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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO RUZIA CHAOUCHAR DOS SANTOS CRIANÇAS ANUNCIADAS COM QUEIXA ESCOLAR: ESTUDO SOBRE SIGNIFICAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA REPRESENTAÇÃO DE SI CUIABÁ-MT 2018

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Page 1: CRIANÇAS ANUNCIADAS COM QUEIXA ESCOLAR: ESTUDO … · Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade – UFMT Orientadora Professora Doutora Lucia Pintor Santiso Villas

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RUZIA CHAOUCHAR DOS SANTOS

CRIANÇAS ANUNCIADAS COM QUEIXA ESCOLAR:

ESTUDO SOBRE SIGNIFICAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA

REPRESENTAÇÃO DE SI

CUIABÁ-MT

2018

Page 2: CRIANÇAS ANUNCIADAS COM QUEIXA ESCOLAR: ESTUDO … · Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade – UFMT Orientadora Professora Doutora Lucia Pintor Santiso Villas

RUZIA CHAOUCHAR DOS SANTOS

CRIANÇAS ANUNCIADAS COM QUEIXA ESCOLAR: ESTUDO

SOBRE SIGNIFICAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA

REPRESENTAÇÃO DE SI

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Mato Grosso,

como requisito para obtenção do título de

Mestre em Educação. Área de

Concentração: Educação. Linha de

Pesquisa: Cultura, Memória e Teorias em

Educação. Grupo de Pesquisa em

Psicologia da Infância.

Orientadora: Profa. Dra. Daniela Barros da Silva Freire

Andrade

CUIABÁ-MT

2018

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RUZIA CHAOUCHAR DOS SANTOS

CRIANÇAS ANUNCIADAS COM QUEIXA ESCOLAR: ESTUDO

SOBRE SIGNIFICAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA

REPRESENTAÇÃO DE SI

BANCA EXAMINADORA

Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade – UFMT

Orientadora

Professora Doutora Lucia Pintor Santiso Villas Bôas – FCC

Examinadora Externa

Professora Doutora Jane Teresinha Domingues Cotrin – UFMT

Examinadora Interna

Professora Doutora Beleni Salete Grando – UFMT

Examinadora Suplente

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Dedico este trabalho às crianças partícipes

desta pesquisa e a todas que pertencem ao

universo escolar – lócus de investigação

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AGRADECIMENTOS

À professora doutora Márcia Ferreira pelo acolhimento e por viabilizar os

primeiros passos deste percurso.

À querida orientadora, professora doutorada Daniela Barros da Silva Freire

Andrade, por ter embarcado comigo ao longo dessa aventura e pela confiança constante.

Obrigada por contribuir para despertar em mim o encanto pela Psicologia Escolar e

Educacional e me inspirar a enveredar-se pelo caminho da academia com o seu exemplo

de comprometimento, sensibilidade e competência que conduz sua atuação. Agradeço

imensamente por tudo!

À estimada professora doutorada Jane Teresinha Domingues Cotrin, por me

acompanhar dedicadamente em minha trajetória ao longo desses anos. Nem imagino a

hipótese de como ela teria sido trilhada sem seu incentivo contínuo. Obrigada por me

fazer enxergar a Psicologia com outras nuances e me incentivar inquietar-se frente às

naturalizações da vida. As vivências partilhadas ao seu lado me permitiram testemunhar

o exercício de comprometimento político, de respeito a história do sujeito, traduzido no

olhar humanizador frente ao outro. Não cabem nesses traços delineados o valoroso

aprendizado que experienciei em nossa convivência. Meu amor e gratidão a você que é o

meu espelho!

Às professoras doutoras Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas e Jane Teresinha

Domingues Cotrin e Beleni Salete Grando por gentilmente aceitarem compor a Banca

Examinadora deste trabalho e pelas valorosas contribuições que se desdobraram em seu

delineamento.

Às professoras e aos professores do Departamento de Psicologia da UFMT

campus Cuiabá, que lutam no cotidiano pela qualidade do ensino superior público

brasileiro.

Às crianças, que são as âncoras que fundam este estudo, sem as quais ele não

poderia ser realizado. Agradeço por aceitarem partilhar parte da totalidade de suas vidas

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comigo e espero ter conseguido fazer jus a relação que criamos na nossa convivência em

campo.

Aos pais e aos responsáveis pelas crianças por autorizarem a participar, a

contribuir e por confiarem nesta pesquisa.

À coordenadora da unidade de ensino lócus deste estudo pelo compromisso e

seriedade com que exerce seu ofício. Agradeço pela parceira estabelecida no trilhar deste

caminho.

Às professoras das crianças e às Cuidadoras de Aluno com Deficiência por

permitirem acompanhar seus trabalhos. Obrigada pelas trocas preciosas ao lado de cada

uma.

A todas e a todos profissionais do cenário escolar lócus de investigação onde esta

pesquisa foi realizada, que me acolheram com atenção e respeito.

Ao Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN/UFMT), que me

proporcionou experiências inesquecíveis de aprendizagem coletiva no transcorrer destes

anos. Meu carinho e gratidão a Naiana Gonçalves, Andréia Maria, Cledione Ramos, Paula

Poubel, Ilsa Carvalho, Jeysson Ricardo, Sandra Lorenzine, Marcela Gattas, Larissa

Franco, Camila Ramos, Iury Lara, Érica Teibel, Milene Winck, Ana Flávia Sodré, Eliza

Maria, Nathany Fronza, Bruna Campos, Flávio Henrique, Claudenilde Lopez, Gabriel

Lopes, Karine Araújo, Gustavo Shiraishi e Ângela Cristina e a todas e a todos integrantes

que passaram pelo grupo. Juntos tecemos laços sólidos de afetividade que me permitiram

(re)descobrir o valor de ser e estar com o outro.

Ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Educação de Mato Grosso

(GEPPEMAT/UFMT), espaço em que compartilhei vivências enriquecedoras de trocas e

aprendizados. Rosa Helena, Lúcia Soares, Evanize Lemes, Naiara Rodrigues, Cristiane

de Fátima, Mary Guimarães, Jéssica Lawall, Aline Pagnussat, Valéria Meneghetti,

Patrícia Keller, Abner Faria, Sérgio Carlos, grata por ter experienciado junto a vocês

lições diárias que certamente marcaram a minha história de vida.

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Aos(as) colegas de turma do Mestrado, pelas profícuas reflexões que me

permitiram ampliar horizontes e tornar esse trajeto mais acolhedor.

A Magda Miranda pelas valiosas trocas imprescindíveis à conclusão deste ciclo

de minha vida.

A Natália Salomé e a Lyssa Gonçalves pela cuidadosa revisão deste trabalho,

especialmente a Natália por ter me encorajado a emergir deste mergulho.

Ao Cleomar José Cardoso e a Bárbara Rossane Barros Cardoso, pelo trabalho

qualificado e por propiciarem um suporte essencial a materialização desta dissertação.

Às funcionárias e aos funcionários da Coordenação do Programa de Pós-

Graduação em Educação da UFMT, Duarte, Luísa, Marisa, Marcus, por todo auxílio e

orientação.

A população brasileira, que mantém o órgão de fomento Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro

concedido ao desenvolvimento deste trabalho.

Aos meus pais, Ramozia Chaouchar, por semear um amor imensurável em meu

coração, por ser essa mulher guerreira que me ensina olhar para o outro com respeito a

diferença, e Rubêns Ferreira, cuja coragem e perseverança servem-me de exemplo.

Obrigada, acima de tudo, por terem acreditado em mim.

A minha vó materna, Fatime Said, pelo companheirismo e apoio incondicional em

todos as circunstâncias de minha vida.

Ao meu tio Fauze Chauchar, luz que orienta meu caminho, pelo incentivo que me

fortaleceu em tantas situações e por me impulsionar buscar concretizar meus sonhos e

projetos de vida.

Aos meus amores, Suzia Chaouchar, Fauze Chaouchar e Elmaza Chaouchar, por

potencializarem os meus voos e por me fazer enxergar a caminhada da vida de forma

colorida.

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A minha tia Paula Chauchar por me estender a mão quando a vida apresentou

outros contornos e me encorajar a seguir em frente. Nossa relação representa um dos

pilares que alicerça este trabalho.

As minhas tias, Samia Chaouchar e Sofia Chaouchar, pelo incentivo, alegria,

aprendizado.

Ao meu querido amigo Marcus Vinícius que nos momentos dúvidas e incertezas

me fez bailar a dança da vida de uma forma mais leve e alegre. Grata pelo

compartilhamento de experiências que auxiliam a me (re)encontrar em meus

(des)encontros.

A Naiana Marinho por ser essa mulher que inspira a todas e a todos em seu entorno

pelo seu compromisso com o coletivo. Obrigada pelas vivências partilhadas permeadas

por aprendizado, inquietações, risos e lágrimas e pela amizade valiosa. Certamente, suas

vibrações de apoio e confiança reverberaram em cada etapa da tessitura deste trabalho.

A Lélica Élis por me ensinar que comprometimento com o outro e o samba são

combinações indispensáveis a aventura da vida.

Às queridas companheiras de Mestrado, Andréia Maria, Sandra Lorenzine e

Marcela Gattass, pelo apoio recíproco que cultivamos ao longo do intercâmbio de

experiências vividas nesta jornada. Em especial a Andréia Maria pela relação de

cumplicidade constituída desde o período da graduação, na qual cada uma torce e atribui

sentido ao trabalho da outra. Grata pelo exemplo de seriedade nas atividades que exerce,

pelos momentos de alegria, reflexões, por me impulsionar frente aos desafios, pelas

agradáveis vivências durante as disciplinas, por tudo que partilhamos juntas ao longo

dessa trajetória.

A Thaisa Soares pela partilha de companheirismo, angústias, escuta sensível e por

vibrar comigo em cada momento desta pesquisa. Sua amizade foi crucial para

concretização deste ciclo.

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A Camila Rodrigues, a Maria Aguilar e ao Henrique Araujo pela hospitalidade

que me fez sentir em casa e por me ensinarem que não existe fronteiras para uma

verdadeira amizade.

A Cledione Ramos por me acolher com amor e solidariedade. Obrigada pela

amizade construída, incentivo e carinho no transcorrer desse percurso.

A Aurea Alves com que eu aprendo diariamente o valor do companheirismo e da

cumplicidade.

As minhas amigas de ontem, hoje e amanhã, Aymara Deise, Karina Suemi, Aline

Geise, Juliana Keiko, Maryelle Almeida, por me apoiarem e acreditarem em meu

potencial.

A Emanuelle Souza e ao Ávio Bernardelli pela oportunidade de compartilharmos

momentos de troca de aprendizado e alegria que guardo na memória com carinho.

A todas e a todos Outros, o meu muito obrigado!

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RESUMO

A presente investigação, fundada em uma abordagem psicossocial, propõe-se a identificar

e analisar as significações de crianças sobre a queixa escolar e suas implicações na

representação de si, segundo crianças vinculadas a uma unidade escolar da rede municipal

de ensino, situada na cidade de Cuiabá-MT. Para tanto, vinte e seis crianças foram

escutadas, dentre elas dois aprendizes anunciados com a queixa de indisciplina escolar e

vinte e quatro membros das turmas nas quais cada um deles pertencia. O pressuposto que

alicerça este trabalho compreende as crianças como atores sociais capazes de narrar as

suas próprias vivências mediante múltiplas formas de linguagens e toma o universo

escolar como espaço social privilegiado com a legitimação do reconhecimento de sua

competência e do exercício de seu direito a participação social (JENKS, 2005;

CORSARO, 2005, 2011; SARMENTO, 2007). As elaborações teórico-reflexivas tecidas

amparam-se nas aproximações entre os marcos teóricos da teoria das representações

sociais (MOSCOVICI, 1978, 2012, 2015; JODELET, 2001, 2005, 2007;

JOVCHELOVITCH, 1998, 2008; MARKOVÁ, 2006, ABRIC, 1998; ARRUDA, 2002,

2014; BAUER, 2013; DUVEEN, 1996, 2013; CASTORINA, 2013), com base em uma

abordagem ontogenética (DUVEEN; LLOYD, 2008), e a teoria histórico-cultural

(VIGOTSKI, 2000, 2009a, 2009b, 2010; PRESTES, 2010, 2013; MOLON, 1999, 2000).

Os preceitos metodológicos que orientaram o plano de geração e análise de dados

fundamentaram-se sob o princípio da plurimetodologia e da triangulação

(APOSTOLIDIS, 2006) inspirado em contornos etnográficos (ANDRÉ, 1995;

ROCKWELL, 2015; EZPELETA; ROCKWELL, 1986; EZPELETA, GEERTZ, 2008).

Foi privilegiado o procedimento de observação participante da dinâmica do cotidiano

escolar combinado com a realização da entrevista semiestruturada com os (as) partícipes.

Realizou-se a análise compreensiva dos dados produzidos por meio da adoção destas

estratégias metodológicas elucidadas. Os resultados indicam que os saberes sociais

compartilhados pelas crianças, envolvendo as vivências escolares, estão permeados por

diferentes paradigmas que tensionam o campo representacional em torno das crianças

identificadas como distantes do padrão normativo de escolarização. Observa-se a

predominância da adesão aos discursos hegemônicos centrados na tradição da cultura

escolar, enraizada em pressupostos adaptacionistas, disciplinantes e uniformizantes que

focalizam o(a) aprendiz como ser passivo e de impossibilidades. Também percebe-se, em

um nível de menor compartilhamento, a emergência de redes de significações

fundamentadas sob o princípio emancipatório, nas quais foram negociadas a

transmutação da ótica referida ao destacar a participação social da criança no desenrolar

dos vários caminhos possíveis que se delineiam no processo de ensino-aprendizagem,

tecido nos encontros dialógico com o Outro adulto e criança.

Palavras-chave: Crianças, Queixa escolar, Representação Social.

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ABSTRACT

The current investigation, based in a psycho-social approach, proposes to identify and to

analyze the children’s signification about the scholarly complain and its implication in

the self representation, according to children from a municipal school, located in Cuiabá

– MT. The conjecture that lays the foundation of this research includes children as social

actors that are able to tell their own existence through manifold forms of language and

assumes the school universe as the privileged social space to the legitimization of the

recognition of its competence and of the exercise of its right to social participation

(JENKS, 2005; CORSARO, 2005, 2011; SARMANETO, 2007). The theoretical-

reflexive elaborations built are sustained by the approximations between the theoretical

marks of the social representation theory (MOSCOVICI, 1978, 2012, 2015; JODELET,

2001, 2005, 2007; JOVCHELOVITCH, 1998, 2008; MARKOVÁ, 2006, ABRIC, 1998;

ARRUDA, 2002, 2014; BAUER, 2013; DUVEEN, 1996, 2013; CASTORINA, 2013),

based in an onto-genetic approach (DUVEEN; LLOYD, 2008), and in the historical-

cultural theory (VIGOTSKI, 2000, 2009a, 2009b, 2010; PRESTES, 2010, 2013;

MOLON, 1999, 2000). The methodological precept that oriented the plan of generation

and analysis of the data were based upon the plurimetodology principles and of

triangulation (APOSTOLIDIS, 2006) inspired by ethnographic outlines (ANDRÉ, 1995;

ROCKWELL, 2015; EZPELETA; ROCKWELL, 1986; EZPELETA, GEERTZ, 2008).

The procedure of the participant observation of the everyday dynamics was privileged

combined with the realization of semi-structured interview with the participants. It was

done a comprehensive analysis of the generated data through the adoption of these

methodological strategies elucidated. The results show that the social knowledge shared

by the children about school experience are permeated with different paradigms that

tension the representational field around the children that are identified as far from the

normative standard of schooling. It is notable the predominance of the adhesion to the

hegemonic discourses focused in the tradition of the schooling culture, rooted in

presuppositions that are adaptationists, disciplinary and uniforming which concentrate

on the learner as a passive person full of impossibilities. It is also noted that, in a lower

level of sharing, the emergence of a network of meanings founded in the emancipator

principle that tension the transmutation of the reported view highlighting the social

participation of the child in the unfolding of the various and possible ways that delineate

the teaching-learning process, guided by the dialogical encounter with the Other - adult

and child - authorizes the unveiling of the unpredictable.

Keywords: Children, scholarly complain, Social Representation.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Relação de crianças por turma, sexo e idade................................................ 56

Quadro 3: Relação de técnicas(o) por modalidade profissional, sexo e idade .............. 58

Quadro 4: Relação de pais ou responsáveis pelas crianças anunciadas com a queixa,

sexo e idade ...................................................................... Erro! Indicador não definido.

Quadro 5: Plano geral de produção e análise das informações produzidas .................. 65

Quadro 6: Relação dos procedimentos metodológicos adotados na produção de

informações .................................................................................................................... 76

Quadro 7: Relação dos procedimentos metodológicos que subsidiam a análise dos

dados gerados ................................................................................................................. 86

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Mapa da relação dos bairros do município de Cuiabá por regiões

administrativas ................................................................................................................ 90

Ilustração 2 - Mapa referente à extensão geográfica da Região Sul ............................. 90

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

CAD – Cuidadora de Aluno com Deficiência

CAPSI – Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil

Corte IDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos

GPPIN – Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LBHM – Liga Brasileira de Higiene Mental

MEC – Ministério da Educação

SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

SME – Secretaria Municipal de Educação

TALE – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

UBSs – Unidades Básicas de Saúde

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9

1. SIGNIFICAÇÕES ENTRELAÇADAS NA PRODUÇÃO DA QUEIXA

ESCOLAR ..................................................................................................................... 16

1.1 Contornos que permeiam a produção da queixa escolar ...................................... 16

1.2 O movimento higienista e seus desdobramentos na produção da queixa escolar 22

2. MARCOS TEÓRICOS EM INTERLOCUÇÃO: tecendo laços em torno dos

saberes sociais ............................................................................................................... 28

2.1 Teoria das Representações sociais: dos conceitos basilares às representações

identitárias .................................................................................................................. 29

2. 1. 1 Processos formadores e condições de emergência das representações sociais 37

2.2 Ontogênese das representações sociais: interface entre Psicologia Social e

Psicologia do Desenvolvimento ................................................................................. 40

2.3 Conhecimentos sociais em torno do desenvolvimento humano: contribuições da

abordagem histórico-cultural ...................................................................................... 42

3. CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PERCORRIDOS: trajetos de

(des)encontro(s) com o olhar das crianças ................................................................. 52

3.1 Objetivos ............................................................................................................... 52

3.1.1 Objetivo Geral ................................................................................................... 52

3.1.2 Objetivos Específicos ........................................................................................ 52

3.2 Contextualização do estudo: aspectos éticos, lócus de investigação, universo de

sujeitos participantes e período de permanência em campo ....................................... 53

3.3 Escolhas metodológicas ........................................................................................ 60

3.4 Adequações da metodologia ................................................................................. 66

3.4.1 Narrativa encorajadora ...................................................................................... 67

3.5 Plano de produção de dados ................................................................................ 76

3.6 Plano de tratamento e análise das informações .................................................... 86

3.6.1 Análise dos dados gerados por meio da observação análise compreensiva ...... 87

3.6.2 Tratamento de informações geradas nas entrevistas: análise compreensiva ... 88

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS: “o que que têm se danado, essas

pessoa que falam isso, um dia foi assim também” .................................................... 89

4.1 Caracterização do lócus de pesquisa .................................................................... 89

4.2 Negociação de saberes em torno das diferenças: “[...] diziam que o sapo não era

nada, aí ele mudou o tom da música que o sapo não era, falou que o sapo era tudo”.

.................................................................................................................................... 93

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 121

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 123

APÊNDICES ............................................................................................................... 132

APÊNDICE A – PROTOCOLO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ............... 132

APÊNDICE B – QUADRO ILUSTRATIVO DO DECURSO EM CAMPO.......... 133

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APÊNDICE C – ROTEIRO UTILIZADO NAS ENTREVISTAS COM OS(AS)

PROFISSIONAIS DA CENA ESCOLAR ............................................................... 137

APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA APRESENTADO AOS(AS)

RESPONSÁVEIS DOS APRENDIZES ANUNCIADOS COMO OBJETIVAÇÃO

DA QUEIXA ESCOLAR ......................................................................................... 139

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9

INTRODUÇÃO

[...] Há que aprender com a criança a olhar e

virar pelo avesso, a subverter, a tocar o tambor

no ritmo contrário ao da banda militar, de

maneira que as pessoas, em vez de gritar,

obedecer ou marchar, comecem a bailar.

(KRAMER, 2000, p.12-13)

Para princípio de diálogo, delineia-se uma breve contextualização do cenário

educacional brasileiro que está fundamentalmente inter-relacionada às práticas de

encaminhamento das crianças em idade escolar para os serviços públicos de saúde, devido

às possíveis dificuldades de aprendizagem e/ou comportamento em seu processo de

escolarização.

No bojo dos indicadores que retratam o ensino elementar escolar verificam-se

algumas informações relativas a momentos históricos distintos, que permitem refletir

sobre o sistema de ensino público do país. Em meados da década de 1940, estudos

apontavam que 65% das crianças de uma geração conseguiam acessar à educação básica,

deste total, 60% eram reprovadas na 1ª série do antigo curso primário. Ao longo dos

últimos cinquenta anos, o Brasil atingiu a ampliação no número de vagas, 93% das

crianças ingressaram no cenário de escolarização, no entanto 54% deste contingente eram

reprovadas na 1ª série (RIBEIRO, 1991).

Sob este contexto, ao realizarem uma pesquisa acerca da universalização do

ensino no Brasil apoiada em estatísticas censitária relativas à Contagem da População no

ano 1996 disponibilizada pelo IBGE, Ferraro e Machado (2002) verificaram que a cada

100 crianças de sete anos 11 (10,8%) não frequentavam a escola, sendo que duas

integrantes desta população já haviam vivenciado o contexto escolar, mas se encontravam

fora deste espaço de socialização. Tal aspecto evidencia que já aos sete anos a evasão

expressava algo em torno 1/5 e 1/6 do total da não frequência.

De um modo geral, com as políticas educativas de universalização do ensino

básico, houve uma expansão para 97% do acesso a este nível escolar nos anos de 1990.

Este crescimento pode ser visualizado positivamente, mas, em contrapartida, ainda gera

preocupação à medida que tende a obscurecer a focalização do processo de exclusão no

interior da escola que se revela na má qualidade de ensino oferecida às crianças, associada

aos altos índices de evasão, repetência e defasagem que continua presente no cotidiano

escolar (FERRARO; MACHADO, 2002).

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Segundo os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB)

realizado em 2003, no que concerne ao domínio da língua portuguesa entre alunos da 4ª

série, do total de alunos participantes, 18,7% apresentavam um índice tomado como

muito crítico, 36,7% nível crítico, 39,7% nível intermediário e 4,8% nível adequado. Ao

amparar-se nestas informações, constata-se que menos de 5% das crianças estavam

alfabetizadas ao final da metade do ensino fundamental (BRASIL, 2004).

O cenário de fracasso da educação brasileira também pode ser visto por meio das

informações divulgadas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),

criado no ano 2007, cujo objetivo é monitorar a qualidade educacional brasileira e orientar

as ações políticas de distribuição de recursos financeiros, tecnológicos e pedagógicos do

Ministério da Educação (MEC). Ao utilizar uma escala que varia de 0 a 10, o MEC

estabeleceu a média de 6.0 como meta a ser alcançada pelo Brasil até 2021. Todavia, o

índice de desempenho em 2007 configurou-se no valor de 4.2 para as séries iniciais do

ensino fundamental e em 3,8 para as últimas séries deste nível de ensino, já em relação

ao Ensino Médio obteve-se 3,5 (FERNANDES, 2007).

No interior dos espaços escolares, tais indicadores refletem-se no alto índice de

encaminhamento do(a) aprendiz considerado(a) como “portador(a)” de problemas

escolares para os serviços especializados de saúde. Sob este panorama, estudos fornecem

indícios de que 50% a 70% das crianças e dos adolescentes que são direcionadas às

unidades públicas de saúde, como as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Centros de

Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSIs) e as clínicas escolas dos cursos de

graduação em Psicologia, possuem como demanda queixas escolares relativas às

dificuldades de aprendizagem e comportamento na experiência de escolarização

(MACHADO, 1997).

Antemão ao prosseguimento desta interlocução, convém esclarecer que a acepção

de queixa escolar que o trabalho adota concebe como aquela que se organiza

prioritariamente em torno do processo de escolarização. Trata-se de uma faceta emergente

de uma rede de relações sociais dinâmicas que se enreda, sobretudo, pela

criança/adolescente, sua família e a escola (SOUZA, 2015). Com base nestas proposições,

o contexto desta pesquisa procura assumir o compromisso social de contribuir e ampliar

os diálogos implicados na complexidade deste fenômeno multifacetado e determinado,

com vistas a corroborar com o fortalecimento das mobilizações realizadas em prol da

transmutação da lógica hegemônica de invisibilidade social, cívica e científica da

categoria geracional infância.

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No transcorrer das linhas delineadas, o (a) leitor(a) trilhará caminhos que

conduzem aos encontros e desencontros com as perspectivas elaboradas e partilhadas por

crianças em torno de suas vivências escolares. Tais pontos de vistas revelam-se como

trajetos legítimos e coerentes com os esforços empreendidos para a emergência de novos

contornos relativos ao fenômeno psicossocial apresentado que, tradicionalmente, é

obscurecido por ser focalizado majoritariamente sob o olhar adultocêntrico.

Em face do exposto, esta pesquisa1 inspirada nas reflexões tecidas no interior

Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN), inserido no Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus

Cuiabá-MT, propõe-se a identificar e analisar as significações de crianças sobre a queixa

escolar e suas implicações na representação de si, segundo crianças vinculadas a uma

escola da rede municipal de ensino, situada na cidade de Cuiabá-MT.

Sob esta ótica, sedimenta-se em premissas que compreendem as crianças como

atores (atrizes) sociais2 competentes, capazes de narrar as suas próprias experiências

vividas mediante diferentes formas de expressão. Com efeito, o cenário escolar é tomado

enquanto espaço social privilegiado ao acesso do universo infantil e afirmação do

(re)conhecimento dos seus direitos de participação social. Tal alusão relativa à

legitimação da atuação das crianças em diferentes esferas da vida social configura-se em

um princípio fundamental à promoção de relações sociais mais justas e igualitárias,

tangenciadas por projetos emancipatórios ancorados, predominantemente, em aspectos

que desvelam a pluralidade e a diversidade intrínseca a condição humana ao possuir como

horizonte a abertura ao novo.

Diante disso, faz-se pertinente esclarecer que o comprometimento com os esforços

de se pensar as crianças em contraposição aos pressupostos que lhes concebem como

seres infans (aqueles(as) que não falam) não se constituiu, somente, como princípio

orientador do exercício investigativo. Todavia, implicou-se em uma ação política que

intenta corroborar com o processo de legitimação das significações que estas formulam e

compartilham sobre si mesmas e acerca do mundo social ao qual pertencem.

1 A presente investigação integra-se o projeto guarda-chuva, intitulado A construção do conhecimento

social por crianças, estudo sobre vivências e significações infantis, desenvolvido no interior do Grupo de

Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN). 2 Cabe destacar que a opção pela expressão atores sociais assenta-se na abordagem que defende o

reconhecimento das crianças como sujeitos ativos e de direitos que constituem sua identidade por meio das

interações sociais estabelecidas com o Outro (criança e adulto). (FERREIRA, 2008).

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Para tal, o olhar psicossocial3 sobre os conhecimentos sociais que permeiam o

objeto apresentado fundamentou-se nos laços de aproximações delineados entre os

marcos teóricos da teoria das representações sociais (MOSCOVICI, 1978, 2012, 2015;

JODELET, 2001, 2005, 2007; JOVCHELOVITCH, 1998, 2008; MARKOVÁ, 2006,

ABRIC, 1998; ARRUDA, 2002, 2014; BAUER, 2013; DUVEEN, 1996, 2013;

CASTORINA, 2013) com base em uma abordagem ontogenética deste constructo teórico

(DUVEEN; LLOYD, 2008) e a teoria histórico-cultural (VIGOTSKI, 2000, 2009a,

2009b, 2010; PRESTES, 2010, 2013; MOLON, 1999, 2000).

Ao apoiar-se nas formulações de Jovchelovitch (2008), cabe esclarecer que o

contexto da pesquisa não se propôs, somente, conhecer como os diferentes saberes sociais

coexistem e circulam nas trocas sociais engendradas em torno da produção da criança

nomeada como problema. Focalizou-se, prioritariamente na apreensão de como os novos

saberes sociais são incorporados ao tecido social escolar, dado que o objeto de

investigação enunciado apresenta, em seu bojo, aspectos que tendem a ser classificados

como não familiar, estranho e ameaçador às proposições que orientam e justificam as

práticas educativas enraizadas na tradição da cultura escolar. Antes de avançar neste

direcionamento, cabe a ressalva de que diferentes saberes podem conviver

desempenhando distintas funções e correspondendo a diferentes necessidades dos sujeitos

e dos grupos em face da realidade social.

As reflexões que permeiam o cenário de pesquisa alicerçaram-se nas nuances de

um estudo do tipo etnográfico (ANDRÉ, 1995), circunscritos com base nas acepções de

Jodelet (2007; 2015), que sugere um esquema de análise acerca da construção do objeto

de representações social ao centrar-se na sistematização de esferas de pertencimento

social. Os âmbitos deste pertencimento configuram-se de forma intercambiáveis e inter-

relacionadas entre si, contando com as dimensões trans-subjetiva, intersubjetiva e

subjetiva.

A dimensão intersubjetiva da investigação buscou enfocar nas diferentes

narrativas polissêmicas que veiculam diferentes versões da mesma narrativa e que se

forjam nos meandros das interações sociais intra e intergeracional situadas no contexto

educacional. Essas relações formam-se tanto face a face quanto com o Outro-anônimo e

3 Salienta-se que a utilização da expressão olhar psicossocial fundamenta-se nos referenciais teóricos que

alicerçam a presente a investigação, os quais permitem apreender os fenômenos sociais com base no

princípio de indissociabilidade entre sujeito e sociedade.

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nelas são produzidas e negociadas as redes de significações que se entrelaçam na

construção do objeto de conhecimento em questão.

No que tange ao campo de pertença subjetivo, considerou-se o pressuposto

fundante de que “[...] não há pensamento desencarnado [...]” (JODELET, 2007, p. 697),

cujo desvenda o caráter ilusório da dissolução entre sujeito e sociedade, ao inscrever os

(as) atores(atrizes) sociais, crianças e adultos, como partícipes ativos e criativos no mundo

social no qual se inserem e atuam em sua construção. Esta proposição trata de um ponto

importante ao refletir que as relações intersubjetivas estabelecidas com o Outro (crianças

e adultos), por intermédio das práticas comunicacionais, atuam dialeticamente na

constituição subjetiva das crianças anunciadas como objetivação da queixa escolar.

Tais colocações esboçadas conduzem à compreensão de que o reconhecimento do

Outro permite situar a subjetividade enquanto uma dimensão humana historicamente

constituída, perpassada por aspectos “[...] das emoções, dos afetos, dos sentimentos, dos

desejos, do imaginário, e dos fatores identitários. Tantos elementos formam a

subjetividade, individual e social ou coletiva, e nutrem a construção das RS” (JODELET,

2007, p. 62). Tais aspectos imbricam-se na forma como o sujeito apropria-se e constrói

os fenômenos representacionais.

Em consonância com os pressupostos supracitados, torna-se imprescindível

ressaltar que o sujeito não nasce humanizado, contudo, torna-se humano pelo seu

pertencimento aos grupos sociais inseridos em um dado contexto histórico-cultural e por

meio da incorporação deste mundo em si mesmo. Sob este prisma, considera-se a cena

escolar enquanto instância social humanizadora cujo propósito elementar configura-se na

democratização da socialização dos conhecimentos construídos historicamente pela

humanidade (ANTUNES, 2008).

Sob esta visão, utilizou-se a combinação de distintos procedimentos

metodológicos que auxiliaram na apreensão dos conhecimentos sociais construídos e

compartilhados pelas crianças em suas interações intersubjetivas que operam, por sua vez,

dialogicamente nos processos identitários destas. Quanto ao exame da esfera

intersubjetiva da investigação, constituída pela intersecção entre os elementos enredados

nas dimensões evidenciadas, embasou-se em constructos teórico-metodológicos

fundamentados em uma abordagem psicossocial acerca dos fenômenos sociais. Os

embasamentos citados ofereceram reflexões potenciais para a discussão crítica dos

conteúdos imbricados na construção social do objeto representado que se interpenetram

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por um conjunto de saberes, aspectos ideológicos e crenças construídos ao longo do

tempo em vários contextos que compõem o tecido social da sociedade.

O percurso teórico-metodológico, que orienta o plano de geração e análise das

informações, alicerça-se sob o princípio da plurimetodologia e da triangulação

(APOSTOLIDIS, 2006), inspirado em contornos etnográficos (ANDRÉ, 1995;

ROCKWELL, 2015; EZPELETA; ROCKWELL, 1986; GEERTZ, 2008) que se revelam

apropriados aos estudos de crianças (JENKS, 2005; CORSARO, 2005; 2011;

SARMENTO, 2007). Utilizou-se, no transcorrer do processo da produção de dados, os

procedimentos investigativos comumente vinculados à abordagem etnográfica, como a

observação participante (ANDRÉ, 1995; EZPELETA; ROCKWELL, 1986) das trocas

sociais partilhadas no cotiando escolar, combinada com a realização de entrevistas

semiestruturadas (ANDRÉ, 1995; LÜDKE; ANDRÉ, 1986) junto aos(as) partícipes

crianças (dois aprendizes anunciados com a queixa escolar e vinte e seis membros das

turmas nas quais cada um deles está inserido).

Ressalta-se que o roteiro lúdico elaborado para a promoção das entrevistas com

(os) as partícipes crianças foi adequado às particularidades das investigações realizadas

com crianças. Para tal, amparou-se em diferentes técnicas metodológicas, como utilização

de narrativa encorajadora (ANDRADE, 2017) e rotas imaginárias (ANDRADE, 2007).

Este primeiro recurso citado sustentou-se nos estudos teóricos sobre narrativas

(BRUNER, 1997, 2001, 2014; JOVCHELOVIT7CH; BAUER, 2002;

JOVCHELOVITCH; HERNÁNDEZ; GLĂVEANU, 2017; BROCKMEIER; HARRÉ,

2003; KISHIMOTO; SANTOS; BASÍLIO, 2007), que auxiliam na compreensão desta

modalidade discursiva como instrumento psicológico potencializador da aprendizagem e

do desenvolvimento humano.

Quanto aos dados gerados mediante a observação participante e às informações

provenientes das técnicas de narrativa encorajadora (ANDRADE, 2017), rotas

imaginárias (2007) e das demais questões relativas às entrevistas efetuadas junto aos(as)

partícipes, estes foram transcritos e analisados compreensivamente por meio do

delineamento de episódios interpretativos.

O corpo da pesquisa organizou-se em quatro capítulos, a saber:

No primeiro capítulo, abordam-se os conhecimentos socialmente partilhados em

torno da construção social da criança problema em sua experiência de escolarização,

sedimentado em uma leitura crítica acerca deste fenômeno psicossocial (BOARINI, 2012;

COLLARES; MOYSÉS, 2011, CRUZ, 2011; FEITOZA, 2012; GUARIDO, 2011;

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MACHADO, 1997; MELLO, 2002; PATTO, 1993; SOUZA, 2015; SOUZA, 1997, 2010,

2015; TULESKI; EIDT, 2007; ZÁNELLA, 2014).

O segundo capítulo propõe-se a elucidar pontos de aproximações entre os aportes

teóricos da teoria das representações sociais proposta por Moscovi (1978, 2012, 2015),

em uma abordagem ontogenética (DUVEEN; LLOYD, 2008), e a teoria histórico-cultural

formulada por Vigotski (2000, 2009a, 2009b, 2010).

No terceiro capítulo, explicita-se o decurso metodológico percorrido nos trajetos

de (des)encontro(s) com o olhar das crianças. Inicialmente, apresenta o objetivo geral e

os objetivos específicos propostos, em seguida, abordam-se os aspectos éticos implicados

na pesquisa com seres humanos, explana-se brevemente acerca da contextualização do

lócus de pesquisa, o universo de sujeitos participantes e o período de permanência em

campo. Por fim, elucida-se o plano de geração, processamento e tratamento das

informações.

No quarto capítulo, esboça-se à apresentação e análise das informações

produzidas no transcorrer da investigação. Inicialmente, dedica-se em evidenciar uma

breve contextualização dos sujeitos partícipes e lócus investigado. Posteriormente,

apresenta-se as significações enredadas na produção da queixa escolar.

Por fim, o último capítulo dedica-se a expor os fios que teceram os significados

das crianças sobre a complexidade do processo de produção da queixa escolar.

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1. SIGNIFICAÇÕES ENTRELAÇADAS NA PRODUÇÃO DA QUEIXA

ESCOLAR

No delinear deste capítulo, será apresentado ao(à) leitor(a) os saberes sociais

engendrados no processo de constituição do objeto representação, os quais foram tomados

como pontos de referência para análise das redes de relações que se configuram na

produção da queixa escolar.

1.1 Contornos que permeiam a produção da queixa escolar

No sistema educacional brasileiro, cotidianamente, configura-se de forma

recorrente os encaminhamentos de crianças em idade escolar anunciadas com

dificuldades de aprendizagem e(ou) comportamento na experiência de escolarização para

serviços especializados, sobretudo, do campo da saúde, por estas destoarem do modelo

normativo que orienta os saberes e as práticas educacionais escolares (SOUZA, 2015).

Esta enunciação, presente e partilhada nas vivências escolares, inscreve-se na

produção da queixa escolar (SOUZA, 2010), que se caracteriza por um conjunto de

relações intersubjetivas enredadas na escola, constituídas em empecilhos de distintas

facetas que são refletidos no encaminhamento do(a) aluno(a) que supostamente não

aprende – por parte de diferentes atores(atrizes) sociais, professores(as),

coordenadores(as), gestores(as) pedagógicos(as), pais ou responsáveis – para instâncias

extraescolares, principalmente, vinculadas ao campo da saúde (SOUZA, 2015).

As premissas sinalizadas anteriormente convergem com as formulações tecidas

por Silvares (1989 apud SOUZA, 1997) que, ao realizar o levantamento do perfil das

queixas presentes nos prontuários da Clínica Escola do Instituto de Psicologia da

Universidade de São Paulo (USP), verificou que os principais motivos de

encaminhamentos de crianças e adolescentes para este serviço concernem ao mau

desempenho escolar (41%), aos problemas de comportamento associados à agressividade

ou brigas (28%) e às dificuldades de fala (25%).

Diante disso, destaca-se que a complexidade das questões imbricadas na trama

educacional está sendo abordada e apreendida sob o prisma da individualização dos

fenômenos sociais (FARR, 2013), enraizado na naturalização dos condicionantes

histórico e cultural. Tal processo, por sua vez, possui como um de seus desdobramentos

a atribuição do não aprender das crianças, à medida que se situa nelas a causa interna dos

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problemas de aprendizagem e conduta e, por esta via, os aspectos intrapsíquicos ou

orgânicos acabam por justificar o não aprender (SOUZA, 2015).

Segundo Souza (2010), as explicações que perpassam as queixas escolares, ao

centrarem-se prioritariamente na criança a responsabilização pelas dificuldades de

aprendizagem, caracterizam-se em uma análise superficial e reducionista da

complexidade deste fenômeno que é de ordem eminentemente social. Esta percepção, por

sua vez, enreda-se em pressupostos individualizantes ancorados na crença de que o sujeito

é o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso na sociedade (MACHADO, 1997;

SOUZA, 2015, SOUZA, 1997, 2010; 2015, CABRAL; SAWAYA, 2001).

Sob este prisma, a criança, ao se diferenciar das expectativas partilhadas pelos

adultos no espaço de socialização escolar, tende a ser compreendida com base em redes

de significados perpassadas por valores e normas, fundadas em pressupostos que analisam

os fenômenos sociais enfocando-se na constituição biológica e psicológica de cada sujeito

ou na dinâmica familiar na qual pertence, desvinculados do contexto histórico e cultural

no qual o fracasso escolar revelou-se.

As significações explicitadas acima sustentam-se nas premissas de que em uma

sociedade capitalista existe igualdade de oportunidades entre os indivíduos (PATTO,

1993). Estes pressupostos enraizados nos ideais da revolução francesa configuraram-se

em um princípio ideológico que corrobora por legitimar a camuflagem das contradições

enredadas na realidade social, ao fornecer elementos que auxiliam os sujeitos

interpretarem as desigualdades sociais inerentes ao sistema capitalista como fenômenos

naturais, isolados e a-históricos (MACHADO, 1997).

