404/76 não se apli cam às ins ti tui ções finan cei ras, mesmoàque las que são socie da des por ações (nem todas o são). o prin cí pio da espe cia -li da de afas ta esses dois diplo mas legais, sendo os cri mes pra ti ca dos no âmbi tofinan cei ro dis ci pli na dos exclu si va men te pela lei nº 7.492/86, como pon ti fi ca vapimentel: “em se tra tan do de ins ti tui ção finan cei ra, a res pon sa bi li da de penalesta rá sem pre liga da aos agen tes, inde pen den te men te da forma de cons ti tui çãoda socie da de. e, mais, pelo prin cí pio da espe cia li da de, no caso de con cur so apa -ren te de nor mas, as socie da des anô ni mas terão o tra ta men to dis ci pli na do pela leiespe cial que esta mos exa mi nan do e não pelo Código penal, que é lei geral, e tam -bém não mais pela lei 4.595/64 que, sob esse aspec to, ficou revo ga da.”16

4.3. a inter pre ta ção ade qua da do exces si vo uso de ele men tos nor ma ti vos

não é nova a preo cu pa ção com o uso exa ge ra do de ele men tos nor ma ti vosna des cri ção de com por ta men tos proi bi dos, mor men te quan do impli cam con cei -tos alheios ao direi to, a des pei to de reco nhe cer-se a ine vi ta bi li da de desse recur -so, prin ci pal men te no campo dos cri mes finan cei ros. essa neces si da de não afas -ta, con tu do, a preo cu pa ção com os gra ves ris cos que o uso abu si vo dessa téc ni catraz para a segu ran ça jurí di ca, na medi da em que per mi te ao apli ca dor da lei ampliar o alcan ce de uma norma proi bi ti va, afron tan do o prin cí pio da reser valegal. na rea li da de, a intro du ção exces si va de ele men tos nor ma ti vos no sis te majurí di co-penal cria inde se já vel inde ter mi na ção no tipo, enfra que cen do sobre mo -

15 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte especial, 5. ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 3,p. 287.

16 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 131.

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do sua fun ção de garan tia, con si de ran do que, para sua com preen são, é insu fi cien -te desen vol ver uma ati vi da de mera men te cog ni ti va, deven do-se rea li zar uma ati -vi da de valo ra ti va. são cir cuns tân cias que não se limi tam a des cre ver o natu ral,mas impli cam um juízo de valor (v. b., alheia, docu men to, ins ti tui ção, côn ju ge,lucro etc.).17

a dou tri na espe cia li za da, embo ra não igno re a neces si da de e a impor tân ciada inclu são de ele men tos nor ma ti vos no tipo, desde o famo so tratado mayer(1915),18 preo cu pa-se com o aumen to exces si vo de tais ele men tos que, ine ga vel -men te, dimi nuem a pre ci são e a segu ran ça da des cri ção típi ca, amplian do, ina de -qua da men te, a fun ção do jul ga dor na apre cia ção da ade qua ção típi ca do fato con -cre to, crian do sérios pre juí zos à segu ran ça que o prin cí pio da tipi ci da de obje ti vagaran tir. heleno Fragoso, que sem pre admi tiu a impor tân cia meto do ló gi ca dosele men tos nor ma ti vos, reco nhe cia que tais ele men tos “intro du zem certa inde -ter mi na ção no con teú do do tipo, embo ra a valo ra ção, em qual quer caso, deva serobje ti va, isto é, rea li za da segun do os padrões vigen tes e não con for me o enten -di men to sub je ti vo do jul ga dor”.19

os estados democráticos de direito não podem con vi ver com diplo mas legais que, de algu ma forma, vio lem o prin cí pio da reser va legal. assim, é inad -mis sí vel que da inter pre ta ção resul te a defi ni ção de novos cri mes ou de novaspenas ou, de qual quer modo, se agra ve a situa ção do indi ví duo. dessa forma, asnor mas penais não incri mi na do ras, que não são alcan ça das pelo prin cí pio nul lumcri men nulla poena sine lege, podem, inclu si ve, ter suas lacu nas com ple men ta -das por inter pre ta ção exten si va e ana ló gi ca, desde que, em hipó te se algu ma,agra vem a situa ção do infra tor.20 essa orien ta ção polí ti co-cri mi nal não se fun da -men ta em razões sen ti men tais ou pura men te huma ni tá rias, mas, como des ta ca -va aníbal Bruno, “em prin cí pios jurí di cos, que não podem ser excluí dos dodireito penal, e median te os quais situa ções anô ma las podem esca par a umexces si vo e injus to rigor”.21 enfim, em nome do direito penal da cul pa bi li da de ede um estado democrático de direito, jamais se deve admi tir qual quer vio la çãoao pri ma do do prin cí pio da reser va legal. por isso, o apli ca dor da lei, o magis tra -do, deve bus car o melhor sen ti do da lei, sem criá-la, sendo-lhe facul ta da, inclu si -ve, em deter mi na das cir cuns tân cias a inter pre ta ção exten si va da lei penal, desdeque não se trate de norma penal incri mi na do ra. a inter pre ta ção ana ló gi ca, por suavez, é per fei ta men te admis sí vel pelo pró prio orde na men to jurí di co nacio nal.

17 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte Geral, 14. ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 1, p. 278.18 luís Jiménez de asúa. principios de dere cho penal – la ley y el deli to, Buenos aires, abeledo-perrot,

1990, p. 237-8.19 heleno Cláudio Fragoso. Conduta punível, são paulo, editora Bushatsky, 1961, p. 209.20 Giorgio murinucci & emilio dolcini. Corso di dirit to penale, 3. ed., milano, ed. Giuffré, 2001, p. 187

usque 207.21 aníbal Bruno. direito penal, parte Geral, rio de Janeiro, Forense, 1967, t. 1, p. 211.

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permanece, con tu do, a veda ção abso lu ta do empre go da ana lo gia, em razão domesmo prin cí pio da lega li da de, salvo quan do for para bene fi ciar a defe sa.

a des cri ção típi ca das con du tas con ti das no arti go sub exa men é acom pa -nha da de inú me ros ele men tos nor ma ti vos, de natu re za jurí di ca e extra ju rí di ca,sendo que os pri mei ros ainda podem ser penais e extra pe nais. Com efei to, obser -vem-se os seguin tes ele men tos: “emprés ti mo ou adian ta men to, con tro la dor,admi nis tra dor, mem bro de con se lho esta tu tá rio, côn ju ges, ascen den tes, des cen -den tes, paren tes, con san güí neos ou afins, socie da de, dire ta ou indi re ta men te,qual quer des sas pes soas (caput); hono rá rios, remu ne ra ção, salá rio, qual queroutro paga men to, nas con di ções refe ri das, de forma dis far ça da, dis tri bui ção, lucros de ins ti tui ção” (pará gra fo único). Como inter pre tá-los, senão seguin do areco men da ção de heleno Fragoso, qual seja, de não se admi tir o enten di men toou a inter pre ta ção sub je ti va do jul ga dor, mas prio ri zan do-se a valo ra ção obje ti -va, isto é, rea li za da segun do os padrões vigen tes, obje ti vos, por tan to.

assim, nesse labor inter pre ta ti vo, deve-se ado tar não ape nas as cons tru çõescon sa gra das, como tam bém as mais res tri ti vas dos ele men tos inte gra do res danorma incri mi na do ra, para, enfim, encon trar-se a sua real dimen são e abran gên -cia. em outros ter mos, deve-se pro cu rar con ci liar, pre ser van do-se a segu ran çajurí di ca, a fun ção judi cial de inter pre tar a norma penal, com a tipi ci da de estri ta,que outra coisa não é senão res pei tar o prin cí pio da reser va legal.

ademais, somen te para con cluir este tópi co, não se pode igno rar que algunsdes ses ele men tos nor ma ti vos, por exem plo – nas con di ções refe ri das, de formadis far ça da – con ti dos no dis po si ti vo que ora exa mi na mos, têm outra fun ção dog -má ti ca, qual seja, a de refe rir-se à pró pria anti ju ri di ci da de, e não somen te à tipi -ci da de, amplian do ainda mais a sua com ple xi da de tipo ló gi ca. Cumpre des ta car,desde logo, que os ele men tos nor ma ti vos do tipo não se con fun dem com os ele -men tos jurí di cos nor ma ti vos da ili ci tu de. enquanto aque les são ele men tos cons -ti tu ti vos do tipo penal, estes, embo ra inte grem a des cri ção do crime, refe rem-seà ili ci tu de e, assim sendo, cons ti tuem ele men tos sui gene ris do fato típi co, namedi da em que são, ao mesmo tempo, carac te ri za do res da ili ci tu de. esses ‘ele -men tos nor ma ti vos espe ciais da ilicitude’, nor mal men te, são repre sen ta dos porexpres sões como ‘ indevidamente’, ‘ injustamente’, ‘sem justa causa’, ‘sem licen -ça da autoridade’, entre outros, geran do, inclu si ve, gran de polê mi ca em rela çãoao erro que inci de sobre esses ele men tos: para alguns, cons ti tui erro de tipo,por que nele se loca li za, deven do ser abran gi do pelo dolo; para outros, cons ti tuierro de proi bi ção, por que, afi nal, aque les ele men tos tra tam exa ta men te é daanti ju ri di ci da de da con du ta.22 no entan to, não ana li sa re mos, neste momen to,esses aspec tos.

22 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte Geral... p. 414.

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5. Conceder ou rece ber adian ta men to de remu ne ra ção ou qual queroutro paga men to (pará gra fo único, inc. i)

Já demons tra mos no item ante rior que o adian ta men to cons tan te do caputrefe re-se à ante ci pa ção de emprés ti mo, que é um dos obje tos das ações ali tipi fi -ca das. no entan to, o adian ta men to, obje to deste inci so i do pará gra fo único, refe -re-se, expres sa men te, a ante ci pa ção de “hono rá rios, remu ne ra ção, salá rio, ouqual quer outro paga men to, nas con di ções refe ri das neste arti go”. nesse par ti cu -lar, a exem plo do que já afir ma mos em rela ção a tórtima, tigre maia está abso -lu ta men te equi vo ca do quan do, se refe rin do ao caput, afir ma: “a segun da ação,rece ber, inter li ga-se a adian ta men to, e deve ser com preen di da como a per cep çãoante ci pa da de valo res per ti nen tes a hono rá rios, comis sões, salá rios, pro labo re,pro du ti vi da de, par ti ci pa ção nos lucros ou qual quer outra forma de remu ne ra çãopor rea li za ção de ser vi ços. atente-se que esta varian te super põe-se à do inci so ido pará gra fo único deste arti go.”23

sistematicamente, seria razoá vel acre di tar nessa super po si ção, aven ta da portigre maia, qual seja da repe ti ção da mesma ação tendo como com ple men to osmes mos obje tos mate riais? por que razão o legis la dor repe ti ria, no pará gra foúnico, dis cri mi na da men te, o que esti pu lou no caput do arti go? Certamente, nãoseria razoá vel que deter mi na do texto legal, que nas ceu como ante pro je to, tenhavira do pro je to, tra mi ta do pelas duas casas legis la ti vas, com asses so rias espe cia li -za das, e nin guém tenha per ce bi do essa super po si ção. mas o mais impor tan te edefi ni ti vo é a velha regra segun do a qual a lei não con tém pala vras inú teis oudes ne ces sá rias. Com efei to, como já afir ma mos ante rior men te (item nº 4), o“adian ta men to” cons tan te do caput refe re-se somen te à ante ci pa ção do paga -men to de par ce la do emprés ti mo. Claramente não cons ta nenhu ma refe rên cia ahono rá rios, salá rios, remu ne ra ção ou qual quer outro paga men to. Consequente -mente, o único obje to mate rial que pode ser ante ci pa do é o emprés ti mo, total oupar cial men te, pois os demais vocá bu los apa re cem somen te no pará gra fo único.logo, é abso lu ta men te impos sí vel con ju gar-se os obje tos cons tan tes do pará gra -fo único com os ver bos nuclea res con ti dos no caput do arti go, sob pena de estar -mos crian do uma nova figu ra penal.

enfim, na hipó te se do inci so i do pará gra fo único, as ações de con ce der ourece ber adian ta men to podem ser pra ti ca das “em nome pró prio”, isto é, indi vi -dual men te, por si mesmo, enquan to pes soa físi ca, ou “como con tro la dor ou nacon di ção de admi nis tra dor da socie da de”, ou seja, em nome da socie da de, querrepre sen tan do-a, quer admi nis tran do-a, mas sem pre em nome dela. assim, tanto

23 rodolfo tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 111.

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em nome pró prio, como em nome da socie da de, o con tro la dor ou admi nis tra dorpode pra ti car qual quer das duas con du tas incri mi na das neste inci so i.

Como obje to mate rial das ações de con ce der e rece ber adian ta men to, cons -tam os ele men tos nor ma ti vos “hono rá rios, remu ne ra ção, salá rio, ou qual queroutro paga men to”. régis prado sin te ti za a inter pre ta ção des sas ele men ta res nosseguin tes ter mos: “em segui da, tem-se os ele men tos nor ma ti vos do tipo cons tan -tes do termo hono rá rios, que ‘é tam bém apli ca do, em acep ção eco nô mi ca, paradesig nar o prê mio ou esti pên dio dado ou pago em retri bui ção a cer tos serviços’, esalá rio, é ‘o con jun to de per cep ções eco nô mi cas devi das pelo empre ga dor aoempre ga do não só como con tra pres ta ção do tra ba lho, mas, tam bém, pelos perío dosem que esti ver à dis po si ção daque le aguar dan do ordens, pelos des can sos remu ne -ra dos, pelas inter rup ções do con tra to de tra ba lho ou por força de lei.”24 ‘remu -neração’, por sua vez, tem um sig ni fi ca do mais abran gen te, a des pei to de, não raro,ser empre ga da como sim ples sinô ni mo de salá rio. remuneração, com efei to, sig ni -fi ca a tota li da de dos ganhos ou paga men tos a que faz jus o empre ga do, incluin do-se prê mios, gra ti fi ca ções, comis sões e, inclu si ve, encar gos pre vi den ciá rio-fis cais.não vemos neces si da de de apro fun dar a aná li se des sas ele men ta res por pos suí remsig ni fi ca dos espe cí fi cos e conhe ci dos. Contudo, deve-se des ta car que este dis po si -ti vo prevê, no par ti cu lar, hipó te se de inter pre ta ção ana ló gi ca, com o vocá bu lo “ouqual quer outro paga men to”. no entan to, é indis pen sá vel que seja obser va da anatu re za dos paga men tos elen ca dos exem pli fi ca ti va men te, quais sejam, hono rá -rios, salá rios e remu ne ra ção, limi ta do res da inter pre ta ção ana ló gi ca.

6. de forma dis far ça da, pro mo ver a dis tri bui ção ou rece ber lucros(pará gra fo único, inc. ii)

o inci so ii do parágrafo único cri mi na li za a dis tri bui ção ou o rece bi men to,de forma dis far ça da, de lucros de ins ti tui ção finan cei ra. Criticamente, parte dadou tri na espe cia li za da, de um modo geral, não poupa mais uma impro prie da decome ti da no mesmo dis po si ti vo legal.

Com efei to, faz-se neces sá rio a rea li za ção de sofis ti ca da elu cu bra ção para secon se guir, em puro exer cí cio her me nêu ti co, encon trar o ver da dei ro sig ni fi ca do dapre vi são legal: dis tri bui ção dis far ça da de lucro. a pri mei ra con clu são a que se deveche gar, como pres su pos to, é que o dis far ce resi de somen te na ação de dis tri buir ourece ber, e não no obje to (lucro), que é ver da dei ro. em outros ter mos, somen te sepode dis tri buir ou rece ber, simu la da, dis far ça da ou ver da dei ra men te, lucro exis -ten te, ver da dei ro, real, e jamais lucro ine xis ten te. Caso con trá rio, o texto legal teria

24 luiz regis prado. direto penal econômico, são paulo, revista dos tribunais, 2004, p. 302.

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dito “dis tri buir ou rece ber lucro simu la do ou dis far ça do”, mas não o fez, nãocaben do, por tan to, ao intér pre te fazê-lo, sob pena legis lar ile gi ti ma men te. em sen -ti do seme lhan te, incon for ma do com essa impro prie da de legis la ti va, tórtima sen -ten cia: “a rigor, pro mo ver a dis tri bui ção dis far ça da de lucros (divi den dos) é umaimpos si bi li da de lógi ca e, assim, irrea li zá vel pela expe riên cia” – e mais adian te,acres cen ta tórtima: “daí resul ta ser o ques tio na do dis po si ti vo rigo ro sa men te ina -pli cá vel, pois a proi bi ção nele con ti da versa, como já demons tra do, sobre ati vi da -de huma na inca paz, na ver da de, de ocor rer na vida em socie da de.”25

em segui da, deve-se pro ce der uma cons ta ta ção: o resul ta do final do exer cí -cio finan cei ro de uma ins ti tui ção pode apre sen tar duas alter na ti vas: a) a ins ti tui -ção obtém lucro; b) a ins ti tui ção apre sen ta pre juí zo. na pri mei ra hipó te se, dis tri -bui-se, pro por cio nal men te, o lucro (divi den do, na hipó te se de socie da de porações), na forma da lei, não haven do por que os dis tri buir dis far ça da men te. nasegun da hipó te se, não há o que dis tri buir, pois lucro não houve. não há, pois,razão algu ma para dis far çar a dis tri bui ção do que não exis te.26

aliás, hou ves se efe ti va men te pre ten di do o legis la dor da lei regen te tipi fi cara con du ta de dis tri buir ou rece ber “ lucros dis far ça dos” ou “fic tí cios”, teria uti li -za do reda ção seme lhan te àque la do Código penal (art. 177, § 1º, inci so vi): “odire tor ou o geren te que, na falta de balan ço, em desa cor do com este, ou median -te balan ço falso, dis tri bui lucros ou divi den do fic tí cios.”

a ação incri mi na da – nesse dis po si ti vo do Código penal – con sis te em, deforma dis far ça da, dis tri buir ou rece ber lucros, isto é, lucros ou divi den dos fal sos,fic tí cios, que não cor res pon dem a lucros ou divi den dos efe ti vos, ver da dei ros.27 alei das sociedades por ações esta be le ce que a com pa nhia somen te pode pagardivi den dos à conta de lucro líqui do no exer cí cio, de lucros acu mu la dos e dereser va de lucros (art. 201 da lei nº 6.404/76). Constata-se que é uma reda çãoabso lu ta men te dis tin ta daque la do art. 17 que ora comen ta mos. na pre vi são doCódigo, a proi bi ção do tipo é dis tri buir “ lucros ou divi den do fic tí cios”; na do art.17 da lei espe cial, no entan to, a proi bi ção é de dis tri buir ou rece ber, “de formadis far ça da”, lucro. em outras pala vras, na lei espe cial, a forma de dis tri bui ção queé dis far ça da (os lucros são ver da dei ros); no Código penal, os lucros é que são fic -tí cios, isto é, não ver da dei ros.

em qual quer socie da de comer cial, e não ape nas nas socie da des por ações, olucro é apu ra do median te balan ço, apa re cen do, por tan to, a par tir daí. distribuirdivi den dos – que é a forma de dis tri buir lucro nas socie da des por ações – sig ni -fi ca pagá-los ou cre di tá-los aos acio nis tas. a dis tri bui ção dos divi den dos e dos

25 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 113 e 115, res pec ti va men te.26 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 114.27 deixamos de ques tio nar o equí vo co sobre a uti li za ção inde vi da de lucro por divi den do, em razão dos

exces sos de gran des equí vo cos de todo o diplo ma legal. este, con tu do, pode-se inter pre tá-lo sem maio respre juí zos dog má ti cos.

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lucros, à evi dên cia, somen te pode ser feita de acor do com o balan ço, após a suapubli ca ção. a dis tri bui ção de divi den dos sem a exis tên cia de lucro cor res pon -den te, além de pri vi le giar os pou cos agra cia dos com essa prá ti ca ardi lo sa, pro cu -ra dar apa rên cia de pros pe ri da de, indu zin do em erro o comér cio em geral, o sis -te ma finan cei ro e o pró prio mer ca do mobi liá rio. essa frau de, além de pre ju di caro patri mô nio social, bene fi cia os pró prios dire to res e demais admi nis tra do res, aquem o esta tu to geral men te atri bui par ti ci pa ção nos lucros da com pa nhia.distribuição de lucro fic tí cio induz os inves ti do res a erro, fazen do-os supor aexis tên cia de uma situa ção finan cei ra e patri mo nial irreal da socie da de.

mas o que aca ba mos de comen tar no pará gra fo ante rior adé qua-se somen teao Código penal, que é ina pli cá vel nas ins ti tui ções finan cei ras, inde pen den te -men te da natu re za de sua cons ti tui ção socie tá ria (socie da de por ações ou porquo tas de res pon sa bi li da de limi ta da), por falta de pre vi são legal expres sa.

na rea li da de, o legis la dor pode ter pre ten di do cri mi na li zar, no inci so ii dopará gra fo único do art. 17, a dis tri bui ção ou o rece bi men to, de forma dis far ça -da, de quais quer van ta gens inde vi das no âmbi to de ins ti tui ção finan cei ra, que,no entan to, não se con fun dem com lucro. no entan to, como o legis la dor nãocon se guiu con cre ti zar no texto legal essa pre ten são, não pode rá o intér pre tefazê-lo, em subs ti tui ção ao legis la dor, por esbar rar no prin cí pio da reser valegal. nesse sen ti do, move-se a pro ce den te crí ti ca de tórtima: “e não tendoempre ga do em seu autên ti co sen ti do téc ni co, jurí di co ou eco nô mi co, res ta ria aalter na ti va de que o legis la dor tenha-se vali do da mal si na da expres são paraindi car qual quer van ta gem ile gí ti ma, rece bi da, atra vés de arti fí cios, pelosbene fi ciá rios, à mar gem dos divi den dos devi dos ou mesmo à mín gua des tes.”realmente, a sim ples von ta de do legis la dor não é sufi cien te para equi pa rar “ -lucros”, que tem sen ti do jurí di co e eco nô mi co pró prio, com “van ta gens inde -vi das” sem vio lar o prin cí pio da reser va legal, pois sem pre que o legis la dor aelas quer refe rir-se, o faz expres sa men te. ademais, o jul ga dor deve ater-se pre -ci sa e res tri ti va men te ao que dis põe o texto legal, não poden do que dar-se àmercê do que possa pre ten der suge rir a norma penal, sob pena de o juiz arvo -rar-se à con di ção de legis la dor ad hoc.

equivocam-se alguns dou tri na do res28 (e algu mas deci sões judi ciais) quan dointer pre tam deter mi na das ope ra ções, nor mal men te irre gu la res, como dis tri bui -ção dis far ça da de lucro, as quais, no entan to, embo ra cons ti tuam van ta gens inde -vi das, não se con fun dem com lucro, que somen te é apu ra do via balan ço. Comacer to, nes ses casos, sen ten cia tórtima: “vantagens outras, sub-rep ti cia men te

28 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 132-3; rodolfo tigre maia. dos cri -mes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 115-116.

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dis tri buí das, além do per mi ti do pela apu ra ção dos lucros, não são divi den dos (emuito menos lucros), não poden do assim ser deno mi na dos pela lei.”29

nessas con di ções, não cor res pon dem à des cri ção cons tan te do dis po si ti voem exame, os exem plos suge ri dos por tigre maia: “ao con trá rio do pre vis to nacita da norma do Cp, em que os lucros ou divi den dos devem ser ‘ fictícios’, qualseja ine xis ten tes, aqui trata-se, na rea li da de, de paga men to de lucros reais demodo dis far ça do, arti fi cio so, simu la do, atra vés e van ta gens indi re tas que se pro -por cio nam aos bene fi ciá rios (v. g., car ros ou imó veis adqui ri dos pela empre sa) oujus ti fi ca dos con ta bil men te atra vés de arti fí cios, como a simu la ção de con tra to depres ta ção de ser vi ço, inde ni za ções espon tâ neas etc.”30 realmente, pode tra tar-sede “van ta gens indi re tas”, como refe re tigre maia, mas van ta gens indi re tas, inde -vi das ou ile gí ti mas, não se con fun dem com lucros, e con si de rá-los, inter pre ta ti -va men te, como se os fos sem não nos auto ri za reco nhe cê-los, amplian do-se, arbi -tra ria men te, a abran gên cia do tipo penal.

no plano fis cal, o legis la dor, atra vés do art. 60 do decreto-lei nº 1.598/77,elen cou várias hipó te ses nas quais pre su me dis tri bui ção dis far ça da de lucro. noentan to, além de não pas sar de mera pre sun ção iuris tan tum, não foi repe ti da nodiplo ma penal, resul tan do inad mis sí vel sua apli ca ção para ampliar a abran gên ciada proi bi ção con ti da no caput do art. 17, ora em exame. igualmente equi vo ca doé o enten di men to de antonio Carlos rodrigues da silva quan do afir ma: “obvia -mente que as ope ra ções de ins ti tui ções finan cei ras [...] – cujo obje to sejam ati vi -da des que com preen dam ope ra ções de mútuo, adian ta men to ou con ces são decré di to, quan do não veda das no caput do arti go – carac te ri za rão dis tri bui ção dis -far ça da de lucros, quan do rea li za das em con di ções não pre va le cen tes no mer ca -do, ou em con di ções não con tra tá veis com ter cei ros.”31 Como demons tra mos aolongo deste tópi co, o obje to des sas ope ra ções não é lucro nem divi den do e, comotal, não pode ser dis far ça da men te dis tri buí do.

7. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien tede tomar ou rece ber, dire ta ou indi re ta men te, emprés ti mo ou adian ta men to,qual quer das pes soas rela cio na das no art. 25, ou defe ri-los a con tro la dor, admi -nis tra dor, mem bro de con se lho esta tu tá rio e res pec ti vos paren tes até 2º grau,con san guí neos ou afins.

na hipó te se do inci so i e ii, ambos do pará gra fo único, o ele men to sub je ti -vo é igual men te o dolo, cons ti tuí do pela von ta de livre e cons cien te de con ce der

29 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 114.30 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 116.31 antonio Carlos. Crimes do cola ri nho bran co... p. 133.

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ou rece ber adian ta men to das van ta gens pecu niá rias men cio na das no i inci so ou,na hipó te se do inci so ii, dis tri buir ou rece ber, de forma dis far ça da, lucros de ins -ti tui ção finan cei ra.

o dolo deve abran ger todos os ele men tos con fi gu ra do res da des cri ção típi -ca, sejam eles fáti cos, jurí di cos ou cul tu rais. o autor somen te pode rá ser puni dopela prá ti ca de um fato dolo so quan do conhe cer as cir cuns tân cias fáti cas que ocons ti tuem. eventual des co nhe ci men to de um ou outro ele men to cons ti tu ti vodo tipo, obje ti vo, nor ma ti vo ou sub je ti vo, pode cons ti tuir erro de tipo, exclu den -te do dolo.

a dou tri na, majo ri ta ria men te, não admi te a neces si da de de ele men to sub je -ti vo espe cial do tipo em nenhu ma das con du tas tipi fi ca das, tanto do caput, quan -to do pará gra fo único. no entan to, embo ra essa asser ti va seja indis cu tí vel emrela ção ao caput, não nos pare ce cor re ta rela ti va men te ao pará gra fo único.sustentando a exis tên cia do ele men to sub je ti vo espe cial, Áureo natal de paulades ta ca: “não se con ce be a exis tên cia de con ces são ou rece bi men to de hono rá -rios, remu ne ra ção, salá rio ou qual quer paga men to sem que sejam des ti na dos a alguém, seja para o pró prio agen te, seja para um ter cei ro. estes, no caso, são aspes soas espe ci fi ca das no tipo.”32 subscrevemos essa afir ma ção de paula, des ta -can do, con tu do, que a norma exige uma fina li da de que não pre ci sa con cre ti zar-se, sendo sufi cien te que orien te a con du ta do agen te.

8. Consumação e ten ta ti va

nas duas pri mei ras moda li da des cons tan tes do caput, o crime con su ma-sequan do o agen te, efe ti va men te, toma o emprés ti mo ou rece be o adian ta men to,isto é, quan do real men te passa a ter dis po ni bi li da de dos valo res cor res pon den tesàs refe ri das ope ra ções.33 na hipó te se, con tu do, de defe rir, o crime con su ma-secom a sim ples prá ti ca da ação, inde pen den te men te de qual quer resul ta do, portra tar-se do típi co crime, na lin gua gem de pimentel, de mera con du ta. nestecaso, sus ten ta, acer ta da men te, pimentel: “É des pi cien do o fato de ter sido ou nãosoli ci ta do o emprés ti mo ou o adian ta men to. mesmo na ausên cia de soli ci ta ção, asim ples con ces são per faz o ele men to obje ti vo do crime.”34

as duas figu ras con ti das no inci so i do pará gra fo único – con ce der erece ber – têm for mas de con su ma ção dis tin tas entre si, mas iguais a duasfigu ras do caput. na ação de rece ber, igual men te, o crime con su ma-se quan -do o agen te efe ti va men te rece be adian ta men to de hono rá rios, remu ne ra çãoou salá rio ou qual quer outro paga men to. na ação de con ce der, como crime

32 Áureo natal de paula. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 350. 33 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 116.34 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 135.

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de mera con du ta, a exem plo de defe rir, con su ma-se com a sim ples ati vi da de,inde pen den te men te de qual quer resul ta do. em outros ter mos, nesta hipó te -se, é des ne ces sá rio que o bene fi ciá rio entre na dis po ni bi li da de dos valo resante ci pa dos pelo agen te.

por fim, nas duas figu ras cons tan tes do inci so ii do mesmo pará gra fo, a con -su ma ção é igual men te dis tin ta: na moda li da de de “pro mo ver a dis tri bui ção” de lucros de ins ti tui ção finan cei ra, como crime for mal, con su ma-se com a sim plesprá ti ca da ati vi da de, inde pen den te men te de resul ta rem dis po ní veis pelo bene fi -ciá rio. resultando dis po ní vel, se hou ver, repre sen ta rá somen te o exau ri men to docrime. na moda li da de de rece ber lucros, a exem plo do que ocor re no caput,somen te se con su ma com o efe ti vo rece bi men to de tais lucros, ou seja, gozan dode sua dis po ni bi li da de em sua conta ou em suas mãos.

Com exce ção das moda li da des de “defe rir” emprés ti mo ou adian ta men to e“pro mo ver dis tri bui ção” de lucros, que são cri mes de mera con du ta, todas as demais admi tem a figu ra do crime ten ta do. mesmo nas duas moda li da des – defe -rir e con ce der – sendo pos sí vel, fati ca men te, sua inter rup ção, poder-se-á puni-las como moda li da des ten ta das, embo ra sejam de difí cil con fi gu ra ção.

9. Classificação dou tri ná ria

trata-se de cri mes pró prios (somen te podem ser pra ti ca dos por agen te quereúna deter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial, na hipó te se, que seja con tro -la dor ou admi nis tra dor de ins ti tui ção finan cei ra, men cio na dos no art. 25); for -mais (não exi gem resul ta do natu ra lís ti co, repre sen ta do por efe ti vo pre juí zo à ins -ti tui ção finan cei ra, mer ca do finan cei ro ou a qual quer pes soa); de mera con du ta,nas moda li da des de defe rir e con ce der (que se con su mam com a sim ples ati vi da -de do agen te, são cri mes sem resul ta do); dolo sos (não há pre vi são legal para afigu ra cul po sa); de forma livre (o legis la dor não pre viu nenhu ma forma ou modopara exe cu ção des sas infra ções penais); comis si vos (os com por ta men tos des cri tosno tipo impli cam a rea li za ção de con du tas ati vas); ins tan tâ neos (a con su ma çãoocor re em momen to deter mi na do, não se alon gan do no tempo); unis sub je ti vos(podem ser pra ti ca dos por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, a par -ti ci pa ção em sen ti do estri to); unis sub sis ten tes, nas moda li da des de defe rir e con -ce der (são cri mes de ato único); unis sub sis ten tes ou plu ris sub sis ten tes (depen -den do da forma de exe cu ção esco lhi da pelos agen tes, ou seja, as con du tas des cri -tas podem ou não ser des do bra das em vários atos).

10. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são reclu são, de dois a seis anos, emulta. a ação penal é públi ca incon di cio na da, não depen den do da mani fes ta çãode quem quer que seja. a auto ri da de com pe ten te deve agir ex offi cio. manoel

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pedro pimentel já repu dia va a exces si va ele va ção desta san ção penal, des ta can -do: “mais uma vez depa ra mos com a des con cer tan te sara ban da de núme ros, mos -tran do o quan to é alea tó ria a comi na ção de penas em nosso direito positivo.”35

Com efei to, o Código penal prevê para infra ção seme lhan te à pena de um a qua -tro anos de reclu são e multa. igualmente, o Código penal de 1969, para infra çãoseme lhan te, comi na va a mesma pena pre vis ta pelo atual Código.

35 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 136.

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Capítulo Xviii

violação de sigilode operação Financeira

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 4.1. Que teve conhe ci men toem razão de ofí cio: rela ção de cau sa li da de. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. Con -sumação e ten ta ti va. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. pena e ação penal.

art. 18. violar sigi lo de ope ra ção ou de ser vi ço pres ta do por ins ti tui çãofinan cei ra ou inte gran te do sis te ma de dis tri bui ção de títu los mobi liá rios de quetenha conhe ci men to, em razão de ofí cio:

pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (qua tro) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

o Código Criminal do império punia quem reve las se algum segre do queconhe ces se em razão de ofí cio (art. 164). o Código penal de 1890, por sua vez,punia o des ti na tá rio de cor res pon dên cia que publi cas se seu con teú do sem con -sen ti men to do reme ten te e que lhe cau sas se dano (art. 191). em ter mos gené ri -cos, pode-se afir mar que os refe ri dos diplo mas legais somen te cri mi na li za vam areve la ção ou a divul ga ção arbi trá ria do con teú do de cor res pon dên cia alheia. oatual Código penal de 1940 foi que ampliou a tute la penal para abran ger a reve -la ção de docu men to par ti cu lar.

após tute lar a liber da de, sob o aspec to da invio la bi li da de da cor res pon dên -cia, o Código penal de 1940 con ti nua pro te gen do a liber da de, agora sob o aspec -to dos segre dos e das con fi dên cias. a pro te ção da liber da de não seria com ple ta senão fosse asse gu ra do ao indi ví duo o direi to de man ter em sigi lo deter mi na dosatos, fatos ou aspec tos de sua vida par ti cu lar e pro fis sio nal, cuja divul ga ção possapro du zir dano pes soal ou a ter cei ros. esse direi to inte gra o direi to de pri va ci da -de, a que nos refe ri mos ao abor dar o crime de vio la ção de cor res pon dên cia (art.151), isto é, o direi to de liber da de de todos, em sen ti do amplo.1

1 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte especial, 9. ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 2,p. 434 e ss.

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o Código penal, em seu art. 152, dis ci pli na somen te a vio la ção de segre dosque atin gem aspec tos da liber da de indi vi dual. protege, no entan to, a invio la bi li -da de de segre dos que impor tem ofen sa a outros inte res ses, quiçá mais rele van tesou mais dire ta men te atin gi dos, em outros dis po si ti vos, como nos arts. 325 (vio -la ção de sigi lo fun cio nal) e 326 (vio la ção do sigi lo de pro pos ta de con cor rên cia),além de outros diplo mas legais extra va gan tes, que tam bém tute lam segre dos,cujos inte res ses, no entan to, são diver sos, quer pela sua natu re za, quer pela pes -soa atin gi da.

manoel pedro pimentel des ta ca alguns pro je tos e ante pro je tos de refor maao Código penal que nunca evo luí ram, além de reve lar deta lhes da tra mi ta ção doprojeto que resul tou na lei nº 7.492/86.

2. Bem jurí di co tute la do

o bem jurí di co pro te gi do é a pre ser va ção do sigi lo de ope ra ção ou ser vi çopres ta do por ins ti tui ção finan cei ra,2 cuja divul ga ção pode cau sar dano à ins ti tui -ção ou aos inves ti do res e cor ren tis tas, dire ta men te, e indi re ta men te ao sis te mafinan cei ro nacio nal. Bem jurí di co tute la do é, igual men te, a fun cio na li da de, acre di bi li da de e a efi ciên cia do sis te ma finan cei ro, sua pro bi da de ins ti tu cio nal.protege-se, na ver da de, a pro bi da de do sis te ma finan cei ro, sua res pei ta bi li da de,bem como a inte gri da de das ins ti tui ções finan cei ras, mas par ti cu lar men te, nestedis po si ti vo legal, pro te ge-se a fide li da de dos ope ra do res do sis te ma, daque les quedesen vol vem seu mis ter pro fis sio nal impul sio nan do o sis te ma como um todo.protege-se, ainda, a pri va ci da de da ins ti tui ção e espe cial men te dos inves ti do res,que é um aspec to da liber da de indi vi dual asse gu ra do pela Carta magna. nessesen ti do, des ta ca, acer ta da men te, tigre maia, afir man do: “inte gra ine qui vo ca -men te a garan tia fun da men tal do direi to à reser va da inti mi da de da vida pri va -da do indi ví duo, que é cons ti tu cio nal men te asse gu ra do, inclu si ve, atra vés de outros dis po si ti vos cons ti tu cio nais inser tos den tre os direi tos indi vi duais”. namesma linha, somen te para ilus trar, jus ti fi ca-se a invo ca ção da exposição demotivos do Código penal italiano, que afir ma: “tem-se aqui tam bém uma vio la -ção da liber da de indi vi dual, um ata que ao inte res se de con ser var, na pró priaesfe ra de dis po ni bi li da de, ato ou docu men tos em que se trans pôs o pró prio pen -sa men to, que não se dese ja ver conhe ci do de outros, ou a outros reve la dos”,embo ra refe ri do Código não con te nha crime seme lhan te.

2 optamos por uti li zar, sim pli fi ca da men te, “ins ti tui ção finan cei ra”, por enten der mos que está abran gi do “inte -gran te do sis te ma de dis tri bui ção de títu los mobi liá rios”, segun do o dis pos to no art. 1º deste diplo ma legal.

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protege, ainda, o patri mô nio tanto da ins ti tui ção finan cei ra como dos inves -ti do res e cor ren tis tas que con fiam suas eco no mias à ins ti tui ção finan cei ra,poden do, com a vio la ção do sigi lo, sofrer gra ves pre juí zos.

sigiloso é algo que não deve ser reve la do, con fi den cial, limi ta do a conhe ci -men to res tri to, não poden do sair da esfe ra de pri va ci da de de quem o detém, nãose con fun din do com reser va do que, por sua vez, é dado ou infor ma ção que exigedis cri ção e reser va das pes soas que dele tomam conhe ci men to. É indis pen sá velque a ope ra ção ou o ser vi ço refi ra-se a con teú do cuja reve la ção tenha ido nei da -de para pro du zir dano ao sis te ma finan cei ro nacio nal, à ins ti tui ção finan cei ra ouaos inves ti do res e cor ren tis tas. logo, a sim ples chan ce la de “sigi lo so” de deter mi -na da ope ra ção ou ser vi ço é insu fi cien te se não se tra tar de algo efe ti va men terele van te com poten cia li da de lesi va aos inte res ses dos des ti na tá rios (ins ti tui ção,inves ti do res etc.). operação ou ser vi ço irre le van tes, inó cuos ou, por qual querrazão, inca pa zes de pro du zir dano aos des ti na tá rios refe ri dos não são obje to dapro te ção legal con ti da no art. 18.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo somen te pode ser quem tem ciên cia de ope ra ção ou ser vi çosigi lo so pres ta do por ins ti tui ção finan cei ra em razão de ofí cio. trata-se de umamoda li da de muito pecu liar de crime pró prio, uma vez que a con di ção espe cialnão se encon tra no sujei to ativo pro pria men te – ati vi da de, pro fis são ou ofí cio –,mas na natu re za da ati vi da de, ou melhor, ofí cio, em razão do qual tem conhe ci -men to do sigi lo finan cei ro, res sal va da, evi den te men te, a pos si bi li da de do con -cur so even tual de pes soas.

equivocava-se, no entan to, pimentel, quan do afir ma va que “este art. 18, orasob exame, impõe o dever de sigi lo às pes soas que tenham, em razão de ofí cio,aces so a essas infor ma ções sobre ope ra ção ou ser vi ço pres ta do por ins ti tui çãofinan cei ra [...]” na ver da de, o refe ri do dis po si ti vo legal não cria nem impõe o“dever de sigi lo” a nin guém, ape nas cri mi na li za a con du ta de quem, nas con di -ções que men cio na, viola o sigi lo exis ten te, isto é, impos to por outras nor mas.Contudo, qual quer pes soa que não satis fa ça os requi si tos esta be le ci dos no tiponão está obri ga da a abs ter-se da con du ta proi bi da.

sujeito pas si vo é, prio ri ta ria men te, a ins ti tui ção finan cei ra e o titu lar dosegre do tute la do, isto é, a pes soa cuja reve la ção do fato deve ria ser man ti da emsegre do; é, em outros ter mos, quem tem legí ti mo inte res se na manu ten ção dosigi lo; secun da ria men te, a nosso juízo, é o sis te ma finan cei ro nacio nal que se vêaba la do em sua cre di bi li da de.

Convém des ta car que sujei to pas si vo não se con fun de com pre ju di ca do;embo ra, de regra, coin ci dam, na mesma pes soa, as con di ções de sujei to pas si vo epre ju di ca do, podem recair, no entan to, em sujei tos dis tin tos: sujei to é o titu lar dobem jurí di co pro te gi do e, nesse caso, o lesa do; pre ju di ca do é qual quer pes soa que,

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em razão do fato deli tuo so, sofre pre juí zo ou dano mate rial ou moral. essa dis -tin ção não é uma ques tão mera men te aca dê mi ca, des pi cien da de inte res se prá ti -co, como pode pare cer à pri mei ra vista. na ver da de, o sujei to pas si vo, além dodirei to de repre sen tar con tra o sujei to ativo, pode habi li tar-se como assis ten te doministério público no pro ces so cri mi nal (art. 268 do Cpp) e ainda tem o direi toà repa ra ção ex delic to, ao passo que ao pre ju di ca do resta somen te a pos si bi li da dede bus car a repa ra ção do dano na esfe ra cível.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

na tipi fi ca ção da con du ta, neste art. 18, o legis la dor pre fe riu uti li zar o verbo nuclear ‘ violar’, dis tin ta da orien ta ção segui da pelo legis la dor do Código penalque usa o vocá bu lo ‘ violação’ somen te nas rubri cas late rais dos cri mes de “vio la -ção de segre do pro fis sio nal” (art. 154), “vio la ção de cor res pon dên cia” (art. 151),“vio la ção de domi cí lio” (150). na defi ni ção, con tu do, de “vio la ção de segre dopro fis sio nal” e “vio la ção de cor res pon dên cia”, refe ri do legis la dor pre fe riu inse rirno pre cei to pri má rio os ver bos ‘ revelar’ e ‘ devassar’, res pec ti va men te, além de teropta do, na defi ni ção do crime de “vio la ção de segre do” (art. 153), pelo uso doverbo nuclear ‘ divulgar’.

afinal, qual é o real sig ni fi ca do ou sen ti do do vocá bu lo ‘ violar’? ‘violar’,segun do os léxi cos, acei to tam bém pelos dog má ti cos, sig ni fi ca ‘ revelar’, ‘devas-sar’, ‘ divulgar’, enfim, dar a conhe cer algo, no caso, sigi lo so ou, mais espe ci fi ca -men te, reve lar o con teú do, o sig ni fi ca do, a fina li da de ou mesmo os par ti ci pan tesde ope ra ção ou ser vi ço pres ta do por ins ti tui ção finan cei ra ou inte gran te do sis -te ma de dis tri bui ção de títu los mobi liá rios, cujo conhe ci men to o agen te tenhaem razão de ofí cio. em outros ter mos, a vio la ção de sigi lo, na forma des cri ta notipo, pode ser pra ti ca da de qual quer forma e por qual quer meio na medi da em queo legis la dor não limi tou seu modus ope ran di, tra tan do-se, por tan to, de crime deforma livre, sem qual quer vin cu la ção. no dizer de tórtima,3 “a con du ta típi cacon sis te em vio lar sigi lo das ope ra ções finan cei ras, vale dizer, reve lar, sem auto -ri za ção do pró prio usuá rio inte res sa do no sFn, o con teú do das infor ma ções per -ti nen tes à sua movi men ta ção ban cá ria e finan cei ra”. ‘violar’, em outros ter mos,não deixa de ser exa ta men te o que os dicio na ris tas admi tem, ‘ desrespeitar’, ‘ -infringir’, ‘ transgredir’, embo ra, como se trata, na hipó te se tipi fi ca da, de sujei toativo que tem conhe ci men to ofi cial do sigi lo, pare ce-nos que ‘ revelar’, ‘ divulgar’e ‘ devassar’ adé quam-se melhor à situa ção de quem, tendo ciên cia do sigi lo emrazão de ofí cio, dá a conhe cer a núme ro inde ter mi na do de pes soas.

3 José Carlos tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 120.

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assim, como ‘ violar’, que foi o verbo pre fe ri do pelo legis la dor da nor ma ti -va espe cial, tem o sig ni fi ca do de reve lar, divul gar ou devas sar, impõe-se que exa -mi ne mos o sen ti do e a abran gên cia ou exten são de cada um des ses três ver bos,por que fora dessa cono ta ção, vio lar ope ra ção ou ser vi ço pres ta do, não tem sen -ti do ou sig ni fi ca do algum.

‘revelar’ sig ni fi ca con tar a alguém fato ou aspec to rela ti vo à ope ra ção ouser vi ço pres ta do, nas con di ções men cio na das no tipo, de que tem ciên cia emrazão do ofí cio e que deva per ma ne cer em sigi lo, ou mesmo faci li tar-lhe a reve -la ção, que é tor nar pos sí vel ou aces sí vel seu conhe ci men to por alguém, o que nãodeixa de ser uma forma de vio lar o sigi lo. ‘revelar’ tem, a nosso juízo, uma abran -gên cia mais res tri ta do que ‘ divulgar’, que impli ca um núme ro inde ter mi na do depes soas, ao passo que para ‘ revelar’ é sufi cien te que conte ou decla re a alguémsegre do que conhe ce em razão de ofí cio e que, como tal, deve ria per ma ne cer. mastam bém se pode ‘ violar’ o sigi lo faci li tan do a vio la ção, isto é, colo can do à dis po si -ção, pro pi cian do dolo sa men te a des co ber ta de algo que é sigi lo so e que deve riaassim per ma ne cer. ‘devassar’, por sua vez, sig ni fi ca ‘ descobrir’, ‘ olhar’, ‘ perscrutar’,inde vi da men te, o obje to do sigi lo. Contudo, como este verbo indi ca que é o pró -prio agen te que bis bi lho ta, des co bre ou pers cru ta algum sigi lo, a nosso juízo, nãopode ser empre ga do no sen ti do da vio la ção pre ten di da pelo tipo penal em examepela sin ge la razão de que o sujei to ativo, nesta hipó te se, deve conhe cer o obje to dosigi lo em razão do ofí cio. logo, não pode e não tem por que o devas sar.

essa matriz típi ca obje ti va a pro te ção do sigi lo fun cio nal espe cí fi co, pró prioe típi co do ofí cio exer ci do para man ter secre tos ou sigi lo sos fatos rele van tes, ine -ren tes à ope ra ção ou ao ser vi ço pres ta do por ins ti tui ção finan cei ra, que se temconhe ci men to em razão de ofí cio. a pro te ção inclui o sigi lo oral e não ape nas odocu men tal, ou seja, não impor ta a forma ou o meio pelo qual o agen te tomaconhe ci men to da ope ra ção ou do ser vi ço sigi lo so, desde que seja em razão de ofí -cio: por escri to, oral men te, com pul san do docu men tos etc.; desde que tal conhe -ci men to tenha ocor ri do em razão do ofí cio que exer ce. tampouco é rele van te omeio ou a forma pela qual viola o sigi lo, desde que se trate de ope ra ção ou ser vi -ço sigi lo so e que deva per ma ne cer em segre do.

4.1. Que teve conhe ci men to em razão de ofí cio: rela ção de cau sa li da de

a lei penal, ao pro te ger o sigi lo de ope ra ção finan cei ra, asse gu ra um inte res -se de ordem públi ca, que é a tran qui li da de de recor rer-se ao mer ca do finan cei ro eà manu ten ção da cre di bi li da de desse sis te ma nacio nal. se fosse líci ta a indis cri çãodos que, em razão do pró prio ofí cio, tomam conhe ci men to de ope ra ção e ser vi çospres ta dos por ins ti tui ção finan cei ra, esta ria, evi den te men te, cria do um graveentra ve, mui tas vezes insu pe rá vel, em detri men to do pró prio inte res se social nasegu ran ça, na esta bi li da de e na cre di bi li da de do sis te ma finan cei ro nacio nal e dapró pria pri va ci da de indi vi dual, asse gu ra dos pela Constituição Federal.

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É indis pen sá vel, con tu do, uma rela ção cau sal entre o conhe ci men to do sigi -lo ou segre do e a espe cial qua li da de do sujei to ativo, em razão do seu ofí cio, istoé, um nexo cau sal entre o exer cí cio do ofí cio e o conhe ci men to do segre do, queé exa ta men te o aspec to reve la dor da infi de li da de fun cio nal do sujei to ativo, quea norma penal pre ten de coi bir. em outros ter mos, a ciên cia da ope ra ção ou doser vi ço rea li za do pela ins ti tui ção finan cei ra deve che gar ao conhe ci men to dosujei to ativo exa ta men te em razão do ofí cio que exer ce. razão pela qual se teveconhe ci men to do fato por outros meios que não em razão do seu ofí cio, sua vio -la ção ou divul ga ção não se adé qua à des cri ção desse tipo penal, poden do até,depen den do das cir cuns tân cias, tipi fi car outro crime, mas não este. nesse sen ti -do, é o magis té rio de manoel pedro pimentel4 que pon ti fi ca: “há um ele men tonor ma ti vo no tipo, que é a ver da dei ra con di ção para a exis tên cia do crime:somen te have rá o deli to se o agen te vio lar sigi lo de ope ra ção ou de ser vi ço pres -ta do por ins ti tui ção finan cei ra ou inte gran te do sis te ma de dis tri bui ção de títu -los mobi liá rios de que teve conhe ci men to em razão de ofí cio.”

no entan to, não é qual quer ope ra ção ou ser vi ço pres ta do por ins ti tui çãofinan cei ra que mere ce a pro te ção penal. para que o sigi lo de fato jus ti fi que apro te ção penal, é neces sá rio que reúna dois ele men tos: um nega ti vo – ausên ciade noto rie da de, isto é, que não seja de conhe ci men to públi co ou daque les fatoscuja publi ci da de lhe seja ine ren te, sem vio lar o direi to à pri va ci da de indi vi -dual; outro posi ti vo – dever fun cio nal de pre ser vá-lo, cujo sigi lo fun cio nal éexi gi do pela des cri ção típi ca, qual seja, vio lar sigi lo de ope ra ção ou ser vi ço deque teve conhe ci men to em razão de ofí cio. em sen ti do seme lhan te, mani fes ta-se tigre maia, afir man do que: “have rá de exis tir uma cone xão entre o exer cí -cio da ati vi da de pro fis sio nal e a ciên cia das infor ma ções, ao abri go do sigi lofinan cei ro, para que o agen te qua li fi que-se como sujei to ativo deste crime.deverá ser, pois, da natu re za do ofí cio o aces so ao mate rial sigi lo so ou, pelomenos, obti do o conhe ci men to sob tal ale ga ção, quer por simu la ção, quer porerro do con fi ten te.”5

outras pes soas que não tenham o dever de fide li da de, decor ren te do ofí ciovin cu la do à ope ra ção ou ao ser vi ço sigi lo so pres ta do por ins ti tui ção finan cei ra,não têm a obri ga ção do sigi lo, sua con du ta divul gan do even tual sigi lo, que tenhatido conhe ci men to, não se ade qua rá à mol du ra des cri ta neste art. 18.

na ver da de, a lei penal, ao pro te ger o sigi lo de ope ra ção ou ser vi ço pres -ta do por ins ti tui ção finan cei ra, asse gu ra igual men te a pri va ci da de dos inves -ti do res e cor ren tis tas, bem como da pró pria ins ti tui ção, que deve gozar damais abso lu ta con fian ça da popu la ção em geral, que é iden ti fi ca do como deverde fide li da de. o dever de fide li da de exige de todo o ope ra dor, em razão do ofí -

4 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 141.5 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 122.

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cio, a maior dedi ca ção ao ser vi ço e o inte gral res pei to às leis e às ins ti tui çõesfinan cei ras, iden ti fi can do-o com os supe rio res inte res ses do sis te ma finan cei -ro, fican do impe di do, em outros ter mos, de atuar con tra os seus fins e obje ti -vos legí ti mos.

a ope ra ção ou o ser vi ço pres ta do por ins ti tui ção finan cei ra, repe tin do, deveter natu re za sigi lo sa; no entan to, o cará ter sigi lo so, por si só, é insu fi cien te paratipi fi car o crime, sendo neces sá rio que se vin cu le ao dano, efe ti vo ou poten cial,que a divul ga ção possa pro du zir. operação ou ser vi ço pres ta do à ins ti tui çãofinan cei ra devem ter inte res se moral ou mate rial, uma vez que fatos inó cuos nãopodem con ver ter-se em sigi los ou segre dos pro te gi dos pelo direito penal pelasim ples von ta de da ins ti tui ção ou de seus con tro la do res ou mesmo do sis te ma fis -ca li za tó rio. assim, não é qual quer ope ra ção ou ser vi ço pres ta do por ins ti tui çãofinan cei ra que pode ser decla ra do sigi lo so e mere ce dor de pro te ção penal.ademais, é indis pen sá vel que, com a vio la ção do sigi lo, surja a pos si bi li da de con -cre ta de dano para o(s) sujei to(s) pas si vo(s), acres ci do do dever de pre ser var osigi lo em razão do ofí cio.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

elemento sub je ti vo é o dolo, repre sen ta do pela von ta de livre e cons cien tede reve lar segre do ou sigi lo de que tem conhe ci men to em razão de ofí cio, tendocons ciên cia de que se trata de fato pro te gi do por sigi lo finan cei ro ou ban cá rio eque o dever fun cio nal lhe impe de que o divul gue, ou seja, com conhe ci men to detodos os ele men tos cons ti tu ti vos da des cri ção típi ca. É des ne ces sá rio, con tu do,que o agen te tenha cons ciên cia de que a reve la ção é ile gí ti ma, ou seja, sem justacausa, pois não há essa ele men tar no tipo, embo ra este ja implí ci ta.

não há exi gên cia de nenhum ele men to sub je ti vo espe cial do injus to, nemmesmo a fina li da de de obter qual quer van ta gem com a reve la ção, que, se exis tir,pode rá carac te ri zar outro crime, como, por exem plo, extor são, cor rup ção oucon cus são etc. tampouco há pre vi são de moda li da de cul po sa, por mais clara queseja a culpa (cons cien te) do sujei to ativo.

6. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime de vio la ção de sigi lo finan cei ro com a reve la ção dosegre do de ope ra ção ou ser vi ço pres ta do por ins ti tui ção finan cei ra, inde pen den -te men te da pro du ção efe ti va de dano; con su ma-se no momen to em que o sujei -to ativo reve la a alguém o con teú do, a abran gên cia ou qual quer outro aspec torele van te de ope ra ção ou ser vi ço pres ta do sigi lo so que teve ciên cia nas cir cuns -tân cias defi ni das no tipo penal, isto é, em razão do seu ofí cio, e que deve ser man -ti do em segre do; con su ma-se, enfim, com o sim ples ato de vio lar o sigi lo, inde -pen den te men te da ocor rên cia efe ti va de dano, pois é sufi cien te que a reve la ção

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tenha poten cia li da de para pro du zir a lesão, que, se ocor rer, cons ti tui rá o exau ri -men to do crime.

para a tipi fi ca ção do crime de vio la ção de sigi lo finan cei ro, é sufi cien te areve la ção a uma só pes soa, ao con trá rio do que ocor re com o crime de divul ga -ção de segre do (art. 153 do Cp), por exem plo, que neces si ta ser difun di do exten -si va men te para um núme ro inde ter mi na do de pes soas. em sín te se, ‘ revelar’ podeser somen te para uma pes soa, enquan to ‘ divulgar’ impli ca, natu ral men te, umnúme ro inde ter mi na do delas. revelar é menos que divul gar.

a ten ta ti va é de difí cil con fi gu ra ção, mas teo ri ca men te pos sí vel, espe cial -men te atra vés de meio escri to, pois não se trata de crime de ato único, e o fatode pre ver a poten cia li da de de dano decor ren te da con du ta de vio lar, por si só,não a torna impos sí vel. o dano poten cial pode ser de qual quer natu re za: patri -mo nial, moral, públi co ou pri va do.

o crime de vio la ção de sigi lo finan cei ro, por sua pró pria natu re za, é um dosmais pro pí cios às duas espé cies de erro, tanto o de tipo, quan to o de proi bi ção.assim, por exem plo, se o pro fis sio nal reve lar o con teú do de uma ope ra ção sigi -lo sa, que teve conhe ci men to em razão de seu ofí cio, des co nhe cen do que deviaper ma ne cer em segre do, incor re em erro de tipo por igno rar a exis tên cia dessaele men tar típi ca, cuja evi ta bi li da de ou ine vi ta bi li da de deve ser apu ra da. se, noentan to, acre di ta, por exer cer tran si tó ria ou tem po ra ria men te o ofí cio, não estarobri ga do a guar dar segre do, incor re em erro de proi bi ção; nessa hipó te se, nãoerra sobre uma ele men tar do tipo, mas sobre a ili ci tu de da con du ta, sobre o deverde fide li da de.

7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime pró prio, que exige qua li da de ou con di ção espe cial dosujei to ativo, exi gin do que o conhe ci men to do sigi lo de ope ra ção adve nha emrazão de ofí cio, res sal va das as hipó te ses de con cur so de pes soas (coau to ria ou par -ti ci pa ção); for mal (que não exige resul ta do natu ra lís ti co, pois se con su ma com asim ples ação de vio lar o sigi lo de ope ra ção ou ser vi ço pres ta do por ins ti tui çãofinan cei ra); de peri go con cre to (deman da efe ti vo peri go de dano, na medi da emque exige que o sigi lo refi ra-se a aspec to rele van te, com real poten cial de pro du -zir dano ao sis te ma, ao inves ti dor ou à ins ti tui ção finan cei ra); ins tan tâ neo (con -su ma-se no momen to em que o agen te divul ga o segre do, esgo tan do-se aí a lesãojurí di ca, sem demo ra entre ação e resul ta do); unis sub je ti vo (que pode ser pra ti -ca do por um agen te ape nas, embo ra admi ta o con cur so de pes soas em toda suaexten são); plu ris sub sis ten te (crime que, em regra, pode ser pra ti ca do com maisde um ato, admi tin do, em con se quên cia, fra cio na men to em sua exe cu ção);comis si vo (pois é impos sí vel pra ti cá-lo median te omis são); e dolo so (não haven -do pre vi são da moda li da de cul po sa).

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8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são de reclu são, de um a qua troanos, e multa. a ação penal é de natu re za públi ca incon di cio na da, deven do aauto ri da de com pe ten te agir de ofí cio, isto é, inde pen den te men te de qual quermani fes ta ção do ofen di do ou de seu repre sen tan te legal.

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Capítulo XiX

Financiamento mediante Fraude

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 4.1. obtenção de van ta gemilí ci ta: finan cia men to median te frau de. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. Clas -sificação dou tri ná ria. 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e ação penal.

art. 19. obter, median te frau de, finan cia men to em ins ti tui ção finan cei ra.pena – reclusão de 2 (dois) a seis 6 (anos), e multa.parágrafo único. a pena é aumen ta da de 1/3 (um terço) se o crime é come -

ti do em detri men to de ins ti tui ção finan cei ra ofi cial ou por ela cre den cia da parao repas se de finan cia men to.

1. Considerações pre li mi na res

a con ci sa reda ção deste dis po si ti vo legal não impe de que se cons ta te suaseme lhan ça com o crime de este lio na to, tipi fi ca do no Código penal de 1940.nesse sen ti do, vale à pena des ta car o magis té rio de manoel pedro pimentel queafir ma: “trata-se de uma forma de este lio na to, expli ci ta men te des cri ta noprojeto ori gi ná rio da Câmara dos deputados, que indi ca va todos os ele men toscons ti tu ti vos do cri men stel lio na tus: indu ção ou manu ten ção de alguém em erro,median te arti fí cio, ardil, ou qual quer ouro meio frau du len to, com o fim de obterfinan cia men to (van ta gem).”1 esse aspec to, por si só, jus ti fi ca que se faça umaincur são pelos ante ce den tes do crime de este lio na to.

o anti go direi to roma no des co nhe cia o crime hoje deno mi na do este lio na to.era inte gra do ao dolus malus que, jun ta men te com a fraus e o metus, cons ti tuíacrime pri va do pro du to de cria ção pre to ria na. na Grécia anti ga, a frau de era seve -ra men te repri mi da. no tempo do impé rio (sécu lo ii d. C.) apa re ce uma figu ragené ri ca do stel lio na tus (de stel lio, que sig ni fi ca cama leão), uma espé cie de crimeextraor di ná rio que abran ge ria todos os casos que cou bes sem a actio doli e quenão se ade quas sem a qual quer outro crime con tra o patri mô nio.2

1 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 144.2 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal... p. 444.

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o Código penal fran cês de 1810 incri mi na va a obten ção ou a ten ta ti va deobten ção de van ta gem patri mo nial por meio de mano bras frau du len tas (art.405). o este lio na to rece beu nomes diver si fi ca dos nos mais diver sos paí ses, embo -ra em todos eles a mano bra frau du len ta tenha sido a nota carac te rís ti ca comum;na itália rece beu as deno mi na ções de frode (Código tos ca no) e truf fa (Códigoszanardelli e rocco); na espanha, esta fa; em portugal, burla; na alemanha, betrug (enga no). nas ordenações philipinas, o este lio na to deno mi nou-se burlaou inli ço (livro v, título 665) e lhe era comi na da a pena de morte, quan do opre juí zo fosse supe rior a vinte mil réis.

o Código Criminal do império (1830) ado tou o nomen juris este lio na to pre -ven do várias figu ras, além da seguin te des cri ção gené ri ca: “todo e qual quer arti -fí cio frau du len to, pelo qual se obte nha de outrem toda a sua for tu na ou partedela, ou quais quer títu los.” o Código penal repu bli ca no (1890) seguiu a mesmaorien ta ção casuís ti ca, tipi fi can do onze figu ras de este lio na to, incluin do umamoda li da de gené ri ca, nos seguin tes ter mos: “usar de arti fí cio para sur preen der aboa fé de outrem, ilu dir a sua vigi lân cia, ou ganhar-lhe a con fian ça; indu zin do-o em erro ou enga no por esses e outros meios astu cio sos, pro cu rar para si lucroou pro vei to.” Finalmente, che gou-se à des cri ção con ti da no art. 171 do nossoCódigo penal de 1940, cuja parte especial con ti nua em vigor.

nesse diplo ma legal, no entan to, após as alte ra ções e as emen das rece bi dasnas casas legis la ti vas, resul tou com essa sin té ti ca reda ção: “obter, median te frau -de, finan cia men to em ins ti tui ção finan cei ra.” analisando essa sucin ta reda ção,pimentel comen tou: “o legis la dor man te ve o essen cial para a des cri ção de umcrime frau du len to, pra ti ca do com o fim de obter van ta gem inde vi da. por outrolado, este dis po si ti vo não acom pa nhou a idéia da Comissão de reforma, que pre -via as enti da des onde o emprés ti mo frau du len to pode ria ser obti do: autar quia,socie da de de eco no mia mista, empre sa públi ca ou ins ti tui ção cre den cia da. dotexto final cons tou, ape nas, a expres são ins ti tui ção finan cei ra.”3

2. Bem jurí di co tute la do

tratando-se de crime plu rio fen si vo, tute la-se ime dia ta men te o patri mô nioda pró pria ins ti tui ção, de seus sócios ou acio nis tas, inves ti do res, cor ren tis tas eapli ca do res que con fiam na ins ti tui ção. tutela-se, igual men te, a invio la bi li da dee a cre di bi li da de do sis te ma finan cei ro, zelan do pela regu la ri da de das tran sa çõese ope ra ções rea li za das por essas ins ti tui ções. para o bom e regu lar fun cio na men -to do mer ca do finan cei ro, é indis pen sá vel asse gu rar-se a reti dão, a cor re ção e a

3 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 144.

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mora li da de de todas suas ope ra ções como resul ta do do con tro le ofi cial exer ci dopelo Governo.

tutela-se, enfim, tanto o inte res se social, repre sen ta do pela con fian ça recí -pro ca que deve pre si dir os rela cio na men tos patri mo niais indi vi duais e comer -ciais, no sis te ma finan cei ro nacio nal, quan to o inte res se públi co de repri mir afrau de cau sa do ra de dano tanto às ins ti tui ções finan cei ras, como ao sis te macomo um todo.

o obje to mate rial, que não se con fun de com o bem jurí di co, é o finan cia -men to pre ten di do, obti do frau du len ta men te. Financiamento, con vém des ta car,não se con fun de com emprés ti mo, que é uma ope ra ção roti nei ra das ins ti tui çõesfinan cei ras e pode ter a des ti na ção mais varia da pos sí vel, de acor do com as neces -si da des e os inte res ses do toma dor. Financiamento, no entan to, tem des ti na çãoespe cí fi ca, sendo vin cu la do a deter mi na do empreen di men to ou aqui si ção dedeter mi na do bem, pro prie da de, coisa ou direi to. Financiamento refe ri do no dis -po si ti vo legal nor mal men te é decor ren te de algum pro gra ma ofi cial de gover no,com cus tos sub si dia dos, des ti na do ao fomen to de algum pro je to, empreen di men -to ou aqui si ção que apre sen te reco nhe ci da rele vân cia social. essa fina li da defomen ta do ra do pro gres so, melho ria ou cria ção de opor tu ni da des para a cole ti -vi da de como um todo jus ti fi ca a sua maior pro te ção jurí di ca, atri buin do-se-lhe,inclu si ve, dig ni da de penal.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo do crime de obten ção de finan cia men to median te frau de podeser qual quer pes soa que obte nha finan cia men to nes sas con di ções, sem a exi gên -cia de qual quer qua li da de ou con di ção espe cial (crime comum). o con cur so depes soas, quan do efe ti va men te ocor rer, por óbvio, deve ser admi ti do nos ter mosdo art. 29 do Cp.

sujeito pas si vo, ime dia to, é neces sa ria men te a ins ti tui ção finan cei ra lesa daem decor rên cia da cele bra ção de con tra to de finan cia men to frau du len to, bemcomo os acio nis tas, os sócios e os inves ti do res da res pec ti va ins ti tui ção.secundariamente, igual men te, tam bém é sujei to pas si vo o estado, que é o res pon -sá vel pela regu la ri da de e o bom fun cio na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a ação tipi fi ca da é obter, median te frau de, finan cia men to em ins ti tui çãofinan cei ra com algu ma seme lhan ça à des cri ta no crime de este lio na to. a van ta -gem ilí ci ta, embo ra não o diga expres sa men te, é o finan cia men to em ins ti tui çãofinan cei ra e obtê-lo, median te frau de, é o meio que o trans for ma em van ta gemilí ci ta. mas a seme lhan ça para por aí, fal tan do, fun da men tal men te, a exi gên ciado pre juí zo efe ti vo e o ele men to sub je ti vo espe cial do tipo, den tre outras ele -

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men ta res típi cas. a con du ta nuclear, repe tin do, está repre sen ta da pelo verbo ‘ -obter’, isto é, con se guir finan cia men to, que é a van ta gem ilí ci ta, median te frau -de, ou seja, em razão de enga no pro vo ca do pelo agen te.

a carac te rís ti ca fun da men tal desse tipo penal, a exem plo do crime de este -lio na to, é a frau de, uti li za da pelo agen te aqui para obter o finan cia men to em ins -ti tui ção finan cei ra, no este lio na to para indu zir ou man ter a víti ma em erro como fim de obter van ta gem ilí ci ta. Quando a frau de ou o falso exau re-se na obten -ção do finan cia men to pre ten di do, é absor vi do por essa infra ção penal, a exem plodo que ocor re na hipó te se do crime de este lio na to. adotamos a orien ta ção majo -ri tá ria sobre o mesmo assun to rela ti va men te ao crime de este lio na to, ou seja, ade que o este lio na to absor ve a fal si da de – quan do esta for o meio frau du len to uti -li za do para a prá ti ca do crime-fim, que é o este lio na to. o superior tribunal deJustiça sumu lou essa orien ta ção nos seguin tes ter mos: “Quando o falso se exau reno este lio na to, sem mais poten cia li da de lesi va, é por este absor vi do.” (súmula nº17 do stJ).4 mutatis mutan dis, apli ca-se o mesmo racio cí nio no crime de obten -ção, median te frau de, de finan cia men to em ins ti tui ção finan cei ra.

a frau de é o meio pre vis to para a obten ção do finan cia men to, resi din donela o des va lor da ação cri mi na li za da. embora o tipo não o diga, e tam pou coexem pli fi que em que con sis te a frau de, tem ela a fina li da de de enga nar a víti mado deli to, no caso, a ins ti tui ção finan cei ra, repre sen ta da por seus pre pos tos eadmi nis tra do res. a frau de, a exem plo do que ocor re no crime de este lio na to,pode mani fes tar-se atra vés de arti fí cio, ardil ou qual quer outro meio frau du len -to. artifício é toda simu la ção ou dis si mu la ção idô nea para indu zir uma pes soa emerro, isto é, para enga ná-la, levan do-a a per cep ção de uma falsa apa rên cia da rea -li da de; ardil é a trama, o estra ta ge ma, a astú cia; qual quer outro meio frau du len -to, por sua vez, é uma fór mu la gené ri ca para admi tir qual quer espé cie de frau deque possa enga nar a víti ma ou indu zi-la a erro. Com essa expres são gené ri ca,torna-se des ne ces sá ria a pre ci são con cei tual de arti fí cio e ardil, que são mera -men te exem pli fi ca ti vos da frau de penal, tra tan do-se, por tan to, de crime deforma livre. significa poder-se afir mar, ade mais, que, se o ministério públicoimpu tar a prá ti ca do fato deli tuo so atra vés de arti fí cio e, afi nal, a prova dos autosdemons trar que se trata de ardil ou mesmo de outro meio frau du len to, não have -rá nenhum pre juí zo para a defe sa e tam pou co se pode rá afir mar que o parquetpecou por des co nhe ci men to téc ni co-dog má ti co, desde que des cre va na exor dialem que con sis te dita frau de.

não se deve esque cer, con tu do, que a inter pre ta ção em maté ria penalrepres si va deve ser sem pre res tri ti va e somen te nesse sen ti do nega ti vo é que sepode admi tir o arbí trio judi cial, sem ser vio la da a taxa ti vi da de do prin cí pio da

4 “súmula 17 do stJ: ‘Quando o falso se exau re no este lio na to, sem mais poten cia li da de lesi va, é por este absorvido’.”

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reser va legal. a seguin te expres são de nelson hungria ilus tra muito bem esseracio cí nio: “não pode ser temi do o arbi trium judi cis quan do des ti na do a evi tar,pro liber ta te, a exces si va ampli tu de prá ti ca de uma norma penal ine vi ta vel men -te gené ri ca.”5

É indis pen sá vel que o meio frau du len to seja sufi cien te men te idô neo paraenga nar a víti ma, isto é, para indu zi-la a erro. a ini do nei da de do meio, no entan -to, pode ser rela ti va ou abso lu ta: sendo rela ti va men te ini dô neo o meio frau du -len to para enga nar a víti ma, pode rá con fi gu rar-se ten ta ti va da figu ra típi ca; con -tu do, se a ini do nei da de for abso lu ta, tra tar-se-á de crime impos sí vel, por abso lu -ta ine fi cá cia do meio empre ga do (art. 17 do Cp).

o meio frau du len to sem pre tem o obje ti vo de enga nar, ludi briar, enfim, deindu zir alguém em erro, embo ra não se encon tre expli ci ta do no tipo penal. erro,por sua vez, é a falsa repre sen ta ção ou ava lia ção equi vo ca da da rea li da de. a víti -ma supõe, por erro, tra tar-se de uma rea li da de, quan do na ver da de está dian te deoutra; faz, em razão do erro, um juízo equi vo ca do da situa ção pro pos ta peloagen te. a con du ta frau du len ta do sujei to leva a víti ma a incor rer em erro, con -ce den do, nessa con di ção, o finan cia men to pos tu la do à ins ti tui ção finan cei ra.

essa con du ta deli tuo sa, median te frau de, pode con cre ti zar-se por qual querforma, v. g., indu zin do a víti ma a erro ou man ten do-a no erro em que se encon -tra va. na pri mei ra hipó te se, a víti ma, isto é, a ins ti tui ção finan cei ra é leva da aoerro em razão do estra ta ge ma, do ardil ou engo do uti li za do pelo agen te; nasegun da, aque la já se encon tra em erro, volun tá rio ou não, limi tan do-se a açãodo sujei to ativo a mantê-la na situa ção equi vo ca da em que se encon tra. em outros ter mos, a obten ção do finan cia men to em ins ti tui ção finan cei ra, que é umavan ta gem ilí ci ta, decor re da frau de, isto é, da cir cuns tân cia de o agen te indu zira víti ma ao erro ou de mantê-la no esta do de erro em que se encon tra. enfim, épos sí vel que o agen te, median te frau de, pro vo que a incur são da víti ma em erroou ape nas se apro vei te dessa situa ção em que ela se encon tra.

4.1. obtenção de van ta gem ilí ci ta: finan cia men to median te frau de

ao con trá rio do crime de este lio na to, no crime de finan cia men to frau du -len to não há a exi gên cia legal de que o agen te obte nha pro vei to inde vi do (van -ta gem ilí ci ta) em pre juí zo alheio, além do pró prio finan cia men to, que é, em simesmo, a van ta gem ilí ci ta obti da e o pre juí zo alheio sofri do pela ins ti tui ção (oupela polí ti ca ofi cial de finan cia men to), que estão implí ci tos no tipo penal.

vantagem ilí ci ta é todo e qual quer pro vei to ou bene fí cio con trá rio à ordemjurí di ca, isto é, não per mi ti do por lei, na hipó te se sub exa men, finan cia men to

5 nelson hungria. Comentários ao Código penal... p. 179.

