criando um movimento negro

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77019346006 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Alejandro Frigerio, Eva Lamborghini Criando um movimento negro em um país "branco": ativismo político e cultural afro na Argentina Afro-Ásia, núm. 39, 2009, pp. 153-181, Universidade Federal da Bahia Brasil Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Afro-Ásia, ISSN (Versão impressa): 0002-0591 [email protected] Universidade Federal da Bahia Brasil www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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  • Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77019346006

    Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y PortugalSistema de Informacin Cientfica

    Alejandro Frigerio, Eva LamborghiniCriando um movimento negro em um pas "branco": ativismo poltico e cultural afro na Argentina

    Afro-sia, nm. 39, 2009, pp. 153-181,Universidade Federal da Bahia

    Brasil

    Como citar este artigo Fascculo completo Mais informaes do artigo Site da revista

    Afro-sia,ISSN (Verso impressa): [email protected] Federal da BahiaBrasil

    www.redalyc.orgProjeto acadmico no lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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    CRIANDO UM MOVIMENTO NEGROEM UM PAS BRANCO:

    ATIVISMO POLTICO E CULTURAL AFRONA ARGENTINA

    Alejandro Frigerio*Eva Lamborghini**

    * Professor da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLASCO) e Pesquisador doConsejo Nacional de Investigaciones Cientficas y Tcnicas (CONICET). Traduo de Mni-ca da Silva dos Santos.

    ** Bolsista do CONICET.1 A relativa facilidade com que surgem e desaparecem diferentes organizaes negras, em torno

    de um nmero reduzido, mas ativo, de militantes negros/as faz com que optemos por uma anli-se mais focada em termos de indivduos e no de grupos ou organizaes; do contrrio,superdimensionam-se a massificao e o grau de organizao destes empreendimentos. Seguin-do John McCarthy e Mayer Zald, (Resource mobilization and social movements: A partialtheory. American Journal of Sociology (1977), 82(6):1212-41), entendemos por movimentosocial um conjunto de opinies e crenas em uma populao que representa preferncias pelamudana de certos elementos da estrutura social e/ou na distribuio de recompensas dentro dasociedade. Pensamos que os grupos algo volteis que se formam ao redor dos principaismilitantes, podem ser considerados organizaes de movimentos sociais (OMS), segundo ostermos dos mesmos autores; organizao formal ou complexa que identifica seus objetivoscom as preferncias de um movimento social ou um contramovimento e tenta alcanar estesobjetivos (p. 1218). Claro que preciso ressaltar que, em nosso pas, os agrupamentos que funci-onam como OMS nem sempre tm uma organizao to formal como as norte-americanas e, cer-tamente, no no caso dos afro-argentinos. Mas so uma minoria que quer representar uma maioriae se mobiliza (e tenta mobilizar os potenciais beneficirios) por seus interesses coletivos.

    presente trabalho prope-se a analisar os esforos de um grupode militantes afrodescendentes argentinos por comear ummovimento social que permita a construo de uma identidade

    coletiva afro-argentina, a visibilidade de sua presena na sociedadecontempornea, a reivindicao do aporte cultural e social que tantoeles como seus ancestrais fizeram pela cultura do pas, a promoo so-cial dos afro-argentinos e a eliminao do racismo na sociedade.1

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    Para alcanar estes objetivos, devem sobrepor-se, com escassosrecursos financeiros e nenhum apoio estadual, a dois fortes condicio-nantes estruturais. Em primeiro lugar, a narrativa dominante da naoargentina, que enfatiza a brancura de seus integrantes e minimiza a exis-tncia e o rol histrico dos afro-argentinos, e, em segundo lugar, a umsistema de classificao racial que invisibiliza a presena, na sociedadeatual, de indivduos considerados fenotipicamente negros, construindoa categoria social de negros (entre aspas) que, fingindo ser s estig-ma social e cultural, dissimula uma clara discriminao racial para se-tores mestios de baixos ingressos. A partir da segunda metade da dca-da de noventa, no entanto, os militantes podem aproveitar uma estru-tura de oportunidades polticas2 internacional, constituda por redesde movimentos negros latino-americanos que contam com o apoio dealguns organismos multilaterais de financiamento/crdito como o Ban-co Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BM),integrando-se, assim, a um movimento transnacional de propagandasem nvel continental. Para aproveitar esta estrutura de oportunidades,constitui-se a frica Vive, o primeiro agrupamento negro que alcanapersonalidade jurdica em fins da dcada de noventa e que vai dar ori-gem a todo um ciclo de reivindicaes. Paulatinamente, os militantespodem tambm aproveitar uma estrutura de oportunidades local, brin-dada pelo desenvolvimento de uma nova narrativa multicultural da ci-dade de Buenos Aires, que favorece a reivindicao de identidades t-nicas e a promoo de suas culturas, criando mbitos de expresso paraa presena simblica de minorias tnicas locais e migrantes.3

    Este incipiente movimento social afro-argentino se v condiciona-do pelo desenvolvimento, algo anterior, de um campo de atividades dereivindicao da cultura negra, realizado inicialmente por imigrantes afro-uruguaios e afro-brasileiros e, mais tarde, tambm por afro-cubanos e

    2 Doug McAdam, Political Process and the Development of Black Insurgency, 1930-1970. Chi-cago: University of Chicago Press, 1982.

    3 Alejandro Frigerio, Blacks in Argentina: Contested Representations of Culture and Ethnicity.Comunicao apresentada no Annual Meeting da Latin American Studies Association (LASA),Miami, 13 a 16 de maro, 2000; Frigerio, Negro y tambor: Representando cultura e identidaden movimientos negros en Buenos Aires. Comunicao apresentada na V Reunio deAntropologa do MERCOSUR, Florianpolis, 30 de novembro a 3 de dezembro, 2003.

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    africanos. Com estes trabalhadores culturais afro,4 os militantes afro-argentinos estabelecem relaes de cooperao para organizar eventos emostrar sua cultura afro, mesmo que no isentas de disputas acerca doalcance das reivindicaes que ambos os grupos solicitam.

    Apesar do pouco apoio com que contam, e de seu nmero aindareduzido, estes ativistas alcanaram, depois de uma dcada de esforos,que se lhes estabelecesse certo grau de visibilidade ao tema dos afro-argentinos, dando testemunho de sua continuada presena e de sua con-tribuio cultural ao pas, aparecendo em notas importantes em algunsdirios e, sobretudo, promovendo a realizao de uma prova piloto decaptao de afrodescendentes, com o propsito de incluir uma perguntasobre afrodescendncia no prximo censo nacional. Contudo, aindano alcanaram chamar especialmente a ateno do Estado argentino(com exceo de um par de organismos que se encarregam de gruposdespossudos ou discriminados), nem tiveram grandes avanos na cons-truo de uma identidade coletiva entre os afrodescendentes. No seupercurso, somaram como aliados os acadmicos estudiosos do tema,alguns funcionrios e o jornalismo, que recebeu suas iniciativas cominteresse (mesmo quando no consideram que todas elas cumprem oscritrios de noticiabilidade). A seguir, descreveremos os condiciona-mentos estruturais que enfrentam e os desenvolvimentos conjunturais

    4 Mara Eugenia Domnguez e Alejandro Frigerio, Entre a brasilidade e a afro-brasilidade:Trabalhadores culturais em Buenos Aires, in Frigerio e Gustavo Lins Ribeiro (eds.), Argen-tinos e Brasileiros: Encontros, imagens, esteretipos (Petrpolis: Vozes, 2002); Domnguez,O afro entre os imigrantes em Buenos Aires: reflexiones sobre las diferencias, (Tese deMestrado, Florianpolis, 2004). Seguindo a caracterizao de Domnguez, os trabalhadoresculturais exercem suas atividades divulgando prticas artstico-culturais. Ainda que em mai-or ou menor medida, o uso de saberes correspondentes a diferentes expresses da culturapopular (em geral aprendidos no lugar de origem, de maneira informal) constitui um meio detrabalho que garante sua subsistncia; para muitos, o trabalho cultural ultrapassa este objeti-vo, pois tambm se procura a obteno de capital simblico. A antroploga enfatiza a diversi-dade de formas que adquire este tipo de trabalho, situadas segundo sua maior aproximao/distanciamento em relao a dois polos: aquele no qual as iniciativas respondem a fins co-merciais e a atividade encarada como um meio de lucro material, e o que relaciona as inici-ativas com a construo de limites tnicos e culturais, com a divulgao de uma nova imagemdo grupo de domnio e com a ligao histrica desse grupo ao passado local (Domnguez, p.58). Neste sentido, dado que o trabalho cultural no responde a um interesse excludente,sucede que, em algumas ocasies, assume traos de ativismo cultural, isto , aquele em quese pem em relevo os fins polticos da atividade realizada.

