crime e adições

10
Consumo de álcool e comportamentos violentos Liliana Queirós Fonseca ([email protected]) Universidade Fernando Pessoa (Criminologia Noturno) Resumo – Este artigo incide sobre a complexa relação existente entre o consumo de álcool e os comportamentos violentos, recaindo em particular sobre a agressividade. Os comportamentos violentos estão dependentes do contexto onde o indivíduo se insere e dependem de fatores individuais, sociais e culturais. São ainda apresentados os fatores de risco que tornam o indivíduo mais propenso ao consumo de substâncias alcoólicas e a comportamentos violentos e os fatores de proteção que refreiam esse mesmo consumo e previnem comportamentos desviantes. Os fatores de risco e de proteção assumem um caráter dinâmico, pois resultam da interação dos indivíduos. Palavras-chave: Álcool, Comportamentos violentos, Fatores de risco e de proteção. Abstract - This article is focused on the complex relationship between alcohol consumption and violent behavior, focusing in particular on aggression. The violent behaviors are dependent on the context in which the individual belongs and they depend on individual, social and cultural factors. It also presents the risk factors that make people more inclined to consumption of alcohol and violent behaviors and protection factors that impede this same consumption and prevent delinquency. Risk factors and protection factors assume a dynamic character, because they result from the interaction of individuals. Keywords: Alcohol, Violent behavior, Risk and protection factors.

Upload: liliana-queiros-fonseca

Post on 09-Aug-2015

20 views

Category:

Education


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Crime e adições

Consumo de álcool e comportamentos violentos Liliana Queirós Fonseca ([email protected])

Universidade Fernando Pessoa (Criminologia Noturno)

Resumo – Este artigo incide sobre a complexa relação existente entre o consumo de álcool e

os comportamentos violentos, recaindo em particular sobre a agressividade. Os

comportamentos violentos estão dependentes do contexto onde o indivíduo se insere e

dependem de fatores individuais, sociais e culturais. São ainda apresentados os fatores de

risco que tornam o indivíduo mais propenso ao consumo de substâncias alcoólicas e a

comportamentos violentos e os fatores de proteção que refreiam esse mesmo consumo e

previnem comportamentos desviantes. Os fatores de risco e de proteção assumem um caráter

dinâmico, pois resultam da interação dos indivíduos.

Palavras-chave: Álcool, Comportamentos violentos, Fatores de risco e de proteção.

Abstract - This article is focused on the complex relationship between alcohol consumption

and violent behavior, focusing in particular on aggression. The violent behaviors are

dependent on the context in which the individual belongs and they depend on individual,

social and cultural factors. It also presents the risk factors that make people more inclined to

consumption of alcohol and violent behaviors and protection factors that impede this same

consumption and prevent delinquency. Risk factors and protection factors assume a dynamic

character, because they result from the interaction of individuals.

Keywords: Alcohol, Violent behavior, Risk and protection factors.

Page 2: Crime e adições

Introdução

O álcool e os comportamentos violentos associam-se cada vez com mais frequência,

transformando-se num sério problema da sociedade atual. Jovens e adultos consomem álcool

em proporções desmesuradas, sentem-se mais desinibidos e, consequentemente, ficam mais

propensos a envolver-se em conflitos, dos quais resulta quase inevitavelmente terríveis atos

de violência. Apesar de considerado comum e pouco prejudicial, por grande parte da

humanidade, a verdade é que o consumo de álcool pode transformar-se num grave problema e

num hábito difícil de perder, comportando consequências nefastas ao consumidor. São vários

os estudos ligados ao álcool que demonstram o caráter complexo desta substância e do seu

consumo e suas consequências nefastas na vida de um indivíduo, bem como o grande número

de indivíduos de ambos os sexos afetados por esta dependência (Anderson et al., 2006).

