o trabalhismo e o movimento social negro brasileiro (1943-1958) -arilson dos santos gomes

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    O Trabalhismo e o Movimento SocialNegro brasileiro (1943-1958)

    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG

    Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 177

    O Trabalhismo e o Movimento Social Negrobrasileiro (1943-1958)

    Arilson dos Santos GomesDoutorando em Histria PPGH-PUCRS-Africanidades, Ideologias e Cotidiano

    [email protected]

    RESUMO:Aps o perodo conhecido como Estado Novo, a redemocratizao foi marcada pelaintensa agitao poltica, advinda das negociaes em que, por meio de suas ideologias, novosgrupos ou classes, at ento sem forte participao nas instncias de poder, passam a reivindicarmelhores condies materiais e representao na poltica brasileira. O perodo analisado foiimportante para a potencializao das demandas inclusivas da identidade negra, visto queocorreram no pas, entre os anos de 1946 a 1958, quatro grandes congressos especficos parapropor ao poder pblico que possibilitassem as to esperadas melhorias dos aspectos sociais

    cotidianos das populaes negras. Este trabalho intenta analisar o protagonismo poltico domovimento negro naquele contexto e o reflexo dessas aes na atualidade.

    PALAVRAS-CHAVE:Trabalhismo, Movimento Negro, Negociao.

    ABSTRACT: After the period known as Estado Novo, democratization was marked byintense political turmoil, arising from negotiations in which, through their ideologies, new classesor groups, so far without strong participation in positions of power, began to demand bettermaterial conditions and representation in Brazilian politics. The period was important for theenhancement of inclusive black identity demands, between the years 1946 to 1958, four majorconferences were held specifically to propose to government that it could enable the long-awaited

    improvements to the social aspects of everyday life for black people.

    KEYWORDS:Labor Politics, Black Movement, Trading.

    Aps o perodo conhecido como Estado Novo (1937-1945), a redemocratizao foi

    marcada pela intensa agitao poltica, advinda das negociaes em que, por meio de suas

    ideologias, novos grupos ou classes, at ento sem forte participao nas instncias de poder,

    passam a reivindicar melhores condies materiais e representao na poltica brasileira. O

    modelo poltico para equilibrar as tenses da incipiente democracia foi identificado na ideologia

    trabalhista promovida pelo estado e pela mobilizao dos movimentos sociais originadas com

    este processo, os quais passam a ter espao no perodo conhecido como populismo ou do pacto

    trabalhista, que iriam sofrer um duro revs em 1964 com a ditadura civil-militar1. Na realidade, a

    raiz desse fenmeno, tambm denominado estado de compromisso ou de equilbrio, surge nos

    anos de 1930 com o declnio hegemnico das oligarquias do caf e a ascenso de novos grupos

    1 O golpe contou com um apoio de um amplo movimento civil de classe mdia, organizado pela maioria dasrepresentaes ideolgicas da burguesiapartidos, grande imprensa e setores da Igreja.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG

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    na arena da disputa poltica, visando a oferecer ao Estado as bases de sua legitimidade, conforme

    apontaram algumas pesquisas2.

    Salienta-se que a fora poltica do PTB, partido criado pelas ideias getulistas,

    concentrava-se na mobilizao poltica do seu projeto, direcionado classe trabalhadora e

    engendrado, de acordo com Fortes, a partir da segunda metade do Estado Novo, com a

    capacidade de se apresentar como expresso nica da classe no perodo. No obstante, as

    mudanas ocorridas geraram articulaes de coexistncias estratgicas criativas para os

    trabalhadores, individuais e coletivas. Surgia na poltica institucional um espao de mudanas

    marcado pela tenso, flexibilidade de costumes e a circulao de valores possibilitando a luta

    por cidadania e pelas demandas dos trabalhadores, em que pese o paternalismo, as fissuras

    consistiram em possibilidades de aes3.

    Em fevereiro de 1945, com o chamado Ato Adicional carta de 1937, Getlio Vargas

    (1882-1954) fixou um prazo de 90 dias para a realizao de eleies gerais em nosso pas. Era a

    abertura democrtica iniciada no final da II Guerra e do Estado Novo. Com o novo cdigo

    eleitoral, estavam dadas as condies para as eleies para presidente, alm de uma Assembleia

    Constituinte, sendo que a data escolhida para a realizao dos pleitos estaduais era o dia 6 de

    maio de 19464.

    Salienta-se que as Foras Armadas tambm compuseram esse cenrio, visto que jamais

    foram indiferentes participao poltica e s disputas de poder, desde a promulgao da

    Repblica5. Inclusive, sendo responsveis pela tendncia democratizante no Brasil aps a II

    Guerra Mundial, derrubando a ditadura de Vargas em 1945, j que, com a vitria dos aliados

    sobre o fascismo, transformaram as relaes polticas brasileiras, antes centralizadoras e agora

    liberais.

    Segundo Mota, que pesquisou a cultura brasileira com o propsito de identificar a

    origem das ideias de conscincia nacional ou cultura nacional, foi nesse perodo que se

    2WEFFORT, Francisco. Origens do sindicalismo Populista. Estudos Cebrap, So Paulo, n. 4, 1973; GOMES, ngelade Castro.A inveno do trabalhismo.Rio de Janeiro: Vrtice, 1988, p.343; FAUSTO, Boris. Histria concisa do Brasil. 3.ed.So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial, 2002, p. 328.3FORTES, Alexandre.Ns do Quarto Distrito.A Classe trabalhadora Porto-Alegrense, e a Era Vargas.Caxias do Sul:EDUCS-Garamond, ANPUH-RS, 2004, p. 20-28.4 A Assembleia Nacional Constituinte um organismo colegiado que tem como funo redigir ou reformara constituio, a ordem poltico-institucional de um Estado, sendo para isso dotado de plenos poderes ou poderconstituinte, ao qual devem submeter-se todas as instituies pblicas. Nesse ano esse rgo estava organizando aConstituio do mesmo ano. FAUSTO, Boris. Histria concisa do Brasil, p. 212.5A prpria Proclamao da Repblica bem como o Tenentismo e posteriormente, a criao da ESG representavamas preocupaes dos militares com as questes polticas.

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    consolidou um sistema ideolgico com mltiplas vertentes interligadas: neocapitalista, liberal,

    nacionalista, sindicalista, desenvolvimentista e marxista. Porm, o autor cita que para o

    proletariado surgiram novas oportunidades em virtude da legislao social6.

    No campo da disputa poltica para enfrentar a redemocratizao, mesmo fora do

    poder, Vargas cria dois partidos, dirigidos a diferentes clientelas: o Partido Social Democrtico -

    PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB. O primeiro reunia ruralistas, banqueiros, industriais

    e altos administradores, e o segundo, que alm de reunir representantes da burguesia urbana, se

    concentrava na organizao da liderana trabalhista7. Porm, Ferreira explica que, no Rio Grande

    do Sul, o PTB foi fundado exclusivamente por um grupo de sindicalistas, que, desde os anos de

    1930, lutavam por leis sociais e reconhecimento poltico. O historiador assevera que a fundao

    do partido no estado, por Jos Vecchio, em 1945, foi o resultado das tradies que circulavamentre os prprios trabalhadores, antes e depois de 1930. O PTB, em ltima anlise, era para ele a

    institucionalizao do trabalhismo em um partido poltico8.

