crianças indígenas da amazônia: brinquedos, brincadeiras e...

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado Sueli Weber Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará Belém Pará 2015

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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado

Sueli Weber

Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na

comunidade Assuriní do Trocará

Belém – Pará 2015

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Sueli Weber

Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e

seus significados na comunidade Assuriní do Trocará

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, do Centro de Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho.

Belém – Pará 2015

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Dados Internacionais de Catalogação na publicação Biblioteca do Curso de Mestrado em Educação – UEPA – Belém – Pará

N244s Weber, Sueli

Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará / Sueli Weber; Orientadora: Nazaré Cristina Carvalho – Belém, 2015. 144 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015.

1. 2. 3. 4. 5. . I. Carvalho, Nazaré Cristina. (Orient.) II. Título.

CDD 21 ª ed.: 371.3079

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Sueli Weber

Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e

seus significados na comunidade Assuriní do Trocará

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, do Centro de Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho.

BANCA EXAMINADORA

................................................................................................................... Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho – Orientadora Doutora em Educação Física e Cultura

................................................................................................................... Profª. Drª. Laura Maria Silva Araújo Alves – Examinadora Externa – UFPA Doutora em Psicologia da Educação

................................................................................................................... Profa. Dra. Denise de Souza Simões Rodrigues – Examinadora Interna – UEPA Doutora em Sociologia

Examinada em: ......./ ......./ 2015.

Belém – Pará 2015

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Aos meus pais, pelo que sou!

Ao filho, irmão e tio, Raul Ernesto Weber, in

memoriam, que ensinou a todos nós o amor

incondicional e o sorriso fácil.

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AGRADECIMENTOS

Muitos são os agradecimentos. A elaboração de uma dissertação, embora

possa parecer, não é uma tarefa solitária. Este estudo é fruto da colaboração de

muitas pessoas, de muitas opiniões sempre bem-vindas. Minha gratidão a todos que

contribuíram para a realização e conclusão desta pesquisa.

A Deus, Nossa Senhora, todos os Santos, Anjos e Almas Iluminadas. Ao

Albertino e à Layde, in memoriam, que me protegem, principalmente nos momentos

em que coloco à prova minhas convicções.

Aos meus pais, Rosalino Domingos Weber e Enedina dos Santos Weber,

pelo amor que me dedicam, pela paciência e persistência dos ensinamentos. A

saudade me acompanha.

Aos meus filhos, Ricardo e Fernanda, que a vida seja sempre doce.

Obrigada por terem me escolhido!

Aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos, é sempre bom estar com vocês.

Ao Cacique Purakê, em seu nome agradeço ao povo Assuriní do Trocará

que colaborou para a realização desta pesquisa. À Morossopia, professora da

Língua Assuriní, que contribuiu de forma incansável nas traduções.

Às crianças Assuriní, por me permitirem conhecer seu brincar e seus

brinquedos relatados em suas histórias e vivências repletas de imaginação,

criatividade e saberes. Seus rostos, olhares e sorrisos povoam e povoarão sempre

minhas memórias.

À Profª. Ana Célia Lima Bezerra, para mim, D. Ana, minha vida profissional

devo à generosidade de seus ensinamentos. Estas breves linhas expressam minha

gratidão, por cada palavra e, principalmente, pelo seu apoio nos momentos de

sorrisos e lágrimas. O bem-querer e a admiração que sinto transcendem minha

existência.

À minha orientadora, Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho – Cris, seu sorriso,

seus ensinamentos, sua paciência e suas “peias” me fizeram seguir em frente. Sou

eternamente grata por cada orientação, por cada vírgula corrigida, pelo seu olhar

sensível e, principalmente, por dividir seu conhecimento.

À Profª. Drª. Denise Simões, pois esta jornada não teria tido a menor graça

sem a sua companhia, minha admiração.

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À Profª. Drª. Laura Maria Alves, obrigada por fazer parte desta trajetória,

suas contribuições foram de suma importância para a conclusão desta pesquisa.

À bela Giselle Ribeiro, mulher admirável, de palavras encantadoras e ações

bondosas. Sou eternamente grata.

Às minhas amigas e sempre gurias – Sandra Bentes, Bethânia Vinagre e,

Socorro Hage, que fazem minha vida ser cheia de sorrisos. À Ana Clarice, agradeço

pela delicadeza com que me recebeu durante as estadias em Tucuruí. Em especial,

agradeço a Suely Belém Gustavo e Gabriella que contribuiram de forma significativa

para que eu pudesse concluir este trabalho.

À Gorete, Jéssica, Ivone, Júlia e Gláucia, amizades construídas ao longo do

mestrado. Essa caminhada sem vocês não teria sido tão cheia de sorrisos, lágrimas,

discussões e principalmente novos aprendizados, é muito bom tê-las em minha vida.

Ao Rafa, por seu jeito doce e sorriso cativante. Seus saberes tecnológicos

foram imprescindíveis.

Ao Prof. Celso Michiles e à Profª. Nathália Cruz, meu agradecimento, em

especial, pelas sugestões e olhares apurados. Ao Prof. Manu pela delicadeza do

ensinar.

Aos meus alunos, que alimentam minha esperança com seus olhares e

sorrisos.

A todos os professores e colaboradores do Mestrado em Educação que, de

forma direita ou indireta, contribuíram nesta jornada.

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“Lembrar-me da minha infância é aguçar

meu olfato ao fechar os olhos. É lembrar as

guloseimas feitas por minha mãe. É sentir

saudade do meu cachorro Rex. É reviver, é

sorrir, é sentir o cheiro do pasto molhado e o

gosto da guabiroba. Lembrar-me da minha

infância é sentar no balanço feito por meu

pai, e balançar, balançar bem alto, através

da minha imaginação. Lembrar-me da minha

infância é lembrar-me de ser feliz!”

(Su Weber)

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RESUMO

WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará, 2015, 144 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade do Estado do Pará, Belém – Pará, 2015. Esta pesquisa tem como questão central desvelar os saberes presentes nos brinquedos e brincadeiras das crianças indígenas da comunidade dos Assuriní do Trocará localizada no Estado do Pará, a 3,5º graus ao sul do Equador, no Posto Indígena de Trocará, no município de Tucuruí, as margens do Rio Tocantins. Para os aportes teóricos deste estudo, considerou-se como questão problema: Quais saberes e práticas culturais da etnia Assuriní do Trocará se apresentam nas brincadeiras e brinquedos das crianças dessa comunidade? Os objetivos propostos para o referido estudo são: Investigar de que forma os saberes e as práticas culturais se apresentam nas brincadeiras e brinquedos das crianças da comunidade Assuriní do Trocará; Verificar as brincadeiras e os brinquedos que compõem a cultura lúdica dessas crianças; identificar os saberes que se apresentam através da cultura do brincar das crianças Assuriní do Trocará; Analisar a dimensão educativa dos brinquedos e brincadeiras nas práticas culturais da comunidade. O caminho metodológico caracterizou-se como uma pesquisa de campo, com abordagem qualitativa. Os sujeitos da pesquisa são 19 (dezenove) crianças Assuriní do Trocará, sendo 10 (dez) meninos e 09 (nove) meninas, com idades entre 08 (oito) e 12 (doze) anos. Para a coleta de dados, primeiramente, realizou-se um levantamento bibliográfico, depois, foram empregadas técnicas diversas entre elas: a observação, as cirandas de conversa e os registros fotográficos como ilustrações do estudo. Para a análise, buscou-se a orientação no método da Análise de Conteúdo. Com este estudo, desvelou-se que a natureza está presente na cultura e nos saberes das crianças Assuriní do Trocará. Elas criam e recriam novos conhecimentos a partir da observação dos adultos e da convivência com seus pares. A incorporação desses saberes que perpassam as relações culturais e a convivência, exercem o processo de aprendizagem sem teoria nos procedimentos do cotidiano, construindo conhecimento e fazendo educação. Utilizam-se dos elementos da natureza para brincar, e dela também retiram materiais para a construção de seus brinquedos. Palavras-chave: Criança indígena. Brincadeira. Brinquedo. Assuriní do Trocará.

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ABSTRACT WEBER, Sueli. Indigenous children of the Amazon: toys and games and their meanings in Assuriní community Trocará, 2015, 144 f. Dissertation (Master in Education), Pará State University, Belém - Pará, 2015. This research has as a central issue unveil the knowledge present in the toys and games of indigenous children in the community of Trocará the Assuriní located in Para State, to 3.5 ° degrees south of the Equator in the Indian Post of Trocará in the municipality of Tucuruí, the Tocantins River margins. For the theoretical framework of this study, it was considered as a matter problem: What cultural knowledge and practices of the Assuriní Trocará ethnicity present in games and toys for children of this community? The proposed objectives for this study are: To investigate how knowledge and cultural practices are presented in plays and children's toys of the Assuriní Trocará community; Check the games and toys that make up the play culture of these children; Identify the knowledge that arises through culture of playing children Assuriní the Trocará; Analyze the educational dimension of toys and games in community cultural practices. The methodological approach was characterized as a field research with a qualitative approach. The research subjects are nineteen (19) children Assuriní the Trocará, and ten (10) boys and 09 (nine) girls, aged eight (08) and twelve (12) years. To collect data, first, there was a literature review, then, several techniques were employed including: the observation, conversation sieves and photographic records as study illustrations. For the analysis, we sought guidance in the method of content analysis. With this study, it was unveiled that nature is present in the culture and knowledge of children's Will Trade Assuriní. They create and recreate new knowledge from observation of adults and coexistence with their peers. The incorporation of this knowledge that cross cultural relations and coexistence, have the learning process without theory in everyday procedures, building knowledge and making education. Use is made of the elements to play with, and it also remove materials to build his toys. Keywords: Indigenous Children. Play. Toy. Assuriní the Trocará.

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OAPOTAWA1

WEBER, Sueli. Kanomia Akwawa Kaiapewara: semoraitawa osemoarai oapo osera nonga, oreretuma Assurimia Tukarapewará, 2015, 144 f. Opyhy ete ô orowereka (O rosemo`enawa Oroseape), oré, 2015. Oré orapotan araka orose orosemaenawa a`éramo oromosywan arape petetinga konomitoa pé. Oropatatareté semo`enawa oroseapé a`eramo orowereka petetinga manatara a`eramo konomitoa ose`gonkan osepituwa aka turia pé oré serenga we orowereka oroseope iaro`eté oro`se`enga oro`eape. Sene morayroa sene mo`é aka, ose`eng we sene apé ij`etyng`eng me i`i aka ore opé a`eramo orowereka oro`senga oroseope. Orereysa nokwahawihi se`enga turia se`enga ropi sowe ose`eng aka goa. Konomipipia sowe opotân ore se`enga, porahaitawe, ipitupawawe, ose`eng we aka konomia no`etyhy konomua Assurimia Tukarapewará. Oré oropotam oro`semioa ikatoeté oreape oresemioa a`eramo oré kato`eté araka oresenai`yma we, oroka we koto`ité oro`seopé orama`esowa araka orekaréhé tá ikato oreope. Upan: Konomia akwawa. Semo`enawa. Semo`arasa. Assurimia Tukarapewará.

1 O resumo foi traduzido para a língua Assuriní por Morossopia, professora da referida língua, na

comunidade Assuriní do Trocará.

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GLOSSÁRIO

Atawyma Assuriní – andar manquejando

Hoeton Assuriní – cheiro

Ipìrangawa Assuriní – sereia

Irinaia Assuriní – semente pequena

Iwaia Assuriní – menina

Kamuteya Assuriní – seio pequeno

Kamya Assuriní – leite do seio

Kanarina Assuriní – passarinho

Kirinaía Assuriní – cabelo enrolado

Kominaywa Assuriní – cipó do feijão

Kussameia Assuriní – moça

Morossopia Assuriní – formiguinha

Mukinaia Assuriní – fruta preta

Muretenaywa Assuriní – pessoa boa

Puraquê Assuriní – peixe elétrico

Raisatinga Assuriní – semente branca

Tanaia Assuriní – formiga preta

Thyeté Assuriní – machado

Toitinga Assuriní – dente branco

Turiangawa – sou branca

Tywinaiwa – ombro

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Olhar Assuriní 20

Figura 2 – Mais olhares 22

Figura 3 – Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador 23

Figura 4 – Localização da Aldeia Assuriní do Trocará 46

Figura 5 – Acesso à Aldeia 47

Figura 6 – O cuidar Assuriní 56

Figura 7 – Crianças assinando o termo de consentimento 63

Figura 8 – A cultura expressa nos traços de Iwaia 68

Figura 9 – Crianças com adornos Assuriní 70

Figura 10 – A pesca faz parte do cotidiano das crianças Assuriní 72

Figura 11 – Criança Assuriní e sua autonômia 78

Figura 12 – Cirandas de conversa 81

Figura 13 – Ser criança Assuriní é ser livre 82

Figura 14 – Toihara Assuriní é seu brinquedo voador 83

Figura 15 – Crianças Assuriní e o prazer de brincar 86

Figura 16 – A pequena Assuriní e seu jabuti/brinquedo 88

Figura 17 – Crianças voltando da mata com folhas de inajá 90

Figura 18 – Crianças construindo brinquedos com a folha do inajá 91

Figura 19 – Brinquedos de argila 92

Figura 20 – Meninas Assuriní e suas bonecas 93

Figura 21 – Brincadeiras das crianças Assuriní 96

Figura 22 – Brincando de escolinha 97

Figura 23 – O rio é um brinquedo 99

Figura 24 – A criança e a mata 101

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SUMÁRIO

1 DESAFIOS DE UMA TRAJETÓRIA EM CONSTRUÇÃO 14

1.1 Um apreender sobre crianças, seus brinquedos e brincadeiras 15

1.2 O encontro com as crianças Assuriní e a máquina fotográfica: um

brinquedo fascinante

19

1.3 Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador 22

1.4 Objeto, Objetivos e Questões Norteadoras 26

1.5 Estruturação do Texto 35

2 CAMINHOS DESENHADOS E TRILHADOS 37

2.1 Percurso Metodológico 37

2.2 Aldeia do Trocará: lócus da pesquisa

2.3 Trajetória do povo Assuriní do Trocará

2.4 Infâncias e crianças

45

48

52

2.4.1 Crianças Assuriní: interpretes da pesquisa 54

2.5 Instrumentos de Coleta e Análise de Dados 58

3 ASPECTOS CULTURAIS DA ETNIA ASSURINÍ DO TROCARÁ 64

3.1 O conceito de cultura 65

4 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS DAS CRIANÇAS ASSURINÍ

77

4.1 Ser criança indígena: seus saberes e significados 77

4.2 A criança Assuriní seus brinquedos e brincadeiras 82

4.3 A relação das crianças Assuriní com o rio e a mata 97

4.3.1 O brincar e a mata 100

CONSIDERAÇÕES 106

REFERÊNCIAS 111

APÊNDICES

120

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1 DESAFIOS DE UMA TRAJETÓRIA EM CONSTRUÇÃO

Quando as crianças brincam E eu as oiço brincar,

Qualquer coisa em minha alma, Começa a se alegrar.

E toda aquela infância Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém. Se quem fui é enigma,

E quem serei visão, Quem sou ao menos sinta

Isto no coração.

(Fernando Pessoa)

A temática do brincar e sua importância na construção social e cultural da

criança tem sido, há muito tempo, um interesse pessoal. Lembro-me da minha

infância, em nossa casa no interior do sul do país, a família se reunia próximo ao

fogão à lenha, que ficava na grande cozinha da nossa casa, principalmente nas

noites mais frias. Meu pai um homem forte, trabalhador e muito simples, nos contava

as histórias de sua vida, mais precisamente de sua infância. Lembro que ele relatava

a perda precoce do pai, e com isso a pobreza que o impossibilitava de ir à escola.

Ele na sua narrativa nos contava de nunca ter tido seus próprios brinquedos,

observava as crianças que brincavam sempre com muita alegria.

Os escassos momentos que lhe sobravam após o trabalho no campo, para

brincar criava seus brinquedos, com gravetos, pedrinhas, ossos e outras coisas que

apreciam e lhe despertavam o seu interesse. Na minha infância, que já era prodiga

com o trabalho árduo dos meus pais, aquelas histórias me emocionavam. Mais

tarde, sempre ouvindo suas narrativas me provocaram o interesse em conhecer e

compreender a infância, a criança, seus direitos ao brincar, suas brincadeiras e os

seus brinquedos.

Depois disso, durante o Curso de Formação de Professores na Universidade

do Estado do Pará, as disciplinas que envolviam ludicidade e corporeidade sempre

foram vistas com muito interesse. Logo após concluir o curso, no efervescer de uma

dinâmica interior de vontades, desejos e projetos de aplicar conhecimentos

adquiridos em situações transformadoras, a convite da Coordenação do Curso de

Pedagogia de uma instituição de ensino superior da cidade de Belém, me foi

ofertada a possibilidade de assumir a coordenação de uma brinquedoteca. Uma

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instância de complementação e aprofundamento para tudo o que eu havia estudado

e me encantado durante a graduação.

Em cinco anos, essa vivência foi um marco para um despertar de interesses,

sentimentos, vontade de saber mais, aprofundar, pesquisar sobre o brincar, e os

brinquedos. Novos conhecimentos sobre esta temática e suas diversas formas de

manifestação foram construídos a partir das relações e das vivências com os

frequentadores da brinquedoteca: crianças da comunidade do entorno da faculdade,

alunos do colégio anexo a ela, professores e alunos do Curso de Pedagogia que

utilizavam o espaço em suas pesquisas.

Todas as dificuldades enfrentadas se tornaram insignificantes, em relação à

alegria e ao prazer vivenciado nesses anos e ao conhecimento adquirido, por meio

das observações e das interações realizadas com as crianças e seus pares.

Observar, de forma empírica, como as crianças se comportavam durante as

brincadeiras, os risos, as expressões, deixava-me fascinada e cada vez mais

instigada a compreender esse mundo mágico do brincar e dos brinquedos. Com a

vida acadêmica, e a necessidade de aprofundar conhecimento, o olhar foi tomando o

viés científico da compreensão do brincar, do brinquedo e da criança que brinca. E

foi assim que eu me fiz pesquisadora deste objeto de estudo.

1.1 Um apreender sobre crianças, seus brinquedos e brincadeiras

Brincar - a primeira concepção que temos desta palavra está diretamente

ligada à criança, à infância e parece ser o nosso cordão umbilical, nos conectando

com um estado de felicidade, de alegria despreocupada, por isso, é possível

encontrar nos dicionários o significado de “divertir-se infantilmente”. “Minha Pátria é

minha infância: por isso vivo no exílio”, os versos de Cacaso podem se multiplicar no

campo dos significados, a infância como um país, um estado maior, um estado

maior porque irriga a humanidade de felicidade sem compromissos com o

entendimento.

Chateau (1987) instiga a imaginar como seria um mundo sem crianças.

[...] perguntar por que a criança brinca, é perguntar por que é criança. Não se pode imaginar a infância sem seus risos e brincadeiras. Suponhamos que, de repente, nossas crianças parem de brincar, que não tivéssemos mais perto de nós este mundo infantil que faz a nossa alegria e o nosso

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tormento, mas um mundo triste de pigmeus desajeitados e silenciosos, sem inteligência e sem alma (CHATEAU, 1987, p. 14).

A afirmação de Chateau (1987) não é uma mera divagação, mas algo que,

na dinâmica da sociedade dos dias atuais, é uma preocupação de todos os

segmentos que trabalham ou estudam a criança e a infância. Observo no cotidiano,

principalmente dos grandes centros urbanos, que nossas crianças perdem cada vez

mais os espaços lúdicos do brincar. As escolas, creches, jardins de infância mais

parecem espaço de confinamento, e, muito embora ofereçam brinquedos, às vezes,

não são suficientes para que possam expressar livremente a criatividade. Contrários

a isso, Ferronato e Batista (2013) esclarecem:

Dessa forma, o próprio professor sente-se como ser humano, portanto, finito e que, por sua postura pessoal e profissional, é capaz de permitir que a criança brinque como modo de elaborar as perdas. Brincar é reconhecer nossa finitude, ou seja, que somos mortais e que temos que produzir algo novo no mundo para que nossa vida faça sentido. E aqui está um dos fundamentos da sabedoria da criança: ela brinca para romper com sua finitude, para criar tempo e para produzir sentidos em sua vida. Se brincar é um direito da criança, então, os adultos precisam proporcionar oportunidades e espaços onde ela possa usufruir deste direito: BRINCAR! (FERRONATO & BATISTA, 2013, p. 154, grifo do autor).

O mundo moderno entrega pseudomotivos para o não compromisso com

esse direito que é da criança, entre eles destaco a falta da segurança pública,

ausência de tempo dos pais, a potencial interação com o universo digital em

detrimento às brincadeiras tradicionais que limitam as crianças ao convívio em

lugares mais espaçosos, como parques infantis ou praças públicas, onde possam se

expressar com liberdade. Conforme define Chateau (1987).

Uma criança que não sabe brincar, uma criança miniatura de velho, será um adulto que não saberá pensar. A infância é, portanto, a aprendizagem necessária à idade adulta. Estudar na infância somente o crescimento, o desenvolvimento das funções, sem considerar o brinquedo, seria negligenciar esse impulso irresistível pelo qual a criança modela sua própria estátua. (CHATEAU,1987, p. 14).

Nesta afirmação, Chateau (1987) nos faz perceber a importância do brincar

para a vida adulta. É no brincar durante a infância, é no interagir com seus pares

que a criança conhece, compreende e se expressa no mundo, possibilitando uma

construção de saberes que serão fundamentais na sua vida adulta.

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Para Moyles (2002, p. 21) “[...] o brincar, em todas as suas formas, tem a

vantagem de proporcionar alegria e divertimento”. Entre o estudo feito, encontro

afirmações, de forma empírica, que a criança não gosta mais de brincar com os

brinquedos tradicionais e que, com o advento da tecnologia, seu interesse é muito

mais pelo que é digital e virtual do que pelo que é experimento e manipulação.

Pela minha experiência, convivendo com crianças no espaço da

brinquedoteca, pude verificar que isto não é a realidade definitiva, muito pelo

contrário, as brincadeiras e os brinquedos ofertados às crianças naquele espaço

eram todos brincadeiras e brinquedos tradicionais, feitos de madeira, pano,

barbante, corda, lata, ou seja, brinquedos simples, muitos deles feitos com

elementos reutilizáveis, e com um significado único para aquele que o constrói.

Diante disso, observei que as crianças, naquele ambiente, apresentavam

comportamentos de interação, socialização, alegria, criatividade, fascinação diante

das possibilidades que elas tinham de criar, de modificar, de reorganizar, de se

divertir e, consequentemente, de crescer e se desenvolver cognitiva e

emocionalmente. Isto porque quando a criança brinca, usa a imaginação, constrói e

desconstrói possibilidades para seu prazer. Maluf (2009) nos diz que a criança

é curiosa e imaginativa, está sempre experimentando o mundo e precisa explorar todas as suas possibilidades. Ela adquire experiência brincando. Participar de brincadeiras é uma excelente oportunidade para que a criança viva experiências que irão ajudá-la a amadurecer emocionalmente e aprender uma forma de convivência mais rica (MALUF, 2009, p. 21).

Todas essas construções foram, de certa maneira, determinando um novo

olhar e uma nova percepção sobre o que seja a criança, a infância, e os fatores

determinantes para a sua formação, crescimento e desenvolvimento. Este

conhecimento foi bem traduzido e sensibilizado por compreender que a criança faz

acordar as suas emoções, curiosidades e sensações diante das brincadeiras e de

seus brinquedos.

Em andanças realizadas para conhecer novos lugares, novas paisagens,

diferentes gostos, cores e sabores, ao passar por uma comunidade indígena, no

Estado do Paraná, uma cena despertou minha atenção: crianças indígenas

brincavam em volta de árvores próximas as suas moradias, corriam, subiam,

escondiam-se nas árvores, e, em seguida, traziam nas mãos pequenos revólveres

de plástico; possivelmente, aqueles brinquedos foram levados para as crianças

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WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 18

indígenas pelas comunidades brancas, por ocasião das festas de fim de ano,

quando são doadas cestas básicas e brinquedos aos povos indígenas.

Em março de 2013, surgiu a oportunidade de realizar uma viagem para a

cidade de Tucuruí, no interior do Estado do Pará. Momento em que foi possível ter

conhecimento sobre uma comunidade indígena localizada próximo à cidade, os

Assuriní do Trocará, a uma distância de 23 quilômetros do centro de Tucuruí. Os

dados adquiridos sobre os Assurini, fomentaram ainda mais o interesse em

conhecer a cultura das brincadeiras e brinquedos das crianças, agora, de uma

comunidade indígena.

Nesta perspectiva, de modo a conhecer e entender como a cultura do

brincar se processa e se estabelece na comunidade indígena Assuriní do Trocará,

na Amazônia, e, assim, aprofundar os conhecimentos acerca da cultura lúdica em

um contexto cultural e identitário diferente daqueles já vivenciados, ou seja,

pesquisar os saberes e práticas culturais que se apresentam nas brincadeiras e

brinquedos das crianças indígenas, pertencentes a uma realidade cultural ainda

pouco conhecida e explorada, foi que durante uma semana do mês de maio de 2014

estive na comunidade Assuriní do Trocará para efetuar o primeiro contato.

1.2 O encontro com as crianças Assuriní e a máquina fotográfica: um

brinquedo fascinante

O primeiro encontro foi excepcionalmente gratificante naquilo que foi

possível observar em termos, não só de conteúdo, mas pela experiência

compartilhada com as crianças Assuriní do Trocará. No decorrer de 2014 e 2015,

outros contatos foram realizados para ratificar as observações realizadas e melhor

concluir os objetivos deste trabalho.

E lá eu estava, naquele espaço, fascinante. Tudo parecia tão novo. Naquele

momento, eu não sabia ao certo o que encontraria e como poderia efetivar a minha

pesquisa. Eu carregava uma máquina fotográfica pendurada no pescoço e, mal

sabia que aquele objeto, incorporado culturalmente no nosso dia a dia,

especialmente de um pesquisador, seria o canal de aproximação entre mim e as

crianças. Apenas o pensamento de Chacal (2007) me acompanhava, naquele lugar

tão diferente ao meu olhar.

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A objetividade da fotografia é uma falácia, erram os que acham que ela retrata o real. O que há é que quando o fotógrafo diz olha o passarinho! Uma ave de asas longas sai de dentro do olho da câmera com uma paleta de cores e um embornal de pinceizinhos. Sobrevoa a cabeça do fotógrafo e pousa sobre o seu ombro esquerdo de lá, pinta a cena (CHACAL, 2007, p. 88).

Poetizando Chacal. Quando a paleta vibra na máquina, dentro do fotógrafo o

coração dispara também para procurar os mais finos pincéis do embornal e as mais

lindas cores da paleta, para que seja ali pintado o mais belo e imaginário quadro

sobressaindo no sorriso do fotografado a emoção do momento, a alegria de estar ali

e a realização do real eternizado.