O tema deste artigo é, precisamente, a eventual existência de uma ligação entre o consumo

de álcool e a ocorrência de atos violentos, cometidos por parte dos consumidores. Este tema

assume especial pertinência, na medida em que, cada vez mais jovens e adolescentes

consomem substâncias alcoólicas. Este é um motivo de maior preocupação e

responsabilidade, porque tal significa que será de prever um aumento da violência entre as

gerações vindouras, tornando urgente a criação de estratégias de alerta aos jovens e de

medidas que reduzam o consumo de álcool tão precoce. Além disso, este artigo procura ainda

colocar em evidência os fatores de risco para o consumo de álcool, bem como fatores que

conferem proteção ao indivíduo, relativamente ao consumo de álcool, e a comportamentos

violentos. Este artigo começa por apresentar uma definição geral do que é o álcool e sua

dependência e fornece uma caracterização dos comportamentos violentos que podem resultar

do consumo de substâncias alcoólicas. Por fim, procura-se demostrar a violência e a

agressividade como causa direta e praticamente constante do consumo excessivo de álcool.

Assumindo o álcool como um problema emergente da sociedade com tendência a assumir

graves proporções e afectando um número incalculável de pessoas em todo o mundo, é

imperativo que sejam postas em prática ações preventivas, que devem plantar suas raízes nas

escolas e locais frequentados pelos jovens, pois é durante a adolescência que se inicia a

prática de maus hábitos, que influenciarão o percurso futuro de cada um. De igual forma,

devem ser organizados grupos de apoio a consumidores de substâncias alcoólicas em excesso

e procurar reduzir a violência associada a esta dependência. Portugal têm um grande número

de consumidores de álcool, sensivelmente um milhão e meio, dentre os quais são inúmeros os

dependentes que apresentam problemas associados a esta substância. Não esquecendo que a

Page 3: Crime e adições

juventude actual consome cada vez mais substâncias alcoólicas, deduz-se que este número

aumente, não deixando adivinhar um futuro promissor às gerações futuras (Cardoso, 2001).

1. Álcool e comportamentos violentos

Hoje em dia, o consumo de álcool é um comportamento natural a cada indivíduo, é aceite

pela sociedade e faz parte da nossa própria cultura. O indivíduo festeja momentos importantes

da sua vida com álcool e consome substâncias alcoólicas enquanto socializa entre amigos em

locais públicos ou privados. Este é um hábito comum, aceitável e característico de grande

parte dos indivíduos. É por essa razão que nem sempre é fácil tomarmos consciência das

consequências que este consumo pode comportar e aceitá-las como sendo prejudiciais. Como

é o caso dos comportamentos violentos que surgem, frequentemente, após o consumo de

bebidas alcoólicas, devido à agressividade e falta de inibição que o álcool provoca.

Em Portugal e em grande parte do mundo, o álcool é uma droga legal e comercializada,

estando ao acesso de qualquer um de nós numa superfície comercial, num café ou até num

posto de gasolina. A venda e compra de álcool é uma atitude trivial e até regular e o consumo

de substâncias alcoólicas acaba por fazer parte até das nossas refeições e hábitos alimentares,

sendo este um costume que já tem suas raízes no passado. O álcool apresenta-se assim como

uma das dependências mais perigosas, na medida em que nem sempre o individuo apresenta

consciência das suas consequências, sendo agravado pelo facto de ser uma droga socialmente

aceite e comum entre adolescentes e jovens. O caráter violento que esta dependência assume

conduz a diversos conflitos que acabam muitas vezes em morte ou comportam consequências

irreversíveis à vida social e pessoal do seu consumidor e restantes envolvidos.

1.1. O álcool e dependência alcoólica

O Álcool está relacionado com o etanol ou o álcool etílico, sendo estes os seus principais

componentes, ou seja, as bebidas consideradas alcoólicas são aquelas que contêm álcool

(UNODCCP, 2000). Ainda segundo Doron e Parot (2001) o álcool é uma molécula natural ou

sintética designada por etiálcool ou etanol que provoca um efeito quer sedativo, quer

hipnótico. Contudo, importa ressaltar que a maioria das bebidas que possuem etanol têm

também outras substâncias que lhes são acrescentadas durante o processo de fabrico,

designadas por congéneres, que afetam as taxas de absorção e de distribuição do álcool,

provocando efeitos diretos no organismo, como alterações ao nível das hormonas sexuais e

efeitos sobre o cérebro (Schuckit, 1998).

