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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA SARAH VIEIRA FIGUEIREDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM MIELOMENINGOCELE: DIREITOS, ACESSO EM SAÚDE E COTIDIANO FORTALEZA 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

SARAH VIEIRA FIGUEIREDO

CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM MIELOMENINGOCELE:

DIREITOS, ACESSO EM SAÚDE E COTIDIANO

FORTALEZA

2014

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SARAH VIEIRA FIGUEIREDO

CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM MIELOMENINGOCELE:

DIREITOS, ACESSO EM SAÚDE E COTIDIANO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva da

Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em Saúde Coletiva, Área de

concentração: Saúde e Sociedade.

Orientadora: Profa. Dra. Ilvana Lima Verde Gomes

FORTALEZA

2014

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Dedicatória

A Deus, meu criador, supremo Senhor e

salvador da minha vida.

Aos meus pais, José Amaro eAuxiliadora,

e aos meus irmãos, por todo apoio e carinho.

A minha irmã Juliana, por todo suporte e

orientação imprescindíveis.

As crianças e aos adolescentes com

necessidades especiais de saúde e suas

famílias.

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Agradecimentos

Agradeço de forma plena a minha professora orientadora Ilvana, por toda a sua

dedicação e apoio, por ter de fato me orientado durante toda a elaboração dessa dissertação.

Muito obrigada por todas as instruções e tempo gasto para que esse trabalho pudesse ser

concluído.

Agradeço a bolsista de Iniciação Científica Ana Carla, que contribuiu

significativamente para a coleta de dados dessa pesquisa. Muito Obrigada pela ajuda!

Agradeço também a todos os docentes do Programa de Pós-Graduação em Saúde

Coletiva da Universidade Estadual do Ceará, que contribuíram consideravelmente para a minha

formação como mestre e desenvolvimento dessa dissertação.

Agradeço ainda ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPQ), por ter apoiado financeiramente essa pesquisa, através de uma bolsa de iniciação

científica.

Agradeço, por fim, ao hospital de referência pediátrica do Ceará que permitiu o

desenvolvimento da pesquisa nessa isntituição, bem como a todos os familiares de crianças e

adolescentes com mielomeningocele por terem acreditado na proposta desse estudo e terem

aceitado participar da pesquisa.

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“Confie no Senhor de todo o seu coração e

não se apóie na sua própria capacidade e

entendimento; lembre-se de colocar Deus em

primeiro lugar, em todos os seus caminhos, e

ele guiará os seus passos, e você andará pelo

caminho certo.”

Pr 3:5-6

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RESUMO

As crianças e os adolescentes com necessidades especiais de saúde são aqueles que

apresentam riscos maiores de possuírem condições físicas, de comportamento ou

desenvolvimento crônicas, representando um novo perfil de usuários com demandas

diversificadas em saúde. Nesse sentido, destaca-se a mielomeningocele, malformação

congênita que gera deficiências físicas e/ou cognitivas, sendo considerada relevante problema

de saúde pública, por repercutir na vida dos indivíduos que a possuem, bem como de sua

família e sociedade em geral, além de demandar um tratamento ininterrupto e cuidado

profissional prolongado. Desse modo, objetivou-se compreender o cotidiano de crianças e

adolescentes com mielomeningocele e suas famílias; compreender as experiências de acesso

de crianças e adolescentes com mielomeningocele na rede de atenção à saúde; analisar,

através da experiência de familiares, os direitos existentes nas Políticas Públicas de Saúde do

Brasil implementados na atenção as crianças e aos adolescentes com mielomeningocele; e

analisar o conhecimento das famílias sobre os direitos em saúde dessas crianças e desses

adolescentes. Trata-se de um estudo qualitativo, desenvolvido com 15 familiares, em hospital

de referência pediátrica do Ceará, após aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa dessa

instituição (parecer n°401.189). A coleta de dados ocorreu em setembro de 2013 a fevereiro

de 2014 através de entrevista semi-estruturada e observação sistemática. Os achados foram

analisados através da Análise Categorial Temática de Bardin, sendo elencadas as categorias:

O cotidiano de crianças e adolescentes com mielomeningocele e suas famílias; O acesso de

crianças e adolescentes com mielomeningocele na Rede de Atenção à Saúde do SUS; Os

direitos em saúde das crianças e dos adolescentes com mielomeningocele: entraves e avanços.

Os resultados revelaram que as famílias sofrem grandes alterações com a chegada de um novo

membro com necessidades especiais de saúde, sendo que a mãe passa a configurar-se como a

principal cuidadora. Ante as diferentes sequelas decorrentes da mielomeningocele, a criança e

o adolescente dependem de atendimentos contínuos em todos os serviços da Rede de Atenção

à Saúde. Entretanto, a maioria mostrou-se inapropriado fisicamente para receber essas

pessoas, em virtude da ausência de adaptações que possibilitasse o seu acesso, além de

existirem serviços com profissionais pouco capacitados para atender as demandas dessas

pessoas em adoecimento crônico. Destaca-se ainda, a baixa interação existente entre os

serviços da rede, com falhas de referenciamento e os obstáculos no acesso a estes. Quanto aos

direitos, percebeu-se o pouco conhecimento das famílias acerca das políticas públicas de

saúde existentes que poderiam beneficiar seus filhos, em virtude da escassez de orientação, e

os diversos obstáculos enfrentados para conseguirem sua aquisição. Conclui-se que há a

necessidade de reestruturação dos serviço públicos de saúde do Ceará, de forma a sofrerem

adaptações que contribuam para a acessibilidade dos seus usuários, bem como haja uma maior

capacitação dos profissionais de saúde em todos os níveis de atenção, para que estes estejam

aptos a assistir pessoas cronicamente adoecidas. Ademais, destaca-se a necessidade de uma

maior discussão acerca de estratégias para real concretização das políticas públicas, que há

mais de duas décadas visam favorecer pessoas com necessidades especiais de saúde.

Palvras-chave: Meningomielocele. Defesa da criança e do Adolescente. Acesso aos Serviços

de Saúde. Políticas Públicas de Saúde. Assistência Integral à Saúde.

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ABSTRACT

Children and adolescents with special health care needs are those who have greater riks of

having physical onditions, of behavior, or development chronic, representing a new profile of

users with diverse health care needs. In this sense, stands out the myelomeningocele,

congenital malformation that causes physical and/or cognitive disabilities, it is considered

relevant public health problem, by impacting the lives of individuals who possess it, as well

as their family and society in general, and demand a uninterrupted treatment and prolonged

professional care. Thus, the objective was understanding the daily life of children and

adolescents with myelomeningocele and their families; understanding the experiences of

access of children and adolescents with myelomeningocele in the health care network;

analyze, through the experience of family members, the existing rights in the Public Health

Policies in Brazil implemented into health care children and adolescents with

myelomeningocele; and analyzing the knowledge of families on health rights of these children

and adolescents. This is a qualitative study, conducted with 15 families in a pediatric

reference hospital in Ceará, after approval by the Ethics and Research Committee of this

institution (No. 401 189). The data was collected in September 2013 to February 2014

through semi-structured interviews and systematic observation. The findings were analyzed

by Categorical Analysis Thematic of Bardin, being listed categories: The daily life of children

and adolescents with myelomeningocele and their families; The access of children and

adolescents with myelomeningocele in Health Care Network of SUS; The health rights of

children and adolescents with myelomeningocele: obstacles and advances. The results

revealed that families undergo large changes with the arrival of a new member with special

health care needs, and the mother started to set yourself up as the main caregiver. Faced with

different sequelae resulting from myelomeningocele, the child and the adolescent depend on

continuous care in all services of the Health Care Network. However, the majority showed up

be physically inappropriate to receive these people, because of the lack of adaptations that

enabled your access, plus there are little services with professionals trained to meet the

demands of those people with chronic illness. We also emphasize, the low interaction between

network services, with referencing failures and obstacles in access to them. As for rights, we

noticed the low knowledge of families about the health policies existing that could benefit

their children, due to the lack of guidance, and the various obstacles facing to get the

acquisition. We conclude there is a need to restructure the public health service of Ceará, in

order to undergo adaptations that contribute to the accessibility of their users, as well as there

is more qualification of health professionals at all levels of care, to they are able to care

chronically sick people. Moreover, we highlight the need for more discussion of strategies for

the real implementation of public policies, which for more than two decades seek to favor

people with special health needs.

Keywords: Meningomyelocele. Child Advocacy. Health Services Accessibility. Health

Public Poliy. Comprehensive Health Care.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Mielomeningocele (Fraga et al., 2010). 19

Quadro 1 Caracterização dos responsáveis. Fortaleza, CE. 2014. 49

Quadro 2 Caracterização das crianças e dos adolescentes. Fortaleza, CE. 2014. 52

Figura 2 Criança com mielomeningocele Dara. Fortaleza, CE. 2014. 55

Figura 3 Criança com mielomeningocele Davi. Fortaleza, CE. 2014. 71

Figura 4 Adolescente com mielomeningocele Zilá. Fortaleza, CE. 2014. 118

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APS - Associação das Pioneiras Sociais

BPC - Benefício de Prestação Continuada

CADEE - Centro de Apoio e Desenvolvimento de Educação Especial

CER - Centro Especializado em Reabilitação

CIES - Centro de Integração Escola, Saúde e Assistência Social

CONADE - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência

CVA - Cateterismo Vesical de Alívio

DVP - Derivação Ventricular Peritoneal

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

ECLAMC - Estudo Latino-Americano Colaborativo de Malformações Congênitas

ESF - Estratégia de Saúde da Família

ETUFOR - Empresa de Transporte Urbano de fortaleza

HP - Hospital Pediátrico de Referência

HR - Hospital de Reabilitação de Referência Nacional

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde

MEDLINE - Medical Literature Analysis and Retrieval System Online

NAMI - Núcleo de Atenção Médica Integrada

NASF - Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NETIIF - Núcleo Especializado em Tratamento Infantil da Incontinência Fecal

NOEL - Núcleo de Orientação e Estimulação ao Lactente

OMS - Organização Mundial de Saúde

PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos

RAS - Rede de Atenção à Saúde

RENAME – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

SAME - Serviço de Arquivo Médico e Estatística

SCIELO - Scientific Electronic Library Online

SNAPU - Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos

SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

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SUS - Sistema Único de Saúde

SVA- Sondagem Vesical de Alívio

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UBS - Unidade Básica de Saúde

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA E AOS OBJETIVOS 13

1.1 Aproximação do pesquisador com o objeto 13

1.2 Contextualização do objeto 13

1.3 Objetivos 19

2 REFERENCIAL TEÓRICO 20

2.1 A fisiopatologia da mielomeningocele e suas implicações 20

2.2 O serviço público de saúde e a criança/adolescente com

mielomeningocele

24

2.3 Políticas Públicas de Saúde no Brasil 30

2.4 Direitos em saúde que beneficiam as crianças e os adolescentes com

mielomeningocele

35

3 METODOLOGIA 44

3.1 Tipo de estudo 44

3.2 Cenário de pesquisa 44

3.3 Participantes da pesquisa 46

3.4 Estratégias e técnicas para a coleta das informações 47

3.5 Estratégia para a análise das informações 49

3.6 Questões éticas da pesquisa 50

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 51

4.1 Caracterização dos participantes, das crianças e dos adolescentes 51

4.2 O cotidiano de crianças e adolescentes com mielomeningocele e suas

famílias

57

4.3 O acesso de crianças e adolescentes com mielomeningocele na Rede de

Atenção à Saúde do SUS

73

4.4 Os direitos em saúde das crianças e dos adolescentes com

mielomeningocele: entraves e avanços

118

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 134

REFERÊNCIAS 138

APÊNDICES 152

APÊNDICE A - Instrumento para coleta de dados - Roteiro de

Entrevista Semi-Estruturada I - Entrevista com o familiar

153

APÊNDICE B - Instrumento para coleta de dados - Roteiro para

Observação Sistemática

155

APÊNDICE C - Termo de consentimento livre e esclarecido –

Familiares

156

APÊNDICE D – Termo de consentimento livre e esclarecido –

Fotografia

157

ANEXOS 158

ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa 159

ANEXO B – Autorização do chefe do serviço 162

ANEXO C – Declaração de pré-anuência 163

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13

1 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA E AOS OBJETIVOS

1. 1 Aproximação do pesquisador com o objeto

A partir da vivência em um ambulatório de acompanhamento a crianças e

adolescentes com mielomeningocele, em um hospital escola de referência pediátrica no estado

do Ceará, teve-se uma aproximação com alguns profissionais assistenciais que exercem o

cuidado a esses usuários, havendo a possibilidade de conhecer sua assistência prestada e

experiência cotidiana.

Através da observação da terapêutica fornecida a esses indivíduos e do contato

com a equipe de saúde, que manifestou sua concepção e experiência ao realizar esse cuidado,

revelando alguns desafios que estas crianças e estes adolescentes enfrentam no acesso ao

serviço de saúde, o pesquisador foi impelido acerca do objeto dessa pesquisa, levando-o a

buscar um aprofundamento dessa temática, principalmente após a formulação de alguns

questionamentos sobre o assunto e do reconhecimento das lacunas existentes na literatura.

Outro aspecto que fomentou o interesse por esta temática foi o conhecimento, por

meio de um relato de uma mãe de um adolescente com mielomeningocele, de sua experiência

e dos obstáculos que ela enfrenta junto com o filho no cotidiano, principalmente na busca por

seus direitos e por uma atenção à saúde de qualidade.

Ademais, observou-se que apesar de existirem muitos direitos em favor dos

portadores de deficiência, que incluem as crianças e os adolescentes com mielomeningocele,

não se sabe se de fato estes tem sido implementados. Por outro lado, não foi encontrado na

literatura brasileira nenhum direito específico para essa parcela da população, que apresenta

diversas complicações decorrentes dessa enfermidade.

Conhecer, portanto, a experiência da família é essencial para compreender os

desafios vivenciados no dia a dia, e as necessidades particulares enfrentadas, visando um

aprofundamento da discussão sobre a temática que forneça embasamento para a construção de

uma atenção em saúde que gere mais qualidade de vida para as pessoas com

mielomeningocele e suas famílias.

1. 2 Contextualização do objeto

A mielomeningocele, ou meningomielocele, denominação menos utilizada,

representa um defeito na formação do tubo neural, sendo classificada como um tipo de

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espinha bífida (defeito congênito que atinge a medula espinhal, bem como as estruturas que a

protegem), onde há exteriorização nervosa e das meninges, e que, consequentemente, gera

sequelas graves nos indivíduos que apresentam essa mal-formação, como complicações

neurológicas, deformidades, déficit de sensibilidade, alterações no trato urinário e no

funcionamento intestinal (SOUZA et al., 2007; CORNEGÉ- BLOKLAND et al., 2011).

No contexto mundial, defeitos no tubo neural têm uma incidência que varia entre

0,79 a 6,39 por mil nascidos vivos. Dentre esses, a mielomeningocele representa

aproximadamente 75% dos casos de espinha bífida, sendo a forma mais grave, em

consequência das sequelas decorrentes da exposição do tecido nervoso (CIPRIANO;

QUEIROZ, 2008; BOWMAN; BOSHNJAKU; MCLONE, 2009).

A segunda edição do Atlas Mundial de Defeitos Congênitos, elaborado pela

Organização Mundial de Saúde (OMS), apresentou dados variáveis de defeitos do tubo neural

para diversos países, no período de 1993 a 1998. No Brasil, as estatísticas foram coletadas em

11 maternidades por meio do Estudo Latino-Americano Colaborativo de Malformações

Congênitas (ECLAMC). Entre os resultados, a OMS revelou que as menores prevalências de

espinha bífida por mil habitantes ocorreram na França/Paris (0,077) e Inglaterra/País de Gales

(0,095), e as maiores no Brasil (1,139), Bulgária (1,152), Venezuela (1,196) e México

(1,525). De acordo com esse estudo, o Brasil encontra-se na quarta posição na prevalência de

espinha bífida entre os países pesquisados (WHO, 2003). Levantamento de 2001 do

ECLAMC mostrou taxa de 3,3 por mil nascidos vivos no Brasil, sendo a maior entre os cinco

países avaliados (CASTILLA et al., 2003).

São escassos na literatura os dados nacionais acerca dessa taxa, existindo apenas

alguns estudos pontuais. Entre esses, um realizado em Minas Gerais revelou prevalência de

4,3:1000 nascimentos, entre 1990-2000, e outro de Recife mostrou taxa de 5:1000, no período

de 2000-2004 (AGUIAR et al., 2003; PACHECO et al., 2006).

A etiologia da mielomeningocele ainda é desconhecida, porém pesquisas têm

sugerido que a causa seja multifatorial, relacionada a aspectos genéticos e ambientais como:

diabetes, obesidade materna, deficiência de zinco, ingestão de álcool durante o primeiro

trimestre gestacional, fatores socioeconômicos, consumo de alimentos contaminados com

inseticidas, uso de anticonvulsivantes e agentes anestésicos, entre outros (BRONZERI et al.,

2011).

Entretanto, destaca-se que a carência do ácido fólico no organismo materno é o

fator de risco mais importante, por estar relacionado com a embriogênese e formação

adequada do tudo neural, sendo imprescindível nesse processo. Portanto, a partir desse

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conhecimento, o Ministério da Saúde passou a preconizar a administração preventiva de ácido

fólico no período pré-gestacional, especialmente quando as mulheres apresentam antecedentes

desse tipo de malformação, e no período gestacional. Ademais, a Agência Nacional de

Vigilância Sanitária (ANVISA), considerando a recomendação da Organização Pan-

Americana de Saúde (OPAS), tornou obrigatória a partir de 2004 a fortificação das farinhas

de trigo e milho com 150mcg/100g de ácido fólico (BRASIL, 2006a; SOUSA; BARROS,

2010). Nos Estados Unidos, essa medida levou a uma considerável redução de

aproximadamente 19% na incidência de defeitos no tubo neural, demonstrando a real eficácia

dessa estratégia para a prevenção desses problemas congênitos (SOUSA et al., 2007).

O diagnóstico da mielomeningocele pode ser realizado ainda no período pré-natal

por meio da ultrassonografia, onde é possível a observação do alargamento do canal vertebral,

da dosagem de alfa-fetoproteína e eletrotroforese de acetilcolinesterase no líquido amniótico.

Contudo, no Brasil, a maioria desses exames não é realizada de forma rotineira na atenção

básica de saúde durante o acompanhamento pré-natal. Assim sendo, em alguns estudos

nacionais, uma taxa elevada de gestantes não tiveram o diagnóstico durante o período

gravídico, ou tiveram apenas ao final da gestação (ROCCO; SAITO; FERNANDES, 2007a;

SBRAGIA et al., 2004).

Ressalta-se ainda que apesar da ultrassonografia ser um procedimento

amplamente realizado durante o período gestacional, inclusive na rede pública de saúde, a

identificação da mielomeningocele dependerá de uma série de fatores, entre eles a posição

fetal, a qualidade do aparelho e a experiência do profissional de saúde na realização e

interpretação do exame, fatores que também podem relacionar-se com a frequência de

diagnósticos tardios (HISABA et al., 2003).

Ao nascimento de um neonato com mielomeningocele, a cirurgia é necessária

ainda nos primeiros dias de vida, preferencialmente nas primeiras 24 horas, objetivando a

redução das possíveis sequelas e do agravamento do quadro clínico. Dentre as complicações

mais presentes estão: paralisia de membros inferiores, distúrbios de sensibilidade cutânea,

incontinência urinária e intestinal, deformidades musculoesqueléticas e hidrocefalia.

(MACDONALD; SESHIA; MULLET, 2007; CIPRIANO; QUEIROZ, 2008).

Em virtude dessas sequelas, as crianças e adolescentes com mielomeningocele

irão necessitar de uma maior atenção e cuidado dos seus familiares, além de terem que

enfrentar diversos desafios na realização de suas atividades de vida diárias, devido,

principalmente, aos limites de mobilidade e a presença de incontinência fecal e urinária que

irão requerer a realização de alguns procedimentos domiciliares, como a Sondagem Vesical

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de Alívio (SVA), e utilização de equipamentos de suporte locomotor (CIPRIANO;

QUEIROZ, 2008; SOUSA; BARROS, 2010).

Ressalta-se também, que além da atenção clínica, reabilitadora e desses cuidados

domiciliares, igualmente devem ser consideradas as necessidades psicossociais das pessoas

com mielomeningocele, como de relacionar-se com outros indivíduos, possuir momentos de

lazer e ter acesso à escola/educação, o que irão demandar tempo e condições financeiras para

a sua concretização.

Desse modo, a mielomeningocele é considerada uma doença crônica e relevante

problema de saúde pública, por repercutir na vida do indivíduo que a possui, bem como de

sua família e sociedade em geral, além de implicar em uma adesão terapêutica de reabilitação

complexa, impondo a necessidade de adaptações, cuidados contínuos pelos familiares e de

serviços de saúde que ofereçam suporte prolongado e de qualidade (GAIVA; NEVES;

SIQUEIRA, 2009).

De acordo com a OMS, as doenças crônicas são as principais causas de mortes e

incapacidades no mundo, sendo definidas como aquelas que possuem longa permanência,

evolução lenta, sendo normalmente recorrentes e que, consequentemente, contribuem para o

sofrimento dos indivíduos, das famílias e da sociedade, requerendo atenção contínua e

esforços de um conjunto de equipamentos e políticas públicas (OMS, 2005). Assim sendo, a

mielomeningocele é considerada uma doença crônica, por demandar um tratamento

ininterrupto, cuidado profissional prolongado e internações frequentes (GAIVA; CORREIA;

SANTO, 2011).