Para mim e naquele momento também “fotógrafa”, o que eu queria era

convencer pela arquitetura da argumentação da palavra do quadro pintado pela

máquina fotográfica e mostrar através desse argumento a vida vivida na

cotidianidade de uma comunidade de diferentes matizes e neste reflexo poético.

Sentei-me num banquinho localizado à disposição de todos que por ali chegam.

Muito sorrateiramente algumas crianças começavam a se aproximar com um olhar

de curiosidade. Iam chegando: uma, duas, três, se aproximando, caladas e

observadoras. Elas chegavam devagar, e quando eu olhava para elas nada diziam,

apenas sorriam e corriam. Dali a pouco retornavam, olhavam, sorriam e sumiam

entre as árvores e as casas da comunidade, num claro brincar de esconde-esconde.

Entendi, naquele momento que essa seria a forma para o início de uma

comunicação, ainda sem palavras, mas com muita clareza através dos gestos e

expressões. E foi muito naturalmente que esboçamos um sorriso e iniciamos um

diálogo, na verdade, um monólogo. “Oi! Tudo bem? Qual o teu nome? Que idade tu

tens?”. Como já disse, era um monólogo, elas não me respondiam. Entreolhavam-

se, sorriam, se esgueiravam, quase se escondendo uma atrás da outra,

demonstrando uma timidez própria da criança.

Percebi o quanto olhavam e se encantavam com a máquina fotográfica.

Perguntei se queriam tirar uma fotografia, e balançavam a cabeça como sinal

afirmativo. Ali se estabelecia a nossa primeira e real comunicação. Aproximavam-se

mais e mais e os olhos, num brilho sorridente, pareciam aceitar nosso convite para a

brincadeira. Pereira (2009) corrobora esta compreensão.

Uma linguagem estava explícita ali, entre dois seres de universos distintos, mas próximos, que brincavam. A brincadeira então é repleta de gestos e

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sons que se inter-relacionam, formando um fenômeno que, movido pelo desejo e pela intencionalidade de quem brinca, deixa entrar aquilo que é reconhecido sem falas, sem letras, talvez por qualquer ser humano que se reconheça brincante (PEREIRA, 2009, p. 18).

Comecei a tirar fotos de todas as crianças – meninos e meninas – que

estavam à minha volta. Fotografava e mostrava para que elas se vissem, se

percebessem (Figura 1). Entreolhavam-se, sorriam e olhavam a fotografia e

voltavam a olhar o outro, quase querendo “se” ou “não se” reconhecer naquela

imagem.

Figura 1 – Olhar Assuriní.

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

Queriam mais fotos, queriam ver seus rostos de novo. Umas saiam

correndo, logo voltavam com mais duas ou três crianças. E mais cenas eram

registradas. Num dado momento, eram mais ou menos dez crianças ao meu redor e

todas já falavam, já sorriam, já gargalhavam, numa interação muito boa, queriam

brincar. A máquina fotográfica, naquele instante, se tornou um brinquedo, permitindo

uma prazerosa brincadeira entre nós.

A cada “click”, a cada nova fotografia revelada, nos era permitida uma

aproximação. Era o início de um diálogo, e não mais um monólogo. Quando

perguntava seus nomes e idades já me respondiam. Aos poucos começamos uma

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interação. Sendo essa a primeira ciranda de conversa, que girava em torno das

fotografias, aproveitei o interesse delas e falei sobre o porquê de estar ali.

De forma simples, fui dizendo que gostaria de conhecê-las, de saber suas

histórias, de saber do que gostavam de brincar, de conhecer suas brincadeiras e

seus brinquedos. Foi nesse primeiro contato que se estabeleceu uma comunicação,

uma relação que nos foi permitida pelo brincar. Sobre isto, Pereira (2009, p. 23)

citando Santa Roza (1993, p. 92) diz que “o brincar é antes de tudo um movimento,

a ação de engrenagem que vai girar infinitamente no sentido de originar

interpretações e leituras” e completa:

Essa engrenagem denota um movimento que é interno e externo, ao mesmo tempo, possibilitando ao brincante navegar nesse fluxo imaginativo. E é nesse fenômeno que a criança encontra alimento para a sua condição humana e seu crescimento como sujeito de cultura, na busca de dar significado à sua vida e buscar novas maneiras de experienciá-la. Não é à toa que as crianças repetem certas brincadeiras [...]. Não há brinquedo que não esteja ligado a essa dimensão existencial de busca. Dar significado é uma atividade genuinamente nossa, e ressignificar – dar novos significados – é a demonstração da mobilidade humana de reelaborar e estabelecer novas conexões entre as ações que fazemos. [...]. Cada ato, na esfera do brincar, é uma amostra de que a vida não é estática (PEREIRA, 2009, p. 23).

As ações desse brincar estão em constante movimento onde surpresas e

atos se manifestam através da cultura de cada povo. As crianças queriam repetir as

fotografias, pelo fato de quererem se ver mais bonitas ou quem sabe, para dar novos

significados às suas vidas, como anuncia Pereira ressignificar.

Um fato observado. Havia certa alegria vaidosa em se tornar a ver. E era por

isto que chamavam outras crianças, para que, as já fotografadas, se mostrassem às

outras, possibilitando brincar com a sua imagem e, nesse movimento, navegar no

fluxo imaginativo próprio. Benjamin (2004), observa que:

Sabemos que para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do que o “mais uma vez”. [...] Para ela, porém, não bastam duas vezes, mas sim sempre de novo, centenas de milhares de vezes. [...] A criança volta a criar para si todo o fato vivido, começa mais uma vez do início. (BENJAMIN, 2004, p.101, grifo do autor).

A repetição desejada pela criança deve ser compreendida de maneira lúdica,

conforme esclarece Benjamin (2004, p. 102, grifo do autor) quando diz que “a

essência do brincar não é um ‘fazer como se’, mas um ‘fazer sempre de novo’,

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transformação da experiência mais comovente em hábito”. E mais fotos eram tiradas

(Figura 2).

Figura 2 – Mais olhares.

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

A interação com as crianças Assuriní cada vez mais se intensificou, ao ficar

mais tempo observando-as e compartilhando da companhia de cada uma delas. As

crianças começaram a revelar, mesmo que de forma tímida, suas predileções, seus

brinquedos e comportamentos, o que me fez perceber o quanto nós é que somos

diferentes naquele espaço de encantamento. O brincar, os brinquedos e as

brincadeiras fazem parte da infância de todos nós, uns com mais ou menos

possibilidades, alguns de forma mais intensa, outros de forma mais amena, por

razões que fogem das vontades íntimas delas.

1.3 Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador

Após três dias de convivência na comunidade com as crianças Assuriní,

sentei-me à sombra de um pé de ingá, com uma prancheta, algumas folhas de papel

e caneta, olhava, pensava, observava em diversas direções, anotava, riscava, fazia

interrogações. Ao mesmo tempo, o olhar viajava os 180° que era possível, girando a

cabeça para um lado e outro, buscando algo que prendesse e interessasse naquele

momento. Já eram 15h, a comunidade estava quieta. Grande parte dos adultos se

encontrava na cidade e as crianças brincavam. Algumas mais próximas de onde eu

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estava, outras bem mais longe, aproveitavam a sombra das árvores ou a sombra

das casas.

No olhar de busca constante pelo infinito dos campos, vi um menino, tão

pequeno àquela distância que nem dava para mensurar seu tamanho ou idade. Logo

depois descobri o nome do pequenino, era Iraratinga, de cinco anos. De pequena

estatura, Iraratinga é um típico indiozinho: cabelos lisos, pele cor de jambo maduro e

olhos ligeiramente puxados; vestia uma bermuda e camiseta; pés descalços; corria

ao sol do Trocará (Figura 3). O menino corria solto pelo campo onde se misturava ao

mato rasteiro. Algumas vezes, ele corria pelo chão batido de terra que circunda as

casas, noutras, surgia por detrás de uma árvore.

Figura 3 – Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador.

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

Ele aparecia e desaparecia por trás de casas, de árvores, do mato. Sozinho,

Iraratinga brincava de correr e em suas mãos ele carregava um pedaço de peça de

ventilador velho, que certamente fora deixado pelos adultos para ser jogado fora,

mas que para ele era de grande significado.

O meu entendimento do verbo “brincar” se estica, ganha lonjuras de

compreensão. Toma um corpo todo novo. Porque brincar cresceu no tamanho bem

maior que o meu olhar. Foi nesse instante que um poeta veio me dizer baixinho que

o brincar não é mais verbo, brincar agora é quase um camaleão. Como o poeta me

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disse isso? Foi assim que Manoel de Barros (2008) me explicou melhor o que seria

brincar para as crianças.

O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incluído no chão que nem uma pedra um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o pente. O chão teria comido logo um pouco de seus dentes. Camadas de areia e formigas roeram seu organismo. Se é que um pente tem organismo. O fato é que o pente estava sem costela. Não se poderia mais dizer se aquela coisa fora um pente ou um leque. As cores a chifre de que fora feito o pente deram lugar a um esverdeado a musgo. Acho que os bichos do lugar mijavam muito naquele desobjeto. O fato é que o pente perdera a sua personalidade. Estava encostada às raízes de uma árvore e não servia nem mais nem para pentear macaco. O menino que era esquerdo e tinha cacoete pra poeta, justamente ele enxergava o pente naquele estado terminal. E o menino deu para imaginar que o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam com a solidão daquele pente (BARROS, 2008, p. 23).

E assim, o pequeno indiozinho deu para imaginar e transformou um velho

pedaço de ventilador no seu mais novo brinquedo. Ele corria e corria entre as casas

e a mata, e o meu pensamento também corria junto e foram se esmiuçando,

explorando tantos elementos daquele brincar e registrando a riqueza daquilo que me

era dado ver: o prazer, a alegria, a liberdade.

Reporto-me a Benjamin (2002, p. 92) quando diz que a criança é aquela que

pode fazer saltar de “um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma

pedrinha” as mais diferentes figuras. O prazer de Iraratinga era correr, correr e ver a

velha hélice de encontro ao vento, girar com toda a velocidade que ele imprime no

correr. Parece até uma inutilidade, mas para Iraratinga o prazer não era o vento,

naquele momento de calor, mas o movimento que a hélice fazia ao encontrar o

vento.

Iraratinga corria o mais rápido que podia. No dizer de Huizinga (2007) “ele

próprio era a liberdade”, aquela criaturinha, tão pequena, diríamos “um toquinho de

gente”, corria o mais rápido que podia e parecia não se cansar porque não parava.

Outras vezes, surgia de repente, por trás das arvores e descansava, mas ainda não

estava satisfeito. Voltava a correr com seu brinquedo preferido do momento. Para

Brougère (2010, p. 9), “a criança que manipula um brinquedo possui entre as mãos

uma linguagem a decodificar. A brincadeira pode ser considerada como uma forma

de interpretação dos significados contidos no brinquedo”.

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Naquela observação, eu tentava interpretar qual linguagem Iraratinga queria

decodificar. Mas eu também sabia que apenas ele, no seu brincar, tinha a

compreensão daquela representação. De qualquer modo, tentei interpretar com mais

acuidade a brincadeira de Iraratinga e em Brougère (2010) encontrei a resposta.

Os brinquedos podem ser definidos de duas maneiras: seja em relação à brincadeira, seja em relação a uma representação social. No primeiro caso, o brinquedo é aquilo que é utilizado como suporte numa brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera, que só tenha valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. Tudo, nesse sentido, pode se tornar um brinquedo e o sentido de objeto lúdico só lhe é dado por aquele que brinca enquanto a brincadeira perdura. No segundo caso, o brinquedo é um objeto industrial ou artesanal, reconhecido como tal pelo consumidor em potencial, em função de traços intrínsecos (aspecto, função) e do lugar que é destinado no sistema social de distribuição dos objetos. Quer seja ou não utilizado numa situação de brincadeira, ele conserva seu caráter de brinquedo, e pela mesma razão é destinado à criança. (BROUGÈRE, 2010, p. 66-67).

A experiência vivenciada com Iraratinga, o pequeno indiozinho da

comunidade Assuriní do Trocará, quando brinca com o a hélice do velho ventilador,

correndo pelos campos abertos na sua comunidade, o “faz de conta”, segundo

Brougère (2010), daquela brincadeira, só fazia sentido naquele espaço e naquele

tempo em que ele brincava. A frivolidade de que fala o autor, se dá no instante em

que Iraratinga deixa de lado a sucata, não dando mais importância ao objeto,

tornando-o sem utilidade.

E aquela sucata/brinquedo ou brinquedo/sucata foi o objeto da brincadeira

pela decisão de Iraratinga de brincar, apenas dele. E foi exatamente o cenário

montado pelo indiozinho, no campo a céu aberto, o vento que lhe convidou a agir e

dar sentido ao seu brincar. Pela manipulação da sucata, na imaginação e na forma

da invenção ou criação do brinquedo, Iraratinga articula a ação no momento que sai

correndo pelos matos com seu brinquedo em suas mãos, criado pela sua

capacidade de imaginar, fazia com que as hélices do ventilador rodassem contra o

vento produzindo mais vento, mais frescor. Ninguém arriscaria dizer o que Iraratinga

sente ao criar uma função para aquela sucata e nem qual o nível de emoção e

significado do seu deleite pelo movimento da hélice, pelo vento que sente ao rosto,

pela imaginação voando no ar ou simplesmente exibindo-se aos seus amigos com a

sua criação.

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Os brinquedos também podem ser elaborados em fábricas ou construídos

por profissionais/artesãos que a isso se dedicam. No caso do menino Iraratinga, o

brinquedo surgiu pela sua imaginação, sua criação, sua capacidade de transformar

um simples, e velho pedaço de ventilador em algo que pela sua imaginação voava

ao sabor do vento.

Como nos fala Vygotsky (2009, p. 11) “[...] a imaginação, como base de

toda a atividade criadora, manifesta-se igualmente em todos os aspectos da vida

cultural [...]”. Isto quer dizer que a criança, ao manipular o brinquedo, se projeta e,

ao mesmo tempo, exprime uma relação com códigos sociais e culturais dos quais se

apropria. Cada brinquedo, com seu referencial e simbologia, é interpretado de

acordo com a cultura onde a criança está inserida, no caso de Iraratinga, a cultura

indígena. Por isso, é possível dizer que a brincadeira se constitui um fator de

assimilação, e, ao mesmo tempo em que assimila, destrói qualquer distância

cultural.

1.4 Objeto, Objetivos e Questões Norteadoras

O brincar é uma atividade lúdica que ocorre nos mais diversos tempos e

lugares entre crianças dos mais diferentes povos, onde cada cultura, possui suas

especificidades, mesmo que os brinquedos sejam industrializados, ou por elas

construídos com qualquer sucata encontrada, até um pedaço de madeira que foi

retirado da natureza e transformado em brinquedo. Huizinga (2007), nos fala que a

atitude lúdica já estava presente antes da existência da cultura ou da linguagem

humana [...]. Neste sentido, os brinquedos e brincadeiras tornam-se um campo fértil

para a pesquisa, no sentido de trazer particularidades das atitudes lúdicas

encontradas no brincar nas mais diversas infâncias.

Qualquer brinquedo e brincadeira elaborados e vivenciados pela criança se

tornam um campo fértil de investigação para trazer à tona particularidades, da

infância, da criança, do que gostam de brincar, o que gostam de fazer, como se

relacionam, como criam e como recriam suas experiências. Crianças em seus mais

diversos tempos e espaços, precisam ser percebidas enquanto sujeito social e

histórico, sendo suas infâncias marcadas significativamente pelas formas de

organização da sociedade e pelas condições de existência e de inserção das

crianças.

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Reconheço que compreender a cultura lúdica dos Assuriní do Trocará é

uma possibilidade de ampliar conhecimentos sobre os saberes dessa etnia, e

particularmente sobre as crianças dessa comunidade, uma vez que tais saberes só

podem ser observados e analisados a partir das ações e reações cotidianas dos

sujeitos, revelando desse modo suas interpretações sociais e culturais construídas

pelo compartilhamento, pela vivência com seus pares. Brougère (2010) diz que a

criança participa ativamente da construção de sua própria cultura e de sua história,

modificando-se e provocando transformações nos demais sujeitos que com ela

interagem.

Parte-se aqui do pressuposto que se pode descobrir e interpretar valores e

saberes intrínsecos através das brincadeiras e dos brinquedos produzidos pelas

crianças Assuriní do Trocará. Tais preocupações e reflexões orientaram a opção por

aprofundar e sedimentar este estudo no contexto territorial amazônico, cujo objeto

de investigação são as brincadeiras e os brinquedos da criança da etnia Assuriní do

Trocará, não esquecendo suas possibilidades de criação, invenção, aproveitamento

do existente na constante construção e reconstrução da sua cultura lúdica. Sem

perder de vista sua identidade e pertencimento à terra e à natureza das quais suas

práticas são nascedouras. Considerando que os saberes podem ser compreendidos

a partir das realizações, representações e interpretações cotidianas dos sujeitos,

construídas e compartilhadas na realidade vivida, uma vez que as vivências e as

experiências adquiridas nas brincadeiras e nas construções dos seus brinquedos

cruzam diferentes tempos e espaços.

Nesta perspectiva, esta pesquisa procura responder à seguinte questão:

Quais saberes e práticas culturais da etnia Assuriní do Trocará se apresentam nas

brincadeiras e brinquedos das crianças dessa comunidade? Para contribuir no

processo investigativo da pesquisa foram formuladas questões norteadoras que têm

como objetivo dar corpo à formatação do objeto de estudo: a) Do que brincam, como

brincam e para que brincam as crianças da etnia Assuriní do Trocará?; b) Quais os

artefatos que identificam como brinquedos?; c) Como os saberes se apresentam nas

brincadeiras e brinquedos das crianças dessa comunidade?

Para responder a estas questões, foram elaborados os seguintes objetivos:

a) Investigar de que forma os saberes e as práticas culturais se apresentam nas

brincadeiras e brinquedos das crianças da comunidade Assuriní do Trocará; b)

Verificar as brincadeiras e os brinquedos que compõem a cultura lúdica dessas

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crianças; c) Identificar os saberes que se apresentam através da cultura do brincar

das crianças Assuriní do Trocará; d) Analisar a dimensão educativa dos brinquedos

e brincadeiras nas práticas culturais da comunidade.

Para uma compreensão de como as brincadeiras e os brinquedos indígenas

têm se configurado no âmbito acadêmico e científico, portanto, epistemológico,

realizou-se uma busca no banco digital de teses e dissertações da Comissão de

Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES) e de duas universidades

públicas no Estado do Pará – Universidade Federal do Pará (UFPA), e Universidade

do Estado do Pará (UEPA) – no período delimitado entre os anos 2000 e 2014. Foi

utilizada para a pesquisa do Estado da Arte as palavras-chave brinquedos e

brincadeiras indígenas.

Os estudos sobre as crianças dos mais diversos lugares e etnias por muito

tempo não foram priorizados pelos pesquisadores, até que nas últimas décadas as

crianças têm ganhando espaço e legitimidade em diversos estudos que começaram

a percebê-las como sujeitos sociais. Margaret Mead (1975), questionava o pouco

interesse da antropologia pela infância. Sendo ela uma pesquisadora sobre infância,

diz que a escassez da pesquisa com a infância se daria por conta da cultura oriental

dos pesquisadores, que não consideravam a criança um ser social completo.

A relevância da temática deste estudo se dá pela necessidade de novas

pesquisas direcionadas ao brincar da criança indígena. A região amazônica abriga

diversas comunidades indígenas, muitas delas completamente desconhecidas para

as instituições oficiais, entretanto cada uma com seus saberes e suas diversidades

culturais, hábitos e atitudes. Entretanto, percebe-se que de forma institucionalizada

ainda é irrelevante as pesquisas que abordam temáticas acerca do resgate desse

conhecimento tão necessário a essa região. Isto se dá até mesmo pela falta de

motivação, tendo em vista as dificuldades quanto as questões de infraestrutura e

acesso as comunidades indígenas mais longínquas para a realização de estudos

dessa natureza.

Para melhor organização do estado da arte elaboramos dois quadros onde

está especificado: o nome do o autor, o título, a instituição de ensino, o objetivo, o

campo de atuação, o local da pesquisa e o ano de defesa das teses e dissertações

que foram consultadas, no banco de dados da Comissão de Aperfeiçoamento de

Pessoal do Nível Superior (CAPES), Universidade Federal do Pará (UFPA) e na

Universidade Estadual do Pará (UEPA).

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Quadro 1 – Teses que mais se aproximaram da categoria “brinquedos e brincadeiras indígenas”.

AUTOR, TÍTULO DO TRABALHO E IES

OBJETIVO

CAMPO

LOCAL DA PESQUISA

ANO

João Luiz da Costa Barros

“Brincadeiras e relações interculturais na escola Indígena: um estudo de caso na etnia Sateré-Mawé” UNIMEP

Analisar as relações interculturais que se estabelecem na educação escolar indígena, e como foco o brincar das crianças indígenas na escola e em contextos sociais específicos.

Educação

Iranduba/AM

2012

Rogério Correia da Silva

“Circulando com meninos: infância, participação e aprendizagens de meninos indígenas Xakriabá” UFMG

Investigar a infância das crianças indígenas Xacriabá, caracterizando as formas de sociabilidade, a transmissão do conhecimento e o aprendizado da criança indígena Xacriabá.

Educação

Norte de Minas Gerais, próximo à cidade de Januária, no Vale do São Francisco

2011

Roberto Sanches Mubarac Sobrinho

“Vozes infantis: as culturas das crianças Sateré-Mawé como elementos de (des)encontros com as culturas da escola” UFSC

Compreender como as crianças Sateré-Mawé vivem e constroem suas culturas da infância.

Educação

Área urbana de Manaus/AM

2009

Marília Raquel Albornoz Stein

“Kyringüé mboraí: os cantos das crianças e a cosmo-sonia Mbyá-Guarani” UFMG

Refletir sobre o protagonismo das crianças Mbyá como agentes sociais corresponsáveis pela construção do modo de ser Mbyá-Guarani.

Música

RS

2009

Alceu Zoia

“A comunidade indígena Terena do Norte de Mato Grosso: infância, identidade e educação” UFG

Analisar a infância e a educação na comunidade indígena Terena.

Educação

Norte de MT

2009

Miriam Lange Noal

“As crianças Guarani-Kaiowá: mitã reco na aldeia Pirakuá/MS” UNICAMP

Conhecer as crianças Guarani-Kaiowá inseridas no cotidiano da aldeia Pirakuá, evidenciando suas especificidades étnicas.

Educação

Bela Vista/MS

2006

Yumi Gosso

“Pexe oxemoarai – brincadeiras infantis entre os índios Parakanã” USP

Investigar o lugar da brincadeira nas atividades das crianças indígenas Parakanã e descrevê-las no contexto do modo de vida desses índios.

Psicologia

Sudeste do PA

2004

Ângela Nunes Machado Pereira

“Brincando de ser criança: contribuições da etnologia indígena brasileira à antropologia da infância” ISCTE

Investigar o cotidiano das crianças Xavantes, a implementação de um projeto educacional e como as crianças vivem o processo de transformação cultural.

Antropologia

Social

MT

2003

Fonte: Banco de dados da Capes/UFPA/UEPA.

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Quadro 2 – Dissertações que mais se aproximaram da categoria brinquedos e brincadeiras indígenas.

AUTOR, TÍTULO DO TRABALHO E IES

OBJETIVO

CAMPO

LOCAL

DA PESQUISA

ANO

Sheila Alves de Araújo

“A criança Indígena nos estudos Acadêmicos no Brasil (2001-2012)” UFPA

Investigar as concepções de infância para as diversas etnias indígenas presentes nas produções acadêmicas no Brasil no período de 2001 a 2012.

. Educação

Bibliográfica e Documental

2014

Carine Monteio de Queiroz

“As crianças indígenas Kaimbé e suas culturas lúdicas em Massacará” UFBA

Investigar como as crianças indígenas Kaimbé lidam com seu contexto de desenvolvimento, compartilhando criativamente a cultura do brincar.

Psicologia

Região semiárida da BA

2012

Luciano Silveira Coelho

“Infância, aprendizagem e cultura: as crianças Pataxó e as práticas sociais do Guarani” UFMG

Colocar em relevo alguns aspectos fundantes das aprendizagens das crianças Pataxó em suas práticas cotidianas.

Lazer

Terra Indígena Fazenda Guarani, próxima a Carmésia/MG

2011

Marcelo do Nascimento Melchior

“Watébrémi Xavante: uma aproximação ao mundo da criança indígena” UCDB

Compreender as crianças Xavante no dia a dia da aldeia Sangradouro.

Educação

General Carneiro/ MT

2008

Levindo Diniz Carvalho

“Imagens da infância: brincadeiras, brinquedos e culturas” UFMG

Compreender como crianças de diferentes contextos socioculturais experienciam a prática da brincadeira, suas dinâmicas e significados.

Educação

Os Pataxós habitam em MG e as crianças moradoras do bairro Taquaril em Belo Horizonte/MG

2007

Clarice Cohn

“A criança indígena: a concepção de infância Xikrin de infância e aprendizado” USP

Discutir o modo como as crianças Xikrin concebem a infância e o desenvolvimento infantil, assim como o aprendizado.

Antropologi

a Social

Sudoeste do PA

2000

Fonte: Banco de dados da Capes/UFPA/UEPA.

A tese “Brincadeiras e relações interculturais na escola indígena: um estudo

de caso na etnia Sateré-Mawé” (BARROS, 2012) analisa as relações interculturais

que se estabelecem na educação escolar indígena com o foco no brincar das

crianças na escola e em contextos sociais específicos. A partir da análise dos dados,

o autor concluiu que a educação das crianças indígenas possui características

diferenciadas e que a chegada da escola na aldeia deve se constituir enquanto um

espaço de trocas, em respeito ao modo de vida dos indígenas, seus valores, seus

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costumes e suas brincadeiras e, sobretudo, enquanto possibilidades da

interculturalidade.

A tese “Circulando com meninos: infância, participação e aprendizagens de

meninos indígenas Xakriabá” (SILVA, 2011) se utiliza da descrição da vida das

crianças Xakriabá, detalha as redes sociais e de interações nas quais elas estão

inseridas e que promovem seu cuidado e sua educação ou a educação através do

cuidado, explicitado nas práticas corporais específicas voltadas à infância. O papel e

a forma como a criança aprende por meio da observação, a forma como ocorre a

participação e o engajamento da criança nas atividades cotidianas. A descrição das

atividades familiares e comunitárias de que as crianças participam, como as tarefas

domésticas e o trabalho na roça, fornece elementos para analisar não somente a

relevância de tais aspectos, mas também a forma como operam.

A tese “Vozes infantis: as culturas das crianças Sateré-Mawé como

elementos de (des)encontros com as culturas da escola” (SOBRINHO, 2009) reflete

sobre a importância da valorização da cultura Sateré-Mawé através das

brincadeiras, dos rituais, das músicas tradicionais e da língua, e como neste "entre-

lugar", o espaço urbano, são construídas estratégias para garantir os jeitos próprios

de ser, de viver e construir suas culturas da infância da etnia Sateré-Mawé e, ainda,

de se relacionar com o mundo e com a "escola do branco". A pesquisa demonstra a

importância de olhar e compreender a infância sob o ponto de vista das crianças

Sateré-Mawé.