Page 4: Crime e adições

O álcool é uma droga psicotrópica que tem efeitos depressores e ataca o sistema nervoso

central, conduzindo a alterações de comportamento daqueles que o consomem. (UNODCCP,

2000). Essas alterações de comportamento podem provocar reacções extremas que conduzem

frequentemente à violência e no pior dos casos pode levar à morte. Existem bebidas alcoólicas

que são fermentadas como o vinho e a cerveja ou destiladas como as aguardentes e os licores.

A sua graduação alcoólica é definida pela percentagem volumétrica de álcool puro que

contém. Geralmente as bebidas destiladas possuem uma graduação alcoólica maior que as

fermentadas. Ainda segundo a Organização Mundial de Saúde o alcoolismo é compreendido

como a totalidade dos problemas causados pelo álcool, problemas estes que se podem

estender por vários domínios: familiar, profissional e pessoal, causando perturbações de

várias ordens. Os alcoólicos são consumidores excessivos com grande dependência e podem

apresentar perturbações mentais, problemas de saúde física, desenvolver conflitos com os

outros e assumir um comportamento social e económico problemático (Mello, 2001).

No que respeita a dependência alcoólica, esta está subjacente à definição de alcoolismo na

medida em que o alcoolismo pode ser definido como um estado de dependência física e

psíquica, que determina os comportamentos dirigidos para um consumo compulsivo e

continuado de álcool, assumindo consequências devastadoras para os consumidores (Nunes &

Jólluskin, 2010). Quando alcoolizado o indivíduo perde frequentemente o controlo e torna-se

incapaz de controlar a quantidade de álcool a ingerir e prever o momento em que deve cessar

o seu consumo (Secades, 2001). De salientar, que o consumo de álcool e suas consequências

estão intimamente ligadas a outros aspectos como idade, sexo e peso. Sendo que nas crianças,

por exemplo, o consumo de álcool é sempre prejudicial (Nunes & Jólluskin, 2010).

Por último, à dependência alcoólica está subjacente o conceito de síndrome de abstinência

e uma certa tolerância ao consumo de álcool pela sua habituação. Por síndrome de abstinência

compreende-se os sintomas adquiridos pelos dependentes aquando da abstinência de álcool,

desde tremores matinais, sudorese, náuseas e distúrbios de humor (Nunes & Jólluskin, 2010).

A dependência alcoólica conduz à seguinte sintomatologia: estreitamento do reportório de

beber, evidência de comportamentos de busca de álcool, aumento da tolerância, sintomas

repetidos de abstinência, alívio ou eliminação da abstinência pela ingestão de álcool,

consciência subjectiva da compulsão para beber e possível reinstalação da síndrome após

abstinência (Seibel, 2001). O consumo problemático de álcool assume-se como um grave

problema de saúde pública, comportando consequências prejudiciais à saúde e conduzindo

por diversas vezes à morte (Niemela et al 2006). O alcoolismo apresenta-se atualmente como

a maior toxicodependência a nível internacional e nacional, sendo Portugal um dos países da

Page 5: Crime e adições

União Europeia com taxas mais elevadas de consumo de bebidas alcoólicas, registando uma

grande percentagem de problemas graves associados ao álcool e sua dependência, atingindo

quase 10% da população total (Fernandes & Teixeira, 2006).