Para que ocorra esse atendimento nos serviços de saúde e seja possível à

realização dos cuidados domiciliares de forma adequada são necessárias Políticas Públicas de

Saúde que forneçam suporte a esses usuários e aos seus familiares. Nesse sentido, efetivou-se

uma busca nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (Scielo), Medical

Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) e Literatura Latino-americana e do

Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), em março de 2013, realizando-se diversos cruzamentos

com os descritores “Meningomielocele”, “Direitos”, “Espinha Bífida Cística”, “Políticas

Públicas de Saúde”, “Políticas Públicas”, “Acesso aos serviços de Saúde” e “Saúde Pública”,

com o intuito de conhecer essa temática e as discussões já realizadas sobre o assunto. No

entanto, apenas um artigo foi encontrado sobre esse tema, que aborda a acessibilidade a três

benefícios legais dos portadores de deficiência física com mielomeningocele, no município do

Rio de Janeiro (ELIAS; MONTEIRO; CHAVES, 2008). O restante dos artigos resultante

dessas buscas abordavam apenas os aspectos clínicos e fisiopatológicos da mielomeningocele,

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como o tratamento, a utilização do ácido fólico como medida preventiva, o uso de tecnologia

assistida, além de alguns estudos de prevalência e de associação (MACNEILY; MORRELL;

SECORD, 2005; JOHNSON et al., 2007; WOODHOUSE, 2008; PACHECO et al., 2009;

AU; ASHLEY-KOCH; NORTHRUP, 2010; SWARTWOUT et al., 2010)

Destaca-se ainda, serem escassas no Brasil pesquisas atuais acerca das diversas

questões que envolvem os portadores de mielomeningocele, sendo notória a maior

prevalência de estudos internacionais, que têm buscado aprofundar esse assunto no intuito de

contribuir para essa parcela da população, bem como para a prevenção dessa enfermidade.

Somado a isso está o fato de não haver nenhum estudo que aborde a incidência nacional da

mielomeningocele, sendo as estatísticas existentes muito limitadas a algumas maternidades de

determinadas cidades brasileiras, o que pode dificultar o manejo das ações, serviços e

políticas públicas de saúde na atenção as pessoas com essa patologia.

Justifica-se esse estudo, portanto, devido à lacuna na literatura de novos estudos

que tragam ao debate discussões sobre esse conteúdo, abordando as Políticas Públicas de

Saúde instituídas em favor das pessoas com mielomeningocele e que revelem como tem sido

o funcionamento e o acesso ao serviço público de saúde. Ademais, as complicações

decorrentes dessa patologia trazem múltiplas repercussões na vida da criança, do adolescente

e de suas famílias, sendo imperativa a necessidade de desenvolvimento de novos estudos,

objetivando o aprofundamento não apenas de conhecimentos que abordem os aspectos

clínicos dessa enfermidade, mas que envolvam as diversas dimensões do viver com essa

condição crônica. Desse modo, será possível discutir a criação de cartilhas educativas,

estratégias e políticas que auxiliem essas crianças e suas famílias em suas necessidades de

vida diárias e de saúde (MEDEIROS et al., 2011).

Além disso, existe a necessidade de compreender melhor os direitos em saúde

existentes no Brasil que favoreçam essa parcela da população, como tem sido a experiência da

família na sua obtenção, o acesso aos serviços de saúde, o cotidiano dessas pessoas, bem

como suas necessidades para desenvolverem-se de forma mais saudável e com qualidade de

vida.

Nesse contexto, ressalta-se também que apesar de haverem mais de duas décadas

desde a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), são escassas as pesquisas acerca

do acesso da população com deficiência ou restrição permanente a este sistema, o que

permitiria a formulação de parâmetros para a construção de um serviço de saúde mais

resolutivo e voltado às necessidades locais da população (AMARAL et al., 2012).

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O Ministério da Saúde, ao longo dos últimos anos, tem estabelecido algumas leis,

decretos e portarias que favorecem os portadores de algumas doenças crônicas, assegurando-

lhes alguns direitos, como a Osteogênese imperfeita, doenças neuromusculares, Síndrome de

Down, Autismo, entre outras, havendo a necessidade de que essas políticas públicas sejam

avaliadas, visando a sua real implementação, e expandidas para os portadores de outras

necessidades crônicas de saúde, como a mielomeningocele.

A Carta dos Direitos dos Usuários do SUS preconiza, em seu primeiro princípio,

que seja assegurado o direito ao acesso às ações e aos serviços de promoção, proteção e

recuperação da saúde promovidos pelo SUS a todos os cidadãos, implicando o fim das

possíveis barreiras arquitetônicas e de comunicabilidade, oferecendo condições de

atendimento adequadas especialmente as pessoas com deficiências, idosos e gestantes

(BRASIL, 2006b).

Desse modo, alguns questionamentos foram elencados, que procuramos discuti-

los durante a realização dessa pesquisa, entre eles: Como tem sido o cotidiano de crianças e

adolescentes com mielomeningocele e suas famílias? Qual a experiência dessas pessoas

acerca do acesso das crianças e dos adolescentes com mielomeningocele na rede de atenção à

saúde (nos serviços de nível primário, secundário e terciário)? Quais são os direitos existentes

nas Políticas Públicas de Saúde do Brasil e implementados na atenção as crianças e aos

adolescentes com mielomeningocele? Qual tem sido o conhecimento da família desses

usuários acerca dos direitos em saúde dessas crianças/adolescentes?

Nesta perspectiva, elegeu-se como objetos de pesquisa o acesso ao serviço público

de saúde, os direitos em saúde implementados na atenção às crianças e aos adolescentes com

mielomeningocele e o cotidiano dessas crianças, desses adolescentes e de suas famílias.

A partir desta pesquisa será possível à obtenção de subsídios para a apreensão de

novos conhecimentos acerca da atenção em saúde à criança e ao adolescente com

mielomeningocele, e uma melhor compreensão das Políticas Públicas em Saúde existentes e

instituídas na prática para essa parcela da população. Dessa forma, haverá a possibilidade de

uma melhor discussão sobre a temática e posterior aperfeiçoamento e/ou criação de

estratégias que favoreçam a atenção em saúde, a partir de um serviço público que considere o

universo em que esses usuários vivem, com suas particularidades e necessidades cotidianas.

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1.3 Objetivos

- Compreender o cotidiano de crianças e adolescentes com mielomeningocele e

suas famílias;

- Compreender as experiências de acesso de crianças e adolescentes com

mielomeningocele na rede de atenção à saúde;

- Analisar, através da experiência de familiares, os direitos existentes nas Políticas

Públicas de Saúde do Brasil implementados na atenção as crianças e aos adolescentes com

mielomeningocele;

- Analisar o conhecimento das famílias sobre os direitos em saúde dessas crianças

e desses adolescentes.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A fisiopatologia da mielomeningocele

Para chegar-se aos objetivos dessa pesquisa, acredita-se ser importante discutir

acerca dos aspectos clínicos inerentes a mielomeningocele, bem como suas sequelas e

consequentes implicações na vida das pessoas que possuem essa patologia, de forma a melhor

compreender-se os fatores referentes ao acesso, o atendimento e os direitos em saúde.

As malformações do tubo neural ocorrem na fase inicial do desenvolvimento fetal,

entre a terceira e quinta semana gestacional, e acometem o arcabouço primitivo do tubo neural

que originará as estruturas do sistema nervoso, como o cérebro e a medula espinhal, e embora

esses comprometimentos sejam passíveis de correção cirúrgica, as lesões nervosas são

permanentes e apresentam diferentes tipos de complicações (SANTOS; PEREIRA, 2007).

Não é prevista na legislação nacional a interrupção médica da gravidez nesses

casos de malformações congênitas, o que fortalece a necessidade de conhecer-se melhor sua

evolução e possíveis aperfeiçoamentos terapêuticos, visando uma reabilitação e tratamento

precoce, que possibilitem uma melhor qualidade de vida para um número significativo de

pessoas (SBRAGIA et al., 2004).

Entre esses defeitos congênitos neuronais, a anencefalia caracteriza-se como a

ausência completa ou parcial do cérebro e da calota craniana, a encefalocele como herniação

do cérebro e/ou meninges por meio de um defeito na calota e a espinha bífida como alteração

no fechamento ósseo posterior da coluna vertebral, podendo ser recoberto por pele (espinha

bífida oculta) ou estar associado a uma protusão cística (espinha bífida cística) (AGUIAR et

al., 2003; SOUZA et al., 2007). A espinha bífida cística pode ainda ser classificada quanto

ao envolvimento de meninges, líquido cefalorraquiano e raízes nervosas na protrusão cística,

em: meningocele, mielomeningocele e mielocele (SOUZA et al., 2007).

A figura na página a seguir mostra a forma de apresentação da mielomeningocele:

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Figura 1: Mielomeningocele (FRAGA et al., 2010).

Por exteriozar os componentes da medula espinhal, há um comprometimento

neurológico, caracterizando-se pela presença de hidrocefalia em 85% dos casos e alta

frequência de associação com a malformação congênita de Arnold-Chiari. Essas complicações

cerebrais associadas podem intensificar e/ou ocasionar deficiências intelectuais, motoras e

visuais (SBRAGIA et al., 2004; CHRISTOFOLETTI et al., 2007; MEDEIROS et al., 2011).

Não existe um consenso na literatura acerca do tipo de parto ideal nesses casos

clínicos, que possibilite um melhor prognóstico neurológico. Por outro lado, estudiosos

descrevem uma série de opções para o reparo da mielomeningocele, não havendo uma técnica

única para os diferentes tipos e níveis lesionais. A escolha dependerá da familiaridade do

cirurgião com a técnica e da possibilidade de máxima resolutividade, com uma baixa

morbidade (FRAGA et al., 2010).

Após o parto e nascimento da criança, objetivando um aumento da sobrevida,

preconiza-se que o fechamento da bolsa que expõe as estruturas nervosas seja feito nas

primeiras 24 horas de vida e que haja o controle da hidrocefalia com a instalação da

Derivação Ventricular Peritoneal (DVP) ainda nos primeiros meses de vida (ROCCO;

SAITO; FERNANDES, 2007a).

A sobrevida dessas pessoas aumentou significativamente durante os últimos anos,

em decorrência desse tratamento intervencionista precoce, dos avanços nas áreas da

neurocirurgia e pediatria, das melhorias no tratamento da bexiga neurogênica e de um

atendimento e acompanhamento por uma equipe multidisciplinar especializada, o que tem

possibilitado-as atingirem a fase adulta. Por outro lado, as principais causas de morte nos

primeiros anos de vida são a hidrocefalia e suas complicações, a pielonefrite e a falência renal

(SOUZA et al., 2007; ROCCO; SAITO; FERNANDES, 2007b).

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A criança e o adolescente portadores de mielomeningocele necessitam, portanto,

de um processo de reabilitação precoce e um acompanhamento contínuo com especialistas,

aliado as novas tecnologias e tratamentos terapêuticos, objetivando a redução de futuras

complicações decorrentes de uma terapêutica insatisfatória e tardia.

Segundo Collange et al. (2008) e Rocco, Saito e Fernandes (2007b), as

complicações neurológicas consequentes da mielomeningocele variam de acordo com o nível

da lesão, havendo um comprometimento maior nos níveis mais altos (torácicos),

influenciando a movimentação dos membros inferiores e, em uma minoria das vezes, dos

membros superiores, o acarreta em dificuldades para o desempenho funcional nas atividades

de vida cotidiana, como o autocuidado, a deambulação e função social.

Nesse sentido, a marcha das pessoas com mielomeningocele tem sido um aspecto

funcional bastante estudado entre os pesquisadores, sendo classificada há algumas décadas

por Hoffer (1973) em:

Comunitária: conseguem caminhar dentro e fora do domicílio para a maioria de suas

atividades diárias, podendo precisar de muleta ou andador, ou de ambos. Usam

cadeiras de rodas apenas em longas distâncias fora da comunidade;

Domiciliar: caminham apenas dentro de casa e com auxílio de dispositivos,

necessitando de pequena ou nenhuma ajuda para sair da cadeira de rodas para a cama

e vice-versa (independentes para transferências). Utilizam órteses ou cadeira de rodas

para deambular na comunidade e algumas vezes no domicílio;

Não funcionais: deambulam apenas na fisioterapia e usam cadeiras de rodas para

satisfazer todas as suas necessidades;

Não deambulador: usam cadeiras de rodas para todas as atividades, mas normalmente

conseguem transferir-se da cadeira de rodas para a cama (podendo ser independentes

em transferências).

A perda da função de alguns grupos musculares inferiores, associada a fatores

genéticos e ambientais e ao déficit de estatura têm contribuído para o frequente surgimento de

sobrepeso e/ou obesidade e desvios nutricionais nessas crianças e adolescentes com

mielomeningocele, e não somente a ingestão alimentar excessiva, que, na verdade, tem sido

objeto de discussões, já que alguns estudos afirmam que essas pessoas apresentam recusa

alimentar, associada ao desconforto na cavidade oral (hipersensibilidade), tornando o

processo de alimentação algo desprazeroso (COELHO et al., 2009; BRONZERI et al., 2011).

Dessa maneira, ressalta-se a importância de ser feito um acompanhamento nutricional desses

usuários, pois muitas vezes o sobrepeso pode omitir a presença de déficits nutricionais, além

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de ser um fator que dificulta o transporte da criança e do adolescente, seja no colo ou na

cadeira de rodas (GAIVA; NEVES; SIQUEIRA, 2009).

Além das alterações motoras definidas conforme a altura do comprometimento

neuronal, a mielomeningocele também se caracteriza por alterações sensitivas, que podem

facilitar a formação de úlceras por pressão, mal perfurante plantar, ou queimaduras (ROCCO;

SAITO; FERNANDES, 2007a). Nesse sentido, observa-se a importância da orientação para

os cuidadores e familiares da criança e do adolescente sobre as medidas de prevenção para

tais agravos, visando à redução e formação de novos comprometimentos clínicos, o que

poderá influenciar diretamente na qualidade de vida dessas pessoas.

O comprometimento neurológico também poderá acarretar complicações

urológicas (infecções de repetição, insuficiência renal, bexiga neurogênica, cálculos),

intestinais (incontinência), ortopédicas (deformidades em tronco e membros) e disfunções

sexuais (CORNEGÉ-BLOKLAND et al., 2011).

Entretanto, de acordo com Sá et al., (2010) as complicações urológicas são um

dos motivos de maior preocupação entre os profissionais de saúde, por ser infrequente a

possibilidade dessas crianças evoluírem com continência urinária e devido a possibilidade do

trato urinário superior ser gravemente afetado, tornando-se necessária uma avaliação

urodinâmica precoce, vista como o padrão-ouro no diagnóstico da bexiga neurogênica, e

contínua monitorização das suas funções renais, visando a preservação dessas vias urinárias

superiores ao longo da vida.

Quanto às funções cognitivas, pesquisadores observaram que as pessoas com

mielomeningocele podem apresentar comprometimento principalmente no processamento de

ordens complexas, com consequente falta de concentração durante a realização de suas

atividades, em razão da alta distraibilidade, e dificuldades de aprendizagem (ASSIS;

MARTINEZ, 2011). Para Bronzeri et al. (2011), a partir da discussão sobre algumas

pesquisas, essas alterações podem estar relacionadas a presença de hidrocefalia associada a

mielomeningocele, por gerar aumenta da pressão intracraniana.

Desse modo, ao serem inseridas no ambiente escolar, essas crianças e esses

adolescentes precisam receber um suporte e atenção especial por parte dos educadores, que

devem estar capacitados para acolhê-los e ensiná-los, a partir desse entendimento sobre os

seus déficits cognitivos que podem estar presentes e suas particularidades inerentes a

mielomeningocele.

Outro aspecto peculiar a ser ressaltado é o fato desses indivíduos, ao serem

submetidos a vários procedimentos cirúrgicos, com exposição a cateteres, luvas e derivações

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ventriculares, possuírem um risco elevado de desenvolverem sinais clínicos de alergia ao

látex. Nesse sentido, Yeh et al. (2012) reforçam a necessidade de que os recém-nascidos

diagnosticados com mielomeningocele sejam submetidos a procedimentos látex-free,

preferencialmente, prevenindo sensibilizações e futuras complicações alérgicas.

Todas essas alterações fisiológicas no organismo da criança e do adolescente

podem acarretar, além dos prejuízos acima citados, implicações na sua autoestima e em suas

interações sociais, aspecto também preocupante por influenciar na sua qualidade de vida e de

seus familiares. Logo, são inúmeros os fatores biopsicossociais que envolvem a vida dessas

pessoas, com diferentes consequências que poderão gerar alguns desafios diários e

necessidades individuais de atenção e cuidado em saúde.

2.2 O serviço público de saúde e a criança/adolescente com mielomeningocele

As crianças e os adolescentes com necessidades especiais de saúde são aqueles

que apresentam riscos maiores de possuírem condições físicas, de comportamento,

desenvolvimento ou emocional crônicas, representando hoje um novo perfil de clientela com

necessidades diversificadas em saúde, principalmente de serviços especializados para prover

suas demandas e uma equipe multiprofissional qualificada que forneça um atendimento

interdisciplinar para estes e suas famílias (REZENDE; CABRAL, 2010; REIS; SANTOS;

MENDES, 2011).

Dentro desse contexto, o usuário com mielomeningocele depende frequentemente

e de forma contínua do serviço público de saúde e desses cuidados especiais, tanto por pioras

no seu quadro clínico, como para o seu acompanhamento, tratamento e processo de

reabilitação, ao mesmo tempo em que a família precisa de apoio emocional e auxílios para o

seu cuidado no ambiente domiciliar, após a alta hospitalar.

Esse suporte domiciliar envolve a capacitação e o apoio familiar pelos

profissionais de saúde para o desenvolvimento de uma assistência satisfatória à criança e ao

adolescente, e a provisão com os materiais e equipamentos necessários, que demandam altos

custos tanto para a família, como para o Estado. Dentre os materiais necessários, estão os de

tecnologia assistida (órteses, tutor, botas, palmilhas, cadeira de rodas, bengalas) e de uso

diário (sondas vesicais, fraldas, medicamentos, entre outros) (GAIVA; CORRÊA; SANTO,

2011).

Além das dificuldades clínicas e financeiras existentes no cotidiano do cuidar

dessas pessoas, a família também precisa gerir os problemas advindos da baixa eficiência do

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sistema público de saúde, no contexto das doenças crônicas, tais como: dificuldades no acesso

a um tratamento especializado, para a realização de exames de monitoramento da função renal

e no atendimento nos serviços de reabilitação (GAIVA; NEVES; SIQUEIRA, 2009).

Da mesma forma, ressalta-se que para uma atenção integral a essa criança e esse

adolescente, esta deva ser assegurada na rede de serviços públicos de saúde, em todos os

níveis de atenção, para que também seja garantido o recebimento de um tratamento adequado

as suas queixas de saúde com baixo grau de complexidade, nos serviços primários e

secundários próximos a sua residência.

De acordo com o Decreto n°7.508 de 2011, a Rede de Atenção à Saúde (RAS) é

definida como “conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade

crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde.” É formada por

meio de arranjos organizacionais que envolvem serviços com diferentes níveis de tecnologia e

funções assistenciais, interrelacionados de forma complementar, com base nos seus territórios

de atuação (BRASIL, 2011b).

Assim sendo, essa rede deve funcionar por meio de uma interação entre os

serviços, do nível de menor densidade tecnológica (atenção básica), densidade intermediária

(atenção secundária) e maior densidade (atenção terciária), por meio de um compartilhamento

de informações acerca dos usuários, visando gerar uma longitudinalidade do atendimento,

tendendo a um cuidado integral e qualificado a população.

A longitudilalidade diz respeito a uma continuidade clínica dos cuidados, tendo

por base uma relação de vínculo e responsabilização entre os usuários e as equipes de saúde

ao longo do tempo e de forma permanente, de maneira a ser possível um acompanhamento e

monitoramento acerca das mudanças nos elementos de vida desses usuários, bem como das

repercussões do tratamento em longo prazo (BRASIL, 2011b).

Desse modo, torna-se possível realizarem-se adaptações e mudanças nos planos

terapêuticos, ajustando-se condutas quando preciso, prevenindo perdas de referenciamentos e

reduzindo possíveis riscos nos cuidados, provenientes de desconhecimento acerca da

população, seu contexto de vida e caminho percorrido no sistema de saúde, coordenando,

nesse sentido, a assistência prestada dentro da RAS (BRASIL, 2011b).

No contexto das criança e dos adolescentes cronicamente adoecidos, evidencia-se

ainda a necessidade de um atendimento interdisciplinar devido à multiplicidade de sequelas e

possíveis co-morbidades associadas a suas patologias. Portanto, as equipes de saúde desses

diferentes níveis de atenção devem estar habilitadas para acolher e fornecer uma assistência

com maior grau de resolutividade a essa parcela da população (SÁ et al., 2010).

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Ser um serviço resolutivo significa, entre outros conceitos:

Identificar riscos, necessidades e demandas de saúde, utilizando e articulando

diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e

sanitariamente efetivas, na perspectiva de ampliação dos graus de autonomia dos

indivíduos e grupos sociais (BRASIL, Portaria 2.488 de 2011b).

Na RAS, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) fazem parte da atenção básica, ou

atenção primária, termos considerados equivalentes, constituindo-se como a sua porta de

entrada preferencial, sendo caracterizada através de um conjunto de ações de saúde, que

envolvem aspectos individuais e coletivos, visando à promoção, proteção, manutenção e

reabilitação da saúde, diagnóstico, tratamento e prevenção de agravos. Para tanto, emprega

tecnologias de alta complexidade e baixa densidade, no intuito de solucionar os problemas de

saúde de maior frequência no território onde a população está adstrita (BRASIL, 2011b).

A atenção básica deve funcionar como o contato preferencial dos usuários com o

SUS, seguindo os princípios da acessibilidade, universalidade, e coordenação do cuidado, do

vínculo e continuidade, da responsabilização, da integralidade, humanização, participação

social e equidade (BRASIL, 2011b).

Na perspectiva das pessoas com mielomeningocele, ela tem como fundamentos

possibilitar o acesso a toda a população, de acordo com o princípio da equidade, efetivando a

integralidade com ações de tratamento e reabilitação, através de uma equipe interdisciplinar,

que deve receber estímulo e acompanhamento contínuo para sua capacitação e formação

(BRASIL, 2011b).