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obti do median te frau de. a obten ção da van ta gem ilí ci ta, ao con trá rio do queocor re no crime de este lio na to, não é ele men to cons ti tu ti vo do crime finan cia -men to frau du len to, a exem plo do que acon te ce nos cri mes de furto e de apro -pria ção indé bi ta. Com efei to, con su ma-se o crime com a sim ples obten ção definan cia men to com o empre go da frau de, inde pen den te men te de, in con cre to,resul tar em qual quer outra van ta gem para o agen te. a obten ção do finan cia men -to irre gu lar men te é, em si mesma, a dita van ta gem ilí ci ta.

nessa infra ção penal, é des ne ces sá rio que à van ta gem ilí ci ta cor res pon da,simul ta nea men te, um pre juí zo alheio, na medi da em que a sim ples obten ção dofinan cia men to, com o uso de frau de, con fi gu ra mate rial men te a van ta gem inde -vi da. são indi fe ren tes quais sejam os meios frau du len tos uti li za dos pelo agen tepara a obten ção do finan cia men to inde vi do. em qual quer hipó te se, no entan to,é neces sá ria uma influên cia deci si va no pro ces so de for ma ção de von ta de da víti -ma, abran gen do os aspec tos voli ti vos e inte lec ti vos.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo geral do crime de finan cia men to median te frau de é odolo, repre sen ta do pela von ta de livre e cons cien te de frau dar a obten ção definan cia men to em ins ti tui ção finan cei ra, ludi brian do, por qual quer meio frau du -len to, quem tem legi ti mi da de para a con ces são do finan cia men to pre ten di do. avon ta de e a cons ciên cia, como ele men tos psi co ló gi cos do dolo, devem abran gernão ape nas a ação, como tam bém o meio frau du len to uti li za do com a fina li da dede obter o finan cia men to. não se con fi gu ra o crime sem a von ta de cons cien te -men te diri gi da à astu cia mala que pro vo ca ou man tém o erro de quem con ce deo finan cia men to da ins ti tui ção finan cei ra.

não há exi gên cia do ele men to sub je ti vo espe cial do tipo, na medi da em que afina li da de de obter o finan cia men to median te frau de inte gra o pró prio dolo, orien -ta dor da con du ta incri mi na da. não há, tam pou co, pre vi são de moda li da de cul po sado crime obten ção de finan cia men to median te frau de, a des pei to da pos si bi li da dede alguém ser indu zi do ou man ti do em erro, por impru dên cia ou negli gên cia doagen te. essa hipó te se, se even tual men te ocor rer, cons ti tui rá con du ta atí pi ca.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (não neces si ta de qual quer qua li da de ou con di çãoespe cial do sujei to ativo); mate rial (con sis te na frau de como meio de obten ção dofinan cia men to); dolo so (não admi te moda li da de cul po sa); ins tan tâ neo (o resul ta -do se pro duz de ime dia to, não haven do dis tan cia men to entre ação e resul ta dolesi vo, ou seja, sua exe cu ção não se alon ga no tempo, trata-se, na ver da de, decrime ins tan tâ neo com efei tos per ma nen tes); de forma livre (pode ser pra ti ca dolivre men te com qual quer forma, desde que com qual quer meio frau du len to);

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comis si vo (somen te pode ser pra ti ca do com uma con du ta posi ti va, excep cio nal -men te); de dano (con su ma-se somen te com o adven to do resul ta do mate rial, istoé, com a efe ti va lesão de um bem jurí di co tute la do); unis sub je ti vo (pode sercome ti do por ape nas um sujei to ativo); e plu ris sub sis ten te (con sis ten te em váriosatos inte gran tes de uma con du ta, admi tin do, con se quen te men te, seu fra cio na -men to e, por exten são, admi te a ten ta ti va).

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime de finan cia men to frau du len to com a con ces são dofinan cia men to pos tu la do median te frau de. não basta a exis tên cia da frau de,sendo indis pen sá vel que, por meio dela, o agen te obte nha efe ti va men te a con -ces são do finan cia men to, tra tan do-se, por con se guin te, de crime mate rial. para acon su ma ção deste crime, ao con trá rio do que ocor re com o crime de este lio na to,é irre le van te a exis tên cia de pre juí zo para o ofen di do. por essa razão, é indi fe -ren te, para a con su ma ção do crime, o fato de o agen te hon rar pos te rior men te asobri ga ções con tra tual men te assu mi das na obten ção do finan cia men to.

Contudo, para o êxito da frau de, é neces sá rio que o meio frau du len to sejasufi cien te men te idô neo para enga nar a víti ma, isto é, para ludi briá-la, para indu -zi-la a erro. a ini do nei da de do meio uti li za do, no entan to, pode ser rela ti va ouabso lu ta: sendo rela ti va men te ini dô neo o meio frau du len to para enga nar, pode rácon fi gu rar-se a ten ta ti va, se esti ve rem pre sen tes os demais requi si tos; con tu do, sea ini do nei da de for abso lu ta, tra tar-se-á de crime impos sí vel (art. 17). Quando oagen te não con se gue enga nar ou ludi briar a víti ma, tra tan do-se, por exem plo, desimu la ção gros sei ra, o sim ples empre go do meio frau du len to (arti fí cio ou ardil)carac te ri za, no máxi mo, a prá ti ca de atos pre pa ra tó rios, não se poden do cogi tar, sequer, o crime ten ta do. Com efei to, exi gin do a des cri ção típi ca a exis tên cia defrau de, é indis pen sá vel que esta tenha ido nei da de sufi cien te para enga nar, paraludi briar; não haven do a rela ção de causa e efei to entre a con du ta pra ti ca da e oresul ta do pro du zi do (con ces são do finan cia men to), o crime não se aper fei çoa. em outros ter mos, a con ces são do finan cia men to, como efei to, deve, neces sa ria men -te, ser con se quên cia da frau de (causa) empre ga da pelo sujei to ativo. por isso, ades pei to de ser com pro va da a auto ria, se o meio empre ga do pelo agen te (frau de)for ine fi caz para indu zir ou man ter alguém em erro, não se pode rá falar em crime.

tratando-se de crime mate rial, que admi te seu fra cio na men to, é per fei ta -men te admis sí vel a ten ta ti va, uma vez que o iter cri mi nis pode ser inter rom pi dopor cau sas estra nhas à von ta de do agen te.

8. pena e ação penal

as penas comi na das são a reclu são, de dois a seis anos, e multa, cumu la ti va -men te. na hipó te se do pará gra fo único, a pena será majo ra da em um terço, ou

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seja, tra tan do-se de ins ti tui ção finan cei ra ofi cial ou por ela cre den cia da para orepas se do finan cia men to. trata-se, na rea li da de, de uma certa “malí cia” do legis -la dor crian do uma majo ran te obri ga tó ria, que, neces sa ria men te, será apli ca da emtodas as hipó te ses desta infra ção penal, pois as polí ti cas de finan cia men to sãosem pre ope ra cio na li za das atra vés de ins ti tui ções finan cei ras ofi ciais ou por elascre den cia das.

na ver da de, não conhe ce mos nenhu ma espé cie de finan cia men to ope ra cio -na li za do por ins ti tui ções finan cei ras não ofi ciais, ou que não tenha sido cre den -cia da por uma ofi cial. significa afir mar, em outros ter mos, que, com esse sub ter -fú gio uti li za do pelo legis la dor, a pena míni ma para essa infra ção penal será sem -pre de dois anos e dois meses de reclu são. Convenhamos, é exa ge ra da men te gra -vo sa, con si de ran do-se que a pena míni ma pre vis ta para o este lio na to é de somen -te um ano de reclu são, poden do ser ele va da, nas mes mas cir cuns tân cias, para tãosomen te um ano e qua tro meses de reclu são (art. 171, § 3º).

a ação penal, por fim, é públi ca incon di cio na da, deven do, con se quen te -men te, a auto ri da de com pe ten te agir ex offi cio, inde pen den te men te de qual quermani fes ta ção do ofen di do.

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Capítulo XX

aplicar Financiamentoem Finalidade diversa

sumário: 1. Considerações pre li mi na res; 2. Bem jurí di co tute la do; 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime; 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca; 4.1. Finalidade diver sa da pre - vis ta em lei ou con tra to; 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca; 6. Classificação dou tri -ná ria; 7. Consumação e ten ta ti va. 8. pena e ação penal.

art. 20. aplicar, em fina li da de diver sa da pre vis ta em lei ou con tra to, recur -sos pro ve nien tes de finan cia men to con ce di do por ins ti tui ção finan cei ra ofi cialou por ins ti tui ção cre den cia da para repas sá-lo:

pena – reclu são, 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

o crime des cri to neste dis po si ti vo legal não encon tra pre ce den te em ne -nhum diplo ma legal ante rior, quer na legis la ção codi fi ca da, quer nas leis extra -va gan tes. Com algu ma dife ren ça, no entan to, o anteprojeto ela bo ra do pelaComissão de reforma da parte especial do Código penal, em seu art. 392, § 1º,dis ci pli na con du ta seme lhan te. originariamente, o projeto da Câmara dos depu -tados defi niu a con du ta cons tan te deste art. 20, com peque na dife ren ça na reda -ção que, ao final, foi devi da men te cor ri gi da do sin gu lar para o plu ral a locu ção‘recur so proveniente’.

2. Bem jurí di co tute la do

a dou tri na, de um modo geral, sus ten ta que o bem jurí di co tute la do é opatri mô nio das ins ti tui ções finan cei ras e do pró prio sis te ma finan cei ro nacio nal.nesse sen ti do, tórtima afir ma que: “tutela-se, nesta figu ra legal, dire ta men te, opatri mô nio das ins ti tui ções finan cei ras ofi ciais, even tual men te amea ça do pelaines cru pu lo sa uti li za ção, por parte do agen te, em ati vi da de eco nô mi ca diver sa dapre vis ta, dos recur sos libe ra dos em seu favor”.1 no entan to, na nossa con cep ção,

1 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 127.

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bens jurí di cos tute la dos, como crime plu rio fen si vo, são o patri mô nio ou os recur -sos finan cei ros per ten cen tes ao erá rio públi co (recei ta), even tual men te des ti na -dos a fomen tar seg men tos indus triais, sociais, agro pas to ril etc., tais como agri cul -tu ra, moder ni za ção do par que nacio nal indus trial, incen ti var deter mi na do setor,como o explo ra dor do bio die sel, entre outros, via ins ti tui ção ofi cial ou ins ti tui -ção cre den cia da para repas sá-lo. nessa linha, tigre maia, luci da men te, afir ma:“tem por esco po o dis po si ti vo res guar dar o inte res se públi co pre va len te na des -ti na ção dos recur sos finan cei ros ori gi ná rios do erá rio gover na men tal, e asse gu rarque os bene fi ciá rios de tais recur sos, em geral pes soas jurí di cas, apli quem-nos nacon cre ti za ção das metas sócio-eco nô mi cas que pre si di ram sua con ces são.protege-se, pois, nesta norma penal em bran co, a regu lar imple men ta ção da polí -ti ca eco nô mi ca públi ca [...]”.2

tutela-se, secun da ria men te, a invio la bi li da de e a cre di bi li da de do sis te mafinan cei ro, zelan do pela regu la ri da de das tran sa ções e ope ra ções rea li za das poressas ins ti tui ções. para o bom e regu lar fun cio na men to do mer ca do finan cei ro, éindis pen sá vel asse gu rar-se a reti dão, a cor re ção e a mora li da de de todas suas ope -ra ções como resul ta do do con tro le ofi cial exer ci do pelo Governo.

o obje to mate rial é o finan cia men to obti do em ins ti tui ção finan cei ra ofi cialou cre den cia da para repas sá-lo. Financiamento dis tin gue-se de emprés ti mo, queé uma ope ra ção roti nei ra das ins ti tui ções finan cei ras e pode ter des ti na ção livre,segun do as neces si da des e os inte res ses do toma dor. Financiamento, por sua vez,tem des ti na ção espe cí fi ca, sendo vin cu la do a deter mi na do empreen di men to ouaqui si ção de deter mi na do bem, pro prie da de, coisa ou direi to. por isso, apli cá-loem fina li da de diver sa cons ti tui infra ção penal.

o finan cia men to refe ri do no dis po si ti vo, além de ser con ce di do por ins ti -tui ção finan cei ra ofi cial ou por ins ti tui ção cre den cia da a repas sá-lo, nor mal men -te decor re de algum pro gra ma ofi cial de gover no, com cus tos sub si dia dos, des ti -na do ao fomen to de algum pro je to, empreen di men to ou aqui si ção que apre sen -te reco nhe ci da rele vân cia social e que, por óbvio, não pode ser des via do paraqual quer outro fim. essa fina li da de fomen ta do ra do pro gres so, melho ria ou cria -ção de opor tu ni da des para a cole ti vi da de como um todo jus ti fi ca a sua maior pro -te ção jurí di ca dife ren cia da, inclu si ve com a tute la penal.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo do crime de des vio de finan cia men to para fina li da de diver sada pre vis ta pode ser qual quer pes soa que obte nha finan cia men to nes sas con di -

2 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 125; em sen ti do seme lhan te, antonio ro -drigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 149: “obje to jurí di co: é a ordem eco nô mi ca e finan cei ra do es -tado mate ria li za da na exe cu ção da polí ti ca de cré di to, nos ter mos do pre cei tua do no art. 22, vii, da Cons -tituição Federal. secundariamente, outros bens jurí di cos são tute la dos, como a fé públi ca e o patri mô nio.”

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ções, sem a exi gên cia de qual quer qua li da de ou con di ção espe cial (crime co -mum). o con cur so de pes soas, quan do efe ti va men te ocor rer, por óbvio, deve seradmi ti do, nos ter mos do art. 29 do Cp.

sujeito pas si vo, ime dia to, é neces sa ria men te a ins ti tui ção finan cei ra lesa daem decor rên cia da cele bra ção de con tra to de finan cia men to des via do de suafina li da de, bem como o estado que teve os recur sos des ti na dos ao fomen to dedeter mi na dos seto res da socie da de des via do de suas fina li da des. secundaria -mente, igual men te, tam bém é o estado sujei to pas si vo, na con di ção de res pon sá -vel pela regu la ri da de e o bom fun cio na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a ação tipi fi ca da é apli car, em fina li da de diver sa da pre vis ta em lei ou con -tra to, recur sos pro ve nien tes de finan cia men to con ce di do por ins ti tui ção finan -cei ra ofi cial ou por ins ti tui ção cre den cia da a repas sá-lo. a con du ta nuclear, repe -tin do, está repre sen ta da pelo verbo ‘ aplicar’, que sig ni fi ca inves tir, empre gar,inje tar recur sos em ope ra ção ou pro je to, diver so do pre vis to em lei ou con tra to,obje ti van do obter ren di men tos finan cei ros. “Consiste a ação incri mi na da – naafir ma ção de tórtima – em dar o agen te des ti na ção diver sa da esta be le ci da nocon tra to de finan cia men to, ou na pró pria lei, ao dinhei ro obti do com a refe ri daope ra ção finan cei ra.”3 em outras pala vras, a lei coíbe o des vio de recur sos, paraoutra fina li da de, con ce di dos para a rea li za ção de ati vi da des ou pro je tos deter mi -na dos, espe cí fi cos, tais como agri cul tu ra, incor po ra ções imo bi liá rias, capi tal e girode deter mi na das empre sas, aqui si ção de maqui ná rio indus trial ou agrí co la etc.

a carac te rís ti ca fun da men tal deste tipo penal é a frau de, mas, con tra ria -men te ao que ocor re na figu ra do este lio na to, não é uti li za da para obter o finan -cia men to, mas usada ao apli car os recur sos pro ve nien tes dele, em fina li da dediver sa da pre vis ta em lei ou con tra to. a frau de, pode-se afir mar, ocor re a pos -te rio ri, ou seja, não na causa, mas no fim. nesse sen ti do, era o magis té rio depimentel, que pon ti fi ca va: “trata-se de pre vi são de um des vio de fina li da de dofinan cia men to, o que pode ria ser con si de ra do um enga no a pos te rio ri, reve lan doque a inten ção do agen te não era a de cum prir a lei ou o con tra to, quan to à des -ti na ção dos recur sos pro ve nien tes do finan cia men to.”4 a frau de con sis te exa ta -men te na uti li za ção de finan cia men to obti do com um obje ti vo espe cí fi co e paraapli cá-lo em fina li da de abso lu ta men te diver sa, locu ple tan do-se, inde vi da men te,das benes ses asse gu ra das ao finan cia men to que, por ter des ti na ção espe cí fi ca, deinte res se públi co ou gover na men tal, nor mal men te, é con ce di do em con di çõespri vi le gia das. além de o sujei to ativo bene fi ciar-se, injus ta men te, das van ta gens

3 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 128.4 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 147.

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que o finan cia men to encer ra em si mesmo, pre ju di ca ter cei ro que pode ria terrece bi do aque les recur sos para apli cá-los no obje ti vo-fim para o qual ofi cial men -te se des ti na va. existem, nesta figu ra, van ta gem obti da e pre juí zo cau sa do, embo -ra não sejam ele men ta res típi cas expli ci ta das, como ocor re no este lio na to. narea li da de, o sujei to ativo apre sen ta como ver da dei ra uma fina li da de que jus ti fi caa con ces são do finan cia men to, mas ao obtê-lo apli ca os recur sos em fina li da dedis tin ta, não pre vis ta na lei ou con tra to.

no entan to, embo ra se cons ta te cla ra men te a pre sen ça da maio ria dos ele -men tos cons ti tu ti vos do crime de este lio na to, com ele não se con fun de. na rea -li da de, no este lio na to, a frau de é ante rior à obten ção da van ta gem inde vi da, aliás,é o meio para obtê-la, ao passo que, nesta figu ra sub exa men, a frau de é pos te riorà obten ção do finan cia men to ofi cial, que seria a van ta gem obti da. tampouco sepode falar em fal si da de ideo ló gi ca na cele bra ção do con tra to ou quan do da soli -ci ta ção do finan cia men to, por que o des vio de fina li da de somen te ocor re emmomen to pos te rior. ademais, como a frau de exau re-se no des vio dos recur sosobti dos com o finan cia men to, é absor vi da por esta infra ção penal, a exem plo doque ocor re na hipó te se do crime de este lio na to. o superior tribunal de Justiçasumu lou essa orien ta ção, nos seguin tes ter mos: “Quando o falso se exau re noeste lio na to, sem mais poten cia li da de lesi va, é por este absor vi do” (súmula nº 17do stJ). mutatis mutan dis, apli ca-se o mesmo racio cí nio no crime sub exa men.

o finan cia men to pode ser obti do pelo sujei to ativo dire ta men te de ins ti tui -ção finan cei ra ofi cial ou atra vés de ins ti tui ção pri va da devi da men te cre den cia dapara o repas se dos recur sos obje to do finan cia men to. significa dizer, em outroster mos, o finan cia men to é cus tea do por recur sos públi cos, com des ti na ção espe -cí fi ca e, via de regra, a cus tos finan cei ros sub si dia dos pelo poder públi co. issoocor re, por exem plo, quan do ban cos pri va dos são cre den cia dos pelo Bndes pararepas sa rem finan cia men tos para o fomen to de deter mi na das ati vi da des eco nô mi -cas. a ins ti tui ção é pri va da, mas os recur sos são públi cos ou, pelo menos, comsub sí dios públi cos. assim, come te a infra ção quem, obten do o finan cia men to,apli ca seus recur sos em fina li da de diver sa daque la para a qual foi finan cia da.Ficaram por demais conhe ci das, aliás, fazem parte do fol clo re das frau des, o“escân da lo da man dio ca”, em pernambuco, ou o do “adubo-papel”, nos estadosdo sul, ocor ri dos nos anos 70 e 80.

por essa razão, basi ca men te, o even tual des vio de fina li da de de recur sosobti dos de finan cia men to con ce di do por ins ti tui ções finan cei ras pri va das, oriun -do de pro je tos ou polí ti cas emi nen te men te pri va dos, isto é, sem recur sos públi -cos, não tipi fi ca esta infra ção penal. no mesmo sen ti do, pro nun cia-se FernandoFragoso, in ver bis: “são, con tu do, cri mi na li za dos, ape nas os des vios de recur soscon ce di dos por ins ti tui ções finan cei ras ofi ciais ou por enti da des que repas samsuas ver bas”. em outros ter mos, quan do se tra tar de recur sos pró prios da ins ti -tui ção finan cei ra pri va da, mesmo que apli ca dos em fina li da de diver sa, não seenqua dra na proi bi ção con ti da no tipo sub exa men. mesmo que se trate de pro -

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gra mas gover na men tais, o ‘des vio de finalidade’ não con fi gu ra o crime em ques -tão se os recur sos forem pró prios da ins ti tui ção finan cei ra pri va da, como, porexem plo, o cré di to rural finan cia do com recur sos pró prios da ins ti tui ção finan -cei ra pri va da, apli ca ções obri ga tó rias cal cu la das sobre o saldo médio diá rio derubri cas con tá beis sujei tas ao reco lhi men to com pul só rio (lei nº 4.829/65, art. 21e mrC 6.2.2) não tipi fi cam a con du ta con ti da no arti go sub exa men. Falta-lhe aele men tar ‘cre den cia da para repas sá-lo’; o prin cí pio da tipi ci da de estri ta ou taxa -ti vi da de impe de que se reco nhe ça a ade qua ção típi ca desse des vio de finan cia -men to sus ten ta do com recur sos pró prios da ins ti tui ção finan cei ra pri va da. se nãohá repas se, não se pode falar em fato penal men te rele van te.

por fim, con si de ran do-se que a con du ta incri mi na da é “apli car [...] em fina -li da de diver sa da pre vis ta em lei ou con tra to”, não se pode pre ten der equi pa rarcom a con du ta de “dei xar de apli car na fina li da de pre vis ta”, que, afora cons ti tuí -rem espé cies de cri mes dis tin tos, têm sig ni fi ca dos diver sos. a pri mei ra hipó te se,que é a tipi fi ca da, cons ti tui crime comis si vo, enquan to a segun da, que é atí pi ca,cons ti tui ria crime omis si vo, não alcan ça da, evi den te men te, pela des cri ção con ti -da no art. 20, que ora exa mi na mos, pois estes cri mes exi gem uma tipo lo gia pró -pria. em outros ter mos, os cri mes omis si vos pró prios devem, neces sa ria men te,encon trar-se pre via men te des cri tos no orde na men to jurí di co em obe diên cia aoprin cí pio da reser va legal. em outros ter mos, proi bir a prá ti ca de deter mi na dacon du ta (crime comis si vo) jamais pode rá ser equi pa ra da à sua omis são, comoseria o caso que ora refe ri mos. nesse sen ti do, exem pli fi ca, acer ta da men te,antonio Carlos rodrigues da silva, afir man do que: “se os recur sos des ti na dos aocus teio de uma lavou ra são depo si ta dos na conta cor ren te do mutuá rio que negli -gen cia a sua apli ca ção na fina li da de pre vis ta, man ten do o nume rá rio ina ti vo atéo ven ci men to, não se con su ma rá o fato típi co, por que ausen te o ele men to sub je -ti vo do tipo”.5

4.1. Finalidade diver sa da pre vis ta em lei ou con tra to

a ele men tar nor ma ti va fina li da de diver sa da pre vis ta em lei ou con tra tosig ni fi ca somen te apli ca ção que con tra riar expres sa pre vi são legal ou con tra tual,ou seja, estan do ausen tes esses dois ins tru men tos jurí di cos – lei e con tra to –, nãose con fi gu ra o crime, ainda que haja outra forma de acor do ou deter mi na çãoregu la men tar. o prin cí pio da reser va legal impe de que se amplie a inter pre ta çãopara abran ger con du tas não des cri tas expres sa men te no texto legal. aplicar osrecur sos em fina li da de diver sa da pre vis ta em lei ou con tra to sig ni fi ca que oagen te subs ti tui a von ta de legal ou con tra tual por seu arbí trio, por sua von ta de

5 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 150.

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uni la te ral, apli can do os recur sos – que são vin cu la dos por lei ou por con tra to, oupor ambos –, não na fina li da de legal (pre vis ta em lei) ou con tra ta da, mas em fina -li da de diver sa, dis tin ta daque la. neste caso, mais que ile gí ti mo, trata-se de apli -ca ção ile gal, como pres cre ve o dis po si ti vo em estu do.

a locu ção ‘fina li da de diver sa da pre vis ta em lei’ refe re-se a diplo ma legis la -ti vo, ema na do do poder com pe ten te, isto é, do poder legislativo, e ela bo ra do deacor do com o pro ces so legis la ti vo pre vis to no texto cons ti tu cio nal. portanto, otermo ‘lei’ uti li za do no tipo penal tem o sig ni fi ca do res tri to, for mal, com preen -den do o con teú do e o sen ti do deste tipo de diplo ma jurí di co, con si de ran do queo coman do nor ma ti vo deve ser claro, pre ci so e expres so, de tal forma a não pai -rar dúvi da ou obs cu ri da de a res pei to do pro ce di men to a ado tar. em outros ter -mos, refe ri do termo não abran ge, por óbvio, dis po si ções con trá rias cons tan tes depor ta rias, regu la men tos, reso lu ções, ordens de ser vi ços etc., que não são leisstric to sensu, mas são pro du zi dos à sacie da de pelo Banco Central, pela Comissãode valores mobiliários, receita Federal, enfim, pelo sis Ba Cen.

É indis pen sá vel, no entan to, que a denún cia do ministério público des cre -va em que fina li da de diver sa os recur sos foram apli ca dos, demons tran do, inclu -si ve, a con cre ta apli ca ção dos refe ri dos recur sos, que não podem resu mir-se ameras ila ções ou sim ples pre sun ções, sem com pro va ção efe ti va.

na nossa ava lia ção, a apli ca ção par cial dos recur sos de finan cia men to emfina li da de diver sa, bem como a rea li za ção par cial do pro je to efe ti va men te finan -cia do não carac te ri zam o des vio de fina li da de na apli ca ção de recur sos pro ve -nien tes de finan cia men to con ce di do por ins ti tui ção finan cei ra ofi cial ou cre den -cia da a repas sá-lo.6

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo geral do crime de apli car finan cia men to em fina li da -de diver sa é o dolo, repre sen ta do pela von ta de livre e cons cien te de des viar aapli ca ção dos recur sos decor ren tes de finan cia men to obti do em ins ti tui çãofinan cei ra ofi cial ou cre den cia da para repas sá-lo. a von ta de e a cons ciên cia,como ele men tos psi co ló gi cos do dolo, devem abran ger não ape nas a ação, comotam bém a apli ca ção dos recur sos em fina li da de diver sa da pre vis ta em lei ou con -tra to. destaque-se o cui da do neces sá rio no exame do aspec to sub je ti vo, nestainfra ção penal, espe cial men te na pre sen ça inte gral dos seus ele men tos sub je ti -vos, cog ni ti vo e voli ti vo, que devem abran ger por com ple to todos os ele men toscons ti tu ti vos da figu ra típi ca.

6 trF da 5ª região, 3ª turma, ap. 97.05.36202-5/pe, rel. des. Fed. Francisco Cavalcanti, rt 793/737.

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não há exi gên cia de ele men to sub je ti vo espe cial do tipo, na medi da em quea fina li da de de apli car os recur sos em fina li da de diver sa da pre vis ta inte gra opró prio dolo, orien ta dor da con du ta incri mi na da. não há, tam pou co, pre vi são demoda li da de cul po sa do crime de apli car recur sos decor ren tes de finan cia men tocon ce di do por ins ti tui ção ofi cial ou cre den cia da. essa hipó te se, se even tual men -te ocor rer, cons ti tui rá con du ta atí pi ca.

6. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (não neces si ta de qual quer qua li da de ou con di çãoespe cial do sujei to ativo); mate rial (con sis te no des vio para fina li da de diver sa dosrecur sos de finan cia men to con ce di do por ins ti tui ção finan cei ra ofi cial); dolo so(não admi te moda li da de cul po sa); ins tan tâ neo (o resul ta do se pro duz de ime dia -to, não haven do dis tan cia men to entre ação e resul ta do lesi vo, ou seja, sua exe cu -ção não se alon ga no tempo, trata-se, na ver da de, de crime ins tan tâ neo com efei -tos per ma nen tes); de forma livre (pode ser pra ti ca do livre men te com qual querforma, desde que com qual quer meio frau du len to); comis si vo (somen te pode serpra ti ca do com uma con du ta posi ti va); unis sub je ti vo (pode ser come ti do por ape -nas um sujei to ativo); plu ris sub sis ten te (con sis ten te em vários atos inte gran tes deuma con du ta, admi tin do, con se quen te men te, seu fra cio na men to).

7. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime de apli car finan cia men to em fina li da de diver sa nomomen to em que a con du ta se con cre ti za, ou seja, no momen to em que se rea li -za a efe ti va apli ca ção dos recur sos des via dos. não basta a sim ples não apli ca çãona fina li da de devi da para o crime con su mar-se, sendo indis pen sá vel a real apli -ca ção em outra fina li da de, tra tan do-se, por con se guin te, de crime mate rial. paraa con su ma ção deste crime, no entan to, é irre le van te a exis tên cia de pre juí zo paraa ins ti tui ção finan cei ra. por essa razão, é irre le van te para a con su ma ção do crimeo fato de o agen te, pos te rior men te, hon rar as obri ga ções con tra tual men te assu -mi das na obten ção do finan cia men to.

tratando-se de crime mate rial, que admi te seu fra cio na men to, é per fei ta -men te admis sí vel a ten ta ti va, uma vez que o iter cri mi nis pode ser inter rom pi dopor cau sas estra nhas à von ta de do agen te.

8. pena e ação penal

as penas comi na das são a reclu são, de dois a seis anos, e multa, cumu la ti va -men te. mais uma vez, a pena comi na da é exa ge ra da men te gra vo sa, con si de ran -

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do-se que a pena míni ma pre vis ta para o este lio na to é de somen te um ano dereclu são.

a ação penal, por fim, é públi ca incon di cio na da, deven do, con se quen te -men te, a auto ri da de com pe ten te agir ex offi cio, inde pen den te men te de qual quermani fes ta ção do ofen di do.

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Capítulo XXi

Falsa identidade

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos docrime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. so -nega infor ma ção que deve ria pres tar ou pres ta infor ma ção falsa. 7. atipicidade doingres so irre gu lar de divi sas e equi vo ca da capi tu la ção no art. 21, pará gra fo único.8. Consumação e ten ta ti va. 9. Classificação dou tri ná ria. 10. Questões espe ciais.11. pena e ação penal.

art. 21. atribuir-se, ou atri buir a ter cei ro, falsa iden ti da de, para rea li za çãode ope ra ção de câm bio:

pena — detenção, de 1 (um) a 4 (qua tro) anos, e multa.parágrafo único. incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sone ga

infor ma ção que devia pres tar ou pres ta infor ma ção falsa.

1. Considerações pre li mi na res

no anteprojeto ela bo ra do pela Comissão de reforma da parte especial doCódigo penal, como pri mei ra ten ta ti va de cri mi na li zar deter mi na das con du tasque ocor rem no sis te ma finan cei ro nacio nal, tra tan do dos cri mes con tra a ordemfinan cei ra, pre via o art. 397, com a seguin te reda ção: “art. 397 – atribuir-se falsaiden ti da de ou pres tar infor ma ção falsa, com o fim de ope rar moeda estran gei ra.pena – reclusão de um a três anos e multa. parágrafo único. incorre na mesmapena quem, habi tual men te, vende ou com pra moeda estran gei ra, sem a devi daauto ri za ção.” esse anteprojeto não pros pe rou.

o anteprojeto da pre sen te lei, na Câmara dos deputados, ado tou outraorien ta ção, man ten do somen te a incri mi na ção da falsa iden ti da de, nos seguin tester mos: “art. 22 – atribuir-se, ou atri buir a ter cei ro, falsa iden ti da de, para a rea -li za ção de ope ra ção de câm bio. pena – detenção de 1 (um) a 4 (qua tro) anos emulta. parágrafo único. na mesma pena incor re quem, para o mesmo fim, sone -ga infor ma ção que devia pres tar, ou pres ta infor ma ção falsa.”

Com peque na e irre le van te alte ra ção na reda ção do pará gra fo único, oCongresso nacional con ver teu em lei o projeto que lhe fora apre sen ta do, resul -tan do no art. 21 e seu res pec ti vo pará gra fo único. os cri mes des cri tos no caput eem seu pará gra fo único são “essen cial men te, cri mi na falsi. são, em tudo, seme -

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lhan tes ao crime pre vis to no art. 307 do Cp”1. Com efei to, esse dis po si ti vo doCódigo penal tem a seguin te reda ção: “art. 307. atribuir-se ou atri buir a ter cei -ro falsa iden ti da de para obter van ta gem, em pro vei to pró prio ou alheio, ou paracau sar dano a outrem: pena — deten ção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, oumulta, se o fato não cons ti tui ele men to de crime mais grave.” diferenciam-se, osdois dis po si ti vos legais, somen te quan to ao ele men to sub je ti vo espe cial do tipoexi gi do, como vere mos ao longo da expo si ção.

2. Bem jurí di co tute la do

Bem jurí di co pro te gi do é a fé públi ca, no tocan te à iden ti da de pes soal. a fépúbli ca, aqui, ao con trá rio das hipó te ses ante rio res, rela cio na-se à iden ti da deindi vi dual, pes soal, pró pria ou de ter cei ro que pre ten de rea li zar ope ra ção decâm bio. objetiva-se, igual men te, pro te ger a regu la ri da de das ope ra ções de com -pra e venda de moeda estran gei ra, garan tin do a indis pen sá vel segu ran ça das rela -ções jurí di cas. para rodrigues da silva, o obje to jurí di co é a ordem eco nô mi ca efinan cei ra do estado na admi nis tra ção e na fis ca li za ção das reser vas cam biais dopaís, além da fé públi ca do mer ca do de câm bio.2

3. sujeitos do crime

sujeito ativo é qual quer pes soa, inde pen den te men te de qua li da de ou con di -ção pes soal. admite, natu ral men te, a pos si bi li da de de con cur so de pes soas, nasmoda li da des de coau to ria e par ti ci pa ção em sen ti do estri to.

sujeito pas si vo é o estado res pon sá vel pelo sis te ma finan cei ro nacio nal,bem como qual quer pes soa que, even tual men te, seja pre ju di ca da pela ação dosujei to ativo.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a con du ta típi ca con sis te em atri buir (incul car, irro gar, impu tar) a simesmo ou a outrem falsa iden ti da de, sendo esta cons ti tuí da por todos os ele men -tos de iden ti fi ca ção civil da pes soa, ou seja, seu esta do civil (idade, filia ção, matri -mô nio, nacio na li da de etc.) e seu esta do social (pro fis são ou qua li da de pes soal).3nesse sen ti do, o magis té rio de damásio de Jesus,4 in ver bis: “a iden ti da de é cons -

1 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 151.2 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 154.3 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal, parte especial, 11. ed., rio de Janeiro, Forense, 1995,

p.381.4 damásio de Jesus. direito penal, 12. ed., são paulo, saraiva, 2002, v. 4, p. 96.

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ti tuí da de todos os ele men tos que podem indi vi dua li zar (iden ti fi car) uma pes soa:esta do civil (filia ção, idade, matri mô nio, nacio na li da de etc.) e con di ção social(pro fis são ou qua li da de pes soal).” pune-se, em rea li da de, o com por ta men to dequem, por escri to, atri bui a si mesmo ou a ter cei ro, iden ti da de que não cor res -pon de à rea li da de. tanto come te o crime quem atri bui a si ou a ter cei ro iden ti -da de de pes soa exis ten te, como quem invo ca a de pes soa fic tí cia ou ine xis ten te,ocor ren do, na pri mei ra hipó te se, subs ti tui ção de pes soas. em outras pala vras, ocrime de falsa iden ti da de pode ser come ti do por subs ti tui ção de pes soa, fazen do-se o agen te pas sar por outro ou atri buin do-se nome alheio ou ima gi ná rio. noentan to, a des pei to de a orien ta ção dou tri ná ria5 sus ten tar que, como regra, o sim -ples fato de atri buir-se falso esta do civil ou con di ção social seja sufi cien te paracarac te ri zar o crime de falsa iden ti da de, dis cor da mos desse enten di men to. aliás,nesse sen ti do, já deci diu a juris pru dên cia de nos sos tri bu nais que o crime não secon fi gu ra quan do há falsa atri bui ção de qua li da de social (padre, mili tar), não bas -tan do, por tan to, atri buir-se ou atri buir a outrem falsa pro fis são (rt nº 414/267).

na rea li da de, qual quer dos dois aspec tos, ou ambos em con jun to, esta do civile esta do social, em si mes mos, são insu fi cien tes para a iden ti fi ca ção com ple ta dapes soa, espe cial men te com a ido nei da de neces sá ria para, no plano penal, enga nar alguém. ademais, além de se reve la rem, na iden ti fi ca ção de alguém, aspec tossecun dá rios, suas alte ra ções podem resul tar de equí vo cos, erros ou sim ples desa -ten ção, espe cial men te por se tra tar de preen chi men to de for mu lá rios pré-ela bo -ra dos. não se pode esque cer, por outro lado, que, mui tas vezes, esses for mu lá riossão preen chi dos pelos pró prios fun cio ná rios das ins ti tui ções finan cei ras.

por fim, a des pei to de não ser uma ele men tar típi ca, esta mos dian te decrime frau du len to, isto é, pra ti ca do median te frau de, cuja fina li da de, implí ci ta, éenga nar, ludi briar, indu zir em erro, depreen den do-se seu espe cial fim de agir,qual seja, a rea li za ção de ope ra ção de câm bio, que será abai xo ana li sa do. nessesen ti do, é o magis té rio de manoel pedro pimentel, ao comen tar este mesmo arti -go: “trata-se de proi bi ção de com por ta men to frau du len to, com a fina li da de deobter a rea li za ção de ope ra ção de câm bio. e o pará gra fo único do mesmo dis po -si ti vo com ple ta a des cri ção das con du tas que, por omis são ou por ação, visem aomesmo fim.”6

a con du ta incri mi na da no caput é comis si va, isto é, deve ser efe ti va men terea li za da pelo sujei to ativo, não se admi tin do como típi ca a forma omis si va. poressa razão, quem somen te silen cia sobre a iden ti da de que erro nea men te lhe éatri buí da não come te este crime. em outros ter mos, não há crime na con du ta dequem, con fun di do com alguém, não escla re ce ao inter lo cu tor sua ver da dei ra

5 antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 154; heleno Cláudio Fragoso. liçõesde direito penal, parte especial... p. 374.

6 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 151.

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iden ti da de; não há, na ver da de, incri mi na ção de omi tir a iden ti da de ou não aescla re cer quan do con fun di do com alguém. não é outro o magis té rio de helenoFragoso,7 que, comen tan do dis po si ti vo seme lhan te do Código penal, pon ti fi ca: “afalsa atri bui ção de iden ti da de pode ser pra ti ca da por escri to ou ver bal men te, emrela ção pes soal de qual quer natu re za. será em regra um ato posi ti vo, não sendocabí vel que possa o crime ser pra ti ca do por omis são. não se atri bui falsa iden ti da -de a quem ape nas silen cia sobre a errô nea iden ti da de que lhe é impu ta da. emborao efei to possa ser o mesmo, não há, em tal hipó te se, tipi ci da de”. no entan to, a ele -men tar iden ti da de, no plano geral, não pode ser inter pre ta da res tri ti va men te, poisnin guém é iden ti fi ca do somen te pelo aspec to físi co, moral ou inte lec tual, maspelo con jun to de todos os seus carac te res que o indi vi dua li zam, espe cial men te pornome, filia ção, nacio na li da de e natu ra li da de, que são os aspec tos fun da men tais daindi vi dua li za ção e da iden ti fi ca ção de qual quer ser huma no.

o crime de falsa iden ti da de des cri to neste art. 21, entre outros requi si tos, temde ser pra ti ca do de forma idô nea, isto é, com capa ci da de de enga nar os ope ra do resda ins ti tui ção finan cei ra. nesse sen ti do, é o magis té rio de hungria8 que, ana li san -do o art. 307 do Código penal, afir ma: “não é, porém, neces sá rio que o agen teincul que ou simu le inte gral men te iden ti da de que não é a sua, bas tan do que o façade modo idô neo a enga nar e a criar ense jo à obten ção de inde vi da van ta gem [...]”.ademais, con vém des ta car, a fal si da de da iden ti da de não se carac te ri za com a sim -ples não cor res pon dên cia de um ou outro de seus dados, ou com alguns deles,quan do per mi tem a iden ti fi ca ção da pes soa pro pria men te. em outras pala vras,erro, equí vo co ou não cor res pon dên cia de alguns dados iden ti fi ca tó rios, por maisrele van tes que sejam, se não impe di rem a iden ti fi ca ção da pes soa como a pró pria,não carac te ri zam o crime, que é, não se pode igno rar, falsa iden ti da de e não fal sosdados ou atri buir-se dados não ver da dei ros, requi si tos ou infor ma ções rela ti vos àsua iden ti da de ou a de ter cei ro. enfim, a sim ples incon gruên cia ou desen con trosem alguns dos dados iden ti fi ca do res do agen te, desde que não impe çam sua iden -ti fi ca ção, por mais rele van tes que sejam, não tipi fi cam este crime.

de todos os aspec tos, de toda a estru tu ra tipo ló gi ca, a única dife ren ça queexis te entre a infra ção penal des cri ta neste art. 21 da lei nº 7.492/86, qual seja,falsa iden ti da de, e a sua simi lar con ti da no art. 307 do Cp, resi de no ele men tosub je ti vo espe cial do tipo exi gi do por cada uma das duas infra ções penais. nahipó te se do Código penal, “para obter van ta gem, em pro vei to pró prio ou alheio,ou para cau sar dano a outrem”, e na hipó te se deste arti go da lei espe cial, “pararea li za ção de ope ra ção de câm bio”, que exa mi na re mos abai xo. manoel pedropimentel já havia des ta ca do esse aspec to: “o que os dife ren cia é exa ta men te o ele -

7 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal, parte especial, 4. ed., rio de Janeiro, Forense, 1984, v.ii, p. 374.

8 nelson hungria. Comentários ao Código penal, 2. ed., rio de Janeiro, Forense, 1959, v. iX, p. 307-8.

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men to sub je ti vo do injus to, ou seja, a fina li da de a que se des ti na a fal si da de. nainfra ção pre vis ta no art. 307 do Cp o fim do agen te é obter van ta gem, em pro -vei to pró prio ou alheio, ou cau sar dano a outrem. nestes cri mes em exame, afina li da de é a rea li za ção de ope ra ção de câm bio”.9 aliás, dessa dife ren ça entre osele men tos sub je ti vos espe ciais do tipo das duas infra ções decor re uma segun dadis tin ção, ou seja: na infra ção des cri ta no Código penal é pos sí vel, segun do adou tri na tra di cio nal, sua exe cu ção tam bém “oral men te”, algo incon ce bí vel notipo des cri to na lei espe cial, ora sub exa men, pelo seguin te fun da men to:

Com efei to, na hipó te se do Código penal, o fim espe cial “obter van ta gem oucau sar dano” sig ni fi ca uma fina li da de aber ta, abran gen te, gené ri ca, que podereal men te ser exe cu ta da ou pra ti ca da de qual quer forma ou por qual quer meio,inclu si ve oral men te. no entan to, na hipó te se da lei espe cial, a fina li da de é única,espe cí fi ca, exclu si va, qual seja “para a rea li za ção de ope ra ção de câm bio”. ora, éde conhe ci men to públi co que uma ope ra ção de câm bio deman da preen chi men -to de docu men tos, apre sen ta ção de iden ti da de civil, decla ra ções, tudo, evi den te -men te, por escri to. essa, por tan to, é a única forma admis sí vel dessa moda li da deespe cial do crime de falsa iden ti da de, faci li tan do, inclu si ve, a pro du ção de prova.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

elemento sub je ti vo é o dolo, con sis ten te na von ta de livre e cons cien te deatri buir-se ou atri buir a outrem falsa iden ti da de para rea li za ção de ope ra ção decâm bio. É indis pen sá vel que o agen te tenha cons ciên cia de que está fazen do-sepas sar por outra pes soa e, por con se guin te, enga nan do o ope ra dor da ins ti tui çãofinan cei ra na rea li za ção de ope ra ção de câm bio. Comentando o art. 307 doCódigo penal, heleno Fragoso afir ma que o ele men to sub je ti vo é cons ti tuí dopela “von ta de cons cien te men te diri gi da à impu ta ção a si pró prio ou a outrem defalsa iden ti da de”.10

exige-se, porém, o ele men to sub je ti vo espe cial do injus to, con sis ten te noespe cial fim de agir, qual seja “para rea li za ção de ope ra ção de câm bio”. É exa ta -men te esta fina li da de de agir que torna o fato penal men te rele van te. se, noentan to, o sujei to ativo não visa dire ta e obje ti va men te à rea li za ção de ope ra çãode câm bio, o fato não con fi gu ra este crime.

6. sonega infor ma ção que deve ria pres tar ou pres ta infor ma ção falsa

a pre vi são deste pará gra fo está dire ta men te vin cu la da com a pre vi são docaput, ou seja, a infor ma ção sone ga da ou pres ta da fal sa men te refe re-se à iden ti -

9 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 151.10 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal... p. 375.

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da de falsa para rea li za ção de câm bio, ou não tem razão de ser pela aber tu ra queseu enun cia do pro pi cia ria. a locu ção ‘para o mesmo fim’, no entan to, pare ce-nos, afas ta qual quer dúvi da, nesse sen ti do, que pudes se haver. realmente, restainques tio ná vel que a infor ma ção refe ri da no pará gra fo, sone ga da ou pres ta da fal -sa men te, refe re-se à iden ti da de a ser uti li za da para rea li za ção de ope ra ção decâm bio. vejamos a seguir o desen vol vi men to do racio cí nio.

tigre maia, exa mi nan do esse pará gra fo, afir ma: “o crime pre vis to no pará -gra fo único tem a mesma obje ti vi da de jurí di ca do caput, sendo deri va ção docrime de fal si da de ideo ló gi ca e carac te ri zan do-se pela con du ta nor mal men teomis si va de sone gar infor ma ções e pela comis si va de pres tar infor ma ção falsa,sem pre com o esco po de pra ti car ope ra ção de câm bio”.11 essa asser ti va de tigremaia é incen su rá vel, iden ti fi can do a ver da dei ra dimen são do con teú do do pará -gra fo, con tex tua li zan do cor re ta men te o seu ver da dei ro sig ni fi ca do. não é dife -ren te a inter pre ta ção dada por tórtima, que con clui, com acer to: “o pará gra foúnico, em sua parte final, des cre ve con du ta na qual, a rigor, já se encon tra com -preen di da aque la pre vis ta na cabe ça do arti go, por que se o agen te atri bui-se ou ater cei ro iden ti da de falsa (caput), é claro que esta rá pres tan do infor ma ção falsa.Quanto a sone gar a infor ma ção (pará gra fo único, pri mei ra parte), cuida-se dadolo sa ocul ta ção da mesma pelo agen te, cir cuns tân cia que, como já vimos, é dis -tin ta da de sim ples men te omi tir a infor ma ção.”12 não era dife ren te o enten di -men to ado ta do por pimentel ao afir mar que o pará gra fo único com ple ta va a des -cri ção das con du tas que, por omis são ou ação, visas sem ao mesmo fim.13

estamos de pleno acor do com as duas pre mis sas sus ten ta das por José Carlostórtima, que aca ba mos de citar, rela ti va men te às duas con du tas cons tan tes dopará gra fo único. no entan to, para aque les que admi tem a razoa bi li da de do con -teú do deste dis po si ti vo, fare mos o exame a seguir, ad argu men tan dum tan tum,para efei tos tão somen te de colo car mos um sen ti do pos sí vel do para do xal textosub exa men.

há duas con du tas incri mi na das no pará gra fo único: uma omis si va e outracomis si va: sone gar infor ma ção ou pres tá-la fal sa men te. ‘sonegar’, segun do osléxi cos, é “não men cio nar, não rela cio nar nos casos em que a lei exige des cri çãoou men ção”; tam bém pode sig ni fi car, numa segun da acep ção, “dizer que nãotem, tendo, ou ocul tar com frau de”.14 em outros ter mos, tipi fi ca-se crime omis -si vo quan do o agen te não faz o que pode e deve fazer, que lhe é juri di ca men teorde na do. portanto, o crime omis si vo con sis te sem pre na omis são de uma deter -mi na da ação que o sujei to tinha obri ga ção de rea li zar e que podia fazê-lo, nocaso, “sone ga infor ma ção que devia pres tar”. na hipó te se, no entan to, não há a

11 tigre maia. dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 130-1.12 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 132-3.13 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 151.14 Grande dicionário larousse Cultural da lín gua por tu gue sa, são paulo, nova Cultural ltda., 1999, p. 839.

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iden ti fi ca ção dessa con du ta (infor ma ção) que o agen te deve ria pra ti car (pres tar).estamos, por tan to, dian te de uma norma penal em bran co, em um crime omis si -vo, que já é, por sua pró pria natu re za, um tipo penal aber to.

na rea li da de, o direito penal con tém nor mas proi bi ti vas e nor mas impe ra -ti vas (man da men tais). a infra ção das nor mas impe ra ti vas cons ti tui a essên cia docrime omis si vo. a con du ta que infrin ge uma norma man da men tal con sis te emnão fazer a ação orde na da pela refe ri da norma, que, na hipó te se no pará gra foúnico, não é iden ti fi ca da. logo, a omis são em si mesma não exis te, juri di ca men -te, pois somen te a omis são de uma ação deter mi na da pela norma con fi gu ra aessên cia da omis são. e a essên cia do crime – ação ou omis são – não pode ser dei -xa da ao âmbi to de norma extra-penal, como norma inte gra do ra.

informação falsa, por sua vez, é aque la que con tra ria o real con teú do quedeve ria ter, não cor res pon de ao con teú do autên ti co que deve ria apre sen tar; éaque la que não cor res pon de à rea li da de, que é inve rí di ca, fic tí cia, isto é, repre -sen ta da pela cria ção de fatos arti fi ciais, ine xis ten tes ou dis tor ci dos sobre a iden -ti da de do agen te ou de ter cei ro, para a rea li za ção de ope ra ção de câm bio. masessa fal si da de infor ma ti va deve, neces sa ria men te, refe rir-se a fatos ou aspec tosrele van tes ao con jun to de carac te res iden ti fi ca do res do indi ví duo, com ido nei da -de sufi cien te para enga nar sobre a ver da dei ra iden ti da de.

a infor ma ção falsa ou sone ga da, final men te, deve recair sobre fato juri di ca -men te rele van te, ou seja, é neces sá rio que a infor ma ção sone ga da ou falsa cons -ti tua ele men to subs tan cial rela ti vo à iden ti fi ca ção do agen te ou de ter cei ro pararea li zar ope ra ção de câm bio, alte ran do seus efei tos jurí di cos, geran do ou poden -do gerar lesão a direi tos indi vi duais ou cole ti vos. uma sim ples omis são sobreaspec to secun dá rio, por exem plo, mera irre gu la ri da de ou sim ples pre te ri ção defor ma li da de não cons ti tui rão o fal sum ou a sone ga ção de infor ma ção idô neos ades na tu rar iden ti da de para ope ra ção de câm bio. mas é impor tan te des ta car queo tipo em exame refe re-se à fal si da de ideo ló gi ca e não à fal si da de mate rial, dife -ren cian do-se ambas, de modo que enquan to a fal si da de mate rial afeta a auten ti -ci da de do docu men to em sua forma extrín se ca e con teú do intrín se co, a fal si da -de ideo ló gi ca afeta-o tão somen te em sua idea ção, no pen sa men to que suas letrasencer ram. em outras pala vras, a fal si da de ideo ló gi ca versa sobre o con teú do dodocu men to inte gran te da ope ra ção de câm bio, enquan to a fal si da de mate rial dizres pei to a sua forma. no falso ideo ló gi co, basta a poten cia li da de do dano, inde -pen den te men te de perí cia.

por fim, as infor ma ções, sone ga das ou pres ta das fal sa men te devem rela cio -nar-se sobre aspec tos rele van tes da iden ti da de do agen te ou de ter cei ro para rea -li zar ope ra ção de câm bio. Fora dessa cono ta ção, qual quer outra infor ma ção nãover da dei ra rela ti va a qual quer outro aspec to, que não se refi ra a dados subs tan -ciais da iden ti da de, e “com o mesmo fim”, isto é, para rea li zar ope ra ção de câm -bio, não tipi fi ca rá as con du tas des cri tas no pará gra fo único. poderá, evi den te -men te, carac te ri zar outro crime de fal sum, mas não este.

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a con du ta de sone gar infor ma ção, que devia pres tá-la, cons tan te do pará -gra fo único arti go sub exa men, não se con fun de com o con teú do do vocá bu lo‘sone gan do informação’ cons tan te do art. 6º, que é meio de rea li zar a ação proi -bi da naque le dis po si ti vo. aqui repre sen ta ação omis si va, lá sim ples modo ouforma comis si va de rea li zar a con du ta de indu zir ou man ter em erro.

7. atipicidade do ingres so irre gu lar de divi sas e equi vo ca dacapi tu la ção no art. 21, pará gra fo único

não igno ra mos que a lesão ao con tro le cam bial rea li za do pelo Banco Cen -tral pode ocor rer tanto na hipó te se de saída quan to de entra da ile gal de valo resem nosso país. Contudo, a des pei to de even tual infrin gên cia a nor mas admi nis -ta ti vo-cam biais, a entra da irre gu lar de divi sas no Brasil, não se amol da à des cri -ção típi ca cons tan te do arti go 21 e seu pará gra fo único. no entan to, na ten ta ti vade “dri blar” essa lacu na, o ministério público tem pro cu ra do capi tu lar, inde vi da -men te, o even tual ingres so irre gu lar de divi sas, nesse dis po si ti vo, em alguns pro -ces sos, nar ran do, em um deles, da seguin te forma:

“da mesma forma, o denun cia do, nesta capi tal, no perío do com preen -di do entre 03/01/2001 a 24/05/2005 (fl. 13), ao rea li zar ope ra ções de câm biono valor total de [...], segun do a taxa cam bial vigen te, naque las datas, e aotra zer estes valo res para o país de forma ile gal, con tri buiu para que fos semsone ga das as devi das infor ma ções que deviam ser pres ta das ao BancoCentral, inci din do nas penas do arti go 21, pará gra fo único, da lei nº7.492/86.” (grifo do ori gi nal)15

Contudo, a pre vi são do pará gra fo único do art. 21 tem a mesma obje ti vi da -de jurí di ca do caput, qual seja, a fé públi ca, no tocan te à iden ti da de pes soal. a fépúbli ca, aqui, ao con trá rio das hipó te ses ante rio res, rela cio na-se à iden ti da deindi vi dual, pes soal, pró pria ou de ter cei ro que obje ti vam rea li zar ope ra ção decâm bio, como des ta ca mos acima. a pre ten são do parquet reve la-se impos sí velpor sua abso lu ta ina de qua ção típi ca, vio lan do o prin cí pio da reser va legal.

Com efei to, o con teú do do pará gra fo único cons ti tui um tipo penal absur -da men te aber to, abran gen te, gené ri co, impos sí vel de ser deli mi ta do se pre ten -der-se inter pre tá-lo des vin cu la do do con teú do do caput. Convém des ta car, noentan to, que não esta mos dian te de uma norma penal em bran co, isto é, caren tede com ple men to, no par ti cu lar, mas somen te de mais um tipo penal aber to, que

15 ap nº 2000771000323122 – 1ª vara Federal Criminal de porto alegre. no mesmo sen ti do, ap nº2000771000311235, da mesma vara.

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deve ser inter pre ta do nos limi tes de seu con teú do vin cu la do ao con teú do docaput. a lei deve ser com preen di da, tanto quan to pos sí vel, com o con teú do gra -ma ti cal, segun do os ter mos que empre ga. não é per mi ti do à administraçãopública ampliar o tipo penal, com tex tos inter pre ta ti vos que – a rigor – nada maisfaz do que detur par o con teú do do texto legal. admiti-lo sig ni fi ca ria vio len tar oprin cí pio da reser va legal (art. 5º e XXXiX, CF).

Qualquer lei, por mais clara que seja, deve sem pre ser inter pre ta da, para serajus ta da ao caso con cre to. a sim ples afir ma ção de que a lei é clara já impli ca umainter pre ta ção. o decan ta do afo ris mo lati no, in cla ris non fit inter pre ta tio, nãotem o sig ni fi ca do que mui tos pro cu ram atri buir-lhe, da des ne ces si da de de inter -pre tar as leis quan do estas se apre sen tam cla ras e ine quí vo cas. na rea li da de, over da dei ro sen ti do do refe ri do afo ris mo lati no é outro: pro cu ra evi tar que secom pli que o que é sim ples. assim, dian te da cla re za do texto legal, devem-se evi -tar outras for mas de inter pre ta ção que não cor res pon dam ao ver da dei ro sen ti doda norma, cuja cla re za e timi dez se reve lam de plano. a inter pre ta ção não podeem hipó te se algu ma des vin cu lar-se do orde na men to jurí di co e do con tex to his -tó ri co-cul tu ral no qual está inse ri do. não pode, por con se guin te, divor ciar-se dacon cep ção de estado, no caso bra si lei ro, estado democrático de direito, queserá, diga mos, o limi te ter ri to rial da juris di ção do intér pre te.

a des pei to de se atri buir um grau menor à inter pre ta ção gra ma ti cal, nor -mal men te, se ini cia o pro ces so inter pre ta ti vo por esse cri té rio. aliás, nesse sen -ti do é a mani fes ta ção de larenz, que afir ma: “toda inter pre ta ção de um texto háde ini ciar-se com o sen ti do lite ral. por tal enten de mos o sig ni fi ca do de um termoou de uma cadeia de pala vras no uso lin güís ti co geral ou, no caso de que seja pos -sí vel cons ta tar um tal uso, no uso lin güís ti co espe cial do falan te con cre to, aquino da lei res pec ti va.”16 por isso, nesse méto do inter pre ta ti vo, reco men da-se quenunca se olvi dem duas regras bási cas: a) a lei não tem pala vras supér fluas; b) asexpres sões con ti das na lei têm cono ta ção téc ni ca e não vul gar.17

Karl larenz, no âmbi to do direi to pri va do, afir ma cate go ri ca men te: “o sen -ti do lite ral pos sí vel [...] assi na la o limi te da inter pre ta ção.”18 no direito Civil,pros se gue larenz,19 podem-se ultra pas sar os limi tes do sig ni fi ca do lite ral pos sí vel:mas então já não esta re mos dian te da inter pre ta ção, e sim do desen vol vi men to

16 Karl larenz. metodologia da ciên cia do direi to, 3. ed., trad. de José lamego da 6. ed., refor mu la da, em1991, lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 450-51.

17 no entan to, somen te a pró pria inter pre ta ção pode rá escla re cer quan do deter mi na da expres são apa re ce nalei em seu sen ti do comum ou em sen ti do téc ni co-jurí di co. Com efei to, não raro as pala vras são uti li za dasnão no sen ti do téc ni co que apre sen tam em outros ramos do direito, mas com espe cí fi co sig ni fi ca do jurí -di co-penal, como ocor re, por exem plo, com a defi ni ção de fun cio ná rio públi co (art. 327 do Cp). nessashipó te ses, é secun dá rio o sen ti do que refe ri do termo tem para este ou aque le ramo do direito; impor ta osig ni fi ca do mais ade qua do aos fins pre ten di dos pelo direito penal.

18 Karl larenz. metodologia de la cien cia del dere cho, trad. de enrique Gimbernat ordeig, espanha, 1966,p. 256.

19 Karl larenz. metodologia de la cien cia del dere cho... p. 286.

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aber to do direito. em se tra tan do, pois, de direito penal, esses limi tes inter pre ta -ti vos são bem mais estrei tos do que aque les per mi ti dos na seara do direi to pri va -do. enfim, a inter pre ta ção deve pro cu rar ajus tar-se aos prin cí pios cons ti tu cio naise aos valo res jurí di cos fun da men tais, den tro dos estri tos limi tes legais.

por vezes, no entan to, é neces sá rio socor rer-se de outros méto dos inter -pre ta ti vos, tais, como, sis te má ti co, his tó ri co etc. nesse sen ti do, vamos con tex tua -li zar a temá ti ca sub exa men. seguindo nessa rota, come ça mos com a evo lu çãohis tó ri co-sis te má ti ca da pre vi são legal que ora exa mi na mos. Com efei to, oanteprojeto ela bo ra do pela Comissão de reforma da parte especial do Códigopenal, como pri mei ra ten ta ti va de cri mi na li zar deter mi na das con du tas que ocor -riam no sis te ma finan cei ro nacio nal, ao tra tar dos “cri mes con tra a ordem finan -cei ra”, pre via o art. 397, com a seguin te reda ção:

“art. 397 – atribuir-se falsa iden ti da de ou pres tar infor ma ção falsa,com o fim de ope rar moeda estran gei ra.

pena – reclusão de um a três anos e multa. parágrafo único – incorre na mesma pena quem, habi tual men te, vende

ou com pra moeda estran gei ra, sem a devi da auto ri za ção.”

esse pro je to não pros pe rou. no entan to, o anteprojeto na Câmara dosdeputados, que resul tou na pre sen te lei, ado tou outra orien ta ção, man ten dosomen te a incri mi na ção da falsa iden ti da de, nos seguin tes ter mos:

“art. 22 – atribuir-se, ou atri buir a ter cei ro, falsa iden ti da de, para area li za ção de ope ra ção de câm bio.

pena – detenção de 1 (um) a 4 (qua tro) anos e multa. parágrafo único– na mesma pena incor re quem, para o mesmo fim, sone ga infor ma ção quedevia pres tar, ou pres ta infor ma ção falsa.”

Com um pouco de aten ção pode-se cons ta tar uma peque na, mas rele van tís -si ma, dife ren ça no con teú do do caput dos dois dis po si ti vos: naque le anteprojetode Código penal, que não pros pe rou, a falsa iden ti da de ou falsa infor ma ção seriam pra ti ca das “com o fim de ope rar moeda estran gei ra”, ao passo que a reda -ção que redun dou no atual art. 21 da lei nº 7.492/86, limi tou a exten são dessetipo penal, para abran ger somen te “ope ra ção de câm bio”, ou seja, “para a rea li za -ção de ope ra ção de câm bio”. em outros ter mos, pela pre vi são do anteprojeto doCódigo penal, com a falsa iden ti da de ou qual quer infor ma ção falsa, rela ti va men -te à iden ti fi ca ção do sujei to ativo, pode abran ger qual quer ati vi da de “com moedaestran gei ra”, que é algo bem dife ren te da pre vi são do texto legal sub exa men,somen te “para rea li zar ope ra ção de câm bio”.

a fina li da de implí ci ta da falsa iden ti da de ou da infor ma ção falsa é enga nar,ludi briar, indu zir em erro, depreen den do-se de seu espe cial fim de agir, qual

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seja, “para a rea li za ção de ope ra ção de câm bio”. nesse sen ti do, era o magis té riode manoel pedro pimentel, ao comen tar esse mesmo arti go: “trata-se de proi bi -ção de com por ta men to frau du len to, com a fina li da de de obter a rea li za ção deope ra ção de câm bio. e o pará gra fo único do mesmo dis po si ti vo com ple ta a des -cri ção das con du tas que, por omis são ou por ação, visem ao mesmo fim”.20

ora, a pre vi são do seu pará gra fo único está dire ta men te vin cu la da com apre vi são do caput, ou seja, a infor ma ção sone ga da ou pres ta da fal sa men te refe re-se à iden ti da de falsa para rea li za ção de câm bio, ou não teria razão de ser pelaaber tu ra que seu enun cia do pro pi cia ria. a locu ção ‘para o mesmo fim’, à evi dên -cia, afas ta qual quer dúvi da, nesse sen ti do. realmente, resta inques tio ná vel que ainfor ma ção refe ri da no pará gra fo único, sone ga da ou pres ta da fal sa men te, refe -re-se à iden ti da de a ser uti li za da para rea li za ção de ope ra ção de câm bio. aliás, odever de infor mar ou comu ni car ao Banco Central a rea li za ção das ope ra ções decâm bio não é do con tri buin te, mas da pró pria instituição Financeira que a cele -bra, con soan te legis la ção em vigor. Quem não con tra tou nenhu ma ope ra çãocam bial com ins ti tui ção finan cei ra (por ter rea li za do uma ati vi da de clan des ti na),não pode pra ti car esse crime, pois se não exis te ope ra ção de câm bio, não há o quese decla rar. dito de outra forma, não ocor re o ato da ope ra ção cam bial, na qualo sujei to pode ria pra ti car a con du ta proi bi da. por isso, o ingres so irre gu lar dedivi sas, jamais pode rá carac te ri zar esse crime, caso con trá rio, qual quer infor ma -ção que even tual men te os ope ra do res do sis te ma finan cei ro, mone tá rio, tri bu tá -rio ou fis cal dei xa rem de fazer, em qual quer cir cuns tân cia, pode rá tipi fi car essacon du ta, o que seria um rema ta do absur do.

trata-se, na rea li da de, de con du ta atí pi ca que, no vácuo de pre vi são legal, oparquet tenta, depois de mais de vinte anos, for çar sua ade qua ção típi ca, igno -ran do todos os prin cí pios her me nêu ti cos inter pre ta ti vos, como pro cu ra mosdemons trar.

tórtima, exa mi nan do esse mesmo dis po si ti vo, con clui, com acer to: “o pará -gra fo único, em sua parte final, des cre ve con du ta na qual, a rigor, já se encon tracom preen di da naque la pre vis ta na cabe ça do arti go, por que se o agen te atri bui-se ou a ter cei ro iden ti da de falsa (caput), é claro que esta rá pres tan do infor ma çãofalsa. Quanto a sone gar a infor ma ção (pará gra fo único, pri mei ra parte), cuida-seda dolo sa ocul ta ção da mesma pelo agen te, cir cuns tân cia que como já vimos édis tin ta da de sim ples men te omi tir a infor ma ção.”21 não era dife ren te o enten -di men to ado ta do por pimentel, ao afir mar que o pará gra fo único com ple ta va ades cri ção das con du tas que, por omis são ou ação, visas sem o mesmo fim.22

estamos de pleno acor do com as duas pre mis sas sus ten ta das por tórtima,que aca ba mos de citar, rela ti va men te às duas con du tas cons tan tes do pará gra fo

20 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 151.21 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 132-3.22 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 151.

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único. sonegar, segun do os léxi cos, é “não men cio nar, não rela cio nar nos casosem que a lei exige des cri ção ou men ção”; tam bém pode sig ni fi car, numa segun -da acep ção, “dizer que não tem, tendo, ou ocul tar com frau de”.23 informaçãofalsa, por sua vez, é aque la que con tra ria o real con teú do que deve ria ter, nãocor res pon de ao con teú do autên ti co que deve ria apre sen tar; é aque la que não cor -res pon de à rea li da de, que é inve rí di ca, fic tí cia, isto é, repre sen ta da pela cria çãode fatos arti fi ciais, ine xis ten tes ou dis tor ci dos sobre a iden ti da de do agen te ou deter cei ro, para a rea li za ção de ope ra ção de câm bio. mas essa fal si da de infor ma ti -va deve, neces sa ria men te, refe rir-se a fatos ou aspec tos rele van tes ao con jun to decarac te res iden ti fi ca do res do indi ví duo, com ido nei da de sufi cien te para enga narsobre a ver da dei ra iden ti da de, para a rea li za ção de ope ra ção de câm bio.

por fim, as infor ma ções, sone ga das ou pres ta das fal sa men te, devem rela cio -nar-se sobre aspec tos rele van tes da iden ti da de do agen te ou de ter cei ro para rea -li zar ope ra ção de câm bio. repetindo: essas con du tas só pode rão ocor rer duran tee na rea li za ção de ope ra ção de câm bio, na iden ti fi ca ção do bene fi ciá rio ou exe -cu tor da ope ra ção. a rea li za ção de ope ra ção de câm bio, median te dados fal sos,refe ri dos no pará gra fo único, não se con fun de com ausên cia de ope ra ção de câm -bio, ou com remes sa clan des ti na de divi sas (enten da-se, por outros meios). Foradessa cono ta ção, qual quer outra infor ma ção, não ver da dei ra, ou omi ti da, rela ti -va a qual quer outro aspec to, que não se refi ra a dados subs tan ciais da iden ti da dedo sujei to ativo ou do bene fi ciá rio, e “com o mesmo fim”, isto é, para rea li zarope ra ção de câm bio, não tipi fi ca rá as con du tas des cri tas no pará gra fo único.poderá, evi den te men te, carac te ri zar outro crime de fal sum, mas não este.

8. Consumação e ten ta ti va

Consuma-se o crime com a atri bui ção efe ti va da falsa iden ti da de, inde pen -den te men te de atin gir o espe cial fim de agir, qual seja, a “rea li za ção de ope ra çãode câm bio”. a dou tri na, no entan to, de um modo geral, con si de ra impos sí vel aocor rên cia da figu ra do crime ten ta do.24

admite-se, em prin cí pio, a ten ta ti va, embo ra de difí cil ocor rên cia, em razãode tra tar-se de crime for mal, além da difi cul da de de se dis tin gui rem os atos pre -pa ra tó rios e os de exe cu ção. na moda li da de omis si va, por razões dog má ti cas, nãoé admis sí vel a figu ra do crime ten ta do.25 a pos si bi li da de mais comum de ten ta -ti va ocor re quan do se uti li za a moda li da de escri ta.

23 Grande dicionário larousse Cultural da lín gua por tu gue sa, são paulo, nova Cultural ltda., 1999, p. 839.24 tórtima. Crimes con tra o sis te ma... p. 133; pimentel. Crimes con tra o sis te ma... p. 154; antonio Carlos

rodrigues silva. Crimes do cola ri nho bran co... p. 155.25 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte especial, 9. ed., são paulo, saraiva, p. 267.

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9. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime for mal (que não exige resul ta do natu ra lís ti co para suacon su ma ção, seja repre sen ta do por pre juí zo ou mesmo pela efe ti va rea li za ção daope ra ção de câm bio); comum (que não exige qua li da de ou con di ção espe cial dosujei to ativo, poden do ser pra ti ca do por qual quer pes soa); de forma livre (quepode ser pra ti ca do por qual quer meio ou forma de pre fe rên cia do agen te); comis -si vos (os ver bos nuclea res indi cam a prá ti ca de ação), sendo omis si vo na moda li -da de de sone gar; ins tan tâ neo (con su ma-se de pron to, embo ra seus efei tos pos samper du rar no tempo); unis sub je ti vo (que pode ser pra ti ca do por um agen te ape -nas); plu ris sub sis ten te (crime que, em regra, pode ser pra ti ca do com mais de umato, admi tin do, em con se quên cia, fra cio na men to em sua exe cu ção, com exce çãoda moda li da de de sone gar).

10. Questões espe ciais

a atri bui ção pode dar-se na forma ver bal ou escri ta, na figu ra do Códigopenal, mas somen te na forma escri ta na moda li da de pre vis ta nesta lei espe cial.Quando a falsa atri bui ção refe re-se a fun cio ná rio públi co, o agen te pode res pon -der pelo art. 45 ou 46 (uso ile gí ti mo de uni for me) da lCp. se ocor re usur pa çãode fun ção públi ca, apli ca-se o art. 328 do Cp. em caso de o agen te recu sar-se afor ne cer dados de sua iden ti da de ou for ne cê-los con tra rian do a rea li da de, res -pon de pelo art. 68 e pará gra fo único da lCp, desde que a infor ma ção seja nega -da à auto ri da de. admite-se a sus pen são con di cio nal do pro ces so em razão dapena míni ma, abs tra ta men te comi na da, não ser supe rior a um ano.

11. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são deten ção de um a qua tro anos,e multa. inegavelmente, mais uma vez trata-se de puni ção exa ge ra da men te des -pro por cio nal, incom pa tí vel com a razoa bi li da de exi gi da pelo estado demo crá -tico de direito, a des pei to de ser a única de deten ção de todo este diplo ma legal.

destaque-se que a mesma tipi fi ca ção no Código penal (art. 307) comi napena de deten ção de três meses a um ano e, alter na ti va men te, a pena de multa;e, além do mais, trata-se de crime expres sa men te sub si diá rio. não há, rigo ro sa -men te, gran de za de bem jurí di co algum que jus ti fi que a incri mi na ção da mesmacon du ta, em diplo mas legais dis tin tos, capaz de demons trar a razoa bi li da de detão absur da des pro por ção. a única dife ren ça resi di ria no des va lor da ação, e esseaspec to é insu fi cien te para qua dru pli car a san ção penal. aliás, para acla rar a gra -vi da de deste absur do, des ta ca mos que a pena míni ma comi na da à falsa iden ti da -

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de espe cial é igual à máxi ma comi na da (um ano) à falsa iden ti da de pre vis ta noCódigo penal.

ação penal é públi ca incon di cio na da, como todos os cri mes defi ni dos nestalei espe cial, deven do a auto ri da de com pe ten te agir de ofí cio, inde pen den te men -te de qual quer mani fes ta ção da parte inte res sa da.

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Capítulo XXii

evasão de divisas

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. espécies de eva são de divi sas. 5. efetuar ope ra ção de câm bio nãoauto ri za da. 5.1. elementar nor ma ti va: ope ra ção de câm bio. 5.2. elementar nor ma -ti va “não auto ri za da”: sen ti do e alcan ce. 5.3. elementar nor ma ti va “divi sas”. 6. tiposub je ti vo (caput): dolo e ele men to sub je ti vo espe cial do tipo. 6.1. elemento sub je ti - vo espe cial do tipo: com o fim de pro mo ver eva são de divi sas do país. 7. Consuma çãoe ten ta ti va de ope ra ção de câm bio não auto ri za da. 7.1. Consumação. 7.2. tentativa.8. Classificação dou tri ná ria. 9. promover, a qual quer títu lo, sem auto ri za ção legal, asaída de moeda ou divi sa para o exte rior. 9.1. Bem jurí di co tute la do. 9.2. tipo obje -ti vo: ade qua ção típi ca. 9.2.1. elementar nor ma ti va: “a qual quer títu lo”. 9.2.2. ele -mentar nor ma ti va: saída de moeda ou divi sa para o exte rior. 9.2.2.1. a saída de divi -sas para o exte rior: 9.2.2.2. o sig ni fi ca do de moeda: tra ta men to jurí di co. 9.3. ele -mentos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de: “não auto ri za da” (caput) e “sem auto ri za -ção legal” (pará gra fo único). 9.4. tratamento do erro sobre ele men tos nor ma ti vosespe ciais da ili ci tu de. 9.5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 9.6. Consumação e ten -ta ti va de pro mo ver, sem auto ri za ção legal, a saída de moeda ou divi sa. 10. manterno exte rior depó si tos não decla ra dos. 10.1. Bem jurí di co tute la do. 10.2. tipo obje -ti vo: ade qua ção típi ca. 10.2.1. elementar nor ma ti va: repar ti ção fede ral com pe ten -te. 10.3. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 10.4. Consumação e ten ta ti va do crime demanu ten ção de depo si to no exte rior não decla ra do. 11. exportação clan des ti na ousem cober tu ra cam bial. 12. aspectos rele van tes rela ti va men te à com pe tên cia deforo. 13. pena e natu re za da ação penal.

art. 22. efetuar ope ra ção de câm bio não auto ri za da, com o fim de pro mo -ver eva são de divi sas do país.

pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.parágrafo único. incorre na mesma pena quem, a qual quer títu lo, pro mo ve,

sem auto ri za ção legal, a saída de moeda ou divi sa para o exte rior, ou nele man -ti ver depó si tos não decla ra dos à repar ti ção fede ral com pe ten te.

1. Considerações pre li mi na res

antes do atual diplo ma legal, a lei nº 1.521/51, ao dis ci pli nar os cri mes con -tra a eco no mia popu lar, cri mi na li za va algu mas con du tas que, pos te rior men te,

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aca ba ram absor vi das pela lei nº 7.492/86.1 esse diplo ma legal resul tou de pro -fun do deba te ini cia do na Câmara dos deputados, em 22 de março de 1983, sobreo projeto nº 273/1983, tendo como rela tor o deputado nilson Gibson, que apre -sen tou a seguin te jus ti fi ca ti va:2

“o pre sen te pro je to repre sen ta velha aspi ra ção das auto ri da des e dopovo no sen ti do de repri mir com ener gia as cons tan tes frau des obser va dasno sis te ma finan cei ro nacio nal, espe cial men te no mer ca do de títu los e valo -res mobi liá rios.

os cofres públi cos, em fun ção da preo cu pa ção gover na men tal de pre -ser var a con fian ça no sis te ma, vêm sendo lar ga men te one ra do com ver da -dei ros escân da los finan cei ros sem que os res pec ti vos cul pa dos rece bampuni ção ade qua da, se é que che gam a rece bê-la.

a gran de difi cul da de do enqua dra men to des ses ele men tos ines cru pu -lo sos que lidam frau du len ta ou teme ra ria men te com valo res do públi coresi de na ine xis tên cia de legis la ção penal espe cí fi ca para as irre gu la ri da desque sur gi ram com o adven to de novas e múl ti plas ati vi da des no sis te mafinan cei ro, espe cial men te, após 1964.

em con se qüên cia, chega-se ao absur do de pro ces sar e con de nar ummero ‘ ladrão de galinhas’, dei xan do sem puni ção pes soas que fur ta ram bilhões, não ape nas do ‘ vizinho’, mas a nível nacio nal.