Vários estudos reflectem a dependência e o aumento do consumo do álcool, por exemplo,

segundo uma análise de Pichard e Payne (2005) uma população de jovens australianos detidos

com idades entre os 12 e os 19 anos, o álcool era a droga mais consumida, por 37, 6 % dos

indivíduos. O mesmo estudo revelou que entre os estudantes australianos, mais de 90 % dos

jovens de 16 e 17 anos, cerca de 90 % dos adolescentes de 14 e 15 anos, e perto de 80 % dos

indivíduos de 12 e 13 anos, já tinham consumido álcool, sendo a substância mais consumida

entre os estudantes em geral. Ainda neste contexto, de acordo com o Observatório Europeu da

Droga e da Toxicodependência (2003) e os estudos realizados em escolas dos Estados-

membros evidenciaram que 33% dos jovens portugueses entre os 15 e os 16 anos de idade, já

experimentaram o estado de embriaguez (Nunes & Jólluskin, 2010).

1.2. Comportamentos violentos

Os comportamentos violentos são usualmente consequência de substâncias alcoólicas, que

deixam o individuo desinibido e mais propenso a envolver-se em conflitos. Vários autores

defendem que o álcool é um dos maiores responsáveis pela mudança de comportamento,

provocada por efeitos psicofarmológicos, que resultam em violência (Minayo e Deslandes,

1998). Estudos experimentais mostram que o abuso de álcool pode ser responsável pelo

aumento da agressividade entre os usuários (Fagan, 1990, 1993). Outros pesquisadores

demonstram que o álcool altera a perceção das interacções sociais, elevando os riscos de

conflito entre os indivíduos que participam nessa situação (Coid, 1986). O consumo de álcool

figura-se como um dos maiores fatores de risco para a violência, contudo é de salientar que

esta violência surge mais frequentemente em determinados locais e sob condições específicas.

Alguns espaços sociais ou comunidades apresentam mais conflitos que outros, pois a

violência depende do contexto. O consumo de álcool e a violência estão intimamente ligados

e dependentes de fatores individuais, sociais e culturais (Minayo & Deslandes, 1998).

O consumo excessivo de álcool e o uso de drogas não são suficientes para se determinar

uma relação direta entre consumo de substâncias alcoólicas e comportamentos violentos.

Contudo, a verdade é que o álcool surge como causa direta de 50 % dos homicídios

cometidos, mais de 30% dos suicídios e tentativas de suicídio, e está associado ainda à grande

maioria dos acidentes de trânsito, de acordo com os dados da OPAS (1993). Ora, tais dados

Page 6: Crime e adições

acabam por sustentar a ideia de que, apesar do álcool não ser o total responsável pelos atos de

violência, não deixa de ser o seu desinibidor e um forte motivo para a sua realização.

1.3. Consequências – Agressividade

De entre as consequências provocadas pelo consumo de álcool, este artigo visa a

agressividade. A agressividade é entendida como sendo uma propensão para assumir uma

conduta real que tem por objectivo causar malefícios a outrem (Laplanche & Pontalis, 1970),

ganhando forma através de insultos e de agressões físicas com a intenção de provocar

sofrimento e constrangimento na vítima em questão. É a agressividade que está na base dos

conflitos gerados durante e após o consumo de álcool. Assim, o individuo que consome

bebidas alcoólicas sente-se mais descontraído agindo sem reflectir. Consequentemente, torna-

se mais conflituoso e agressivo e esta agressividade conduzi-lo-á a envolver-se em condutas

impróprias, das quais surgem comportamentos violentos. Importa referir que a violência e a

agressividade são distintas. A violência está relacionada com as imagens que nos são

apresentadas diariamente pelos meios de comunicação: roubos, atos ilícitos, vandalismo, que

não podemos prevenir e desconhecemos o local e o momento em que ocorrerá (Ferrari, 2006).

A agressividade é uma característica que resulta da nossa personalidade, está presente na

nossa constituição como seres humanos e é dependente da nossa relação com o outro e com os

objectos que nos rodeiam. A agressividade é um traço da nossa personalidade, no entanto

muitos conseguem atenua-la (Freud & Lacan, s/d, cit. In Ferrari, 2006).