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    que achamos constiturem uma estrutura de oportunidades polticasinternacional e local. Depois, examinaremos as principais atividadesexecutadas pelos militantes negros, na sua interao com atorestransnacionais e globais e com funcionrios do governo argentino.Enfatizaremos o desenvolvimento e o desdobramento estratgico dediferentes identificaes coletivas, propostas pelos militantes (afro-argentinos ou negros, afrodescendentes, dispora africana) quelhes permitem aproveitar melhor as oportunidades externas e internas eque, ao mesmo tempo, os ajudam a cooperar com os trabalhadores cul-turais afro, levando a relaes de maior incluso.

    Condicionantes estruturais da mobilizao dos afro-argentinosa) Narrativa dominante da nao que enfatiza a brancuraPara entender os esforos realizados pelos militantes afro-argentinos, necessrio considerar dois fatores contextuais que os condicionam elimitam. O primeiro a existncia de uma narrativa dominante da na-o que, ao invs das vigentes em outros pases latino-americanos,no glorifica a mestiagem,5 mas a brancura. Como sustenta Frigerio,6as narrativas dominantes fornecem uma identidade nacional essenci-alizada, estabelecem as fronteiras externas das naes e de sua compo-sio interna e propem o ordenamento correto de seus elementos cons-titutivos (em termos de etnia, religio e gnero). Justificam o presenteenquanto constroem um passado legitimador.7

    Esta narrativa dominante se caracteriza por apresentar a socie-dade argentina como branca, europia, moderna, racional e catlica.Invisibiliza, portanto, as diferentes presenas e contribuies tnicas e

    5 Lourdes Martnez Echazbal, Mestizaje and the discourse of national/cultural identity inLatin America, 1845-1959. Latin American Perspectives (1998), 25(3):21-42.

    6 Frigerio, Outside the nation, outside the diaspora: Accomodating race and religion in Argen-tina. Sociology of Religion (2002), 63(3):291-315.

    7 Estas narrativas, no entanto, no so unvocas nem tm uma supremacia absoluta, j que soconfrontadas por narrativas contrrias ou submetidas a leituras opositoras (no sentido de StuartHall, Encoding, decoding, in Simon During (ed.), The cultural studies reader (London:Routledge, 1993) que tm um grau dspar de sucesso ou de aceitao social em diferentesmomentos histricos.

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    raciais e, quando estas aparecem, as situa na distncia temporria (nopassado) ou geogrfica (em reas remotas, longe da capital, epicentrogeogrfico da Argentina branca e europia). A respeito dos afro-argen-tinos, enfatiza seu adiantado desaparecimento e a irrelevncia de suascontribuies cultura local e se caracteriza, alm disso, por uma not-vel cegueira quanto aos processos de mestiagem e hibridao cultural.A imagem da nao, da sociedade e da cultura argentina, brindada poresta narrativa dominante, atua como uma estrutura que condiciona for-temente as atividades que podem desenvolver os militantes afro-argen-tinos, os apoios que podem receber e as dificuldades no proveito deuma identificao e uma ao coletiva entre os afro-descendentes.8

    b) A lgica do sistema de classificao racialJunto com uma narrativa dominante da nao que enfatiza a sua bran-cura, um segundo fator contextual, que condiciona a possibilidade dosucesso dos esforos dos militantes afro-argentinos, a existncia deum sistema de classificao racial que operou, pelo menos em grandeparte do sculo XX, na direo da desapario contnua dos negros nasociedade argentina e o predomnio cada vez maior da brancura portenha.Primeiro, pela atribuio da categoria negro a uma quantidade cada vezmenor de pessoas, invisibilizando certos traos fenotpicos (e, inclusi-ve, nas histrias familiares, a determinados indivduos que os possu-em), permitindo, assim, um predomnio naturalizado da brancuraportenha. Por outro lado, com a insistncia de que a atualmente muitoutilizada categoria negro (entre aspas) ou cabecinha negra, atribu-

    8 O comeo das concluses da Reunio de Afrodescendentes Argentinos resume claramente aviso que os prprios militantes negros tm do tema: A atuao histrica e atual dos africa-nos e afrodescendentes foi sistematicamente negada e, inclusive, menosprezada e ocultado oaporte dos mesmos identidade do pas. Este ocultamento e esta negao geraram uma situa-o de invisibilidade deste coletivo, mas, levando em conta que, salvo a comunidade cabo-verdiana, os afro-argentinos no vivem em comunidades, mas dispersos por todo o pas. Estasituao teve como consequncias uma pobre autoestima, um desconhecimento de sua hist-ria e de seus direitos como cidados, envergonhando-se de sua condio, que viola o maisfundamental dos direitos humanos, o direito identidade. O objetivo desta reunio apoiardesde uma construo afrognica (desde ns mesmos) recuperao da identidade afro-ar-gentina [...] (comeo das concluses que circulou por correio eletrnico, depois da Reuniode Afrodescendentes Argentinos realizada em 29-31 de outubro de 2004, na Casa da CulturaIndo-Afro-Americana de Santa F grifo no original).9

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    da a grande parte da populao pobre e de pele escura no envolveuma dimenso racial, mas meramente socioeconmica.9

    A classificao de uma pessoa como no negra se produz, en-to, atravs de um trabalho (no sentido sociolgico de construo soci-al da realidade) de invisibilizao dos traos fenotpicos negros a umnvel micro, que corresponde a nvel macro, com a invisibilizao tambm constante da presena do negro na histria argentina e desuas contribuies cultura argentina.

    Portanto, se bem que a brancura (whiteness) portenha no sejaproblematizada como categoria social, ela, sim, precisa ser construdaconstantemente nas interaes cotidianas, mediante a adscrio da ca-tegoria negro to somente quelas pessoas que tm a pele bem escura eos cabelos encaracolados (o que, na cidade, se chama de pelo mota cabelo encarapinhado). De fato, negro mota (negro carapinha) aexpresso mais utilizada para afirmar inequivocamente que uma pes-soa negra negra, que pertence a la raza negra.10

    Com esta lgica de classificao racial, os negros (verdadeiros)sempre sero cada vez menos. Isto socialmente necessrio porque: a) aexistncia de um nmero importante ou visvel de negros assim como oreconhecimento de que tiveram uma funo de determinada importnciaem nossa cultura ou nossa histria vai absolutamente contra a narrativadominante da histria argentina e contra o seu senso comum; e b) princi-palmente porque ser negro considerado uma condio negativa.

    Frigerio prope que a invisibilidade dos negros se produz nos na narrativa dominante da histria argentina aspecto mais tratadoe sobre o qual existe bastante consenso mas tambm nas interaessociais da vida cotidiana.11

    9 Frigerio, Negros y Blancos en Buenos Aires: Repensando nuestras categoras raciales.Temas de Patrimonio Cultural. Buenos Aires (2006), p. 16.

    10 Frigerio, Negros y Blancos en Buenos Aires.11 Frigerio, Negros y Blancos en Buenos Aires. Para tratamentos recentes da invisibilidade

    histrica dos afro-argentinos, ver Alejandro Solomianski Identidades Secretas: La NegritudArgentina. Rosario: Beatriz Viterbo, 2003; Lea Geler, Afrodescendientes porteos:homogeneidad y diversidad en la construccin nacional argentina, ayer y hoy. Comunicaoapresentada no VIII Congreso Argentino de Antropologa Social, Salta, 19 a 22 de setembrode 2006.

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    A prevalncia de um sistema de classificao racial deste tipo im-pede especialmente a formao de um movimento social e a criao deuma identidade coletiva. Por um lado, dificulta a percepo da existnciade um coletivo negro pela maneira com que a variedade fenotpica, pro-veniente da mestiagem, conceituada como graus diferentes da bran-cura naturalizada.12 Por outro, permite que grande parte dos afrodescen-dentes possa passar (no sentido goffmaniano de ocultar seu estigma)na vida cotidiana. Devido a isso, pode resultar mais custoso participar deum movimento reivindicatrio que lidar com a discriminao light quese enfrenta em quase todos os contextos sociais com algumas excees,como determinada discriminao trabalhista, na qual se solicita boa apa-rncia ou em determinados encontros com a polcia.13

    c) Narrativas multiculturais na cidade de Buenos AiresComo assinalou Lacarrieu,14 nos ltimos anos da dcada de noventa, pro-duzem-se vrios desenvolvimentos importantes na cidade de Buenos Airesque mudaro as formas de represent-la, ou seja, a imagem que desta se

    12 Existe, no entanto, uma linguagem para entendidos, segundo a qual os afro-argentinos perten-centes a famlias tradicionais se reconhecem entre si, distinguindo determinados traos fsicosque marcam a descendncia africana (para mais detalhes, ver anlise de Natalia Otero Correa,Afroargentinos y caboverdeanos: Las luchas identitarias contra la invisibilidad de la negrituden Argentina, (Tese de Mestrado, Misiones, 2000). No entanto, quem est fora do que algumavez foi a comunidade negra (composta por estas famlias tradicionais afro-argentinas) e hsomente algum/ns ancestral/ais negro/os, no consciente destes marcadores fenotpicos emic.