Amaral et al. (2012) afirmam que o atendimento aos usuários do SUS, que

possuem deficiência ou restrição permanente de mobilidade, quando realizado em nível de

atenção primária em saúde pode representar um elemento contribuinte para o cuidado a esses

pacientes, facilitando o acesso e diminuindo a demanda reprimida nos setores de média e alta

complexidade, sendo necessário, para tanto, uma aproximação dos profissionais que

compõem esses níveis de atenção com os da Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Ademais, na relação de cuidado ao usuário com necessidades especiais, é no meio

sociocultural em que ele vive onde os profissionais poderão visualizar suas dificuldades e

riscos em saúde diários, evidenciando a importância do papel da atenção primária no cuidado

integral à saúde dessas pessoas. Contudo, este ainda constitui-se um desafio nas práticas de

saúde, o que exige uma maior reflexão dos gestores e profissionais para que sejam elaborados

novos métodos que possibilitem um aperfeiçoamento dessa assistência (OTHERO;

DALMASO, 2009).

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Nesse contexto, dentre os obstáculos existentes para que as crianças e os

adolescentes cronicamente adoecidos e com deficiências recebam um atendimento adequado

em todos os níveis de atenção às quais precisarem, a dificuldade de acesso pode ser um

entrave na continuidade dessa assistência, revelando a necessidade de uma maior discussão

sobre a temática, em busca de possíveis estratégias para facilitar esse acesso e atendimento em

saúde.

O conceito de acesso é muito amplo e complexo, e algumas vezes tem sido

utilizado erroneamente e de forma imprecisa, com pouca clareza na sua relação com os

serviços de saúde. De forma geral, o termo tem sentido de entrada no serviço para alguns

autores, constituindo-se em uma dimensão que possui associação à oferta. Já a acessibilidade

refere-se às características tanto dos recursos de saúde, quanto dos serviços, que de uma

forma ou de outra limitam ou facilitam seu uso pelos usuários. Assim a acessibilidade é um

importante fator para compreender-se as variações de utilização dos serviços de saúde, sendo

uma dimensão essencial nos estudos de equidade na rede de saúde (TRAVASSOS;

MARTINS, 2004).

Por outro lado, de acordo com Assis et al. (2010), o acesso aos serviços de saúde

configura-se como a primeira etapa a ser superada pelos usuários na busca por atendimento

em saúde, e relaciona-se com:

Disponibilidade ou não do serviço; distância e práticas ofertadas para o atendimento

dos usuários; recursos disponíveis; capacitação técnica dos trabalhadores [...] e de

que forma tem se responsabilizado pelos problemas da população a quem e como devem prestar serviço (ASSIS et al., 2010, p.21).

Giovanella e Fleury (1996) discutiram o conceito de acesso e as condições de

acessibilidade a partir de outros teóricos, e organizaram alguns modelos para a sua

caracterização. O primeiro é o Modelo Economicista, relacionado às questões de oferta e

demanda, sendo explicitado através da conformação entre a demanda por meio de diferentes

grupos no acesso aos serviços.

O segundo é o Modelo Sanitarista-Planificador, que traduz o conceito de acesso

por meio da oportunidade de consumo fornecida por meio de uma distribuição planejada e

organizada da rede de saúde, seguindo as diretrizes do SUS e conformando-se como:

regionalizada, ou seja, bem distribuída, de maneira que os serviços estejam próximos a toda

população; hierarquizada por níveis de complexidade que garantam a resolutividade; ágil nos

processos para facilitar a utilização do serviço por toda a demanda de usuários; com garantia

de informações adequadas sobre os serviços e terapêuticas; e baseada nos princípios de

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referência e contra-referência, facilitando o fluxo no sistema. Sumariamente, nesse modelo o

acesso ocorre através da ação planejadora do Estado, ao garantir a localização adequada,

disponibilidade e interação funcional dos serviços de saúde na rede, conforme a demanda.

O terceiro modelo seria denominado como Sanitarista-Politicista, que se baseia na

conceituação de consciência sanitária, que é discutida por Fleury a partir de outros autores,

como uma ação individual ou de um grupo de indivíduos na busca pela compreensão de que a

saúde é um direito de todos os cidadãos e entendimento acerca dos determinantes sociais

envolvidos no processo saúde-doença. Desse modo, o acesso seria uma construção, com a

participação da população na gestão e no controle social, do sistema de saúde e da formação

de suas práticas.

O quarto modelo seria o das Representações Sociais, onde os autores discutem

que a realidade é permeada por questões simbólicas e subjetivas, como aspectos socioculturais

e intrínsecos de cada indivíduo ou grupo populacional ao longo da história. Dessa forma, seria

importante compreender as representações sociais acerca do sistema de saúde, advindas das

experiências dos usuários com o serviço.

A partir dessa caracterização, Giovanella e Fleury (1996) sintetizam afirmando

que as condições de acessibilidade são permeadas pela dimensão econômica, relacionada a

oferta e a demanda, técnica, pautada pela organização dos serviços, política, referente a

consciência sanitária e a participação popular e simbólica, relativa as questões de

representação social sobre o sistema de saúde.

Essa questão da acessibilidade foi identificada por Othero e Dalmaso (2009) como

a principal dificuldade aos indivíduos com deficiências, sendo esta compreendida de maneira

ampla pelos autores como: acesso à circulação, aos serviços, às oportunidades e aos recursos

disponíveis. Os próprios profissionais da unidade de saúde pesquisada evidenciaram a

preocupação quanto à importância de mudar a estrutura física e arquitetônica dos seus

serviços, bem como dos arredores, para facilitar o atendimento em saúde dessas pessoas.

No período de realização da pesquisa de Sousa e Fraga (2008), no Ceará, a

organização dos serviços de saúde para as pessoas com deficiências também mostrou

precariedade, pois o atendimento de reabilitação física aos deficientes cadastrados no SUS

concentrava-se apenas em dois municípios: Fortaleza e Iguatu, revelando a fragilidade desse

sistema de saúde e a restrição ao seu acesso.

Nesse perspectiva, destaca-se que para o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009a), a

acessibilidade não está interligada apenas a estrutura física e aos mobiliários adequados, mas

também a um acolhimento mais humanizado nos serviços de saúde. Portanto, para instaurar

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essa acessibilidade de forma completa é essencial que as unidades de saúde sejam modificadas

e disponham de acesso físico, mobiliário e ajustes ambientais relacionados à comunicação,

que sejam adequados às pessoas com deficiência. Do mesmo modo, é também necessário que

os profissionais de saúde estejam mais sensibilizados e capacitados para acolher e cuidar

dessas pessoas (OPAS, 2006), e que os gestores do SUS nas três esferas de governo, federal,

estadual e municipal, também estejam empenhados no desenvolvimento de estratégias que

contribuam para o estabelecimento dessas adaptações e alterações nos sistemas de saúde.

Em súmula, acessibilidade tem como objetivo facilitar os ganhos de autonomia e

locomoção as pessoas com deficiência, de maneira que todos tenham a oportunidade de

usufruir dos espaços com maior conforto, comodidade, independência e confiança. A

acessibilidade também se relaciona a eliminação de barreiras que envolvem preconceitos e

discriminações, que podem ocorrer muitas vezes devido ao desconhecimento da população e

dos profissionais de saúde acerca das potencialidades dessas pessoas (BRASIL, 2009a).

Sobre esse aspecto, Cipriano e Queiroz (2008) declaram que a as condições de

acessibilidade estendem-se desde o transporte para o serviço de saúde até o bloqueio na

comunicação com os profissionais, e que as dificuldades no acesso vão aumentando à

proporção que as crianças com mielomeningocele vão crescendo, principalmente devido às

limitações motoras, alterações corporais e ao aumento do peso.

Destaca-se que nessa pesquisa utilizou-se como conceito de acesso, a partir dessa

discussão por diferentes autores, o que envolve as condições de acessibilidade, dentre elas,

selecionou-se: físicas e estruturais dos serviços (presença de adaptações as pessoas com

deficiências), localização (distância até a residência dessas pessoas), resolutividade dos

problemas de saúde (atendimento e serviços especializados e qualificados aos usuários com

mielomeningocele), relação comunicacional entre profissionais e usuários (humanização da

assistência); recursos disponíveis no serviço (equipamentos para a locomoção) e transporte

(meios para o deslocamento até os serviços de saúde).

Além dessa debilidade de acesso aos serviços de saúde, outros fatores também

podem influenciar no atendimento dessas crianças/adolescentes. De acordo com Elias,

Monteiro e Chaves (2008), devido à vulnerabilidade socioeconômica em que muitas dessas

famílias estão submetidas e a consequente ausência de recursos para arcar com o transporte,

estas são restringidas de levar suas crianças ao atendimento médico especializado, que

dificilmente está disponível nos hospitais ou Unidades Básicas de Saúde (UBS) próximos ao

seu domicílio. Dessa forma, criança e família acabam entrando em um ciclo vicioso, pois

devido à ausência de um tratamento adequado à criança, esta poderá apresentar novas

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complicações, aumentando a sua necessidade de assistência em saúde, que por outro lado

impede sua ida à escola e demais setores sociais, acometendo sua capacidade de aprender, o

que consequentemente gera mais exclusão e prejudica sua interação social e saúde psíquica, o

que também levará a necessidade de atendimento médico.

A eliminação desses obstáculos aos serviços públicos de saúde, que violam os

princípios do SUS, poderia ter um valor significativo para essa parcela da população que

apresenta alguma deficiência e é muitas vezes esquecida pela sociedade, na utilização desses

serviços, em virtude de que estes têm um papel essencial na melhoria da qualidade de vida e

bem-estar destas pessoas (INTERDONATO; GREGUOL, 2012).

Ressalta-se, entretanto, que para que os serviços de saúde estabeleçam um modelo

de atenção de qualidade para esses indivíduos, mais contínuo e efetivo, é evidente a

necessidade de transformação do ainda vigente modelo hegemônico das práticas em saúde,

centrado na doença e realização de procedimentos, para um modelo que preconize o

acolhimento, a integralidade e a responsabilização, o que depende de uma nova formação de

consciência no fazer e saber profissionais (MEDEIROS et al., 2011).

Corroborando, Othero e Dalmaso (2009) encontraram em sua pesquisa que apesar

de muitos profissionais de saúde declararem fazer uso de uma abordagem integral de cuidado

as pessoas com deficiências, considerando os seus aspectos biopsicossociais, na prática, essas

ações não foram observadas e o trabalho estava voltado, sobretudo, para o corpo e a doença

(incapacidades e complicações).

A família e a criança/o adolescente com mielomeningocele enfrentam desafios

desde o diagnóstico da doença até a cada nova fase do seu desenvolvimento, devido as

sequelas e necessidade de cuidados especiais. Logo, o suporte das redes de apoio tornam-se

essenciais durante essa trajetória, com destaque para os serviços de saúde e as políticas

públicas, que têm como função contribuir para a qualidade da assistência, prezando pelo

cumprimento dos direitos dessas crianças e dos adolescentes com deficiências e doenças

crônicas.

2.3 Políticas Públicas de Saúde no Brasil

Para entendermos as políticas públicas de saúde implementadas e necessárias na

atenção as crianças e aos adolescentes com mielomeningocele, faz-se necessário inicialmente

uma melhor compreensão conceitual e histórica das políticas públicas no Brasil.

De acordo com Viana e Baptista (2008) as políticas públicas de saúde comportam

diversas ações de caráter coletivo, construídas por diferentes instituições públicas e privadas

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visando responder ao risco das populações adoecerem em contextos históricos diferentes,

sendo consideradas por alguns autores partes integrantes das políticas sociais. Desse modo, a

política de saúde ao ser vista como uma política social assume que a saúde é um direito

inerente aos cidadãos, pois a participação plena dos indivíduos na sociedade política é feita

por meio de sua inserção no contexto de cidadania (FLEURY; OUVERNEY, 2008).

Entretanto, a modalidade de proteção e sistema social varia e distingue-se em

diferentes países, por meio de diversas condições políticas e econômicas, ao longo dos

tempos. Desse modo, a saúde pode ser uma medida de caridade em algumas regiões, em

outras um benefício adquirido através de uma contribuição trabalhista, ou, ainda, um direito

de cidadania universal (FLEURY; OUVERNEY, 2008).

Alguns autores consideram que a política de saúde se encontra na relação entre o

Estado, a sociedade e o mercado, pois a sociedade financeira remete aos impostos e

contribuições, apresentando algumas atitudes e mantendo valores em relação ao corpo e ao

estado de bem-estar, e comportando-se de maneira que poderá afetar a saúde coletiva e/ou

individual. O Estado, por outro lado, poderá por meio do poder que ele demanda, elaborar e

estabelecer normas e obrigações, como por exemplo, regular os seguros de saúde e o processo

de vacinação, recolher recursos e os alocar em setores e ações, incitar a produção de bens,

produzir serviços, definir leis que ratifiquem a acessibilidade, desenvolver tecnologias e

formar profissionais de saúde. Já o mercado gera os insumos, oferece serviços de seguro e

está vinculado a oferta de outros serviços e na formação dos recursos humanos necessários

nesse processo (SOUZA C., 2006; FLEURY; OUVERNEY, 2008).

Desse modo, as políticas públicas, ao abrangerem aspectos que ultrapassam

questões de saúde, produzem consequências em diversas áreas da sociedade e em suas

relações econômicas, políticas e culturais. Logo, compreende-se que suas estratégias,

instrumentos e planos geram ações que podem influenciar a dinâmica geral da sociedade,

podendo, dessa forma, desempenhar outras funções além do seu objetivo básico original

focado na resolução de problemas na área da saúde (FLEURY; OUVERNEY, 2008).

Destaca-se que essa pesquisa enfocou-se nas políticas públicas relacionadas às

questões de saúde das crianças e dos adolescentes com mielomeningocele, que dizem respeito

ao processo de reabilitação, aos serviços de saúde, questões de acessibilidade, recebimento de

suporte material e financeiro, entre outras relacionadas às necessidades particulares dessas

pessoas na busca por melhoria na saúde e, consequentemente, na sua qualidade de vida.

De maneira geral, são amplos e diferentes os conceitos acerca do que seriam as

políticas públicas de saúde. A analisarmos os conceitos “política” e “saúde” separadamente,

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encontramos que “política” deriva do adjetivo polis, que remete a cidade, ao urbano, social.

Esse termo foi expandindo-se historicamente, sendo influenciado por definições e textos de

grandes filósofos como Aristóteles. Na época moderna, o termo sofreu grandes mudanças em

relação ao significado original, estando mais ligada a expressões como “ciência do Estado”,

“filosofia política”, “ciência política”, indicando atividades que indireta ou diretamente

associavam-se com o Estado. Considera-se também que a Política está estreitamente ligada ao

poder, que pode ser considerado uma forma de domínio da natureza, dos homens sobre outros,

consistindo por vezes numa relação entre dois sujeitos, onde um é o soberano e outro é o

submisso, e aquele impõe a este a sua vontade (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,

1998).

Relacionado ao conceito de política, complementa-se apresentando também

algumas definições de políticas públicas, sendo que há uma gama de explicações acerca dessa

expressão. Uma das mais sintéticas e específicas foi feita por Thomas Dye em 1972, que

declarou que as políticas públicas são aquilo em que o governo decide fazer ou não fazer, ou

seja, podem ser tanto as ações do governo, como as suas omissões segundo esse autor

(VIANA; BAPTISTA, 2008). Para Viana e Baptista (2008), corroborando com a

conceituação moderna, as políticas públicas dizem respeito a algumas questões relativas ao

Estado, ao pacto social, aos interesses e, consequentemente remete também ao poder. Para a

elaboração dessas políticas, diferindo do conceito de Dye, eles afirmam que o Estado torna-se

ativo, em um processo de construção de uma ação governamental para determinado setor, e

que, para tanto, fazem-se necessários recursos, arenas, ideias, atores e negociação. Por outro

lado, Mead (1995) define as políticas públicas como um campo de estudo das políticas em

que se analisam o governo a luz de grandes questões públicas.

Apesar de também existirem definições que evidenciam a importância das

políticas públicas em solucionar problemas encontrados nas questões sociais, alguns críticos

vão contra essa ideia, por superestimarem os aspectos racionais, ignorando a essência dessas

políticas, ou seja, a relação em torno das ideias e dos interesses que as rodeiam. Ao

centralizarem o foco de suas ações no governo, essas definições ignoram o aspecto

conflituoso e os limites inerentes às decisões governamentares e excluem a possibilidade de

participação e cooperação de outras instituições sociais com o governo (SOUZA C., 2003;

SOUZA C., 2006).

Em relação ao termo “saúde”, em 1948, este foi definido pela OMS como “Um

estado de completo bem-estar físico, social e mental, e não meramente a ausência de doença

ou enfermidade” (WHO, 1988, p.1). Desse modo, a saúde começou a ser expressa em termos

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funcionais, como recurso que permite as pessoas terem uma vida individual, social e

economicamente produtiva. No contexto da I Conferência Internacional sobre Promoção da

Saúde, realizado em Ottawa, Canadá, em novembro de 1986, considerou-se a saúde como um

direito humano fundamental, sendo enfatizados alguns aspectos para a sua concretização,

como a paz, os recursos econômicos, a alimentação e o abrigo, um ecossistema estável e o uso

sustentável dos recursos, ou seja, fatores determinantes e condicionantes para a sua efetivação

(WHO, 1988).

A saúde atualmente, além de envolver todas essas questões condicionantes,

relaciona-se a outros aspectos além dos objetivos, como o corpo físico, diz respeito também a

fatores subjetivos que vão além do biológico, como questões psicossociais e culturais. Assim

sendo, na busca por uma atenção em saúde, se faz necessário uma mudança de paradigma na

concepção de mundo e na maneira de utilizar o conhecimento nessas práticas, que devem

estar voltadas para a promoção da saúde, que envolve a potencialização da capacidade dos

indivíduos e da comunidade em participar da sua própria busca por saúde, a partir de um

contexto que favoreça a sua concretização (BACKES et al., 2009).

Ao associarem-se os termos “política” e “saúde”, diversas definições de “políticas

de saúde” são encontradas, e algumas dessas remetem aos significados originais das palavras

isoladas. Paim (2003) declara que essa expressão “Política de Saúde” abrange tanto os

aspectos relativos ao poder em saúde, como questões de natureza, estrutura, relações,

distribuição e lutas, como aos ligados à formulação de leis, normas, planos e programas de

saúde. Ademais, no português a palavra “política” envolve ao mesmo tempo dimensões de

poder e das diretrizes e as intervenções planificadas, diferindo da língua inglesa, onde existem

dois vocábulos distintos para distinguir essas ideias: “politics” que refere-se ao exercício de

poder e “policy” relativa aos planos de ação. Nesse sentido, ainda de acordo com Paim, a

Política de Saúde pode significar diretrizes e planos de ação e, por outro lado, como disciplina

em Saúde Coletiva, abrange tanto as relações e o exercício do poder, como a criação e

condução de políticas de saúde.

Destaca-se também um conceito de relevância internacional e amplamente

difundido estabelecido pela OMS, que afirma que a política de saúde é:

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Um posicionamento ou procedimento estabelecido por instituições oficiais

competentes, notadamente governamentais, que definem as prioridades e os

parâmetros de ação em resposta as necessidades de saúde, aos recursos disponíveis e

a outras pressões políticas. A política de saúde é frequentemente estabelecida por

meio de leis e outras formas de normatização, que definem as regras e os incentivos

que orientam a provisão de serviços e programas de saúde, assim como o acesso a

esses. A política de saúde é atualmente distinguida da política de saúde pública por

sua principal preocupação com os serviços de saúde e programas. Progresso futuro

em políticas de saúde pode ser observado através da medida em que também podem

ser definidos como políticas públicas saudáveis. Como a maioria das políticas

públicas, as políticas de saúde emergem a partir de um processo de construção de suporte as ações de saúde que se sustentam sobre as evidências disponíveis,

integradas e articuladas com as preferências da comunidade, as realidades políticas e

os recursos disponíveis (WHO, 1998, p.10-11).

Outra definição, presente em uma publicação do Ministério da Saúde, também

focaliza no papel do governo, responsabilizando-o pela aplicação e criação das políticas de

saúde, de forma a promover uma melhor qualidade em saúde para a população, mas, por outro

lado, abre espaço para a sua coparticipação. Segundo os autores as políticas públicas são:

As decisões de caráter geral, destinadas a tornar públicas as intenções de atuação do

governo e a orientar o planejamento, no tocante a um determinado tema, em seu

desdobramento em programas e projetos. [...] Com a explicitação formal dessas decisões, busca-se, também, permitir o acesso da população em geral, e dos

formadores de opinião em particular, à discussão, à implementação e à avaliação das

políticas (BRASIL, 1998, p.7).

No Brasil, as políticas públicas de saúde sofreram diversas mudanças ao longo da

história, entretanto, destaca-se o período conhecido como “Nova República” que se iniciou ao

fim da ditadura militar e início de uma redemocratização da política nacional. Nesse contexto,

vários planos econômicos foram elaborados na tentativa de conter a crise inflacionária vigente

até então, porém não obtiveram grandes êxitos e a realidade econômica e social continuou a

privilegiar os ricos, em detrimento do restante da população. No setor saúde, o processo em

busca de uma reforma sanitária, desencadeado por profissionais e intelectuais, estimulou a

realização da VIII Conferência Nacional de Saúde que, ao contrário das demais, não

apresentou um caráter técnico e sua temática abrangeu a discussão de princípios e diretrizes

para uma reforma sanitária brasileira: conceito ampliado de saúde, a saúde como um direito

de todos e dever do Estado, criação de um Sistema Único de Saúde (SUS), possibilidade de

participação popular e ampliação do orçamento social (BERTOLOZZI; GRECO, 1996;

PAIM, 2003).

A VIII Conferência, portanto, representou um grande avanço técnico e político ao

sugerir a construção do SUS. Nesse ínterim, o governo implementou uma “estratégia-ponte”

para a instituição do SUS propriamente dito, durante sua construção legal, denominado

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Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que preconizava a transferência dos

serviços de saúde para estados e municípios, definição de um gestor único, ampliação dos

serviços, entre outras diretrizes (BERTOLOZZI; GRECO, 1996; PAIM, 2003).