Com base nestas considerações, os aspectos referentes às experiências escolares,

tais como comportamentos não aceitos socialmente, conquistas do desenvolvimento do

aprendiz que não ocorrem no período estipulado, os desempenhos escolares que não

atingem os parâmetros normativos e prescritivos impostos são descolados de seus

contextos de produção, com base em pressuposições que ignoram os determinantes

sociais, históricos, culturais, as políticas educacionais que lhes perpassam, ao se

reduzirem em explicações que focalizam o não aprendizado nas diferenças individuais

(SOUZA, 2010).

Neste cenário, uma prática que tem atingido parcela da sociedade é o crescimento

exponencial nas últimas décadas de diagnósticos relativos aos nomeados “distúrbios” e

“transtornos” de aprendizagem, dentre eles, a dislexia e o Transtorno de Déficit de

Atenção (TDAH), entre crianças e adolescentes em processo de escolarização. Tal

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abordagem hegemônica naturalizante, calca-se na visão universal e a-histórica que

condiciona a realidade biopsicossocial a fatores intrasubjetivos e, consequentemente,

subsidia a exclusão destes(as) atores(atrizes) sociais do espaço escolar (GUARIDO,

2011).

Sob esta via de pensamento, Cruz (2011) destaca a importância de se pensar nas

implicações acerca dos elevados números de diagnósticos que respaldam a identificação

de problemas de aprendizagem e de adequação escolar por parte de crianças e

adolescentes e os seus desdobramentos nas vidas destes sujeito que passam a ser vistos

apenas como doentes que devem ser tratados sob o uso de medicamentos. A referida

autora (2011, p. 17), por sua vez, assinala que “[...] é inegável que a ‘nova’ psiquiatria

instrumentada pela farmacologia e pela neurociência vem ganhando força e legitimação

social no trato com os sintomas considerados antissociais ou indicativos de uma nova

‘doença’”.

Sob esta via de pensamento, faz-se necessário problematizar os pressupostos

subjacentes à medicalização da infância e da adolescência escolarizada, que embasam as

supostas disfunções de aprendizagem e (ou) comportamento, fundadas em pressuposições

individualizantes que legitimam e justificam a culpabilização dos aprendizes pelo “seu”

fracasso. Vale salientar que a nomeação de medicalização refere-se “[...] ao processo de

conferir uma aparência de problema de saúde a questões de outra natureza, geralmente de

natureza social” (COLLARES; MOYSÉS, 2001, p. 9). Com base nesta premissa, pode-

se salientar que se o objeto de estudo da medicina foi, até certo momento histórico, quase

que exclusivo a investigação de doenças, medicalizar um fenômeno ou uma situação

apresentam por consequência a sua patologização (GUARIDO, 2011).

Sob esta ótica, percebe-se que houve um aumento expressivo nas últimas décadas

de crianças e adolescentes que são submetidos a exames e testes que, mesmo

questionáveis, confirmam supostas deficiências de aprendizagem destes. Com efeito, a

medicalização é visualizada como uma forma de tratamento e, sob este prisma, recai ao

sujeito a responsabilização pela sua incapacidade de aprendizagem. Haja visto que ter

dificuldades em leitura e escrita não são mais interrogadas a questões que se referem à

instituição escolar, às políticas pedagógicas, às metodologias de ensino e às condições de

aprendizagem e de escolarização propiciada a estes educandos(as), à medida que não se

trata de uma instituição escolar que não atende as intituladas dificuldades de seus (suas)

aprendizes, mas de uma instituição educacional “vítima” de educandos(as) que não são

adequados(as) ao processo de escolarização (COLLARES; MOYSÉS, 2011).

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Em face deste cenário, vários pesquisadores compreendem a complexidade da

produção da queixa escolar como processo complexo e multideterminado, ao sustentar-

se em pressuposições que consideram as redes de relações intersubjetivas forjadas entre

os profissionais atuantes na cena escolar, a criança aprendiz e sua família, imbricadas por

políticas educacionais específicas, situadas em um dado contexto histórico e cultural. Sob

este viés, questiona-se a maneira direta e intensa que o processo de medicalização vem

acometendo o aprendiz anunciado como problema em sua experiência escolar, uma vez

que está individualizando-se os problemas sociais, como também não está sendo levada

em consideração a subjetividade de cada indivíduo que está enfocado como portador de

distúrbio ou problema, o que consiste em naturalizar as desigualdades socialmente

produzidas e considerar que sua origem está naquilo que é exclusivo de cada indivíduo,

tratando diferenças individuais e desigualdades sociais como se fossem causa e

consequência (COLLARES; MOYSÉS, 2011).

Dessa forma, muitos autores contribuem para uma reflexão que problematiza as

interpretações biologizantes de problemas sociais, uma vez que classificadas como

“doentes” as pessoas tornam-se “pacientes” e consequentemente “consumidoras” de

tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam o seu próprio corpo na mira dos

problemas que, na lógica medicalizante, devem ser sanados individualmente. Ao invés da

abordagem medicalizante predominante, estes estudiosos interpretam e analisam as

problemáticas sociais, a exemplo o processo de escolarização, pelo viés da

fundamentação em métodos científicos adequados a complexidade dos fenômenos

sociais; ao contrapor as metodologias da área médica que compreendem os problemas

educacionais como decorrentes de patologias que podem ser resolvidas pela medicina,

assim, cria-se uma expansão da demanda por seus serviços, ampliando o uso da

medicação, que no campo educacional assumiu diversas facetas tanto no passado como

no presente, alicerçadas por preconceitos racistas travestidos de ciência (COLLARES;

MOYSÉS, 2011).

Nessa perspectiva, um dos empecilhos a ruptura da lógica de medicalização da

educação traduz-se na renovação dos termos dos identificados distúrbios de

aprendizagem no decorrer do processo histórico, visto que, a cada nomeação do suposto

distúrbio, a corrente medicalizante recebe adeptos e ignora novamente a crítica

estabelecida socialmente. Tal assunção pode parecer estranha à primeira vista, contudo,

faz-se recorrente nesse meio o fato das indústrias dos diagnósticos e dessas deficiências

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trabalharem de forma criativa quanto à conceituação de tais doenças, inovando na maneira

de referir-se a um mesmo diagnóstico. (COLLARES; MOYSÉS, 2011).

Os diagnósticos respondem a muitas das angústias de pais e professores que

desconsideram a própria participação no “fracasso” ou sucesso da vida escolar de suas

crianças. Nesse cenário, a lógica da medicalização que promete consertar o “problema”

torna-se a esperança para a cura, o que explica a adesão a tal discurso, e, por consequência,

o aumento abusivo no consumo de tais psicofármacos nas últimas décadas, que corrobora

para que a indústria farmacêutica seja uma das mais lucrativas do mundo, assim, nota-se

uma expressiva via de legitimação da ideia de que as crianças que apresentam

dificuldades escolares são, na verdade, acometidas por doenças. (COLLARES;

MOYSÉS, 2011).

Desse modo, a crítica da medicalização da vida é o foco central dos estudos de

Colares e Moysés (2011) e mais especificamente como esse processo interfere na vida de

crianças e adolescentes que são medicalizados na educação com base na identificada

invenção das doenças do não aprender que desconsidera que há distintas formas de

aprendizagem, ao tomar-se como referência o padrão uniforme e homogêneo de

“normalidade”. Em face disso, as autoras (2011) promoveram uma investigação desde as

pesquisas pioneiras ao que hoje conhecemos por dislexia e TDAH para explicar que esse

processo de focalizar a medicalização da vida é prejudicial à vida dos sujeitos.

Colares e Moysés (2011), por sua vez, percorreram os oitenta e oito anos de

pesquisa sobre as “doenças do não aprender’’, com base nos estudos de Hinshelwood,

Strauss, Orton e Bradley, que levaram, direta e indiretamente, ao surgimento do

“glamoroso’’ TDAH, em 1984, nos Estados Unidos, pela Academia Americana de

Psiquiatria. Inicialmente este foi identificado com o nome de ADD (Attention Deficit

Disorders), sob a premissa de que o defeito4 localizava-se na área de atenção e

hiperatividade. Mais tarde, o termo distúrbio (disorders) foi traduzido, no Brasil, como

transtorno. Durante a análise de tais estudos, as autoras ressaltam o quão as pesquisas,

sucessivamente, eram incapazes de apontar elementos que comprovassem a existência de

doenças neurológicas aliadas à dificuldade de aprendizagem e, ao contrário deste viés,

destacavam mais ainda que, se houvesse “disfunção’’, ela era de ordem pedagógica. No

decorrer desta discussão, elas realizam uma problematização também sobre a forma como

4 Antes o termo usado era Disfunção Cerebral Mínima (DCM), cunhado em 1962, em Oxford. Foi

considerado como um diagnóstico com critérios vagos, subjetivos e confusos (COLLARES; MOYSÉS,

2011, p. 78).

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as investigações foram realizadas, apontando para o método falho, como justificar que

uma doença neurológica compromete a leitura, sendo esta diagnosticada somente pela

leitura, no caso da Dislexia.

Com o advento tecnológico, as discussões médicas apenas sofisticaram a maneira

de tratar as doenças neurológicas, que, em última instância, eram a mesma coisa: a

biologização dos fenômenos psicossociais. Na década de sessenta, houve tentativas de

justificar geneticamente os transtornos de aprendizagem, tratando os comportamentos

como possibilidades inerentes ao sujeito. Ainda com o avanço tecnológico, o uso da

neuroimagem veio a calhar para detectar doenças, a qual torna qualquer diagnóstico

possível. Até certo ponto da análise, as autoras voltam a afirmar que não negam que exista

a possibilidade de doenças neurológicas afetarem a aprendizagem, mas questionam a

forma como tais pressuposições têm se tornado as respostas para todas as dificuldades de

aprendizagem (COLLARES; MOYSÉS, 2011).

Dessa forma, sob esta linha de pensamento, fundamenta-se também a crítica às

indústrias farmacêuticas, enfocadas como “vendedoras de doenças’’. Diante disso, as

autoras esboçam argumentos contundentes em relação ao aumento significativo da venda

de remédios, em várias partes do mundo, como a Ritalina®, que em 2008 chegou a 2

milhões de caixas vendidas no Brasil, e que é usada no tratamento de TDAH. É cabível

ponderar qual é a necessidade de transformar em doença os processos singulares de

aprendizagem dos indivíduos, e a quem isso interessa. Em contraposição a este prisma,

Tuleski e Eidt (2007) sublinham que:

[...] Distúrbios/dificuldades de aprendizagem precisam ser datados –

analisados a partir das condições sociais e econômicas de uma determinada

época histórica – e compreendidos no interior da sociedade em que se

desenvolvem. Deste modo, é de fundamental importância analisarmos a

qualidade das mediações estabelecidas em diferentes contextos sociais (como

a família e a escola), considerando que o esfacelamento das relações entre os

indivíduos ser tornou uma característica da pós-modernidade, na qual se

verifica o surgimento de verdadeiras epidemias de desordem de aprendizagem

(TULESKI, EIDT, 2007, p.538-539).

Com base nas considerações delineadas, esboçou-se uma reflexão acerca do

processo de escolarização que se engendra por dimensões simbólicas, políticas,

econômicas e sociais, as quais permeiam as significações e implicações identitárias das

crianças aprendizes anunciadas com queixa escolar e atuam na constituição subjetiva

destas. Portanto, é necessário que a produção da queixa escolar seja apreendida em sua

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complexidade e contradições, em contraposição às visões reducionistas, dicotômicas,

naturalizantes e a-histórica, acerca deste fenômeno psicossocial.

1.2 O movimento higienista e seus desdobramentos na produção da queixa escolar

Neste tópico, esboçam-se as implicações do movimento de higiene mental nas

práticas educacionais atuais que atravessam a construção do aprendiz focalizado como

dificuldades no processo de escolarização, com base nas formulações de Boarini (2012),

Feitoza, 2012, Mello (2002), Ribeiro (2006), e Zanélla (2014).

De acordo com Boarini (2012), na primeira metade do século XX, o Brasil estava

inserido no contexto de expansão do capital, no qual a crescente influência estrangeira

desdobrou-se em transformações no processo de industrialização e comercialização, que

promoveram alterações no espaço urbano-industrial, como o crescimento descontrolado

dos centros urbanos em que se migravam milhares de trabalhadores advindos do campo

em busca de emprego.

A sociedade brasileira não apresentava uma infraestrutura adequada para atender

essa aglomeração de pessoas recém-urbanizadas, dado que as condições de moradia e

trabalho eram insalubres, o que favoreceu a disseminação de enfermidades

infectocontagiosas em massa, tais como a manifestação de epidemias de varíola, febres

intermitentes, gripe, dentre outras. Diante do cenário de altos índices de mortalidade

infantil e de precárias condições de saúde, emergiram pressuposições que defendiam o

desenvolvimento de políticas públicas voltadas à higienização.

Nesse momento, os governantes republicanos estavam interessados no

desenvolvimento de sociedade moderna, civilizada e democrática. O lema capitalista

difundido no Brasil era que “[...] O trabalho ‘dignificaria o homem’, traria bem-estar

material ao indivíduo e progresso para a nação” (BOARINI, 2012, p. 27). Para tal, em

busca da modernidade, o estado brasileiro implantou uma política de higienização dos

espaços e dos corpos, em prol de uma nação desenvolvida e civilizada, aspirada pelos

segmentos representativos da classe dominante fundamentada nos ideais de modernidade

das nações europeias.

Com vistas a atender a esse novo projeto social, fez-se necessário o

encaminhamento de uma política de controle higiênico que tinha como objetivo aumentar

o número de cidadãos sadios e convencidos de que o trabalho era o meio de cura e

instrumento civilizatório. Seguindo esse pressuposto, o movimento higienista expressou

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o pensamento de uma parte da elite dominante que queria modernizar o país. Em

conformidade com o ideário higienista, não era possível constituir-se uma grande nação

com uma raça inferior, formada pela miscigenação racial como se desvela no cenário

brasileiro.

Conforme Boarini (2012), as preocupações higienistas evitariam que os bons

costumes e a moral fossem dissolvidos do tecido social, de modo que a educação baseada

em ideais de nobreza e justiça seria o pilar responsável pela existência de sociedades

desenvolvidas. Sob esta ótica, os principais articuladores do movimento higienista,

alicerçados pelo avanço científico daquele período propiciado pelo desenvolvimento da

ciência da natureza, tomaram para si a função de proteger higienicamente a

desorganização social e o mau funcionamento da sociedade que eram as causas das

enfermidades.

Neste cenário, o movimento de higiene mental no Brasil, incorporado inicialmente

pelos médicos e militares e posteriormente transformado em uma ação em saúde e

educação amplamente difundida no país, preconizou o ideário de que as mazelas humanas

seriam um problema de higiene que, se fosse solucionado, extinguiriam as misérias

humanas. Com isto, as estratégias higienistas direcionavam-se, sobretudo, às famílias de

baixa renda, a partir do ensinamento de medidas que seriam responsáveis pela saúde física

e mental, corrigindo defeitos e desvios para proporcionar uma mentalidade equilibrada,

de modo a promover o futuro da nação.

Os princípios de higiene mental defendiam um modelo de sujeito e, com efeito,

de família, que como todo “desvio” precisaria ser corrigido e disciplinado. Tal concepção

da configuração familiar era concebida sem levar em conta as situações reais vivenciadas

pela população que seria alvo dessas intervenções, o que denuncia as contradições de uma

classe dominante, impondo padrões de conduta às classes pobres. Sob esta linha

argumentativa, tornou-se comum veicular na literatura especializada o pressuposto de que

as populações migrantes e, de um modo mais amplo, as camadas mais pobres da

população urbana, que se concentram em bairros populares da periferia ou nas favelas e

cortiços mais centrais, padecem de uma desorganização familiar acentuada. Segundo esse

prisma, haveria uma família organizada, padrão de ordem e harmonia e, partindo dessa

forma de organização, um continuum ao longo do qual se situariam as formas de

desorganização mais ou menos severas (MELLO, 2002, p. 56).

Deste modo, havia um padrão normativo de família, tomado como referência, que

serviria para detectar os desvios, dado que foram considerados como modelos ideológicos

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utilizados para respaldar o estigma e a criminalização de uma classe social específica, de

modo que a desorganização familiar é vista também como fonte de violência, do

abandono de crianças e da marginalidade da juventude, isto é, a família é a responsável

pelo que é focalizado como o fracasso moral de seus integrantes.

Os higienistas fundamentavam-se no pressuposto de que a família tanto no seu

aspecto físico como mental deveria ser alvo das políticas públicas, as quais ambicionavam

transformar hábitos e atitudes das populações urbanas, a fim de adaptá-las às necessidades

da ordem burguesa. Nesse contexto, a família de classe popular que não se assemelha ao

padrão normativo de estrutura da dinâmica familiar nuclear relativa ao modelo burguês,

de forma muito clara, tornou-se alvo de rótulos e estigmas que persistem nos dias atuais.

“[...] Seus membros adultos são ‘desqualificados culturalmente’. Suas funções essenciais

de socialização são responsáveis pela geração de ‘personalidades deformadas’, ou seja,

inaceitáveis, capazes de cometer as mais bárbaras atrocidades” (MELLO, 2002, p. 52).

Para alcançar esses objetivos, os princípios higienistas passam a ser aplicados na

educação escolar, tomada como redentora e principal via capaz e responsável por

promover o aculturamento da população brasileira, que seria uma sociedade possuidora

de costumes, pois estes promoviam o atraso e eram resquícios do Brasil-Colônia e

escravista. Portanto, a educação moral é implantada com vistas a atender ao projeto

político de moralização e regeneração proposta para a população brasileira.

De acordo com o ideário higienista difundido naquele período, era necessário

realizar intervenções baseadas na prevenção do desajustamento social e psíquico. Os

higienistas realizavam intervenções nos corpos e nas camadas populares, seja pela

imposição aos cidadãos de normas familiares baseadas em preceitos burgueses, seja pela

apropriação da infância pelo saber médico, seja pela expansão de instituições com

objetivos disciplinares, tais como: hospícios, escolas e reformatórios, com o intuito de

automatizar as boas normas de conduta para segurar a saúde da população. Diante desse

contexto, Boarini (2012, p. 28) assinala que “[...] os cuidados com a higiene, com o

vestuário, com os exercícios físicos, com a alimentação, com a amamentação pela mãe

biológica etc. era a ordem do dia no trato com a criança”.

Sob este processo, a infância passa a ser uma categoria social enaltecida e

privilegiada para a aplicação das intervenções de higiene mental, incutindo hábitos sadios

e condutas adequadas que auxiliariam a conter os altos índices de mortalidade infantil.

Contudo, destaca-se que as crianças de classes subalternas, mesmo que ultrapassassem a

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barreira da morte, comumente eram forjadas a vivenciarem o mundo do trabalho ou a

circunstância de abandono.

Vale destacar que a preocupação do ideário higienista, no que concerne a

formação moral, física e intelectual das crianças, era alicerçada por inúmeras teses das

faculdades de medicina. Nesse viés, os higienistas estabeleciam normas e regras no

preparo e aperfeiçoamento dos futuros “homens da sociedade” por meio de pressupostos

pautados na disciplina, ordem, no controle da sexualidade com base no saber médico.

Segundo os princípios do ideário higienista, a educação moral poderia intervir na

formação da criança, de modo a garantir um adulto moralmente saudável e adaptável.

Nesse contexto, o cuidado com a criança era enaltecido, a LBHM buscava “[...] entendê-

las, testá-las e preparar as sadias para o futuro, enquanto as doenças seriam depuradas e

confinadas em escolas especiais” (WANDERBROOCK JÚNIOR, apud FEITOZA, 2012,

p. 96).

Os higienistas compreendiam que a educação escolar iria redimir as

“degenerações sociais” da população brasileira e, sob esta ótica, o espaço escolar

atenderia ao objetivo de propiciar a difusão dos modos de vidas das nações europeia e

norte-americana. Zanélla (2014) menciona que as leituras preliminares das publicações

relativas à LBHM indicam que as preocupações relacionadas à saúde mental na infância

emergiram, em sua maior parte, vinculadas ao contexto educacional. Os serviços de

atendimentos começaram a ser organizados para o atendimento da criança que não

aprendia.

Em diálogo com tais proposições, Boarini (2012) destaca que “[...] os espaços

escolares quanto às cidades deveriam ser esquadrinhados para atender o projeto político

de moralização e regeneração da população brasileira, que trazia os ‘velhos’ e

‘inadequados’ costumes do Brasil-Colônia” (BOARINI, 2012, p. 33). Sob esta linha

argumentativa, as escolas tomadas como local de ensino-aprendizagem e, com efeito,

também da higiene, deveriam fundamentar as práticas educacionais com base em

pressupostos que fortaleceriam a defesa social contra as patologias, a pobreza e o vício.

Por suas palavras,

Imbuídos dos padrões de racionalidade do universo escolar, nada escapou aos

higienistas. Tanto a arquitetura, o mobiliário e o ensino propriamente dito,

quanto o controle da saúde física e do comportamento social, intelectual e

psíquico de cada aluno, constituíram-se em preocupações médicas de caráter

higienista (BOARINI, 2012, p.33).

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Diante disso, a partir de um projeto de controle social a serviço da

institucionalização de modos de pensar e de agir, surgiram novas instituições que

cumpriam uma função de ordem social e política que contribuiu para legitimar o

preconceito contra famílias de baixa renda. Sob esta perspectiva, os espaços escolares e

as novas instituições emergiram com a função de atender ao projeto político de

regeneração e moralização da população brasileira, a higiene mental das crianças era um

importante objetivo a ser alcançado. Nesse viés, a criança passou a ser vigiada em busca

dos mínimos detalhes de “desajustamento”.

Neste cenário existia a crença de que o conhecimento oferecido pelas ciências

orientaria o caminho que deveria ser trilhado para se construir uma nação sadia e

moderna. Diane disso, a presença do saber da psicologia, principalmente, o ramo da

psicometria, foi um recurso muito valorizado e empregado pelo movimento de higiene

mental em ações voltadas para o alcance de um novo padrão escolar. Assim, qualquer

estudante fora do padrão pré-estabelecido pelos instrumentos e técnicas de metrificação

passava a ser visualizado como um problema em potencial. Sob este viés, Boarini (2012)

sublinha:

Apropriando-se de conceitos básicos do Evolucionismo, tais como “variação”,

“seleção” e “adaptação”, e dos métodos das ciências exatas – a estatística, por

exemplo, a Psicologia criou os testes psicológicos que prometiam medir em

quantidade as diferenças individuais o que fez dela uma importante parceira na

causa higienista (BOARINI, 2012, p. 36).

É importante reiterar que os testes psicológicos naquele período eram aplicados

por professores treinados, os quais eram nomeados de psicologistas, dado que a psicologia

foi reconhecida como profissão no Brasil quando foi implementada a Lei n°4119 no ano

de 1962. Em face desta perspectiva, a Escola Normal e as instituições profissionalizantes

são implantadas para a formação cidadã, preparando as crianças e os jovens para serem

inseridos ao mercado de trabalho, pois assim seriam protegidos da marginalidade e das

mazelas sociais responsáveis por desregrar a vida e a moralidade humana. Há, portanto,

o enaltecimento da criança e do jovem trabalhador, porém as condições de trabalho e a

jornada exaustiva não eram questões apontadas como possíveis problemas, cujas

consequências eram as rupturas sociais, dado que, por pertencerem principalmente às

classes populares, eram consideradas responsáveis pela imoralidade e marginalidade, o

trabalho e moralização dos corpos e mentes eram apresentados como a única via para que

a ordem social fosse reestabelecida e garantida nas gerações futuras.

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Com base nestas colocações, torna-se necessário considerar que a produção da

queixa escolar possui suas raízes no movimento de higiene mental, o qual nos dias atuais

reflete-se em ações que justificam o ajustamento dos problemas escolares produzidos

coletivamente, face a lógica de naturalização dos fenômenos sociais, implicando-se na

ótica que concebe o sujeito como o responsável pelo seu fracasso escolar.

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2. MARCOS TEÓRICOS EM INTERLOCUÇÃO: tecendo laços em torno dos

saberes sociais

No decurso deste capítulo, será explicitado aos(as) leitores(as) os contornos

teóricos que perfazem a fecundidade das aproximações entre os marcos referenciais da

teoria das representações sociais formulada por Moscovici (1978, 2012, 2015), com base

em uma abordagem ontogenética deste alicerce teórico, e a teoria histórico-cultural

elaborada por Vigotski (2000, 2009a, 2009b, 2010). O exercício do diálogo proposto

buscou oferecer elementos que auxiliam a compreensão da complexidade do fenômeno

psicossocial investigado.

Antemão ao prosseguimento dos laços teóricos propostos, se faz imprescindível

mencionar um dos fios que lhes enredam, mesmo que de forma sintética. O aporte teórico

postulado por Moscovici (1978, 2012, 2015) se fundamenta na compreensão de que o

sujeito se inscreve epistemologicamente nos estudos dos fenômenos representacionais à

luz dos processos de interação social, forjados no interior dos grupos sociais de pertença

situados em um contexto histórico e cultural específico. Por outro ângulo, Vigotski (2000,

2009a, 2009b, 2010) enfoca a constituição do sujeito na relação que este estabelece com

o meio, ao conceber que toda vivência humana é circunscrita no meio social e, em um

processo dialético, o sujeito se torna um ser social situado historicamente em uma dada

cultura.

Com base na perspectiva da ontogênese das representações sociais, Castorina

(2013), por sua vez, inspirado em mobilizar esforços que agenciem pontos de encontros

envolvendo a Psicologia Social e a Psicologia do Desenvolvimento, inscreveu alguns

elementos que subsidiam o contexto desta investigação: (1) ambos constructos teóricos

enraízam-se em aspectos das representações coletivas; (2) estas abordagens teóricas se

inserem no debate contemporâneo concernente às vinculações históricas entre os sujeitos

e a cultura; (3) tanto uma abordagem quanto a outra promovem aproximações na

concepção de sentido comum e nas relações entre o nomeado “senso” comum e o

conhecimento científico; (4) a problematização do caráter social da vida psíquica e

indagação de como são produzidos os fenômenos subjetivos no processo de apropriação

cultural fazem parte de ambos âmbitos de estudo; e (5) Por fim, tanto a psicologia social

quanto a psicologia do desenvolvimento lançam mão da utilização de um marco

epistêmico fundado em um viés dialético dos fenômenos sociais.

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Face a tais colocações, é profícuo ressaltar que não se intentou simplesmente

transpor um constructo teórico em relação ao outro, mesmo porque estes apresentam suas

particularidades e devem ser focalizados de forma contextualizada na historicidade de sua

formulação, mas, procurou-se, sobretudo, refleti-los, reciprocamente, com vistas a

constituir um olhar psicossocial das significações que permeiam as vivências escolares

das crianças objetivadas com o anúncio da queixa escolar.

2.1 Teoria das Representações sociais: dos conceitos basilares às representações

identitárias

A teoria das representações sociais5 foi inaugurada por Serge Moscovici, em Paris,

mediante a publicação da sua tese de doutorado intitulada “A Psicanálise, sua imagem e

seu público” (La Psychanalyse: Son image et son public), no ano de 1961. Seu trabalho

foi incorporado ao cenário brasileiro em 1978, traduzido sob o título de A Representação

Social da Psicanálise (1978), cuja finalidade se configurava em apreender como a

Psicanálise era apropriada por distintos grupos sociais constituintes do contexto francês

(MOSCOVICI, 2015). Com base neste estudo, o autor apresenta formulações conceituais

referentes às representações coletivas propostas por Durkheim, e diferencia-se destas em

virtude do seu interesse em investigar a qualidade dinâmica das representações, ao

explorar a pluralidade e plasticidade das ideias coletivas características das sociedades

modernas (CASTORINA, 2013).

Ao inscrever as representações sociais como constructo teórico pertencente a

Psicologia Social, Moscovici (2015) propõe tecer rupturas aos paradigmas

comportamentalista norte-americanos que permeavam este campo de conhecimento, ao

defender o enfoque psicossocial calcado na relação indissociável entre indivíduo e

sociedade. Segundo as alusões de Moscovici (1969, apud ABRIC,1998), “[...] não existe

5 Cabe destacar que tal referencial teórico engendra-se por três diferentes abordagens propostas por

colaboradores(as), os(as) quais investigam as representações sociais mediante pressuposições específicas

que são interpenetráveis, tal como, a abordagem dimensional ou processual esboçada por Jodelet (2001,

2005, 2007); a vertente estruturalista defendida por Jean Claude Abric (1998 ) e o viés sociológico

formulado por Wilhem Doise (1986 apud ARRUDA, 2002). No contexto de pesquisa, adotou-se abordagem

empreendida por Jodelet (2001, 2005, 2007), que se caracteriza por aspectos dimensionais ao abranger as

facetas das representacionais sociais – o campo estruturado, a atitude que lhe é permeada, o caráter afetivo

e o componente de informação constituinte. Quanto ao cunho processual inter-relacionado, este se revela

pela focalização dos processos de gênese e formação dos fenômenos representacionais que perpassam a

integração dos elementos que lhes compõem como valores, informações, crenças, imagens, opiniões,

aspectos culturais, ideológicos, dentre outros.

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separação entre o universo externo e o universo interno do indivíduo (ou do grupo).

Sujeito e objeto não são forçosamente distintos”. (MOSCOVICI, 1969, apud ABRIC,

1998, p.27).

Nesta ótica, a abordagem psicossocial das representações sociais é assumida como

premissa orientadora do cenário desta investigação, na qual se partilha da compreensão

de que a constituição do individual e do social se desvelam de forma inter-relacionadas e

fluída. Sob este pressuposto, o sujeito não é focalizado de maneira isolada do seu contexto

social, mas tomado como ser ativo que se constitui na indissolubilidade da relação com o

Outro, ao elaborar e compartilhar significações na vida cotidiana mediante os processos

comunicacionais. (MOSCOVICI, 2015).

Olhar as vivências educacionais privilegiando os pressupostos ora elucidados

permite o distanciamento dos pensamentos reducionistas que promovem a individuação

dos processos psicossociais, ancorados em antinomias entre sujeito e sociedade, sujeito e

objeto, externo e interno, objetividade e subjetividade. (JOVCHELOVITCH, 2008). Tal

ótica, desvela não somente a contraposição à ruptura entre o individual e o coletivo, mas,

sobretudo, implica a reflexão crítica sobre os constructos teóricos que tendem a ignorar

que os sujeitos se constituem socialmente e, de modo concomitante, atuam na constituição

da realidade social na qual se inserem. (SOUSA; BÔAS, 2011).

Para Moscovici (2015), as representações sociais se referem a uma forma

específica de conceber e comunicar o que o sujeito já sabe a respeito da realidade

cotidiana e, neste processo, “[...] corporificam ideias em experiências coletivas e

interações em comportamento, que podem, com mais vantagem, ser comparadas a obras

de arte do que a reações mecânicas”. (MOSCOVICI, 2015, p.46). Sob este ângulo, o autor

(2015) sinaliza que as representações sociais emergem com o propósito de familiarizar o

estranho, no qual o não familiar é reapropriado aos quadros de pensamentos preexistentes

no tecido cultural.

Os fenômenos representacionais, por sua vez, são inscritos como uma forma de

saber social partilhada no senso comum, com o fim prático de orientar a leitura da

realidade social por parte dos sujeitos e grupos sociais. Jodelet (2001) sugere a

sistematização do conceito de representações sociais ao considerá-las como “[...] uma

forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com o objetivo prático, e que

contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social [...]”

(JODELET, 2001, p.22).

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No processo fluído desta conceituação teórica, Arruda (2002) lhe define mediante

uma forma metafórica caracterizada como “[...] espécie de fotossíntese cognitiva [...]”

(ARRUDA, 2002, p.138), dado que representações sociais

[...] metabolizam a luz que o mundo joga sobre nós sob a forma de novidades

que nos iluminam (ou ofuscam) transformando-a em energia. Esta se incorpora

ao nosso pensar/perceber este mundo, e a devolvemos a ele como

entendimento mas também como juízos, definições, classificações. Como na

planta, esta energia nos colore, nos singulariza diante dos demais. Como na

planta, ela significa intensas trocas e mecanismos complexos que, constituindo

eles mesmos um ciclo, contribuem para o ciclo da renovação da vida. [...]

minha convicção [é] que nesta química reside uma possibilidade de descoberta

da pedra filosofal para o trabalho de construção de novas sensibilidades ao

meio ambiente. Ou seja, é nela que residem nossas chances de transformar ou,

quando menos, de entender as dificuldades para a transformação do

pensamento social. (ARRUDA, 2002, p.138)

Jovchelovitch (2008) pondera que o fenômeno das representações sociais não

pode ser focalizado somente como uma Psicologia Social dos saberes. Contudo, também

se revela enquanto referencial teórico que oferece aspectos para se pensar como os novos

saberes emergem e são incorporados a trama social. Acerca deste propósito, o caráter

processual no qual se funda a dinamicidade das representações implica em refletir sobre

o papel das minorias sociais que desafiam a tradição cultural e o que ela impõe acerca da

forma de enxergar o mundo social e a si próprio.

A despeito das colocações retratadas, se faz importante aludir que as trocas

comunicacionais são basilares à emergência e circulação das representações, ao operar na

formação destas em três níveis: [1] afetação dos aspectos cognitivos (dispersão e

distorção, acesso desigual de informações, interesse ou implicação do sujeito,

necessidade de agir em relação ao outro); [2] formação das representações sociais

(objetivação e ancoragem, interdependente entre a atividade cognitiva e suas condições

de exercício); e [3] edificação de condutas (opiniões, atitudes, estereótipos, sobre a qual

intervêm os sistemas de comunicação midiática) (JODELET, 2001).

À luz destes pressupostos, conforme as reflexões de Abric (1998), os fenômenos

representacionais assumem distintas funções que auxiliam os sujeitos e grupos sociais no

processo de tradução e apreensão da vida cotidiana por meio das práticas

comunicacionais, tais como: função de orientação, função de saber, função justificatória

e função de identidade. Posto isto, vale assinalar que todas as representações sociais

exercem distintas funções, “[...] algumas cognitivas – ancorando significados,

estabilizando ou desestabilizando as situações evocadas – outras propriamente sociais,

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isto é, mantendo ou criando identidades e equilíbrios coletivos” (MOSCOVICI, 2015, p.

218).

Segundo as proposições de Abric (1998), a função de orientação se caracteriza

quando as representações sociais atuam como guias dos comportamentos e das práticas

sociais, ao criar um sistema de antecipações e expectativas que constitui a ação dos

sujeitos e de seus grupos de pertença. Dito de outra maneira, considera-se que a faceta

orientadora dos conteúdos representacionais imprimi a seleção, acomodação e

interpretação dos conhecimentos sociais circundantes, com vistas a balizar o que é

permitido, os aspectos que podem vir a ser tolerados e aqueles que não serão aceitos nas

dinâmicas sociais.

Quanto a função de saber, esta possibilita que as pessoas se apropriem dos

saberes sociais e os integrem a um quadro de referência comum que seja coerente com o

funcionamento cognitivo e aos valores que compartilham, configurando-lhes como guia

de leitura e apreensão da realidade social. Sob esta visão, esta função auxilia o processo

de comunicação social que se revela como a condição imprescindível ao agenciamento

das práticas sociais, a transmissão e a difusão dos conhecimentos sociais.

No tocante a função justificatória, ela está correlacionada a capacidade dos

sujeitos e dos grupos justificarem a posteriori seus comportamentos e tomadas de

posições frente aos demais grupos sociais. Com efeito, representações são concebidas

como conhecimentos sociais que orientam as ações compartilhadas socialmente, as quais

atuam de modo a justificar as condutas do sujeito frente ao objeto de representação.

Face aos argumentos arrolados, Bauer (2013) propõe que os fenômenos

representacionais exercem a função de resistência à medida que os grupos sociais

resguardam suas particularidades face aos saberes sociais que ameaçam suas identidades.

Este pressuposto decorre desta funcionalidade ao desempenhar, dentre uma de suas

finalidades, a promoção de um sistema de defesa cultural, dado que os novos saberes ao

serem incorporadas ao quadro de pensamentos preexistentes neutralizam os elementos

ameaçadores que eles podem vir a assumir. Sob outro prisma, tal processo pode ser

apreendido pelo caráter potencializador da inovação pelo qual se insere e estabelece a

manutenção da heterogeneidade no mundo simbólico de contextos intergrupais.

Por fim, a função identitária se configura em uma fundamental relevância para se

pensar os elementos que permeiam as significações formuladas e partilhadas por grupos

sociais acerca do que é ser uma criança objetivada como distante do padrão normativo de

aprendizagem e(ou) comportamento, ao favorecer, segundo Jodelet (2001), o acesso aos

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aspectos dos conhecimentos que constituem a identidade social do grupo, além da função

simbólica e cognitiva vinculada a ela.

Tal função permite aos fenômenos representacionais situarem os sujeitos e grupos

no tecido social, salvaguardando suas particularidades por intermédio do quadro de

referência que lhes são comuns. A função identitária, por sua vez, se desvela no papel de

controle social que a coletividade exerce sobre os membros dos grupos, especialmente,

nos processos de socialização. (ABRIC, 1998).

Com base nestas considerações, se faz preciso elucidar que existe uma polissemia

de abordagens, significações e conceituações relativas à noção de identidade. Sobre este

propósito, Deschamps e Moliner (2009) advertem que é possível esboçar um ponto de

encontro entre tais formulações, dado que estas são atravessadas por pressupostos

fundamentados na relação entre identidade social e identidade pessoal, que ora é concebia

em uma perspectiva dicotomizada da constituição identitária, e ora é vista sob a ótica da

interdependência destas instâncias.

Em relação a identidade social, Deschamps e Moliner (2009) destacam que os

sujeitos pertencem aos grupos sociais, e por meio destes compartilham e negociam redes

de significação com os demais membros (nós) do mesmo grupo de pertença. Essas redes

orientam e guiam as práticas sociais do grupo. Por outra dimensão, existe especificidades

entre estes nós (membros do mesmo grupo social) que remete a diferenciação deste em

relação aos outros grupos sociais (onde os sujeitos são denominados como eles). Ao

dialogar com estas proposições, Wagner (1998) coaduna com esta conceitualização ao

assinalar que a constituição da identidade social “[...] envolve, por um lado, o

conhecimento de a qual grupo alguém pertence; por outro, o surgimento da experiência

comum do conhecimento, senso comum e padrões justificatórios.” (WAGNER, 1998,

p.12). Tais aspectos, por vezes, podem ser conferidos como uma das formas de

constituição do si mesmo.

No que tange a identidade pessoal, esta concerne a combinação de qualidades

peculiares que fazem com que cada indivíduo ou grupo social se diferencie dos outros,

tornando-se particulares. Nesta dinâmica, tal identidade é circunscrita pelo

reconhecimento do outro a partir das semelhanças como também das diferenças entre os

sujeitos, simultaneamente. Feitas tais colocações, observa-se que ao mesmo tempo em

que o sujeito compartilha elementos semelhantes na interação com o outro, por via da

dinamicidade deste processo, este também constata os aspectos de diferenciações entre si

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e o outro, o que propicia a compreensão de si próprio como um ser singular.

(DESCHAMPS; MOLINER, 2009).

Ao apoiar-se em uma perspectiva psicossocial da constituição identitária, partilha-

se no contexto desta investigação da definição de identidade proposta por Deschamps e

Moliner (2009). Os autores conceituam a identidade como resultado de um fenômeno

subjetivo e dinâmico, advindo da apreensão por parte das pessoas, das similitudes e

diferenças, entre si mesmo, em meio aos outros e aos grupos de pertencimento. Antes do

avanço desta via argumentativa, convém circunscrever a concepção de si mesmo proposta

pelos mencionados autores, os quais concebem-na como uma estrutura de cognição

flexível, desveladas sob dois fenômenos:

O primeiro corresponde ao caráter evolutivo do si-mesmo. Por exemplo, cada

um sabe muito bem que não é mais o mesmo na idade adulta que foi quando

era criança. O segundo corresponde ao caráter múltiplo do si-mesmo. Também

neste caso, todos nós sabemos, mais ou menos, e segundo as circunstâncias,

mostrar ou ocultar esta ou aquela faceta de nós mesmos. Assim, a fluidez do

si-mesmo deve ser considerada em relação a fatores ligados ao

desenvolvimento dos indivíduos e a contextuais. (DESCHAMPS; MOLINER,

2009, p.87).

De modo a corroborar com este olhar, se faz possível tecer pontes de diálogos com

as considerações de Duveen (2013) que esboça reflexões em torno dos processos por meio

dos quais as crianças se apropriam das estruturas de pensamento constituintes de sua

comunidade e assumem, nesta dinamicidade, a posição como partícipe competente e

funcional neste espaço de socialização.