A tese “Kyringüé mboraí: os cantos das crianças e a cosmo-sônica Mbyá-

Guarani” (STEIN, 2009) reflete sobre o protagonismo das crianças Mbyá como

agentes sociais corresponsáveis pela construção do modo de ser Mbyá-Guarani e

problematiza o estudo da música nos moldes ocidentais, no sentido de descrever

etnograficamente categorias êmicas Mbyá relacionadas ao âmbito sonoro, centrada

na sociocosmologia Mbyá indicada pelo termo "cosmo-sônico". A partir da análise

músico-performática, textual e músico-estrutural de três âmbitos de performance

musical de que as crianças participam – as apresentações dos mboraí (cantos

sagrados) pelos grupos de cantos e danças tradicionais Guarani, as gravações em

diversos CDs e as performances cotidianas dos kyringüé mboraí (cantos das

crianças) – apresenta os significados que os Mbyá compartilham e negociam sobre

estas performances, sobre ser criança e sobre sua musicalidade.

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A tese “A comunidade indígena Terena do Norte de Mato Grosso: infância,

identidade e educação” (ZOIA, 2009) investiga a comunidade indígena Terena do

norte de Mato Grosso e analisa a infância e a sua educação. Tendo como ponto de

partida a história de lutas deste povo, o autor buscou perceber como os processos

educativos iam se desenvolvendo, permeados pelas inúmeras dificuldades pelas

quais passaram. A criança é muito valorizada e vista como um agente social e

político e é nela que estão depositadas as esperanças de manutenção da cultura, da

língua e das tradições. E, dentro destas questões, a escola – comunitária,

intercultural, bilíngue, específica e diferenciada – passa a assumir um lugar de

destaque nas aldeias, como local de resistência e reorganização do povo indígena.

A tese “As crianças Guarani-Kaiowá: mitã reco na aldeia Pirakuá/MS”,

(NOAL, 2006) teve como proposta conhecer as crianças Guarani-Kaiowá inseridas

no cotidiano da Aldeia Pirakuá, Bela Vista/MS, evidenciando suas especificidades

étnicas, registrando e descrevendo como vivem suas infâncias no espaço histórico e

coletivo da aldeia: como brincam, como são inseridas no mundo dos adultos, com

que e como se relacionam, o que verbalizam, o que fazem, o que não fazem. A

pesquisadora relata que mesmo diante de crianças que, resguardadas todas as

situações de pobreza e de perdas, impingidas por um processo colonizador

massacrante, ainda possuem o direito de, sendo crianças, serem sujeitos de suas

experiências, de seus aprendizados, de suas liberdades.

A tese “Pexe oxemoarai: brincadeiras infantis entre os índios Parakanã”

(GOSSO, 2004) investiga o lugar da brincadeira nas atividades das crianças

indígenas Parakanã e descreve-as no contexto do modo de vida desses índios. O

autor relata que as crianças Parakanã passam a maior parte do seu tempo

brincando em seu próprio mundo. A partir de dois ou três anos, começam a brincar

em grupo sem supervisão de adultos. Elas não só representam a vida adulta que

observam livre e abundantemente, mas parecem recriá-la, como se fosse uma

cultura peculiar, específica: a cultura da brincadeira.

A tese intitulada “Brincando de ser criança: contribuições da etnologia

indígena brasileira à antropologia da infância” (NUNES, 2003) propicia um balanço

bibliográfico sobre as contribuições mais significativas, internacionais e brasileiras,

estabelecendo um diálogo entre a antropologia da infância e os estudos etnológicos

sobre sociedades indígenas no Brasil, através de um estudo etnográfico realizado

entre os índios Xavante, do Mato Grosso. O estudo concentra-se na análise de

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situações cotidianas decorrentes da introdução da educação escolar oficial, em

confronto com a tentativa de implementação de um projeto educacional idealizado

pelos próprios índios, e está especialmente atento à maneira como as crianças

vivem esse processo de transformação cultural e à dinâmica que elas próprias lhe

imprimem.

A dissertação cujo título é “A criança indígena nos estudos acadêmicos no

Brasil (2001-2012)” (ARAÚJO, 2014), apresenta estudos catalogados em um

inventário, que levou em consideração os seguintes elementos: tipo de estudo, ano,

título, autor e assunto que abordava cada uma das pesquisas. A autora analisa as

categorias existentes dentro da concepção étnica de infância indígena, a saber:

“liberdade”, “brincadeiras” e “educação”.

A dissertação de Queiroz (2012), “As crianças indígenas Kaimbé e suas

culturas lúdicas em Massacará”, apresenta a participação ativa das crianças nos

processos de transmissão, conservação e mudança cultural, ou seja, como agentes

nos grupos de pares que integram e, também, nas sociedades em que vivem. A

observação foi a técnica utilizada para ir ao encontro das meninas e meninos

Kaimbé nas áreas abertas do seu território, em momentos de interações livres,

quando transitam com autonomia e criatividade entre as diversas culturas, infantis e

adultas, locais, regionais, nacionais e, até mesmo, internacionais, acessando de

forma inovadora o mundo que as cerca, um ambiente que é físico e simbólico,

cultural e político.

A dissertação “Infância, aprendizagem e cultura: as crianças Pataxó e as

práticas sociais do Guarani” de Coelho (2011) destaca alguns aspectos fundantes

das aprendizagens das crianças Pataxó em suas práticas cotidianas. Coelho (2011)

relata aspectos fundantes no engajamento das crianças Pataxó em seis práticas

presentes na aldeia: a caça, o trabalho agrícola, a produção e venda do artesanato,

as tarefas domésticas, o futebol e as brincadeiras; relata também que o

envolvimento das crianças Pataxó em seu cotidiano é facilitado pela sua

proximidade como os adultos e pelo acesso aos diferentes espaços da aldeia.

Concluiu que as crianças Pataxó estão envolvidas diariamente em um interessante e

complexo ambiente que lhes proporciona inúmeras aprendizagens que independem

de um ensino deliberado para acontecer.

O trabalho de dissertação “Watébrémi Xavante: uma aproximação ao mundo

da criança indígena” de Melchior (2008), descreve o dia a dia da criança Xavante na

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aldeia: como brinca, como é inserida no mundo dos adultos, com quem e como se

relaciona, o que faz o que não faz. A partir desse olhar, compreende a criança como

um ser ativo e importante dentro do grupo, no qual é respeitada pelos adultos e,

desse modo, se insere no processo educativo próprio do grupo étnico. Relata que a

criança Xavante possui características específicas, expressas nas brincadeiras, nas

interações com os demais membros.

A dissertação intitulada “Imagens da infância: brincadeiras, brinquedos e

culturas”, de Carvalho (2007), mostra como crianças de diferentes contextos

socioculturais experimentam a prática da brincadeira, suas dinâmicas e significados.

Carvalho (2007) busca a compreensão do brincar como linguagem infantil que

significa o mundo, contribui para a constituição de um modo de ver da criança em

sua singularidade, suas formas de apreender e se relacionar com seus pares e seu

entorno, mas, principalmente, para a elaboração das imagens construídas sobre as

múltiplas infâncias na contemporaneidade.

A dissertação “A criança indígena: a concepção de infância Xikrin de infância

e aprendizado” de Cohn (2000) retrata o processo de desenvolvimento infantil entre

os Xikrin, através de sua própria concepção de criança e de crescimento, realiza

uma análise que foca o modo como as crianças intervêm ativamente nesse

processo. A dissertação da ênfase à antropologia contemporânea, que recupera os

estudos sobre a infância e da participação ativa da criança em sua inserção na vida

social, quando recusa a visão da socialização como meio de incutir em "imaturos",

que imitam e miniaturizam a vida adulta, valores e comportamentos socialmente

aceitos.

As teses e dissertações analisadas muito contribuíram para a reflexão, ao

perceber as crianças como seres sociais plenos, que participam diretamente dos

processos de transmissão, conservação e mudança cultural, ou seja, são agentes

nos grupos que integram e, também, nas sociedades em que vivem. Estudar suas

brincadeiras e brinquedos faz compreender como se dá a construção histórica da

criança em uma determinada sociedade. Segundo Kramer (2007, p. 17) “as crianças

não formam uma comunidade isolada; elas são parte do grupo e suas brincadeiras

expressam esse pertencimento. Elas não são filhotes, mas sujeitos sociais; nascem

no interior de uma classe, de uma etnia de um grupo social”. Nesse sentido, Pereira

(2009) chama a atenção para o fato de que:

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[...] as brincadeiras são uma linguagem que perpassa toda a nossa experiência de vida. Também nelas a criança se encontra e delas se apropria para se constituir como ser humano. São gestos, sons, expressões, inflexões, declarações e imagens que se inter-relacionam, gerando um fenômeno complexo, imbricado nos modos mais íntimos de estar no mundo (PEREIRA, 2009, p. 23).

Se as brincadeiras perpassam por toda a nossa experiência de vida,

podemos dizer que também contribuem para o entendimento, formação e

consolidação dos saberes humanos. O ato de brincar é historicamente e socialmente

construído, constituindo-se como um processo intermitente da prática educativa,

inserido nos mais diversos contextos sociais.

1.5 Estruturação do texto

Está dissertação de mestrado estrutura-se em quatro partes. Como primeira

sessão, “Desafios de uma trajetória em construção”, trata sobre a trajetória

acadêmica e a motivação para a escolha da temática, seguida de uma ligeira leitura

e um autoquestionamento sobre o que é a criança, por que ela brinca, e como se

expressa no mundo dos adultos. Discorre ainda essa sessão sobre o objeto,

objetivos e questões norteadoras e registra o Estado da Arte, que é a investigação

nos bancos de dados das instituições científicas e acadêmicas sobre a categoria

estudada “brinquedos e brincadeiras indígenas”.

A segunda seção “Caminhos desenhados e trilhados” define a metodologia

utilizada na condução da pesquisa e o próprio caminho da investigação com o

emprego do método. Ao problematizar as questões metodológicas detém-se na

busca do que se quer produzir e, assim, delimita-se o campo, o universo a ser

estudado e a dinâmica que mais convêm ao estudo de uma pesquisa. Observar,

registrar, analisar e observar novamente, redefinir registros, sintetizar, são ações

inesgotáveis a cada momento de encontro com os participantes, crianças da

comunidade Assuriní do Trocará, cuja amostragem foi definida pela metodologia

empregada. Ainda na segunda sessão localiza-se e caracteriza-se a comunidade

Assuriní do Trocará, sua situação geográfica, sua constituição política e

socioeconômica e parte de sua história, para que se possa compreender o

comportamento e as relações crianças e adultos, crianças e crianças, crianças e

brinquedos e brincadeiras.

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Na seção três que tem como título os “Aspectos culturais da etnia Assuriní

do Trocará”, procura-se compreender o termo cultura, uma vez que a cultura se

concebe como uma inter-relação de costumes hábitos e crenças, modos e

concepções de vida dos Assuriní do Trocará. A seção quatro: “O brincar e os

brinquedos das crianças Assuriní”, trata de como a criança ao manipular um

brinquedo, se apropria, se projeta e se exprime, numa reação e relação com os

códigos sociais e culturais. Os momentos de interação com as crianças Assuriní, nas

observações, olhares e compartilhamento das suas preferências por brincadeiras e

predileções por brinquedos.

Quando brincam expressam as práticas vivenciadas nas inter-relações com

seus iguais expressando aquilo que é percebido do mundo ao seu redor, entretanto

não descuidando inteiramente dos valores, crenças, hábitos e da herança cultural

que foram ensinadas pelos que vivem na comunidade Indígena Trocará, que de

alguma forma tentam manter sua identidade. Nesse olhar percebe-se que a criança

indígena se torna agente ativo de transformação, elaboração e recriação da cultura,

sem descuidar de valores intrínsecos ao seu povo.

Para abordar o entendimento sobre os saberes acerca da infância, da

criança, da cultura de seus brinquedos e de suas brincadeiras, como aporte teórico

para fundamentação desse trabalho, definiu-se Ariès (1981), Benjamin (2002),

Brandão (2002), Brougère (2004, 2010), Callois (1990), Charlot (2000), Cohn (2005),

Del Priori (2013), Geertz (1989), Huizinga (2007), Kramer (2007), Nunes (2010),

Oliveira (2000), Pereira (2009), Silva (2010), Thompson (1995), Vygotsky (2009),

entre outros, que ajudam a perceber as várias formas de olhar a criança ao longo da

história e de como ela está inserida na sociedade atual, como um ser social

participante, revelando seus papéis de produtora e disseminadora da cultura através

de seus brinquedos e brincadeiras.

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2 CAMINHOS DESENHADOS E TRILHADOS

Aprendimentos

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer.

Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada.

Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas

das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado

sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas

e ia conversar com as rãs.

(Manoel de Barros)

Toda metodologia de pesquisa é um caminho a percorrer. Um caminho

primeiramente do pensamento, na construção da abordagem prática, na busca de

uma realidade, para alcançar os objetivos que se propõe à realização de um estudo.

E o caminho aqui escolhido, ou talvez, que me escolheu foi o caminho da pesquisa

qualitativa, pelo contato direto e iluminado com essas crianças e seus brinquedos e

brincar.

2.1 Percurso Metodológico

O caminho da investigação busca as bases no desenvolvimento de um

estudo mais profundo, científico, planejado e metodologicamente estruturado acerca

de determinado assunto. Como um trabalho científico, este estudo está embasado

em teorias identificadas em autores com vasta referência acadêmica sobre as

metodologias de pesquisa. Aborda um nível de realidade que não pode ser

quantificado, afinal, trata-se de uma pesquisa com crianças indígenas, seu universo

de brincadeiras e brinquedos, em um contexto de significados não quantificáveis,

pois envolve sentimentos, desejos, alegrias, atitudes, medos, reservas e ações das

relações consigo mesmo, com o outro e com o ambiente.

A pesquisa científica sempre se apresenta de um lado como unidade e de

outro como diversidade e, neste contexto, entende-se que o conhecimento não se

constrói de uma única maneira. Assim sendo, o científico não se reduz a uma única

forma de conhecer e, neste aspecto de desdobramento próprio das ciências sociais,

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constitui-se, em diversas formas que se desdobram em inúmeras faces e

possibilidades.

Na defesa de que o objeto da pesquisa não deve se limitar a mostrar apenas

o que é, e como o acontecimento vem ocorrendo, foi utilizado neste estudo diversas

formas de registro como a observação, a ciranda de conversas, a fotografia como

elemento ilustrativo, instrumentos estes fundamentais e significativos para registrar e

descrever a demanda do que as crianças indígenas da comunidade Assuriní do

Trocará tinham a nos mostrar com referência aos seus brinquedos e brincadeiras.

Todo o possível foi observado e registrado: a dinâmica, as significações e os

comportamentos das crianças durante suas atividades lúdicas.

A prática da pesquisa com crianças não tem sido um processo muito

comum, e, conforme relata Cruz (2008).

No entanto, mesmos nas pesquisas, procurar captar o ponto de vista das crianças é recente. Há poucos anos um levantamento realizado por Rocha (1999) mostrava o quanto as crianças ainda eram pouco ouvidas, predominando as vozes dos adultos, como apontava a autora, em geral, são realizadas pesquisas sobre crianças e não com crianças. (Cruz, 2008, p. 12, grifo do autor).

As categorias de análise adotadas neste estudo foram: “criança indígena”;

“brinquedo”; “brincadeira”; que fazem parte da realidade do universo estudado, uma

vez que tais categorias envolvem a dinâmica de vivência de seu cotidiano.

Campos (2008) orienta a observar as crianças e nos colocarmos como

parceiros de suas brincadeiras, ou seja, participando com elas nas suas atividades e

construindo uma relação mais igual, que inspire confiança receptiva. Desde o

primeiro momento, as crianças Assuriní já eram partícipes da pesquisa e, ao me

reportar ao primeiro encontro com elas, percebi que a máquina fotográfica foi o

elemento que permitiu a interação e facilitou uma relação de igual.

Quando optei pela abordagem qualitativa era para que pudesse retirar deste

trabalho o que são os dados reais e o que são os dados subjetivos e analisáveis, a

partir da convivência com as crianças Assuriní do Trocará na observação de seus

valores, crenças e saberes. E neste convívio com as crianças essa subjetividade

também foi real na medida que se percebia e registrava a timidez no comportamento

das crianças na nossa presença, mas totalmente desinibidas quando com seus

pares.

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As crianças Assuriní do Trocará são alegres, extrovertidas, travessas e

interativas no convívio da sua comunidade, pois, conforme afirma Minayo (2003, p.

22) “a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e

relações humanas, um lado não perceptível e não captável, em equações, médias e

estatísticas”. E completa que:

[...] os fundamentos da pesquisa qualitativa são os próprios princípios clássicos, utilizados nas ciências da natureza: a) o mundo social opera de acordo com as leis causais; b) o alicerce das ciências e a observação sensorial; c) a realidade consiste em estruturas e instituições identificáveis [...] para fornecer generalizações e regularidades; d) o que é real são os dados brutos; os valores e crenças são dados subjetivos [...] (MINAYO, 2003, p. 22-23).

Há uma evidência e uma chave para entender o quanto a abordagem

qualitativa revela seu verdadeiro potencial, isto se dá quando as partes essenciais

do processo de pesquisa são encadeadas de forma a ocorrer a análise e

interpretação dos dados sem percalços, partindo de um processo que flui

naturalmente, respeitando o lócus da pesquisa e seus participantes num processo

ético, pois, de acordo com Flick (2009, p. 51), “os princípios da ética da pesquisa

postulam que, os pesquisadores evitem causar danos aos participantes envolvidos

no processo por meio do respeito e da consideração por seus interesses e

necessidades”. Estabelecer, portanto, um fio condutor de respeito entre as partes

desta pesquisa, se tornou o desejo maior que me ocorreu desde que ancorei meu

objeto de estudo naquele ambiente de encantarias indígenas e infantis.

No percurso da pesquisa com as crianças da etnia Assuriní do Trocará, meu

pensamento se aproxima do que afirmam Ghedin e Franco (2008).

À medida que a pesquisa qualitativa favorece que a cotidianidade seja percebida, valorizada, mostra-se como gestadora e germinadora dos papéis sociais, vai possibilitando aos pesquisadores a apropriação das relações entre peculiaridades e totalidade, entre o indivíduo e o ser humano genérico, entre a cultura e a história. (GHEDIN E FRANCO,2008, p. 62).

O ambiente natural é fonte direta dos dados, pois assim, quando participei

com as crianças Assuriní do banho de rio, entendi que estava inteiramente livre de

referencial teórico sobre a ação do brincar no rio, e um outro saber estava sendo

construído bem dentro de mim. Era a percepção sobre a liberdade e o domínio que

as crianças apresentavam enquanto nadavam, mergulhavam, pulavam dos galhos e

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brincavam de mãe na água2 – numa sintonia sem igual com a natureza – me

identifiquei com a abordagem qualitativa de Bogdan e Biklen (1982 apud LÜDKE &

ANDRÉ, 1986, p. 11) quando afirmam que:

1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento [...] eles ocorrem naturalmente sem qualquer manipulação intencional do pesquisador [...]; 2) os dados coletados são predominantemente descritivos, deve ser um material rico em descrições pessoas, situações, acontecimentos, inclui aí entrevistas, depoimentos, fotografias desenhos. Todos os dados da realidade são importantes [...] 3) há maior preocupação com o processo do que com o produto o significado imprimido pelas pessoas, é foco de atenção especial, e os dados coletados a tendência de uma análise mais indutiva.

O contado direto com a situação que estava estudando, foi uma referência

inicial para a pesquisa qualitativa, pois forneceu aquilo que mais convém ao

pesquisador naquele momento, elaborar a descrição dos fatos a partir da

perspectiva dos intérpretes da pesquisa. As crianças Assuriní do Trocará enquanto

senhores da ação, davam, com minuciosos elementos o que representa a natureza

para a sua concepção de vida infantil.

Foi possível assim relatar dados com precisão, descrição e analise do

comportamento dessas crianças diante das brincadeiras que realizam nos diversos

espaços da aldeia. Alegria constante, relações consentidas e inclusivas com seus

iguais, sempre com a liberdade de escolha do que e com quem brincar. Essa

qualidade de dados permite pela observação e registro dizer com certeza que as

crianças Assuriní do Trocará usam a natureza como seu espaço de brincadeiras,

tais como o rio, o igarapé, a mata, o campo de futebol e as próprias moradias.

Além da abordagem qualitativa, considerando o foco da pesquisa, optei pela

Etnometodologia que propiciou o apoio necessário para a pesquisa alcançar os

objetivos estabelecidos e desejados, considerando a natureza do problema adotado

e as questões que pretendia discutir.

A Etnometodologia historicamente é tão antiga quanto à espécie humana e,

de acordo com Melo (2009), desde os primórdios da humanidade, os homens,

movidos pela necessidade de sobrevivência, buscaram desenvolver etnométodos,

ou seja, um conjunto de procedimentos lógicos próprios para resolver seus

problemas cotidianos. Usam o raciocínio lógico prático criam maneiras

especificamente de olhar, perceber, descrever, explicar, contar, medir as coisas da 2 Mãe na água: brincadeira infantil chamada de pega-pega, dentro da água.

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sua cotidianidade construindo métodos próprios de vida e convivência,

diferentemente do modelo-padrão da lógica científica das civilizações ocidentais.

O olhar foi sobre um determinado contexto – o das crianças da comunidade

Assuriní do Trocará – que por sua amplidão, fez nascer um entrelaçado de

elementos que une o prático e o teórico, o social e o individual, o religioso e o

cultural, o dito e o não dito. Atravessa vivências, experiências, possibilidades,

memórias, vidas, ambientes, claros e sombras que, é preciso buscar interpretar e

reinterpretar. Este método, o estudo de cultura de povos, revela crenças, tradições,

hábitos, manifestações, estudando também a interação desses povos, as ideias, as

técnicas, as habilidades que lhes são concernentes.

Embora a Etnometodologia seja o método escolhido desta pesquisa,

observei a necessidade de um suporte nessa categoria de estudo e desta forma,

busquei os elementos etnográficos como: observar, perguntar e interpretar, para

poder alcançar aquilo que foi objetivado no estudo, no que se refere a criança, a

brincadeira e aos brinquedos, pois, conforme afirma André (2008).

É evidente que a escolha de uma determinada forma de pesquisa depende antes de tudo da natureza do problema que se quer investigar e das questões, qualidades e os limites de uma metodologia para que se saiba mais claramente o que está sendo ganho e o que está sendo sacrificado. (ANDRÉ, 2008, p. 52).

O observar conduz necessariamente ao ato de perguntar, uma investigação

que possibilite o diálogo, o registro das falas interativas, de cunho coletivo

denominadas nesta pesquisa como cirandas de conversa. A observação permite,

ainda, desenvolver a investigação onde o fenômeno acontece, onde é feita, no ir e vir,

no ver e no viver com os participantes. É o participar junto aos sujeitos, perceber

suas ferramentas, seus movimentos do fazer diário nas suas relações com seus

pares, com o social, nos seus comportamentos. E depois? Perguntar... Perguntar,

através dos diálogos realizados durante as cirandas de conversa aos intérpretes

desta pesquisa as crianças Assuriní do Trocará. E foi isso o que foi realizado

durante os períodos que lá estive.

O terceiro elemento foi a interpretação. Interpretar, de forma criteriosa, nos

mínimos detalhes sobre o entorno desses sujeitos e do observado, momento em que

se coloca a percepção a serviço de uma visão holística, num contexto de totalidade

das relações entre as pessoas, e as pessoas com o cenário, ou seja, com o meio.

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Essa Interpretação deve conter uma compreensão da realidade, da interação com o

meio, principalmente do universo estudado – as crianças da comunidade Assuriní do

Trocará – sabendo ver, ouvir, registrar, avaliar, reavaliar e descrever os significados

das relações, segundo o olhar e a vivência de seus atores.

Melo (2009) diz que a Etnometodologia, se dá a partir de observações da

realidade social. Sendo que as construções dos sujeitos, têm um significado

específico e um sentido de relevância para os indivíduos que vivem, pensam e agem

dentro dessa realidade e concluiu que o mais importante é trabalhar com os

registros de 1º grau. O registro de 1º grau é a ação, o acontecimento em um

contexto social em que estão contidas as experiências de vida dos sujeitos que

vivenciam a ação social, isto porque nenhum objeto de conhecimento deve ser

percebido como se estivesse isolado do mundo ou fora de uma situação de vivência

coletiva.

Na comunidade dos Assuriní do Trocará a vivência coletiva não é

exclusividade de crianças ou de adultos porque é de tal forma uma ação social de

total integração, sem que se perceba o que deve ser um ato especifico do adulto e o

que deva ser o ato especifico das crianças. De certa forma, estas relações se

confundem e se fundem. Exemplo disso é o ato do cuidar do outro. Observei que as

mães cuidam de todos, sem separar seus filhos ou os filhos dos outros, assim são

as crianças no cuidar constante de outras crianças. Os maiores cuidam dos menores

sejam irmãos, primos, amigos ou outros. Eles tomam para si essa responsabilidade

social nos momentos de atividades propostas pelos adultos da aldeia, nas

brincadeiras ou simplesmente no andar nos caminhos da aldeia e da floresta.

O que tem significância para a Etnometodologia é entender que existem

diferentes formas culturais de organizar a vida cotidiana dos homens em sociedade,

principalmente compreender como os fatos são socialmente construídos. E, muito

mais que isso: como as sociedades e os homens por si mesmos conseguem

visualizar estas atividades e torná-las compreensíveis para si e para os outros.

A Etnometodologia dá ênfase às práticas observadas e descritas. Por outro

lado, a fala também é um elemento constitutivo da ação, portanto, transmitir um

significado é algo mais que utilizar palavras, literalmente é agir, é ação. Assim, a

fala, ou seja, o discurso é uma prática social e, por isso, incorpora elementos que

não são simplesmente palavras soltas e isoladas, mas são elementos contextuais,

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construídos pela vivência, pensamento, experiência, ou seja, que estão

condicionados por um contexto sócio histórico específico.

Nas cirandas de conversa com as crianças Assuriní identifiquei a ação pela

palavra, enquanto relatoras do seu próprio discurso social, ao descreverem as suas

relações com a natureza expressando as suas histórias de coragem e de seus

medos diante dos animais da floresta, das lendas do rio e dos igarapés. Relatando

suas habilidades como pescadores e caçadores.