Nesse contexto, como consequência de todo um processo histórico, político e

social, foi elaborada em 1988 a Constituição Federal, que passou a reorientar as políticas

públicas de saúde brasileiras sob novas perspectivas, a partir dos princípios da universalidade,

equidade no acesso ao setor saúde, descentralização, integralidade das ações e participação da

comunidade, rompendo com a lógica vigente de proteção social baseada em um contrato

trabalhista e reconhecendo a saúde como um bem público e universal garantido a todos os

cidadãos brasileiros, sem nenhuma distinção (LUCCHESE, 2002).

No entanto, destaca-se que a constituição foi apenas um dos passos para o

desenrolar da Reforma no setor saúde, por esta ser verdadeiramente caracterizada como um

processo, e não como um fato pontual. Logo, após 1988, diante dos novos desafios, muitas

leis vieram complementar e organizar a real criação e implementação desse sistema único,

visando sua legítima efetividade ao longo dos anos, num processo de busca por qualidade e

plena universalização da assistência a saúde da população.

2.4 Direitos em saúde que beneficiam as crianças e os adolescentes com

mielomeningocele

Diante do exposto, observa-se que todo esse movimento pela democratização da

saúde, que envolveu o Brasil na segunda metade da década de setenta, favoreceu a construção

do projeto da Reforma Sanitária Brasileira, sustentado por uma base conceitual e por uma

produção teórico-crítica (FLEURY, 1997). Em meio a esse cenário, em 1988 foi elaborada a

Constituição Brasileira, que revolucionou ao assegurar no seu artigo 196 a saúde como:

Direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso

universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação

(BRASIL, 1988, art.196).

No contexto das pessoas com deficiências, ressalta-se que a discussão acerca dos

seus direitos precede essa constituição, entretanto de forma incipiente, havendo um maior

desenrolar na elaboração e implementação de políticas públicas de saúde para essa parcela da

população após 1988. Nessa perspectiva, a Constituição Federal inicialmente estabeleceu

alguns princípios, que foram sendo regulamentados posteriormente, como: o dever da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de cuidar da saúde, assistência pública e

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legislação sobre a proteção e integração social das pessoas com deficiência; direito a saúde,

abrangendo o processo de reabilitação e a promoção de sua integração à vida em comunidade;

e a garantia de benefício financeiro mensal aos que comprovassem não possuir meios para a

sua sobrevivência (BRASIL, 1988).

A partir desses princípios, houve a necessidade de caracterizar-se legalmente as

pessoas com deficiência, para que houvesse a possibilidade de estabelecerem-se os critérios

de inclusão e exclusão em relação à concessão dos benefícios e serviços.

Desse modo, o conceito de deficiência foi definido como: “toda perda ou

anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere

incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal”, sendo

considerada pessoas com deficiência aquele que apresenta uma ou mais das seguintes

alterações: deficiência física, auditiva, visual ou mental (BRASIL, 1999).

Evocando os conceitos expostos, a criança com sequelas de mielomeningocele,

dependendo das características e do nível de sua lesão, poderá apresentar deficiências físicas

(definida como uma modificação completa ou parcial de um ou mais partes do corpo, com

consequente comprometimento da função física; não sendo incluídas alterações estéticas que

não acarretam prejuízo no desenvolvimento das atividades), e/ou mentais (definida como um

funcionamento intelectual muito inferior à média, sendo manifestado antes dos dezoito anos e

limitações pautadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas), o que as garante

legalmente o recebimento de alguns dos direitos das pessoas com deficiências, discutidos a

seguir (BRASIL, 1999; BRASIL, 2004a).

Na década de 1990, foi consolidado o Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), que dispõe que as crianças têm o direito à proteção à vida e à saúde, através da

efetivação de políticas públicas que favoreçam o seu nascimento e desenvolvimento de

formas saudáveis e harmoniosas e em condições de vida dignas. É assegurado também, o

atendimento médico no SUS, por meio de um acesso universal e igualitário aos serviços de

promoção, proteção e recuperação da saúde. Referente às crianças com deficiências, como as

que apresentam sequelas de mielomeningocele, o estatuto ainda preconiza a garantia de um

tratamento em saúde especializado (BRASIL, 1990).

Posteriormente, o decreto n°3.298 de 1999 regulamentou a Lei n°7.853,

formalizando a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que

consiste em um conjunto de orientações normativas com o intento de certificar o pleno

exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiências. Para tanto, essa

política teve como objetivos, entre outros, formar recursos humanos para um atendimento de

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qualidade as pessoas com deficiência e garantir a efetivação dos programas de prevenção,

atendimento especializado e inclusão social (BRASIL, 1999). Assim sendo, as crianças com

qualquer tipo de deficiência deveriam receber um atendimento em saúde de forma específica

as suas particularidades, por meio de uma equipe especializada para assisti-las de maneira

mais qualificada.

Consoante esse decreto, a administração pública federal deveria favorecer o

estabelecimento de serviços de saúde regionalizados e descentralizados em todos os níveis de

complexidade, pautados na assistência e reabilitação das pessoas com deficiência, garantia do

acesso aos atendimentos públicos e privados de saúde, a um tratamento adequado e

atendimento domiciliar, e a criação de programas de saúde peculiares para essa parcela da

população, que poderiam ser desenvolvidos com o auxílio da comunidade (BRASIL, 1999).

São incluídos para a atenção dessas pessoas e seu processo de reabilitação, o

fornecimento de materiais e equipamentos que complementem o atendimento e aumentem as

oportunidades de independência e inclusão social, como órteses, próteses, materiais auxiliares

para o cuidado e higiene pessoal (necessários para promover sua autonomia e segurança),

medicamentos que contribuam para a estabilidade clínica e controle das incapacidades, além

de um tratamento e orientação psicológica que favoreça um pleno desenvolvimento da

personalidade da pessoas com deficiência e sua família (BRASIL 1999).

Entretanto, esse decreto não especificou de quem constituiria a responsabilidade

pelo fornecimento desses materiais, nem esclareceu que órgãos públicos do Ministério da

Saúde fariam o cadastro das pessoas que necessitam desses equipamentos, além de não

especificar que tipo de utensílios, medicamentos e aparatos seriam concedidos, nem sua

qualidade e frequência de distribuição.

Todavia, ressalta-se que em 1993, através da portaria n°146, o Secretário de

Assistência à Saúde já havia estabelecido algumas diretrizes gerais para a concessão de

próteses e órteses por meio da assistência ambulatorial, afirmando que a as Secretarias

Municipais e Estaduais de saúde, através de uma coordenação técnica nomeada pelo gestor

local, ficariam com a responsabilidade de coordenar, supervisionar, controlar e avaliar a

aquisição desses equipamentos. A sua indicação poderia ser feita por qualquer profissional

médico da especialidade relacionada ao instrumento e deveria ser encaminhada à comissão

técnica da unidade cadastrada, para realizar a efetiva análise, de acordo com os critérios

previamente elaborados pela Secretaria Estadual/Municipal de Saúde (BRASIL, 1993).

Em relação as políticas públicas de saúde e diretrizes construídas em prol das

pessoas com deficiências, o Ministério da Saúde recomenda, por meio de suas cartilhas de

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orientação, que estas procurem uma unidade de saúde próxima a sua residência, ou a

secretaria municipal, ou ainda estadual de saúde, para receber orientações sobre os serviços

especializados que disponibilizam órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção, tais

como: aparelhos ortopédicos, cadeiras de rodas, bolsas de ostomia, aparelhos auditivos,

próteses visuais e outras (BRASIL, 2009a).

Visando zelar pela efetiva implantação dessas políticas, foi criado em 1999, no

âmbito do Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de

Deficiência (CONADE), constituído paritariamente por representantes da sociedade civil e de

instituições governamentais, ainda em funcionamento atualmente (BRASIL, 1999).

Entretanto, ressalta-se não se saber ao certo como tem ocorrido na prática a sua efetivação e

real participação dos usuários com deficiências nesses conselhos, conforme preconizado em

lei.

No ano posterior, foi elaborada a lei n° 10.048, que também favoreceu essas

pessoas, por meio da criação do atendimento prioritário a alguns serviços, como o de

transporte público coletivo, instituições financeiras e estabelecimentos concessores de

atividades públicas, sendo assegurado um tratamento de forma diferente e imediata a essas

pessoas. Além disso, os logradouros, sanitários e edifícios públicos teriam que possuir

normas para a sua construção, de maneira a facilitar o acesso físico das pessoas com

deficiência a esses locais (BRASIL, 2000a).

Essa lei foi regulamentada apenas em 2004, através do decreto n° 5.296, que

também regulamentou a lei n° 10.098. Este estabeleceu as normas gerais e os critérios basais

para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, através da eliminação de

barreiras e obstáculos nas vias e lugares públicos, no mobiliário urbano, na elaboração e

reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação (BRASIL, 2004a). Segundo

esse decreto, a acessibilidade e as barreiras são definidas no capítulo 3, artigo 8, como:

Acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou

assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos

serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e

informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

Barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade

de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas se

comunicarem ou terem acesso à informação [...].

Mediante esse decreto, as crianças e os adolescentes com mielomeningocele

também podem ser beneficiados, pois essas mudanças e adaptações nos espaços públicos

também englobam os serviços de saúde, garantindo que essas pessoas possam acessar esses

ambientes e receber a assistência em saúde as quais necessitam. Ademais, com a prioridade

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nos transportes públicos e no atendimento nos serviços de emergência, essas pessoas também

são favorecidas, sobretudo devido as suas frequentes idas e vindas aos serviços de saúde, por

lhes fornecer maior conforto na locomoção com o transporte público até a instituição e um

cuidado em saúde prioritário.

Complementando esses direitos, o decreto n° 3.691 de 2000, regulamentou a Lei

n° 8.899 de 1994, que fala acerca da concessão do passe livre no transporte coletivo

interestadual as pessoas com deficiências que comprovarem ser carentes financeiramente. A

partir do referido decreto, tornou-se obrigatória a reserva de dois assentos de cada veículo

pertencente às empresas permissionárias e autorizatárias, dos serviços convencionais, para as

pessoas com deficiência (BRASIL, 2000b). Aspecto muito relevante para os que residem em

municípios que ainda não possuem serviço especializado de saúde, como em muitos interiores

dos estados brasileiros, onde as pessoas com mielomeningocele precisam se deslocar para as

capitais ou municípios maiores localizados em outros estados para receberem um atendimento

específico e multiprofissional.

Outro importante marco foi à aprovação da proposta da Política Nacional de

Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência na 104ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional

de Saúde. Mediante esse fato, a portaria n° 1.060 de 2002, aprovou essa política, tendo como

foco a reabilitação do portador de deficiência, sua proteção em saúde e a prevenção dos

agravos que predispõem o surgimento das deficiências, através da formulação de um grupo de

ações articuladas entre diferentes setores da sociedade e a sua efetiva participação (BRASIL,

2002).

Essa política veio a contribuir com as demais, abordando aspectos exclusivos

sobre os direitos em saúde dessas pessoas, discutindo as medidas para a sua promoção,

reabilitação, atenção integral, por meio de um atendimento qualificado desde as unidades

básicas de saúde até o nível hospitalar terciário, e as responsabilidades dos gestores federais,

estaduais e municipais. Ademais, ela prevê um processo contínuo de avaliação, sendo, para

tanto, necessária à criação de parâmetros e indicadores, que somados aos dados gerados pela

avaliação dos planos e programas, possibilitaria o reconhecimento do grau de alcance dos

seus propósitos e dos impactos na qualidade de vida dessas pessoas (BRASIL, 2008).

Nesse contexto, em 2009 foi aprovado o Programa Nacional de Direitos Humanos

(PNDH), por meio do decreto de n° 7.037, que apresentou várias diretrizes para a efetivação

dos direitos da população, sendo que a de número sete tem como objetivo estratégico IV a

ampliação do acesso universal ao sistema de saúde de qualidade, através da expansão e

consolidação de programas de saúde com apoio diferenciado as pessoas com deficiência.

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Além disso, esse programa também objetiva assegurar e desenvolver mecanismos para que

crianças sejam capacitadas a formular seus próprios juízos e possam opinar na criação das

políticas públicas voltadas para os seus direitos, garantindo sua participação nas conferências

que abordem esses assuntos (BRASIL, 2009b).

Somente a partir de 2011 houve um maior desenrolar das ações e estratégias em

benefício as pessoas com deficiência, a partir do decreto n° 7.612 que instituiu o Plano

Nacional da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. Após sua elaboração o decreto

de n°6.215 de 2007 foi revogado, pois este plano abrange uma ampla gama de novas

diretrizes e direitos. A proposta deste é fazer com que as políticas governamentais de acesso à

educação, inclusão social, atenção à saúde e acessibilidade realmente aconteçam na vida

dessas pessoas que apresentam limitações para o desenvolvimento de suas atividades. Esse

plano foi elaborado com a participação de mais de 15 ministérios e do CONADE, que

forneceu as contribuições da sociedade civil, e prevê um investimento total de 7,6 bilhões de

reais até o ano de 2014 (BRASIL, 2011c).

Esse plano também propôs diferentes ações, em diversas áreas do contexto de

vida dessas pessoas, como educação, trabalho, moradia, saúde, acesso, entre outras. Entre

estas, junto com o Plano foi criada a Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas

Urbanos (SNAPU), dentro do Ministério das Cidades, com o objetivo de promover a inserção

da temática acessibilidade urbana dentro dos projetos governamentais, através da instituição

de uma política nacional para implementar o que diversas leis já preconizavam há alguns

anos.

Em relação à tecnologia assistida, muitas vezes necessária, principalmente pelas

pessoas com deficiência física para que estes tenham suas limitações reduzidas com o auxílio

de um equipamento, aumentando sua autonomia, o Plano teve como metas o estímulo à

pesquisa nessa área e a criação de uma linha de crédito facilitado com juros subsidiados pelo

Governo Federal para aquisição desses produtos – o Banco do Brasil Crédito Acessibilidade,

onde qualquer cidadão pode ter o direito a sua aquisição para adquirir os produtos de

tecnologia assistida (BRASIL, 2011c).

Quanto aos direitos em saúde, o Governo Federal, através desse Plano, está se

propondo a aumentar o acesso e qualificar a assistência às pessoas com deficiência

(temporária ou permanente; progressiva, regressiva ou estável; intermitente ou contínua) no

SUS, focalizado na organização e atenção integral à saúde. Nesse sentido, foi criada em 2012

a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, que busca a construção de estratégias e

serviços para o atendimento às pessoas com deficiência em suas necessidades específicas de

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41

saúde. Com essa Rede, preconizou-se o estabelecimento da articulação dos serviços de saúde,

com a garantia de ações de promoção à saúde, identificação precoce das deficiências,

prevenção dos agravos, tratamento e reabilitação (BRASIL, 2011c; DEFICIÊNCIA, 2013).

Entre as metas construídas, com o prazo até 2014, destacam-se: qualificação dos

serviços já existentes, de urgência e emergência, atenção básica e hospitalar, capacitação dos

profissionais de saúde da atenção básica, criação de 45 novos Centros Especializados em

Reabilitação (CER), visando ampliar o acesso, construção de oficinas ortopédicas e ampliação

da oferta de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção, vinculados aos serviços de

reabilitação do SUS (BRASIL, 2011c).

Buscando facilitar a locomoção dessas pessoas aos CER, estabeleceram-se metas

para a obtenção de veículos para o transporte das pessoas com deficiência, que não possuem

condições de mobilidade e acessibilidade autônoma aos transportes públicos, ou que

apresentem grandes restrições de acesso a estes. Também objetivando a ampliação do acesso,

o plano compromete-se na inauguração de seis oficinas ortopédicas fixas e 13 itinerantes,

terrestres, fluviais ou em caminhões, todas vinculadas à rede de reabilitação do SUS, para que

sejam garantidas a indicação de dispositivos apropriados a cada indivíduo que necessite desse

suporte, além de serem adequados ao ambiente físico e social (BRASIL, 2011c).

Por constituir-se em uma proposta recente, que apresenta metas até o ano atual,

não se tem muitos dados concretos acerca de sua implementação, nem se a população possui

conhecimentos desses direitos em saúde e das estratégias do Plano Viver sem Limites.

Refletindo acerca dessa problemática, Interdonato e Greguol (2012) afirmam que na teoria as

políticas de saúde estão satisfatoriamente regulamentadas para atender aos indivíduos com

deficiência, entretanto, poucas pesquisas foram realizadas a fim de conhecer se a teoria condiz

com as práticas em relação a essa parcela da população.

Em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) citado na constituição de

1988, este foi primordialmente regulamentado pelo decreto n° 1.744, de 8 de dezembro de

1995, que posteriormente foi revogado, e novo decreto de n° 6214 foi instituído em 2007,

garantindo o direito a um salário mínimo mensal, fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS), à pessoa com deficiência, que comprovassem não possuir nenhuma renda para

prover sua subsistência e nem tê-la provida pelos seus familiares (BRASIL, 2007a).

Um novo decreto (n°7.617) criado em 2011, estabeleceu algumas alterações

acerca do decreto anterior, ao definir quais familiares seriam computados com relação ao

recebimento de renda mensal, que rendimentos seriam ou não considerados durante a

avaliação da real necessidade de fornecimento do benefício, entre outros critérios que

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estabelecem que pessoas podem recebê-lo. A pessoa com deficiência foi definida como aquela

que apresenta impedimentos de longo prazo, de origem física, mental, intelectual ou sensorial,

os quais relacionando-se com diversas barreiras podendo limitar sua participação plena e

efetiva na sociedade, com igualdade de condições com os demais indivíduos (BRASIL,

2011d).

Para fins de reconhecimento desse direito às crianças e aos adolescentes menores

de 16 anos, deve ser analisada a existência da deficiência e o seu impacto no desempenho das

atividades dessas pessoas, bem como as consequentes restrições na participação social,

adequadas com a idade.

Retomando o contexto da mielomeningocele, as crianças e os adolescentes com

essa enfermidade, além das prováveis deficiências físicas e cognitivas, possuem complicações

específicas, com destaque para a incontinência fecal e a urinária. Desse modo, apesar de

serem favorecidas com algumas das políticas públicas abordadas, em favor das pessoas com

deficiência, elas ainda carecem de um suporte para os seus problemas de saúde específicos.

Visando amenizar os desconfortos e limites impostos pela incontinência fecal,

tem sido instituída no Brasil uma proposta, já utilizada internacionalmente, de realização do

enema fecal domiciliar. Para tanto, as crianças e adolescentes recebem, juntamente com seus

familiares, um treinamento ambulatorial para tornarem-se capacitados a realizá-lo em casa,

eliminando ou reduzindo a necessidade de utilização de fraldas, que além de produzirem mau

cheiro com a presença das fezes, podem gerar um estigma nessas pessoas e ser um obstáculo

para a sua socialização. Entretanto existem apenas dois desses ambulatórios no Brasil, sendo

um desses localizado em Fortaleza, Ceará, em um hospital público terciário de referência

pediátrica, o que restringe o acesso a esse atendimento, suporte e orientação em níveis

nacionais (FROTA, 2012).

Ambas as incontinências proporcionam algumas dificuldades para essas crianças e

esses adolescentes, tanto em relação à necessidade de materiais adequados para realização

desses procedimentos em casa, como em relação às saídas de casa para exercerem suas

atividades de forma independente, como ir à escola, por tornarem-se diretamente dependentes

dos seus familiares, ou para realização da SVA e do enema, ou para a troca das fraldas e

higienização (SOUSA; BARROS, 2010).

Desse modo, observa-se como esses usuários e suas famílias ainda carecem de um

maior suporte do sistema público de saúde em relação a essas necessidades específicas,

revelando a precisão de implementação de novas políticas que forneçam apoio para esses

indivíduos e que sejam de fato instituídas e avaliadas as já existentes.

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43

Outro aspecto que merece destaque no contexto das crianças e adolescentes com

mielomeningocele é o marcante e essencial papel da família como principal rede de apoio e

fonte de cuidado para essas pessoas, sendo fundamental destacar-se também que não existem

políticas públicas ou ações mais abrangentes direcionadas para o seu apoio (OTHERO;

DALMASO, 2009).

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44

3 METODOLOGIA

3.1Tipo de estudo

Estudo de natureza exploratória, ancorando-se em uma abordagem qualitativa. A

opção pela metodologia qualitativa é consonante com Minayo (2010), para quem esta

abordagem se afirma no campo da subjetividade, com o universo de significados, crenças,

valores, entre outros, onde procuramos compreender uma determinada situação na perspectiva

dos indivíduos que a vivenciam. Leopardi (2002) corrobora com Minayo, afirmando que, na

pesquisa qualitativa, busca-se apreender um assunto na perspectiva das pessoas que o

vivenciam, ou parte da sua vida diária, seus sentimentos e desejos, bem como da perspectiva

do pesquisador.

A pesquisa qualitativa da ênfase a um nível de realidade que não pode ser

quantificado, trabalhando com um espaço das relações, dos processos e dos fenômenos de

maneira mais profunda, que não podem ser resumidos a variáveis. Constitui-se também como

um processo em espiral, onde se começa com a delimitação de um problema ou

questionamento acerca da realidade e termina-se com um resultado provisório, apto para

originar novas interrogações (MINAYO, 2003).

3.2 Cenário da pesquisa

A pesquisa foi realizada em um hospital público terciário de Fortaleza, referência

no cuidado à criança e ao adolescente no estado do Ceará, incluindo as pessoas com

mielomeningocele, que oferece assistência nas diversas especialidades médicas, como:

neurologia, cirurgia geral pediátrica, pneumologia, endocrinologia, geneticista, cardiologia,

nefrologia, gastroenterologia, oftalmologia, ortopedia, reumatologia, obstetrícia, plástica,

oncologia, dermatologia, infectologia, nutricionista, alergologia, imunologia, urologia, entre

outras.

Sua atuação contempla serviços de emergência clínica e cirúrgica, envolvendo

procedimentos de alta complexidade em oncologia, neurocirurgia, cirurgia cardíaca e crânio

facial, além de Unidades de Terapia Intensiva, Unidades Neonatais de Médio e Alto Risco e

serviços técnicos de diagnóstico e terapêuticos. Apresenta 306 leitos hospitalares, dos quais

42 são de terapia intensiva, internações eletivas e de emergência.