Segundo o autor (2013), mesmo que a criança nasça em um mundo que já se faz

estruturado por meio das representações sociais formadas e partilhadas pelos grupos

sociais, tal pressuposição não assegura que ela possua competências de ser um ator

independente em tal mundo social, dado que as representações sociais são elaboradas no

transcorrer de seu desenvolvimento, isto é, se engendram na processualidade das inter-

relações sociais que se entrelaçam na construção de conhecimentos, pois “[...] o que se

monta na mente da criança depende fundamentalmente da sociedade a que ela pertence e

do lugar que ocupa ali”. 6(EMLER; OHANA; DICKINSON, 2003, p. 68, tradução nossa).

Sob esta linha de pensamento, Duveen (2013) enfoca as representações como

fenômenos construtivos que operam no mundo da forma como são conhecidos e, de modo

6 Tradução nossa de “[...] A través de la comunicación e interacción com otros niños y adultos recibe y

ejerce influencia social que contribuye a la construcción de conceptos compartidos dentro del grupo social

de pertinência”.

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dialógico, as identidades que eles sustentam, possibilita ao indivíduo se orientar em um

lugar neste mundo social. Com isto, pode-se dizer que a criança se configura como objeto

face as representações que os outros formulam e partilham, as quais gradualmente são

internalizadas por elas, passando a exprimir sua relação com o mundo social e,

concomitantemente, tais representações situam a posição da criança no interior do mundo

no qual está inserida. Nesta dinâmica, as representações internalizadas se enredam aos

processos constituintes da identidade grupal, desvelando o sentimento de pertença do

sujeito em relação ao grupo. Tal duplo processo de definição e localização, por sua vez,

oferece às representações seu valor simbólico.

Desta maneira, a identidade pode ser apreendida como processo psicossocial que

se constitui como uma forma do sujeito forjar os significados que lhes permite atuar como

ator social na sociedade. Em outros termos, “[...] Uma identidade fornece os meios de

organizar a experiência, o que contribui para a definição do Eu, mas o faz dando ao Eu

um lugar no Mundo [...]” (DUVEEN, 2013, p. 216).

Convém mencionar que Duveen (1996), parte do pressuposto de que o

desenvolvimento humano se configura como uma dinâmica perpassada por aspectos de

resistência e de tensão, de modo que as crianças não internalizam as significações

passivamente, mas se apropriam dos conhecimentos sociais circundantes nas relações

intersubjetivas por meio das quais elas elaboram e atribuem novas hipóteses acerca do

mundo social no qual pertence. Em convergência com esta premissa, De Lauwe e

Feuerhahn (2001) postulam que

A representação aparece como um instrumento de cognição que permite à

criança interpretar as descobertas do meio físico e social realizadas por meio

de suas sensações, ações e experiências, conferindo-lhes um sentido e valores

fornecidos pelo meio, principalmente em suas relações e trocas com o outro

(DE LAUWE; FEUERHAHN, 2001, p. 281).

Neste ponto deste diálogo, salienta-se que o processo de constituição identitária

se figura no contexto da intersubjetividade que inscreve os sujeitos na esfera social. Com

isto, a interação com o Outro possui uma especial relevância sob este processo, haja visto

que o Outro afirma o modo de ser do(a) ator(atriz) social desde os aspectos tangenciados

por semelhanças, como também imbricados pelas diferenças e, nesta constituição de si

por meio da relação com o Outro, os sujeitos (re)criam suas subjetividades

continuamente, perfazendo, assim, o aspecto processual imbricado na dinamicidade deste

fenômeno psicossocial. Pressupõe-se, então, que nas significações em torno da

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identidade, o Outro está sempre presente em relação com o sujeito, à medida que aquele

reconhece e define as possiblidades de existência humana deste. (SEIDEMANN, 2015).

Cabe ressaltar ao(as) leitores(as) as proposições de Jovchelovitch (1998) acerca

do que se revela enquanto o Outro. Tal autora, ao empreender contornos face a tal

indagação, parte da premissa fundante de que o Outro concerne tanto aos objetos humanos

como não humanos, dado que eles se tornam reconhecidos como objeto do conhecimento.

Sob esta ótica, o Outro é identificado como tudo que pode vir a se transformar em um

objeto de representação, inclusive, a situação em que o Eu se configura como objeto de

si mesmo. Portanto, “[...] Sem o reconhecimento do outro, a produção de sentido e seus

correlatos – a forma simbólica, a linguagem, e as identidades – seriam inexistentes”

(JOVCHELOVITCH, 1998, p.69). Tal ponto será retomado posteriormente, mediante as

contribuições de Molon (1999, 2000).

Por este prisma, Deschamps e Moliner (2009) retratam que os grupos de referência

formulam e partilham representações acerca de si próprios, bem como sobre os

posicionamentos que ocupam face aos outros grupos sociais. Tais representações atuam

no sentimento de identidade que se revela no estabelecimento de distintas comparações

que levam o indivíduo a constatação paradoxal de similitudes e diferenças que, por sua

vez, se combinam na dinâmica particular de cada sujeito (DESCHAMPS; MOLINER,

2009).

Em outras palavras, o sentimento de identidade se refere a imagem que um(a)

ator(atriz) social constitui, permanentemente, no transcorrer de suas experiências vividas

a respeito de si mesmo(a), a imagem que este(a) elabora e esboça para o outro e a si

próprio (a), de maneira a reafirmar sua própria representação, mas também para ser

conhecido(a) da forma como este(a) quer ser reconhecido(a) frente ao outro. Destaca-se

nesta dinamicidade inter-relacional entre o Eu e o Outro que

[...] embora a tomada-de-perspectiva e o reconhecimento mútuo estejam na

base do Eu e da comunidade, a constituição do espaço intersubjetivo do qual

eles dependem permanece um processo contraditório, aberto tanto ao diálogo

quanto a dominação [...] (DESCHAMPS; MOLINER, 2009, p.229).

Diante disso, os autores denotam que o conjunto de rede de significações

partilhadas pelo sujeito acerca de si próprio, sobre os outros, e em relação aos grupos

sociais e de pertença, incorporadas ao tecido cultural, se imbricam circunscrevendo as

nomeadas representações identitárias. Com isto pressuposto, pode-se se dizer, então, que

as representações sociais elaboradas e negociadas nas relações intersubjetivas, por meio

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das práticas comunicacionais engendradas no interior dos grupos de referência, se

traduzem em um dos fenômenos que constitui a representação de si e do outro,

tangenciando a constituição das representações identitárias. (DESCHAMPS; MOLINER,

2009).

2. 1. 1 Processos formadores e condições de emergência das representações sociais

Neste tópico aborda-se as representações sociais sob a perspectiva do processo de

familiarização do novo, as quais são construídas com base em duas dinâmicas inter-

relacionadas continuamente: o mecanismo de objetivação como face figurativa e o de

ancoragem enquanto a dimensão simbólica. (MOSCOVICI, 1978). Sob esta via

argumentativa, Jodelet (2001) denota que estes referidos processos “[...] explicam a

interdependência entre a atividade cognitiva e suas condições sociais de exercício, nos

planos da organização dos conteúdos, das significações e da utilidade que lhe são

conferidas [...]” (JODELET, 2001, p. 30).

A ancoragem, tal como Moscovici (2015) a concebe, opera no enraizamento social

do objeto desconhecido, estranho e(ou) perturbador, por parte do sujeito e de seus grupos

de referência. Este o integra a um conjunto de redes de significações associadas aos

valores pré-existentes no tecido cultural, que são negociados permanentemente. Neste

processo, busca-se enquadrar estranho em categorias comuns, dado que “[...] Coisas que

não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo

tempo ameaçadoras [...]”. (JODELET, 2015, p.61). Este mecanismo se traduz com base

em duas facetas indissociáveis (classificação e nomeação), pelas quais as pessoas podem

imaginar e representar o objeto não familiar.

O sujeito, ao classificar algo desconhecido, confere-lhe um conjunto de normas,

regras e valores que o grupo estabelece como prototípico, ao amparar-se em paradigmas

existentes na memória social que permite tecer valorações positivas ou negativas em

relação ao objeto representado. Em interlocução com as proposições de Jodelet (2001),

convém mencionar que, na ancoragem, o pensamento constituinte funda-se sobre o

constituído para incorporar a novidade aos esquemas antigos, já familiares, revelando, o

caráter constituinte e constituidor dos fenômenos representacionais.

Posto tal ressalva, retoma-se ao aspecto do processo formativo que se caracteriza

enquanto a nomeação dos fenômenos sociais. De acordo com Moscovici (2015), torna-se

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intangível classificar um objeto social sem nomeá-lo à medida que a identificação se

revela como uma faceta libertadora do objeto social da sua condição de anonimato em

relação as significações não familiares, pelo fato de que ao lhe atribuir um nome se faz

possível imaginá-lo e representá-lo. (MOSCOVICI, 2015).

Neste diálogo, pode-se dizer que a nomeação do objeto representacional autoriza

o sujeito a se libertar de um anonimato perturbador, ao integrá-lo em uma genealogia

socialmente pré-existente que permite inseri-lo em um complexo de palavras particulares,

situando-o na matriz identitária cultural. Diante disso, Almeida, Santos e Trindade (2011)

acrescentam que a ancoragem se configura enquanto um processo de

[...] incorporação ou assimilação de novos elementos de um objeto em um

sistema de categorias familiares e funcionais aos indivíduos, e que lhes serão

facilmente disponíveis na memória. A ancoragem permite ao indivíduo

integrar o objeto da representação em um sistema de valores que lhe é próprio,

denominando e classificando-o em função dos laços que este objeto mantém

com sua inserção social. Assim, um novo objeto é ancorado quando ele passa

a fazer parte de um sistema de categorias já existentes, mediante alguns ajustes

(TRINDADE; ALMEIDA; SANTOS, 2011, p. 110).

De forma intrinsicamente correlacionada ao processo de ancoragem, a objetivação

se caracteriza enquanto mecanismo que torna real um esquema conceitual, ao permitir

que as significações abstratas sejam transformadas em inteligíveis na vida cotidiana. Esta

dinâmica, por sua vez, envolve a reabsorção do excesso de significados que ao serem

materializados reproduzem um conceito em imagem. Por via desta processualidade, se

faz possível a transposição, em nível de observação, do que se configurava somente como

inferência ou símbolo. (MOSCOVICI, 2012). Ao corroborar com estas proposições,

Trindade, Santos e Almeida (2011) expressam que o processo de objetivação

[...] Trata-se de privilegiar certas informações em detrimento de outras,

simplificando-as, dissociando-as de seu contexto original de produção e

associando as ao contexto de conhecimento imagético do sujeito ou do grupo.

A retenção de informações “salientes é acompanhada de um ajustamento”,

onde certas informações assumem um papel mais importante que outras, ou

diferente daquele que tinha em sua estrutura original. Trata-se, enfim, de

transformar o que é abstrato, complexo ou novo em imagem concreta e

significativa, apoiando-se em concepções que nos são familiares. Neste

processo se perde “em riqueza informativa (já que há simplificação) o que se

ganha em compreensão” (BONARDI; ROUSSIAU, 1999, apud TRINDADE;

SANTOS; ALMEIDA, 2011, p. 110).

Salienta-se que a objetivação permite que as ideias não sejam tomadas como

meros produtos de uma construção intelectual, mas como reflexos de aspectos que

perpassam o entorno social. (MOSCOVICI, 2012). Sob esta premissa, ressalta-se que o

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processo de naturalização do novo somente se constitui quando é circunscrito em

categorias familiares que ancoram as representações contemporâneas, formuladas em um

contexto histórico e cultural específico. (VILLAS BÔAS, 2010).

Nesta dinamicidade, pode-se mencionar que as representações sociais se

inscrevem em quadros de pensamentos pré-existentes de modo que as significações

apreendidas em outras épocas podem ser articuladas às representações atuais de

determinados objetos sociais. Posto essa colocação, destaca-se que os processos de

ancoragem e da objetivação se enredam no bojo das memórias coletivas ao serem nutridas

por significados historicamente situados. (VILLAS BÔAS, 2010). Moscovici (2015) ao

evidenciar o caráter da memória nestes processos formadores pressupõe que a

Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A

primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para dentro,

está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela

classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo

mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens

para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas

conhecidas a partir do que já é conhecido. (MOSCOVICI, 2015, p. 78).

Ao seguir esta linha de pensamento, Moscovici (1978), ao denotar as condições

nas quais os fenômenos representacionais são construídos, desvela três condições que

operam em sua produção: a dispersão da informação concernente ao objeto

representacional, a focalização do sujeito e grupos sociais em relação a apreensão do

objeto e a pressão à inferência refletida no objeto social determinado.

A dispersão de informação se caracteriza quando a informação relativa ao objeto

de representação se propaga de modos distintos no interior dos grupos sociais, ao criar

uma disseminação desigual em seu acesso, implicando sobre a forma pela qual o objeto

representado é apreendido. Pressupõe-se que a condição assimétrica de informação não

pode ser enfocada como uma variância quantitativa de apropriação de conhecimentos

sociais, pois ela se correlaciona com a existência de zonas de interesses de

comportamento por meio das quais os sujeitos selecionam e suprimem as informações,

com vistas a se comunicar e posicionar-se na relação com o objeto social. (MOSCOVICI,

1978).

Quanto à focalização, esta concerne ao grau de implicação e ao distanciamento do

sujeito ou grupo social em relação ao objeto de representação, que se desvela em

consonância com as aspirações daqueles face a este último. Por esta via, o grupo social

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focaliza aspectos específicos da complexidade do objeto social e, com efeito, mantém-se

distante de outras nuances que lhes imbricam.

Por fim, a pressão à inferência consiste em condições fundadas nas interações

sociais que convocam o indivíduo ou grupos sociais, continuamente, a se manifestarem e

se posicionarem frente às pressões mobilizadas socialmente. Tal processo de negociação

interna nos grupos de referência requer o diálogo entre seus membros de modo a reduzir

as divergências e propiciar a formulação de posturas e conclusões estáveis, que lhes

auxiliam no estabelecimento de um código comum capaz de atribuir maior nível de

coerência interna. Porém, as obrigações exigidas pelas circunstâncias sociais acabam por

afetar a regulação destas informações gerando efeitos de inferências, que são suscitadas

por antecipação ou adesão às fórmulas gerais que possuem maior grau de

compartilhamento ou de aprovação entre seus integrantes.

As pressuposições, ora apresentadas, permitem analisar os processos implicados

sobre os contextos de formação e as condições de emergência das representações socais,

as quais serão tomadas, na presente pesquisa, como guia de leitura e referência para a

apreensão das redes de significados circundantes aos processos comunicacionais

estabelecidos entre as interações intersubjetivas inter e intrageracionais, que enredam a

produção da queixa escolar na experiência de escolarização de crianças provenientes,

sobretudo, de classes desfavorecidas.

2.2 Ontogênese das representações sociais: interface entre Psicologia Social e

Psicologia do Desenvolvimento

Duveen e Lloyd (2008) empreendem esforços em defesa da premissa de que a

representação social pressupõe uma perspectiva genética, dado que as estruturas das

representações são perpassadas por construções sociais e, com efeito, são resultantes de

um processo de desenvolvimento. Em suas palavras,

Uma estrutura é a organização relativamente duradoura de uma função, e a

realização de uma função implica sua organização em uma estrutura. Por

razões semelhantes, a perspectiva teórica das representações sociais pode ser

descrita como uma psicologia social genética (DUVEEN; LLOYD, 2008, p.

34)7

7 Tradução nossa de “Una estructura es la organización relativamente duradera de una función, y la

realización de la función implica su organización en uma estructura. Por razones semejantes, la perspectiva

teórica de las representaciones sociales se puede describir como una psicologia social genética.”

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Com o intuito de explorar as complexidades que tal conceito apresenta, foram

elaborados três tipos de transformações nas quais a representação está vinculada: a

sociogênese, que abrange os processos de transformação e construção das representações

sociais; a ontogênese, a qual concerne à imbricação existente entre o desenvolvimento

dos sujeitos e as representações sociais evidenciando a reconstrução dessa representação

no processo de adesão e associação aos papéis sociais desempenhados pelo sujeito; e a

microgênese, que se relaciona aos usos e evocações das representações sociais, nas

situações de interação social, possibilitando a negociação de identidades sociais e o

estabelecimento de marcos de referência compartilhados (DUVEEN; LLOYD, 2008).

A primeira abordagem é explicitada pelos autores (2008) como o processo pelo

qual as representações sociais são formadas, posto que se correlaciona a construção e

transformação das representações sociais geradas pelos grupos face aos objetos sociais,

evidenciando o caráter histórico dos fenômenos representacionais. Sob este contexto,

cabe ilustrar que o estudo de Moscovici (1978) sobre as representações sociais da

psicanálise, realizado no início dos anos 60, abarca a sociogênese das representações que

se desvelaram ao longo dos anos, dado que a teoria psicanalítica se inicia com Freud e

vai se modificando em vários de seus aspectos que acompanham também as mudanças

nos próprios grupos sociais que a circundam.

Em relação ao processo microgenético, este se desvela nas interações sociais pelas

quais os sujeitos compartilham significações entre si e por meio das práticas

comunicacionais, que perpassam a constituição das identidades sociais. Enquanto a

ontogênese inscreve essa dinâmica de assimilação das representações sociais para a

construção de uma identidade coletiva, a microgênese está associada aos processos de

inter-relação social, nos quais os indivíduos se encontram, dialogam, se conflitam, isto é,

se comunicam entre si. A despeito deste aspecto, pode-se dizer que toda interação social

está atravessada pela abordagem microgenética por meio da qual se negociam as

identidades sociais e se estabelecem marcos de referência compartilhada, possuindo as

representações sociais o papel mediador nesta processualidade. Assim, destaca-se que os

processos de inter-relação social têm a linguagem como o principal meio pela qual se

estabelecem os processos microgenéticos.

Postas estas proposições, cabe esclarecer aos(as) leitores(as) que esta pesquisa se

orienta pela perspectiva ontogenética das representações sociais. Tal abordagem salienta

que as representações sociais constituem o entorno pensante que concorre para a

conformação dos processos de desenvolvimento dos sujeitos, que ao adquirirem

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competência para participar da vida de um grupo, passam a partilhar e a se envolver com

as representações sociais que compartilham (DUVEEN; LLOYD, 2008).

A ontogênese das representações sociais dedica-se, portanto, à descrição das

formas pelas quais os conhecimentos sociais são psicologicamente apropriados

ativamente pelas pessoas, influindo sobre os processos de desenvolvimento das mesmas

e permitindo que estas reconstruam as representações sociais, o que colabora para a

formulação de processos identitários sustentados a partir de seus conteúdos. Pela

complexidade do sistema conceitual que compõem as representações sociais, o processo

de ontogênese pode assumir diferentes contornos nos indivíduos, auxiliando-os a delinear

distintas identidades sociais, seja de maneira imperativa e prescritiva, exercida por uma

obrigação que se estabelece internamente em um grupo, ou contratual, onde, a partir de

sua integração grupal, se estabelece um contrato para a sua adoção (DUVEEN; LLOYD,

2008).

Em conformidade com as formulações teóricas que subsidiam a abordagem

ontogenética das representações sociais, busca-se explorar as formas pelas quais os

conhecimentos sociais elaborados e compartilhados pelas crianças na cena escolar, que

envolvem os conteúdos relacionados à produção da queixa, afetam suas condições

subjetivas e as posicionam frente a um estranhamento possível de ser mediado pela via

da significação.

2.3 Conhecimentos sociais em torno do desenvolvimento humano: contribuições da

abordagem histórico-cultural

Esta seção se dedica a versar sobre elementos centrais acerca do processo de

desenvolvimento humano à luz da abordagem histórico-cultural (VIGOTSKI, 2000,

2009a, 2009b, 2010; PRESTES, 2010, 2013; MOLON, 1999, 2000, TULESKI, 2009).

Expõe-se, inicialmente, uma sucinta contextualização da teoria. Em seguida, evidencia-

se conceitos fundantes destes pressupostos teóricos enfocados como profícuos para se

pensar os pontos de vista das crianças sobre a processualidade do fenômeno da queixa

escolar. Em diálogo com estas proposições, elucida-se importantes colocações de Duveen

(2013) e Marková (2006) que corroboram com a reflexão empreendida.

Ao propor olhar para as premissas que perfazem o constructo teórico elaborado

por Vigotski e seus colaboradores, se faz indispensável considerar a historicidade dos

fenômenos socais, em suas múltiplas facetas, que por estes foram pensados e

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interpretados em suas épocas. Esta proposição coaduna com a discussão de Prestes (2012)

de que “[...] existe uma relação íntima entre o contexto histórico e a elaboração de teorias”

(PRESTES, 2012, p. 9).

Diante disso, convém explicitar que o panorama de surgimento dos preceitos da

teoria histórico-cultural se configurou no período de ocorrência da Revolução Russa, em

meados de 1917, levando em conta todas implicações e processos de transformação social

que se desdobraram após o transcorrer da mesma. Tuleski (2009), por sua vez, sublinha

que “Com a Revolução de 1917, começam os problemas da sociedade russa que iriam

sugerir a teoria de Vigotski [...]” (TULESKI, 2009, p. 38). Sob esta cena social,

concernente a uma tentativa de reorganização de um sistema social, no qual as tensões

entre os interesses das classes da burguesia, do proletariado e do campesinato acirravam-

se constantemente, emerge a proposição de uma visão da Psicologia que tomou em conta

os fenômenos humanos situados como produtos de um contexto histórico e social.

Ao se orientar pelos pressupostos do método histórico e dialético, de Marx e

Engels, Vigotski (apud TULESKI, 2009) propõe a superação de cisões e dicotomias

históricas presentes nas reflexões teóricas da psicologia tradicional por meio da

focalização dos fenômenos humanos assentada no conceito de unidade.

[...] Caberia à “nova psicologia” a tarefa histórica de superação de seu

dualismo, mais condizente com o “novo homem” que se produziria na

sociedade comunista. A unidade, colocada como necessidade da Psicologia e

da ciência em geral de sua época, só poderia ser alcançada mediante um

método unificador. Significaria abandonar as relações mecânicas, empíricas e

simples, entre os fenômenos, para compreender o homem como um ser

complexo e dinâmico, cujas relações estabelecidas com o meio determinam

sua forma de ser e de agir. (TULESKI, 2009, p.47).

Ao prosseguir nesta via de pensamento relativa à formulação de uma psicologia

pautada em um olhar baseado em unidades para apreensão dos fenômenos como

complexos sistemas de elementos e, com base na mútua influência entre fenômenos,

inicia-se a denominação destes postulados como um modelo de uma Psicologia Geral.

Tuleski (2009) esclarece que esta Psicologia se constituiu por um fundamento explicativo

singular capaz de abranger a complexidade e a dialeticidade do comportamento humano

por meio de um método que guiou e embasou a compreensão da realidade em toda sua

totalidade. Este método permite que as explicações sejam fundadas nos processos

relacionais e nos elementos associados, e não em fragmentos e/ou particularidades a-

históricas, isoladas de se contexto de produção e circulação.

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Com base no caráter dialético, fundado na aludida lógica de unidade, destaca-se

que um dos postulados nodal do pensamento vigotskiano se refere à Lei Geral Genética

do Desenvolvimento Cultural, que enfoca a natureza social das funções psíquicas

superiores – como a elaboração do pensamento abstrato, a atenção voluntária, a

construção de planejamentos para determinadas ações, a intencionalidade do agir, a

memória consciente das ações –, que são particulares ao ser humano. Estas funções

psíquicas específicas, por sua vez, possuem condições de se constituírem ao longo da vida

como síntese da apreensão das experiências humanas acumuladas pelas gerações

anteriores, elaboradas e nutridas pela sociedade no transcorrer da história humana.

(LEONTIEV, 1981 apud PRESTES, 2010).

Por essa ótica, convém destacar que Vigotski (apud PRESTES, 2010) não refutava

a implicação do aparato biológico no desenvolvimento do ser humano, mas era

contundente em afirmar que é a configuração processual da apropriação cultural, por via

dos signos e instrumentos, que permite as funções elementares (constituídas pela herança

genética) se converterem em novas funções, em novas estruturas da consciência, ou seja,

em funções psíquicas superiores. Dito de outra forma,

[...] todo processo psíquico possui elementos herdados biologicamente

e elementos que surgem na relação e sob a influência do meio. No

entanto, as influências podem ser mais ou menos significativas para o

desenvolvimento psicológico, dependendo da idade em que ocorrem.

(PRESTES, 2010, p.36).

Em face dos argumentos explicitados, o psiquismo humano pode ser circunscrito

como o modo particular de reflexão sobre o mundo, que se inter-relaciona com o mundo

das relações sociais forjadas entre a pessoa e o meio. Salienta-se, por sua vez, que as

particularidades dos elementos que se refletem pela psique podem ser enfocadas pelas

condições e visão do sujeito e do mundo social ao qual pertence (VIGOSTKI apud

PRESTES, 2010). Por esta via, ao partir da premissa de que as funções psíquicas

superiores não nascem prontas, tampouco se desenvolvem fundadas somente no aparato

biológico, se faz necessário trazer à tona a indagação de como se constitui a dinâmica de

seu desenvolvimento

Elas formam-se durante a vida como resultado da apreensão da experiência

social acumulada pelas gerações precedentes, ao dominarem-se os recursos de

comunicação e de produção intelectual (antes de mais nada, por meio da fala),

que são elaborados e cultivados pela sociedade. Esses recursos, inicialmente,

são utilizados pelas pessoas no processo de uma ação externa coletiva e na

relação com o outro. Somente depois, em determinadas condições, são

interiorizados, transformados em recursos interiores efetivos (em

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“patrimônio”, como o próprio Vigotski denomina) da ação psíquica interna do

indivíduo, graças aos quais cresce ilimitadamente a força do intelecto e da

vontade humana (LEONTIEV, 1981, apud PRESTES, 2010, p.36).

Tal processo de apreensão da experiência social não se desvela de forma direta,

estática e isolada de seu contexto histórico e cultural. Sobre essa questão, Molon (1999)

enfatiza que sem a mediação dos instrumentos e signos não há cultura, dado que a criança

ao nascer em um mundo social já estruturado (DUVEEN, 2013) não se desenvolve

espontaneamente, mas desde o seu nascimento se relaciona com o Outro mais experiente

de sua cultura, e se apropria das múltiplas formas de relação que se engendram na vida

social por meio do processo de mediação dos instrumentos e signos socialmente

elaborados. (FICHTNER, 2010; MOLON, 1999).

Antemão ao prosseguimento deste diálogo, se faz necessário ponderar o que se

configura por instrumentos e signos. Salienta-se que ambos são elementos específicos da

espécie humana. Os instrumentos se constituem como recursos que atuam sob o controle

e o domínio dos processos da natureza que orientam a atividade humana para a

modificação dos objetos (FICHTNER, 2010; MOLON, 1999). Por sua vez, os signos são

considerados ferramentas psicológicas que atuam sobre a regulação da conduta do ser

humano, “[...] são a linguagem, as formas numéricas e cálculos, a arte e técnica de

memorização, o simbolismo algébrico, as obras de arte, a escrita, os gráficos, os mapas,

os desenhos, enfim todo gênero de signos convencionais” (MOLON, 1999, p.115).

Com base nas menções tecidas, pode-se mencionar que estruturalmente as

relações promovidas pela ação humana são mediadas, isto é, são amparadas em mútuas

influencias e sínteses que o sujeito realiza entre sua história pessoal e a historicidade da

sociedade na qual se insere. Dito de outra forma, há sempre a reconstrução individual

daquilo que outrora se aprende em coletividade (PRESTES, 2010). É oportuno situar que

A mediação é processo, não é o ato em que alguma coisa se interpõe; mediação

não está entre dois termos que estabelecem uma relação. É a própria relação.

[...] A mediação não é a presença física do outro, não é a corporeidade do outro

que estabelece a relação mediatizada, mas ela ocorre através dos signos, da

palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação. A presença corpórea do

outro não garante mediação. Sem a mediação dos signos não há contato com a

cultura. (MOLON, 1999 p. 124).

Nesta dinâmica, destaca-se que a gênese das funções psíquicas superiores se

correlaciona com o contexto sociocultural que promove a relação entre o Eu e o Outro,

na qual o Outro se perfaz como a condição necessária para o desenvolvimento humano

(PRESTES, 2010). Por outros termos, destaca-se que é “[...] através dos outros

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constituímo-nos. Em forma puramente lógica a essência do processo do desenvolvimento

cultural consiste exatamente nisso” (VIGOTSKI, 2000, p. 24). Tal pensamento se apoia

no preceito de que toda função psíquica superior no desenvolvimento da criança se

desenrola em dois cenários imbricados, em um primeiro plano como uma atividade

coletiva, social (entre homens) e, em um segundo plano, como uma dimensão interna

(intrapsicológica) do processo de pensamento da pessoa (PRESTES, 2010).

A fim de compreender de que forma toda função psíquica superior desvela-se

inicialmente na cena interpsicológica e converte-se em intrapsicológica, se faz necessária

a reflexão de como as relações humanas são internalizadas, mas antemão a tal discussão,

vale esclarecer que o processo de internalização humana não pode ser reduzido a um mero

deslocamento do plano externo para o interno. Ao refutar tal pressuposto, alude-se que

[...] o processo de internalização pressupõe uma transformação do ser e estar

no mundo. Com o enraizamento, ou seja, com a passagem da função para o

plano interno, ocorre uma complexa transformação de toda sua estrutura e seus

momentos essenciais são: substituição das funções; alteração das funções

naturais (processos elementares que estão na base das funções superiores); e

surgimento de novos sistemas funcionais psicológicos (ou de funções

sistêmicas) que tomam para si a função que, na estrutura geral do

comportamento, se realizava pelas funções particulares. (VIGOTSKI, 1984).

Ou seja, a interiorização das funções psíquicas superiores, que está relacionada

às novas mudanças na sua estrutura, é denominada por Vigotski de

enraizamento (PRESTES, 2013, p. 303).

É pela existência e ocorrência do processo de internalização que se pode explicar

o motivo pelo qual o sujeito enraíza certos comportamentos e atividades que em outra

situação se configurariam com a mediação de outrem. Uma ilustração, em linhas gerais,

desse preceito pode ser a realização de cálculos mentais pelo(a) aprendiz, cálculos que

outrora só seriam promovidos com a instrução da(o) docente no espaço de socialização

de sala de aula, ou seja, em uma situação imediata. Em diálogo com esse pressuposto,

ressalta-se que, para Vigotski (apud PRESTES, 2010), são as atividades promovidas pela

criança em colaboração com o Outro que produzem possibilidades para o

desenvolvimento humano.

Com base nestas formulações esboçadas pressupõe-se que o processo de

desenvolvimento da criança em meio à cultura não se configura de forma estática, natural,

tampouco espontânea, mas engendra-se por meio da apropriação e enraizamento da

mesma, ao lhe permiti se reestruturar psiquicamente, dado que por via da dinâmica de

apropriação dos conhecimentos produzidos e compartilhados em sociedade, sua própria

personalidade se modifica em movimento contínuo e, concomitantemente, a criança

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também transforma o meio ao qual pertence. Tal formulação implica-se na acepção de

que “Qualquer função psicológica superior foi externa – significa que ela foi social; antes

de se tornar função, ela foi uma relação social entre duas pessoas” (VIGOTSKI, 2000, p.

24).

Vigostki (2009a), em suas reflexões, situa que o sujeito se desenvolve na relação

com a cultura por intermédio das atividades humanas de reprodução e criação. Estas

dimensões indissolúveis propiciam com que o ser humano se constitua pela reprodução

de condutas e comportamentos sociais e, reciprocamente, participe destes processos,

sendo assim, focalizado como ser produtor de cultura. Em face dessas colocações

Se olharmos para o comportamento humano, para a sua atividade, de um modo

geral, é fácil verificar a possibilidade de diferenciar dois tipos principais. Um

tipo de atividade poder ser chamado de reconstituidor ou reprodutivo. Está

ligado de modo íntimo à memória; sua essência consiste em reproduzir ou

repetir meios de conduta anteriormente criados e elaborados ou ressuscitar

marcas de impressões precedentes. [...] Além da atividade reprodutiva, é fácil

notar no comportamento humano outro gênero de atividade, mais precisamente

a combinatória ou criadora. [...] Se a atividade do homem se restringisse à mera

reprodução do velho, ele seria um ser voltado somente para o passado,

adaptando-se ao futuro apenas na medida em que este reproduzisse aquele. É

exatamente a atividade criadora que faz do homem um ser que se volta para o

futuro, erigindo-o e modificando o seu presente. (VIGOTSKI, 2009a, p.11-12;

13-14).

Sob esta via de pensamento, Molon (2000) sublinha que o sujeito é constituído

por meio da experiência histórica, social e pela tomada de consciência que desvela no

desdobramento da relação socialmente mediada entre o Eu e o Outro.8 Ao aproximar das

informações arroladas se faz coerente mencionar os contornos delineados por Marková

(2006) de que “[...] Não existiria o Eu sem os Outros, e nenhuma auto-consciência sem

outra auto-consciência: uma determina a outra [...]” (MARKOVÁ, 2006, p.14).

Em consonância com estas premissas, salienta-se que as vivências do ser humano

transcendem as interações sociais face-a-face, isto é, o sujeito interage com o Outro não

somente em condições imediatas, mas, além disso, por meio da intersubjetividade

anônima (MOLON, 2000). A esse respeito, é oportuno destacar uma das principais

postulações tecidas por Vigotski (2009a),

[...] é na trama social, com base no trabalho e nas ideais dos outros, nomeados

ou anônimos, que se pode criar e produzir algo novo. Não se cria do nada. A

particularidade da criação no âmbito individual implica, sempre, um modo de

8 Molon (2000), ao buscar respaldar tal acepção explicitada, esclarece que “Esse outro apresenta e

representa muitos e diversos “outros”: o Outro presente, o ausente, o simbólico, o consciente, o

inconsciente, o afetivo, o semiótico, o corpóreo, o outro eu [...]” (MOLON, 2000, p.620).

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apropriação e participação na cultura e na história [...] (VIGOTSKI, 2009a,

p.9).

Sob esta ótica, apreende-se que o sujeito se constitui na relação pelo

reconhecimento do eu ao reconhecer o outro, em processos de reflexões reversíveis, isto

é, o Eu se constitui pelo Outro, ambos mediados socialmente. Com efeito, o contato com

o outro permite o seu reconhecimento e, por via desta relação recíproca, se desvela o auto-

conhecimento. (MOLON, 1999). Mas, o conhecimento não se constituiu somente no

reconhecimento, o exercício de conhecer pressupõe o ato de imaginação, o mundo do

imaginário e do possível distinto do mundo real, o qual está intimamente associado com

a trama social.

Acerca deste propósito, Vigotski (2009a) considera a capacidade de imaginação

do ser humano contrária a perspectiva do não real, concebendo-a como uma função

mental superior basilar de toda ação criadora que se manifesta na sociedade, revelando

como condição indispensável à existência do sujeito ao auxiliar na transposição das

nuances que tecem as prescrições sociais. Em outros termos, elucida-se que “[...] a criação

é a condição necessária da existência, e tudo que ultrapassa os limites da rotina, mesmo

que contenha uma iota de novo, deve sua origem ao processo de criação do homem.”

(VIGOTSKI, 2009a, p.16)

Por sua vez, toda atividade imaginativa se alicerça em elementos coexistentes a

realidade social, como também na diversidade e riqueza do acúmulo da experiência

humana. Em outras palavras, a imaginação enraíza-se na experiência anterior do sujeito

advinda das práticas sociais, assim como esta se alicerça naquela. Portanto, depreende-se

que toda criação individual possui uma apropriação da realidade social, que está

atravessada por colaborações nomeadas e(ou) anônimas de inventores (des)conhecidos.

Neste ponto, ilustra-se o potencial do mecanismo da imaginação humana, o qual

[...] transforma-se em meio de ampliação de experiência de um indivíduo

porque, tendo por base a narração ou a descrição de outrem, ela pode imaginar

o que não viu, o que não vivenciou diretamente em sua experiência pessoal. A

pessoa não se restringe ao círculo e a limites estreitos de sua própria

experiência, mas pode aventurar-se para além deles, assimilando com a ajuda

da imaginação, a experiência histórica ou social alheias (VIGOTSKI, 2009a,

p.25).

Atrelado ao pressuposto referido anteriormente, se faz oportuno esboçar o

mecanismo de reelaboração criativa proposto por Vigotski (2009a), que remete a

combinação das experiências sociais vivenciadas pelo ser humano, as quais sustentam a

construção de novas facetas à trama social em consonância com as suas aspirações e

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anseios. A respeito disso, é possível reconhecer o potencial criativo do sujeito na

significação da realidade social circundante a ele, ao tomar em conta que o

desenvolvimento humano está intrinsicamente correlacionado com o processo de

reprodução e criação da cultura, que implica em uma participação ativa do sujeito.

Vigotski (2009b), em suas reflexões sobre a relação da criança com o seu entorno

social, ao apoiar-se em uma abordagem dialética pressupõe que não há dissociação entre

o meio e o sujeito, dado que toda situação vivenciada é vivida em um meio social. Por

esta via argumentativa, este meio não pode ser focalizado meramente como um cenário

a-histórico e estático em relação ao desenvolvimento humano, mas como algo que se

revela em uma faceta interdependente deste processo.

Por esta via de pensamento, se faz importante explicitar que esse meio deve ser

visto a partir de parâmetros relativos, e não por intermédio de aspectos absolutos, dado

que para uma criança em determinada fase etária de desenvolvimento, os elementos do

meio desempenharão uma função. Para esta mesma criança, inserida no mesmo contexto,

mas com outra idade e em outras circunstâncias, até mesmo cognitivas e subjetivas, esse

cenário exercerá outro papel, em virtude do desenvolvimento permitir a formação de

novas relações da criança consigo própria e com o meio. Não se pode, portanto, considerar

o meio por si próprio, posto que só é possível compreendê-lo em sua relação com o sujeito

que se analisa. Por outros termos, o autor expõe,

[...] só se pode elucidar o papel do meio no desenvolvimento da criança quando

nós dispomos da relação entre a criança e o meio. [...] Cada idade possui seu

próprio meio, organizado para a criança de tal maneira que o meio, no sentido

puramente exterior dessa palavra, se modifica para a criança a cada mudança

de idade. (VIGOTSKI, 2010, p. 682-683)

Na tessitura deste diálogo, aborda-se a relação do homem com o meio social,

alicerçando-se no conceito de vivência9 (VIGOTSKI, 2010). Esta, por sua vez, é

considerada enquanto uma unidade regente do sujeito com o meio, associada a um todo

complexo (que se figura no desenvolvimento humano), que se desvela em uma relação

indivisível entre as singularidades do sujeito e as particularidades do meio, da maneira

como está representada em seu desenvolvimento.

9 Vale esboçar que o contexto desta pesquisa refuta o preceito de que as conceituações de vivência e

experiência se configuram como sinônimos, como também, contrapõe-se a acepção de sobreposição de um

conceito face ao outro. Ambos, por sua vez, são tomados com base nos distintos constructos teóricos

explicitados.

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As premissas acerca de vivência por vezes auxiliam na apreensão das múltiplas

relações de apropriação cultural do sujeito com seu entorno, a distinção entre uma pessoa

e o outra; e diferenças de uma dada situação e outra, para si mesmo, conforme as

modificações subjetivas e simbólicas pelas quais o sujeito vivencia. Uma dada situação,

em determinado momento da vida, incitará alguns sentimentos e formas de significar o

mundo circundante, uma outra circunstância semelhante, ou a mesma, em outro momento

de vida desta referida pessoa, pode suscitar diferentes significados e sentidos10.

Ao prosseguir as discussões sobre vivência e suas implicações no

desenvolvimento humano, outro elemento pode ser apontado para a compreensão desta

processualidade: a vivência sintetiza aspectos singulares e subjetivos da personalidade de

um sujeito em sua relação com o meio e, portanto, configura-se em uma unidade

constituída por esses elementos. Quando o indivíduo sofre mudanças no desenvolvimento

de suas funções psíquicas superiores, essas mudanças refletem diretamente na forma

como este estabelecerá suas relações com o entorno no qual participa.

Face a tais colocações, se faz profícuo pensar em atividades que favoreçam o

desenvolvimento de habilidades e funções, que outrora eram mais coletivas e

sociais, e passam a ser gradualmente internalizadas. Para tal, considera-se

central a conceituação de atividade-guia. A atividade-guia, segundo

A.N.Leontiev, é a atividade que desempenha um papel fundamental nas

mudanças psíquicas da criança em determinados estágios do desenvolvimento.

É claro que o conteúdo de cada estágio depende muito das condições históricas

concretas nas quais ocorre o desenvolvimento da criança, pois, mesmo sabendo

que os estágios de desenvolvimento se distribuem de certa forma ao longo dos

anos, as fronteiras etárias dependem do que contém cada estágio que, por sua

vez, é determinado pelas condições históricas concretas no âmbito das quais a

criança se desenvolve. (PRESTES, 2010, p.162-163).