Melo (2009) ressalta que a Etnometodologia só teve condições objetivas

para surgir enquanto um paradigma teórico efetivo das Ciências Sociais ganhando

contornos mais completos e definitivos, quase nos fins da década de sessenta do

século passado, com os estudos do sociólogo norte-americano Harold Garfinkel

empreendidos desde 1946 e que culminaram com a publicação da obra Estudos em

Etnometodologia, em 1967, considerado o livro fundador, a Bíblia da

Etnometodologia. Essa teoria surge com uma nova perspectiva teórico-

metodológica, e significou uma ruptura com a ordem científica dominante,

particularmente com as abordagens positivistas e funcionalistas. Para Garfinkel

(2006) citado por Melo (2009), a sociologia não devia ser entendida como uma

ciência positivista em que os fatos, de acordo com Durkheim, são estabelecidos a

priori por uma estrutura estável, independentemente da História e de maneira

objetiva, mas que tivesse uma postura interpretativa que valorizasse a subjetividade,

em que, descrever uma situação é construí-la.

Assim, é possível dizer que a partir dessa ruptura, passou a ser estudada

com mais profundidade, como mais do que uma teoria específica ou mesmo um

método, e passou a ser considerada:

[...] como uma perspectiva de pesquisa, ou seja, um ponto de vista epistemológico que dá prevalência às diferentes formas culturais dos homens comuns de se expressarem através de suas práticas cotidianas, as diferentes formas culturais dos membros de uma determinada comunidade, baseados em conhecimentos do senso comum, exercitarem os seus saberes práticos para viver, conceber e atuar no mundo em que convivem (MELO, 2009, p. 5).

Do contato com as crianças Assuriní percebi que elas utilizam de forma

natural e espontânea as suas práticas, quando reproduzem o comportamento do

adulto, por exemplo, ao entrarem na mata utilizando-se de terçados, apropriando-se

das linhas de anzóis e das varas de pesca, com a mesma destreza e habilidade que

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utilizam os adultos da comunidade. Assim sendo, baseados em suas práticas

diárias, desenvolvem seus conhecimentos sobre o mundo circundante.

Os saberes culturais determinam o conjunto de conhecimentos que um grupo

ou sociedade tem das coisas ou de um objeto com o qual se relacionam

cotidianamente. Neste sentido, consiste em toda e qualquer habilidade teórico-

prática acerca de algo, resultante da experiência prática que os indivíduos, grupos,

classes e instituições estabelecem com a sociedade em sua identidade cultural,

diferenciando-se entre si e entre grupos.

Quando se diz que os povos indígenas do centro do país ou das margens

dos rios da Amazônia possuem um conhecimento tradicional sobre ervas medicinas,

sobre localização, sobre fenômenos da natureza ou sobre animais, significa dizer

que são conhecedores práticos diante das dificuldades e de suas necessidades em

viver a cotidianidade das aldeias, de curar suas doenças, de localizar-se na mata, de

identificar tempos de chuvas, sol, secas, ventanias ou mesmo de conhecer as

etapas biológicas dos animais, sem dizer que são exímios biólogos, ambientalistas,

ou farmacologistas. De acordo com Melo (2009).

[...] a Etnometodologia se interessa por esses saberes práticos enraizados na cultura, ou seja, pelos conhecimentos adquiridos pelos indivíduos, resultantes de suas atividades cotidianas de vida, isto é, obtidos como produto de sua aprendizagem na chamada “escola da vida” e, ao mesmo tempo processo que organiza, produz cultura, forma e transforma o mundo social em que vivem e convivem. (MELO, 2009, p. 6, grifo do autor).

Quando se problematiza as questões metodológicas em uma pesquisa

científica, principalmente nas pesquisas sociais, não há como descartar a reflexão

sobre o que se busca e o que se quer produzir. Em uma pesquisa de campo, como

foi o caso deste trabalho, se fez necessário balizar limites e possibilidades, para que

se pudesse focar o assunto de forma clara e fundamentada e não divagar em

temáticas que, mesmo superficialmente relativas, divergem do campo de estudo

proposto.

O rigor que existe neste estudo tem que caminhar passo a passo, com a

intuição, com a sensibilidade, e discernimento do pesquisador para fazer uma

descrição interpretativa com absoluta fidedignidade, ou seja, é preciso fazer parte do

grupo, sem invadir sua cultura, mantendo um distanciamento necessário e, ao

mesmo tempo, uma aproximação possível para capturar momentos significativos

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que possam ajudar a resinificar o entendimento sobre a criança Assuriní, seus

brinquedos e brincadeiras. Certamente essa não é uma situação fácil de afastar as

ideias preconcebidas que se tem sobre determinada categoria, entretanto, é

infinitamente necessário.

Foi nesta perspectiva de pesquisa que se trabalhou, não sobre, mas com as

crianças Assuriní e mantive com elas a dinâmica necessária para os registros que

dessem qualidade e credibilidade ao trabalho. Desde a proposta da pesquisa até

sua realização, não só pela análise dos dados, mas de todo o processo que se

estabelece. É necessário lembrar que, como enfatiza Cohn (2005, p. 45), “a criança

é um sujeito social pleno e como tal deve ser considerado e tratado”. As crianças

Assuriní do Trocará se revelam pelas suas atitudes e ações da cotidianidade de um

referencial de pleno pertencimento a sua comunidade, pois o que se observa é que

na sua liberdade de crianças e pelos seus brinquedos e brincadeiras existe uma

identidade de inter-relação com a natureza e dela fazem seu parque de diversões no

seu dia a dia.

2.2 Aldeia Trocará: lócus da pesquisa

A região de origem do povo Assuriní do Trocará localizava-se nas

proximidades do rio Xingu, este território era dividido com o povo Parakanã, porém,

por conflitos internos entre si e com outros povos, os Assuriní do Trocará se

deslocaram para o leste, onde fixaram moradia. Em 1980 houve uma grande

enchente que deixou a aldeia submersa e, em decorrência dessa inundação, a

comunidade perdeu suas plantações, casas e animais, vários índios morreram

vítimas de doenças como a malária e tiveram que mudar para terras mais altas para

reconstruírem a comunidade.

Atualmente a aldeia Assuriní do Trocará se localiza exatamente a 3,5º graus

ao sul do Equador, no Posto Indígena de Trocará, no município de Tucuruí, no

estado do Pará, às margens do Igarapé Trocará, afluente do rio Tocantins, em uma

área de 21.722 hectares, com perímetro de 74 Km, entre os municípios de Tucuruí e

Baião, tendo suas terras atravessadas pela Trans-Cametá. As suas proximidades

também estão localizadas as comunidades indígenas dos Araweté, dos Parakanã,

Xikrins e Suruís, todos localizados dentro do estado do Pará na faixa de terra onde

estão dois grandes rios brasileiros o rio Araguaia e o rio Xingu.

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O Estado do Pará está localizado na região norte, sendo o segundo maior

estado da região, fazendo limite ao sul com o estado do Mato Grosso, ao sudeste

com o Tocantins, ao leste com o Maranhão, ao nordeste com o Oceano Atlântico, ao

norte com o Amapá e o Suriname, a noroeste com a Guiana e Roraima, e a

sudoeste com o Amazonas e o Mato Grosso. O Estado ocupa uma área territorial de

1.247.689,515 km2 e tem clima tropical quente e úmido.3 Abaixo (Figura 4) apresenta

o mapa contendo a localização da Aldeia Assuriní do Trocará.

Figura 4 – Localização da Aldeia Assuriní do Trocará.

Fonte: Google Maps (2015).

No que tange à terra do Trocará, Beltrão (2012, p. 14) afirma que “estão

garantidas oficialmente para o usufruto exclusivo dos índios que as habitam. Quando

falamos em usufruto, dizemos que são terras para o uso eterno dos indígenas”. Na

década de 1970 foram iniciados os estudos para demarcação da Terra Indígena

Trocará, sendo esta situação fundiária totalmente regularizada na década de 1980,

quando as terras foram homologadas pelo Decreto nº 87.845, de 22 de novembro de

1982, registrada no Cartório de Imóveis de Tucuruí, Baião e no Serviço de

Patrimônio da União no Pará.

A população que vive na Terra Indígena Trocará se distribui em três núcleos,

identificados como: Trocará, Oimutawara e Ororitawa. A divisão em núcleos foi uma

estratégia dos líderes da comunidade para evitar que madeireiros invadam suas

3Disponível em:

<TP://geoftp.ibge.gov.br/documentos/cartografia/areaterritorial/pdf/areas_2001_15.pdf>. Acesso em: 09.2014.>

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terras. As terras dos Assuriní do Trocará podem ser acessadas por via terrestre em

aproximadamente dez horas de viagem, em ônibus intermunicipal, ou em carro

particular, com uma média de oito horas de viagem, saindo da cidade de Belém,

capital do Pará; e, por via aérea, em aproximadamente uma hora de voo, saindo de

Belém direto para o município de Tucuruí.

Do município de Tucuruí até a comunidade Assuriní do Trocará (Figura 5)

desloca-se mais 23 km pela Rodovia Transamazônica, em uma estrada de

condições precárias, sem asfalto, pista estreita e muitos buracos.

Figura 5 – Acesso à Aldeia Assuriní do Trocará.

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

No período das chuvas alguns trechos se tornam praticamente intrafegáveis

devido à lama. Já no período da estiagem a rodovia possui trechos de muita poeira e

de muita serragem proveniente das madeireiras instaladas a margem da estrada, o

que dificulta o acesso a aldeia indígena Assuriní do Trocará.

Além destas dificuldades de infraestrutura para o deslocamento, outras

surgiram durante o período da realização do estudo, nem sempre havia a

disponibilidade do acesso por motivos culturais ou administrativos, por exemplo: nos

momentos dos festejos internos que são apenas para a participação do povo

Assuriní não a permissão na aldeia para a entrada de pessoas estranhas a

comunidade. Outra situação deu-se pelo administrador do Fundação Nacional do

Índio (FUNAI) responsável pela aldeia Assuriní, se encontrar em período de férias, e

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devido aos protocolos legais também havia a dificuldade de emissão da permissão

ao acesso a comunidade.

2.3 Trajetória do povo Assuriní do Trocará

O termo “Asuriní” ou “Assuriní”, desde o século XX, vem sendo utilizada para

designar diferentes grupos Tupis que residem em regiões localizadas entre os rios

Xingu e Tocantins. O referido termo começou a ser empregado para denominar este

povo em particular na década de 50, pelos funcionários do Serviço de Proteção ao

índio (SPI) durante os trabalhos de pacificação, sendo que, em artigos e relatórios

que tratam dessa etnia foi encontrado a nomenclatura Asuriní como forma de

autodenominação do grupo que reside na Comunidade Trocará. Quando se

questionou à Morossopia, professora da língua Assuriní na aldeia, qual a forma

correta do termo, a mesma informou que a escrita realizada pela comunidade é com

“ss”, ou seja, “Assuriní”, por respeito a tradição e a cultura escrita deste povo,

optamos neste estudo pela nomenclatura Assuriní.

De acordo com Andrade (1985), os Assuriní do Trocará são uma etnia

classificada como integrante do tronco linguístico Tupi-Guarani. Ao longo dos anos,

essa etnia vem perdendo muito de sua cultura, entre elas a língua materna, embora

seja feito um trabalho de resgate da língua, através da escola Wararaawa Assuriní

onde as crianças são alfabetizadas na língua portuguesa e na língua Assuriní.

Embora um dos objetivos da escola seja o de resgatar a Língua Assuriní,

tive o cuidado de fazer uma observação bem singular a esse respeito, e não

consegui perceber nas crianças menores e nem nas crianças mais velhas, uma

manifestação de que se comunicam na sua língua materna. Fato é que, ao

perguntar o significado de seus nomes na língua Assuriní, nem uma das crianças

participantes desta pesquisa foi capaz de responder o significado. Foi preciso

solicitar a Morossopia, professora da Língua Assuriní, o significado do nome de cada

criança participante desta pesquisa. Pedrazzani e Leitão (2006) afirmam que:

[...] é necessário um programa de recuperação da língua materna e de algumas práticas tradicionais, por intermédio da escola e envolvendo toda a comunidade. O registro de todas as possibilidades de conhecimentos e o uso dessas narrativas como material no aprendizado da escrita (português e Asuriní) certamente irá provocar o sentimento de unidade necessário para prosseguirem como índios e não como regionais, se assim o quiserem (PEDRAZZANI & LEITÃO, 2006, p.14, grifo do autor).

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Segundo estudo realizado para avaliação de impactos ambientais e

socioculturais da Usina Hidrelétrica (UHE) Tucuruí na Terra Indígena Trocará – Povo

Assuriní e elaboração de Proposta de Ação Compensatória (2006), foi realizada uma

pesquisa sociolinguística que procurou identificar o grau de proficiência da língua

nativa de cada membro da comunidade Assuriní, revelou que de uma população de

quatrocentas e quatorze pessoas, apenas 15% falavam a língua nativa com

proficiência, sendo que destes apenas 11% a falam como primeira língua e apenas

cinco crianças com menos de sete anos têm proficiência plena na língua nativa

(CARVALHO, 2006).

Sob a perspectiva das manifestações culturais da comunidade Assuriní do Trocará podem ser descritos como empobrecidos em grande medida, o distanciamento da língua afastou-os, das demais manifestações culturais, as quais foram desaparecendo sob os olhos desesperançosos dos estudiosos e, talvez até sem consciência, dos olhos dos próprios índios (CARVALHO, 2006, p. 77).

Os Assuriní do Trocará representam uma etnia que sofreu todas as

consequências do processo de ocupação dos empreendimentos realizados na

região. Toda essa movimentação interferiu na cultura e nos rituais do povo Assuriní.

Neste sentido, Laraia (1978) diz que os Assuriní já não queriam mais praticar os

rituais, pois exigiam a perfuração de lábios. O significado mágico-religioso e ideal

estético de outrora, dava lugar a vergonha por ser considerado um costume

selvagem e como consequência, logo foi abandonado pelos mais jovens que são os

que mantêm intensos contatos com a população de Tucuruí e com quem querem

assemelhar-se.

Desde o início da década de 1960, conforme nos relata Laraia (1978), os

Assuriní já produziam farinha para comercializar em Tucuruí, esse contato contribuiu

para a mudança de costumes e de hábitos alimentares, ou seja, ao colocarem a

venda seu produto abriu igualmente as portas ao consumo de bens que não

produziam, mas que tornaram indispensáveis no seu novo modo de vida.

Pedrazzani e Leitão (2006) afirmam que outro impacto ocorrido na vida dos

Assuriní sem nenhuma dúvida, foi a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

Embora seu território não tenha sido diretamente atingido pelas obras da barragem,

os Assuriní receberam em sua vizinhança a explosão da cidade de Tucuruí. As

instalações básicas para a construção da hidrelétrica e para a manutenção de seu

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funcionamento provocaram alterações profundas na estrutura socioeconômica de

toda a região e, mesmo não tendo sido alagados, os impactos sofridos pelos

Assuriní vieram de todos os lados, traduzidos por diversos problemas, além dos

tradicionais impactos ambientais, a caça e a pesca realizada por não-índios dentro e

fora da área contribuem para a diminuição das espécies, da mesma forma que sua

reprodução e ocorrência torna-se cada vez mais difícil dada a devastação das matas

do entorno, o que, por sua vez, desequilibra os aspectos de produção e distribuição

de alimentos entre os índios.

A movimentação da pequena povoação que rapidamente se transformou em

polo de importância nacional gerou impactos irreversíveis na vida daquela

comunidade que se encontrava, infelizmente, localizados tão próximos do local. O

contato com os moradores da cidade de Tucuruí também propiciou o deslocamento

de muitos Assuriní que passaram a morar e trabalhar na cidade. O que vem a

corroborar com a fala de Gomes (2012) quando diz que embora alguns grupos

indígenas vivam uma cultura com tradições rígidas.

Em contrapartida, há povos indígenas que mudaram muito rapidamente, até em menos tempo. Aprenderam o português com rapidez e fluidez, adotaram elementos da sociedade brasileira e, embora a maioria habitando em suas terras, muitos dos líderes já vivem em cidades [...]. Muitos já se instalaram nas cidades e vivem condições de pobreza – alguns, porém, empregados –, criam seus filhos no sistema cultural dominante da sociedade brasileira, mas tentam manter sua identidade e transmiti-la com dignidade para seus filhos e descendentes (GOMES, 2012, p.12-13).

Os Assuriní que permanecem na Aldeia Trocará retiram sua subsistência da

produção de macaxeira, da caça, da pesca e da coleta de frutos da mata. Os

homens vão para a mata caçar, quando a caça é um animal grande como veado,

anta, jacaré ou porcão4, é dividida com toda a comunidade; já as menores como

tatu, cutia ou paca, fica para a família; às vezes as mulheres também vão para a

mata para caçar e pescar.

Hoje, a terra indígena Trocará constitui uma das poucas reservas de mata em

toda a região, cercada pelos pastos das fazendas de gado, consequentemente, alvo

de invasão por moradores do entorno que penetram na área para caçar e pescar,

sendo este um dos motivos da caça e da pesca já não são serem mais tão

abundantes na aldeia. Outras formas de subsistência dos Assuriní é o cultivo do

4 Porcão: nome dado pelos Assuriní ao porco do mato de grande porte.

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milho e da macaxeira e a comercialização de frutos como o açaí e a bacuri, óleo de

andiroba, copaíba, mel de abelha que retiram da mata, também produzem e vendem

artesanatos confeccionados pelas mulheres da comunidade.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas o extrativismo ainda é fonte de

subsistência dessa etnia, sendo que, algumas famílias da comunidade recebem do

governo a Bolsa Família, e alguns idosos recebem a aposentadoria rural por idade,

benefício instituído pela Lei nº 8213/1991, que garante o pagamento de um salário

mínimo aos homens com idade superior a 60 anos e mulheres com idade superior a

55 anos. As mulheres Assuriní que dão à luz recebem o salário-maternidade (Lei

8213/91), a também famílias que recebem verbas assistenciais do governo, como

Bolsa-família, vale gás e outros, todos esses benefícios contribuem para a

subsistência das famílias Assuriní.

2.4 Infâncias e crianças

Os estudos sobre a criança e sua infância, principalmente no Brasil, pode-se

dizer que são recentes, mas são fundamentais para que se reconheça e caracterize

o que seja esta fase da vida do indivíduo. Sobre a concepção de infância, como

categoria social, estudos surgiram com similaridades e diferenças.

Fato é que as crianças existiram, existem e existirão sempre, mas não

podemos esquecer que existem muitas culturas e sociedades, onde a ideia de

infância pode apresentar-se de forma diferente. Em sua obra Cohn (2005) questiona:

O que é ser criança? O que é infância? Quando ela acaba? Cohn (2005) diz que

tudo isso pode ser pensado de forma diferente em contextos socioculturais dos mais

diversos.

Afinal como já diz Margaret Mead, crianças existem em toda parte, e por isso podemos estudá-las comparando suas experiências e vivencias; mas essas experiências e vivências são diferentes para cada lugar, e por isso temos que entendê-las em seu contexto sociocultural [...] (COHN, 2005, p. 26).

Nesse sentido se constitui o campo sociológico de estudo da infância da

criança, considerando que a criança é digna de ser estudada em si mesma, suas

produções, suas relações sociais, seus brinquedos e brincadeiras.

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Ariès (1981) nos apresenta a ideia de infância como uma construção social

do mundo ocidental. Ela não existe desde sempre, e o que hoje estendemos por

infância foi sendo elaborado ao longo do tempo na Europa, seja no sentido da

composição familiar ou das noções de maternidade e paternidade, seja no cotidiano

e na vida das crianças.

A falta de uma história da infância e seu registro histórico tardio são um

início da incapacidade por parte do adulto de ver a criança em sua perspectiva

histórica. Somente nos últimos anos o campo historiográfico rompeu com as rígidas

regras de investigação tradicional, institucional e política, para abordar temas e

problemas vinculados à história social. A estrutura social as questões políticas e

econômicas dos povos colaboram para que o conceito de criança fosse mudando ao

longo dos tempos, aumentando o interesse dos estudiosos que passaram a

perceber a criança como um sujeito social. Sobre isto, Kramer (1982) mostra que:

A mudança de concepção de infância foi compreendida como sendo eco da própria mudança nas formas de organização da sociedade, das relações de trabalho, das atividades realizadas e dos tipos de inserção que nessa sociedade têm as crianças. Assim entendidas a questão, não se trata de estudar a criança como um problema em si, mas de compreendê-la segundo uma perspectiva histórica. (KRAMER,1982, p. 18).

Kramer (2000, p. 13), diz que como sendo a primeira idade da vida humana,

“a infância mais que um estágio é categoria da história: existe uma história porque o

homem tem infância”. A criança desde a sua fase mais inicial, a primeira infância,

precisa de informações, de experiências em um contexto em suas relações sociais,

da sua história, das interações, das experimentações, de suas sensações para

desenvolver a imaginação criativa, pois a criação, a imaginação não parte de um

nada.

Os conflitos e desafios, as necessidades que surgem na vida da criança,

sejam frutos da sua vivência ou pertinentes ao seu ambiente é que estimulam a

atividade criativa, e essa criação emerge como algo de novo, mas a partir do que já

existe. A criança, assim como qualquer outro sujeito, ressignifica essa nova

necessidade e se manifesta com uma nova leitura, um novo simbolismo diante

daquele conflito. Ampliando suas relações sociais, incorporando saberes novos aos

já existentes, ela dá ressignificação à sua cultura.

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Cohn (2005) alerta para o que é ser criança e a infância podem ser

pensadas de formas diferentes, dependendo do contexto sociocultural. Portanto, a

antropologia da criança não pode prescindir de uma reflexão sobre o que ser criança

e de que infância se está falando. Para falarmos em criança e preciso entender o

lugar em que elas ocupam na sociedade, por isso:

Desde cedo, os antropólogos têm insistido na necessidade de abordar as culturas e sociedades como sistemas, o que significa dizer que qualquer evento, fenômeno ou categoria simbólica e social a ser estudado, deve ser compreendido por seu valor no interior do sistema, no contexto simbólico e social que é gerado. Por isso não podemos falar de criança de um povo indígena sem entender como esse povo pensa o que é ser criança e sem entender o lugar que elas ocupam naquela sociedade (COHN, 2005, p. 26).

Neste contexto pode-se perceber que não existe um conceito de criança que

seja universal pois, a forma de organização da sociedade, com diferentes classes

sócias, delega papeis sociais diferentes às crianças. Em cada papel social que essa

criança se apresenta ela está impregnada pela cultura da sua classe social. E de

acordo com Brougère (2010).

A impregnação cultural, ou seja, o mecanismo pelo qual a criança dispõe de elementos dessa cultura, passa, entre outras coisas, pela confrontação com imagens, com representações, com formas diversas e variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a cerca ou propõem universos imaginários. Cada cultura dispõe de “banco de imagens”, consideradas como expressivas, dentro de um espaço cultural. E com essas imagens que a criança poderá se expressar, é com referência a elas que a criança poderá captar novas produções. (BROUGÈRE, 2010, p. 41).

Ao considerarmos as novas produções, indicadas por Brougère (2010),

acredita-se que sendo a criança um sujeito social, que ela será capaz de transformar

sua própria condição de sujeito, quando a criança participa ativamente da

construção da sua própria cultura e de sua história modificando-se e provocando

transformações nos demais sujeitos que com ela interagem.

A infância não é uma situação de linearidade, pois apresenta muitas

particularidades quanto ao seu desenvolvimento e dependendo da situação social,

econômica e cultural do grupo a que a qual pertence, esse desenvolvimento pode

ocorrer com maior ou menor intensidade. O caráter da formação da infância está na

linguagem, no comportamento, nas manifestações culturais e artísticas e em todas

aquelas manifestações que estão inculcadas através de suas brincadeiras.

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2.4.1 Crianças Assuriní: intérpretes da pesquisa

As crianças da etnia Assuriní, intérpretes desta pesquisa participam

ativamente da vida da comunidade. Mesmo tendo diferentes idades as crianças são

vistas sempre em grupos, seja andando pela comunidade, trabalhando, subindo nas

árvores em busca de frutas, pescando, correndo ou brincando. Kramer (2003)

defende a criança e reconhece o que é especifico da infância:

[...] seu poder de imaginação, fantasia, criação - e entende as crianças como cidadãs, pessoas que produzem cultura e são nelas produzidas, que possuem um olhar crítico, que vira pelo avesso a ordem das coisas, subvertendo essa ordem. Esse modo de ver as crianças pode ensinar não só entendê-las, mas também a ver o mundo a partir do ponto de vista da infância, pode nos ajudar a aprender com elas (KRAMER, 2003, p. 91).

Nessa concepção, esta pesquisa se propôs a olhar e ver, enquanto

observadora da criança Assuriní do Trocará essa subversão de ordem, citada por

Kramer e perceber que a criança que vive na Aldeia Trocará tem liberdade, cria

seus próprios brinquedos e brincadeiras, anda, corre, ri, se embrenha pelas matas

e rios e não é reprimida e nem repreendida, ela aprende na convivência e afazeres

diários, através dos gestos, dos olhares e das atitudes que lhes são transmitidos e

assim elas também nos ensinam.

É pelo núcleo de permanência, que a criança indígena vai descobrindo e

atribuindo valores positivos ou negativos ou ambivalentes ao que vê e observa, de

acordo com suas necessidades ou negações. Pela convivência com os adultos,

elas observam como vivem e como se manifestam diante de situações de um ritual

cotidiano, a criança vai internalizando condutas, comportamentos, modelos de ação

e reproduzindo-os nos momentos de semelhança. O que codifica a realidade para a

criança é o social, segundo sua história de vida e realidade vivenciada

Na sua liberdade de ação e criação ela compartilha, ela ajuda, ela ensina os

menores e ela também se responsabiliza por eles.

É uma liberdade enraizada na sua própria cultura, por que para seu povo é

fundamental que a criança seja livre, com o direito de estar em todos os lugares e de

ali permanecer se assim o quiser. Para Zoia (2009, p. 178), a diferença entre a

liberdade da criança indígena e da criança da cidade é que a liberdade da criança

indígena é segura, todos os espaços da aldeia são seguros. “Nas cidades elas estão

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mais propensas a perigos e à violência”. Não há imposição de atividades para a

criança indígena, a cultura da cidade impõe responsabilidades diversas, atividades

que podem impedir que a criança viva a infância em sua plenitude.

A criança na sociedade indígena Assuriní do Trocará é sinônimo de

brincadeiras, e a brincadeira se constitui em atividade própria do desenvolvimento

da criança, quer seja no aspecto biológico, pelo amadurecimento e crescimento,

quer seja pelo aspecto social e cultural onde a criança se insere, interage e constrói

sua identidade, adquire saberes pela convivência em grupo, internaliza regras,

valores, comportamentos, pois aprende a interpretar e resinificar o mundo no qual

cresce e pertence. A cultura do cuidado entre crianças é comum nos povos

indígenas, que tem como característica famílias que convivem próximas, realizam

suas atividades em parceria e desde cedo determinam responsabilidade as crianças.

Essa forma de convivência permite que crianças de diferentes idades

tenham a oportunidade de conviver de aprender, de incorporar a cultura e as regras

de convivência do seu grupo (Figura 6).