    13 A idia de Livio Sansone (Blackness without Ethnicity: Constructing Race in Brasil. NewYork: Palgrave MacMillan, 2003) de contextos duros e contextos suaves de racismo pertinente aqui. Grande parte das interaes sociais pode considerar-se contextos suaves, nosquais se toleram brincadeiras inofensivas com que os indivduos aprendem a lidar desdepequenos. As entrevistas de trabalho, ou os encontros com a polcia, sobretudo, podem consi-derar-se contextos mais duros, mais escondido o primeiro, mais explcito o segundo. Vriosexemplos indicam que no preciso desprezar a fora do racismo policial. A Jos DelfnAcosta, um ativista cultural afro-uruguaio, custou-lhe a vida, assim como a inumerveis ne-gros (entendido o vocbulo como cabecinha negra, indivduos de tez escura, pertencentesa setores de baixos recursos) tambm.

    14 Monica Lacarrieu, Remapeando identidades en el contexto de la regionalizacin. Comuni-cao apresentada na III Reunin de Antropologa del MERCOSUR, Misiones, 23 a 26 denovembro de 1999; Lacarrieu, Zonas grises en barrios multicolores: ser multicultural no eslo mismo que ser migrante. Apresentado no Simpsio Buenos Aires-Nueva York: Dilo-gos Metropolitanos entre Sur y Norte, Buenos Aires, 29 e 30 de maio de 2001; Lacarrieu,Turismo Cultural: Recurso o Poltica?: La construccin de estticas exticas frente a es-tticas del conflicto en Argentina y la ciudad de Buenos Aires. Comunicao apresentada no51 Congresso Internacional de Americanistas. Santiago de Chile, 14 a 18 de julho de 2003.

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    quer projetar para o exterior e seus habitantes. Estas modificaes afeta-ro especialmente o lugar outorgado s minorias tnicas, pois, neste per-odo, comea a perfilar-se uma narrativa multicultural da cidade, que nos reconhece, mas elogia e incentiva sua diversidade tnica interna, cri-ando-se diferentes espaos e eventos para sua exibio e exaltao.

    Existem razes de ordem local e global para estas mudanas.Entre as primeiras, a mudana de status legal da cidade, que, em 1996,passa de Capital Federal a Cidade Autnoma (o que lhe permite umperfil mais prprio e independente), com uma nova constituio maisprogressista. Alm disso, desde 1999 passa a ser governada por umacoligao de perfil centro-esquerdista. Neste marco, o direito identi-dade em diferentes nveis ganha relevncia, incluindo-se dentrodesta revalorizao as identidades tnicas. Por outro lado, tem lugar umcontexto global em que, como assinala Lacarrieu,15 em sintonia comas declaraes e os programas propostos por organismos internacionais(como Unesco, BM, BID), a cidade multicultural observada comouma cidade enriquecida pela sua diversidade.

    A nova autonomia da cidade e o desejo de inclu-la entre outrasmetrpoles globalizadas levam a uma valorao da multicultural cida-de, que se aparta da viso tradicional da identidade nacional, como fun-dada em um crisol de raas, onde os diferentes ingredientes (tnicos,culturais) se fundiriam para desaparecer e originar uma nova cultura euma nova identidade, compartilhadas por todos os habitantes da nao.Assim, dentro da narrativa multicultural vigente, a diversidade tnicada cidade passa a ser um elemento valorizado, que a tornaria mais atra-tiva para o turismo e para aqueles que a habitam.16 Esta celebrao dacidade pluralmente tnica se evidencia, sobretudo, nas Feiras das Co-letividades, eventos organizados pelo Governo da Cidade, que adqui-rem maior regularidade e frequncia no ltimo lustro. Aqui, onde cadagrupo tnico ou nacional expe e vende suas comidas, seus artesanatose suas roupas em postos, e realiza espetculos de dana e msica, aetnicidade (re)apresentada e oferecida para o consumo dos portenhos.

    15 Lacarrieu, Zonas grises en barrios multicolores.16 Lacarrieu, Zonas grises en barrios multicolores.

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    Como bem assinala Lacarrieu,17 esta , sim, uma forma de mul-ticulturalismo light; a cultura dos migrantes exaltada e exibida (aomesmo tempo em que mercantilizada), mas em espaos demarcados ede atitudes predeterminadas, de forma tal que os aspectos potencial-mente mais problemticos de sua etnicidade ou de sua situao socialpassem despercebidos. A exibio de seus direitos culturais no garan-te, assim, a efetiva reivindicao de seus direitos de cidados.

    No entanto, ainda com estes condicionantes (espaciais) e limita-es (expressivas), esta nova narrativa, ao solapar a antiga imagem ide-al da cidade europia e da homogeneidade portenha, constitui, sem d-vida, uma estrutura de oportunidades polticas,18 na qual podem serfeitas certas reclamaes, baseadas em identidades tnicas.

    Para voltar ao caso que estamos analisando, grande parte do apoiolocal recebido em uma primeira etapa pela frica Vive, um dos princi-pais agrupamentos negros, procedeu de uma instituio do Governo daCidade. Como veremos mais adiante, foi a Defensora Adjunta do Povoda Cidade que contribuiu monetariamente para a realizao de seusbailes, capacitou os pesquisadores para o censo da populao afro dacidade e contribuiu com a tabulao dos dados.

    d) A constituio de um campo de atividades culturais afroDurante a segunda metade da dcada de oitenta, comea a desenvolver-se na cidade de Buenos Aires o que poderamos denominar como umcampo de atividades culturais afro, graas aos esforos isolados, massimultneos, de um grupo de migrantes afro-uruguaios, afro-brasileirose afro-cubanos. Mesmo que vindos cidade por motivos muito diver-sos, uma vez nela, resulta bvio que seu conhecimento de determina-das artes afro-americanas constitui um capital cultural que lhes permi-tir subsistir. Reconvertidos em trabalhadores culturais,19 comeam aensinar diferentes aspectos do que ento se qualificava como cultura

    17 Lacarrieu, Zonas grises en barrios multicolores.18 McAdam, Political Process and the Development of Black Insurgency, 1930-1970. Chicago:

    University of Chicago Press, 1970.19 Domnguez, O afro entre os imigrantes em Buenos Aires: reflexiones sobre las diferenci-

    as, (Tese de Mestrado, UFSC, 2004).

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    negra de seus respectivos pases: candombe, no caso dos migrantesafro-uruguaios, capoeira e dana afro, no dos afro-brasileiros, e danasafro-cubanas, no caso dos migrantes da ilha. O Centro Cultural RicardoRojas, da Universidade de Buenos Aires, assim como uma escola dedana privada, chamada o Danzario Afro-americano se transformamem epicentros deste novo movimento cultural que logo se estendepela cidade. Apesar de estes migrantes (cujo nmero no passa de umadezena por pas, mas cuja influncia cultural se faz relevante) ensina-rem especificamente um gnero artstico afro-americano, em breve seinstala uma conscincia da afinidade de seus projetos. A procednciacomum afro (africana) destas artes os leva a similares reivindicaes,enquanto sua mais prxima procedncia nacional (uruguaia e brasilei-ra) e as discusses em torno de quem e de que maneira esto autoriza-dos para ensinar estas artes, fazem com que suas interaes sejam tantode cooperao como de conflito. Em breve, vrios deles se do conta deque, em um pas que se orgulha de sua brancura, devem primeiro rei-vindicar a presena de negros e de sua cultura no passado argentino,justificando sua atividade cultural como o ensino no de formas cultu-rais forneas (brasileiras, uruguaias), mas de comum procedncia afroe de parte das razes da cultura argentina. Algo similar devem fazer ospraticantes argentinos de religies afro-brasileiras, que, para noenfatizarem a estrangeirice de suas prticas e diminurem o estigma deseitas estrangeiras, devem reivindicar a presena de negros e sua cul-tura na histria argentina.20 De fato, at a apario ou (re)visibilidadedos militantes afro-argentinos, praticamente os nicos que reivindica-vam publicamente a existncia e a importncia de uma cultura negra nopassado argentino foram os trabalhadores culturais, principalmente afro-uruguaios e afro-brasileiros, e os umbandistas/africanistas. Neste cam-po prvio de disputas sobre o que a cultura afro, qual a forma corretade transmiti-la e quem tem o direito de faz-lo, inserem-se os militantesafro-argentinos com a inteno de iniciar um movimento j no s paravalorizar a cultura afro, mas tambm para chamar a ateno para a exis-tncia atual de afrodescendentes no pas e seus direitos, negados porsua invisibilidade histrica e sua atual marginalizao social.