2. Fatores de risco e de proteção para o consumo de álcool

O risco assume-se como resultado de uma decisão consciente perante determinada

situação que pode conduzir à perda ou ao dano físico, material e psicológico (Schenker &

Minayo, 2005). Este implica perigo, mas apresenta-se apenas como ameaça e possibilidade

deste último ocorrer (Giddens, 1991). Os factores de risco apresentam um carácter dinâmico,

pois resultam da interacção dos indivíduos, da qual podem surgir manifestações

problemáticas (Davies & Cummings, 2006). Por outro lado, os factores de proteção, que

também possuem carácter dinâmico, permitem ao indivíduo, apesar de exposto ao risco, não

ser influenciado e evitar condutas erróneas (Milkman & Wanberg, 2004). De ressaltar, que os

factores de risco e de protecção formam variáveis independentes, pois não existe um regime

de complementaridade entre eles (Jessor, Van Den Bos, Vanderryn, Costa & Turbin, 1995).

Deste modo, os fatores de risco conduzem a condutas conflituosas e os factores de protecção

permitem ao individuo afastar-se de situações problemáticas, possibilitando um maior

Page 7: Crime e adições

domínio pessoal e social (Jessor, Turbin & Costa, 1998). Importa especificar de que forma os

factores de risco e proteção influenciam o individuo a nível pessoal e social e a sua conduta.

2.1. Fatores de risco para o consumo de álcool e comportamentos violentos

Entre os factores de risco para o consumo de álcool e comportamentos violentos estão os

factores biológicos, que estão interligados com aspectos hereditários e constitucionais. Não

existe uma relação genética estreita, mas uma predisposição fisiológica ao consumo de álcool,

que se traduz numa maior tolerância gastrointestinal ao álcool e numa maior ou menor

sensibilidade ao álcool. Os fatores psicológicos que se apresentam através da vulnerabilidade

psicológica e dos modelos de aprendizagem. Entenda-se vulnerabilidade psicológica como

maior ou menor risco para o consumo de álcool em função da personalidade do indivíduo e

das suas atitudes face ao ato de beber, bem como com as suas estratégias para resolver

situações de stress e de dificuldade. E os modelos de aprendizagem representam a influência

que os familiares exercem sobre o individuo, eles assumem um papel decisivo, pois são os

primeiros modelos que a criança utilizará nas suas acções futuras. Por último, os factores

sociais que assumem uma vertente sociocultural. O consumo de álcool surge geralmente

associado à aceitação social, ou seja, o indivíduo consome substâncias alcoólicas para se

integrar em determinado grupo social e a sua dependência alcoólica também não é vista pela

sociedade como algo nefasto, na medida em que é um comportamento normativo e

naturalmente aceite. De igual forma, a disponibilidade do álcool, o seu baixo custo e a falta de

restrições ao seu consumo funcionam como factores determinantes para o consumo

generalizado e muitas vezes patológico da substância (Echeburua, 2002). Segundo Loeber e

Farrington (2000) existem ainda os factores de risco ambientais dos quais fazem parte a

presença de delinquência ou de consumo de drogas nos pais, práticas educativas erróneas,

supervisão insuficiente, falta de comunicação e negligência, escassez de recursos

socioeconómicos, com pais desempregados, família numerosa ou reduzido nível educacional

dos pais, abuso por parte destes, frequente mudança de cuidadores e desacordo entre as

figuras parentais sobre as práticas educativas. São diversos os factores de risco que conduzem

ao consumo de álcool excessivo e, inevitavelmente, ao aumento de comportamentos violentos

e a práticas delituosas entre jovens e adultos.