Figura 6 – O cuidar Assuriní.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Ao conviver com os mais velhos e com os seus pares, realizam trocas de

experiências que possibilitam a ação prática propiciando a aprendizagem de

habilidades e comportamentos que refletem na vida adulta. Uma aprendizagem que

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estabelece um padrão de educação pela incorporação das regras de convivência

respeito e responsabilidade. Nunes (2002) relata:

Tanto no rio como todos os outros lugares, e a qualquer momento, as crianças, meninas e meninos, são constantemente chamadas a cuidar dos seus irmãos menores, até mesmo os de colo. Nem sempre as mulheres estão junto das crianças que cuidam dos bebês, porém, pela necessidade de amamentá-los essa ausência não dura muito. [...] Nessas situações são as crianças, as que cuidam dos bebês, que ficam atentas à sua manifestação de fome e que procuram a mãe ou quem possa resolver o problema. [...] As crianças estão também por ali, cuidando dos irmãos menores, cantarolando, seguindo as conversas que as mulheres têm com quem passa, olhando tudo o que se faz, e tentando fazer também. Essa constante presença das crianças não atrapalha o trabalho dos adultos. Pelo contrário, é-lhes de muita utilidade e parece que gostam de que as crianças participem. (NUNES, 2002, p. 76).

A criança tem a oportunidade sem a educação formal – institucional,

incorporar valores, hábitos e atitudes que contribuem para o convívio comunitário no

respeito e responsabilidade de um futuro cidadão indígena adulto. As crianças têm a

permissão de andar livremente pelo espaço da comunidade, oportunizando, assim,

observá-las dentro do seu próprio espaço de convivência. A mata, a beira dos rios,

os terreiros em volta das suas casas, são espaços de convivência e de

aprendizagem e lugares de suas brincadeiras, onde manuseiam e constroem seus

brinquedos (quaisquer que sejam os tipos, origem e/ou qualidade) os quais se

constituem também em espaços lúdicos de aquisição de saberes transmitidos entre

seus pares e de saberes construídos a partir da imaginação e criação dessas

crianças.

Desde cedo as crianças Assuriní participam com sua mãe das atividades

domésticas comuns a todos, como lavar os utensílios e a roupa no igarapé, estendê-

la ao sol em cordas próximas às casas, abanar o fogo, e outras atividades do

gênero, vão à mata com os pais ou com adultos em busca de caça e de pesca, mas

igualmente vão sozinhos ao rio para pescar, sobem em árvores, apanham o fruto

maduro para comer, ou seja, as crianças participam em situações que alinham os

afazeres diários e suas brincadeiras.

Conforme dados repassados pela representante do núcleo da saúde

indígena na comunidade Assuriní do Trocará, vivem na aldeia 47 famílias, sendo

220 crianças com até 12 anos de idade. Para que fossem observadas em sua

totalidade seria necessária uma permanência na comunidade por um período de

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tempo mais longo e contínuo, no entanto, para esta pesquisa teve que ser

metodologicamente estruturada para períodos curtos de permanência, por este

motivo delimitou-se, dessa forma, um universo de dezenove (19) crianças, cujas

idades variam entre oito (08) e doze (12) anos, sendo dez (10) meninos e nove (09)

meninas, numa amostragem com idades próximas pelo motivo das crianças serem,

reservadas e só a partir dessa idade se comunicam de forma mais espontânea,

relatando, assim, suas experiências, vivências e como se relacionam com seus

brinquedos e brincadeiras preferidas. Para melhor compreensão das crianças

interpretes da pesquisa (quadro 03), destacamos o gênero, a idade o nome e

significado na língua Assuriní.

Quadro 3 – Gênero, idade, nome e significado do nome das crianças participantes.

GÊNERO E IDADE NOME SIGNIFICADO DO

NOME

Menino – 10 (anos) de idade Atawyma Assuriní Andar manquejando

Menino – 09 (anos) de idade Hoeton Assuriní Cheiro

Menina – 09 (anos) de idade Ipìrangawa Assuriní Sereia

Menina – 09 (anos) de idade Irinaia Assuriní Semente pequena

Menina – 10 (anos) de idade Iwaia Assuriní Menina

Menina – 08 (anos) de idade Kamya Assuriní Leite do seio

Menino – 10 (anos) de idade Kamuteya Assuriní Seio pequeno

Menina – 12 (anos) de idade Kanarina Assuriní Passarinho

Menina – 08 (anos) de idade Kírinaia Assuriní Cabelo enrolado

Menino – 10 (anos) de idade Kominaywa Assuriní Cipó do feijão

Menina – 09 (anos) de idade Kussameia Assuriní Moça

Menino – 11 (anos) de idade Mukinaia Assuriní Fruta preta

Menino – 10 (anos) de idade Muretenaywa Assuriní Pessoa boa

Menino – 11 (anos) de idade Raisatinga Assuriní Semente branca

Menina – 12 (anos) de idade Tanaia Assuriní Formiga preta

Menino – 09 (anos) de idade Thyeté Assuriní Machado

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Menino – 09 (anos) de idade Toitinga Assuriní Dente branco

Menina – 11 (anos) de idade Turiangawa Assuriní Sou branca

Menino – 11 (anos) de idade Tywinaiwa Assuriní Ombro

Fonte: Dados coletados na pesquisa.

2.5 Instrumentos de Coleta e Análise de Dados

As técnicas de pesquisa são estratégias utilizadas nas relações entre o

pesquisador e o objeto de pesquisa. A primeira técnica utilizada para ter acesso ao

objeto pesquisado foi a da observação, entendida como processo concreto e

concentrado nos aspectos sociais constituindo-se, nesta pesquisa, elemento básico

para o registro dos acontecimentos. Utilizou-se também o registro através de

imagens fotográficas apenas para fins de ilustração da pesquisa.

Optei por usar o termo ciranda de conversa para substituir o termo roda de

conversa, que para Afonso e Abade (2008) significa:

Roda de Conversa é uma forma de se trabalhar incentivando a participação e a reflexão. Para tal, buscamos construir condições para um diálogo entre os participantes através de uma postura de escuta e circulação da palavra bem como com o uso de técnicas de dinamização de grupo. (AFONSO E ABADE, 2008, p. 19).

Essa técnica se constitui em um instrumento a mais de possibilidade de

aproximação entre o pesquisador e o participante, no caso, as crianças da etnia

Assuriní do Trocará que sempre estão a nossa volta, formando um círculo, uma

ciranda. Por este motivo se deu a escolha da nomenclatura “ciranda”, cujo

significado, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, é “dar voltas, rodar, andar,

cantar cantigas”. Ciranda de conversa é uma ação interativa, lúdica, colocando as

crianças em condições de igualdade.

A ciranda de conversa deu suporte para identificar os saberes das crianças

Assuriní ao dialogarem sobre seus brinquedos e brincadeiras. Essa metodologia é

um meio de pesquisa no qual as interações são privilegiadas e têm o potencial de

acrescentar profundidade e dimensão ao conhecimento.

Gaskell (2010) sintetiza as características centrais da entrevista de grupo:

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1 - uma sinergia emerge da interação social. Em outras palavras o grupo é mais do que a soma das suas partes. 2 - é possível observar o processo do grupo a dinâmica da atitude e da mudança de opinião e a liderança de opinião. 3 - em um grupo pode existir um nível de envolvimento emocional que raramente é vista em uma entrevista a dois (GASKELL, 2010, p. 73).

Essa técnica facilitou as falas das crianças intérpretes desta pesquisa. Sendo

a timidez uma característica das crianças Assuriní, ao serem perguntadas durante

as cirandas de conversa, por estarem em grupo, permitiu que mesmo

envergonhadas se posicionassem com falas da realidade, de forma criteriosa e

respeitosa, pois se sentiam importantes neste processo. Essa confiabilidade

estabelecida reforçou a conduta do grupo com a expressão da verdade. Isto

favoreceu a reflexão sobre todos os fatos ali colocados, que permitiu um registro

mais seguro dos acontecimentos.

Desde a proposta de pesquisa, até sua realização, não só na análise dos

dados, mas em todo o processo que se estabeleceu em decorrência das opções

metodológicas, é necessário enfatizar que se procurou como alerta Cohn (2005, p.

45, grifo do autor), “tratar as crianças em condições de igualdade e ouvir delas o que

fazem e o que pensam sobre o que fazem sobre o mundo que as rodeia e sobre ser

criança, e evitando que imagens ‘adultocêntricas’ enviesem suas observações e

reflexões”. Para isso foi necessário que se disponibilizasse para a criança não

apenas os elementos físicos e materiais dos instrumentos, mas nós mostrássemos

como pessoa igual, trabalhando em parceria. Conforme afirma Campos (2008).

O pesquisador também precisa levar em conta a desigual relação de poder entre adultos e crianças, combinada com as também desiguais relações étnicas e de gênero, que muitas vezes levam as crianças a fornecerem as respostas que julgam serem as esperadas e não aquelas que refletem honestamente seu ponto de vista. Uma das formas de tentar superar essa distância [...] é colocar-se como parceiro falando sobre si próprio, procurando mostrar-se como pessoa. (CAMPOS, 2008, p. 38).

O contato direto do pesquisador com o objeto pesquisado é uma

característica importante, pois é nesse devir que surge uma quantidade significativa

de dados a serem descritos. São fatos, ações, falas, outras formas de linguagem,

novas expressões, uma vez que, o trânsito livre entre observação e análise e entre

um referencial teórico e uma análise empírica, também é fato fundamental para

quem pesquisa, permitindo a análise do fato empírico à luz da teoria.

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Quanto à observação, está se distingue em três fases, a saber: 1) descritiva,

porque registra a orientação para o campo, descreve o específico e o não

específico, o que é mais complexo e o que é necessário; 2) focalizada, a qual deve

buscar o essencial, é “o foco”, o que é importante para aquele caso; e por último, 3)

seletiva, que se concentra no final do processo procurando mais informações,

indícios ou práticas que foram evidenciadas na etapa da busca do foco (FLICK,

2009).

A metodologia escolhida, por proporcionar a aproximação do pesquisador

com o sujeito da pesquisa, facilita o aprofundamento do tema em foco, com

flexibilidade e o uso de outras técnicas, ou seja, da triangulação para assegurar a

fidedignidade das informações. A confiança estabelecida reforçou a conduta do

grupo durante a ciranda de conversa e permitiu um registro mais seguro dos

acontecimentos.

Outro instrumento importante é o uso de fotografias no trabalho científico

como um aporte de informações em que os dados visuais são indicadores de

análise. Neste trabalho, entretanto, as fotografias foram utilizadas apenas como

ilustração. A fotografia é muito útil quando se quer demostrar o objeto estudado, e

tem sido uma prática usada em larga escala como forma de apoio às diversas

esferas de pesquisa. Para Belz (2011).

Em termos gerais, a fotografia científica trata sobre o registro fotográfico de temas que são muito pequenos, muito distantes, muito rápidos ou muito difíceis de ver a olho nu, registro de aspectos físicos e ecológicos de ambientes naturais e seres vivos e para registros antropológicos. (BELZ, 2011, s/p).

Loizos (2010, p. 137) infere que “estes registros não estão isentos de

problemas, ou acima de manipulação, e eles não são nada mais que

representações, ou traços, de um complexo maior de ações passadas”. Entretanto, o

mesmo autor (Ibidem) considera que a imagem oferece “um registro restrito, mas

poderoso das ações temporais e dos acontecimentos reais, concretos, materiais”.

Para enriquecer as análises dos diversos elementos coletados tanto pela

observação, pelas falas e outros ilustrativos, optou-se por empregar no estudo a

técnica da análise de conteúdo, uma vez que essa técnica dá uma atenção especial

às diferentes fases, representações e significados registrados e anotados durante o

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processo de coleta. Somente através da análise desse conteúdo foi possível

identificar as várias mensagens, muitas vezes sublimadas nos registros.

A análise de conteúdo, segundo Bardin (1977, p. 30), “é um conjunto de

técnicas de análise das comunicações”. Nesse tipo de estudo, as técnicas mais

adequadas são aquelas que, de algum modo, relacionam frontalmente pesquisador

e pesquisado. Isto porque a necessidade do falar e ouvir, observar, perceber e

analisar o fato, é o cerne da técnica. O pesquisador deve se munir de instrumentos

de apontamentos para que os acontecimentos possam ser registrados em tempo

real com o maior número de detalhes possível. De certo, uma dinâmica importante

no processo de coleta em que se pôde obter informações significativas relativas à

pesquisa.

Para a análise dos dados foi utilizada a categorização. De acordo com

Bardin (1977, p. 147) “a categorização é uma operação de classificação de

elementos. Um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento

segundo o gênero, ou seja, uma analogia, com os critérios previamente defendidos”.

Para Franco (2007, p. 59), “a criação de categorias é o ponto crucial da análise do

conteúdo” e ressalta que é perfeitamente possível e necessária a criação de

categorias, enquanto procedimento de pesquisa, no âmbito de uma abordagem

metodológica crítica e epistemologicamente apoiada numa concepção de ciência

que reconhece o papel ativo do sujeito na produção do conhecimento.

Franco (2007) informa ainda que na análise de conteúdo, de acordo com a

concepção de ciência, o sujeito é um componente ativo na realidade do seu contexto

e suas mensagens expressam representações sociais, a partir de elaborações

mentais construídas socialmente. Isto se dá na dinâmica que estabelece entre a

atividade psíquica do sujeito pesquisado e o objeto do conhecimento. Portanto, a

relevância desta pesquisa se constituiu na possibilidade de revelar os saberes da

comunidade indígena Assuriní do Trocará, especialmente os saberes das crianças,

revelando seus valores, suas culturas em relação a seus brinquedos e brincadeiras.

Considerando que um trabalho desta natureza requer um protocolo

metodológico junto às instituições nacionais reguladoras dos serviços

correspondentes, foi considerado junto a representação indígena dos Assuriní do

Trocará providências para que de forma legal se pudesse estabelecer os tramites

para o trabalho. Neste sentido esta pesquisa foi autorizada pelo representante da

Fundação Nacional do Índio (FUNAI) conforme Portaria 141-10 – PRES. Sr. Bruno

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Henrique Rocha; pelo Sr. Purakê Assuriní, Cacique da Aldeia Assuriní do Trocará;

pelos responsáveis das crianças e pelas crianças participantes desta pesquisa

(Figura 7). As autorizações se encontram nos Apêndices deste estudo.

O respaldo dessa pesquisa também se dá pela Lei nº 8.069, 13 de julho de

1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que dispõe sobre a proteção

integral à criança e ao adolescente, diz em suas disposições preliminares:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Figura 7 – Crianças assinando o termo de consentimento.

Fonte: Arquivo pessoal (2015),

Considerando o Capítulo I do Eca está pesquisa se adequa perfeitamente as

exigências nele estabelecidas uma vez que o universo pesquisado foram crianças

de 08 a 12 anos de idade. No Capítulo II do Estatuto da Criança e do Adolescente

que trata Do Direito à Liberdade, ao Respeito e a Dignidade, no seu:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

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Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Assim, este trabalho procurou atender aos aspectos éticos da pesquisa com

crianças. Teve a preocupação de esclarecer de forma respeitosa e transparente aos

responsáveis é às próprias crianças o motivo da permanência na aldeia, o objetivo

deste estudo e como seria as suas participações, deixando-as livres para escolher

se desejavam participar ou não. Desta forma, as crianças interpretes quiseram e

consentiram estar neste estudo, tendo o respeito as suas opiniões e expressões

asseguradas.

As execuções das técnicas de coleta de dados se deram da forma mais

natural possível, respeitando o tempo e espaço das crianças e a suas

disponibilidades em querer estarem próximas durante as cirandas de conversa. O

maior desafio durante a pesquisa se deu pela característica das crianças indígenas,

por serem reservadas e tímidas no momento de suas falas, porém, durante todo o

processo de coleta de dados que se realizou, por muitas idas e vindas à comunidade

Trocará, as crianças sempre estiveram próximas, sendo as primeiras em nos

receber. As crianças se sentiam orgulhosas e importantes em darem seus nomes,

em assinar o termo de consentimento, mesmo de forma contida demostravam

alegria em contar as suas histórias de como brincam, do que brincam e como

constroem seus brinquedos.

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3 ASPECTOS CULTURAIS DA ETNIA ASSURINÍ DO TROCARÁ

A vida do índio é de certo modo uma ininterrupta cerimônia ritual.

São um povo para o qual o idoso é o dono da história,

o homem adulto é o dono da aldeia, a mulher, a dona da prática das tradições no

dia a dia e da casa, e a criança...

...a criança a dona do mundo. Uma criança de uma aldeia indígena goza da

mais plena liberdade que já pude testemunhar.

(Orlando Villas Boas)

O Brasil é um país com uma grande diversidade cultural, e apresenta

configuração própria, seja pela continentalidade, diversidade étnica, seja pela

diversidade geográfica, de paisagem, de clima, ou pela heterogeneidade

populacional, pois não existem grupos humanos sem cultura e não existe um só

indivíduo que não seja portador de cultura.

Originariamente a palavra cultura deriva do latim, deriva do termo colere

(cultivar ou instruir) e do substantivo cultus (cultivo, instrução). Etimologicamente

surge como o cultivo de algo, como grãos e animais. Sendo a palavra cultura ainda

utilizada para designar o desenvolvimento da pessoa humana por meio da educação

e da instrução. Brandão (2002) afirma que:

Cultura, uma palavra universal, mas um conceito científico nem sempre aceito por todos os que tentam decifrar o que os seus processos e conteúdos querem significar, e que misteriosamente existe tanto fora de nós, em qualquer dia do nosso cotidiano, quanto dentro de nós, seres obrigados a aprender, desde crianças pela vida afora, a compreender suas várias gramáticas a “falar” suas várias linguagens (BRANDÃO, 2002, p. 16-17, grifo do autor).

Conceituar a palavra cultura não é uma tarefa fácil do ponto de vista da

etimologia, entretanto ela pode ser interpretada como um conjunto de modos de ser,

de viver, pensar, falar, sentir e de agir de uma dada sociedade, e que consegue se

perpetuar no tempo ou que se modifica, muitas vezes por processos não

identificados, que alteram de uma forma ou outra, alguns elementos, mas que não

chegam a descaracterizar os modos e concepções existentes. É nisso que se

constitui o conjunto de conceito de culturas, os quais existem, independentemente

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das pessoas e dos comportamentos. Tudo se constitui na conjugação e na interação

de tudo o que existe e acontece a sua volta num complexo sistema de significados.

Ao procurar compreender a cultura é inevitável a relação teórica entre vários

autores, diante disso, organizo este arcabouço teórico acerca da cultura

considerando o que pode ser fortalecido com Brandão (2002) que discute a cultura

nas suas relações sociais. O aprofundamento da discussão sobre cultura está

pautado nos estudos teóricos desenvolvidos a partir de Geertz (1989) e Thompson

(1995) para que assim se possa esclarecer de que forma a cultura perpassa pelo

objeto desta pesquisa.

Geertz (1989) e Thompson (1995) tratam a cultura como um conjunto de

elementos que a constituem e a definem, sendo que, Geertz (1989) discute a cultura

na concepção simbólica (interpretativa) e Thompson na concepção estrutural da

cultura, e neste sentido faz críticas à forma como Geertz (1989) absorve tal

simbolismo em seus estudos. Aponta-os como insuficientes nas relações sociais

estruturadas, nas quais os símbolos estão sempre inseridos. Porem reconhece as

contribuições presentes na abordagem de Geertz (1989), e retoma-o para

aprofundar ou tentar suprir as fragilidades apontadas.

3.1 O conceito de Cultura

Jean-Jacques Rousseau, pensador e filósofo que viveu entre 1712-1778

escreveu vários livros sobre as relações sociais. Conforme Brandão (2015) este

estudioso influenciou cientistas sociais e influencia até hoje alguns antropólogos.

Esta influência chegou a Geertz (1989, p. 225) quando este autor em seus estudos,

enfatiza que “acreditando que os seres humanos, ao saltarem da natureza para o

mundo da cultura, criaram eles próprios teias e tramas de símbolos e significados”.

O conceito de cultura construído por Geertz é essencialmente semiótico. Para ele,

[...] o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas uma ciência interpretativa, à procura de significados. (GEERTZ, 1989, p. 15).

Esta concepção se concretiza, a partir de significados elaborados e

compartilhados em relações especificas ou não, as ações do acontecer da cultura e

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das teias tecidas pelos sujeitos. Essa abordagem da cultura enquanto uma teia de

significados me remete a perceber um universo diverso e complexo de atividades

desenvolvidas pelos Assuriní nas suas vivências cotidianas. E essas vivências

cotidianas acontecem em espaços diversos como os pátios das casas, na mata, nos

rios, nas festas, nas brincadeiras, nas reuniões, enfim, em todos espaços da aldeia

onde toda a comunidade se encontra e vivencia suas experiências, e que ao mesmo

tempo estão e são enredados por uma teia de significados tecida por todos, e que

chamamos de cultura.

No universo simbólico dos Assuriní os padrões culturais mesmo que

aparentemente sejam entendidos como um amontoado de símbolos e significados

conforme afirma Geertz (1989), são ordenados e nesta ordenação é que a cultura

encontra seus pilares e dá sentido de vida à comunidade. As crianças quando

pintam seus corpos, estão externando e empregando de forma absoluta, estratégias

para a construção continua dos sistemas de significados e elas nem sempre

percebem a profundidade e os significados presentes na pintura corporal. As

palavras de Geertz (1989) corroboram com esta afirmação pois,

[...] é por intermédio dos padrões culturais, amontoados ordenados de

símbolos significativos, que o homem encontra sentido nos acontecimentos

através dos quais ele vive. O estudo da cultura, a totalidade acumulada de

tais padrões, é, portanto, o estudo da maquinaria que os indivíduos ou

grupos de indivíduos empregam para orientar a si mesmos num mundo que

de outra forma seria obscuro. (GEERTZ,1989, p. 228).

Quando os índios Assuriní do Trocará pintam seus corpos seja com

grafismos, seja com desenhos assimétricos ou cobrindo a totalidade do seu corpo

com a tinta do urucum5 e do jenipapo6, eles procuram tornar a sua cultura

compreensível para eles, comunicável entre eles e para a sociedade não indígena.

Entretanto, é inexplicável a relação que existe entre o pintar-se ou pintar o outro com

tintas e cores para aquele determinado momento. Isto nada mais é do que a

manifestação ancestral de saberes culturais, em um constante processo de

5 Urucum: é o fruto do urucuzeiro ou urucueiro de onde se extrai a tinta vermelha e que também serve

como tempero no cozimento dos alimentos. 6Jenipapo: fruto do jenipapeiro, com polpa aromática e comestível, de que se fazem compotas, doces,

xaropes, licores etc., e de onde se extrai a tinta preta utilizada pelos indigenas na pintura corporal.

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reinvenção e ressignificação onde as ideias se movimentam na criação e recriação

da cultura.

As crianças Assuriní reproduzem sua cultura de maneira lúdica no momento

em que estão realizando os traços em seu próprio corpo ou no corpo de outras

crianças. Em dia de festejos na aldeia, algumas formas de desenhos que são

traçados nos corpos dos Assuriní, traduzem a alegria do momento. Em outras

ocasiões eles também cobrem seus corpos com desenhos, que representam

simbolicamente animais que vivem na mata e que são caçados e utilizados na

alimentação da comunidade.

As relações socioculturais entre os Assuriní acontecem nos diversos

espaços da aldeia, onde circulam uma densa e complexa rede de saberes que se

entrelaçam e se estabelecem no cotidiano dos diversos grupos, seja o grupo de

homens, mulheres, jovens, crianças, grupos de pescadores e caçadores que, como

relata Geertz (1989).

É rematadamente social: social em sua origem, em suas funções, social em suas formas, social em suas aplicações. Fundamentalmente, é uma atividade pública – seu habitat natural é o pátio da casa, o local do mercado e a praça da cidade. Ás implicações desse fato para a análise antropológica da cultura [...] são enormes, sutis e insuficientemente apreciadas. (GEERTZ 1989, p. 225).

Vivenciei um desses momentos quando realizava minhas andanças pela

aldeia, percebi de longe crianças que brincavam. Alguns meninos davam

cambalhotas e plantavam bananeira, e uma menina que se encontrava sentada em

um banco em frente a uma residência fazia pintura corporal em uma criança menor

(fig.08). Ao me aproximar, percebi que a menina segurava em suas mãos um

pequeno cestinho que continha uma tinta vermelha - urucum e com um pedaço de

madeira bem fininho, fazia desenhos de forma bem traçada, precisa, fina e delicada.

Foi então que perguntei a menina: qual era seu nome e o que estava

fazendo, e ela respondeu que se chamava Iwaia, e que brincava de pintar os seus

irmãos menores. Curiosa para entender o significado daquele momento, indaguei o

porquê daquela pintura, e Iwaia Assuriní falou: “porque gosto, fica bonito, faz parte

da minha cultura”. Há necessidade aqui de se esclarecer que fiquei surpresa com a

sua resposta, principalmente ao perceber a sua compreensão em relação ao

significado da pintura para o seu povo.

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Figura 8 – A cultura expressa nos traços de Iwaia.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Aproveitei aquele momento de aproximação e perguntei como ela sabia que

a pintura faz parte da sua cultura, e a menina respondeu: “eu sei, e a professora

Morossopia também fala”. As palavras de Iwaia refletem um profundo conhecimento

da cultura do povo Assuriní demonstrando que:

Ali, onde os fios da vida transformados em memórias, em palavras, em gestos de sentimentos recobertos do desejo da mensagem, recriam a cada instante o mundo que entre nós inventamos desde que somos seres humanos, e com este estranho nome: cultura (BRANDÃO, 2002, p. 16, grifo do autor).

O diálogo travado com Iwaia mostra que a cultura do povo Assuriní se dá por

meio dos ensinamentos que são repassados no cotidiano da aldeia na simbiose de

conhecimentos que se amalgamam e entrelaçam através do olhar, do falar e do

fazer. Geertz (1989) ao falar sobre cultura procura descobrir os elementos que

sustentam sua construção social, uma vez que a cultura é coletiva e seus

significados também, entendendo que cultura não é algo isolado ou privado de um

grupo ou povo.

A interpretação antropológica do autor reconhece a cultura a partir da

perspectiva semiótica – de símbolos e significados vividos pela sociedade, ou seja,

“um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das

quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas

atividades em relação à vida” (GEERTZ, 1989, p. 66). Ao me reportar à criança

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indígena quanto aos seus brinquedos e brincadeiras, procuro compreender seus

significados, suas relações com o meio em que vivem, com sua diversidade cultural.

A brincadeira, entendida em seu aspecto livre, possui uma função simbólica e

funcional, e as crianças, quando brincam, utilizam os signos produzidos pela cultura

as quais pertencem. Aprofundando esta afirmação Geertz (1989) nos diz que a

cultura tem impacto no conceito de homem quando:

Vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informação extrassomáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsicamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam um por um. Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção as nossas vidas (GEERTZ, 1989, p. 64).