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45

A instituição serve de campo de estágio para diversos cursos de graduação na

área da saúde e de residência médica em várias especialidades pediátricas. Logo, é um

hospital público que além de prestar serviços de atenção à saúde da criança, tem uma

importante participação na formação dos profissionais de saúde. Em 2006, foi certificado

pelos Ministérios da Educação e Saúde como Hospital de Ensino, ampliando suas

competências.

Destaca-se também, os vários programas de humanização implementados nesse

hospital, inclusive projetos pioneiros no Estado do Ceará, como o projeto “Cirurgia Segura”

que consiste em um trabalho integrado desenvolvido pelo serviço de Enfermagem e Terapia

Ocupacional, com vistas a proporcionar uma assistência humanizada e qualificada às crianças

com indicação de intervenção anestésico-cirúrgica. Além desse, existem outros programas em

funcionamento, como o “A hora e a vez da leitura”, destinado a atividades com as mães

acompanhantes, “Cidade da criança”, local com diversos espaços e brinquedos para que as

crianças e os adolescentes hospitalizados possam desfrutar de momentos de lazer, “Biblioteca

viva”, tendo como objetivo envolver profissionais, acompanhantes, crianças e adolescentes

internados no hábito da leitura, “Biblioterapia”, projeto que visa a contação de histórias para

crianças e adolescentes no leito de internação, entre outros.

Desde 2011 a instituição está em processo de expansão e organização estrutural, e

já teve uma ampliação no número de leitos de internação, aquisição de novos equipamentos,

implantação de novas unidades e serviços ambulatoriais. Dentre os avanços, destaca-se a

conquista do Núcleo Especializado em Tratamento Infantil da Incontinência Fecal (Netiif),

sendo a primeira unidade Norte-Nordeste e a segunda no Brasil a prestar essa assistência

(FROTA, 2012).

O público alvo do atendimento do Netiif são usuários que tenham submetido-se a

cirurgias de correção do ânus e reto, usuários com mielomeningocele e aqueles que tenham

sofrido algum trauma na região perineal. Após apenas nove meses desde a sua implementação

em dezembro de 2011, o núcleo formado por uma equipe multiprofissional (médico,

enfermeira e nutricionista) já havia obtido êxito com 23 crianças e adolescentes dos 27

atendidos, conseguindo torná-los, de forma artificial, continentes, o que tem proporcionado

uma melhor qualidade de vida para esses usuários, que conseguiram abandonar as fraldas

descartáveis (HIAS, 2012).

Além desse atendimento para as crianças e os adolescentes com

mielomeningocele, o hospital também realiza o tratamento e acompanhamento ambulatorial

desses usuários e de outras crianças e adolescentes, procedentes de todo o estado do Ceará,

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através do setor denominado Ambulatório de Especialidades, que atualmente está localizado

em uma parte do hospital que já foi reformada e expandida, incluindo serviços de:

alergologia, gastrologia, neurologia, pneumologia, oftalmologia, ginecologia, reumatologia,

cirurgia pediátrica, pediatria, nefrologia, psicologia, nutrição, odontologia, neuropediatria,

urologia, genética e endocrinologia.

Este ambulatório foi o local de escolha principal para a busca dos participantes

dessa pesquisa, em virtude da grande demanda de usuários menores de 18 anos com

mielomeningocele assistidos nesse serviço de referência, em algumas especialidades

específicas.

3.3 Participantes da pesquisa

O estudo foi realizado com familiares responsáveis pelas crianças/adolescentes

com mielomeningocele que participavam do seu acompanhamento e tratamento no referido

hospital em estudo. Desse modo, considerou-se como criança, a faixa etária de até 12 anos de

idade incompletos, e adolescentes, a faixa entre 12 e 18 anos, de acordo com o ECA (1990).

Inicialmente pensou-se em realizar-se o estudo com 12 familiares. Para tanto, os

critérios de inclusão foram: o familiar responsável pela criança ou adolescente estar presente

durante o acompanhamento e tratamento no hospital, ser o acompanhante de rotina aos

serviços de saúde, de forma a compartilhar informações com um maior teor de detalhes

quanto ao objeto em estudo, e apresentar disponibilidade de tempo para participar da

pesquisa. Os critérios de exclusão foram: os familiares apresentarem algum déficit mental que

prejudicasse a sua participação nas entrevistas e terem pouco conhecimento acerca do

cotidiano da criança ou do adolescente.

Ao adentrar-se no campo em busca dos familiares, a princípio os pesquisadores

encontraram algumas dificuldades para identifica-los, pois, tanto o Ambulatório de

Especialidades, como o serviço de terapia ocupacional e fisioterapia, não organizavam suas

agendas através das patologias dos usuários, desse modo, estes não sabiam ao certo quando

localizar uma criança ou adolescente com mielomeningocele.

Assim sendo, procurou-se o Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME) do

hospital, setor responsável pela marcação das consultas. Entretanto também seria um caminho

dispendioso, devido ao desconhecimento dos pesquisadores acerca dos nomes e prontuários

dos usuários com mielomeningocele. A estratégia utilizada, portanto, pelas pesquisadoras foi

de estar presente nos horários das principais especialidades relacionadas à patologia, em

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consequência as suas complicações: nefrologia, urologia, neuropediatria e neurocirurgia.

Obteve-se êxito e, ao final da pesquisa, atingiu-se um total de 17 familiares, havendo duas

recusas para participação da pesquisa, permanecendo 15 pessoas, sendo delimitado o término

da coleta com base no grau de aprofundamento das informações fornecidas.

3.4 Estratégias e técnicas para a coleta das informações

A coleta foi realizada no período de setembro de 2013 a fevereiro de 2014 em dois

momentos diferentes. Na primeira etapa, foram realizadas visitas ao ambulatório de

atendimento às crianças e aos adolescentes com mielomeningocele, onde foram desenvolvidas

observações sistemáticas do serviço e das atividades realizadas. Nessa fase, utilizou-se um

roteiro com alguns tópicos para facilitar e guiar as observações e um diário de campo, onde

foram registradas as informações pertinentes ao estudo.

Essa fase foi de grande importância para os pesquisadores, facilitando sua

aproximação com a instituição, os participantes do estudo e as atividades realizadas no

serviço. Ressalta-se que a observação sistemática além de ser realizada nessa primeira etapa

de forma exclusiva, também ocorreu simultaneamente a fase de entrevistas.

Salienta-se que durante esse período, apesar dos profissionais de saúde não

fazerem parte dessa pesquisa, foi possível entrar-se em contato com alguns dos que exerciam

atividades a crianças e adolescentes com mielomeningocele no referido hospital, sendo

possível compreender-se melhor o funcionamento desse serviço, através de suas experiências

de atendimento, o que complementou a discussão dos resultados.

Na observação sistemática ou dirigida, detalham-se previamente alguns aspectos a

serem observados. Os tópicos são formulados de acordo com o objeto em investigação na

pesquisa e a partir de alguns aspectos exploratórios da realidade empírica. Desse modo, de

acordo com os objetivos delimitados, estabelece-se o conteúdo dessa atividade de observação,

ainda que após o seu início perceba-se a necessidade de realização de mudanças (MINAYO,

2010).

Para a realização da observação sistemática é imprescindível a utilização de um

diário de campo, onde são feitos os registros nas cenas e situações percebidas. Nesse material,

o pesquisador faz todas as anotações relevantes observadas, acerca de conversas,

comportamentos, atitudes, gestos e expressões que se relacionem a temática estudada

(MINAYO, 2010).

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Na segunda etapa foram realizadas entrevistas com os familiares acompanhantes

das crianças e dos adolescentes, em um espaço reservado e silencioso, antes ou após as

consultas, da maneira que fosse mais cômoda para os participantes. Inicialmente, pensou-se

em buscar estratégias para que, preferencialmente, as crianças e os adolescentes não

estivessem presentes no momento das entrevistas, para evitar possíveis intimidações nos

familiares, entretanto foi inviável devido ao espaço e tempo para a realização das entrevistas.

Por outro lado, não percebeu-se haver intimidação por parte dos familiares, que demonstraram

sentirem-se a vontade para falar sobre suas experiências.

Utilizamos um roteiro de entrevista semiestruturada com dois itens, sendo o

primeiro de caracterização da criança e do adolescente (idade, sexo, número de irmãos,

posição entre irmãos, escolaridade, serviços de saúde que faz acompanhamento e tratamento,

complicações durante o tratamento, número de internações, uso de tecnologia assistida), do

familiar acompanhante (grau de parentesco, sexo, idade, escolaridade, estado civil, ocupação,

procedência) e da família (renda e organização familiar).

O segundo item foi composto pelas seguintes questões e perguntas norteadoras:

Fale acerca da sua experiência cotidiana no cuidar de uma criança/um adolescente com

mielomeningocele desde o seu nascimento; 2) Fale acerca da experiência de vocês na busca

pelos serviços de saúde e o atendimento da criança/adolescente nesses serviços desde o seu

nascimento (hospitais, serviços especializados, unidades básicas; 3) Existem nesses espaços

adaptações estruturais para que a criança/adolescente consiga entrar no serviço? Qual a

localização da Unidade Básica de Saúde, serviços especializados e hospital mais próximo da

sua casa? Como tem sido a locomoção até esses serviços? 4) Fale acerca de treinamentos para

cuidar da criança/adolescente em casa que vocês tenham recebido; 5) A senhora/senhor sabe

se existem direitos em saúde para as crianças e aos adolescente com mielomeningocele

(durante a realização dessa pergunta foram dadas explicações sobre o que seria “direito” para

facilitar a compreensão dos participantes). Pode citá-los? Quais vocês têm adquirido? Como

conseguiu adquiri-los? 6) Quais os benefícios financeiros ou auxílios no cuidado à

criança/adolescente vocês recebem? Todas as entrevistas foram gravadas em gravador digital

e transcritas somente pelas pesquisadoras.

Durante a realização das entrevistas foram feitas, de forma contínua, pré-análises

dos depoimentos, visando com base no aprofundamento e grau de recorrência e divergência

das informações fornecidas delimitar-se o momento de finalização.

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3.5 Estratégia para a análise das informações

O material empírico produzido, a partir das entrevistas, foi transcrito na íntegra e

organizado em arquivos individuais. Na análise das informações, foram seguidas as etapas

recomendadas pela Análise Categorial Temática de Bardin (2011), que funciona através de

operações de desmembramento de um texto em unidades e categorias, de acordo com

reagrupamentos analógicos. Dentre as diferentes formas de categorização, a investigação

através de temas (análise temática), é considerada eficaz e rápida na perspectiva de aplicarem-

se discursos simples e diretos (significações manifestas).

Para tanto, são seguidas três etapas: pré-análise; exploração do material;

tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A pré-análise é decomposta em três

atividades: 1) Leitura flutuante, momento em que acontece o primeiro contato direto com os

achados da pesquisa, aonde o pesquisador progressivamente vai apropriando-se do conteúdo;

2) Análise dos documentos: o universo dos documentos é selecionado, sendo feita a

constituição do corpus, o que implica seguir as regras de exaustividade (achados contemplam

todos os aspectos existentes no roteiro), representatividade (a amostra é parte representativa

do universo inicial), homogeneidade (obedecer a critérios específicos de escolha quanto aos

aspectos abordados) e pertinência (as informações analisadas sejam adequadas aos objetivos);

3) Formulação das hipóteses e objetivos: a hipótese é uma afirmação desenvolvida

provisoriamente a que é proposta a sua verificação e o objetivo é a finalidade a que os

pesquisadores se propõem; 4) A referenciação dos índices e a elaboração de indicadores: os

índices podem ser a menção explicitada em uma mensagem; 4)A preparação do material: os

achados são editados para a análise.

A segunda etapa, de exploração do material, é composta por operações de

decomposição, enumeração ou codificação, a partir de regras formuladas previamente,

visando à definição das categorias. A codificação seguiu os seguintes passos de acordo com

Bardin: recorte das unidades temáticas (núcleos de sentido que conferem significado aos

aspectos analisados no estudo) enumeração, escolha das categorias (classificação e

agregação).

A terceira e última fase, de tratamento dos resultados obtidos e interpretação, os

dados são tratados de modo a serem válidos e significativos. Nessa fase, o pesquisador realiza

inferências e interpretações, relacionando-os com o referencial teórico inicial, ou pode gerar

novas dimensões teóricas e interpretativas, a partir da leitura do material, no intuito de

destacar as principais informações encontradas na pesquisa e expô-las de forma clara. As

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categorias devem possuir as seguintes qualidades: exclusão mútua, homogeneidade,

pertinência, objetividade e fidelidade, produtividade.

Após a análise final dos dados com a elaboração dos temas centrais, sintetizou-se

as seguintes categorias temáticas: O cotidiano de crianças e adolescentes com

mielomeningocele e suas famílias; O acesso de crianças e adolescentes com

mielomeningocele na Rede de Atenção à Saúde do SUS; Os direitos em saúde das crianças e

dos adolescentes com mielomeningocele: entraves e avanços.

3.6 Questões éticas da pesquisa

Destaca-se que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do

referido hospital sob parecer número 401.189 e teve a anuência da gerência do Ambulatório

de Especialidades. Também foram preconizadas as normas da Resolução 466/2012 do

Conselho Nacional de Saúde, que determina o respeito à autonomia dos sujeitos, a

beneficência, a não maleficência e a justiça (BRASIL, 2012a). Todos os participantes foram

informados sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), apresentado nos

apêndice, sendo orientados acerca dos objetivos da pesquisa, dos riscos e benefícios, da

possibilidade de poderem desistir da sua participação em qualquer momento e que não teriam

nenhum ônus. O TCLE consistiu de duas vias que foram assinadas, sendo uma entregue ao

participante e a outra mantida pelo pesquisador.

Na pesquisa qualitativa, como em outras abordagens, o respeito ao anonimato e

sigilo são particularmente importantes. Em pequenos espaços sociais, em geral, através de

alguns descritores é possível identificar os participantes. Algumas precauções foram adotadas

a fim de proteger a identidade dos participantes, profissionais citados nas falas, instituições de

saúde e municípios de procedência dos entrevistados. Assim, identificamos os entrevistados

por outros nomes e substituímos os nomes de pessoas, serviços e localidades citados nas falas

por letras, omitindo seus verdadeiros nomes, como preceitua a ética em pesquisa.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES, DAS CRIANÇAS E DOS

ADOLESCENTES

4.1.1Apresentação dos familiares

No total, 15 responsáveis pelas crianças e pelos adolescentes participaram da

pesquisa, sendo que destes, 14 eram mães e apenas um era pai. O quadro abaixo faz uma

breve apresentação de cada uma dessas pessoas, de acordo com a idade, estado civil,

escolaridade, profissão, número de filhos e a posição do filho com mielomeningocele entre os

demais.

QUADRO 1 – Caracterização dos responsáveis. Fortaleza, CE. 2014.

Nome Idade

Estado civil

Escolaridade Profissão Total de filhos

Posição do filho

Procedência

Jane 45 Casada ESC Professora 2 Segundo RMF

Léa 18 União

Estável

EMI Estudante 1 Único Fortaleza

Mara 35 Casada EFI Dona de

casa

2 Segundo RMF

Marta 46 Solteira EFI Agricultora 6 Sexto IEC

Naomi 33 Casada Analfabeta Dona de

casa

5 Quinto IEC

Penha 30 Casada EFI Dona de

casa

2 Primeiro IEC

Ezequias 26 Casado EMC Agricultor 2 Primeiro IEC

Priscila 39 Solteira EFI Dona de

casa

3 Terceiro RMF

Raquel 30 Casada EFI Dona de

casa

3 Terceiro RMF

Rafaela 27 Casada EMC Dona de

casa

1 Único RMF

Rebeca 35 Solteira EFI Dona de

casa

5 Quinto IEC

Sandra 42 Casada EFC Dona de

casa

2 Segundo Fortaleza

Samara 31 União

Estável

EFI Agricultora 4 Segundo IEC

Safira 41 Casada EFI Agricultora 3 Terceiro IEC

Lídia 35 Solteira EFI Dona de

casa

5 Quinto RMF

LEGENDA: EFI – Ensino Fundamental Incompleto; EFC – Ensino Fundamental Completo; EMC – Ensino

Médio Completo; ESC – Ensino Superior Completo/ IEC – Interior do Estado do Ceará; RMF – Região

Metropolitana de Fortaleza.

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As mães foram predominantes no estudo, aspecto este que corrobora com a

literatura, ao revelar que elas são as principais cuidadoras e acompanhantes das crianças com

necessidades especiais de saúde (CIPRIANO; QUEIROZ, 2008; ELIAS; MONTEIRO;

CHAVES, 2008; PAVÃO; SILVA; ROCHA, 2011; ASTOLPHO; OKIDO; LIMA, 2014). No

que diz respeito à faixa etária, observa-se que esta variou de 18 a 46 anos de idade, havendo

um predomínio de participantes entre 30 e 40 anos (10), sendo a média de 34 anos, revelando

pessoas que podem apresentar maiores experiências de vida.

Em relação ao grau de escolaridade, mais da metade havia cursado o Ensino

Fundamental Completo ou Incompleto (8), com apenas uma pessoa analfabeta e uma que

havia cursado o Ensino Superior Completo. Esse baixo nível escolar, influenciou na

compreensão dos responsáveis em relação aos questionamentos realizados durante a pesquisa,

por meio das entrevistas, e capacidade para respostas com maior grau de aprofundamento,

aspectos que foram discutidos nas categorias posteriores.

Quanto ao estado civil, a maioria dos responsáveis eram casados ou viviam em

união estável (11), aspecto este que esteve relacionado a dinâmica familiar após a chegada da

criança, havendo a possibilidade do companheiro(a) auxiliar a família financeiramente e, em

alguns casos, contribuir com os cuidados. No que diz respeito à ocupação, houve um

predomínio de pessoas que não exerciam atividades laborais formais, realizando atividades

apenas de cuidado do domicílio e dos filhos, com enfoque na criança e no adolescente com

mielomeningocele, que revelou ser a justificativa para a impossibilidade de se exercer um

trabalho formal. Quatro pessoas possuíam empregos informais na agricultura e uma estava

afastada do seu trabalho como professora, devido a questões de adoecimento.

Em relação ao número filhos e a posição da criança e do adolescente com

mielomeningocele, a maioria (12) possuíam mais de um filho, e, entre esses, nove dos com

mielomeningocele eram os mais novos. Aspecto este relevante ao pensar-se que, para a mãe,

vista como a principal cuidadora, o número de filhos poder influenciar nos cuidados a criança

e ao adolescente com mielomeningocele, por aumentar suas responsabilidades domésticas e

carga de trabalho.

No que concerne à procedência, apenas dois residiam na capital do Ceará,

Fortaleza, havendo um predomínio de pessoas que residiam no interior do estado (7) e Região

Metropolitana (6). Desse modo, a pesquisa possibilitou ter-se uma visão mais ampliada acerca

de como tem ocorrido o acesso e o atendimento de usuários menores de 18 anos com

mielomeningocele em diferentes municípios do estado do Ceará, além de revelar a distância a

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que estas famílias precisam pecorrer para levar seus filhos até o hospital de referência

pediátrica na capital do estado, para o seu acompanhamento.

No tocante a renda familiar, considerando-se o salário mínimo de 724,00 reais, de

acordo com o Decreto 8.166 de 2013, a maioria (10) vivia com um a dois salários mínimos

mensais (BRASIL, 2013a). Destaca-se que o BPC das crianças e dos adolescentes no valor de

um salário mínimo, teve sua importância bastante evidenciada nas falas dos entrevistados,

como de vital relevância para o suprimento das famílias e cuidado com a saúde e tratamento

dessas pessoas com necessidades especiais de saúde.

Nessa perspectiva, destaca-se que de acordo com Brandão, Fujisawa e Cardoso

(2009), o estado socioeconômico pode interferir negativamente na situação nutricional de

crianças com mielomeningocele, conforme mostraram os seus achados.

Outra importante fonte de renda dessas famílias, ressaltando-se o desemprego dos

seus membros, o afastamento do trabalho em virtude dos cuidados contínuos a

criança/adolescente com mielomeningocele e as atividades informais, que não possuem

garantia de um salário mensal, foi o Bolsa-Família. Este faz parte de um programa do

Governo Federal, que teve início em 2004, por meio da Lei nº 10.836, funcionando por meio

da transferência direta de renda para famílias em condições de pobreza e extrema pobreza

Esse estudo encontrou falas de alguns participantes revelando a importância deste

auxílio para a sua sobrevivência, devido ao fato de constituir-se em alguns casos a única fonte

de renda das famílias e as baixas condições de empregabilidade no interior do estado do

Ceará.

4.1.2 Apresentação das crianças e dos adolescentes com mielomeningocele

O quadro na página a seguir faz a caracterização das crianças e dos adolescentes

com mielomeningocele filhos dos 15 familiares entrevistados, quando a idade, o sexo, a

escolaridade, as principais sequelas, o tipo de deambulação (conforme descrição no

referencial teórico) e equipamento de tecnologia assistida utilizada.

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QUADRO 2 – Caracterização das crianças e dos adolescentes. Fortaleza, CE. 2014.

Nome Idade Sexo Escolaridade Principais

Sequelas

Deambulação Tecnologia

Assistida

Débora 8 anos F 2° ano IU, IF, Marcha não

funcional

Órtese nas pernas

Hannah 3 meses F ________ SD SD Não utiliza

Jardine 1 ano e

3 meses

F ________ IU SD Não utiliza

Sulamita 2 anos e

6meses

F Não estuda IU Não caminha Não utiliza

Susana 13 anos F 3°ano IU, IF Não caminha Cadeira de rodas

Talita 4 anos F Não estuda IU,

constipação

Não caminha Não utiliza

Bejamim 5 anos M Não estuda IU, IF Não caminha Não utiliza

Calebe 9 meses M ________ SD SD Não utiliza

Daniel 2 anos e 5 meses

M Não estuda IU, IF Não caminha Cadeira de rodas

Verônica 5 anos F Não estuda IU, IF Não caminha Cadeira de rodas e

órtese pernas e

braços

Davi 10 anos M 4°ano IU, IF Marcha não

funcional

Cadeira de rodas

Gabriel 9 anos M 3°ano IU Marcha não

funcional

Órtese nas pernas,

andador e cadeira

de rodas

Zilá 12 anos

e 2

meses

F 7° ano IU, IF Não caminha Cadeira de rodas

Dara 6 anos F 1°ano IU, IF Não caminha Cadeira de rodas e

órteses nas pernas

Ester 1 ano e

3 meses

F ________ IU SD Cadeira de rodas

LEGENDA: IU – Incontinência Urinária; IF – Incontinência Fecal; SD – Sem Diagnóstico; F –

Feminino; M – Masculino.