É opor tu no citar, pela pro xi mi da de dos acon te ci men tos, o caso ‘tieppo’,ampla men te divul ga do na impren sa, onde se obser va que, ape sar do empe -nho das auto ri da des, a repres são às inú me ras irre gu la ri da des apu ra dasesbar ra na ausên cia de ins tru men tos ins ti tu cio nais ade qua dos”.

a reda ção ori gi nal men te pro pos ta para o crime de eva são de divi sas eracon si de ra vel men te mais defi cien te, como se pode obser var, in ver bis: “art.12. operar em câm bio em desa cor do com a legis la ção vigen te, de modo aper mi tir a eva são de divi sas do país. pena – reclu são de um a qua tro anos emulta de qui nhen tas a duas mil vezes o valor da obrigação reajustável dotesouro nacional”. embora a reda ção final do atual art. 22 gere algu ma insa -tis fa ção, deve-se reco nhe cer, no entan to, que ela é bem supe rior a sua pro -po si ção ori gi nal.

1 prova disso é que a ges tão teme rá ria, nos ter mos defi ni dos no art. 3º, inc. iX, da lei nº 1.521/51, era crimede dano, exi gin do, para a con su ma ção, efe ti va falên cia ou insol vên cia da ins ti tui ção finan cei ra ou efe ti vopre juí zo aos inte res sa dos, ao con trá rio da tipi fi ca ção con fe ri da pelo art. 4º, pará gra fo único, da lei nº7.492/86, que dei xou de exi gir qual quer dano efe ti vo como pres su pos to à con su ma ção.

2 publicado no diário do Congresso nacional, seção i, de 25/03/1983.

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para manoel pedro pimentel, a defi ni ção do art. 382 cons tan te do ante -projeto ela bo ra do pela Comissão de reforma da parte especial do Código penal3teria sido mais feliz em com pa ra ção com art. 22 da lei nº 7.492/86 na medi da emque pos si bi li ta va a cri mi na li za ção do comér cio clan des ti no de moeda estran gei -ra, que só foi repri mi do, neste dis po si ti vo, na hipó te se de tal comér cio obje ti varo envio, para o exte rior, do valor resul tan te de ope ra ção de câm bio. referidoautor,4 no entan to, cri ti ca a reda ção taxa ti va do art. 383, cujas con du tas elen ca -das pode riam não abran ger todas as hipó te ses pos sí veis de remes sa oblí qua de lucros ao exte rior. schmidt e Feldens5 demons tram, porém, de forma con vin cen -te que a lei nº 7.492/86 resol veu satis fa to ria men te os dois pro ble mas apon ta dospor manoel pedro pimentel, espe cial men te com as pre vi sões cons tan tes nos arts.1º e 16, ao cri mi na li zar o comér cio ile gal de moeda estran gei ra e ao ampliar ocon cei to de ins ti tui ções finan cei ras, res pec ti va men te.

2. Bem jurí di co tute la do

a defi ni ção do bem jurí di co tute la do somen te pode rá ocor rer a par tir doexame de uma polí ti ca cam bial iden ti fi ca da com os ter mos em que o legis la dor esta -be le ceu os limi tes da tute la penal. a iden ti fi ca ção do bem jurí di co pro te gi do pelacri mi na li za ção da eva são de divi sas, como em qual quer infra ção penal, deve serobti da nos limi tes da norma penal incri mi na do ra, inde pen den te men te da abran -gên cia ou da exten são da ili ci tu de admi nis tra ti vo-cam bial dessa ope ra ção. por isso,mesmo que o ingres so irre gu lar de divi sas no país seja lesi vo à cor re ta exe cu ção dapolí ti ca cam bial nacio nal, não tendo rece bi do a tute la penal con ti da no art. 22 e seupará gra fo único, limi ta-se a con fi gu rar uma infra ção admi nis tra ti vo-cam bial. em outros ter mos, não se des co nhe ce que o ingres so irre gu lar de divi sas cons ti tui umainfra ção cam bial, no entan to, não está abran gi da pela des cri ção con ti da no refe ri dodis po si ti vo penal, que cri mi na li za somen te a saída de moeda ou divi sas (eva são), emdesa cor do com a legis la ção nacio nal, e não seu ingres so irre gu lar.

schmidt e Feldens des ta cam que seto res da dou tri na bra si lei ra, ao tra ta remda obje ti vi da de jurí di ca do crime de eva são de divi sas, sus ten tam, com peque nasvarian tes, que refe ri da norma pro te ge a polí ti ca cam bial bra si lei ra, a polí ti ca eco -nô mi ca do estado, as reser vas cam biais e, tam bém, o patri mô nio fis cal.6 em sen -

3 art. 382. atribuir-se falsa iden ti da de ou pres tar infor ma ção falsa, com o fim de ope rar moeda estran gei -ra: pena – reclusão, de um a três anos e multa. parágrafo único – incorre na mesma pena quem, habi tual -men te, vende ou com pra moeda estran gei ra, sem a devi da auto ri za ção.

4 manoel pedro pimentel, Crimes con tra o sistema Financeiro nacional, cit., pp. 155-156.5 andrei zenkner schmidt & luciano Feldens. o crime de eva são de divi sas, rio de Janeiro, lumen Juris,

2006, p. 138.6 maria Carolina almeida duarte. Crimes con tra o sistema Financeiro nacional: uma abor da gem inter dis -

ci pli nar. rio: lumen Juris, 2003, p. 108; luiz regis prado. direito penal econômico, cit., p. 329; JoséCarlos tórtima. Crimes con tra o sistema Financeiro nacional, cit., p. 135.

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ti do amplo, con cluem schmidt e Feldens:7 “todas essas pon de ra ções pos suemalgum acer to. pecam, toda via, ao não espe ci fi ca rem-nas; é dizer, ao dei xa rem depro ble ma ti zar a aná li se do deli to de eva são de divi sas no espe cí fi co âmbi to dapolí ti ca macroe co nô mi ca que a norma penal visa a tute lar.”

a eva são de divi sas na moda li da de des cri ta no caput do art. 22 – efe tuarope ra ção de cré di to não auto ri za da – tem como bem jurí di co ime dia to asse gu raro con tro le, pelos órgãos do sis te ma finan cei ro nacio nal (Conselho monetárionacional e do Banco Central), de ope ra ções de câm bio que obje ti vam reme terdivi sas ao exte rior sem o con tro le do sis Ba Cen.8 equivocada, no par ti cu lar, aorien ta ção que era defen di da por manoel pedro pimentel, segun do a qual, oobje to jurí di co deste tipo penal “é a boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do es -tado, que sofre o dano ou fica expos to ao peri go de dano, pelas con du tas incri mi -na das”. aliás, essa mesma afir ma ção é exaus ti va men te repe ti da pelo emi nen tepena lis ta em todos os dis po si ti vos deste diplo ma legal, con fun din do o bem jurí -di co gene ri ca men te tute la do pelo diplo ma legal com os bens jurí di cos espe ci fi ca -men te tute la dos indi vi dual men te, em cada tipo penal. Com efei to, cada crimepos sui a sua pró pria obje ti vi da de, sem, con tu do, afas tar-se do amplo con tex to emque está inse ri do. na rea li da de, a tute la penal deve rá pre va le cer ainda que a polí -ti ca eco nô mi ca ofi cial não seja a melhor, ou mesmo sendo uma boa polí ti ca eco -nô mi ca, pode não ser bem exe cu ta da e, ainda assim, con ti nua rá mere ce do ra datute la penal. pertinente, nesse sen ti do, a inte li gen te afir ma ti va do jor na lis tapaulo nogueira Batista Jr.: “erros de polí ti ca cam bial têm cau sa do revi ra vol tasdra má ti cas e mira bo lan tes na situa ção eco nô mi ca de mui tos paí ses, o nossoinclu si ve”.9 mesmo assim, não auto ri za o cida dão a des res pei tar o coman do proi -bi ti vo que ora exa mi na mos.

no mesmo sen ti do, mani fes ta-se tórtima,10 para quem, “[...] a crí ti ca a estaideia, de uma polí ti ca de gover no tute la da pela lei penal, pare ce-nos irre cu sá vel.de fato, soa estra nho, senão assus ta dor, que o arse nal puni ti vo do estado possaser vir de res pal do à boa exe cu ção de polí ti cas de estado, sabi da men te nem sem -pre, ou não neces sa ria men te, com pro me ti das com os legí ti mos inte res ses dossúdi tos. elevar, por tan to, tais estra té gias de gover no, sejam elas bem ou malsuce di das, à cate go ria de bem jurí di co tute la do pela lei penal repre sen ta um cras -

7 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 159.8 as três for mas deli ti vas do art. 22 da lei nº 7.492/86 têm uma mesma obje ti vi da de jurí di ca gené ri ca, a des -

pei to de cada um pos suir sua pró pria obje ti vi da de jurí di ca. o obje to jurí di co gené ri co é a regu lar exe cu -ção da polí ti ca cam bial esta tal, rela ti va men te à pos si bi li da de de moeda nacio nal ou estran gei ra sair do paíssem qual quer con tro le ofi cial, bem como a pos si bi li da de de ser man ti da por bra si lei ro, no exte rior, sem ares pec ti va decla ra ção à repar ti ção com pe ten te.

9 Folha de são paulo, Caderno B2, de 6 de agos to de 2009.10 José Carlos tórtima & Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas, 3. ed., rio de Janeiro, lumen Juris, 2009,

p. 15-6.

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so equí vo co e a história nos tem dado tris tes exem plos de como tal pro pos ta nãoraro deri va para a mais desem bu ça da opres são”.

nessa linha, con cluem schmidt e Feldens que: “É impos sí vel, con se quen te -men te, qual quer ten ta ti va de jus ti fi ca ção dessa espé cie de inter ven ção penal apar tir da ideia de direi tos públi cos sub je ti vos, pois a pro te ção de inte res ses indi -vi duais, quan do exis ten tes, é ape nas media ta. mesmo num regi me demo crá ti co,a arti fi cia li da de des ses deli tos colo ca fre qüen te men te a inter ven ção penal nacon tra mão de inte res ses gerais con cre tos, legi ti man do-se o con tro le esta tal a serdesem pe nha do mesmo que, numa hipó te se con cre ta, o san cio na men to da con -du ta não este ja res pal da do por uma repro va bi li da de social pré via.”11

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

sujeito ativo do crime de eva são de divi sas, sob a moda li da de de efe tuarope ra ção de câm bio não auto ri za da (caput do art. 22), pode ser qual quer pes soafísi ca, inde pen den te men te de qual quer qua li da de ou con di ção espe cial; no casoespe cí fi co, mesmo que não osten te a natu re za ou a con di ção de ins ti tui ção finan -cei ra.12 responderão, por con se guin te, por essa infra ção penal do caput, tanto odolei ro, quan to o bene fi ciá rio que, em con jun to, efe tuem ope ra ção de câm bionão auto ri za da com o fim de pro mo ver eva são de divi sas do país.

sujeito pas si vo, por sua vez, somen te pode ser o estado, par ti cu lar men te aunião, que é a res pon sá vel pelo con tro le, pelo pla ne ja men to e pela exe cu ção dapolí ti ca eco nô mi co-finan cei ra atra vés do sis Ba Cen.

4. espécies de eva são de divi sas

o art. 22 da lei nº 7.492/86 con tem pla três moda li da des típi cas que se con -ven cio nou cha mar de eva são de divi sas, uma loca li za da no caput e outras duasno seu pará gra fo único, pri mei ra e segun da par tes. para fins didá ti cos, a dou tri -na espe cia li za da tem iden ti fi ca do essas moda li da des da seguin te forma:

a) efe tuar ope ra ção de câm bio não auto ri za da, com o fim de pro mo ver eva -são de divi sas do país (caput);

b) pro mo ver, a qual quer títu lo, a saída de moeda ou divi sa para o exte rior,sem auto ri za ção legal (1ª parte do pará gra fo único);

11 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 160.12 manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sistema Financeiro nacional, cit., p. 157; rodolfo tigre maia.

dos Crimes con tra o sistema Financeiro nacional, cit., p. 135.

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c) man ter depó si tos no exte rior não decla ra dos à repar ti ção fede ral com pe -ten te (2ª parte do pará gra fo único).

por razões pura men te didá ti cas, pre fe ri mos abor dar cada uma das moda li -da des ou espé cies de eva são, sepa ra da men te, na ten ta ti va de sim pli fi car a aná li -se das inú me ras pecu lia ri da des que as envol vem, ainda que, even tual men te, pos -sam veri fi car-se as três moda li da des numa espé cie de pro gres são cri mi no sa.embora, no geral, não apre sen tem maio res com ple xi da des, no par ti cu lar, con tu -do, cada moda li da de tem suas pró prias carac te rís ti cas, que as tor nam incon fun -dí veis em nosso orde na men to jurí di co. no entan to, de alguns aspec tos das trêsfigu ras, fare mos o exame em con jun to, como, por exem plo, sujei tos ativo e pas -si vo, clas si fi ca ção dou tri ná ria etc.

a des pei to disso, é impe rio so des ta car a con clu são de schmidt e Feldens,13

in ver bis: “pode ocor rer de o agen te rea li zar todas as moda li da des típi cas – porexem plo, quan do rea li za ope ra ção ile gal de câm bio cujo resul ta do é efe ti va men -te depo si ta do no exte rior e lá man ti do sem a devi da decla ra ção ao BaCen –, res -pon den do, a títu lo de pro gres são cri mi no sa, ape nas pela con du ta que esgo ta oiter cri mi nis (parte final do pará gra fo único). nada obs tan te, há rela ti va auto no -mia entre as três defi ni ções, pois a moda li da de da 1ª parte do pará gra fo único nãoneces si ta de demons tra ção de pré via ope ra ção de câm bio, ao con trá rio do caput,que a exige. de outro lado, a manu ten ção de depó si tos no exte rior não decla ra -dos não pres su põe que tais valo res tenham advin do do Brasil, poden do ocor rerde um bra si lei ro vir a rece ber tais valo res, a qual quer títu lo, no exte rior (v.g.,como paga men to por ser vi ços pres ta do ou como rece bi men to de hono rá rios).”

não igno ra mos o duplo sen ti do que se tem dado à defi ni ção de eva são dedivi sas ado ta da pelo legis la dor penal, denun cia da por José Carlos tórtima aocomen tar o dis pos to no pará gra fo único do art. 22, qual seja, a trans po si ção físi ca(câm bio manual) e a escri tu ral-con tá bil, vio lan do, nesta segun da hipó te se, a tipi -ci da de estri ta, amplian do-se, arbi tra ria men te, o alcan ce da norma penal para nãotorná-la letra morta. nesse sen ti do, sin te ti za tórtima, in ver bis: “vale dizer, talcomo atual men te se encon tra for mu la do, o dis po si ti vo em exame só prevê a hipó -te se de saída físi ca dos recur sos trans fe ri dos (dinhei ro em espé cie). e para nãoabsol ver sis te ma ti ca men te todos os acu sa dos que tenham ope ra do clan des ti na oufrau du len ta men te as trans fe rên cias pela via inter ban cá ria, a solu ção encon tra dapela juris pru dên cia, desde sem pre, foi equi pa rar, atra vés de pro ces so ana ló gi co, jamais decla ra do, duas situa ções: saída manual de recur sos do ter ri tó rio nacio nal(trans po si ção físi ca de fron tei ras) e trans fe rên cia escri tu ral do dinhei ro no exte -

13. andrei zenkner schmidt & luciano Feldens. o crime de eva são de divi sas. rio de Janeiro, lúmen Júris,2006, p. 158-9.

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rior da conta do dolei ro ou de seu repre sen tan te, para a conta da pes soa que, doBrasil, enviou os recur sos, ambas abri ga das em ban cos fora do país.”14

na ver da de, a Circular nº 2.242/92 defi niu como ingres sos de recur sos no paístodos os débi tos efe tua dos pelo banco nas con tas cor ren tes titu la das por não-resi -den tes, assim como saí das de recur sos do país todos os cré di tos efe tua dos pelobanco depo si tá rio numa das três moda li da des de con tas-cor ren tes refe ri das, salvose os cré di tos e/ou débi tos fos sem fei tos entre con tas de não-resi den tes (art. 1º)15.a ter mi no lo gia ingres so ou saída de recur sos do país obje ti vou orien tar a con ta bi -li za ção das ope ra ções no plano Contábil das instituições do sistema Fi nanceironacional (CosiF), o que não sig ni fi ca, por si só, que fisi ca men te os va lo res tenhamentra do ou saído do país. nesse sen ti do, um valor depo si ta do numa conta de out-ras ori gens é con si de ra do tec ni ca men te, pelo CosiF, como saída de recur sos dopaís, o que não quer dizer que tais valo res tenham sido, fati ca men te, envia dos aoexte rior. no entan to, a des pei to dessa nor ma ti va, os cré di tos ou depó si tos efe tua -dos em “con tas de outras ori gens” não podem ser obje to de ope ra ção de câm biopara pos te rior remes sa ao exte rior, con se quen te men te, essa fic ção admi nis tra ti vanão pode gerar efei tos no âmbi to penal, como vere mos opor tu na men te.

a des pei to de con cor dar mos inte gral men te com a incen su rá vel crí ti ca detórtima, tra ba lha re mos com a con cep ção tra di cio nal men te sus ten ta da pela juris -pru dên cia e pela dou tri na, que admi tem as duas hipó te ses de saída de divi sas parao exte rior, ou seja, a manual e a pura men te escri tu ral.

5. efetuar ope ra ção de câm bio não auto ri za da

o caput do art. 22 des cre ve a con du ta de efe tuar ope ra ção de câm bio nãoauto ri za da com o fim de pro mo ver eva são de divi sas do país. em ter mos ver na -cu la res, ‘ evasão’ sig ni fi ca o ato de fugir, de sair, de diri gir-se para fora, por tan to,de eva dir do país; cer ta men te, foi com esse sen ti do que o legis la dor uti li zou-a nocaput do art. 22, refor çan do-a ainda com a locu ção “pro mo ver eva são de divi sasdo país”. deixa claro, por óbvio, que a fina li da de é pro mo ver a saída de divi saspara fora do país. não é outro o enten di men to de schmidt e Feldens16 quan do

14 José Carlos tórtima e Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas... p. 37.15 art. 1º. para os fins e efei tos desta Circular apli ca-se aos recur sos em cru zei ros, obje to de trans fe rên cias

inter na cio nais, a con cei tua ção de resi dên cia do reme ten te, do cor res pon den te e do bene fi ciá rio, dissodecor ren do que: i – carac te ri zam ingres sos de recur sos no país os débi tos efe tua dos pelo banco depo si tá -rio em con tas-cor ren tes titu la das por não-resi den tes, para paga men tos a resi den tes no país; ii – carac te ri -zam saí das de recur sos do país os cré di tos efe tua dos pelo banco depo si tá rio em con tas-cor ren tes titu la daspor não-resi den tes, em con se qüên cia de paga men tos fei tos por resi den tes no país. iiii – as trans fe rên ciasem cru zei ros entre con tas de não-resi den tes, no mesmo banco ou entre ban cos dis tin tos, não carac te ri -zam ingres sos e saí das de recur sos no/do país e, por tan to, não se subor di nam ao dis pos to nesta cir cu lar.

16 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 172.

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afir mam: “evasão car re ga o sen ti do de saída (no caso, para o exte rior) do obje toespe cí fi co (divi sas), movi men to esse que se veri fi ca em certa clan des ti ni da de,enten di da como tal, no con tex to do tipo, a saída de divi sas rea li za da em desa cor -do com as nor mas de regên cia sobre a maté ria”.

em outros ter mos, “eva são de divi sas do país” é a remes sa de divi sas para oexte rior median te ope ra ção de câm bio não auto ri za da, isto é, em des con for mi da -de com as nor mas cam biais nacio nais. Constitui erro cras so, que agri de o sig ni fi -ca do ver na cu lar do verbo ‘ evadir’, inter pre tá-lo como entra da ou ingres so de divi -sas. a des pei to dessa cla re za lin guís ti ca, o legis la dor bra si lei ro, para evi tar equí -vo cos into le rá veis, refor çou o seu sig ni fi ca do, pleo nas ti ca men te, com o acrés ci modo vocá bu lo “do país”, asse gu ran do o seu sen ti do “de den tro para fora” e jamais oinver so, isto é, de fora para den tro. em sen ti do con trá rio, des ta ca mos, nega ti va -men te, deci são abso lu ta men te equi vo ca da do stJ, que admi tiu como tipi fi ca dordo crime de eva são de divi sas, de den tro para fora, o ingres so irre gu lar de dóla res,com a seguin te emen ta: “[...] a eva são não pres su põe, neces sa ria men te, a saídafísi ca do nume rá rio, con sis tin do, de fato, no pre juí zo às reser vas cam biais bra si -lei ras, inde pen den te men te de estar entran do ou sain do o dinhei ro do país. [...]”.17

enfim, essa deci são trans for mou em crime con du ta abso lu ta men te atí pi ca, quecons ti tui sim ples ilí ci to cam bial, não abran gi do pela norma penal incri mi na do ra.

não quer dizer, por outro lado, que toda ope ra ção cam bial, para envio dedivi sas ao exte rior, seja proi bi da ou, na lin gua gem da lei, desau to ri za da. aliás,atual men te, a regra é inver ti da, sendo per mi ti da toda ope ra ção cam bial paraenvio de divi sas ao exte rior, desde que aten di das as for ma li da des regu la men ta res(não clan des ti nas), como demons tra re mos adian te.

5.1. elementar nor ma ti va: ope ra ção de câm bio

o caput do art. 22 con tém, como ele men tar nor ma ti va, ope ra ção de câm -bio, mais pre ci sa men te, efe tuar ope ra ção de câm bio não auto ri za da. na rea li da -de são duas ele men ta res, dis tin tas, ope ra ção de câm bio, e não auto ri za da, as quaisdevem ser exa mi na das indi vi dual men te.

Com efei to, ope ra ção de câm bio é a troca de moe das, isto é, a troca de moedade um país pela moeda de outro, que, nor mal men te, têm valo res dis tin tos, v. g.,real por dólar, dólar por euro etc., mas todas de exis tên cia efe ti va, atual e em cir -cu la ção. operação de câm bio não se con fun de com a sim ples “troca” de umamoeda que se extin gue por outra que se cria ou se res ta be le ce, por que, nesta hipó -te se, não há câm bio ou troca de uma por outra moeda, mas a subs ti tui ção de umamoeda que se extin gue por outra que se cria ou se res ta be le ce e ambas, que são do

17 stJ, rhC 9281/pr, 5ª turma, rel. min. Gilson dipp, j. em 13/09/2000, dJu de 30/10/2000, p. 167, in leXstJ, 139/260.

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mesmo país, não têm exis tên cia simul tâ nea. em sín te se, ope ra ção de câm bio, tec -ni ca men te falan do, é uma ope ra ção de com pra ou venda de moeda estran gei ra.

para schmidt e Feldens,18 a ele men tar ope ra ção de câm bio con ti da no caputdo art. 22 cons ti tui ria uma norma penal em bran co, in ver bis: “pare ce-nos queope ra ção de câm bio, nos ter mos do caput, con fi gu re ele men tar nor ma ti va embran co, na medi da em que o juízo de valor encon tra-se pre via men te dado pelasnor ma ti vas cam biais que regu lam tal moda li da de de ope ra ção.” não nos con ven -ce essa asser ti va, pois, inde pen den te men te da vola ti li da de do ema ra nha do dereso lu ções, regu la men tos e por ta rias do BaCen19 e Cmn, a ele men tar ope ra çãode câm bio, na forma uti li za da pelo texto legal, con ti nua rá sendo a com pra e avenda de moeda estran gei ra e assim con ti nua rá sendo valo ra da pelo apli ca dor dalei. poderá, no máxi mo, apre sen tar peque nas varia ções ou espé cies de equi pa ra -ções, como, por exem plo, ope ra ções envol ven do ouro-ins tru men to cam bial (v.rmCCi, título 1, Cap. 15), que está incluí do na defi ni ção de ope ra ção de câm bio.

a ele men tar nor ma ti va não auto ri za da, que será melhor ana li sa da em tópi -co inde pen den te, sig ni fi ca uma aber tu ra do tipo penal que, a des pei to da his tó -ri ca e con tun den te crí ti ca que se lhe faz – por seu cará ter de ele men to nor ma ti -vo – con ti nua sendo um méto do lar ga men te uti li za do pelos legis la do res con tem -po râ neos dos mais diver sos paí ses.

5.2. elementar nor ma ti va “não auto ri za da”: sen ti do e alcan ce

a ele men tar nor ma ti va cons tan te do caput do art. 22, não auto ri za da, nãotem o mesmo sen ti do nem a mesma abran gên cia da ele men tar seme lhan te cons -tan te do pará gra fo único, qual seja, sem auto ri za ção legal, aspec to que exa mi na -re mos com esta últi ma, mais adian te.

operação de câm bio não auto ri za da não sig ni fi ca que cada ope ra ção decâm bio tenha que rece ber uma auto ri za ção espe cí fi ca, indi vi dual, a prio ri, comopode pare cer à pri mei ra vista, mas quer dizer que a ope ra ção de câm bio não podeser rea li za da em des con for mi da de com as nor mas cam biais inci den tes.especialmente, como des ta cam schmidt e Feldens,20 “a par tir da cria ção do sis -Ba Cen em 1992, o BaCen dei xou de exi gir auto ri za ção pré via para a con cre ti -za ção da gran de maio ria das ope ra ções de câm bio, cuja lega li da de sujei tou-se,desde então, a um con tro le a pos te rio ri da tran sa ção. nesse rumo, é incor re toargu men tar-se, como o faz boa parte da juris pru dên cia bra si lei ra, no sen ti do de

18 schmidt & Feldens. o crime de eva são e divi sas... p. 166. 19 o rmCCi regu la três seg men tos con tro la dos pelo BaCen: (i) mer ca do de câm bio, (ii) capi tais bra si lei ros

no exte rior e (iii) capi tais estran gei ros no Brasil. somente o pri mei ro deles é que se encon tra, em prin cí -pio, alcan ça do pela tute la penal do caput do art. 22.

20 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 167.

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que a tipi ci da de da con du ta pres su põe que a ope ra ção de câm bio não seja auto -ri za da”. dessa forma, toda ope ra ção de câm bio que não for rea li za da de acor docom as nor mas cam biais vigen tes será, para efei tos penais, uma “ope ra ção decâm bio não auto ri za da”, isto é, em des con for mi da de com aque las nor ma ti vas.não há – venia con ces sa – nenhu ma impro prie da de em admi tir que a tipi ci da de requer uma ope ra ção de câm bio não auto ri za da, isto é, em des con for mi da de comas nor mas cam biais, pois isso não sig ni fi ca, a con trá rio senso, que se este ja exi -gin do, em cada ope ra ção cam bial, uma auto ri za ção espe cí fi ca, como pare ce ser acrí ti ca dos cita dos auto res. Quer-se, nos pare ce, des ta car que aque la ope ra çãocam bial foi rea li za da em des con for mi da de com as nor ma ti vas do sis te ma finan -cei ro-cam bial. aliás, não auto ri za da é uma ele men tar típi ca, que a deci são judi -cial e, par ti cu lar men te, a denún cia do parquet pre ci sam veri fi car se está carac te -ri za da em cada caso con cre to, demons tran do, inclu si ve, como, onde e por que elaé “desau to ri za da”, indi can do a nor ma ti va vio la da.

5.3. elementar nor ma ti va “divi sas”

divisas – afir ma tórtima – “são os títu los finan cei ros, con ver sí veis em moe -das estran gei ras ( letras, che ques, ordens de paga men to) e, sobre tu do, os pró priosesto ques de moe das con ver sí veis, dis po ní veis no país. É rele van te lem brar que,para serem con si de ra das divi sas, tais títu los ou esto ques de moe das devem nãoape nas estar em poder de resi den tes no país, mas devi da men te con ta bi li za dos nobalan ço de paga men tos, sob con tro le do Banco Central do Brasil”.21

o vocá bu lo ‘ divisas’ é mais um ele men to cons tan te tanto do caput, como dopará gra fo único, que tem sig ni fi ca do cam bial, eco nô mi co-finan cei ro, fis cal ejurí di co, e deve ser inter pre ta do, nessa diver si da de de áreas do conhe ci men to,como atri bu to repre sen ta ti vo de dis po ni bi li da des inter na cio nais que um paíspos sui para fazer fren te ao comér cio inter na cio nal. Consideram-se divi sas, em outras pala vras, as dis po ni bi li da des inter na cio nais que um país pos sui em fun çãode expor ta ção de mer ca do rias, de ser vi ços, emprés ti mos de capi tais (venda detec no lo gia, direi tos de paten te etc.) e podem ser repre sen ta das por títu los de cré -di to (con subs tan cia dos em moeda estran gei ra), tais como ordens de paga men to, letras de câm bio, che ques, entre outros, res ga tá veis no exte rior. não é dife ren te

21 José Carlos tórtima e Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas, 3. ed. rio de Janeiro, lumen Juris, 2010,p. 23. “Balanço de paga men tos é o regis tro de todas as tran sa ções de cará ter eco nô mi co-finan cei ro rea li -za dos por resi den tes de um país com resi den tes de outros paí ses Constituem o balan ço de paga men tos ossal dos, posi ti vos ou nega ti vos, nas seguin tes con tas: balan ça comer cial (rela ção entre expor ta ções e impor -ta ções), balan ça de ser vi ços (recei tas e des pe sas tais como paga men tos de juros, royal ties, remes sas ourece bi men tos de lucros, via gens inter na cio nais etc.), trans fe rên cias uni la te rais (manu ten ção de embai xa -das, con su la dos, ajuda finan cei ra a outros paí ses sem con tra par ti da etc.) e con tas de capi tal (saída ou entra -da de capi tais de risco estran gei ros)” (tórtima. evasão de divi sas ... p. 17-8.

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o magis té rio de schmidt e Feldens,22 in ver bis: “sua con cei tua ção eco nô mi ca,ainda que não-uní vo ca, está asso cia da às dis po ni bi li da des que um país – oumesmo um par ti cu lar (pes soa físi ca ou jurí di ca) – pos sui em moe das estran gei rasobti das a par tir de um negó cio que lhe dá ori gem (expor ta ções, emprés ti mos decapi tais etc.). sob tais cir cuns tân cias, o termo divi sa com preen de as pró priasmoe das estran gei ras e seus títu los ime dia ta men te repre sen ta ti vos, como letras decâm bio, ordens de paga men to, che ques, car tas de cré di to, sal dos das agên ciasban cá rias no exte rior etc.”

não preo cu pam as peque nas diver gên cias sobre os vários con cei tos ofe re ci -dos pela dou tri na, con si de ran do-se que, na essên cia, não se afas tam do que aquiexpu se mos. Com efei to, há certa una ni mi da de em defi nir divi sas como dis po ni -bi li da des inter na cio nais, isto é, que estão ou se for mam no exte rior a par tir deum deter mi na do negó cio jurí di co (expor ta ção, inves ti men to etc.). Contudo,adver tem schmidt e Feldens: “torna-se impres cin dí vel a con tex tua li za ção jurí di -ca do termo, o qual abar ca, nos limi tes do tipo legal do deli to de eva são de divi -sas, tanto os títu los como os pro du tos ime dia ta men te hábeis à for ma ção das divi -sas. assim, por exem plo, enqua dram-se no con cei to de divi sas: a) o ouro,enquan to ativo finan cei ro ou ins tru men to da polí ti ca cam bial; b) che ques saca -dos con tra ban cos nacio nais”.

6. tipo sub je ti vo (caput): dolo e ele men to sub je ti vo espe cial do tipo

efetuar ope ra ção de câm bio não auto ri za da cuja fina li da de seja pro mo vereva são de divi sas do país (caput, do art. 22) cons ti tui crime de peri go com dolode dano, que se carac te ri za quan do o agen te pra ti ca a con du ta nuclear com ainten ção de pro mo ver a eva são de divi sas. em outros ter mos, o tipo sub je ti vo dacon du ta cri mi no sa des cri ta no caput do art. 22 com põe-se de (a) dolo dire to –que é o ele men to sub je ti vo geral do tipo – e de (b) ele men to sub je ti vo espe cialdo injus to – repre sen ta do pelo espe cial fim de agir –, que é a inten ção de pro mo -ver a eva são de divi sas do país.

o dolo, como ele men to sub je ti vo geral, requer sem pre a pre sen ça de doisele men tos cons ti tu ti vos, quais sejam, o ele men to cog ni ti vo – cons ciên cia – e oele men to voli ti vo – von ta de. a cons ciên cia, como ele men to do dolo, deve seratual, isto é, deve exis tir no momen to da ação, quan do ela está acon te cen do, aocon trá rio da cons ciên cia da ili ci tu de (ele men to da cul pa bi li da de), que pode serpoten cial. essa dis tin ção se jus ti fi ca por que o agen te deve ter plena cons ciên cia,no momen to da ação, daqui lo que quer pra ti car – pro mo ver eva são de divi sas.assim, o agen te deve ter não ape nas cons ciên cia de que rea li za ope ra ção de câm -

22 schmidt & Feldens. o crime de eva são... p. 168.

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bio não auto ri za da, como sus ten tam alguns, mas, além disso, deve ter cons ciên -cia tam bém da ação que pre ten de pra ti car, das con se quên cias desta e dos meiosque pre ten de uti li zar. e mais: além do ele men to inte lec tual, como já afir ma mos,é indis pen sá vel ainda o ele men to voli ti vo, sem o qual não se pode falar em dolo,dire to ou even tual. a von ta de deve, igual men te, abran ger a ação (pra ti car atoidô neo) ou, se for o caso, a omis são, o resul ta do (eva são de divi sas), os meios(ope ra ção de câm bio não auto ri za da) e o nexo cau sal (rela ção de causa e efei to).É incor re to afir mar-se que “a tipi ci da de sub je ti va da con du ta tam bém exige apoten cial cons ciên cia de que a ope ra ção de câm bio este ja em des con for mi da de àsnor mas cam biais ati nen tes à espé cie, visto que o tipo penal pos sui como ele men -tar nor ma ti va ‘ope ra ção de câm bio não autorizada’”. na ver da de, não basta queessa “cons ciên cia” seja poten cial, como ocor re na cul pa bi li da de, mas, tra tan do-sedo ele men to inte lec tual do dolo, “deve ser atual, isto é, deve estar pre sen te nomomen to da ação, quan do ela está sendo rea li za da. É insu fi cien te a poten cialcons ciên cia das cir cuns tan cias obje ti vas do tipo (nor ma ti vas ou não), uma vezque pres cin dir da atua li da de da cons ciên cia equi va le a des truir a linha divi só riaque exis te entre dolo e culpa, con ver ten do aque le em mera fic ção. nesse sen ti -do, tive mos opor tu ni da de de afir mar: “além do conhe ci men to dos ele men tosposi ti vos exi gi dos pelo tipo obje ti vo, o dolo deve abran ger tam bém o conhe ci -men to dos ‘carac te res negativos’, isto é, de ele men tos, tais como ‘sem con sen ti -men to de quem de direito’ (art. 164 do Cp), ‘sem licen ça da auto ri da de com -petente’ (art. 166 do Cp), da ine xis tên cia de nas ci men to (art. 241 do Cp) etc. porisso, quan do o pro ces so inte lec tual-voli ti vo não atin ge um dos com po nen tes daação des cri ta na lei, o dolo não se aper fei çoa, isto é, não se com ple ta.”23

na rea li da de, o dolo somen te se com ple ta com a pre sen ça simul tâ nea dacons ciên cia e da von ta de de todos os ele men tos supra men cio na dos. Com efei to,quan do o pro ces so inte lec tual-voli ti vo não abran ge qual quer dos requi si tos daação des cri ta na lei, o dolo não se com ple ta, e sem dolo não há crime, pois nãohá pre vi são da moda li da de cul po sa.

enfim, é pos sí vel que o dolo – que, como vimos, esgo ta-se com a cons ciên -cia e a von ta de de pra ti car ope ra ção de câm bio não auto ri za da, capaz de pro du -zir a eva são de divi sas – este ja pre sen te e, ainda assim, não se com ple te o tiposub je ti vo, que exige o espe cial fim de agir. nesse caso, por con se guin te, o tipodes cri to no art. 22, caput, da lei nº 7.492/86 não se aper fei çoa, pois lhe falta oele men to sub je ti vo espe cial, que é o fim de pro mo ver eva são de divi sas do país.por isso, a mesma con du ta que, obje ti va men te, asse me lha-se à des cri ção típi canão se aper fei çoa pela ausên cia ou pela imper fei ção da tipi ci da de sub je ti va se nãohou ver o espe cial fim de agir exi gi do pelo pela norma.

23 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte Geral, 14. ed., são paulo, saraiva, 2009, v. 1, p. 286.

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6.1. elemento sub je ti vo espe cial do tipo: com o fim de pro mo ver eva sãode divi sas do país

Com efei to, pode figu rar nos tipos penais, ao lado do dolo, uma série decarac te rís ti cas sub je ti vas que o inte gra ou o fun da men ta. o pró prio Welzel escla -re ceu que: “ao lado do dolo, como momen to geral pes soal-sub je ti vo daque le, quepro duz e con fi gu ra a ação como acon te ci men to diri gi do a um fim, apre sen tam-se no tipo, fre quen te men te, espe ciais momen tos sub je ti vos, que dão colo ri donum deter mi na do sen ti do ao con teú do ético- social da ação”.24 assim, o tomaruma coisa alheia é uma ati vi da de diri gi da a um fim por impe ra ti vo do dolo; noentan to, seu sen ti do ético- social será intei ra men te dis tin to se aque la ati vi da detiver como fim o uso pas sa gei ro ou se tiver o desíg nio de apro pria ção.

na ver da de, o espe cial fim ou moti vo de agir, embo ra amplie o aspec to sub -je ti vo do tipo, não inte gra o dolo nem com ele se con fun de, uma vez que, comovimos, o dolo esgo ta-se com a cons ciên cia e a von ta de de rea li zar a ação para pro -du zir o resul ta do deli tuo so ou de assu mir o risco de pro du zi-lo. o espe cial fim deagir que inte gra deter mi na das defi ni ções de deli tos con di cio na ou fun da men ta aili ci tu de do fato, cons ti tuin do, assim, ele men to sub je ti vo do tipo de ilí ci to, deforma autô no ma e inde pen den te do dolo. a deno mi na ção cor re ta, por isso, é ele -men to sub je ti vo espe cial do tipo ou ele men to sub je ti vo espe cial do injus to, quese equi va lem por que per ten cem, ao mesmo tempo, à ili ci tu de e ao tipo que a elacor res pon de.25

a ausên cia des ses ele men tos sub je ti vos espe ciais des ca rac te ri za o tipo sub -je ti vo, inde pen den te men te da pre sen ça do dolo. enquanto o dolo deve mate ria -li zar-se no fato típi co, os ele men tos sub je ti vos espe ciais do tipo espe ci fi cam odolo, sem neces si da de de se con cre ti za rem, sendo sufi cien te que exis tam no psi -quis mo do autor.26 assim, o agen te pode agir dolo sa men te, isto é, pra ti car atosidô neos para rea li zar ope ra ção de câm bio não auto ri za da, mas se fal tar o espe cialfim – de pro mo ver a eva são de divi sas do país – o crime não se con fi gu ra. podeexis tir o dolo de efe tuar “ope ra ção de câm bio não auto ri za da”, mas a falta do ele -men to sub je ti vo espe cial – o fim de pro mo ver eva são de divi sas do país – não oespe ci fi ca e reduz o tipo penal sub je ti vo, des fi gu ran do-o, como ocor re nos exem -plos cita dos pelos auto res, reco nhe ci dos pelos nos sos tri bu nais, quan do o cida dãoé sur preen di do ten tan do sair para o exte rior com moeda estran gei ra, des ti na da aauxi liar fami liar preso em outro país (fal ta ria, nessa hipó te se, o ele men to sub je -ti vo espe cial de pro mo ver eva são de divi sas).

24 hans Welzel. derecho penal ale mán, trad. Juan Bustos ramírez e sergio pérez Yáñez, santiago, ed.Jurídica, 1970, p. 97.

25 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal, rio de Janeiro, Forense, 1985, p. 175.26 Juarez Cirino dos santos. direito penal, rio de Janeiro, Forense, 1985, p. 80.

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o crime des cri to no caput do art. 22, nessa linha, con su ma-se inde pen den -te men te da efe ti va eva são de divi sas, con si de ran do-se que ela repre sen ta umafina li da de trans cen den te, um espe cial fim de agir, cons ti tuin do uma moda li da dedo deno mi na do deli to de inten ção, que requer um agir com ani mus, fina li da deou inten ção adi cio nal de obter um resul ta do ulte rior ou uma ulte rior ati vi da de,dis tin to da sim ples exe cu ção do tipo penal. trata-se, por tan to, de uma fina li da -de ou ani mus que vai além da rea li za ção da ação. as inten ções espe ciais inte grama estru tu ra sub je ti va de deter mi na dos tipos penais, exi gin do do autor a per se cu -ção de um obje ti vo com preen di do no tipo, mas que não pre ci sa ser alcan ça doefe ti va men te. Faz parte do tipo de injus to uma fina li da de trans cen den te – umespe cial fim de agir – que é exa ta men te o que carac te ri za o crime, que, no caso,é pro mo ver eva são de divi sas do país.

em sín te se, nessa espé cie de crime, a con su ma ção é ante ci pa da, ocor ren docom a sim ples ati vi da de típi ca unida à inten ção de pro du zir um resul ta do ou efe -tuar uma segun da ati vi da de, inde pen den te men te da efe ti va pro du ção ou ocor -rên cia desse ulte rior resul ta do ou ati vi da de. assim, no caso do crime de efe tuarope ra ção de câm bio não auto ri za da, a con su ma ção ocor re com a sim ples prá ti cade ope ra ção de câm bio desau to ri za da, apta para efe ti var a eva são de divi sas desdeque tenha a fina li da de de pro mo ver essa eva são. assim, o fim espe cial – a eva sãopro pria men te dita – não pre ci sa se con cre ti zar, basta que exis ta na mente doagen te; con tu do, a even tual eva são, se ocor rer, não des na tu ra rá o tipo penal, poisrepre sen ta rá somen te o seu exau ri men to. mas esse fim espe cial, con vém que sedes ta que, mesmo que não se con cre ti ze, inte gra o tipo sub je ti vo ao lado do dolo,que, dog ma ti ca men te, não pode ser igno ra do.

para con cluir este tópi co, um últi mo aspec to de suma impor tân cia, qualseja, o aspec to vin cu lan te da fina li da de espe cial da des ti na ção des ses valo res noexte rior. sob esse aspec to, dis cor da mos do enten di men to sus ten ta do por schmidte Feldens, quan do afir mam: “o fim espe cial de eva dir divi sas não vin cu la a des -ti na ção que os valo res venham a ter no exte rior, sendo indi fe ren te, para a veri -fi ca ção da ele men tar sub je ti va em aná li se, que o sujei to ativo do deli to pre ten daman ter pou pan ça clan des ti na no exte rior ou valer-se total ou par cial men te dadivi sa eva di da para cobrir gas tos pes soais de qual quer natu re za.”27 venia con ces -sa, essa não é a melhor orien ta ção, dog ma ti ca men te falan do, a des pei to da auto -ri da de inte lec tual de seus auto res.

na rea li da de, não se pode esque cer da ver da dei ra fun ção dog má ti ca do ele -men to sub je ti vo espe cial do injus to, qual seja, a de deli mi tar e espe ci fi car o dolo,orien tan do a fina li da de da con du ta; pois é exa ta men te essa fina li da de que defi nea tipi ci da de ou a ati pi ci da de da con du ta. logo, haven do outra fina li da de, que não

27 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 171.

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a de pro mo ver eva são de divi sas, o crime não se aper fei çoa, como, por exem plo,efe tuar a ope ra ção de câm bio des ti na da ao exte rior para pagar a hos pi ta li za ção deum fami liar bai xa do (ou, quem sabe, preso) em uma ins ti tui ção de saúde (ou pri -sio nal) em nova iorque. esse ani mus orien ta dor da con du ta, por certo, des na tu raa fina li da de exi gi da pelo tipo penal da eva são, tor nan do-se atí pi ca a con du ta pelafalta do ele men to sub je ti vo espe cial do injus to. nesse sen ti do, con tra ria men te aoenten di men to dos auto res men cio na dos, faze mos coro com manoel pedropimentel, que afir ma va: “se a inten ção do agen te for a de obter van ta gem de outranatu re za, ou mesmo, pen sa mos, a de efe tuar um paga men to devi do no exte rior,em razão de con tra to fir ma do, não se carac te ri za rá o crime, por que não esta rápre sen te a inten ção de pro mo ver a eva são de divi sas do país.”28 aliás, os pró priosauto res men cio na dos des ta cam em nota de roda pé29 que essa tese foi acei ta pelajuris pru dên cia: “[...] o tipo penal do art. 22, caput, da lei nº 7.492/86 apre sen taele men to nor ma ti vo mate ria li za do na expres são “não auto ri za da”, além do ele -men to sub je ti vo cor res pon den te ao “fim de pro mo ver eva são de divi sas do país.”no caso con cre to, a inten ção do pacien te não era reme ter clan des ti na men te divi -sas para o exte rior, mas, sim, acu dir seu irmão preso nos eua. Falta de ade qua çãotípi ca sub je ti va. [...] [trF da 2ª região, hC 200102010466198/rJ, 3ª turma, rel.Juiz Francisco pizzolante, j. em 14/10/2003, dJu 24/11/2003, p. 180]”.

subscrevemos inte gral men te, por sua abso lu ta cor re ção dog má ti ca, essa res -pei tá vel deci são do tribunal regional Federal da 2ª região, trans cri ta porschmidt e Feldens.

7. Consumação e ten ta ti va de ope ra ção de câm bio não auto ri za da

7.1. Consumação

a con du ta de efe tuar ope ra ção de câm bio não auto ri za da, com o fim depro mo ver eva são de divi sas do país – caput do art. 22 –, carac te ri za crime for -mal que se con su ma inde pen den te men te da efe ti va saída de divi sa, sendo sufi -cien te que a ope ra ção de câm bio tenha esse obje ti vo. em outros ter mos, con su -ma-se o crime com a sim ples rea li za ção da ope ra ção de câm bio desau to ri za da,não sendo neces sá rio que os valo res saiam efe ti va men te do país. a mera cele -bra ção do con tra to de câm bio irre gu lar con su ma o crime, desde que tenha afina li da de de enviar as divi sas para o exte rior, ainda que lá não os con si ga dis -po ni bi li zar. isso não quer dizer, con tu do, que a sim ples rea li za ção de ope ra çãode câm bio já carac te ri ze o crime, mas somen te aque la ope ra ção em des con for -

28 pimentel. Crimes con tra o sistema Financeiro nacional, cit., p. 158.29 schimidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas, nota de roda pé n. 87, p. 171.

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mi da de com as nor mas cam biais, que tenha a fina li da de de enviar, desau to ri za -da men te, os valo res ao exte rior.

resultando, no entan to, dessa ope ra ção a efe ti va saída de divi sas para oexte rior, não o trans for ma rá em outra tipi fi ca ção (a da pri mei ra parte do pará -gra fo único, que é crime mate rial), como refe rem alguns auto res, mas repre -sen ta rá somen te o exau ri men to da figu ra des cri ta no caput. no par ti cu lar, dis -cor da mos do enten di men to sus ten ta do por schmidt e Feldens,30 para os quais,“caso o agen te venha, efe ti va men te, após efe tua da a ope ra ção de câm bio, apro mo ver a eva são de divi sas, o deli to pro gre di rá para a 1ª parte do pará gra foúnico do art. 22 (incorre na mesma pena quem, a qual quer títu lo, pro mo ve,sem auto ri za ção legal, a saída de moeda ou divi sa para o exte rior...)”. Con -trariamente a essa inter pre ta ção, o fato de a pri mei ra figu ra do pará gra foúnico cri mi na li zar a con du ta de quem pro mo ve, a qual quer títu lo, a saída demoeda ou divi sa não auto ri za enten di men to diver so, embo ra, teo ri ca men te,possa abran ger tam bém a eva são pro ce di da por meio de “ope ra ção de câm bionão auto ri za da”. ocorre que, nessa hipó te se, o prin cí pio da espe cia li da de (afigu ra do caput exige espe cial fim) afas ta natu ral men te a apli ca ção do dis pos -to no pará gra fo único, que tem abran gên cia gené ri ca, sem exi gên cia de fimespe cial. a única pos si bi li da de de apli car-se a forma suge ri da pelos auto resmen cio na dos será quan do, por exem plo, se efe tuar ope ra ção de câm bio nãoauto ri za da, com o fim de pro mo ver a eva são, sem que ocor ra a efe ti va saída e,num segun do momen to, em outra opor tu ni da de, o agen te pro mo va efe ti va -men te a saída das mes mas divi sas, nos ter mos da 1ª parte do pará gra fo único.mas, nesse caso, esta re mos dian te de uma nova con du ta, dife ren te, dis tin ta, ecom outro pro ce der.

7.2. tentativa

tratando-se de crime for mal e plu ris sub je ti vo, efe tuar ope ra ção de câm bionão auto ri za da admi te, sem maio res difi cul da des, a figu ra ten ta da. pode ocor rer,por exem plo, que duran te a tra mi ta ção da ope ra ção de câm bio, que exige diver -sos atos, o sujei to seja sur preen di do por agen te poli cial que inter rom pe sua açãoou apreen de valor ou moeda que aque le pre ten dia enviar para fora do país.seriam, diga mos, cir cuns tân cias alheias à sua von ta de que impe dem a con su ma -ção da ope ra ção cam bial.

em outros ter mos, sem pre que a ope ra ção de câm bio desau to ri za da não secom ple te, por qual quer razão estra nha à von ta de do agen te, o crime será ten ta -do. não se pode olvi dar, no entan to, que a sim ples con clu são da ope ra ção cam -

30 o crime de eva são de divi sas... p. 204.

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bial, em des con for mi da de com as nor ma ti vas cam biais, com essa fina li da de, con -su ma o crime de eva são de divi sas, inde pen den te men te de con se guir dis po ni bi -li zá-las fora do país.

8. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime comum (pode ser pra ti ca do por qual quer agen te, inde -pen den te men te de reu nir deter mi na da qua li da de ou con di ção espe cial); dolo -so (não há pre vi são legal para a figu ra cul po sa); de forma vin cu la da, na moda -li da de do caput (que somen te pode ser pra ti ca do median te “ope ra ção de câm -bio não auto ri za da”); de forma livre, nas outras duas moda li da des (o legis la dornão pre viu nenhu ma forma ou modo para exe cu ção des sas espé cies, poden doser rea li za da do modo ou pelo meio esco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo (oscom por ta men tos des cri tos no tipo impli cam a rea li za ção de con du tas ati vas,pois se trata norma penal proi bi ti va e não man da men tal); ins tan tâ neo (a con -su ma ção ocor re em momen to deter mi na do, não haven do um dis tan cia men totem po ral entre a ação e o resul ta do); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); plu -ris sub sis ten te (pode ser des do bra do em vários atos, que, no entan to, inte grama mesma con du ta).

9. promover, a qual quer títu lo, sem auto ri za ção legal, a saída demoeda ou divi sa para o exte rior

o pará gra fo único do art. 22 tipi fi ca duas figu ras deli tuo sas: “incor re namesma pena quem, a qual quer títu lo, pro mo ve, sem auto ri za ção legal, a saída demoeda ou divi sa para o exte rior, ou nele man ti ver depó si tos não decla ra dos àrepar ti ção fede ral com pe ten te.” na pri mei ra parte, tipi fi ca um crime mate rial,eva são pro pria men te (ao con trá rio do caput, que prevê crime seme lhan te, masfor mal) e, na segun da parte, só impro pria men te se pode falar em eva são de divi -sas na medi da em que se trata somen te de depó si tos não decla ra dos man ti dos noexte rior, que podem, inclu si ve, ter sido ori gi na dos fora do país.

9.1. Bem jurí di co tute la do

o bem jurí di co, dire to e ime dia to, a exem plo da pri mei ra figu ra (caput), é atute la do con tro le do estado sobre o trá fe go inter na cio nal de divi sas, isto é, a saídade moeda ou divi sas, como diz o texto legal, para o exte rior. esse con tro le faz-seneces sá rio para per mi tir ao estado man ter, reo rien tar ou inten si fi car a polí ti ca cam -

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bial bra si lei ra. nesse sen ti do, des ta ca tórtima,31 “pode-se con si de rar que a ênfa se doesco po de tute la da norma do art. 22 e de seu pará gra fo único é a pre ser va ção dasreser vas cam biais do país, com todos os refle xos na esta bi li da de do sistemaFinanceiro nacional, em par ti cu lar, e da pró pria eco no mia, como um todo”.

por essa razão, coe ren te men te, con clui tórtima,32 que even tuais con du tasque não ofen dam ou amea cem o obje to da pro te ção jurí di ca são inó cuas e, por -tan to, penal men te irre le van tes, na medi da em que é exa ta men te o bem jurí di cotute la do que deli mi ta a fun ção repres si va esta tal.

9.2. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

enquanto o caput do art. 22 cri mi na li za a con du ta de “efe tuar ope ra ção decâm bio, não auto ri za da, com o fim de pro mo ver eva são”, o pará gra fo único tipi -fi ca a con du ta de quem “a qual quer títu lo, pro mo ve, sem auto ri za ção legal, asaída de moeda ou divi sa para o exte rior”. Cuida-se de figu ras abso lu ta men tedife ren tes, com abran gên cia igual men te dis tin tas, poden do, inclu si ve, admi tiruma espé cie de pro gres são cri mi no sa, na medi da em que esta, por ser mais abran -gen te, pode absor ver aque la.

atualmente, encon tra-se bas tan te libe ra li za do o con tro le cam bial, per mi tin -do que qual quer pes soa, que tenha ori gem líci ta de seus recur sos, possa enviá-losregu lar men te ao exte rior, logi ca men te, median te con tra to de câm bio atra vés dasins ti tui ções finan cei ras auto ri za das a ope rar nessa área. essa libe ra li za ção reco -nhe ce, de certa forma, o direi to cons ti tu cio nal de qual quer con tri buin te entrar esair livre men te do país, com os seus bens (art. 5º, Xv, CF). nesse sen ti do, pre le -cio na tórtima:33 “hoje, qual quer pes soa pode, atra vés de sim ples ope ra ção ban cá -ria, nas ins ti tui ções auto ri za das a ope rar com câm bio, reme ter o quan to lheaprou ver para fora do país, adqui rin do para tanto a quan tia cor res pon den te emmoeda estran gei ra, cujos limi tes foram taxa ti va men te supri mi dos pela Circular nº2.494, de 19/10/94, do Banco Central do Brasil”. no entan to, nunca é demais repe -tir, que trans fe rên cias inter na cio nais de valo res supe rio res a r$ 10.000,00 (dezmil reais) devem ser rea li za das via con tra to de câm bio atra vés do sis te ma inter -ban cá rio, sob pena de ope rar à mar gem da lei, sem qual quer regis tro peran te asauto ri da des mone tá rias. Caso con trá rio, igno ran do-se as ope ra ções cam biaisinter ban cá rias, incor re-se na veda ção con ti da na 1ª parte do pará gra fo único men -cio na do, salvo quan do se tra tar de trans fe rên cia manual, que deve rá ser acom pa -nha da de dpv – decla ra ção de porte de valo res – como vere mos adian te.

31 José Carlos tórtima e Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas... p. 14/15.32 José Carlos tórtima e Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas... p.40;33 tórtima. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal... p. 139.

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não se pode igno rar que, via de regra, essa “saída de moeda ou divi sa para oexte rior” é pura men te escri tu ral, na medi da em que os res pec ti vos recur sos já seencon tram no exte rior, sendo ape nas subs ti tuí do seu deten tor (ou titu lar). aliás,as ope ra ções ban cá rias inter nas são, igual men te, escri tu rais, pois os depó si tos, as ordens de paga men tos, as trans fe rên cias, entre outras, como regra, não pas sam deope ra ções con tá beis, isto é, sem a trans fe rên cia físi ca efe ti va da moeda. na ver -da de, embo ra seja, teo ri ca men te, libe ra da a entra da e a saída de divi sas no país,exis tem nor mas, legais ou admi nis tra ti vas, que esta be le cem con di ções e for maspro ce di men tais para que se efe tuem tais ope ra ções, sem pre sob o crivo das auto -ri da des mone tá rias.

abusivamente, no entan to, e nesse sen ti do assis te razão a tórtima, tem-seele va do à con di ção de crime (eva são de divi sas) o sim ples des cum pri men to demeras for ma li da des, que, a rigor, não pas sam de sim ples infra ções admi nis tra ti -vas, cons ti tuin do, no máxi mo, um ilí ci to cam bial. não se pode esque cer que asope ra ções de câm bio, sem pre via con tra to de câm bio, por deter mi na ção legal(art. 65 da lei nº 9.069/95), são o meio legal de trans fe rên cias inter na cio nais emvalo res supe rio res ao equi va len te a r$ 10.000,00 (dez mil reais). Quando, noentan to, se tra tar de câm bio manual, supe rior ao valor men cio na do, o por ta dordeve rá fazer-se acom pa nhar da res pec ti va declaração de porte de valores – dpv(resolução do Cmn nº 2.254/98).34

a con trá rio senso, o con tri buin te que via jar ou sair do país, por qual querrazão, com valo res não supe rio res a r$ 10.000,00 (dez mil reais) não neces si ta dequal quer for ma li da de, quer de ope ra ção cam bial, quer de declaração de porte devalores (dpv), para aten der às exi gên cias das auto ri da des adua nei ras. a con du -ta do con tri buin te, nes sas cir cuns tân cias, não ape nas é atí pi ca como líci ta, não sepoden do sequer cogi tar de ilí ci to admi nis tra ti vo-cam bial.

de qual quer sorte, nas duas figu ras – seja pro mo ven do eva são de divi sas dopaís (caput), seja pro mo ven do, a qual quer títu lo, a saída de moeda ou divi sa parao exte rior (pará gra fo único, 1ª parte) – fica muito claro que a eva são de moedaou divi sas será sem pre e neces sa ria men te a saída ile gal de divi sas do país para oexte rior (pleo nas mo legal).

em outros ter mos, sig ni fi ca reco nhe cer que a entra da ile gal ou desau to ri -za da de moeda ou divi sa no país não tipi fi ca o crime de eva são, a des pei to decons ti tuir uma infra ção cam bial. nesse sen ti do, sus ten tam schmidt eFeldens:35 “a cri mi na li za ção não se dá sobre o movi men to finan cei ro emi gra -tó rio em si, o qual será legí ti mo se rea li za do sob o con tro le esta tal, na formadis pos ta pelo regi me cam bial vigen te. Como antes visto [...], as diver sas for masde saída de moeda ou divi sa para o exte rior sub me tem-se a regra men tos espe -

34 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 176. 35 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 174

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cí fi cos para cada moda li da de de tran sa ção (v.g., a rea li za ção de con tra to decâm bio nas ope ra ções de comér cio exte rior).” não igno ra mos que a lesão aocon tro le cam bial rea li za do pelo Banco Central pode ocor rer tanto na hipó te sede saída, quan to de entra da ile gal de valo res em nosso país. Contudo, a des pei -to de even tual infrin gên cia a nor mas admi nis ta ti vo-cam biais, a entra da irre gu -lar de divi sas no Brasil não se amol da à des cri ção típi ca cons tan te do arti go 22e seu pará gra fo único.36

9.2.1. elementar nor ma ti va: “a qual quer títu lo”

a ele men tar nor ma ti va a qual quer títu lo sig ni fi ca que é indi fe ren te aforma ou meio pela qual a saída ile gal de moeda ou divi sas para o exte riortenha sido pra ti ca da, atra vés de ope ra ção de câm bio, de tra di ção manual emespé cie, dólar-cabo etc., ao con trá rio da pre vi são do caput, que somen te podeser pra ti ca do atra vés de “ope ra ção de câm bio” desau to ri za da. nessa pre vi sãogené ri ca e abran gen te, ine ga vel men te, pode englo bar-se tam bém a pró pria ope -ra ção de câm bio pre vis ta no caput, que aca ba mos de exa mi nar. nesse sen ti do, éabso lu ta men te pro ce den te a crí ti ca de manoel pedro pimentel, quan do afir maque, por essa abran gên cia, até seria des ne ces sá ria a pre vi são do caput, sendosufi cien te a des cri ção cons tan te na pri mei ra parte do pará gra fo único.37

Contudo, con vém des ta car, aspec to não lem bra do por pimentel, que a pre vi sãodo caput, em razão de seu ele men to sub je ti vo espe cial do tipo, se esti ver ausen -te, o crime será no máxi mo ten ta do, jus ti fi can do-se dessa forma sua tipi fi ca çãoanor mal no pará gra fo único.

por outro lado, con cre ti zan do-se ope ra ção cam bial não auto ri za da, naforma des cri ta no caput, efe ti van do-se a res pec ti va dis po ni bi li da de no exte rior,não nos pare ce razoá vel trans mu dá-la para a tipi fi ca ção da 1ª parte do pará gra -fo único (pro gres são cri mi no sa), como suge rem schmidt e Feldens.38 na ver da -de, não con si de ra mos ade qua da a suge ri da pro gres são cri mi no sa, des lo can dosua tipi fi ca ção em res pei to ao prin cí pio da espe cia li da de. Com efei to, o fato dea tipi fi ca ção do pará gra fo poder, em tese, abran ger a do caput não auto ri za esse“trans por te”, quan do visi vel men te se trata de “ope ra ção de câm bio não auto ri -za da, com o fim de pro mo ver eva são de divi sas do país”. Com efei to, essa pre -vi são do caput é espe cí fi ca, con ten do todos os ele men tos do tipo anor mal,enquan to aque la ope ra ção pre vis ta no pará gra fo único é gené ri ca, abran gen te,sem defi nir suas ele men ta res típi cas e sem con ter ele men to sub je ti vo espe cial

36 incensurável, nesse sen ti do, a deci são do superior tribunal de Justiça: stJ, resp 189144, 2ª turma, rel.min. João otávio de noronha, j. em 17/02/2005, dJu de 21/03/2005, p. 302.

37 pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro... p. 158. 38 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 179.

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do injus to. ademais, segun do os auto res refe ri dos, tería mos uma “tipi fi ca çãocon di cio na da”: não se con cre ti zan do o resul ta do da ação, pre va le ce ria a pre vi -são do caput; na hipó te se con trá ria, isto é, con cre ti zan do-se a eva são, vale ria atipi fi ca ção do pará gra fo único (1ª parte), esque cen do-se que esse aspec to repre -sen ta somen te o exau ri men to da con du ta, espe ci fi ca men te incri mi na da nocaput. e, con cluin do, enten di men to con trá rio, sig ni fi ca defi nir a con du ta pelapro du ção do resul ta do, igno ran do-se sua tipi fi ca ção e, fun da men tal men te, suamoti va ção sub je ti va, que real men te defi ne a fina li da de da ação e, con se quen te -men te, sua ade qua ção típi ca.

9.2.2. elementar nor ma ti va: saída de moeda ou divi sa para o exte rior

somente para afas tar os “fan tas mas inter pre ta ti vos” relem bra mos que ovocá bu lo ‘ saída’ refe rin do-se à “moeda ou divi sa”, com ple men ta do com a locu -ção ‘para o exterior’, não pode, em hipó te se algu ma, ser inter pre ta do como‘entrada’ sem vio len tar o prin cí pio da reser va legal e, fun da men tal men te, a fun -ção taxa ti va da tipi ci da de. espera-se que acór dãos, em sen ti do con trá rio ao queesta mos afir man do, sejam coi sas do pas sa do e pro du to de equí vo cos cujos resul -ta dos, desas tro sa men te nega ti vos, tenham ser vi do para refle xão cons tru ti va deres pei to às garan tias mate riais pró prias do direi to penal da cul pa bi li da de, exi gi -das pelo estado democrático de direito.

sobre o sig ni fi ca do de ‘ divisas’ já tra ta mos quan do exa mi na mos as ele men -ta res da eva são de divi sas, median te ope ra ção de câm bio não auto ri za da (caput),para onde reme te mos o lei tor, para não ser mos repe ti ti vos. no entan to, não tra -ba lha mos o aspec to da “saída” de moeda ou divi sas, se real ou vir tual, bem comosua ade qua ção típi ca (aliás, cor re ta men te ques tio na da por tórtima). por outrolado, nada foi dito pelo legis la dor a res pei to de moeda, embo ra a uti li ze, nestedis po si ti vo, como sinô ni mo de divi sas (mesmo que não seja exclu si va). schmidte Feldens,39 no entan to, des ta cam que “moeda e divi sas não se con fun dem paraos efei tos do deli to em ques tão. di-lo o pró prio tipo penal, ao dis tin gui-las(moeda ou divi sa). assim, no pre ci so con tex to do tipo, a moeda nacio nal (papel-moeda) dis po ní vel ao bra si lei ro em ter ri tó rio nacio nal não é divi sa. ainda queencer rem con cei tos dis tin tos, pode-se iden ti fi car uma rela ção par cial entre asele men ta res, no sen ti do de que a moeda estran gei ra pode con sis tir em divi sa,muito embo ra nem toda divi sa seja repre sen ta da por moeda (papel-moeda)estran gei ra”.

esses dois aspec tos – saída de divi sas e defi ni ção de moeda – mere cem umexame indi vi dual, o que fare mos a seguir.

39 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 177.

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9.2.2.1. saída de divi sas para o exte rior

aspecto que deman da algu ma refle xão refe re-se à ele men tar “saída de divi -sas”, par tin do-se da pre mis sa de que o crime da pri mei ra parte do pará gra fo únicodo art. 22 con su ma-se somen te com a efe ti va saída das divi sas (ou moeda) para oexte rior, ao con trá rio da figu ra do caput, como já exa mi na mos. tratando-se, por -tan to, de crime mate rial, deve-se ava liar se as divi sas efe ti va men te saem do ter -ri tó rio nacio nal. Ganha rele vo essa preo cu pa ção con si de ran do-se as diver sas for -mas em que se tem admi ti do como con fi gu ra do ra dessa moda li da de de “eva sãode divi sas”, como, por exem plo:

a) nas ope ra ções inter na cio nais; b) nos depó si tos em CC5 – tipo ‘2’; c) nos depó si tos em “CC-5 – tipo 3”; d) na fic ção cria da pela Circular 2.242 (repe ti da pela Circ. 2.677) etc.

Façamos uma aná li se sucin ta des sas hipó te ses mais comuns do mer ca do.

a) saída de divi sas nas ope ra ções inter na cio nais

nas ope ra ções cam biais inter na cio nais, legí ti mas ou clan des ti nas, saem, efe -ti va men te, divi sas para o exte rior? moedas, como demons tra mos, salvo no câm -bio manual, não saem. Convém recor dar que as ope ra ções inter ban cá rias, nacio -nais ou inter na cio nais, são sem pre escri tu rais ou con tá beis, não haven do, emregra, a trans fe rên cia físi ca dos valo res. ora, nas ope ra ções cam biá rias, a situa çãonão é dife ren te.

o sis te ma finan cei ro nacio nal auto ri za que os ban cos bra si lei ros man te -nham con tas ou vín cu los com ban cos no exte rior, pos suin do as deno mi na das ‘ -linhas de créditos’ inter na cio nais. a rigor, os dóla res comer cia li za dos já seencon tram fora do país, ocor ren do somen te a trans fe rên cia dos res pec ti vos titu -la res; não há, con se quen te men te, a efe ti va saída da moeda ou divi sas, nes sas ope -ra ções cam biais atra vés do sis te ma inter ban cá rio. na rea li da de, os ban cos devemcom pro var que pos suem linhas de cré di to con ce di das por ban quei ros estran gei -ros até deter mi na dos limi tes que lhes per mi tam sacar, a des co ber to ou não. ouseja, o mer ca do de câm bio ope ra cio na li za-se sobre essa estru tu ra, que cons ti tuiuma ver da dei ra rede inter na cio nal, obe de cen do suas pró prias regras.

o con tro le e a fis ca li za ção da balan ça de paga men tos, isto é, do equi lí brioda entra da e saída de divi sas, mono po li za do pelo estado, é efe ti va do pelo BancoCentral, que esta be le ce as con di ções pelas quais um banco pode ope rar no sis te -ma cam bial. os ban cos podem com prar e ven der moe das estran gei ras livre men -te ao longo do dia. no final de cada jor na da diá ria, o saldo de sua conta em moeda

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estran gei ra – com pra da e ven di da – deve rá situar-se den tro dos limi tes pre via -men te per mi ti dos.40

por óbvio, nin guém igno ra que os dóla res não saem, em cada ope ra ção cam -bial, do ter ri tó rio nacio nal. É incon ce bí vel que hou ves se aviões fre ta dos car re ga -dos de malo tes rechea dos de dóla res voan do para os mais dis tin tos pon tos do pla -ne ta trans por tan do fisi ca men te valo res obje tos das milha res e milha res de ope -ra ções diá rias do mer ca do finan cei ro inter na cio nal. em outros ter mos, a rigor, ains ti tui ção finan cei ra sedia da no Brasil trans fe re – em favor do bene fi ciá rio daope ra ção – o cré di to que dis põe em uma conta já man ti da fora do país. Comunicaao Banco estran gei ro que deter mi na do valor deve ser cre di ta do em favor de tal equal clien te que dele pode fazer uso como lhe aprou ver.

nesse sen ti do, mere ce ser des ta ca da a per cu cien te crí ti ca de tórtima, pornós já refe ri da, in ver bis:

“de fato, como ensi na Bruno ratti, não ape nas o pró prio Banco Cen tral,mas as ins ti tui ções finan cei ras pri va das, atuan tes no mer ca do de câm bio, estaspara aten der às deman das dos seus clien tes por moe das estran gei ras, man têmcon tas de depó si tos junto a outros ban cos no exte rior, seus cor res pon den tes.tais con tas são conhe ci das no jar gão cam bial como nos tro account.

Já no mer ca do para le lo a lógi ca é a mesma. os cha ma dos dolei ros tam -bém man tém con tas em ban cos sedia dos em pra ças estran gei ras para aten -der aos inte res sa dos nas trans fe rên cias inter na cio nais não ofi ciais, de recur -sos para – e do – exte rior. logo, é intei ra men te irreal, falsa mesmo, a idéiade saída efe ti va do país dos milhões de dóla res movi men ta dos anual men tenas conhe ci das ope ra ções dólar cabo, sobre os quais vol ta re mos a falar opor -tu na men te. o pró prio legis la dor, con ve nha mos, con tri buiu para o malenten di do, ao con ce ber a fór mu la da con du ta típi ca, des cri ta na pri mei raparte do art. 22 como a saída de moeda ou divi sa para o exte rior, trans mi -tin do ao intér pre te a qui mé ri ca idéia de trans po si ção físi ca, pelas fron tei rasdo país, do dinhei ro reme ti do.

a dic ção do texto legal leva real men te o lei tor à per ple xi da de.Constata-se um fosso intrans po ní vel entre o sen ti do lite ral das expres sõesempre ga das pelos auto res da lei e a rea li da de empí ri ca das ope ra ções domer ca do de câm bio saca do. Com efei to, quan do se fala em saída para o exte -rior das divi sas, é ine vi tá vel a cono ta ção físi ca e geo grá fi ca dada à ope ra çãode trans fe rên cia dos valo res, sig ni fi can do que estes foram efe ti va men tereme ti dos para outro país. entretanto, na rea li da de do mer ca do cam bial,tais trans fe rên cias físi cas de nume rá rio só ocor rem com a saída do dinhei ro

40 eduardo Fortuna. mercado finan cei ro. produtos e ses rvi ços. Quality mark, p. 396.

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em espé cie, trans por ta do por via jan tes nos per cur sos inter na cio nais. nuncanas hipó te ses de ope ra ções cur sa das atra vés das ins ti tui ções ban cá rias cre -den cia das a ope rar no mer ca do de câm bio ou mesmo nas tran sa ções infor -mais do dólar cabo, pois nesse caso – repi se-se – o dinhei ro em moedaestran gei ra já se encon tra no exte rior, não haven do como cogi tar-se de saídafísi ca do país, do nume rá rio trans fe ri do. [...].41

para con tex tua li zar mos estas con si de ra ções, não se pode olvi dar que a leiregen te veda o envio de moeda e divi sas para o exte rior, deven do-se regis trar queestas são meios libe ra tó rios inter na cio nais (v. g., ordens de paga men tos, letras decâm bio, moeda estran gei ra etc.) (art. 22, caput e pará gra fo único).

Questão fun da men tal, para melhor com preen der mos toda essa pro ble má ti -ca, con sis te no seguin te: afi nal, aque les valo res – man ti dos pelos ban cos bra si lei -ros no exte rior ( linhas de cré di to inter na cio nais) – são cré di tos pos suí dos no Brasil(em ter ri tó rio nacio nal), ou são cré di tos pos suí dos no exte rior? os valo res (moedaou divi sa) estão em solo bra si lei ro ou estão no exte rior? enfim, o cré di to repre -sen ta ti vo de divi sas está no Brasil ou está no exte rior, isto é, além das fron tei ras?

a ope ra ção inter ban cá ria é cele bra da no Brasil, com agên cia ou uni da de deins ti tui ção finan cei ra aqui loca li za da, con se quen te men te, aqui é cons ti tuí do o res -pec ti vo cré di to. em outros ter mos, o cré di to está no Brasil, embo ra os valo res (amoeda) este jam no exte rior, ou seja, as divi sas repre sen ta das pelos cré di tos cons ti -tuí dos encon tram-se em ter ri tó rio bra si lei ro, embo ra os dóla res cor res pon den tessejam man ti dos em con tas no exte rior, cuja titu la ri da de é alte ra da.42 não se podeesque cer que divi sas não são ape nas moe das, mas tam bém, e fun da men tal men te,

41 José Carlos tórtima e Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas, 3ª ed., rio de Janeiro, lumen Juris, 2009,p. 32/33. e, con clui tórtima: “Ficaria então o intér pre te dian te do seguin te dile ma: ou per ma ne ce fiel aosprin cí pios garan tis tas da lega li da de e da taxa ti vi da de, só admi tin do a ocor rên cia do crime, em tese, quan -do efe ti va men te as divi sas saís sem do ter ri tó rio nacio nal em dire ção ao exte rior, na linha do enten di men -to da trans po si ção das fron tei ras do país, tal como tex tual men te indi ca a reda ção do tipo penal, acei tan do– nesse caso – que as ope ra ções rea li za das atra vés do câm bio saca do fica riam fora da incri mi na ção legal;ou opta ria por uma exe ge se amplia ti va do alcan ce da norma penal, para fazê-la atin gir ambas as moda li -da des de trans fe rên cias inter na cio nais de recur sos (câm bio manual e saca do), sem pre que rea li za das àmar gem do sis te ma ofi cial, e, nesse caso, arros ta ria o risco de vio la ção do prin cí pio da reser va legal, vistoque nas trans fe rên cias cur sa das pela via inter ban cá ria, as saí das dos recur sos são mera men te escri tu rais, enão efe ti vas e con cre tas, como leva a crer o texto do refe ri do dis po si ti vo de lei. (evasão... p. 34/35). desafortunadamente para o dogma da lega li da de, tem a juris pru dên cia – ao que se saiba sem dis sen são –ado ta do a segun da opção, des de nhan do, em favor dos des ti na tá rios da lei penal, o sen ti do res tri ti vo dotipo do injus to em ques tão. e o tem feito, reco nhe ça-se – valen do estas pala vras como sin ce ra e já tar diaauto crí ti ca – sem, até hoje, qual quer obje ção pon tual da dou tri na, embo ra con ti nuas se essa a sus ten tar,dian te da expres sa dic ção do texto legal em tal sen ti do, que o crime de eva são de divi sas só se aper fei çoacom a saída dos recur sos do ter ri tó rio nacio nal ou ainda com a efe ti va trans po si ção das fron tei ras do país”.