As práticas lúdicas das crianças Assuriní demonstram a existência de padrões

culturais que reafirmam sua ancestralidade, e remetem a construção de indivíduos

integrados as vivências e sociabilidades próprias da vida adulta. Os Assuriní quando

brincam, quando constroem seus artefatos para a sobrevivência, estão sob a direção

de instruções decodificadas, ou seja, está na condição do índio Assuriní, pois este

indivíduo ao nascer já encontra estes símbolos no complexo sistema de uso de sua

cultura, e ao morrer deixa-o para seus descendentes. É o que Geertz (2013) chama

de descrição inteligível num contexto complexo, e acrescenta:

Como sistemas entrelaçados de signos interpretados (o que eu chamo de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições, ou os processos, ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, isto é, descritos com densidade (GEERTZ, 2013, p. 10).

O mundo que transformamos da natureza em nós e para nós, é o que

denominamos de cultura e por isso os homens transformam os seus mundos e a si

mesmos. Geertz (1989) representa está transformação do homem natural para a

cultura da seguinte forma:

Somando tudo isso, nós somos animais incompletos/ e inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura [...] Os castores constroem diques, os pássaros constroem ninhos, as abelhas localizam seu alimento, os babuínos organizam grupos sociais e os ratos acasalam-se à base de formas de aprendizado que repousam predominantemente em instruções

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codificadas em seus genes e evocadas por padrões apropriados de estímulos externos – chaves físicas inseridas nas fechaduras orgânicas. Mas os homens constroem diques e refúgios, localizam o alimento, organizam seus grupos sociais ou descobrem seus companheiros sexuais sob a direção de instruções codificadas em diagramas e plantas, na tradição da caça, nos sistemas morais e nos julgamentos estéticos: estruturas conceptuais que moldam talentos amorfos (GEERTZ,1989, p. 61-62).

É no processo dialético que existe o reconhecimento das culturas. Nas

relações humanas, nas relações com a natureza, se constitui a construção cultural

dos Assuriní, passando pela elaboração e compreensão de símbolos e significados

que demandam dos seus diversos saberes. Em um momento de descontração

quando as mulheres Assuriní se sentam nas tardes, sob as arvores ou a porta de

suas casas para conversarem, aproveitam para limpar e separar as sementes,

dentes de animais, penas de pássaros e assim construir os adornos e artesanatos

de argila.

Esse também é um momento onde repassam sua cultura às crianças que

estão a sua volta, manipulando e brincando com os diversos elementos que são

utilizados na preparação destes objetos. É um processo de transmissão dos saberes

espontaneamente, as crianças se apropriam do conhecimento, inicialmente de forma

lúdica, pois nesta fase da vida, nada é sério, mas tudo é de verdade. Assim nesta

apropriação de saberes, aprendem a construir colares, pulseiras, cocares e demais

adornos característicos do povo Assuriní e construir também a transmissão da

cultura do seu povo.

Figura 9 – Crianças com adornos Assuriní.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

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Se estabelecem aí relações entre as crianças que vão criando e recriando a

natureza no seu dia a dia, onde a cultura e a educação estão presentes. Há de se

concluir, corroborando com o pensamento de Geertz (1989), quando esclarece que

é a relação do homem com a natureza e os acontecimentos que ele, homem produz,

que se dá a cultura, e isto só pode se concretizar com o entender de que a cultura

jamais aconteceria se não houvesse o homem e, semelhantemente e

significativamente o homem não existiria sem a cultura.

A cultura é um acontecimento eminentemente humano pois, o homem

aprende através dos símbolos, mas também aprende pelos gestos impregnados de

sentidos e por palavras que são a representação das ideias. Somos diferentes

porque vivemos aquilo que nos é dado viver e nós, precisamos todos os dias criar e

recriar, transformar nosso ambiente natural e nos transformar para nos adaptar a

essa natureza. Brandão (2002), retoma esse pensamento ao dizer que:

Pois sendo, como todos os outros seres vivos sujeitos da natureza, acabamos nos tornando uma forma da natureza que se transforma ao aprender a viver. Sem cessar e sem exceção, entre todas as comunidades humanas do passado e de agora, transformamos seres do mundo de natureza: e unidades de uma espécie: indivíduos, em sujeitos do mundo da cultura: pessoas (BRANDÃO, 2002, p. 21, grifo do autor).

A cultura é importante quando serve de ponte entre o que são realmente os

homens, e o que eles se tornam diante do conjunto de mecanismos de controle de

comportamento. Brandão (2015) afirma que tornar-se humano é torna-se indivíduo,

isto ocorre quando o homem se apropria dos padrões culturais e outros significados

que damos forma, objetivo e direção as nossas vidas. A cultura modelou o homem

como espécie única, e através dos tempos vai remodelando este homem sem que

este perca a sua individualidade.

Thompson (1995) distingue o conceito de cultura entre dois usos básicos,

concepção descritiva e a concepção simbólica. A concepção descritiva apresenta

esta definição clássica:

Cultura ou Civilização, tomada em seu sentido etnográfico amplo, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e todas as demais capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. A condição de cultura, entre as diversas sociedades da espécie humana, na medida em que é possível de ser investigada nos princípios gerais é um tema apropriado para o estudo do pensamento e da ação humanos (THOMPSON, 1995, p. 171).

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Esse conceito descritivo de cultura concebe uma inter-relação de costumes,

de crenças, de hábitos, que intrinsicamente estão relacionados aos indivíduos

pertencentes a uma sociedade. Quanto a concepção simbólica Thompson (1995) diz

que pode ser entendida como:

Cultura é o padrão de significados, incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças. (THOMPSON,1995, p. 176).

Thompson (1985, p. 165) também esclarece que os estudos dos fenômenos

culturais “é uma preocupação de importância central para as ciências sociais” pois

deve ser pensado como o estudo do mundo sócio histórico constituído como um

campo de significado, pois a vida social é muito mais que uma questão de:

objetos e fatos que ocorrem como fenômenos de um mundo natural: ela é, também, uma questão de ações e expressões significativas de manifestações verbais, símbolos, textos e artefatos de vários tipos, e de sujeitos que se expressam através desses artefatos e que procuram entender a si mesmos e aos outros pela interpretação das expressões que produzem e recebem. (THOMPSON, 1995, p.165).

Em relação a esta concepção, ressalto aqui um fato ocorrido durante a

pesquisa de campo, relacionado à criança Assuriní. Ao passar pela casa de

Atawyma menino com idade entre 08 a 09 anos e perguntei a sua mãe, que se

encontrava na porta de sua casa, onde estava Atawyma, ela respondeu de forma

simples, que estava cozinhando um feijão e ele quis comer peixe e foi até o rio

pescar, mas logo voltaria. Na frente da casa se encontravam vários indígenas, os

homens limpavam uma espingarda, algumas senhoras conversavam e uma jovem

dava de mamar ao seu filho. No meio do terreiro havia um fogo armado e sobre ele

uma lata, onde o feijão estava sendo cozido. Como já conhecia o caminho para o rio

que a mãe de Atawyma falava, me dirigi com um grupo de crianças que sempre

estavam próximas, até a margem do rio que fica a pelo menos 700 metros da casa

de Atawyma.

Lá chegando, o encontrei sozinho (Figura 10), com seus apetrechos para

realizar a pescaria. Havia catado minhoca e estava preparando o anzol para iniciar o

seu ritual de pesca que aprendeu com os mais velhos. Fui me aproximando não só

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para fazer o registro, mas também vivenciar com Atawyma aquele momento

simbólico de entrega àquela ação que representava ao mesmo tempo, um momento

de ludicidade, de responsabilidade, de sobrevivência e de apropriação da cultura do

seu povo e da natureza.

Figura 10 – A pesca faz parte do cotidiano da criança Assuriní.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Os Assuriní mantêm sua expressão cultural através da transmissão dos seus

saberes, sendo alguns desses, conhecimento da natureza, da religiosidade, das

suas formas de organização social e de produção, assim como a perpetuação da

língua mãe. Thompson (1995) enfatiza que:

Ao receber e interpretar formas simbólicas, os indivíduos estão envolvidos em um processo continuo de constituição e reconstituição do significado, e este processo é, tipicamente, parte do que podemos chamar de reprodução simbólica dos contextos sociais. O significado que é carregado pelas formas simbólicas e reconstituído no curso de sua recepção. Isto é, o significado das formas simbólicas, da forma de como é recebido e entendido pelos receptores, pode servir de várias maneiras, para manter relações sociais estruturadas características dos contextos dentro dos quais essas formas

são produzidas e/ou recebidas. (THOMPSON,1995, p. 202).

As relações que ocorrem entre sujeitos, produzidos por indivíduos situados

em contextos sociais específicos, carregam traços de sua condição social. São as

concepções herdadas que fazem com que adultos e crianças se comuniquem e se

relacionem com a vida, sem teorias sistemáticas, aconselhamentos e escolarização

pragmática. A criança olha, enxerga, sente, assimila e reproduz e assim vai

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perpetuando sua cultura, e construindo sua individualidade sobre a direção dos

padrões culturais do seu povo.

As crianças são introduzidas em um mundo que já existe antes delas

nascerem e que continuará na sua vida adulta, e permanecerá mesmo após sua

morte. Esses pequenos precisam se apropriar desse espaço comum, que logo

estará sobre sua responsabilidade, construído no constante inter-relacionamento de

histórias singulares e histórias coletivas.

Percebe-se nesse contexto a concepção estrutural da cultura de Thompson, a

qual dá ênfase tanto ao caráter simbólico dos fenômenos culturais como ao fato de

estarem sempre em contextos sócio estruturados.

O estudo das formas simbólicas – isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários tipos – em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais e por meio dos quais essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas. (THOMPSON, 1995, p.181).

Nos rituais e festas realizadas na aldeia os índios mais velhos que pouco se

comunicam na língua portuguesa, fazem questão de fazer os discursos de abertura

com cânticos na língua Assuriní, sendo este, um momento de compartilhamento e

celebração que contribui na formação dos seus indivíduos, através da transmissão

dos seus saberes, da sua tradição e apreensão da cultura.

Em Brandão (2002) o mundo relacional do dia a dia é ao mesmo tempo, o

cenário das experiências interpessoais e só pode existir através dos gestos de

intercomunicação entre pessoas. Brandão (2002) considera que:

Somos seres humanos o que aprendemos na e da cultura de quem somos e de que participamos. Algo que cerca e enreda e vai da língua que falamos ao amor que praticamos, e da comida que comemos à filosofia de vida com que atribuímos sentidos ao mundo, à fala, ao amor, à comida, ao saber, à educação e a nós próprios. (BRANDÃO, 2002, p. 141).

O homem no seu processo evolutivo, desenvolve formas para que a cultura

se manifeste e se desenvolva. É a partir do momento que surge a comunicação oral,

ou seja, a linguagem e o invento de ferramentas, sejam utensílios, sejam ideias,

sejam expressões do corpo, como a dança por exemplo, o homem se

instrumentaliza e torna-se sujeito capaz de produzir cultura, e é dotado de poder

criativo e simbólico, tudo o que ele cria possui um significado próprio. Dentro deste

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processo de criação da cultura, através do seu labor, o homem se transforma, e dá

significado às coisas.

É percebendo essa realidade e vivendo suas experiências do dia a dia que a

criança vai alterando sua relação com o mundo ao seu redor. Cohn (2005) nos

esclarece que a transmissão da cultura para o universo infantil deixa de ser apenas

como e quando, e passa a ser compreendida através de elementos consubstanciais

como objetos, relatos e crenças. É preciso perceber a criança como quem formula

conceitos sobre o que a rodeia e sobre o que lhe dá o sentido de mundo. Cohn

(2005) nos alerta ao dizer:

Portanto, a diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe menos, sabe outra coisa. Isso não quer dizer que a antropologia da criança recente se confunda com análises do desenvolvimento cognitivo; ao contrário, dialoga com elas. A questão, para a antropologia, não é saber em que condição cognitiva a criança elabora sentidos e significados, e sim a partir de que sistema simbólico o faz. (COHN, 2005, p. 33-34).

Nesse sentido, pode-se dizer que as crianças Assuriní tanto são produtos como

também são produtoras de cultura, porque elaboram sentido para o mundo,

compartilhando suas experiências elas ressignificam a cultura a qual pertencem. A

criança vivencia com espontaneidade e liberdade as tradições da comunidade,

tornando-se únicas em suas ações. Desde cedo elas vão aprendendo os costumes e

os valores do seu povo, o que lhes permite compreender e inserir-se no modo de

vida da sociedade Assuriní. Para dar ênfase a esse pensamento busquei apoio em

Brandão (2002).

Esparramadas pelos cantos do cotidiano, todas as situações entre pessoas e entre pessoas e a natureza –situações sempre mediadas pelas regras, símbolos e valores da cultura do grupo – têm, em menor ou maior escala a sua dimensão pedagógica. Ali, todos os que convivem aprendem, aprendem da sabedoria do grupo social e da força da norma dos costumes da tribo, o saber que torna todos e cada um, pessoalmente aptos, socialmente reconhecidos e legitimados para a convivência social, o trabalho, as artes da guerra e os ofícios do amor. (BRANDÃO, 2002, p. 20).

É no dia a dia, é nas relações do homem com a natureza e do homem com o

homem que a cultura vem sendo construída e vivenciada pelos povos e civilizações.

Nessa relação, os homens vão convivendo e aprendendo, se alimentam da

sabedoria do grupo social do qual pertencem. Um alimento do qual o benefício está

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em poder incorporar no seu cotidiano o saber que é de todos e de cada um ao

mesmo tempo, entretanto o saber é mediado pelos simbolismos, pelos valores e

regras que são regulados pelo grupo social, e que permitem inserir-se na vida da

comunidade. Participar e aprender é uma dimensão pedagógica que não se pode

excluir do processo de assimilação e transmissão da cultura. Seja nas sociedades

indígenas ou nas modernas sociedades tecnológicas essa dimensão pedagógica e

que dá a tessitura necessária para que exista cultura.

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4 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS DAS CRIANÇAS ASSURINÍ DO TROCARÁ

“Para fazer um brinquedo é preciso usar a imaginação. A imaginação é um poder mágico que existe na nossa cabeça. Magia é transformar uma

coisa em outra pelo poder do pensamento.”

(Rubens Alves)

Ao se falar da criança nas sociedades urbanas, percebe-se um olhar

empírico sobre o ser criança. Geralmente, o adulto idealiza a criança como um ser

pequeno, um ser sorridente, um ser travesso, que virá a ser alguém quando crescer.

E, não raras vezes, rotulando-a de desobediente, que está à mercê de

ensinamentos dos adultos. Diferentemente da visão indígena, que percebe a fase

que corresponde à infância como um período de liberdade. Nunes (2002, p.65)

afirma que nas sociedades indígenas brasileiras, “[...] a liberdade experimentada no

período da infância permite as crianças uma melhor compreensão e partilha do

social”. As vivências que acontecem nas relações societárias que antecedem a

idade adulta quando então se estabelecem os limites necessários.

4.1 Ser criança indígena: seus saberes e significados

Ao chegar na aldeia Trocará as crianças são as primeiras a se aproximarem,

apesar da timidez e da desconfiança, a curiosidade pelos recém-chegados é maior,

e de forma carinhosa recebem os visitantes. Nunes (1999, p. 111) relata que: “[...]

estudar a sociedade sem estudar a criança dessa sociedade resulta em um estudo

incompleto. A criança vive e se expressa dentro dos limites que lhes são próprios,

que tem zonas de interseção como os limites e amplitudes com o qual convive”.

A criança tem suas particularidades, especificidades, suas verdades, seus

saberes, sua autonomia, características da infância nem sempre reconhecidas por

sociedades não indígenas. Isto nos faz pensar sobre o que diz Tassinari (2007), que

tal pensamento de incapacidade da criança não é:

[...] compartilhada pelas sociedades indígenas, que reconhecem a autonomia e a legitimidade das falas infantis. Daí a importância de pesquisar o que a criança indígena tem a dizer e as maneiras como as várias sociedades indígenas concebem a infância (TASSINARI, 2007, p. 2).

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Um bom exemplo da autonomia e do direito à fala e à participação da

criança indígena na sua sociedade é narrado por Lévi-Strauss, citado por Tassinari

(2007) sobre a tentativa de negociar um vaso com uma senhora indígena Kadiwéu7.

Quererá aquela índia vender-me este vaso? Por certo que quer. Infelizmente, não lhe pertence. Então a quem pertence? – Silêncio. Ao marido? – Não. – Ao irmão? Também não. – Ao filho? Nem a este tão pouco. Pertence à neta. A neta é a proprietária inevitável de todos os objetos que queremos comprar. Olhamos para ela – tem três ou quatro anos, acocorada perto do lume, entretida com o anel que lhe enfiei no dedo há alguns instantes. E começam então com a menina longas negociações nas quais os pais não participam de maneira nenhuma. Um anel de 500 réis deixa-a indiferente. Um broche de 400 réis decide-a (TASSINARI, 2007, p. 4).

A autonomia da criança Assuriní nas suas falas, no seu ir e vir (Figura 11)

são partilhados por todos na aldeia, pois permitem que a criança participe e

compartilhe da vida social. Nas relações sociais são elaborados e expressos os

novos conhecimentos e a reflexão sobre o mundo.

Figura 11 – Crianças Assuriní e sua autonomia.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

É nesse espírito livre, lúdico, espontâneo e sem amarras, onde é dada a

todas as crianças a permissão de estarem em todos os lugares da comunidade, nas

interações que se estabelecem na convivência, elas observam e aprendem com

7 Kadiwéu: grupo indígena que habita a Reserva Indígena Kadiwéu, a oeste do Rio Miranda, na

fronteira do Estado do Mato Grosso do Sul com o Paraguai.

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todos os integrantes da aldeia. Este é o cerne de todo um processo educacional,

afinal, o que pode parecer caótico e sem regras obedece a esquemas rigorosos de

construção e transmissão de saberes, e é desse modo que as crianças os

incorporam, e deles vão tomando consciência. De acordo com Nunes (2003).

As crianças, no contexto indígena, gozam de uma permissividade quase sem limites [...]. São onipresentes na aldeia e nas áreas circundantes e punições quase não acontecem [...]. E é extremamente essa aparente desordem ou falta de ordem, ou antes, uma ordem vivida de outro modo. (NUNES, 2003, p. 71-72).

Na liberdade, autonomia e permissividade do viver da criança indígena estão

contidas a aprendizagem e o modo de transmissão dos saberes e tradições da

cultura em que estão inseridas. A criança vive, participa, experimenta o dia a dia

envolto em conflitos, contradições, festejos e tristezas, e nestas relações de

aprendizagens diárias, emergem as responsabilidades, potencializando o seu

processo de ver, ouvir, sentir, entender, compreender e dar um novo significado ao

seu mundo.

Nunes (2002) nos conta um fato da sua vivência junto aos povos A´uwe-

Xavante que também retrata o ser criança indígena do povo Assuriní, quando se

observava as suas relações com os adultos da aldeia.

Lembro-me de um dia estar voltando do rio com uma mulher e sua filha de 4 ou 5 anos, a mãe levando uma cesta com roupa acabada de lavar, e a menina, atrás dela, levando uma bacia com alguns pratos de alumínio e uma panela, igualmente lavados. Ao subir o pequeno barranco, a menina derruba tudo no chão de areia. Ao ouvir o barulho, a mãe volta-se para ver o que tinha acontecido e depois olha para mim. A menina não fica nem um pouco constrangida, e, enquanto a mãe pousa sua carga no chão e continua a conversar comigo a menina vai levando as coisas de novo para o rio, para passar tudo pela água mais uma vez, fazendo boiar cada prato... A mãe não a apressou, não a reprendeu, tampouco precisou lhe dizer o que fazer numa situação daquelas. Quando tudo ficou pronto, a mãe levantou-se, pegou sua cesta, e lá foram as duas a caminho de casa. (NUNES, 2002, p. 75).

Nesse espaço de liberdade a criança se expressa sem nenhuma ordem

estabelecida, sem critérios determinados ou orientação desenhada em gestos,

expressões, sons, palavras, olhares, pinturas ou objetos manipulados, enfim, onde

ela, a criança, demonstra seu aprendizado como elemento pertencente e pertinente

à realidade do seu ambiente.

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Sobre as experiências de aprendizagem, Silva, Nunes e Macedo (2002, p.

43-44) explicam que:

O mundo e seus mistérios vão sendo descobertos aos poucos, em suas múltiplas e complexas dimensões. Há sempre novos conhecimentos a espera de ser descobertos e incorporados à experiência da vida de cada um. O aprendizado parece ser pensado, assim, como algo para toda vida: a cada etapa vencida, novos patamares de conhecimento e de experiências.

Nas experiências e vivências do dia a dia, as crianças Assuriní interpretam

símbolos que contribuem para que possam dar significado ao espaço onde vivem de

uma maneira própria, e isto acontece pela incorporação de componentes produzidos

e expostos a partir das relações sociais, dos afazeres e do brincar. Silva, Barbosa e

Kramer (2008, p.90) em seu artigo lembram “que as crianças não têm tido muitas

oportunidades de se colocarem como sujeitos, mesmo diante das conquistas atuais

no que diz respeito ao direito das crianças”. Para tal é necessário olhar sem

preconceitos a criança, e neste aspecto citam Bakhtin (2003).

[...] devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele. (BAKHTIN, 2003, p. 23).

Ao refletir sobre este postulado teórico filosófico procurei entender à criança

no seu mundo infantil indígena. Como se revelavam a partir dos seus valores

intrinsicamente afirmados, na condição de vida de seu povo, não modo original

como experimentam a vida social, na sua criatividade, no seu cotidiano, na

expressividade de seus brinquedos e suas brincadeiras. E foi durante uma das

cirandas de conversa realizada com as crianças, em baixo de uma árvore (Figura

12), que aproveitei o momento de descontração e perguntei a elas se sabiam o que

era ser criança.

O grupo ficou em silêncio, se olhavam, riam umas para as outras e nada

falaram. Naquele instante tive a sensação de que não iria obter nenhuma resposta,

foi quando, me enchi de coragem e perguntei novamente: Vocês são crianças? Foi

quando algumas verbalizaram e outras apenas sinalizaram com a cabeça em um

gesto positivo, “sim, somos crianças”. Sem perder o foco da conversa inicial, insisti e

perguntei o que achavam o que era ser criança.

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Figura 12 – Cirandas de conversa.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Percebi olhos se esbugalharem e cabeças coçarem, e para meu alivio,

Ipirangawa respondeu: “é não ser grande”. Todas as demais crianças riram da sua

resposta, e continuaram caladas. Novamente indaguei: digam: O que vocês acham

que é ser criança? Ipirangawa voltou a falar: “é quando brinca”, após essa fala de

Ipirangawa as demais começaram a falar, outras apenas concordavam com os que

se manifestavam e sorriam. E assim as crianças Assuriní se manifestaram:

– É banhar no rio porque é gostoso;

– É jogar bola, é correr, é brincar de pipa;

– Ir para a escola para aprender;

– Meu irmãozinho é criança, então é ser pequeno;

– É ficar com a mãe, é brincar de carrinho, brincar de boneca e

casinha.

Importante ressaltar, que nas falas das crianças os elementos fundamentais

citados por elas, relacionados ao ser criança, estão o brincar e a liberdade.

Liberdade observada em todos os momentos deste estudo (Figura 13).

A liberdade de brincar na infância é a expressão de uma criança que diz:

“Quero ser livre para brincar com a vida! ” (FRANCO & BATISTA, 2013, p. 129).

Por este motivo compreender a infância, e, particularmente, a criança

indígena, deve levar a uma imersão para o conhecimento das concepções étnicas e

descobrir suas práticas e vivências e, assim, melhor identificá-la.

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Figura 13 – Ser criança Assuriní é ser livre.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

As crianças Assuriní do Trocará em sua liberdade, sem amarras, revelam

uma infância plena e experimentam o mundo como ele é, estão integradas

plenamente ao lugar em que habitam, são respeitadas e valorizadas no seu ser

criança.

4.2 A criança Assuriní seus brinquedos e brincadeiras

A criança quando brinca, utiliza na maioria das vezes objetos aos quais

chama de brinquedo. O brinquedo representa muito mais do que um objeto concreto

que é manipulado no momento de brincar. É a representação de todo um universo

imaginário e fictício. A imaginação é livre e a criança constrói um ou vários universos

para que seu brinquedo forneça suporte a sua imaginação. O brinquedo sendo o

ponto de partida da brincadeira, se constitui em um dos elementos dessa brincadeira

e os outros (elementos) são disponibilizados à criança de acordo com sua

imaginação, porque desta também faz parte o seu contexto de vida, suas

referências, a educação que lhe é concedida, suas relações sociais e culturais.

Segundo Pereira (2009).

A ficção ou imaginação é o tempero do brincar. Nesse universo as coisas acontecem diferentes da realidade. É uma outra realidade. A imaginação é marcada pela capacidade de conferir diferentes significados a algo dado.

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Lúdico vem daí, do latim ludere, que significa ilusão. Então, todo o gesto lúdico é imaginativo. (PEREIRA, 2009, p. 21).

A imaginação para Vygotsky (2009, p.11) “é precisamente a actividade

criadora do homem que faz dele um ser projectado para o futuro, um ser que

contribui para criar e que modifica o seu presente”. O cérebro reconhece uma

atividade que lhe possibilita identificar o que se chama de imaginação, fantasia,

irreal e que não se ajusta à realidade, sem nenhum valor prático. Como atividade

criadora a imaginação manifesta-se nas intenções, na vida social e cultural que da

possibilidade a criação artística, cientifica e técnica. A criação humana é produto da

imaginação.

A intencionalidade é o sentido que o brincante dá à brincadeira, isto é,

brinca-se com um determinado sentido e somente quem está brincando é que sabe

realmente sobre essa intencionalidade. Quando perguntei a Toihara se ele gostava

de brincar com sua pipa, o menino respondeu “é o meu avião”. É na brincadeira que

a criança pode agir de forma ativa (Figura 14), buscando soluções para a sua vida.

Assim, a criança tem a oportunidade de imaginar, de reelaborar e ressignificar suas

experiências e vivências, a partir dos brinquedos que manipula.

Figura 14 – Toihara Assuriní é seu brinquedo voador.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

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Conforme Brougère (2010, p. 42), “a representação desperta um

comportamento e a função se traduz numa representação, como por exemplo: rodar

e ter o aspecto de um veículo; pelúcia e função afetiva”. No contexto indígena,

particularmente o das crianças Assuriní do Trocará, observa-se que, pelo brinquedo,

a criança se estabelece no mundo da fantasia, da imitação, do imediato, e se

desprende do concreto, e pela função simbólica vai desvendando os significados de

tudo aquilo que as rodeiam. Quando as crianças Assuriní caminham pela trilha que

leva até o rio, elas correm em busca do brinquedo, fantasiando e imaginando, se

desprendem do concreto e se dão a possibilidade de vários significados no encontro

com o rio, que se transforma em um espaço de brincadeiras.

Pelo brinquedo, a criança procura infinitas possibilidades de agir e de alargar

vivências, de libertar-se, construindo, assim, a cultura da infância, uma cultura

lúdica, onde predomina a liberdade.