Dentre eles prevaleceu o sexo feminino (10). Quanto à idade, esta variou de três

meses até 13 anos, com a seguinte distribuição por faixa etária: três meses até três anos (6),

quatro a oito anos (5) e nove a treze anos (4). Logo, levando-se em consideração o ECA

(1990), participaram 13 crianças e dois adolescentes. Apesar de terem sido uma minoria, as

entrevistas com os responsáveis por estes adolescentes contribuíram de forma significativa

para os achados da pesquisa, não sendo excluídos, portanto, do estudo.

No que diz respeito à escolaridade, das nove crianças e adolescentes que estavam

dentro da faixa etária obrigatória (a partir de quatro anos), para estarem matriculados no

ensino educacional, seis frequentavam a escola (BRASIL, 2013b). Os motivos principais para

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que os pais não tivessem matriculado seus filhos, segundo os seus relatos, estavam

relacionados às sequelas da mielomeningocele, como a dificuldade de caminhar, e os déficits

cognitivos associados a hidrocefalia que levavam os familiares a acreditarem que a escola não

serviria para os seus filhos, e por não haverem escolas com suporte físico e estrutural que

dessem oportunidade para a criança/adolescente estudarem adequadamente.

Nesse sentido, destaca-se que, de acordo com as Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, o atendimento educacional especializado as pessoas de quatro a 17 anos com

deficiência, deve ser gratuito e estabelecido de forma preferencial na rede regular de ensino

(BRASIL, 2013b). Reforça-se ainda, que segundo o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa

com Deficiência, deve ser garantida uma educação inclusiva as pessoas com deficiência, por

meio de equipamentos gratuitos de educação acessíveis a elas (BRASIL, 2011c).

Em relação às complicações decorrentes da mielomeningocele, observou-se, entre

os que já haviam sido detectadas algumas das sequelas (13), grande prevalência de crianças e

adolescentes com incontinência urinária e/ou fecal, aspecto que corrobora com a literatura, ao

apresentar estudos que também revelaram em seus resultados uma alta prevalência de defeitos

renais e vesicais nas pessoas com mielomeningocele, com destaque para a bexiga

neurogênica, o que requer a realização do esvaziamento intermitente por meio do cateterismo

vesical (SBRAGIA et al. 2004; BERGAMASCHI; FARIA; SANTOS, 2012).

Quanto às complicações de locomoção, quatro ainda não haviam sido

diagnosticadas em relação às alterações, devido a faixa etária, oito não deambulavam e três

possuíam uma marcha não funcional, ou seja, deambulavam com dificuldade, necessitando da

cadeira de rodas ou outros suportes para satisfazer todas as suas necessidades. Já em relação à

movimentação dos membros superiores, duas apresentavam dificuldade em locomovê-los.

Desse modo, percebe-se a alta prevalência de pessoas com mielomeningocele que possuem

alterações locomotoras, aspecto este que repercute diretamente no seu cotidiano e atividades

de vida (COLLAGE et al., 2008).

Nesse sentido, destaca-se a importância dos equipamentos que auxiliam essas

pessoas na movimentação de seus membros superiores e inferiores, para a realização de suas

atividades diárias. No estudo, oito utilizavam cadeiras de rodas, quatro órteses nos braços e/ou

pernas, e um fazia uso de andador. Ressalta-se que alguns, mesmo necessitando desses

materiais, não os utilizavam devido a dificuldade de acesso ao recebimento destes e não terem

condições financeiras de os adquirirem, questões também discutidas nas categorias

posteriores.

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Dentre outras complicações menos frequentes, observou-se, a partir dos relatos

dos responsáveis: pneumonia (1), defeitos na formação da estrutura cardíaca (1) e ausência de

comunicação verbal (2) (havendo apenas reprodução de sons) e convulsão (2).

Quanto às internações hospitalares desde o nascimento da criança/adolescente até

o momento da pesquisa, dos 13 responsáveis que falaram sobre o assunto, percebeu-se que 10

crianças/adolescentes foram submetidos entre uma a cinco internações e três a mais de 10. De

fato, a literatura enfatiza as comuns internações hospitalares dessas pessoas, no intuito de

serem realizadas cirurgias ou tratamentos mais contínuos, em virtude das deficiências,

hidrocefalia e demais sequelas (ELIAS; MONTEIRO; CHAVES, 2008).

No tocante ao acompanhamento terapêutico, seis recebiam assistência em serviços

de reabilitação do SUS ou filantrópicos, com atendimento de fisioterapia, e/ou terapia

ocupacional, sete em um hospital de referência nacional em reabilitação, três pela Estratégia

de Saúde da Família (ESF) e todos eram acompanhados no Ambulatório de Especialidades do

hospital onde a pesquisa foi desenvolvida.

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4.2 O COTIDIANO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM

MIELOMENINGOCELE E SUAS FAMÍLIAS

Figura 2 - Criança com mielomeningocele Dara. Fortaleza,

CE. 2014.

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4.2.1 Experiência da família ao nascimento da criança com mielomeningocele

Para a maioria das famílias, a descoberta da mielomeningocele ocorreu somente

após o parto do recém-nascido, apesar das gestantes fazerem um acompanhamento completo

no pré-natal, realizando, durante este, exames de ultrassonografia para o monitoramento do

crescimento e formação fetal.

Na minha gravidez eu fiz três ultrassons, mas não deu para descobrir, se deu eles não me disseram, porque a primeira ultrassom que eu bati ela tava de

costas, e se deu para ver não disseram nada (Léa).

Fiz o pré-natal aos nove meses, mas só foi descoberto quando ela nasceu

(Penha).

Não descobriram no pré-natal, eu fiz as ultrassons normais, fiz a morfológica

e o médico não falou, se ele viu, ele não falou (Mara).

Aspecto que corrobora com o estudo realizado por Araújo et al. (2012),

desenvolvido em outra cidade do nordeste brasileiro, onde o diagnóstico da mielomeningocele

só foi identificado pela ultrassonografia em 21% dos casos pesquisados, embora todas as

gestantes haverem tido realizado o pré-natal e feito pelo menos um exame ultrassonográfico

durante a gravidez, o que evidenciou a importância de uma melhor discussão acerca do acesso

a serviços de maior qualidade e grau de complexidade.

Como se verifica nessas falas, algumas das mães consideraram a possibilidade de

ter havido um diagnóstico precoce, porém não terem sido informadas sobre o problema

congênito em seus filhos. Circunstância esta que gerou sentimento de revolta em uma das

mães, por esta acreditar que durante o pré-natal e realização das ultrassonografias, foi possível

a observação da má-formação, entretanto ocorreu omissão médica acerca de sua comunicação,

fato este que impossibilitou a realização de procedimentos e a tomada de medidas que

visassem à redução das sequelas e correção mais ágil da mielomeningocele.

[...] a única coisa que eu fiquei chateada e se eu pudesse me encontrar com ela foi a

doutora do pré-natal, porque ela não me contou. [...] eu poderia ter ficado

preocupada, ter ficado com medo, mas eu poderia ter procurado um jeito de ajudar a minha filha, porque hoje já tem, não sei se você já viu, uma vez eu já assisti na

televisão uma cirurgia feita na barriga da mãe, a criança nasceu perfeita como se não

tivesse nada e com mesmo problema dela. A criança na barriga da mãe foi

descoberto com quatro meses, ai com quase seis meses fizeram a cirurgia na barriga

da mãe mesmo e quando ela nasceu com nove meses a criança nasceu perfeita

(Mara).

De fato, uma monitorização mais adequada da gestação, por meio do diagnóstico

de problemas congênitos de forma precoce, permitiria a realização de um parto com maior

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nível de atenção e/ou desenvolvimento de reparações, quando possível, ainda intra-útero

(REIS; SANTOS; MENDES, 2011; ARAÚJO et al., 2012).

Acerca desse tipo de cirurgia uterina, esta representa um marco na correção da

mielomeningocele, e pesquisa recente, de grande magnitude, desenvolvida nos Estados

Unidos, em três centros de cirurgia materno-fetal, que comparou a correção antes e após o

nascimento, revelou resultados significativamente satisfatórios acerca de sua eficácia, por

minimizar a ocorrência de algumas sequelas, como hidrocefalia, herniação cerebelar e

dificuldades motoras, possibilitando maior chance dos pacientes conseguirem deambular

(ADZICK et al., 2011).

Ressalta-se que a sobrevida das pessoas com mielomeningocele estão

relacionadas com o grau das complicações, sendo, portanto, relevante a estimulação do

diagnóstico e tratamento o mais precocemente possível, visando a redução das incapacidades

(MEDEIROS et al., 2011).

A redução dessas sequelas pode afetar diretamente no cotidiano da pessoa com

mielomeningocele e de sua família, fornecendo melhores condições para que ela desenvolva

com mais autonomia suas atividades de vida diária, gerando, consequentemente uma melhor

qualidade de vida. Entretanto, nenhum dos participantes do estudo teve a possibilidade de

realizar essa cirurgia e poucos tiverem a informação quanto ao adoecimento do feto durante a

sua gestação.

Nesse contexto, observou-se que nascimento da criança ocasionou em algumas

famílias grande surpresa e abalo emocional em seus membros, por lidarem com o

desconhecido, novo e diferente, principalmente quando a mãe já havia gestado anteriormente

crianças “normais”, sem alterações congênitas. O estranhamento se deu desde o pós-parto,

antes mesmo de serem informadas sobre a mielomeningocele, por experienciarem situações

diferentes das já vivenciadas nos outros partos.

É uma experiência diferente, muito diferente, porque eu tenho dois filhos e eles são

normais, nasceu normal. Logo no dia que eu tive ela foi diferente, porque levaram

ela pra uma sala, quando passo a anestesia, que me botaram na cama de recuperação

ela já não veio pra mim, eu já estranhei, porque eu não sabia o que era

mielomeningocele, eu não sabia. Até hoje, eu vim descobrir por causa dela, eu não

tinha e nem imaginava o que era isso (Mara).

No estudo de Carvalho et al. (2006), corroborando nossos achados, também

identificou-se que os familiares das crianças com mielomeningocele vivenciaram situações

traumáticas após o nascimento e diagnóstico, com sentimentos de angústia e choque com o

inesperado adoecimento do filho.

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As situações do parto e pós-parto revelaram-se bastante difíceis e assustadoras

para as mães, ao terem que lidar simultaneamente com a notícia do adoecimento da criança,

com um diagnóstico totalmente desconhecido para elas, com o afastamento brusco do recém-

nascido para ser submetido a cuidados intensivos e com a informação da transferência para

um hospital de referência, muitas vezes localizado em outro município, para a realização da

cirurgia de reparação na criança.

Não sabia [que a criança tinha mielomeningocele], quando eu ganhei ela, as meninas

sem querer me dizer e sem levar a menina pra mim ver, ai eu, “ei traz a menina,

todo mundo com seus meninos no berço, e cadê a menina?” Ai elas “não a menina

não pode vim não”, porque ela não pode vim? “não porque ela tá lá na incubadora, porque ela nasceu com um problema”, “que problema?” “não mulher, não é nada

não, ela nasceu com” ai ela foi e disse a mielo, um negócio chamado mielo, mas que

não era essas coisas demais não, “só que você vai ficar aqui no hospital, pra quando

surgir uma vaga em Fortaleza, você ir”. Ai eu disse assim, “e uma coisa dessa não é

grave ainda?” (Marta).

A comunicação inadequada entre profissionais de saúde e a mãe, e a ausência de

informações após o parto, quanto aos reais motivos do seu afastamento de seu filho, além da

carência de um suporte emocional e esclarecimento acerca do adoecimento e tratamento,

foram evidenciados nessa fala, revelando o despreparo da equipe de saúde para lidar de forma

humanizada com o binômio mãe e filho.

Nesse contexto, destaca-se o estudo realizado por Figueiredo et al. (2013a), ao

discutirem, por meio dos seus achados, que de fato as mães têm a necessidade de serem

informadas acerca tanto do adoecimento de seus filhos, quanto sobre os procedimentos a que

estes serão submetidos. Porém, muitas vezes, as informações fornecidas pela equipe de saúde

não são compreendidas adequadamente pelas mães, e, outras vezes a orientação nem sequer

ocorre, por os profissionais preocuparem-se muito mais na realização de procedimentos

técnicos, distanciando-se do cuidado humanizado a mãe e a criança.

Além disso, observou-se também, que foi repassado para a mãe dados errôneos

quanto à mielomeningocele, sendo dito para ela que o adoecimento da criança era um

problema “simples” de saúde, sem repercussões importantes, ou seja, que não haviam razões

para a mãe preocupar-se. Sugere-se que esta circunstância tenha ocorrido ou por falta de

conhecimento do profissional de saúde acerca do defeito congênito, ou por este ter tido receio

de comprometer emocionalmente a mãe. Entretanto, independente dos reais motivos, o

comportamento desta profissional revelou-se como um ato inapropriado, antiético e

desumano.

Nessa perspectiva, ressalta-se ainda, que algumas puérperas não foram orientadas

acerca do que aconteceria com o recém-nascido, e qual seria o percusso que elas teriam que

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fazer com a criança para ser realizada a correção da mielomenigocele, dentre outras

explicações, o que também contribuiu para o sofrimento dessas mulheres, que lidavam com

circunstâncias totalmente novas e desconhecidas, sem receberem muitas informações e

atenção ante as suas angústias e demandas de saúde no pós-parto.

Acrescido a todas essas adversidades, uma das entrevistadas ao chegar ao hospital

de referência para a realização da reparação cirúrgica no recém-nascido, foi submetida a

condições estruturais insatisfatórias e insalubres, sendo alocada no corredor do hospital,

devido a grande demanda e lotação do serviço, sem receber informações dos profissionais de

saúde, o que abalou emocionalmente essa mãe, como mostra a fala a seguir:

Quando eu cheguei aqui, ave Maria, só fiz muito foi chorar. Eu fiquei no corredor, numa cama velha, um bocado de mosquito me mordendo lá, eu sentada numa

cadeira [...] tinha acabado de ganhar menino, e sentada numa cadeira, e a menina

chorando e eu sem saber de nada, que nunca tinha vindo aqui, ai chegou uma

enfermeira e disse “mulher, essa mulherzinha não pode ficar aqui não, ela é do

interior, ela numa situação dessa, de dieta, eu vou ajeitar um leito pra ela”, ai foi que

me levou lá pra um quarto (Marta).

O acompanhamento de um filho doente durante a sua internação é um processo

doloroso para as mães, que passam a vivenciar tudo juntamente com a criança, enfrentando as

adversidades e fornecendo apoio para a sua recuperação. Nessa perspectiva, a humanização

no ambiente hospitalar torna-se fator essencial, fazendo-se necessário que os profissionais de

saúde respeitem as particularidades de cada genitora e criança, ouvindo-os, esclarecendo suas

dúvidas, além de buscar a manutenção de uma relação de respeito e ética, centrada no vínculo

entre profissional-paciente (FIGUEIREDO et al., 2013b).

Outra participante da pesquisa, também desvelou o sofrimento enfrentado no

decorrer desse processo, durante o período que acompanhou a internação da criança no pré e

pós-operatório, através de sentimentos de tristeza expressos por meio do choro. Estes se

acentuaram com o afastamento e a saudade dos outros filhos que ficaram em casa e com a

difícil notícia acerca das sequelas da mielomeningocele e riscos operatórios, anunciados pelo

profissional médico de maneira desumanizada.

Quando ele nasceu ele tinha um caroço, quando chegou [ao hospital de referência

pediátrica] ele se operou. O doutor disse: “ou ele morre ou então ele fica aleijado”.

Ai eu disse: “seja o que Deus quiser, ele ficando alejado ou não, eu quero é que ele

fique bom”. Ele era bem pequenininho, você dizia que ele não ia escapar. Ai operaram, eu passei um mês com ele aqui no hospital, sofrendo com ele, chorava de

dia e de noite lembrando dos outros, porque nesse tempo os outros eram pequenos

também (Rebeca).

A notícia da doença congênita no recém-nascido é um momento singular e

delicado, em virtude dos familiares não estarem preparados, durante a gestação, para a

chegada de um filho com problemas de saúde, doenças muitas vezes raras e pouco conhecidas

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pela população, o que produz medo e dúvidas frente ao inesperado. Nesse meio, ante a

necessidade de repassar para a família as informações acerca do adoecimento, torna-se

relevante que o profissional de saúde esteja sensível às angústias da família, atento ao grau de

escolaridade e compreensão destes, bem como ao momento mais adequado para que estas

informações sejam repassadas.

Um maior detalhamento acerca de informações complexas sobre a doença pode

ser muitas vezes desnecessário, com explicações técnicas relacionadas às complicações, como

as relatas pelo profissional médico na fala acima, conforme declaram Figueiredo et al

(2013a), devido à própria circunstância física e emocional que a mãe lida no puerpério e por

esses dados poderem muito mais confundir os familiares nesse momento, do que esclarecê-

los. Frente a esses aspectos, acredita-se que, antes de tudo, o profissional de saúde deva

acolher essa família e buscar orientá-la da forma mais clara e menos técnica possível,

fornecendo-lhe primordialmente suporte emocional e um cuidado humanizado, mas também,

realizando explicações, de acordo também com os anseios dos familiares e seus

questionamentos que forem surgindo.

As mães antes da alta hospitalar receberam orientações sobre a necessidade de

acompanhamento por toda a vida no serviço de referência pediátrica onde a pesquisa se

desenvolveu, em virtude das possíveis sequelas que seus filhos poderiam apresentar.

Após a alta, a chegada da criança no domicílio gerou grandes alterações no

cotidiano da família, que muitos vezes precisou reestruturar sua organização para fornecer

todos os cuidados necessários e contínuos a criança. Situação essa desafiadora para as

famílias, que apresentaram sentimentos de medo e insegurança diante das sequelas da

mielomeningocele, constituindo-se em um aprendizado cotidiano, como mostra a fala a

seguir:

Não foi muito fácil pra mim conseguir, porque a gente não esperava ele nascer desse

jeito, mas aos poucos a gente vai aprendendo, a cada dia que passa, pra hoje ele

estar vivo com a gente. Mas dizer que foi fácil nos primeiros dias, primeiros meses,

primeiros anos, foi difícil demais. A gente não tinha o conhecimento, mas com a

graça de Deus estamos com ele aqui contando a história (Ezequias).

A literatura revela resultados semelhantes, conforme apresentou Guerini et al.

(2012), onde os familiares de crianças com necessidades especiais de saúde, incluindo a

mielomeningocele, relataram que após o nascimento e a descoberta do adoecimento da

criança e de sua necessidade de cuidados contínuos, suas vidas sofrerem grandes alterações,

porém, estes acreditavam que todo o esforço era válido para favorecer uma melhor qualidade

de vida aos seus filhos.

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De fato, corroborando esses achados, um estudo revelou que os pais de crianças

com adoecimento crônico percorrem longos desafios para superarem seus medos e despreparo

diante da notícia da anomalia em seus filhos, aprendendo com o tempo a conviver com o

novo, diferente e a lidar com os preconceitos de uma sociedade que rotula as pessoas com

deficiências (CARVALHO et al., 2006).

Assim, apesar das poucas orientações recebidas quanto aos cuidados e

adoecimento da criança, as famílias revelaram não medir esforços para fornecer-lhes atenção

a todas as suas necessidades, buscando proporcionar-lhes melhores condições de vida.

4.2.2 Cuidando de pessoas com necessidades especiais de saúde

A maneira como as famílias lidaram com a chegada da criança no lar e

necessidade dos cuidados contínuos variou entre os entrevistados. Para alguns, não houve

nenhum estranhamento diante das deficiências e consequentes dependências nas atividades de

vida diárias, entretanto, para outros, o cuidar de uma criança com necessidades especiais de

saúde gerou medo, principalmente devido ao pouco conhecimento sobre a doença, tratamento

e sequelas.

Eu não acho nenhuma [dificuldade], ele tá bem (Raquel).

Para mim é normal, desde que ela nasceu eu é que cuido dela, pra mim já é normal,

nunca rejeitei [...] (Rafaela).

[...] eu tenho medo de cuidar dele, porque ele é uma criança especial, diferente das

outras (Ezequias).

A experiência da mãe e demais familiares no cuidado a criança com adoecimento

crônico é evidenciada pela busca por maior compreensão acerca do problema de saúde, suas

causas e efeitos a longo prazo, bem como por sentimentos de insegurança e desconfiança.

Desse modo, a alta hospitalar é vista como algo marcante na vida da mãe, por ser o início de

um percusso de aprendizado e de novas apropriações em relação aos cuidados (OKIDO et al.,

2012).

A rotina da família, principalmente a da mãe, por ser a principal cuidadora,

reorganiza-se diante das novas responsabilidades e constantes demandas da criança, conforme

se observou em um dos itens de caracterização da organização familiar presente no roteiro das

entrevistas, tanto em relação aos cuidados, como de um acompanhamento contínuo aos

serviços de saúde, de reabilitação e relacionados às sequelas da mielomeningocele. Assim

sendo, um dos membros da família apropria-se desse papel, passando a assistir a criança,

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deixando suas atividades profissionais formais e/ou estudantis, e, por contrapartida, outros

membros passam a exercer a função de mantenedor do lar financeiramente e demais

necessidades da família.

Eu sozinha, porque às vezes meus meninos estão em casa e tem dia que não estão.

Eu fico sozinha pra cuidar dele e tudo. Cuido da casa, cuido dele (Rebeca).

Fico só cuidando dela (Penha).

Cuido dela e da casa, e às vezes ainda vou, quando tem a roça perto, dou umas

cutucada por lá (Safira).