    20 Frigerio, Outside the nation.

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    Dada a forma que toma a narrativa multicultural na cidade, podermostrar cultura afro transformou-se num recurso simblico impor-tante, j que, como vimos, os diferentes grupos tnicos devem mostrar/desdobrar/oferecer sua cultura para o desfrute/consumo dos vizinhos edos turistas. Por este motivo, um dos primeiros grupos com os quais osmilitantes afro-argentinos enfrentaram atritos foi o de alguns pratican-tes de candombe afro-uruguaio, que, em Buenos Aires, o ensinam comouma manifestao rio-platense e estabelecem uma continuidade en-tre as chamadas de tambores contemporneas, realizadas pelos imi-grantes afro-uruguaios (com a participao de alguns pardos e brancostambm) e o passado negro do bairro histrico de San Telmo (o antigobairro do tambor), onde essas chamadas so feitas. Esta reivindica-o do candombe, segundo o modelo uruguaio, substitui mais ainda ocandombe argentino, que se tinha recuado para casas de famlias afro-argentinas desde o fechamento do Shimmy Clube, em 1972.21 Orenascimento do candombe na cidade, nas ltimas duas dcadas, por-tanto, se baseia exclusivamente no modelo uruguaio que passa a ser ocandombe. Como veremos mais adiante, os sucessivos e cada vez maisfrequentes eventos de reivindicao dos negros e sua cultura precisamda demonstrao de cultura negra (se no argentina, pelo menos deoutros pases limtrofes) e do maior nmero possvel de indivduos queresultem negros negros para a classificao racial local. Isto faz comque os militantes afro-argentinos devam estabelecer relaes de coope-rao (ocasionalmente de conflito) com estes trabalhadores/ativistasculturais afro-americanos.22

    21 Frigerio, El Candombe Argentino: Crnica de una muerte anunciada. Revista deInvestigaciones Folklricas. Universidad de Buenos Aires (1993), # 8:50-60.

    22 Tambm h tentativas de resgatar e voltar a dar visibilidade ao candombe argentino em que osmilitantes afro-argentinos tm ingerncia. As estratgias mais culturais destes militantes, noentanto, por serem minoritrias com respeito ao seu espectro de ao, ficam fora dos limitesdeste trabalho.

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    Desenvolvimento de um movimento socialafro (argentino/descendente)a) 1995-2001 - Ajudando aos afro-argentinosO grau quase total de invisibilidade alcanado pelos afro-argentinosdurante a segunda metade do sculo XX comeou a fender-se, em algu-ma medida, para fins da dcada de noventa, com a formao da fricaVive, um agrupamento de militantes negros que adquiriu visibilidadeem diferentes mbitos.23

    Em 1996, dois ativistas negros residentes no Canad, consulto-res do BID, visitam Buenos Aires com a inteno de contatar gruposnegros locais e integr-los a um programa de ajuda econmica paraeste tipo de agrupamento, o Programa de Alvio Pobreza em Comuni-dades Minoritrias da Amrica Latina. Convidam para se apresentar,em um encontro em Washington, duas afro-argentinas. Uma delas Mara Magdalena Lamadrid, descendente de negros escravos argenti-nos, com cinco geraes de ancestrais no pas. A outra, Miriam Gomes,

    23 Alguns autores, como Miriam Gomes (Apuntes para una historia de las instituciones negrasen Argentina, in Dina Picotti (comp.), El negro en la Argentina. Presencia y negacin (BuenosAires: Editores de Amrica Latina, 2001); e Laura Ceclia Lpez, Hay alguna persona eneste Hogar que sea Afrodescendiente? Negociaes e disputas polticas em torno das classi-ficaes tnicas na Argentina, (Dissertao de Mestrado, UFRGS, 2005), fazem referncias organizaes negras da dcada de oitenta e estabelecem algum tipo de continuidade comas atuais. Como j dissemos, consideramos mais realista falar dos esforos atuais de militan-tes negros, por criarem um movimento social, que da existncia de um movimento negro.Os empreendimentos de indivduos negros que houve durante a dcada de oitenta tiverampropsitos bastante diversos: existiu um agrupamento de imigrantes haitianos e um ComitLatino-americano contra o Apartheid, fundado e liderado por Enrique Nadal, um afro-argen-tino, cujos objetivos estavam mais dirigidos a criar conscincia sobre o racismo fora do pasque dentro do mesmo uma iniciativa impensvel na poca. O Movimento Afro-americano do qual o primeiro autor fez parte durante 1989 e 1990 composto por ativistas culturais emilitantes polticos afro-brasileiros, afro-uruguaios e, em menor medida, afro-argentinos, se-ria um antecedente apropriado, se no fosse porque no alcanou recrutar nenhum apoio ex-terno ao grupo. Mesmo que seja indispensvel fazer uma anlise em profundidade destesesforos pioneiros, preciso reconhecer que o contexto social do momento era to poucofavorvel a reivindicaes raciais o ativismo cultural afro-americano recm-comeado que teve que esperar, como argumentamos aqui, pelo desenvolvimento de uma estrutura deoportunidades polticas que tornasse possvel algum tipo de ativismo poltico negro com pos-sibilidades de alcanar alguma transcendncia pblica. Podemos localizar um antecedenteclaramente poltico recente em 1991, na Declarao de Santa F, assinada por Luca Molina,Miriam Gomes e Enrique Nadal, entre outros, depois das Primeiras Jornadas de Culturanegra, organizadas pela Casa da Cultura Indo-Afro-Americana.

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    pertencente primeira gerao de afro-argentinos, nascidos na comu-nidade de imigrantes cabo-verdianos, que chega a Buenos Aires na pri-meira metade do sculo XX. Entusiasmada pelo movimento internaci-onal em torno da negritude que encontra na sua visita a Washington epelas promessas de ajuda financeira, Mara Lamadrid funda, em abrilde 1997, o agrupamento frica Vive. Esta ONG tem a inteno de rom-per com a invisibilidade do negro na Argentina, ajudar na promoosocial de seus congneres e, de maneira mais geral, reivindicar o rol donegro na histria e na sociedade argentina.

    Para alcanar estes objetivos, nos primeiros tempos conta princi-palmente com duas fontes de apoio. Uma, interna, composta, em suamaioria, pela sua famlia extensa, algumas afro-argentinas, de famliasconhecidas dentro da comunidade, e por Miriam, cuja formao univer-sitria resulta de utilidade na hora de realizar projetos ou entrevistas comfuncionrios. A segunda fonte de apoio, agora externa, a rede de organi-zaes negras AfroAmrica XXI. Esta rede, criada pelos consultores doBID, que as convidou para irem a Washington, tem o propsito de conti-nuar a integrao entre os diferentes grupos de afro-americanos presentes referida reunio. Como representante argentina nesta organizao, MaraLamadrid (mais conhecida como Pocha) convidada para mais duas reuni-es, uma em Honduras (outubro de 1997) e outra na Colmbia (maro de1998). Por causa de sua pertena a esta rede, recebe algo de ajuda financei-ra e de assessoria para assistncia social a grupos vulnerveis.

    As atividades da frica Vive so realizadas em diferentes terre-nos ao mesmo tempo: social, cultural, poltico determinados princi-palmente pelos apoios sociais externos que vai conseguindo. Duranteos dois primeiros anos de existncia, o principal trabalho consiste emrobustecer o apoio externo, participando de reunies internacionais,organizadas por AfroAmrica XXI. Ao mesmo tempo, Pocha tenta am-pliar sua base de apoio local, reunindo-se com membros de sua famliae outros integrantes de famlias notveis da comunidade afro-argenti-na, tentando persuadi-los a se unirem organizao. Realiza, alm dis-so, apresentaes de projetos perante os delegados locais do BID, fun-cionrios pblicos, de empresas privadas e ainda embaixadas, para ob-ter apoio financeiro para sua organizao, mas sem muito xito.

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    Seu trabalho comea a atrair alguma ateno em Buenos Aires,em 1999, depois de sua participao em um Seminrio sobre Os Po-vos Originrios, Afro-Argentinos e Novos Imigrantes. A incluso dosafro-argentinos entre outras minorias com maior visibilidade social (po-vos originrios, novos migrantes) incita o interesse de alguns polti-cos locais e lhe permite o acesso aos escritrios da Defensoria do Povoda Cidade de Buenos Aires, cuja Defensora Adjunta se transforma, du-rante um tempo, em sua principal aliada.24 Atravs do seminrio, ganhatambm certa visibilidade na mdia, especialmente no dirio Clarn,provavelmente o de maior circulao no pas, que lhe dedica trs im-portantes notas nos anos subsequentes includa uma de capa. Sua apa-rio na mdia particularmente relevante, porque outorga algo de visi-bilidade aos afro-argentinos, desaparecidos de dirios e revistas desde1971 ano em que a revista dominical do mesmo dirio publica umanota sobre a comunidade negra da cidade.25

    O ano 2000 especialmente frutfero para a frica Vive. Com oapoio econmico da Defensoria, conseguem organizar um baile na CasaSuiza, onde se realizavam as famosas reunies do Shimmy Clube, quecongregaram os afro-argentinos at a dcada de setenta.26 Mesmo comfoco nos parentes da famlia extensa da presidenta da frica Vive, obaile rene outros membros das famlias conhecidas da comunidadenegra.