Os brinquedos, de acordo com o tempo e o espaço onde são utilizados,

podem ser definidos em relação à brincadeira ao qual servem de suporte, tanto pode

ser um brinquedo comprado como pode ser um brinquedo feito pelas próprias mãos

por aquele que brinca. Neste caso, qualquer coisa que se torne um brinquedo, pelo

sentido lúdico que expressa, só é sentido e percebido por quem brinca e,

simultaneamente, enquanto perdure o brincar ou a brincadeira.

O brinquedo e o brincar são indispensáveis, pois ao brincar a criança constrói

conhecimento. Oliveira (1989) ratifica essa ideia afirmando ainda:

As crianças ensinam que uma das maiores qualidades do brinquedo é a sua não-seriedade. O brinquedo não é sério para as crianças porque permite a elas fazer fluir sua fantasia, sua imaginação. Justamente por não ser sério, ele se torna importante. É a não-seriedade que dá seriedade ao brinquedo. (OLIVEIRA, 1989, p. 8).

Os brinquedos proporcionam às crianças uma variedade de experiências

lúdicas fundamentais para todas as formas do seu desenvolvimento, a criança

identifica e se descobre utilizando o brinquedo de várias maneiras, expandindo seu

conhecimento sobre o objeto.

Benjamin nos diz que (2002, p. 93) “a criança quer puxar alguma coisa e

torna-se cavalo, quer brincar com areia e torna-se padeiro, quer esconder-se torna-

se bandido ou guarda”. A criança precisa de informações, de experiências, em suas

relações sociais, em suas histórias, nas interações, das experimentações, de suas

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sensações para que possa desenvolver a imaginação criativa, pois a criação, a

imaginação não parte de um nada. É percebendo essa realidade e vivendo suas

experiências que a criança vai alterando sua relação objeto-situação.

As crianças da comunidade indígena Assuriní do Trocará brincam como

todas as crianças, em seus momentos lúdicos se expressam, se divertem,

constroem e compartilham saberes. Charlot (2009) nos fala que:

[...] o homem só tem um mundo porque tem acesso ao universo dos significados, ao “simbólico”, e nesse universo é que se estabelecem as relações entre o sujeito e os outros, entre o sujeito e ele mesmo. Assim, a relação com o saber, forma de relação com o mundo, é uma relação com sistemas simbólicos, notadamente, com a linguagem. (CHARLOT, 2009, p. 97, grifo do autor).

A relação com o saber é a relação do sujeito com o mundo, com os outros e

com ele mesmo. No processo de inventar e criar brinquedos e brincadeiras, a

criança constrói novos saberes a partir da sua percepção, do que é aprendido na

prática diária das suas ações, significando e, ao mesmo tempo, ressignificando tais

práticas, todas relacionadas ao contexto em que estão inseridas, fortalecendo ou

transformando seus saberes. Charlot (2002) nos fala desse conhecimento solidário e

construtor de coletividade da seguinte forma:

O saber é construído em uma história coletiva que é a da mente humana e das atividades do homem e está submetido a processos coletivos de validação, capitalização e transmissão. Como tal, é o produto de relações epistemológicas entre os homens (CHARLOT, 2002, p. 63).

Cada brincadeira e brinquedo construído tem seu simbolismo e seu

significado. Para isso, é preciso entender que as interpretações das formas

simbólicas demandam de codificações existentes nas produções e podem ser

encontradas nas manifestações sociais e lúdicas como forma de exacerbação dos

saberes. As crianças desde pequenas acompanham o costume dos adultos e das

crianças com mais idade, e assim vão assimilando, dando significado,

compreendendo sua cultura e reconhecendo seus papeis dentro da sociedade que

estão inseridos.

É importante que se reconheça a criança indígena como um ser atuante, um

ser ativo nas suas relações e na sua ação do cotidiano, na sua vivência lúdica

internaliza conceitos e o faz naturalmente. Quando se expressa e se comunica

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oralmente com o emprego da linguagem própria que é capaz de estruturar e traspor

pensamentos e assim o identifica como um saber explicitado de valores, práticas e

crenças coletivas naquilo que é a sua real visão do mundo do qual ela é

pertencente. Sobre isto, Nascimento (2006) diz que:

A criança aprende experimentando, vivendo o dia a dia da aldeia e, acima de tudo acompanhando a vida dos mais velhos, imitando, criando, inventando, sendo que o ambiente familiar, composto por grupo de parentesco, oferece a liberdade e a autonomia necessária a experimentar e criar infantil. (NASCIMENTO, 2006, p. 8).

As crianças no seu ambiente doméstico aprendem as lições necessárias

para sua convivência e sobrevivência, pois podem observar, perceber, sentir, discutir

e contar com a ajuda de outras crianças mais velhas e de adultos. Sendo que essas

lições acontecem muitas vezes na forma de brincadeiras. Em seus momentos livres

e lúdicos pelos espaços da aldeia, percebe-se o desprendimento e a

espontaneidade quando as crianças brincam.

Figura 15 – Criança Assuriní e o prazer do brincar.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Suas brincadeiras têm forma, significado e objetivos que lhes conferem uma

compreensão sobre as coisas e sobre o mundo que só a elas diz respeito,

expressando seu olhar diferentemente do olhar dos adultos. As brincadeiras e os

brinquedos aparecem como fator de assimilação de elementos culturais e de

socialização da criança construídos no ato lúdico.

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As crianças Assuriní do Trocará fazem do rio o seu espaço do brincar onde

constroem a partir da imaginação individual e temporal os mais variados tipos de

brincadeiras, o mergulhar na procura de peixes, subir nos troncos que ficam dentro

do rio e como se vê na imagem acima (Figura 15), o interpretar de um pulo

acrobático onde não existem regras definidas, o que importa é pular é criar.

Toda essa constatação verificada in loco encontramos nos dizeres de Noal

(2006) quando ele assim se refere a criança indígena.

As crianças, nessa concepção, têm o seu tempo e espaço para serem bebês, crianças pequenas, crianças maiores. Possuem o espaço e o tempo, não são comandados por eles. Portanto, podem brincar o quanto quiserem, podem ficar sujas, podem tomar banho de rio, podem comer no momento em que sentirem fome, podem dormir ao sentir sono [...]. São crianças que podem ser pessoas no espaço e no tempo que quiserem e da maneira como conseguirem (NOAL, 2006, p. 194).

Entre os saberes adquiridos está o conhecimento sobre a importância da

natureza e dos seus elementos. Elas observam, percebem, dão nomes, discutem

sobre os animais. Aprendem lições de vida na convivência com a mata.

Representam, imitam sons e movimentos corporais que identificam e simulam

animais com os seus hábitos, cantos e comportamentos. Charlot (2000, p. 63) assim

se manifesta: “essas relações de saber são necessárias para constituir o saber,

mas, também, para apoia-lo após sua construção: [...] enquanto uma sociedade

continuar considerando que se trata de um saber que tem valor e merece ser

transmitido”.

Carrara (2002) nos diz que é nos saberes apreendidos sobre a mata e

sobre os animais que as crianças indígenas identificam os que são utilizados como

alimentos, os que servem para rituais ou os que são matéria prima do pensamento,

dos mitos e do conhecimento indígena. Os filhotes dos animais – e aves e outras

espécies são capturados nas caçadas e servem para as suas brincadeiras. Mas

brincar não significa só transformar o animal em objeto lúdico, serve também, para

experimentar sensações olfativas, visuais, táteis e auditivas.

Enquanto Carrara nos lembra a atentar para esse observar sob o manuseio

pelas crianças com os pequenos animais, seja para seu deleite, ou, para

desenvolver suas percepções sensoriais, procurei fazer uma analogia com as

crianças Assuriní que se encontravam em um espaço da aldeia denominado de

Centro de cultura Teapykama Assuriní e aproveitavam a grande varanda, se

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protegiam do sol e brincavam com pedaços de papel e pedaços de lápis. Enquanto

realizavam seus desenhos e rabiscos, surge uma indiazinha de olhos grandes, que

tinha em suas mãos um pequeno jabuti. Ao encontrar com as demais crianças,

pegou um pedaço de lápis de cor e começou a pintar o casco do jabuti,

transformando-o em um brinquedo vivo (Figura 16).

Figura 16 – A pequena Assuriní e seu jabuti/brinquedo.

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

Todas as crianças queriam tocar, sentir, cheirar e assim o jabuti era passado

de mão em mão, despertando espanto, admiração e sorrisos. Ao ser colocado no

chão as crianças admiravam o andar vagaroso do jabuti. Brougère (2004, p. 46) nos

diz: “Com o que se parece um brinquedo: com tudo e com qualquer coisa. Ao

contrário dos objetos cuja forma, com exceção da diversidade, segue uma norma, o

brinquedo pode ter uma grande variedade de formas de cores e de aspectos”. O

brincar entre as crianças Assuriní perpassam pelos saberes que lhes são dados.

Eles provêm das práticas observadas no mundo dos adultos, entretanto mesmo que

este comportamento e significado seja outro para os adultos, para a criança que cria

e transforma.

Ao conversar com as crianças durante uma das rodas de conversa,

perguntei se elas tinham brinquedos e que brinquedos eram. Essa pergunta tinha

como intuito saber quais eram os seus brinquedos, o tipo e a origem destes, e ao

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mesmo tempo perceber a relação delas com seus brinquedos, como expressavam

sua ludicidade em relação a eles. As crianças se animaram e começaram a falar: “a

gente tem brinquedo”; “têm carrinho, bola, pipa, boneca, ursinho, robô, helicóptero e

motinho”. Então indaguei: helicóptero? motinho? E Toitinga logo respondeu:

“helicóptero e motinho de plástico que a gente ganha do Sancler”. Nesse momento

de curiosidade, perguntei a elas quem era Sancler, e de forma espontânea e em

coro todos responderam: “O prefeito”.

A partir desta resposta, perguntei as crianças se eles gostavam dos

brinquedos que ganhavam do prefeito, e foram unânimes ao dize que sim, e o

menino Raisatinga, rapidamente respondeu “eu gosto mais do helicóptero porque é

mais bonito”; importante ressaltar que nem todas as crianças concordaram com ele.

Foi então que questionei se além desses brinquedos que ganhavam, se elas faziam

algum outro brinquedo, na mesma hora responderam que também faziam seus

brinquedos, em seguida perguntei do que faziam seus brinquedos, e Tanaia Assuriní

respondeu “eu faço brinquedo de inajá”, voltei a perguntar o que era inajá8, e ela me

falou que era “uma folha que se pega no mato”. E mais uma vez voltei a perguntar

se era só ela que construía seus brinquedos, e a resposta dada de forma enfática foi

que: “todo mundo” fazia seus brinquedos também.

Alguns tipos de brinquedos dependem do tipo de material disponível para a

sua construção, assim como o universo adulto pelo qual as crianças dialogam. O

inajá por exemplo, é uma palmeira que possui muitas utilidades para o povo

Assuriní, as crianças utilizam para construir brinquedos, e os adultos usam na

construção das casas, pois as folhas novas tem uma mobilidade que favorece a

manipulação. Benjamin (2002) nos diz que a criança não é nenhum Robinson

Crusoé, e que também não vivem isolados de um contexto ou de uma comunidade,

mas sim, fazem parte de um povo com os seus mudos diálogos de sinais entre elas

e este povo, e isto possibilita que os sinais sejam decifrados de forma segura.

Constatei nos dizeres de Benjamin (2002) este fundamento:

O brinquedo, mesmo quando não imita os instrumentos dos adultos, é confronto, e, na verdade, não tanto da criança com os adultos, mas destes com a criança. Pois quem se não o adulto fornece primeiramente à criança seus brinquedos? E embora reste a ela uma certa liberdade em aceitar ou recusar as coisas, não poucos dos mais antigos brinquedos (bola, arco,

8 Inajá: é uma palmeira tipicamente amazônica que se adapta ao solo seco, mas que gosta mesmo da

área mais úmida, à beira dos rios e igarapés.

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roda de penas, pipa) terão sido de certa forma impostos à criança como objetos de culto, os quais só mais tarde, e certamente graças a força da imaginação infantil, transformaram-se em brinquedos. (BENJAMIN, 2002, p. 96).

Tive a oportunidade de observar todo o processo de construção dos

brinquedos de inajá. Primeiramente, as crianças das mais variadas idades vão à

mata para apanhar as folhas ainda verdes da palmeira (Figura 17).

Figura 17 – Crianças voltando da mata com folhas do inajá.

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

Silva (2002) nos revela que as crianças:

no domínio que aos poucos vão obtendo das novas vivências históricas de sua gente, recortam da realidade à sua volta o que lhes interessa, focalizando aí sua atenção e dando-lhe destaque, segundo critérios próprios do universo infantil. (SILVA, 2002, p. 54).

No caso da palha de inajá esse saber é muito anterior a manipulação para o

brinquedo. Acontece deste que a planta inicia seu crescimento na mata. Os adultos

já observam, cuidam, limpam seus limites para que na hora necessária e da planta

crescida ela seja cortada para o uso. Essa incorporação do saber é intuitivamente

assimilada pela criança e ela só corta a folha que esteja no tempo certo para a sua

manipulação (Figura 18).

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Figura 18 – Crianças construindo brinquedos com a folha do inajá.

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

Essa forma de aprendizagem da criança Assuriní na concepção de Vygotsky

(2009), resulta da interação da criança com o seu meio, onde se estabelecem

relações que são sempre modificadas através dos signos e palavras que, por sua

vez, se constituem para as crianças no contato social com outras crianças ou com

outras pessoas, numa criação sem igual. O brinquedo é sem dúvida uma estratégia

atraente para a criança, no sentido de que pelo brinquedo existe estímulos de várias

ordens, tanto sensoriais, motores ou psíquicos que levam a criança a descobrir todo

um contexto que o cerca e a descobrir-se a si mesma.

Na brincadeira e na manipulação do objeto ela imagina toda ordem de

situações e cria as suas relações com o social e brincando afirma seu papel no

espaço social ao qual ela pertence. O brinquedo serve para à ação lúdica e

estabelece o desenvolvimento da expressão infantil amadurecendo no tempo

adequado e vivenciando situações especiais em momentos diferentes.

Os brinquedos das crianças Assuriní também são construídos de argila, e

ganham a forma diversos animais, entre eles estão o peixe, o jabuti, o tatu, o boto,

as crianças também constroem brinquedos no formato de utensílios domésticos

como pratos e panelas, elementos que estão presentes na cotidianidade da aldeia

(Figura 19). As crianças coletam a argila que utilizam nas suas brincadeiras na

margem do rio. No período das chuvas amazônicas, o mato cresce e dificulta o

caminho até o rio.

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Figura 19 – Brinquedos de argila.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Nos diálogos com as crianças pude perceber os inúmeros saberes que elas

possuem, saberes que tem suas raízes provenientes da vivência do cotidiano e da

relação com os seus pares e os adultos. Carrara (2002) afirma:

Todo o aprendizado das crianças a respeito do ambiente em que vivem baseia-se em sua atenção, curiosidade, brincadeiras e questionamentos sobre as experiências de seus sentidos com animais e plantas durante as estações secas e chuvosas. Não só a mente como o próprio corpo e os sentimentos passam por experiências cotidianas (brincar na terra, na água, com plantas, animais, poder observá-los, tomar banho nos córregos e rios, procurar peixes, ser picado por insetos, participar de atividades produtivas, etc.). (CARRARA, 2002, p. 105, grifo do autor).

No brincar as crianças fazem uma ponte com tudo o que se estabelece ao

seu redor, com suas experiências intrínsecas e suas práticas extrínsecas, e com isso

direcionam seu percurso de vida e criação, e de certa forma são suas vivências

familiares com seus avós e mais particularmente com as avós que fortalecem seus

saberes. Assim sendo, buscam se entender e se encontrar consigo mesmas nos

conhecimentos que vão se articulando no cotidiano. Nunes (2002, p. 96) diz que, ao

brincar, “a criança relaciona-se com o seu mundo de dentro e com o de fora,

estabelecendo e elaborando pontes, ligações, percursos e direções fundamentais

para o entendimento de si mesma e de tudo o que acontece à sua volta”.

Segundo as crianças Assuriní, são as avós que lhes ensinam a construir os

brinquedos de argila e de palha de inajá. Durante a brincadeira de construção dos

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seus brinquedos, as crianças que já dominam a feitura destes, também ensinam

outras crianças, que normalmente são seus irmãos, primos e amigos.

[...] o grupo de brinquedo é uma microssociedade em que constituem redes de relações, em que papeis são atribuídos dinamicamente no desenrolar das interações, em que conhecimentos, regras e procedimentos são continuamente trocados, reformulados e repassados [...] Brincadeiras são como rituais que se transmite, repetidos ou recriados, em ambientes socioculturais distintos (CARVALHO & PONTES, 2003, p.16).

O brinquedo para a criança que brinca tem um significado e simbolismo

próprio. Ao mesmo tempo que o brinquedo em mãos da criança se torna um objeto,

onde ela exercita sua imaginação e formula conceitos de acordo com suas

vivencias, direta ou indiretamente aprendidas, é sempre um momento lúdico.

Quando a criança brinca e manipula o brinquedo, a sua imaginação vai criando e

recriando significados sobre aquele objeto.

Figura 20 – Meninas Assuriní e suas bonecas.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Por isso que Brougère (2010) nos fala:

Contudo, os brinquedos parecem revelar a plenitude de suas potencialidades educativas na medida em que forem capazes de instigar nas crianças curiosidades e mistério, para que se sintam entretidas e instadas a criar e recriar formas expressivas, sem abdicar de se divertirem a todo tempo. (BROUGÈRE, 2010, p. 62).

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A criança pelo brincar pode desfazer-se do imediatismo funcional do objeto

deixando sua imaginação criar o que deseja. Ao se reunirem para brincar de casinha

as crianças elegem quais papéis irão desempenhar na brincadeira, as bonecas,

conforme a figura 20, criam “vida” se transformam em filhas, em irmãs evidenciando

no brincar dimensões da cultura e da vida social.

O brincar em grupo é uma constante entre as crianças da aldeia Trocará, e

segundo elas são brincadeiras de correr, jogar bola, tomar banho no rio, empinar

pipa, brincar de casinha, de pega-pega no rio, esconde-esconde, subir em árvore,

cabo de guerra, boneca e carrinho.

Huizinga (2007) em sua fala nos faz conhecer características que atribui ao

jogo, ao brincar. Sendo estas características o espirito de liberdade, intrínseco a

atividade de criar do homem, escapando dos limites do real. A ludicidade convida a

uma ação desprovida da obrigação. O desinteresse também se constituiu uma

característica proposta por busca à satisfação de necessidades imediatas e não

satisfações da vida comum, sem o interesse fora da vida o homem gozara de

liberdade só alcançada pela ludicidade. Vale ressaltar que a criança tem consciência

da sua brincadeira, sabe que na brincadeira está desempenhando um papel e que

pode modificá-lo. Huizinga (2007) diz que:

[...] à primeira das características fundamentais do jogo: o fato de ser livre, de ser próprio liberdade. Uma segunda característica, intimamente ligada à primeira, é que o jogo não é vida “corrente” nem vida “real”. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente quando está “só fazendo de conta” ou quando está “só brincando”. (HUIZINGA, 2007, p. 11, grifo do autor).

Tendo seu tempo e espaço delimitado Huizinga (2007, p. 13) “lugares

proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas

regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à

prática de uma atividade especial”.

Sendo uma ordem específica e absoluta a última característica apontada por

Huizinga (2007).

[...] ele cria ordem e é ordem. Introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a menos desobediência à esta “estraga o jogo”, privando-o de seu caráter próprio e de todo e qualquer valor. (HUIZINGA, 2007, p. 13, grifo do autor).

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Corroborando com o pensamento de Huizinga confronto-me, enquanto

observadora do brincar da criança Assuriní, com as características que esse autor

atribui às brincadeiras. As crianças Assuriní correm pelos campos, florestas e

caminhos da aldeia com total liberdade e de forma desinteressada e para sua

satisfação imediata eles jogam com suas forças, sorrisos e gritos o cabo de guerra,

numa festa (Figura 21). Neste momento do cabo de guerra o brincar naturalmente

contribui para a propriedade do grupo social, mas de outro modo e através de meios

totalmente diferentes da aquisição de elementos de subsistência.

Figura 21 – Brincadeiras das crianças Assuriní.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

O outro elemento muito interessante da fala de Huizinga (2007, p. 13) é o

isolamento e limitação. O jogo de futebol das crianças “se processa e existe no

interior de um campo, previamente delimitado, de maneira material ou imaginária,

deliberada ou espontânea”. O jogo das crianças e extremamente espontâneo e, não

existe nenhuma regra previa ou juiz que o controle. Eles simplesmente jogam.

Observei que algumas crianças quando cansadas ou suadas deixam o espaço do

jogo. Simplesmente porque não querem mais brincar. Aí está o elemento tempo. A

criança faz o seu tempo. Joga ou brinca quando quer.

A criança Assuriní também estabelece no seu brincar a ordem específica e

absoluta descrita por Huizinga (2007). O que é estabelecido enquanto a criança

brinca no seu mundo momentâneo de perfeição temporária e limitada precisa ser

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cumprido por todos os brincantes. Quando está jogando ou brincando não admite a

desobediência das regras estabelecidas e bane aquele que descumpre o que foi

estabelecido. Esse momento foi observando enquanto as crianças brincavam de

correr pelo campo que fica localizado no meio da aldeia. E um menino maior que se

encontrava no brincar de um grupo de crianças menores não cumpria o que havia

sido determinado entre eles, saia correndo antes do comando, o que levou o grupo

reclamar com ele e bani-lo da brincadeira.

Caillois (1990) nos diz que a forma como Huizinga (2007) aborda a questão

do jogo/do brincar é considerada importante, porém existe uma limitação, já que

Huizinga omite a descrição e a classificação dos próprios jogos, como se houvesse

uma uniformidade do que se sente durante o jogo. O termo “jogo” e “brincar” são

utilizados sem distinção, já que para Huizinga (2007, p. 3, grifo do autor), “a

diferença entre as principais línguas europeias (onde spielen, to play, jouer, jugar

significam tanto jogar como brincar”, concepção da qual comungo.

Caillois (1990) assim se manifesta sobre o jogo/brincar:

Todavia, é indiscutível que o jogo deve ser definido como uma actividade livre e voluntária, fonte de alegria e divertimento. Um jogo em que fossemos forçados a participar deixaria imediatamente de ser jogo. Tornar-se-ia uma coerção, uma obrigação de que gostaríamos de nos libertar rapidamente. Obrigatório ou simplesmente recomendado, o jogo perderia uma das suas características fundamentais, facto de o jogador a ele se entregar espontaneamente, de livre vontade e por exclusivo prazer, tendo a cada instante a possibilidade de optar pelo retiro, pelo silêncio, pelo recolhimento, pela solidão ociosa ou por uma actividade mais fecunda (CAILLOIS, 1990, p. 26).

Caillois (1990) apresenta em sua descrição, características acerca do jogo

que se estabelece dentro de limites de tempo e de lugar determinados por quem

brinca, características também explicitadas por Huizinga (2007). Característica

fundamental e essencial para ambos os autores, se refere à questão do jogar/do

brincar ser uma atividade livre, comportamento observado durante as brincadeiras

das crianças Assuriní.

Huizinga também nos revela em seu livro Homo Ludens (2007) que a

existência do brincar não pode ser negada, sua essência não é material, e sim

espiritual, vai além do mundo físico e transcende certos determinismos. Toda

atividade lúdica está impregnada no humano, faz parte de nossas vidas da mesma

forma que atividades tidas como sérias.

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Uma atividade diária na vida da comunidade do povo Assuriní é a atividade

da pesca e da caça com o arco e a flecha, a linha e o anzol. Tal atividade se torna

lúdica no momento em que a criança Assuriní, mesmo pescando ou caçando para a

sua sobrevivência ela brinca, ela joga. Seu arco e flecha, sua linha e seu anzol se

transformam no seu trabalho, no seu brinquedo, na sua brincadeira, no seu

aprendizado.

Confirmando o que diz Huizinga (2007), a antítese jogo e seriedade não é

algo imutável, da mesma forma que é correto dizer que o jogo é a não seriedade.

Pois o jogo tanto pode ser considerado como sério e não sério. Dentre as diversas

brincadeiras das crianças Assuriní, o brincar de escola, de ser professor, também

está presente. Ao caminhar pela aldeia, percebi algumas crianças sentadas sob a

sombra das árvores que brincavam de escola, onde uma menina maior exercia a

função de professora, e as crianças menores estavam no papel de alunos (Figura

22).

Figura 22 – Brincando de escolinha.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Neste cenário da brincadeira de escola, pude perceber a integração da

escola Wararaawa Assuriní, no cotidiano da aldeia e na vida das crianças, elas

assimilam a experiência do processo educativo como se isso fosse situação corrente

da cotidianidade da comunidade. Nas suas brincadeiras elas incorporam e dão vida

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a uma escola fictícia, entretanto assumindo o comportamento de assimilação e

transmissão ao mesmo tempo.

As crianças não têm o habito ou natureza do convite. Mas a harmonia no

conjunto é uma ação socializadora, de liberdade e espontaneidade que reúne os

grupos em uma sintonia indescritível. Basta reunir duas sob a sombra de uma

árvore, outras chegam, se agregam e partem. Não há acordos ou discursos,

simplesmente partem para uma jornada lúdica como se tivessem um comando

único.

4.3 A relação das crianças Assuriní com o rio e a mata

O rio na aldeia Trocará dos Assuriní, tem papel fundamental na vida dos

moradores da aldeia, pois dele provém parte de sua subsistência, seja através dos

peixes que ali são pescados, seja pela água que fornece para beber, cozinhar, lavar

roupas e louças, higiene pessoal, para momentos de lazer. Para as crianças

Assuriní, o rio é mais um elemento incorporado as suas vivências lúdicas.

Na aldeia pude observar as crianças caminhando enfileiradas no estreito

caminho que dá acesso ao rio. Uma caminhada barulhenta entre risos e falas por

aqueles que já sentem a alegria e o prazer de brincar no rio, antes mesmo de

estarem diante dele. O rio é o brinquedo dessas crianças que caminham ao seu

encontro. Um caminho de onde se percebe a liberdade que elas gozem na aldeia, o

que as leva a descobrir espaços em que suas brincadeiras podem acontecer.

Nas sociedades indígenas brasileiras, de acordo com os relatos e trabalhos disponíveis, a fase que corresponde a infância é marcada pelo que consideramos ser uma enorme liberdade na vivência do tempo e do espaço, e das relações societárias que por meio destes se estabelecem, antecedendo ao período de transição para a idade adulta que, então, inaugura limites e constrangimentos muito precisos. [...] a liberdade experimentada no período da infância permite as crianças uma melhor compreensão e partilha social (NUNES, 2002, p. 65).

A natureza e seus elementos estão fortemente presentes na cultura do povo

Trocará. O brincar no rio e na mata é uma das formas de compreensão e apreensão

do mundo pela criança Assuriní. Elas demonstram uma certa intimidade com estes

ambientes. Perguntei a elas se tinham medo de brincar nesses espaços e a maioria

respondeu que não, outros responderam que tinham medo de boto, de onça, de

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cobra e jacaré. Desses animais a onça é a mais temida por eles, no entanto, sem

deixar de considerar os demais animais.