Só faz as coisas [cuidados do lar] se ela tiver dormindo [...] porque ela não fica

quieta (Marta).

Corroborado com nossos achados, estudo realizado por Costa et al. (2012)

encontrou que, dos 15 cuidadores de crianças com mielomeningocele, 14 eram suas mães e

uma era a avó. Ademais, a quase totalidade desses participantes (12) também não exercia

atividades laborais, pelo fato de dispenderem muito tempo exercendo atenção contínua à

criança.

Nesse contexto, conforme os achados de Cipriano e Queiroz (2008), as mães

comumente passam a desempenhar atividades domésticas nos tempos livres, quando não estão

cuidando da criança/adolescente, sendo a fonte principal de renda da família proveniente do

esposo/companheiro ou do benefício recebido pelo filho, como também foi identificado nos

dados dessa pesquisa.

Pôde-se observar que em algumas situações todos os membros da família

buscavam contribuir e auxiliar, de acordo com os seus limites e disponibilidade, com os

cuidados desempenhado pela mãe à criança e ao adolescente, de forma que também se

sentiam participantes nesse processo, como mostram as falas a seguir:

[...] quando eu saio, a minha menina, a de 14 anos, ela já banha, já troca (Samara).

Meu marido ajuda muito, é um excelente pai. O irmão não desgruda dela (Jane).

Vou mandar uma menina minha que mora mais eu para cuidar dela lá [na escola]

(Marta).

Meu filho trabalha, faz faculdade agora, não tem tempo. Mas quando eu preciso, que

ele tá em casa ele faz (Sandra).

Achado este que diferiu dos resultados encontrados em outra pesquisa, onde,

embora quase todas as participantes do estudo fossem casadas, essa condição não foi vista

pelos autores como capaz de influenciar no recebimento de ajuda para os cuidados a criança,

sendo todas essas atividades e responsabilidades desenvolvidas apenas pela mãe (CIPRIANO;

QUEIROZ, 2008).

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Por outro lado, Okido et al. (2012), ao estudarem crianças com doenças crônicas,

observaram que, de fato, muitas alterações ocorrem na dinâmica familiar após a chegada de

uma criança com necessidades especiais de saúde, na medida em que a principal cuidadora

passa a ser a mãe, em tempo integral, o que pode gerar dificuldades financeiras e necessidade

que outros membros exerçam a função de provedores do lar. Além do mais, companheiros

e/ou filhos mais velhos passam a ser coadjuvantes nos cuidados a criança.

Destaca-se que diferentes formações familiares participaram desse estudo, dentre

elas, algumas constituídas apenas pela mãe e o filho doente, outras pela mãe, a criança e

outros filhos mais velhos ou não, e ainda, casos que a mãe passou a conviver, juntamente com

a criança, com outro companheiro e o filho deste. Em muitas situações, nenhum membro da

família possuía emprego, havendo uma dependência total do BPC para a sobrevivência e

manutenção dos cuidados, já que a mãe não possuía nenhum suporte familiar para executar os

cuidados, sendo impedida de possuir atividades laborais formais.

É só em casa [que eu fico], porque eu não posso trabalhar com esse menino. Eu trabalhava assim no roçado [agricultura], mas ai, eu não posso trabalhar porque tem

ele pra cuidar (Rebeca).

Não tem quem faça [os cuidados], ninguém, só sou eu mesmo, por isso que eu nem

posso trabalhar (Sandra).

Efetivamente, constatou-se que vida da cuidadora passa a centrar-se na criança e

no adolescente com doença crônica, assim, na maioria das vezes, a mãe afasta-se de suas

atividades externas ao domicílio para poder ficar em casa com a criança/ adolescente, dando-

lhe toda atenção necessária, com os cuidados de higiene corporal e dental, alimentação, troca

de fralda e vestimenta, entre outros.

Sou eu pra tudo, banho ele, ele senta numa cadeira sabe, eu levo a cadeira, às vezes

ele diz assim ‘mãe eu to todo sujo’, eu pego e vou lavar ele. Eu troco de fralda,

limpo ele quando ele faz cocô, eu cuido dele bem (Rebeca).

Ela usa fralda descartável, eu banho ela, tiro da cadeira, boto na cama, depois arrumo ela quando vai pra escola, coloco na cadeirinha dela de novo, dou o almoço,

ajeito ela, passo a colônia, escovo ela, escovo os dentes, penteio o cabelo, porque

tudo tem que ser eu mesmo (Naomi).

Outros estudos corroboram esses achados, revelando que a doença crônica passa a

exigir das famílias uma organização diferenciada, no intuito de prover as necessidades de

saúde e outras demandas da criança e do adolescente, passando por constantes mudanças, de

acordo com as alterações no quadro clínico. Assim, efetivamente, as mães, como cuidadoras

dominantes, abdicam de suas rotinas e atividades, enfocando-se integralmente nos cuidados

aos filhos com necessidades especiais de saúde (ELIAS; MONTEIRO; CHAVES, 2008;

SOUSA E. et al., 2013).

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Além dessas atividades, o cuidador ainda precisa estar disponível para deslocar-se

com a criança e o adolescente frequentemente aos serviços de saúde, devido ao

acompanhamento de reabilitação e com as especialidades médicas relacionadas às sequelas, e

em outros locais, como a escola e lugares para o lazer.

A minha vida é ela. Eu fico imaginando se não tivesse acontecido isso comigo

[tumor na garganta, está de licença trabalhista], porque ela vive no hospital. É muito

difícil trabalhar e cuidar. (Jane)

A gente sempre passeia com ela na praça só. Até que antigamente na escola tinha,

mas agora não ta tendo mais não [passeios] (Samara).

Nessa perspectiva, a doença e a prática cuidadora ultrapassam a esfera individual

da pessoa cronicamente adoecida, atingindo todos os membros de sua família, especialmente

o cuidador principal. Desse modo, é comum a apreciação de expressões de mães que se

sentem sobrecarregadas ante a tantas responsabilidades e funções, fundamentadas na criança e

no adolescente com necessidades especiais de saúde (OKIDO et al., 2012).

Algumas dificuldades relatadas pelas mães frente a essa rotina relacionavam-se

principalmente ao peso e tamanho da criança e do adolescente, o que tornava o cuidado mais

difícil ao longo dos anos, principalmente por ter que locomover-se com eles no braço, na

maioria das atividades, idas aos serviços de saúde e outros locais necessários, devido aos

obstáculos para levar a cadeira de rodas.

Tenho [dificuldade], porque assim, ela tá crescendo, e não senta [sozinha]. “A

senhora sempre leva no braço?” Sempre (Penha).

[Tudo] no braço [...] muito peso, é meio difícil. Não é todo mundo que pega ela. Eu

tenho que deixar ela na escola e buscar, porque não é todo mundo (Samara).

Aspectos semelhantes foram observados no estudo de Cipriano e Queiroz (2008),

onde as mães de crianças com mielomeningocele expressaram dificuldades no cuidar, bem

como cansaço físico e mental, por utilizarem todo o seu tempo para atender as demandas

necessárias dos filhos, promovendo-os atenção nutricional, cuidados com higiene, estímulos

ao seu desenvolvimento, dentre outras funções.

Salienta-se que, diante das principais sequelas, como deficiências físicas, déficits

de sensibilidade, incontinência urinária e fecal, as atribuições das mães acentuam-se, bem

como suas responsabilidades e esforço na tentativa de fornecer aos filhos uma continuidade

do tratamento em saúde no domicílio e proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida.

4.2.3 Repercussões da mielomeningocele na vida das crianças e dos adolescentes

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Para os familiares das crianças e dos adolescentes, apesar de muitas vezes nem

sequer compreenderem a doença e as sequelas que acometem ou acometerão seus filhos,

conforme percebeu-se nos relatos, estes vão aprendendo a lidar com essas pessoas com

necessidades especiais de saúde e vão superando os entraves do medo inicialmente existentes

ante a notícia logo após o nascimento. Entretanto, os desafios continuam sendo reais no

cotidiano dessas famílias e da criança/do adolescente, em meio a uma sociedade que não está

preparada para acolher aqueles que não fazem parte do padrão considerado “normal” pela

população.

A incontinência urinária, bexiga neurogênica e/ou problemas mais graves

nefrológicos foram sequelas destacadas nas falas dos entrevistados, repercutindo grandemente

na vida das pessoas com essa deficiência, por gerar maiores dependências de cuidados e de

acompanhamento em saúde. Nesse sentido, observou-se que todas as crianças e os

adolescentes usavam fraldas ao sair de casa, como nota-se a seguir:

[...] Teve esse problema de fazer urina direto, instante em instante. Se ela rir, ela urina, se ela tiver alegre ou com raiva é se urinando direto (Naomi).

[...] faz xixi na fralda, tá acostumado já. Se ele vai ao médico tem que ir de fralda, se

ele vai pra casa da minha mãe, eu tenho que levar as fraldas dele (Rebeca).

Ele faz na fralda mesmo [...] ai tem dia que ele vai [para a escola] e chega bem enxutinho, e tem dia que ele chega muito mijado (Rebeca).

Apesar de umas das mães ter comentado que para o seu filho o uso da fralda

constamente para ir a qualquer lugar seja algo normal, o qual este já está acostumado,

acredita-se que estas sejam questões bem peculiares, as quais sejam necessárias pesquisas que

busquem desvelar a forma como a própria criança ou o adolescente lidam com essas sequelas,

dependência de higiene e uso contínuo de fraldas. Principalmente quando estes tem contato

com outras pessoas, como na escola, onde o preconceito, bullying, são frequentes

(BEZERRA, 2012) .

Percebeu-se que a criança e o adolescente normalmente só são higienizados pela

mãe, não aceitando, em grande parte das situações, que outras pessoas realizem a troca da

fralda no ambiente escolar. Como muitas vezes é inviável para a cuidadora acompanhar os

filhos nesse local, a troca só ocorre no retorno para casa após o término da aula, o que faz com

que a criança e o adolescente, às vezes, passem longos períodos com acúmulo de urina nas

fraldas, o que pode gerar mau cheiro, estranhamento pelos colegas e até dermatite por fraldas,

a depender do tempo.

De fato, a falta de controle vesicoesfincteriano é vista como prevalente entre as

pessoas com mielomeningocele (CIPRIANO; QUEIROZ, 2008; SÁ et al., 2010; GAÍVA;

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CORRÊA; SANTO, 2011; BORBA et al., 2012), o que as leva a necessitarem da utilização

de fraldas, e, no caso das crianças e dos adolescentes, por dependerem dos pais para a

realização da troca e higiene, podem em determinadas circunstâncias terem que permanecer

com a mesma fralda longos períodos, o que compromete sua higiene (ASSIS; MARTINEZ,

2011).

A incontinência urinária leva em muitos casos a necessidade de realização da

SVA/Cateterismo Vesical de Alívio (CVA), como mostram diversos estudos, com a função de

prevenir a ocorrência de complicações, como infecções urinárias relacionadas à saída

incompleta da urina da bexiga e problemas renais, além de ser uma alternativa para controlar

a incontinência (SBRAGIA et al., 2004; CORNEGÉ-BLOKLAND et al., 2011; COSTA et

al., 2012).

Ela tem bexiga neurogênica [...] eu faço o cateterismo (Penha).

Passo a sonda, ele tinha uns quatro meses quando começou. De quatro em quatro

horas (Sandra).

Tem que passar a sonda, desde quando nasceu. [...] Aqui disseram que tinha que

passar diariamente, de três em três horas (Samara).

O cuidado é meio redobrado porque recentemente ela fez um tratamento no HR, e

tem que tomar o medicamento e fazer o cateterismo cinco vezes ao dia, que é botar

sonda (Lidia).

Como se pode observar, a realização desse procedimento requer grande

comprometimento por parte do cuidador e responsabilidade quanto às demandas nos horários

previamente estabelecidos para a realização da SVA, o que aumenta, assim, o número de

tarefas a serem realizadas no cuidado a criança e, até mesmo ao adolescente, por ter sido visto

nessa pesquisa que nenhum deles realizava sozinho essa atividade. Dessa forma, observa-se

acima o desabafo de uma das mães, ao falar que “o cuidado é meio redobrado (Lídia)”,

revelando o grande desgaste e esforço físico desempenhado pelas cuidadoras.

Além disso, para algumas esse procedimento foi visto com receio, mesmo tendo

sido treinadas por profissionais bem capacitados, elas expressaram medo ante a realização da

técnica no domicílio.

Recebi treinamento. Eu tinha muito medo de passar a sonda. O médico veio uma vez

e disse que ela só ia sair [do hospital] quando eu aprendesse a passar (Jane).

Já me orientaram pra mim passar [SVA], mas eu não tenho coragem [...] foi o povo

aqui do hospital mesmo, foi [prescrito] pelo médico (Naomi).

Ratificando nossos achados, um estudo que investigou os pensamentos e

sentimentos de cuidadores familiares sobre a realização do SVA em crianças com

mielomeningocele, apresentou que todos os familiares expressaram aspectos negativos a

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respeito desse procedimento. Essa conotação negativa relacionou-se a palavras como medo,

mal, complicado e difícil, durante a realização da técnica na criança (COSTA et al., 2012).

Desse modo, acredita-se que durante os treinamentos, deva-se esclarecer aos

cuidadores quanto as suas dúvidas e medos ante ao procedimento, orientando-os sobre a

importância deste para a criança e o adolescente, e dando-lhes oportunidades de realizá-lo

ainda no hospital quando sentirem-se prontos para fazê-lo, sem pressioná-los, como

observado na primeira fala, quanto à “obrigação” de desempenhar essa técnica.

Outra sequela da mielomeningocele destacada pelos entrevistados foi a

incontinência fecal, e, entre uma minoria, constipação. De acordo com a literatura, essa

incontinência pode afetar o equilíbrio emocional e social das pessoas com essa complicação,

que podem tentar omitir essa circunstância, por gerar embaraço social (LEITE; POÇAS,

2010).

[Para fazer o] cocô ela usa fralda direto, vai de fralda [para escola], e lá, se ela sujar,

ou fizer cocô as meninas limpam [educadores] (Safira).

Também na fralda [as evacuações]. Passa à tarde com ela [usando a fralda na

escola], quando ele chega é que troca, porque ele não deixa ninguém trocar. Só eu

quem troco ele (Rebeca).

Pra fazer cocô ela toma um remedinho, porque ela tem dificuldade, é muito durinho

sabe, ai tem que dar um remedinho (Penha).

Assim, a criança e o adolescente com mielomeningocele utilizam a fralda tanto

em virtude da incontinência urinária, como em decorrência das sequelas de evacuação

intestinal. Em relação às repercussões para essas pessoas, observa-se por meio dessas falas,

que estas podem estar relacionadas ao sexo e a idade da criança. A filha de Safira possuía

apenas seis anos de idade e, para ela, outras pessoas diferentes da mãe e/ou familiares

poderiam fazer sua higiene e troca da fralda na escola. Porém, para o filho de Rebeca, que

possui dez anos, esse procedimento somente poderia ser feito pela mãe, por possivelmente

envergonha-se que outras pessoas tenham acesso a sua intimidade.

Nesse contexto, evidencia-se que devido às sequelas miccionais da

mielomeningocele, a sexualidade adentra o cotidiano das pessoas com essa patologia desde

muito cedo na infância, em virtude dos cuidados requeridos, o que pode gerar visões erradas e

estigmatizantes, posteriormente, na adolescência e juventude desses indivíduos (SOARES;

MOREIRA; MONTEIRO, 2008). Além do mais, destaca-se ainda que sentimentos de

ansiedade podem ocorrer entre eles, nas situações a qual sejam submetidos a independência

da família, devido a essas pessoas desde o nascimento terem poucas experiências autônomas

que contribuam para a construção de suas identidades com segurança (SOARES et al., 2006).

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Ainda nessa perspectiva, destaca-se a importância do Netiif, anteriormente

descrito, por ser um departamento existente no hospital onde a pesquisa foi desenvolvida que

tem enfoque na incontinência fecal, visando tornar as pessoas com essa sequela continentes

artificialmente, após a utilização de uma técnica de esvaziamento intestinal domiciliar. Assim,

esta tende a contribuir consideravelmente na vida dessas pessoas, gerando maior

independência do uso das fraldas e melhor qualidade de vida.

A técnica consiste na administração via retal de um enema, solução salina, em

quantidades e com substâncias variáveis, uma vez ao dia, de forma que seja induzido

esvaziamento das fezes, e, dessa maneira, seja possível a saída do domicílio sem a utilização

de fraldas. Por outro lado, destaca-se que a técnica pode ter resultados variáveis entre

diferentes pessoas, havendo treinamentos e avaliações prévias rigorosas no intuito de terem-se

resultados mais eficazes (BISCHOFF et al., 2009).

Uma das crianças do estudo é acompanhada pelo Netiif, como mostra a fala a

seguir:

Ela usa fralda, pois não tem segurança que não vai fazer cocô, ela não vai pra escola

sem fralda. [...] Assim, quando é mais distante, como shopping, eu coloco fralda,

mas não era pra colocar, pois ela faz o esvaziamento todo dia das fezes (Jane).

Apesar de ser participante desse serviço de incontinência fecal e já ter passado

juntamente com a sua mãe por um treinamento com uma equipe especializada, a criança ainda

sente-se insegura em sair de casa sem a utilização de fraldas, revelando aspectos particulares e

individuais para a sua eficácia e a necessidade de que não apenas a mãe seja orientada, mas

que a própria criança entenda o funcionamento dessa técnica, a depender da idade, e opte por

sua realização, de maneira que se sinta mais segura e participante no seu próprio tratamento.

Outra sequela bastante prevalente e com grandes repercussões na vida das

crianças e dos adolescentes foi à deficiência física, consistindo-se na impossibilidade de

caminhar ou de realizá-lo sem auxílio:

Não [anda] [...] eu deixo ela no chão, mas é porque eu não tenho como tá com ela no

braço direto. Só se eu comprasse uma cadeira de rodas e colocasse ela na cadeira de

rodas direto (Marta).

Não [anda] (Samara).

Não [anda], eu acho que é por causa do peso dele, porque ele é muito pesado. Ai ele

diz que dói o joelho dele. Ele consegue andar se segurando nas paredes (Rebeca).

As incapacidades físicas variam de acordo com a altura da mielomeningocele, nos

níveis sacral, lombar e torácico, sendo que quanto mais alto, maior é o comprometimento

motor e, consequentemente, as limitações no desempenho funcional das atividades de vida

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diária (COLLANGE et al., 2008). A maioria das alterações relaciona-se a dificuldade em

permanecer numa posição ortostática e deambular (BORBA et al, 2012). Nesse sentido, a

utilização de órteses, andadores e cadeira de rodas pode contribuir consideravelmente para a

locomoção dessas pessoas e autonomia, em alguns casos, como se observa nas falas:

Ele usa a cadeira de rodas e ele se arrasta [no domicílio] (Rebeca).

Usa andador (Sandra).

Não [caminha], ela tem cadeira de rodas (Safira).

Sim sabe [andar com cadeira de rodas sozinho] (Samara).

De acordo com a OMS (2011), no Relatório Mundial Sobre a Deficiência, um

dispositivo de tecnologia assistida contribui para o aumento da independência das pessoas

com deficiência, melhorando sua capacidade funcional, sendo exemplos destes: muletas,

cadeira de rodas, próteses e órteses.

Desse modo, é importante que esses indivíduos tenham acesso a esse tipo de

equipamento, sendo que, para tanto, faz-se necessária à efetivação das políticas públicas já

existentes para pessoas com deficiência física, discutidas no referencial teórico, tais como a

Portaria n°116 de 1993, que garante a concessão de dispositivos de tecnologia assistida pelo

SUS, mediante fluxo pré-estabelecido, as pessoas com deficiências, como: cadeira de rodas,

muletas, e andadores (BRASIL, 1993).

Outra consequência da lesão medular na mielomeningocele, evidenciada nessa

pesquisa, foi o déficit de sensibilidade nos membros inferiores:

As crianças com mielomeningocele tem problema de sensibilidade, e cria feridinha

no pé. No momento ela está sem andar, não sei se foi um calo. Ela pisava e

machucou, só que ela não sentia, ai foi agravando (Jane).

Ela já levou duas queimadurinhas. Nós íamos de moto ai ela derrubou o sapato,

queimou ela duas vezes. Porque assim, o sapato cai e ela não sabe dizer (Safira).

A criança e o adolescente em razão dessa sequela tem o risco de adquirir lesões

nos membros inferiores e úlceras por pressão (ROCCO; SAITO; FERNANDES, 2007;

SOUSA; BARROS, 2010), quando colocadas por muito tempo sentadas em posição viciosa,

sendo importante, portanto, que os profissionais de saúde orientem os cuidadores dessas

pessoas acerca da necessidade de examinar diariamente os seus membros, em busca de

alterações, da mudança de posição sentada prolongada e colocação de calçados bem

posicionados e confortáveis, de maneira a prevenir possíveis lesões nos pés.

Logo, notou-se que ante a todas essas complicações, a mielomeningocele gerou

desafios no cotidiano das crianças e dos adolescentes, bem como de suas famílias, que

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necessitarão estar bem orientados acerca de como lidar com cada uma delas, de modo a

contribuir para que essas pessoas atinjam uma vida adulta com maior independência e

autonomia. Por outro lado, os familiares também precisam receber suporte para conseguir

enxergar seus filhos além dessas deficiências, vendo suas capacidades e estimulando-as,

sendo, deste modo, a base para a sua inclusão na sociedade.

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4.3 O ACESSO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM

MIELOMENINGOCELE NA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE DO SUS

Figura 3 - Criança com mielomeningocele Davi . Fortaleza, CE. 2014.

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Após o nascimento, todos os recém-nascidos da pesquisa foram encaminhados

para hospitais de referência em neonatologia, onde ocorreu a realização da cirurgia de

correção da mielomeningocele. Desde então, foram encaminhados para o ambulatório do

hospital onde a pesquisa foi desenvolvida, passando a serem acompanhados nesse serviço.

Destaca-se ainda, que dentro da rede de serviços de saúde do SUS, as crianças e

os adolescentes usufruíam de Unidades Básicas de Saúde (UBS), clínicas de reabilitação,

hospitais municipais de nível secundário e de um hospital de reabilitação de referência

nacional.