    Em abril e agosto, membros do agrupamento realizam, com aassessoria logstica da Defensoria, um censo dos negros residentes emBuenos Aires. Se bem que o nmero de indivduos recenseados pelo

    24 Como dissemos, no apoio desta funcionria pode-se ver a importncia de uma nova narrativamulticultural da cidade. A relevncia do novo contexto para a valorizao dos movimentosidentitrios mencionada explicitamente pela Defensora Adjunta em um relatrio de ativida-des realizadas durante o ano 2001. No primeiro pargrafo de seu Relatrio Preliminar Sobrea Comunidade Afro na Cidade de Buenos Aires, assinala: No marco do processo de desen-volvimento de novas prticas institucionais, congruentes com o esprito garantidor da Consti-tuio da Cidade Autnoma de Buenos Aires, a Defensoria do Povo da Cidade de BuenosAires assumiu um compromisso efetivo com a promoo de direitos de cidadania de diferen-tes minorias.

    25Buenos Aires de bano, Clarn revista, 5 de dezembro de 1971.

    26 Frigerio, El Candombe Argentino: Crnica de una Muerte Anunciada. Revista deInvestigaciones Folklricas. Buenos Aires (1993), p. 8.

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    mtodo de snowball sampling no resulte muito grande (aproximada-mente duzentos), o censo consegue detalhar algumas caractersticas dapopulao negra da cidade e, sobretudo, se constitui em um importanteelemento de reivindicao simblica. Por ser realizado com a ajuda deuma instituio pblica, concede um primeiro reconhecimento oficial existncia de negros no s migrantes, mas, sobretudo, argentinos na cidade, assestando, assim, um golpe sua invisibilidade. Tambm uma conquista significativa que a frica Vive pode mostrar mdia eaos agentes financiadores.

    Neste mesmo ano, os integrantes da frica Vive, principalmentesua fundadora, Pocha, se encontram com outros atores sociais que ten-tam dar visibilidade aos afro-argentinos e reclamam polticas de lutacontra a discriminao e a pobreza do que denominam a comunidadeafro. Na sua negociao com a Defensora Adjunta do Povo por umaCasa do Negro, os lderes da frica Vive entram em conflito com outrosativistas negros. Segundo a anlise de Lpez,27 a principal coligaocontra os seus interesses formada por Baltasar, um imigrante africanoque edita dois nmeros (dezembro de 2000 e julho de 2001) de Benkadi,a revista da comunidade afro (entendida j no s como a formadapelos negros argentinos, mas por todos os negros residentes na cidade),e por Angel Acosta, um ativista cultural uruguaio, pioneiro no ensinodo candombe uruguaio na cidade, que, depois de seu irmo ter sidoassassinado pela polcia, por defender afro-brasileiros que estavam sendointerrogados na rua, funda uma ONG denominada SOS Racismo. En-quanto a frica Vive quer que a casa seja s para afro-argentinos, estesativistas culturais (secundados por alguns afro-argentinos) propem queseja para todos os negros da cidade. A impossibilidade de alcanar umconsenso faz com que a gesto da casa fracasse (ver Lpez,28 para umaanlise detalhado da questo).

    Durante 2001, realizam outro baile para congregar a comunida-de negra, que novamente um sucesso. Conseguem incorporar algunsjovens afro-argentinos ao movimento da organizao, a partir da reali-

    27 Lpez, Hay alguna persona?28 Lpez, Hay alguna persona?

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    zao de um encontro juvenil. Dois deles viajam para a ConfernciaMundial contra o Racismo em Durban, onde apresentam o relatrio docenso realizado com ajuda da Defensoria.

    Mesmo que o poder de convocao de afro-argentinos da fricaVive no chegue a ser muito massivo em termos quantitativos, tem maissucesso convocando bailes que a soma de seus projetos sociais o traba-lho realizado pelo agrupamento tem consequncias resumidamente im-portantes, principalmente porque conseguem chamar a ateno de algunsfuncionrios e da mdia para a existncia de afro-argentinos no pas questionando a afirmao, de sentido comum, de que j no ficam ne-gros na Argentina. Alm disso, e no menos importante, porque criaentre outros afro-argentinos a conscincia de que necessrio e possvellutar pelos seus direitos. Vrios dos militantes negros argentinos, queatuaro posteriormente, saem de suas filas; outros, que j tiveram umativismo cultural no passado, voltam militncia como consequncia domovimento produzido por este grupo.29 O ativo trabalho de Pocha e Miriamtambm incita o interesse de vrios acadmicos (principalmente antrop-logos), possibilitando um revival dos estudos sobre afro-argentinos.

    b) 2002-2005 Protestando pelos afro-descendientesDurante o primeiro perodo da existncia da frica Vive, sua ao se foca-liza principalmente sobre os negros argentinos ou sobre os afro-argenti-nos, enfatizando as tentativas de criar uma identidade coletiva entre osque pertenceriam a esta comunidade e a luta pela sua promoo social, jque estes seriam, se no os mais pobres entre os pobres, pelo menos umgrupo em situao de vulnerabilidade extrema. Com esta agenda, continualocalmente a poltica de Afroamrica XXI e eles contam com o apoio dasinstituies internacionais, s quais esta rede lhes facilita o acesso.

    29 Torna-se necessrio destacar aqui tambm o trabalho pioneiro da Casa da Cultura Indo-Afro-Americana da Provncia de Santa F. Este agrupamento, dirigido por Luca Molina e MarioLpez, preexiste frica Vive e organiza as j mencionadas Primeiras e Segundas Jornadassobre Cultura Negra (em 1991 e 1993). Participa ativamente, alm disso, da Rede Continentalde Organizaes Afro, outra rede transnacional de movimentos negros, dirigida pela Organi-zao Mundo Afro do Uruguai. Mesmo que seus representantes tenham um rol sem dvidaimportante no desenvolvimento de um incipiente movimento negro no pas, sua visibilidadeem Buenos Aires muito menor que a da frica Vive.

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    Nesta segunda etapa de mobilizao dos militantes negros, ocor-re um deslize da identificao coletiva, proposta para a de afrodescen-dentes pelas vantagens do tipo diferente que esta traria, assim comopor uma maior abertura para acionar, de outros ativistas negros, princi-palmente os trabalhadores culturais afro-americanos.

    Em grande parte da Ibero-Amrica, ou pelo menos com seguran-a no Cone Sul, o termo afrodescendentes se props como categoriade autoidentificao na Conferncia Pr-Durban de Santiago (em 2000),e comeou a popularizar-se depois da III Conferncia Mundial Contrao Racismo, a Discriminao Racial, a Xenofobia e as Formas Conexasde Intolerncia de Durban, frica do Sul, em 2001. A importncia pol-tica desta nova categoria de identificao fica clara na seguinte refle-xo de Miriam Gomes, que, entrevistada por Laura Lpez, assinala:

    Quando ns o adotamos, entendemos que era uma questo poltica, erahora de adotar esse termo porque nos parecia, ou nos parece, que muitomais amplo que o termo negro, que, por outro lado, um termo imposto defora, durante um perodo histrico preciso, que o da conquista e coloniza-o da Amrica. Mas, ao mesmo tempo, um termo que nos serviu muitotempo para identificar-nos e reivindicar nossas origens, ento, bem, h gen-te que continua chamando-se negro, e eu mesma continuo chamando-menegra, mas entendo que, por questes estratgicas e polticas, o termo maisadequado, e que sustentamos, e que sustento, o de afrodescendente, por-que tem status jurdico, porque est includo na Declarao das NaesUnidas, voc d conta, est sancionado pelas Naes Unidas, ento parans importante acolher-nos nesse termo. E bom, ns o adotamos e j vsque a palavra afro-argentino cada vez se usa mais, e tem a ver com essetrabalho das organizaes em poder exp-lo, porque concordamos que eraassim. Inclusive, ramos h uns anos atrs, dizamos uh, j no somosmais negros, agora somos afrodescendentes, e amanh que seremos, masbem, a histria assim.30 (Grifo no original.)

    Esta adoo tem vrias vantagens. Por um lado, como reconhe-cem os prprios militantes, est avalizada por uma importante confe-rncia internacional que pode realizar recomendaes para os Estados.

    30 Lpez, Hay alguna persona?, p. 192.

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    Mais importante ainda, outorga aos agrupamentos negros ibero-america-nos uma arma importante para a quebra da invisibilidade de suas popula-es. Para pases como a Argentina, onde a populao negra consideradano existente e onde o nmero de negros negros ser sempre pequeno,permite incluir, numa mesma identificao coletiva, uma quantidade deindivduos que podem ser fenotipicamente bem diferentes. O principal cri-trio de adscrio passa da cor ou do fentipo para a descendncia reco-nhecida ou postulada qualquer indivduo com um ascendente negro podereivindic-lo. Desta maneira, os militantes afro-argentinos (agora afrodes-cendentes) podem afirmar que existem no pas 2 milhes de afrodescen-dentes. Se for impossvel afirmar que existem 2 milhes de negros, tal cifrade afrodescendentes muito mais plausvel mesmo que a veracidade detal afirmao, de todas as maneiras, ainda deva ser constatada.31

    Pelo menos na Argentina, a utilizao do termo afrodescenden-tes tambm dilui, em certa medida, a provenincia nacional dos queassim se identificam. Isto favorece que militantes negros de diferentesprocedncias nacionais (afro-uruguaios, afro-equatorianos, afro-brasi-leiros) possam identificar-se como um mesmo coletivo e pressionar pelosseus direitos. Se a crescente popularizao desta identificao no li-quefaz as diferenas entre os diferentes militantes, nesta etapa pareceafianar-se o convencimento de que necessrio mostrar a maior quan-tidade possvel de agrupamentos afrodescendentes para poder pressi-onar melhor com suas propagandas.