A atividade se configura em atividade-guia ao ser permeada por elementos que

impulsionam o desenvolvimento humano, em sua relação dialética forjada entre o

mediador e o outro, porque em certa faixa etária e para cada conjunto de vivências dos

sujeitos, tal atividade guiará o desenvolvimento psicológico destes, produzindo

neoformações psíquicas e novas habilidades internalizadas. Se cada atividade-guia se

10

Aguiar e Ozella (2006) definem os significados como os conteúdos e aspectos do conhecimento mais

estáveis e compartilhados socialmente, os quais são apropriados pelo sujeito e figurados pela própria

subjetividade. Em relação aos sentidos, estes se referem aos aspectos da linguagem apropriados pelos

sujeitos, que exprimem maior subversão na relação pensamento e linguagem, [...] pois ele não se submete

a uma lógica racional externa. O sentido refere-se a necessidades que, muitas vezes, ainda não se realizaram,

mas que mobilizam o sujeito, constituem o seu ser, geram formas de colocá-lo na atividade. O sentido deve

ser entendido, pois, como um ato do homem mediado socialmente. A categoria sentido destaca a

singularidade historicamente construída. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p.226-227).

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relaciona ao contexto de desenvolvimento do ser humano, levando em consideração

aspectos como faixa etária e habilidades já internalizadas, para cada nova etapa de

desenvolvimento surgirá uma nova atividade-guia, produto dos conflitos ocasionados

pela atividade-guia antecedente. Esse processo é contínuo dentro de um estabelecimento

de relação dialética.

Com base nestas constatações, cabe salientar que a zona de desenvolvimento

iminente está intrinsecamente vinculada à noção de atividade-guia, pois é por meio do

exercício desta atividade que o desenvolvimento de novas formações psíquicas poderá

ser guiado. Esta zona pode ser ativada a partir das produções advindas das relações

promovidas com um sujeito mais experiente. Segundo o autor, a zona de desenvolvimento

iminente

[...] é a distância entre o nível do desenvolvimento atual da criança, que é

definido com ajuda de questões que a criança resolve sozinha, e o nível do

desenvolvimento possível da criança, que é definido com a ajuda de problemas

que a criança resolve sob a orientação dos adultos e em colaboração com

companheiros mais inteligentes. (VIGOTSKI, 2004, p. 379 apud PRESTES,

2010, p.173).

Em decorrência destas considerações, de acordo com Vigostki (2004 apud

VIGOTSKI, 2010) a boa instrução é aquela que antecede o desenvolvimento e que o

orienta. Pode-se pensar, então, que o aspecto mais importante das relações de produção

do sujeito a partir da atividade-guia é a característica propulsora do desenvolvimento

amparada na perspectiva de possibilidades, contrário à lógica da obrigatoriedade de seu

acontecimento. Isto se torna mais interessante dado que

[...] se a criança não tiver a possibilidade de contar com a colaboração de outra

pessoa em determinados períodos de sua vida, poderá não amadurecer certas

funções intelectuais e, mesmo tendo essa pessoa, isso não garante, por si só, o

seu amadurecimento. (VIGOTSKI, 2010, p.173).

Ao se sustentar os contornos tecidos, intentou-se elucidar os pressupostos

fundantes desta abordagem teórica explicitada que permitem pensar o desenvolvimento

humano em sua inter-relação com o contexto histórico e cultural no qual o sujeito

pertence, com vistas a contrapor-se a focalizações naturalizantes, biologizantes e a-

históricas acerca dos fenômenos humanos que permeiam as vivências escolares das

crianças anunciadas com a queixa escolar em suas experiências de escolarização.

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3. CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PERCORRIDOS: trajetos de

(des)encontro(s) com o olhar das crianças

Este capítulo discorre sobre o percurso metodológico trilhado neste estudo. No

primeiro momento, abordou-se o objetivo geral e os objetivos específicos propostos. Em

seguida, apresentou-se os aspectos éticos implicados na pesquisa com seres humanos,

expôs-se uma breve contextualização do lócus de investigação, o universo de sujeitos

participantes e o período de permanência em campo. Por fim, elucidou-se as escolhas

metodológicas que orientaram seu delinear, os procedimentos de geração, processamento

e análise das informações.

3.1 Objetivos

3.1.1 Objetivo Geral

O objetivo geral da pesquisa é identificar e analisar as significações de crianças

sobre a queixa escolar e suas implicações na representação de si, privilegiando a

perspectiva de crianças aprendizes de uma escola vinculada a rede municipal de ensino,

situada na cidade de Cuiabá-MT.

3.1.2 Objetivos Específicos

A partir do objetivo geral, foram traçados os seguintes objetivos específicos para a

pesquisa:

Conhecer os significados que as crianças compartilham sobre a queixa no

contexto das inter-relações escolares segundo os pontos de vistas das crianças

participantes da pesquisa;

Apreender o modo como se desvela a vivência da queixa escolar nas relações

tecidas no cenário educacional ao levar em conta as trocas sociais engendradas

entre as crianças anunciadas sob esta condição e os(as) demais atores(atrizes)

sociais deste contexto;

Identificar as significações que crianças e adultos negociam em torno do processo

de construção do conhecimento social sobre a queixa escolar e os seus

desdobramentos no processo de representação de si destes(as);

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Investigar os pressupostos orientadores das práticas pedagógicas que perfazem o

fenômeno da queixa escolar, considerando os aspectos que guiam sua concepção,

visibilidade e as ações de enfrentamentos sugeridas;

Analisar o potencial do roteiro lúdico ao tomar em consideração sua adequação

na promoção de condições para que conteúdos contra normativos emerjam e para

que as expressividades de crianças assumam visibilidade social, cívica e

científica.

3.2 Contextualização do estudo: aspectos éticos, lócus de investigação, universo de

sujeitos participantes e período de permanência em campo

O projeto de pesquisa que suscitou este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética

em Pesquisa (CEP) de Humanidades da Universidade Federal de Mato Grosso por meio

da Plataforma Brasil, em consonância com os preceitos éticos orientadores da Resolução

nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e Resoluções Complementares. Somente após

este processo avaliativo que resultou em sua aprovação, sob o parecer de n° 086346/2016

e CAAE n° 59207316.5.0000.5690, se iniciou o exercício em campo.

Desta forma, elaborou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

destinado aos adultos e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE)11 para as

crianças, em conformidade com o compromisso ético em garantir e resguardar a

integridade e os direitos dos(as) partícipes. Tais documentos foram constituídos por

informações que abarcaram os objetivos, as etapas e os preceitos implicados no processo

investigativo, debatidas junto aos sujeitos convidados a participarem do estudo.

Em relação as práticas comunicativas estabelecidas junto às crianças no

transcorrer do contexto deste trabalho, priorizou-se a adoção de modalidades discursivas

apropriadas às especificidades da categoria geracional infância, de modo a aproximar a

pesquisa de suas vivências e perspectivas, tomadas como legítimas. Os(as) participantes

também foram esclarecidos(as) acerca da condição voluntária em compor a pesquisa,

esclarecendo que, caso, ao longo do decurso desta não desejassem continuar

envolvidos(as), poderiam se isentar em qualquer circunstância de sua realização.

11 De acordo com Ferreira (2010), “[...] A obtenção do assentimento por parte das crianças, malgrado todas

as faltas e falhas de informação que possam existir, depende grandemente da relação de confiança

estabelecida com o(a) investigador(a), pelo que a aceitação da sua presença, além de ter de ser

permanentemente activada e renegociada ao longo da pesquisa terá de ser reflectida criticamente em função

da receptividade e reciprocidade e/ou rejeições que desencadeie [...].” (FERREIRA, 2010, p. 178)

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É pertinente esclarecer que a obtenção do assentimento e consentimento

informados e voluntários, não se limitou aos momentos no qual se concretizava as

inscrições formalizadas nos documentos aludidos, mas se configurou em processos de

negociações de significados e sentidos em curso contínuo que permearam os encontros

intersubjetivos entre a pesquisadora e os(as) partícipes crianças e adultos, tecidos no

decorrer de todo o processo investigativo.

À luz destas ponderações, defende-se a concepção de que as crianças são capazes

de decidir que aspectos de suas vivências podem ser tomados como parte integrante da

pesquisa, dado que estas, assim como os adultos, reproduzem e criam significações aos

sistemas simbólicos enredados na vida social, apresentando a competência de

expressarem seus próprios saberes sociais por meio de múltiplas linguagens, sejam elas

verbais, corporais, gestuais, dentre outras formas. (FERREIRA, 2010; GRAUE;

WALSH, 2003). Tal aspecto, pode ser ilustrado a partir de um excerto registrado em

diário de campo, relativo aos conteúdos discursivos que emergiram durante a situação de

entrevista com uma criança participante do estudo, na qual esta salientou que as

confidências expressas precisavam ser mantidas em sigilo,

No decorrer da realização da entrevista, a criança interrompe o processo

discursivo, e solicita que a pesquisadora desligue o aparelho utilizado para a

gravação “Ruzia, desliga, ninguém pode sabe, é segredo”. Em seguida, se

dirige para fechar a janela da sala de onde está sendo realizada tal encontro,

mencionando “espera aí, senão eles vão ouvi” (havia outras crianças

interagindo entre si e na relação com adultos no espaço externo a sala ocupada).

(Notas de campo do dia 13 de dezembro, 2016)

Desta forma, segundo as premissas acordadas juntos aos(as) atores(atrizes) sociais

que se propuseram em participar da pesquisa ora apresentada, estes(as) serão

nomeados(as) por nomes fictícios a serem citados no decorrer da discussão, de forma a

preservar o sigilo de suas identificações.

Em conformidade com as pressuposições explicitadas, a presente investigação foi

realizada em uma Escola Municipal de Educação Básica (EMEB), localizada no

município de Cuiabá-MT. Os critérios de seleção da unidade de ensino estão

correlacionados à parceira de trabalho com o Grupo de Pesquisa em Psicologia da

Infância (GPPIN), inserida no interior do Projeto de Extensão intitulado Rede de Apoio à

Educação Infantil: Interfaces com a Psicologia e Pedagogia, como também, pelo aceite

e autorização do desenvolvimento da pesquisa por parte do corpo diretivo e gestor que

compõem esta realidade educacional.

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Os cenários escolhidos para o desenrolar deste trabalho concernem aos espaços

ocupados por duas turmas escolares (X e Y),12 compostas, respectivamente, por vinte e

um e vinte e cinco estudantes, ambas do primeiro ano do ensino fundamental, uma situada

no período matutino e a outra do turno vespertino, as quais pertenciam os dois aprendizes

anunciados com a queixa escolar em suas vivências educacionais, Guilherme e Bernardo.

Destaca-se que a sugestão de participação destes sujeitos supracitados não foi instituída

pela investigadora, mas fundamentou-se em enunciações que emergiram das interações

sociais tecidas entre os(as) atores(atrizes) envolvidos(as) nesta comunidade escolar.

Por sua vez, convém esclarecer que no bojo deste diálogo assume-se as crianças

como informantes competentes, protagonistas de suas histórias, que precisam e devem

ser narradas a partir de si próprias, em oposição às proposições que as consideram como

objeto de estudo destituído de ação e voz, passível de ser referenciado, exclusivamente,

por intermédio dos discursos adultocêntricos. (CORSARO, 2011; FERREIRA, 2008).

Sob esse propósito, Ferreira (2008) sinaliza que para a transmutação de tal ótica não se

faz necessário, somente, aludir que as crianças são vistas enquanto sujeito de pesquisa,

mas compreendê-las como atores(atrizes) sociais “[...] implicados nas mudanças e sendo

mudados nos mundos sociais e culturais em que vivem, e como protagonistas e repórteres

competentes das suas próprias experiências e entendimentos – elas são, portanto, as

melhores informantes de seu aqui e agora.” (FERREIRA, 2008, p.149).

Diante disso, as crianças focalizadas na investigação foram selecionadas levando-

se em conta os seguintes critérios: ser aprendiz da escola lócus de pesquisa, estar

anunciada sob a condição da queixa escolar ou ser membro das turmas que estes

estudantes pertencem, possuir a faixa etária entre seis e dez anos, ser estudante do ensino

fundamental, apresentar autorização prévia dos(as) adultos(as) responsáveis por meio da

assinatura do TCLE e manifestar interesse voluntário em participar do estudo mediante

a inscrição do TALE.

No tocante à eleição das crianças aprendizes não nomeadas com a queixa, tomou-

se em conta as formulações explanadas anteriormente, como também foi promovido em

cada turma um sorteio organizado por meio trocas intrageracionais (entre crianças e

crianças) e intergeracionais (entre crianças e adultos) estabelecidas entre as crianças, as

docentes de cada turma e a pesquisadora.

12 No desenrolar do diálogo proposto as turmas escolares implicadas nesta pesquisa serão citadas mediante

as consoantes X e Y, em vista de resguardar o sigilo de identificação dos(as) atores(atrizes) sociais

partícipes e do lócus investigado, como elucidado acima.

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56

Dentre os aspectos acordados coletivamente, destacou-se a seleção de

aproximadamente metade dos(as) alunos(as) de cada turma, com as proporções de

meninas e meninos equivalentes, considerando a representatividade de ambos sexos no

universo populacional investigado. Ao priorizar as participações dos aprendizes

Guilherme e Bernardo, consentiu-se nas negociações compartilhadas entre os(as)

envolvidos(as) que a parcela de meninos sorteados em cada turma teria um eleito à menos,

em relação à parcela das meninas.

Seguindo os critérios indicados, a respeito da classe X foram elencados(as) para

ser partícipes doze aprendizes, seis meninas e seis meninos. Quanto a turma escolar Y,

selecionou-se a população de quatorze aprendizes, sete meninas e sete meninos. A maior

parcela dos(as) atores(atrizes) sociais, vinte e dois de um total de vinte e seis, apresentou

a faixa etária de sete anos, os(as) demais compreenderam a idade de seis anos. O quadro

1, esboçado a seguir, apresenta a amostra de crianças participantes, a partir da relação

destes(as) partícipes por turma, com as especificações de sexo e idade.

Quadro 1: Relação de crianças por turma, sexo e idade

Fonte: Elaboração própria por meio das informações provenientes do procedimento de

entrevista

Em concomitância com as premissas elencadas, além de olhar especialmente os

conhecimentos sociais elaborados pelas crianças sobre o fenômeno da queixa escolar,

procurou-se articulá-los com diferentes saberes sociais entrelaçados em sua produção.

Para tanto, optou-se em promover um diálogo intergeracional, que se configura no

Turma X Turma Y

Sujeito Sexo Idade Sujeito Sexo Idade

Ângela F 07 Alice F 06

Carolina F 07 Fernanda F 06

Eva F 07 Juliana F 07

Lisa F 06 Lara F 07

Maria F 07 Luísa F 07

Rosa F 07 Paula F 07

André M 07 Rafaela F 07

Guilherme M 07 Augusto M 06

João Victor M 07 Bernardo M 07

Joaquim M 07 Caio M 07

Matheus M 07 Daniel M 07

Rafael M 07 Diego M 07

Paulo M 07

Vicente M 07

Total de sujeitos

12 Total de

sujeitos

14

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57

estabelecimento de interlocuções entre as redes de significados compartilhadas por

diferentes grupos de pertença em torno da queixa escolar, nas quais as crianças inscritas

sob esta condição entram em contato e elaboram novas formas de significações acerca de

si próprias e da realidade social na qual atuam. Com base nestas ponderações, inseriu-se

a participação de profissionais atuantes na unidade escolar e dos pais ou responsáveis por

Guilherme e Bernardo.

Por sua vez, adotou-se como critério de seleção dos partícipes adultos 13da cena

escolar: ser profissional da escola lócus de investigação, atuar nas seguintes modalidades:

docente das turmas que as crianças vistas com dificuldade de aprendizagem e(ou)

comportamento estão inseridas, docente de educação física e de educação artística que

possuíssem vínculo com as crianças citadas, coordenador(a) pedagógico(a) e gestor(a)

escolar, bem como manifestar o interesse em participar da pesquisa por meio da leitura e

assinatura do TCLE.

Face ao exposto, inicialmente foram selecionadas(o) seis educadoras(o) para

compor e construir a investigação. No decorrer do processo, constatou-se a pertinência

em incluir a participação de duas profissionais Cuidadoras de Crianças Com Deficiências

(CAD’s), que atuavam acompanhando crianças das classes selecionadas. Esta inclusão se

deu pelo fato da observação que as contribuições dessas profissionais poderiam auxiliar

no processo de exploração das negociações dos saberes sociais tecidos na vida diária

escolar referentes ao objeto social estudado.

Com base nos parâmetros de inclusão delineados anteriormente, as CAD’s foram

convidadas a constituir o universo da pesquisa. Resultou-se, então, na participação de oito

profissionais, a saber: duas docentes e duas CAD’S, (cada uma, respectivamente,

pertencentes a uma das turmas envolvidas), uma professora de educação física, uma

docente de educação artística, a coordenadora pedagógica e o gestor escolar. A maior

parte desta população, cinco profissionais, compreende a faixa etária entre quarenta e um

13 Convém esclarecer que à título desta dissertação serão apresentadas as informações relativas às

perspectivas das crianças sobre o objeto de pesquisa em questão, mas pondera-se que a inclusão da

participação de profissionais (técnicos/as e professores/as) da comunidade escolar, com vistas a acessar as

significações que orientam e justificam as práticas sociais forjadas nas relações estabelecidas junto aos

aprendizes anunciados com a queixa escolar, como também, a escuta dos pais ou responsáveis destes/as

estudantes, foi fundamental para elaboração das hipóteses interpretativas que envolvem o ponto de vista

das crianças. Por outras palavras, o potencial do diálogo, ora proposto, se justificou pelo intuito de

apreender as negociações entre as redes de significados partilhadas por distintos sujeitos e grupos sociais

que integram a produção do objeto social destacado, com as quais as crianças entram em contato e elaboram

significações constituintes de seus processos identitários.

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e cinquenta anos, a menor parcela, três destas, apresentaram a idade variável entre trinta

e dois e quarenta anos.

Como demonstrado adiante, os quadros 2 e 3 elucidam o panorama das(o)

partícipes atuantes na cena escolar. No que se refere a ilustração 2, ela indica a correlação

de docentes por turma, considerando as categorias sexo e idade. Quanto a 3, evidencia a

correspondência de técnicas(o) por modalidade profissional, e também por relações

sociais de sexo e idade.

Quadro2: Relação de docentes por turma, sexo e idade

Fonte: Elaboração própria por meio das informações advindas do procedimento de

entrevista

Quadro 2: Relação de técnicas(o) por modalidade profissional, sexo e idade

Fonte: Elaboração própria por meio dos dados provenientes do procedimento de entrevista

No que concerne a participação dos pais ou responsáveis de Guilherme e

Bernardo, procurou-se contatá-los (las), inicialmente, por via telefônica, a partir dos

dados fornecidos por técnicos(as) atuantes no cotidiano escolar. Neste primeiro momento

de aproximação, a pesquisadora se apresentou aos(as) atores(atrizes) sociais e realizou o

convite para estes(as) e seus respectivos filhos, para que participassem do estudo,

informando-lhes sobre os preceitos e os objetivos imbuídos em seu desenvolvimento.

Sob este aspecto, ao partir do pressuposto de que tradicionalmente a literatura

especializada aborda o objeto investigado com base em explicações pseudocientíficas que

visam reduzir a complexidade do processo de escolarização a aspectos individuais, seja

do(a) educando(a), dos(as) responsáveis, ou dos(as) personagens atuantes na cena escolar

(SOUZA, 2010), priorizou-se em esclarecê-los(as) que as premissas orientadoras deste

trabalho enfocam as nomeadas dificuldades vivenciadas pela criança em sua experiência

Docentes Turma Sexo Idade

Amália X F 42

Fernanda Educação Física X/Y F 37

Luiza Y F 32

Marlene Educação Artística X/Y F 40

Total de sujeitos 4

Técnicas(o) Profissão Sexo Idade

Elise CAD F 41

Adriana CAD F 49

Marisa Coordenadora F 43

Emanuel Diretor M 50

Total de sujeitos 4

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escolar como fenômenos sociais, produzidos por redes de relações sociais concretas,

situadas historicamente, que envolvem o próprio aprendiz, sua família ou responsáveis, a

escola e os aspectos vinculados às políticas educacionais que tangenciam as práticas e os

saberes sociais dirigidos às crianças, determinando a forma como estas e os adultos se

relacionam com o processo de ensino e aprendizagem. (PATTO, 1993).

Por conseguinte, os pais ou responsáveis foram informados(as) acerca da

flexibilidade da pesquisadora para encontrá-los(as) na comunidade escolar, ou em outros

espaços indicados pelos(as) mesmos(as), em vista de ampliar os diálogos, considerando

a disponibilidade de cada sujeito. Em relação aos pais do aprendiz Guilherme, estes

consentiram em se integrarem à investigação, bem como, permitiram a participação do

filho. A respeito dos pais de Bernardo, a figura materna aceitou o convite em compor o

estudo, quanto ao pai, durante as práticas comunicacionais (por via telefônica), este

incialmente se propôs a ir à unidade escolar para dialogar com a pesquisadora sobre a

proposta deste trabalho, mas em virtude das circunstâncias o encontro não se concretizou,

ambos pais autorizaram o aprendiz a ser partícipe. Diante disso, envolveram-se no

processo investigativo três responsáveis das crianças anunciadas com a queixa, os quais

possuem a faixa etária entre vinte e sete e quarenta e três anos. O quadro 4, exposto em

seguida, exibe a relação dos pais ou responsáveis, considerando as categorias sexo e

idade.

Quadro 4: Relação de pais ou responsáveis pelas crianças anunciadas com a queixa, sexo e idade

Fonte: Elaboração próprio por meio das informações oriundas do procedimento de

entrevista

Cabe destacar, que a investigadora permaneceu na comunidade escolar ao longo

de três meses, tanto no período matutino como no vespertino, (dois meses referentes ao

ano de 2016 e um mês concernente ao ano de 2017), seguindo o horário rotineiro de

planejamento das atividades desenvolvidas no contexto (7h às 10h:45min/13h às

16:45min). Nos primeiros momentos, sua frequência em campo se constituiu em duas

vezes por semana em ambos turnos, posteriormente ao primeiro mês, a partir das

Pai ou responsável Crianças Sexo Idade

Joana Guilherme F 27

Paulo Guilherme M 29

Maria Bernardo F 43

Total de sujeitos 3

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negociações junto aos(as) atores(atrizes) sociais implicados(as) na pesquisa, intensificou-

se a inserção, se configurando em quatro vezes de manhã e cinco à tarde.

A decisão em ampliar a temporalidade das observações vivenciadas no lócus

investigado está relacionada com o propósito de oportunizar encontros com uma das

crianças anunciadas com a queixa, haja vista que esta incialmente apresentava baixa

frequência nos períodos em que a pesquisadora junto aos(as) profissionais da escola

planejaram ser os mais apropriados para o trabalho em campo. Considerou-se, portanto,

que o comprometimento social da pesquisadora para com os sujeitos partícipes, estava

imbricado, dentre outros preceitos, em se posicionar de forma flexível, delineando novas

nuances aos aspectos imprevisíveis que estão no bojo dos fenômenos sociais. Com base

nas considerações expostas, será exibido por conseguinte aos(as) leitor(as), os contornos

teórico-metodológicos trilhados no transcorrer da presente cena de pesquisa.

3.3 Escolhas metodológicas

Para Arruda (2014), o método enquanto dado não se desvela de maneira

autônoma. Este, por sua vez, somente existe subjacente às acepções que o(a)

pesquisador(a) apresenta sobre o objeto de conhecimento e as formas com que ele(a)

percorre de modo a acessá-lo. Tal pressuposição está correlacionada com a maneira de

olhar a construção de saber social e o lugar que o sujeito ocupa neste processo que, por

vezes, não é completamente explicitado.

Ao aproximar-se desta linha argumentativa, Gatti (2002) sublinha que o método

não se constitui em um trajeto dado a priori que deve ser contornado minuciosamente; ao

contrário, este se caracteriza em processos intersubjetivos permeado por aspectos

valorativos, crenças, e atitudes relativas às escolhas empreendidas nos modos de captar a

realidade investigada, se revelando nas relações vivenciadas pelo(a) pesquisador(a) com

o objeto em construção. Dito de outra forma, “[...] os métodos de trabalho precisam ser

vivenciados em toda a sua extensão, pela experiência continuada, pelas trocas, pelos

tropeços, pelas críticas, pela sua integração mediada pelo próprio modo de ser do

pesquisador enquanto pessoa”. (GATTI, 2002, p.55).

Gatti (2002) adverte, também, que se faz necessário a congruência entre o

arcabouço teórico e os procedimentos adotados na geração e análise de dados, os quais

devem ser calcados no pressuposto da indissociabilidade. Posto que, o início de um e o

término do outro, são tão fluidos, como a díade estabelecida na relação entre o sujeito e

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objeto de construção social da realidade. Com efeito, compreende-se que não há objeto

social sem o processo de mediação, à medida que este envolve o discurso e o universo de

representação circundante nos grupos de referência. Do mesmo modo que o objeto de

conhecimento adquire um destaque social em decorrência do significado que se inscreve

para ele, na e pela interação social. (ARRUDA, 2014).

Dito isto, os preceitos teórico-metodológicos que orientam o desenrolar desta

pesquisa alicerçaram-se sob o princípio da plurimetodologia e da triangulação

(APOSTOLIDIS, 2006). Tal procedimento configura-se na combinação de diferentes

instrumentos metodológicos que podem dialogar entre si, complementar-se e/ou anunciar

se há divergências e tensões entre as informações produzidas, favorecendo a apreensão

de vários aspectos que atravessam a realidade social, principalmente os correlacionados

com a complexidade do fenômeno investigado, possibilitando, por sua vez, transcender a

validação dos dados gerados.

As premissas subjacentes ao processo de triangulação, aproximam-se do enfoque

atribuído por Moscovici citado por Duveen (2015) à noção de “politeísmo metodológico”,

ao referir-se ao não enclausuramento da teoria das representações sociais. Por esta via, o

autor (DUVEEN, 2015) tece argumentos concernentes à pertinência da utilização de

diferentes instrumentos metodológicos, os quais permitem desvelar os fenômenos das

representações sociais sob várias nuances, destacando o caráter criativo e inovador deste

particular conhecimento social. Tal como Arruda assinala (2014),

[...] O recurso a metodologias combinadas tem sido frutífero, não por

proporcionar qualquer tipo de validação de dados, mas por promover por

facilitar uma angulação variada do objeto, expondo mais da sua complexidade,

o que estaria em acordo com a perspectiva da TRS. (ARRUDA, 2014, p.154-

155).

Em diálogo com as formulações ora apresentadas, o contexto de pesquisa se

amparou nos contornos de um estudo do tipo etnográfico (ANDRÉ, 1995), dado que tal

abordagem metodológica permite captar e interpretar os significados compartilhados em

um determinado contexto cultural. Sob esta via de pensamento, a orientação do olhar

etnográfico inspirou-se nas colocações do antropólogo Clifford Geertz (2008), que

assume a cultura como fundamentalmente semiótica, ao pautar-se nas reflexões de Max

Weber. Segundo Geertz “[...] o homem é um animal amarrado a teias de significados que

ele mesmo teceu [...]” (GEERTZ. 2008, p. 4). Apoiar-se, então, na acepção de que a

cultura se constitui por essas teias e suas análises, permite com que o exercício

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investigativo seja focalizado como uma ciência interpretativa à procura dos significados

partilhados em um dado cenário cultural, ao invés de uma ciência experimental em busca

de leis.

Isto posto, é imprescindível salientar que os conhecimentos sociais

compartilhados nas trocas sociais precisam ser analisados tomando-se em conta que o

processo educacional está inter-relacionado com os contextos históricos e culturais. Tal

perspectiva, também, é expressa por Ezpeleta e Rockwell (1986) ao enfatizarem a

necessidade de contextualizar os significados partilhados pelos sujeitos na vida diária

escolar,

[...] a construção de cada escola, mesmo imersa num movimento histórico de

amplo alcance, é sempre uma versão local e particular nesse movimento [...] A

partir daí, dessa expressão local, tomam forma internamente as correlações de

forças, as formas de relação predominantes, as prioridades administrativas, as

condições trabalhistas, as tradições docentes, que constituem a trama real em

que se realiza a educação. É uma trama em permanente construção que articula

histórias locais – pessoais e coletivas –, diante das quais a vontade estatal

abstrata pode ser assumida ou ignorada, mascarada ou recriada, em particular

abrindo espaços variáveis a uma maior ou menor possibilidade hegemônica.

Uma trama finalmente, que é preciso reconhecer porque constitui,

simultaneamente, o ponto de partida e o conteúdo real em nossas alternativas.

(EZPELETA; ROCKWELL, 1986, p.11-12).

O trabalho investigativo ora apresentado, ao se sustentar na apreensão de que as

crianças são atores(atrizes) sociais que atuam na produção cultural da sociedade,

privilegia como foco central os significados que elas elaboram e partilham nas interações

intergeracionais e intrageracionais sobre as nomeadas queixas escolares. Consoante com

esta proposição, a pesquisa parte da acepção de que o reconhecimento das crianças como

sujeitos de saberes se configura como um passo essencial para a desconstrução da

invisibilidade infantil na esfera científica, tal como em outras dimensões engendradas na

trama social. Sob esta ótica, Rockwell (2015) enfatiza que a integração dos próprios

conhecimentos locais ao processo investigativo, torna-se possível somente por intermédio

da adoção de pressupostos teóricos convergentes com o reconhecimento e valorização

destes saberes.

Tais reflexões elucidadas, corroboraram para a escolha do olhar etnográfico ao

contexto de pesquisa, à medida que este possibilita a implicação próxima às experiências

de vida das crianças, ao constituir-se com uma prática adequada e pertinente à produção

de conhecimentos sociais sobre às infâncias e das crianças (CORSARO, 2005, 2011;

FERREIRA, 2008, 2010; GRAUE; WALSH, 2003; JENKS, 2005; FERREIRA;

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SARMENTO, 2008), ao permitir “[...] às crianças tomarem parte e podem tomar parte

[...]” (JENKS, 2005, p. 65) do trabalho investigativo, passando desta forma a ser

concebidas como participantes ativos deste processo.

Em interlocução com esta via, pode-se pensar que a focalização das vivências

inspirando na etnografia, se desvela como especialmente fecunda às pesquisas

qualitativas desenvolvidas no campo da educação (ANDRÉ, 1995; EZPELETA;

ROCKWELL, 1986), ao centrar-se nas interações sociais face-a-face imbricadas com a

complexidade dos fenômenos psicossociais tecidos na vida escolar, possibilitando tornar

audíveis as vozes das crianças aprendizes, principalmente, aquelas que são ocultadas e

silenciadas sob a lógica da normatividade social (FERREIRA; SARMENTO, 2008).

À luz deste princípio, cabe mencionar os argumentos de Geertz (2008) relativos a

prática etnográfica, o qual compreende-na como uma descrição densa, ao partilhar desta

significação elaborada por Gilbert Ryle. Por outras palavras,

[...] Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura

de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências,

emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais

convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento

modelado. (GEERTZ, 2008, p.7).

Salienta-se que tal processo de inscrição esboçada por Geertz (2008) implica no

estabelecimento de relações estreitas com os(as) atores(atrizes) pertencentes a realidades

sociais singulares, nas quais a postura do(a) pesquisador(a) deve ser aberta às formas

destes(as) conceberem a si mesmos(as) e ao mundo social que os(as) cercam. Sob este

propósito, o texto etnográfico é constituído mediante as relações intersubjetivas

promovidas no encontro dialógico com o Outro investigado.

No estudo da cultura a análise penetra no próprio corpo do objeto – isto é,

começamos com as nossas próprias interpretações do que pretendem nossos

informantes, ou o que achamos que eles pretendem, e depois passamos a

sistematizá-las. [...] Resumindo, os textos antropológicos são eles mesmos

interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão (Por definição, somente

um “nativo” faz interpretação em primeira mão, é a sua cultura. Trata-se,

portanto, de ficções; ficções no sentido de que são “algo construído”, “algo

modelado”. (GEERTZ, 2008, p.11)

Rockwell (2015), por sua vez, ao propor a ampliação deste diálogo, argumentam

que tal processo de “[...] documentar o não documentado da realidade social14”

14 Tradução nossa de “[...] documentar lo no-documentado de la realidade social [...]” (ROCKWELL, 2015,

p. 21).

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(ROCKWELL, 2015, p. 21, tradução nossa), não se reduz a compilação de informações

configuradas como mero reflexo direto e linear da trama observada, destituído de

pressupostos teóricos, se trata, assim, da conceituação do objeto estudado em permanente

(re)construção.

Por esta perspectiva, ao seguir as considerações de Jenks (2005), intentou-se ao

longo do trabalho em campo, tomar precauções em relação às expressões “somos todos

iguais”, “podemos comunicarmos por intermédio da mesma voz”, pois estas são imbuídas

de visões estereotipadas acerca do outro. Ressalta-se que as condições desiguais de poder

subjacentes ao delinear dos estudos sociais da criança não podem ser ocultadas,

sobretudo, “[...] aquele poder que para muitos analistas condena a diferença e a relação

entre crianças e adultos” (JENKS, 2005, p.64) que possuem razões sociais e ideológicas,

implicadas no controle e na dominação de grupos sociais minoritários. (KRAMER, 2006).

Sob este ponto, pondera-se que a inferioridade de crianças pode ser evidenciada

pelo fato de que possuem pouco poder de negociação no que concerne ao contrato

intergeracional, estas devem trabalhar no interior dele. (MAYALL, 1994 apud JENKS,

2005). Ao se dirigir em contramão das proposições tecidas, não se ignorou o fato de que

há relações de poder distribuída assimetricamente, intrínsecas à díade pesquisador(a)

adulto-crianças, caracterizadas pela condição subordinada e marginal destas nas relações

intergeracionais, as quais são inter-relacionadas a outras categorias identitárias, tal como

classe social, etnia, raça, gênero e religião (SARMENTO, GOUVÊA, 2008).

Acerca dessas premissas, Jenks (2005) assinala que se torna fundamental à prática

do(a) investigador(a) o (re)conhecimento das diferenças e da diversidade que permeiam

as condições de existência dos(as) atores(atrizes) infantis. Aproximando-se dessa

perspectiva, Mantoan (2003), argumenta que as

[...] diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero, enfim, a

diversidade humana está sendo cada vez mais desvelada e destacada e é

condição imprescindível para se entender como aprendemos e como

compreendemos o mundo e a nós mesmos (MANTOAN, 2003, p. 16).

Cabe esclarecer que independente do compromisso ético, metodológico e político

em transcender as tramas verticalizadas entre adultos e crianças, as diferenças geracionais

de poderes estabelecidas para com elas não foram anuladas. Partindo desta colocação

procurou-se nas trocas intergeracionais com o Outro-criança se posicionar de modo a

minimizar estas disparidades, buscando considerá-las em sua alteridade, o que significa

reconhecer que há aspectos de diferenciação e singularização em relação ao adulto, mas

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que de forma alguma estes podem ser focalizados sob parâmetros correlativos forjados

em concepções reducionistas, naturalizantes e a-históricas que consideram a população

infantil sob a ótica da subordinação, incompletude e inferioridade. Este processo implicou

em uma postura reflexiva por parte da pesquisadora, ancorada no pressuposto de que as

crianças e as infâncias se configuram como saberes sociais que devem ser perspectivados

a partir de si próprios. (FERREIRA, SARMENTO; 2008).

Com base nas reflexões supracitadas, este diálogo sedimenta-se na acepção de que

as escolhas procedimentais metodológicas são caminhos trilhados que se entrelaçam,

desvelando as possibilidades e limites do processo investigativo. Sob este ângulo será

apresentado a seguir, sinteticamente, o percurso metodológico traçado com o intuito de

explorar distintas dimensões constituinte do objeto social em questão. Este foi dissociado

em etapas somente para fins didáticos, de forma que estas são inter-relacionadas

dialeticamente, não se configurando em uma sequência linear.

Quadro 3: Plano geral de produção e análise das informações produzidas

Esferas de

pertença das

RS

Sujeitos

participantes

Procedimento de geração de

dados

Processamento

Análise

Intersubjetiva

Profissionais da

cena

escolar/EMEB:

- 4 Professoras

- 2 Cuidadoras de

Aluno com

Deficiência

(CAD’s)

- 1 Coordenadora

pedagógica

- 1 Diretor

Entrevista

semiestruturada

- Observação

participante com

registro em

caderno de campo

- Tabulação;

- Transcrição;

- Identificação de

episódios

interpretativos

Análise

Compreensiva

Demais itens:

- Elaboração de

narrativa;

- Questões

baseadas em

antinomias;

- Narrativa

encorajadora e

questões

pertinentes

- - Tabulação;

- Transcrição;

- Identificação de

episódios

interpretativos

Análise

Compreensiva

- Observação

participante com

registro em

caderno de campo

- Tabulação;

- Transcrição;

- Identificação de

episódios

interpretativos

Análise

Compreensiva

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66

Fonte: Elaboração própria com base nos procedimentos que apoiam a presente investigação.

3.4 Adequações da metodologia

Em interlocução com as pressuposições ora apresentadas, os preceitos

metodológicos inspiraram-se nas contribuições de Jodelet (2005) relativas à

confiabilidade das informações geradas no contexto de pesquisa, ao considerar a hipótese

da transparência dos discursos. Segundo a autora (2005), as representações atribuídas por

partícipes ao objeto de investigação podem ser permeadas por conteúdos que estes(as)

identificam como promotores de julgamento positivo por parte do(a) investigador(a), o

que, também, pode ser traduzido no desconforto daqueles(as) em exprimirem os seus reais

pontos de vista, em face ao receio de serem focalizados socialmente de forma negativa,

comprometendo a identidade individual e do grupo de referência. Com efeito, evidencia-

se a necessidade de analisar os fenômenos sociais tomando em conta o seu contexto de

produção e funcionamento, dados que não podem ser ocultados.

Alinhado as reflexões sobre a transparência do discurso, torna-se importante

salientar que mesmo não se apoiando na abordagem estrutural das representações sociais,

preocupou-se no presente estudo com a pressão normativa (ABRIC, 2003) que perpassa

o delinear do processo investigativo. A fim de potencializar sua redução, tornou-se

imprescindível se fundamentar em contornos teórico-metodológicos que promovam

relações entre partícipes e pesquisadora fundadas em princípios horizontais, que permitem

minimizar o receio dos sujeitos e de grupos sociais em expressarem aspectos contra-

- 24 Crianças não

anunciadas com o

fenômeno da queixa

escolar

Narrativa

encorajadora e

questões

Pertinentes

- Tabulação;

- Transcrição;

- Identificação de

episódios

interpretativos

Análise

Compreensiva

- 3 pais ou

responsáveis pelas

crianças anunciadas

com a queixa

escolar

Transcrição

Análise

Compreensiva

Subjetiva

- 2 Crianças

anunciadas sob a

condição da queixa

escolar

Entrevista

semiestruturada

- Observação

participante com

registro em

caderno de campo

- Transcrição;

- Identificação de

episódios

interpretativos

Análise

Compreensiva

Narrativa

encorajadora e

questões

pertinentes

Demais itens:

- Transcrição;

- Classificação

Análise

Compreensiva

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normativos que permeiam o objeto de representação, não revelados em situações

convencionais de produção.

Na continuidade dessa linha argumentativa, ao privilegiar o acesso das

significações das crianças à luz de seus próprios saberes sociais, levou-se em

consideração a necessidade de se amparar a pesquisa em princípios metodológicos que

permitissem à pesquisadora se aproximar de suas perspectivas e conhecer experiências

vividas por elas de forma tanto individual quanto coletiva, no contexto educativo no qual

se inserem e atuam.

Uma das estratégias propostas para os diálogos intergeracionais, por sua vez,

refere-se a utilização de roteiro lúdico, pouco convencional, adequado as particularidades

do estudo com crianças. Este foi sistematizado em interlocução com os objetivos

específicos da pesquisa, como também buscou-se estruturá-lo com vistas a minimizar a

pressão normativa que atravessa a dissimetria de poder inerente ao encontro social entre

adulto-pesquisador e criança-partícipe.

Dentre os procedimentos que compuseram o referido roteiro, utilizou-se a técnica

de narrativa encorajadora (ANDRADE, 2017) e as demais questões se fundaram em

situações imaginárias, que foram adaptadas ao trabalho que se apresenta, a partir da

proposta de rotas imaginárias formulada pela mesma autora (2007). Diante destas

colocações, será elucidado a seguir os contornos teóricos-metodológicos que subsidiaram

as estratégias referidas.