2.2. Fatores de protecção para o consumo de álcool e comportamentos violentos

Dos factores de protecção para o consumo de álcool e comportamentos violentos fazem

parte os factores biológicos/genéticos que estão relacionados com a elevada inteligência do

Page 8: Crime e adições

indivíduo que lhe permite defender-se de influências negativas e não se envolver em práticas

problemáticas e nefastas. Fatores relacionados com a personalidade e temperamento e que se

traduzem na elevada vinculação, ou seja, ligação forte com grupos de pares de influência

positiva, aquisição de valores pró-sociais e elevada auto-estima. Fatores decorrentes do

comportamento que se reflectem em bons resultados obtidos a nível profissional, na adesão a

actividades convencionais, na rejeição de condutas desviantes e interesse e dedicação pela

actividade profissional desempenhada. Fatores sociais que incluem modelos normativos, pais

e pares pró-sociais, acesso a oportunidades e expectativas de futuro que conduzem o

indivíduo a preocupar-se com o seu desempenho e atitudes, bem como com o seu sucesso a

nível pessoal e social. Por último, fatores ambientais como acesso a oportunidades de

aprendizagem, valores pró-sociais, harmonia familiar e boa relação familiar, vínculo à

profissão desempenhada, sentimento de pertença ao local de trabalho, pertença a atividades e

grupos organizados e estimulantes, transmissão de valores convencionais por aqueles que nos

rodeiam, sucesso e adaptação e boas interacções sociais, sendo que estas características

devem verificar-se desde logo, no espaço escolar, entre os jovens, de forma a prevenir

precocemente o consumo e aquisição de substâncias nocivas ao individuo, bem como de

forma a prevenir e a reduzir a afluência de comportamentos violentos (Jessor, 1991). No que

se refere aos factores ambientais a família ocupa um lugar de relevo, considerando-se como

factores de protecção a existência de relações consistentes e vinculativas com os pais, a

supervisão e a atenção por parte daqueles (Hirschi, 2002), e a existência de apoio social com

acesso a oportunidades educacionais, sendo fundamental a harmonia familiar (Hawkins,

Catalano & Miller, 1992). Deste modo, os factores de protecção estão profundamente ligados

ao processo de socialização do indivíduo e ao modo como interage com os grupos de pares.

Conclusão

Em suma, o consumo de álcool e os comportamentos violentos estão inteiramente

relacionados, na medida em que as substâncias alcoólicas permitem ao individuo se desinibir

e tornam-no mais propenso a envolver-se em conflitos.

Existem contudo factores de risco e de protecção para o consumo de álcool e

comportamentos violentos que, por sua vez, influenciam o individuo durante o seu percurso

de vida e aquando do seu processo de socialização. Os factores de risco conduzem o individuo

a envolver-se em situações problemáticas e comportam consequências nefastas à sua vida,

enquanto os factores de protecção afastam o indivíduo de comportamentos desviantes e

permitem-lhe uma conduta idónea.

Page 9: Crime e adições

De salientar que, devido ao número crescente de dependentes de álcool, é urgente atuar

sobre esta problemática que assume uma presença constante na nossa sociedade e procurar

junto dos jovens reduzir esta dependência através de alertas e da prevenção. Desta forma será

possível a minorar as consequências provocadas pelo consumo excessivo de álcool e atenuar

os comportamentos violentos.

Referências bibliográficas

Anderson, P., Baumberg, B., McNeill, A. (2006). Alcohol in Europe - a public health

perspective: a report to the European Commission. London: Institute of Alcohol Studies.

Cardoso, C. (2001). «Droga» Um problema de saúde pública. Porto, Volume III nº 4 Julho

/Agosto.

Coid, J., 1986. Alcohol, rape and sexual assault. In: Alcohol and Aggression (P. F. Brain,

org.), pp. 161-183, London: Croom Helm.

Davies, P., & Cummings, M. (2006). Interparental discord, family process, and

developmental psychopathology. In D. Cicchetti, & D. Cohen (Eds.), Developmental

psychopathology. Risk, disorder, and adaptation (pp. 86-128). Oxford: John Wiley and

Sons.

Doron, R. & Parot, F. (2001). Dicionário de psicologia (Gabinete de Tradução da Climepsi,

Trad.). Lisboa, Climepsi. (Original publicado em 1991).