42 Criticando o equí vo co do texto legal, sus ten tan do a ati pi ci da de de con du tas seme lhan tes as aqui men cio -na das, tórtima suge re que o legis la dor deve ria ter ado ta do reda ção dis tin ta, cri mi na li zan do, por exem plo,a trans fe rên cia irre gu lar da titu la ri da de das linhas de cré di to, em vez de pre ten der punir uma fic ção (eva -são de divi sas que se encon tram no exte rior).

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cré di tos ou títu los que as repre sen tem. deve-se regis trar, ade mais, que as ins ti tui -ções finan cei ras (ban cos sedia dos no Brasil) podem gas tar ou con su mir esses recur -sos no Brasil, pagar con tas, res ga tar com pro mis sos etc., desde que obser va das asnor ma ti vas cam biais res pec ti vas. significa, em outras pala vras, que pos suem poderlibe ra tó rio em nosso país e devem estar con ta bi li za dos junto ao Banco Central.

enfim, deve-se con cluir que – se tais divi sas se encon tram em solo bra si lei -ro (enquan to cré di tos em posse de ban cos bra si lei ros) – ine vi ta vel men te a suatrans fe rên cia para outros ban cos bra si lei ros ou mesmo para pes soas físi cas aquiresi den tes não alte ra essa situa ção. ou seja, os dóla res con ti nuam fora do país(onde já se encon tram), mas os cré di tos estão na posse de pes soas ou enti da desaqui situa das, con se quen te men te, o cré di to con ti nua em solo bra si lei ro e aqui seencon tram exa ta men te por osten ta rem poder libe ra tó rio em nosso país. nessascon di ções, é impos sí vel falar-se em eva são ou saída de divi sas para o exte rior,salvo se a trans fe rên cia de titu la ri da de ocor rer para não resi den te no país.

adotando essa orien ta ção, o digno e culto Juiz Federal Flavio antonio da Cruz,de Curitiba, em sua magis tral sen ten ça na ação penal nº 2003.70.00.039529-0/pr,refe rin do-se à eva são de divi sas, con cluiu com abso lu to acer to: “a única solu çãopara apli car tal pre cei to – com res pei to ao pos tu la do da taxa ti vi da de (art. 5º, inc.XXXiX) – é a con si de ra ção de que (a) os cré di tos estão em solo bra si lei ro, já quepodem ser trans fe ri dos aqui, pos suin do poder libe ra tó rio aqui, ainda que os dóla -res este jam no exte rior; (b) é cabí vel cogi tar da saída de tais cré di tos do solo bra -si lei ro, desde que sejam trans fe ri dos para pes soa que não mais resi da aqui, e que– por tan to – tais cré di tos não mais pos sam ser empre ga dos em nosso país”.

b) depósito em CC5 – “tipo 2” ( outras ori gens):

À luz do texto legal e ante o prin cí pio da lega li da de, o sim ples lan ça men toou depó si to de valo res, em con tas man ti das no Brasil, pode tipi fi car o crime deeva são de divi sas, tal como des cri to no art. 22 e seu res pec ti vo pará gra fo único?

Justifica-se esse ques tio na men to na medi da em que, não raro, o ministériopúblico tem insis ti do em inú me ras ações penais, que o sim ples lan ça men to devalo res em con tas CC-5, de qual quer espé cie, man ti das no Brasil, é sufi cien tepara carac te ri zar a eva são de divi sas para o exte rior. Ganha rele vo essa preo cu pa - ção ante even tuais depó si tos pro ce di dos nas deno mi na das con tas CC5 – “tipo 2”,qual seja, “con tas de outras ori gens”, e sua ine gá vel impos si bi li da de de seremtrans fe ri dos para o exte rior. para com pli car ainda mais, o Banco Central temabas te ci do o mer ca do finan cei ro-cam bial com cir cu la res (v. g., 2.242/92, 2.677/96)con si de ran do que o sim ples depó si to de recur sos em con tas CC-5 (de qual querespé cie) já con fi gu ra ria saída de divi sas do país. deve-se des ta car, nova men te,que ban cos situa dos o país foram auto ri za dos a ope rar com refe ri das con tas (v. g.,Banestado, araucária, integração, Banco do Brasil, Bemge). tratando-se de fic -ção jurí di ca – con si de ran do-se que tais depó si tos são rea li za dos e man ti dos no

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Brasil – admis sí vel no âmbi to admi nis tra ti vo, é insus ten tá vel em seara cri mi nal,par ti cu lar men te na cons tru ção ou inte gra ção de norma penal incri mi na do ra.

para melhor com preen der mos sua ope ra cio na li da de, faz-se neces sá rio algu -mas con si de ra ções, ainda que sucin tas, sobre a sis te má ti ca da deno mi na da “CC-5”, como ficou conhe ci da a Carta-Circular nº 5 do Banco Central, de 27 de feve -rei ro de 1969. referida Carta-Circular tinha a fina li da de de regu la men tar o art.57 do decreto 55.762/65,43 o qual, por sua vez, esta ria ampa ra do no art. 9º da leinº 4.131, de 1.962 (e lei nº 4.390/64).

nessa Carta-Circular nº 05/69, exis tiam somen te duas espé cies de con tas: a)con tas livres (pro ve nien tes de ven das de câm bio), b) con tas livres (pro ve nien tesde outras ori gens), que fica ram conhe ci das tam bém, sim pli fi ca da men te, como,Contas de “ven das de câm bio” ou CC-5 tipo 1, e “ outras ori gens” ou CC-5 tipo 2.ambas as con tas, de tipo um e de tipo dois, eram de livre movi men ta ção no paíspara fins de inte res se dos pró prios titu la res, inde pen den te men te de auto ri za çãopré via do Banco Central; deviam, con tu do, regis trar sem pre, além da ori gem dosrecur sos, a iden ti da de do depo si tan te e a do favo re ci do. no entan to, somen te aconta CC-5 “tipo 1” – venda de câm bio – podia trans fe rir livre men te para o exte -rior o saldo que apre sen tas se, não sendo, con tu do, per mi ti da tal libe ra li da de àconta CC-5 “tipo 2”. a CC-5 (con tas de ins ti tui ções finan cei ras), deno mi na da“CC-5 do tipo 3”, só foi cria da pos te rior men te, pela Circular nº 2.259/92, que tam -bém pos si bi li ta va o envio de divi sas ao exte rior, como demons tra re mos adian te.

43 “aos esta be le ci men tos ban cá rios, comu ni ca mos que, tendo em vista o que pres cre vem o decreto 23.258,de 19/10/1933, e o decreto 55.762, de 17/10/1965, que regu la men tou as leis 4.131, de 02/09/1962, e 4.390,de 19/08/1964, espe cial men te o dis pos to no art. 57 do cita do regu la men to, a diretoria deste Banco resol -veu, em ses são de 26/02/1969, esta be le cer as seguin tes nor mas apli cá veis às con tas de depó si tos em cru -zei ros, no país, de pes soas físi cas ou jurí di cas resi den tes, domi ci lia das ou com sede no exte rior, man ti dasexclu si va men te em ban cos auto ri za dos a ope rar em câm bio:a) serão escri tu ra das des ta ca da men te em títu lo de razão pró prio – 3.01.031 – depósitos de domiciliadosno exterior, obser va da a con ta bi li za ção sepa ra da para os recur sos pro ve nien tes do exte rior, con soan tesub tí tu los cria dos pela padronização da Contabilidade dos estabelecimentos Bancários, a saber:01– Contas livres (pro ve nien tes de ven das de câm bio);02 – Contas livres ( outras ori gens).b) tais con tas são de livre movi men ta ção no país, para fins de inte res se dos pró prios titu la res, pelo queinde pen de o seu uso de auto ri za ção do BaCen, deven do-se regis trar sem pre, porém, além da ori gem dosrecur sos, a iden ti da de do depo si tan te e a do favo re ci do;c) é igual men te livre a trans fe rên cia para o exte rior do saldo que apre sen tar o sub tí tu lo 3.01.031.01 –Contas livres (pro ve nien tes de ven das de câm bio), no qual serão con ta bi li za dos exclu si va men te os recur -sos resul tan tes de depó si tos de paga men to ou cré di to em moeda estran gei ra, aqui nego cia dos com ban cosauto ri za dos a ope rar em câm bio;d) nas trans fe rên cias de que trata a alí nea ante rior, cabe rá aos ban cos inter ve nien tes enca mi nhar aoBaCen (Gerência de Fiscalização e registro de Capitais estrangeiros – FirCe) os res pec ti vos extra tos deconta, acom pa nha dos dos com pro van tes das ven das de câm bio de que se ori gi na ram os sal dos reme ti dos.esclarecemos que con ti nua veda da a rea li za ção de com pen sa ções pri va das de cré di to ou valo res de qual -quer natu re za, bem como a uti li za ção, no país, de recur sos per ten cen tes a pes soas físi cas ou jurí di cas resi -den tes ou domi ci lia das no exte rior em paga men to por conta de ter cei ros, quer se refi ram a apli ca ções oua liqui da ção de des pe sas, salvo median te expres sa auto ri za ção do BaCen.”

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as con tas pro ve nien tes de ven das de câm bio (tipo 1) pode riam ser cre di -ta das como moeda nacio nal. resultavam da venda de moeda estran gei ra que otitu lar da conta fizes se a banco bra si lei ro auto ri za do a ope rar com câm bio. osvalo res nelas depo si ta dos não só eram de livre movi men ta ção no país, como tam -bém pode riam ser recon ver ti dos em moeda estran gei ra para retor no ao exte -rior.44 no entan to, a Carta-Circular nº 5 pre viu uma segun da espé cie de conta-cor ren te, deno mi na da “de outras ori gens”, a fim de pos si bi li tar o depó si to devalo res per ce bi dos por pes soa físi ca ou jurí di ca não domi ci lia da no Brasil, masnão pro ve nien tes de venda de câm bio ante rior. admitia somen te depó si tos emmoeda nacio nal, não ori gi ná rios de ope ra ções de câm bio, sendo de livre movi -men ta ção no Brasil. no entan to, esses valo res depo si ta dos não pode riam ser con -ver ti dos em moeda estran gei ra, para remes sa ao exte rior.45 o fun da men to dessarubri ca dis tin ta (embo ra com moeda nacio nal, depo si ta da em solo bra si lei ro, delivre cir cu la ção nacio nal) é pos si bi li tar sua com pu ta ção como capi tais estran gei -ros no Brasil, ou seja, depó si tos de domi ci lia dos no exte rior, fisi ca men te dis po ní -veis em nosso país, para even tual regis tro no plano Contábil das instituições dosistema Financeiro nacional (CosiF).46

em outros ter mos, sob o res pal do da Carta Circular nº 5, somen te o saldodas con tas CC-5 do ‘’tipo 1” (venda de câm bio) pode ria ser envia do ao exte rior,livre men te; outras remes sas ( outras ori gens, ou conta tipo 2) – que não as das CC-5, “tipo 1” – depen de riam, neces sa ria men te, de auto ri za ção pré via do BancoCentral, sub me ti da ao seu rosá rio de regra men tos. enfim, depó si tos em CC-5,“tipo 2” ( outras ori gens), não criam dis po ni bi li da des no exte rior; não con fi gu -ram, con se quen te men te, a trans fe rên cia de divi sas para fora do país. dito deoutra forma, o depó si to em con tas CC-5 – outras ori gens (tipo 2) – não pro duz aextin ção de cré di to em ter ri tó rio nacio nal com a res pec ti va cria ção de cré di to noexte rior. ou seja, os titu la res daque las con tas “de outras ori gens” não pode riam fechar o câm bio e sacar aque les valo res, trans fe rin do-os para o exte rior. aliás,essa pos si bi li da de somen te pas sou a exis tir pos te rior men te, com a cria ção da CC-5 “tipo 3” (espé cie ins ti tui ções finan cei ras) pela Circular 2.259. nesse sen ti do,incen su rá vel a con clu são do magis tra do Flavio antônio da Cruz,47 na ação penal

44 Cfe. ofício/BaCen presi-97/01048, de 24 de abril de 1997, item nº 5.45 Cfe. ofício/BaCen presi-97/01048, de 24 de abril de 1997, item nº 6.46 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p... “Conseqüentemente, um estu dan te estran gei ro, por

exem plo, que vies se estu dar no Brasil duran te um deter mi na do perío do, pode ria rece ber valo res pagos emrazão de uma bolsa de estu dos con fe ri da por uma ins ti tui ção nacio nal numa conta cor ren te de outras ori -gens, poden do movi men tar livre men te tais valo res, sem, entre tan to, ter a pos si bi li da de de con ver tê-losem moeda estran gei ra para envio ao exte rior.”

47 “em segun do plano, igual men te pode sur gir a situa ção de que tal lan ça men to – em CC5, tipo 2 – tenhadecor ri do das cha ma das ‘ope ra ções dólar-cabo’. em tal hipó te se, a acusação deve pro var que, ao mesmotempo em que fora depo si ta do recur so na CC5, tipo 2, o inte res sa do teria obti do um auto má ti co cré di toem uma conta sua, no exte rior. não bas ta rá a sim ples prova do lan ça men to em conta CC5 em solo bra si -lei ro; cum prin do que a demons tra ção da trans fe rên cia seja obti da pela via docu men tal ou tes te mu nhal.”

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nº 2003.70.00.039529-0/pr, nos seguin tes ter mos: “entendo que sim ples depó si -to em conta CC-05 (tipo ‘2’), em si con si de ra do, não é con su ma ção de crime deeva são. poderá con fi gu rar o tipo obje ti vo desde que: (a) se demons tre a cana li za -ção, pelo acu sa do, de recur sos para uma conta CC5, tipo ‘3’, pelo que expli coadian te; (b) que tenha havi do frau des, sub ter fú gios, irre gu la ri da des, fada das abur lar os con tro les esta tais ou (c) tenham havi do ope ra ções ‘dólar cabo’, com ouso de tais con tas e (d) tenha redun da do na lesão sig ni fi ca ti va ao bem jurí di cotute la do penal men te”.

É abso lu ta men te insus ten tá vel a pre ten são de alguns agen tes do ministériopúblico, em alguns pro ces sos cri mi nais, segun do a qual, qual quer depó si to oulan ça men to em conta CC-5, por si só, já cons ti tui cré di to no exte rior (embo ra,jus ti ça se faça, em outros pro ces sos, mui tos agen tes do parquet, tenham reco nhe -ci do que depó si tos lan ça dos em CC5 “tipo 2” per ma ne cem em ter ri tó rio nacio -nal, neces si tan do de pos te rior repas se para conta “tipo 3”). ignora-se que even -tuais fic ções cria das pelo Banco Central (Circulares nº 2.242/92 e nº 2.677/96),que podem sur tir efei tos no plano cam bial-admi nis tra ti vo, são abso lu ta men teini dô neas para alte rar o sen ti do e o con teú do da norma penal cons tan te do art.22 e seu res pec ti vo pará gra fo único da lei cri mi nal. nesse sen ti do, é ina pli cá velo dis pos to no art. 7º da Circular 2.677, segun do o qual, todo e qual quer depó si toem conta CC5, de qual quer espé cie, seria “saída de recur sos”. desconhecem essesagen tes minis te riais que a razão da fic ção cria da pelo art. 1º da Circular nº2.242/92, do BaCen, e repe ti da pela Circular nº 2.677/96, é bem menos pre ten -sio sa, qual seja, jus ti fi car a cap ta ção, em solo bra si lei ro, de recur sos por ban cosestran gei ros. aliás, o pró prio dis po si ti vo des ta ca que vale somen te para “fins eefei tos” daque la Circular, in ver bis:

art. 7º para os fins e efei tos desta Circular carac te ri zam:i– ingres sos de recur sos no país os débi tos efe tua dos pelo banco depo -

si tá rio em con tas titu la das por domi ci lia dos no exte rior, exce to quan do setra tar de movi men ta ção dire ta entre duas con tas da espé cie;

ii– saí das de recur sos do país os cré di tos efe tua dos pelo banco depo si -tá rio em con tas titu la das por domi ci lia dos no exte rior, exce to quan do osrecur sos pro vie rem de venda de moeda estran gei ra ou dire ta men te de outraconta da espé cie.

em outros ter mos, como em um passe de mági ca, para o Banco Central, atrans fe rên cia de recur sos entre con tas CC-5 con fi gu ra ria sim ples trans la do derecur sos que, por fic ção, já se encon tra riam no exte rior, e even tuais depó si tos,em qual quer conta CC-5, repre sen ta ria saída de divi sas, a des pei to de tudo serea li zar e con ti nuar no Brasil! no entan to, o sig ni fi ca do ver na cu lar dasexpres sões cons tan tes de nor mas penais incri mi na do ras não ficam ao sabordos inte res ses dos gover nan tes, como pode ocor rer no âmbi to admi nis tra ti vo-

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cam bial, adul te ran do o sen ti do ou o alcan ce des sas nor mas, inde pen den te -men te de lesa rem direi tos. o poder público não pode ampliar o sen ti do ou oalcan ce do tipo penal, com nor mas inter pre ta ti vas sob pena de vio lar o prin -cí pio da reser va legal.

afinal, rei te ran do o ques tio na men to, que eva são de divi sas seria essa(conta de outras ori gens) em que os recur sos con ti nuam em solo bra si lei ro, semcriar no exte rior cré di to algum em favor do bene fi cia do? por isso, even tuaisdepó si tos em CC-5 “ outras ori gens” não podem ser con si de ra dos, por si só, tipi -fi ca dor do crime de eva são de divi sas. pela fic ção, para efei tos cam biais-finan -cei ros, depó si tos em CC-5 ( outras ori gens) con fi gu ra riam saída de divi sas e, aomesmo tempo, como têm livre cir cu la ção nacio nal, pode riam, os mes mos valo -res, repre sen tar ingres so no país ao serem depo si ta dos em outra conta-cor ren -te. ou seja, uma ver da dei ra here sia jurí di ca, duas ope ra ções em ter ri tó rio nacio -nal, repre sen tan do, por fic ção, saída e ingres so de divi sas, sem que as mes mas jamais tenham dei xa do o ter ri tó rio nacio nal. Convenhamos, fic ções como essassão into le rá veis pelo direi to penal da cul pa bi li da de em um estado Constitu -cional e democrático de direito!

c) depósitos em CC-5, “tipo 3” (ins ti tui ções finan cei ras)

Com o obje ti vo de ampliar o ingres so de capi tal estran gei ro no país, nadéca da de noven ta, o Banco Central pro cu rou criar meios que asse gu ras sem aosinves ti do res a garan tia de que os recur sos aqui inves ti dos pode riam ser repa tria -dos ou de enviar seus lucros ao exte rior, livre men te, inde pen den te men te depré vias auto ri za ções do Banco Central. assegurou-se, igual men te, que as ope ra -ções cam biais obe de ce riam as cota ções livres do mer ca do, sem a inter fe rên ciado Banco Central, que fixa va taxas incom pa tí veis com a cota ção do mer ca dointer na cio nal.

Foi com esse obje ti vo que, atra vés da Carta-Circular nº 2.259, de 20/02/92,foi cria da a ter cei ra espé cie de conta-cor ren te para pes soas físi cas ou jurí di -cas resi den tes, domi ci lia das ou com sede no exte rior. surge, assim, ao ladodas con tas pro ve nien tes de “ven das de câm bio” e “de outras ori gens”, as con -tas livres de “ins ti tui ções finan cei ras” (art. 1º), que é uma forma de per mi tira rea li za ção de ope ra ções de câm bio entre ins ti tui ções finan cei ras bra si lei rase estran gei ras, des bu ro cra ti za da men te. na rea li da de, a Carta-Circular2.259/92 (e a resolução 1.946/92) ampliou o alcan ce e as hipó te ses das CC-5,fican do conhe ci da como sua espé cie “tipo 3” (con tas de ins ti tui ções finan cei -ras). essas con tas de ins ti tui ções finan cei ras (CC. 2.259/92), resul tan tes ounão de ope ra ções de câm bio, admi tiam tanto recur sos em moeda nacio nalpro ve nien tes de venda de moeda estran gei ra quan to depó si tos em reais de outras ori gens (não pro ve nien tes de ope ra ção de câm bio). esses valo res,mesmo não pro vin do de ven das de câm bio, pode riam ser con ver ti dos e reme -

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ti dos ao exte rior.48 a par tir dessa pre vi são, pas sa mos a ter duas pos si bi li da des devalo res depo si ta dos em moeda nacio nal serem con ver ti dos em moeda estran gei -ra para envio ao exte rior:

a) con tas pro ve nien tes de venda de câm bio (CC-5 tipo 1) – como já exa mi -na mos acima;

b) con tas de ins ti tui ção finan cei ra (CC–5 tipo 3): o saldo em moeda nacio -nal na conta-cor ren te (de ins ti tui ções finan cei ras) pode ria ser uti li za do,por conta e ordem de ter cei ro, para com prar moeda estran gei ra pararemes sa ao exte rior, sem qual quer res tri ção (na forma da Carta-Circularnº 2.259/92). disponibi lizou-se, assim, ao inves ti dor estran gei ro, meiolegal de enviar seus lucros ao exte rior sem neces si tar de auto ri za ção pré -via do Banco Central. no entan to, para efei tos fis cais, um anexo à Carta-Circular nº 2.259/92 deter mi na va (item 5) a neces si da de, impres cin dí vel,da iden ti fi ca ção dos depo si tan tes e bene fi ciá rios des sas con tas.49

Finalmente, as resoluções 3.265/05 e 3.280/05 dis ci pli na ram o regula men -to do mercado de Câmbio e Capitais internacionais – rmCCi, em 2005 –, man -ten do, em sín te se, as prin ci pais regras da Circular 2.677/96. manteve-se, den tre outras, a obri ga ção de regis tro no sis Ba Cem de con tas de não resi den tes, alémdas três espé cies de con tas (“ sobras” de câm bio, outras ori gens e ins ti tui çõesfinan cei ras). proibiu-se (art. 7º da res. 3.265), porém, a uti li za ção das con tas CC-05 “instituições Financeiras”’ para a remes sa de ati vos de ter cei ros,50 limi tan do-as às hipó te ses em que os recur sos per ten çam à ins ti tui ção finan cei ra titu lardaque la conta (art. 16).

a par tir daí (de 2.005), pas sou-se a exi gir a cele bra ção de con tra to de câm -bio para trans fe rên cias inter na cio nais de recur sos, faci li tan do a iden ti fi ca ção dosenvol vi dos. a proi bi ção da uti li za ção das con tas CC-5 “tipo 3” para a rea li za çãode trans fe rên cia inter na cio nal em reais de inte res se de ter cei ros foi repe ti dapelas recen tes Circulares nº 3.428/2008 e 3.430/2009, do Banco Central, e pelaresolução nº 3.661/2008 do Conselho monetário nacional.

9.2.2.2. o sig ni fi ca do de moeda: tra ta men to jurí di co

Com uma visão escla re ce do ra, tórtima apre sen ta a seguin te dis tin ção entremoeda e divi sa: “a moeda, cuja emis são é, no mundo moder no, apa ná gio dos

48 Cfe. ofício/BaCen presi-97/01048, de 24 de abril de 1997, item nº 7.49 para apro fun dar o exame desta maté ria ver schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas, nos itens

2.2.5.1 e 2.2.5.2. 50 É veda da a uti li za ção das con tas de pes soas físi cas ou jurí di cas resi den tes, domi ci lia das ou com sede no exte -

rior para a rea li za ção de trans fe rên cia inter na cio nal em reais de inte res se de ter cei ros (art. 17 do rmCCi).

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gover nos cen trais dos países que a emi tem, carac te ri za-se pelo seu curso for ça donos res pec ti vos esta dos nacio nais de ori gem (acei ta ção com pul só ria) e, con se -quen te men te, pelo poder libe ra tó rio na extin ção das obri ga ções. Já divi sas são ostítu los ou ati vos finan cei ros, con ver sí veis em moe das estran gei ras ( letras, che -ques, ordens de paga men to) e, sobre tu do, os pró prios esto ques de moe das con -ver sí veis, dis po ní veis no país”. e con clui tórtima:51 “é rele van te lem brar que,para serem con si de ra dos divi sas, tais títu los ou esto ques de moe das devem nãoape nas estar em poder de resi den tes no país, mas devi da men te con ta bi li za dos nobalan ço de paga men tos, sob con tro le do Banco Central do Brasil.”

na ver da de, como a moeda, nesta infra ção penal, não é somen te uma ele -men tar nor ma ti va do tipo, mas tam bém pode ser seu obje to mate rial, mere ce umaaten ção mais acu ra da. nessas cir cuns tân cias, como a lei regen te nada diz a res pei -to de “moeda”, deve mos bus car a dis ci pli na que o Código penal lhe em pres ta, con -for me per mi te o dis pos to em seu art.12. Com efei to, nos arts. 289 e 290, o diplo -ma codi fi ca do pro te ge a moeda, metá li ca ou de papel, indi fe ren te men te. protege,na ver da de, “a auten ti ci da de da moeda nacio nal e a fé públi ca a ela rela cio na da”.na rea li da de, em tem pos “glo ba li za dos”, com a cri mi na li za ção da fal si fi ca ção damoeda, tute la-se não ape nas o sím bo lo do valor mone tá rio, pro te gen do os inte res -ses da cole ti vi da de, que acre di ta na auten ti ci da de da moeda, ou ape nas a sobe ra -nia mone tá ria do país, mas pro te ge-se igual men te a cir cu la ção mone tá ria, nacio -nal e inter na cio nal men te, como reco nhe ce muñoz Conde ao asse ve rar que, depois do con vê nio de Genebra de 1929, “pode-se afir mar que o que se pro te ge nocrime de fal si fi ca ção de moeda é o trá fe go mone tá rio inter na cio nal”.52

no entan to, o Código penal bra si lei ro tam pou co defi niu o que deve serenten di do por moeda, isto é, não deli mi tou o seu con teú do, o que cons ti tui a suaessên cia, con tra ria men te à orien ta ção ado ta da pelo atual Código penal daespanha (art. 387 da lei nº 10, de 23/11/1995). o diplo ma legal bra si lei ro limi -tou-se a escla re cer que a moeda, de curso legal, nacio nal ou estran gei ra, pode sermetá li ca ou papel-moeda, ao passo que o simi lar espa nhol esten deu sua defi ni çãopara abran ger, inclu si ve, “os car tões de cré di to, os de débi to e os che ques de via -gem”, além de equi pa rar à moeda nacio nal a da união européia e as estran gei ras.por essa razão, com preen de-se a abran gên cia do con cei to emi ti do por muñozConde, para quem “enten de-se por moeda todo o sím bo lo de valor de curso legalemi ti do pelo estado ou orga nis mo auto ri za do para isso. as moe das estran gei ras,logi ca men te, devem ser tam bém moe das de curso legal”.53 Constata-se que oCódigo penal espa nhol equi pa rou à moeda os car tões de cré di to, de débi to e os

51 José Carlos tórtima e Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas... p. 22-3.52 Cezar roberto Bitencourt. tratado de direito penal, parte especial, 3. ed., são paulo, saraiva, 2008, v. 4,

p. 257-8.53 Francisco muñoz Conde. derecho penal, parte especial, 15. ed., valencia, tirant lo Blanch, 2004, p. 715.

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demais que pos sam ser uti li za dos como meios de paga men to, assim como os che -ques de via gens, os quais, não se pode negar, há tempo trans for ma ram-se em ver -da dei ra “moeda” no “trá fe go mone tá rio inter na cio nal”.

Curso legal ou for ça do é a obri ga to rie da de de acei ta ção da moeda nas rela -ções eco nô mi cas ou, em outros ter mos, curso legal é o poder libe ra tó rio comomeio de paga men to que o estado con fe re a um sím bo lo de valor deter mi na do.moeda de curso legal não pode ser recu sa da, sob pena de incor rer na con tra ven -ção do art. 43 da lCp. não será moeda, no sen ti do jurí di co, aque la que não tenha,ou haja dei xa do de ter, curso legal, embo ra possa man ter seu valor his tó ri co.

inegavelmente, em tem pos “glo bais”, jus ti fi ca-se que se esten da a pro te çãopenal igual men te aos car tões de cré di to ou qual quer outro que sim bo li ze valorseme lhan te, a exem plo da opção do legis la dor espa nhol de 1995; con tu do, a des -pei to de reco nhe cer mos tal neces si da de legal, o prin cí pio da tipi ci da de estri tanão per mi te que se amplie, inter pre ta ti va men te, o reco nhe ci men to des ses docu -men tos como ver da dei ra moeda, men cio na da no dis po si ti vo em exame. o con -cei to de moeda – des ta cam schmidt e Feldens54 – “pos sui diver sos aspec tos, den -tre os quais o de ser sim ples men te um ativo. É um bem eco nô mi co espe cial que,pos suin do seu pró prio mer ca do, ofer ta, deman da e preço, pode ser facil men teuti li za da para tran sa ção com outros bens, per mi tin do ao titu lar um maior poderde deci são sobre seus recur sos em rela ção ao espa ço e ao tempo.”

o nosso diplo ma legal tute la igual men te a moeda estran gei ra, sem a dis cri -mi nar, até mesmo em aten ção à Convenção de Genebra, ape sar de esta não pos -suir curso legal no país. Com efei to, para a pro te ção penal no Brasil é sufi cien teque a moeda estran gei ra tenha curso legal em outro país e cir cu la ção comer cialno Brasil. a pro te ção dessa moeda decor re do avan ço das rela ções entre os paí -ses, prin ci pal men te os sig na tá rios da Convenção de Genebra, tendo inte res setodos os estados na cre di bi li da de de sua moeda, em qual quer país em que elavenha cir cu lar. na hipó te se pre vis ta no arti go que ora exa mi na mos, a moedaestran gei ra está incluí da na ele men tar ‘ divisas’, e com esse sig ni fi ca do é sufi cien -te a pro te ção penal que nosso orde na men to jurí di co lhe dá.

não podem ser obje to mate rial do crime pro mo ver eva são de moeda oudivi sas a uti li za ção das deno mi na das “moe das de curso con ven cio nal”, cuja cir -cu la ção é pura men te cir cuns tan cial ou con sue tu di ná ria (mas de curso legal obri -ga tó rio), como, por exem plo, vale-refei ção, che que de via gem ou deter mi na dos“bônus”, que gover nos esta duais, depar ta men tais ou simi la res aca bam crian do,excep cio nal men te, para subs ti tuir tem po ra ria men te a moeda ofi cial e de cursolegal. não podem ser tidas como con fi gu ra do ras do crime em estu do, por que tais papéis não cons ti tuem moeda, não têm valor autô no mo, mas mera men te repre -

54 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 176-7.

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sen ta ti vo, e não osten tam o sta tus de dinhei ro ofi cial e, como tal, não podem serobje to mate rial do crime de eva são de divi sas.

enfim, a moeda reti ra da de cir cu la ção ou que, por qual quer razão, tenhadei xa do de ter curso legal (v. g., aus tral, na argentina, cru za do, no Brasil; pese -ta, na espanha etc.) não pode ser obje to mate rial do crime de eva são pela sin ge -la razão de que não tem curso legal e, logi ca men te, não tem valor mone tá riorepre sen ta ti vo como meio de paga men to con fe ri do pelo estado.

9.3. elementos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de: “não auto ri za da”(caput) e “sem auto ri za ção legal” (pará gra fo único)

essas duas locu ções ‘não autorizada’ (já exa mi na da acima), e ‘sem auto ri za -ção legal’, cons tan tes das des cri ções das con du tas típi cas – do caput e do pará gra -fo único, res pec ti va men te – cons ti tuem os deno mi na dos “ele men tos nor ma ti vosespe ciais da ili ci tu de”, com fun ções dog má ti cas idên ti cas, mas com con teú dosdis tin tos, inte gran do a pró pria tipi ci da de: efe tuar ope ra ção de câm bio não auto -ri za da (caput), ou pro mo ver, sem auto ri za ção legal, a saída de moeda ou divi sa(1ª parte do pará gra fo único).

Qual o con teú do ou abran gên cia, des sas duas ele men ta res típi cas – não auto -ri za da e sem auto ri za ção legal? seriam idên ti cas ou teriam sig ni fi ca dos dis tin tos,afi nal, são muito pare ci das, com vocá bu los pra ti ca men te iguais? são ele men toscons ti tu ti vos da tipi ci da de ou ele men tos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de, embo rase loca li zem no tipo penal? os ele men tos nor ma ti vos do tipo não se con fun demcom os ele men tos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de. enquanto aque les são ele men -tos cons ti tu ti vos do tipo penal, estes, embo ra inte grem a des cri ção do crime, refe -rem-se à ili ci tu de e, assim sendo, cons ti tuem ele men tos sui gene ris do fato típi co,na medi da em que são, ao mesmo tempo, carac te ri za do res da ili ci tu de e inte gran -tes da tipi ci da de. esses “ele men tos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de”, nor mal men -te, são repre sen ta dos por expres sões como ‘ indevidamente’, ‘ injustamente’, ‘semjusta causa’, ‘sem licen ça da autoridade’, ‘sem auto ri za ção legal’ etc.

Como des ta ca mos ante rior men te, ope ra ção de câm bio não auto ri za da nãosig ni fi ca que cada ope ra ção de câm bio tenha que rece ber uma auto ri za ção espe -cí fi ca, indi vi dual, a prio ri, como pode pare cer à pri mei ra vista, mas quer dizerque a ope ra ção de câm bio não pode ser rea li za da em des con for mi da de com asnor mas cam biais inci den tes (cir cu la res, regu la men tos, por ta rias etc.), que podemser pura men te admi nis tra ti vas, tais como as expe di das pelo Banco Central, peloConselho monetário nacional etc. pode abran ger, igual men te, ope ra ção cam bialcon trá ria à pre vi são legal estri to senso. não se con fun de, con tu do, com a locu -ção ‘sem auto ri za ção legal’, que se refe re, exclu si va men te, a ato legis la ti vo ema -na do do poder com pe ten te, isto é, do poder legislativo, e ela bo ra do de acor docom o pro ces so legis la ti vo pre vis to no texto cons ti tu cio nal; con se quen te men te,

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esta ele men tar nor ma ti va é mais res tri ta e refe re-se exclu si va men te a ‘lei’, stric -tu sensu, não abran gen do regu la men tos, reso lu ções ou cir cu la res, como admi te aele men tar “não auto ri za da” cons tan te do caput do art. 22. portanto, a expres são‘sem auto ri za ção legal’ uti li za da no iní cio do pará gra fo único tem sig ni fi ca do res -tri to, for mal, com preen den do o con teú do e o sen ti do desse tipo de diplo ma jurí -di co; cons ti tui, em outras pala vras, um coman do nor ma ti vo claro, pre ci so eexpres so, de tal forma que não paira dúvi da ou obs cu ri da de a res pei to do seu con -teú do, ou seja, refe re-se à ope ra ção rea li za da à mar gem da lei, como, por exem -plo, o conhe ci do dólar-cabo, que é rea li za do clan des ti na men te, ou remes sa aoexte rior de valor supe rior ao equi va len te a r$ 10.000, sem cele brar a devi da ope -ra ção cam bial, como deter mi na o art. 65 da lei nº 9.069/95.

em outros ter mos, refe ri da locu ção não abran ge, por óbvio, dis po si çõescons tan tes de por ta rias, regu la men tos, reso lu ções, ordens de ser vi ços etc., quenão são leis stric to sensu, mas são pro du zi dos à sacie da de pelo Banco Central,pela Comissão de valores mobiliários, receita Federal, enfim, pelo sis Ba Cen.Consequentemente, a ade qua ção típi ca da con du ta, nessa moda li da de deli ti va,exige o des cum pri men to de leis e não sim ples men te de regu la men tos, reso lu çõesou simi la res, que têm hie rar quia infe rior. aliás, o con teú do dessa ele men tar ésatis fei to pelo art. 65 da lei nº 9.069/95, que exige, neces sa ria men te, ope ra çãocam bial (ou o dpv, para trans fe rên cia manual de valo res em espé cie), em ins ti -tui ções auto ri za das, para trans fe rên cias inter na cio nais supe rio res ao equi va len tea r$ 10.000,00 (dez mil reais); des cum pri das essas for ma li da des, a ope ra ção cam -bial terá sido rea li za da sem auto ri za ção legal.

9.4. tratamento do erro sobre ele men tos nor ma ti vos espe ciais da ili ci tu de

afinal, o erro que inci dir sobre essas duas ele men ta res – ope ra ção não auto -ri za da ou sem auto ri za ção legal – cons ti tui rá erro de tipo ou erro de proi bi ção,isto é, inci di rá sobre uma ele men tar típi ca ou sobre uma ele men tar da anti ju ri -di ci da de?

há gran de polê mi ca em rela ção ao erro que inci dir sobre esses ele men tos:para alguns, cons ti tui erro de tipo, por que nele se loca li za, deven do ser abran gi -do pelo dolo; para outros, cons ti tui erro de proi bi ção, por que, afi nal, aque les ele -men tos tra tam exa ta men te da anti ju ri di ci da de da con du ta. para Claus roxin,55

“nem sem pre cons ti tui um erro de tipo nem sem pre um erro de proi bi ção (comose acei ta em geral), senão que pode ser ora um ora outro, segun do se refi ra a cir -cuns tân cias deter mi nan tes do injus to ou somen te à anti ju ri di ci da de da ação”. emsen ti do seme lhan te, para Jescheck,56 “trata-se de ele men tos de valo ra ção glo bal

55 Claus roxin. teoria del tipo penal, Buenos aires, depalma, 1979, p. 217.56 Jescheck. tratado de derecho penal... p. 337.

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do fato” que devem, pois, ser decom pos tos, de um lado, naque las par tes inte gran -tes dos mes mos (des cri ti vos e nor ma ti vos) que afe tam as bases do juízo de valore, de outro, naque las que afe tam o pró prio juízo de valor. os pri mei ros per ten -cem ao tipo, os últi mos, à anti ju ri di ci da de. o pro ce di men to para essa decom po -si ção, suge ri da por Jescheck, deve ser seme lhan te ao uti li za do pela teo ria limi ta -da da cul pa bi li da de para resol ver o erro inci den te sobre os pres su pos tos fáti cosdas cau sas de jus ti fi ca ção.

a rea li za ção dessa dis tin ção, no entan to, pode ser muito difí cil, espe cial men -te naque les casos em que a cons ta ta ção dos fatos já impli que, simul ta nea men te, asua valo ra ção jurí di ca. Welzel,57 a seu tempo, defen den do uma cor ren te mino ri -tá ria, por sua vez, sus ten ta va que os ele men tos em exame, embo ra cons tan tes dotipo penal, são ele men tos do dever jurí di co e, por con se guin te, da ili ci tu de. porisso, qual quer erro sobre eles deve ser tra ta do como erro de proi bi ção.

essa tese de Welzel é ina cei tá vel na medi da em que impli ca acei tar a vio la -ção do cará ter “fecha do” da tipi ci da de, a qual deve abran ger todos os ele men tosda con du ta tipi fi ca da. o melhor enten di men to, a nosso juízo, em rela ção à natu -re za do erro sobre esses ele men tos, é sus ten ta do por muñoz Conde,58 que, admi -tin do não ser muito raro coin ci di rem erro de tipo e erro de proi bi ção, afir ma: “ocará ter seqüen cial das dis tin tas cate go rias obri ga a com pro var pri mei ro o pro ble -ma do erro de tipo e somen te solu cio na do este se pode ana li sar o pro ble ma do errode proi bi ção”, logo, deve ser tra ta do como erro de tipo. em sín te se, como o dolodeve abran ger todos os ele men tos que com põem a figu ra típi ca, e se as carac te rís -ti cas espe ciais do dever jurí di co forem um ele men to deter mi nan te da tipi ci da decon cre ta, a nosso juízo, o erro sobre elas deve ser tra ta do como erro de tipo.

9.5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo da pri mei ra figu ra do pará gra fo único é o dolo, cons -ti tuí do pela von ta de livre e cons cien te de pro mo ver, sem auto ri za ção legal, aeva são de moeda ou divi sa para o exte rior, por qual quer meio ou forma (a qual -quer títu lo). É indis pen sá vel que o agen te tenha cons ciên cia de que está pro mo -ven do a eva são con tra legis, isto é, que está vio lan do a proi bi ção legal de enviarmoeda ou divi sa para o exte rior, pois “sem auto ri za ção legal” é uma ele men tarnor ma ti va do tipo que tam bém deve ser abran gi da pelo dolo. essa cons ciên cia,repe tin do, deve ser atual, isto é, deve exis tir no momen to da ação, quan do elaestá acon te cen do, ao con trá rio da cons ciên cia da ili ci tu de (ele men to da cul pa bi -li da de), que pode ser poten cial, como já afir ma mos.

57 Welzel. derecho penal ale mán... p. 234.58 Francisco muñoz Conde. el error en dere cho penal, valencia, ed. tirant lo Blanch, 1989, p. 60.

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enfim, o dolo somen te se com ple ta com a pre sen ça simul tâ nea da cons ciên ciae da von ta de abran gen do todos os ele men tos cons ti tu ti vos do tipo. Com efei to,quan do, por qual quer razão, a repre sen ta ção do agen te não abran ger algum dos ele -men tos cons ti tu ti vos do tipo, incor re rá em erro de tipo, afas tan do a tipi ci da de dolo -sa e, ante a ausên cia de pre vi são da moda li da de cul po sa, não have rá crime algum.

nessa moda li da de de eva são de divi sas, o tipo sub je ti vo com ple ta-se somen -te com a con fi gu ra ção do dolo, não sendo exi gi do qual quer ele men to sub je ti voespe cial do injus to, ao con trá rio do que ocor re na figu ra des cri ta no caput do dis -po si ti vo sub exa men. não há, por outro lado, pre vi são de moda li da de cul po sa.

9.6. Consumação e ten ta ti va de pro mo ver, sem auto ri za ção legal, a saídade moeda ou divi sa

o crime de pro mo ver, sem auto ri za ção legal, a saída de moeda ou divi sapara o exte rior con su ma-se com a efe ti va dis po ni bi li za ção dos valo res (moeda oudivi sa) no exte rior em nome do sujei to ativo ou de quem tenha sido reco men da -do. em outros ter mos, con su ma-se essa espé cie de eva são no momen to em que oagen te con se gue efe ti va men te a saída de moeda ou divi sa, gozan do de sua dis po -ni bi li da de no exte rior. tratando-se, no entan to, de eva são em espé cie, con su ma-se no momen to em que o obje to mate rial (moeda ou divi sa) trans pu ser nos sasfron tei ras, ingres san do em outro país.

tratando-se de crime mate rial, cujo curso exe cu tó rio pode ser fra cio na do,isto é, divi di do em vários atos, à evi dên cia, admi te a figu ra ten ta da. através dosis te ma inter ban cá rio, carac te ri za-se a ten ta ti va quan do, no curso da ope ra ção,por algu ma razão estra nha à von ta de do agen te, há inter rup ção, impe din do-seque se con cre ti ze a dis po ni bi li za ção de moeda ou divi sa no exte rior. na hipó te -se de o agen te levar con si go o obje to da eva são, have rá ten ta ti va quan do forpreso ainda em ter ri tó rio nacio nal.

10. manter no exte rior depó si tos não decla ra dos

nesta ter cei ra figu ra – manu ten ção no exte rior de depó si tos não decla ra dos– cons tan te da segun da parte do pará gra fo único, pode-se falar, repe tin do, deeva são impró pria, pois de eva são pro pria men te não se trata, mas tão somen te dedepó si to man ti do no exte rior sem a devi da decla ra ção à repar ti ção fede ral com -pe ten te.59 parece-nos, con tu do, que esta é a moda li da de deli ti va que ofe re cemenor com ple xi da de, con for me vere mos a seguir.

59 parágrafo único. incorre na mesma pena quem, a qual quer títu lo, pro mo ve, sem auto ri za ção legal, a saída demoeda ou divi sa para o exte rior, ou nele man ti ver depó si tos não decla ra dos à repar ti ção fede ral com pe ten te.

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10.1. Bem jurí di co tute la do

para José Carlos tórtima, a segun da figu ra do pará gra fo único, manu ten çãode depó si to no exte rior não decla ra do, cons ti tui crime de dupla ofen si vi da de,vio lan do tanto o sis te ma tri bu tá rio, como o sis te ma finan cei ro. nesse sen ti do,afir ma, pri mei ra men te, tórtima,60 “tute la-se, de igual modo, o patri mô nio fis cal,haja vista a pos si bi li da de de os depó si tos em moe das estran gei ras man ti dos clan -des ti na men te no exte rior serem ori gi ná rios de recur sos finan cei ros tri bu tá veis,mas não efe ti va men te ofe re ci dos à tri bu ta ção”. e con clui tórtima61 que “o alvoda tute la jurí di ca são as reser vas cam biais do país, aí com preen di dos os recur sosem moe das estran gei ras con ver sí veis, ofi cial men te em mãos de resi den tes noBrasil”. schmidt e Feldens,62 por outro lado, sobre a obje ti vi da de jurí di ca dasegun da figu ra do pará gra fo único, afir mam: “a forma deli ti va da segun da parte dopará gra fo único igual men te visa à pro te ção da regu lar exe cu ção da polí ti ca cam -bial, uma vez certo que depó si tos titu la dos no exte rior cons ti tuem-se como umpas si vo cam bial. ou seja, na expec ta ti va de que um dia retor na rão ao país, essesdepó si tos exi gi rão ser con tra pres ta cio na dos em moeda nacio nal. mais espe ci fi ca -men te, o con tro le exer ci do pelo BaCen sobre depó si tos no exte rior tem por obje -ti vo mapear o qua dro dos capi tais bra si lei ros no exte rior e conhe cer a com po si çãodo pas si vo exter no líqui do do país, dados esses con ve nien tes e neces sá rios à boafor ma ta ção da polí ti ca cam bial bra si lei ra, sendo essa a fina li da de pro te ti va danorma”. a nosso juízo, nessa mesma linha, o obje to jurí di co tute la do por essa figu -ra de eva são de divi sas é o equi lí brio e o con tro le das reser vas cam biais, repre sen -ta das pelo esto que em moe das estran gei ras con ver sí veis, ofi cial men te em mãos deresi den tes no Brasil, bem como em títu los con ver sí veis nes sas moe das.

predomina, no entan to, entre os auto res mais anti gos, den tre os quais sepode des ta car pimentel, o enten di men to de que a obje ti vi da de jurí di ca do art. 22e seu pará gra fo único resi di ria na boa exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca doestado.63 Já ende re ça mos nossa crí ti ca a esse enten di men to equi vo ca do, quan doexa mi na mos a figu ra de eva são de divi sas tipi fi ca do no caput deste arti go 22.

o obje to mate rial da con du ta deli tuo sa, à evi dên cia, são os depó si tos man -ti dos no exte rior, clan des ti na men te, em moeda ou divi sa, a qual quer títu lo: fun -dos de inves ti men tos, emprés ti mos, finan cia men tos, apli ca ções em pou pan ça,

60 José Carlos tórtima & Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas... p. 15.61 José Carlos tórtima & Fernanda lara tórtima. evasão de divi sas... p. 41.62 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 178.63 por todos. manoel pedro pimentel. Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal (que repe te o mesmo

refrão em todos os dis po si ti vos incri mi na do res)... p. 145; agapito machado. Crimes do cola ri nho bran co,são paulo, malheiros, 1998, p. 58; antonio Carlos rodrigues da silva. Crimes do

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ações em bolsa de valo res, cer ti fi ca dos de depó si to ban cá rios etc. enfim, todas equais quer dis po ni bi li da des finan cei ras man ti das no exte rior.64

10.2. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

diferentemente das duas figu ras ante rio res (caput e pri mei ra parte deste pará -gra fo), esta não se refe re, pro pria men te, à saída de moeda ou divi sa, a títu lo algum,mas sim ples men te à manu ten ção no exte rior de “depó si tos não decla ra dos” àrepar ti ção fede ral com pe ten te. pode-se falar, nes sas cir cuns tân cias, em eva são im -pró pria de divi sas na medi da em que não se trata de saída do país (caput) ou parao exte rior (1ª parte do pará gra fo único), mas somen te de depó si to não decla ra doman ti do no exte rior. depósitos esses que podem, inclu si ve, haver sido for ma dos nopró prio exte rior, isto é, podem ter se ori gi na do fora do país, poden do decor rer dediver sas fon tes, tais como do exer cí cio de ati vi da de comer cial ou indus trial, depres ta ção de ser vi ços ou ren di men tos de qual quer natu re za etc. podem, igual men -te, haver sido decla ra dos, ori gi nal men te, sua saída para o exte rior, por tan to, sendoregu lar e líci ta sua ori gem. no entan to, nos anos seguin tes, essas divi sas, devi da -men te adqui ri das e man ti das, pre ci sam ser anual men te decla ra das à repar ti çãofede ral com pe ten te, con for me demons tra re mos em tópi co à parte.

É tipi fi ca da a ação de man ter no exte rior depó si tos não decla ra dos à repar -ti ção fede ral com pe ten te. a con du ta incri mi na da, sin te ti zan do, pode ter comoobje to: (a) um depó si to ori gi ná rio do Brasil ou (b) um depó si to cria do ou pro du -zi do no pró prio exte rior. na pri mei ra hipó te se, pode, inclu si ve, a ope ra ção ori -gi na da no Brasil decor rer de ope ra ção de câm bio auto ri za da, isto é, per fei ta men -te cor re ta e, por tan to, legal; mas se, pos te rior men te, no(s) exer cí cio(s) seguin -te(s), o agen te não decla rar “à repar ti ção fede ral com pe ten te” a exis tên cia ou amanu ten ção desse depó si to no exte rior, tipi fi ca rá a segun da parte des cri ta nopará gra fo único (eva são impró pria ou eva são-depó si to). nessa pri mei ra alter na -ti va, depó si to ori gi na do no Brasil, no entan to, adver tem schmidt e Feldens,65

“caso o obje to do depó si to seja pro du to de pré via eva são de divi sas, é pos sí velcogi tar mos de even tual pro gres são cri mi no sa, uma vez com pro va das as ele men -ta res que cor po ri fi cam a 1ª parte do pará gra fo”. na segun da alter na ti va, quan doo depó si to man ti do no exte rior foi pro du zi do fora do país (comér cio, indús tria,ser vi ço etc.), o agen te resi den te ou domi ci lia do no Brasil con ti nua obri ga do afazer anual men te sua decla ra ção de bens ou valo res man ti dos no exte rior (àrepar ti ção fede ral com pe ten te), além de seu ajus te anual com a receita Federal.

64 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 178.65 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 179.

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a obri ga ção com a recei ta é uma e refe re-se ao aspec to tri bu tá rio-fis cal, aopasso que a decla ra ção de bens e valo res man ti dos no exte rior é outra e refe re-seao aspec to finan cei ro-cam bial, cujo des ti na tá rio é o Banco Central.

o Banco Central, no entan to, no exer cí cio de sua fun ção con tro la do ra dosati vos nacio nais man ti dos no exte rior, tem amplia do o rol dos bens pas sí veisdessa decla ra ção, incluin do imó veis, auto mó veis etc. deve-se aten tar, no par ti -cu lar, que há uma certa incon gruên cia entre o que deter mi na a norma penalman da men tal con ti da na segun da parte do pará gra fo único do art. 22, ora emexame, e a exi gên cia de decla ra ção de depó si to que tem feito o Banco Central.em razão dessa amplia ção admi nis tra ti va, even tual omis são de algum bem nadecla ra ção (v.g. imó vel) feita ao Banco Central, embo ra possa cons ti tuir um ilí -ci to cam bial, fis cal ou até mesmo penal-tri bu tá rio, cer ta men te, não con fi gu ra ráo crime de manu ten ção de depó si to no exte rior não decla ra do nos mol des dis -pos tos na segun da meta de do pará gra fo único, sub exa men. a razão é sin ge la:imó vel ou auto mó vel, por exem plo, não inte gram a ele men tar man ter “depó si tonão decla ra do à repar ti ção fede ral com pe ten te”, con si de ran do-se que a pri mei raparte do pará gra fo único está refe rin do-se à moeda ou divi sa.

10.2.1. elementar nor ma ti va: repar ti ção fede ral com pe ten te

ao longo das últi mas déca das, paci fi cou-se o enten di men to de que a repar -ti ção fede ral com pe ten te para rece ber a decla ra ção de depó si tos man ti dos noexte rior era a receita Federal, a des pei to da pre vi são cons tan te do art. 1º dodecreto-lei nº 1.060/69, que havia esco lhi do o Banco Central como des ti na tá riodessa decla ra ção. a dou tri na nacio nal espe cia li za da, acri ti ca men te, acom pa nha -va essa orien ta ção sus ten tan do que a decla ra ção de depó si tos man ti dos no exte -rior deve ria ser feita à receita Federal.66 a even tual omis são de decla ra ção àreceita Federal tipi fi ca ria a con du ta des cri ta na segun da parte do pará gra fo emexame. no entan to, con tra rian do esse enten di men to, escla re cem schmidt eFeldens: “a ques tão não é de tão sim ples reso lu ção, assu min do uma certa com ple -xi da de. segundo nos pare ce, o pro ble ma há de ser enfo ca do sob uma dúpli cepers pec ti va: (a) pri mei ra men te, em face da obje ti vi da de jurí di ca tute la da; (b) emum segun do momen to, deve mos iden ti fi car as impo si ções de índo le nor ma ti vo-admi nis tra ti vas que, pro je tan do-se sobre o titu lar de depó si tos no exte rior, com -ple men tam a figu ra típi ca”.67 e, nessa linha, con cluem schmidt e Feldens, que a

66 tórtima e tórtima. evasão de divi sas... p. 54; José Carlos tórtima. Crimes con tra o sistema Financeironacional. 2 ed. rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 140; sebastião oliveira lima, Carlos augusto tostade lima. Crimes con tra o sistema Financeiro nacional. são paulo: atlas, 2003, p. 116.

67 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 180.

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repar ti ção fede ral com pe ten te pas sou a ser o Banco Central (pelo menos, a par -tir da Circular/Bacen nº 3.071, de 2001).

José Carlos tórtima cri ti ca dura men te esta con cep ção, enten den do que arepar ti ção fede ral com pe ten te des ti na tá ria dessa decla ra ção não é o Banco Cen -tral, mas a receita Federal, a des pei to – acres cen ta mos nós – da exis tên cia de pre -vi são legal (art. 1º do decreto-lei nº 1.060/69). tórtima jus ti fi ca sua con tra rie da -de nos seguin tes ter mos: “nossa obje ção a tal enten di men to resi de, ini cial men te,em dois argu men tos que nos pare cem irre tor quí veis: por pri mei ro, deve-se terem mira que o Banco Central, ao con trá rio da receita Federal, não é repar ti çãopúbli ca, mas autar quia fede ral, e em maté ria penal sabi da men te pre va le ce o prin -cí pio da taxa ti vi da de, como coro lá rio do conhe ci do pos tu la do da reser va legal, de matriz cons ti tu cio nal. não pode, assim, o intér pre te ampliar a seu bel-pra zer osen ti do de deter mi na da expres são, no caso, repar ti ção fede ral, para que abran ja outras hipó te ses não com preen di das pelo seu sen ti do lite ral e expres so. alémdisso, como reco nhe cem os refe ri dos auto res (refe re-se a schmidt e Feldens), sóem 2001, com a edi ção da Circular/Bacen nº 3.071, é que a decla ra ção de depó -si tos man ti dos por bra si lei ros no estran gei ro veio a ser regu la men ta da”.68

a des pei to da força e da auto ri da de dos argu men tos de tórtima, pedi mosvenia para fazer algu mas con si de ra ções, sem sen ti do con trá rio: pri mei ra men te,não é abso lu ta men te cor re ta a afir ma ção de que a decla ra ção devi da só veio a serregu la men ta da a par tir de 2001. diria que se trata de meia ver da de, na medi daem que a exi gên cia legal da decla ra ção ao Banco Central rela ti va a bens e valo -res exis te desde 1969 (art. 1º do decreto-lei nº 1.060/69). por outro lado, a leinº 4.131/62 já deter mi na va às pes soas físi cas ou jurí di cas, domi ci lia das ou comsede no Brasil, a obri ga ção de decla rar à superintendência da moeda e do Crédito(ante ces so ra do Banco Central), “os bens e valo res que pos suí rem no exte rior,inclu si ve depó si tos ban cá rios” (art. 17).69 o decreto nº 55.762/65 tam bém deter -mi nou que pes soas físi cas e jurí di cas eram obri ga das a decla rar a sumoC anual -men te os seus depó si tos ban cá rios man ti dos no exte rior.70 nesse sen ti do, des ta -cam schmidt e Feldens: “há muito que a legis la ção bra si lei ra prevê decla ra çõesdis tin tas (finan cei ra, ende re ça da ao BaCen, e fis cal, à receita Federal) para amanu ten ção de depó si tos no exte rior. Já em 1969 havia exi gên cia legal de decla ra -

68 tórtima e tórtima. evasão de divi sas... p. 53-4.69 “art. 17 da lei nº 4.131. as pes soas físi cas e jurí di cas, domi ci lia das ou com sede no Brasil, ficam obri ga -

das a decla rar à superintendência da moeda e do Crédito, na forma que for esta be le ci da pelo res pec ti voConselho, os bens e valo res que pos suí rem no exte rior, inclu si ve depó si tos ban cá rios, exce tua dos, no casode estran gei ros, os que pos suíam ao entrar no Brasil.parágrafo único. dentro do prazo de trin ta dias con ta dos da vigên cia desta lei, o Conselho da superinten -dência da moeda e do Crédito bai xa rá ins tru ções a res pei to, fixan do o prazo de ses sen ta dias para as decla -ra ções ini ciais.”

70 art. 23. anualmente, até o dia 31 de janei ro, as pes soas físi cas ou jurí di cas, domi ci lia das ou com sede noBrasil, comu ni ca rão à superintendência da moeda e do Crédito o mon tan te dos seus depó si tos ban cá riosno exte rior, a 31 de dezem bro do ano ante rior, com jus ti fi ca ção nas varia ções neles ocor ri das.

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ção ao BaCen acer ca des ses valo res, con soan te esta be le cia o art. 1º do de creto-leinº 1.060”.71 a obri ga ção legal, com efei to, da decla ra ção exis te desde 1969, mas asua regu la men ta ção real men te só foi ocor rer a par tir de 2001. por outro lado, areceita Federal é des ti na tá ria da decla ra ção de renda, aspec to fis cal-tri bu tá rio; aoBanco Central, por sua vez, inte res sa-lhe o aspec to finan cei ro-cam bial. os cri mescon tra a ordem ou o sis te ma tri bu tá rio são dis ci pli na dos pela lei nº 8.137/90, aopasso que os cri mes con tra o sis te ma finan cei ro são dis ci pli na dos pela lei nº7.492/86. logicamente, a omis são de bens e valo res tidos ou man ti dos no exte rior,no ajus te anual com a receita Federal, pode rá con fi gu rar crime de sone ga ção fis -cal (lei nº 8.137/90); no entan to, a decla ra ção deter mi na da pela Circular/Bacen nº3.071 des ti na-se ao Banco Central, cuja omis são carac te ri za a infra ção pre vis ta nasegun da parte do pará gra fo único sub exa men. parece-nos sin ge lo.

aliás, não have ria sen ti do algum em o Banco Central expe dir cir cu lar dis -ci pli nan do decla ra ções a serem apre sen ta das à receita Federal e esta, por sua vez,nor ma ti zar decla ra ções a serem fei tas ao Banco Central. seria, con ve nha mos, nomíni mo, para do xal, agre din do o senso jurí di co-fun cio nal. por essas razões, nosincli na mos em sus ten tar que o des ti na tá rio dessa decla ra ção é o Banco Central.assim, enten de mos que o fato de cons tar da decla ra ção anual à receita Federalnão subs ti tui a obri ga ção devi da ao Banco Central. Contudo, a even tual omis sãoda decla ra ção ao Banco Central, haven do a inclu são dos depó si tos man ti dos noexte rior na decla ra ção des ti na da à receita Federal, não pode con fi gu rar o crimeque ora se exa mi na, limi tan do-se a um ilí ci to admi nis tra ti vo-finan cei ro porausên cia de ofen sa ao bem jurí di co tute la do. Comportamento como esse afas ta,no míni mo, o dolo, repre sen ta do pela von ta de cons cien te de omi tir das auto ri -da des mone tá rias a decla ra ção de seus bens tidos e/ou man ti dos no exte rior.

nos últi mos anos, o Banco Central vem amplian do o rol dos bens man ti dosno exte rior a decla rar, incluin do inclu si ve imó veis e auto mó veis. assim, even tualomis são de algum des ses bens na decla ra ção feita ao Banco Central, como, porexem plo, imó vel ou auto mó vel, pode rá cons ti tuir um ilí ci to cam bial ou mesmopenal-tri bu tá rio, mas, cer ta men te, não tipi fi ca rá a últi ma figu ra cons tan te dopará gra fo único que ora exa mi na mos, a des pei to de even tual enten di men to con -trá rio das auto ri da des repres so ras. trata-se, em rea li da de, de con du ta atí pi ca.

Com uma rápi da con fe ri da nas cir cu la res do Banco Central, a par tir de2001, obser va-se uma con si de rá vel varia ção quan to aos limi tes fixa dos comopiso, a par tir do qual se exige a decla ra ção dos depó si tos man ti dos no exte rior. olimi te, a par tir do qual a decla ra ção ao Banco Central pas sou a ser obri ga tó ria, der$ 10.000,00 (dez mil reais) (2001) foi ele va do, em 2003, para r$ 300.000,00(tre zen tos mil reais), por que, segun do o pró prio BaCen,72 esse aumen to do limi -

71 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 182.72 Cfe. relatório de Capitais Brasileiros no exterior (2001-2005).

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te decor reu do fato de a “par ti ci pa ção de peque nos inves ti men tos no exte rior”não serem sig ni fi ca ti vos con si de ran do-se os totais apu ra dos”.73

Consequentemente, o agen te que não fizer anual men te decla ra ção à repar -ti ção fede ral com pe ten te (Banco Central), no prazo deter mi na do (tem sido defi ni -do 31 de maio como data limi te), pra ti ca rá o crime de man ter depó si to no exte riornão decla ra do à repar ti ção fede ral com pe ten te (art. 22, pará gra fo único, in fine),obser va dos os refe ri dos limi tes. no entan to, a não decla ra ção ao Banco Central dedepó si tos man ti dos no exte rior, em valo res abai xo do limi te esta be le ci do, nãocons ti tui crime na moda li da de de man ter depó si to não decla ra do, logi ca men te. ainfra ção penal con tra o sis te ma finan cei ro pres su põe a infra ção admi nis tra ti va,que, na hipó te se, não teria exis ti do, pois o depó si to ficou aquém do limi te exi gi do.nesse sen ti do, a omis são do agen te é penal men te irre le van te, desde que o depó si -to man ti do no exte rior não decor ra de eva são ile gal men te pro ce di da nos ter mosdas duas figu ras ante rio res (caput e 1ª figu ra do pará gra fo único).

tratando-se de conta con jun ta, man ti da no exte rior, por resi den tes oudomi ci lia dos no país, com saldo igual ou supe rior ao limi te esta be le ci do peloBanco Central, os res pec ti vos titu la res devem decla rar indi vi dual men te, res pei -tan do o per cen tual de par ti ci pa ção de cada um, mesmo que tal per cen tual fiqueaquém do refe ri do limi te. tratando-se, porém, de conta con jun ta de resi den te enão-resi den te, somen te esta rá obri ga do a fazer a decla ra ção o resi den te no país,ape nas do valor de sua par ti ci pa ção no total do depó si to man ti do no exte rior, aexem plo do que tam bém exige a recei ta fede ral.

10.3. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o ele men to sub je ti vo da segun da figu ra do pará gra fo único é o dolo, cons -ti tuí do pela von ta de livre e cons cien te de man ter depó si to no exte rior, de moedaou divi sa, não decla ra do à repar ti ção fede ral com pe ten te. embora a “não decla -ra ção à repar ti ção fede ral com pe ten te” cons ti tua uma carac te rís ti ca nega ti va dotipo, deve, neces sa ria men te, tam bém ser abran gi da pelo dolo do agen te, sob penade não se aper fei çoar o tipo sub je ti vo, excluin do-se, por tan to, a pró pria tipi ci da -de. referida cons ciên cia deve ser atual, isto é, deve exis tir no momen to da ação,quan do ela está acon te cen do, ao con trá rio da cons ciên cia da ili ci tu de (ele men toda cul pa bi li da de), que pode ser poten cial, como já afir ma mos.

enfim, o dolo somen te se com ple ta com a pre sen ça simul tâ nea da cons ciên -cia e da von ta de, abran gen do todos os ele men tos cons ti tu ti vos do tipo, sob penade o agen te incor rer em erro de tipo. não há neces si da de de qual quer ele men tosub je ti vo espe cial do injus to e tam pou co há pre vi são da moda li da de cul po sa.

73 para apro fun dar, ver a aná li se deta lha da de schmidt e Feldens, in: o crime de eva são de divi sas... p. 183-6.

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10.4. Consumação ou ten ta ti va do crime de manu ten ção de depó si to noexte rior não decla ra do

Consuma o crime de manu ten ção de depó si to no exte rior, não decla ra do àrepar ti ção com pe ten te, no exato momen to em que se esgo ta o prazo fixa do peloBanco Central para o con tri buin te fazer sua decla ra ção anual, nos ter mos dalegis la ção atual. Contrariamente, como des ta ca mos, para tórtima, “o momen tocon su ma ti vo na moda li da de de manu ten ção de depó si tos não decla ra dos no exte -rior é com ple ta men te dis tin to daque le refe ren te ao crime de eva são, só se aper -fei çoan do o ilí ci to quan do o agen te, findo o prazo legal para sua decla ra ção derenda e de bens (ajus te anual), deixa de comu ni car à receita Federal a exis tên ciado depó si to”.74 a nosso juízo, con tra ria men te, nesse momen to, a omis são podecarac te ri zar crime con tra na ordem tri bu tá ria e a figu ra sub exa men cuida decrime con tra o sis te ma finan cei ro. o Banco Central tem fixa do, todos os anos,por meio de Circulares, o dia 31 de maio como data limi te para apre sen ta çãodessa decla ra ção anual, rela ti va men te ao exer cí cio ante rior.

embora o verbo nuclear seja ‘ manter’, a essên cia de sua carac te ri za çãorepou sa na “não decla ra ção dos bens man ti dos no exte rior”; colo can do-se a fraseem linha dire ta, ganha ares de crime omis si vo, razão pela qual é inad mis sí vel afigu ra do crime ten ta do. enquanto hou ver tempo para a decla ra ção, não se podefalar na não apre sen ta ção da decla ra ção; esgo ta do esse prazo sem sua apre sen ta -ção, con su mou-se o crime; por isso, pode-se afir mar, con su ma-se no lugar e nomomen to em que se esgo ta o prazo para a apre sen ta ção de sua decla ra ção, e oagen te se omite, dei xan do de apre sen tá-la.

tratando-se de crime per ma nen te e habi tual (man ter), sua rei te ra ção,sequen cial, não carac te ri za plu ra li da de de deli tos, em qual quer de suas for mas,mas, pelo con trá rio, have rá crime único, como, por exem plo, o agen te deixa deapre sen tar sua decla ra ção ao Banco Central, nos anos de 2007, 2008 e 2009. essacon ti nui da de omis si va carac te ri za rá crime único, e não crime con ti nua do (queseria uma espé cie pri vi le gia da de con cur so for mal de cri mes).

11. exportação clan des ti na ou sem cober tu ra cam bial

algumas frau des que podem ocor rer no comér cio exte rior podem apro xi -mar-se ou iden ti fi car-se com uma ou outra das con du tas des cri tas no art. 22 e seupará gra fo único. merecem des ta que espe cial, por exem plo, expor ta ção semcober tu ra cam bial, super fa tu ra men to na impor ta ção ou sub fa tu ra men to na

74 tórtima e tórtima. evasão de divi sas... p. 52-3.

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expor ta ção, que seriam alguns dos mais comuns e mais impor tan tes des vios decon du tas nessa seara.

a expor ta ção clan des ti na de mer ca do rias, ou seja, sem o cor res pon den tefecha men to de con tra to de câm bio, além de cons ti tuir uma infra ção cam bial,pode, a prio ri, ade quar-se a des cri ção típi ca do art. 22 da lei nº 7.492/86.Questiona-se, afi nal, qual seria a moda li da de de eva são de divi sas que pode riacon fi gu rar-se? seria aque la con ti da no caput do art. 22, qual seja efe tuar ope ra çãode câm bio não auto ri za da, ou, quem sabe, a da pri mei ra parte do pará gra fo único,isto é, pro mo ver, sem auto ri za ção legal, a saída de moeda ou divi sa? desnecessáriodes ta car que, da ter cei ra moda li da de – man ter no exte rior depó si to não decla ra -do –, nem se cogi ta, salvo a even tual ocor rên cia de pro gres são, mais adian te, coma manu ten ção de depó si to no exte rior. de outro lado, con vém des ta car que asone ga ção de cober tu ra cam bial con sis te em dei xar de fazer ingres sar no país asdivi sas obti das com o pro du to da expor ta ção, que, à evi dên cia, não se con fun decom pro mo ver a eva são de divi sas para fora do país, como já regis tra mos.

Constata-se, de plano, que a saída clan des ti na de mer ca do rias do país, istoé, sem cober tu ra cam bial, pode, em tese, repre sen tar uma forma de eva são que,no entan to, não con tém a ele men tar nor ma ti va exi gi da pelo caput do art. 22 –ope ra ção de câm bio não auto ri za da –, con se quen te men te, a expor ta ção semcober tu ra cam bial não se adé qua à des cri ção con ti da no dis po si ti vo refe ri do,afas tan do-se, de plano, essa pri mei ra con du ta.

Como, a prio ri, não se pode cogi tar da ter cei ra moda li da de de con du ta incri -mi na da, no dis po si ti vo sub exa men, qual seja, a manu ten ção de depó si to no exte -rior – uma moda li da de impró pria de eva são – resta somen te a con du ta des cri ta napri mei ra meta de do pará gra fo único, qual seja, pro mo ver, e sem auto ri za ção legal,a saída de moeda ou divi sa para o exte rior. nessa figu ra, ao con trá rio daque la docaput, a eva são pode ser efe tua da a qual quer títu lo, ou seja, por qual quer meio ouqual quer forma, sendo, por tan to, crime de forma livre, per mi tin do que a eva sãopossa ser rea li za da pelo modo que o agen te dese jar, inclu si ve atra vés de ope ra çãode câm bio, desde que con tra lege, ou, na lin gua gem do legis la dor, “sem auto ri za -ção legal” (que não se con fun de com “ope ra ção de câm bio não auto ri za da”).

deve-se, con tu do, exa mi nar-se dois aspec tos: pri mei ro, se o não ingres so demoeda ou divi sa pode ser equi pa ra do à sua saída, e, segun do, se a mer ca do ria des -ti na da à expor ta ção pode ser abran gi da pela ele men tar nor ma ti va divi sa, exi gi dapor essa figu ra típi ca.

na rea li da de, a expor ta ção sem cober tu ra cam bial, em que o expor ta dor nãointer na li za o valor cor res pon den te, isto é, a moeda ou divi sa, deixa de fazê-loingres sar no sis te ma finan cei ro nacio nal. Contudo, a con du ta proi bi da é “pro mo -ver a saída de moeda ou divi sa para o exte rior” e, ainda que se possa reco nhe cera exis tên cia de uma infra ção cam bial (aliás, hoje supe ra da, cfe. Circular nº33.379/2008), cer ta men te, impe dir o ingres so de moeda ou divi sa não está con -tem pla do nessa moda li da de de eva são de divi sas. estamos, em outros ter mos,

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dian te de uma proi bi ção legal de mão única, qual seja, somen te a saída de moedaou divi sa, ile gal men te, pode con fi gu rar essa figu ra do crime de eva são, ao passoque impe dir sua entra da ou dei xar de pro ce dê-la não tem cor res pon dên cia típi -ca. assim, a des pei to de sua lesi vi da de cam bial-finan cei ro, não se sub su min dofor mal men te à pre vi são nor ma ti va, a taxa ti vi da de da lei penal impe de que se lhedê tama nha abran gên cia, pois vio la ria o prin cí pio da reser va legal.

o segun do aspec to, igual men te rele van te, refe re-se à pos si bi li da de de inter -pre tar mer ca do ria des ti na da à exor ta ção como divi sa. poder-se-ia dar tama nhaabran gên cia ao vocá bu lo ‘ divisa’? admitindo-se essa inter pre ta ção, esta ria resol -vi da a ques tão, pois, pro mo ven do, clan des ti na men te, a saída de mer ca do ria, oexpor ta dor esta ria pro mo ven do a saída de divi sa, sem auto ri za ção legal e, nes sascir cuns tân cias, a con du ta ade quar-se-ia à proi bi ção cons tan te da pri mei ra meta -de do pará gra fo único do art. 22. no entan to, pela mesma razão de vio lar do prin -cí pio da lega li da de, essa exten são não se lhe pode dar. incensurável, no par ti cu -lar, o magis té rio de schmidt e Feldens,75 o qual subs cre ve mos, in totum: “umatal incon gruên cia, entre tan to, não nos pare ce o bas tan te para fazer enqua drar asmer ca do rias expor ta das no con cei to de divi sas, o qual, se não é uní vo co, tam pou -co per mi te, nota da men te para efei tos penais, que se lhe agre guem sen ti dos subs -tan cial men te dis so cia dos daque les decor ren tes de suas linhas con cei tuais gerais.em sede de direito penal, a inter pre ta ção acer ca da res tri ção de direi tos fun da -men tais encon tra-se ali nha va da de forma sabi da men te mais rígi da.”

não vemos, por fim, como pos sí vel admi tir como con fi gu ra dor da ter cei rafigu ra de eva são aque la da segun da parte do pará gra fo único, a que deno mi na -mos de eva são impró pria, qual seja, man ter depó si to no exte rior, sem decla rá-loà repar ti ção fede ral com pe ten te. ora, se mer ca do ria, por sua pró pria natu re za,não pode ser inter pre ta da como moeda ou divi sa, para efei to das outras duas figu -ras tipi fi ca das, tam pou co será pos sí vel inter pre tá-la para a ter cei ra hipó te se:quan do o legis la dor cri mi na li za “man ter depó si tos não decla ra dos [...]”, à evi dên -cia, está refe rin do-se à moeda ou divi sa e, como já des ta ca mos, essas duas ele -men ta res têm sig ni fi ca do pró prio, muito espe cí fi co, que não se con fun dem commer ca do rias, por certo.

ademais, a legis la ção que vigo rou até o iní cio de 2008, que não admi tia acom pen sa ção pri va da de recei tas em dóla res no comér cio exte rior, foi alte ra da,sendo dimi nuí da sua rigi dez de até então. Com efei to, por pres são do empre sa -ria do expor ta dor, foi fle xi bi li za da a rigi dez, per mi tin do, pri mei ra men te, que30% da recei ta obti da com a expor ta ção (mer ca do ria ou ser vi ço) pudes se serman ti da no exte rior para o expor ta dor hon rar seus com pro mis sos. Finalmente –

75 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 227. nessa mesma linha, é orien ta ção ado ta da portórtima.