    Foi nos interstcios destes cenrios polticos e sociais que os movimentos sociais negros,

    passaram a tencionar, por meio de suas aes, os poderes pblicos constitudos em busca da

    fundao e da institucionalizao das polticas sociais, condizentes com as suas realidades. Pois,

    afinal de contas, os negros escravizados constituram-se durante um longo perodo da histria

    como os principais trabalhadores do pas, entretanto, com poucos ganhos coletivos materiais. Otrabalhismo, com os seus limites, permitiu as negociaes dos grupos e de seus interesses com o

    estado.

    O perodo analisado foi importante para a potencializao das demandas inclusivas da

    identidade negra, visto que ocorreram no pas, entre os anos de 1946 a 1958, quatro grandes

    congressos especficos para propor ao poder pblico que possibilitassem as to esperadas

    melhorias dos aspectos sociais cotidianos das populaes negras9.

    6MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira (1933-1974).4. ed. So Paulo: Editora tica, 1980, p. 156-160.7SADER, der. Um rumor de botas Ensaios sobre a militarizao do Estado na Amrica Latina. Coleo Teoria eHistria 11. So Paulo: Editora Plis, 1982, p. 138.8FERREIRA. Jorge. Ao mestre com carinho, ao discpulo com carisma: as cartas de Jango a Getlio. In GOMES,ngela de Castro.Escritas de si, escritas da Histria.Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 279-294.9GOMES, Arilson dos Santos. A formao de osis: dos movimentos frentenegrinos ao Primeiro Congresso Nacional

    do Negro em Porto Alegre - RS (1931-1958). 2008. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao em Histria - PUCRS, Porto Alegre, p. 308.

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    Antes de adentrarmos nas situaes concernentes ao Estado do Rio Grande do Sul,

    evidenciaremos o contexto das disputas ideolgicas e polticas que envolveram os intelectuais

    negros do centro do pas.

    O socilogo Sales Augusto dos Santos explica que a falta de conhecimento de

    acadmicos, intelectuais e formadores de opinio sobre a participao da identidade negra como

    agente de sua transformao social, em concordncia com os decretos das atuais Aes

    Afirmativas, ocasionada pelo descaso de setores vinculados produo do conhecimento10. O

    pesquisador afirma que tal viso fruto de desvalorizao, desconhecimento intencional e

    desprezo da academia brasileira pelas lutas dos movimentos negros por educao 11.

    Concordamos com essa denncia, em termos, j que a cada ano, em virtude das prprias Aes

    Afirmativas, constantemente ocorrem encontros regionais e nacionais acadmicos, que tmcomo objetivo o aprofundamento dos temas atinentes identidade negra, nas mais variadas

    reas12. O que ocorre, em nosso entendimento, a aglutinao de alguns fatores, alm dos citados

    pelo autor, dentre os quais a falta de entendimento do que vem a ser o conceito de Aes

    Afirmativas; o contexto recente de aplicao dessas polticas pblicas; a insistncia dos gestores

    pblicos pelas polticas universalistas, ou a ainda vigente ideologia da democracia racial e a

    constante (mas ainda pouca) produo de estudos que enfocam o protagonismo negro e a

    hegemonia de determinados grupos, direcionam suas demandas s prticas das disputas polticasem seu favorecimento e em detrimento dos grupos menos favorecidos, dificultando as

    transformaes sociais13.

    Reconhecemos que muito deve ser realizado, mas, entende-se que, mesmo assim, as

    reivindicaes dos movimentos sociais negros, a cada gerao, esto insistentemente

    contribuindo para a ampliao qualificada do debate das desigualdades raciais em nosso pas.

    Historicamente, devemos considerar as contribuies de intelectuais, acadmicos, militantes e

    formadores de opinio que no passado negociaram e fizeram na fissura das relaes sociais 10SANTOS, Sales Augusto dos. O negro no Poder no Legislativo: Abdias do Nascimento e a discusso racial noParlamento brasileiro. MENDES, Amauri; SILVA, Joselina. (Orgs.). OMovimento Negro Brasileiroescritos e sentidosde democracia e justia social no Brasil. Belo Horizonte: Nandyala, 2009, p. 127-163.11____________. O negro no Poder no Legislativo,p. 127.12Encontro Escravido e Liberdade no Brasil Meridional so realizados de dois em dois anos nas UniversidadesFederais da Regio Sul do Brasil, contando um nmero crescente de pesquisadores sobre temas que versam desde aescravido ao protagonismo negro. Da mesma forma, tem-se desenvolvido crescentemente o COPENE Congresso dos Pesquisadores e Pesquisadoras Negros e Negras do Brasil, com pesquisas sobre os problemascotidianos da populao negra. Ambos, encontros se caracterizam pela qualidade e quantidade das comunicaes econferencias. Disponvel em: . Acesso em 12 set. 2012. Disponvelem: . Acesso em: 10 de out. 2012.13BORDIEU, Pierre. Razes Prticas: Sobre a teoria da ao.10. ed. Trad. Mariza Corra. Campinas: Papirus Editora,1996, p. 224.

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    embora muitas vezes tuteladas inovaes em suas formas reivindicativas. Os congressos e as

    solicitaes de apoio a polticos, realizadas desde a poca do trabalhismo, comprovam essa

    condio, j que, na dificuldade de adentrar nas estruturas do poder de Estado, para a

    institucionalizao de suas demandas e a traduo real das suas necessidades cotidianas, os grupos

    negros organizaram convenes e reunies em que se destacaram os problemas enfrentados pelas

    populaes negras na luta por prestgio, reconhecimento e melhorias de suas condies sociais14.

    A organizao Unio dos Homens de Cor - UHC, com ramificaes em 11 estados da

    federao, conforme apontaram as pesquisas de Joselina Silva (2003), foi fundada em 1943 na

    cidade de Porto Alegre, por Joo Cabral Alves, ainda em pleno Estado Novo, por isso uma

    caracterstica dessa organizao era o assistencialismo, tendo suas atividades encerradas no

    perodo da ditadura militar de 1964. Tinha como um dos seus objetivos, expressos no artigo 1do estatuto, no captulo das finalidades: "elevar o nvel econmico e intelectual das pessoas de

    cor em todo o territrio nacional, para torn-las aptas a ingressarem na vida social e

    administrativa do pas, em todos os setores de suas atividades" 15, principalmente por meio da

    assistncia social. Joselina Silva concluiu que a UHC pode ser considerada como um

    renascimento negro em termos organizativos, visto que o Estado Novo encerra as

    organizaes polticas no pas, incluindo as organizaes negras em 1937 16. Petrnio Domingues

    chamou a ateno para sua escalada expansionista da UHC17

    . Na segunda metade da dcada de1940, ela abriu filiais em, pelo menos, 10 Estados da Federao (Minas Gerais, Santa Catarina,

    Bahia, Maranho, Cear, Rio Grande do Sul, So Paulo, Esprito Santo, Piau e Paran), estando

    presente em inmeros municpios do interior. Em 1948, somente no estado do Paran, a UHC

    mantinha contato com 23 cidades.

    Nesse contexto, surgiu o Teatro Experimental do Negro - TEN, fundado na cidade do

    Rio de Janeiro no ano de 1944, no final da vigncia do Estado Novo, pelo intelectual negro

    Abdias do Nascimento. Tinha por intuito, alm de produzir peas teatrais, motivar o negro, pormeio da alfabetizao, a combater a discriminao e o preconceito racial que existia na sociedade

    14Em nossas pesquisas, por meio de reflexes oriundas das leituras de Hanna Arendt, denominamos de osis essesencontros e congressos, pois foram aes possveis atravs de esforos de pessoas que primavam pela transformaosocial e poltica. Em contrapartida, denominamos de desertos, o preconceito e a discriminao racial. Ver GOMES,Arilson dos Santos. A formao de osis, p. 122-136.15ESTATUTO da Unio dos Homens de Cor do Brasil (Uagac). Jornal A Alvorada, Pelotas, a. 53, n.22, 1951,p.01.16SILVA, Joselina da. A Unio dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50. Estudos Afro-Asiticos, Rio de Janeiro, v.25, n. 2, p. 215-235, 2003. Disponvel em:. Acesso em: 15 mai. 2006.17DOMINGUES, Petrnio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos histricos. Revista Tempo, n. 23, Riode Janeiro, p. 108, 2007.