Echeburua, E. (2002). Abuso de álcool. Madrid, Sintesis.

Fagan, J., 1990. Intoxication and aggression. In: Drugs and Crime (M. Tonry & J. Q. Wilson,

eds.), pp. 8-43, Chicago: Chicago University Press.

Fagan, J., 1993. Drugs, alcohol and violence. Health Affairs, 12:66-79.

Fernandes, M., S. & Teixeira, Z. (2006). Alcoolismo, comportamentos de risco e doenças

sexualmente transmissíveis. In: Boletim de Alcoologia, 1 (3), pp. 4-15.

Ferrari, I. (2006). Agressividade e Violência. Psic. Clin., Rio de Janeiro, Vol.18, N.2, P.49 –

62, 2006.

Giddens, A. (1991). Modernity and self-identity. Oxford: Blackwell Publishing.

Hawkins, J., Catalano, R., & Miller, J. (1992). Risk and protective factors for alcohol and

other drug problems in adolescence and early adulthood: Implications for substance

abuse prevention. Psychological Bulletin, 112 (1), 64-105.

Hirschi, T. (2002). Causes of delinquency (With a new introduction by the author). New

Jersey: Transaction Publishers.

Page 10: Crime e adições

Jessor, R. (1991). Risk behavior in adolescence: A psychosocial framework for understanding

and action. Journal of Adolescent Health, 12, 597-605.

Jessor, R., Van Den Bos, J., Banderín, J., Costa, F., & Turbin, M. (1995). Protective factors in

adolescent problem behavior: Moderator effects and developmental change.

Developmental Psychology, 31 (6), 923-933.

Laplanche, J. & Pontalis, J. (1970). Vocabulário de Psicanálise. Lisboa: Edições Moraes.

Loeber, R., & Farrington, D. (2000). Young children who commit crime: Epidemiology,

developmental origins, risk factors, early interventions, and policy implications.

Development and Psychopathology, 12 (4), 737-762.

Mello, M. et al (2001). Álcool e Problemas ligados ao álcool em Portugal. Lisboa: DGS.

Milkman, H., & Wanberg, K. (2004). Criminal conduct and substance abuse treatment for

adolescents: Pathways to self-discovery and change. The providers guide. London: Sage.

Minayo, M. C. S & Deslandes, S. F. (1998). A complexidade das relações entre drogas,

álcool e violência. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14 (1):35-42, jan-mar, 1998.

Niemela, S. et al. (2006). Childhood predictors of drunkenness in late adolescence among

males: a 10/year population - based follow – up study. In: addiction, 101 (4), pp. 512-521.

Nunes L. & Jólluskin, G. (2010). Drogas e Comportamentos de Adição. (2ºed.) – Um Manual

para Estudantes e Profissionais da Saúde. Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa.

OPAS (Organização Panamericana de Saúde), 1993. Resolución XIX: Violência y Salud.

Washington: OPAS. (mimeo.)

Pichard, J. & Payne, J. (2005). Alcohol, drugs and crime: a study of juvenils in detention.

Camberra, Autralian Institute os Criminology.

Schenker, M., & Minayo, M. (2005). Factores de risco e de protecção para o uso de drogas

na adolescência. Ciências e Saúde Colectiva, 10 (3), 707-717.

Secades, R. (2001). Alcoholismo juvenil. Prevención y Tratamiento. Madrid: Ediciones

Pirámide.

Seibel, S. D. (2001). Álcool. In: S.D. Seibel e A. Toscano Jr. Dependência de Drogas. São

Paulo, Editora Atheneu, pp. 51-61.

Schuckit, M. A. (1998). Abuso de álcool e drogas (J. Almeida, Trad.). Lisboa, Climepsi.

(Original publicado em 1995).

UNODCCP – United Nations Office for Drugs Control and Crime Prevention (2000). World

Drug Report 2000. New York: Oxford Press. Disponível em:

http://www.undcp.org.adhocworld_drug_report_2000/report.html.