    A primeira instncia em que esta necessidade se evidenciou foi emuma srie de encontros que os militantes tm com representantes do Ban-co Mundial e do Instituto Nacional de Estatsticas e Censos (INDEC),por causa da incluso de uma pergunta sobre afrodescendncia no censode 2010.32 Em uma das amostras mais significativas do valor agregado

    31 claro que este termo tem a contrapartida de no ser familiar ou imediatamente compreens-vel fora do crculo dos militantes negros. Por outro lado, como assinala Gomes, na mesmaentrevista, no h ainda acordos inequvocos sobre quem pode chegar a ser legalmente consi-derado afrodescendente, no caso de alcanar algum dia consertos dos Estados nacionais:Gomes, apud Lpez, Hay alguna persona?, p. 101.

    32 Depois da Conferncia de Durban, impe-se com maior fora a necessidade de incluir a iden-tificao racial nos censos, como uma forma de poder discriminar a incidncia da raa nasituao econmica (Lpez, Hay alguna persona?).

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    desta nova identificao (sublinhamos identificao mais que identi-dade para enfatizar seu carter contingente e estratgico), no dia 6 demaio de 2003 funcionrios do Banco Mundial realizam uma Reuniocom Representantes de Organizaes de Afrodescendentes33 para in-formar-se sobre sua situao atual, suas atividades e suas necessidades.Segundo se depreende da descrio da reunio, realizada pelo prprioBanco Mundial, a ela assistem Dezenove organizaes da sociedadecivil de afrodescendentes (grifo do autor). Na resenha, nomeiam-sedezesseis organizaes: dez so afro-argentinas, trs, afro-america-nas e trs, africanas.34 Prope-se nesta reunio a necessidade de traba-lhar com/pressionar o INDEC para que inclua os afrodescendentes nosestudos censitrios, e o Banco Mundial recomenda que estas organi-zaes da sociedade civil sejam formalizadas legalmente para teremacesso a alguns de seus programas e que se pressione o governo paraque inclua as organizaes de afros em planos de emergncia social.

    segunda reunio com o Banco Mundial, realizada um ano de-pois, assistem s dez pessoas, representantes de oito agrupamentos, amaioria afro-argentinas e da comunidade cabo-verdiana,35 o que indi-caria que os militantes mais interessados no tema do censo so os ar-gentinos.36 Esta segunda reunio com o Banco Mundial importante,tanto que os funcionrios do INDEC (que se somaram nesta oportuni-dade) propem efetuar uma prova piloto para testar a possvel inclusoda pergunta sobre afrodescendncia no prximo censo. Por sua vez, oBanco Mundial oferece financiamento para a campanha de sensibilizao

    33 Banco Mundial, Minuta da Reunio com Representantes de Organizaes de Afrodescen-dentes, 6 de maio de 2003: .

    34 Nesta ocasio, vrias das associaes afro-argentinas pertencem comunidade cabo-verdiana,que, em uma mudana de sua identificao coletiva, declaram trabalhar em prol dos afrodes-cendentes. Para uma anlise das diferentes formas que tomam as identificaes dos cabo-verdianos e seus descendentes na Argentina, ver Marta Maffia e Virginia Ceirano, Estrategiaspolticas y de reconocimiento en la comunidad caboverdeana de Argentina. Comunicaoapresentada na Sexta Reunio de Antropologia do Mercosul (RAM), Montevideo, 2005, 16 a18 de novembro.

    35 Lpez, Hay alguna persona?.36 No que se refere a esta segunda reunio e s medidas adotadas a partir da mesma, baseamo-

    nos nas informaes contidas em Lpez, Hay alguna persona?

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    prvia, necessria para que os indivduos saibam o que significa serafrodescendente.37

    Na sua interao com os funcionrios do INDEC, os militantesestabelecem certas disputas; por um lado, questiona-se a prova pilotocomo tal, por no assegurar, ou colocar em perigo a incluso da pergun-ta sobre afrodescendentes no censo (devido a uma possvel falta designificado desta populao no pas). Por outro, enfatiza-se a necessi-dade de que os afrodescendentes tenham maior participao no trans-curso do processo tcnico previsto pelo INDEC, exigindo-se que osmesmos faam parte da totalidade das instncias. Depois da reunio,Miriam Gomes e Luca Molina so contratadas pelo Banco Mundial, naqualidade de consultoras, para trabalhar com o INDEC em torno daprova piloto. Apesar da nfase na afrodescendncia, isto pe em rele-vo a necessidade da nacionalidade argentina das assessoras do projeto.

    Ainda quando os representantes do INDEC alegam que, tecnica-mente, a prova piloto no dimensionaria a possibilidade de cruzamentode origem tnica e condio socioeconmica, a prova piloto rea-lizada em abril de 2005, levada a cabo em dois bairros, um da CapitalFederal (Montserrat), com a coordenao de Miriam Gomes, e outro dacidade de Santa F (Santa Rosa de Lima), a cargo de Luca Molina.38

    Um segundo empreendimento aglutinante nesta etapa uma nova emais ambiciosa verso da luta por uma casa do negro. A forma que tomaevidencia as mudanas nas relaes de poder entre os diferentes militantese os trabalhadores culturais afro-americanos, o capital simblico e o apoiofinanceiro do qual dispem, junto com o exguo apoio recebido do Estado.Em 2004, uma ativista cultural afro-equatoriana aluga um antigo casarono bairro de So Telmo para instalar sua Escuela Integral de Arte Freda

    37 Sob esta categoria, inclui-se um espectro amplo de pessoas, que resulta de um processo denegociao entre os ativistas e os organismos envolvidos. O desenho do instrumento de medi-o contempla quatro perguntas quanto a esta categoria de autoidentificao; duas delas apontampara captar os argentinos descendentes de africanos escravizados, e as outras duas incluemafricanos (e seus descendentes) e afro-latino-americanos (e seus descendentes) Cf. JosefinaStubbs e Hiska Reyes, Resultados de la prueba piloto de captacin en la Argentina. BuenosAires: UNTREF/BM, 2006, p. 14.

    38 Tais bairros foram escolhidos com base no conhecimento de que ali residiam pessoas comascendncia africana, o que permitiria constatar se as perguntas propostas captavam aafrodescendncia.

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    Montao. O que poderia ter sido um centro cultural a mais, ou umcentro cultural afro-equatoriano, adquire uma grande relevncia sim-blica, quando sua diretora comea a afirmar que, no subsolo da casa,teriam vivido, como serviais, ou sido hospedados temporariamente,no caminho para leilo, ou estariam enterrados (de acordo as versesque aparecem em diferentes escritos ou entrevistas) escravos africa-nos.39 Em pouco tempo, o dono da casa decide interromper o contratocom o centro cultural, ao receber uma oferta economicamente maisconveniente, que inclui sua possvel demolio. Pem-se em perigo,desta maneira, os planos de instalar seja um centro cultural negro, ummuseu afro-argentino ou, na sua verso mais ambiciosa, um complexocultural afro que inclusse passeios tursticos por lugares de importn-cia no passado negro do histrico bairro de San Telmo. Vrias ou quasetodas as ativistas afro-argentinas mais importantes e vrios trabalhado-res culturais afro-americanos se mobilizam, apoiando o reclamo deFreda.40 Sob a denominao de Comit de Afrodescendentes Pr-con-servao do Edifcio de Defesa 1460, realizam uma apresentao antea Defensora do Povo da Cidade para preservar o local.41 A Defensorialhe d curso legal, solicitando relatrios a diferentes instituies doGoverno da Cidade, para que testemunhem sobre a situao do edifcioe as medidas a adotar para sua conservao; no entanto, esta iniciativase dilui ou no leva a nenhuma ao positiva.42

    39 Em 2003, Daniel Schvelzon publica Buenos Aires Negra, Buenos Aires: Emec Editores umestudo arqueolgico dos restos materiais dos negros da cidade. Este autor tomado comoreferncia de tal afirmao sobre a casa, mesmo que, aparentemente, ele no fale em pblicoa respeito.

    40 Na casa tambm passaria a funcionar a frica Vive, cujo financiamento internacional foi inter-rompido nesta poca.

    41 Segundo a revista virtual ,acessada em 22/10/2008), En San Telmo e sus Alrededores n 83, tal comit integrado pelasorganizaes no-governamentais: frica Vive, Associao Cultural Brasileira A Turmada Bahiana e Comunidade Cabo-verdiana.