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des ta ca tórtima – “para libe rar da obri ga ção do rein gres so o total da refe ri darecei ta, nos ter mos da Circular 33.379, de 13 de março de 2008”.76

resta, final men te, algu mas pala vras rela ti va men te às prá ti cas de super fa tu -ra men to nas impor ta ções e sub fa tu ra men to nas expor ta ções, res pec ti va men te.não há cor res pon dên cia, tanto numa, quan to nou tra hipó te se, entre a rea li da defáti co-comer cial e o valor mone tá rio cor res pon den te. objetiva-se, nos dois casos, enviar, clan des ti na men te, divi sas a serem dis po ni bi li za das no exte rior, ao arre -pio do con tro le das auto ri da des mone tá rias.

ocorre super fa tu ra men to na impor ta ção quan do na guia de impor ta çãocons ta valor supe rior ao cor res pon den te ao pro du to impor ta do. nessa hipó te se,há a efe ti va saída de divi sa, embo ra decla ra da ofi cial men te, inclu si ve com inci -dên cia de even tual impos to de impor ta ção. nessa hipó te se, o obje ti vo do impor -ta dor é apro vei tar-se da opor tu ni da de para ludi briar as auto ri da des e dis po ni bi -li zar, no exte rior, clan des ti na men te, a dife ren ça entre o real e o decla ra do no atode impor tar. para schmidt e Feldens, “indubitavelmente, aqui temos uma hipó -te se de eva são de divi sas, na moda li da de da 1ª parte do pará gra fo único do art.22”.77 tórtima, por sua vez, embo ra reco nhe ça que se trate efe ti va men te de saídade divi sas do país, ques tio na sua tipi ci da de, por falta de pre vi são quan to à obten -ção de auto ri za ção legal (para remes sa) median te frau de.78

Contudo, embo ra sim pa ti ze com essa con clu são de tórtima, deve mos deladis cor dar, des ta can do que a frau de na obten ção de auto ri za ção para a remes sa dedivi sa ao exte rior satis faz exa ta men te a ele men tar “sem auto ri za ção legal”, cujavio la ção pode ser repre sen ta da pelo ardil, frau de ou qual quer outro meio frau du -len to. Caso con trá rio, afir mar-se-á que o empre go de frau de na obten ção deauto ri za ção conta com auto ri za ção legal. no entan to, não vemos lesão ou ofen saao bem jurí di co tute la do, na medi da em que o valor reme ti do ao exte rior, alémde decla ra do, tem ori gem legí ti ma, con si de ran do-se que, como se tem repe ti doalhu res, o con tri buin te tem o direi to de enviar seus bens ou valo res para o exte -rior, desde que tenha ori gem legal.

no entan to, essas divi sas ou valo res reme ti dos a mais para o exte rior pode -rão, num futu ro pró xi mo, con fi gu rar o depó si tos man ti dos no exte rior não decla -ra dos à repar ti ção fede ral com pe ten te.

no caso de sub fa tu ra men to na expor ta ção, o ardil obje ti va igual men te rece -ber recur sos no exte rior sem o con tro le das auto ri da des mone tá rias. nessa hipó -te se, o expor ta dor acer ta com o impor ta dor preço infe rior ao efe ti va men te cele -bra do, rece ben do “por fora”, nor mal men te no exte rior, a dife ren ça entre o valorreal das mer ca do rias expor ta das e o valor decla ra do no regis tro de expor ta ção.79

76 tórtima e tórtima. evasão divi sas... p. 65.77 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 228.78 tórtima e tórtima. evasão de divi sas... p. 60.79 schmidt e Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 228.

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nessa hipó te se, rece bi da a mer ca do ria, o impor ta dor paga seu valor de duas for -mas: o valor cor res pon den te ao decla ra do nas guias de impor ta ção é pago noBrasil ao expor ta dor bra si lei ro, devi da men te con ver ti do em reais. a outra par ce -la, não decla ra da, é rece bi da, clan des ti na men te, pelo expor ta dor bra si lei ro, emmoeda estran gei ra, no exte rior.80

afinal, essa con du ta sub su me-se no dis pos to no art. 22 e seu pará gra foúnico? parece não haver dúvi da de que, à pri mei ra vista, o bem jurí di co tute la -do pela norma é atin gi do pelo com por ta men to do expor ta dor, além de repre sen -tar tam bém sone ga ção fis cal pela não tri bu ta ção de par ce la da recei ta obti da (art.2º, i, da lei nº 8.137/90). aliás, quan to ao crime de sone ga ção de impos tos, nãonos pare ce haver dúvi da. no entan to, pre ci sa inves ti gar-se, nova men te, se impe -dir o ingres so de divi sas está con tem pla do na norma penal incri mi na do ra que orase exa mi na, ou seja, impe dir o ingres so de divi sas é o mesmo que pro mo ver suaeva são? Já res pon de mos essa inda ga ção ao demons trar mos a ina de qua ção típi cadessa con du ta ante o prin cí pio da reser va legal. nesse sen ti do, mani fes ta-setórtima: “realmente, o crime está em pro mo ver a saída de recur sos (para o exte -rior, como diz a lei), fór mu la que não pode ser amplia da para assi mi lar a hipó te -se de frus trar o ingres so de divi sas no país”.

no entan to, pos te rior men te, o resul ta do dessa con du ta pode rá ser alcan ça -do pela 2ª parte do pará gra fo único, qual seja, com a manu ten ção no exte rior dedepó si to não decla ra do. provavelmente, ante a ausên cia de ori gem legal, o con -tri buin te aca ba rá omi tin do a decla ra ção anual à repar ti ção fede ral com pe ten te e,nesse momen to, con su ma rá o crime de eva são impró pria.

12. aspectos rele van tes quan to à com pe tên cia de foro

por expres sa pre vi são cons ti tu cio nal e infra cons ti tu cio nal (art. 109, vi, daCF/88 e art. 26 da lei nº 7.492/86), ine qui vo ca men te, a com pe tên cia para pro ces -sar e jul gar os cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal é da Justiça Federal.81

no entan to, a com pe tên cia de foro, isto é, para deter mi nar o juízo com pe ten te,na esfe ra da Justiça Federal, a pra xis pode ofe re cer algu ma com ple xi da de, depen -den do, inclu si ve, de qual seja a moda li da de das três hipó te ses pre vis tas no art. 22e seu pará gra fo único, con for me vere mos a seguir.

80 tórtima e tórtima. evasão de divi sas... p. 60.81 o Conselho da Justiça Federal, atra vés da resolução nº 314, de 12 de maio de 2003, de cons ti tu cio na li da -

de duvi do sa, os tribunais regionais Federais espe cia li za ram, em suas res pec ti vas juris di ções, varas fede -rais com com pe tên cia para pro ces sar e jul gar cri mes con tra o sistema Financeiro nacional e de “lava gem”de dinhei ro (v.g., resolução nº 600-021, de 19/12/2003, do trF/1ª região; resolução con jun ta nº 001, de09/06/2005, do trF/2ª região; resolução nº 20, de 26/05/2003, do trF/4ª região; resolução 10-a, de11/06/2003, do trF/5ª região).

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na moda li da de pre vis ta no caput do art. 22, qual seja, efe tuar ope ra ção decâm bio não auto ri za da com o fim de eva dir divi sas do país, a com pe tên cia,neces sa ria men te, deve ser a do lugar da infra ção, que é a pri mei ra e prin ci palregra em maté ria de com pe tên cia. trata-se, evi den te men te, de crime ins tan tâ -neo, que se con su ma no lugar e no momen to em que a ação (efe tuar ope ra çãocam bial não auto ri za da) é pra ti ca da; o even tual resul ta do, nesse crime, não inte -gra a defi ni ção típi ca e, se ocor rer, repre sen ta rá somen te o exau ri men to dessecrime tido como for mal.

no entan to, em se tra tan do da pri mei ra figu ra do pará gra fo único – a qual -quer títu lo, pro mo ver, sem auto ri za ção legal, a eva são de moeda ou divi sas parao exte rior – a situa ção é dife ren te: trata-se de crime mate rial, que somen te secon su ma com a efe ti va saída dos valo res para o exte rior. na ver da de, a exe cu çãodessa con du ta pode des do brar-se em vários atos, afora o fato de a con du ta em sipoder ser livre men te pra ti ca da, poden do o iter cri mi nis per cor rer várias ins ti tui -ções finan cei ras, resul tan do a saída para o exte rior em local, cida de ou estadocom ple ta men te dife ren te daque le em que ini cial men te se deter mi nou sua remes -sa ao exte rior. por essa razão, sus ten ta mos que a com pe tên cia deva ser a do localda últi ma esca la dos valo res em ter ri tó rio nacio nal,82 inde pen den te men te dodomi cí lio fis cal da pes soa físi ca ou jurí di ca titu lar dos valo res. por exem plo, con -tri buin te resi den te em porto alegre, pre ten den do fazer uma pou pan ça no exte -rior, enca mi nha ao seu con ta dor no rio de Janeiro deter mi na da impor tân cia emreais. este, cum prin do ordens, envia o nume rá rio, irre gu lar men te, para as ilhasvirgens. indiscutivelmente, o foro com pe ten te é o do rio de Janeiro.

Finalmente, a ter cei ra espé cie con tem pla da do crime de eva são de divi sas –a manu ten ção de depó si tos no exte rior não decla ra dos – é conhe ci da como eva -são impró pria. afasta-se de plano o aspec to da extra ter ri to ria li da de, posto que ocrime não é pra ti ca do no exte rior, mas em ter ri tó rio nacio nal, no local onde oagen te deve ria ter feito a decla ra ção de bens man ti dos no exte rior, embo ra asdivi sas pos sam ter sido adqui ri das fora do país. na ausên cia de pre vi são espe cí fi -ca para essa moda li da de de infra ção penal, pare ce-nos, mais do que razoá velfazer-se uma opção segu ra e prag má ti ca, qual seja, fixan do-se a com pe tên cia ter -ri to rial pelo local do domi cí lio fis cal do infra tor. afinal, será em seu domi cí liofis cal onde deve rá pres tar con tas com o fisco, além da pró pria decla ra ção aoBanco Central. não é outro o enten di men to, de schmidt e Feldens:83 “ainda queem ter mos legais a hipó te se possa ser solu cio na da pelo art. 91 do Cpp, ado tan do-se o cri té rio da pre ven ção, o pro ble ma não encon tra uma res pos ta clara e obje ti -va, ante as espe ci fi ci da des da forma deli ti va. no entan to, a fim de evi tar-se cri -té rios arbi trá rios e/ou alea tó rios de afir ma ção da com pe tên cia, pare ce-nos que

82 no mesmo sen ti do, schmidt & Feldens. o crime de eva são... p. 234.83 schmidt & Feldens. o crime de eva são de divi sas... p. 235.

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nessa pre ci sa situa ção pode mos recor rer, em cará ter extraor di ná rio, e à falta dequal quer outro, ao domi cí lio fis cal do agen te como ele men to deter mi nan te dacom pe tên cia ter ri to rial, isso pela simi li tu de que guar dam – embo ra dis tin tas quesejam – as decla ra ções ofe re ci das ao Banco Central (sendo esta, pre ci sa men te, arepar ti ção fede ral a que alude o dis po si ti vo) e à receita Federal.”

13. pena e natu re za da ação penal

as penas comi na das para o crime de eva são de divi sas são reclu são de doisa seis anos, e multa. a exem plo do que ocor re na tota li da de dos cri mes con tra osistema Financeiro nacional, a ação penal é públi ca incon di cio na da (art. 26 dalei nº 7.492/86 c/c art. 100 do Código penal). em outros ter mos, a atua ção doministério público não está con di cio na da a qual quer mani fes ta ção do ofen di do.

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Capítulo XXiii

prevaricação Financeira

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos do cri -me. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca. 6. Con -su mação e ten ta ti va. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. pena e ação penal.

art. 23. omitir, retar dar ou pra ti car, o fun cio ná rio públi co, con tra dis po si -ção expres sa de lei, ato de ofí cio neces sá rio ao regu lar fun cio na men to do sis te mafinan cei ro nacio nal, bem como a pre ser va ção dos inte res ses e valo res da ordemeco nô mi co-finan cei ra:

pena – reclu são, de 1(um) a 4 (qua tro) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

prevaricação, com sua ori gem lati na – prae va ri ca tio –, tinha o sen ti do de alguém que tem “as per nas tor tas ou cam baias”, sig ni fi can do – eti mo lo gi ca men -te, prae va ri ca tor – andar de forma oblí qua ou des vian do-se do cami nho cor re toou, como pre fe re Costa Jr., é o ato de andar tor tuo sa men te, des vian do do cami -nho certo. Figurativamente, “desig na va aque le que, toman do a defe sa de umacausa, favo re cia a parte con trá ria”.1 os roma nos conhe ce ram o ato de pre va ri carcomo patro cí nio infiel, con cep ção que fora man ti da no direi to medie val,amplian do-a, con tu do, para abran ger o com por ta men to de quem se tor nas se infiel ao pró prio cargo, des cum prin do os deve res ine ren tes ao seu ofí cio. os prá -ti cos deram ao termo sen ti do mais amplo: des vir tua men to dos deve res de ofí cio.tais des vios pode riam ser pra ti ca dos tanto pelos patro nos dos liti gan tes, em pre -juí zo des tes, train do-lhes a con fian ça depo si ta da, como pelo fun cio ná rio públi coque, por qual quer ato, se afas tas se de seus deve res de ofí cio. Com o adven to daera das codi fi ca ções, no entan to, alguns códi gos penais retor na ram ao anti go eres tri to con cei to roma no e outros, em sua maio ria, man ti ve ram a noção exten si -va do con cei to de pre va ri ca ção desen vol vi da na idade média, como o Códigopenal fran cês de 1810 e o Código sardo de 1859.

1 nelson hungria. Comentários ao Código penal... p. 376.

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no nosso Código Criminal do império (1830), era con si de ra da pre va ri ca çãouma série de vio la ções de deve res pra ti ca dos por fun cio ná rios públi cos, “por afei -ção, ódio ou con tem pla ção, ou para pro mo ver inte res se pes soal seu” (art. 129). oCódigo penal de 1890 seguiu o mesmo sis te ma do ante rior (art. 207), mas “subor -di nou ao crime várias outras infra ções de deve res pra ti ca dos por advo ga do oupro cu ra dor (que o códi go vigen te, com téc ni ca supe rior, situou entre os cri mescon tra a admi nis tra ção da jus ti ça)”.2

Finalmente, nosso Código penal de 1940 deu a seguin te tipi fi ca ção ao crimede pre va ri ca ção: “art. 319. retardar ou dei xar de pra ti car, inde vi da men te, ato deofí cio, ou pra ti cá-lo con tra dis po si ção expres sa de lei, para satis fa zer inte res se ousen ti men to pes soal: pena – deten ção de três meses a um ano, e multa.”

2. Bem jurí di co tute la do

Bem jurí di co pro te gi do é a pro bi da de de fun ção públi ca, sua res pei ta bi li da -de, bem como a inte gri da de de seus fun cio ná rios vin cu la dos ao sis te ma finan cei -ro nacio nal. prevaricação é a infi de li da de ao dever de ofí cio e à fun ção exer ci da;é o des cum pri men to das obri ga ções que lhe são ine ren tes, movi do o agen te porinte res ses ou sen ti men tos pró prios, embo ra neste arti go da lei espe cial não este -ja expres so. dentre os deve res ine ren tes ao exer cí cio da fun ção públi ca, o maisrele van te deles é o que con sis te no cum pri men to pron to e efi caz das atri bui çõesdo ofí cio, que deve ser rea li za do escru pu lo sa e tem pes ti va men te, para lograr aobten ção dos fins fun cio nais. o sen ti men to do fun cio ná rio públi co não pode seroutro senão o do dever cum pri do e o de fazer cum prir os man da men tos legais.

embora aqui o fun cio ná rio infiel não nego cie com a sua fun ção, como ocor -re na cor rup ção pas si va, deni gre-a igual men te, pois viola o dever de ofí cio emprol de inte res ses subal ter nos (inte res ses ou sen ti men tos pes soais) rela ti va men teao ato que deve pra ti car. essa cri mi na li za ção obje ti va, enfim, impe dir pro ce di -men to que ofen de e degra da o bem jurí di co – inte res se da admi nis tra ção públi -ca – quan do o fun cio ná rio age em desa cor do com os deve res que lhe são ine ren -tes ao cargo e à fun ção.

tutela, igual men te, a fun cio na li da de, a cre di bi li da de e a efi ciên cia do sis te -ma finan cei ro, sua pro bi da de ins ti tu cio nal. protege-se, na ver da de, a pro bi da dedo sis te ma finan cei ro, sua res pei ta bi li da de, bem como a inte gri da de das ins ti tui -ções finan cei ras, mas par ti cu lar men te, neste dis po si ti vo legal, pro te ge-se a fide -li da de do fun cio ná rio públi co, espe cial men te aque le que tiver algu ma rela çãofun cio nal com o sis te ma finan cei ro.

2 heleno Cláudio Fragoso. lições de direito penal... p. 425.

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o obje to mate rial do crime de pre va ri ca ção é o “ato de ofí cio”, que é aque -le que o fun cio ná rio públi co deve pra ti car em decor rên cia dos seus deve res fun -cio nais; con se quen te men te, é neces sá rio que o sujei to ativo encon tre-se no exer -cí cio de suas fun ções regu la men ta res.

por fim, não encon tra mos forma de iden ti fi car bem jurí di co mere ce dor detute la penal con ti do na locu ção, “bem como à pre ser va ção dos inte res ses e valo -res da ordem eco nô mi co-finan cei ra”. trata-se, na ver da de, de ele men tar abso lu -ta men te irre le van te, inó cua, por assim dizer, des ne ces sá ria à tipi fi ca ção penal, desorte a ser igno ra da sem resul tar qual quer alte ra ção ao escri to no refe ri do dis po -si ti vo legal.

3. sujeitos do crime

sujeito ativo somen te pode ser o fun cio ná rio públi co, tra tan do-se, por con -se guin te, de crime pró prio, que exige essa con di ção espe cial do sujei to ativo, massomen te, advir ta-se, se for com pe ten te para rea li zar o ato de ofí cio, neces sá rio aoregu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal. É indis pen sá vel que oagen te encon tre-se no exer cí cio de sua fun ção e, nessa con di ção, omita ou retar -de ato de ofí cio, inde vi da men te, ou o pra ti que con tra dis po si ção expres sa de lei.evidentemente que não pode pra ti car esse crime quem não se encon tra no exer -cí cio da fun ção ou, por qual quer razão, encon tre-se tem po ra ria men te dela afas -ta do, como, por exem plo, de férias, de licen ça etc.

nada impe de que o sujei to ativo, qua li fi ca do pela con di ção de fun cio ná riopúbli co, con sor cie-se com um extra neus para a prá ti ca do crime, com a abran -gên cia auto ri za da pelo art. 29 do Código penal, desde que, evi den te men te, saibada con di ção espe cial do autor; pode, inclu si ve, um fun cio ná rio públi co, agin docomo par ti cu lar, par ti ci par de pre va ri ca ção, nas mes mas con di ções de um extra -neus, alcan ça do pelo mesmo art. 29.

sujeito pas si vo é o estado, quer pela ofen sa aos prin cí pios nor tea do res damora li da de admi nis tra ti va, quer pela ofen sa à cre di bi li da de, à mora li da de e àsegu ran ça do sis te ma finan cei ro nacio nal, além do par ti cu lar even tual men telesa do ou pre ju di ca do pela con du ta do fun cio ná rio.

o estado é sem pre sujei to pas si vo secun dá rio de todos os cri mes, naque lalinha de que a lei penal tute la o inte res se da ordem jurí di ca geral, da qual aque -le é o titu lar. no entan to, há cri mes, como este que ora estu da mos, em que o pró -prio estado surge como sujei to pas si vo par ti cu lar, indi vi dual, pois lhe per ten ce obem jurí di co ofen di do pela ação do fun cio ná rio infiel.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

as con du tas tipi fi ca das, alter na ti va men te, são as seguin tes: omi tir, retar darou pra ti car, o fun cio ná rio públi co, con tra dis po si ção expres sa de lei, ato de ofí -

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cio neces sá rio ao regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal, bemcomo a pre ser va ção dos inte res ses e dos valo res da ordem eco nô mi co-finan cei ra.as duas pri mei ras moda li da des são omis si vas e a últi ma é comis si va. a cri mi na -li za ção des sas con du tas tem por obje ti vo evi tar pro ce di men to, con tra lege, porfun cio ná rio públi co, no exer cí cio da fun ção, que depre cie, menos pre ze ou deni -gra os bens jurí di cos aqui pro te gi dos. as con du tas cri mi na li za das têm o seguin tesig ni fi ca do:

a) ‘ omitir’ é dei xar de pra ti car ato de ofí cio neces sá rio ao regu lar fun cio na -men to do sis te ma finan cei ro nacio nal; em outros ter mos, poden do e deven dorea li zar deter mi na do ato de ofí cio, o fun cio ná rio man tém-se iner te com a inten -ção ou o pro pó si to de não o rea li zar. distingue-se da con du ta ante rior, por que,naque la, a inten ção do fun cio ná rio é ape nas pro cras ti nar a rea li za ção do ato que,mesmo com atra so, ter mi na sendo pra ti ca do; nesta, con tra ria men te, o ato acabanão sendo tem pes ti va men te exe cu ta do, isto é, em tempo hábil para atin gir a suafina li da de, ou seja, omiti-lo é dei xar de pra ti cá-lo de forma defi ni ti va e não sim -ples men te retar dá-lo. Convém des ta car, porém, que, tanto numa hipó te se, quan -to nou tra, o ato de que se trata deve ser de ofí cio e neces sá rio ao regu lar fun cio -na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal.

a omis são pode tam bém ser exe cu ta da atra vés da obs tru ção, em que o agen -te, a pre tex to de cum prir rigo ro sa men te o regu la men to ou a ins tru ção, retar da oudeixa de pra ti car o ato de ofí cio, ardi lo sa men te, com o deli be ra do pro pó si to deomi tir-se na rea li za ção do ato, tendo cons ciên cia de que a inter pre ta ção da normaregu la men ta do ra per mi tia a rea li za ção do ato omi ti do ou retar da do. Convém des -ta car, ade mais, que, nessa moda li da de, exige-se muita cau te la na sua apu ra çãodian te da difi cul da de para se apu rar se houve exces so de zelo ou vela da obs tru çãoinde vi da. o retar da men to ou a omis são de ato de ofí cio con fi gu ra rão as con du tascon ti das no texto legal somen te se ocor re rem sem justa causa. indevidamente,tanto na pri mei ra como na segun da con du ta, sig ni fi ca que o retar da men to ou aomis são devem ser injus tos, ile gais, isto é, não ampa ra dos pelo orde na men to jurí -di co, enfim, con tra legis. significa, por outro lado, reco nhe cer que podem ocor -rer moti vos de força maior, os quais jus ti fi quem o retar da men to ou a omis são deatos de ofí cio, que, como reco nhe ce nosso Código penal, afas tam a anti ju ri di ci da -de da con du ta. ademais, não é, pode-se afir mar, ato de ofí cio o pra ti ca do con traas nor mas vigen tes ou a sis te má ti ca habi tual. indevida é a omis são não per mi ti da,não auto ri za da, é aque la que infrin ge o dever fun cio nal de agir.

b) ‘ retardar’ sig ni fi ca pro te lar, atra sar, pro cras ti nar inde vi da men te a prá ti cade ato de ofí cio, ou seja, não rea li zar no prazo nor mal men te esta be le ci do parasua exe cu ção, dei xan do fluir tempo rele van te para a sua prá ti ca (na hipó te se deine xis tên cia de prazo fixa do), neces sá rio ao regu lar fun cio na men to do sis te mafinan cei ro nacio nal, bem como à pre ser va ção dos inte res ses e dos valo res daordem eco nô mi co-finan cei ra. enfim, ‘ retardar’ é não pra ti car o ato em tempo

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opor tu no ou pra ti cá-lo fora do prazo legal. mesmo que o ato possa ser pra ti ca doapós a expi ra ção do prazo legal, ainda que tal retar da men to não acar re te suainva li da de, con fi gu ra rá o crime de pre va ri ca ção espe cial.

nas duas moda li da des omis si vas – omi tir ou retar dar – em par ti cu lar quan -do não há pra zos fixos adre de esti pu la dos para a prá ti ca do ato de ofí cio, nor mal -men te há maior difi cul da de para sua apu ra ção, sobre tu do, da con du ta de “retar -dar ato de ofí cio”, inde vi da men te, pois o prazo legal men te fixa do é um marcoque, no plano obje ti vo, faci li ta a com pro va ção da omis são fun cio nal. nesse caso,nor mal men te, o fun cio ná rio públi co detém certa dis cri cio na rie da de na ava lia çãode con ve niên cia e opor tu ni da de de pra ti car cer tos atos, que afas ta pos sí vel pre -va ri ca ção espe cial, res sal va da a hipó te se de res tar demons tra da a con fi gu ra ção deautên ti ca arbi tra rie da de (dis cri cio na rie da de e arbi tra rie da de são coi sas abso lu ta -men te dis tin tas): dis cri cio na rie da de impli ca liber da de de ação e deci são no planoadmi nis tra ti vo, nos limi tes legal men te per mi ti dos; arbi tra rie da de, por sua vez, écarac te rís ti ca de ação con trá ria ao orde na men to jurí di co, que ultra pas sa os limi -tes legal men te per mi ti dos. “ato dis cri cio ná rio – na defi ni ção de hely lopesmeirelles – não se con fun de com ato arbi trá rio. discrição e arbí trio são con cei -tos intei ra men te diver sos. discrição é liber da de de ação den tro dos limi tes legais;arbí trio é ação con trá ria ou exce den te da lei. ato dis cri cio ná rio, por tan to, quan -do per mi ti do pelo direito, é legal e váli do; ato arbi trá rio é, sem pre e sem pre, ile -gí ti mo e invá li do.”3

c) por fim, ‘pra ti car ato de ofício’, con tra dis po si ção expres sa de lei, sig ni fi -ca que o fun cio ná rio públi co pra ti ca um ato ile gal, con tra ria o orde na men to jurí -di co, cons ti tuin do, na ver da de, uma infra ção admi nis tra ti vo-penal bem maisgrave que as repre sen ta das nas duas pri mei ras con du tas (omi tir ou retar dar), quesão pura men te omis si vas; mere ce riam aque las duas con du tas, em prin cí pio, san -ção menos grave que a comi na da a esta ter cei ra figu ra, se obser var mos o prin cí -pio da pro por cio na li da de (embo ra tal con si de ra ção não passe do plano polí ti co-cri mi nal ante a proi bi ção do vene rá vel prin cí pio da reser va legal). desejamosape nas dei xar claro que o legis la dor não foi feliz ao dis pen sar o mesmo tra ta men -to a con du tas tão dís pa res, com des va lo res tão dife ren cia dos como são as con du -tas aqui exa mi na das. Com efei to, nesta ter cei ra figu ra – pra ti car ato de ofí cio,con tra dis po si ção expres sa de lei – o agen te subs ti tui a von ta de da lei pelo seuarbí trio, pra ti can do, não o ato que é de seu dever pra ti car, mas outro con trá rio à“dis po si ção expres sa de lei”. mais que ile gí ti mo, trata-se de ato ile gal, como pres -cre ve o dis po si ti vo em estu do.

a locu ção ‘con tra dis po si ção expres sa de lei’ refe re-se a ato legis la ti vo ema -na do do poder com pe ten te, isto é, do poder legislativo, e ela bo ra do de acor do

3 hely lopes meirelles. direito administrativo bra si lei ro, 16. ed., são paulo, revista dos tribunais, 1991,p. 98.

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com o pro ces so legis la ti vo pre vis to no texto cons ti tu cio nal. portanto, a expres -são ‘lei’ uti li za da no tipo penal tem o sig ni fi ca do res tri to, for mal, com preen den -do o con teú do e o sen ti do desse tipo de diplo ma jurí di co, que o coman do nor ma -ti vo deve ser claro, pre ci so e expres so de tal forma a não pai rar dúvi da ou obs cu -ri da de a res pei to do pro ce di men to a ado tar. em outros ter mos, refe ri da locu çãonão abran ge, por óbvio, dis po si ções con trá rias cons tan tes de por ta rias, regu la -men tos, reso lu ções, ordens de ser vi ços etc., que não são leis stric to sensu, mas sãopro du zi dos à sacie da de pelo Banco Central, pela Comissão de valoresmobiliários, pela receita Federal, enfim, pelo sis Ba Cen.

assim, a prá ti ca de ato de ofí cio, no exer cí cio da fun ção, “con tra expres sadis po si ção de lei” é nula e, ainda, assu me o cará ter de frau du len ta se o ato tiversido dolo sa men te orien ta do, quan do fosse pos sí vel e obri ga tó ria a rea li za ção deum ato váli do e neces sá rio ao regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ronacio nal. manzini orien ta va-se nesse sen ti do, des ta can do que “não é um ato deofí cio, mas sim um expe dien te capri cho so e frau du len to que impõe maior repro -va ção à con clu são con trá ria aos deve res de ofí cio”.4

o crime de pre va ri ca ção espe cial, enfa ti zan do, somen te se aper fei çoa quan -do o fun cio ná rio públi co, no exer cí cio de sua fun ção, retar da ou omite ato de ofí -cio neces sá rio ao regu lar fun cio na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal, inde vi -da men te, ou o pra ti ca con tra dis po si ção expres sa de lei. É neces sá rio que qual -quer das con du tas incri mi na das refi ra-se a “ato de ofí cio”, isto é, rela ti vo às atri -bui ções fun cio nais e ter ri to riais regu la res do fun cio ná rio públi co com ati vi da devin cu la da ao sis te ma finan cei ro nacio nal. em outros ter mos, o retar da men to oua omis são, inde vi dos, ou sua prá ti ca con tra dis po si ção legal expres sa devem refe -rir-se a “ato de ofí cio” da com pe tên cia do fun cio ná rio pre va ri ca dor e rela cio na -do ao sis te ma finan cei ro nacio nal. Com efei to, para a con fi gu ra ção do crime depre va ri ca ção espe cial, exige-se que o ato retar da do ou omi ti do, inde vi da men te,ou pra ti ca do con tra expres sa dis po si ção de lei este ja com preen di do nas espe cí fi -cas atri bui ções fun cio nais do ser vi dor públi co pre va ri ca dor. se o ato não é dacom pe tên cia do fun cio ná rio, poder-se-á iden ti fi car outro crime, mas, com cer te -za, não este. Quando deter mi na do ato, por exem plo, pode ser rea li za do “porqual quer do povo”, à evi dên cia, não se trata de “ato de ofí cio”, sendo, por tan to,ini dô neo para carac te ri zar o crime des cri to no dis po si ti vo sub exa men.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

elemento sub je ti vo é o dolo, cons ti tuí do pela von ta de cons cien te de omi tirou retar dar, inde vi da men te, ato de ofí cio ou pra ti cá-lo con tra dis po si ção expres -

4 vincenzo manzini. tratado de derecho penal, p. 372.

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sa de lei. É indis pen sá vel que o agen te tenha cons ciên cia de que o retar da men toou a omis são do ato que com pe te rea li zar é inde vi do, ou seja, sem jus ti fi ca ti va, ou,então, que o pra ti ca con tra as dis po si ções legais, isto é, que sua rea li za ção, nas cir -cuns tân cias, con tra ria as deter mi na ções do orde na men to jurí di co. ademais, deveo sujei to ativo ter cons ciên cia de que refe ri do ato é neces sá rio ao regu lar fun cio -na men to do sis te ma finan cei ro nacio nal. por outro lado, é impres cin dí vel, comotemos repe ti do, que o dolo abran ja todos os ele men tos cons ti tu ti vos do tipo penal,sob pena de con fi gu rar-se o erro de tipo, que, por ausên cia de dolo (ou por dolodefei tuo so), afas ta a tipi ci da de, salvo se se tra tar de simu la cro de erro.

não há, por fim, exi gên cia de qual quer ele men to sub je ti vo espe cial doinjus to, ao con trá rio da pre va ri ca ção pre vis ta no art. 319 do Código penal, queexige o espe cial fim de agir, qual seja “para satis fa zer inte res se ou sen ti men topes soal”, isto é, há a neces si da de de que o móvel da ação seja a satis fa ção dessetipo de inte res se ou sen ti men to. pode-se, em razão de sua estru tu ra tipo ló gi ca,clas si fi car-se como uma espé cie de sui gene ris de pre va ri ca ção, sem a exi gên ciade ele men to sub je ti vo espe cial do injus to.

6. Consumação e ten ta ti va

o crime de pre va ri ca ção espe cial con su ma-se, nas moda li da des omis si vas,com a omis são ou o retar da men to de ato de ofí cio, sem justa causa, ou com a prá -ti ca do ato de ofí cio con tra dis po si ção expres sa de lei. nas duas pri mei ras hipó -te ses, como crime omis si vo pró prio que são, con su mam-se no lugar e no momen -to em que o ato de ofí cio devia ter sido rea li za do e não o foi, não haven do espa -ço, por tan to, para a figu ra ten ta da. na ter cei ra figu ra típi ca, o crime é comis si voe con su ma-se com a prá ti ca de ato de ofí cio, con tra rian do expres sa dis po si ção delei, inde pen den te men te de qual quer outro resul ta do.

na moda li da de de pra ti car ato con tra dis po si ção expres sa de lei, a des pei toda difi cul da de de apu rar, in con cre to, quan do está sendo exe cu ta do o ato, é, teo -ri ca men te, frag men tá vel, sendo pos sí vel, por tan to, a ten ta ti va, por tra tar-se decrime plu ris sub sis ten te.

7. Classificação dou tri ná ria

trata-se de crime pró prio (que exige qua li da de ou con di ção espe cial dosujei to, qual seja a de fun cio ná rio públi co vin cu la do ao sis te ma finan cei ro nacio -nal); for mal (que não exige resul ta do natu ra lís ti co para sua con su ma ção); deforma livre (que pode ser pra ti ca do por qual quer forma ou meio esco lhi do peloagen te); omis si vo (nas moda li da des de omi tir ou retar dar, que resul tam na abs -ten ção da con du ta devi da); comis si vo (na moda li da de de pra ti car, que impli ca area li za ção de con du ta ativa); ins tan tâ neo (cuja exe cu ção não se alon ga no tempo,não haven do demo ra entre a ação e o resul ta do); unis sub je ti vo (que pode ser pra -

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ti ca do por um agen te ape nas, admi tin do, logi ca men te, a pos si bi li da de de con cur -so de pes soas); unis sub sis ten te (pra ti ca do com um único ato, nas for mas omis si -vas, não admi tin do fra cio na men to); e plu ris sub sis ten te (crime que, em regra,pode ser pra ti ca do com mais de um ato, na forma comis si va, admi tin do, excep -cio nal men te, fra cio na men to em sua exe cu ção).

8. pena e ação penal

as penas comi na das, cumu la ti va men te, são de reclu são, de um a qua troanos, e multa. trata-se, como se cons ta ta, mais uma vez de puni ção exa ge ra da -men te des pro por cio nal, incom pa tí vel com a razoa bi li da de exi gi da pelo estadodemocrático de direito. destaque-se que a mesma tipi fi ca ção no penal Códigopenal (art. 319) comi na pena de deten ção de três meses a um ano, cumu la da coma pena de multa. não há, rigo ro sa men te, nada que jus ti fi que, em diplo mas legaisdis tin tos, a razoa bi li da de de tão absur da des pro por ção. a gra vi da de desse absur -do fica muito clara quan do se cons ta ta que a pena míni ma comi na da na lei espe -cial é igual à máxi ma comi na da (um ano) ao mesmo crime de pre va ri ca ção pre -vis ta no Código penal. a san ção aqui comi na da é, por tan to, qua tro vezes maiorque a pre vis ta no Código penal.

ação penal é públi ca incon di cio na da, como em todos os cri mes defi ni dosnesta lei espe cial, deven do a auto ri da de com pe ten te agir de ofí cio, inde pen den -te men te de qual quer mani fes ta ção da parte inte res sa da.

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Capítulo XXiv

responsabilidade penal e delaçãopremiada nos Crimes Contra o

sistema Financeiro nacional

sumário: 1. responsabilidade penal nos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro. 2. de -lação pre mia da: favor legal e antié ti co.

art. 25. são penal men te res pon sá veis, nos ter mos desta lei, o con tro la dor eos admi nis tra do res de ins ti tui ção finan cei ra, assim con si de ra dos os dire to res egeren tes (veta do).

§ 1º. equiparam-se aos admi nis tra do res de ins ti tui ção finan cei ra (veta do) ointer ven tor, o liqui dan te ou o sín di co.

§ 2º. nos cri mes pre vis tos nesta lei, come ti dos em qua dri lha ou co-auto ria,o co-autor ou par tí ci pe que atra vés de con fis são espon tâ nea reve lar à auto ri da depoli cial ou judi cial toda a trama deli tuo sa terá sua pena redu zi da de 1 (um) a 2/3(dois ter ços).

1. responsabilidade penal nos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro

o art. 25 da lei nº 7.492/86, que defi ne os cri mes con tra o sis te ma finan cei -ro nacio nal, regu la a res pon sa bi li da de penal nos seguin tes ter mos: “são penal -men te res pon sá veis, nos ter mos desta lei, o con tro la dor e os admi nis tra do res deins ti tui ção finan cei ra, assim con si de ra dos os dire to res, geren tes (veta do).”

seguindo nossa linha de pen sa men to, sus ten ta mos que a pre vi são do art. 25da lei nº 7.492/86 deve ser inter pre ta da à luz da vigen te Constituição Federal edo Código penal em vigor. em outros ter mos, a res pon sa bi li da de penal dos con -tro la do res e admi nis tra do res de ins ti tui ção finan cei ra será única e exclu si va men -te a res pon sa bi li da de sub je ti va e não pelo sim ples fato de osten ta rem a con di çãode con tro la dor ou admi nis tra dor, como pode pare cer à pri mei ra vista. enten -dimento con trá rio impor ta rá em reco nhe cer a res pon sa bi li da de penal obje ti va,veda da pelo texto cons ti tu cio nal e pelo moder no direito penal da cul pa bi li da de.

mantém-se em plena vigên cia o dogma secu lar nulla poena sine culpa, con -sa gra do na expres são de Feuerbach, tor nan do-se inad mis sí vel a res pon sa bi li da de

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obje ti va. a cul pa bi li da de jurí di co-penal cons ti tui-se dos seguin tes ele men tos:impu ta bi li da de, cons ciên cia da ili ci tu de e exi gi bi li da de de con du ta diver sa. aimpu ta bi li da de é a capa ci da de de culpa, de cujos pres su pos tos biop si co ló gi cossomen te a pes soa huma na pode ser por ta do ra. a cons ciên cia da ili ci tu de, aindaque poten cial, não é sus ce tí vel de ser pos suí da por um ente moral, como a pes -soa jurí di ca, que não tem como moti var-se pela norma. seria para do xal for mar-se um juízo de cen su ra moral em razão do “com por ta men to” de uma ins ti tui çãofinan cei ra, por exem plo. ou, então, como se exi gir con du ta diver sa ou mesmo aliber da de de von ta de de uma enti da de que é diri gi da por ter cei ros?

por isso, essa pre vi são do art. 25 da lei nº 7.492/86, ora sub exa men, não seafas ta dos prin cí pios fun da men tais do direito penal da cul pa bi li da de, em geral,e do dis pos to no art. 12 do Código penal, em par ti cu lar, que esta be le ce sua sub -si dia rie da de a todas as leis extra va gan tes. Com efei to, a res pon sa bi li da de penaldos con tro la do res ou admi nis tra do res será sem pre pos sí vel, desde que devi da -men te indi vi dua li za da e orien ta da sub je ti va men te, e não decor re do sim ples fatode ocu pa rem a posi ção de con tro la dor ou admi nis tra dor, sem have rem tido qual -quer par ti ci pa ção pes soal na rea li za ção dos fatos “qua li fi ca dos de deli tuo sos”.

no Brasil, a obs cu ra pre vi são do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, rela -ti va men te ao meio ambien te, tem leva do alguns pena lis tas a sus ten tar, equi vo ca -da men te, que a Carta magna con sa grou a res pon sa bi li da de penal da pes soa jurí -di ca. no entan to, a res pon sa bi li da de penal ainda se encon tra limi ta da à res pon -sa bi li da de sub je ti va e indi vi dual. nesse sen ti do mani fes ta-se rené ariel dotti,afir man do que, “no sis te ma jurí di co posi ti vo bra si lei ro, a res pon sa bi li da de penalé atri buí da, exclu si va men te, às pes soas físi cas. os cri mes ou deli tos e as con tra -ven ções não podem ser pra ti ca dos pelas pes soas jurí di cas, posto que a impu ta bi -li da de jurí di co-penal é uma qua li da de ine ren te aos seres huma nos”.1 a con du ta(ação ou omis são), pedra angu lar da teoria Geral do Crime, é pro du to essen cial -men te do homem. a dou tri na, quase à una ni mi da de, repu dia a hipó te se de a con -du ta ser atri buí da à pes soa jurí di ca. no mesmo sen ti do tam bém é o enten di men -to atual de muñoz Conde, para quem a capa ci da de de ação, de cul pa bi li da de e depena exige a pre sen ça de uma von ta de, enten di da como facul da de psí qui ca dapes soa indi vi dual, que não exis te na pes soa jurí di ca, mero ente fic tí cio ao qual odireito atri bui capa ci da de para outros fins dis tin tos dos penais.2

para com ba ter a tese de que a atual Constituição con sa grou a res pon sa bi li -da de penal da pes soa jurí di ca, tra ze mos à cola ção o dis pos to no seu art. 173, § 5º,que, ao regu lar a ordem econômica e Financeira, dis põe: “a lei, sem pre juí zo dares pon sa bi li da de indi vi dual dos diri gen tes da pes soa jurí di ca, esta be le ce rá a res -

1 rené ariel dotti. a inca pa ci da de cri mi nal da pes soa jurí di ca, revista Brasileira de Ciências Criminais, n.11, 1995, p. 201.

2 Francisco muñoz Conde e mercedes García arán. derecho penal, 3. ed., valencia, 1996, p. 236.

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pon sa bi li da de desta, sujei tan do-a às puni ções com pa tí veis com sua natu re za, nosatos pra ti ca dos con tra a ordem eco nô mi ca e finan cei ra e con tra a eco no mia empar ti cu lar.” (gri fa mos).

dessa pre vi são podem-se tirar as seguin tes con clu sões: 1ª) a res pon sa bi li da -de pes soal dos diri gen tes não se con fun de com a res pon sa bi li da de da pes soa jurí -di ca; 2ª) a Constituição não dotou a pes soa jurí di ca de res pon sa bi li da de penal. aocon trá rio, con di cio nou a sua res pon sa bi li da de à apli ca ção de san ções com pa tí veiscom a sua natu re za, que, cer ta men te, não são as de natu re za penal.

enfim, a res pon sa bi li da de penal con ti nua a ser pes soal e indi vi dual (art. 5º,Xlv).3 por isso, quan do se iden ti fi car e se puder indi vi dua li zar quem são osauto res físi cos dos fatos pra ti ca dos em nome de uma pes soa jurí di ca tidos comocri mi no sos, aí sim deve rão ser res pon sa bi li za dos penal men te. em não sendoassim, cor re mos o risco de ter de nos con ten tar mos com a pura pena li za ção for -mal das pes soas jurí di cas, que, ante a difi cul da de pro ba tó ria e ope ra cio nal, esgo -ta ria a real ati vi da de judi ciá ria em mais uma com pro va ção da fun ção sim bó li cado direito penal, pois, como denun cia raúl Cervini,4 “a ‘gran de mídia’ incu ti riana opi nião públi ca a sufi ciên cia dessa satis fa ção bási ca aos seus anseios de Justiça,enquan to as pes soas físi cas, ver da dei ra men te res pon sá veis, pode riam con ti nuartão impu nes como sem pre, atuan do atra vés de outras socie da des”. Com efei to,nin guém pode igno rar que por trás de uma pes soa jurí di ca sem pre há uma pes -soa físi ca que uti li za aque la como sim ples “facha da”, pura cober tu ra for mal.punir-se-ia a apa rên cia for mal e dei xar-se-ia a rea li da de livre men te ope ran doenco ber ta em outra fan ta sia, uma nova pes soa jurí di ca, com novo CGC, em outroende re ço, com nova razão social etc.

2. delação pre mia da: favor legal e antié ti co

delação pre mia da con sis te na redu ção de pena (poden do che gar, em algu -mas hipó te ses, até mesmo a total isen ção de pena), para o delin quen te que dela -tar seus com par sas, con ce di da pelo juiz na sen ten ça final con de na tó ria, desdeque sejam satis fei tos os requi si tos que a lei esta be le ce. trata-se de ins ti tu toimpor ta do de outros paí ses, inde pen den te men te da diver si da de de pecu lia ri da -des de cada orde na men to jurí di co e dos fun da men tos polí ti cos que o jus ti fi cam.

a lei dos Crimes hediondos (lei nº 8.072/90), em seu art. 7º, intro du ziu umpará gra fo (§ 4º) no art. 159 do Código penal cuja reda ção esta be le cia uma mino -ran te (causa de dimi nui ção de pena) em favor do coau tor ou par tí ci pe do crime

3 para apro fun dar nosso enten di men to sobre a irres pon sa bi li da de penal da pes soa jurí di ca, ver nossotratado de direito penal, 9. ed., são paulo, editora saraiva, 2009, v. 2, p. 4 a 21.

4 raul Cervini. macrocriminalidad eco nô mi ca – apun tes para una apro xi ma ción meto do ló gi ca, revistaBrasileira de Ciências Criminais, n. 11, 1995, p. 77.

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de extor são median te seques tro pra ti ca do por qua dri lha ou bando que denun -cias se o crime à auto ri da de, faci li tan do, assim, a liber ta ção do seques tra do. dessaforma, pre mia va-se o par ti ci pan te dela tor que traís se seu com par sa com a redu -ção de um a dois ter ços da pena apli ca da. por essa reda ção, para que fosse reco -nhe ci da a con fi gu ra ção da cog no mi na da “dela ção pre mia da”, era indis pen sá velque a extor são median te seques tro tives se sido come ti da por qua dri lha ou bandoe que qual quer de seus inte gran tes, denun cian do o fato à auto ri da de, pos si bi li -tas se a liber ta ção da víti ma.

posteriormente, a lei nº 9.269/96 ampliou as pos si bi li da des da “trai ção pre -mia da” ao con fe rir ao § 4º a seguin te reda ção: “se o crime é come ti do em con cur -so, o con cor ren te que o denun ciar à auto ri da de, faci li tan do a liber ta ção doseqües tra do, terá sua pena redu zi da de um a dois ter ços”. a par tir dessa novareda ção, tor nou-se des ne ces sá rio que o crime de extor são tenha sido pra ti ca dopor qua dri lha ou bando (que exige a par ti ci pa ção de, pelos menos, qua tro pes -soas), sendo sufi cien te que haja con cur so de pes soas, ou seja, é sufi cien te que doispar ti ci pan tes, pelo menos, tenham con cor ri do para o crime, e um deles tenhadela ta do o fato cri mi no so à auto ri da de, pos si bi li tan do a liber ta ção do seques tra -do. enfim, com essa reti fi ca ção legis la ti va de 1996, ini ciou-se a pro li fe ra ção da“trai ção boni fi ca da”, defen di da pelas auto ri da des repres so ras como gran de ins -tru men to de com ba te à cri mi na li da de orga ni za da, ainda que, con tra rian do essedis cur so, o últi mo diplo ma legal refe ri do tenha afas ta do exa ta men te a neces si da -de de qual quer envol vi men to de pos sí vel orga ni za ção cri mi no sa.

Com efei to, a eufe mis ti ca men te deno mi na da dela ção pre mia da, que foiinau gu ra da no orde na men to jurí di co bra si lei ro com a lei dos Crimes hediondos(lei nº 8.072/90, art. 8º, pará gra fo único), pro li fe rou em nossa legis la ção espar sa,atin gin do níveis de vul ga ri da de; assim, pas sou a inte grar as leis de cri mes con trao sis te ma finan cei ro (art. 25, § 2º, da lei nº 7.492/86, com reda ção deter mi na dapela lei nº 9.080/95), cri mes con tra o sis te ma tri bu tá rio (art. 16, pará gra fo único,da lei nº 8.137/90), cri mes pra ti ca dos por orga ni za ção cri mi no sa (art. 6º da leinº 9.034/95), cri mes de lava gem de dinhei ro (art. 1º, § 5º, da lei nº 9.613/98) e alei de proteção a vítimas e testemunhas (art. 13 da lei nº 9.807/99). o fun da -men to invo ca do é a con fes sa da falên cia do estado para com ba ter a dita “cri mi -na li da de orga ni za da”, que é mais pro du to da omis são dos gover nan tes ao longodos anos do que pro pria men te algu ma “orga ni za ção” ou “sofis ti ca ção” ope ra cio -nal da delin quên cia mas si fi ca da. na ver da de, virou moda falar em crime orga ni -za do, orga ni za ção cri mi no sa e outras expres sões seme lhan tes para jus ti fi car aincom pe tên cia e a omis são dos deten to res do poder nos últi mos quase vinte anos,pelo menos. Chega a ser para do xal que se insis ta numa pro pa la da sofis ti ca ção dadelin quên cia. num país onde impe ra a impro vi sa ção e tudo é desor ga ni za do,como se pode acei tar que só o crime seja orga ni za do? Quem sabe o poderpúblico, num exem plo de fun cio na li da de, come ce com ba ten do o crime desor ga -ni za do (que é a cri mi na li da de de massa e impe ra nas gran des cida des, impu ne -

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men te), já que capi tu lou ante o que resol veu tachar de crime orga ni za do ou orga -ni za ção cri mi no sa; pelo menos com ba te ria a cri mi na li da de de massa, devol ven -do a segu ran ça à cole ti vi da de bra si lei ra, que tem difi cul da de até mesmo de tran -si tar pelas ruas das capi tais. está-se tor nan do into le rá vel a ino pe rân cia do estadono com ba te à cri mi na li da de, seja ela mas si fi ca da, orga ni za da ou desor ga ni za da,con for me nos têm demons tra do as alar man tes esta tís ti cas dia ria men te.

Como se tives se des co ber to uma poção mági ca, o legis la dor con tem po râ neoacena com a pos si bi li da de de pre miar o trai dor – ate nuan do a sua res pon sa bi li -da de cri mi nal – desde que dela te seu com par sa, faci li tan do o êxito da inves ti ga -ção das auto ri da des cons ti tuí das. Com essa figu ra esdrú xu la, o legis la dor bra si lei -ro pos si bi li ta pre miar o “trai dor”, a des pei to de vio lar os mais sagra dos prin cí piosético- morais que orien tam a for ma ção tra di cio nal da famí lia cris tã; ofe re ce-lhevan ta gem legal, mani pu lan do os parâ me tros puni ti vos, alheio aos fun da men tosdo direi to-dever de punir que o estado assu miu com a cole ti vi da de.

não se pode admi tir, sem qual quer ques tio na men to ético, a pre mia ção de umdelin quen te que, para obter deter mi na da van ta gem, “dedu re” seu par cei ro, com oqual deve ter tido, pelo menos, uma rela ção de con fian ça para empreen de remalgu ma ati vi da de, no míni mo, arris ca da, que é a prá ti ca de algum tipo de delin -quên cia. estamos, na ver da de, ten tan do falar da (i)mora li da de e (in)jus ti ça da pos -tu ra assu mi da pelo estado nesse tipo de pre mia ção. Qual é, afi nal, o fun da men toético legi ti ma dor do ofe re ci men to de tal pre mia ção? Convém des ta car que, paraefei to da dela ção pre mia da, não se ques tio na a moti va ção do dela tor, sendo irre -le van te que tenha sido por arre pen di men to, vin gan ça, ódio, infi de li da de ou ape -nas por uma ava lia ção cal cu lis ta, antié ti ca e infiel do trai dor-dela tor. venia con -ces sa, será legí ti mo o estado lan çar mão de meios antié ti cos e imo rais, como esti -mu lar a des leal da de e a trai ção entre par cei ros, apos tan do em com por ta men tosdessa natu re za para atin gir resul ta dos que sua incom pe tên cia não lhe per mi teatra vés de meios mais orto do xos? Certamente não é nada edi fi can te esti mu lar seussúdi tos a men tir, trair, dela tar ou dedu rar um com pa nhei ro movi do exclu si va -men te pela ânsia de obter algu ma van ta gem pes soal, seja de que natu re za for.

no entan to, a des pei to de todo esse ques tio na men to ético que ator men taqual quer cida dão de bem, isto é, de boa for ma ção moral, a ver da de é que a dela -ção pre mia da pas sou a ser, via impor ta ção, um ins ti tu to ado ta do em nosso direi toposi ti vo. Falando em pecu lia ri da des diver sas, lem bra mos que, nos estadosunidos, o acu sa do – como uma tes te mu nha – “pres ta com pro mis so de dizer a ver -da de” e, não o fazen do, come te crime de per jú rio, algo ino cor ren te no sis te mabra si lei ro, em que o acu sa do tem o direi to de men tir, sem que isso lhe acar re tequal quer pre juí zo, con for me lhe asse gu ra a Constituição Federal. essa cir cuns tân -cia, por si só, des vir tua com ple ta men te o ins ti tu to da dela ção pre mia da, pois, des -com pro mis sa do com a ver da de e isen to de qual quer pre juí zo ao sacri fi cá-la, obene fi ciá rio da dela ção dirá qual quer coisa que inte res se às auto ri da des repres so -ras na ten ta ti va de bene fi ciar-se com sua men ti ro sa dela ção, exa ta men te como

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tem ocor ri do na pra xis foren sis. essa cir cuns tân cia reti ra even tual ido nei da de quesua dela ção possa ter, se é que algu ma dela ção pode ser con si de ra da idô nea.

por outro lado, a legis la ção bra si lei ra é omis sa em dis ci pli nar o modus ope -ran di a ser obser va do na cele bra ção desse “acor do pro ces sual”. na rea li da de, apra xis tem des re co men da do não ape nas o ins ti tu to da dela ção, como tam bém aspró prias auto ri da des que a têm uti li za do, bas tan do recor dar, ape nas para ilus trar,a hipó te se do dolei ro da Cpi dos Correios e do ex-asses sor do atual ministropalocci, que foram inter pe la dos e com pro mis sa dos a dela tar, na cala da da noitee/ou no inte rior das pri sões, enfim, nas cir cuns tân cias mais inós pi tas pos sí veis,sem lhes asse gu rar a pre sen ça e a orien ta ção de um advo ga do, sem con tra di tó rio,ampla defe sa e o devi do pro ces so legal.

a dela ção pre mia da cons tan te do § 2º do art. 25 da lei nº 7.492/86, acres ci -do pela lei nº 9.080/95, é causa de obri ga tó ria redu ção de pena (de um a dois ter -ços), desde que o crime tenha sido come ti do “em qua dri lha ou em con cur so depes soas”, e o dela tor “atra vés de con fis são espon tâ nea reve lar à auto ri da de poli cialou judi cial toda a trama deli tuo sa terá sua pena redu zi da de um a dois ter ços”. denotar-se, ade mais, que este diplo ma legal, ao con trá rio de outros (lei nº 9.269/96,que acres cen tou o § 4º no art. 168 do Cp), não con di cio na a dimi nui ção da penaà efi cá cia da “con tri bui ção do dela tor”. o texto legal é taxa ti vo ao dizer que odenun cian te “terá sua pena redu zi da” de um a dois ter ços, inde pen den te men te doresul ta do. a dela ção, segun do está expres so no texto legal, deve ser ende re ça da àauto ri da de poli cial ou judi cial (delegado de polícia ou Juiz de direito), estan doexcluí do, por con se guin te, o órgão do ministério público, que, nes sas infra ções penais, não pode ser o des ti na tá rio da ques tio na da dela ção pre mia da.

a des pei to dessa nossa anti pa tia para com o ins ti tu to, já que está aí, deve ria,pelo menos, con di cio nar à efi cá cia da dela ção, como ocor re, por exem plo, nocrime de extor são median te seques tro, que está vin cu la da à efe ti va liber ta ção davíti ma, ou seja, é indis pen sá vel a rela ção de causa e efei to: a liber ta ção da víti madeve, neces sa ria men te, decor rer da con tri bui ção efe ti va do dela tor. a sim plesvon ta de, ainda que acom pa nha da da ação efe ti va do dela tor, é insu fi cien te parajus ti fi car a redu ção de pena. em outros ter mos, é indis pen sá vel que a con tri bui -ção do dela tor, com sua con du ta de alca gue te, seja efi caz no con tex to em que sedesen vol ve o pro ces so liber ta tó rio do ofen di do. Como des ta ca alberto silvaFranco,5 “a con du ta do dela tor deve ser rele van te do ponto de vista obje ti vo evolun tá ria, sob o enfo que sub je ti vo. isso sig ni fi ca, de um lado, que cabe ao dela -tor o for ne ci men to de dados con cre tos que, cau sal e fina lis ti ca men te, con du zamà liber ta ção do seqües tra do”.

5 alberto silva Franco. Crimes hediondos, 4. ed., são paulo, revista dos tribunais, 2000, p. 253.

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a dela ção pre mia da, a des pei to da ausên cia de pre vi são legal, deve servolun tá ria, isto é, pro du to da livre mani fes ta ção pes soal do dela tor, sem sofrerqual quer tipo de pres são físi ca, moral ou men tal, repre sen tan do, em outras pala -vras, inten ção ou dese jo de aban do nar o empreen di men to cri mi no so, sendo indi -fe ren tes as razões que o levam a essa deci são. não basta que seja volun tá ria, éindis pen sá vel que seja espon tâ nea, por exi gên cia do texto legal (§ 2º), ao con trá -rio da dela ção na hipó te se de extor são median te seques tro, em que o texto legalsilen cia a res pei to (art. 168, § 4º): há espon ta nei da de quan do a ideia ini cial partedo pró prio sujei to; há volun ta rie da de, por sua vez, quan do a deci são não é obje -to de coa ção moral ou físi ca, mesmo que a ideia ini cial tenha par ti do de outrem,como da auto ri da de, por exem plo, ou mesmo resul ta do de pedi do da pró pria víti -ma. o móvel, enfim, da deci são do dela tor – vin gan ça, arre pen di men to, inve jaou ódio – é irre le van te para efei to de fun da men tar a dela ção pre mia da, desde quetenha sido espon tâ nea, e não como a pra xis foren sis nos tem demons tra do.

a defi ni ção do quan tum a redu zir deve vin cu lar-se a cri té rio obje ti vo queper mi ta jus ti fi car maior ou menor redu ção de pena den tro dos limi tes esta be le -ci dos de um a dois ter ços. um dos cri té rios suge ri dos, segun do silva Franco,6 é omaior ou menor tempo leva do para a libe ra ção do seques tra do. mas esse pode serape nas um dos cri té rios a serem con si de ra dos, haven do outros mais rele van tes,como, por exem plo, a maior ou menor faci li da de encon tra da pela auto ri da depara liber tar a víti ma e, espe cial men te, a maior ou menor con tri bui ção do dela -tor para a liber ta ção daque la.

mutatis mutan dis, nos cri mes finan cei ros, deve-se con si de rar o perío do detempo que refe ri dos cri mes vinham sendo pra ti ca dos, a quan ti da de de cri mesper pe tra dos, além da con ti nui da de deli ti va etc. mas o cri té rio mais impor tan te,cer ta men te, deve ria ser (mas não é, nesse caso) a efe ti vi da de da con tri bui ção tra -zi da com a dela ção. em sín te se, a redu ção da pena apli ca da será tanto maiorquan to mais rele van te for a con tri bui ção da dela ção para a com pro va ção da auto -ria e da par ti ci pa ção do dela ta do: maior con tri bui ção equi va le à maior redu ção;menor con tri bui ção sig ni fi ca rá menor redu ção, man ten do-se uma autên ti ca pro -por cio na li da de nessa rela ção de causa e efei to.

6 alberto silva Franco. Crimes hediondos, 4. ed., são paulo: revista dos tribunais, 2000, p. 251.

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seGunda parte

Cri mes Con tra omerCado de Capitais

lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1986, com as alteraçõespromovidas pela lei 10.303, de 31 de outubro de 2001

Juliano Breda

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Capítulo XXv

manipulação domercado de Capitais

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua çãotípi ca. 6. Consumação e ten ta ti va. 7. Concurso de mani pu la ções do mer ca do. 8. Clas -sificação dou tri ná ria. 9. pena e ação penal. 10. Competência.

art. 27-C. realizar ope ra ções simu la das ou exe cu tar outras mano bras frau -du len tas, com a fina li da de de alte rar arti fi cial men te o regu lar fun cio na men todos mer ca dos de valo res mobi liá rios em bolsa de valo res, de mer ca do rias e defutu ros, no mer ca do de bal cão ou no mer ca do de bal cão orga ni za do, com o fimde obter van ta gem inde vi da ou lucro, para si ou para outrem, ou cau sar dano ater cei ros:

pena – reclu são, de um a oito anos, e multa de até 3 (três) vezes o mon tan -te da van ta gem ilí ci ta obti da em decor rên cia do crime.

1. Considerações pre li mi na res

modernamente, para cum prir de modo ade qua do as suas fun ções, o estadodeve pos suir uma eco no mia estru tu ra da, com um sis te ma finan cei ro regu la do demanei ra trans pa ren te, pro por cio nan do uma alter na ti va segu ra para o des ti no dapou pan ça popu lar. a cria ção de meca nis mos de segu ran ça e trans pa rên cia do sis -te ma finan cei ro, mais do que uma von ta de do legis la dor ou dis cri cio na rie da de doadmi nis tra dor, tor nou-se, atual men te, uma exi gên cia inter na cio nal. a natu re zatrans na cio nal do inves ti men to e das ope ra ções finan cei ras fez sur gir uma de -man da por maior fis ca li za ção e cria ção de regras de segu ran ça e leal da de nos sis -te mas finan cei ros nacio nais.

as cons tan tes exi gên cias de segu ran ça e trans pa rên cia nas nego cia ções e regras do sis te ma finan cei ro bus cam igua lar as opor tu ni da des do mer ca do aosinves ti do res, atrain do o capi tal inter no e exter no, redu zin do as desi gual da desentre os par ti ci pan tes de uma nego cia ção. a pre mis sa bási ca de qual quer mer ca -do finan cei ro, então, assen ta-se em uma estru tu ra ção capaz de asse gu rar opor tu -ni da des jus tas, cla ras e segu ras de ganhos ou per das do capi tal inves ti do. há um

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com ple xo nor ma ti vo capaz de for ne cer aos inves ti do res posi ções equâ ni mes narea li za ção de uma ope ra ção finan cei ra. os ris cos de ganho ou perda do capi talinves ti do devem ser igual men te com par ti lha dos por todos.

de outro lado, quan to maior a liber da de de aces so ao mer ca do de capi tais ea mul ti pli ci da de de valo res mobi liá rios ofe re ci dos ao inves ti dor, maior será aneces si da de de regu la men ta ção das ope ra ções. nesse campo, neces si da de deregu la men ta ção sig ni fi ca pro te ger a lisu ra das ope ra ções, com a con co mi tan teinter ven ção do estado crian do ilí ci tos e san ções admi nis tra ti vas e, em deter mi -na das hipó te ses, requi si tan do-se o auxí lio extraor di ná rio das nor mas penais.

a impor tân cia e a atua li da de do tema são inques tio ná veis. Joseph stiglitz1

expli ca que a crise do mer ca do ener gé ti co na Califórnia foi resul ta do da mani pu -la ção do mer ca do de capi tais, geran do um pre juí zo da ordem de us$ 3 bilhões dedóla res aos con su mi do res. também no caso “enron”, a mani pu la ção do mer ca dopro du ziu pre juí zos gigan tes cos, supor ta dos por quase toda comu ni da de finan cei -ra inter na cio nal.

no plano nacio nal, a con du ta de mani pu lar o mer ca do de capi tais adqui reextre ma rele vân cia peran te o direi to penal, sub su min do-se a cer tos tipos de deli -to da lei dos Crimes con tra o sistema Financeiro, o que pro vo ca, de plano, inte -res san tes dis cus sões nas cate go rias do con fli to apa ren te de nor mas e da lei penalno tempo.

É impor tan te men cio nar que parte dessa maté ria já esta va penal men te tipi fi -ca da desde o ano de 1832, pela lei nº 3.150, de 4 de novem bro, e pos te rior men teno Código penal de 1890, nas dis po si ções do arti go 340 do Código penal, com areda ção ori gi nal: “art. 340. incorrerão nas penas de pri são cel lu lar por um a qua -tro annos e multa de 100$ a 500$000: 1º os admi nis tra do res de socie da des ou com -pa nhias anony mas que, por conta del las, com pra rem e ven de rem acções das mes -mas socie da des ou com pa nhias; salva a facul da de de as amor ti zar na fórma per mit -ti da por lei; 2º os admi nis tra do res ou geren tes que dis tri bui rem divi den dos nãodevi dos; 3º os admi nis tra do res que por qual quer arti fi cio pro mo ve rem fal sas cota -ções das acções; 4º os admi nis tra do res que em garan tia de cre di tos sociaes accei ta -rem penhor de acções da pro pria com pa nhia. paragrapho unico. serão con si de ra -dos cum pli ces os fis caes que dei xa rem de denun ciar nos seus rela to rios annuaes adis tri bui ção de divi den dos não devi dos, e quaes quer frau des pra ti ca das no decur sodo anno, e cons tan tes dos livros e papeis sujei tos ao seu exame.”

em 1938, quan do foram cria dos os cri mes con tra a eco no mia popu lar, porinter mé dio do decreto-lei nº 869, de 18 de novem bro de 1938, que defi nia oscri mes con tra a eco no mia popu lar, sua guar da e seu empre go, o tipo penal da

1 os exu be ran tes anos 90: uma nova inter pre ta ção da déca da mais prós pe ra da his tó ria. trad. sylvia marias. Cristóvão dos santos, dantes mendes aldrighi, José Francisco de lima Gonçalves, roberto mazzerneto. são paulo: Companhia das letras, 2003, p. 255 e ss.

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mani pu la ção do preço de ações era assim redi gi do: “art. 2º são cri mes dessanatu re za: vi, pro vo car a alta ou baixa de pre ços, títu los públi cos, valo res ou salá -rios por meio de notí cias fal sas, ope ra ções fic tí cias ou qual quer ouro arti fí cio; iX,gerir frau du len ta men te ou teme ra ria men te ban cos ou esta be le ci men tos ban cá -rios, ou de capi ta li za ção; socie da des de segu ros, pecú lios ou pen sões vita lí cias;socie da des para emprés ti mos ou finan cia men to de cons tru ções e de ven das deimó veis a pres ta ções, com ou sem sor teio ou pre fe rên cia por meio de pon tos ouquo tas; cai xas eco nô mi cas; cai xas raiffeisen; cai xas mútuas, de bene fi cên cia,socor ros ou emprés ti mos; cai xas de pecú lio, pen são e apo sen ta do ria; cai xas cons -tru to ras; coo pe ra ti vas; socie da des de eco no mia cole ti va, levan do-as à falên cia ouà insol vên cia, ou não cum prin do qual quer das cláu su las con tra tuais com pre juí -zo dos inte res sa dos; X, frau dar de qual quer modo escri tu ra ções, lan ça men tos,regis tros, rela tó rios, pare ce res e outras infor ma ções devi das a sócios de socie da -des civis ou comer ciais, em que o capi tal seja fra cio na do em ações ou quo tas devalor nomi na ti vo igual ou infe rior a 1:000$000, com o fim de sone gar lucros,divi den dos, per cen ta gens, rateios ou boni fi ca ções, ou de des fal car ou des viarfun dos de reser va ou reser vas téc ni cas. pena: pri são celu lar de 2 a 10 anos e multade 10:000$000 a 50:000$000.”

em 1940, duas leis tra ta ram a maté ria. em pri mei ro lugar, a lei de socie da -de por ações, regu la men tan do o tema da seguin te forma: “art. 168. observado odis pos to no art. 2º, ns. iX e X, do decreto-lei n. 869, de 18 de novem bro de 1938,incor re rão na pena de pri são celu lar por um a qua tro anos: 1º, os fun da do res,dire to res, geren tes e fis cais, que, em pros pec tos, rela tó rios, pare ce res, balan çosou comu ni ca ções ao públi co ou à assem bléia, fize rem afir ma ções fal sas sobre acons ti tui ção ou as con di ções eco nô mi cas da socie da de ou frau du len ta men teocul ta rem, no todo ou em parte, fatos a elas rela ti vos; 2º, os dire to res, geren tes efis cais que pro mo ve rem, por qual quer arti fí cio, fal sas cota ções das ações ou de outros títu los per ten cen tes à socie da de.”

o Código penal vigen te, do mesmo ano, con tem pla va a mani pu la ção domer ca do em seu art. 177.2 nelson hungria, ao comen tar este crime, traça seus

2 “Fraudes e abu sos na fun da ção ou admi nis tra ção de socie da de por ações art 177. promover a fun da ção desocie da de por ações, fazen do, em pros pec to ou em comu ni ca ção ao públi co ou à assem bléia, afir ma çãofalsa sobre a cons ti tui ção da socie da de, ou ocul tan do frau du len ta men te fato a ela rela ti vo: pena – reclu -são, de 1 (um) a 4 (qua tro) anos, e multa, se o fato não cons ti tui crime con tra a eco no mia popu lar. § 1ºincorrem na mesma pena, se o fato não cons ti tui crime con tra a eco no mia popu lar: i – o dire tor, o geren -te ou o fis cal de socie da de por ações, que, em pros pec to, rela tó rio, pare cer, balan ço ou comu ni ca ção – aopúbli co ou a assem bléia, faz afir ma ção falsa sobre as con di ções eco nô mi cas da socie da de, ou ocul ta frau -du len ta men te, no todo ou em parte, fato a elas rela ti vo; ii – o dire tor, o geren te ou fis cal que pro mo ve,por qual quer arti fí cio, falsa cota ção das ações ou de outros títu los da socie da de; iii – o dire tor ou o geren -te que toma emprés ti mo à socie da de ou usa, em pro vei to pró prio ou de ter cei ro, dos bens ou have res sociais, sem pré via auto ri za ção da assem bléia geral; iv – o dire tor ou o geren te que com pra ou vende, porconta da socie da de, ações por ela emi ti das, salvo quan do a lei o per mi te; v – o dire tor ou o geren te que,como garan tia de cré di to social, acei ta em penhor ou em cau ção ações da pró pria socie da de; vi – o dire tor

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con tor nos prin ci pais: “não impor ta que o fim do agen te, pro mo ven do a falsacota ção, seja no sen ti do da alta ou baixa, ou que seja alcan ça da den tro ou fora daBolsa. a lei pro te ge tanto o inte res se dos intra neis quan to o dos extra neis. trata-se da cria ção de mer ca dos fic tí cios para o enca re ci men to dos títu los da socie da -de (e con se qüen te men te gra ne jo de lucros arti fi ciais), ou, ao con trá rio, para for -çar a baixa de sua cota ção (faci li tan do a com pra deles pela pró pria socie da de,com ou sem inter po si ção de pes soa).”3

heleno Fragoso tam bém ana li sou este tipo penal, ofe re cen do as seguin tescon tri bui ções: “a falsa cota ção das ações de qual quer com pa nhia dará indi ca çãoerrô nea sobre a sua situa ção eco nô mi ca, atrain do capi tais e indu zin do em erro osque fazem tran sa ções com a socie da de. [...] a ação incri mi na da con sis te em pro -mo ver atra vés de qual quer arti fí cio a cota ção falsa das ações ou de outros títu losda socie da de. Cotação falsa é a que não cor res pon de ao valor regu lar do mer ca -do, deter mi na do pela ofer ta e a pro cu ra. o crime somen te pode ser pra ti ca do emrela ção a empre sas cujos títu los têm cota ção regu lar no mer ca do, pois somen teem rela ção a estes pode haver cota ção falsa ou cor re ta.”4

posteriormente, a lei nº 1.521 de 1951, conhe ci da lei dos Crimes con tra aeconomia popular, repe tiu essa dis po si ção.5 tal con du ta nunca foi efe ti va men tepuni da no país, prin ci pal men te pela difi cul da de de detec tar essa sutil forma demani pu la ção. nos últi mos anos, prin ci pal men te em fun ção da espe cia li za ção dos

ou o geren te que na falta de balan ço, em desa cor do com este, ou median te balan ço falso, dis tri bui lucrosou divi den dos fic tí cios; vii – o dire tor, o geren te ou o fis cal que, por inter pos ta pes soa, ou con luia do comacio nis ta, con se gue a apro va ção de conta ou pare cer; viii – o liqui dan te, nos casos dos ns. i, ii, iii, iv, ve vii; iX – o repre sen tan te da socie da de anô ni ma estran gei ra, auto ri za da a fun cio nar no país, que pra ti caos atos men cio na dos nos ns. i e ii, ou dá falsa infor ma ção ao Governo. § 2º incorre na pena de deten ção,de seis meses a dois anos, e multa, o acio nis ta que, a fim de obter van ta gem para si ou para outrem, nego -cia o voto nas deli be ra ções de assem bléia geral.”

3 Comentários ao Código penal. 2. ed. v. vii. rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 288.4 lições de direito penal. v. 1. 10. ed. rio de Janeiro. Forense, 1988, p. 523 e 524.5 “art 1º serão puni dos, na forma desta lei, os cri mes e as con tra ven ções con tra a eco no mia popu lar. esta

lei regu la rá o seu jul ga men to. art 3º são tam bém cri mes dessa natu re za: vi) pro vo car a alta ou baixa depre ços de mer ca do rias, títu los públi cos, valo res ou salá rios por meio de notí cias fal sas, ope ra ções fic tí ciasou qual quer outro arti fí cio; iX) gerir frau du len ta ou teme ra ria men te ban cos ou esta be le ci men tos ban cá -rios, ou de capi ta li za ção; socie da des de segu ros, pecú lios ou pen sões vita lí cias; socie da des para emprés ti -mos ou finan cia men to de cons tru ções e de ven das de imó veis a pres ta ções, com ou sem sor teio ou pre fe -rên cia por meio de pon tos ou quo tas; cai xas eco nô mi cas; cai xas raiffeisen; cai xas mútuas, de bene fi cên -cia, socor ros ou emprés ti mos; cai xas de pecú lio, pen são e apo sen ta do ria; cai xas cons tru to ras; coo pe ra ti vas;socie da des de eco no mia cole ti va, levan do-as à falên cia ou a insol vên cia, ou não cum prin do qual quer dascláu su las con tra tuais com pre juí zo dos inte res sa dos. X) frau dar de qual quer modo escri tu ra ções, lan ça -men tos regis tros, rela tó rios, pare ce res e outras infor ma ções devi das a sócios de socie da des civis ou comer -ciais, em que o capi tal seja fra cio na do em ações ou quo tas de valor nomi na ti vo igual ou infe rior a Cr$1.000,00 com o fim de sone gar lucros, divi den dos, per cen ta gens, rateios ou boni fi ca ções, ou de des fal carou des viar fun dos de reser va ou reser vas téc ni cas. pena – deten ção de dois anos a dez anos e multa de vintemil a cem mil cru zei ros.” sobre a evo lu ção legis la ti va desta maté ria, pedraz zi, Cesare e Costa Júnior, paulo José. tratado de direi to penal eco nô mi co: direi to penal das socie da des anô ni mas. sãopaulo: editora revista dos tribunais, 1973, p. 234. também em pimen tel, manoel pedro. legislaçãopenal especial. são paulo: editora revista dos tribunais, 1972, p. 24 e ss.