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    carioca. Funcionava em sede emprestada pela Unio Nacional dos Estudantes (UNE), na Praia

    do Flamengo. Para Nascimento, era inadmissvel, em um pas como o nosso, que na dcada de

    1940 contava com uma populao de 60 milhes de habitantes, composta por 20 milhes de

    pessoas negras, que os diretores artsticos escalassem artistas brancos para as peas teatrais

    podendo estrelar com atores negros18.

    O TEN organizou concursos de artes plsticas, concursos de beleza que enalteciam os

    padres afro-brasileiros e eventos sociopolticos. Tambm foi nessa organizao que se cogitou

    uma medida constitucional para a criao de uma legislao antirracista, alm da produo de um

    peridico, intitulado Jornal Quilombo19. O jornal Quilombo: vida, problemas e aspiraes do

    negro; divulgou trabalhos do TEN em todos os seus campos de ao, entre 1948 e 1951. O jornal

    trazia reportagens, entrevistas, e matrias sobre assuntos de interesse comunidade. Aprecariedade dos recursos financeiros do TEN, e do poder aquisitivo de seu pblico, no lhe

    permitiu uma permanncia maior20. A Conveno Nacional do Negro Brasileiro foi uma ao

    realizada em So Paulo (1945) e no Rio de Janeiro (1946) sob a liderana de Abdias do

    Nascimento (1914-2011), que apresentou o Manifesto a Nao Brasileira, interpelando os

    partidos da poca sobre a situao das populaes negras, em sua grande maioria vivendo em

    favelas21. As atividades, somadas, contaram com a participao de 700 pessoas. Destaca-se que,

    em 1946, o Brasil estava formando a Assembleia Constituinte. O manifesto redigido nasconvenes, em sua fundao, continha uma srie de reivindicaes sociais22.

    18GOMES, Arilson dos Santos. A formao de osis, p. 122-136.19NASCIMENTO, Abdias. Reflexes sobre o Movimento Negro no Brasil, 1938-1997. In: GUIMARES, AntnioSrgio Alfredo, HUNTLEY, Lynn. Tirando a mscara: ensaios sobre o racismo no Brasil.So Paulo, Paz e Terra, 2000, p.210.20 NASCIMENTO, Abdias; NASCIMENTO, Elisa Larkin. O negro e o Congresso Brasileiro. In MUNANGA,Kabenguele. (Org.). O negro na sociedade brasileira: resistncia, participao, contribuio. Braslia: Fundao Cultural PalmaresMINC, v.1, 2004, p.223.21Abdias do Nascimento foi fundador do TEN (1944). Educava as populaes negras por meio do teatro. Para sabermais da Proposta Pedaggica do TEN, ver: CEVA, Antnia Lana de Alencastre (2006). O Negro em Cena: aproposta pedaggica do Teatro Experimental do Negro (1944-1968). Ceva concluiu que: O TEN, mesmo com umaatuao breve (1944-1968), e devido falta de patrocnio e de espao fsico prprio para a sua continuidade, mantmna contemporaneidade, se compararmos com as entidades atuais do movimento negro, as suas demandas. Aeducao uma forma de luta contra a discriminao racial e segue a autora: [...]A Frente Negra (1931-1937) e oTEN (1944-1968) fizeram da educao sua principal estratgia de ao, para transformar a situao social do negro/ana sociedade brasileira. CEVA, Antonia Lana de Alencastre. O negro em cena: a proposta pedaggica do Teatro Experimentaldo Negro.2006. 124 f. Dissertao (Mestrado em Educao) PUC-RJ, Rio de Janeiro, p. 72-73.22 Esse manifesto continha seis reivindicaes: 1) Que se torne explicita na Constituio de 1946 a referncia origem tnica do povo brasileiro, constitudo das trs raas fundamentais: a indgena, a negra e a branca. 2) Que setorne matria de lei, na forma de crime de lesa-ptria, o preconceito de cor e raa. 3) Que se torne matria de leipenal o crime praticado nas bases do preceito acima, tanto em empresas quanto na sociedade civil, nas instituiespblicas e privadas. 4) Enquanto no for tornado gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos brasileiros

    negros, como pensionistas do estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundrio esuperior do pas, inclusive nos estabelecimentos militares. 5) Iseno de impostos e taxas, tanto federais como

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    O documento da Conveno recebeu apoio dos seguintes partidos e polticos: UDN,

    representada pelo senador Humberto Nogueira, PCB, representado por Lus Carlos Prestes e

    PSD. O senador Humberto Nogueira apresentou o documento Assembleia Constituinte,

    entretanto, no momento de se institucionalizar a proibio da discriminao racial,

    fundada/escrita no manifesto, na Constituio do pas, se estabeleceu no texto a igualdade de

    todas as raas. O PCB, que apoiou a fundao do manifesto, colocou-se contra a insero do

    item proibio da discriminao racial na Constituio, pois a lei antidiscriminatria restringiria,

    segundo os comunistas, o sentido mais amplo de democracia23. Estavam insatisfeitos e atentos

    s demandas do perodo, em que negros eram discriminados em barbearias, clubes e sociedades,

    os intelectuais negros do TEN, dos quais citamos Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982),

    considerado idelogo da negritude na organizao24

    . Ressalta-se que, tendo como ideologia abandeira da negritude, o grupo passou a ser acusado de racista s avessas, tanto por grupos de

    direita ligados UDN, como por grupos da esquerda, ligados ao Partido Comunista25. Essa

    situao identifica as tenses existentes entre as foras polticas da poca.

    Entende-se que a identidade negra vem sendo construda politicamente ao longo das

    dcadas republicanas pela intensa produo simblica referenciada nas demandas inclusivas

    proporcionadas pelas negociaes deste grupo com a sociedade abrangente. As associaes

    negras em conjunto com a imprensa negra assinalaram nesse sentido, j que propuseram aesque elevassem a condio cultural, poltica e social deste grupo. Da autoestima ao

    reconhecimento da instruo como forma de qualificar-se na disputa por emprego, estas

    iniciativas positivaram a negritude, que durante a escravido bem como no ps-abolio,

    continuava estigmatizada.

    Para o historiador Petrnio Domingues, o movimento da negritude, surgido por volta

    de 1920, nos Estados Unidos, cumpriu um papel revolucionrio. Na fase inicial, percorreu as

    estaduais e municipais, a todos que desejam estabelecer-se com o capital no superior a Cr$ 20.000,00 e 6)Considerar como problema urgente a adoo de medidas governamentais visando elevao do nvel econmico,cultural e social dos brasileiros (Conveno Nacional do Negro. Manifesto Nao Brasileira. So Paulo, 11 denovembro de 1945, Cf. Nascimento, 1982, p. 112-113).23SANTOS, Sales Augusto dos. O negro no Poder no Legislativo, p. 129.24O dirigente do Grupo, responsvel terico direto por este setor de atividades foi Alberto Guerreiro Ramos. ParaPinto (1954, p.292), a partir destas atividades que surgiu a bandeira de luta de forte contedo emocional e mstico,capaz de se propagar, de despertar, de arrastar os homens negros com a fora estimulante que tm as grandes ideias eas mensagens redentoras, a ideologia da negritude. Para L.C. Pinto (1953, p.293), artistas, poetas, escritores, pequenaelite intelectual negra, homens de sensibilidade multiplicada pelo choque de sua vocao, seu temperamento e suasambies de encontro realidade de classe e de raa em que esto situados, racionalizaram a sua queixa etransformaram sua cor, fonte, muitas vezes, de dissabores, num valor supremo para eles, sob o qual se abrigam paradizerem, sem medo e sem vergonha: niger sum! Para Pinto a negritude era um mito, uma concepo invertida e

    mistificada das coisas.25NASCIMENTO, Abdias. Reflexes sobre o Movimento Negro no Brasil, p. 214.