    42 Mesmo que a reivindicao da casa da rua Defesa repercutisse pouco nos meios de comunica-o de massa, o fato de receber particular ateno em uma importante rea da atividade afro-descendente demonstra o claro apoio dos militantes afro-argentinos. A propaganda motivode preocupao e de um pedido conjunto na reunio O Status das Comunidades Afro-Latinasnas Amricas, realizada em Buenos Aires, em agosto de 2005, pelo Hunter College, da Uni-versidade de Nova York, e o Caribbean Cultural Center, da mesma cidade. A Escola Integralde Arte Freda Montao junto com a Sociedade Cabo-verdiana, a frica Vive e a Casa daCultura Indo-Afro-americana de Santa F formam o Comit Argentino de Organizaes Afro,a coligao de grupos locais anfitries do evento.

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    Entrevistada por causa de duas atividades culturais organizadaspara apoiar a posse da casa, a ativista cultural afro-equatoriana, queagora passa a ser afrodescendente, pode, por este motivo, tornar seu umdiscurso de reivindicao de todos os negros da Argentina, impensvelanos atrs:

    [Este subsolo] Representa nossa histria, nossa vida. Porque este umlugar que, mesmo que para muitas pessoas esteja em dvida, para ns,no. No h dvidas de que foi um lugar onde houve negros. Onde,inclusive, no parque Lezama, os comercializavam [] Se ns, os ne-gros, no lutarmos por este lugar, ele morre e termina a memria. Hum extermnio da pessoa e um extermnio da histria. [] Porque sem-pre, em todos os pases, se disse que aqui no h negros. Ns temos querefrescar-lhes a memria e dizer-lhes, com feitos, que sim, verdadeque morreram, sim, verdade que os negros puseram seus ombros eseus pulmes pelo fortalecimento e o crescimento dos povos. E que,como so to fortes, as sementes ficaram. Uns morreram e outros fica-ram. Aqui estamos presentes. [] Agora, ns, negros, temos que estarpresentes e aqui estamos revivendo. Tinham-nos posto areia, mas agoraj estamos saindo da tumba. Isso o que passa.43

    Que o termo afrodescendentes resulta mais inclusivo que afro-argentinos pode ser apreciado claramente com a organizao, em outubrode 2004, da Primeira Reunio de Afrodescendentes Argentinos (grifo doautor) por parte da Casa da Cultura Indo-Afro-americana de Santa F.44 O43 Em En San Telmo y sus Alrededores n 86 janeiro 2006 . Este fragmento mostra como na fala coloquial otermo negros no desaparece. Como assinala Luca Molina, uma das mais importantes ativistasnegras, ao ser perguntada a respeito, em um painel de um congresso: Em nvel das organiza-es adotamos o termo afrodescendentes. Em nvel da gente corrente, entre ns e na Argentina,o costume denominarmos negros. A questo a seguinte: quais de ns so negros e quem no? Bom, tambm entendemos e concordamos que ter um antepassado negro ser negro ou serafrodescendente, e no necessariamente tem a ver com a cor da pele mas com a pertena tnicae cultural [] Temos o desafio de sensibilizar e de comear a debater sobre estes temas, comodenominarmos a ns? [] para ns, um desafio e, sinceramente, no sabemos a que nos podedirigir o termo afrodescendente, ainda no sabemos, estamos estreando. (No painel A Argen-tina como sociedade multitnica e multirracial do Quinto Colquio Latcrit sobre Direito Inter-nacional e Direito Comparado, Buenos Aires 12 de agosto de 2003).

    44 A presena de Luca Molina em quase todas as atividades realizadas em Buenos Aires, nestasegunda etapa de mobilizao (apesar das dificuldades financeiras e de transferncia), de-monstra seu crescente protagonismo, provavelmente a partir de ser uma das colaboradorasmais importantes na prova piloto do INDEC.

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    ttulo do evento mostra a necessidade de utilizar dois termos afro-descendentes e argentinos para denotar um subgrupo (afro-argen-tinos) que, na etapa anterior, o absoluto protagonista da totalidade daspropagandas.

    c) 2006 2007 Dispora Africana (ou o movimentoda dispora africana)Na segunda metade do ano 2006, os militantes negros conseguem umnovo aliado entre os funcionrios de governo, e, melhor ainda, um lu-gar (mesmo que pequeno) em um organismo governamental. Uma mu-dana na direo do INADI (Instituto Nacional contra a Discriminao,a Xenofobia e o Racismo) faz com que este organismo, que at o mo-mento pouco se ocupou dos afrodescendentes, os inclua nos foros quepretendem abordar a temtica da discriminao de atitudes especfi-cas (como reza a descrio de seus objetivos na pgina web da institui-o).45 O frum denominado de afrodescendentes (ou, na sua ver-so inaugural de afrodescendentes e africanos, de acordo com o con-vite para seu lanamento) e est composto por um afro-uruguaio, umaafro-argentina (da comunidade cabo-verdiana) e um afro-peruano.

    Uma afrodescendente das famlias negras tradicionais argentinaspassa a fazer parte do Conselho Assessor da Sociedade Civil do orga-nismo. Originalmente integrante da frica Vive, depois de Durban adita militante estabelece seu prprio grupo, a Associao Multitnica eMulticultural de Buenos Aires, para, agora, figurar como representanteda Federao de Organizaes Afrodescendentes e Africanas.46

    O frum no INADI inaugurado no dia 10 de outubro de 2006(para tambm funcionar como contrafestejo do Dia da Raa, 12 de

    45O objetivo dos Foros abordar a temtica da discriminao de maneira especfica, em http://www.inadi.gov.ar/categorias_contenidos_detalles.php?[categoria]=2&campo=1. Apenas unsmeses antes, em outubro de 2004, no documento emitido depois da reunio de Santa F, osmilitantes se queixam da no representao dos afrodescendentes no INADI e, em um do-cumento dirigido a esse organismo, exigem que Mara Lamadrid seja seu representante.

    46 Sua filha, por sua vez, representa a Unio Argentina de Jovens Afrodescendentes, de modoque duas pessoas (me e filha) seriam responsveis por trs organizaes negras. Este exem-plo nos leva a lembrar as razes pelas quais consideramos mais realista uma anlise com baseem militantes negros que em organizaes.

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    outubro), com uma comemorao pblica na tradicional Plaza Dorrego,epicentro de San Telmo, e um desfile at a casa em conflito de FredaMontao, onde se realizam os discursos do caso e continuam os nme-ros culturais afro-americanos. Ao evento assistem quase todos os mili-tantes negros afro-argentinos, vrios trabalhadores culturais afro-ame-ricanos e a prpria diretora do INADI. Apesar deste apoio oficial (queno inclui, no entanto, nenhum pronunciamento pblico do INADI arespeito do conflito que envolve a casa), Freda deve deixar o edifciouns meses depois e levar seu centro cultural para outra localizao.Perdida a dimenso simblica da possvel antiga presena escrava noporo, seu centro se sucede, nova e principalmente, afro-ecuatoriano.

    Durante o ano 2007, o INADI aumenta sua aposta a favor dosafrodescendentes, organizando em julho o Ms da Cultura Afro-ar-gentina em Buenos Aires (a cargo da militante afro-argentina que inte-gra o Conselho Assessor), no qual se realiza o Primeiro CongressoArgentino de Afrodescendentes, com diversas oficinas sobre discrimi-nao e sobre cultura afro-argentina. As atividades culturais do msafro-argentino tm mais sucesso em termos de pblico e de participa-o de militantes negros que as oficinas de discusso e debate do con-gresso de afrodescendentes o que demonstra, para este caso pelomenos, a instvel aliana que existe entre alguns dos militantes afro-argentinos, mais dispostos a atividades culturais comemorativas que arevelar suas diferenas em debates pblicos. Um ms mais tarde, oINADI realiza o Seminrio a frica e sua Dispora (a cargo, princi-palmente, do afro-uruguaio do frum de afrodescendentes). Tambmedita um livro, em que o antroplogo Pablo Cirio47 rene literatura afro-argentina antiga e contempornea.

    Uma presena importante e inesperada na inaugurao do Msda Cultura Afro-argentina a da primeira-dama de Angola. Esta pre-sena no s revela os bons laos que uma das organizadoras tem coma embaixada desse pas, mas tambm prefigura a maior importnciaque comeam a adquirir novos atores dentro do campo da militncia

    47 Norberto Pablo Cirio, En la lucha curtida del camino. Antologa de literatura afroargentinaoral y escrita. Buenos Aires: INADI, 2007.

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    negra, que, at o momento, se mantiveram separados das tentativas dedesenvolver um movimento social afro-argentino ou ainda afrodes-cendente: os representantes dos imigrantes africanos que, em nmeropequeno, mas paulatinamente crescente, comeam a chegar a BuenosAires em fins da dcada dos noventa.48 O rol dos africanos torna-semais importante no s porque alguns antigos residentes na Argentinade bom domnio do idioma passam a integrar-se ativamente, mas tam-bm porque algumas embaixadas africanas (a da frica do Sul, a doCongo) comeam a apoiar estas atividades. Em um contexto de mobili-zao poltica marcado pela falta absoluta de recursos, o apoio finan-ceiro local adquire relevncia dupla, se acompanhado por um capi-tal simblico igualmente importante, como no caso das embaixadasafricanas. necessrio levar em considerao, alm disso, que os con-tatos internacionais que apoiaram atividades durante a dcada dos no-venta (e que deram um impulso fundamental ao movimento) diminuemou retiram seu auspcio financeiro nesse perodo.