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órgãos de con tro le e devi do à imen sa reper cus são das frau des cor po ra ti vas, amani pu la ção do mer ca do ganha impor tân cia.

a lei nº 7.492/86, que regu la men tou gene ri ca men te o sis te ma finan cei ronacio nal, tipi fi cou tam bém várias hipó te ses de frau de ou simu la ção no mer ca dode capi tais, mas dei xou de criar espe ci fi ca men te o crime de mani pu la ção. a leinº 7.492/86 esta be le ceu os tipos penais de tute la de todo sis te ma finan cei ronacio nal, dis ci pli nan do penal men te os mer ca dos finan cei ros, de capi tais e cam -bial. o legis la dor, por inter mé dio da lei nº 10.303/01, criou uma área de tute laespe cí fi ca, segre gan do parte da pro te ção ao mer ca do de capi tais de sua legis la çãogeral. É de se des ta car, no entan to, que os tipos penais do arti go 27, “C”, “d”, “F”não revo gam quais quer dis po si ti vos da lei nº 7.492/86, cui dan do ape nas de algu -mas hipó te ses. a par tir da entra da em vigor da lei nº 10.303/01, que deu novareda ção à lei nº 6.385/76, toda e qual quer frau de ou fal si da de no âmbi to do mer -ca do de capi tais, bus can do-se a alte ra ção de seu regu lar fun cio na men to com ofim de lucro ou de cau sar danos a ter cei ros, obe de ce à regu la men ta ção maisrecen te, espe cial em rela ção ao sis te ma finan cei ro e à lei nº 7.492/86, que nãocon tem pla uni ca men te o mer ca do de capi tais.

trata-se do crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais, bas tan te conhe -ci do no direi to com pa ra do como mar ket abuse. além dos estados unidos, pra ti -ca men te todos os paí ses da Comunidade europeia pos suem tipos penais seme -lhan tes ao art. 27-C. a lei nº 10.303/01 criou pro va vel men te um dos tipos demaior com ple xi da de no direi to penal bra si lei ro, ao exi gir para além do dolo, trêsespe ciais fins de agir (dois con co mi tan tes). de outro lado, como vere mos, embo -ra o tipo sub je ti vo con te nha um dolo de resul ta do, o crime se con su ma inde pen -den te men te da super ve niên cia de qual quer even to.

2. Bem jurí di co tute la do

são esses, basi ca men te, os inte res ses pro te gi dos pela norma: trans pa rên cia,regu la ri da de na for ma ção dos pre ços dos valo res mobi liá rios e igual da de de opor -tu ni da de para o ingres so e a atua ção no mer ca do. modesto Carvalhosa e nelsoneizirik apon tam o bem jurí di co tute la do: “o bem juri di ca men te pro te gi do pelaamea ça penal, no art. 27-C, é gene ri ca men te, o da esta bi li da de do mer ca do decapi tais; mais espe ci fi ca men te, visa a norma a pro te ger o pro ces so de for ma çãode pre ços dos valo res mobi liá rios no mer ca do, evi tan do a sua alte ra ção arti fi cial.os pre ços dos valo res mobi liá rios no mer ca do – ou sua cota ção – devem ser for -mu la dos pelo livre jogo da ofer ta e pro cu ra, refle tin do todas as infor ma ções dis -po ní veis sobre tais ati vos e sobre as com pa nhias emis so ras.”6

6 a nova lei das s.a. são paulo, saraiva, 2002, p. 533-534.

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a tute la é diri gi da à manu ten ção da inte gri da de do mer ca do, no sen ti do dese evi tar a pro fu são de ope ra ções simu la das ou mano bras frau du len tas com o fimespe cí fi co de alte rar o regu lar fluxo dos fato res con di cio nan tes da livre for ma çãodos pre ços dos valo res mobi liá rios. de outro lado, a pro te ção tem como fun çãogaran tir a con fian ça dos par ti ci pan tes, man ten do a expec ta ti va de que as ope ra -ções e os inves ti men tos serão rea li za dos no âmbi to de um mer ca do infor ma dopela inte gri da de e trans pa rên cia.

a pro te ção tem um fim media to de pro te ger o patri mô nio dos par ti ci pan tesenvol vi dos nas ope ra ções finan cei ras com valo res mobi liá rios. isso por que ocrime ocor re mesmo na hipó te se de intan gi bi li da de do patri mô nio alheio, deforma que a obje ti vi da de jurí di ca agora foi tute la da de manei ra mais ampla e sobdife ren te aspec to.

em comen tá rio ver san do sobre os tipos penais anti gos, Cesare pedrazzi epaulo José da Costa Júnior dis cor rem: “ao repri mir as mano bras arti fi cio sas quealte ram o jogo nor mal da ofer ta e da pro cu ra, a lei penal tute la o meca nis mo dafor ma ção dos pre ços no mer ca do de títu los, de inter fe rên cias inde vi das e de per -tur ba ções outras. Beneficiário da tute la penal é, antes de tudo, o públi co emgeral, que cons ti tui a víti ma atin gi da pelas espe cu la ções mais desa bu sa das. [...] omer ca do de títu los repre sen ta setor deli ca do do sis te ma eco nô mi co nacio nal.suas cota ções repre sen tam índi ce dos mais sen sí veis e suges ti vos da evo lu çãocon jun tu ral. Qualquer dese qui lí brio, de ori gem arti fi cio sa, corre o risco de exa -cer bar-se pro vo can do con se qüên cias per tur ba do ras de amplo raio. daí se segueque, esfor çan do-se por asse gu rar ao mer ca do de títu los regu lar fun cio na men to, anorma penal não tute la somen te o públi co dos inves ti do res e dos apli ca do res depeque nas pou pan ças, como ainda toda a eco no mia nacio nal.”7 os auto res sus ten -tam tam bém, de forma cor re ta, que a mani pu la ção no preço das cota ções podeatin gir a pró pria socie da de,8 eis que suas ações pas sam a ter um preço de mer ca -do irreal. essas regras, ver da dei ros prin cí pios irre nun ciá veis de um mer ca dofinan cei ro de cre di bi li da de, pas sa ram agora a ter dig ni da de penal com um tra ta -men to mais acu ra do, espe ci fi can do as anti gas tipi fi ca ções da maté ria.

definidos os inte res ses sub me ti dos à tute la do crime de mani pu la ção domer ca do, é neces sá ria a dis tin ção espe cí fi ca do bem jurí di co tute la do pelos tipos penais da lei nº 7.492/86 e pelo crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais.são basi ca men te dois deli tos da lei dos Crimes con tra o sistema Financeironacional rela cio na dos com a con du ta de mani pu la ção do mer ca do de capi tais:arti gos 4º, caput, e 6º. Quanto à obje ti vi da de jurí di ca do art. 4º, o deli to de ges -

7 op. cit., p. 239 e 240. Faz-se, aqui, ape nas a res sal va de que o termo ‘ especulação’ não deve ser usado comosinô ni mo de mani pu la ção.

8 a hipó te se pode ocor rer, obvia men te, nas situa ções em que a mani pu la ção não for pro du zi da por von ta -de pró pria de seus admi nis tra do res.

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tão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra, já escre ve mos: “a tute la, por tan to, diri -ge-se ime dia ta men te ao sis te ma finan cei ro e, em segun do plano, aos inves ti do resou à eco no mia popu lar. [...] nesse caso, pro cu ra-se esti mu lar o inves ti men to pormeio de um mer ca do de rela ções leais, con tro la do por um com ple xo nor ma ti voque pro cu ra ini bir as prá ti cas frau du len tas median te seve ra san ção penal. [...] ocrime de ges tão frau du len ta, tal como tipi fi ca do na lei 7.492, deve ser con si de -ra do como de peri go abs tra to, prin ci pal men te pela ine xis tên cia de des cri ção doperi go a ser cria do. isso não sig ni fi ca dei xar de demons trar que a con du ta sejaapta a pro du zir o peri go ao sis te ma finan cei ro, à ins ti tui ção ou ao inves ti dor. apoten cia li da de do peri go deve ser com pro va da, não a sua ocor rên cia con cre ta. operi go exi gi do, por tan to, é da cre di bi li da de das ope ra ções finan cei ras, pri mei ra -men te, da ins ti tui ção peran te os inves ti do res e o mer ca do e do mer ca do em rela -ção aos inves ti do res. a ação incri mi na da deve ser poten cial men te capaz de criarnas ins ti tui ções ou nos inves ti do res uma des con fian ça da aus te ri da de, da segu -ran ça e da cre di bi li da de do mer ca do finan cei ro e de capi tais, ou, ainda, comoexige a instrução 08/79 da Cvm, ‘criar con di ções arti fi ciais de deman da, ofer taou preço de valo res mobiliários’, ou como no códi go de valo res mobi liá rios por -tu guês, ‘uma alte ra ção arti fi cial do regu lar fun cio na men to do mer ca do, capaz demodi fi car as con di ções de for ma ção dos pre ços, as con di ções nor mais da ofer taou da pro cu ra de valo res mobi liá rios ou de outros ins tru men tos financeiros’.assim, excluem-se as frau des irre le van tes ao mer ca do ou insig ni fi can tes.”9

a tute la é diri gi da fun da men tal men te à pro te ção das con di ções bási cas defun cio na men to do sis te ma finan cei ro, que neces si ta de abso lu ta con fian ça dosinves ti do res para o seu regu lar desen vol vi men to. um sis te ma finan cei ro semcre di bi li da de seria o cami nho certo para a ruína eco nô mi ca do esta do. segundoJosé Carlos tórtima: “mais uma vez figu ra em pri mei ro plano, como bem jurí di -co tute la do pela norma, a esta bi li da de e a higi dez do sistema Financeironacional, indis pen sá vel à efi cien te exe cu ção da polí ti ca eco nô mi ca do gover no.secundariamente, pro te gem-se, atra vés de seve ra amea ça penal, os inves ti do rese o pró prio mer ca do finan cei ro das funes tas con se qüên cias de pos sí veis que brasde ins ti tui ções, cau sa das pela cupi dez ou irres pon sa bi li da de de seus ges to res.”10

por outro lado, o art. 6º da lei nº 7.492/86 busca garan tir um mer ca do dota -do de leal da de, trans pa rên cia e con fian ça entre seus par ti ci pan tes, inter me diá -rios ou inves ti do res. em rela ção ao bem jurí di co tute la do, pro nun cia-se rodolfotigre maia: “pretende-se, atra vés da norma penal incri mi na do ra, res guar dar acon fian ça ine ren te às rela ções jurí di cas e nego ciais exis ten tes entre os agen tesem atua ção no sis te ma finan cei ro – sócios das ins ti tui ções finan cei ras, inves ti do -

9 Gestão Fraudulenta de instituição Financeira e dispositivos processuais da lei 7.492/86. rio de Janeiro:renovar, 2002, p. 55 e ss.

10 Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacional. 2. ed. rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 30.

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res e os órgãos públi cos que atuam na fis ca li za ção do mer ca do – e, secun da ria -men te, pro te gê-los con tra pre juí zos poten ciais, decor ren tes da omis são ou pres -ta ção falsa de infor ma ções per ti nen tes a ope ra ções finan cei ras da ins ti tui ção, ouacer ca de sua situa ção finan cei ra.”11 paulo José da Costa Júnior sus ten ta que, comtal deli to, o legis la dor pro cu ra asse gu rar “a lisu ra, a pro bi da de e a confiança’’12

das ope ra ções pra ti ca das no âmbi to do sis te ma finan cei ro.existe, por tan to, sim ples men te uma maior espe cia li za ção dos inte res ses

tute la dos pelo novo deli to de mani pu la ção do mer ca do de capi tais em com pa ra -ção com os cri mes da lei nº 7.492/86. entendeu o legis la dor ser neces sá ria a cria -ção de tipos penais espe cí fi cos a tute lar o mer ca do de capi tais. a pro te ção gené -ri ca exer ci da pela lei dos Crimes con tra o sistema Financeiro nacional não maiscon fe ria o devi do ampa ro às exi gên cias de leal da de, trans pa rên cia e cre di bi li da -de que devem nor tear a rea li za ção das ope ra ções finan cei ras.

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

o crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais, tal como defi ni do pelo art.27-C, é comum, ou seja, pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa, pois não exigequal quer qua li da de espe cial do sujei to ativo. talvez o intér pre te pro cu re esta be -le cer uma ine vi tá vel com pa ra ção com a lei nº 7.492/86, que expres sa men teprevê os agen tes com poten cial domí nio do fato sobre as ope ra ções finan cei ras.a con du ta, por exem plo, de ges tão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra, queguar da ínti ma rela ção com a mani pu la ção do mer ca do, sem pre foi com preen di -da como crime pró prio.

a dou tri na é unâ ni me neste sen ti do, como se pode per ce ber pela lição deJosé Carlos tórtima: “tratam o art. 4º e seu pará gra fo único dos cha ma dos cri mespró prios, pois somen te pes soas que dete nham uma par ti cu lar con di ção podemser sujei tos ati vos dos mes mos. no caso, esta con di ção é, em prin cí pio, a do admi -nis tra dor ou con tro la dor da ins ti tui ção finan cei ra.”13 a dou tri na, inclu si ve, afir -ma que o núcleo típi co ‘ gerir’ indi ca con du ta incom pa tí vel, por exem plo, com ado mero geren te de con tas, como dis cor re com habi tual pre ci são nilo Batista: “ogeren te admi nis tra dor de que se trata, aqui, é o ‘geren te sócio ou sócio- gerente’,este últi mo tam bém encon trá vel nas socie da des de res pon sa bi li da de limi ta da,não o geren te pre pos to que exe cu ta pau tas admi nis tra ti vas sobre as quais nadadeci diu [...] ora, quem ousa ria sus ten tar, após apro fun dar seu exame que o ‘ -gerente’ refe ri do na lei é o geren te pre pos to que exe cu ta as linhas admi nis tra ti -vas no res tri to âmbi to de uma filial, e não o geren te admi nis tra dor, sócio ao qual

11 dos Crimes con tra o sistema Financeiro nacional. são paulo: malheiros, 1996, p. 70.12 Crimes do Colarinho Branco. são paulo: saraiva, 2000, p. 87.13 Crimes con tra o sistema Financeiro nacional. rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 41 – grifo nosso.

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elei ção ou con ven ção outor ga reais pode res para diri gir a empre sa? também dapers pec ti va for ma lis ta, empa re lhar o geren te de uma agên cia ban cá ria ao dire tordo banco é ape nas dei xar-se trair pela polis se mia da expres são, e por tan to, inad -mis sí vel.”14 luiz Flávio Gomes tem a mesma opi nião: “em sín te se, sujei to ativo(autor) do crime pre vis to no art. 4º, da lei 7.492/86 uni ca men te pode ser quemdetém fun ção de coman do, de con tro le ou de dire ção da ins ti tui ção finan cei ra.”15

da mesma forma, a juris pru dên cia enten de que há neces si da de do sujei toativo pos suir espe ciais qua li da des.16 toda a maté ria é cons truí da a par tir do art.

14 o con cei to jurí di co-penal de geren te na lei nº 7.492, de 16/6/86. in: Fascículos de Ciências penais. ano3, v. 3, n. 1, porto alegre: sérgio antonio Fabris editor, 1990, p. 33 e ss.

15 notas dis tin ti vas do crime de ges tão frau du len ta. in temas de direito penal econômico. org. robertopodval. são paulo: editora revista dos tribunais, 2000, p. 364.

16 “pro Ces sual penal. haBeas Cor pus. pro Ce di men to inves ti Ga tó rio. Geren te deaGÊn Cia Ban CÁ ria. Frau de na Con Ces são de emprÉs ti mo pes soal. Cri mes Con trao sis te ma Finan Cei ro naCio nal não CaraC te ri za dos. Com pe tÊn Cia da Jus ti çaesta dual. pre Ce den tes do supe rior tri Bu nal de Jus ti ça. ordem par Cial men teCon Ce di da. 1) os cri mes por ora atri buí dos ao pacien te, nas razões do ministério público, a jus ti fi cara ins tau ra ção do pro ce di men to admi nis tra ti vo cri mi nal, não podem ser con si de ra dos, ainda, como come -ti dos con tra o sistema Financeiro nacional, que, na ver da de, é o bem juri di ca men te tute la do pelaConstituição Federal e pela lei nº 7.492/86, por que, em prin cí pio, são meros deli tos patri mo niais, comreper cus são ape nas em uma das agên cias da ins ti tui ção ban cá ria, o que leva à com pe tên cia da Justiçaestadual. 2) por outro lado, para ser sujei to ativo do crime pre vis to no arti go 4º, da lei nº 7.492/86, oagen te tem que ter, ver da dei ra men te, poder de ges tão e de mando sobre a ins ti tui ção finan cei ra, eis quenão basta ser sim ples empre ga do (ban cá rio), mesmo que seja geren te de agên cia. para ser res pon sa bi li -za do penal men te, o poder de ges tão do geren te sobre a ins ti tui ção finan cei ra deve rá res tar demons tra -do. 3) por sua vez, o deli to pre vis to no arti go 19, da lei nº 7.492/86, refe re-se a finan cia men to, que nãose con fun de com emprés ti mo, que, em prin cí pio, é a hipó te se dos autos: con ces são de peque nos emprés -ti mos – cré di to pes soal. 4) logo, em prin cí pio, a com pe tên cia é da Justiça estadual, eis que na lei nº7.492/86, que é norma espe cial, o bem jurí di co tute la do é o sis te ma finan cei ro e a ordem eco nô mi ca.assim sendo, quan do a con du ta do agen te não amea ça esses bens, não há que se falar em crime con tra osistema Financeiro nacional. 5) ordem par cial men te con ce di da, para decla rar a com pe tên cia da Justiçaestadual, sem anu la ção dos atos pra ti ca dos, que pode rão ser per fei ta men te rati fi ca dos no Juízo com pe -ten te, con for me pre ce den te da col. suprema Corte, eis que o pro ce di men to admi nis tra ti vo cri mi nalencon tra-se em fase de inves ti ga ção.” (trF 1ª região – hC 01000110108-mt – rel. desem Bar Ga dorFede ral plau to riBei ro – dJ 21/06/2002, p. 110) “penal – Crime Con tra o sis te maFinan Cei ro naCio nal – Ges tão teme rÁ ria de ins ti tui ção Finan Cei ra – parÁ Gra -Fo úniCo do art. 4º da lei 7.492/86 – oCor rÊn Cia – emprÉs ti mos Con Cei dos porGeren te Com limi ta dos pode res de Ges tão – ati pi Ci da de de Con du ta. 1. a lei7.492/86 defi ne cri mes con tra o sistema Financeiro nacional, pelo que o bem jurí di co tute la do de ime -dia to não é ins ti tui ção em si, mas o con jun to de ins ti tui ções finan cei ras cuja fun ção é “pro mo ver o desen -vol vi men to equi li bra do do país e ser vir aos inte res ses da cole ti vi da de”, con for me pre vi são do art. 192 daConstituição Federal. 2. a ges tão teme rá ria é puni da não pelo risco que repre sen ta para a pró pria ins ti -tui ção, mas pela inter fe rên cia noci va que tem no sis te ma finan cei ro, não se enqua dran do na figu ra penala má con du ção dos negó cios da ins ti tui ção ou a ino pe rân cia ou incom pe tên cia de seus admi nis tra do res,exce to quan do afe ta rem a nor ma li da de do mer ca do finan cei ro e que tenham eles agido com dolo. 3. nãopra ti ca o crime de ges tão teme rá ria de ins ti tui ção finan cei ra o geren te de agên cia ban cá ria que, dota dode limi ta dos pode res de deci são, não influi nos des ti nos da com pa nhia. a con ces são de emprés ti mos sema neces sá ria cau te la ou em desa cor do com as nor mas inter nas da ins ti tui ção, mesmo que deles tenhaocor ri do pre juí zo, situa-se no campo da falta tra ba lhis ta, sem reper cus são no campo penal. 4. apelaçãoa que se dá pro vi men to.” (trF 1ª região aCr 01000145605/dF – rel. Juiz osmar toG no lo dJ30/09/1999, p. 97)

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25 da lei dos Crimes con tra o sistema Financeiro nacional.17 no caso do crimede mani pu la ção do mer ca do de capi tais, como esta mos tam bém dian te de ope ra -ções pra ti ca das no sis te ma finan cei ro nacio nal pelos inter me diá rios legi ti ma -men te auto ri za dos a ope rar, a ten dên cia seria de inter pre tar o crime de acor docom o art. 25 da lei nº 7.492. entretanto, não é per mi ti do ao intér pre te criar ele -men tos não pre vis tos no tipo penal para o fim de res trin gir os seus des ti na tá rios.o tipo penal não faz men ção ao poder de ges tão ou admi nis tra ção em ins ti tui çãofinan cei ra ou socie da de com ações nego cia das no mer ca do de capi tais e tam bémnão exige a qua li da de de inves ti dor.

o crime, por tan to, é comum quan to ao sujei to ativo. admite-se da mesmaforma, a pos si bi li da de do con cur so de pes soas na rea li za ção do crime, de acor docom o dis pos to no art. 29 do Cp.

heleno Fragoso afir ma va que “sujei to pas si vo é o titu lar do bem jurí di cotute la do com a incri mi na ção de deter mi na do fato”.18 nos cri mes em que se tute -lam inte res ses cole ti vos, o estado geral men te é o titu lar do bem jurí di co atin gi -do. no crime de mani pu la ção do mer ca do, o ofen di do ime dia to, então, é oestado, pois, como já se afir mou, a cre di bi li da de, a trans pa rên cia e a regu la ri da -de do fun cio na men to do mer ca do de capi tais são inte res ses que trans cen dem amera expec ta ti va dos agen tes finan cei ros envol vi dos. esse inte res se é exer ci dopela ati vi da de de regu la men ta ção e super vi são da Cvm, autar quia fede ral, deten -to ra do dever de zelar pelo fun cio na men to líci to do mer ca do de capi tais. É claroque, como o pró prio tipo prevê a pos si bi li da de de pre juí zo alheio, há a pos si bi li -da de de o par ti cu lar (inves ti dor) tam bém ser víti ma da ação cri mi no sa, lesan doo seu patri mô nio, ainda que a con su ma ção, como se viu, inde pen da deste resul -ta do. a esse res pei to, Carvalhosa e eizirik con cluem da mesma manei ra: “osujei to pas si vo, em pri mei ro lugar, é o estado, titu lar do inte res se con sis ten te namanu ten ção do regu lar fun cio na men to do mer ca do de valo res mobi liá rios.secundariamente, podem ser sujei tos pas si vos os indi ví duos lesa dos com o crimede mani pu la ção.”19

17 Já tive mos a opor tu ni da de de tra tar o tema: “aquele que tem o coman do do desen vol vi men to da ação puní -vel é deno mi na do sujei to ativo do crime. a ocor rên cia do even to ou da con du ta des cri tos tipi ca men te depen -de de sua ação, posi ti va ou omis si va. É quem pra ti ca o núcleo do tipo obje ti vo, o fato incri mi na do, por tan -do, tam bém, as con di ções sub je ti vas exi gi das para a con fi gu ra ção do deli to. o crime é clas si fi ca do, tendo emvista a pos si bi li da de de comis são pelo sujei to ativo, em pró prio ou comum. a ges tão frau du len ta é emi nen -te men te um deli to pró prio, exi gin do-se o domí nio do fato por, no míni mo, uma das pes soas elen ca das no art.25 da lei 7.492/86: ‘são penal men te res pon sá veis, nos ter mos desta lei, o con tro la dor e os admi nis tra do resde ins ti tui ção finan cei ra, assim con si de ra dos os dire to res, geren tes (vetado). 1º equiparam-se aos admi nis -tra do res de ins ti tui ção finan cei ra (vetado) o inter ven tor, o liqui dan te ou o síndico’. este arti go, basi ca men -te, esta be le ce os sujei tos ati vos dos cri mes des cri tos na lei. embora exis tam alguns tipos penais comuns, aregra dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro é a exis tên cia de deli tos pró prios, ou seja, cri mes que exi gemuma espe cial qua li da de do agen te.” (Gestão frau du len ta, op. cit., p. 62 e 63).

18 lições de direito penal. 10. ed. rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 338.19 op. cit., p., 541.

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além do inves ti dor, mere ce lem brar que as empre sas atin gi das com a mani -pu la ção das cota ções de suas ações, ou até mesmo enti da des como as bol sas devalo res, depen den do do caso, pode rão ser con si de ra das como sujei tos pas si vos docrime de mani pu la ção do mer ca do. neste tipo de crime, aliás, o pre juí zo decor -ren te da mani pu la ção geral men te atin ge, além do pró prio estado, um gran denúme ro de inves ti do res e com pa nhias.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

É pre ci so, em pri mei ro plano, tra tar da natu re za da pro te ção exer ci da sobreo mer ca do finan cei ro. o legis la dor tem cria do no campo do direi to penal eco nô -mi co, basi ca men te, deli tos de peri go abs tra to, em detri men to de tipos penais delesão ou de peri go con cre to. essa ten dên cia acaba estru tu ran do a regu la men ta -ção penal em cri mes de “infra ção de dever”, des lo can do o eixo cen tral do direi -to penal como limi ta dor do poder puni ti vo para um con jun to de nor mas que,mera men te, impõe a von ta de do estado peran te a cole ti vi da de. a uti li za ção dessacate go ria de tipos penais agra va o pro ble ma da pro por cio na li da de do direi topenal, como bem sin te ti zam zaffaroni, nilo Batista e outros: “simplesmente seafir ma que o direi to penal deve esco lher entre irra cio na li da des, dei xan do pas saras de menor con teú do; o que ele não pode é admi tir que a essa natu re za irra cio -nal do poder puni ti vo se agre gue um dado de máxi ma irra cio na li da de, por meiodo qual sejam afe ta dos bem jurí di cos de uma pes soa em des pro por ção gros sei racom a lesão que ela cau sou.”20

nos cri mes de peri go abs tra to, o legis la dor cri mi na li za uma con du ta inde -pen den te da lesão que, na prá ti ca, ela possa pro du zir. em uma lei tu ra inver sa,nos cri mes de peri go abs tra to, a puni ção é, na maior parte das vezes, diri gi da àcon du ta que não pro vo cou qual quer lesão ou mesmo peri go ao inte res se supos -ta men te pro te gi do pela norma. a pro li fe ra ção dos tipos penais de peri go abs -tra to no domí nio do direi to penal eco nô mi co é cap ta da por Figueiredo dias,que assim trata do tema: “É, no entan to, ao nível do facto que se depa ra rão maisnume ro sas espe cia li da des dos tipos-incri mi na do res no direi to penal secun dá -rio. Constitui este um campo fér til de deli tos de peri go abs trac to, dada por umlado a natu re za supra-indi vi dual dos bens jurí di cos pro te gi dos e, por outrolado, a von ta de do legis la dor de criar para eles um ‘campo de pro tec ção antecipada’. [...] os deli tos de peri go abs tra to são dog ma ti ca men te acei tá veis –e jurí di co-cons ti tu cio nal men te inob jec tá veis – se e na medi da em que for neles

20 zaF Fa ro ni, e. raúl, Batis ta, nilo, ala Gia, alejandro, slo Kar, alejandro. direito penalBrasileiro. rio de Janeiro: revan, 2003, p. 230-231.

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res pei ta do o prin cí pio da deter mi na bi li da de do tipo e afas ta da qual quer pre -sun ção de culpa [...]”21

some-se a isso a rea li da de do direi to penal eco nô mi co, comi nan do san çõesextre ma men te gra ves a essas hipó te ses, obten do-se um resul ta do de des pro por -ções imen sas no campo da repres são penal. a opção cor re ta do legis la dor seria atipi fi ca ção do crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais como deli to deresul ta do, per mi tin do-se a puni ção da ten ta ti va, quan do a fina li da de de alte ra çãoou cria ção de uma rea li da de arti fi cial não fosse obti da. proibindo ope ra ções que,em tese, podem pro vo car a mudan ça do regu lar desen vol vi men to do mer ca do,optou o legis la dor por uma fór mu la arris ca da e peri go sa à estru tu ra do direi topenal, fun da do na base sóli da dos prin cí pios da lesi vi da de e pro por cio na li da de.além disso, reme te rá o apli ca dor do direi to a dis cus sões pro ba bi lís ti cas, a con ju -gar ele men tos impre vi sí veis, como a even tual cria ção de uma deman da arti fi cial.não se exige que os inves ti do res sejam indu zi dos em erro, mas somen te que asope ra ções tenham essa apti dão.

Cotejando-se tal figu ra com o este lio na to, per ce be-se uma ante ci pa ção domomen to de proi bi ção a um está gio claro de pre pa ra ção da con du ta. no crime daparte espe cial, exige-se, para a con fi gu ra ção da ten ta ti va, o indu zi men to em erro.para a con su ma ção, a veri fi ca ção do pre juí zo. em resu mo, o este lio na to exigepara a sua con fi gu ra ção o empre go, pelo agen te, de arti fí cio, ardil ou qual queroutro meio frau du len to, o indu zi men to ou a manu ten ção da víti ma em erro, aobten ção de van ta gem patri mo nial ilí ci ta e o pre juí zo alheio.

o erro, por sua vez, “deve pree xis tir à obten ção da van ta gem ilí ci ta”. aoenga no pro vo ca do pelo agen te “deve cor res pon der o erro do lesa do que con du -za à dis po si ção patri mo nial”, exi gin do-se, pois, “uma rela ção cau sal entre um eoutro”, con soan te o magis té rio de Fragoso.22 noutras pala vras, ine xis tin do o erropré vio da víti ma, sequer se ini cia o iter cri mi nis do este lio na to.

no crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais, não. o indu zi men to emerro já con fi gu ra o crime, mesmo que, por mais absur do que pare ça, o inves ti dorque com prou o papel acre di tan do – ainda que erro nea men te – na liqui dez dotítu lo, possa ter lucro com a ope ra ção. a cria ção do crime como de peri go abs -tra to pro duz essa dis tor ção insu pe rá vel ao intér pre te.

dessa hipó te se, nasce uma das prin ci pais pre mis sas do deli to, que se con su -ma inde pen den te men te de lucro ou pre juí zo ao inves ti dor. o “pre juí zo” refe re-se à cre di bi li da de, à trans pa rên cia e à leal da de, prin cí pios irre nun ciá veis do mer -ca do de valo res mobi liá rios. pode-se sus ten tar que a tipi fi ca ção pro cu ra mera -

21 para uma dog má ti ca do direito penal secundário. um con tri bu to para a refor ma do direito penal eco -nômico e social português in temas de direito penal econômico. org. roberto podval. são paulo: editorarevista dos tribunais, 2000, p. 51.

22 op. cit., p. 452.

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men te pre ser var as “ regras do jogo”,23 ou seja, as nor mas de trans pa rên cia, éticae igual da de entre os inves ti do res e seus inter me diá rios nas apli ca ções no mer ca -do finan cei ro.

se essa foi a inten ção, cabe rá ques tio nar a legi ti mi da de de tal incri mi na ção,ou a neces si da de efe ti va do legis la dor uti li zar o direi to penal para cum prir talmeta ou, ainda, dis cu tir se o direi to penal, extre ma ratio do sis te ma jurí di co,deve-se pres tar a uma fun ção ins tru men tal de manu ten ção e repres são de deter -mi na do mode lo eco nô mi co. pouco se tem exa mi na do a res pei to da dig ni da dedeste obje to de tute la do direi to penal.24

a rea li da de é que o direi to penal vem sendo indis tin ta men te uti li za do comorefor ço das nor mas admi nis tra ti vas de impo si ção de deve res na repres são às con -du tas des vian tes no setor eco nô mi co, em uma inver são lógi ca de sua carac te rís -ti ca sub si diá ria.25 Faria Costa ofe re ce uma pro ce den te crí ti ca con tra a argu men -ta ção de que os cri mes de peri go abs tra to cum prem uma impor tan te mis são pre -ven ti va: “[...] não é pelo fato de se cri mi na li za rem com por ta men tos que deter mi -nam situa ções de pôr-em-peri go que a pre ven ção cri mi nal aumen ta; ela fica naexac ta posi ção em que fica ria se, em vez de se cri mi na li za rem as con du tas de pôr-em-peri go, se tives sem cri mi na li za do con du tas fau to ras de dano/vio la ção. o queaumen ta, como já se demons trou abun dan te men te, com a defi ni ção de cri mes deperi go, é a pró pria puni bi li da de. porém, o alar ga men to da puni bi li da de não sig -ni fi ca, obvia men te, aumen to da pre ven ção.”26

estabelecidas estas pre mis sas crí ti cas ini ciais, cabe, agora, tra çar os con tor -nos fun da men tais des cri tos obje ti va men te pelo tipo penal de mani pu la ção domer ca do. na nor ma ti za ção bra si lei ra, há uma pro te ção gené ri ca do mer ca dofinan cei ro, não sendo espe ci fi ca do con cre ta men te o que pode ser obje to de alte -ra ção arti fi cial. no cote jo com a des cri ção dos tipos obje ti vos do direi to com pa -ra do, o intér pre te per ce be rá dife ren tes for mas uti li za das pelo legis la dor de tute -lar o inte res se jurí di co.

23 tulio padovani citan do, inclu si ve, Cesare pedrazzi in diritto pena le della pre ven zio ne e mer ca tofinan zia rio in rivista italiana di diritto e procedura penale. milano: Giuffrè, 1995, fasc. 3, p. 641.

24 o ques tio na men to da legi ti mi da de da cria ção dos cri mes de peri go abs tra to é tra ta do com pro prie da de porJosé Francisco de Faria Costa: “o pro ble ma que aqui se colo ca é bem outro: até onde pode ir, legi ti ma -men te, o alar ga men to do campo de pro tec ção dos bens jurí di cos, quan do se sabe que esse alar ga men to cor -res pon de à aná lo ga expan são da deter mi na ção puni ti va que mais não é do que idên ti ca res tri ção dos direi -tos fun da men tais?” (o perigo em direito penal. Coimbra: Coimbra editora, 1992, p. 574).

25 Com uma abor da gem crí ti ca, urs Kindhauser ques tio na a legi ti mi da de des tes tipos penais: “de esta forma,no se pro te gen, por ejem plo, las con di cio nes bási cas obje ti vas del desar rol lo segu ro de los bie nes, sino quese pena li zan accio nes en un esta do de pre pa ra ción. […] delitos de este tipo casi no se pue den jus ti fi car,ya que ellos no crean una pro tec ción genui na, sino que ade lan tan el injus to sin hacer rela ción a un menos -ca bo obje ti vo de la segu ri dad. aquí no se eje cu ta nin gu na pro tec ción más a los bie nes jurí di cos, la cual nopudie ra ser efec tua da en toda su exten sión por deli tos con rele van cia obje ti va de peli gro o de lesión.”(derecho penal de la cul pa bi li dad y con duc ta peli gro sa. trad. Claúdia lopez díaz. universidad externadode Colombia. 1996, p. 89.)

26 idem, p. 575.

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talvez por que a maté ria obje to de regu la men ta ção pos sua uma com ple xi da -de razoá vel, as legis la ções com pa ra das não rara men te for ne cem ao apli ca dor ele -men tos indi ciá rios das ações típi cas em dis po si ti vos de inter pre ta ção autên ti ca danorma penal.

note-se, por exem plo, que a legis la ção ita lia na, por inter mé dio do art. 181do tuF, punia a mani pu la ção apta a pro vo car uma sen sí vel alte ra ção do preçodos ins tru men tos finan cei ros ou a apa rên cia de um mer ca do ativo (sen si bi le alte -ra zio ne del prez zo di stru men ti finan zia ri o l’apparenza di un mer ca to atti vo).em outra regu la men ta ção, o legis la dor, repe tin do esta fór mu la, exi giu que asope ra ções sejam con cre ta men te idô neas a pro vo car uma sen sí vel alte ra ção dopreço dos ins tru men tos finan cei ros, quo ta dos ou não (con cre ta men te ido nei apro vo ca re una sen si bi le alte ra zio ne del prez zo di stru men ti finan zia ri, quo ta ti onon quo ta ti). além disso, criou uma alter na ti va um tanto sub je ti va, dis pon do queo aggio tag gio finan zia rio era carac te ri za do se as ope ra ções inci dis sem sobre a con -fian ça que o públi co depo si ta va na esta bi li da de patri mo nial dos ban cos ou dosgru pos ban cá rios ( sull’affidamento che il pub bli co ripo ne nella sta bi li tà patri mo -nia le di ban che o di grup pi ban ca ri). parece claro que o legis la dor ita lia no trou xeao tipo penal o inte res se gene ri ca men te tute la do, evi den cian do o aspec to alta -men te abs tra to do requi si to típi co da con fian ça públi ca. mas, em que pese essadefi ciên cia, excluem-se do âmbi to de puni ção prá ti cas ilí ci tas que não pro du zemalte ra ções nas cota ções, que dei xem de atri buir falsa liqui dez a um ativo des pro -vi do desta qua li da de ou que não cau sem abalo na con fian ça do mer ca do.

mais recen te men te, aca tan do a nor ma ti va comu ni tá ria de 2004, a itálianova men te regu lou a maté ria, na lei nº 62/05, deno mi nan do de mani po la zio nedel mer ca to, a con du ta de “quem difun de notí cias fal sas ou exe cu ta ope ra çõessimu la das ou outros arti fí cios idô neos a pro vo car uma sen sí vel alte ra ção do preçodos ins tru men tos finan cei ros”. a san ção é de reclu são de um a seis anos.27

da mesma manei ra em portugal, expli ci tan do a lei, em seu art. 379, que aalte ra ção do mer ca do de valo res mobi liá rios ocor re somen te nas hipó te ses emque a con du ta do agen te seja capaz de “modi fi car as con di ções de for ma ção dospre ços, as con di ções nor mais da ofer ta ou da pro cu ra de valo res mobi liá rios oude outros ins tru men tos finan cei ros ou as con di ções nor mais de lan ça men to e deacei ta ção de uma ofer ta públi ca”.

na legis la ção nacio nal, per ce be-se a ausên cia de des cri ção típi ca do que éobje to de tute la e, até mesmo, do peri go a ser cria do, como fazem deter mi na daslegis la ções com pa ra das, pre fe rin do o legis la dor a ado ção de uma fór mu la gené ri -

27 art. 185. (manipolazione del mer ca to) – 1. Chiunque dif fon de noti zie false o pone in esse re ope ra zio nisimu la te o altri arti fi zi con cre ta men te ido nei a pro vo ca re una sen si bi le alte ra zio ne del prez zo di stru men tifinan zia ri, è puni to con la reclu sio ne da uno a sei anni e con la multa da euro ven ti mi la a euro cin quemilio ni.

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ca. em outras pala vras, o tipo obje ti vo, embo ra longo, faz men ção uni ca men te aopró prio bem jurí di co tute la do: “regu lar fun cio na men to dos mer ca dos de valo resmobi liá rios em bolsa de valo res, de mer ca do rias e de futu ros, no mer ca do de bal -cão ou no mer ca do de bal cão orga ni za do.” percebe-se, então, que o tipo obje ti voalude ape nas à alte ra ção do “regu lar fun cio na men to dos mer ca dos”. deve-se,por tan to, cons truir o con cei to de “regu la ri da de” ou, de outro lado, “arti fi cia li da -de” nas ope ra ções prá ti cas rea li za das no mer ca do de capi tais.

a dou tri na com pa ra da cos tu ma dife ren ciar a forma de mani pu la ção do mer -ca do, de acor do com o meio empre ga do para a obten ção do fim dese ja do de alte -rar o seu regu lar fun cio na men to. sustenta-se, então, a exis tên cia de duas cate go -rias dis tin tas: mani pu la ção com base em ope ra ções e mani pu la ções por inter mé -dio de infor ma ções.28 essa con du ta, como se verá opor tu na men te, tem sus ci ta doinú me ros deba tes a res pei to da pos si bi li da de de seu enqua dra men to nas hipó te -ses de mani pu la ção do mer ca do, eis que se situa no limi te da lici tu de das ope ra -ções, con fun din do-se com o fenô me no da espe cu la ção.

a per fei ta com preen são do com ple to teor do tipo penal – ainda que não setrate de norma em bran co – e as dis tin tas for mas de ocor rên cia da mani pu la çãodo mer ca do devem pas sar obri ga to ria men te pelo estu do da resolução 08/79 daCvm, que defi ne hipó te ses de infra ção grave come ti da no âmbi to do mer ca do decapi tais: “É veda da aos admi nis tra do res e acio nis tas de com pa nhias aber tas, aosinter me diá rios e aos demais par ti ci pan tes do mer ca do de valo res mobi liá rios, acria ção de con di ções arti fi ciais de deman da, ofer ta ou preço de valo res mobi liá -rios, a mani pu la ção de preço, a rea li za ção de ope ra ções frau du len tas e o uso de

28 marcelo minenna dis tin gue esses dois gêne ros: “la mani po la zio ne dell’andamento di um tito lo su ummer ca to finan zia rio (c.d. aggio ta gio) è fina liz za ta a cam biar ne il prez zo, oppu re la per ce zio ne del vaorefon da men ta le del tito lo da parte degli agen ti sul mer ca to. Questo com por ta men to può esse re attua tosecun do due moda li tà: la mani po la zio ne ope ra ti va (c.d. mar ket based mani pu la tion) e la mani po la zio neinfor ma ti va (c.d. infor ma tion based mani pu la tion). la prima forma di mani pu la zio ne si rea liz za diret ta -men te sui mer ca ti finan zia ri attra ver so l’effettuazione di ope ra zio ni di nego zia zio ne (anche simu la te). lasecon da con sis te inve ce nella dif fu sio ne di infor ma zio ni flase o ten den zio se rela ti ve alle socie tà emi ten tei tito li quo ta ti sui mer ca ti finan zia ri.”(l’individuazione di feno me ni di abuso di mer ca to nei mer ca ti finan zia ri: um approc cio quan ti ta ti vo. inQuaderni di Finanza – studi e richerche. Consob, n. 54 – mag gio 2003, p. 5.) na mesma linha, iden ti fi -can do a exis tên cia das duas cate go rias desde as pri mei ras ocor rên cias de casos de mani pu la ção, pro nun -ciam-se Franklin allen e douglas Gale: “the evi den ce unco ve red by the senate Committee led to exten -si ve pro vi sions in the securities exchange act of 1934 to eli mi na te mani pu la tion. the kinds of mani pu -la tion that the act effec ti vely outla wed fall natu rally into two cate go ries. the first can be des cri bed as action-based mani pu la tion, that is, mani pu la tion based on actions that chan ge the actual or per cei vedvalue of the assets […] the second cate gory can be des cri bed as infor ma tion-based mani pu la tion, that is,mani pu la tion based on relea sing false infor ma tion or sprea ding false rumors.” Franklin allen e douglasGale citam uma ter cei ra moda li da de de mani pu la ção, deno mi na da trade-based mani pu la tion, assim defi -ni da: “it occurs when a tra der attempts to mani pu la te a stock simply by buying and then sel ling, without taking any publicly obser va ble actions to alter the value of the firm or relea sing false infor ma tion to chan -ge the price” (stock-price mani pu la tion. in the review of Financial studies, v. 5, n. 3, 1992, p. 505. –http://www.rfs.oup jour nals.org).

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prá ti cas não eqüi ta ti vas. ii – para os efei tos desta instrução con cei tua-se como:a) con di ções arti fi ciais de deman da, ofer ta ou preço de valo res mobi liá rios aque -las cria das em decor rên cia de nego cia ções pelas quais seus par ti ci pan tes ou inter -me diá rios, por ação ou omis são dolo sa pro vo ca rem, dire ta ou indi re ta men te,alte ra ções no fluxo de ordens de com pra ou venda de valo res mobi liá rios; b)mani pu la ção de pre ços no mer ca do de valo res mobi liá rios, a uti li za ção de qual -quer pro ces so ou arti fí cio des ti na do, dire ta ou indi re ta men te, a ele var, man ter oubai xar a cota ção de um valor mobi liá rio, indu zin do, ter cei ros à sua com pra evenda; c) ope ra ção frau du len ta no mer ca do de valo res mobi liá rios, aque la emque se uti li ze ardil ou arti fí cio des ti na do a indu zir ou man ter ter cei ros em erro,com a fina li da de de se obter van ta gem ilí ci ta de natu re za patri mo nial para aspar tes na ope ra ção, para o inter me diá rio ou para ter cei ros; d) prá ti ca não eqüi ta -ti va no mer ca do de valo res mobi liá rios, aque la de que resul te, dire ta ou indi re -ta men te, efe ti va ou poten cia li da de, um tra ta men to para qual quer das par tes, emnego cia ções com valo res mobi liá rios, que a colo que em uma inde vi da posi ção dedese qui lí brio ou desi gual da de em face dos demais par ti ci pan tes da ope ra ção.”

o deba te neces sá rio, nesse ponto, é des ven dar o con teú do da norma penal,infe rin do da tipi fi ca ção aqui lo que efe ti va men te seja capaz de “alte rar arti fi cial -men te o regu lar fun cio na men to dos mer ca dos de valo res mobi liá rios”. a ins tru -ção 08/79 veda a cria ção de qua tro situa ções no âmbi to do mer ca do finan cei ro:a) cria ção de con di ções arti fi ciais de deman da, ofer ta ou preço de valo res mobi -liá rios, b) a mani pu la ção de preço, c) a rea li za ção de ope ra ções frau du len tas e d)o uso de prá ti cas não equi ta ti vas. todas essas ope ra ções, agora, pas sam a ter ainci dên cia do art. 27-C da lei nº 10.303/01. vem daí a impor tân cia da aná li se dasnor mas admi nis tra ti vas, espe cial men te a instrução 08/79, que con cei tua cadauma das hipó te ses.

a pri mei ra situa ção a ser ana li sa da é a cria ção de: “a) con di ções arti fi ciais dedeman da, ofer ta ou preço de valo res mobi liá rios”, carac te ri za das como “aque lascria das em decor rên cia de nego cia ções pelas quais seus par ti ci pan tes ou inter me -diá rios, por ação ou omis são dolo sa pro vo ca rem, dire ta ou indi re ta men te, alte ra -ções no fluxo de ordens de com pra ou venda de valo res mobi liá rios”.

nesse caso, a con du ta do agen te rea li zan do ope ra ções finan cei ras cria umafalsa repre sen ta ção da rea li da de do mer ca do de capi tais. as con di ções nor mais dedeman da, ofer ta ou preço de valo res mobi liá rios são alte ra das de modo arti fi cialpelas ope ra ções pra ti ca das. tais ações com pro me tem o nor mal desen vol vi men todos fato res que influen ciam a for ma ção da deman da, ofer ta e dos pre ços no âmbi -to do mer ca do.

assim, o mer ca do, em sua livre for ma ção, é mani pu la do, trans for ma do arti -fi cial men te e os inves ti do res aca bam indu zi dos em erro, pois podem acre di tarque deter mi na do valor mobi liá rio teve sua deman da, ofer ta ou preço livre men -te for ma dos, quan do, em ver da de, tais qua li da des não são intrín se cas ao títu lo,mas arti fi cial men te pro du zi das. o inves ti dor é, ao mesmo tempo, um par ti ci pan -

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te e um espec ta dor do mer ca do finan cei ro. visualizando deter mi na da ação sendonego cia da por outros par ti ci pan tes de manei ra simu la da pelo valor “x”, cer ta -men te é indu zi do a erro, pois acre di ta rá que o valor intrín se co da ação vale efe -ti va men te “x”, e não, por exem plo, “x-1”.

em outra hipó te se não dire ta men te rela cio na da ao valor do títu lo surge opro ble ma de sua liqui dez. simulando-se uma série de ope ra ções com a ação “y”,o inves ti dor pode acre di tar em uma falsa rea li da de, ou seja, de que aque le deter -mi na do ativo pos sui uma alta deman da. essas ope ra ções frau du len tas, simu lan douma rea li da de ine xis ten te, aca bam por levá-lo a adqui rir a ação e, pos te rior men -te, des co bre-se a baixa liqui dez do papel.

a mani pu la ção do mer ca do é resul ta do, geral men te, da arti fi cia li da de dademan da pro du zi da pelas ope ra ções de com pra e venda entre con tra par tes pre -via men te ajus ta das, que o direi to com pa ra do chama de match orders, crian douma apa ren te deman da por uma ação que, em ver da de, não refle te a rea li da dedas nor mais con di ções de for ma ção livre do mer ca do. assim, pela deman da epelos pre ços arti fi cial men te cria dos pelas ope ra ções fic tí cias, o inves ti dor é indu -zi do a acre di tar que deter mi na do valor mobi liá rio tem um preço e uma pro cu raatra ti va, aca ban do por adqui ri-lo median te uma falsa repre sen ta ção da rea li da de.tempos depois, o inves ti dor de posse do papel não con se gue mais vendê-lo, poisa deman da (pro cu ra) pelo papel era simu la da e o preço pago não repre sen ta ovalor intrín se co e real do títu lo.

o obje to da ação incri mi na da pode ser tanto o preço da ação, simu la da men -te alte ra do pelas ope ra ções, quan to a deman da, a liqui dez do títu lo, cria da deforma arti fi cial por ope ra ções irreais. assim, o agen te que empre ga ope ra çõessimu la das ou outras mano bras frau du len tas que impor tem na cria ção de con di -ções arti fi ciais de deman da, ofer ta ou preço de valo res mobi liá rios pro vo ca ine -vi ta vel men te a mani pu la ção do mer ca do, pela capa ci da de ine vi tá vel de “alte rararti fi cial men te o regu lar fun cio na men to dos mer ca dos de valo res mobi liá rios”.

a ins tru ção 08/79 – Cvm cuida tam bém da mani pu la ção de pre ços, assimcon cei tua da: “b) mani pu la ção de pre ços no mer ca do de valo res mobi liá rios, a uti-lização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, aelevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo terceiros àsua compra e venda.”

a mani pu la ção de pre ços é prá ti ca que se con fun de com a cria ção arti fi cialde deman da, ofer ta ou preço de valo res mobi liá rios. em ambas as situa ções, opreço do títu lo não cor res pon de ao seu ver da dei ro valor em fun ções de con du tasfrau du len tas ou simu la das rea li za das pelos inter me diá rios finan cei ros. entre -tanto, a cria ção de situa ção arti fi cial de deman da, ofer ta ou preço envol ve, geral -men te, ope ra ções pra ti ca das em detri men to de um menor núme ro de inves ti do -res. na maio ria das vezes, a ili ci tu de é empre ga da pelo inter me diá rio em açõesda pró pria car tei ra con tra seus clien tes, assim como na infra ção de uti li za ção deprá ti cas não equi ta ti vas. a mani pu la ção por meio da cria ção de prá ti ca não equi -

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ta ti va se dá exa ta men te no pro ces so de inter me dia ção entre o inves ti dor e o títu -lo dese ja do em bene fí cio da ins ti tui ção ou de ter cei ro inte res sa do.

Já na con du ta de mani pu la ção de pre ços, as ope ra ções empre ga das têmcomo foco prin ci pal o pró prio valor mobi liá rio em fun ção de deter mi na da posi -ção acio ná ria do inter me diá rio finan cei ro ou de certo clien te. o ilí ci to é pra ti ca -do em detri men to de todo mer ca do de capi tais, abs tra ta men te lesi vo a todas ascon tra par tes da ope ra ção. nessa hipó te se, o deten tor das ações mani pu la o preçosem uma víti ma espe cí fi ca.

o com por ta men to ile gal des ti na-se a ele var, man ter ou bai xar a cota ção deum valor mobi liá rio, indu zin do ter cei ros à com pra ou venda em face do errogera do pela mani pu la ção do preço do ativo. a mani pu la ção feita para aumen tara cota ção é empre ga da com o fim de ven der deter mi na da posi ção aos inves ti do -res. a mani pu la ção rea li za da para bai xar, de outro lado, é des ti na da a com prarações em poder ter cei ros por um valor menor do que o real para a obten ção delucro futu ro. a hipó te se de manu ten ção mani pu la da do valor da ação ser vi rápara o fim de evi tar a des va lo ri za ção de um ativo em poder do inter me diá rio,impe din do-se, de manei ra ilí ci ta, a ocor rên cia de pre juí zo na pró pria car tei ra emdetri men to das posi ções opos tas.29

Questão polê mi ca seria a ocor rên cia do efei to inver so da inten ção do agen -te mani pu la dor. ou seja, a ope ra ção simu la da empre ga da des ti na-se ao aumen tofic tí cio do valor da ação. Contudo, as for ças con di cio nan tes do mer ca do podemope rar em sen ti do inver so à inten ção frau du len ta fazen do o preço do ativo cair.também neste caso, todos os ele men tos típi cos do crime de mani pu la ção do mer -ca do de capi tais esta rão ple na men te carac te ri za dos. É que, na ver da de, a ope ra -ção simu la da pode ter evi ta do uma queda maior no valor das ações, como seriade se pre su mir se as con di ções regu la res de for ma ção e desen vol vi men to dos pre -ços não tives sem sofri do a inter fe rên cia inde vi da da con du ta frau du len ta.

repita-se: o resul ta do da con du ta (alte ra ção no valor do preço) é irre le van -te para a con fi gu ra ção do deli to. em outras pala vras: o efe ti vo resul ta do deaumen to, manu ten ção ou queda no valor da ação não é ele men to do tipo penalde mani pu la ção do mer ca do de capi tais.

aspecto de gran de impor tân cia na aná li se do tipo penal, na hipó te se demani pu la ção de pre ços no mer ca do de capi tais, é o pro ble ma da for ma ção dos

29 Como se verá adian te, no tópi co sobre o tipo sub je ti vo, difi cil men te have rá dis tin ção em rela ção ao dolona con du ta do agen te para “aumen tar” ou “man ter” o valor de um títu lo. a uti li za ção de deter mi na do pro -ces so ou arti fí cio mani pu la dor é pra ti ca da com o fim de “indu zir ter cei ros à com pra ou venda” e não, pro -pria men te, de “man ter” ou “aumen tar” o valor. o aumen to ou a manu ten ção da cota ção da ação é o resul -ta do bus ca do pela mano bra frau du len ta, de certa forma impre vi sí vel ao agen te, con di cio na do pelas for çasde atua ção do mer ca do. pode haver um “dolo de aumen to” ou “dolo de manu ten ção” sem a cor re la ta veri -fi ca ção do resul ta do ante rior men te dese ja do. esta incon gruên cia entre o ele men to sub je ti vo e o resul ta doatin gi do, em outras moda li da des, seria carac te ri za do ra do crime de ten ta ti va. no crime de mani pu la ção,entre tan to, tal incon gruên cia é irre le van te para efei tos de con su ma ção, como se veri fi ca rá.

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pre ços dos ins tru men tos finan cei ros. embora não exis ta expres sa men ção nareda ção do tipo penal, é certo que a “alte ra ção arti fi cial do regu lar fun cio na men -to dos mer ca dos de valo res mobi liá rios”, núcleo da con du ta, se rea li za rá ou coma mudan ça nas con di ções nor mais de deman da, ou com a mani pu la ção dos pre -ços e das cota ções dos valo res mobi liá rios nego cia dos.

entretanto, a dis cus são sobre a “for ma ção dos pre ços” é com ple xa, envol -ven do diver sos fato res que influen ciam a sua com po si ção, bem como even tuaisalte ra ções, aumen tos, bai xas ou manu ten ção de deter mi na da cota ção. eizirikexpli ca que a pro te ção da cor re ta deter mi na ção do valor dos títu los é um prin cí -pio bási co da regu la men ta ção do mer ca do de capi tais: “a regu la ção deve levar omer ca do a apre sen tar efi ciên cia na deter mi na ção do valor dos títu los nego cia dos.o ideal é que a cota ção dos títu los refli ta ape nas as infor ma ções publi ca men tedis po ní veis.”30 Juliano pinheiro des cre ve o pro ces so de for ma ção dos pre ços dasações no mer ca do: “as cota ções das ações ou preço das empre sas são resul tan tesdas for ças de ofer ta e deman da des ses papéis nas nego cia ções diá rias rea li za dasno mer ca do. essas for ças são influen cia das pelas expec ta ti vas dos com pra do res even de do res com rela ção à empre sa e suas pers pec ti vas de gera ção de resul ta dos.a apu ra ção da cota ção de uma ação é feita por meio do valor do últi mo negó ciorea li za do com ela e são dadas por ação (preço uni tá rio) ou por lotes (quan ti da desmúl ti plas de 100, 1.000 etc.). o melhor indi ca dor do valor de uma ação é o preçopelo qual está sendo nego cia da, ou seja, o seu valor de mer ca do.”31

É inclu si ve com base nessa con cep ção que sur gi ram mani pu la ções sobre opreço das ações no final do pre gão, alte ran do-se arti fi cial men te o valor das açõesnos últi mos negó cios rea li za dos. tal ope ra ção, quan do obje to de mani pu la çãopelos agen tes, é deno mi na da de mar king the close.32

sobre a difi cul da de da aná li se da flu tua ção dos pre ços no mer ca do de capi -tais, dou tri na leandro adiers: “sendo flu tuan tes as cota ções dos ati vos, a únicarefe rên cia de preço que se pode pre ten der numa com pra e venda ou ces são one -ro sa, é com a cota ção de mer ca do para quan ti da de idên ti ca de ações de mesmaCia. e de igual natu re za, na mesma data, horá rio e mer ca do em que se deu a ope -ra ção em con tras te.”33

É pre ci so aler tar que a for ma ção irreal de pre ços no seio do mer ca do é frutotam bém de equí vo cos nas pro je ções e pro ba bi li da des. nem sem pre, obvia men te,a cons tru ção de um preço que não tra duz o valor real do títu lo será pro du zi dapor con du tas ilí ci tas, ope ra ções fic tí cias, mas, subli nhan do-se, por expec ta ti vas

30 regulação e auto-regu la ção do mercado de valores mobiliários. in revista de direito mercantil, indus -trial, econômico e Financeiro. nova série, nova série, ano XXi, n. 48. são paulo: revista dos tribunais,1982, p. 49.

31 mercado de Capitais: fun da men tos e téc ni cas. 2. ed. são paulo: atlas, 2002, p. 123.32 Conferir alexandre Brandão da veiga, Crime de manipulação, defesa e Criação de merca do. Coimbra:

almedina, 2001, p. 120.33 valores mobi liá rios, espe cu la ção e con se quên cias jurí di cas. in revista de direito Bancário, do mercado de

Capitais e de artbitragem, ano 3, n. 9, 2000, p. 86.

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dos inves ti do res não con cre ti za das, exa ta men te como expli ca WaldirioBulgarelli: “o valor bol sís ti co é o decor ren te das cota ções da ação na Bolsa. nemsem pre, advir ta-se, esse valor cor res pon de ao real, não só por causa de cer tasmani pu la ções que se veri fi cam nas Bolsas – embo ra haja todo um sis te ma decom ba te à frau de –, mas tam bém em con se qüên cia de cer tos fato res psi co ló gi cos,eco nô mi co-finan cei ros etc.”34 ari Cordeiro Filho des cre ve um inte res san tecená rio sobre a vola ti li da de na for ma ção dos pre ços: “o mer ca do cor ri ge, igual -men te, seus pró prios exces sos em ter mos de como as pes soas inves ti do ras pro je -tam em suas pró prias deci sões os núme ros e infor ma ções tor na dos públi cos. emperío dos de eufo ria, ali já ocor re ram rela ções preço/lucro de 40, 50 e até 100, ouseja, os pre ços pagos pelas ações repre sen ta vam espe rar até 40, 50 ou 100 anospara retor no do inves ti men to, em ter mos de lucro (pro je ta do) da com pa nhia poração (lucro da com pa nhia, por ação, não é o mesmo que divi den do).”35

É com base nessa aná li se que deve rá ser feita a rele van te dis tin ção entre acon du ta líci ta de espe cu la ção e a proi bi da mani pu la ção do mer ca do de capi tais.essa cons ta ta ção serve, prin ci pal men te, para nos mos trar que o preço super va lo -ri za do de um títu lo pro du zi do de manei ra irreal não reve la, por si só, indí cio docrime. o con cei to de alte ra ção arti fi cial do regu lar fun cio na men to dos mer ca dosde valo res mobi liá rios ape nas pode ser cons truí do a par tir da noção de regu la ri -da de, que pres su põe a cele bra ção de ope ra ções líci tas, sem a inter po si ção de atossimu la dos ou frau du len tos.

existe tam bém a pos si bi li da de de mani pu la ção indi re ta de pre ços, rea li zan -do-se a ope ra ção simu la da em um mer ca do para influen ciar outro. tal hipó te seocor re no mer ca do futu ro com as opções, que tem seu prê mio vin cu la do, entre outros fato res, ao preço do ativo, con for me expli ca lauro de araújo silva neto:“o prê mio de uma opção é deter mi na do pelo mer ca do e sofre influên cia dasexpec ta ti vas de cada um de seus par ti ci pan tes quan to ao com por ta men to futu rode deter mi na das variá veis. [...] o pri mei ro e mais dire to fator que influen cia oprê mio de uma opção é o preço do ativo obje to [...], ao qual a opção se rela cio nafor te men te. para as opções de com pra, quan to maior for o preço do obje to, maiorserá seu valor – ou seja, se o preço do obje to sobe, o prê mio da opção de com pratam bém tem que subir. assim, quan to maior for o preço do ativo ao qual a opçãose refe re, maio res serão as pos si bi li da des de a opção entrar no dinhei ro e, por tan -to, ser exer ci da com lucro.”36

34 manual das sociedades anônimas. 13. ed. são paulo: atlas, 2001, p. 128.35 responsabilidade quan to a informações e Fraudes no mercado de valores: o novo regime Jurídico da lei

americana – (sarbanes-oxley act, de julho de 2002). in Carta mensal. Confederação nacional doComércio, n. 574, v. 48, rio de Janeiro, 2003, p. 4.

36 opções: do tra di cio nal ao exó ti co. 2. ed. são paulo: atlas, 2000, p. 76. em outra obra, o autor expli ca afor ma ção do preço nos con tra tos futu ros: “o preço de um con tra to futu ro será sem pre o valor do con tra -to a vista acres ci do dos cus tos de ter os pro du tos em mãos até o ven ci men to do con tra to.” (derivativos. 2.ed. são paulo: atlas, 1998, p. 49.)

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dessa forma, o dolo do agen te pode não estar dire ta men te rela cio na do como mer ca do obje to de inci dên cia da ope ra ção simu la da. a inten ção de lucro inde -vi do pode ter como des ti no não pro pria men te o valor mobi liá rio mani pu la do,mas a opção sobre esse ativo, no mer ca do futu ro, que, como demons tra do, teriaseu valor (prê mio) mani pu la do de forma indi re ta pela alte ra ção do regu lardesen vol vi men to de suas variá veis. a mani pu la ção do preço à vista geral men tepro vo ca a alte ra ção do preço do con tra to futu ro. Como o valor do ativo no mer -ca do à vista com põe um dos ele men tos de defi ni ção do valor futu ro, a sua alte -ra ção irre gu lar é apta a pro vo car a mani pu la ção do outro preço.

alexandre Brandão da veiga expli ca per fei ta men te a dis tin ção entre a mani -pu la ção dire ta e indi re ta, com espe cial aten ção sobre a mani pu la ção dos mer ca dosfutu ros: “Compram-se opções de com pra sobre as acções para fazer subir o preçodas acções e, em con se qüên cia, pode-se vendê-las a preço infla cio na do. o que semani pu lou real men te foram as acções e no entan to não se pra ti cou nenhum actosobre elas (a venda é pos te rior à con su ma ção típi ca, não reve lan do para ela). deigual modo pode-se mani pu lar a bolsa sem se pra ti car qual quer acto nela. Bastapor exem plo adqui rir fora da bolsa uma gran de quan ti da de de valo res para ‘ secar’a ofer ta bol sis ta e assim fazer subir os pre ços. de igual modo se pode mani pu laruma ofer ta públi ca ape nas actuan do no mer ca do secun dá rio.”37

a impor tân cia da manu ten ção da regu la ri da de do preço de mer ca do refle te-se não ape nas na nor ma li da de do fun cio na men to do sis te ma, mas inclu si ve nasfutu ras nego cia ções. Basta, por exem plo, ana li sar as dis po si ções que regu lam afixa ção do preço da emis são de ações no mer ca do pri má rio, que, obri ga to ria men -te, devem man ter cor res pon dên cia com o seu preço de mer ca do. assim, a mani -pu la ção do preço das ações pode ter como fim o lucro obti do com a futu ra emis -são de ações, momen to no qual o agen te obte ria o lucro com a emis são de um títu -lo cujo preço, arti fi cial men te alte ra do, não repre sen ta seu valor intrín se co.

outro tema inte res san te é o preço ante rior do valor mobi liá rio obje to daação de mani pu la ção. não se exige que o preço ori gi ná rio do ativo repre sen teefe ti va men te seu valor intrín se co. em outras pala vras, o crime de mani pu la çãodo mer ca do pela alte ra ção irre gu lar do preço pode ocor rer mesmo se esse valornão cor res pon der à rea li da de no momen to da con cre ti za ção das ope ra ções simu -la das ou frau du len tas, que teriam a fina li da de de aumen tar ou redu zir o cará ter irreal do preço do ativo. É pos sí vel inclu si ve que o pró prio agen te empreen da asmano bras frau du len tas ou simu la das des co nhe cen do que o preço do ativo nãocor res pon de ao seu valor real, de mer ca do.

37 Crime de mani pu la ção, defe sa e cria ção de mer ca do. Coimbra: almedina, 2001, p. 105 e 106. o autoradver te a impor tân cia da dis tin ção prin ci pal men te para o fim de se detec tar a ocor rên cia de uma mani pu -la ção: “Quem come ça a con tac tar com este crime tem a pers pec ti va ingé nua de, para saber o está a sermani pu la do, pro cu rar o objec to direc to da acção do agen te, ou o mer ca do em que ele actua con cre ta men -te, ou os valo res sobre os quais ele dá infor ma ções. não é incor re to, mas pode ser insu fi cien te.”

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a mani pu la ção dos pre ços pode ocor rer, prin ci pal men te, atra vés da difu sãode “notí cias fal sas” sobre a ação, sobre a com pa nhia ou sobre fato rele van te quepossa com pro me ter a expec ta ti va dos inves ti do res no pro ces so nor mal de for ma -ção dos pre ços. Como já noti cia do, as nor mas nacio nais ante rio res faziam expres -sa men ção no tipo38 aos ter mos “notí cias fal sas”, “afir ma ção falsa” ou “afir ma çõesfal sas”.39 a lei nº 10.303/01 pre fe riu não usar tais expres sões, con tem plan docate go rias mais gené ri cas, como frau de e simu la ção. entretanto, é de con cluirque a mani pu la ção do mer ca do pode ocor rer com a difu são de notí cias fal sas,enqua dran do-se tal con du ta no ele men to do tipo “ outras mano bras frau du len -tas”, em que a notí cia inve rí di ca vin cu la-se à inten ção do agen te de alte rar oregu lar fun cio na men to do mer ca do, com o obje ti vo de obter lucro inde vi do. oestu do do con cei to de “notí cia falsa” como poten cial meio de mani pu la ção é pre -sen te no direi to com pa ra do. sobre esse aspec to, Ciro santoriello ensi na que anotí cia obje to de divul ga ção deve ser falsa, no sen ti do de não con for me aos ele -men tos obje ti vos do fato.40 o deba te mais com ple xo, entre tan to, é a res pei to doalcan ce das expres sões uti li za das pela anti ga nor ma ti za ção ita lia na, noti zie false,esa ge ra te o ten den zio se, eis que a atual tipi fi ca ção men cio na ape nas a difu são denoti zie false. para Ciro santoriello,41 ainda que não seja mais pos sí vel, sob o pris -ma do art. 2637 c.c., con si de rar as notí cias exa ge ra das ou ten den cio sas comonotí cias fal sas, o crime pode ria ocor rer sub su min do as infor ma ções ao con cei tode outros arti fí cios.

a com ple xi da de do tipo penal em estu do exige uma refle xão maior sobre otema. o pro ble ma não radi ca fun da men tal men te na “qua li da de” da notí cia não

38 por exem plo, no decreto-lei nº 869, de 18 de novem bro de 1938, que defi nia os cri mes con tra a eco no miapopu lar, sua guar da e seu empre go, o tipo penal da mani pu la ção do preço de ações era assim redi gi do:“art. 2º são cri mes dessa natu re za: vi, pro vo car a alta ou baixa de pre ços, títu los públi cos, valo res ou salá -rios por meio de notí cias fal sas, ope ra ções fic tí cias ou qual quer ouro arti fí cio;”. a lei 1.521 de 1951, conhe -ci da lei dos Crimes con tra a economia popular, repe tiu essa dis po si ção: “art 1º serão puni dos, na formadesta lei, os cri mes e as con tra ven ções con tra a eco no mia popu lar. esta lei regu la rá o seu jul ga men to. art3º são tam bém cri mes dessa natu re za: vi) pro vo car a alta ou baixa de pre ços de mer ca do rias, títu los públi -cos, valo res ou salá rios por meio de notí cias fal sas, ope ra ções fic tí cias ou qual quer outro arti fí cio;”.

39 a lei de sociedade por ações, de 194, regu la men tou o tema desta forma:“art. 168. observado o dis pos to no art. 2º, ns. iX e X, do decreto-lei n. 869, de 18 de novem bro de 1938,incor re rão na pena de pri são celu lar por um a qua tro anos: 1º, os fun da do res, dire to res, geren tes e fis cais,que, em pros pec tos, rela tó rios, pare ce res, balan ços ou comu ni ca ções ao públi co ou à assem bléia, fize remafir ma ções fal sas sobre a cons ti tui ção ou as con di ções eco nô mi cas da socie da de ou frau du len ta men te ocul -ta rem, no todo ou em parte, fatos a elas rela ti vos.” o atual Código penal dis põe em seu art. 177: “Fraudese abu sos na fun da ção ou admi nis tra ção de socie da de por ações.art 177. promover a fun da ção de socie da de por ações, fazen do, em pros pec to ou em comu ni ca ção aopúbli co ou à assem bléia, afir ma ção falsa sobre a cons ti tui ção da socie da de, ou ocul tan do frau du len ta men -te fato a ela rela ti vo: pena – reclu são, de um a qua tro anos, e multa, de um conto a dez con tos de réis seo fato não cons ti tui crime con tra a eco no mia popu lar.”

40 “la noti zia ogget to di dif fu sio ne deve esse re falsa, nel senso di non con for me agli ele men ti ogget ti vi delfatto” il nuovo dirit to pena le delle soci tà. torino: utet, 2003, p. 326.

41 idem, p. 327.

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ver da dei ra, mas em sua capa ci da de de alte rar o fun cio na men to do mer ca do demanei ra irre gu lar. em outras pala vras, a dis cus são sobre a natu re za falsa, exa ge -ra da ou ten den cio sa da notí cia perde impor tân cia em detri men to de uma aná li -se glo bal do tipo. o intér pre te deve cote jar a notí cia difun di da com a poten cia -li da de de alte ra ção do mer ca do e a fina li da de do agen te.

assim, a dis cus são em torno dos con cei tos de infor ma ção “exa ge ra da” ou“ten den cio sa” pode ser sim pli fi ca da agre gan do-se outra qua li da de a estas infor -ma ções: a natu re za “enga no sa”, ou seja, na simu la ção e na frau de pro cu ra-se evi -tar o uso de infor ma ções que pos sam indu zir ao erro o inves ti dor. se as infor ma -ções forem pro po si ta da men te exa ge ra das, ten den cio sas ou dis tor ci das com o fimespe cí fi co de enga nar, ludi briar o inves ti dor, obten do-se lucro inde vi do, torna-se clara a pre sen ça dos ele men tos obje ti vos e sub je ti vos exi gi dos pelo tipo.

parece inques tio ná vel o fato de que deter mi na da notí cia exa ge ra da no mer -ca do possa, em algu mas hipó te ses, ser um meio poten cial men te mais efi caz queuma notí cia falsa em rela ção a deter mi na do aspec to de menor impor tân cia deuma com pa nhia com ações lis ta das, sem influên cia no pro ces so for ma dor de pre -ços. pode-se cons truir um exem plo neste sen ti do: diretores de deter mi na dacom pa nhia resol vem fazer cair o preço das ações para com prá-las em baixa e depois recu pe rar o valor, obten do o lucro sobre a dife ren ça. atuando em umcená rio eco nô mi co em crise, anun ciam que a empre sa terá mui tas difi cul da desnos pró xi mos meses, exa ge ran do pro po si ta da men te com fina li da de inde vi da aexpec ta ti va nega ti va sobre os futu ros resul ta dos. tempos depois, as difi cul da deseco nô mi cas, que não foram tão com ple xas, são facil men te supe ra das e os títu losretor nam aos pre ços pra ti ca dos antes da divul ga ção da notí cia exa ge ra da, geran -do o lucro mani pu la do pelos dire to res. seria extre ma men te difí cil negar, nesteexem plo, a ocor rên cia do crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais.

o legis la dor optou por uma fór mu la exten si va quan to à con du ta de rea li za -ção do tipo obje ti vo. o tipo penal do art. 27-C uti li za a expres são “exe cu tar outras mano bras frau du len tas”. em pri mei ro lugar, deve-se cote já-la com a ins -tru ção 08/79, que defi ne a infra ção grave de rea li za ção de ope ra ção frau du len ta:“c) ope ra ção frau du len ta no mer ca do de valo res mobi liá rios, aque la em que seuti li ze ardil ou arti fí cio des ti na do a indu zir ou man ter ter cei ros em erro, com afina li da de de se obter van ta gem ilí ci ta de natu re za patri mo nial para as par tes naope ra ção, para o inter me diá rio ou para ter cei ros.”