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    Antilhas e a Europa e, aps, a frica. No Brasil, em meados de 1950, esse conceito rompeu com

    os valores da cultura eurocntrica: no campo ideolgico, negritude pode ser entendida como

    processo de aquisio de uma conscincia racial. J na esfera cultural, negritude a tendncia de

    valorizao de toda manifestao cultural de matriz africana26.

    Portanto, negritude um conceito multifacetado, que precisa ser compreendido a luz

    dos diversos contextos histricos. No entanto, ainda segundo Domingues, na medida em que o

    conceito se ampliou, o mesmo adquiriu uma conotao mais poltica, diluindo o seu potencial

    transformador27. O movimento passou a padecer de contradies insolveis, a ponto de alguns

    de seus principais dirigentes defenderem posies polticas conservadoras28. Domingues

    examinou a negritude por intermdio de pesquisadores brasileiros, africanos, americanos,

    antilhanos e europeus29, identificando que o movimento da negritude, por intermdio de Du Bois(EUA 1868-1963), Aim Csaire (Martinica), Lon Damas (Guiana Francesa) e Lopold Sdar

    Senghor (Senegal), reivindicava, entre outros fatores, a conscincia do negro civilizado, o

    renascimento do negro no campo artstico e literrio, conjugado aos valores africanos, alm de

    possibilitar o reconhecimento poltico cotidiano local e internacional dos afrodescendentes, por

    ocasio das independncias dos pases daquele continente, logicamente, alm de enfatizar o

    orgulho racial. Com contradies, visto que independentemente do territrio em que os

    intelectuais afrodescendentes a formularam, utilizavam a lngua do colonizador, perdeuautenticidade.

    Porm, para Petrnio Domingues, a negritude encontra limites na medida em que a

    negritude se esgota na tarefa de despertar uma conscincia racial, ou seja, na preocupao de

    responder estritamente s contradies raciais, fazendo o negro reconhecer-se e identificar-se

    simplesmente pela cor da pele, deixa-o alienado das demais contradies que se operam na

    sociedade30. Algo que, possivelmente, ser ultrapassado na medida em que a prpria democracia

    brasileira, em todas as suas instncias culturais, polticas e sociais, obter maior qualidade nodebate e aes em torno da aceitao das diferenas tnico-raciais existentes. Embora, perceba-se,

    26 DOMINGUES, Petrnio. Movimento da negritude: uma breve reconstruo histrica. Mediaes Revista deCincias Sociais,Londrina, v. 10, n.1, p. 25-40, jan./jun. 2005.27______. Movimento da negritude, p. 26.28______. Movimento da negritude, p. 26.29BERND, Zil.A questo da negritude. So Paulo: Brasiliense, 1984; MUNANGA, Kabengele.Negritude; usos e sentidos.2. ed. So Paulo: tica, 1988; NASCIMENTO, Abdias. O negro revoltado.Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,1982; FANON, Frantz. Pele negra, mscaras brancas. Trad. Renato Silveira. Salvador: UDUFBA, 2008; MEMMI, Albert.Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Trad. Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. 3. ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1989.30DOMINGUES, Petrnio. Movimento da, p. 25-40.

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    a complexidade do tema, reconhece-se que a problemtica causada pela falta de polticas pblicas

    irrealizadas aps o perodo conhecido de ps-abolio alm das mazelas produzidas pelas escolas

    racistas do incio do sculo XX, prejudicou a nossa sociedade independentemente da epiderme

    das pessoas. J que mesmo com as contradies sociais existindo o estigma, identificado no

    imaginrio social legado as populaes negras de diversas maneiras, persiste. Mesmo com ntidos

    avanos.

    Retornando s atividades organizadas pelos integrantes do TEN, Abdias do

    Nascimento, com o auxlio de Edison Carneiro, organizou a Conferncia do Negro (1949) e o

    Congresso do Negro Brasileiro (1950), ambas na cidade do Rio de Janeiro. Representantes da

    Sociedade Floresta Aurora de Porto Alegre, Heitor Nunes Fraga, Jos Pedrosa e o pesquisador

    gacho Dante Laytano (1908-2000) estiveram presentes nessas atividades. Como resultado dessesencontros, a comunidade negra passa a reivindicar com fora as suas demandas, fazendo com que

    os poderes constitudos passem a se preocupar com a questo do preconceito racial vinculados

    aos aspectos sociais desse grupo. Nesse contexto, surgiu a lei Afonso Arinos31.

    Nesse perodo, Edison Carneiro (1912-1972), um dos organizadores do II Encontro

    Afro-Brasileiro da Bahia, realizado em 1937, articulador da Conferncia e do Congresso do

    Negro de 1949 e 1950, passou a ser contrrio aos ideais de Abdias do Nascimento e de Guerreiro

    Ramos32. Para Carneiro, a situao social do negro e dos estudos afro-brasileiros, desde o sculoXIX, seguia em nosso pas, apesar das dificuldades e de sua fase inicial, obtendo avanos

    significativos. Porm, conforme afirmou sobre a postura do TEN, a partir desse momento ela

    passou a ser equivocada, pois a situao do negro brasileiro era muito diferente da dos negros dos

    Estados Unidos33. Carneiro tambm acreditava que essa nova posio negra, em nosso pas, era

    uma ideologia sustentada por uma minoria, influenciada pelos polticos profissionais: um

    31O Projeto N 5621950, mais conhecido como Lei Afonso Arinos, era composto por 8 artigos. Em linhas geraisa Lei institua como contraveno penal o estabelecimento que recusasse hospedar, servir e atender negros. Crimepassivo de multa de Cinco Mil Cruzeiros ou priso de quinze dias a trs meses. Ou at o fechamento deestabelecimentos que desrespeitassem negros. Lei na ntegra no O Jornal Quilombo, Junho e Julho de 1950, a. II, n.10, p. 09.32O segundo Congresso Afro-brasileiro, de 1937, foi organizado em 1937 por Edison Carneiro, Aydano do CoutoFerraz (1914-1985) e Reginaldo Guimares. Ver: Prefcio publicao de O Negro no Brasil: trabalhos apresentadosao 2 Congresso Afro-Brasileiro reunido (Bahia) de 1937. Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1940 e CLAY,Vincius. O Negro em O Estado da Bahia: De 09 de maio de 1936 a 25 de janeiro de 1937. 2006. Disponvel em:. Acesso em: 10 fev. 2008.33Na dcada de 1950 os negros norte-americanos reagiram contra a situao de inferioridade e excluso que as leisdos brancos o condenaram. Ergueram-se contra a discriminao e a segregao racial que sofriam no pas... que oimpediam-nos de votar e de freqentar uma escola pblica como os demais brancos. Negavam-lhes hospedagem noshotis e nem em lanchonetes eram atendidos. Neste contexto foi que surgiu o Civil Reigths Movementque teve como

    um de seus maiores expoentes o reverendo Martin Luther King. Para saber mais ler: Schilling Voltaire, A Luta pelosdireitos civis: de Abraham Lincoln a Martin Luther KingAmrica: 1863-1963.