As crianças Assuriní sozinhas ou em grupo estão sempre pelas margens do

rio e do igarapé inventando novos percursos e a procura de algo que lhes

surpreenda: seja uma pedra, um peixe, um pedaço de madeira, ou um pedaço de

cipó que tenha a forma de cobra, ou qualquer outro objeto que possam transformar

em brinquedo e se deleitarem. Segundo Brougère (2010).

[...] o brinquedo é aquilo que é utilizado como suporte numa brincadeira; [...] que só tenha valor para o tempo da brincadeira [...]. Tudo, nesse sentido, pode se tornar um brinquedo, e o sentido do objeto lúdico só se lhe é dado por aquele que brinca, enquanto a brincadeira perdura. (BROUGÈRE, 2010, p. 67).

Ao brincar no rio as crianças, o transformam em um imenso brinquedo, que

lhes dá suporte para as mais diversas brincadeiras, pois para a criança tudo pode se

transformar em brinquedo, elas têm a capacidade de atribuir um valor lúdico as

coisas no momento em que brincam. As crianças quando vão para o rio ou igarapé

tomar banho (Figura 23), dizem que vão “banhar”, que nada mais é do que tomar

banho no rio.

Figura 23 – O rio é um brinquedo.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Vale ressaltar que esse “banhar” se constitui em momentos de brincadeiras

vivenciadas na água, ao mesmo tempo são momentos prazerosos e lúdicos. No rio

as crianças observam o fundo do rio, pegam pedrinhas, gravetos ou outras coisas

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que lhe suscitem a curiosidade, brincam de “mãe” que é o brincar de pega-pega

dentro d’agua, uns atrás dos outros; as vezes nadam, ou mergulham ou

simplesmente correm pelo leito do rio para pegar alguém.

A “mãe” é o que corre atrás dos outros e quando esta pega, ou toca uma

criança, esta passa a ser a “mãe” e começa tudo novamente. Os mais rápidos e

espertos dificilmente se tornam a “mãe”, porque se esgueiram, mergulham no rio e

desaparecem aos olhos da criança que está sendo a “mãe” naquele momento.

Sentada à margem do rio percebi que os grupos de crianças que se formam

para os banhos e as brincadeiras são das mais diversas idades, o que não impedia

que brincassem juntas. Elas se olhavam, riam juntas, afundavam no rio ou corriam

para as árvores e de lá se jogavam, sem nenhum gesto de desagrado, briga ou

enfrentamento, totalmente livres para que cada uma inventasse sua própria

brincadeira e partilhasse sua invenção com as demais crianças. A relação do povo

Assuriní e principalmente da criança com o rio é muito intensa, é nele que adquirem

saberes que lhes são transmitidos nas experiências e vivências do brincar e na

busca da sobrevivência. No rio acontece a maior expressão de dependência da

natureza e de liberdade.

4.3.1 O brincar na mata

Caminhando pela mata junto com as crianças, um menino corria na frente de

todas as demais crianças e cantava uma canção bem alto. Perguntei ao menino

Paraiwa o que significava aquela música, e ele respondeu: “que era uma música

para espantar onça, para que a onça não chegue perto”. O menino sorriu, e seguiu

caminhando ao meu lado, com a maior naturalidade. Quero acreditar, que Paraiwa

não percebeu o meu rosto de espanto e desespero, ou, se percebeu, simplesmente

fingiu que não viu e continuou a falar,

Aqui na mata, tem onça, macaco, tatu, cutia, está vendo esse resto

de casca de coquinho aqui no chão? É o que sobrou do que a cutia

comeu a noite, quando passou por aqui. Também tem macaco,

quando a gente consegue pegar o macaco, a gente come, e do rabo

faz espanador para limpar a casa (Paraiwa Assuriní).

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As crianças e os adultos da aldeia Trocará estabelecem de uma maneira

mágica com a natureza, um vínculo do qual existem estreitos laços simbólicos entre

a natureza e a sociedade indígena, pois consideram esta pertencente a sua própria

família. As crianças brincam pela mata de correr, de caçar pequenos animais, de

subir nas árvores (Figura 24), de esconde-esconde, de apanhar frutas, de construir

casinha, de correr por entre as árvores onde levam nas costas ou encaixado na

cintura as crianças menores.

Figura 24 – A criança e a mata.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Elas se apropriam dos espaços da comunidade, dando-lhes características

próprias, usam a imaginação, para que assim possam vivenciar suas descobertas e

manifestações lúdicas. Este pertencimento e aquisição de saberes é concretizado

através do contato direto com a natureza, e de uma visão que integra homem e

natureza harmonizando-os. Esta ideia é confirmada no pensamento de Carrara

(2002).

O conhecimento a respeito de animais e vegetais é produzido, transmitido e utilizado pelas crianças, homens e mulheres, que estão completamente embebidos por uma sociedade e uma cultura. Eles só podem entender uma ave, uma onça, uma cobra ou um jatobá por intermédio de um pensamento indígena que represente mentalmente esses elementos da natureza, na narrativa mítica, na oratória do conselho de anciãos, na pintura corporal, no ritual, na música [...]. (CARRARA, 2002, p. 100).

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As caminhadas pela mata fazem parte da rotina e da vida cotidiana das

crianças Assuriní. Para mim essas caminhadas quando possível de serem

realizadas junto as crianças, se constituíram em momentos de observação,

experiências, vivências, trocas de informações e saberes.

Durante um dos momentos de observação na aldeia, acompanhei-os em

uma incursão pela mata, nesse caminhar com as crianças, Iwaia Assuriní, uma

menina de dez anos que caminhava mais à frente, se adiantava em uma atitude que

me chamou a atenção. Por ser menina, não ser a maior em idade e tamanho

naquele grupo, Iwaia portava um terçado, que na aldeia, eles chamam de facão, no

entanto o apetrecho tinha quase a metade do tamanho dela, mas que o manejava

com destreza, em uma atitude de quem sabia o que fazia.

O caminho que seguíamos se constituía de uma pequena abertura pela

mata. O chão já estava marcado pelos pés dos que passavam por ali diariamente,

abrindo uma trilha na terra batida que demarcava a direção que se tinha que

caminhar. Mesmo com esse caminho aberto, o mato e alguns galhos das árvores

fechavam pequenas partes da trilha, o que dificultava um caminhar mais rápido.

Iwaia num gesto de certeza da sua importância no grupo e extrema

responsabilidade, portava aquele terçado abrindo, limpando o caminho do grupo que

seguia a uns dez metros atrás de si.

Ao mesmo tempo em que registrava na memória a ação que depois iria

transcrever, me reservava a uma preocupação e medo. É verdade que esta

preocupação estava na internalização de meus hábitos e costumes urbanos, onde

não seria capaz de deixar uma criança de dez anos de idade, portar de um artefato

tão perigoso e que pudesse se constituir num risco ao manuseio.

Entretanto, continuávamos nossa caminhada. Conversando com as outras

crianças e elas conversando e rindo entre si, assoviando e imitando os pássaros que

voavam entre as árvores grandes, juntavam pequenas pedras e gravetos pelo

caminho, subiam nas árvores e nos pequenos pés de goiaba para apanhar as frutas

ainda verde e pulavam entre os seus galhos.

Um menino portava um arco e flecha próprio para o seu tamanho, e

caminhava a procura de animais rasteiros ou, que estivessem pendurados nas

árvores, outros traziam em suas mãos baladeiras (estilingue) com as quais faziam

pontaria aos pássaros que pousavam nos galhos das árvores, sendo este, um

momento de relação entre o saber da caça e o prazer do brincar.

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Para Iwaia aquele andar pela mata também era um momento lúdico, porém,

indiferentemente a todos tomou sobre si a responsabilidade de levar o grupo até o

destino que nos esperava, o terreiro onde as mulheres ralavam a mandioca para

preparar a farinha. Nunes (2002) nos convida a interpretar essa relação da criança

com o meio quando assim se manifesta:

Para as crianças o dia a dia na aldeia vai se alternando entre algumas tarefas domesticas que observam, fazem sozinhas ou nas quais ajudam: lavar roupas e louças, tomar conta dos irmãos e irmãs menores, dar-lhes banho, levar água para casa, ajudar a preparar algum alimento, levar e trazer recados ou coisas, enxotar as galinhas de dentro das casas etc. Essas tarefas domésticas e outras atividades produtivas de que as crianças fazem parte são de verdade, elas as desempenham utilizando instrumentos de verdade e o resultado final também é de verdade. Tudo é permeado por um significado real e tem uma aplicabilidade concreta. No entanto, o fato de ser tudo de verdade não impede a presença do componente lúdico, ainda que por vezes esteja dissimulado pela responsabilidade que também é preciso assumir (NUNES, 2002, p.73-74).

É no brincar, que a criança Assuriní se relaciona com o mundo, por meio de

seus sonhos, das suas fantasias, vivencia a cultura do seu povo, e adquire novos

saberes. É nesta relação que a criança vai construindo pontes, estabelecendo

direções, percursos e fazendo ligações para um entendimento de si mesma e de

tudo que acontece a sua volta, fazendo consequentemente o registro de imagens

que vão enriquecer e dar significado na manipulação dos seus brinquedos e

brincadeiras. Em relação ao brincar, Brougère (2010) enfatiza que:

Na sua brincadeira, a criança não se contenta em desenvolver comportamentos, mas manipula as imagens, as significações simbólicas que constituem uma parte da impregnação cultural a qual está submetida. Como consequência, ela tem acesso a um repertório cultural próprio de uma parcela da civilização. Contudo o brinquedo deve ser considerado na sua especificidade: a criança na maior parte das vezes não se contenta em contemplar e registrar as imagens: ela as manipula na brincadeira e, ao fazê-lo, transforma-as e lhes dá novas significações. (BROUGÈRE, 2010, p. 49).

A construção da cultura lúdica se dá no conjunto de sua experiência lúdica

acumulada. A criança manipula as imagens e símbolos que estão no seu consciente,

aos quais ela se encontra submetida, isto é, mas a criança não quer apenas essa

manipulação, ela registra enquanto brinca e isto é que vai lhe conferir os significados

que vão se acumulando os quais ela transforma de acordo com as suas

necessidades.

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Na tentativa de visualizar os brincares das crianças Assuriní do Trocará,

elaborei um quadro com os brinquedos e brincadeiras observadas no decorrer da

pesquisa, relacionando-os com os saberes que deles provêm.

Quadro 4 – Brinquedos e brincadeiras das crianças Assuriní do Trocará.

BRINQUEDOS E SUAS CONSTRUÇÕES SABERES PRESENTES NOS BRINQUEDOS E

BRINCADEIRAS

Brinquedos construídos a partir da folha de inajá

A relação com a natureza; Aprendizado pela transmissão do conhecimento entre os mais velhos e as crianças Assuriní; Reconhecimento do tipo de palmeira e a forma de coleta da folha; Conhecimento das características da matéria prima como flexível, entretanto resistente;

Brinquedos de argila

Aprendizado pela transmissão do conhecimento entre os mais velhos e as crianças Assuriní; A relação com o rio e com o que ele pode oferecer para a sobrevivência da comunidade; Reconhecimento da matéria prima de melhor aproveitamento para a construção de artefatos e brinquedos; Construção de brinquedos representativos de elementos da natureza como os animais e artefatos culturais; Coleta e manipulação da argila;

O brincar na mata

Os saberes sobre tipos de vegetação, os animais que servem de alimentação, os caminhos para os rios e igarapés distinção das plantas medicamentosas, alimentícias e venenosas; Habilidade na utilização como objetos: facão o arco e a flecha;

O brincar no rio

Conhecimento das marés, das luas, das vias fluviais, os tipos de peixes, os tipos de plantas aquáticas, utilização da canoa e do remo; das correntezas e da profundidade;

Brincadeiras de correr, empinar pipa, subir nas árvores e cabo de guerra

Companheirismo, solidariedade; Conhecimento dos ventos;

O brincar de boneca – casinha

Saberes do cuidar: cuidar de si e do outro;

Danças, cantos e pintura corporal

Perpetuação dos saberes ancestrais; Conhecimento do significado do grafismo na sua etnia;

Fonte: Pesquisa de campo.

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A criança indígena é um ser ativo dentro do seu espaço sociocultural, em

suas particularidades e competências, ela é completa e é através da sua relação

social com o grupo que ela se insere neste, amplia sua visão de mundo e recria-o. E

é com o arco, a flecha, o anzol, os mergulhos, os pássaros que cantam e com os

macacos que gritam com seus berros estridentes, que as crianças Assuriní vão

apreendendo a vida, se deslumbrando, brincando e sendo parte de um povo que faz

da mata sua casa, sua vida, seu mundo, seu lar. Nas entranhas da floresta a criança

Assuriní vê a vida florescendo todo dia. E é nesse florescer do seu mundo que ela

significa e ressignifica os seus saberes, pelas de experiências vivenciadas em seu

tempo e espaço, através de seus brinquedos e das suas brincadeiras.

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CONSIDERAÇÕES

Nós não sabemos nada sobre infância, e com as nossas noções equivocadas, quanto mais avançamos

mais nos afastamos do caminho certo. Os mais sábios escritores dedicam-se ao que um homem deve saber, sem perguntar o que uma criança deve saber,

sem perguntar o que uma criança é capaz de aprender. Estão sempre à procura do homem na

criança, sem considerar o que este é antes de homem se tornar.

(Jean-Jacques Rousseau. In: Emílio, 1762)

A pesquisa da qual esta dissertação é resultado, é fruto de um antigo

interesse pessoal em conhecer a cotidianidade das crianças indígenas,

principalmente no que diz respeito aos seus brinquedos e brincadeiras. Ao longo do

tempo em que convivi com as crianças Assuriní do Trocará procurei compreender e

vivenciar o seu universo infantil, como se comportavam diante dos brinquedos e

brincadeiras, sejam industrializados ou artesanais feitos por suas mãos ou ainda

aqueles que a natureza lhes propiciava nas margens dos rios e no balanço das

árvores.

A primeira parte deste estudo apresenta uma investigação realizada no

banco de teses e dissertações da CAPES sobre a temática em questão. Delimitada

pelas categorias brinquedos e brincadeiras indígenas, compreendendo o período

que vai do ano de 2000 a 2014. Poucos foram os trabalhos identificados que tratam

especificamente do brincar e do brinquedo das crianças indígenas da Amazônia. A

segunda parte apresenta diferentes conceitos sobre infância, criança, cultura,

brinquedos e brincadeiras. “Navegamos por rios nunca antes navegados” e aportei

em autores que permitiram desvelar novas concepções de infância e de criança, o

que permitiu olhar para as crianças como seres históricos, sociais e produtores de

uma cultura própria. Com o aporte teórico fundamentado foi possível identificar e

analisar, conforme o propósito inicial, como os saberes e as práticas culturais se

apresentam nas brincadeiras e brinquedos das crianças da comunidade Assuriní do

Trocará.

As crianças não estabelecem padrões de comportamento, mas os saberes e

as práticas que elas manifestam nas brincadeiras e na construção de seus

brinquedos, revelam a intensidade daquilo que lhes é internalizado pela simbologia

da sua prática cotidiana, da qual elas estão inseridas, ao manipular os brinquedos, a

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criança se apropria se projeta, e exprime uma relação com os códigos sociais e

culturais do meio e contexto.

Desde cedo vão adquirindo informações e experiências no contexto das

relações sociais, das interações das experimentações lúdicas, nas sensações que

de sua imaginação criativa, e assim vão aprendendo, alterando, modificando a

relação objeto situação. No caso a relação brinquedos e brincadeiras com o

momento, o lugar as circunstâncias.

Brinquedos e brincadeiras são as primeiras formas de expressão da cultura,

pelo mundo lúdico das crianças Assuriní do Trocará, são elas também que revelam

os saberes e as práticas da comunidade. Aqui a dimensão educativa se expressa

pela dimensão da prática e da manipulação de brinquedos e brincadeiras.

Os saberes culturais determinam conhecimentos que um grupo ou

sociedade têm das coisas ou de um objeto, da sua cotidianidade. Consiste em toda

e qualquer habilidade teórico-prática acerca de algo, resultante da experiência

prática dos indivíduos. Quando se diz que os povos indígenas do centro do país ou

das margens dos rios da Amazônia possuem um conhecimento tradicional sobre

ervas medicinas, sobre localização, sobre fenômenos da natureza ou sobre animais,

significa dizer que são conhecedores práticos diante das dificuldades e de suas

necessidades em viver a cotidianidade das aldeias, de curar suas doenças, de

localizar-se na mata, de identificar tempos de chuva, sol, seca ou ventanias, ou

mesmo de conhecer as etapas de desenvolvimento dos animais, sem dizer que são

exímios biólogos, botânicos, ambientalistas, farmacologistas e muitos outros

conhecimentos vivenciados no seu dia a dia.

Nos caminhos desenhados e trilhados para uma metodologia que se

coadunasse ao tipo de estudo aqui proposto, está a Etnometodologia. O método

possibilitou obter as respostas pretendidas neste estudo, para melhor compreender

sobre as brincadeiras e os brinquedos que compõem a cultura lúdica das crianças

da etnia Assuriní do Trocará.

Esta pesquisa foi um mergulho de valorização, reconhecimento e reflexão

sobre os saberes existentes na comunidade indígena Assuriní do Trocará, lócus da

vivência com o povo indígena. E foi a partir das observações das relações culturais,

sociais, ambientais e pessoais, que percebi que a essência de ser criança

identificada na criança Assuriní é a de uma criança livre, que goza de plena

liberdade e autonomia vivenciar sua infância de forma lúdica, explorando e se

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relacionando harmonicamente com o meio em que vive, transformando as diversas

possibilidades em brinquedos e brincadeiras.

As crianças se manifestavam a respeito de seus brinquedos e brincadeiras

que compõem a cultura da infância dessa comunidade Assuriní do Trocará. Diziam

que seus brinquedos são carrinhos, bolas, bonecas, motinhas, pipas, mas também

os brinquedos construídos por elas mesmas, como brinquedos de argila e da folha

de inajá. Sendo está uma transmissão de saberes.

Suas brincadeiras estão relacionadas com o espaços e lugares da aldeia

que são os rios, as matas, por isso eles banham no rio, nadam, andam de canoa,

pescam, brincam de arco e flecha. Na mata sobem nas arvores, colhem frutos,

desbravam as matas, conhecem plantas e ervas medicinais. As meninas brincam de

casinha e fazem seus utensílios de argila como pequenas panelas, pequenos copos

e pequenos pratos. Acalantam bonecas de pano ou industrializadas que ganham da

comunidade externa. Na construção desses brinquedos de argila e folhas de inajá,

acontecem as relações interindividuais fomentando sempre um conhecimento novo

no processo de aprender a brincar e se constituindo assim seu universo e

simbologias da cultura lúdica infantil dos Assuriní do Trocará.

A aproximação mais sistemática com a realidade das construções

socioculturais, que refletem saberes existentes nos contextos das comunidades

indígenas contribuiu, sobremaneira, para identificar e compreender o processo

educativo a partir desses conhecimentos vivenciados. Embora o olhar e a atenção

estejam especificamente voltados para as ações do brincar, do brinquedo e da

criança indígena, não dá para excluir as relações que se atam e entrelaçam no

espaço da comunidade. Espaço onde brinquedos são construídos e brincadeiras

realizadas ao longo dos rios e das matas. Lugares onde as crianças nadam, pulam,

sobem e descem das árvores e se jogam nos igarapés sem medo, como pássaros

em plena liberdade. Momentos de um brincar que lhes proporciona alegria, riso,

liberdade e o aprendizado indispensável à vida na aldeia, à vida futura.

Mesmo no brincar onde utilizam os brinquedos industrializados que alguns

dizem serem seus preferidos, por achar que são mais bonitos do que aqueles que

elas constroem, é possível perceber a relação de respeito que se estabelece entre

elas ao correrem atrás de uma pipa ou de uma bola, e as regras explícitas ou

implícitas durante as brincadeiras de casinha, onde embalam suas bonecas e

ursinhos.

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Não se pode deixar de perceber o viver dessas crianças sem pressa, o

convívio delas com seus pais, avós e familiares, enfim, com todos os adultos é

calmo e tranquilo, pois em nenhum momento se observou a interferência desses

adultos no jeito de viver a infância. O olhar dos adultos sobre esses seres é como se

ali existisse uma completude e não necessitassem de conselhos, chamadas,

correções ou imposição de disciplinas. Ficou claro nas observações que realizei

durante os períodos de convivência na comunidade Assuriní e nos momentos em

que nos reuníamos nas cirandas de conversa, que as crianças, embora tímidas,

eram integradas, podia-se perceber das crianças que elas queriam participar da

pesquisa, elas sorriam, elas ficavam eufóricas para sair nas fotografias, era um

momento lúdico. Era um momento de ação.

Identificamos os saberes que se apresentam através da cultura nos

momentos de brinquedos e brincadeiras das crianças da etnia Assuriní do Trocará

aprendem, na observação de nas vivências, na construção de uma nova dimensão

de ver. E esse novo aprendizado mais que intrinsicamente acadêmico e científico,

amplia o conhecimento para abstrações e desperta para saberes nunca imaginados

por mim. Muito se pôde aprender com as crianças, modificar o olhar, e adotar novos

conceitos didáticos e pedagógicos na observação vivenciada, nessa renovação e

afirmação de vida, está a visão que eles têm de si mesmos, da sua forma de

respeito com o outro, de ser e agir de forma diferenciada, incentivando a autonomia

das crianças é que se vislumbra a construção da cultura, dos valores e da tradição

da comunidade Assuriní do Trocará.

É pela ludicidade, nas constantes formas e tipos de brincar, que a criança

interpreta significados, traduz, reelabora e adentra no aprendizado de um mundo de

ritos, de simbolismo, de representações, de relatos, de histórias e nelas se

encontram como parte da sociedade e da etnia. Percebe-se que a repetição é

fundamental ao aprendizado, ao escutarem os mais velhos as crianças ficam

extasiadas e vão aprendendo, descobrindo, se preparando nesta aprendizagem para

algum dia transmitirem tais saberes a outras gerações.

As crianças são seres respeitáveis no mundo do adulto. Eles são livres e

tem seu tempo e espaço a seu dispor. Seu aprendizado é pela experiência e

observação do mundo adulto, constroem valores, internalizam condutas e

comportamentos, interagem com outras crianças, aprendem e ensinam descobrem

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valores e desenvolvem seu senso social, moral e estético a partira de seus

brinquedos e brincadeiras.

Para responder o último objetivo deste trabalho, que é analisar a dimensão

educativa dos brinquedos e brincadeiras nas práticas culturais da comunidade

Assuriní, percebi que o processo educativo não formal está presente no cotidiano

dessas crianças, pois, uma vez compreendidas como produtoras de cultura, a

educação está inserida na sua cotidianidade. Uma educação se dá através das

práticas das pinturas corporais, da música, no resgate da língua materna na

construção dos brinquedos, nas brincadeiras, na relação com a natureza, que vão

sendo transmitidas, aprendidas e perpetuadas, constituindo um processo educativo

informal, não normativo, não sistemático, entretanto, tradicional.

A criança é o reflexo do seu contexto e seu comportamento corresponde

àquilo que espelha, porque para ela a brincadeira é um processo de relações com

seus iguais ou mesmo com os adultos, e este processo é uma relação de cultura. A

brincadeira não é inata, é transmitida pelos seus pares e pelos adultos, e a criança é

sempre induzida a tal comportamento que lhe é transferido, portanto, cultural.

Nas experiências e vivências do dia a dia as crianças Assuriní retiram uma

gama de imagens que dão significado à sociedade em seu conjunto, e isto acontece

pela incorporação de componentes produzidos e expostos nas variadas imagens

apresentadas não só por ela como também pelos adultos, mas constituída a partir

das relações sociais, pela interação e pela comunicação das culturas de ambas e

que acontecem em variados espaços, principalmente em casa, na vivência e

convivência familiar.

O conhecimento aqui registrado, as concepções novas adquiridas sobre

infância, criança indígena, brinquedos e brincadeiras foram importantes não só no

que diz respeito a pesquisa e à vida acadêmica, mas como mudança de paradigma

interior. Este estudo não se esgota aqui, nem o conhecimento, nem as

possibilidades futuras, posto que há poucos estudos sobre a cultura das crianças

indígenas, muito ainda necessita ser investigado sobre essas crianças, seja pela sua

cultura, pela sua educação formal ou informal, ou outros elementos culturais/sociais,

que oferecem vastas possibilidades aos pesquisadores que buscam aprender a

singularidade das representações infantis em diferentes sociedades indígenas da

Amazônia ou do Brasil.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Roteiro de perguntas para as Cirandas de Conversa

Nome:

Significado indígena:

Idade:

1) O que é ser criança?

2) Do que você gosta de brincar quando está com seus amigos ou com outras

crianças?

3) Qual a brincadeira que você mais gosta?

4) Você não tem medo de brincar na mata ou no rio?

5) Vocês tem brinquedos? Que brinquedos?

6) Você que fez o brinquedo ou você ganhou? De quem?

7) Quem te ensinou a fazer esse brinquedo?

8) Você ensina os outros a fazer brinquedo? Quem?

9) Você gosta mais dos brinquedos que você faz ou que você ganha? Por quê?

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APÊNDICE B – Autorização Cacique Purakê Assuriní

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APÊNDICE C – Autorização responsável FUNAI Sr. Bruno Henrique Rocha

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APÊNDICE D – Autorização Criança Atawyma Assuriní

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APÊNDICE E – Autorização Criança Hoeton Assuriní

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APÊNDICE F – Autorização Criança Ipìrangawa Assuriní

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APÊNDICE G – Autorização Criança Irinaia Assuriní

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APÊNDICE H – Autorização Criança Iwaia Assuriní

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APÊNDICE I – Autorização Criança Kamya Assuriní

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APÊNDICE J – Autorização Criança Kamuteya Assuriní

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APÊNDICE K – Autorização Criança Kanarina Assuriní

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APÊNDICE L – Autorização Criança Kírinai Assuriní

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APÊNDICE M – Autorização Criança Kominaywa Assuriní

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APÊNDICE N – Autorização Criança Kussameia Assuriní

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APÊNDICE O – Autorização Criança Mukinaia Assuriní

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APÊNDICE P – Autorização Criança Muretenaywa Assuriní

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APÊNDICE Q – Autorização Criança Raisatinga Assuriní

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APÊNDICE R – Autorização Criança Tanaia Assuriní

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APÊNDICE S – Autorização Criança Thyeté Assuriní

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APÊNDICE T – Autorização Criança Toitinga Assuriní

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APÊNDICE U – Autorização Criança Turiangawa Assuriní

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APÊNDICE V – Autorização Criança Tywinaiwa Assuriní

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Travessa Djalma Dutra, s/n – Telégrafo

66113-200 – Belém – Pará – Brasil www.uepa.br