    A participao mais ativa dos africanos e sua crescente relevn-cia fica evidenciada em um novo deslizamento para outra identificaocoletiva que, mesmo que recente, j exigiu um esforo de elaboraoterica por parte dos militantes negros. Se nas reunies de 2003 para ocenso se diferenciavam afrodescendentes de africanos (distino aindavigente, como vimos, nas atividades e nos foros do INADI), nos lti-mos tempos se destaca a denominao de Dispora Africana comouma maneira de unir afro-argentinos, afro-americanos e africanos.49

    Esta nova proposta de identificao coletiva se pode apreciar es-pecialmente depois da organizao de outro importante evento do ano2007, a Semana da frica. Este evento, que tinha sido realizado ante-riormente (desde 2004) por migrantes africanos, agora tambm inclui,pela primeira vez, afro-argentinos entre seus organizadores e trabalha-

    48 At ento, a atividade dos africanos na cidade tinha sido mais cultural que poltica iniciandoem bares africanos, trabalhando como professores de percusso e de dana.

    49 Por exemplo, como assinala Lpez, em outubro de 2003, depois de reunir-se em duas oportu-nidades com funcionrios do INDEC, os militantes elaboram um documento com o ttulo deTemticas e Problemticas Afrodescendentes e Africanas na Argentina, relacionadas ao pr-ximo Censo de Populao Nacional, a realizar-se em 2010. (Lpez, Hay alguna persona?,p. 91 grifo do autor.)

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    dores culturais afro-americanos na sua programao por isso, o temadesta edio A dispora africana na Argentina. Das vrias disputasentre os diferentes grupos, produzidas durante sua organizao, surgeum entendimento que as diferenas devem ser minimizadas. As conclu-ses da Semana da frica 2007, circuladas amplamente a posteriori,revelam claramente o deslize para a nova identificao:

    O principal aporte da Semana da frica foi o de ter contribudo na cons-truo coletiva da idia de dispora como prtica cultural e poltica. Arecuperao ativa das diferentes dimenses, que desdobra a dispora emum marco formal e festivo, serviu para visibiliz-las, hierarquiz-las ecompartilh-las com a sociedade. A confiana gerada entre seusorganizadores e colaboradores constitui o capital social sobre o qual possvel avanar na transformao do estigma que ainda hoje pesa sobreos africanos e seus descendentes, a ampliao dos horizontes cognitivosem torno dos diferentes temas afins e o fortalecimento da presena africa-na na Argentina [] O resultado destes objetivos foi o de tomar empres-tada da agenda poltica da Unio Africana, a oportuna ideia de darvisibilidade dispora africana, para constru-la localmente a partir dasferramentas que seus membros tm e se encontram em processo de defi-nir e redefinir. Assim, nosso objetivo , na verdade, um processo em cons-truo, que esperamos continuar fazendo, na medida em que nossa causafaa sentido (fragmento do relatrio final, grifo do autor).

    Alm disso, e levando em conta, precisamente, que a identifica-o da dispora africana parte de um processo em construo, pode-se observar uma nfase ainda maior nos convites enviados para o even-to de 2008, onde a Semana da frica passa j a ser a Semana da DisporaAfricana, organizada pelo Movimento da Dispora Africana.

    ConclusesTentamos brindar um panorama realista das atividades desenvolvidaspor um pequeno, mas ativo e muito relevante grupo de ativistas afro-argentinos e afro-americanos que, apesar das importantes limitaesestruturais, conseguiram restaurar um grau de visibilidade se no po-pulao afro-argentina, pelo menos temtica afro-argentina, como al-guns deles assinalam.

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    De seus objetivos primrios de construir uma identidade coletivaafro-argentina fazer visvel sua presena na sociedade contempor-nea, reivindicar seu aporte cultura do pas e tender para a promoosocial dos afro-argentinos e eliminao do racismo na sociedade tiveram mais sucesso naqueles objetivos dirigidos para fora da comuni-dade que nos dirigidos para dentro. Conseguiram restituir um grau devisibilidade populao negra em geral, e afro-argentina em particular,a partir da apario em notas importantes nos meios de comunicao demassa (dirios e revistas) de maior alcance, da ativa participao e co-laborao na filmagem de dois documentrios cinematogrficos sobreo tema (Afro-argentinos, estreado em 2002, e Negro Che, em 2006) eda obteno do apoio de alguns poucos ainda funcionrios do go-verno (na maioria, os que se encarregam de grupos marginais, como oINADI e a Defensoria do Povo). Seu maior sucesso, alm da repercus-so nos meios, foi a realizao, junto com o INDEC, de uma provapiloto para a captao de populao afrodescendente que estabelece,para duas localidades, um bairro da capital e outro da cidade de SantaF, capital da provncia homnima, uma porcentagem de 3.8% da po-pulao, correspondente a 6.2% dos lares que foram os includos naamostra.50

    Somaram-se como companheiros de viagem vrios acadmicose, mais relevante ainda, ativistas culturais afro-americanos e africanos(com os quais mantiveram, em algumas ocasies, relaes conflitivas,mas que melhoraram ao longo dos anos).

    No acreditamos que o nvel de desenvolvimento do processosocial aqui resenhado merea o nome de etnognese.51 Achamos queestamos perante o nascimento de um movimento social, baseado, porenquanto, nas atividades de algumas organizaes de movimento so-cial cujo nvel de organizao tambm no muito formal.

    Suas formas preferidas de identificao coletiva foram variandocom os anos, de negros argentinos ou afro-argentinos mais inclu-siva de afrodescendentes, atual e mais inclusiva ainda gestao de

    50 Stubbs e Reyes, Resultados de la prueba piloto, p. 19.51 Lpez, Hay alguna persona?.

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    dispora africana, que permitiria englobar aos afro-argentinos des-cendentes de escravos; aos membros da bastante numerosa comunida-de cabo-verdiana (com quase duas geraes j nascidas no pas, e cadavez mais auto-identificados como afro-argentinos); aos imigrantes afro-americanos (uruguaios, brasileiros, equatorianos, peruanos, cubanos),numericamente pequenos, mas qualitativamente importantes pelo seuimpacto cultural (especialmente na cultura juvenil) e aos mais recente-mente chegados imigrantes africanos, alguns dos quais j comearamcom um importante trabalho no terreno do ativismo cultural. Estas ca-tegorias identificatrias, nada mais so que propostas de identificao(estratgica, contingente) que continuam sendo utilizadas simultanea-mente, de acordo com o contexto e a utilidade estratgica. Esta variabi-lidade na identificao coletiva importante, mas no constitui umavarivel independente, j que se constri no jogo com as organizaesnegras transnacionais,52 mas tambm em inter-relao com ativistasculturais afro-americanos locais, em direo, aparentemente, a alcan-ar categorias de adscrio cada vez mais inclusivas. O nmero reduzi-do, misturado e disperso territorialmente dos negros argentinos faz comque os militantes negros que reivindicam represent-los tenham queinteragir muito mais com e dependam de afro-americanos e africa-nos que em outros contextos nacionais. Isto cria um panorama, mesmoque reduzido numericamente, de crescente complexidade, cada vez commais atores afros, de diversos tipos, envolvidos.

    52 Lpez, Hay alguna persona?

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    ResumoO presente trabalho prope-se a analisar os esforos de um grupo de militantesafrodescendentes argentinos por comear um movimento social que permita aconstruo de uma identidade coletiva afro-argentina e a visibilidade de suapresena na sociedade contempornea. Descreve os condicionamentos estru-turais que enfrentam e os desenvolvimentos conjunturais que constituem umaestrutura de oportunidades polticas internacional e local. Examina as princi-pais atividades executadas pelos militantes negros, na sua interao com ato-res transnacionais e globais e com funcionrios do governo argentino e o de-senvolvimento de diferentes identificaes coletivas que lhes permitem apro-veitar melhor as oportunidades externas e internas e que, ao mesmo tempo, osajudam a cooperar com os trabalhadores culturais afro, levando a relaes demaior incluso.

    Palavras-chave: Afro-argentinos identidade movimentos sociais ativismopoltico

    AbstractThis paper analyzes the efforts of a group of afrodescendant activists to start asocial movement and construct an Afro-Argentine collective identity, describingthe structural restraints they encounter and the recent developments that providean international as well as local structure of political opportunities. It exami-nes their interaction with transnational and global actors and with governmentofficials, and emphasizes the development and strategic display of differentcollective identifications that enable them to better take advantage of nationaland international opportunities and to increase their cooperation with immigrantAfro-American cultural workers.

    Keywords: Afro-argentines Black activism identity social movements

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