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    avultado grupo de pequeno-burgueses e burgueses intelectuais de cor tentou dar voz a

    manifestaes racistas, de supremacia emocional do negro a frmula norte-americana, esta

    americanizao forada do problema, que felizmente atinge apenas um segmento insignificante

    da populao de cor [...]34. Destacamos que Edson Carneiro, como intelectual, tinha outros

    propsitos na poca, pois lutou incansavelmente para criar um Centro de Estudos Afro-Orientais

    (CEAO) na Bahia.35 Todavia, os intelectuais negros procuravam mediar as necessidades da

    maioria das populaes negras, carentes, j que o contexto, como observamos, permitia tais

    negociaes.

    Conforme Sales dos Santos, a tentativa dos movimentos negros de atuarem no

    parlamento, visando ao combate ao racismo, se dava por meio de intermedirios que no eram

    militantes orgnicos desse movimento36. As lideranas dos movimentos negros brasileiros jhaviam percebido, h algum tempo, que precisavam de representantes afro-brasileiros engajados

    na luta antirracista no Congresso Nacional37. A Frente Negra (1931-1937) arregimentou

    associados, visando a tornar-se partido poltico, projeto cancelado em virtude do decreto do

    Estado Novo.

    34CARNEIRO, Edison. Ladinos e Crioulos.S ed.Rio de Janeiro: Ed. Civilizao Brasileira, 1964, p. 115-116.35 GOMES, Arilson dos Santos. A identidade cultural afro-brasileira como meio de negociao entre os grupossociais: anlises em torno da publicao do livro Cartas de Edison Carneiro a Artur Ramos (1936-1938). 2011, p.5-22(Prelo).36__________. O negro no Poder no Legislativo: Abdias do Nascimento e a discusso racial no Parlamentobrasileiro. MENDES, Amauri; SILVA, Joselina. (Orgs.). OMovimento Negro Brasileiro escritos e sentidos de democracia ejustia social no Brasil.1 ed. Belo Horizonte: Nandyala, 2009. p. 127.37O Projeto N 5621950, mais conhecido como Lei Afonso Arinos, era composto por 8 artigos. Em linhas geraisa Lei institua como contraveno penal o estabelecimento que recusasse hospedar, servir e atender negros. Crimepassivo de multa de Cinco Mil Cruzeiros ou priso de quinze dias a trs meses. Ou at o fechamento deestabelecimentos que desrespeitassem negros. Lei na ntegra no O Jornal Quilombo, Junho e Julho de 1950, Ano II,n. 10, p. 09. _________. O negro no Poder no Legislativo: Abdias do Nascimento e a discusso racial no

    Parlamento brasileiro. MENDES, Amauri; SILVA, Joselina (Orgs.) O Movimento Negro Brasileiro

    escritos e sentidos dedemocracia e justia social no Brasil.Belo Horizonte: Nandyala, 2009. p. 134-135.

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    Figura 1- Na fotografia acima, vemos o Dr. Getlio Vargas, Chefe do Governo Provisrio, emcompanhia do Sr. Isaltino B. Veiga dos Santos, Secretrio Geral da F.N.B, logo aps a audincia especial,

    concedida Frente Negra Brasileira, no Palcio Rio Negro, em Petrpolis.38

    No obstante, alm de negociar com as lideranas polticas, indivduos negros tambm

    procuravam se eleger com a abertura poltica no incio dos anos de 1950. O prprio Abdias do

    Nascimento escreveu no editorial do Jornal Quilombo dos meses de maro-abril, de 1950, as

    seguintes fundaes:

    Amigos meus colaboradores e simpatizantes do movimento que fundamosvisando elevao cultural e econmica do negro brasileiro; resolveram lanar

    minha candidatura assembleia legislativa do Distrito Federal. Justificaram seugesto com argumento de ser minha eleio a vereador uma etapa lgica enatural no desenvolvimento desse programa de busca de meios (sic) queacelerem o processo de integrao de brancos e negros no Brasil, assegurandoassim, ttica por ns usadas (sic) [...] armas mais efetivas e poderosas na lutapela conquista desse padro de existncia ideal que libere os brasileiros de corde complexos emocionais e das atuais desvantagens socioeconmicas [...] necessrio e imprescindvel, portanto,que apaream outros candidatos mulatos, negrosou brancos, identificados com esse importante problema brasileiro. Porque somente numgrande e rduo trabalho coletivo, presidido pelo alto esprito defraternidade racialque orientou a nossa formao histrica, conseguiremos realizar a obra dessa

    valorizao do negro, fundamental para o desenvolvimento e o futuro de nossa

    estremecida ptria. Os homens de cor, ontem como hoje, se confundem com os destinos danacionalidade, e no h fora capaz de induzi-los atrs sua vocao de maioresconstrutores materiais e espirituais da nossa grandeza, da grandeza do Brasil. (GrifosNossos).39

    No editorial do Jornal Quilombo, acima citado, localizam-se entre os contedos grifados

    as seguintes afirmaes: [...] que apaream outros candidatos mulatos, negros ou brancos,

    identificados com esse importante problema brasileiro [...], [...]fraternidade racial que orientou

    38A Alvorada, 18 de maro de 1933 (Fac-smile).39NASCIMENTO, Abdias do. Minha candidatura.Fac-Smile Jornal Quilombo.Jul.1950, p. 83.

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    a nossa formao histrica [...]40 e [...] Os homens de cor, ontem como hoje, se confundem

    com os destinos da nacionalidade [...]41. Nessas passagens, so sentidas as fortes influncias do

    nacionalismo presente desde o Estado Novo, e que norteiam as bases ideolgicas do trabalhismo.

    A ideologia nacionalista, em sua questo racial, encontra sentido em nosso

    entendimento na to discutida e criticada ideologia da democracia racial42. Todavia, por meio

    desse conjunto de significaes simblicas culturais, criadas a partir dos grupos formadores da

    nao43, que os grupos negros conseguem formular suas estratgias de negociaes polticas na

    dcada de 1950, j que o contexto permitia, alm do reconhecimento cultural, advindo das

    dcadas anteriores, negociaes polticas e sociais, envolvendo as lideranas das comunidades

    negras, pois esses aspectos passam a estar em evidncia devido a uma maior participao das

    massas no processo de redemocratizao. um anacronismo ou uma falta de sensibilidade comas aes daqueles lderes e de suas organizaes pensar nessa ideologia, nos dias atuais, sem

    contextualizar a poca, optando pelo reconhecimento cultural do negro como algum que deve

    representar seus anseios a partir da frica e de Zumbi ou da data alusiva conscincia negra,

    referenciando o dia 20 de novembro ao invs do dia 13 de maio, data comemorada pelos grupos

    negros aps a abolio e at meados dos anos de 1970. Tais lderes e suas associaes, por meio

    dos referenciais da poca, conseguiram, ao menos, fazer poltica, pois as suas demandas como

    lderes das populaes negras, a partir daquele conjunto de ideias, permitiam a tenso com ospoderes pblicos constitudos44. Outro fator que tanto o estado (como poder instaurador),

    como a sociedade, passaram a legitimar simbolicamente o dia 13 de maio, ou seja: para os

    intelectuais negros do Grupo Palmares (1978), liderados por Oliveira Silveira (1941-2009), ter (re)

    significado a data alusiva memria da luta negra para a morte de Zumbi dos Palmares (1655-