Com efei to, ao uti li zar-se da locu ção “ outras mano bras frau du len tas”, anorma nacio nal dei xou uma gran de mar gem de aber tu ra para a con su ma ção dodeli to por inter mé dio de toda e qual quer ação huma na apta para alte rar de modoarti fi cial o desen vol vi men to do mer ca do. obviamente, a ação deve estar emabso lu ta cone xão com o mer ca do de capi tais, com a pre sen ça dos ele men tos sub -je ti vos exi gi dos. infere-se da reda ção usada a inten ção de abran ger todas as con -du tas aptas a cau sar a mani pu la ção do mer ca do. tal con clu são, iso la da men te lida,pode repre sen tar fla gran te obvie da de. entretanto, deve-se com isso con cluir que

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o tipo penal não se rea li za somen te com a exe cu ção de ope ra ções finan cei ras, taiscomo defi ni das legal men te, mas com toda e qual quer ação poten cial men te mani -pu la do ra, ainda que não rela cio na da pro pria men te com uma emis são ou com prae venda de valo res mobi liá rios.

a pró pria defi ni ção da mani pu la ção de pre ços na instrução nº 08/79 daCvm uti li za con cei tos exten si vos para a con fi gu ra ção da infra ção admi nis tra ti vaao pres cre ver que a con du ta será con si de ra da ilí ci ta median te a “uti li za ção dequal quer pro ces so ou arti fí cio des ti na do, dire ta ou indi re ta men te, a ele var, man -ter ou bai xar a cota ção de um valor mobi liá rio”.

nem seria cor re to e ima gi ná vel, evi den te men te, que o legis la dor pudes selis tar, nume rus clau sus, os meios uti li za dos pelo agen te para obter a con se cu çãode seu fim cri mi no so. a dis cus são, é certo, deve girar em torno da efe ti va prá -ti ca de mani pu la ção ou da ocor rên cia obje ti va de alte ra ção do regu lar fun cio na -men to do mer ca do. o meio uti li za do, nes ses casos, adqui re impor tân cia secun -dá ria. Basta que o meio uti li za do – ope ra ções simu la das ou outras mano brasfrau du len tas – tenha poten cia li da de de pro du zir o resul ta do dese ja do – fina li da -de de alte rar arti fi cial men te o regu lar fun cio na men to dos mer ca dos de valo resmobi liá rios. essa con clu são se, de um lado, amplia imen sa men te a área de inci -dên cia do tipo penal (pela pos si bi li da de de uti li za ção de qual quer meio), reduzde outro, deven do estar demons tra da a apti dão do meio uti li za do (ope ra çãosimu la da ou outra mano bra frau du len ta) para a poten cial alte ra ção do regu larfun cio na men to do mer ca do.

o tipo penal refe re-se às expres sões “ope ra ções simu la das” e “ outras mano -bras frau du len tas”. em pri mei ro lugar, deve-se con cei tuar o termo ope ra çõescomo “ope ra ções finan cei ras”. a pri mei ra moda li da de desta cate go ria alude às ati -vi da des típi cas das ins ti tui ções finan cei ras par ti ci pan tes do mer ca do de capi tais.pode-se, aqui, impor tar o con cei to exis ten te no art. 1º da lei nº 7.492/86: “art. 1ºConsidera-se ins ti tui ção finan cei ra, para efei to desta lei, a pes soa jurí di ca de direi -to públi co ou pri va do, que tenha como ati vi da de prin ci pal ou aces só ria, cumu la -ti va men te ou não, a cap ta ção, inter me dia ção ou apli ca ção de recur sos finan cei ros(vetado) de ter cei ros, em moeda nacio nal ou estran gei ra, ou a cus tó dia, emis são,dis tri bui ção, nego cia ção, inter me dia ção ou admi nis tra ção de valo res mobi liá rios.parágrafo único. equipara-se à ins ti tui ção finan cei ra: i – a pes soa jurí di ca quecapte ou admi nis tre segu ros, câm bio, con sór cio, capi ta li za ção ou qual quer tipo depou pan ça, ou recur sos de ter cei ros; ii – a pes soa natu ral que exer ça quais quer dasati vi da des refe ri das neste arti go, ainda que de forma even tual.”

sobre o con teú do da norma, a lição de Fernando Fragoso: “Captar é atrair,gran jear apli ca ções finan cei ras. intermediar é inter vir, inter ce der. aplicar recur -sos finan cei ros é inves ti-los, inver tê-los. Custodiar títu los sig ni fi ca tê-los sobguar da ou depó si to. emissão é a impres são, a fabri ca ção de títu los. distribuiçãorepre sen ta a venda, a pro mes sa de venda e a ofer ta de venda ou subs cri ção detítu los. negociação com preen de não só com pra e venda, mas tam bém uti li za ção

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de títu los como las tro ou cau ção de ope ra ções.”42 dessa forma, por ope ra çãofinan cei ra rea li za da pelas ins ti tui ções cre den cia das no mer ca do de capi taisenten da-se a ati vi da de de cap ta ção e inter me dia ção da emis são, dis tri bui ção,nego cia ção e cus tó dia de valo res mobi liá rios.

também é ine quí vo co que a norma abran ge com o termo “ope ra ções” todasas apli ca ções fei tas pelos inves ti do res no mer ca do de capi tais. Basta então con ju gara expres são “ope ra ções” com o ele men to nor ma ti vo da “frau de”. em outra opor tu -ni da de, já ano ta mos: “por frau de, deve-se enten der o ardil, o meio ilu den te empre -ga do para dis far çar, dis si mu lar deter mi na da ope ra ção finan cei ra, situa ção patri mo -nial ou esta do de fato da ins ti tui ção. segundo a pró pria exposição de motivos doCp, a frau de ele men tar do este lio na to não é somen te a empre ga da para indu zir alguém em erro, mas tam bém a que serve para man ter (fazer sub sis tir, entre ter) umerro pree xis ten te. essas frau des em con ti nui da de devem, como já afir ma do, serrele van tes do ponto de vista do bem jurí di co penal men te pro te gi do.”43

o tipo penal faz tam bém refe rên cia à expres são “simu la das”, como ele men -to típi co carac te rís ti co das ope ra ções pra ti ca das. a simu la ção é cate go ria conhe -ci da do direi to, espe cial men te no estu do da parte geral do direi to civil. pontes demiranda expli ca algu mas carac te rís ti cas do ins ti tu to: “em toda simu la ção há adiver gên cia entre a exte rio ri za ção e a voli ção, quer seja quan to ao obje to, ou melhor quan to à maté ria, de re ad rem (B vende manus cri tos, dizen do ven derpas tas), ou quan to à pes soa, de per so nam ad per so nam (a doa a C, dizen do doara B), ou quan to à cate go ria jurí di ca, de con trac tu ad con trac tum (a doa dizen doven der), ou quan to às moda li da des, de modum ad modum (con tra ta sob con di -ção de não casar, dizen do que o faz sob con di ção de morar em certo país), ouquan to ao tempo, de tem po re ad tem pus (con tra tou por cinco anos a casa, dizen -do ser por três anos), ou quan to à quan ti da de, de quan ti ta te ad quan ti ta tem (avende seis cai xas e o con tra to fala de três), ou quan to ao fato, de facto ad fac tum(a decla ra que pagou, e não pagou, ou vice-versa), ou quan to ao lugar, de loco adlocum (a assi na como se fora con cluí do no Brasil o con tra to que con cluí ra nouruguai [...]”44 para Caio mário da silva pereira: “con sis te a simu la ção em cele -brar-se um ato que tem apa rên cia nor mal, mas que, na ver da de, não visa ao efei -to que juri di ca men te devia pro du zir. Como em todo negó cio jurí di co, há aquiuma decla ra ção de von ta de, mas enga no sa.”45 arnoldo Wald ofe re ce exem plo desimu la ção que, inclu si ve, se apli ca espe ci fi ca men te aos fatos em estu do: “a simu -la ção se rea li za ainda por inter po si ção de pes soas, recor ren do-se aos cha ma dos

42 Crimes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal. apêndice às lições de direito penal de Fra Go so, helenoCláudio. 10. ed. rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 685-686.

43 op. cit., p. 105 e 106.44 tratado de direito privado. parte Geral. tomo iv. 3. ed. rio de Janeiro: editora Borsoi, 1970, p. 376.45 instituições de direito Civil. v. i. 3. ed. rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 316.

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tes tas-de-ferro. pode ocor rer que certo grupo eco nô mi co não quei ra com prardire ta men te cer tas ações que lhe dariam o con tro le de deter mi na da socie da de.Faz então a com pra por inter mé dio de uma pes soa de con fian ça, que com pra emnome pró prio apa ren te men te, mas, na rea li da de, adqui re para ter cei ros.”46 noCódigo Civil, a simu la ção é tra ta da da seguin te forma pelo art. 167: “art. 167. Énulo o negó cio jurí di co simu la do, mas sub sis ti rá o que se dis si mu lou, se váli dofor na subs tân cia e na forma. § 1º haverá simu la ção nos negó cios jurí di cos quan -do: i – apa ren ta rem con fe rir ou trans mi tir direi tos a pes soas diver sas daque las àsquais real men te se con fe rem, ou trans mi tem; ii – con ti ve rem decla ra ção, con fis -são, con di ção ou cláu su la não ver da dei ra; iii – os ins tru men tos par ti cu la resforem ante da ta dos, ou pós-data dos. § 2º ressalvam-se os direi tos de ter cei ros deboa-fé em face dos con traen tes do negó cio jurí di co simu la do”.

assim, é per fei ta men te pos sí vel rela cio nar a cons tru ção da simu la çãoperan te o direi to civil nas ope ra ções pra ti ca das no mer ca do de capi tais. a títu loexem pli fi ca ti vo, a nego cia ção pode envol ver a simu la ção quan to às pes soasenvol vi das na ope ra ção, em rela ção ao preço nego cia do, à quan ti da de ou atémesmo simu la ção de outras carac te rís ti cas que podem influir sobre o mer ca do.

a simu la ção pode ocor rer em atos peri fé ri cos à nego cia ção, não dire ta men -te envol vi dos com o ato de com prar ou ven der deter mi na do valor mobi liá rio.ocorre, por exem plo, quan do deter mi na da empre sa simu la um negó cio jurí di co(uma com pra e venda ou um emprés ti mo ban cá rio) com a inten ção de inter fe rirde forma indi re ta sobre os pre ços ou sobre a deman da de suas ações.

também nes sas hipó te ses deve inci dir o tipo penal da mani pu la ção do mer -ca do, que não res trin ge a con du ta dos agen tes à prá ti ca de ope ra ções finan cei rasno mer ca do de capi tais. ao valer-se da expres são gené ri ca “ope ra ções simu la das”,o tipo penal expan de a sua área de tute la a todo e qual quer ato simu la do cele bra -do com vis tas a alte rar o regu lar fun cio na men to do mer ca do. nessa parte, por -tan to, resi de um dos prin ci pais pon tos de defi ni ção da abran gên cia do termoope ra ções simu la das.

essa tam bém vem sendo a inter pre ta ção dos tipos penais no direi to com pa -ra do. ao ana li sar o tipo obje ti vo na legis la ção por tu gue sa, que uti li za as expres -sões “ope ra ções de natu re za fic tí cia” ou “ outras prá ti cas frau du len tas”, extre ma -men te seme lhan te com a reda ção usada pelo legis la dor nacio nal, Frederico delacerda da Costa pinto comen ta: “assim, o crime de mani pu la ção abran ge ascon du tas que se tra du zem em ope ra ções apa ren te men te regu la res, mas que, narea li da de, são con tro la das pelos agen tes de forma a vio lar o livre jogo da ofer ta eda pro cu ra. o que sig ni fi ca, por outro lado, que tais ope ra ções criam uma apa -rên cia de liqui dez ou geram cota ções que, por esta rem arti fi cial men te sus ten ta -

46 Curso de direito Civil Brasileiro. parte Geral. 2. ed. são paulo: sugestões literárias s/a, 1969, p. 239.

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das, não cor res pon dem à rea li da de. desse modo, os negó cios efec ti va men te cele -bra dos têm uma natu re za fic tí cia que se pode afe rir em fun ção de diver sos cri té -rios, nomea da men te, pela ausên cia de inten ção real de res pei tar os seus efei tos,pela nega ção da sua causa-fun ção ou pela sua capa ci da de enga na tó ria intrín se capara a gene ra li da de dos inves ti do res.”47

na itália, como visto, o tipo penal empre ga va as expres sões “fal si da de” e“simu la ção” e outros arti fí cios (noti zie false, ovve ro pone in esse re ope ra zio nisimu la te o altri arti fi ci) idô neos a alte rar o regu lar desen vol vi men to dos mer ca -dos, de forma que a dou tri na tem con fe ri do con tor nos mais amplos quan to àinci dên cia do tipo penal.48 no Brasil, o legis la dor não come teu esse equí vo co. otipo penal de mani pu la ção vin cu la as ope ra ções aos ele men tos “simu la ção” e“frau de” (ope ra ções simu la das ou exe cu tar outras mano bras frau du len tas) deforma que a espe cu la ção, por não con ter intrin se ca men te tais qua li da des, perderele vân cia típi ca.

não é dema sia do afir mar que a ope ra ção simu la da, para adqui rir rele vân ciapenal, deve ser poten cial men te capaz de alte rar o regu lar fun cio na men to domer ca do, enten den do-se a poten cia li da de, neste caso, como a apti dão para enga -nar ter cei ros. nessa linha, um tema que deve tam bém estar pre sen te na aná li seda tipi ci da de das con du tas ao crime de mani pu la ção do mer ca do é a pos si bi li da -de da ocor rên cia, no plano con cre to, de crime impos sí vel. Com efei to, ainda queo agen te tenha como fina li da de a alte ra ção irre gu lar das con di ções do mer ca do,preen chen do o espe cial fim de agir exi gi do pelo tipo, ape nas será penal men terele van te a ope ra ção poten cial men te capaz de influen ciar a per cep ção, a expec -ta ti va e o com por ta men to dos demais pla yers.

a natu re za jurí di ca do tipo penal – de peri go abs tra to – não deso ne ra ademons tra ção da ido nei da de da con du ta, sob pena de negar-se apli ca ção ao ins -ti tu to do crime impos sí vel ou da ten ta ti va ini dô nea, mais apro pria da ao caso,ainda que a ten ta ti va seja incon ce bí vel pela estru tu ra ção do tipo. o juízo de ido -nei da de da con du ta é tare fa a ser cum pri da obje ti va men te, dian te das carac te rís -ti cas do caso con cre to, em um cami nho nem sem pre fácil de ser tri lha do. É pre -

47 o novo regime dos Crimes e Contra-ordenações no Código dos valores mobiliários. Coimbra: almedina,2000, p. 87 e 88. também em comen tá rio ao crime da legis la ção por tu gue sa, alexandre Brandão da veigachega a con clu sões seme lhan tes, apro xi man do o con cei to de “fic ção” ao de “simu la ção”, uti li za da pelolegis la dor nacio nal: “se bem se repa rar, o que expõe em texto tra duz-se numa enun cia ção, de um retor noao pré-enten di men to de ‘ fictício’. Com efei to, fic tí cio é aqui lo em que a apa rên cia não tra duz a rea li da de.ora uma expres são de um nexo gené ti co diver sa do que vem a ser o nexo fun cio nal de um negó cio enco -bre a subs tân cia do mesmo negó cio. em últi ma aná li se, o que temos aqui pre sen te é uma situa ção de opa -ci da de. ora, como ire mos veri fi can do ao longo do pre sen te tra ba lho, neste caso é em últi ma aná li se atrans pa rên cia que está aqui em causa, a sua colo ca ção em peri go.” (Crime de manipulação... p. 51).

48 teresa procaccianti, citan do a dou tri na ita lia na sobre o tema, sus ten ta inclu si ve que “il deli to può esse reposto in esse re anche median te mezzi di per se non ille ci ti, pur ché ido nei a deter mi na re la price sen si vityo l’apparenza di un mer ca to atti vo.” (dizionario dei reati con tro l’economia. a cura di Guiliano marini eCarlo paterniti. milano: Giuffrè, 2000, p. 104).

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ci so dizer que a dou tri na e a juris pru dên cia con sa gra ram o prin cí pio da insig ni -fi cân cia como exclu den te da tipi ci da de. aqui não pode ria ser dife ren te. a insig -ni fi cân cia das frau des exclui o crime pela ati pi ci da de mate rial da con du ta. napró pria ins tân cia admi nis tra ti va, o prin cí pio da insig ni fi cân cia vem sendoencam pa do. se a san ção admi nis tra ti va às infra ções à legis la ção do mer ca dofinan cei ro e de capi tais pode ser excluí da em vir tu de de sua irre le vân cia, torna-se impos sí vel dei xar de reco nhe cer o prin cí pio da insig ni fi cân cia no campo doscri mes con tra o sis te ma finan cei ro. o Conselho de recursos do sistema Finan -ceiro nacional apli ca há tem pos o prin cí pio da insig ni fi cân cia.49

o crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais é comis si vo na moda li da dedes cri ta pelo núcleo típi co “rea li zar”.

É impres cin dí vel, tam bém, ana li sar a pro ba bi li da de da con su ma ção docrime por omis são do agen te se as ope ra ções simu la das ou a exe cu ção de outrasprá ti cas frau du len tas forem uti li za das median te vio la ção de deve res, como, porexem plo, a omis são de comu ni car fato rele van te, sem pre, é claro, com a fina li da -de de alte rar arti fi cial men te o regu lar fun cio na men to do mer ca do de capi tais.isso por que a comu ni ca ção de fatos rele van tes cons ti tui-se como uma das prin -ci pais res pon sa bi li da des das socie da des que têm suas ações comer cia li za das nomer ca do de capi tais. Grandes frau des são pra ti ca das coti dia na men te por inter -mé dio deste tipo de con du ta e a Cvm noto ria men te san cio na a omis são de infor -ma ções de com pa nhia com ações emi ti das e acei tas à nego cia ção no mer ca do decapi tais ou de ope ra ções rea li za das pelos inter me diá rios finan cei ros. nas hipó te -ses em que se dis cu te a mani pu la ção por inter mé dio de divul ga ções de infor ma -ções ou cele bra ção de ope ra ções, o crime pode se con fi gu rar pela omis são doagen te, eis que a mani pu la ção, nessa hipó te se, seria resul ta do da divul ga çãoincom ple ta de infor ma ções rele van tes diri gi das aos inves ti do res. determinadofato rele van te da com pa nhia emis so ra de um ativo pode ser omi ti do para o fimde man ter ou aumen tar o seu valor, pro du zin do-se desta forma a mani pu la çãoatra vés de uma ope ra ção simu la da, em que a decla ra ção do agen te não é ver da -dei ra, tendo assim rele vân cia no pro ces so de for ma ção dos pre ços no mer ca do devalo res mobi liá rios.

49 “emen ta: reCur so volun tÁ rio. mercado de valo res mobi liá rios – incorreto preen chi men to de ordens e de cadas tro de clien tes – registro de ordens de ope ra ções com horá rio de emis são pos te rior aode exe cu ção – Falta de auten ti ca ção, na junta comer cial, do livro diá rio de ope ra ções – repasse de cor re -ta gem em valo res acima do per mi ti do pela regu la men ta ção – princípio da insig ni fi cân cia – apelo a que sedá pro vi men to.” (158ª sessão em 17 de feve rei ro de 1998 – aCór dão/CrsFn 2276/98). “emen ta:reCur so de oFÍ Cio. realização de pre juí zos em ope ra ção de com pra e con co mi tan te venda de con -tra to de índi ce Bovespa e de futu ro de dólar, nos mer ca dos da Bm&F, via bi li zan do, em con tra par ti da,aufe ri men to de lucros por parte de pes soas jurí di cas não finan cei ras – insignificância das per das veri fi ca -das – apelo impro vi do – arquivamento do pro ces so.” (160ª sessão em 28 de abril de 1998 – aCór -dão/CrsFn 2336/98).

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outra moda li da de de mani pu la ção do mer ca do pre vis ta na instrução 08/79 daCvm refe re-se ao uso de prá ti cas não equi ta ti vas por parte dos inter me diá riosfinan cei ros con tra seus inves ti do res, assim des cri ta pela norma admi nis tra ti va: “Éveda da aos admi nis tra do res e acio nis tas de com pa nhias aber tas, aos inter me diá riose aos demais par ti ci pan tes do mer ca do de valo res mobi liá rios, a cria ção de con di -ções arti fi ciais de deman da, ofer ta ou preço de valo res mobi liá rios, a mani pu la çãode preço, a rea li za ção de ope ra ções frau du len tas e o uso de prá ti cas não eqüi ta ti -vas. ii – para os efei tos desta instrução con cei tua-se como: d) prá ti ca não eqüi ta ti -va no mer ca do de valo res mobi liá rios, aque la de que resul te, dire ta ou indi re ta -men te, efe ti va ou poten cia li da de, um tra ta men to para qual quer das par tes, emnego cia ções com valo res mobi liá rios, que a colo que em uma inde vi da posi ção dedese qui lí brio ou desi gual da de em face dos demais par ti ci pan tes da ope ra ção.”

Wladimir Castelo Branco Castro, em voto pro fe ri do em inqué ri to admi nis -tra ti vo da Cvm, des cre ve o fun da men to da puni ção do uso de prá ti cas não eqüi -ta ti vas: “o risco exis te para o mer ca do, como em um jogo. mas em todo jogo,mesmo o mais arris ca do, há regras, que devem ser cum pri das. se as regras são iguais para todos, tem-se um mer ca do eqüi ta ti vo. mas, quan do, por exem plo, ascar tas de um jogo vêm a ser mar ca das, aí se con fi gu ra uma situa ção não eqüi ta -ti va, muito dife ren te do risco que o jogo traz em si. lucros e per das são nor mais,desde que não pro vo ca dos arti fi cial men te, por mano bras ardi lo sas, nem pelaque bra do equi lí brio entre as par tes.”50

tal ilí ci to refe re-se, pro pria men te, a uma que bra do dever de tra ta men toiso nô mi co dos inter me diá rios finan cei ros dian te dos inves ti do res. Como já foiano ta do, um dos prin cí pios rei to res do mer ca do de capi tais é a igual da de deopor tu ni da de entre os inves ti do res. essa igual da de pres su põe um com por ta men -to equâ ni me dos inter me diá rios finan cei ros em rela ção a seus clien tes no ofe re -ci men to das pos si bi li da des de apli ca ção da pou pan ça popu lar. aliado a isso, atrans pa rên cia das nego cia ções cons ti tui requi si to indis pen sá vel para o exer cí cioda inter me dia ção finan cei ra. tais qua li da des – trans pa rên cia e igual da de – criamaos inter me diá rios o dever de pro vi den ciar aos clien tes o melhor preço, cota çãoou taxa de retor no para o seu inves ti men to. dessa forma, o uso de prá ti cas nãoequi ta ti vas que bra os prin cí pios da boa-fé e da leal da de, aos quais os inter me diá -rios finan cei ros devem per ma ne cer fiéis nas rela ções com seus clien tes, bus can -do da melhor forma sal va guar dar o patri mô nio a eles con fia do.

a rea li za ção de ope ra ções finan cei ras que carac te ri zam o uso de prá ti ca nãoequi ta ti va tem basi ca men te o obje ti vo de pro por cio nar van ta gem inde vi da parao inter me diá rio ou ter cei ro em fun ção do pre juí zo sofri do pelo inves ti dor, indu -zi do em erro e colo ca do em posi ção de desi gual da de ou dese qui lí brio em rela ção

50 inQuÉ ri to admi nis tra ti vo Cvm nº 05/99 – rio de Janeiro, 23 de novem bro de 2000.

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aos demais par ti ci pan tes da ope ra ção. tal con du ta, depen den do, obvia men te, dassitua ções espe cí fi cas, era tipi fi ca da como crime con tra o sis te ma finan cei ro,cober ta pelas des cri ções dos tipos penais do art. 5º e 6º da lei nº 7.492/86.51

É pos sí vel argu men tar que o uso de prá ti ca não equi ta ti va per ma ne ce riasob a égide dos tipos penais da lei nº 7.492/86, eis que a cria ção de uma situa -ção de desi gual da de ou dese qui lí brio do inves ti dor não teria poten cial capa ci -da de de alte rar o regu lar fun cio na men to do mer ca do. esse não é o nosso pen -sa men to. o tipo penal de mani pu la ção do mer ca do não exige a poten cial ruínado mer ca do finan cei ro ou o cha ma do risco sis tê mi co. o ele men to nor ma ti vo ésim ples men te o “regu lar fun cio na men to do mer ca do”. se o inter me diá rio rea -li za ope ra ções simu la das ou empre ga qual quer tipo de mano bra frau du len tapara obter van ta gem inde vi da, colo can do o inves ti dor em posi ção de dese qui -lí brio, rompe-se com a regu la ri da de dos prin cí pios que nor teiam o fun cio na -men to do mer ca do.

pedrazzi adota o mesmo posi cio na men to, sus ten tan do que o cor re to é con -si de rar a arti fi cia li da de como qua li da de do meio – ope ra ções simu la das ou frau -du len tas – e não do efei to pro vo ca do.52 É certo que o pre juí zo gera do ao inves ti -dor em fun ção de ope ra ções simu la da men te cele bra das não se coa du na com ofun cio na men to regu lar e com o dever de leal da de e boa-fé dos inter me diá rios,mas a pró pria cele bra ção de ope ra ções deste tipo já viola o bem jurí di co tute la -do, inde pen den te men te do dano que possa resul tar. por exem plo, se o inter me -diá rio rece be do clien te uma ordem de com pra de um lote da ação “y” até 1,00,não pode com prar no mer ca do em nome de um ter cei ro clien te ou de con tra par -te pre via men te ajus ta da por 0,80 e repas sar ao pró prio clien te em valor acima domer ca do, por 1,00, se a tran sa ção pode ria ter sido feita dire ta men te. em tal situa -ção, ocor re rá que bra do dever de leal da de, trans pa rên cia e boa-fé na rea li za çãode ope ra ção que não tra duz a regu la ri da de da con du ta do inter me diá rio finan -cei ro, obten do-se, em detri men to do pró prio clien te, uma van ta gem inde vi da.

51 art. 5º apropriar-se, quais quer das pes soas men cio na das no art. 25 desta lei, de dinhei ro, títu lo, valor ouqual quer outro bem móvel de que tem a posse, ou des viá-lo em pro vei to pró prio ou alheio: pena –reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. art 6º induzir ou man ter em erro, sócio, inves ti dor ou repar ti ção públi ca com pe ten te, rela ti va men te àope ra ção ou situa ção finan cei ra, sone gan do-lhe infor ma ção ou pres tan do-a fal sa men te: pena – reclusão,de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

52 “ma che senso ha allo ra tras fe ri re nell’effetto uma qua li fi ca che è pro pria della causa? escludiamo chepossa par lar si di un rial zo o ribas so ‘ artificioso’, altro che come effet to dell’intrusioni di fat to ri arti fi cio si.i prez zi ‘ artificiosi’, con una para fra si, ven go no spes so indi ca ti como ‘non ris pon den ti alle con di zio ni del mercato’, o altra espres sio ne equi pol len te. ora non neg hia mo che simi li espres sio ne pos sa no avere unabase reale. potremmo anzi ricer ca re una deter mi na zio ne più pre ci sa: com pu ta re fra le ‘con di zio ni di mercato’ i fat to ri da cui dipen de un certo prez zo, e dire che il prez zo non cor ris pon de ogni volta che sidis cos ti dalla loro pre su mi bi le risul tan te.” (diritto penale. v. iv – scritti di diritto penale dell’economia.milano: Guiffrè, 2003, p. 51).

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5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo penal da mani pu la ção do mer ca do criou ele men tos sub je ti vos paraalém do dolo de frau dar. Foram ins ti tuí dos em um mesmo tipo penal três ele -men tos sub je ti vos do tipo, dois obri ga to ria men te con co mi tan tes: 1) fina li da de dealte rar arti fi cial men te o regu lar fun cio na men to dos mer ca dos de valo res mobi -liá rios em bolsa de valo res, de mer ca do rias e de futu ros, no mer ca do de bal cãoou no mer ca do de bal cão orga ni za do e 2) (a) o fim de obter van ta gem inde vi daou lucro, para si ou para outrem, ou 2) (b) cau sar dano a ter cei ros. José Carlostórtima faz essa mesma obser va ção: “a con du ta é neces sa ria men te dolo sa. É bemde ver que ao dolo dire to, dire cio na do aos obje ti vos dita dos pelos ver bos nuclea -res do tipo obje ti vo (redu zir [rec tius, rea li zar] ou exe cu tar) agre gam-se dois ele -men tos sub je ti vos do tipo (o anti go dolo espe cí fi co). o pri mei ro é o espe cial fimde alte rar arti fi cial men te o regu lar fun cio na men to dos mer ca dos [...] e o segun -do é repre sen ta do pela não menos espe cí fi ca inten ção do agen te de obter van ta -gem inde vi da ou lucro, para si, ou para outrem, ou cau sar dano a ter cei ros. semesse duplo e espe cial fim de agir, a res trin gir nota vel men te a hipó te se de inci dên -cia típi ca, o crime não se rea li za.”53

os pro ble mas da carac te ri za ção dos dois ele men tos voli ti vos exi gi dos pelotipo penal não se situam ape nas nas for mu la ções con cre tas da inci dên cia danorma penal. Com efei to, a fór mu la ado ta da pelo legis la dor coli de com a cons -tru ção tra di cio nal do tipo sub je ti vo nos cri mes de peri go abs tra to. É conhe ci da adis tin ção dou tri ná ria entre dolo de dano e dolo de peri go. neste grupo, dife ren -ciam-se, ainda, o dolo de peri go con cre to e de peri go abs tra to.54 o tipo penal damani pu la ção de mer ca do prevê um dolo de resul ta do, con subs tan cia do em even -tos dis tin tos e con co mi tan tes: “alte ra ção do regu lar fun cio na men to do mer ca do”e “obten ção de van ta gem”, com um tipo penal de con su ma ção ante ci pa da, quesegun do rené dotti “é todo o ilí ci to no qual a con su ma ção ante ce de ou é alheiaao even to dano so. os exem plos mais comuns são os rela ti vos aos cri mes de peri -go cuja carac te ri za ção inde pen de da ocor rên cia de uma lesão ao bem jurí di coamea ça do”.55 luiz alberto machado expli ca essa cate go ria deno mi na da de tipo

53 op. cit., p. 178 – inter ca la do nosso.54 renato de mello Jorge silveira esta be le ce os con tor nos des sas cate go rias: “há par ti cu la ri da des ainda na fun -

da men ta ção do ele men to sub je ti vo nos cri mes de peri go. em se tra tan do de situa ção peri go sa envol ven dobens supra-indi vi duais ou difu sos, por óbvio, não raras vezes, serão diver sos os bens expos tos a peri go. nãoserá tido uni ca men te ‘um bem’ como alvo poten cial do peri go. trata-se, então, de con du ta que envol ve um‘dolo alter na ti vo de perigo’, poden do este ser diri gi do a diver sos bens jurí di cos [...] outro é o caso do peri goabs tra to. não se trata aqui de tecer con si de ra ções de quão lesi vo seria o resul ta do impu tá vel. ele não é sequerima gi na do pelo sujei to ativo. a puni ção, nes ses casos, advi rá ape nas pela ido nei da de do com por ta men to paraa efe ti va ção de uma lesão a um bem jurí di co, no caso, difu so. para a exis tên cia de dolo, basta que o agen teconhe ça os ele men tos típi cos do deli to, sem que seja neces sá rio que saiba da sua efe ti va lesi vi da de.” (direitopenal supra-indi vi dual: inte res ses difu sos. são paulo: editora revista dos tribunais, 2003, p. 119).

55 Curso de direito penal: parte geral. rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369.

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ori gi na ria men te incon gruen te: “no tipo ori gi na ria men te incon gruen te o tiposub je ti vo pode ir além do tipo obje ti vo: o autor quer mais do que a lei exige paraa con fi gu ra ção do tipo (crime for mal ou de resul ta do cor ta do ou de con su ma çãoante ci pa da [...]).”56

além disso, con tra ria tam bém a regra de que o resul ta do, nos cri mes de peri -go, é indi fe ren te ao sujei to ativo, uma vez que o ele men to da van ta gem inde vi dadeve ser pree xis ten te na inten ção do autor, ainda que o even to não ocor ra. naver da de, como se viu, o tipo sub je ti vo exige algo mais que o sim ples dolo gené ri -co, con sis ten te na cons ciên cia livre e incon di cio na da de rea li zar ope ra ções simu -la das no mer ca do de capi tais ou empre gar outras mano bras frau du len tas. o legis -la dor agre gou à cons ciên cia das frau des três outros ele men tos sub je ti vos do tipo.

o ele men to sub je ti vo de “alte rar o regu lar fun cio na men to do mer ca do” épre sen te nas legis la ções com pa ra das como requi si to para afe ri ção da lesi vi da deda ope ra ção. Frederico de lacerda da Costa pinto, em aná li se à ido nei da de dacon du ta para alte rar o fun cio na men to dos mer ca dos em portugal, faz impor tan -te crí ti ca que se apli ca per fei ta men te à reda ção do tipo obje ti vo ado ta da pelolegis la dor nacio nal: “a pos si bi li da de de se alte rar arti fi cial men te o regu lar fun -cio na men to do mer ca do não se pode recon du zir a uma inten ção do agen te, quedifi cil men te con se gue pro du zir esse efei to que a lei pre ten de evi tar, mas sim àido nei da de objec ti va das con du tas. [...] a ido nei da de lesi va da con du ta afere-sede acor do com a expe riên cia comum do mer ca do, tendo nomea da men te emlinha de conta ele men tos diver sos como a situa ção do mer ca do, o his tó ri co doacti vo ou a pre vi sí vel evo lu ção do mer ca do sem a inter fe rên cia das prác ti casmani pu la do ras ou da infor ma ção em causa.”57

se as ope ra ções frau du len tas são rea li za das no âmbi to do mer ca do de capi -tais com o fim de obten ção de van ta gem inde vi da, sem pre esta rá pre sen te o ele -men to da “alte ra ção do regu lar fun cio na men to do mer ca do”. isso por que o regu -lar fun cio na men to pres su põe a rea li za ção de ope ra ções líci tas, capa zes de tra du -zir a vera ci da de a res pei to dos negó cios cele bra dos, repre sen tan do os reais valo -res intrín se cos dos valo res mobi liá rios. É nessa linha a lição de Carvalhosa eeizirik: “nem toda ação que pro vo que a alte ra ção na cota ção dos papéis pode sertida como deli tuo sa; é neces sá rio que o agen te tenha a inten ção de alte rar o fun -cio na men to regu lar do mer ca do. assim, por exem plo, se o agen te nego cia umagran de quan ti da de de títu los, num peque no perío do de tempo, pode pro vo car aalte ra ção da cota ção de tais valo res, sem a inten ção de mani pu lar; é o que ocor -re nas ope ra ções, que, por seu volu me, cau sam um ‘impac to de mercado’, que nãose con fun de com a mani pu la ção, pela ausên cia do dolo espe cí fi co.”58

56 direito Criminal. parte Geral. são paulo: editora revista dos tribunais, 1987, p. 101.57 op. cit., p. 90.58 op. cit., p. 539.

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a expres são “regu lar fun cio na men to do mer ca do” deve ser com preen di dagene ri ca men te, como nos expli ca Giampiero azzali: “o con cei to de tute la domer ca do é aque le da tute la de seu bom anda men to, em razão da leal da de e dasegu ran ça, na ordem de sua natu re za, das ope ra ções mer can tis. o con cei to, pelasua pró pria exi gên cia, é por tan to com preen si vo da tute la de todos os inte res sesque o mer ca do põe em jogo” abran gen do desde o inte res se dos sujei tos emi ten -tes dos valo res mobi liá rios ao dos inter me diá rios.59

É fun da men tal des ta car que a fina li da de de alte ra ção do regu lar fun cio na -men to do mer ca do de capi tais não exige que o agen te tenha a inten ção de mani -pu lar “todo” o mer ca do de valo res mobi liá rios. também não se con di cio na a apli -ca ção do tipo penal ape nas às con du tas poten cial men te pre ju di ciais ao anda men tode “todas” as nego cia ções cele bra das no âmbi to do mer ca do de capi tais, con for mejá adver ti mos no tópi co sobre a exe cu ção de prá ti cas não equi ta ti vas. essa con cep -ção é defen di da tam bém por alexandre Brandão da veiga: “É neces sá rio mani pu -lar o mer ca do como um todo ou ape nas uma sua parte? Concretamente, se eu ape -nas actuar sobre uma acção pra ti co mani pu la ção, ou tenho de ter con du tas idô neasde afec tar todos os valo res mobi liá rios e ins tru men tos finan cei ros? a solu ção maisade qua da é a pri mei ra. este não é um tipo de esca la. não se exige que se mani pu -le o mer ca do todo, basta mani pu lar um valor ou um ins tru men to finan cei ro. amani pu la ção não é um crime trá gi co, apto para ser preen chi do ape nas por gigan -tes. seria ridí cu lo, para dizer o míni mo, espe rar que a tute la penal exi gis se da partedos agen tes o poder de influen ciar todo o mer ca do de valo res mobi liá rios.”60

além dessa con clu são, é impor tan te obser var que a pre sen ça do ele men tosub je ti vo da alte ra ção do regu lar fun cio na men to do mer ca do inclui tam bém asope ra ções simu la das ou a exe cu ção de outras mano bras frau du len tas rea li za dasfora do mer ca do de capi tais, mas com o fim espe cí fi co de alte rá-lo, obten do-se avan ta gem inde vi da. a mani pu la ção fora do mer ca do de capi tais com o fim e apoten cia li da de de alte rá-lo refe re-se à prá ti ca de ope ra ções simu la das ou à rea li -za ção de outras mano bras frau du len tas diri gi das aos fato res que con di cio nam ofun cio na men to do mer ca do, ou às con di ções de cons ti tui ção, for ma ção e desen -vol vi men to dos pre ços, como nova men te lecio na alexandre Brandão da veiga:“[...] con vém reflec tir sobre uma outra hipó te se, infe liz men te pouco estu da da,

59 aspetti gene ra li. in mercato Finanziario e disciplina penale. Giuffrè, 1993, p. 159: (“il con cet to di tute ladel mer ca to è poi quel lo della tute la del suo buon anda men to, inra gio ne della leal tà e della sicu rez za, nell’ordine della loro natu ra, delle ope ra zio ni mer can ti li. il con cet to, per sua stes sa esi gen za, è dun quecom preen si vo della tute la di tutti gli inte res si che il mer ca to pone in gioco, da quel lo dei sog ge ti emit ten tii valo ri mobi lia ri, a quel le degli inter me dia ri, anche sotto il pro fi lo della cor ret tez za della con cor ren za, aquel lo della ‘ clientela’”).

60 op. cit., p. 82. até mesmo a pena míni ma de 1 (um) ano pre vis ta para o crime de mani pu la ção auto ri zaesta con clu são. o legis la dor, por certo, não cria ria um tipo penal que exi gis se um dano poten cial gigan -tes co como a com ple ta ruína do mer ca do de capi tais pre ven do uma san ção míni ma que per mi te inclu si vea sus pen são con di cio nal do pro ces so.

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que é a da mani pu la ção indi rec ta sem se actuar sequer no mer ca do de valo resmobi liá rios. este seria o caso de actuar sobre os fun da men tals de uma empre saou de um sec tor por forma a afec tar o valor real da empre sa e em con se quên ciaos valo res que esta emi tiu. alguém que por exem plo impe de a cele bra ção de umcon tra to impor tan te, ou então adqui riu toda a maté ria prima usada pela empre -sa, ou adqui riu o mono pó lio de impor ta ção de cer tos bens que são essen ciais paraa sua labo ra ção visan do alte rar o valor de suas acções, seria um exem plo disto.”61

assim, o crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais tam bém pode ocor rerainda que as ações forem pra ti ca das fora de seu âmbi to.

os outros ele men tos sub je ti vos cria dos pelo tipo são a obten ção de van ta -gem inde vi da ou lucro, para si ou para outrem, e o dano a ter cei ros. a pre sen çada inten ção de obter van ta gem inde vi da com a ação cri mi no sa, ine xis ten te noscri mes de mani pu la ção na legis la ção com pa ra da, é comum em nosso direi topenal, estan do pre sen te em alguns tipos penais que envol vem dano ou bene fí ciospatri mo niais.62 a deno mi na da van ta gem inde vi da, para a carac te ri za ção do ele -men to típi co, não neces sa ria men te pre ci sa ter cono ta ção eco nô mi ca,63 ao con trá -rio do lucro, que sig ni fi ca a recei ta, o ganho gera do com deter mi na da ope ra çãode cunho emi nen te men te eco nô mi co.

a mani pu la ção, nes ses casos, pode gerar o pro vei to eco nô mi co ao agen te,con subs tan cia do nos lucros advin do da ope ra ção ilí ci ta ou, ainda, algu ma van ta -gem inde vi da, que pode inclu si ve estar carac te ri za da na mani pu la ção feita como fim de dimi nuir os pre juí zos de deter mi na da posi ção acio ná ria. exemplo: oagen te pos sui um lote “x” de ações, com pra do a 100. esse valor vem apre sen ta douma queda suces si va no mer ca do ou pos sui uma expec ta ti va de queda e, então, o

61 op. cit., p. 107.62 Como exem plo, alguns tipos da parte especial do Código penal: estelionato – art. 171. obter, para si ou

para outrem, van ta gem ilí ci ta, em pre juí zo alheio, indu zin do ou man ten do alguém em erro, median tearti fí cio, ardil, ou qual quer outro meio frau du len to: pena – reclu são, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.Concussão – art. 316. exigir, para si ou para outrem, dire ta ou indi re ta men te, ainda que fora da fun çãoou antes de assu mi-la, mas em razão dela, van ta gem inde vi da: pena – reclu são, de 2 (dois) a 8 (oito) anos,e multa. Corrupção pas si va – art. 317. solicitar ou rece ber, para si ou para outrem, dire ta ou indi re ta men -te, ainda que fora da fun ção ou antes de assu mi-la, mas em razão dela, van ta gem inde vi da, ou acei tar pro -mes sa de tal van ta gem: pena – reclu são, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. Corrupção ativa – art. 333.oferecer ou pro me ter van ta gem inde vi da a fun cio ná rio públi co, para deter mi ná-lo a pra ti car, omi tir ouretar dar ato de ofí cio: pena – reclu são, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.

63 a esse res pei to, já escre ve mos sobre o crime de ges tão frau du len ta: “embora ine xis ta a exi gên cia típi ca,den tro de uma abor da gem sis te má ti ca do orde na men to jurí di co penal, pode-se afir mar que a frau de con -ti nua da em ins ti tui ção finan cei ra deve ser puni da somen te se for exe cu ta da bus can do uma van ta gem inde -vi da, que, por exem plo, pode con sis tir em um bene fí cio patri mo nial, no enco bri men to de uma situa çãodes fa vo rá vel ou com a inten ção de impe dir uma fis ca li za ção na ins ti tui ção. deve, por tan to, a frau de pos -suir um fim.” (op. cit., p. 106). alexandre Brandão da veiga ofe re ce alguns exem plos de van ta gens que nãoguar dam rela ção dire ta com a natu re za eco nô mi ca do pro vei to visa do pelo agen te, tais como, man ter umacar tei ra de clien tes fide li za da ou para dar uma ima gem melhor da empre sa (op. cit., p. 139). É claro quetodas essas moti va ções têm, pelo menos indi re ta men te, natu re za eco nô mi ca.

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agen te empre ga mano bras simu la das com o fim de man ter o valor ou aumen tá-lo, ven den do, por exem plo, a 99.

nesse caso, não há pro pria men te lucro, ana li san do o valor ini cial de com -pra e o valor final de venda, que são os parâ me tros comuns nesse tipo de inves -ti ga ção. mas, ana li sa da a ope ra ção de modo glo bal, per ce be-se que o agen te obte -ve van ta gem inde vi da, eis que even tuais pre juí zos fazem parte do con cei to deregu la ri da de no fun cio na men to do mer ca do de valo res mobi liá rios.

na inten ção do agen te des cri ta pelo tipo penal da mani pu la ção, é pre vis totam bém o fim de cau sar dano a ter cei ros. Já se comen tou, inclu si ve, da impro -prie da de da cria ção de um ele men to sub je ti vo de resul ta do, como clas si ca men teé o dolo de dano, como requi si to voli ti vo para a carac te ri za ção de um crime quese con su ma de manei ra ante ci pa da, inde pen den te men te do resul ta do alme ja dopelo agen te.

também neste caso, a inten ção do agen te não pre ci sa estar dire ta men teconec ta da a um pre juí zo eco nô mi co de ter cei ros. embora o aspec to da lesãopatri mo nial, como se viu, seja o mais comum neste tipo de crime, assim como avan ta gem inde vi da, o dano pode se rela cio nar a outros valo res, como, por exem -plo, a ima gem de deter mi na da com pa nhia ou a cre di bi li da de de seus títu los.

a inten ção de cau sar dano pode ocor rer, tam bém, em rela ção a uma ins ti -tui ção finan cei ra con cor ren te ou a todo o mer ca do indis cri mi na da men te.Quando se opera frau du len ta men te com o fim, por exem plo, de cau sar umaqueda gene ra li za da nos pre ços dos valo res mobi liá rios, o dano cau sa do é indis -tin ta men te dis tri buí do entre todo o mer ca do, mesmo que, obvia men te, partedele possa, inclu si ve, lucrar com as mani pu la ções exe cu ta das por ter cei ros.

6. Consumação e ten ta ti va

nas tipi fi ca ções de con du tas seme lhan tes à mani pu la ção do mer ca do noBrasil, ao longo da his tó ria, o legis la dor uti li zou reda ções dis tin tas para a des cri -ção do tipo obje ti vo. no Código penal de 1890, o arti go 340 punia a con du ta coma uti li za ção do verbo ‘ promover’ (“os admi nis tra do res que por qual quer arti fí ciopro mo ve rem fal sas cota ções das acções”).

o mesmo verbo foi uti li za do na lei de socie da de por ações de 1940 (“osdire to res, geren tes e fis cais que pro mo ve rem, por qual quer arti fí cio, fal sas cota -ções das ações ou de outros títu los per ten cen tes à socie da de”) e no Código penalem vigor (“promover a fun da ção de socie da de por ações, fazen do, em pros pec toou em comu ni ca ção ao públi co ou à assem bléia, afir ma ção falsa sobre a cons ti -tui ção da socie da de, ou ocul tan do frau du len ta men te fato a ela rela ti vo”).

Já o decreto-lei nº 869, de 18 de novem bro de 1938, uti li za va-se do núcleotípi co ‘ provocar’ (“pro vo car a alta ou baixa de pre ços, títu los públi cos, valo res ousalá rios por meio de notí cias fal sas, ope ra ções fic tí cias ou qual quer ouro arti fí cio”),repe ti do, pos te rior men te, pela lei dos Crimes con tra a economia popular (“pro vo -

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car a alta ou baixa de pre ços de mer ca do rias, títu los públi cos, valo res ou salá riospor meio de notí cias fal sas, ope ra ções fic tí cias ou qual quer outro arti fí cio”).

em rela ção aos tipos penais que uti li za vam o verbo ‘ provocar’, deve-seenten der o crime como de resul ta do, eis que o sen ti do é exa ta men te o de cau sara falsa cota ção por inter mé dio da con du ta. a falsa cota ção é fun da men tal men teo resul ta do puní vel dos meios arti fi ciais empre ga dos pelo agen te, sendo, nessasitua ção, admis sí vel em tese a ten ta ti va se o resul ta do, alta ou baixa da cota ção,não se veri fi ca.64

a dou tri na nacio nal enten de que a veri fi ca ção con cre ta da fal si da de da cota -ção é o resul ta do exi gi do pelo tipo penal da parte especial do Código. pedrazzi eCosta Júnior sus ten tam que “a dou tri na bra si lei ra domi nan te inter pre ta o verbo ‘ -promover’ no sen ti do de uma cau sa ção efe ti va. não obs tan te os incon ve nien tesora assi na la dos, enten de mos que tal inter pre ta ção deva ser ado ta da”.65

segundo o pen sa men to de nelson hungria, “é irre le van te, para sua con -su ma ção, o adven to de dano efe ti vo, bas tan do que, com o arti fí cio empre ga -do, as ações ou outros títu los sejam fal sa men te cota dos. É pos sí vel a ten ta ti va:não obs tan te o arti fí cio empre ga do, deixa de sobre vir, por moti vos alheios àvon ta de do agen te, a coli ma da alta ou baixa fic tí cia da cota ção”.66 Cezarroberto Bitencourt adota o mesmo posi cio na men to: “Como crime for mal, afalsa cota ção de ações ou títu los de socie da de con su ma-se inde pen den te men -te da super ve niên cia de qual quer dano pro ve nien te da cota ção falsa. em outros ter mos, o crime con su ma-se no momen to em que o sujei to ativo obtéma falsa cota ção.”67

deve-se, entre tan to, ape nas ilus trar o fato de esses auto res tra ta rem o tipopenal, tal como estru tu ra do no Código, como norma de pro te ção ao patri mô nio,daí, obvia men te, con si de ra rem como dano efe ti vo a veri fi ca ção de pre juí zopatri mo nial alheio.

Como já se asse ve rou ao longo da expo si ção, na estru tu ra ção atual, o tipo demani pu la ção não tute la ape nas o patri mô nio. a pro du ção arti fi cial de falsa cota -ção gera, ine vi ta vel men te, um dano efe ti vo ao mer ca do de capi tais, que não seesgo ta na veri fi ca ção de pre juí zo patri mo nial dos inves ti do res, mas tam bém emsua cre di bi li da de peran te os par ti ci pan tes, aba la da pela frau de exe cu ta da, pro du -zin do-se a cota ção arti fi cial. pela reda ção do tipo atual men te em vigor, ao con -trá rio do tipo penal do art. 177 do Cp, a ausên cia con cre ta do resul ta do dese ja donão con duz à pos si bi li da de do reco nhe ci men to da moda li da de ten ta da do crime,

64 em sen ti do con trá rio, man teC Ca, pascoal. Crimes con tra a economia popular e sua repres são. 2. ed.são paulo: editora revista dos tribunais, 1989, p. 36.

65 op. cit., p. 265.66 op. cit., p. 289.67 tratado de direi to penal: parte espe cial. v. 3. são paulo: saraiva, 2003, p. 343.

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sendo abso lu ta men te irre le van te para a carac te ri za ção da tipi ci da de da con du taa efe ti va alte ra ção da cota ção do valor mobi liá rio. a efe ti va obten ção da van ta -gem e a con cre ta alte ra ção do fun cio na men to dos mer ca dos serão ele men tos aserem ana li sa dos na fixa ção da pena.

a inter pre ta ção de que a con su ma ção do crime só pode ria ocor rer com aper cep ção da van ta gem e da efe ti va ocor rên cia da alte ra ção do regu lar fun cio na -men to do mer ca do faria com que o intér pre te crias se um resul ta do que o tipopenal não des cre ve. essas duas cir cuns tân cias foram tipi fi ca das como espe ciaisele men tos da inten ção do agen te, não como even tos a serem veri fi ca dos obje ti -va men te como con se quên cia da con du ta. o legis la dor pro va vel men te ado touessa fór mu la pela inca pa ci da de abso lu ta de domí nio das for ças ope ran tes no mer -ca do por parte do sujei to ativo. um mer ca do efi cien te, aber to e, prin ci pal men te,de alta capi ta li za ção, não é total men te pas sí vel de con tro le por parte dos agen tesfinan cei ros, de forma que o resul ta do de alta ou baixa nas cota ções, em tese, per -ma ne ce alheio à von ta de daque le que rea li za ope ra ções simu la das ou frau du len -tas com esse fim espe cí fi co.

as recen tes tipi fi ca ções no direi to com pa ra do tam bém segui ram nessalinha. o crime de mani po la zio ne del mer ca to, na itália, por exem plo, ape nasimpõe que as ações sejam “idô neas a pro vo car” uma sen sí vel alte ra ção dos pre çosdos ins tru men tos.

nesse ponto resi de, basi ca men te, a prin ci pal dis tin ção entre a regu la men ta -ção penal e as nor mas admi nis tra ti vas da Cvm. enquanto no plano cri mi nal otipo visi vel men te não des cre ve qual quer resul ta do, a norma admi nis tra ti va refe -re-se à “cria ção de con di ções arti fi ciais de deman da, ofer ta ou preço de valo resmobi liá rios, a mani pu la ção de preço, a rea li za ção de ope ra ções frau du len tas e ouso de prá ti cas não-eqüi ta ti vas”.

7. Concurso de mani pu la ções do mer ca do

Como em qual quer outra moda li da de de crime, a mani pu la ção do mer ca dode capi tais admi te obvia men te a pos si bi li da de de con cur so de infra ções. nessecaso, con tu do, sur gem diver sos pro ble mas em rela ção à defi ni ção do con cur sofor mal ou mate rial e do enqua dra men to da prá ti ca suces si va de mani pu la çõescomo crime con ti nua do.

o con cur so de mani pu la ções deve ser resol vi do a par tir do con cei to de uni -da de de desíg nios, con cei to expli ca do por heleno Fragoso: “se a ação ou omis sãofor dolo sa e os cri mes con cor ren tes resul tam de desíg nios autô no mos, as penas seapli cam cumu la ti va men te (art. 70, in fine). nesse caso, uma ação única cor res -pon de a diver sas ações, pelo com po nen te sub je ti vo que a ins pi ra. a solu ção jurí -di ca é aqui a mesma do con cur so mate rial, com a soma das penas. entendeu olegis la dor que, haven do desíg nios autô no mos, ou seja, von ta de deli be ra da men te

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diri gi da aos diver sos fins, não se jus ti fi ca a dimi nui ção da pena, por que sub sis teínte gra a cul pa bi li da de pelos fatos diver sos.”68

em pri mei ro lugar, se todas as frau des forem empreen di das com o fimexclu si vo de mani pu lar deter mi na do ativo, o crime é único, ainda que vários osatos fic tí cios ou frau du len tos. isso por que o pró prio tipo penal uti li za-se dasexpres sões “ope ra ções” e “mano bras frau du len tas”, pre su min do-se a inten ção dolegis la dor em con si de rar como uma única ação típi ca a prá ti ca de vários atos como fim de mani pu lar um único valor mobi liá rio.

a ques tão fica mais com ple xa na hipó te se de os atos pra ti ca dos atin gi remdois mer ca dos dis tin tos. assim, pode-se cogi tar de con cur so mate rial entre oscri mes. outro pro ble ma que se cria é a pos si bi li da de de ape nas um ato pra ti ca doalte rar o regu lar fun cio na men to de mais de um mer ca do, exis tin do em tese ocon cur so for mal entre as ações. nessa hipó te se, ainda, as penas pode riam sersoma das haven do desíg nios autô no mos do agen te, de acor do com o dis pos to naparte geral do Código penal.69

a dis tin ção é impor tan te, eis que, como men cio na do, a mani pu la ção domer ca do futu ro pode pro du zir indi re ta men te a alte ra ção do mer ca do à vista.assim, várias hipó te ses de con cur so de mani pu la ção podem sur gir ao intér pre te,por exem plo: manipulação do mer ca do futu ro com o fim espe cí fi co de alte rar omer ca do à vista; mani pu la ção do mer ca do à vista com o fim espe cí fi co de alte raro mer ca do futu ro; mani pu la ção do mer ca do pri má rio com o fim espe cí fi co dealte rar o mer ca do secun dá rio; mani pu la ção do mer ca do secun dá rio com o fimespe cí fi co de alte rar o mer ca do pri má rio; mani pu la ção de um ativo com o fimespe cí fi co de alte rar outro. alexandre Brandão da veiga já tra ba lhou o tema,apre sen tan do as seguin tes pos si bi li da des de con cur so: “a) alguém mani pu la as acções para mani pu lar o valor dos deri va dos sobre eles cons ti tuí dos (ou vice-versa, para estes efei tos é irre le van te) b) alguém mani pu la as acções e os deri va -dos em simul tâ neo c) alguém mani pu la obri ga ções que afec tam as acções que porsua vez afec tam não só estas mas igual men te os deri va dos sobre elas cons ti tuí dos.

68 op. cit., p. 442.69 “art. 69 – Quando o agen te, median te mais de uma ação ou omis são, pra ti ca dois ou mais cri mes, idên ti -

cos ou não, apli cam-se cumu la ti va men te as penas pri va ti vas de liber da de em que haja incor ri do. no casode apli ca ção cumu la ti va de penas de reclu são e de deten ção, exe cu ta-se pri mei ro aque la. § 1º – na hipó te se deste arti go, quan do ao agen te tiver sido apli ca da pena pri va ti va de liber da de, não sus -pen sa, por um dos cri mes, para os demais será inca bí vel a subs ti tui ção de que trata o art. 44 deste códi go.§ 2º – Quando forem apli ca das penas res tri ti vas de direi tos, o con de na do cum pri rá simul ta nea men te asque forem com pa tí veis entre si e suces si va men te as demais. Concurso for mal art. 70 – Quando o agen te, median te uma só ação ou omis são, pra ti ca dois ou mais cri mes, idên ti cos ounão, apli ca-se-lhe a mais grave das penas cabí veis ou, se iguais, somen te uma delas, mas aumen ta da, emqual quer caso, de um sexto até meta de. as penas apli cam-se, entre tan to, cumu la ti va men te, se a ação ouomis são é dolo sa e os cri mes con cor ren tes resul tam de desíg nios autô no mos, con soan te o dis pos to no arti -go ante rior. parágrafo único – não pode rá a pena exce der a que seria cabí vel pela regra do art. 69 deste códi go.”

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os casos expla na dos não esgo tam as com bi na ções pos sí veis, mas já nos per mi tem”esta be le cer as três hipó te ses bási cas: a) uma mani pu la ção direc ta e uma indi rec -ta b) duas mani pu la ções direc tas c) uma mani pu la ção direc ta, uma indi rec ta eoutra indi rec ta de segun do grau.”70 o autor, embo ra admi ta a pos si bi li da de decon cur so de infra ções, enten de que “a res pos ta ape nas pode ser dada no caso con -cre to. só peran te a pon de ra ção dos valo res lesa dos se pode dar uma res pos ta”.71

ainda que a aná li se con cre ta da for mu la ção do pro ble ma possa per mi tir um melhor juízo, é pos sí vel cons truir deter mi na das fór mu las. os ele men tos nor ma -ti vos do tipo são os “mer ca dos de valo res mobi liá rios em bolsa de valo res, demer ca do rias e de futu ros, no mer ca do de bal cão ou no mer ca do de bal cão orga -ni za do”. resumindo o pro ble ma, se a mani pu la ção do mer ca do de valo res mobi -liá rios em bolsa de valo res pro vo car tam bém a alte ra ção do regu lar fun cio na -men to da bolsa de mer ca do rias e de futu ros, é pos sí vel cogi tar-se de um con cur -so de mani pu la ções?

a melhor res pos ta, em pri mei ro lugar, seria con si de rar como crime único amani pu la ção que pro vo ca a alte ra ção arti fi cial de mais de um tipo de mer ca do devalo res mobi liá rios, desde que estas con se quên cias este jam con tem pla das no fimespe cí fi co do agen te. a expres são “com a fina li da de de”, espe cial fim de agir do tiposub je ti vo, exclui a pos si bi li da de do con cur so mate rial ou for mal na hipó te se de alte -ra ção de um segun do mer ca do de forma não pre vis ta ou inde se ja da pelo agen te.

também a hipó te se de con cur so median te dolo even tual em rela ção à alte -ra ção dos outros mer ca dos não se com pa ti bi li za com o tipo penal em estu do, sejapela ausên cia do dolo espe cí fi co ou pela impre vi si bi li da de do mer ca do finan cei -ro. agregue-se a isto a estru tu ra ção do tipo ao exi gir a pre sen ça da inten ção delucro, além do fim de alte rar o regu lar fun cio na men to dos mer ca dos. dessaforma, se o agen te mani pu la o mer ca do futu ro para ter lucro com a mani pu la çãoindi re ta men te pro du zi da sobre o mer ca do à vista, o crime é um só, eis que ine -xis te o espe cial fim de lucro no mer ca do futu ro.

a única hipó te se em que se admi ti ria o con cur so for mal ou mate rial docrime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais seria a exe cu ção de ope ra çõessimu la das ou frau du len tas com o fim de alte rar o regu lar fun cio na men to de maisde um mer ca do, e tam bém pre sen te o fim de lucrar em ambos, eis que nesseexem plo pare ce clara a auto no mia de desíg nios. a dis tin ção entre as duas moda -li da des regu la-se pelo núme ro de ações (uma ou mais de uma) empreen di das peloagen te para a con se cu ção do seu obje ti vo, de acor do com a pró pria dife ren cia çãofeita pela parte geral.

admitida a pos si bi li da de de con cur so mate rial entre as infra ções, outropro ble ma a ser resol vi do é a pos si bi li da de da apli ca ção da con ti nui da de deli ti va

70 op. cit., p. 106.71 idem, ibi dem.

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no crime de mani pu la ção do mer ca do, de acor do com o dis pos to no art. 71 doCp. de acor do com a parte geral, se o agen te pra ti car várias ope ra ções simu la -das ou mano bras frau du len tas, exe cu ta das com o fim de alte rar o regu lar fun -cio na men to do mer ca do e com o fim de obter van ta gens inde vi das, carac te ri -zan do mais de um crime de mani pu la ção do mer ca do, pode rá ser apli ca da aregra do crime con ti nua do se as ações conec tam-se por “con di ções de tempo,lugar, manei ra de exe cu ção”.

nessas hipó te ses, as diver sas mani pu la ções devem ser con si de ra das comocrime único, inci din do a regra do art. 71. em pri mei ro lugar, o pro ble ma surge apar tir do momen to em que o tipo penal da mani pu la ção do mer ca do uti li za aexpres são “ope ra ções”, indi can do que a cele bra ção de mais de um “con tra to” nomer ca do de capi tais ou de diver sas ope ra ções finan cei ras de natu re za simu la da oufrau du len ta não tem o con dão de carac te ri zar, por si só, o con cur so de infra ções.

Como já se ano tou, é neces sá rio que as diver sas ope ra ções simu la das pra ti -ca das pelo agen te tenham um cará ter autô no mo, com desíg nios frau du len tosespe cí fi cos, para que se possa falar em plu ra li da de de deli tos. assim, a pri mei radis tin ção que se faz é se o crime é um só ou se as diver sas ope ra ções pra ti ca dascarac te ri zam mais de uma mani pu la ção. Feita essa aná li se, bas ta rá com pa rar osdiver sos cri mes entre si sob a pers pec ti va do art. 71 do Cp, a fim de con cluir sesão “da mesma espé cie” e se foram pra ti ca dos median te seme lhan tes “con di çõesde tempo, lugar, manei ra de exe cu ção”. nessa hipó te se, “devem os sub se qüen tesser havi dos como con ti nua ção do pri mei ro”.

Concluindo o tema, se o agen te obtém de modo con ti nua do van ta gens inde vi -das em razão de suces si vas mani pu la ções do mer ca do rea li za das com único fim, háape nas um crime de mani pu la ção, ainda que a cen su ra de seu com por ta men to sejaagra va da. se o agen te obtém de modo con ti nua do van ta gens inde vi das em razão damani pu la ção do mer ca do feita ante rior men te, caso rea li ze outros tipos de ope ra çõessimu la das ou frau du len tas sub se quen tes com outro fim, apli ca-se ao caso as regrasdes cri tas, depen den do da hipó te se, nos arti gos 69, 70 e 71 do Código penal.

em outras pala vras, o rece bi men to con ti nua do de van ta gens inde vi das e aplu ra li da de de ope ra ções ilí ci tas não indi cam por si só a ocor rên cia de dois oumais cri mes de mani pu la ção. É neces sá ria a pre sen ça de desíg nios autô no mospara a carac te ri za ção da plu ra li da de de deli tos.

8. Classificação dou tri ná ria

a mani pu la ção do mer ca do é crime comum (não se exige qua li fi ca ção espe -cial do sujei to ativo); for mal (não exige resul ta do natu ra lís ti co, bas tan do a com -pro va ção da ocor rên cia da ação des cri ta); dolo so (não há pre vi são legal para afigu ra cul po sa); de forma livre (não há des cri ção de uma forma ou modo paraexe cu ção dessa infra ção penal, poden do ser rea li za do do modo ou pelo meioesco lhi do pelo sujei to ativo); comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipo

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impli ca a rea li za ção de uma con du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi -bi ti va e não man da men tal); ins tan tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen todeter mi na do, não haven do um dis tan cia men to tem po ral entre a ação e o resul -ta do, que é irre le van te para a con su ma ção); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do, con tu do, o con cur so de agen tes); e plu ris -sub sis ten te (pode ser des do bra do em vários atos, que, no entan to, inte gram amesma con du ta).

9. pena e ação penal

o legis la dor comi nou ao crime em estu do a san ção de reclu são, de 1 (um) a8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o mon tan te da van ta gem ilí ci ta obti daem decor rên cia do crime. esse deli to, con soan te já abor da do, a toda evi dên cia, éuma moda li da de de ges tão frau du len ta das ins ti tui ções finan cei ras cre den cia dasa atuar no mer ca do de capi tais. nessa aná li se, cons ta ta-se que a lei criou umasitua ção de evi den te vio la ção ao prin cí pio da pro por cio na li da de. ou seja, deacor do com o art. 4º da lei nº 7.492/86, o ato de gerir frau du len ta men te ins ti tui -ção finan cei ra no mer ca do ban cá rio, cam bial de segu ros ou até mesmo um con -sór cio tem a pre vi são abs tra ta de uma pena de 3 a 12 anos de reclu são, enquan -to a mesma con du ta pra ti ca da no âmbi to do mer ca do de capi tais rece be a san çãode 1 a 8 anos de reclu são.

outra ques tão mere ce do ra de des ta que é a pre vi são da pena de multa, pois,embo ra os limi tes da pena pri va ti va de liber da de sejam meno res, é certo que olimi te máxi mo da pena de multa na recen te legis la ção é sen si vel men te maior queos defi ni dos pela lei nº 7.492 e pela parte geral do Cp. na fixa ção da pena pri va -ti va de liber da de e da pena de multa, inclu si ve pela ampla mar gem cria da pelolegis la dor, o magis tra do deve rá levar em con si de ra ção o resul ta do pro vo ca dopela mani pu la ção. no caso da multa, inclu si ve, em fun ção do que dis põe o art. 5ºda lei nº 10.303/01, dando nova reda ção e crian do o art. 27-F, des ta ca-se a espe -cial aten ção à obten ção da van ta gem e ao dano cau sa do, com a seguin te reda ção:“art. 27-F. as mul tas comi na das para os cri mes pre vis tos nos arts. 27-C e 27-ddeve rão ser apli ca das em razão do dano pro vo ca do ou da van ta gem ilí ci ta aufe -ri da pelo agen te. parágrafo único. nos casos de rein ci dên cia, a multa pode ser deaté o tri plo dos valo res fixa dos neste arti go.”

essa dis po si ção, porém, não impe de que o magis tra do, após a fixa ção dapena-base, com refe rên cia aos arts. 27-C e 27-F, apli que tam bém a regra do § 1ºdo art. 6072 do Cp se con si de rar que, em vir tu de da situa ção eco nô mi ca do réu,a san ção de multa é ine fi caz, embo ra apli ca da no máxi mo.

72 “art. 60 – na fixa ção da pena de multa o juiz deve aten der, prin ci pal men te, à situa ção eco nô mi ca do réu. § 1º – a multa pode ser aumen ta da até o tri plo, se o juiz con si de rar que, em vir tu de da situa ção eco nô mi -ca do réu, é ine fi caz, embo ra apli ca da no máxi mo.”

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É pre ci so demons trar ape nas uma sutil dis tin ção na fixa ção da pena demulta. note-se que a pre vi são da pena de multa no art. 27-C faz refe rên cia ape -nas à van ta gem inde vi da (pena – reclu são, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa deaté 3 (três) vezes o mon tan te da van ta gem ilí ci ta obti da em decor rên cia docrime). portanto, esta dis po si ção não se apli ca se a con du ta ape nas cau sar danosa ter cei ros ou ine xis tir o resul ta do em fun ção da mani pu la ção. Já o art. 27-F dis -põe que: “as mul tas comi na das para os cri mes pre vis tos nos arts. 27-C e 27-ddeve rão ser apli ca das em razão do dano pro vo ca do ou da van ta gem ilí ci ta aufe -ri da pelo agen te.” a única inter pre ta ção pos sí vel é a de que o dano pro vo ca dodeve, cer ta men te, ser ava lia do para a fixa ção da pena-base, mas não pode rá serinvo ca do para ele var a san ção em até três vezes esse mon tan te, ao con trá rio davan ta gem aufe ri da com a mani pu la ção.

no caso da rein ci dên cia, tra ta da pelo pará gra fo único do art. 27-F, tudoindi ca que o legis la dor come teu um equí vo co ao se refe rir aos “valo res fixa dosneste arti go”. Basta uma lei tu ra do caput para se con cluir que não há men ção aqual quer tipo de fixa ção de valo res, sendo certo, por tan to, que a dis po si çãotorna-se ina pli cá vel. não cabe ria aqui, sob pena de vio la ção ao prin cí pio da lega -li da de, ten tar, median te um exer cí cio de inter pre ta ção, ima gi nar que o legis la dorse refe riu ao caput do art. 27-C. esta cor re ção não cabe à dou tri na, nem à juris -pru dên cia, mas sim ao legis la dor na hipó te se de refor ma da dis po si ção. É inte res -san te ano tar, inclu si ve, que este mesmo pro ble ma ocor reu na reda ção do art. 33da lei nº 7.492/86,73 con for me dis cor re mos: “em ver da de, essa dis po si ção nor -ma ti va é juri di ca men te ina pli cá vel, pois a com ple men ta ção dessa norma de inte -gra ção sim ples men te não exis te. o legis la dor dos cri mes con tra o sis te ma finan -cei ro come teu um erro cras so, con di cio nan do a apli ca ção do art. 33 à ocor rên ciacon cre ta de um pres su pos to impos sí vel, pois não há nenhu ma situa ção des cri tano § 1º do art. 49 do Código penal, que dis põe ‘art. 49. a pena de multa con sis -te no paga men to ao fundo peni ten ciá rio da quan tia fixa da na sen ten ça e cal cu la -da em dias-mul tas. será, no míni mo, de 10 (dez) e, no máxi mo, de 360 (tre zen -tos e ses sen ta) dias-multa. § 1º. o valor do dia-multa será fixa do pelo juiz nãopoden do ser infe rior a um tri gé si mo do maior salá rio míni mo men sal vigen te aotempo do fato, nem supe rior a 5 (cinco) vezes esse salário’.” o equí vo co do legis -la dor e a ina pli ca bi li da de do art. 33 foram nota dos pela dou tri na que versa sobreo tema, valen do repro du zir o magis té rio de rodolfo tigre maia: “ao que pare cehouve equí vo co ou omis são na reda ção do dis po si ti vo, insu pe rá vel por força dareser va legal [...]”.74

73 “na fixa ção da pena de multa rela ti va aos cri mes pre vis tos nesta lei, o limi te a que se refe re o § 1º do art.49 do Código penal, apro va do pelo decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezem bro de 1940, pode ser esten di doaté o décu plo, se veri fi ca da a situa ção nele cogi ta da.”

74 op. cit., p. 172.

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da mesma forma, no caso dos cri mes con tra o mer ca do de capi tais, a apli -ca ção do pará gra fo único do art. 27-F para as hipó te ses de rein ci dên cia viola osprin cí pios da reser va legal e da taxa ti vi da de que nor teiam a comi na ção e apli ca -ção da san ção penal.

a ação penal é públi ca e incon di cio na da.

10. Competência

a lei nº 10.303/01 não defi niu a com pe tên cia para o pro ces so e o jul ga men -to dos cri mes con tra o mer ca do de capi tais, como fez, por exem plo, a lei7.492/86: “art.26 – a ação penal, nos cri mes pre vis tos nesta lei, será pro mo vi dapelo ministério público Federal, peran te a Justiça Federal. parágrafo único. sempre juí zo do dis pos to no art. 268 do Código de processo penal, apro va do pelodecreto-lei nº 3.689, de 3 de outu bro de 1941, será admi ti da a assis tên cia daComissão de valores mobiliários – Cvm, quan do o crime tiver sido pra ti ca do noâmbi to de ati vi da de sujei ta à dis ci pli na e à fis ca li za ção dessa autarquia, do BancoCentral do Brasil quan do, fora daque la hipó te se, hou ver sido come ti do na órbi tade ati vi da de sujei ta à sua dis ci pli na e fis ca li za ção.”

a maté ria deve ser resol vi da sob o pris ma do evi den te inte res se da união namanu ten ção de um mer ca do de capi tais imune à pro li fe ra ção de valo res mobi liá -rios com pre ços arti fi cial men te alte ra dos. ao lado dessa cir cuns tân cia, se a fis ca -li za ção e a regu la men ta ção do mer ca do de capi tais são de atri bui ção de autar quiada união, pare ce indis cu ti vel men te pre sen te o requi si to cons ti tu cio nal do art.109, iv, que deter mi na a com pe tên cia da Justiça Federal para o pro ces so e o jul -ga men to de infra ções dessa natu re za.

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Capítulo XXvi

uso indevido deinformação privilegiada

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo do crime. 4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca. 5. tipo sub je ti vo: ade qua çãotípi ca. 6. Consumação e ten ta ti va. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. pena e ação penal.9. Competência.

art. 27-d. utilizar infor ma ção rele van te, ainda não divul ga da ao mer ca do,de que tenha conhe ci men to e da qual deva man ter sigi lo, capaz de pro pi ciar, parasi ou para outrem, van ta gem inde vi da, median te nego cia ção, em nome pró prioou de ter cei ro, com valo res mobi liá rios:

pena – reclu são, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes omon tan te da van ta gem obti da em decor rên cia do crime.

1. Considerações pre li mi na res

na itália, pune-se1 o abuso de infor ma ções pri vi le gia das com a mesma san -ção da mani pu la ção do mer ca do; e a iden ti da de entre as penas tem sen ti do, namedi da em que ofen dem inte res ses seme lhan tes com a mesma poten cia li da deofen si va. muda-se ape nas a forma de exe cu ção do abuso de mer ca do. enquantoa mani pu la ção é rea li za da em regra com a exte rio ri za ção de dados fal sos ou simu -la dos, no crime de infor ma ção pri vi le gia da a notí cia é ver da dei ra, mas a sub tra -ção ao públi co do dado rele van te carac te ri za a vio la ção à neces sá ria trans pa rên -

1 art. 184. – (abuso di infor ma zio ni pri vi le gia te). – 1. È puni to con la reclu sio ne da uno a sei anni e con lamulta da euro ven ti mi la a euro tre milio ni chiun que, essen do in pos ses so di infor ma zio ni pri vi le gia te inragio ne della sua qua li tà di mem bro di orga ni di ammi nis tra zio ne, dire zio ne o con trol lo dell’emittente,della par te ci pa zio ne al capi ta le dell’emittente, ovve ro dell’esercizio di un’attività lavo ra ti va, di una pro -fes sio ne o di una fun zio ne, anche pub bli ca, o di un uffi cio: a) acquis ta, vende o com pie altre ope ra zio ni,diret ta men te o indi ret ta men te, per conto pro prio o per conto di terzi, su stru men ti finan zia ri uti liz zan dole infor ma zio ni mede si me; b) comu ni ca tali infor ma zio ni ad altri, al di fuori del nor ma le eser ci zio dellavo ro, della pro fes sio ne, della fun zio ne o dell’ufficio; c) rac co man da o indu ce altri, sulla base di esse, alcom pi men to di talu na delle ope ra zio ni indi ca te nella let te ra a). 2. la stes sa pena di cui al comma 1 siappli ca a chiun que essen do in pos ses so di infor ma zio ni pri vi le gia te a moti vo della pre pa ra zio ne o ese cu -zio ne di atti vi tà delit tuo se com pie talu na delle azio ni di cui al mede si mo comma 1.

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cia. as duas ações são des leais em face dos demais par ti ci pan tes: na mani pu la ção,inse re-se um ele men to falso no pro ces so de for ma ção dos pre ços dos valo resmobi liá rios; no uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da, omite-se um dado real.em portugal, a maté ria foi regu la da com o mesmo teor pelo Código do mercadode valores mobiliários, pre ven do no art. 378 o crime de “abuso de infor ma ção”.2

o legis la dor bra si lei ro aca tou a ten dên cia inter na cio nal de cri mi na li za çãodesta con du ta, mas optou por uma reda ção mais con ci sa, res trin gin do o crime deuso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da aos titu la res do dever de sigi lo sobre odado rele van te, ao con trá rio da nor ma ti za ção euro peia ana li sa da, que esten de apuni ção tam bém ao sujei to ativo não qua li fi ca do.

para José marcelo martins proença:3 “a ação do insi der pode con fi gu rar emvio la ção simul tâ nea dos pre cei tos legais per ti nen tes ao dever de infor mar, de tor -nar públi cos fatos hábeis para influir na deci são de com pra e venda de títu los porparte dos inves ti do res”, vio lan do, tam bém, o “dever de infor mar e, ao invés, lan -çan do mão das infor ma ções não divul ga das para nego ciar em posi ção van ta jo sa.”assim, pros se gue o autor: “o insi der deses ta bi li za o mer ca do, com pro me ten do-lhe, por con se guin te, a efi ciên cia.”

2. Bem jurí di co tute la do

a norma pro te ge as rela ções de con fian ça, trans pa rên cia e leal da de entretodos os par ti ci pan tes do mer ca do de capi tais, espa ço que deve se qua li fi car pela

2 “1. Quem dis po nha de infor ma ção pri vi le gia da devi do à sua qua li da de de titu lar de um órgão de admi nis -tra ção ou de fis ca li za ção de um emi ten te ou de titu lar de uma par ti ci pa ção no res pec ti vo capi tal e a trans -mi ta a alguém fora do âmbi to nor mal das suas fun ções ou, com base nessa infor ma ção, nego ceie ou acon -se lhe alguém a nego ciar em valo res mobi liá rios ou outros ins tru men tos finan cei ros ou orde ne a sua subs -cri ção, aqui si ção, venda ou troca, direc ta ou indi rec ta men te, para si ou para outrem, é puni do com penade pri são até três anos ou com pena de multa. 2. na mesma pena incor re quem dis po nha de infor ma ção pri vi le gia da em razão do tra ba lho ou ser vi ço quepres te, com carác ter per ma nen te ou oca sio nal, a essa ou outra enti da de ou em vir tu de de pro fis são ou fun -ção públi ca que exer ça, e a trans mi ta a alguém fora do âmbi to nor mal das suas fun ções ou, com base nessainfor ma ção, nego ceie ou acon se lhe alguém a nego ciar em valo res mobi liá rios ou outros ins tru men tosfinan cei ros ou orde ne a sua subs cri ção, aqui si ção, venda ou troca, direc ta ou indi rec ta men te, para si oupara outrem. 3. Qualquer pes soa não abran gi da pelos núme ros ante rio res que, tendo conhe ci men to de uma infor ma çãopri vi le gia da cuja fonte seja algu ma das pes soas refe ri das nos nºs 1 e 2, a trans mi ta a outrem, ou, com basenessa infor ma ção, nego ceie ou acon se lhe alguém a nego ciar em valo res mobi liá rios ou outros ins tru men -tos finan cei ros ou orde ne a sua subs cri ção, aqui si ção, venda ou troca, direc ta ou indi rec ta men te, para siou para outrem, é puni da com pena de pri são até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.4. entende-se por infor ma ção pri vi le gia da toda a infor ma ção não tor na da públi ca que, sendo pre ci sa edizen do res pei to a qual quer emi ten te ou a valo res mobi liá rios ou outros ins tru men tos finan cei ros, seriaidó nea, se lhe fosse dada publi ci da de, para influen ciar de manei ra sen sí vel o seu preço no mer ca do.”