3.4.1 Narrativa encorajadora

Neste tópico será explanado aos(as) leitores(as) possíveis interlocuções entre

constructos teóricos que permitem conceber a narratividade como uma estratégia

metodológica mediadora da aprendizagem e do desenvolvimento humano, tomadas como

fecunda aos estudos sociais de crianças. Destaca-se na cena deste debate os pressupostos

elucidados por Bruner (1997, 2001, 2014), Brockmeier e Harré (2003), Kishimoto, Santos

e Basílio (2007) e as ponderações esboçadas por Jovchelovitch (2008), Jovchelovitch e

Bauer (2002), e Jovchelovitch, Hernández e Glăveanu (2017), por meio das quais os(as)

referidos(as) autores(as) lançam de aproximações com a teoria das representações sociais.

Em diálogo, apoiou-se nas premissas da teoria histórico-cultural (VIGOTSKI, 2009a,

2009b, 2010; PRESTES, 2010). O recorte ora apresentado, foi assumido com o intuito de

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oferecer elementos que apoiam as proposições de Andrade (2017) acerca do recurso

metodológico intitulado narrativa encorajadora.

Os laços delineados em torno destas colocações foram tecidos com base na

compreensão de que o estudo teórico sobre narrativas, por vezes, se desvelou nas últimas

décadas como objeto de conhecimento social profícuo aos teóricos que se propõem a

investigar o potencial desta modalidade discursiva imprimida na indissociabilidade da

antinomia sujeito-sociedade.

Jovchelovitch e Bauer (2002) ao citarem Roland Barthes, sublinham que toda ação

humana pode ser expressa pela via da narratividade, a qual é infinita em sua variedade e

se configura de forma universal. Dito de outra forma,

[...] a narrativa está presente em cada idade, em cada lugar, em cada sociedade;

ela começa com a própria história da humanidade e nunca existiu, em nenhum

lugar e em tempo nenhum, um povo sem narrativa. Não se importando com a

boa ou má literatura, a narrativa é internacional, trans-histórica, transcultural:

ela está simplesmente ali, como a própria vida. (JOVCHELOVITCH; BAUER,

2002, p.91).

Ao se sustentar na premissa de que a narrativa se caracteriza em uma forma

elementar de comunicação humana, presente em todos os grupos sociais, desvelada nas

mais distintas formas e idade, torna-se possível pensar que o ato narrativo não se limita a

uma categoria geracional específica, dado que ele está no bojo de qualquer relato da

experiência vivida. Tal percepção favorece o anuncio das crianças como seres autorais

que apresentam condições de elaborar processos comunicacionais a partir de suas

particularidades e, por intermédio destes, podem não somente partilhar significados na

relação com o Outro criança e(ou) adulto, mas também, igualmente a este último, são

capazes de reelaborar sentidos sobre si próprias e atuarem na produção da cultura a qual

pertencem.

Sob este processo, Jovchelovitch, Hernández e Glăveanu (2017), ao se referirem

a Bruner (2008), ponderam que este teórico é um dos precursores desta abordagem no

campo da psicologia, visto que parte do propósito de que o exercício narrativo, por sua

vez, permite ao sujeito atribuir significações sobre si mesmo e o mundo social que o cerca

por meio da utilização dos instrumentos disponibilizados pela cultura. Sob esta ótica,

pode-se considerar que a narrativa se figura em “[...] negócios sérios [...]” (BRUNER,

2008 citado por JOVCHELOVITCH, HERNÁNDEZ E GLĂVEANU, 2017, p.17) do

ponto de vista cultural, à medida que a narratividade possibilita que as normas, os valores

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e as convenções sociais subjacentes a tal modalidade discursiva, sejam apropriadas e

difundidas de uma geração à outra.

Em convergência com esta linha de pensamento, compreende-se que a narrativa

não impede que haja outras nuances interpretativas, à medida que é possível narrar e

traduzir a versão de uma história em múltiplas formas, dado que esta é concebida pela

maneira como as significações que as tangenciam são apropriadas e construídas nas

práticas sociais. Essas significações podem ser compreendidas de diversos modos

permitindo desvelar as perspectivas singulares dos sujeitos e grupos sociais.

Ao se valer desta reflexão explicitada, destaca-se o caráter polissêmico desta

modalidade discursiva, ou seja, a existência de várias redes de significações tecidas

simultaneamente sobre um mesmo fenômeno social. Jovchelovitch e Bauer (2002), por

sua vez, salientam que a narratividade se inscreve em uma modalidade de comunicação

humana apropriada para a reconstrução de experiências vivenciadas em um dado

contexto, ao promover o desvelamento do tempo, do lugar, das inspirações e orientações,

que guiam os processos simbólicos produzidos e partilhados pelos(as) atores(atrizes)

sociais nas trocas sociais.

Com relação a essa consideração, Brockmeier e Harré (2003), aludem a

denominação corriqueira da terminologia narrativa, identificando-a como um conjunto de

estruturas linguísticas e psicológicas transmitidas culturalmente e historicamente, que

envolve a dimensão individual de cada ser humano, que se constitui de forma indissolúvel

das técnicas sócio-comunicativas e dos domínios linguísticos intrínsecos às interações

sociais. Pressupõe-se, assim, que o processo comunicativo acerca dos dilemas e conflitos

experienciados na vida social comumente assumem a forma da narrativa, por meio da

qual o sujeito enuncia um enredo de modo a atribuir significações às suas vivências,

segundo certas convenções sociais.

Por sua vez, convém mencionar que o exercício narrativo mesmo voltado às

versões particulares está correlacionado a apropriação das formas linguísticas

compartilhadas nas práticas sociais, tal como: estrutura de enredo, linha de história e

diferentes modalidades da retórica. Neste processo, a história tecida, os interlocutores

implicados em seu delineamento e a condição concreta em que a própria narrativa emerge,

estão inter-relacionados ao contexto histórico e cultural mais amplo. Tal aspecto torna

mais evidente a impossibilidade de situar a narrativa de forma isolada do contexto cultural

onde ela é produzida e partilhada pelos(as) atores(atrizes) sociais (BROCKMEIER;

HARRÉ, 2003).

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Ao ampliar este debate, Bruner (1997, 2014) argumenta que o ser humano possui

propensão para organizar e exprimir as experiências vividas no mundo de forma

sequencial por via da narratividade. O referido autor (1997) parte da compreensão de que

um dos modos de acessar e interpretar os dados das culturas ocorre por intermédio da

narrativa, a qual promove a mediação da própria experiência e tangencia a construção da

realidade social. Sobre este aspecto, Bruner (2014) ressalta:

[...] duvido muito que essa vida coletiva fosse possível se não fosse nossa

capacidade humana de organizar e comunicar a experiência em uma forma

narrativa, pois é a convencionalização da narrativa que converte a experiência

individual em uma moeda de troca coletiva que pode circular, digamos, em

uma base mais ampla do que meramente interpessoal (BRUNER, 2014, p. 26).

Nesta linha de pensamento, torna-se fundamental esboçar que a elaboração das

narrativas em todas as suas infinitas formas está vinculada aos aspectos previsíveis e

aquilo que pode vir a ocorrer na vida social. Em linhas gerais, pode-se elucidar que tal

ação comunicacional se inicia a partir de uma transmutação da dinâmica comum aos

fenômenos sociais. Em relação a este aspecto, entende-se que para a narrativa ser

produzida é necessário que haja um motivo, pois, a enunciação de uma história pressupõe

uma ruptura com os aspectos comuns da cotidianidade, caso contrário não haveria

elementos a ser narrados. (BRUNER, 2014).

Com o exposto, cabe mencionar que para a narrativa alcançar o seu efeito, é

necessário “[...] fincar suas raízes em território familiar, no aparentemente real. Sua

missão, afinal de contas, é mais uma vez dar estranheza ao familiar, é transmutar o

declarativo em subjuntivo”. (BRUNER, 2014, p.21). A narratividade, então, se trata de

uma forma específica de construção da realidade na qual o sujeito percorre caminhos

inusitados e inesperados aos mundos possíveis em uma dada cultura e, nesta dinâmica

recíproca, esta também determina o discurso narrativo. (BRUNER, 2014). Dito de outra

forma, tal processo comunicacional se conforma na vida social,

[...] com a realidade material fluida e simbólica de nossas ações, mentes e

vidas. Ao que tudo indica, é definitivamente a função narrativa que preenche

a condição humana com sua particular abertura e plasticidade. Assim sendo,

uma razão – talvez até mesmo um leitmotiv – para se estudar as realidades

narrativas deveria ser a investigação da qualidade de abertura presente na

mente discursiva e o descobrimento das formas multifacetadas de discursos

culturais em que elas se realizam. (BROCKMEIER; HARRÉ, 2003, p. 534).

Por conta disso, convém esclarecer que a narratividade não pode ser entendida de

modo ingênuo, traduzida em uma forma harmônica e idealizada de interpretação da

realidade. Esta prática discursiva, por sua vez, ao emergir da potencialidade em incidir

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rupturas sob o horizonte canônico forjado pela normatividade social, apresenta em seu

bojo projetos representacionais que são negociados e partilhados pelos sujeitos e grupos

de pertença. Estes podem vir a agenciar relações permeadas predominantemente por

princípios emancipatórios, mas por outro ângulo, por intermédio destes, também existe a

possibilidade de se reproduzir tendências hegemônicas.

Cabe ressaltar que o compartilhamento destas significações, identificadas por

Moscovici (2015) como representações sociais, constituem e são constituídas por meio

das interações sociais, situadas em um dado contexto histórico e cultural, às quais estão

imbricadas a narratividade. A esse propósito, Jovchelovitch (2008) assinala que

[...] As representações sociais aglutinam a identidade, a cultura e a história de

um grupo de pessoas. Elas se inscrevem nas memórias sociais e nas narrativas

e modelam os sentimentos de pertença que reafirmam a membros individuais

sua inserção em um espaço humano (JOVCHELOVITCH, 2008, p; 175).

Pressupõe, então, que o ato narrativo auxilia a promoção de um diálogo mútuo

entre o passado e o futuro no qual a história é comunicada pelo sujeito a partir de um

conjunto de prismas inter-relacionados com a história dele e com a historicidade da

humanidade, permitindo exprimir as trajetórias e experiências de vida de forma

sequencial e, neste exercício narrativo, criar uma significação pessoal para os eventos

vivenciados no mundo social. (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002).

Tal acepção esboçada aproxima-se dos processos de formação e funcionamento

das representações sociais, ilustrados anteriormente no capítulo teórico, à medida que a

dinâmica de objetivação inter-relacionada e da ancoragem permitem com que os sujeitos

e grupos de referência se familiarizarem com o novo ou estranho ao inseri-los em sistemas

de pensamentos pré-existente. Tais sistemas são constituídos pelos conhecimentos tecidos

na vida cotidiana como também pela reapropriação das significações historicamente

produzidas, dado que os conhecimentos provenientes da experiência direta são

incorporados aos saberes sociais adquiridos em outras épocas. (VILLAS BÔAS, 2010).

Diante disso, se faz pertinente retomar as considerações de Bruner (2001), que

parte do princípio de que a narratividade se faz na negociação de significados em uma

prática compartilhada socialmente, na qual é possível (re)construir as redes de

significados na interação com o Outro. A esse respeito, destaca que,

[...] embora os significados estejam “na mente”, eles têm suas origens e sua

importância na cultura na qual são criados. É esta localização cultural dos

significados que garante a sua negociabilidade e, no final das contas, sua

comunicabilidade. (BRUNER, 2001, p.16).

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Por conta disso, as narrativas são tomadas como moedas correntes na cultura.

(BRUNER, 2014). Em interlocução com este panorama, segundo Molon (1999) o ser

humano se constitui pelas significações culturais, todavia, estas não podem ser

concebidas como a própria ação, dado que as significações não existem em si, mas, se

desvelam no momento em que os sujeitos entram em relação e passam a significá-las. Por

outras palavras, pode-se dizer que somente há significação quando o objeto significa para

a pessoa, e ela adentra o mundo das significações quando se torna reconhecida pelo Outro.

Tal perspectiva explicitada aproxima-se das proposições tecidas por

Jovchelovitch (1998) que focaliza a processualidade das significações como “[...] um ato

que tem lugar (e só pode ocorrer) numa rede intersubjetiva, entendida como estrutura de

relações sociais e institucionais dentro de um processo histórico.” (JOVCHELOVITCH,

1998, p. 78). Sob este ângulo, pode-se pensar que a narrativa é constituída e constitui

processos mediadores de significações relativas as vivências humanas, à medida que se

desvela na e pela relação Eu-Outro, por intermédio dos signos, da palavra e demais

instrumentos psicológicos de mediação, sendo assim a própria relação (MOLON, 1999)

Na tessitura deste diálogo, Bruner (1997, 2014) expõe que a cultura é constituída

por teias de significados e processos de significação que são construídos e compartilhados

socialmente. Tal movimento constitutivo não se traduz somente ao cânone, mas se

inscreve na relação dialética com aquilo que pode vir a tornar-se possível. Em suas

palavras,

A cultura, é um sentido figurado, autora e auditora do previsível.

Paradoxalmente, porém, ela também compila, e às vezes até secretamente

aprecia, as transgressões. Seus mitos e seus contos, seus dramas e suas

cerimônias, memoram tanto as normas quanto as notáveis violações da mesma.

(BRUNER, 2014, p.25).

Ainda sob este viés, Bruner (2001) argumenta que a cultura pode ser

compreendida como a forma de vida e pensamento que os sujeitos constroem, negociam

e institucionalizam e que, por fim (após toda negociação), estes nomeiam por realidade.

Dito de outro modo, as pessoas pela via da narrativa elaboram significações a partir dos

sistemas simbólicos já dados na cultura, os quais se revelam como uma espécie de kit de

ferramentas que os(as) atores(atrizes) sociais utilizam para construir suas representações

acerca da realidade. A linguagem, por sua vez, é considerada como uma destas principais

ferramentas ao se configurar em um elemento fundante para se pensar sobre a qualidade

dos processos de mediação estabelecidos socialmente Por meio dela é que se faz possível

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apreender os significados partilhados pelos grupos de pertencimento, as percepções e

interpretações de objetos e situações, reafirmando o processo de funcionamento mental

humano, com base em sua gênese nos aspectos sociais, gerida pela cultura, ao utilizar a

mediação simbólica (LIMA; CARVALHO, 2013).

É necessário destacar que o discurso narrativo se configura por meio da

apropriação de diferentes modalidades de linguagem – a qual é tomada como instrumento

mais poderoso para a organização da experiência humana – bem como para a criação e

sistematização da realidade. (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002). A linguagem, ao se

constituir por alegorias e artifícios, permite com que o sujeito construa e partilhe

significados acerca dos aspectos mais ordinários da vida social, até o reino do possível,

explorando os dilemas humanos sob a ótica da imaginação (BRUNER, 2014). Convém

ainda mencionar que

[...] Não apenas as histórias são produtos da linguagem – tão admirável devido

à sua cabal generatividade, que permite que muitas versões diferentes sejam

contadas –, como contar histórias é algo que rapidamente se torna crucial para

nossas interações sociais. (BRUNER, 2014, p. 40).

Em torno deste aspecto, salienta-se que a narrativa, o teatro, a brincadeira, o faz

de conta e a dramatização se desvelam como atividades que tornam possível aos sujeitos

se apropriarem e construírem significações para os conhecimentos circundantes em seu

entorno social. Acerca deste propósito, Bruner (2014) adverte que esta prática discursiva

permite ao sujeito corporificar a imaginação que se circunscreve de forma

interdependente da realidade social.

A partir do exercício das referidas vivências, os(as) atores(atrizes) sociais criam

situações imaginárias nas quais podem incorporar diferentes papéis e atuar nas mais

diversas situações. Tais atividades, por vezes, ao serem enredadas nas trocas sociais,

viabilizam ao ser humano se desdobrar em vários Outros e tomar o papel destes nas

relações sociais, em um processo dialético, o sujeito afeta a si mesmo e aos Outros, como

também é afetado por estes últimos. (VIGOTSKI, 2009a).

Com efeito, é possível refletir que o ato da narratividade pode exercer um papel

de atividade-guia do desenvolvimento humano visto que esta atividade carrega fatores

fundamentais e contém elementos estruturantes que impulsionam o desenvolvimento da

criança em uma determinada idade, ao gerar neoformações psíquicas e ampliar o processo

de significação da realidade, potencializando os processos de tomada de consciência do

sujeito. (PRESTES, 2010).

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A respeito desta ótica, reitera-se que os esforços do contexto deste trabalho se

mobilizam no intuito de fortalecer o desvelamento da dimensão polissêmica do exercício

narrativo sob o princípio da horizontalidade ao tomar como legítima a expressão das

narrativas infantis que circulam em concomitância com os processos comunicacionais

proferidos por adultos nas relações intersubjetivas engendradas na cena escolar.

Por meio da via narrativa, o sujeito ao criar situações imaginárias pode se

apropriar tanto da cultura como de seus artefatos culturais e, nessa dinâmica processual,

por intermédio das significações de suas vivências, atravessadas pelo mecanismo de

reelaboração criativa (VIGOTSKI, 2009a), ele apresenta a possibilidade de atribuir

novos sentidos sobre a sua realidade social, o que lhe possibilita assumir novas formas de

participação sobre o entorno social.

Dessa forma, ao partir da compreensão de que uma das principais funções da

narrativa se configura na transmutação da lógica normativa tecida na vida social,

permitindo uma abertura as perspectivas reais e possíveis que se forjam na trama

cotidiana, pode-se pensar que a exploração desta modalidade de comunicação na cena

educacional se revela em uma via profícua para o acesso e expressão da participação

infantil que historicamente foi subjugada pela ótica adultocêntrica.

Ao se amparar nas reflexões tecidas, utilizou-se a estratégia da narrativa

encorajadora (ANDRADE, 2017) nas entrevistas realizadas com as crianças e

profissionais da cena escolar. Este recurso é tomado nesta pesquisa como uma ferramenta

psicológica mediadora das vivências humanas, capaz de potencializar a expressividade

infantil em nível individual e grupal, em diferentes espaços sociais que as crianças

participam, podendo auxiliar tanto a elas quanto aos adultos a explorarem novos

contornos das lógicas convencionais que deslegitimam a emergência do novo.

Tal procedimento se fundamenta na apresentação de instrumentos, que são

elaborados mediante uma situação real ou fictícia semiacabada que pode ser focalizada

como ponto de partida para criação de novas narrativas e/ou utilizada para estimular o

desenrolar de enredos inicialmente elaborados. Sob esta via, tais ferramentas mediadoras

de interações sociais se caracterizam como: situações problemas, pequenas histórias,

imagens, músicas, filmes, dentre outros elementos que são circunscritos com base em

pressuposições familiares às significações enredadas a complexidade dos fenômenos

sociais investigados. (ANDRADE, 2017).

Outro desdobramento deste recurso metodológico se refere ao seu caráter de

abertura à imprevisibilidade, dado que a narratividade ao promover a combinação da

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tradição com a novidade permite ao sujeito se enveredar em caminhos inesperados,

tornando possível a expressão não somente dos discursos predominantemente permeados

por conteúdos hegemônicos, mas também das minorias, ao oportunizar que as vozes

infantis comumente silenciadas e ocultadas pela perspectiva adultocêntrica sejam

inteligíveis sob suas próprias versões.

Face a tais colocações, ao entrar em contato com as narrativas encorajadoras

apreendidas como indicadores de formas finais presentes nas culturas, as crianças são

convidadas ao exercício narrativo que favorece os processos de autoria infantil e

potencializa o fortalecimento de diálogos intergeracionais, ancorados

predominantemente por aspectos comunicacionais mais horizontalizados. (ANDRADE,

2017).

Em conformidade com esta visão, a narrativa encorajadora (ANDRADE, 2017)

empregada no cenário da investigação, se constituiu em um enredo semiestruturado,

ilustrado a seguir: “Era uma vez o príncipe que virou sapo, ele era um príncipe pequeno

da sua idade, e a gente não sabe o porquê dele ter virado sapo e como foi a vida dele

depois que ele virou sapo. Como você inventaria a continuação dessa história?” (Notas

de campo dos dias 15 de dezembro, 2016).

A referida ferramenta apresentada às crianças aprendizes como mediadora das

vivências infantis no cenário educacional, foi inspirada em elementos que perpassam a

cena da ficção infantil intitulada como “O príncipe que virou Sapo”. Tal instrumento

apresenta aspectos que autorizam a inversão do papel clássico do personagem

protagonista de tal trama, ao oferecer à criança a abertura ao exercício de diferentes

hipóteses interpretativas no processo de interação com saberes sociais familiares do

repertório da população infantil, propiciando a transmutação de uma lógica unívoca de

apropriação das significações, para tornar-se possível a inteligibilidade do novo,

inesperado e não familiar.

Convém destacar que a decisão pela elaboração da estratégia citada também foi

pensada em interlocução com os pressupostos que perpassam a obra intitulada O Príncipe

que virou sapo: considerações a respeito da dificuldade de aprendizagem das crianças

na alfabetização de Luiz Carlos Cagliari (1985), na qual o autor tece contornos

argumentativos transversais ao objeto de pesquisa investigado, privilegiando elementos

da literatura infantil para introduzir reflexões sobre como os estereótipos e preconceitos

sociais perfazem as vertentes teóricas que embasam explicações naturalizantes acerca das

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nomeadas dificuldades de aprendizes e(ou) comportamentos, relativos, sobretudo, a

população infantil oriunda de classes subalternas.

Com base nas considerações delineadas, pode-se pensar que o exercício de

exprimir as experiências infantis por meio da referida modalidade discursiva, autoriza a

inscrição das crianças como atores (atrizes) sociais protagonistas, criadores(as) de

mundos sociais reais e imaginários legítimos de serem narrados, ao favorecer a apreensão

da criança como ser autoral e não somente reprodutor das significações partilhadas no

interior das práticas sociais inseridas nos contextos de socialização onde atuam.

3.5 Plano de produção de dados

Com base nas formulações supracitadas, será ilustrado ao(a) leitor(a) a seguir um

quadro sintético que apresenta os procedimentos utilizados no processo de geração de

informações desta pesquisa, que alicerçou-se nas técnicas de observação participante e

entrevista semiestruturada, comumente, vinculadas à abordagem etnográfica (ANDRÉ,

1995).

Quadro 4: Relação dos procedimentos metodológicos adotados na produção de informações

Procedimentos Sujeitos

Observação participante

com registro em caderno de campo

Observação participante das relações

engendradas entre os(as) atores(atrizes)

sociais partícipes da pesquisa no

cotidiano escolar

Entrevista - Narrativa encorajadora

semiestruturada

constituída pelas - Rotas imaginárias

seguintes técnicas

- 26 Crianças partícipes

- 2 Crianças anunciadas com a

queixa

- 24 Crianças, membros das turmas

em que as crianças nomeadas com

a queixa pertencem

- 8 profissionais atuantes na escola

4 Docentes

2 CAD’s

1 Coordenadora

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1 Diretor

Entrevista semiestruturada

- 3 Pais ou responsáveis pelas crianças

anunciadas

- 2 responsáveis por Guilherme

- 1 responsável por Bernardo

Fonte: Elaboração própria por meio dos procedimentos metodológicos que apoiam a pesquisa.

Os aspectos que mobilizaram a decisão pela realização do primeiro procedimento

citado estão implicados na possibilidade de se constituir por intermédio deles uma

interação social próxima ao universo estudado à medida em que o(a) pesquisador(a)

inserido(a) em seu campo de pesquisa afeta as trocas sociais reveladas nas experiências

vividas com os(as) informantes, como também, reciprocamente, estes(as) também o(a)

afetam. Sobre tal acepção, Ezpeleta e Rockwell (1986), contrários a suposta neutralidade

do trabalho de investigação difundida pelo paradigma positivista científico, assinalam que

se faz imprescindível centrar-se na “[...] relação que determina o pensamento e não o

inverso.” (EZPELETA; ROCKWEEL, 1986, p. 83).

Nas experiências de aproximação com as vivências infantis tecidas no cotidiano

escolar propiciadas pelo exercício da observação participante (orientadas por um

protocolo de observação que se encontra em Apêndice A), visou-se conhecer como se dá

o processo de construção social da queixa escolar nas interações face-a-face engendradas

no contexto educacional, mediante a focalização para as significações compartilhadas

entre as crianças e entre as crianças e os adultos, nas trocas sociais com os grupos sociais.

Ao tomar em conta essa perspectiva, tornou-se indispensável à pesquisadora se

reconhecer como objeto de reflexividade na relação dialógica com o Outro, de modo a

não

[...] projetar o seu olhar sobre as crianças colhendo delas apenas aquilo que é

o reflexo dos seus próprios preconceitos e representações. O olhar das crianças

permite revelar fenômenos sociais que o olhar dos adultos deixa na penumbra

ou obscurece totalmente. (SARMENTO; PINTO, 1997, p.78).

Tal processo pressupôs um reposicionamento do papel ocupado tradicionalmente

pelo(a) investigador(a) adulto na relação com as crianças pesquisadas, na qual se

desconsidera a coparticipação dos(as) atores(atrizes) infantis no trabalho investigativo

(GRAUE; WALSH, 2003). Em contraposição a este princípio, a observação participante

se apoiou no construto teórico-metodológico apresentado e foi inspirada nas ponderações

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de Corsaro (2005, 2011) relativas ao status de “adulto atípico”, no qual o pesquisador

salienta que para acessar o universo infantil torna-se fundamental, no trabalho em campo,

se distanciar das posturas controladoras e prescritivas que os adultos adotam usualmente

em suas interações com as crianças que compõem os contextos socioeducativos. Partindo

deste propósito, se intentou uma aproximação com elas assumindo a postura de um adulto

diferente, atípico, que procura exercer o mínimo de poder nos encontros com estas, se

comparado com os pares de sua categoria geracional que as compreende a partir de uma

imagem social de criança ancorada na ideia unilateral de passividade, proteção e

incompletude.

Ao se implicar na familiarização com o campo investigado, seguiu-se as sugestões

indicadas pelas autoras Silva, Barbosa e Kramer (2008) que enfatizam a pertinência de

focalizar as distintas esferas que constituem a complexidade do universo estudado,

visando desnaturalizar as relações sociais circunscritas por contradições e desigualdades

que se entrelaçam na realidade multifacetada de modo a (re)construir novas formas de

tornar o desconhecido em familiar, e vice-e-versa. Sob este prisma, se fez necessário

Ver: observar, construir o olhar, captar e procurar entender, reeducar o olho e

a técnica. Ouvir: captar e procurar entender; escutar o que foi dito e não dito,

valorizar a narrativa, entender a história. Ver e ouvir são cruciais para que se

possa compreender gestos, discursos e ações. Esse aprender de novo a ver e

ouvir (e estar lá e estar afastado; a participar e anotar; a interagir enquanto

observa a interação) se alicerça na sensibilidade e na teoria e é produzida na

investigação, mas é também um exercício que se enraíza na trajetória vivida

no cotidiano. (SILVA; BARBOSA; KRAMER, 2008, p. 86).

Em diálogo com tais reflexões, a pesquisadora, nos contatos estabelecidos junto

aos(as) atores(atrizes) infantis, procurou assegurar que era uma adulta com papel social

diferente dos(as) docentes, técnicos(as) dentre outros(as) profissionais constituintes do

contexto, informando-lhes que estava presente na cena escolar a fim de olhá-las e escutá-

las sobre suas experiências de escolarização. Em face destes pressupostos, partiu-se da

acepção de que diferentemente da implicação ética e metodológica adotada, circunscrita

sob o princípio da horizontalidade, nesse contexto os adultos não são e nem virão a se

tornar crianças, da mesma forma que estas não serão adultas por pertencerem a diferentes

categorias geracionais, inseridas em contextos históricos e culturais. (GRAUE; WALSH,

2003). A esse respeito torna-se importante advertir as considerações de Geertz (2008)

concernentes aos encontros sociais entre o(a) investigador(a) e os informantes,

[...] Não estamos procurando, pelo menos eu não estou, tornar-nos nativos (em

qualquer caso, eis uma palavra comprometida) ou copiá-los. Somente os

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românticos ou os espiões podem achar isso bom. O que procuramos, no sentido

mais amplo do termo, que compreende muito mais do que simplesmente falar,

é conversa com eles, o que é muito mais difícil, e não apenas com estranho, do

que se reconhece habitualmente. (GEERTZ, 2008, p. 10).

Sob este posicionamento, com vistas a apreender as significações compartilhadas

nas relações intrageracionais e intergeracionais vivenciadas pelas crianças anunciadas e

não nomeadas com a queixa escolar no processo de escolarização, priorizou em participar

de diferentes dinâmicas relacionais envolvendo as turmas do universo estudado. Para tal,

a pesquisadora se propôs a estar com e entre os(as) atores (atrizes) sociais infantis em

circunstâncias internas às salas de aula, isto é, em aulas ministradas pelos(as)

professores(as) regentes de cada turma e por distintos(as) docentes de educação física e

artística, bem como, privilegiou vivenciar diversas atividades instituídas na vida escolar,

tal como: ritual de recebimento das crianças, momento da saída das mesmas, recreio que

ocorria no plano interior e exterior das salas de aula e eventos comemorativos.

Neste processo, as trocas sociais compartilhadas com a população infantil,

também aconteceram em cenários não formalizados que eram comumente ocupados pelas

crianças, como os pátios, a área em que estava presente uma árvore emblemática da

escola, e alguns espaços sociais correlacionados a reforma da instituição. Ao longo das

últimas semanas em campo, se desvelou a oportunidade de partilhar das distintas formas

destes(as) exprimirem e significarem as práticas sociais que ocorreram no parquinho e no

refeitório, ambientes que foram disponibilizados durante o término da reestruturação

realizada na unidade escolar. Considera-se que tais participações concretas, sensíveis às

perspectivas das crianças aprendizes, ofereceram possibilidades fundamentais para a

criação de laços sociais entre a pesquisadora e os(as) atores (atrizes) sociais infantis e

adultos que compõem o contexto investigado.

Com base nestes preceitos, as informações geradas por meio do processo de

observação participante do cotiando escolar foram inscritas em diário de campo, os quais

posteriormente auxiliaram na elaboração de relatos ampliados. Ao se amparar nas

colocações destacadas, priorizou-se conjugar os conhecimentos sociais gerados na

observação participante (ANDRÉ, 1995; EZPELETA; ROCKWELL, 1986) com a

técnica de entrevista do tipo semiestruturada (ANDRÉ, 1995; LÜDKE; ANDRÉ, 1986),

que se traduz em um instrumento metodológico adequado e coerente com o delineamento

do estudo do tipo etnográfico. A opção em utilizá-la está vinculada ao fato de que esta

permite aprofundar o acesso às redes de significados sobre o objeto de representação ao

potencializar a partilha e a negociação de significados na interação social entre o(a)

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pesquisador(a) e o(a) informante, que estão envolvidos de formas distintas nas produções

de narrativas, cuja relação da pessoa que está perguntando e o sujeito que irá responder

se dá em uma lógica de reciprocidade.

Com respeito a isso, Gaskell (2002) salienta que a realização de entrevista

qualitativa promove “[...] uma interação, uma troca de ideias e de significados, em que

várias realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas [...]” (GASKELL, 2002,

p.73) de forma que o(a) pesquisador(a), no encontro com o outro investigado, pode

desvelar informações basilares para a compreensão das relações sociais que se

desenrolam no contexto examinado, no qual a palavra é tomada como o principal veículo

de trocas sociais.

Ao partir das considerações citadas, realizou-se as entrevistas semiestruturadas

com os(as) atores(atrizes) atuantes na cena escolar e junto aos pais e/ou responsáveis

pelos aprendizes Guilherme e Bernardo, a fim de auxiliar na identificação das redes de

significados compartilhadas em suas narrativas sobre a construção do reconhecimento

social da criança anunciada com a queixa escolar. Os roteiros de entrevista foram

planejados previamente (estes se encontram disponíveis nos Apêndices B e C,

respetivamente), de forma a abranger os objetivos da pesquisa, considerando-se a

coparticipação dos(as) informantes em cada encontro que viria a ser materializado.

Tal procedimento, por sua vez, também foi utilizado com as(o) oito profissionais

partícipes (ténicas (o) e professoras) em diferentes espaços da unidade de ensino, tal como

no interior de salas, em assentos do refeitório, nos corredores, e em conformidade com o

horário rotineiro das atividades desenvolvidas no contexto, levando em conta, sobretudo,

a disponibilidade de cada sujeito. A respeito das professoras, as entrevistas eram

procedidas no decorrer da hora-atividade de cada uma. Quanto às CAD’s, uma delas

priorizou o período contraturno de seu trabalho e a outra junto as(ao) demais partícipes

optou pelos momentos possíveis ao longo do exercício profissional. Tais encontros foram

executados entre uma a três sessões, considerando a dinâmica processual de tempo, de

acordo com as singularidades de cada processo comunicacional.

No que tange aos três pais ou responsáveis pelas crianças nomeadas com a queixa,

as efetuações das entrevistas com o pai e a mãe de Guilherme ocorreram em situações

distintas, de forma individual e no interior de salas cedidas pela escola, mediante a

autorização prévia da instituição. Priorizou-se a conveniência de ambos(as) informantes

para a concretização das dinâmicas conversacionais, as quais se desvelaram em sessões

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separadas. Já em relação a mãe do Bernardo, as entrevistas se delinearam durante dois

episódios no contexto de sua residência.

Sob este aspecto é necessário salientar que a possibilidade de inserção da

pesquisadora na dinâmica familiar é fruto dos contatos iniciais que ocorreram por via

telefônica. Neste processo, foi negociado junto à responsável os objetivos da

investigação, as nuances que orientariam o seu decurso e as implicações de sua

participação e do aprendiz. Em resposta, ela mencionou que em virtude de exercer seu

trabalho em domicílio nos períodos das atividades escolares, seria viável a pesquisadora

ir ao seu encontro.

Conforme tal propósito, antes da pesquisadora se dirigir a sua moradia, procurava

contatá-la de modo a confirmar as premissas acordadas, tomando-se em consideração as

circunstâncias inesperadas. Sob este aspecto, Bernardo também era informado sobre o

posicionamento de sua responsável. Diante disso, para a realização do primeiro encontro

a investigadora esperou o término da aula de modo a ser acompanhada pelo aprendiz, pela

sua irmã – que também estudava na mesma instituição de ensino – e por pares infantis

próximos(as) a estes(as), que residiam no mesmo contexto comunitário, os quais foram

esboçando o trajeto para a residência. É importante enfatizar que estas experiências

vividas para além do muro escolar se fizeram extremamente profícuas ao permitirem o

acesso da pesquisadora aos significados compartilhados pela criança em distintos espaços

de socialização.

Durante as relações sociais estabelecidas junto a senhora Maria, responsável por

Bernardo, foi combinado um outro momento para o prosseguimento da dinâmica

conversacional. A esse respeito, ao seguir os caminhos explicitados anteriormente, a

pesquisadora retornou em seu domicílio, mas em virtude das circunstâncias de sua

ocupação, ambas partes compreenderam que seria pertinente a remarcação de uma nova

data para o delinear da entrevista. Partindo-se de tais pressuposições, foram feitas o total

de quatro visitas à residência de Bernardo, sendo que em dois destes encontros realizou-

se entrevista com a sua mãe.

Por sua vez, as informações geradas no decurso das entrevistas feitas com os(as)

oito profissionais da realidade escolar e junto aos três pais ou responsáveis foram

gravadas em áudio, individualmente, em consonância com a autorização dos(as)

participantes e, por conseguinte, este material foi transcrito e submetido ao procedimentos

de análise que será exposto no item a seguir.

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As entrevistas realizadas com as vinte e seis crianças aprendizes ocorreram em

diferentes espaços constituintes da realidade escolar – em baixo das árvores, no

parquinho, em corredores, pátios, nas gramas, em assentos do refeitório e nas salas

concedidas pelos(as) profissionais. A opção por estes locais se fundamentou nas escolhas

dos(as) entrevistados(as), que também estavam imbricadas na dinâmica do processo de

reforma da estrutura escolar. Estes procedimentos aconteceram entre uma a duas sessões.

Ao se fundar nos preceitos teórico-metodológicas explicitadas anteriormente,

retoma-se o processo de sistematização do roteiro de entrevista apropriado às

particularidades da pesquisa com criança. Este se delineou em duas etapas entrelaçadas

com os objetivos específicos e inter-relacionadas entre si. Primeiramente se orientou pela

apresentação da narrativa encorajadora (ANDRADE, 2007) e, posteriormente, se

alicerçou em situações imaginárias (ANDRADE, 2007).

Nos momentos iniciais das entrevistas semiestruturadas (ANDRÉ, 1995;

GASKELL, 2002), realizadas em situações individuais, procurou-se negociar com os(as)

entrevistados(as) os aspectos correlacionados ao delinear deste procedimento, as etapas e

técnicas que seriam utilizadas, seus objetivos e as acepções que lhe permeiam, bem como

enfatizava-se novamente a possibilidade de ele(a) recusar ou cessar o encontro social em

qualquer circunstância, caso desejasse.

A fim de reduzir a pressão normativa inerente à situação de entrevista, que

tradicionalmente é circunscrita por um ritual em que o(a) entrevistador(a) perguntar e o(a)

entrevistado(a) responde, a pesquisadora além de amparar-se em um roteiro formulado

com questões hipotéticas que permitiria às crianças se distanciarem das expectativas de

serem “avaliado corretamente” (GRAUE; WALSH, 2003), visou-se, também, dispor de

um microfone criado com adereços, como papel, lápis de cor, folhas coloridas e cola para

auxiliar na promoção de condições que potencializem a expressividade de crianças.

Posteriormente, a partir dos conteúdos gerados nas primeiras observações em

campo relativas aos conhecimentos sociais compartilhados entre as crianças sobre as

nomeadas dificuldades de aprendizagem e(ou) comportamento, que foram registrados em

caderno de campo, optou-se em prosseguir o diálogo junto a elas pautando-se na

pertinência de levar em consideração estes elementos familiares aos repertórios infantis,

de modo a tomar em conta seus próprios saberes no desenrolar da dinâmica

comunicacional.

Neste processo era mencionada a seguinte reflexão: “Eu tenho vindo aqui na

escola, estou acompanhando vocês em vários lugares, e já escutei algumas palavras,

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‘não obedece, só fica fazendo bagunça, não para no lugar, não sabe lê, escreve tudo

errado’” (Notas de campo do dia 17 de novembro, 2016). Em seguida, era indagado

“Você acha que quando as pessoas estão dizendo isso, elas estão falando do quê? (Notas

de campo do dia 17 de novembro, 2016). Alguns elementos dos conteúdos discursivos

advindos deste enunciado ancoravam-se em aspectos ora elucidados, “[...] Acho que é

por causo da bangunça”, (Notas de campo do dia 17 de novembro, 2016) em uma dada

situação uma das crianças aprendiz entrevistada solicitou que a pesquisadora

acrescentasse a palavra “esse” à terminologia bagunça, de modo a flexionar tal palavra

no plural “[...] coloca o ‘esse’ aí Ruzia, é mais de um que faz bagunça[...]”. (Notas de

campo do dia 17 de novembro, 2016).

Ao seguir esta linha argumentativa, os(as) atores(atrizes) sociais, por sua vez,

também criavam novas significações baseando nos elementos aludidos “é quem fica

fazendo danadeza”, (Notas de campo do dia 25 de novembro, 2016) e em outros

momentos alguns(mas) identificaram seu(s) pares “[...] É Caio, ele não para queto, fica

me beliscando [...]” (Notas de campo do dia 16 de novembro, 2016). Perante esta última

circunstância, com vistas a se distanciar de classificações implicadas na identificação de

crianças específicas, a pesquisadora lhes propunha a reflexão sobre as expressões que

circulavam em torno de sujeitos que se comportavam como o par nomeado, a exemplo,

“Que nome as pessoas dão para as crianças que não param quietas e ficam beliscando?”

(Notas de campo do dia 16 de novembro, 2016).

À luz do exposto, as crianças partícipes foram estimuladas a exprimirem aspectos

antinômicos com base no conteúdo fruto dos diálogos iniciais sobre os significados

partilhados em torno das crianças aprendizes que se distanciam do padrão normativo de

aprendizagem, de modo a possibilitar a emergência de antinomia,15 a partir de suas

15 O processo de classificação dos fenômenos sociais fundamentado na antinomia bem/mal, “[...] pode ser

encontrado na antiga filosofia persa e também nas sociedades modernas com os índices mais elevados de

desenvolvimento tecnológico [...]” (MARKOVÁ, 2006, p.56). Sob esta perspectiva, pode-se salientar que

a capacidade humana de pensar em antinomias é familiar entre as idades, as raças e na cultura (NEEDHAM,

1973; LÉVI-STRAUSS, 1962 apud MARKOVÁ, 2006). Ao aproximar deste debate, Kishimoto, Santos e

Basílio (2007), enfatizam que o caráter antinômico é típico do pensamento infantil, auxiliando as crianças

nos processos de categorizações das experiências vividas no cotidiano. Bruner (2014), por sua vez, sublinha

as taxionomias como coragem/covardia, bem/mal, dentre outras que permeiam os contos fantásticos

permitem os atores sociais infantis elaborarem suas próprias narrativas sobre o entorno social circundante.