    1695), conforme pesquisou o historiador Deivison Campos, em contraponto data do dia 13 de

    maio, identifica a importncia simblica dessa efemride oficial, j que, sendo contra ou a favor,

    ela tornou-se o parmetro do debate sobre qual data representava melhor o protagonismo negro

    40NASCIMENTO, Abdias do. Minha candidatura.Fac-Smile Jornal Quilombo.Jul.1950, p. 83.41______. Minha candidatura.Fac-Smile Jornal Quilombo.Jul.1950, p. 83.42 BENTO, Maria Aparecida. Branqueamento e Branquitude no Brasil. Psicologia Social do Racismo. Estudos sobrebranquitude e branqueamento no Brasil.Petrpolis RJ: Vozes, 2002, p. 189. ; COSTA, Emilia Viotti. Da Monarquia RepblicaMomentos decisivos.7. ed. So Paulo: Editora UNESP, 1998, p. 490.43 HALL, Stuart. Da Dispora: identidades e mediaes culturais. Trad. Adelaide la Guardia Resende et ali. BeloHorizonte: UFMG, 2003.44ZUBARAN, Maria Anglica. Comemoraes da liberdade: lugares de memrias negras diaspricas. Anos 90

    Revista do PPG em Histria da UFRGS, Porto Alegre, v. 15, n. 27, p.161-187, 2008. Disponvel em:. Acesso em: 11 mai. 2011.

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    na resistncia escravido, e o reconhecimento poltico-social da liberdade, nos dias atuais,

    identificada no dia 20 de novembro45.

    A democracia racial tinha como referncia da liberdade o dia 13 de maio. Logicamente,

    jamais desconsideramos as ideias de negritude do TEN, que j em 1944, no Rio de Janeiro,

    remetia a uma cultura centrada nos valores culturais africanos. Contudo, o pas e os meios de

    comunicao ainda eram restritos, naquela poca, para fazerem com que esses valores se

    difundissem nas velocidades pensadas em nossos dias atuais por todo o Brasil. Portanto,

    concordamos com Emlia Viotti da Costa que explica:

    Em esboo, os fatos so suficientemente claros: um poderoso mito, a ideia dademocracia racial que regulou as percepes e at certo ponto as prprias

    vidas dos brasileiros da gerao de Freyre tornou-se para a nova gerao decientistas sociais um arruinado e desacreditado mito.46

    A partir dos anos de 1950, com a denncia das organizaes negras e de seus lderes,

    passa-se a compreender as diferenas raciais e sociais em nosso pas. Pois, anteriormente, como

    enfatiza Costa:

    bvio que os brancos beneficiaram-se com o mito. Mas tambm verdade que os negrosbeneficiaram-se igualmente, embora de uma maneira mais limitada e contraditria. Anegao do preconceito, a crena no processo de branqueamento, aidentificao do mulato como uma categoria especial, a aceitao de indivduosnegros entre as camadas da elite branca, tornaram mais difcil para os negrosdesenvolver um senso de identidade como grupo. De outro modo, criaramoportunidades para alguns indivduos negros ou mulatos ascenderem na escalasocial. Embora socialmente mveis, os negros tinham, entretanto, que pagar opreo por sua mobilidade: tinham que adotar a percepo que os brancospossuam do problema racial e dos prprios negros. (Grifo Nosso).47

    Certamente, essa tenso era sentida pelos lderes negros. Pois, como acreditar em uma

    democracia racial se, no cotidiano, o preconceito racial era e sentido? A partir desse momento, a

    negociaes polticas passam a ocorrer pela ao consciente da ideologia da negritude, formulada

    pelos lderes da comunidade negra que, para transformar os problemas materiais, necessariamente

    deveriam passar pela conquista do poder poltico, ao invs do reconhecimento, somente, da

    matriz africana na cultura negra brasileira.

    Localizamos os anncios das seguintes candidaturas de polticos negros, que

    participariam do pleito do dia 3 de outubro de 1950: Jos Bernardo da Silva, candidato a

    45CAMPOS, Deivison Moacir Cezar. O Grupo Palmares (1971-1978): Um movimento negro de subverso e resistnciapela construo de um novo espao social e simblico. 2006. 195 f. Dissertao (Mestrado em Histria)Programade Ps-Graduao em Histria - PUCRS, Porto Alegre.46COSTA, Emilia Viotti. Da Monarquia Repblica, p. 374.47______. Da Monarquia Repblica, p. 375.

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    deputado pelo PTB, diretor da UHC, da cidade do Rio de Janeiro; Jael de Oliveira Lima,

    candidato a deputado pelo PSD e Isaltino Veiga dos Santos, candidato a vereador pelo PDC.

    Isaltino foi um dos presidentes da Frente Negra Brasileira (1931-1937).Abdias do Nascimento

    tambm saiu nas pginas de seu jornal como candidato. Ele iria disputar a vereana no Rio de

    Janeiro, pelo PSD; inclusive notamos que este partido foi o que mais saiu nas pginas do jornal,

    sinalizando para os interesses polticos eleitorais do intelectual negro e fundador do TEN.

    Abdias, no fora eleito.48Todavia, esses embates no centro do pas so essenciais em nossa tese,

    visto que no Rio Grande do Sul, guardadas as devidas propores, experimentou-se, por

    intermdio de seus protagonistas negros, experincias comparveis a dos negros do eixo Rio-So

    Paulo, obviamente, que com as suas peculiaridades.

    Os encontros realizados nesse contexto em que os aspectos sociais, culturais e polticosda identidade negra estiveram em pauta, possibilitaram uma melhor interpretao das

    organizaes negras e de suas lideranas sobre as situaes vivenciadas pelas populaes negras

    nas diversas regies brasileiras, j que pesquisadores e militantes ou pesquisadores populares

    viajavam com suas representaes por meio de navios para esses lugares sociais, que produziam

    documentos e trocavam experincias cotidianas, tericas e prticas, de como compreender as

    situaes envolventes identidade negra nacional49.

    Para Ivair Augusto Alves dos Santos, no perodo entre 1945 a 1964, viveu-se de modosingular, com a existncia de um sistema multipartidrio50. A partir dessa fase democrtica, passou

    tambm a existir, em alguns partidos polticos, a preocupao sobre a questo racial. Conforme

    Alves dos Santos:

    Ao analisar os programas partidrios, encontramos referncias sobre a questo racial nosseguintes partidos polticos: Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido SocialistaBrasileiro (PSB) e Partido Democrata Cristo. Nos maiores partidos deste perodo, oPartido Social Democrtico (PSD) e a Unio Democrtica Nacional (UDN),partidos conservadores, no constava nenhuma meno ou citao em seus

    programas sobre a questo racial. Entretanto, foram os parlamentares da UDNos autores da lei que dispunha sobre os atos de discriminao e preconceitoracial e de cor que, durante dcadas, permaneceu como o nico recurso legal, aLei Afonso Arinos. (Grifo Nosso).51

    Portanto, o PTB contemplava as questes raciais em suas diretrizes, enquanto o PSD,

    mais conservador, mantinha-se neutro quanto a esse assunto. Abdias do Nascimento, importante

    48GOMES, Arilson dos Santos.A formao de osis...49______.A formao de osis...50 SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. O movimento negro e o Estado: O caso do Conselho de Participao e

    Desenvolvimento da Comunidade Negra no Governo de So Paulo. So Paulo: imprensa oficial, 2002.51SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. O movimento negro e o Estado..., p. 59.

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    militante do movimento negro brasileiro, concorreu nas eleies da cidade do Rio de Janeiro em

    1950, ligado ao PSD, conforme informou L.C. Pinto52.