3 insider trading. regime Jurídico do uso de infor ma ções pri vi le gia das no mer ca do de capi tais. são paulo:editora Quartier latin do Brasil, 2005, p. 319-320.

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igual da de de opor tu ni da des ofe re ci da aos inves ti do res. nessa pers pec ti va, é fun -da men tal criar uma área de tute la ao pro ces so de livre for ma ção dos pre ços dosvalo res mobi liá rios. Já se demons trou que uma das for mas de pro te ção dessefenô me no rea li za-se por inter mé dio do crime de mani pu la ção do mer ca do, eisque a mani pu la ção dos pre ços e da deman da de uma ação em razão da exe cu çãode ope ra ções simu la das ou frau du len tas abala o seu regu lar fun cio na men to.aqui, os inte res ses tute la dos são rigo ro sa men te os mes mos. o fun cio na men tocor re to do mer ca do de capi tais pres su põe a comu nhão de infor ma ções rele van -tes sobre deter mi na da com pa nhia com todos os seus par ti ci pan tes, daí por queexi gir de deter mi na das pes soas o máxi mo cui da do e dili gên cia no tra ta men todes ses dados, que podem ter poten cial capa ci da de de influir sobre o pro ces so dalivre ofer ta e deman da de valo res mobi liá rios.

sobre o tema, José Carlos Castellar anota: “Consideramos, por tan to, que obem jurí di co obje to da tute la penal no deli to de uso inde vi do de infor ma ção pri -vi le gia da esta rá na pro te ção da con fian ça que deve impe rar no mer ca do de valo -res mobi liá rios, pois é este bem que esti mu la os inves ti do res a apli ca rem seusrecur sos neste mer ca do, e, con co mi tan te men te, na pro te ção do patri mô nio dosinves ti do res que nego cia rem com o insi der des co nhe cen do deter mi na da infor -ma ção rele van te, pois estes cor rem o risco de sofre rem dimi nui ção de seu patri -mô nio em vir tu de da des van ta gem com que ope ram.”4

a nego cia ção de um valor mobi liá rio rea li za da a par tir de uma infor ma çãopri vi le gia da, ou seja, ainda não com par ti lha da com o públi co, viola, evi den te men -te, a regra mais bási ca deste jogo: a igual divi são do risco entre todos. nesse exatosen ti do, Frederico lacerda da Costa pinto afir ma com pre ci são exis tir um “justocri té rio de dis tri bui ção do risco do negó cio no mer ca do de valo res mobi liá rios”.5

a par ti ci pa ção do inves ti dor no mer ca do de capi tais recla ma, por tan to,tanto a essen cia li da de, quan to a publi ci da de da infor ma ção para uma justa nego -cia ção. modernamente, não há como pres su por a exis tên cia de um mer ca do decapi tais devi da men te orga ni za do sem que as infor ma ções a res pei to dos valo resmobi liá rios este jam publi ca men te dis po ní veis e sem a expec ta ti va de que os de -mais par ti ci pan tes ope ram com os mes mos dados e sub sí dios a res pei to de deter -mi na da ação ou empre sa. É nesse exato sen ti do a lição de Carvalhosa e eizirik:“no mer ca do de capi tais, a ampla divul ga ção de infor ma ções cons ti tui, tantoentre nós, como no direito Comparado, o ele men to essen cial de tute la dos inte -res ses dos inves ti do res; assim, con si de ra-se que, uma vez bem infor ma dos, osinves ti do res esta rão ade qua da men te pro te gi dos.”6

4 insider tra ding e os novos cri mes cor po ra ti vos. (uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da, mani pu la ção demer ca do e exer cí cio irre gu lar de cargo, pro fis são, ati vi da de ou fun ção). rio de Janeiro: editora lumenJuris, 2008, p. 108.

5 op. cit., p. 43.6 op. cit., p, 544.

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Francisco mussnich, ao retra tar um dos pri mei ros casos jul ga dos pela Cvm,resu miu com acu ra da pre ci são o sen ti do da proi bi ção: “verifica-se que tam béma Cvm ao deci dir o segun do caso sobre a maté ria (caso ser viX), ado tou umaposi ção ainda mais ampla no que se refe re à recu pe ra ção dos lucros dos admi nis -tra do res. neste caso, a Cvm disse tex tual men te que não exis te qual quer cir cuns -tân cia em que um admi nis tra dor da com pa nhia possa nego ciar ações quan do emvir tu de de seu cargo este ja ele de posse de infor ma ções que a outra parte quenego ciou não esti ves se.”7

Faria Costa e maria elisabete ramos, ao sus ten ta rem que o crime de abusode infor ma ção pri vi le gia da pro te ge um bem jurí di co com ple xo e polié dri co,lecio nam: “a incri mi na ção pre ten de, por um lado, tute lar a con fian ça dos inves -ti do res no cor rec to fun cio na men to do mer ca do e, por outro, pro te ger a deci sãoeco nô mi ca indi vi dual no sen ti do de que esta seja toma da em situa ção de igual -da de de infor ma ção para todos os poten ciais inter ve nien tes no mer ca do.Criando-se, assim, as con di ções de livre con cor rên cia entre os inves ti do res.”8

3. sujeitos ativo e pas si vo do crime

o crime de uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da é pró prio ao exi gir dosujei to ativo a espe cial qua li da de de deten tor do dever de sigi lo sobre a infor ma -ção rele van te. nesse exato sen ti do, dis põe a instrução 358, de 3 de janei ro de2002: “art. 8º Cumpre aos acio nis tas con tro la do res, dire to res, mem bros do con -se lho de admi nis tra ção, do con se lho fis cal e de quais quer órgãos com fun çõestéc ni cas ou con sul ti vas, cria dos por dis po si ção esta tu tá ria, e empre ga dos da com -pa nhia, guar dar sigi lo das infor ma ções rela ti vas a ato ou fato rele van te às quais tenham aces so pri vi le gia do em razão do cargo ou posi ção que ocu pam, até suadivul ga ção ao mer ca do, bem como zelar para que subor di na dos e ter cei ros de suacon fian ça tam bém o façam, res pon den do soli da ria men te com estes na hipó te sede des cum pri men to.” serão, por tan to, os acio nis tas con tro la do res, dire to res,mem bros do con se lho de admi nis tra ção, do con se lho fis cal e de quais quer órgãoscom fun ções téc ni cas ou con sul ti vas, cria dos por dis po si ção esta tu tá ria, e empre -ga dos da com pa nhia os poten ciais auto res do crime de infor ma ção pri vi le gia da,eis que a eles é impos to o dever de sigi lo sobre uma série de fatos rele van tes.

evidentemente, como os fatos rele van tes em geral ocor rem por deli be ra çãocon jun ta dos dire to res, do con se lho ou de outros órgãos esta tu tá rios, é per fei ta -men te pos sí vel a ocor rên cia do fenô me no do con cur so de pes soas, espe cial men -

7 a uti li za ção des leal de infor ma ções pri vi le gia das – ‘insi der trading’ – no Brasil e nos estados unidos. in revistade direito mercantil. industrial, econômico e Financeiro. são paulo: ano Xviii, n. 34, abr./jun. 1979.

8 o crime de abuso de infor ma ção pri vi le gia da (insi der tra ding). a infor ma ção enquan to pro ble ma jurí di -co-penal. Coimbra: Coimbra editora, 2006, p. 37-38.

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te na hipó te se de coau to ria, se a nego cia ção a par tir da infor ma ção pri vi le gia dacom que bra do dever de sigi lo ocor re por duas ou mais pes soas pre via men te com -bi na das. no entan to, é vital enfa ti zar que o crime não pode ser pra ti ca do por ter -cei ros que tenham conhe ci men to da infor ma ção sem pos suir o requi si to típi co.Contudo, é pos sí vel que o extra neus res pon da pelo crime em con cur so com odeten tor do dever de sigi lo, eis que a cir cuns tân cia pes soal comu ni ca-se ao par -tí ci pe, con for me a dis po si ção do art. 30 do Cp.9

tórtima adver te sobre a neces si da de de sigi lo impos to aos mem bros doCopom (Comitê de política monetária), a res pei to de suas deci sões, que sem preguar dam ime dia ta rela ção com os flu xos do mer ca do: “logo, se uma auto ri da deou agen te do poder públi co uti li za a infor ma ção sigi lo sa em pro vei to pró prio,nego cian do van ta jo sa men te com valo res mobi liá rios, dire ta men te ou por inter -pos ta pes soa, esta ria, em tese, come ten do a infra ção em causa.”10

o sujei to pas si vo é o estado, pois, como já se afir mou em rela ção à mani pu -la ção do mer ca do, nos cri mes em que se tute lam inte res ses cole ti vos e suprain -di vi duais, é ele, o estado, o titu lar do bem jurí di co atin gi do. no crime de usoinde vi do de infor ma ção pri vi le gia da, o ofen di do ime dia to é o estado, pois a cre -di bi li da de e a trans pa rên cia das nego cia ções no mer ca do de capi tais são inte res -ses que trans cen dem a mera expec ta ti va dos agen tes finan cei ros envol vi dos. esseinte res se é exer ci do pela ati vi da de de regu la men ta ção e super vi são da Cvm,autar quia fede ral deten to ra do dever de zelar pelo fun cio na men to líci to do mer -ca do de capi tais.

paralelamente, os demais inves ti do res tam bém podem ser secun da ria men teatin gi dos, pois a comer cia li za ção com infor ma ção pri vi le gia da viola, como jáano ta do, a igual dis tri bui ção dos ris cos do negó cio entre todos os par ti ci pan tes domer ca do.

4. tipo obje ti vo: ade qua ção típi ca

a ação incri mi na da pelo art. 27-d pune o ato de uti li zar infor ma ção rele -van te, ou seja, o tipo penal é regi do pelo verbo ‘ utilizar’, enquan to a infor ma çãorele van te carac te ri za o obje to mate rial da con du ta. o núcleo típi co ‘ utilizar’ deve

9 ambas as hipó te ses são des cri tas por Castellar: “É claro que sem pre have rá a pos si bi li da de de que a infor -ma ção rele van te tenha sido obti da por um extra neus e por outros meios que não indi quem rela ção de cau -sa li da de com aque las pes soas obri ga das ao dever de leal da de. esses meios podem ser líci tos (cap tar poracaso uma con ver sa num res tau ran te) ou ilí ci tos (‘ grampo’ tele fô ni co). isto, porém, não clas si fi ca ria o deli -to como comum, eis que o tipo osten ta a expres são da qual deva man ter sigi lo, não sendo pre vis ta puni -ção na esfe ra penal para os casos pre vis tos no §4º, do arti go 155, da lei 6.404/76, por conta do prin cí pioda lega li da de. por outro lado, o recep tor da infor ma ção que age em con cur so com o insi der, tam bém cha -ma do de insi der ‘ secundário’, desde que cons cien te de que está adqui rin do uma infor ma ção pri vi le gia da,esta rá, de qual quer forma, par ti ci pan do da ação típi ca [...]” (op.cit., p. 121-122).

10 op. cit., p. 180.

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ser com preen di do gene ri ca men te como empre gar, usar, apro vei tar-se da infor -ma ção para tomar as deci sões a res pei to da nego cia ção de um valor mobi liá rio. aper fei ta noção da rele vân cia típi ca do verbo ‘ utilizar’ deve ser con ju ga da com aexpres são ‘median te negociação’, ele men to modal que res trin ge a tipi ci da deobje ti va da con du ta às hipó te ses legal men te conhe ci das de nego cia ção de valo -res mobi liá rios no mer ca do de capi tais. enfim, o tipo obje ti vo des cre ve comocon du ta puní vel o uso de infor ma ção rele van te como dado capaz de inter fe rir nadeci são de nego ciar valo res mobi liá rios, que pode carac te ri zar o crime em estu -do. se o uso da infor ma ção pri vi le gia da ocor re em outra cir cuns tân cia, diver sa danego cia ção, o crime não se rea li za. por exem plo, se o deten tor da infor ma çãorele van te ainda não tor na da públi ca uti li za esses ele men tos para pro mo vermudan ças na estru tu ra da com pa nhia, sua con du ta é atí pi ca de acor do com a exi -gên cia típi ca e por que não há risco ao bem jurí di co tute la do pelo art. 27-d.

a infor ma ção deve ser rele van te, o que nos reme te, ainda que não obri ga -to ria men te, às nor mas da Cvm que defi nem e regu la men tam exa ta men te o quesig ni fi ca fato rele van te para o mer ca do de capi tais. a esse res pei to, dis põe ainstrução normativa 358/2002: “art. 2º Considera-se rele van te, para os efei tosdesta ins tru ção, qual quer deci são de acio nis ta con tro la dor, deli be ra ção da assem -bléia geral ou dos órgãos de admi nis tra ção da com pa nhia aber ta, ou qual queroutro ato ou fato de cará ter polí ti co-admi nis tra ti vo, téc ni co, nego cial ou eco nô -mi co-finan cei ro ocor ri do ou rela cio na do aos seus negó cios que possa influir demodo pon de rá vel: i – na cota ção dos valo res mobi liá rios de emis são da com pa -nhia aber ta ou a eles refe ren cia dos; ii – na deci são dos inves ti do res de com prar,ven der ou man ter aque les valo res mobi liá rios, iii – na deci são dos inves ti do resde exer cer quais quer direi tos ine ren tes à con di ção de titu lar de valo res mobi liá -rios emi ti dos pela com pa nhia ou a eles refe ren cia dos.”11

11 a pró pria ins tru ção apre sen ta uma rela ção exem pli fi ca ti va de fato rele van te no pará gra fo único deste arti -go: observada a defi ni ção do caput, são exem plos de ato ou fato poten cial men te rele van te, den tre outros,os seguin tes:i – assi na tu ra de acor do ou con tra to de trans fe rên cia do con tro le acio ná rio da com pa nhia, ainda que sobcon di ção sus pen si va ou reso lu ti va;ii – mudan ça no con tro le da com pa nhia, inclu si ve atra vés de cele bra ção, alte ra ção ou res ci são de acor dode acio nis tas;iii – cele bra ção, alte ra ção ou res ci são de acor do de acio nis tas em que a com pa nhia seja parte ou inter ve -nien te, ou que tenha sido aver ba do no livro pró prio da com pa nhia;iv – ingres so ou saída de sócio que man te nha, com a com pa nhia, con tra to ou cola bo ra ção ope ra cio nal,finan cei ra, tec no ló gi ca ou admi nis tra ti va;v – auto ri za ção para nego cia ção dos valo res mobi liá rios de emis são da com pa nhia em qual quer mer ca do,nacio nal ou estran gei ro;vi – deci são de pro mo ver o can ce la men to de regis tro da com pa nhia aber ta;vii – incor po ra ção, fusão ou cisão envol ven do a com pa nhia ou empre sas liga das;viii – trans for ma ção ou dis so lu ção da com pa nhia;iX – mudan ça na com po si ção do patri mô nio da com pa nhia;X – mudan ça de cri té rios con tá beis;Xi – rene go cia ção de dívi das;

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talvez o aspec to mais inte res san te do con cei to legal seja o de reve lar umasutil impre ci são na reda ção do tipo penal ao exi gir a já men cio na da nego cia çãocom valo res mobi liá rios, pois assim resta atí pi ca a con du ta admi nis tra ti va men teveda da de man ter os valo res mobi liá rios, ou seja, de não vendê-los, com pos sí velobten ção de van ta gem. a instrução 358/2002 pro cu rou atin gir inclu si ve aque leque de posse de uma infor ma ção rele van te ainda não tor na da públi ca, por exem -plo, desis te de nego ciar seus valo res mobi liá rios em razão da expec ta ti va de altade sua cota ção. no campo penal, pune-se ape nas a con du ta de quem uti li za infor -ma ção pri vi le gia da median te nego cia ção, ou seja, com pran do e ven den do, silen -cian do a res pei to da con du ta omis si va. nessa mesma pers pec ti va, Faria Costa dis -cor re sobre a proi bi ção em portugal: “da aná li se do tipo legal de crime de abusode infor ma ção resul ta o carác ter jurí di co-penal men te irre le van te da sim plesposse de infor ma ção pri vi le gia da. o recor te das con du tas proi bi das exige que oagen te uti li ze a infor ma ção pri vi le gia da que obte ve, seja por que a trans mi te a alguém fora do âmbi to nor mal de suas fun ções, seja por que, com base nela, nego -cia, acon se lha a nego ciar, orde na a subs cri ção, aqui si ção, venda ou troca de valo -res mobi liá rios. [...] revela-se atí pi ca a con du ta do agen te que, estan do na possede infor ma ção que ele ava lia como pri vi le gia da, deixa de nego ciar, tro car, ven -der ou subs cre ver (ainda que essa abs ten ção impli que um bene fí cio).”12

a defi ciên cia legis la ti va pro vo ca esse para do xo. É atí pi ca a con du ta de quemobtém van ta gem inde vi da dei xan do de nego ciar valo res mobi liá rios em razão deinfor ma ção pri vi le gia da, embo ra seja puní vel a con du ta daque le que com pra ouvende valo res mobi liá rios de posse de uma infor ma ção sigi lo sa e rele van te,mesmo que não obte nha lucro ou qual quer outra van ta gem.

importante des ta car que, ao lado do dever de sigi lo impos to a quem sejadeten tor de infor ma ções rele van tes, a norma admi nis tra ti va, assim como o tipopenal, proí be as nego cia ções antes da divul ga ção do fato, ou seja, antes que o

Xii – apro va ção de plano de outor ga de opção de com pra de ações;Xiii – alte ra ção nos direi tos e van ta gens dos valo res mobi liá rios emi ti dos pela com pa nhia;Xiv – des do bra men to ou gru pa men to de ações ou atri bui ção de boni fi ca ção;Xv – aqui si ção de ações da com pa nhia para per ma nên cia em tesou ra ria ou can ce la men to, e alie na ção deações assim adqui ri das;Xvi – lucro ou pre juí zo da com pa nhia e a atri bui ção de pro ven tos em dinhei ro;Xvii – cele bra ção ou extin ção de con tra to, ou o insu ces so na sua rea li za ção, quan do a expec ta ti va de con -cre ti za ção for de conhe ci men to públi co;Xviii – apro va ção, alte ra ção ou desis tên cia de pro je to ou atra so em sua implan ta ção;XiX – iní cio, reto ma da ou para li sa ção da fabri ca ção ou comer cia li za ção de pro du to ou da pres ta ção de ser -vi ço;XX – des co ber ta, mudan ça ou desen vol vi men to de tec no lo gia ou de recur sos da com pa nhia;XXi – modi fi ca ção de pro je ções divul ga das pela com pa nhia;XXii – impe tra ção de con cor da ta, reque ri men to ou con fis são de falên cia ou pro po si tu ra de ação judi cialque possa vir a afe tar a situa ção eco nô mi co-finan cei ra da com pa nhia.

12 o crime de abuso de infor ma ção pri vi le gia da (insi der tra ding). a infor ma ção enquan to pro ble ma jurí di -co-penal. Coimbra: Coimbra editora, 2006, p. 109-110.

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públi co tenha legí ti mo aces so aos dados capa zes de influir no pro ces so de livrefor ma ção dos pre ços no mer ca do.13

também mere ce real ce a exi gên cia admi nis tra ti va de que o fato rele van tetenha poten cial influên cia (possa influir de modo pon de rá vel) sobre as nego cia -ções. isso decor re da con cei tua ção admi nis tra ti va da rele vân cia fun dar-se em umcri té rio mera men te abs tra to, con ju gan do-se, cor re ta men te, com a neces sá riademons tra ção da poten cia li da de lesi va da infor ma ção no plano con cre to. É porisso que tam bém no domí nio cri mi nal a inter pre ta ção não pode ser outra. aindaque não se trate pro pria men te uma norma penal em bran co, não há dúvi da deque a ins tru ção da Cvm deva ser a prin ci pal refe rên cia ao intér pre te, pois é difí -cil con ce ber que deter mi na da infor ma ção possa ter ape nas rele vân cia no campopenal se o mer ca do de capi tais é regu la men ta do pela autar quia. a rele vân cia, ele -men to nor ma ti vo do tipo, con fun de-se, no pro ces so de inter pre ta ção, com a exi -gên cia legal de que a infor ma ção seja capaz de pro pi ciar van ta gem inde vi da,tema que ainda será tra ta do.

13 art. 13. antes da divul ga ção ao mer ca do de ato ou fato rele van te ocor ri do nos negó cios da com pa nhia, éveda da a nego cia ção com valo res mobi liá rios de sua emis são, ou a eles refe ren cia dos, pela pró pria com pa -nhia aber ta, pelos acio nis tas con tro la do res, dire tos ou indi re tos, dire to res, mem bros do con se lho de admi -nis tra ção, do con se lho fis cal e de quais quer órgãos com fun ções téc ni cas ou con sul ti vas, cria dos por dis -po si ção esta tu tá ria, ou por quem quer que, em vir tu de de seu cargo, fun ção ou posi ção na com pa nhia aber -ta, sua con tro la do ra, suas con tro la das ou coli ga das, tenha conhe ci men to da infor ma ção rela ti va ao ato oufato rele van te.§ 1º a mesma veda ção apli ca-se a quem quer que tenha conhe ci men to de infor ma ção refe ren te a ato oufato rele van te, saben do que se trata de infor ma ção ainda não divul ga da ao mer ca do, em espe cial àque lesque tenham rela ção comer cial, pro fis sio nal ou de con fian ça com a com pa nhia, tais como audi to res inde -pen den tes, ana lis tas de valo res mobi liá rios, con sul to res e ins ti tui ções inte gran tes do sis te ma de dis tri bui -ção, aos quais com pe te veri fi car a res pei to da divul ga ção da infor ma ção antes de nego ciar com valo resmobi liá rios de emis são da com pa nhia ou a eles refe ren cia dos.§ 2º sem pre juí zo do dis pos to no pará gra fo ante rior, a veda ção do caput se apli ca tam bém aos admi nis tra -do res que se afas tem da admi nis tra ção da com pa nhia antes da divul ga ção públi ca de negó cio ou fato ini -cia do duran te seu perío do de ges tão, e se esten de rá pelo prazo de seis meses após o seu afas ta men to.§ 3º a veda ção do caput tam bém pre va le ce rá sem pre que esti ver em curso a aqui si ção ou a alie na ção deações de emis são da com pa nhia pela pró pria com pa nhia, suas con tro la das, coli ga das ou outra socie da desob con tro le comum, ou se hou ver sido outor ga da opção ou man da to para o mesmo fim, bem como seexis tir a inten ção de pro mo ver incor po ra ção, cisão total ou par cial, fusão, trans for ma ção ou reor ga ni za -ção socie tá ria.§ 4º também é veda da a nego cia ção pelas pes soas men cio na das no caput no perío do de 15 (quin ze) diasante rior à divul ga ção das infor ma ções tri mes trais (itr) e anuais (dFp e ian) da com pa nhia.§ 5º as veda ções pre vis tas no caput e nos §§ 1º a 3º dei xa rão de vigo rar tão logo a com pa nhia divul gue ofato rele van te ao mer ca do, salvo se a nego cia ção com as ações puder inter fe rir nas con di ções dos refe ri -dos negó cios, em pre juí zo dos acio nis tas da com pa nhia ou dela pró pria.§ 6º a veda ção pre vis ta no caput não se apli ca à aqui si ção de ações que se encon trem em tesou ra ria, atra -vés de nego cia ção pri va da, decor ren te do exer cí cio de opção de com pra de acor do com plano de outor gade opção de com pra de ações apro va do em assem bléia geral.§ 7º as veda ções pre vis tas no caput e nos §§ 1º a 3º não se apli cam às nego cia ções rea li za das pela pró priacom pa nhia aber ta, pelos acio nis tas con tro la do res, dire tos ou indi re tos, dire to res, mem bros do con se lho deadmi nis tra ção, do con se lho fis cal e de quais quer órgãos com fun ções téc ni cas ou con sul ti vas, cria dos pordis po si ção esta tu tá ria, de acor do com polí ti ca de nego cia ção apro va da nos ter mos do art. 15.

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a infor ma ção ape nas terá rele vân cia penal se a sua uti li za ção ocor rerenquan to ainda não divul ga da ao mer ca do, pois todos os fatos rele van tes compoten cial influên cia sobre as deci sões dos inves ti do res devem ser comu ni ca dospubli ca men te, como impõe a Cvm. a instrução 358/2002 outor ga esse dever aodiretor de relações com investidores, que evi den te men te se encon tra subor di -na do aos órgãos de deli be ra ção do fato rele van te (acio nis tas con tro la do res, dire -to res, mem bros do con se lho de admi nis tra ção, do con se lho fis cal e de quais quer órgãos com fun ções téc ni cas ou con sul ti vas). a divul ga ção, de acor do com amesma instrução, deve rá ocor rer atra vés de publi ca ção nos jor nais de gran de cir -cu la ção uti li za dos habi tual men te pela com pa nhia, poden do ser feita de formaresu mi da com indi ca ção dos ende re ços na rede mun dial de com pu ta do res (in -ternet), onde a infor ma ção com ple ta deve rá estar dis po ní vel a todos os inves ti -do res. importa des ta car, ainda, que a divul ga ção deve seguir o prin cí pio da trans -pa rên cia, obe de cen do à máxi ma exa ti dão pos sí vel das infor ma ções, pois, de acor -do com a norma admi nis tra ti va, a divul ga ção e a comu ni ca ção de ato ou fato rele -van te devem ser fei tas de modo claro e pre ci so, em lin gua gem aces sí vel ao públi -co inves ti dor, poden do, inclu si ve, a Cvm deter mi nar a divul ga ção, a cor re ção, oadi ta men to ou a repu bli ca ção de infor ma ção sobre ato ou fato rele van te. assim, anorma evita a publi ca ção simu la da de fatos rele van tes, com obs cu ri da de, ambi gui -da des ou omis sões, com o mesmo poten cial lesi vo sobre o mer ca do, pos si bi li tan doaos deten to res da infor ma ção com ple ta uma atua ção desi gual nas nego cia ções comvalo res mobi liá rios. Como se vê, tam bém nos casos de publi ca ção simu la da, ocrime de uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da pode se carac te ri zar.

o sujei to ativo do crime pre ci sa, obvia men te, ter conhe ci men to da infor -ma ção, ou seja, pre ci sa rece ber dire ta ou indi re ta men te a notí cia a res pei to dosfatos rele van tes. isso sig ni fi ca que se exige do autor a plena ciên cia de infor ma -ção com poten cial influên cia sobre a nego cia ção de um valor mobi liá rio, aindanão divul ga da ao públi co. ou seja, ciên cia e conhe ci men to de uma infor ma çãocon cre ta e rele van te a res pei to da com pa nhia ou de seus valo res mobi liá rios nãose con fun dem com boa tos ou espe cu la ção, situa ções abso lu ta men te comuns nomer ca do de capi tais.

de outro lado, como já se ano tou no tópi co sobre o sujei to ativo, o autordeve ter conhe ci men to da infor ma ção em razão de sua fun ção, impon do-se aoagen te, em decor rên cia da ati vi da de exer ci da, o dever de sigi lo. Fora des sas hipó -te ses, como demons tra do, o crime não se con fi gu ra, a não ser que exis ta o con -cur so de alguém com as qua li da des espe ciais exi gi das pelo tipo.

vale men cio nar a hipó te se de o indi ví duo agir acre di tan do que a infor ma -ção é rele van te, quan do, na ver da de, é insig ni fi can te ou se acre di ta que a infor -ma ção ainda não foi divul ga da, quan do já tor na da públi ca. nesses casos, o crimenão se carac te ri za pela ine xis tên cia dos ele men tos típi cos. de outro lado, o agen -te pode agir com erro de tipo se acre di ta que a infor ma ção já havia se tor na do

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públi ca, mas, por exem plo, por um pro ble ma téc ni co, o meio de comu ni ca çãodeixa de publi car a comu ni ca ção de ato rele van te.

a nego cia ção com infor ma ção pri vi le gia da, como o tipo penal des cre ve,deve ser capaz de pro pi ciar, para si ou para outrem, van ta gem inde vi da. exige-sesim ples men te uma poten cial capa ci da de de pro du ção de van ta gem ao agen te,pois o crime não é de resul ta do e por isso não pres su põe a obten ção do bene fí ciopatri mo nial. pode pare cer para do xal, mas a estru tu ra típi ca per mi te que o crimese carac te ri ze mesmo com pre juí zo na nego cia ção para o agen te, assim como seafir mou em rela ção ao crime de mani pu la ção do mer ca do. Basta que a nego cia -ção seja poten cial men te capaz de tra zer uma van ta gem ao sujei to ativo. nessetópi co, vale ainda des ta car que o crime não se carac te ri za ainda que o agen te, porerro, acre di te no espe cial valor do conhe ci men to (rele vân cia e capa ci da de) aindanão tor na do públi co se, na rea li da de, é de abso lu ta irre le vân cia a infor ma ção.

o tipo men cio na van ta gem inde vi da. esse con cei to evi den te men te é des do -bra men to natu ral da uti li za ção dos meios ilí ci tos para a nego cia ção. a van ta gemdecor ren te da com pra ou da venda de uma ação é seu lucro, sua valo ri za ção. nouso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da, a valo ri za ção e o lucro são idên ti cos aosde uma ope ra ção líci ta, mas a van ta gem é con si de ra da inde vi da por que a nego -cia ção é ab ini tio vicia da, em face da uti li za ção de fato rele van te e sigi lo so, vio -lan do-se assim as regras do “jogo”.

a van ta gem, de acor do com o tipo penal, pode ser tanto para o autor quan -to para um ter cei ro, pois o sujei to ativo pode, inclu si ve, des fa zer-se do valormobi liá rio simu lan do uma ope ra ção líci ta e trans fe rin do o lucro para o ter cei ro.aqui, nesse caso, o sujei to ativo, apa ren te men te, tem pre juí zo com a ope ra ção,mas o crime pode em tese se con fi gu rar, pois o autor uti li za a infor ma ção pri vi -le gia da para gerar uma van ta gem inde vi da ao ter cei ro envol vi do, para, por exem -plo, divi dir o pro du to ou qui tar uma dívi da.

a nego cia ção com uti li za ção de infor ma ção pri vi le gia da pode ocor rer emnome pró prio, ou seja, do sujei to ativo do crime, ou de ter cei ro, uma vez que,para o mer ca do de capi tais, é neces sá ria a pre ser va ção da cre di bi li da de e da leal -da de entre os par ti ci pan tes, pouco impor tan do quem está fazen do uso da infor -ma ção rele van te e sigi lo sa. a sua mera uti li za ção, inde pen den te de quem estánego cian do o valor mobi liá rio, já afeta o regu lar fun cio na men to do mer ca do.

destaque-se que o tipo penal não uti li za a expres são pri vi le gia da nem a con -cei tua, como faz, por exem plo, a legis la ção por tu gue sa, em genuí na inter pre ta -ção autên ti ca da norma: “art. 378 abuso de informação – 3 – entende-se porinfor ma ção pri vi le gia da toda a infor ma ção não tor na da públi ca que, sendo pre -ci sa e dizen do res pei to, direc ta ou indi rec ta men te, a qual quer emi ten te ou avalo res mobi liá rios ou outros ins tru men tos finan cei ros, seria idó nea, se lhe fossedada publi ci da de, para influen ciar de manei ra sen sí vel o seu preço no mer ca do.”

em com pa ra ção à norma do art. 27-d, per ce be-se que a norma do Códigode valores mobiliários de portugal exige que a infor ma ção seja pre ci sa, atri bu to

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que a lei bra si lei ra não esta be le ceu. de qual quer forma, é evi den te que a infor -ma ção ape nas ganha rele vân cia na medi da em que osten tar um míni mo de obje -ti vi da de, pois ape nas dessa manei ra pode rá ter poten cial influên cia sobre asnego cia ções.

interessante norma edi ta da pela Cvm diz res pei to ao pos sí vel uso inde vi dode infor ma ções de pes qui sas elei to rais, ao enten der que as pes qui sas de opi niãopúbli ca rela ti vas às elei ções têm o poten cial de influen ciar a cota ção de valo resmobi liá rios. segundo a deliberação nº 443:14 “o uso de infor ma ção de resul ta dosde pes qui sas de opi nião públi ca rela ti vas às elei ções ou aos can di da tos, paraconhe ci men to públi co, antes de divul ga ção ao públi co, pode carac te ri zar prá ti canão eqüi ta ti va.” entretanto, ana li san do a norma admi nis tra ti va, per ce be-se queo caso pode con fi gu rar o crime de uti li za ção inde vi da de infor ma ção pri vi le gia -da e não o crime de mani pu la ção do mer ca do de capi tais.

5. tipo sub je ti vo: ade qua ção típi ca

o tipo penal do uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da exige o dolo, con -subs tan cia do na von ta de livre e cons cien te (von ta de e conhe ci men to) de uti li zarinfor ma ção rele van te, ainda não divul ga da ao públi co, de que tenha conhe ci -men to e da qual deva man ter sigi lo, agre gan do-se, ainda, ao ele men to sub je ti vo

14 deli Be ra ção Cvm nº 443, 16 de Julho de 2002utilização, por par ti ci pan tes do mer ca do de valo res mobi liá rios, de pes qui sas de opi nião públi ca rela ti vasàs elei ções ou aos can di da tos, para conhe ci men to públi co.o pre si den te da Comis são de valo res moBi liÁ rios – Cvm torna públi co que o Colegiado,em reu nião rea li za da nesta data, com fun da men to no art. 4º, inci sos iii e iv, alí nea “c”, da lei nº 6.385,de 7 de dezem bro de 1976, com reda ção dada pela lei nº 10.303, de 31 de outu bro de 2001, bem como odis pos to no item i, alí nea “a”, da resolução do Conselho monetário nacional nº 702, de 26 de agos to de1981, e con si de ran do que a) as pes qui sas de opi nião públi ca rela ti vas às elei ções ou aos can di da tos têm opoten cial de influen ciar na cota ção de valo res mobi liá rios, bem como na deci são dos inves ti do res de com -prar, ven der ou man ter aque les valo res mobi liá rios; e b) o uso de infor ma ções apu ra das nas refe ri das pes -qui sas, por parte das pes soas que a elas têm aces so antes de sua ampla divul ga ção pelos meios de comu ni -ca ção, pode con fi gu rar uma van ta gem inde vi da nas nego cia ções com valo res mobi liá rios, colo can do os demais par ti ci pan tes do mer ca do em uma posi ção de dese qui lí brio ou desi gual da de, deli Be rou:i – aler tar os par ti ci pan tes do mer ca do de valo res mobi liá rios e o públi co em geral que o uso de infor ma -ção de resul ta dos de pes qui sas de opi nião públi ca rela ti vas às elei ções ou aos can di da tos, para conhe ci men -to públi co, antes de divul ga ção ao públi co, pode carac te ri zar prá ti ca não eqüi ta ti va, nos ter mos do inci soii, alí nea “d”, da instrução Cvm nº 8, de 8 de outu bro de 1979;ii – deter mi nar às ins ti tui ções inte gran tes do sis te ma de dis tri bui ção de valo res mobi liá rios, às com pa nhiasaber tas, aos ana lis tas e con sul to res de valo res mobi liá rios, aos admi nis tra do res de car tei ra de valo res mobi -liá rios e demais pes soas natu rais ou jurí di cas sub me ti das ao poder de polí cia da Cvm que pre ten dam con -tra tar ins ti tui ções ou empre sas com a fina li da de de rea li zar pes qui sas de opi nião públi ca rela ti vas às elei -ções ou aos can di da tos que não sejam para seu uso e conhe ci men to exclu si vo que infor mem àsuperintendência de relações com o mercado e intermediários – smi a cele bra ção de con tra to dessa natu -re za, no prazo de 24 (vinte e qua tro) horas da con tra ta ção, sob pena de multa comi na tó ria no valor de r$1.000,00 (um mil reais) por dia de atra so, sem pre juí zo da apli ca ção das pena li da des cabí veis;iii – que esta deliberação entra em vigor na data de sua publi ca ção no diário oficial da união.

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do injus to o espe cial fim de pro pi ciar, para si ou para outrem, van ta gem inde vi -da decor ren te da nego cia ção com valo res mobi liá rios. nesse sen ti do, o agen teagirá com dolo desde que conhe ça esses dois aspec tos (rele vân cia e sigi lo), uti li -zan do a infor ma ção em nego cia ção, em nome pró prio ou de ter cei ros, com ainten ção de obter van ta gem inde vi da.

6. Consumação e ten ta ti va

há diver gên cia na dou tri na a res pei to do momen to con su ma ti vo do crimede uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da. para Carvalhosa e eizirik, o crime émate rial, con su man do-se com a obten ção da van ta gem inde vi da, admi tin do-se aten ta ti va,15 opi nião com par ti lha da por Castellar.16 tórtima, por sua vez, enten -de que a “figu ra abs tra ta do injus to, tam bém nesse caso, é cons truí da na pers pec -ti va do peri go, ocor ren do o crime ainda que o uso de infor ma ção pelo agen te nãoacar re te qual quer pre juí zo ao mer ca do”.17

o crime seria de resul ta do ape nas se o tipo penal des cre ves se even to proi bi -do, ou seja, se punis se, por exem plo, a con du ta de obter van ta gem inde vi da ou ade cau sar dano a ter cei ros median te uti li za ção da infor ma ção. o dolo é de resul -ta do, mas o tipo penal não des cre ve e, por tan to, não exige sua super ve niên cia.

há, con tu do, uma sutil dis tin ção entre o crime de mani pu la ção do mer ca doe de uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da, pois no pri mei ro, embo ra exis tatam bém o espe cial fim de agir dire ta men te liga do ao resul ta do (fim de obter van -ta gem inde vi da ou lucro, para si ou para outrem, ou cau sar dano a ter cei ros), otipo penal não exige a com pro va ção de que as ope ra ções simu la das ou frau du len -tas tenham, no caso con cre to, essa capa ci da de. no uso de infor ma ção pri vi le gia -da, o tipo recla ma a demons tra ção da neces sá ria apti dão dos ele men tos (capaz depro pi ciar, para si ou para outrem, van ta gem inde vi da), exi gin do uma maior refle -xão do intér pre te.

a des cri ção dessa capa ci da de de pro pi ciar a van ta gem inde vi da pode ria suge -rir que a hipó te se reve la um tipo de peri go con cre to em razão da exi gên cia de quea infor ma ção seja con cre ta men te apta a gerar a van ta gem inde vi da, punin do-se amera uti li za ção nes sas cir cuns tân cias. no entan to, bem ana li sa do o tipo penal,deve-se des ta car que, na cate go ria dos cri mes de peri go con cre to, o pre cei to devedes cre ver o peri go a ser cria do pela con du ta. É assim, por exem plo, no crime deincên dio (art. 250 do Cp), que exige a expo si ção a peri go da vida, da inte gri da defísi ca ou do patri mô nio de outrem. se o incên dio ocor re em local remo to, semexpo si ção a peri go dos bens jurí di cos tute la dos, o crime não se con fi gu ra.

15 op. cit., p. 548-549.16 op. cit., p. 123.17 op. cit., p. 183.

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percebe-se cla ra men te a dis tin ção entre essas figu ras penais, pois enquan to alguns pre cei tos exi gem a demons tra ção in con cre to do peri go decor ren te daação huma na, o tipo penal do uso inde vi do de infor ma ção pri vi le gia da limi ta-sea exi gir que a con du ta seja capaz de pro du zir deter mi na do resul ta do, ou seja, quese demons tre no plano con cre to que a ação huma na tinha poten cia li da de lesi vapara atin gir o bem jurí di co tute la do.

trata-se de uma ten dên cia, cer ta men te encam pa da de modo incons cien tepelo nosso legis la dor, de esta be le cer uma nova exi gên cia aos cri mes de peri goabs tra to, como se infe re da lição de santiago mir puig, para quem, nos deli tos deperi go abs tra to, não se exige um resul ta do pró xi mo de lesão ao bem jurí di co, bas -tan do a lesi vi da de da con du ta, que se supõe ine ren te à ação, salvo que se proveque no caso con cre to ficou excluí da de ante mão.18

nesse mesmo con tex to, são fun da men tais as obser va ções de Faria Costa: “poroutro lado, a situa ção que com por ta um des va lor de resul ta do de peri go (ou umdes va lor de dano/vio la ção) só ganha den si da de axio ló gi ca no momen to em que seenvol ve com o refe ren cial que o bem jurí di co repre sen ta. não há situa ções abs -tra ta men te peri go sas. toda e qual quer situa ção é peri go sa em rela ção a um refe -ren cial: pres su põe, irre fra ga vel men te, um outro ele men to. o peri go é tam bémnesta medi da um juízo essen cial men te rela cio nal. o que deter mi na que a noçãodo peri go tenha sem pre de ser apre cia da, na con tex tua li da de situa cio nal.”19

portanto, pare ce indis cu tí vel que o crime de uso inde vi do de infor ma ção pri -vi le gia da é de peri go abs tra to, exi gin do-se ape nas a prova da capa ci da de de lesão(poten cia li da de lesi va) da infor ma ção uti li za da ou, em outras pala vras, a demons -tra ção da ido nei da de da con du ta dian te do bem jurí di co pro te gi do. diante disso,o crime se con su ma com a cele bra ção da nego cia ção de valo res mobi liá rios,median te uti li za ção da infor ma ção pri vi le gia da, inde pen den te men te da obten çãode van ta gem. não é pos sí vel a con fi gu ra ção do crime na moda li da de ten ta da.

7. Classificação dou tri ná ria

de todo o expos to, é pos sí vel con cluir que a uti li za ção inde vi da de infor ma -ção pri vi le gia da é um crime pró prio (somen te o deten tor do dever de sigi lo pode

18 derecho penal. parte General. 7. ed. reimpr. montevideo-Buenos aires: editorial BdeF ltda., 2005, p.234: “[...] no se exige que tal resul ta do de pro xi mi dad de una lesión de um con cre to bien jurí di co, sino quebasta la peli gro si dad de la con duc ta, peli gro si dad que se supo ne inhe ren te a la acción salvo que se prue beque en el caso con cre to quedó exclui da de ante ma no.”

19 o peri go em direi to penal. Coimbra: Coimbra editora, 1992, p. 601. em nota de roda pé nº 79 o autorcomen ta a afir ma ção “não há situa ções abs tra ta men te peri go sas” da seguin te forma: “o que não quer dizerque se não pos sam con ce ber cri mes de peri go abs trac to. o que se passa neste campo e que mais adian te serásufi cien te men te dilu ci da do, é que o legis la dor con si de ra, gene ra li zan do, que as regras da expe riên cia ensi -nam que cer tas con du tas, de ordi ná rio, põem em peri go cer tos e deter mi na dos bens.” (idem, ibi dem). sobreo tema, Juarez tavares sus ten ta que “não há injus to sem a demons tra ção de efe ti va lesão ou peri go de lesãoa um deter mi na do bem jurí di co.” (teoria do injusto penal. Belo horizonte: del rey, 2000, p. 179).

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rea li zar a con du ta típi ca); for mal (não exige resul ta do natu ra lís ti co, bas tan do acom pro va ção da ocor rên cia da ação des cri ta); dolo so (não há pre vi são legal para afigu ra cul po sa); de forma vin cu la da (o crime se con su ma somen te se a uti li za çãoda infor ma ção pri vi le gia da ocor rer median te a nego cia ção de valo res mobi liá rios);comis si vo (o com por ta men to des cri to no tipo impli ca a rea li za ção de uma con du -ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca do ra é proi bi ti va e não man da men tal); ins tan -tâ neo (a con su ma ção ocor re em momen to deter mi na do, não haven do um dis tan -cia men to tem po ral entre a ação e o resul ta do, que é irre le van te para a con su ma -ção); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men te, admi tin do,con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); e unis sub sis ten te (é rea li za do median te ape nasum ato, ou seja, median te nego cia ção de valo res mobi liá rios).

8. pena e ação penal

a pena comi na da, cumu la ti va men te, é de reclu são, de 1 (um) a 5 (cinco)anos, e multa de até 3 (três) vezes o mon tan te da van ta gem obti da em decor rên -cia do crime. a pena míni ma per mi te, por tan to, a sus pen são con di cio nal do pro -ces so. destaca-se ape nas que a multa pode ser fixa da em até três vezes o mon tan -te da van ta gem obti da, o que afas ta o magis tra do dos cri té rios da parte Geral doCp, vin cu lan do-o ao limi te máxi mo impos to pela norma espe cí fi ca.

a ação penal é públi ca e incon di cio na da.

9. Competência

em face do evi den te inte res se da união na manu ten ção de um mer ca do decapi tais imune à uti li za ção de infor ma ções pri vi le gia das e como a fis ca li za ção e aregu la men ta ção do mer ca do de capi tais são de atri bui ção de autar quia da união,pare ce indis cu ti vel men te pre sen te o requi si to cons ti tu cio nal que deter mi na acom pe tên cia da Justiça Federal para o pro ces so e o jul ga men to desse crime.

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Capítulo XXvii

exercício irregular de Cargo, profissão, atividade ou Função

sumário: 1. Considerações pre li mi na res. 2. Bem jurí di co tute la do. 3. sujeitos ativoe pas si vo. 4. tipo obje ti vo e tipo sub je ti vo. 5. Consumação e ten ta ti va. 6. pena, açãopenal e com pe tên cia. 7. Classificação dou tri ná ria. 8. os cri mes con tra o mer ca do decapi tais e os cri mes ante ce den tes da lava gem de dinhei ro.

art. 27-e. atuar, ainda que a títu lo gra tui to, no mer ca do de valo res mobi -liá rios, como ins ti tui ção inte gran te do sis te ma de dis tri bui ção, admi nis tra dor decar tei ra cole ti va ou indi vi dual, agen te autô no mo de inves ti men to, audi tor inde -pen den te, ana lis ta de valo res mobi liá rios, agen te fidu ciá rio ou exer cer qual quercargo, pro fis são, ati vi da de ou fun ção, sem estar, para esse fim, auto ri za do ouregis tra do junto à auto ri da de admi nis tra ti va com pe ten te, quan do exi gi do por leiou regu la men to:

pena – deten ção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

1. Considerações pre li mi na res

a auto ri za ção para o aces so ao mer ca do de capi tais e para a inter me dia çãode valo res mobi liá rios exige um com por ta men to pro por cio nal à dig ni da de dobem jurí di co tute la do e à res pon sa bi li da de de exer cer uma fun ção de inte res semar ca da men te públi co. Quem pra ti ca uma frau de no âmbi to do sis te ma finan -cei ro, quan do legal men te auto ri za do a inter me diar recur sos de ter cei ros pelasautar quias fis ca li za do ras, mere ce uma cen su ra indis cu ti vel men te maior queaque le que age sem a legi ti ma ção do estado, como ocor re, por exem plo, no crimedo art. 4º da lei nº 7.492/86 (ges tão frau du len ta de ins ti tui ção finan cei ra), tipi fi -ca ção res tri ta aos agen tes com auto ri za ção para atuar no sis te ma finan cei ro.

essa impo si ção, de outro lado, tem como con tra par ti da, na pró pria lei nº7.492/86, a cri mi na li za ção do aces so não auto ri za do ao sis te ma finan cei ro, talcomo prevê o art. 16: “Fazer ope rar, sem a devi da auto ri za ção, ou com auto ri za -ção obti da median te decla ra ção falsa, ins ti tui ção finan cei ra, inclu si ve de dis tri -bui ção de valo res mobi liá rios ou de câm bio: pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (qua -

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tro) anos, e multa.” a lei nº 10.303/01 tam bém criou seme lhan te proi bi ção, porémespe cí fi ca ao mer ca do de capi tais. o art. 27-F da lei nº 6.385/76 trata-se, a toda evi -dên cia, de tipo penal espe cial em rela ção ao art. 16 da lei nº 7.492/86. o ele men -to espe cial é exa ta men te a atua ção no mer ca do de valo res mobi liá rios, ao passo quea atua ção sem auto ri za ção no mer ca do finan cei ro ou no mer ca do cam bial, porexem plo, segue sendo regi da pela lei dos Crimes con tra o sistema Financeironacional. norma penal em bran co sujei ta à com ple men ta ção do pre cei to, a tipi ci -da de da con du ta em face do art. 27-e depen de rá, em regra, como vere mos, dainob ser vân cia das nor mas edi ta das pela Comissão de valores mobiliários.

2. Bem jurí di co tute la do

a norma tute la o con tro le sobre o aces so ao mer ca do de capi tais, que exigedos inter me diá rios finan cei ros uma míni ma qua li fi ca ção téc ni ca para desen vol -ver as ati vi da des des cri tas. os pro ce di men tos admi nis tra ti vos de obten ção dasauto ri za ções deman dam a demons tra ção do cum pri men to de uma série de requi -si tos obje ti vos e sub je ti vos dos pre ten den tes. esse pro ces so sele ti vo é a pri mei rafase do sis te ma per ma nen te de con tro le e fis ca li za ção sobre o mer ca do. Com aexi gên cia de auto ri za ção e regis tro para o exer cí cio de atri bui ções rela cio na dasdire ta e indi re ta men te à cap ta ção e à inter me dia ção de recur sos de ter cei ros,tanto a norma admi nis tra ti va, quan to a norma penal obje ti vam criar meca nis mosde estí mu lo à qua li fi ca ção dos inter me diá rios do mer ca do e pro te ção aos inves -ti do res. há, assim, diver sos inte res ses em jogo na tute la exer ci da pelo art. 27-e:con tro le de aces so, fis ca li za ção, qua li fi ca ção do mer ca do de valo res mobi liá riose, media ta men te, a pro te ção da pou pan ça popu lar.

3. sujeitos ativo e passivo

o crime é comum, pois pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa que exer çairre gu lar men te as fun ções e as ati vi da des des cri tas no tipo do art. 27-e. o sujei -to pas si vo pri má rio é o estado, uma vez que o crime viola o sis te ma de con tro lee a fis ca li za ção sobre o mer ca do de valo res mobi liá rios, mas tam bém os inves ti -do res e os inter me diá rios finan cei ros legal men te auto ri za dos a atuar podem sersecun da ria men te atin gi dos.

4. tipo obje ti vo e tipo sub je ti vo

há dois núcleos ver bais regen do o tipo penal do art. 27-e. o pri mei ro, ‘ -atuar’, con tex tua li za do com o con teú do da proi bi ção, sig ni fi ca rea li zar as fun çõese ati vi da des ali des cri tas, ou seja, ope rar, tra ba lhar e agir como “ins ti tui ção inte -gran te do sis te ma de dis tri bui ção, admi nis tra dor de car tei ra cole ti va ou indi vi -

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dual, agen te autô no mo de inves ti men to, audi tor inde pen den te, ana lis ta de valo -res mobi liá rios, agen te fidu ciá rio”. o segun do verbo uti li za do é ‘ exercer’, quetem exa ta men te a mesma cono ta ção do verbo atuar, deven do ser com preen di docomo a prá ti ca de deter mi na dos atos ou como o desem pe nho de uma fun ção.ambos os ver bos indi cam uma ação ao longo do tempo, espe cial men te o segun -do, pois ‘ exercer’ pode sig ni fi car a prá ti ca rei te ra da de deter mi na do ato. atuar ésinô ni mo de ‘ operar’, exa ta men te o verbo uti li za do pelo art. 16 da lei nº 7.492/86,deven do des ta car que toda a dou tri na enten de que o art. 16 é crime per ma nen -te. por isso, a com preen são do art. 27-e deve ser a mesma. Como se vê, os núcleosver bais recla mam certa dura ção da con du ta veda da, exi gin do um míni mo pro -lon ga men to no tempo da ação indi ca da. a atua ção e o exer cí cio podem ser even -tuais, mas é certo que um único ato não terá rele vân cia típi ca. o exer cí cio e aatua ção refe rem-se a deter mi na das ati vi da des con si de ra das fun da men tais aodesen vol vi men to do mer ca do de capi tais e para as quais se exige qua li fi ca çãoespe cí fi ca e auto ri za ção da autar quia.

a pró pria lei nº 6.385/76, em seu art. 15, defi ne o sis te ma de dis tri bui çãode valo res mobi liá rios, que com preen de “i – as ins ti tui ções finan cei ras e demaissocie da des que tenham por obje to dis tri buir emis são de valo res mobi liá rios: a)como agen tes da com pa nhia emis so ra; b) por conta pró pria, subs cre ven do oucom pran do a emis são para a colo car no mer ca do; ii – as socie da des que tenhampor obje to a com pra de valo res mobi liá rios em cir cu la ção no mer ca do, para osreven der por conta pró pria; iii – as socie da des e os agen tes autô no mos que exer -çam ati vi da des de media ção na nego cia ção de valo res mobi liá rios, em bol sas devalo res ou no mer ca do de bal cão; iv – as bol sas de valo res; v – enti da des de mer -ca do de bal cão orga ni za do. (incluído pela lei nº 9.457, de 5.5.1997); vi – as enti -da des de com pen sa ção e liqui da ção de ope ra ções com valo res mobi liá rios.(incluído pela lei nº 10.198, de 14.2.2001); vi – as cor re to ras de mer ca do rias, osope ra do res espe ciais e as Bolsas de mercadorias e Futuros; e (redação dada pelalei nº 10.303, de 31.10.2001) vii – as enti da des de com pen sa ção e liqui da ção deope ra ções com valo res mobi liá rios. (inciso incluí do pela lei nº 10.303, de31.10.2001)”. todas essas pes soas físi cas e os admi nis tra do res das pes soas jurí di -cas rela cio na das incluem-se, por tan to, como des ti na tá rios da proi bi ção penal.

a pri mei ra fun ção diz res pei to à admi nis tra ção de car tei ra cole ti va ou indi -vi dual, que, de acor do com a instrução 306/99 da Cvm, con sis te na ges tão pro -fis sio nal de recur sos ou valo res mobi liá rios sujei tos à fis ca li za ção da Comissão devalores mobiliários, entre gues ao admi nis tra dor, com auto ri za ção para que estecom pre ou venda títu los e valo res mobi liá rios por conta do inves ti dor. a admi -nis tra ção pro fis sio nal de car tei ra de valo res mobi liá rios só pode ser exer ci da porpes soa natu ral ou jurí di ca auto ri za da pela Cvm.

o agen te autô no mo de inves ti men to, con for me dis põe a instrução Cvm nº355/2001, é a pes soa natu ral ou jurí di ca uni pro fis sio nal que tenha como ati vi da -de a dis tri bui ção e a media ção de títu los e valo res mobi liá rios, quo tas de fun dos

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de inves ti men to e deri va ti vos, sem pre sob a res pon sa bi li da de e como pre pos todas ins ti tui ções inte gran tes do sis te ma de dis tri bui ção de valo res mobi liá rios.

o art. 26 da lei nº 6.385/76 deter mi na que somen te as empre sas de audi to -ria con tá bil ou audi to res con tá beis inde pen den tes, regis tra dos na Comissão devalores mobiliários, pode rão audi tar as demons tra ções finan cei ras de com pa -nhias aber tas e das ins ti tui ções, socie da des ou empre sas que inte gram o sis te made dis tri bui ção e inter me dia ção de valo res mobi liá rios.

a ati vi da de de ana lis ta de valo res mobi liá rios, regu la men ta da pela instruçãonº 388/2003 da Cvm, carac te ri za-se pela ava lia ção de inves ti men to em valo resmobi liá rios, em cará ter pro fis sio nal, com a fina li da de de pro du zir reco men da ções,rela tó rios de acom pa nha men to e estu dos para divul ga ção ao públi co, que auxi liemno pro ces so de toma da de deci são de inves ti men to. de acor do com o § 1º do art.2º, a ati vi da de de ana lis ta de inves ti men to pode rá ser exer ci da por pes soa natu ral,de forma autô no ma ou com vín cu lo à ins ti tui ção inte gran te do sis te ma de dis tri -bui ção, fundo de pen são, segu ra do ra, pes soa jurí di ca ou natu ral auto ri za da pelaCvm a desem pe nhar a fun ção de admi nis tra dor de car tei ra ou qual quer outra enti -da de auto ri za da a fun cio nar pela Cvm, Banco Central do Brasil, secretaria deprevidência Complementar e superintendência de seguros privados.

agente fidu ciá rio é o repre sen tan te da comu nhão dos deben tu ris tas, cujonome deve cons tar na escri tu ra de emis são públi ca de debên tu res. a instrução28/83, com alte ra ções intro du zi das pela instrução 123/90, ambas da Cvm, esta -be le ce que somen te podem ser nomea dos agen tes fidu ciá rios: i – pes soas natu raisque satis fa çam os requi si tos para o exer cí cio de cargo em órgão de admi nis tra çãode com pa nhia; e ii – ins ti tui ções finan cei ras que, tendo por obje to social a admi -nis tra ção ou a cus tó dia de bens de ter cei ros hajam sido pre via men te auto ri za daspelo Banco Central do Brasil a exer cer as fun ções de agen te fidu ciá rio.

estabelece-se, ainda, no art. 8º, que nas “emis sões de debên tu res que se des -ti na rem à nego cia ção no mer ca do de valo res mobi liá rios, o agen te fidu ciá rio daemis são ou série de debên tu res, será, obri ga to ria men te, ins ti tui ção finan cei ra,sem pre que ocor ra uma das seguin tes hipó te ses: seja a emis são garan ti da por cau -ção; ou a emis são ultra pas se o capi tal social, desde que não se trate de debên tu resubor di na da”.

em rela ção aos demais car gos, pro fis sões, ati vi da des ou fun ções que reque -rem regis tro e auto ri za ção da Cvm, é pos sí vel citar, por exem plo, a de con sul torde valo res mobi liá rios, que, con for me a instrução 43/85 Cvm, pode rá ser exer -ci da por pes soas físi cas ou jurí di cas que se habi li ta rem junto à Comissão devalores mobiliários. ainda de acor do com a instrução, os pre ten den tes à habi li -ta ção ao exer cí cio das ati vi da des acima men cio na das, enquan to não regu la men -ta das espe ci fi ca men te, deve rão, além de pos suir com pro va da expe riên cia ematua ção no mer ca do de valo res mobi liá rios, aten der às exi gên cias para ocu pa çãode car gos de dire to ria em socie da des cor re to ras e dis tri bui do ras.

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também a impor tan te fun ção de admi nis tra dor de fundo de inves ti men tos,de acor do com a instrução nº 391, depen de de pré via auto ri za ção da Cvm. nessecaso, a admi nis tra ção é pri va ti va de pes soa jurí di ca, que indi ca rá o dire tor ousócio-geren te res pon sá vel pela repre sen ta ção do fundo peran te a Cvm.

as ins tru ções nor ma ti vas da Cvm esta be le cem os requi si tos e o pro ce di -men to para a obten ção de auto ri za ções e regis tros para os inter me diá rios finan -cei ros e de todas as demais fun ções que depen dem da mani fes ta ção da enti da deautár qui ca. daí por que o tipo obje ti vo recla ma a atua ção desau to ri za da ou semo res pec ti vo regis tro (sem estar, para esse fim, auto ri za do ou regis tra do junto àauto ri da de admi nis tra ti va com pe ten te, quan do exi gi do por lei ou regu la men to).

o crime é for mal, bas tan do a rea li za ção da con du ta des cri ta no tipo, sem aexi gên cia da super ve niên cia de qual quer resul ta do. o crime de atua ção irre gu laré de peri go abs tra to, pois há uma pre sun ção legal de que o exer cí cio das fun çõesde inter me dia ção de valo res mobi liá rios tem sufi cien te poten cia li da de lesi va aosinte res ses pro te gi dos.

o tipo penal do crime de atua ção desau to ri za da no mer ca do de valo resmobi liá rios exige o dolo, con subs tan cia do na von ta de livre e cons cien te (von ta -de e conhe ci men to) de atuar ou exer cer as fun ções des cri tas no tipo sem estarauto ri za do ou regis tra do peran te a Comissão de valores mobiliários. não há outros ele men tos sub je ti vos do injus to, ou seja, o dolo é gené ri co.

5. Consumação e tentativa

Como afir ma do, os núcleos ver bais ‘ atuar’ e ‘ exercer’ indi cam a natu re zahabi tual da con du ta, razão pela qual a con su ma ção depen de de uma rei te ra çãode atos aptos a carac te ri zar a inten ção de agir per ma nen te men te daque la manei -ra. a inter pre ta ção, nesse caso, deve-se ali nhar a exe ge se do art. 16 da lei nº7.492/86, tipo penal gené ri co em rela ção ao crime em estu do. Comentado ocrime con tra o sis te ma finan cei ro aná lo go, tórtima afir ma que “o deli to em causaexige um míni mo de habi tua li da de para sua con fi gu ra ção. Com efei to, seu enun -cia do não se satis fez com a sim ples rea li za ção de uma ope ra ção pri va ti va de ins -ti tui ção finan cei ra”.1

outros tipos penais do Código penal regi dos pelo verbo ‘ exercer’ são clas si -fi ca dos pela dou tri na como “habi tuais”. nesse sen ti do, são as lições dou tri ná riasa res pei to do crime de exer cí cio ile gal da medi ci na, arte den tá ria ou far ma cêu ti -ca (art. 282 – exercer, ainda que a títu lo gra tui to, a pro fis são de médi co, den tis -ta ou far ma cêu ti co, sem auto ri za ção legal ou exce den do-lhe os limi tes), valen docitar Cezar roberto Bitencourt: “Consuma-se o crime com o exer cí cio habi tual e

1 ob. cit., p. 104.

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rei te ra do da pro fis são de médi co, den tis ta ou far ma cêu ti co”2 e heleno Fragoso:“não cabe dúvi da de que o exer cí cio de uma pro fis são exige a habi tua li da de, queé, assim, ele men to indis pen sá vel do crime que estu da mos”.3

exigindo-se habi tua li da de em face do verbo ‘ exercer’, des cri to na segun daparte do tipo, deve-se esten der, obvia men te, tal inter pre ta ção ao verbo ‘ atuar’que rege a pri mei ra moda li da de deli ti va do art. 27-e. Como se trata de infra çãopenal habi tual, o crime não admi te a moda li da de ten ta da.

6. pena, ação penal e com pe tên cia

a san ção penal pre vis ta no art. 27-e é de deten ção de seis meses a dois anos,cumu la ti va com pena de multa. destaca-se, ape nas, uma mani fes ta con tra di çãodo legis la dor ao esta be le cer uma san ção que é rigo ro sa men te a meta de daque lapre vis ta no art. 16 da lei nº 7.492/86, ou seja, a pena para quem atuar sem auto -ri za ção no mer ca do ban cá rio ou cam bial é o dobro em com pa ra ção à atua çãoirre gu lar no mer ca do de valo res mobi liá rios. não há expli ca ção plau sí vel para seesta be le cer essa dis tin ção se as cri mi na li za ções atin gem inte res ses idên ti cos.

a ação penal é públi ca e incon di cio na da.Como já dis se mos em rela ção aos tipos penais ante rio res, há evi den te inte -

res se da união na manu ten ção de um mer ca do de capi tais de aces so con tro la dopara que se exer ça a neces sá ria fis ca li za ção sobre os inter me diá rios finan cei ros.de outro lado, como a hipó te se é de ofen sa tam bém à regu la men ta ção do mer -ca do de capi tais, de atri bui ção de autar quia da união, pare ce indis cu ti vel men tepre sen te o requi si to cons ti tu cio nal que deter mi na a com pe tên cia da JustiçaFederal para o pro ces so e jul ga men to desse crime.

7. Classificação dou tri ná ria

a atua ção irre gu lar no mer ca do de valo res mobi liá rios é um crime comum(pode ser pra ti ca do por qual quer pes soa); for mal (não exige resul ta do natu ra lís ti -co, bas tan do a com pro va ção da ocor rên cia da ação des cri ta); dolo so (não há pre -vi são legal para a figu ra cul po sa); de forma livre (o crime se con su ma inde pen den -te men te dos meios esco lhi dos pelo agen te); comis si vo (o com por ta men to des cri -to no tipo impli ca a rea li za ção de uma con du ta ativa, pois a norma penal tipi fi ca -do ra é proi bi ti va e não man da men tal); habi tual (a con su ma ção ocor re median te arei te ra ção de atos); unis sub je ti vo (pode ser pra ti ca do por alguém, indi vi dual men -te, admi tin do, con tu do, coau to ria e par ti ci pa ção); plu ri sub sis ten te (pode ser rea -li za do median te uma série de atos dis tin tos, mas o crime será único).

2 tratado de direito penal. parte especial. v. 4. são paulo: saraiva, 2004, p. 267.3 lições de direito penal. parte especial. v. ii. rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 277.

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8. os cri mes con tra o mer ca do de capi tais e os cri mes ante ce den tesda lava gem de dinhei ro

Questão impor tan te que cer ta men te sur gi rá ao intér pre te é a pos si bi li da -de de enqua dra men to da mani pu la ção do mer ca do de capi tais, da uti li za çãoinde vi da de infor ma ções pri vi le gia das e o exer cí cio irre gu lar de cargo, ati vi da -de, pro fis são ou fun ção como cri mes ante ce den tes da lava gem de dinhei ro. alei nº 9.613/98, que regu la os cri mes de “lava gem” ou ocul ta ção de bens, direi -tos e valo res, ao defi nir os cri mes ante ce den tes, inclui espe ci fi ca men te os cri -mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal: “art. 1º ocultar ou dis si mu lar anatu re za, ori gem, loca li za ção, dis po si ção, movi men ta ção ou pro prie da de debens, direi tos ou valo res pro ve nien tes, dire ta ou indi re ta men te, de crime: i – detrá fi co ilí ci to de subs tân cias entor pe cen tes ou dro gas afins; ii – de ter ro ris moe seu finan cia men to; iii – de con tra ban do ou trá fi co de armas, muni ções ou ma -te rial des ti na do à sua pro du ção; iv – de extor são median te seqües tro; v – con -tra a administração pública, inclu si ve a exi gên cia, para si ou para outrem,dire ta ou indi re ta men te, de qual quer van ta gem, como con di ção ou preço paraa prá ti ca ou omis são de atos admi nis tra ti vos; vi – con tra o sis te ma finan cei ronacio nal; vii – pra ti ca do por orga ni za ção cri mi no sa. pena: reclu são de três adez anos e multa.”

a situa ção que se exa mi na é exa ta men te a seguin te: os inci sos do art. 1º quedefi nem os cri mes ante ce den tes refe rem-se, depen den do da situa ção, aos bensjurí di cos tute la dos, ora espe ci fi ca men te às leis e às rubri cas late rais que defi nemos tipos penais, e até mesmo ao sujei to ativo, como nos casos dos cri mes come ti -dos por meio de orga ni za ção cri mi no sa.

É pre ci so inda gar, então, sobre a vali da de deste tipo de tipi fi ca ção. isso por -que, depen den do da res pos ta, os três tipos penais do mer ca do de capi tais serãocon si de ra dos como ante ce den tes da lava gem de dinhei ro. em ter mos mais espe -cí fi cos, admi tin do que os inci sos refe rem-se ao bem jurí di co tute la do e que amani pu la ção do mer ca do de capi tais e os outros cri mes con tra o mer ca do decapi tais sem pre vio lam, ainda que indi re ta men te, os inte res ses ins cri tos no sis te -ma finan cei ro nacio nal, con clui-se pela pos si bi li da de de que os tipos penaisintro du zi dos pela lei nº 10.303/01 sejam con si de ra dos como cri mes ante ce den -tes. de outra forma, caso a con clu são seja de que o inci so vi diz res pei to uni ca -men te aos cri mes pre vis tos na lei nº 7.492/86, os cri mes con tra o mer ca do decapi tais dei xa rão de ser con si de ra dos como cri mes ante ce den tes.

em pri mei ro lugar, deve-se pro ce der a uma aná li se da estru tu ra típi ca docrime de lava gem de dinhei ro. segundo José laurindo de souza netto, o crimeante ce den te seria ele men to nor ma ti vo: “para que ocor ra o crime de ‘ lavagem’ ouocul ta ção de bens, direi tos e valo res, é neces sá rio que tenha ocor ri do qual quer

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dos cri mes men cio na dos nos inci sos do art. 1º. estas infra ções con fi gu ram-secomo ele men tos nor ma ti vos do tipo do crime de lava gem.”4

também nesta linha, o magis té rio de Cesar antonio da silva: “o crime ante -ce den te é, inques tio na vel men te, con di ção espe cí fi ca, neces sá ria à con fi gu ra ção dacon du ta deli tuo sa; sendo, por isso, os tipos incri mi na do res da ‘lava gem de dinheiro’ cha ma dos de tipos dife ri dos ou reme ti dos, é con di cio sine qua non, éele men to essen cial ou ele men tar que inte gra a des cri ção do tipo do crime dife ri -do; por que ausen te o crime ante ce den te, a ação com por ta men tal do autor é abso -lu ta men te vazia, indi fe ren te para o direito penal – é atí pi ca”.5 também nessalinha, Cesar antonio da silva sus ten ta: “Como o crime ante ce den te é um ele men -to essen cial ou ele men to do crime de ‘lava gem de dinheiro’, ele men to inte gran tedo tipo, obvia men te não há como se admi tir ape nas indí cios de sua exis tên cia.”6

dessa forma, na medi da em que os cha ma dos cri mes ante ce den tes são con -si de ra dos como ele men tos nor ma ti vos do tipo de lava gem, torna-se neces sá riauma des cri ção clara e obje ti va da con du ta puní vel em obe diên cia ao prin cí pio datipi ci da de.

não se sabe com cer te za se o inci so vi do art. 1º da lei nº 9.613/98 faz men -ção ao bem jurí di co tute la do ou aos tipos penais pre vis tos na lei nº 7.492/86, quedefi ne exa ta men te os cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, como ante ce -den tes da lava gem de dinhei ro. em prin cí pio, pode-se defen der que o inci so fazmen ção ao inte res se juri di ca men te pro te gi do e, assim, todos os cri mes come ti dosem detri men to dos valo res ine ren tes à ordem finan cei ra podem ser con si de ra doscomo ante ce den tes da lava gem de dinhei ro. a dou tri na sus ten ta que o inci so, aocitar cri mes con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal, faz men ção aos tipos penais dalei nº 7.492/86,7 excluin do, por exem plo, deter mi na dos tipos da lei dos Crimescon tra economia popular. nessa pers pec ti va, as pala vras de Willian terra deoliveira: “con tra o sis te ma finan cei ro nacio nal: fun da men tal men te são os des cri -tos na lei 7.492/86, de 16.06.1986, que defi ne uma série de com por ta men tosofen si vos ao sis te ma finan cei ro. a lei de lava gem de dinhei ro busca exer cer umatute la sobre a nor ma li da de do sis te ma finan cei ro, razão pela qual incluiu no art.1º as movi men ta ções ilí ci tas de dinhei ro e valo res oriun dos de cri mes que atin -gem o mer ca do finan cei ro. Foi uma acer ta da esco lha, porém um pouco tími da.o legis la dor pode ria ter incluí do outras ordens de deli tos afins, como o abuso dopoder eco nô mi co ou aque les que atin gem a eco no mia popu lar ou livre con cor -rên cia”.8 Cabe tam bém afir mar a omis são, por exem plo, ao pró prio crime de falsacota ção da parte espe cial do Cp.

4 lavagem de dinheiro: comen tá rios à lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999, p. 195 – des ta que nosso.5 lavagem de dinheiro: uma nova pers pec ti va penal. porto alegre: livraria do advogado, 2001, p. 97 e 98.6 ob. cit., p. 98.7 rodolfo tigre maia, lavagem..., p. 78. José laurindo de souza netto, ob. cit., p. 85.8 ob. cit., p. 331. Cesar antonio da silva con cor da com a posi ção, ob.cit., p. 119.

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sob o pris ma da polí ti ca cri mi nal, pare ce não haver dúvi da de que a mani -pu la ção do mer ca do de capi tais deve ria ser incluí da no rol dos deli tos ante ce den -tes da lava gem de dinhei ro. a par tir do momen to em que todos os tipos da leinº 7.492/86 são con si de ra dos como cri mes pre ce den tes, não have ria sen ti do em excluir a mani pu la ção, hipó te se que pode gerar recei tas ilí ci tas extre ma men tesupe rio res a deter mi na dos cri mes con tra o sis te ma finan cei ro. além disso, embo -ra a lei nº 10.303/01 tipi fi que os cri mes con tra o mer ca do de capi tais, vimos quehá ofen sa tam bém ao sis te ma finan cei ro nacio nal.

no entan to, con quan to seja evi den te que a mani pu la ção do mer ca do ofen -de os inte res ses do sis te ma finan cei ro nacio nal, não se pode per mi tir a sua carac -te ri za ção como crime ante rior à lava gem, sob pena de se criar um pre ce den teperi go so de vio la ção ao prin cí pio da máxi ma taxa ti vi da de penal. zaffaroni e niloBatista defi nem os con tor nos desse impor tan te prin cí pio: “apesar de expres sar-se a lei penal em pala vras e estas não serem nunca total men te pre ci sas, nem porisso o prin cí pio da lega li da de deve ser des pre za do, mas sim cabe exi gir do legis -la dor que ele esgo te os recur sos téc ni cos para dar a maior exa ti dão pos sí vel à suaobra. daí, não basta que a cri mi na li za ção pri má ria se for ma li ze em uma lei, massim que ela seja feita de uma manei ra taxa ti va e com a maior pre ci são téc ni capos sí vel, con for me ao prin cí pio da máxi ma taxa ti vi da de legal.”9

Com isso, não se quer dizer que o inci so vi seria incons ti tu cio nal, mas ape -nas que deve inci dir uni ca men te sobre os tipos penais da lei nº 7.492/86, pela cer -te za sobre o alcan ce da expres são. em rela ção aos cri mes que pos sam afe tar o sis -te ma finan cei ro nacio nal, mas que não estão incluí dos na lei nº 7.492/86, o inci -so não pode com preen dê-los, sob pena de vio la ção ao prin cí pio da tipi ci da de, pelainse gu ran ça e pela impre ci são legal que essa inter pre ta ção gera ria. por esses moti -vos, os cri mes con tra o mer ca do de capi tais, intro du zi dos pela lei nº 10.303/01,não podem ser con si de ra dos como cri mes ante ce den tes da lava gem de dinhei ro.

9 zaF Fa ro ni, e. raul, Batis ta, nilo, ala Gia, alejandro, slo Kar, alejandro. direito penalBrasileiro: pri mei ro volu me. teoria Geral do direito penal. rio de Janeiro: revan, 2003, p. 206/207. Jorgealexandre Fernades Godinho, ana li san do a tipi fi ca ção por tu gue sa que uti li za a expres são “infrac ções eco -nô mi co-finan cei ra come ti das de forma orga ni za da, com recur so à tec no lo gia infor má ti ca”, dis cor re: “[...]o con cei to legal usado é dema sia da men te vago, [...] não se sabe o que seja a ‘cri mi na li da de eco nô mi co-finan cei ra, infor má ti ca e organizada’. não cre mos que seja pos sí vel recor tar com a exac ti dão exi gi da emdirei to penal o alcan ce desta refe rên cia em ter mos de se deli mi tar com um grau satis fa tó rio de pre ci são ocír cu lo das con du tas que são incluí das. assim, não se tra tan do o tre cho sub judi ce de uma lege certa, istoé, ‘deter mi na da na sua for mu la ção pres cri ti va e no seu con teú do normativo’, pre vi sí vel e con tro lá vel,como o exige o prin cí pio da lega li da de, impõe-se a con clu são de que esta mos peran te uma dis po si çãoincons ti tu cio nal.” do crime de bran quea men to de capi tais – intro du ção e tipi ci da de. Coimbra: almedina,2001, p. 178.

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