A despeito disso, é importante enfatizar, como elucidado anteriormente mediante as considerações de

Marková (2006), que o pensamento orientado por antinomias não se desvela como uma particularidade da

idade infantil, ele está presente ao longo de todo processo do desenvolvimento humano.

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próprias perspectivas, que era tomada como princípio guia das questões que seriam

tecidas no transcorrer do ato comunicacional.

Nesta dinâmica relacional, a pesquisadora retomava a expressão ora narrada, a

saber, “E quem não é desobediente seria o quê? (Notas de campo do dia 16 de dezembro,

2016). Dentre os conteúdos relatados nestas circunstâncias, revelarem-se as terminologias

antitéticas: “[...] inteligente, legal, bom” (Notas de campo dos dias 15 de dezembro,

2016). Sob esta perspectiva, a título do contexto de investigação será adotado de forma

ilustrativa a antinomia “[...] desobediente/bom [...]” (Notas de campo dos dias 15 de

dezembro, 2016), tecida no decurso de uma das entrevistas realizadas com a população

infantil.

Em seguida, ao considerar as significações dadas pelas crianças, era anunciada

previamente o recurso indutor de metáforas com vistas a corroborar com a introdução do

objeto de conhecimento, o qual foi elaborado incialmente com base na representação de

um ônibus, posto que este veículo de transporte coletivo era comum nas experiências

vividas por elas no entorno escolar, como também se configurava no meio de locomoção

utilizado por parte de tais sujeitos ao longo do trajeto à unidade de ensino. Ao embasar-

se neste aspecto, era relatado ao(a) entrevistado(a) tal expressão indutora de metáforas

“Imagina o ônibus, se ele pudesse ser outra coisa, que coisa ele seria? Por quê? (Notas

de campo dos dias 16 de dezembro, 2016). Após este exercício que foi elaborado com a

finalidade das crianças se familiarizarem com esta técnica metodológica, era explanada a

questão indutora relativa ao universo estudado “Se o aluno desobediente pudesse ser

outra coisa, que coisa ele seria? Por quê?”(Notas de campo dos dias 16 de dezembro,

2016).

Com efeito, iniciava-se o segundo momento da entrevista, embasado na

apresentação da seguinte narrativa encorajadora, com o intuito de estimular o(a)

ator(atriz) social ao exercício narrativo. “Era uma vez o príncipe que virou sapo, ele era

um príncipe pequeno da sua idade, e a gente não sabe o porquê ele virou sapo e como

foi a vida dele depois que ele virou sapo ” (Notas de campo dos dias 16 de dezembro,

2016). Por conseguinte, indagava-se às crianças “Como você inventaria a continuação

dessa história?” (Notas de campo dos dias 16 de dezembro, 2016). Partindo-se da

acepção de que durante o desenrolar da narrativa poderia ou não emergir conteúdos

relativos ao objeto representacional em questão, a pesquisadora sem interferir no ato

narrativo, aguardava a criança elaborar o desfecho do enredo.

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Caso esta última suposição mencionada acima se concretizasse, após o(a)

entrevistado(a) sinalizar o término da narração, a investigadora indagava se poderia

colaborar com a elaboração do enredo delineado. Se o(a) informante consentisse, era

introduzido alguns elementos em torno da dinâmica escolar de forma a incitar a

mobilização de sentidos e significados relativos a experiência de escolarização. Neste

diálogo, a pesquisadora mencionava: “Posso dizer uma coisa? Imagine que esse príncipe

frequentava uma escola, ele tinha amigos(as), professor(es)(as), como será que era a

vida dele quando ele era príncipe e como ele ficou quando virou sapo?” (Notas de campo

dos dias 16 de dezembro, 2016).

Após esta etapa, se prosseguia para o terceiro momento da entrevista organizado

por questões hipotéticas envolvendo os(as) personagens da trama narrada e aspectos

pertinentes ao seu delinear, intituladas como situações imaginárias (ANDRADE, 2007).

Estas foram sistematizadas na terceira pessoa do discurso, com a pretensão de aprofundar

a emergência de significações compartilhadas pela população infantil sobre o processo de

anuncio da queixa escolar, mediante o enfoque nos processos simbólicos que permeiam

a vida diária escolar.

Diante disso, as indagações eram adequadas sob uma situação de faz de conta

amparada no personagem sapo que compunha a narrativa. Este foi caracterizado como

um aprendiz que iria inserir-se em um contexto educacional, e, ao longo de suas vivências

escolares, apresentaria a unidade de ensino para um(a) amigo(a) imaginário(a) visitante

que procurava conhecer este cenário. Tais questões serão ilustradas a seguir:

Imagine que o sapo seja um(a) aluno(a) que chegou na escola, o que

aconteceria com ele(a)?

O que o sapo gosta de fazer quando está na escola?

O que o sapo gosta de fazer quando não está na escola?

O que o sapo deveria fazer para ser visto como um(a) aluno(a) bom?

O que o sapo deveria fazer para ser visto como um(a) aluno(a) desobediente?

Imagine que um(a) amigo(a) do sapo chegasse a escola, como o sapo

apresentaria este lugar ao(a) amigo(a)? Por quê?

Que lugares da escola o sapo mostraria ao(a) seu(sua) amigo(a)? Por quê?

Que lugares da escola o sapo não mostraria ao(a) seu(sua) amigo(a)? Por quê?

Como o sapo acha que seu(sua) amigo(a) se sentiria em cada lugar destes

lugares da escola? Por quê?

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Como o sapo acredita que seja uma boa escola? Por quê?

Como o sapo acredita que não seja uma boa escola? Por quê?

Por que o príncipe virou sapo?

Como o príncipe se sentia antes de virar sapo?

Como o príncipe se sentiu depois de virar sapo?

Pensando que o sapo descobriu que ele pode ser livre para escolher o que ele

quiser ser, o que aconteceria com ele?

Depois de tudo que a gente conversou, você gostaria de dizer mais alguma

coisa?

Os conteúdos discursivos provenientes das vinte e seis entrevistas realizadas com

as crianças aprendizes, alicerçadas no roteiro explicitado, foram gravados16, com o devido

consentimento dos(as) partícipes e, posteriormente, transcritos e analisadas

compreensivamente.

3.6 Plano de tratamento e análise das informações

Para início do diálogo acerca dos procedimentos metodológicos que sustentam o

processo de tratamento e análise das informações produzidas, convém demonstrar ao(a)

leitor(a) um breve panorama que abrange a relação das técnicas investigativas

empregadas, a forma de tratamento dos conteúdos gerados e os recursos de análise destes.

Quadro 5: Relação dos procedimentos metodológicos que subsidiam a análise dos dados gerados

Procedimento Tratamento Análise

Observação participante

com registro em caderno

de campo

Tabulação;

Transcrição;

Análise

Compreensiva

Demais itens:

- Narrativa encorajadora;

- Rotas imaginárias;

- Questões pertinentes

Tabulação;

Transcrição;

Análise

Compreensiva

Fonte: Elaboração própria por meio dos procedimentos utilizados na análise das

informações produzidas.

16 As gravações das entrevistas realizadas com as crianças duraram, aproximadamente, entre quarenta e um

minutos e uma hora e trinta de nove minutos.

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3.6.1 Análise dos dados gerados por meio da observação análise compreensiva

O procedimento de análise qualitativa das informações geradas mediante a adoção

da técnica de observação participante do cotidiano escolar, se inspirou nas premissas

formuladas por Lüdke e André (1986), as quais pressupõem que este processo não se

configura de forma isolada, estática e posterior ao trabalho em campo. Contrariamente a

esta visão, ao se fundar nas acepções da plurimetodologia e da triangulação

(APOSTOLIDIS, 2006), delineou-se os caminhos de análise com base em um olhar

integrador para os processos inter-relacionais que perpassam os saberes sociais

engendrados no anúncio da queixa escolar, fundamentados na combinação e

complementação entre os dados gerados por intermédio de outros procedimentos

metodológicos assumidos na pesquisa.

Face a este enfoque, os dados produzidos, por meio das relações estabelecidas

junto aos(as) atores(atrizes) sociais nos diferentes espaços sociais da cena escolar, foram

registrados em caderno de campo e, por conseguinte, transformados em relatos

ampliados. Com isto, diversas leituras do material gerado foram realizadas alicerçadas no

encontro dialógico com o Outro e, neste exercício, não se propôs promover consensos e

dissensos sobre as redes de significações tecidas acerca do objeto de representação, mas

buscou-se a compreensão da pluralidade de perspectivas a seu respeito. (LÜDKE;

ANDRÉ,1986).

No decurso deste processo, intensificado após o término do trabalho em campo,

procurou-se apreender, compreensivamente, as nuances dos conteúdos observados, tais

como: os aspectos recorrentes, as significações semelhantes, os contornos contraditórios

e complementares; sem perder de vista o contexto histórico e cultural que permeia a

produção e negociação destes conhecimentos sociais focalizados.

Sob esta prática reflexiva, articulada com os aportes teórico-metodológicos

adotados, teceu-se pontos de encontro entre os conteúdos analisados, tomados no

contexto de pesquisa como indicadores de subtemas, que foram organizados em face dos

aspectos em comum que perpassam os saberes sociais produzidos e partilhados sobre as

crianças e com elas na vida escolar. Por sua vez, sistematizou-se estes subtemas com a

finalidade de favorecer a compreensão das significações envolvidas na construção social

da criança vista com dificuldades no processo de escolarização. Cabe esclarecer que eles

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se constituem em uma relação dialética entre si, e serão apresentados de forma inter-

relacionada aos conteúdos gerados por meio do procedimento de entrevista.

3.6.2 Tratamento de informações geradas nas entrevistas: análise compreensiva

Para a análise dos conteúdos gerados mediante o procedimento entrevistas

promovidas com os(as) crianças utilizou-se a técnica de análise compreensiva. Tal

estratégia investigativa foi adotada com o intuito de auxiliar a pesquisadora nos processos

de apropriação das significações exprimidas pelas crianças que perpassam a constituição

do objeto de conhecimento em questão.

Posto esta colocação, ao buscar identificar as redes de significados que permeiam

os discursos narrados pelos(as) partícipes, foi imprescindível tomar em consideração

“[...] não sua unilateralidade, mas suas relações, qualidades, contradições, isto é, as

mediações sociais e históricas que configuram como unidades dialéticas da fala e do

pensamento” (AGUIAR; SOARES; MACHADO, 2015, p.61). Sob este ângulo, tornou-

se pertinente focalizar que as significações produzidas e compartilhadas pelos(as)

partícipes em suas experiências vividas na dinâmica da vida escolar não se configuram

de modo estático, mas se transformam nas e pelas relações sociais existentes nos

contextos de pertença nos quais eles participam (AGUIAR; SOARES; MACHADO,

2015). Por outras palavras, considera-se que

[...] as mediações histórico-sociais e as contradições que atravessam tanto o

sujeito quanto a realidade na qual atua, apresenta possibilidades de alcançar,

por meio da análise e da interpretação, o processo de constituição de

significações (AGUIAR; SOARES; MACHADO, 2015, p.74).

Nesta ótica, ao longo das diversas leituras flutuantes dos conteúdos transcritos,

identificou-se nas falas das crianças aprendizes da trama escolar os aspectos mais

particulares caracterizados por sua maior frequência, pelas reiterações atribuídas por

estes(as), como também tomou-se os elementos similares entre si e as contradições que

perfazem as suas narrativas. Sob este propósito, organizou-se uma menor diversidade de

subtemas e a articulação entre eles.

Com base nas reflexões salientadas, pode-se mencionar que a intencionalidade da

investigadora não se reduziu a análise das narrativas elaboradas e produzidas pelos

sujeitos, todavia, se configurou em apreendê-las desde que situadas em contexto histórico

e cultural constituído por múltiplas determinações. Portanto, o processo de identificação

dos significados por meio da proposta de análise compreensiva auxiliou no acesso aos

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aspectos que perpassam os fenômenos representacionais elaborados e compartilhados

pelas crianças na cena escolar em torno da construção social da criança objetivada com a

queixa escolar.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS: “o que que têm se danado, essas

pessoa que falam isso, um dia foi assim também” 17

Este capítulo esboça os dados que foram produzidos ao longo da pesquisa.

Inicialmente, dedica-se em evidenciar uma breve contextualização dos sujeitos partícipes

e lócus investigado. Em seguida, apresenta-se as significações enredadas na produção da

queixa escolar.

4.1 Caracterização do lócus de pesquisa

Como já exposto no percurso metodológico, o contexto educacional escolhido

como lócus de investigação foi uma escola pública da rede municipal de educação básica

do município Cuiabá-MT, situada no perímetro urbano, isto é, no interior dos limites da

cidade. Conforme as negociações estabelecidas junto aos/às partícipes da pesquisa, para

preservar a identificação deles/as e da unidade escolar, optou-se em manter os nomes sob

sigilo e não enunciar sua localidade. Ao considerar essas proposições, serão explicitadas

adiante algumas características da região administrativa na qual a escola insere-se, as

quais oferecem elementos que auxiliam refletir sobre o cenário destacado.

Em consonância com os dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Urbano de Cuiabá-MT (CUIABÁ, 2013), as quatros regiões

administrativas de Cuiabá foram criadas no ano de 1994, por meio da lei n.º 3.262, com

a finalidade de propiciar “[...] maior integração da comunidade com o Poder Público,

como forma de alcançar meios que facilitem a execução de obras e serviços nos bairros

[...]” (IBIDEM, p. 19).

Segundo estes parâmetros, a extensão macrozona que tece o município de Cuiabá

é composta por quatros regiões administrativas, denominadas como: Região Norte,

Região Sul, Região Leste, Região Oeste; e, com efeito, cada uma delas subdivide-se em

localizações nomeadas como bairro. Ressalta-se que a conceituação de bairro faz-se

17 Este excerto narrativo explicitado concerne ao conteúdo produzido na relação estabelecida com a criança

Joaquim na realização de procedimento de entrevista (Notas de campo do dia 13 de dezembro, 2016)

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pertinente à funcionalidade administrativa, mas, para além desse caráter conceitual,

desvela-se, também, fundante o olhar para as particularidades dos aspectos históricos,

culturais, sociais e urbanísticos que compõem esta dimensão territorial (IBIDEM). Na

Ilustração 1, a seguir, será esboçada a disposição das regiões que constituem o mosaico

geográfico da referida cidade, assim como os bairros que abarcam cada uma destas.

Ilustração 1 - Mapa da relação dos bairros do município de Cuiabá por regiões administrativas

Fonte: Cuiabá, 2011, p. 27.

A unidade educativa escolhida, como lócus investigativo, localiza-se na Região

Sul. No interior deste perímetro urbano comporta-se o número de 25 escolas integrantes

da rede pública municipal de ensino (CUIABÁ, 2010). Na ilustração a seguir, mostra-se

a extensão geográfica desta região em questão.

Ilustração 2 - Mapa referente à extensão geográfica da Região Sul

Fonte: Cuiabá, 2013, p. 37

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É importante advertir que a Região Sul constitui-se por 104 localidades (formas

de ocupação urbana, tais como: loteamento regular, irregular ou clandestinos,

assentamento informal, conjunto habitacional ou núcleo habitacional, condomínio

horizontal e vertical) que se distribuem em 33 bairros, um distrito industrial, a zona de

expansão urbana do Manduri e área de expansão urbana18. A tabela 8, mostrada

subsequentemente, evidencia a relação de bairros e localidades por regiões

administrativas, com enfoque as informações relativas à região elucidada.

Quadro 8 - Relação do número de Bairros e Localidades por Região Administrativa

Fonte: Cuiabá, 2013, p. 16

Com base nos dados do Instituto e Planejamento e Desenvolvimento Urbano

(IPDU), verificou-se que, em 2007, o residencial que abrange o bairro no qual a escola

insere-se, compreendia cerca de 7634 habitantes. Considerou-se que 9,57% desta

população era composta por crianças com faixa etária que entre 5 a 9 anos. Dito isto,

também se torna imprescindível aludir que o perfil socioeconômico desta população é

classificado como rendimento médio baixo, em virtude da renda mensal dos/as

moradores/as variar em torno de 2,91 e 5,65 salários mínimos. A esse despeito, salienta-

se que no período da pesquisa realizada pelo IPDU tal remuneração mínima do/a

trabalhador/a perfazia o valor de R$ 465,00 (CUIABÁ, 2010).

Posto estas colocações, convém apresentar algumas informações concernentes às

especificidades que perpassam a escola investigada. Ela funciona nos períodos matutino

e vespertino, de modo a atender o número de 299 alunos/as com idades entre 4 a 8 anos,

as quais são provenientes do bairro aludido e das regiões que lhes circunda. Por sua vez,

18 Cabe esclarecer que as extensões geográficas identificadas como distrito industrial, zona de expansão

urbana do Manduri e área de expansão urbana não se tratam de bairros, pois abrangem mais de um destes.

Região

Administrativa

Bairro Localidade

Norte 10 72

Sul 33 104

Leste 49 115

Oeste 24 106

Total 116 397

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essa unidade educativa organiza-se com base no regime de Ciclos de Formação Humana.

Ao adotar esta premissa, seu ensino configura-se no trabalho com a Educação Infantil (4

e 5 anos) e junto ao primeiro ciclo (1º ao 3º ano). (Notas de campo do dia 22 de fevereiro,

2017)19.

Em relação ao quadro de funcionários atuantes no ano de 2016 na EMEB em

questão, por sua vez, a maior parte do corpo docente, doze de um total de vinte e um,

apresenta vínculo empregatício efetivo e as demais professoras são substitutas (Notas de

campo do dia 22 de fevereiro, 2017). Vale aludir que este conjunto de docentes é

composto majoritariamente por mulheres, dado que elas representam vinte de uma parcela

de vinte e um. Esta configuração profissional coaduna com as pressuposições de

pesquisas que indicam a predominância feminina na categoria docente, sobretudo, nos

anos iniciais da Educação Básica. Destaca-se que, mesmo com a feminização na docência,

o magistério não está isento de discriminação, dado que as ocupações de maior prestígio

social e os salários mais altos ainda são atribuídos aos homens (BRUSCHINI; AMADO,

1988).

Ressalta-se, ademais, que a contração de professoras nas redes públicas de ensino

desvela-se como uma das facetas imbricadas à precariedade do trabalho docente no país

que afeta a vida de aproximadamente um milhão, ou seja 41% de professoras/es que

vivenciam esta profissão sob o regime de instabilidade na Educação Básica, ao exercerem

suas atividades permeados por incertezas de permanência no emprego. A experiência

profissional regida sobre esta lógica empregatícia, por sua vez, apresenta implicações nas

redes de relações engendradas com os pares e com outros/as atores/atrizes que compõem

o cenário escolar, no comprometimento com o planejamento e desenvolvimento de

atividades didático-pedagógicas, na qualificação profissional, nas impossibilidades

constituir uma carreira profissional na rede pública de ensino, dentre outros aspectos

subjacentes às condições concretas de trabalho a que as/os docentes são submetidas/os

(SEKI et. al., 2017).

A partir deste panorama retratado acerca do universo escolar no qual as crianças

inserem-se, serão evidenciados, nas linhas adiante, os saberes sociais que estas elaboram

e compartilham nas interações intergeracionais e intrageracionais engendradas em suas

vivências escolares.

19 O registro desta nota de campo fundamentou-se nas informações advindas da leitura do Projeto Político

Pedagógico (PPP) da escola pesquisa, como também dos diálogos forjados com os(as) atores(atrizes)

pertencentes ao cenário escolar.

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4.2 Negociação de saberes em torno das diferenças: “[...] diziam que o sapo não era

nada, aí ele mudou o tom da música que o sapo não era, falou que o sapo era tudo”.20

No bojo desta discussão, ao identificar os aspectos similares e as contradições

presentes nos discursos dos/as partícipes, buscou-se delinear o processo de análise destes

a partir da antinomia bem e mal. Observou-se que tais discursos se apoiam,

concomitantemente, nas imagens sociais relativas à criança ideal que se contrapõem às

imagens de criança real; essas imagens parecem ser combinadas, respectivamente, às

acepções acerca do/a aluno/a obediente/legal/inteligente e as premissas sobre o/a aluno/a

bagunceiro/a, desobediente, teimoso/a, danado/a. A opção pela via de pensamento

explicitada assenta-se no pressuposto de que as imagens construídas socialmente podem

auxiliar na apreensão das redes de significados produzidas e negociadas pelas próprias

crianças, como também é possível revelar os significados que orientam as expectativas e

a atuação do adulto em relação às mesmas, que se fundam, muitas vezes, em proposições

de imagens idealizadas.

Para o início de uma reflexão mais aprofundada da trama elucidada acima, vale

destacar que os relatos elaborados pelas crianças a respeito de como elas concebem o que

é ser um aluno/a considerado/a bagunceiro, desobediente, teimoso, danado em suas

vivências de escolarização oferecem indicativos de que elas reconhecem as imagens

idealizadas de si mesmas que se fundam em redes de significados que os adultos lhes

oferecem, as quais são forjadas em um dado tecido histórico e cultural.

Sob esta via, pode-se aludir que os significados compartilhados nos discursos

dos/as entrevistados/as, em torno das palavras: bater, xingar, falar, bagunça,

teimar/teimoso, briga, revelam atributos correlacionados a comportamentos vistos como

agressivos e/ou indisciplinares que são ligados prioritariamente ao/a aprendiz que

transgride os padrões instituídos socialmente. Estas colocações, por sua vez, podem ser

examinadas nas qualificações que as crianças empregaram ao expressarem os aspectos

que permeiam tais condutas visualizadas como inadequadas ao processo de escolarização,

como: faz treta, sobe em cima da mesa, joga pedra, morde, belisca, responde, não

obedece, as quais estão integradas as interlocuções expostas adiante:

Guilherme: O LX bagunça, bagunça tudo que tá arrumadinho.

20 Este excerto exprimido concerne a um trecho de uma entrevista realizada com a aprendiz Eva.

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Pesquisadora: Como é bagunçar tudo que está arrumadinho?

Guilherme: É tipo assim quando uma pessoa quer tudo arrumadinho, aí uma

pessoa vai e fala “cuidado, não pise”. Aí a pessoa vai e pisa, desmonta tudo,

tudo trabalho.

Pesquisadora: Tem mais alguma coisa que LX Bagunça gosta de fazer na

escola?

Guilherme: Ele bagunça até os caderno que tá arrumadinho, bagunça até os

livro, forma um grupo bagunçar tudo.

Pesquisadora: Um grupo, como você acha que é esse grupo?

Guilherme: Ele bagunça tudo.

Pesquisadora: É... tudo como?

Guilherme: Tudo que a gente arruma, tudo que a gente faz. Tipo, a gente vai

comer alguma coisa, aí ele vai lá e bagunça a nossa comida, fica tudo

esparramado no chão, fica correndo, não estuda, fica pra lá e pra cá, fica

batendo, responde, não obedece, faz treta. (Guilherme, sexo masculino, 7 anos)

Lisa: Bagunceiro quer dizer que você, que você fica correndo, não faz nada.

Essa palavra é a bagunça, a bagunça é quando a pessoa fica correndo, fica pra

lá e pra cá, fica batendo nos amiguinhos, morde, bate, beliscar, sobe em cima

da mesa, ia pegar o caderno e rasgar, ia derrubar o quadro. (Rafaela, sexo

feminino, 7 anos).

Joaquim: O sapo gostava de todo mundo da escola ele não queria fugir, ele iria

gostar da escola, só que quem batia nele ele enrolava a língua e comia.

Pesquisadora: Será por que sapo enrolava a língua e comia os outros que batia?

Joaquim: O sapo não fazia maldade, os outro que fazia pra ele, os outros fazia

maldade com ele, batia nele, jogava pedra e botava a culpa nele. (Joaquim,

sexo masculino, 6 anos).

Lara: Ela é uma menina sim educada e uma menina não educada, porque se

ela fosse teimosa alguém ia dar uma coisa pra ela, ela ia falar “não, eu não

quero essa coisa porque eu sou muito bagunceira”, aí alguém ia falar “cruzes

você é muito bagunceira”, “eu sou”, “eu não vou mais ficar perto de você, você

é muito bagunceira”.

Pesquisadora: Ah tá... e como seria a menina sim educada?

Lara: A menina sim é educada, fala tudo, que nem assim se você falar alguma

coisa pra mim, que nem assim, não tem o chocolate, aquele bis, aí a professora

fala “aluno, você gostaria de comer um chocolate?”, “Não, tia, muito

obrigada eu não quero não, obrigada, tia, você é muito gentil, mais eu não

quero não, obrigada, eu estou de dieta”. Tem que falar assim, isso que é uma

menina educada.

Pesquisadora: É... a menina sim educada não aceita o chocolate?

Lara: Não... é que ela é responsável.

Pesquisadora: Como é ser responsável?

Lara: É quando a gente, a gente tem personalidade, fala com os amigos que é

uma boa pessoa, que ela é uma criança difícil de entender, mas ela não é porque

ela uma pessoa suave, ela é educada e tudo que a gente tem que fazer pros pais

é cuidar bem deles e fazer o que é certo, e não fazer o que não é, o que é errado.

Pesquisadora: O que seria certo?

Lara: É quando a gente tá bom na escola, tipo eu, tipo eu, como uma criança

igual eu, ela fala bem assim pra professora, a professora fala bem assim pra

ele: “aluno, aluno, não fica correndo na sala”, aí ele fala: “sim, professora,

ordem da senhora”, aí tem mais alguém lá que fala, aí professora fala: “aluno,

você gostaria de comer um chocolate?”, tem que falar “não, tia, muito

obrigada, muito obrigada, eu não quero não, muito obrigada, tia, brigada, tia,

você é, você é muito gentil, mas eu não quero, obrigada, eu estou de dieta”

(Lara, sexo feminino, 7 anos).

[...] teimoso é que é desobediente, tipo, assim, a tia falou pro Bernardo ficar na

sala, ele prometeu que ele ficaria na sala, aí ele foi pra fora, então, quer dizer,

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ele desobedeceu quem não é teimoso obedece (Daniel, sexo masculino, 7

anos).

Pelo exposto acima, observa-se que os discursos acerca do/a aluno/a que destoa

dos princípios de disciplinarização e normatização que regem o contexto escolar retratam

que estes/as são caracterizados/as a partir de uma relação oposicional ao/a aprendiz

focalizado/a como bom/boa. Esta suposição pode ser evidenciada por meio do emprego

do vocábulo negativo não que, por um lado, é utilizado para significar o/a escolar

tomado/a como obediente/legal/inteligente enquanto sujeito passivo e moldado em

função do desempenho que lhe é exigido pelo adulto e, por outro, objetiva a ideia de falta

que perpassa as significações associadas ao/a aluno/a bagunceiro/a, desobediente,

teimoso/a, danado/a visto/a como aquele/a que ainda precisa se ajustar aos modelos

orientados por domínios mais simbólicos do que reais, sob os quais as práticas

pedagógicas parecem ser constituídas, o que justifica o lugar de inacabado que é conferido

a este/a aprendiz.

Esta forma de enxergar o/a escolar, embasada em princípios de incompletude,

tende a lhes negar a participação em seu processo de ensino e aprendizagem, à medida

que este/esta não é reconhecido/a pela pessoa adulta como um ser em processo dinâmico

e contínuo de desenvolvimento, igualmente a ele, mas é situado/a na condição de mero

depositário/a dos saberes sociais que os adultos detêm, como se pode notar nas narrativas

subsequentes:

“[...] o aluno que obedece é legal, não é teimoso, não é desobediente, é quem

obedece, é legal, come a comida fica um pouco gordo, tem que ir para

academia [...]” (Joaquim, sexo masculino, 6 anos).

“[...] Criança obediente é assim não responde, não bagunça, não brinca, não

bate, não xingar [...]” (Guilherme, sexo masculino, 7 anos)

Pesquisadora: Ah obediente, como você acha que é uma criança obediente?

Fernanda: É que, que, não bagunça a sala, faz tudo que a professora manda.

Pesquisadora: Tudo que a professora manda, como o quê?

Fernanda: Que a professora fala “copia esse daqui”, ele copia, que a

professora fala “guarda o brinquedo”, ele guarda, faz tudo que ela manda.

(Fernanda, sexo feminino, 6 anos).

Sob esta linha interpretativa, supõe-se que o/a escolar visualizado/a como

obediente/legal/inteligente é situado na posição daquele que não se manifesta no espaço

de escolarização para além do que é esperado e permitido pelo/a educador/a. Estes

significados interpelados nas interações sociais engendradas no espaço escolar,

possivelmente, ancoram-se em acepções adaptacionistas acerca dos fenômenos

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educacionais que, ao serem dissociadas de um todo complexo constituído pelas

dimensões históricas, sociais, políticas e ideológicas que atravessam as sociedades

divididas em classes, geralmente, são reduzidas ao ajustamento do/a aprendiz frente aos

modelos normativos que sustentam a conservação da estrutura tradicional de escola.

Pode-se observar tais formulações a respeito das condutas tomadas como apropriadas as

vivências escolares através da fala dos/das estudantes:

Pesquisadora: Como você acha que é essa criança legal?

Caio: Não teima, não bate, é inteligente, sabe lê e ainda sabe escrever, e é

muito inteligente.

Pesquisadora: É... o que é ser muito inteligente?

Caio: Uma pessoa que é estudiosa, uma pessoa que estuda muito, estuda muito

não para pra conversar de jeito nenhum, presta atenção e finge que o outro

colega nem tá aí, só tem a professora.

Pesquisadora: Como que é isso?

Caio: Oh você ignora a pessoa e só olha na professora, assim, aí ou, ou, ou,

ou, ou, ou, aí fingi. (Caio, sexo masculino, 7 anos).

Pesquisadora: Como é essa criança obediente?

Daniel: Obedece.

Pesquisadora: O que você acha que ela faz para obedecer?

Daniel: Tipo, a tia falou “vai escrever”, ele escrevia, como o Alex, quando ele

era, de cabeça pra cima, agora ele tá teimoso, tá desse jeito, quando ele tava

obediente tava do outro jeito.

Pesquisadora: Como que era esse outro jeito?

Daniel: Do outro jeito?

Pesquisadora: Isso.

Daniel: Ele tava escrevendo, lendo muito, lendo muito, escrevendo muuuuito.

Agora não sabe “B-A”, “C-A”, “T-A”, ele fica perguntando toda hora pra tia,

como que fica “C-A”, como que fica “L-A”. (Daniel, sexo masculino, 7 anos).

Rosa: Educado é quando a mãe fala bem assim “filha você não pode ir na rua

vai que alguém pega você”, aí a filha vai lá e fala “tá bom, mãe, só porque a

senhora falou, muito obrigada”, tipo uma criança igual eu, a professora fala

bem assim pra ela: “aluno, aluno, não fica correndo na sala, arruma o

brinquedo, já guardou seu brinquedo”? Ele fala “sim, professora”. Aí

professora fala “Aluno, você é muito educado, você tira nota dez”, aí ele dá um

monte de abraço na professora, mil abraço na professora. Isso que é ser

educado quando a gente ama todo mundo aqui no Brasil.

Pesquisadora: É... e como é amar todo mundo aqui no Brasil?

Rosa: É que a gente ama quando que a professora fala assim “fulano, não faça

isso, não faça aquilo”, aí fala “sim, professora, eu faço o que senhora tá

mandando”. (Rosa, sexo feminino, 7 anos).

Com base nas formulações expostas acima, as/os partícipes fornecem indicativos

de que as crianças apropriam-se das práticas pedagógicas escolares orientadas por uma

relação hierárquica refletida no controle social. Pressupõe-se que, neste processo de

interação social, a criança assuma o papel de tutorado que seja dependente face a

autoridade do/a educador/a que atua na regulação da homogeneidade de suas condutas,

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impedindo as possibilidades de manifestação da espontaneidade, do novo, do

imprevisível proveniente das relações criadoras que ela estabelece com o seu meio.

Em conformidade com essa via interpretativa, destaca-se que o olhar do adulto

oferecido à criança em idade escolar, ao ser direcionado para elementos isolados

constituintes da integralidade de seu desenvolvimento, pode ser refletido na tendência de

que a criança seja significada como a única culpada pelas supostas dificuldades no

processo de ensino e aprendizagem. Com efeito, o/a aprendiz que não se ajusta aos

pressupostos normativos que orientam o padrão considerado ideal de comportamento

pode ser categorizado/a como um sujeito potencial a ser encaminhado aos serviços

especializados de saúde, como se observa nos elementos que perpassam as significações

que as crianças formulam e compartilham acerca dos alunos anunciados com a queixa

escolar, ilustradas nos excertos subsequentes:

Pesquisadora: É... e como você acha que é uma criança danada?

Fernanda: Que não estuda, é preguiçoso, é que só quer brincar igual o

Bernardo, ele não gosta de estudar, não quer fazer nada, só quer brincar na

física com outra pessoa que tá brincando na física, ele vai na física da irmã dele

e dos pequenos (Fernanda, sexo feminino, 6 anos).

Pesquisadora: Como você acha que é um aluno bagunceiro?

Carolina: Ah eu acho, ele grita com a mãe e o pai, grita com as tias, xinga as

professoras, igual a minha.

Pesquisadora: É... será por que ele grita?

Carolina: Quando o Joaquim grita ele fala: “sai daqui, professora!”, gritando,

ainda mais o Guilherme, meu Deus, ele grita demais, o Guilherme mais ainda,

ah, tem hora que ele fica “ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh”, tem hora que

ele fica assim né, gritando “ahhhhhhhhhhhhhh”, tem hora que ele fica assim,

gritando. (Carolina, sexo feminino, 7 anos).

Paulo: Teimoso é que gosta de sair da sala, tipo, o Bernardo ele não para!

Pesquisadora: Por que você acha que o Bernardo gosta de sair da sala?

Paulo: Porque ele é muito teimoso.

Pesquisadora: O que ele faz para ser teimoso?

Luiz Otavio: Teima, uai, fica saindo da sala, bate nos coleguinhas, judia deles,

um dia ele quase tentou cortar meu cabelo, eu fui e falei pra tia. Aí ele falou,

aí a tia falou que pra ele, que ele vai ter que para, senão ele vai ter que ficar

dois meses sem sair, sem sair da sala. (Paulo, masculino, 7 anos).

Luísa: Teima que nem o Bernardo.

Pesquisadora: O que você acha que o Bernardo faz pra ser teimoso?

Luísa: É que ele fica saindo da sala sem pedir e, então, uma professora, ou uma

adulta tem que ficar de olho nele, pra ele não sair da escola, porque ele fica

sempre saindo, daí quando ele entra escola e na sala, todo mundo vê, daí

querem brincar com aquele negócio que o Bernardo pega.

Pesquisadora: Que negócio o Bernardo pega?

Luísa: Tipo, o galho grande, ou um galho espetudo, ou um tronco e também

pode ser até uma pedra, ou uma fruta. (Luísa, sexo feminino, 7 anos)

Paula: Desobediente é fica igual os meninos.

Pesquisadora: O que você acha que eles fazem para desobedecer?

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Paula: Eles não prestam atenção na professora dele porque eles brincam com

brinquedo na hora errada e a professora sempre fala que é só na hora do lanche

que pode brincar. O Bernardo, o Samuel Adriano todos eles ficam jogando

cartinha, o Bernardo ele não presta atenção na aula, ele só fica fazendo

bagunça, sobe na mesa derruba as cadeiras, desobedece a professora. E o

Samuel não respeita, ele não faz tudo que a professora manda, ele não fica

sentado, a tia fala para ele guardar a carta, ele não guarda. (Paula, sexo

feminino, 7 anos).

As declarações explicitadas acima, de maneira geral, compõem a indagação

relativa ao que é ser aluno/a bagunceiro/a teimoso/a, desobediente, danado/a. Pode-se

notar que significados negociados em torno desta questão organizaram-se em torno da

identificação de Bernardo e Guilherme sob esta posição escolar destacada, à medida que

seus pares parecem reprovar aspectos de seus comportamentos que envolvem o brincar

no espaço interno e externo a sala de aula sem permissão do adulto, a confrontação face

a figura docente, o desinteresse pelas atividades pedagógicas propostas, as atitudes

agressivas para com os/as colega e os escapes em relação ao contexto de sala-de-aula.

Sob esta linha interpretativa, os entrevistados/as também oferecem indícios que

partilham dos conteúdos representacionais que orientam a hipótese de que os problemas

escolares estão vinculados à constituição familiar, objetivada na figura da mãe, que é vista

como aquela que não transmite as informações e os valores necessários para o bom

desempenho dos/as filhos/as em suas vivências escolares. Pode-se perceber que esta

forma da criança atribuir significados ao não aprender ancora-se em premissas das teorias

da carência cultural fundada nas bases ideológicas neoliberais (PATTO, 1993) que

prevalecem sob diferentes roupagens influenciando as crenças, os valores e as atitudes

orientadoras das práticas pedagógicas educativas escolares, que justificam as causas do

fracasso escolar nas características da configuração familiar do/a aluno/a, especialmente,

de classe popular. A fala que se segue ilustra este ponto:

Vicente: Bagunceiro é que bagunça.

Pesquisadora: Como você acha que é a bagunça?

Vicente: Que fica riscando o caderno do zoutro, atenta quem tá queto, igual o

Bernardo.

Pesquisadora: É... e o que você acha que o Bernardo faz para atentar?

Vicente: Atenta por causa que quando era pequeno ele era atentado.

Pesquisadora: Será o que ele fazia quando era pequeno pra ser atentado?

Vicente: É que a mãe dele ensinou se bagunceiro. (Vicente, sexo masculino, 7

anos).

Os relatos dos(as) entrevistados(as), por sua vez, permitem evidenciar que os

significados conferidos aos pares que destoam da uniformização dos comportamentos que

lhes são exigidos no contexto escolar, estão amparados também em pressupostos inatista

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que permeiam o cenário educacional e que tendem a naturalizar e individualizar as

dificuldades escolares como se fossem particularidades intrínsecas aos sujeitos que são

situado como aquele(a)s que não aprendem em decorrência de sua herança genética

tomada de forma independente das vivências que o sujeito estabelece com seu meio. Em

consequência, considera-se que as dificuldades de aprendizagem são vistas como um

problema de ordem biológica que precisa ser tratado pela via do uso de medicamento e,

sob este processo, exime-se as responsabilidades do sistema educacional que atribui a

causa do fracasso às doenças das crianças. As narrativas ilustradas adiante apontam

aspectos sobre essas colocações

Carolina: Eles teve um bebê, aí a mãe, que era a cinderela foi ver se era menina

ou menino, aí o príncipe falou “não, é um menino”, a cinderela falou “eu sei

que é uma menina”, aí ele falou “tá bom, é uma menina”, desse jeito né

(risadas). Aí, uma bruxa veio atrapalhar a bebê que nasceu com problema né,

aí ela queria que atrapalhasse a menina. Aí ela falou “ah já sei um plano, eu

vou fazer uma porção pra aquele bebê”, essa menino, menina terrível, quer

dizer, eu errei. Aí ela falou, ela fez uma porção pra, ela fingiu que era uma

bruxa do bem, ela falou “quer essa sopa? Toma ela é uma delícia?” Aí ela “tem

certeza”. Ela falou “sim, pode tomar”. Aí ela tomou e ela sentiu alguma coisa

na barriga dela, aí nasceu a bagunceira-teimosa (Carolina, sexo feminino, 7

anos).

Eva: Ué, ele fica bagunçando, quer fazer as coisas da cabeça dele, não obedece.

Pesquisadora: Como que é fazer as coisas da cabeça dele?

Eva: Pois é, ele fica pensando, pensando numa coisa que é pra fazer, não pode

fazer, aí ele faz.

Pesquisadora O que não pode fazer?

Eva: Ué, você fica xingando uma pessoa que não é pra xingar, é errado você

não obedecer, não fazer a tarefa, não prestar atenção na professora, fica

correndo na sala. (Eva, sexo feminino, 7 anos).

Nos meandros deste diálogo cabe destacar as significações tecidas por Matheus21

que, ao descrever as impressões iniciais de uma nova integrante da turma ao conhecer o

Guilherme, salienta que este provocou nela um sentimento de medo diante do estranho:

“A Maria chegou e ela já tinha medo do Guilherme [...]” (Matheus, sexo masculino, 7

anos). Mas o entrevistado, ao longo de sua narrativa, sinaliza que os significados

partilhados por sua turma diferenciam-se do sentido conferido por Maria face a

21

Salienta-se que o relato expresso por Matheus em relação ao sentimento de medo que Maria apresentou

ao conhecer Guilherme também se aproxima das colocações realizadas pela professora Amália que em

diálogo com a pesquisadora ponderou: “[...] Ruzia, quando Guilherme gritava daquele jeito, Maria ficava

com muito medo, ficava se escondendo, ela queria até em mudar de escola. Depois de muita conversa, de

muito diálogo, ela foi entendendo o Guilherme [...]” (Notas de campo do dia 14 de Outubro, 2016)21

.