    Salientamos que o poltico Carlos Santos (1904-1989), lder poltico, negro e operrio,

    chegou ao legislativo gacho no ano de 1951 para assumir, aps suplncia, a vaga de Tarso de

    Moraes Dutra (1914-1983), pois Dutra assumiu a vaga na Cmara Federal, abrindo seu posto a

    sua nomeao53. Na ocasio, Santos era poltico vinculado ao PSD, mesma situao vivenciada

    pelo intelectual negro Abdias do Nascimento. Porm, mais adiante, iria filiar-se dominante

    agremiao de ideologia trabalhista, o PTB. Tal situao, provavelmente era influenciada pela

    necessidade prpria de sua articulao poltica ser mais prxima das massas populares e das

    questes nacionais, identificadas na plataforma petebista.

    O PTB, partido com forte marca getulista desde a sua concepo e fundao,

    apresentou um programa que traduz, quase na integridade, o projeto de Getlio Vargas para o

    Brasil. O programa propunha, entre outras aes:

    defesa dos direitos trabalhistas; polticas sociais, voltadas para a garantia de emprego; polticas pblicas, destinadas qualificao do trabalhador; programa de previdncia social ampla; polticas pblicas/sociais, destinadas ao lazer, sade, educao,

    proteo infncia e maternidade;

    poltica de planificao econmica dirigida pelo Estado; projetos de distribuio de renda e de riquezas; incentivo ao cooperativismo econmico e solidariedade entre todos os

    cidados, visando paz social.54

    Politicamente e socialmente, importante salientar que o PTB era um partido que

    representava o trabalhismo, independente da origem tnica desse trabalhador, sendo localizadas

    suas influncias em sociedades polonesas, ucranianas, alems e russas de Porto Alegre

    55

    . Essa

    52PINTO. Luiz Antonio Costa. O Negro no Rio de Janeiro. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1953, p. 284.53O poltico Carlos Santos, nascido em Rio Grande, interior do RS, durante sua vida pblica de cinquenta anos(1932-1982), exerceu os cargos de deputado e governador do Rio Grande do Sul. Foi lder sindical e fundador deassociaes negras. Ver GOMES, Arilson dos Santos. Os Akins do Sul: da participao dos negros na poltica do RioGrande do Sul homenagem ao mestre salas dos mares. Revista OPSISUFG, Gois, Catalo, v. 12 n. 1, p.129-145,nov. 2012. . Acesso em: 01 dez. 2012.54Programa do PTB - Arquivo Getlio Vargas - GV45000/1 - FGV - CPDOC -Rio de Janeiro. Ver DELGADO,Luciana de Almeida Neves. Brasil: 1954 - prenncios de 1964. Varia Histria, Belo Horizonte, v. 21, n. 34: p. 484-503, jul. 2005. Disponvel em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-87752005000200013&script=sci_arttext>. Acesso em: 01 out. 2012.55 A inveno do trabalhismo deu uma contribuio fundamental. Apesar de todas as suas limitaes, o espaoinstitucional permitia agora a expresso da diversidade... . In: FORTES, Alexandre.Ns do Quarto Distrito. A Classe

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    relao era limitada quanto influncia dessas sociedades no seio do partido trabalhista, fossem

    elas sociedades tnicas, beneficentes ou at sindicatos de classe, pois suas participaes eram

    tuteladas e controladas e, conforme ngela de Castro Gomes, existiu um pluralismo limitado:

    O PTB, assim como os sindicatos no Brasil, nasceu sob a chancela de um estado autoritrio,para atuar em um regime no mais autoritrio, mas certamente ainda conservador.Projetosde participao poltica mais mobilizadores e instrumentos de representaomais autnomos no tinham espao nesta espcie de pluralismo limitado dops-45. (Grifo Nosso).56

    Em nossas pesquisas, destacamos que o PTB, a partir da ideologia do trabalhismo e de

    um consenso com outros grupos subordinados, buscou difundir o seu projeto poltico, mantendo

    sua hegemonia por meio de uma liderana perante esses grupos. Eis que surge uma questo

    relacional, em nossa opinio, entre esse partido e as sociedades tnicas porto-alegrenses e

    gachas, com isso, mantendo um equilbrio instvel e tendo que ceder, em determinados

    momentos, em algumas condies para exigir outras; com isso, elaborando estratgias para

    concretizar o seu interesse e objetivo imediato, que era ter sucesso no pleito do Estado do Rio

    Grande do Sul57. Essa situao tambm foi analisada por ns para que entendssemos e

    identificssemos os interesses do grupo negro, na ocasio, representado pela Sociedade Floresta

    Aurora, com a realizao do Primeiro Congresso Nacional do Negro, realizado em Porto Alegre,

    no ano de 1958, como veremos mais a frente.

    O PTB mantinha o controle dessas relaes, exercendo a hegemonia, pois, de um lado,

    passou a representar, como liderana poltica, a vontade coletiva deste e dos outros grupos que

    passara a tutelar, e de outro, a prpria ideologia nacionalista serviu como um ingrediente

    aglutinador entre o Partido e os grupos tnicos que vieram para o Brasil entre os anos 1930, 1940

    e 1950, tais como polacos, russos, alemes e ucranianos, alm dos prprios negros que, a partir da

    Frente Negra Brasileira, exigiam o reconhecimento de suas razes como formadora do Brasil, na

    dcada de 1930. O que o PTB porto-alegrense utilizou, em ltima anlise, foi a estratgia iniciada

    por Getlio, em 1933, ao receber os lderes da Frente Negra no Palcio do Governo, com intuitode formar uma aliana em torno de um projeto nacional, que culminou com o decreto do Estado

    Novo. O que precisamos entender se esta estratgia foi utilizada por Getlio e pelo prprio

    PTB, partido criado por ele tambm a partir da relao com outras etnias e classes que viviam em

    nosso pas. O partido passa e exercer a vontade coletiva das massas trabalhadoras. A hegemonia

    trabalhadora Porto-Alegrense, e a Era Vargas. Caxias do Sul: EDUCS; Rio de Janeiro: Garamond, ANPUH-RS,2004, p. 117-177.56_________.Ns do Quarto Distrito. A Classe trabalhadora Porto-Alegrense, e a Era Vargas, p. 437.57 GRAMSCI. Maquiavel, a poltica e o Estado Moderno. Trad. Luiz Mrio Gazzaneo. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1980, p.09-25, e de HALL, Stuart. A relevncia de Gramsci para o estado de raa e etnicidade,2003, p. 295-334.

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    pode ser pensada a partir do Bloco Histrico que abrange a estrutura - o campo econmico - e a

    superestrutura - o campo da ideologia. A partir desses dois domnios, temos caracterizada a

    hegemonia, localizada no PTB por meio do nacionalismo econmico; visando s estatizaes e

    produo e sendo controlada pelo intervencionismo direto do estado, seja na difuso da ideologia

    nacionalista, a partir dos rgos culturais, polticos e educativos, ou como a bandeira da

    nacionalizao do ensino, em que a lngua nas escolas deveria ser a portuguesa.

    Conforme Gramsci:

    Embora cada partido seja a expresso de um grupo social e de um s gruposocial, ocorre que, em determinadas condies, determinados partidosrepresentam um grupo social na medida em que exercem uma funo deequilbrio e de arbitragem entre os interesses do seu grupo e os outros grupos, e

    na medida em que buscam fazer com que o desenvolvimento do gruporepresentado se processe com o consentimento e com a ajuda dos gruposaliados [...].58

    O PTB, na dcada de 1950, manteve a sua hegemonia at o final da experincia

    democrtica, mantendo representante no poder executivo e, constantemente, nos parlamentos

    municipais - a exemplo de Porto Alegre e da assembleia legislativa do Estado. Os setores

    populares, tambm passaram a ganhar espao, no perodo com o aumento da participao de

    agremiaes que mantinham em seus projetos preocupaes sociais e trabalhistas.