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mencionada criança nomeada com a queixa, ao fornecer indícios de que a vivência do

grupo junto ao Guilherme permitiu que a figura do estranho apresentasse um caráter

familiar ao grupo escolar. Estas colocações sugeridas podem ser ilustradas por intermédio

dos elementos representacionais que Matheus diz ser compartilhado entre os pares “[...]

ela não sabia como o Guilherme era, aí nós, que já estamos acostumados, já sabia [...]”

(Matheus, sexo masculino, 7 anos).

Matheus: A Maria chegou e ela já tinha medo do Guilherme, aí depois ela

chegou e começou a fazer tarefa, esses negócios.

Pesquisadora: Por que você acha que a Maria tinha medo do Guilherme?

Matheus: Porque ele fazia bagunça e ela ficava com medo.

Pesquisadora: Como era essa bagunça que ele fazia e a Maria ficava com

medo?

Matheus: Todas, todas bagunças que ele fazia, tipo, cadeira no chão, mesa

jogada, bater nos coleguinhas, assustar, tudo assim, mas ninguém tinha medo.

Pesquisadora: Por que você acha que ela tinha medo do Guilherme?

Matheus: Porque ela ficava, porque ela era nova, e ela não sabia como o

Guilherme era, aí nós, que já estamos acostumados, já sabia.

Pesquisadora: Já sabiam do quê?

Matheus: É que ele tinha um probleminha?

Pesquisadora: Como era esse probleminha?

Matheus: Eu não sei, não sei que problema que é esse. Agora até que ele tá

mais ou menos bom.

Pesquisadora: Mais ou menos bom, como?

Matheus: Quer dizer que não tá mais jogando as mesas, não fica fazendo mais

nada, ele só tá pegando a mesa e correndo pra juntar com Rafael.

Pesquisadora: E o que você acha disso?

Matheus: Eu acho muito absurdo.

Pesquisadora: Muito absurdo, por que?

Matheus: Porque ele sai correndo, sai pegando a mesa para juntar com o Rafael

rápidão e fica cantando “tiustiusktiustiusu” (risos). (Matheus, sexo masculino,

7 anos).

Com base nas proposições retratadas anteriormente, destaca-se que o modo como

o grupo, constituído pelos pares de Guilherme, coloca-se face ao colega, na situação que

fora levantada por Matheus, parece se aproximar de outra dimensão da dinâmica de

ancoragem. Esta outra faceta ao atuar de forma contrária a sua função de incorporar o

estranho ao familiar (KALAMPALIKIS; HAAS, 2008) pode assumir o papel de

transmitir e assegurar o não familiar, no caso específico da pesquisa, as ações

comportamentais de Guilherme, ao garantir que suas condutas sejam circunscritas como

familiares aos valores, às crenças e às informações partilhadas pelo grupo, mas também,

ao mesmo tempo, suas posições destoantes das prescrições normativas permaneceram

nutrindo a estranheza que o grupo apresentava frente a este aprendiz. Por outras palavras,

indica-se que Guilherme pôde ser percebido pelo grupo de pares de maneira menos

incomum e mais familiar, todavia, ele ainda continuou sendo associado à qualificação

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que lhe foi conferida socialmente ao se diferenciar das expectativas das imagens de

criança e aluno idealizadas.

O enredo formulado por Matheus, ao ilustrar a reação de Maria no encontro com

Guilherme, conduz este processo de análise para a proficuidade do desdobramento desta

outra nuance de ancoragem indicada nas linhas precedentes. Isto posto, as falas dos/as

entrevistados/as permitem sugerir que o discurso religioso funciona como um dos

sistemas de referência que regem os universos de socializações por meios dos quais as

crianças interagem com o Outro e formulam hipóteses sobre si próprias e acerca das redes

de significados que circulam no cotidiano escolar.

Nota-se que ao se ancorarem em princípios religiosos para classificar e interpretar

os fenômenos desvelados na vida escolar, as crianças objetivam suas significações na

ideia de Deus que se revela como uma personificação reguladora e orientadora das

práticas sociais escolares. Esta figura, por tal ângulo, é percebida como uma autoridade

que reitera o enfoque para as relações sociais mediadas entre o Eu e Outro a partir de

preceitos fundados na antinomia bem/mal, na qual se enraízam as imagens sobre a

crianças má (dominada pelo instinto, ao manifestar forças indomadas que precisam de

controle) e a criança inocente (possuidora de uma natureza genuinamente boa, no entanto

com a possibilidade de ser pervertida pela sociedade) (SARMENTO, 2007), que são

tomadas como polaridades estritamente dissociadas entre si, como demonstra o trecho

abaixo:

Ah, tipo assim, o filho de Deus, ela faz um monte de coisa que Deus manda,

manda você ficar quieto, você fica, manda você ler, você vai lê, manda você

escrever, você vai escreve, manda você fica quietinho de cabeça na mesa, você

vai e faz, faz qualquer uma coisa que Deus manda. [...] Malcriado é assim...

não faz nada que o Deus manda, empurra os coleguinhas, ela bate nos

coleguinhas, ela morde os coleguinhas, ela belisca, ela chuta, dá um murro na

barriga. (João Victor, sexo masculino, 7 anos).

Pesquisadora: Se aluno sapo pudesse ser qualquer coisa nesse mundo, o que

ele seria?

Vicente: Abençoado.

Pesquisadora: Por que você acha que ele seria abençoado?

Vicente: Porque ele ficava teimando e por causo não pode falar atentado.

Pesquisadora: Não pode falar atendado?

Vicente: Não, por causo que é a palavra que Deus deu pra falar, sem ser

atentado.

Pesquisadora: E o que é ser atentado?

Vicente: Atentado é teimoso.

Pesquisadora: Como você acha que é ser teimoso?

Vicente: É você pegar o estojo do colega e esconder, igual o chinelo do

Bernardo que tava escondido. E, também, você... Aí você bate nas crianças,

você pega os materiais das crianças, o dinheiro das crianças, igual o guri dali,

por isso que eu até coloquei o dinheiro no meu bolso.

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Pesquisadora: Por que você acha que Deus deu a palavra abençoado pra falar?

Vicente: Por causo que falar atentado é muito feio.

Pesquisadora: É feio falar atentado?

Vicente: É, por causo que é coisa do diabo.

Pesquisadora: Como você acha que seria essa coisa do diabo?

Vicente: É teimar, faze bagunça, tipo, o menino trazer uma serra elétrica dentro

da mochila e cortar uma árvore, tipo assim (neste momento da entrevista a

criança aproximou-se da árvore para encenar o relato narrado), aí a árvore caiu

em cima da casa, aí morreu. E, trazer um facão, também e, regaçar a escola, ou

pegar um pau e pá, pá, pá, pá. (Vicente, sexo masculino, 7 anos).

Ângela: Olha, eu daria obediente.

Pesquisadora: Por que você escolheria obediente?

Ângela: Porque ela não tema, ela não xinga, ela não bate, igual a Ana Clara, a

Ana Clara não bate, ela não xinga, ela não morde, ela não dá murro.

Pesquisadora: Será por que a Ana Clara não bate, não xinga, não dá murro?

Ângela: Ué, porque ela é carinhosa de verdade, que Deus ensinou ela e a mãe

dela.

Pesquisadora: O que Deus ensinou para elas?

Ângela: Ensinou que não pode bater, não pode morder, não pode xingar, não

pode rasga o caderno do coleguinha.

Pesquisadora: Por que você acha que Deus ensinou ela e a mãe dela não bater,

não xingar?

Ângela: Porque Deus deu dois ouvidos, dois olhos, um nariz e uma boca pra

quê? Pra escutar melhor, pra ver melhor, pra cheirar melhor e uma boca pra

falar menos... Olha, o mal, eu queria que não saísse nenhum mal da escola,

nenhum mal, nem batesse principalmente. [...] as crianças aparecidas precisa

de Deus, pra Deus ensinar que não pode bater não pode brigar e também não

pode rasgar no caderno da colega, não pode pegar lápis escondido, não falar

que a outra é feia, não xingar de filha da mãe, nem de filha da puta, nem de

desgraça. (Ângela, sexo feminino, 7 anos).

Alice: Porque essa escola seria do diabo, não seria comum, se fosse comum,

ela era uma escola boa.

Pesquisadora: Como seria uma escola do diabo?

Alice: Porque essa, esse diabo entra no corpo de uma pessoa, se entrar na escola

toda, toda a escola vai ficar amaldiçoada.

Pesquisadora: É... e como seria uma escola amaldiçoada?

Alice: Tipo, assim, se aparecer uma bruxa aqui ela era boazinha, ela era uma

humana, aí o diabo entrou no corpo dela, pra ela ficar do mal, aí ela contagiou

todo esse quintal aqui da escola, pra escola ficar ruim, pros alunos não aprender

nada. Porque o diabo, quando, quando ele não era o diabo, ele não gostava da

escola, não gostava.

Pesquisadora: Por que o diabo não gostava da escola?

Alice: Porque ele só queria divertir, ela pensava que o, o, o, mantendo divertido

é mais legal do que estudar, mas não é.

Pesquisadora: É... será por que ele achava que divertido não é mais legal do

que estudar?

Alice: Ele queria uma escola pra divertir porque ele não gostava da escola

quando era criança, porque ele pensava que a escola era um lixo pra ele, mas a

escola não é assim.

Pesquisadora: Por que você acha que a escola não é um lixo?

Alice: Porque escola é a uma vida boa pra gente quando a gente aprende a falar

essas coisas, o mundo vai encaminhar o nosso caminho.

Pesquisadora: Como que vai ser isso?

Alice: Vai ser tipo uma religião pra gente ficar de boa, tranquilo no solzinho

(Alice, sexo feminino, 6 anos).

Os conteúdos em torno da imagem de Deus indicam que este, mesmo não se

desvelando como uma figura propriamente vinculada aos aspectos intraescolares, é

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tomado como uma referência que estabelece e regula o modo como o/a aprendiz deve se

posicionar no contexto escolar a partir de uma apreensão dualista dos fenômenos

humanos. Ao se sedimentar nestas colocações, Deus é concebido como aquele que

reconhece e legitima socialmente as imagens sociais do ser criança e aluno que se

aproximam do filho de Deus e, ao mesmo tempo, desqualifica e rejeita as imagens

relativas ao ser criança e aluno malcriado. Acerca deste aspecto, pode-se inferir que a

imagem de filho de Deus e a de malcriado não se revelam como facetas que constituem

a integralidade de uma mesma pessoa, dado que a polaridade tomada como boa só existe

como verdadeira em função da negação da outra dimensão vista como má, como

evidencia-se nos excertos adiante:

Pesquisadora: Como seria aluno obediente?

Caio: É que aprende amar e ter confiança.

Pesquisadora: É... e como você acha que ele aprende a amar e ter confiança?

Caio: É quando você aprende e já, e fica feliz e ama o que você aprendeu.

Pesquisadora: Como que é amar o que aprendeu?

Caio: É quando você aprende uma coisa, assim, como quando que eu aprendi

meu nome contrário e já amei, já orei pra Deus e já pedi pra ele amar a vida de

outros que não vão ter acontecido isso.

Pesquisadora: Por que você acha que tem orar para Deus?

Caio: Porque senão orar e, aí ele não vai fazer mesmo, senão orar Deus não vai

amar, mais se orar Deus vai amar.

Pesquisadora: Por que senão orar Deus não vai amar?

Caio: Não, Deus ama de qualquer um jeito, nem se não orar, mas se você

desobedecer e não orar, ele não vai amar nunca, mas se você obedecer e orar

ele vai te amar.

Pesquisadora: Ah tá, e tem algo que Deus não ama?

Caio: Que ele não ama?

Pesquisadora: Isso.

Caio: Deus não ama quando você quer ser de diabo, e não quer ser de Deus.

Pesquisadora: Como é ser do diabo?

Caio: Aí, é quando você desobedece Deus, não obedece a mãe, não obedece a

professora, não obedece ninguém, xinga de chama ele filha da puta. (Caio, sexo

masculino, 7 anos).

Lara: E se o diabo vim, ela vai ter o célebro dela, vai atacar o célebro dela

porque o diabo ele ataca todo mundo, aí a cabeça da pessoa fica, fica, fica lelé

da cabeça, aí ela para e obedece tudo que o diabo fala. Por isso, que ela pensou

que, que a professora queria prejudicá-la. Mas, não, ela entendeu que a

professora era uma boa pessoa, mas, mas, a professora ela não era, ela é uma

boa só que ela brigava com as crianças que era muito bagunceira, mais que ela,

que ela não é bagunceira, ela é obediente, ela sabe de tudo das, das, das

meninas inteligentes, por isso ela não faz bagunça e ela é responsável, por tudo

a escola. (Lara, sexo feminino, 7 anos).

Augusto: Obedecer é aprender a fazer as coisa certa na escola.

Pesquisadora: O que você acha que é coisa certa?

Augusto: Coisas certa é não pegar a coisa do zoutro, nem gritar, nem xingar.

Pesquisadora: Hum... será por que as pessoas têm que fazer essas coisas

certas?

Augusto: Porque se não fazer, não vai aprender e vai pra outro lugar.

Pesquisadora: É... que lugar você acha que seria esse?

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Augusto: Vão lá pro diabo.

Pesquisadora: Como seria lá no diabo?

Augusto: Quando as crianças morrer, se continuar fazer coisa errada antes de

morrer Deus já sabe pra onde elas vão, Deus vai pegar elas e colocar lá

embaixão.

Pesquisadora: E o que você acha disso?

Augusto: Chato porque lá e fogo, tem umas pessoas que acham que é Deus,

mas é diabo, ele tenta fazer, ele tenta fazer fingindo que é Deus pra poder

ajudar todo mundo e já que ele sabe disso, ele tenta ajudar todo mundo, mas o

diabo fingi que é Deus pra poder matar eles e transformar eles ne diabo.

(Augusto, sexo masculino, 7 anos).

Face esta colocação torna-se pertinente trazer à cena os pressupostos que ancoram

as crenças e valores relacionados à infância no período imperial, estruturado pelo sistema

patriarcalista no qual a moralidade assentava-se predominantemente em princípios

religiosos cristãos que possivelmente contribuíram para sustentar as imagens de crianças

supracitadas nas linhas precedentes (KISHIMOTO, 1993). Conforme Kishimoto (1993),

neste mencionado momento histórico, existiam duas imagens vinculadas aos meninos de

engenho fundadas na ideia de natureza má da criança. A primeira refere-se ao menino-

diabo, sendo este aquele que manifestava a natureza diabólica em brincadeiras nas quais

o moleque – o menino negro – era submetido a atos brutais e maus tratos exercidos por

parte dele. Já a segunda, por sua vez, é caracterizada como menino-homem, dado que o

menino da Casa Grande em torno dos sete anos era pressionado socialmente para tornar-

se um homem adaptado aos padrões educacionais apoiado em parâmetros europeus.

Com o exposto, pressupõe-se que os conteúdos representacionais relativos a Deus

estão atravessados por redes de significados que valoram uma forma de ser e estar no

mundo que orienta as construções recíprocas entre o Eu e o Outro, as quais implicam

diretamente na constituição identitária. Sob este processo dialético, pode-se pensar que a

criança, em uma dada situação social de desenvolvimento, ao ser significada pelo Outro

a partir de uma posição em que foi categorizada, percebe em suas vivências as

expectativas positivas que lhe são conferidas para a ocupação deste lugar e, em algumas

circunstâncias, tende a buscar ser identificada nesta posição na qual é reconhecida pelo

Outro. Como pode ser revelado na situação fictícia formulada por Bernardo, na qual ele

aborda uma relação estreita entre a personagem sapo e a figura de Deus por meio da

pessoalidade imprimida no discurso “[...] Tá bom, Deus. Eu nunca vou sair da sala” [...]

eu nunca vou teimar com você, Deus, eu juro, juro com Deus, por Deus na verdade”

(Bernardo, sexo masculino, 7 anos).

Observa-se, nos trechos supracitados, que os processos de negociação forjados no

encontro com Deus parecem ser calcados em relações assimétricas, por meio das quais

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esta entidade impõe ao sapo o abandono de suas formas usuais de comportamento no

universo escolar e, neste decurso narrativo, a personagem é delineada por meio do

comprometimento em assumir outras formas de condutas apoiadas sob os princípios de

passividade e submissão às práticas educacionais escolares preestabelecidas. Esta referida

relação unilateral pode ser vislumbrada no emprego do verbo mandar que exprime a

prática moralista e autoritária que o ente exerce frente à personagem.

Outro aspecto necessário a ser mencionado concerne ao fato de que o sapo, ao ser

contornado por significações contrárias a forma como Bernardo posiciona-se no processo

de escolarização, pode ser visto como um movimento de negociação deste aprendiz com

conteúdos representacionais sobre ser aluno e criança, que gera conflitos e angústias a

respeito de si mesmo à medida que este reconhece os atributos desejáveis e legitimados

socialmente e, concomitantemente, oferece indicativos que revelam a tomada de

consciência de que é um aluno focalizado com dificuldades escolares e que a ocupação

deste lugar gera estranheza e rejeição na relação com o Outro, como pode observar esse

aspecto da análise na interlocução a seguir

Pesquisadora: O sapo morreu?

Bernardo: Sim, depois foi lá pró céu.

Pesquisadora: E como foi a vida dele no céu?

Bernardo: Ele nunca ia teimar.

Pesquisadora: Será por que o sapo não teimaria no céu?

Bernardo: Porque o Deus tava lá.

Pesquisadora: O que Deus achava da teimosia?

Bernardo: Não gostava! (entonação de voz mais aguda).

Pesquisadora: Por que você acha que Deus não gostava de teimosia?

Bernardo: Porque não, porque, esqueci o que eu ia falar... Depois, na escola

não saia da sala.

Pesquisadora: O que aconteceu pra ele não sair da sala?

Bernardo: Deus mando “não é pra você sair da sala si minino!”

Pesquisadora: E o que ele falava para Deus?

Bernardo: “Tá bom, Deus. Eu nunca vou sair da sala”. Aí ele nunca saiu da

sala, só fazia tarefa, bebia água, voltava só em dois minuto, e fazia xixi, um

minuto.

Pesquisadora: Eles conversaram sobre mais alguma coisa?

Bernardo: Ele falo que nunca ia teimar com Deus, ele falo pro Deus “eu nunca

vou teimar com você, Deus, eu juro, juro com Deus, por Deus na verdade”.

Pesquisadora: Jurou que não iria teimar?

Bernardo: É, aí ele nunca mais saiu da sala, ele ficou só, ele ficou quetinho,

onde a professora gritava com ele, “desculpa, professora, desculpa, eu nunca

mais vou mais bater em você, por favor não fala pro Deus, por favor não fala

pro Deus”. (Bernardo, sexo masculino, 7 anos).

Com base na apresentação da narrativa encorajadora, nota-se que o sujeito ao criar

uma elaborar o personagem sapo criou uma situação real combinada a imaginária,

percorreu um caminho para o desenvolvimento do pensamento abstrato, ao criar e

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negociar significados partilhados socialmente. Possivelmente, a narrativa pôde

potencializar processos de aprendizagem, visto que é uma modalidade discursiva que

possibilita a expressão da criança que historicamente foi e, ainda nos dias atuais, é

silenciada, seja pela disciplina, pelo uso de dispositivos de repressão e punição, pela

reclusão social, pelo processo de medicalização, pela indiferença do outro frente ao seu

discurso, que é entendido e compartilhado socialmente como menos legítimo em relação

ao do adulto.

Tecidas estas colocações, pode-se mencionar que os fenômenos representacionais

negociados e compartilhados pelas crianças nas trocas sociais indicam que a produção do

anúncio da queixa escolar, de maneira geral, está atrelada às práticas normatizadoras que

se ancoram em pressupostos disciplinadores que perfazem os espaços de socialização de

caráter educativos que envolvem o cotidiano das crianças, como a escola, a família e a

igreja, dentre outros nos quais elas participam. Estas ações, pelo menos ao que parece,

são desempenhadas prioritariamente pelo adulto por meio da relação de subordinação das

crianças frente ao mesmo, com vistas a domesticar e suprimir os comportamentos

manifestos que se diferem das prescrições instituídas, como pode ser observado nos

conteúdos discursivos retratados a seguir:

Guilherme: Ah... eu acho que eu já apanhei umas 100 vez.

Rafael: Não, você não pode apanhar tanto assim.

Guilherme: Quando eu tinha 4 anos eu apanhava muito, até quando eu tinha 6

anos, até quando eu tinha 5 anos, até chegar no 7, agora tô no 8.

Rafael: Credo, quem batia em você tanto assim?

Guilherme: Ah... é porque eu fazia muita coisa errada.

Rafael: Nossa! (Expressão de pasmo)

Guilherme: Ah eu fazia coisa errada, muita coisa errada.

Pesquisadora: Como o quê?

Guilherme: Como desobedecer, xingar e bater.

Rafael: Eu também fazia muita coisa errada que eu me arrependi hoje.

Pesquisadora: É... por que você se arrependeu Rafael?

Guilherme: Porque doeu muito, apanhar dói. Mas, aí depois passa de um tempo

você nem lembra mais como você apanhou, eu lembro. (Guilherme, Rafael,

ambos do sexo masculino, 7 anos).

Lara: Deus não gosta de bagunça né, aí teve um também, um dia meu

amiguinho tava brincando, aí ele pegou e jogou pedra bem no telhado da moça

e quebrou, caiu um monte de telhado no chão aí né tava andando e tropicou e

rancou um trenzão aqui do dedo, foi isso que Deus fez pra ele. (Lara, sexo

feminino, 7 anos).

Fernanda: Bom... Ruzia, aqui tem uma reportagem que, que, que destrói

coração, mas não muito, aqui o sapo falou “mamãe, eu posso ir ao parque?”,

ela falou “não”, ele falou “mamãe, eu posso ir beber água?”, aí ela falou,

olhou com uma cara brava e falou “não, você tá de castigo, lembra do... que

você fez?”. “Não, mamãe, mas eu posso? Por favor. Aí finalmente ela deixou.

(Fernanda, 7 anos, sexo feminino).

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Pesquisadora: Como era a vida do sapo?

Daniel: A vida do sapo, ele gostava de helicópteros, gostava de robôs,

quadrinhos, desenhos, mas, de repente, tinha uma mãe muito boazinha, um dia

o sapo desobedeceu a mãe dele, ficou de castigo um mês sem desenho, sem

sair pra fora, sem videogame, sem seu aparelho e sem os seus brinquedos.

Pesquisadora: Por que você acha que ele ficou de castigo?

Daniel: Porque a mãe, a bruxa fez um outro feitiço, um feitiço que fazia ele

desobedecer, a mãe dele.

Pesquisadora: Hum... e por que a bruxa fez esse outro feitiço?

Daniel: É que ela é malvada, ela é malvada, mas aí chegou a fada, a fada falou

“príncipe sapo, por que você está chorando?”, “por causa que eu tô de

castigo”, “então irei te ajudar”. A fada ajudou o aluno sapo, aí o que

aconteceu com o aluno sapo? Ele virou um sapo cavaleiro rico, teve uma grana,

a mãe dele ficou muito feliz por causo que ele tive uma grana, o pai do guri era

muito pobre, a mãe do aluno sapo era também pobre, mas de repente aconteceu

que eles viraram ricos, e deu dinheiro pra todos os pobres, e eles ficaram felizes

para sempre e tinha uma princesa. (Daniel, sexo masculino, 7 anos).

As narrativas expressadas pelos/as partícipes nos detalhamentos dos episódios

elucidados oferecem indícios de que as crianças apreendem que ao assumir e/ou se

aproximar dos atributos atrelados a imagem social do ser criança aluno/a bagunceiro/a,

desobediente, teimoso/a, danado/a provavelmente serão focalizadas por significados

negativos que estão associados ao Outro que se diferencia dos anseios adultocêntricos e

sofrerão ações punitivas por exercer os comportamentos e as atitudes que não estão de

acordo com o padrão convencional. Sob este prisma, nota-se nos discursos dos/as

entrevistados/as que os mecanismos de repressão praticados na relação unilateral de

poder do adulto frente às crianças se revelam em suas mais distintas formas, seja na

objetivação do castigo em seus corpos a partir das “surras”, seja por meio da privação de

instrumentos que elas se identificam como os brinquedos, seja pela restrição de acesso

aos espaços de socialização, seja por ameaças, dentre outas estratégias aplicadas para

submetê-las às crenças e aos valores tomados como princípios socialmente corretos.

Estas proposições imbuídas por saberes sociais moralizantes e disciplinadores,

que contornam o modo como a infância está sendo inscrita nos processos educacionais,

podem ser verificadas por meio da pessoalidade imprimida nos discursos dos(as)

aprendizes a partir do emprego de pronomes pessoal “eu” e no uso da terminologia de

caráter possessivo “meu”, bem como mediante o delineamento das significações

conferidas aos personagens que integram os seus enredos narrativos, como visualiza-se

adiante.

Pesquisadora: É... e o que a aluna sapa faz para ser comportada?

Carolina: Quando a mãe dela tá perto ela fica quietinha, fingindo que não fez

nada, mas quando a mãe tá longe ela fica fazendo bagunça, não sei por quê.

Pesquisadora: Será por que quando a mãe está longe que ela faz a bagunça?

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Carolina: Porque se ela fazer bagunça perto da mãe, a mãe dela vai dar uma

surra do peteleco.

Pesquisadora: Do peteleco, como que é?

Carolina: Um peteleco é dar vários tapa de chinela, outro é de cabo de vassoura

e de cinta.

Pesquisadora: E o que ela iria achar disso?

Carolina: Chato.

Pesquisadora: Por que seria chato?

Carolina: Porque ela ia ficar de castigo.

Pesquisadora: Como que é ficar de castigo?

Carolina: Ficar ajoelhada pra parede, sem brincar, sem brinquedo.

Pesquisadora: Sem brinquedo, e como ela ia se sentir?

Carolina: Brava! Bem brava! Igual um urso quando acorda ele.

Pesquisadora: Como você acha que é ser brava igual quando o urso acorda?

Carolina: Se ela ficava no castigo, a mãe dela colocava ela ajoelhada assim

pra parede sem nada, com a mão pra trás.

Pesquisadora: Com a mão para trás ajoelhada sem nada, e como que ela iria

sentir?

Carolina: Ela se transforma num urso raivoso.

Pesquisadora: Em um urso raivoso?

Carolina: Uhum. Aí depois ela fica brava com a mãe e derrota a mãe.

Pesquisadora: Derrota a mãe, como que seria essa derrota da mãe?

Carolina: É derrubar a mãe no chão, aí a filha tá livre, vai fazer quantas

bagunça ela quiser, ela derrotou a mãe.

Rosa: As pessoas ficam correndo assim que nem louca, ficam correndo que

nem louca. Aí quando pensa que não poffff bateu, um dia eu bati minha cabeça

com um guri no parque, a minha mãe, ela não gostou nada e me deu uma pisa,

foi o primeiro dia que eu levei uma pisa, nunca eu levei uma pisa.

Pesquisadora: E o que você achou de levar uma pisa?

Rosa: Eu achei muito triste, eu fiquei, eu me tranquei no meu quarto, e fiquei

lá pra sempre até que chegou 2017. Então, como eu tava te dizendo, foi o

primeiro dia da minha vida que eu levei uma pisa. Aí minha mãe falou “você

vai ficar trancada no seu quarto só por três semanas, eu fiquei lá trancada até

que acabou o ano”.

Pesquisadora: Com é ficar trancada até acabar o ano?

Rosa: Aí chegou 2017, nós mudou de bairro, aí minha irmã falou “não tem

diferença alguma eu soltar você”, aí ela foi e me soltou, aí minha mãe deu uma

pisa nela, porque ela é do prezinho, daí minha foi e deu uma pisa nela, aí ela

chorou, chorou, chorou minha mãe não gosta de choro, então, deu outra pisa

nela, aí ela continuou chorando a minha mãe deu, deu quatro pisa nela, aí,

então, ela foi lá no quarto meu, falou “Rosa, minha mãe quer dar 30 ne mim”.

Aí eu falei não, não é justo, aí eu vou falar com a minha mãe, aí eu fui lá e

falei, falei “mãe, por que a senhora quer dar 30 pisa ne Eloisa? Aí ela falou

“porque Heloisa tá merecendo”, aí eu falei “não, não, não, Heloisa foi lá no

meu quarto chorando”, “Heloisa tá merecendo e ela vai continuar

merecendo”, aí foi lá e deu outra, foi lá no meu quarto e deu outra pisa ne

Heloisa, aí Heloisa começou a ficar atrás de mim, aí ela corria e me abraçava,

toda hora corria e me abraça, aí até que minha mãe foi lá, pegou a corda que

nós pula né, a corda que nós pula, aí ela foi lá e pofff, aí eu tinha que pular e

Heloisa também, Heloisa não sabe, eu tinha que botar ela nas minhas costas,

aí ela pofff.... aí eu pulei, aí ela poofff, e eu pulei [...]. (Rosa, sexo feminino, 7

anos)

Sob este prisma, as significações exprimidas permitem verificar que na tentativa

de evitar o aprisionamento de si mesma por meio dos castigos, como também de ser

qualificada em uma posição socialmente estigmatizada, que é determinada por condições

históricas concretas, o/a escolar, ao ser impedido/a de confrontar-se com o adulto por

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meio da relação de poder que este exerce, possivelmente, assume a imagem de criança

aluno/a obediente/legal/inteligente e, em algumas situações, busca abdicar das relações

interpessoais com este Outro que se desvia dos comportamentos prescritos sob a ótica da

normatividade. Dito de outra forma, percebe-se que as crianças estão sendo cerceadas do

direito legítimo de se reconhecerem em si mesmas, em seus singulares modos de ser, à

medida que as atitudes e valores que perpassam os conhecimentos sociais e as práticas

educativas escolares que lhes são dirigidas estão sendo ancorados em concepções

idealizadas de crianças e, por conseguinte, de infância, que incidem diretamente nas

relações de pertenças que estas estabelecem com outros sujeitos e grupos sociais.

Ao seguir esta linha interpretativa, salienta-se outra dimensão vinculada às

múltiplas facetas do objeto de pesquisa que concerne aos aspectos ambíguos que

amparam a forma como as crianças focalizam o/a docente. Conforme as colocações dos/as

entrevistados/as, por um lado, os/as professores tendem a analisar as más condutas dos/a

escolares/a ao nutrir as crenças e orientar as ações de controle exercido sobre as crianças,

seja pela falta de informação e/ou por não levarem em conta a sua participação na

produção da queixa escolar, que está intimamente correlacionadas à forma como estes/as

interpretam e direcionam as dificuldades escolares no processo de ensino e aprendizagem.

Com este viés, percebe-se que os/as educadores, ao se respaldarem em

proposições fundadas no enfoque aos aspectos intrínsecos do/a aprendiz desconsiderando

os processos vividos pelas crianças no cotidiano escolar, acabam por se eximirem de suas

responsabilidades acerca do fenômeno, depositando ao próprio aprendiz e a sua família a

culpa pelo fracasso escolar.

Por outro lado, as crianças oferecem indicativos de que o trabalho pedagógico

pode promover condições de abertura ao inesperado face aos padrões convencionais, na

medida em que o/a docente reconhece que a apropriação de conhecimento não se desvela

de maneira passiva, linear e direta. Ou seja, as crianças não somente reproduzem, mas

também elaboram significados nas relações sociais promovidas no encontro com o Outro.

A partir deste foco de percepção, privilegia-se processos de aprendizagem orientadas por

relações dialógicas individuais e coletivas entre as vivências dos/as alunos/as e os

conhecimentos sistematizados que favorecem a constituição do desenvolvimento das

potencialidades do sujeito.

Neste momento, ao enfocar-se na primeira questão apontada anteriormente,

salienta-se que ao longo da observação em campo constatou-se algumas estratégias de

resistência do(a) aluno(a) frente aos elementos de controle que compõem os sistemas de

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valores partilhados por meio dos processos comunicacionais estabelecidos entre a sua

família e a escola que provavelmente suscitariam ações punitivas sob o(a) mesmo(a).

Dentre elas, observou-se que as crianças rasgavam os bilhetes em seus cadernos que eram

circunscritos por informações negativas sobre si próprias, uma vez que os/as pais ou

responsáveis possivelmente iriam acessá-los e tomá-los como referência sobre o mal

comportamento de seus/suas filhos/filhas. Em outras situações, notou-se também que as

crianças buscavam se esquivar das possibilidades dos/as profissionais registrarem

imagens que objetivavam suas condutas vistas como inadequadas que poderiam ser

encaminhadas aos seus familiares (Notas de campo do dia 25 de novembro de 2016 e do

dia 28 de fevereiro de 2017). As nuances relativas as estas significações compartilhadas

pelas crianças podem ser evidenciadas nos relatos a seguir:

João Victor: [...] Eles ficam fazendo bagunça é por causo que eles, as mães

dele não sabe deles, que eles faz isso, aí depois que chama aqui na escola para

conversar, que ele fica prontinho para apanhar (João Victor, sexo masculino, 7

anos).

Juliana: Na sala de aula, tinha um dia no ano passado que ele ficava, só que

quando ele cansava de fazer tarefa, quando ele fazia tudo a tarefa ele queria

sair. Eu achava que ele queria ir lá pra casa dele porque sempre a professora

falava pra ele “Bernardo, eu vou chamar a sua mãe”, ele ficava quietinho igual

uma estátua. (Juliana, sexo feminino, 7 anos).

Pesquisadora: O que o aluno sapo fazia para teimar?

Rafaela: Brigava na escola.

Pesquisadora: Como que ele brigava?

Rafaela: Ficava brigando os alunos.

Pesquisadora: O que ele fazia?

Rafaela: Brigava, mostrava dedo, brigada, aí depois a mãe dele colocou ele de

castigo e ele ficou sem, sem sobremesa.

Pesquisadora: Sem sobremesa, como ele se sentiu?

Rafaela: Sentiu culpado, aí ele não teimo mais, ele ia pra escolar de novo

educado. (Rafaela, sexo feminino, 7 anos).

Neste diálogo, pressupõe-se que para uma parcela expressiva das famílias

brasileiras o ingresso de seus/as filhos/as ao universo escolar está vinculado a

materialização de um sonho. Considera-se que esta percepção acerca da ocupação deste

espaço de socialização está intimamente associada a ideia de mobilidade de status social

que supostamente o processo de escolarização propicia ao sujeito.

Tal colocação, por sua vez, sustenta-se na ideologia neoliberal que difunde o mito

de que em uma sociedade capitalista há igualdade de oportunidades entre crianças e

adultos, negros e brancos, homens e mulheres e, em consequência desta suposta condição

de igualdade a todos/as, cabe ao ser criança-aluno esforçar-se para atingir o sucesso

escolar. Diante deste imaginário social que enreda as práticas educativas dirigidas às

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crianças, não há espaço para as diferenças de desempenho escolares e, por esta ótica

meritocrática, a partir da qual todos/as possuem as mesmas chances de atingirem o bom

rendimento fundado na imagem ideal de aluno, as crianças que se distanciam do padrão

normal de comportamentos são submetidas a ações de ajustamento que apresentam como

elementos estruturante os mecanismos de controle exercidos por meio instrumentos

disciplinares que “[...] treina a obediência dos sapos [...]” (Alice, sexo feminino, 7 anos),

como está sendo esboçado nos conteúdos que perpassam as narrativas abaixo:

Pesquisadora: Agora imagine que um(a) amigo(a) do(a) sapo(a) chegasse na

escola, como o sapo apresentaria a escola para o(a) amigo(a)?

Alice: Essa escola é de só pra sapo, pra adulto não pode. Eaí, essa aqui que é a

sua sala, e o nome da escola é “Estudo pra Sapo”, o nome da escola, aí tem

professoras, professoras que ensinam, e todo mundo que já saiu dessa escola

significa que todos é, inteligente, as pessoas que bagunçam na sala ainda não

fica inteligente, e eles ficam mesmo ano, aí a professora pergunta “quantos

que é 1.000 mais 1.000”, ela fala “4”, e a professora dá uma nota ruim. Aí ia

que vim outra pessoa nova pra outra escola de sapo, ia se chamar “treinando

obediência dos sapos”.

Pesquisadora: Como você acha que é essa escola que chama “treinando a

obediência dos sapo”?

Alice: Eles têm que treinar a obediência dos sapos.

Pesquisadora: É... e como a obediência dos sapos é treinada?

Alice: Assim, é outra escola, e vem uma pessoa, eles apresentam tudo dessa

escola, eaí, e eles tem que treinar que ele é que sabe, se ele já souber tudo, ele

já pode sair, mas quem não sabe, vai ter que continuar na escola até aprender.

Pesquisadora: Por que você acha que quem não sabe vai ficar na escola para

aprender?

Alice: Porque eles qué que as pessoas fiquem inteligentes. (Alice, sexo

feminino, 7 anos)

Pesquisadora: É, por que o sapo não fica teimoso?

Joaquim: Você quer que ele fica teimoso?

Pesquisadora: Se eu quero, o que você acha?

Joaquim: Não! Ele vai pra diretoria e fica com raiva, a mãe fica com raiva.

Pesquisadora: Por que você acha ele e mãe fica com raiva?

Joaquim: Porque ela já disse pra ele, não vai mais na diretoria, entendeu.

Pesquisadora: Entendi.

Joaquim: Aí ela bateu nele, rebentou a cara dele.

Pesquisadora: Rebentou a cara dele, e como ele se sentiu?

Joaquim: Não sei mais do aluno sapo, ele nem existe.

Pesquisadora: Mas se ele tiver a possibilidade de existir?

Joaquim: Não, o aluno sapo ia comer eu.

Pesquisadora: Ele ia comer você?

Joaquim: Ele gosta de comer pessoas, ele é malvado, ele é cachorro quente.

Pesquisadora: Como seria ele ser cachorro quente?

Joaquim: Fala, Ruzia! Presente, cachorro quente. (Joaquim, sexo masculino, 7

anos).

Sob este contexto, pode-se verificar que os significados partilhados pelas crianças

por meio das trocas sociais realizadas com os adultos estão atravessados pela exigência

destes de um controle voluntário do comportamento infantil em conformidade com os

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parâmetros normativos considerados desejáveis ao universo escolar. Todavia, os

fenômenos representacionais compartilhados pelo/as partícipes revelam que, na dinâmica

relacional de ensino e aprendizagem, os adultos buscam impulsionar o processo de

desenvolvimento destas funções psicológicas superiores das crianças por meio de

mediações orientadas predominantemente por elementos punitivos que lhes imputam a

responsabilização individual pelo desenvolvimento dessas funções psíquicas aludidas,

desconsiderando-se que estas são fundamentalmente produtos das relações sociais

forjadas em um tecido cultural determinado.

No bojo deste prisma, assinala-se que, ao não serem proporcionada às crianças

outras possibilidades de apropriação do conhecimento historicamente acumulado que se

concretiza nos processo de aprendizagem, elas, por sua vez, tendem a reproduzir os

modelos de educação que lhes está sendo oferecido, como visualiza-se no relato a seguir,

no qual o entrevistado descreve minuciosamente os episódios de violência sofrido por seu

personagem – em que este é castigado por meio de diferentes dispositivos disciplinantes

empregados isoladamente e de forma concomitante para “corrigir” as manifestações de

condutas inapropriadas aos princípios normalizadores,

Matheus: Quando não tá na escola?

Pesquisadora: Isso, o que o aluno sapo gosta de fazer quando não está na

escola?

Matheus: Não sei, o sapo vai bagunçar a casa dele, não, não, bagunça, não, ele

vai teimar e a mãe dele vai bater porque ele fez muita bagunça ali.

Pesquisadora: Ali na onde?

Matheus: Ali na escola, entendeu, agora.

Pesquisadora: Entendi, por que você acha que a mãe dele iria bater nele?

Matheus: Porque ele fez bagunça e a mãe bate nele ainda com cabo de

vassoura. (sinalizou como a mãe iria bater a partir da utilização do microfone).

Pesquisadora: E o que ele vai achar disso?

Matheus: Muito duido, pá, pá, pá, pá.

Pesquisadora: Mas por que ele iria apanhar?

Matheus: Porque ele bagunçou a sala tudo uai, e ninguém bagunçou nada e ele

bagunçou, então, quer dizer que... (sinalizou o gesto de bater), entendeu.

Pesquisadora: É... e tem outras coisas que ele vai fazer fora da escola?

Matheus: Ele vai fazer muitas coisas.

Pesquisadora: Muitas coisas, o que ele vai fazer?

Matheus: Bagunçar a sala de novo.

Pesquisadora: Por que você acha que ele vai bagunçar a sala de novo?

Matheus: Porque, além de ele levar um pau, ainda ele fica mais criminoso.

Pesquisadora: Além de levar um pau, ele vai ficar mais criminoso, como seria

isso?

Matheus: Só porque a mãe dele bateu nele, aí ele vai ficando mais, “só porque

você bateu em mim, agora eu vou ficar mais, mais, mais ainda, mais terrível”.

Aí ele vai bagunçar a sala inteira, bater nas pessoas, bater em todo mundo pá,

pá, pá.

Pesquisadora: Por que ele vai bater em todo mundo?

Matheus: Só porque ele apanhou agora ele quer descontar no zoutro.

Pesquisadora: É... será por que ele vai nos outros?

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Matheus: É que ele bagunçou, aí ele vai apanhar de novo, agora de cinta, agora

vai ficar até uma marca nele, uma marca daqui até aqui, da cinta.

Pesquisadora: Ele vai apanhar de novo?

Matheus: É porque ele baguuuuuunçou de novo.

Pesquisadora: Entendi, o que você acha dele ficar apanhando?

Matheus: Cada vez mais que ele vai fazendo bagunça na sala, cada vez mais

ele vai apanhando, aí um dia a mãe dele bateu de vara, de cinta e cabo de

vassoura, os três no mesmo tempo, pá, pá, pá, duas batidas, um, dois, três, pá.

Pesquisadora: Os três no mesmo tempo, como seria isso?

Matheus: Ela tava assim como o cabo, aqui é o cabo da vassoura, aqui é cinta,

aqui a vara, pá, pá, pá, até que um dia, até que um dia ele parou de fazer

bagunça.

Pesquisadora: Por que ele parou de fazer bagunça?

Matheus: Porque a mãe dele bateu nele no memo tempo, iaí ele começou a

fazer tarefa, parou de fazer a bagunça.

Pesquisadora: Por que ele parou de fazer bagunça e começou a fazer a tarefa?

Matheus: Que tal eu falar de... porque bagunça, bagunça, bagunça, super mega,

bagunça, bagunça, bagunça, até que, enfim, a mãe bateu, bateu, bateu, bateu,

bateu, bateu, isso não resolveu. Aí bateu com os três cabos de vassoura, três

vara, três cinta, ao mesmo tempo, aí depois ele resolveu ser bom, bom,

bonzinho. (Matheus, sexo masculino, 7 anos).

Rafael: É, uma vez eu fiquei louco, fiquei louco pra caramba de tanta raiva que

eu tava. Ruzia, não é melhor me bater, sabe o que acontece? Se eu chorar sabe

o que acontece? Eu fico doido, eu fico puto da vida, eu fico doido pra caramba.

Não consigo nem me controlar, fico que nem onça, fico batendo, mais batendo,

mais batendo no cara que me bateu, mas batendo, batendo até desmaiar.

Guilherme: Mano, se alguém bate ne mim, ninguém sabe o que acontece, né

Rafael?

Rafael: É.

Guilherme: Porque se alguém bate ne mim eu viro um furacão.

Rafael: Ele vira um tornado, um furacão super-forte, que bate nesse cara até

sair sangue né Guilherme.

Pesquisadora: Como que é virar um furacão Guilherme?

Guilherme: Eu fico com muita raiva, muita, muita, muita, mas do que o Rafael,

aí eu explodo, aí eu vou atrás até eu consegui pegar, pra eu consegui me vingar

e tirar a cabeça.

Rafael: Imagina dá um soco na cara do Guilherme o que acontece Ruzia.

Guilherme: Eu do um soco muito forte na cabeça do Rafael que quebra a

cabeça dele.

Rafael: Ei também não precisa falar de mim, eu sou seu melhor amigo, você

não faria isso.

Guilherme: É nunca faria isso, só com os meus inimigos, você não é meu

inimigo. (Guilherme; Rafael, ambos do sexo masculino, 7 anos).

Pesquisadora: Por que o sapo tinha que fazer tarefa e não bagunçar?

Vicente: Porque ele não sabia se controlar.

Pesquisadora: Ele não sabia se controlar?

Vicente: Não.

Pesquisadora: Como você acha que é esse descontrole do sapo?

Vicente: É que ele, ele não queria bater em todo mundo que aparecer na frente

dele, até na própria mãe e, até no próprio pai.

Pesquisadora: É... será por que ele não queria bater em todo mundo?

Vicente: Porque ele era não queria mais ser super, mega, super, super, super,

super, super, mega terrível. (Vicente, sexo masculino, 7 anos)

Antemão ao prosseguimento dessa linha argumentativa, convém ressaltar que, no

decurso da experiência em campo, a pesquisadora pôde identificar que os significados

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compartilhados pelas professoras, em relação aos aprendizes anunciados com a queixa,

parecem estar enredados por elementos que rementem à falta de informação sobre como

agir frente ao imprevisível do padrão de conduta estabelecido socialmente. Esta acepção

exposta, ao ser associado às outras dimensões constituintes do ser docente, como a

precarização das condições de trabalho e a desqualificação social da categoria

profissional, podem provocar sentimentos de incompetência e impotência que apresentam

ressonâncias nas relações intersubjetivas desenvolvidas para com as crianças, como nota-

se nos relatos da professora Amália frente à dinâmica relacional junto a turma:

[...] a minha sala não era desestruturada quando eles chegaram no ano de 2016,

essa agitação total, até eu me desestruturei, eu achei que talvez não fosse mais

capaz de trabalhar com crianças. Isso mexe com a gente, mexe, você não

consegue encontrar solução e parece que cada dia se torna mais difícil (Nota

de campo do dia 17 de novembro de 2016).

Os elementos representacionais que perpassam a declaração acima fornecem

indícios de que as interações sociais estabelecidas entre professoras/professores e

crianças, que não têm correspondido aos anseios das propostas pedagógicas instituídas,

estão sendo traduzidas em elementos afetivos de insegurança em relação à competência

técnica, à medida que o estranhamento do Outro/aluno(a) provoca a necessidade de

reconhecer-se e, reciprocamente, representar a si mesmo(a). Esta visão provavelmente

está implicada na descrença da profissionalização docente e exerce influência na forma

como a educadora interpretará o desempenho de seus escolares e orientará suas ações

pedagógicas, como se observou na reflexão tecida pela professora Amália.

Em consonância com esta linha argumentativa, pode-se ponderar que o anúncio

das dificuldades no processo de ensino e aprendizagem também é revelado como o

fracasso do(a) professor(a) que não corresponde às significações partilhadas no

imaginário social sobre trabalho educativo, ao ser enfocado/a como aquele/a que no

exercício profissional não possui o nomeado “domínio” face ao aprendiz pertencente a

sua turma. Sob esta ótica, ainda se percebe que a interação Eu-Outro está permeada por

sentimentos conflitantes de solidão e desamparo em relação às redes de relações que

envolvem a complexidade desta problemática vivenciada, que se refletem em suas

práticas educacionais escolares, como é possível observar nos conteúdos expressos

adiante:

Luiza: O professor é sozinho porque não pode sair atrás de um, sendo que tem

vinte e cinco na sala, não tem como funcionar. A gente quer fazer, mais

infelizmente não pode, eu não posso largar a sala e vim correr atrás dele, e

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parar depois voltar lá para sala, e, às vezes, você pede ajuda e você vê as caras

feias. Aí você acaba largando mão de pedir ajuda, porque toda vez que pede

faz a cara feia, aí você acaba largando mão.

Pesquisadora: E como você se sente em relação a essa situação?

Luiza: Às vezes decepcionada porque às vezes você tenta, você tentou, mas

não conseguiu, então você se sente frustrada por não ter conseguido ajudar

aquela criança, e acaba sendo decepcionante, eu me sinto assim quando eu não

consigo, eu me sinto decepcionada comigo mesma por não ter atingido aquela

criança. Às vezes você pensa: ah o que eu poderia fazer, eu poderia ter

melhorado isso, eu poderia ter feito aquilo. (Nota de Campo do dia 25 de

novembro de 2016).

Marlene: Eu acho que a gente tem que aprender mais, estudar mais, saber mais

lidar com isso, que a gente não sabe, a gente só fica na teoria eu acho, fica

tentando achar que pode ser isso, que pode ser aquilo, a gente tem que ser mais

é, tem que ter mais o amparo da secretaria em relação a isso, porque existe

muito casos, não que seja que ele fique em turno diferente, não, a gente tem

que aprender a lidar com pessoas diferentes, a gente não tem esse

conhecimento ainda, estamos caminhando, mas é muito longo, e as

necessidades estão muito, eu acho que é isso que os alunos buscam, o diferente,

porque eles são diferentes, então querem coisas diferentes. (Nota de Campo de

Dezembro de 2016).

Sob este processo, vale salientar que os conteúdos e a formas de organização das

narrativas das professoras estão estruturados em torno de tensões e negociações de

significações contraditórias que coexistem entre si. Estas relações sociais possuem

aspectos conservadores embasados em abordagens tradicionais, mas, por outro lado,

apresentam elementos que sinalizam a incorporação de forças ancoradas em práticas

educativas emancipatórias.

Os indícios deste caráter inovador fundamentam-se no reposicionamento de

focalização do docente na relação com o aluno anunciado como nomeado com problemas

escolares, baseado em ressignificações que impulsionam novos olhares, como também

outras perspectivas de atuação face ao não familiar, como pode ser percebido em

conteúdos da narrativa de Amália:

Eles querem sempre saber o porquê daquilo, por que que eu tô fazendo isso?

Mas eu não quero fazer isso, isso não me interessa e parece que você vai

ficando mais desmotivada, parece que você não consegue fazer nada que

agrada, até você descobrir certos momentos carinhosos que o Guilherme teve

[...] O pessoal que veio fazer estágio aqui no segundo momento, descobriu que

ele adorava essa questão de fazer, de reportagem. Então o Guilherme sair com

pessoas estranhas pra fora que não fosse eu, e ele conseguir fazer o trabalho,

isso já é de coisas que nós fizemos anteriormente e que nós nem percebemos

que tinha dado sucesso. (Nota de Campo do dia 26 de novembro de 2016).

A referida professora, em suas reflexões, revela que os questionamentos sobre as

práticas pedagógicas realizadas por Guilherme suscitaram sentimentos desmotivadores

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em relação ao exercício docente. Porém, as vivências do cotidiano escolar que podem ter

provocado desestabilidades do ser professor também possibilitaram esta (re)construir

saberes, permitindo o olhar para outras formas de aprendizagem frente ao diferente, que

pode ter corroborado para reinvenção do ser docente.

Neste processo, observa-se que o uso da pessoalidade do discurso, a partir da

utilização do pronome em terceira pessoa, a exemplo, nós, empregados em seu discurso

ao referir-se aos demais atores que compõem a cena escolar, pode evidenciar um exercício

de trabalho coletivo integrado em torno de práticas pedagógicas participativas que

anunciam a reconstrução de significações sobre o educando concebido com dificuldades

em seu processo de aprendizagem.

Pressupõem-se que as interações interpessoais positivas refletem na representação

de si, podendo ser traduzidas em aspectos que influem no sentimento de pertença ao

exercício profissional. Ao considerar o movimento dialético dos fenômenos sociais,

entende-se que o professor (re)constrói suas representações sociais, valores, crenças,

atitudes, sobre ser e estar no mundo, implicadas diretamente nas formas de envolvimento

deste com os seus alunos.

Eu gosto muito, eles me fizeram crescer, quantos anos dando aula e de repente

você tem que mudar totalmente a sua forma, a estratégia que você teve, é

aquela história, eu estava acomodada, por mais que eu tinha aluno especial,

sempre chegavam na minha sala, mas eram muito calmos, que tomavam o tal

do remedinho. Aí ficavam calmos, então você lidava, eles eram agitação pura,

agressividade mesmo, de chegar de bater nos colegas. Aí eu tive que mudar

tudo, e percebi que eu estava acomodada porque tudo tava bom, meus alunos

sentavam, chegavam, estudavam e aprendiam. (Nota de campo do dia 16 de

novembro de 2016).

Nas multiplicidades de olhares sobre as supostas dificuldades de aprendizagem e

de comportamento dos alunos constituintes dos processos identitários, pode-se perceber

a emergência de sentimentos de identificação do/a professor/a para com este. Em que

aquele/a ao referir-se ao/a aprendiz percebe-se na relação com o outro, questionando os

processos classificatórios de aprendizagem imbuídos de padrões normativos que, de

forma recorrente, desconsideram as autorias infantis nas práticas sociais. Para ilustrar este

aspecto da discussão, observa-se os conteúdos presentes na organização do discurso da

professora Marlene,

Eu me vejo neles, não vejo aluno difícil nem fácil, eu vejo uma criança. Criança

é criança, ela tem que ser criança, ela não tem que ser um adulto, basta a vida

para fazer a gente adulto, criança ela tem que ser criança, pra mim criança tem

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que gritar, tem que pular, tem que brigar, que é normal. (Notas de campo do

dia 18 de novembro de 2016).

Nesta dinâmica, pode-se inferir que os significados compartilhados nas reflexões

das docentes possuem elementos que sinalizam uma não adesão aos discursos que

objetivam a individualização do fracasso nos aprendizes, “Então eu não acho que tem

que ter essa classificação, eu pelo menos, eu não faço isso com os alunos [...] porque

você não tem uma fita métrica para medir o conhecimento da criança, hoje ele tá bom,

amanhã ele pode não estar, eu sou totalmente contra” (Nota de campo do dia 24 de

novembro de 2016).

O distanciamento dos padrões classificatórios veiculados nas práticas

comunicacionais que permeiam o campo da educação, fundamentadas em valores e

crenças estereotipadas que baseiam em pressupostos meritocráticos, revela-se como uma

tendência a mudança das práticas pedagógicas que atravessam as vivências das crianças

anunciadas como difíceis no contexto escolar.

Sob esta perspectiva, destaca-se que as falas compartilhadas pelas crianças

revelam a íntima relação que estas possuem em seu cotidiano com as diferentes formas

de violência e criminalidade, indicando o quão presentes são estes elementos na

organização do meio onde se desenvolvem. Colocadas essas considerações, pode-se notar

que, quando é indagado a criança as formas de ser e estar no mundo do/a personagem

delineados em suas narrativas, elas apresentam um maior nível de compartilhamento em

relação a dois papéis sociais: polícia ou bandido. O primeiro ancora-se na imagem do

aluno bom, aquele que virá a ser salvador do mundo e, em contrapartida, ser bandido está

associada a imagem de aluno mal, o qual será castigado pelo policial em virtude deste

destoar do padrão de comportamento preestabelecido, como verifica-se nos trechos a

seguir:

Pesquisadora: Se o sapo pudesse ser qualquer coisa, o que ele escolheria ser?

João Victor: Ele ia ser feio, chato, ia ser bandido.

Pesquisadora: Ia ser bandido?

João Victor: Ia ser preso, ia lá pro diabo.

Pesquisadora: Por que ele escolheria ser feio, chato e bandido?

João Victor: Porque ele era chato, porque ele ia fazer uma coisa feia e ninguém

gosta.

Pesquisadora: E o que é coisa feia?

João Victor: Coisa feia é as coisas feia que você faz e ninguém gosta.

Pesquisadora: Como o quê?

João Victor: Coisa feia é bem assim, eu peguei o sapo de alguém e joguei, e

escondi, aí ele acha que foi o outro guri que sempre faz coisa errada e vai lá na

diretora, fala que foi esse guri que tá errado, aí ele anda procura e fala “quem

viu o chinelo preto”, aí liga pro pai, aí o chinelo que pegou está escondido na

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mochila, aí pega e vai embora, quando chega já tá lingando pros pai vir aqui,

aí vem buscar a mochila do filho, o filho tá com o sapato dentro da mochila.

Pesquisadora: E como o aluno teimoso ia virar bandido?

João Victor: Ele ia virar bandido porque ele roubou a coisa do menino, ele vai

crescer, vai querer roubar as coisas, quando bandido vai querer roubar e, depois

que a polícia ver isso, ele vai ser preso.

Pesquisadora: E como o aluno teimoso ia se sentir?

João Victor: Como que ele ia se sentir?

Pesquisadora: Porque ele ia se sentir feliz?

João Victor: Porque ele acha que é Deus, que ele tá fazendo a coisa certa.

Pesquisadora: Porque o aluno acha que está fazendo a coisa certa.

João Victor: É porque ele acha que não vai ser preso, vai sempre ficar fazendo

a coisa errada, mas um dia ele vai ser preso.

Pesquisadora: Por que você acha que ele vai ser preso?

João Victor: Porque quem mandou ele ser intrometido.

(João Victor, sexo masculino, 7 anos).

Pesquisadora: E, se a gente pudesse escolher um nome para esse aluno ou essa

aluna, que nome a gente escolheria?

Eva: Comportado!

Pesquisadora: Comportado, como você acha que é ser comportado?

Eva: Comportado é você não faz as coisas erradas, fazer tudo certo, prestar

atenção.

Pesquisadora: É... e como você acha que é fazer tudo que certo, não fazer

coisas erradas e prestar atenção?

Eva: A gente não deve empurrar o colega, não deve machucar, a gente deve

prestar atenção, na hora do recreio a gente pode brincar, aí depois tem que

obedecer também pra voltar, quando falam pra ir beber água, é pra ir.

Pesquisadora: E por que a criança tem que fazer tudo isso?

Eva: Porque deve se comportado na escola.

Pesquisadora: Deve ser comportado na escola, por quê?

Eva: Ué, tem que comporta, não comporta porque não qué.

Pesquisadora: Por que você acha que ela não quer se comportar?

Eva: Porque ela quer ser, ela quer ser ruim, ela não quer ser... quando ela

crescer ela não quer ser nada, ela quer ser aquelas pessoas, aqueles bandidos.

Pesquisadora: É... e como é ser bandido?

Eva: É que não presta atenção, quem não presta atenção vira bandido.

Pesquisadora: Quem não presta atenção vira bandido, será por que?

Eva: Vai!

Pesquisadora: Por que você acha que quem não presta atenção vai virar

bandido?

Eva: Ué, os bandidos antes eles não prestavam atenção, eles teimava e deve ter

machucado alguém, por isso que ele não presta atenção.

Pesquisadora: Me fale mais um pouco sobre isso, como a criança que não

comporta vai virar bandido?

Eva: O aluno bagunceiro, ele é bagunça demais né? Aí então um dia ele não

vai ser nada.

Pesquisadora: Como é não ser nada?

Eva: Você não vai ter nada, não vai ser policial, não vai ser advogado, não vai

ser nada, não vai trabalhar de nada. Vai ser morador de rua, vai ser bandido.

Pesquisadora: E como que é ser morador de rua e bandido?

Eva: Bandido é as pessoas fazem tudo roubo.

Pesquisadora: Hum... e morador de rua?

Eva: Vai se, vai lá ficar com fome, vai querer comer as coisas e não vai ter.

Pesquisadora: Como eles vão se sentir?

Eva: Vão se sentir muito triste porque quando era pequeno era pra obedecer,

não obedecia, agora tá na rua.

Pesquisadora: E o que eles vão achar disso de virar bandido e morador de rua?

Eva: Vão achar muito ruim porque eles não prestavam atenção, machucavam

as pessoas, e eles vão ficar arrependido de fazer isso.

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Pesquisadora: Ah... eles vão se arrepender?

Eva: Vão!

Pesquisadora: Por que você acha que eles vão se arrepender?

Eva: Uai... porque eles vão vê que eles vão tá passando fome, vai querer trocar

de roupa e não vai ter, vai querer tomar banho e não vai ter, vai querer comer

e não tem, vai querer beber água e também não tem. (Eva, sexo feminino, 7

anos)

Pesquisadora: Agora vamos imaginar que a sapa aparecida descobriu que ela

podia ser livre pra ser o que quiser na vida dela, o que ela gostaria de ser?

Rafaela: Ela queria ser policial.

Pesquisadora: Por que você acha que ela queria ser policial?

Rafaela: Para prender os bandidos!

Pesquisadora: Ela queria prender bandidos?

Rafaela: Queria.

Pesquisadora: Como era os bandidos que a Aparecida queria prender?

Rafaela: É os bandidos muito malvado que entra assim na casa, lá em casa já

foi roubado umas três vezes, uma roubada de um iphone que era da minha mãe,

que ela amava muito esse iphone, ela não tirava a mão desse iphone, foi

roubado também um quadro assim que tinha uma foto de toda família minha,

do meu pai, do meu avô, aí na outra, na última, foi uma coisa que minha mãe

chorou, gritou, quase surtou, que era uma coisa que ela não queria que ninguém

triscasse nele, que é uma coisa que ela não queria que ninguém roubasse... Era

uma foto do meu vô e da minha vó porque meu vô tá lá no céu, a minha mãe

não queria que ninguém triscasse nessa foto, porque essa foto ele tava com ela

assim no colo, e minha mãe tinha dois aninhos ela não queria que ninguém

triscasse uma unha nessa, ela não queria, ela só ficava falando “cadê a foto

minha com papaizinho, cadê, cadê?”. Aí quando ela foi ver a foto no lugar a

foto não tava lá, aí quando ela foi ver ela viu o bandido correndo com a foto,

aí por isso que ela queria ser uma policial.

Pesquisadora: Hum... e como seria essa vida de policial dela?

Rafaela: Olha, ela ia trabalhar até cinco horas da noite. Ser policial não é tão

legal, mas eu gosto.

Pesquisadora: O que você gosta?

Rafaela: É que você pode condenar mesmo, se as pessoas colocaram

tornozeleiras neles.

Pesquisadora: Como seria isso?

Rafaela: Condenar mesmo é colocar a tornozeleira nele, e se ele tirar a

tornozeleira vai ser preso de novo, aí se ele tira mais uma vez, aí todo mundo

vai pensar que ele tem problema e vai deixar ele num lugar que só fica homens,

que nunca mais ele vai sair de lá. (Rafaela, sexo feminino, 7 anos).

Rafael: Ser esperto e obediente é como se você tivesse salvando sua família de

um monstro.

Pesquisadora: Como você acha que é salvar a família de um monstro?

Rafael: É ser obediente e salvador do universo.

Pesquisadora: Salvador do universo?

Rafael: Uhum, eu vi isso no desenho, minha mãe ainda fala “se tá assistindo

muito desenho”, bem assim.

Pesquisadora: E o que você acha da sua mãe falar isso?

Rafael: Por causo que eu quero ser super-herói quando eu crescer, eu falei pra

minha mãe isso, aí minha mãe falou “é uma péssima ideia ser super-herói

quando eu crescer”, por causo que quando o cara tiver com arma, meter bala

ne cima de mim, eu não vou conseguir desviar, vai dar tanto tiro ne mim, os

caras. Eles vão dar tanto tiro ne mim, os caras...

Pesquisadora: É uma péssima ideia ser super-herói?

Rafael: E se eles tiverem com bazuca? Vai dá tiro ne mim com bala de

bazucona e “puuuuhh”, aí não vou conseguir desviar, já vou morrer.

Pesquisadora: Mas se você pudesse ser o super-herói, como seria?

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Rafael: Ah... ia deter os bandidos, só que não vai dá pra se super-herói, por

causo que eles vão dar tiro ne mim com arma, aí já morri, assisto muito

desenho! (Rafael, sexo masculino, 7 anos).

Pesquisadora: O que você acha deles não fazerem tarefa?

Matheus: Um crime.

Pesquisadora: Um crime, por que seria um crime não fazer a tarefa?

Matheus: Porque sim, eles não querem fazer tarefa.

Pesquisadora: E como que seria esse crime?

Matheus: Um crime quer dizer que a pessoa é criminosa.

Pesquisadora: O que é uma pessoa criminosa?

Matheus: Quer dizer que ela não faz tarefa e faz bagunça, muita bagunça,

muita, muita, muita mesmo na sala.

Pesquisadora: É... e como você acha que seria essa muita bagunça?

Matheus: Que não faz tarefa, e ainda de prova bagunça a sala.

Pesquisadora: Como que é isso de prova?

Matheus: De prova quer dizer que, além de não fazer a tarefa, e ainda bagunça

a sala.

Pesquisadora: Como você acha que é bagunçar a sala?

Matheus: Bagunçando, jogando as mesas, jogando tudo no chão, jogando até

as mochilas. (Matheus, sexo masculino, 7 anos)

Com base nas formulações acima, cabe destacar que são igualmente inegáveis as

distintas percepções de possibilidade de futuro envolvendo as classes sociais. Pode-se

dizer que existe uma inquestionável dose de realismo nas diferenças de projeto de

realização entre crianças de classes culturais dominantes ou afluentes e a massa de criança

da população de classe popular.

Os aspectos abordados nesta discussão, de modo geral, sinalizam que os

conhecimentos sociais que as crianças partilham sobre o/a escolar que destoa dos padrões

estão alicerçados em redes de significados que concebem a produção das dificuldades de

escolarização como aspectos inerentes ao/a mesmo/a, como já apontado anteriormente.

Esta informação não se desvela de forma surpreendente, dado que ela está ligada aos

conteúdos representacionais hegemônicos que orientam a focalização dos sujeitos que

não são classificados em critérios de normalidade com os quais a criança entra em contato

nas interações sociais por meio das práticas comunicacionais e formulam suas hipóteses

sobre a forma como devem se posicionar na relação com o Outro.

Por outra dimensão, simultaneamente, os/as partícipes também fornecem

elementos em seus conteúdos discursivos que permitem olhar para as significações

enredadas no fenômeno da queixa escolar de maneira inter-relacionada às redes de

relações intersubjetivas concretas, nas quais elas são desenvolvidas e compartilhadas em

um determinado tecido histórico e cultural. Em outras palavras, pode-se dizer que nas

entrelinhas de suas falas as crianças esboçam indícios que colocam em xeque a atribuição

de bode expiatório às crianças nomeadas com queixa escolar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar os discursos das crianças, notou-se que os saberes sociais

compartilhados por elas, envolvendo as vivências escolares, estão permeados por

diferentes paradigmas que tensionam o campo representacional em torno das crianças

identificadas como distantes do padrão normativo de escolarização. Observa-se a

predominância da adesão aos discursos hegemônicos centrados na tradição da cultura

escolar, enraizada em pressupostos adaptacionista, disciplinar e uniformizante que

focalizam o(a) aprendiz como ser passivo e de impossibilidades, como também se

percebe, ainda em um nível de menor compartilhamento, a emergência de redes de

significações fundamentadas sob o princípio emancipatório, as quais tensionam a

transmutação da ótica referida, ao destacar a participação social da criança no desenrolar

dos vários caminhos possíveis que se delineiam no processo de ensino-aprendizagem,

tecido nos encontros dialógico com o Outro adulto e criança, autorizando o desvelamento

do imprevisível.

Sob esta linha de pensamento, sugere-se que o processo de construção da narrativa

o príncipe que virou sapo constituiu-se no princípio da abertura à transformação,

possibilitando à criança construir novas significações as suas vivências escolares. Assim,

a partir das relações psicossociais vivenciadas em campo, observou-se que a narrativa

impulsiona criança criar realidades possíveis, existir para além dos estigmas e

preconceitos que circundam a representação de si, podendo potencializar processos de

aprendizagem, posto que se configura em um exercício favorável a expressividade dos

discursos que historicamente são invisibilizados.

Dentro desse processo, procurou-se proporcionar as crianças, a partir da

construção de narrativas, um espaço favorável para a reflexão e a ressignificação dos

estigmas e significações que perpassam o processo de anúncio da queixa escolar,

ancoradas em pressupostos contrários ao exercício de autonomia e liberdade dos sujeitos.

Essa busca partiu da admissão de um viés político de compreensão dos/das crianças

enquanto sujeitos ativos de seus processos de transformação, subjetivação, e significação

da realidade.

Portanto, indica-se que a narrativa encorajadora pôde se desvelar enquanto um

instrumento mediador do contato humano. Dado que, pela construção de enredos

narrativos, a criança pode imaginar, apropriar-se e partilhar os conhecimentos que

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circulam no seu entorno e permeiam as relações sociais orientadas pela perspectiva da

alteridade. Como também é possível para estas reinventá-los, o que favorece a potência

de criação de novas significações sobre sua realidade e embasa processos de constituição

identitária.

Colocadas estas reflexões, pode-se ponderar que a narrativa encorajadora,

utilizada como ferramenta psicológica mediadora no encontro com a crianças,

configurou-se enquanto um discurso que, incorporando diferentes formas de linguagem,

caracterizou-se como atividade-guia para os processos de desenvolvimento vivenciados

por estas. À medida este instrumento permite a abertura frente ao imprevisível o que

possivelmente propiciou novas formas de construção de si na relação com o outro.

Por fim, compreende-se que a complexidade do processo de produção da queixa

escolar se desvela de forma particular em um dado contexto histórico e cultural, de modo

que o que fora esboçado nesta pesquisa é uma das possibilidades de apropriação deste

fenômeno. Considera-se fundamental que novos estudos continuem se dedicando a

abordar este objeto de investigação, permitindo contribuir para novos contornos frente ao

mesmo.

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132

APÊNDICES

APÊNDICE A – PROTOCOLO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

Questões orientadoras

Identificar os significados que as crianças aprendizes nomeadas com a queixa

compartilham sobre a experiência de escolarização;

Conhecer as significações que circulam nas trocas sociais entre os adultos-adultos,

criança-criança, criança-adulto sobre o aprendiz anunciado como “problema” na

vida cotidiana escolar;

Observar como se constituem as relações estabelecidas entre as crianças

anunciadas com a queixa e seus pares infantis e com os profissionais que lhes

prestam serviço no interior da sala de aula;

Conhecer de que forma se dá as interações sociais entre a criança com a queixa e

outros(as) atores(atrizes) sociais infantis, e juntos aos adultos, nos espaços

escolares externos a dinâmica relacional da turma;

Identificar as práticas sociais dirigidas às crianças nomeadas com a queixa no

contexto escolar e se há diferenciação entre elas e as demais.

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133

APÊNDICE B – QUADRO ILUSTRATIVO DO DECURSO EM CAMPO

Turma X Turma Y

Data Atividade(s) desenvolvida(s) Data Atividade(s) desenvolvida(s)

20/09/2016 Apresentação da proposta de

pesquisa aos atores(atrizes)

sociais da comunidade escolar,

negociação da entrada em

campo.

06/10/2016 Observação participante

21/09/2016 Negociação da entrada em

campo.

07/10/2016 Observação participante

07/10/2016 Observação participante 13/10/2016 Observação participante

10/10/2016 Observação participante

14/10/2016 Observação participante

11/10/2016 Observação participante

18/10/2016 Observação participante

13/10/2016 Observação participante

19/10/2016 Observação participante

14/10/2016 Observação participante

20/10/2016 Observação participante

18/10/2016 Observação participante

21/10/2016 Observação participante

19/10/2016 Observação participante

25/10/2016 Observação participante

20/10/2016 Observação participante

26/10/2016 Observação participante

21/10/2016 Observação participante

27/10/2016 Observação participante

25/10/2016 Observação participante

01/11/2016 Observação participante

03/11/2016 Observação participante

03/11/2016 Observação participante;

Entrevista com o responsável

Paulo realizada no cenário escolar

04/11/2016 Observação participante

04/11/2016 Observação participante;

Entrevista realizada com a

responsável Maria em sua

residência

08/11/2016 Observação participante

07/11/2016 Observação participante

09/11/2016 Observação participante

08/11/2016 Observação participante

10/11/2016 Observação participante

09/11/2016 Observação participante

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134

11/11/2016 Observação participante

Entrevista com Lisa

10/11/2016 Observação participante

16/11/2016 Observação participante

Entrevista realizada com a

criança Rosa

11/11/2016 Observação participante

17/11/2016 Observação participante 16/11/2016 Observação participante

Entrevista com a criança Lara

18/11/2016 Observação participante

Entrevista com a criança André

Entrevista com a criança Lisa

17/11/2016 Observação participante

22/11/2016 Observação participante

Entrevista com a criança

Matheus

18/11/2016 Observação participante;

23/11/2016 Observação participante

Entrevista com a criança Rosa

21/11/2016 Observação participante

24/11/2016 Observação participante

22/11/2016 Observação participante

25/11/2016 Observação participante

Entrevista com a criança João

Victor

23/11/2016 Observação participante;

Entrevista com a criança Lara

Entrevista com Vicente

28/11/2016 Observação participante

24/11/2016 Observação participante;

Entrevista com a docente Luiza

29/11/2016 Observação participante

Entrevista realizada com Maria

25/11/2016

Observação participante

Entrevista com a criança Alice

Entrevista com a criança Paulo

30/11/2016 Observação participante

28/11/2016

Observação participante;

Entrevista com a criança Diego

01/12/2016 Observação participante

Entrevista com a criança

Joaquim

29/11/2016 Observação participante;

Visita a residência da responsável

Maria

02/12/2016 Observação participante

Entrevista como a CAD Adriana.

30/11/2016 Observação participante

Entrevista com a criança Augusto

Entrevista com a criança Juliana

12/12/2016 Observação participante

Entrevista com a criança

Matheus

Entrevista realizada com Maria

01/12/2016 Observação participante

Entrevista com Paula

13/12/2016 Observação participante; 02/12/2016 Observação participante

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135

Entrevista realizada com

Carolina

Entrevista com a criança

Joaquim

Entrevista com a criança Augusto

Entrevista com a responsável

Joana

14/12/2016 Observação participante;

05/12/2016 Observação participante

Entrevista com a criança Bernardo

Entrevista com a criança Fernanda

15/12/2016 Observação participante;

Entrevista com a criança Rafael

12/12/2016 Observação participante

Entrevista com a criança Luísa

Visita a residência da responsável

Maria

16/12/2016 Observação participante

Entrevista com a criança

Guilherme

13/12/2016 Observação participante

Entrevista com a criança Paula

22/02/2016 Entrevista com a criança Ângela 14/12/2016 Observação participante;

Entrevista com a docente Marlene

Entrevista com a docente Fernanda

16/02/2017 Observação participante

15/12/2016 Observação participante

17/02/2017 Observação participante;

Entrevista com a CAD Elise

13/12/2016 Observação participante

18/02/2017 Observação participante;

Entrevista com diretor Emanuel

14/12/2016 Observação participante

19/02/2017 Observação participante;

Entrevista com diretor Emanuel

15/12/2016 Observação participante

Entrevista com a CAD Elise

23/02/2017 Observação participante

Entrevista com a criança João

Victor

16/02/2017 Observação participante

Entrevista com Rafaela

24/02/2017 Observação participante

17/02/2017 Observação participante

Entrevista com Daniel

02/03/2017 Observação participante

Entrevista com a criança

Guilherme

22/02/2017 Observação participante

Entrevista com a coordenadora

Marisa

03/03/2017 Observação participante

23/02/2017 Observação participante

Entrevista com a criança Caio

08/03/2017 Observação participante

Entrevista com a criança João

Victor

23/02/2017 Observação participante

Entrevista com a criança Luísa

10/03/2017 Observação participante

Entrevista com a criança

Guilherme

27/02/2017 Observação participante;

Entrevista com a criança Rafael

16/03/2017 Observação participante; 02/03/2017 Observação participante

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136

Entrevista com a responsável

Maria

17/03/2017 Observação participante

Entrevista com a criança

Guilherme

10/03/2017 Observação participante

30/03/2017 Entrevista com a docente

Amália.

17/03/2017 Observação participante

Entrevista com a criança Bernardo

22/06/2017 Entrevista com a docente

Amália.

17/03/2017 Observação participante

17/03/2017 Observação participante

17/03/2017 Observação participante

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137

APÊNDICE C – ROTEIRO UTILIZADO NAS ENTREVISTAS COM OS(AS)

PROFISSIONAIS DA CENA ESCOLAR

Este roteiro foi organizado em três blocos. O primeiro concerne a elaboração de

narrativa acerca de um(a) aluno(a) nomeado(a) como difícil22. Em seguida, elucidam-se

as questões baseadas na antinomia difícil/bom, e por último, apresenta-se a narrativa

encorajadora “o príncipe que virou sapo” e as indagações que a permeiam.

I: Elaboração de narrativa

Por favor, elabore uma narrativa sobre um(a) aluno(a) que em algum momento da

sua experiência de escolarização foi considerado(a) como difícil.

II: Questões semiestruturadas

Vamos conversar sobre algumas questões referentes ao(a) aprendiz nomeado(a)

como difícil e bom(boa) no processo de escolarização:

1. Quais critérios são levados em

consideração ao nomear um(a)

aluno(a) como difícil?

2. Como você compreende o(a)

aluno(a) difícil?

3. Como você acredita que a criança

compreende o(a) aluno(a)

difícil?

4. Quais são as práticas

pedagógicas dirigidas ao (a)

aluno(a) difícil?

5. Como você entende a escola para

o(a) aluno(a) considerado(a)

difícil?

1. Quais critérios são levados em

consideração ao nomear um(a)

aluno(a) como bom (boa)?

2. Como você compreende o(a)

aluno(a) bom (boa)?

3. Como você acredita que a criança

compreende o(a) aluno(a) bom

(boa)?

4. Quais são as práticas pedagógicas

dirigidas ao (a) aluno(a) bom(boa)?

5. Como você entende a escola para

o(a) aluno(a) considerado(a) bom

(boa)?

22 A terminologia criança anunciada com queixa escolar, por sua vez, foi substituída pela sentença “criança

difícil”, de forma intencional, posto que a despeito da primeira expressão citada há um recorte

epistemológico específico ancorado em uma visão crítica sobre o fenômeno da queixa escolar. Partindo das

reflexões sobre a qualidade dos processos discursivos, privilegiou-se adotar a expressão “aluno difícil”, por

esta ser mais familiar e apresentar maior compartilhamento nas trocas sociais engendradas no cotidiano

escolar.

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138

6. Quais os sentimentos deste(a)

aluno(a) difícil relacionados ao

estar na escola e ao estar fora da

escola?

7. Como você compreende a escola

difícil para o(a) aluno(a)

considerado(a) difícil?

8. Como você se sente diante do(a)

aluno(a) considerado(a) difícil?

6. Quais os sentimentos deste(a)

aluno(a) bom (boa) relacionados ao

estar na escola e ao estar na escola e

fora da escola?

7. Como você compreende a escola

difícil para o(a) aluno(a)

considerado(a) bom(boa)?

8. Como você se sente diante do(a)

aluno(a) considerado(a) bom(boa)?

IV: Considerando o que conversamos sobre o(a) aprendiz (a) anunciado(a) como

bom(boa) ou difícil, o que você poderia me contar sobre a frase: “O príncipe que virou

sapo”.

Por que o príncipe virou sapo?

Como o príncipe se sentia antes de virar sapo?

Como o príncipe se sente depois de virar sapo?

Existe possibilidade de o sapo virar príncipe?

Se sim, quais soluções o sapo encontrará para resolver isso?

Quem poderia ajudar o sapo?

Pensando que o sapo virou príncipe, qual o desenrolar da vida dele dentro da

escola?

Pensando em tudo que a gente conversou, você gostaria de dizer alguma coisa ao

sapo?

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139

APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA APRESENTADO AOS(AS)

RESPONSÁVEIS DOS APRENDIZES ANUNCIADOS COMO OBJETIVAÇÃO

DA QUEIXA ESCOLAR

I: A história do nascimento e os primeiros passos do aprendiz (Este bloco foi

organizado com o intuito de explorar as significações atribuídas pelos(as) responsáveis

ao aprendiz nomeado como difícil em suas primeiras experiências vividas)

Como foi a gestação, o nascimento, e os primeiros anos de ______________?

Qual o significado do nascer de ____________ para os pais ou responsáveis?

Como era a família antes e depois do nascimento de ___________________?

II: A tríade o aprendiz, a família e a escola: (Tal bloco foi formulado com o objetivo

de explorar as significações que permeiam as relações estabelecidas entre a tríade criança

nomeada com a queixa, sua família e a escola)

Qual é a função da escola para a família?

Como se deu a inserção do aprendiz na escola?

Como você compreende o ___________enquanto aprendiz?

Como você acredita que o_________________ entende a escola?

Como se deu o início das nomeadas dificuldades de aprendizagem e

comportamento da criança no contexto escolar?

Como é o posicionamento da escola em relação às nomeadas dificuldades de

aprendizagem e comportamento da criança?

O aprendiz já estudou em outra unidade escola?

Como é a relação da família com a comunidade escolar?

III: A família e a queixa escolar (Este último momento foi elaborado com intuito de

aprender as hipóteses da família em relação a queixa escolar e as posturas frente a este

fenômeno)

Qual(is) a(s) hipótese(s) da família sobre as nomeadas dificuldades de

aprendizado e(ou) comportamento?

Page 150: CRIANÇAS ANUNCIADAS COM QUEIXA ESCOLAR: ESTUDO … · Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade – UFMT Orientadora Professora Doutora Lucia Pintor Santiso Villas

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O aprendiz já foi encaminhado para algum tipo de serviço de saúde ou

pedagógico?

Qual a perspectiva de futuro para a criança?