    Nessa dcada as organizaes negras gachas Marclio Dias, Prontido, Treze de Maiode Santa Maria, Sociedade Flor do Sul, de Taquara, Estrela do Oriente, de Rio Grande,

    associaes negras de Pelotas etc. seguiam as suas atividades esportivas, festivas, culturais,

    educativas e reivindicativas59.

    Em 1958, ocorreu o Primeiro Congresso Nacional do Negro, organizado pela Sociedade

    Beneficente Floresta Aurora. Este encontro tem como diferencial dos demais o termo nacional

    em sua nomenclatura. A atividade foi realizada no estado do Rio Grande do Sul, na cidade de

    Porto Alegre. Notaremos que o termo nacional, alm de ser o diferenciador da terminologiaentre as duas atividades, denota, ainda, uma transformao importante nos interesses de seus

    organizadores, j que existiu uma forte influncia do PTB em sua composio.

    58 GRAMSCI, Antnio. Os intelectuais e a organizao da cultura. 2. ed. Traduo Carlos Nelson Coutinho. Rio deJaneiro: Ed. Civilizao Brasileira, 1995, p. 22.59 PEREIRA, Lcia Regina Brito Pereira. Cultura e Afro-descendncia: Organizaes Negras e suas estratgiaseducacionais em Porto Alegre (1872-2002). 2008. 309f. Tese (Doutorado em Histria) - Programa de Ps-Graduaoem Histria - PUCRS, Porto Alegre; SILVA, Fernanda Oliveira. Os negros, a constituio de espaos para os seus e oentrelaamento desses espaos: associaes e identidades negras em Pelotas (1820-1943). 2011. 288f. Dissertao

    (Mestrado em Histria) - Programa de Ps-Graduao em Histria - PUCRS, Porto Alegre.

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    Figura 2 -Manoel Ferreira, Professora Vera Bandeira Marques, o Presidente da Floresta Aurora e lder

    Anfitrio do Congresso. Sr. Valter Santos, Dr. Conde Salgado, de cabea baixa o palestrante Prof.

    Laudelino Medeiros, que conferenciou sobre Governo, Educao e Cultura, e de braos cruzados, na

    ponta direita, o Coronel Thefilo de Barros.60

    A imagem, anteriormente visualizada, representa uma composio equilibrada quanto s

    individualidades representadas em seus participantes, pois, alm dos organizadores da Sociedade

    Negra Floresta Aurora, a mesa est representada pela professora Vera Bandeira Marques, pelo

    engenheiro Conde Salgado, o professor da UFRGS Laudelino Medeiros, o Coronel Thefilo

    Barros e, pela imprensa da cidade, Archimedys Fortini. As massas, os tcnicos, as mulheres, ostrabalhistas, os setores da imprensa e as foras armadas, todos esto ali identificados nessa

    imagem emblemtica, sob a gide de um congresso de carcter nacional. Essa era a relao das

    foras do Estado61.

    Esse importante acontecimento, no capital gacha recebeu delegaes dos estados do

    Paran, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, So Paulo, Distrito Federal e interior,

    contou, tambm, com a presena de estudiosos, pesquisadores, intelectuais brancos e negros e a

    comunidade. Durante o encontro, foram debatidos trs temas centrais: a necessidade dealfabetizao frente situao atual do Brasil, a situao do homem de cor na sociedade e o papel

    histrico do negro no Brasil e em outros pases. Esses temas foram distribudos em seis dias, do

    dia 14 ao dia 19 de setembro. Os deputados petebistas Armando Temperani Pereira e Coelho de

    Souza, os professores da Escola de Engenharia da UFRGS (instituio em que se formou Leonel

    Brizola que, na poca, estava concorrendo ao governo do Rio Grande do Sul contra Walter

    Peracchi Barcelos), Dr. Luiz Lesseigner de Faria, Dr. Darci Conde Salgado e Dr. Manoel Luiz

    60Revista do Globo, Porto Alegre, 2 quinz. out. 1958, p. 86.61GOMES, Arilson dos Santos. A formao de osis..., p. 151-239.

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    Leo, o presidente da Floresta Aurora, Walter Santos e representantes do Jornal Correio do Povo de

    Porto Alegre, alm de estudiosos da temtica como Dante Laytano etc., discutiram, com a

    presena de grande pblico nos locais do congresso, sobre a realidade do negro e do africano no

    estado, no Brasil e no mundo. Nesse perodo ocorria, a nvel internacional, a independncia de

    muitos pases africanos62. O Primeiro Congresso Nacional do Negro foi realizado na Cmara de

    Vereadores de Porto Alegre e nos sales de festas da organizao negra.

    Figura 3 -Pblico presente no Congresso de Porto Alegre.63

    Defendemos, em nossas pesquisas, que esse encontro foi importante para os interesses

    do PTB de Brizola, que veio a se eleger governador uma semana depois dessa atividade, contandocom apoio das entidades classistas e tnicas. O congresso tambm foi relevante para a

    comunidade negra regional e nacional que, aps o encontro, foi contemplada pela Campan ha

    Nacional de Alfabetizao, j que, na poca, 70% dos negros brasileiros eram analfabetos. Para a

    Sociedade Floresta Aurora, o encontro foi materialmente importante, pois dias aps o conclave a

    entidade alterou de sede social, localizada na rua Gen. Lima e Silva, transferindo-se com o auxlio

    de incentivos do estado e de polticos petebistas para o bairro Cristal de Porto Alegre64.

    A lei n. 10.639/03, que instaurou a obrigatoriedade do ensino da frica e dos africanosno Brasil, da histria e cultura afro-brasileira em todo currculo escolar, e os seus contedos

    62No plano internacional, a dcada de 1950 marcada pelos movimentos iniciais de descolonizao de territriosafricanos sob jugo europeu e em torno dos debates de integrao racial. Guin tornou-se independente em 1958; em1959 os pases africanos movimentavam-se em seus processos de autonomia. Na Conferncia de Bamako, o Senegale o Sudo Francs formavam a Federao do Mali, independentes. Daom, Niger, Alto da Volta, Costa do Marfim eTogo tornam-se independentes em 1960. Os novos pases surgidos da diviso administrativa colonial do ps-guerraeram uma realidade RIBEIRO, Luiz Dario. Descolonizao africana. Revista Cincias e Letras FAPA, n. 21/22, fricaContempornea. Porto Alegre: Ed. Ponto e Vrgula. Novembro de 1998, p. 51-72.63Fotografia Jornal Folha da Tarde 18/09/1958, p. 40.64 GOMES, Arilson dos Santos Gomes. O Primeiro Congresso Nacional do Negro e a sua importncia para a

    integrao social dos negros brasileiros e a ascenso material da Sociedade FlorestaAurora.pdf. RBHCS - RevistaBrasileira de Histria e Cincias Sociais, So Leopoldo-RS, v. 1, n. 1 p. 01-18, jul. 2009.

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    programticos, dos quais citamos: o negro na da sociedade nacional e a contribuio do negro nas

    reas sociais, econmicas, culturais e polticas, pertinentes histria do Brasil, demonstra, de

    certa forma, o reconhecimento da repblica brasileira s reivindicaes e negociaes surgidas a

    partir dos movimentos sociais negros do perodo analisado.

    Recebido: 4/11/2012Aprovado: 18/12/2012