Nesse sentido, a presente categoria visa discutir o acesso de saúde as crianças e

aos adolescentes com mielomeningocele nessa rede, com destaque para o atendimento, a

capacitação dos profissionais e resolutividade dos serviços, estrutura física e organizacional,

distância e deslocamento até eles.

Salienta-se que apenas dois responsáveis disseram existir instituições de apoio em

saúde a esses usuários, sendo a primeira uma associação medular e cerebral, composta por

familiares e profissionais de saúde, onde ocorrem reuniões, conversas e orientações,

localizada no interior do estado; e outra, uma casa de apoio próxima ao hospital de referência

pediátrica, que oferece hospedagem e alimentação aos usuários mais carentes.

4.3.1 Unidades Básicas de Saúde

Evidenciou-se que esses serviços são subutilizados pelos participantes da

pesquisa, havendo a busca apenas para a vacinação de seus filhos, recebimento de materiais e

medicações, bem como quando estes apresentam queixas de saúde consideradas por eles

como mais simples.

Eu quase não uso o posto de saúde, é mais para receber material (Jane).

Só vou lá dar as vacinas dela (Léa).

Porque é assim, por exemplo, quando ela tá gripada, eu vou lá com ela, consulta ela

e pego o remédio e ela fica boa (Naomi).

A consulta com a enfermeira pra pegar remédio que elas dão, pomada [...] (Raquel).

Achados esses que corroboram com Barroso et al. (2008), ao avaliarem a

qualidade dos serviços ofertados em duas UBS, onde estes encontraram que a maioria dos

usuários buscavam essas unidades visando apenas o recebimento de medicações,

apresentando assim, ainda uma visão medicalocêntrica e curativista desse serviço de saúde.

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No que diz respeito aos indivíduos com necessidades especiais de saúde, de

acordo com Othero e Dalmaso (2009), as pessoas que apresentam deficiências geralmente

buscam as UBS a procura de demandas bem específicas, como atestados para o Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS) ou para conseguirem passe livre nos transportes públicos,

aspectos estes que não foram observados nessa pesquisa. Além disso, os autores destacam

ainda que, muitas vezes, há uma carência de ações nessas unidades com enfoque nessas

pessoas, que, portanto, são em grande parte das situações encaminhadas para atendimento

especializado e de reabilitação em outros serviços.

Destaca-se ainda que alguns dos entrevistados também relataram que frente a

qualquer queixa de saúde da criança e do adolescente, estes buscavam preferencialmente e de

imediato o serviço hospitalar terciário onde se desenvolveu o estudo, e onde eles são

acompanhados ambulatorialmente, existindo portanto, uma maior confiança por parte da

família nesse serviço, como observa-se a seguir:

O posto de saúde perto da minha casa pro atendimento do Bejamim só frequentava quando era vacina dele, quando ele era mais bebezinho, de lá pra cá mais não. [...] o

atendimento dele mesmo quando doente, nesse posto de saúde, eu nunca fui.

Atendimento de febre, vômito essas coisas, sempre venho pra cá [HP] (Ezequias).

Tem [posto de saúde]. É difícil eu ir porque quando ele adoece, eu já venho logo pra

cá [HP], porque aqui tem os médicos. É muito difícil [ele ir para posto de saúde], só

se for uma gripe uma coisa assim, mas quando ele tem febre, febre alta [...] (Sandra).

Devido à criança e ao adolescente serem atendidos desde o nascimento por

profissionais desse hospital de referência, ocorreu à formação de um vínculo entre eles, como

percebido em alguns relatos, onde os cuidadores acreditam muitas vezes que por seus filhos

apresentarem uma doença crônica, todas as suas queixas de saúde devam ser atendidas por

esses profissionais que já os conhecem, possuem capacitação especializada e os atendem em

um serviço considerado de grande qualidade e resolutividade.

Entretanto, destaca-se a importância das UBS, por serem serviços com grandes

potencialidades para promover ações às famílias de crianças e adolescentes com doenças

crônicas, através do fator vínculo entre a equipe de saúde e essas famílias, por localizar-se no

mesmo território em que estes residem, e ter toda uma organização baseada na integralidade e

humanização entre profissionais e usuários, sendo aspectos considerados diferenciais, por

permitir uma maior aproximação entre estes e maior possibilidade de intervenção pelos

profissionais, no intuito de promover a saúde dessas pessoas e das crianças com necessidades

especiais de saúde (SOUSA et al., 2013).

Logo, como estratégia para promover uma maior aproximação dessas famílias as

UBS, acredita-se que seja necessária uma maior busca ativa das equipes para com as crianças

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e os adolescentes com doenças crônicas no seu território de adscrição, visando acompanhá-los

também a nível primário, promovendo reabilitação, inclusão social, resolutividade as suas

queixas de saúde que podem ser atendidas nesse serviço, referenciando-os para outros setores

mais adequados quando necessário, sendo um espaço de orientação e acolhimento as famílias,

além de suporte as demandas dessa parcela da população.

Outro entrave que também contribui para a subutilização desse serviço

relacionou-se ao pouco nível de conhecimento dos profissionais de saúde diante da chegada

da criança/adolescente com mielomeningocele nessas instituições, além da baixa

resolutividade as suas demandas, havendo o encaminhamento independente do seu problema

de saúde, devido ao desconhecimento acerca da doença crônica e suas sequelas, como

mostram as falas:

No Município B, a saúde pro Bejamim lá é um mistério. O Bejamim tem

hidrocefalia e mielo, quando eu chegava na assistência de saúde lá, ave Maria, o

posto de saúde é um mistério o problema que ele tinha, “ai isso ai aqui ninguém não

sabe o que isso, é uma criança diferente das outras e não pode cuidar disso, ele vai

ter que ir pra Fortaleza, porque essa febre dele ai. [...]”. Não tem sido fácil por causa

desse preconceito ou então porque eles mesmos não sabiam lá no Município B, na

cidade que eu moro [...] tudo tem sido só aqui em Fortaleza mesmo (Ezequias).

No posto eles não têm [conhecimento sobre a mielomeningocele] [...] lá ninguém

nunca ouviu falar (Raquel).

Quando eu cheguei ao Município A e levei para o posto de saúde, os profissionais

não sabiam nem o que era (Jane).

A primeira fala revela que os princípios da universalidade do acesso e

integralidade do atendimento foram rompidos, na medida em que o serviço de Atenção

Primária impõe obstáculos para o atendimento da criança, recusando-se a recebê-la,

apresentando uma resposta as suas demandas baseada apenas na cronicidade do seu

adoecimento.

Nesse sentido, segundo uma publicação da Organização Pan-Americana de Saúde,

uma das mudanças que se faz necessária na atenção a saúde, é a de um modelo centrado na

doença, prescritivo, para outro centrado na pessoa, em suas singularidades, contexto

socioeconômico, fazendo uma conexão entre suas questões de adoecimento objetivas e

subjetivas (MENDES, 2012).

É importante ainda destacar que é um direito de todos os cidadãos brasileiros,

independente de suas características genéticas, condições socioeconômicas, e de conviver ou

não com alguma patologia ou deficiência, receber uma assistência de saúde acolhedora e

isenta de qualquer tipo de discriminação, visando a promoção de um tratamento com

qualidade igual para todos, respeitando, entretanto, as suas singularidades (BRASIL, 2011e).

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Para tanto, os profissionais de saúde precisam ser conscientizados acerca dessas

questões, dispensando, assim, cuidados as crianças e aos adolescentes com deficiências e

doenças crônicas, com a mesma qualidade dirigida aos demais, e realizando ainda um serviço

com ética e respeito a todos os usuários, compreendendo os direitos, a autonomia e as

necessidades específicas dessa parcela da população (BRASIL, 2009c).

Salienta-se também que por uma falha e ausência de resolutividade na Atenção

Primária (AGUILERA et al., 2013), em situações de urgência e de adoecimento agudo, leva,

diversas vezes, a uma grande busca e lotação de pessoas sem urgências, ou com urgências

moderadas, nos ambulatórios e grandes hospitais, sobrecarregando os serviços, e reduzindo

também a sua resolutividade (MENDES, 2012).

Nessa perspectiva, uma pesquisa revelou a importância da continuidade do

atendimento da criança com mielomeningocele após a alta hospitalar nas UBS, por meio de

uma inter-relação entre hospital e atenção básica, compartilhando e complementando os

cuidados a criança, com o enfoque também em sua família. Na pesquisa, foram

desenvolvidas, conjuntamente, estratégias com o intuito de favorecer a autonomia da criança,

sua inserção social, potencializando sua independência e condições de autocuidado. Assim

sendo, a criança teve a garantia de um cuidado mais integral e completo, por meio do acesso a

toda a RAS, desde o nível primário, ambulatorial, até níveis mais complexos de reabilitação e

hospitalares, o que favoreceu a melhoria de sua qualidade de vida (MEDEIROS et al., 2011).

No que diz respeito à falta de conhecimento e capacitação desses profissionais de

saúde, nota-se o despreparo profissional das equipes da ESF, pois, apesar de não constituir-se

em um serviço com enfoque especializado, este abrange toda a população, devendo acolhê-la

independente de suas comorbidades. Ademais, os profissionais de nível superior, médicos,

odontólogos e enfermeiros, precisam ser constantemente atualizados, por meio de uma

educação permanente, no intuito de proporcionar um melhor atendimento a toda comunidade.

Destaca-se ainda a fala de outras mães, que revelaram que a pouca utilização da

UBS, se dava, segundo elas, por este ser um serviço com pouca assistência a ser ofertada e

com carência de profissionais médicos. Apontando, possivelmente, uma baixa qualidade da

atenção básica próxima a suas residências, que não tem exercitado na sua totalidade as

funções a que lhe foi proposta.

Às vezes, tem dias que eu levo logo ela para o hospital. Porque às vezes o posto não

tem quase nada, não tem muita coisa a oferecer, não tem um médico (Safira).

Tem [UBS], mas lá é tão assim [...] tem semana que tem doutor, tem semana que

não tem (Marta).

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Corroborando esses achados, um estudo que avaliou a percepção de usuários da

atenção básica de Fortaleza-CE acerca da qualidade na produção do cuidado em saúde,

encontrou que para estes a qualidade se relacionava a ter acesso às medicações, mais

profissionais de saúde na unidade e o cumprimento dos horários de atendimento (ARRUDA;

BOSI, 2012).

Ainda nessa perspectiva, com resultados semelhantes, uma pesquisa que avaliou a

satisfação de usuários de serviços públicos de saúde em cinco municípios de São Paulo,

revelou a grande deficiência destes quanto aos recursos humanos e físicos, constituindo-se em

carências mais acentuadas nos pequenos municípios, o que se torna uma barreira para o

atendimento da população, agravada devido à necessidade desta ter que buscar outros serviços

nos grandes centros urbanos, distantes muitas vezes de suas residências nas localidades do

interior (MOIMAZ et al., 2010).

De fato a contratação de profissionais médicos para trabalharem na rede pública

de saúde dos pequenos municípios e em regiões mais pobres tem sido uma dificuldade no

Brasil, o que tem promovido grande rotatividade nos serviços, reduzindo as possibilidades de

formação de vínculos com os usuários (AGUILERA et al., 2013).

No que diz respeito às prevalentes falas dos participantes que enfatizam apenas os

profissionais médicos, autores discutem que efetivamente a população tem exercido uma

supervalorização nas consultas médicas, sendo indiferente ao trabalho do restante dos

profissionais de saúde da ESF, o que fragiliza o funcionamento da Atenção Primária e dos

seus atributos, tais como: educação em saúde, prevenção de agravos e promoção da saúde

(AGUILERA et al., 2013).

Em contrapartida, divergindo dos relatos anteriores, algumas das mães revelaram

satisfação com o atendimento recebido pelos profissionais de saúde na Atenção Primária, ante

as queixas de seus filhos:

Bem tem o CIES [Centro Integrado de Educação e Saúde], quando eu precisei, me

atendeu muito bem, teve uma doutora que atendeu muito bem ela (Mara).

Conhecem [a doença], a doutora que tem lá é bem boazinha (Marta).

É ótimo o atendimento de lá. Também não tenho o que dizer não, é ótimo (Naomi).

Essa “satisfação” revelada por esses entrevistados, deve ser discutida com

prudência, em virtude de ser um aspecto subjetivo, e muitas vezes, o simples fato de

receberem um atendimento em saúde, já ser considerado por alguns participantes como algo

bom, de qualidade e satisfatório. Sendo esquecidas questões como a infraestrutura dos locais

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de atendimento, os recursos materiais presentes, a duração das consultas, acessibilidade, entre

outras.

Torna-se relevante salientar-se que os achados da pesquisa são provenientes de

residentes de diversas localidades de todo o estado do Ceará, o que revela uma disparidade na

forma como o atendimento tem sido ofertado a crianças e adolescentes com

mielomeningocele na atenção básica em saúde, apesar de ter sobressaído questões que

demonstraram a baixa qualidade do atendimento, em virtude da carência de recursos humanos

qualificados e materiais, e baixa resolutividade desses serviços.

Na perspectiva de que o acesso a um atendimento em saúde dentro da rede é um

direito de toda a população, evidenciou-se o fato de uma das crianças dessa pesquisa residir

em uma localidade rural onde inexiste qualquer serviço de saúde, ocorrendo de forma incerta

à visita de uma equipe de saúde na região, procedente do município a qual faz parte.

Logo, quando a criança ou seus familiares necessitam de assistência, estes

precisam buscá-la em municípios maiores, que possuem serviço hospitalar de nível

secundário e UBS. Entretanto, devido a distância, a mãe precisa conseguir algum meio de

transporte particular para chegar até essas unidades de saúde, com vizinhos e/ou parentes:

Lá não tem rede de saúde para nós. Às vezes vai médico lá pras casas. Quando ele

[criança com mielomeningocele] precisa, a gente tem que levar [...] é longe, é longe,

tem que arranjar um carro, uma moto (Rebeca).

Assim, observa-se a dificuldade de acesso que essa criança precisa lidar, mediante

a necessidade de qualquer atendimento de saúde, mesmo em face da cronicidade do seu

adoecimento e sequelas da mielomeningocele. Desse modo, em pequenas localidades como

esta, o suporte de equipes de saúde deveria ser contínuo e frequente, através das visitas

domiciliares e/ou do fornecimento de transporte, nas situações mais graves, quando não existe

essa possibilidade pela família, de maneira a preconizar a legislação brasileira, que garante o

acesso a todos as pessoas com deficiências aos bens e serviços de saúde sem discriminação

(DEFICIÊNCIA, 2013).

Nessa perspectiva, enfatiza-se que é preconizado por meio do Decreto nº 6. 949 de

2009, que o atendimento em saúde deve ser fornecido às pessoas com deficiências o mais

próximo possível aos seus domicílios, incluindo os casos em que estes residem na zona rural,

como na situação dessa participante do estudo (BRASIL, 2009c).

Outras mães também falaram acerca da distância da UBS até suas residências:

Fica distante, eu vou de carro [...] é obrigado a gente fretar o carro quando é pra sair

com ela (Naomi).

É distante, vamos de moto (Safira).

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Fica um pouquinho longe, mas o carro da saúde vai pegar (Penha).

Devido à longa distância, a família depende de transporte para chegar até a UBS,

que é fornecido somente por alguns municípios. Desse modo, nas regiões onde o transporte

público não é concedido, os gastos da família aumentam, por precisarem contratar automóveis

particulares para levar a criança e o adolescente até um atendimento básico em saúde, quando

não possuem meios de transporte próprios.

Por outro lado, para quase metade dos participantes, a UBS localizava-se com

certa proximidade aos seus lares, havendo a possibilidade de irem a pé até o serviço, levando

a criança e o adolescente nos braços, ou caminhando com o seu auxílio, ou ainda com o

suporte de cadeira de rodas:

Fica muito pertinho não [...] mas dá [para ir andando] (Léa).

É uns três quarteirões (Mara).

É lá perto de casa. Eu levo na cadeira de rodas (Samara).

O acesso até o posto é de calçamento, mas dá para ir a pé (Jane).

Apenas uma das mães falou sobre a estrutura física das ruas no caminho a UBS,

por não ser asfaltado, nem existirem calçadas adequadas, o que torna a ida com cadeira de

rodas inviável. Entretanto, como estratégia, a mãe leva a criança caminhando, por esta

conseguir locomover-se com auxilio. Nesse sentido, apesar de pouco ter sido falado sobre o

assunto pelos participantes, pode-se observar a importância da acessibilidade nos itinerários

até a UBS, já que muitos não possuem transporte particular e deslocam-se a pé para esses

serviços.

Logo, enfatiza-se a existência há mais de uma década de uma lei que estabelece

padrões para a promoção da acessibilidade as pessoas com deficiência ou mobilidade

reduzida, comentada no referencial teórico, por meio da redução, entre outros, de obstáculos

nas vias públicas e no mobiliário urbano. Dessa forma, o planejamento e a urbanização dessas

vias deveriam ser construídos visando à acessibilidade dessas pessoas, com destaque para os

itinerários e as passagens de pedestres, seguindo as normas na Associação Brasileira de

Normas Técnicas (ABNT) (BRASIL, 2000c).

Ademais, o Decreto 5.296 de 2004 preconizou que, para promover essa

acessibilidade deveriam ser seguidas, além dessas normas técnicas, condições

preestabelecidas, com destaque para a construção de calçadas para a circulação das pessoas

com deficiência física, por meio de adaptações, e o rebaixamento destas por meio de rampas

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acessíveis ou através da elevação da via pública para a travessia em nível dos pedestres

(BRASIL, 2004a).

Um estudo realizado por Siqueira et al. (2009), revelou a alta inexistência de

calçadas que favorecessem o deslocamento de pessoas com deficiência até as UBS, em 66,7%

dos casos pesquisados. Assim sendo, os autores consideraram que os projetos de urbanização

das vias e espaços públicos deveriam ser planejados de maneira a visar à garantia do direito

de movimentarem-se seguramente as pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida.

Nessa busca por facilitar o acesso dessas pessoas ao serviço básico de saúde, tem

destaque, como estratégia, à realização de visitas domiciliares pela equipe de saúde, quando a

família, devido às dificuldades procedentes das deficiências e condições socioeconômicas,

impossibilita-se de levar a criança/adolescente até a unidade. Entretanto, uma minoria tem

acesso a essas visitas, havendo situações em que os familiares tiveram que posicionar-se a

favor dos seus direitos e exigi-los na UBS, para alcançar, por fim, o atendimento de saúde da

criança.

[...] eu que não me desloco da minha casa para ir ao posto, mas o pessoal do posto

vai na minha casa [...]. Por enquanto tá sendo bom, no começo não era tão bom,

porque eles não iam visitar em casa, a fisioterapia dela só era aqui em Fortaleza,

sendo que podia fazer lá e eles não faziam. Agora como mudou de equipe, mudou de prefeito, essas coisas todas, já ta melhorando. Eu não sei daqui pra frente, sabe como

é, em todo lugar é assim (Rafaela).

Hoje, a médica, a enfermeira e o agente comunitário vão na minha casa, isso há mais

ou menos um ano. Foi só depois que o meu marido foi lá e fez maior barraco, falou

que tinha um filho especial e que não ia ninguém na casa visitar (Jane).

Observou-se também, que em um dos municípios a realização das visitas

domiciliares variam de acordo com os grupos políticos no governo, não existindo uma

continuidade de um modelo assistencial em saúde, o que quebra a qualidade do atendimento

recebido pela criança, ao longo das mudanças de gestão, constituindo-se em uma falha dentro

da RAS.

As visitas domiciliares permitem uma maior aproximação dos profissionais de

saúde com as famílias, crianças e adolescentes com doença crônica e o meio em que estes

vivem, permitindo uma maior compreensão das realidades de cada usuário, suas dificuldades

e angústias, de modo a favorecer uma melhor identificação acerca de suas necessidades, e,

assim, desenvolver uma assistência mais particularizada e com maior qualidade (MARCON et

al., 2007; SOUSA et al., 2013).

Estudo evidenciou que as visitas domiciliares contribuem positivamente para a

formação de vínculo entre profissionais de saúde e usuários, o que tende a favorecer o

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andamento do tratamento fornecido. Além disso, os usuários e seus familiares sentem-se mais

valorizados ao receberem as visitas da equipe multiprofissional da UBS, mostrando-se mais

abertos as orientações e apresentando com maior facilidade suas dúvidas e medos

(CANHESTRO et al., 2005).

Assim observa-se o importante papel da visita domiciliar no cuidado as crianças e

aos adolescentes com mielomeningocele, por proporcionar-lhes maior acesso a RAS a nível

primário, melhores condições para que a equipe interdisciplinar da atenção básica forneça-

lhes um cuidado integral, particularizado e humanizado, além de ser uma situação onde os

profissionais de saúde podem exercer a educação em saúde para essas pessoas cronicamente

adoecidas e suas famílias, atentando-se as condições socioeconômicas, estruturais e

relacionais em que estes vivem.

Outra importante estratégia criada na Atenção Primária, diz respeito aos Núcleos

de Apoio à Saúde da Família (NASF), criados em 2008 com o intuito de auxiliá-la, ampliando

sua abrangência, regionalização, resolutividade e territorialização. É composto por uma

equipe de profissionais de diversas áreas, divididos em tipos diferentes de NASF, tais como:

fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, entre outros,

que atuam conjuntamente a equipe de ESF, expandindo a assistência prestada aos usuários

(BRASIL, 2009d).

Ela é acompanhada por uma equipe em casa, é fisioterapia e fono, clínico também.

Toda semana vai a terapeuta, ai as vezes tem semana que vai a terapeuta e vai um

fisio, agora toda semana é a terapeuta que vai certeza, os outros não, vão de 15 em 15 dias, de mês em mês (Rafaela).

Desse modo, o NASF possibilita as crianças e aos adolescentes com deficiências

um recebimento de uma assistência integral e de reabilitação no seu município de residência,

facilitando o seu acesso a esse tipo de cuidado em saúde, através das equipes vinculas as

UBS, como foi percebido por meio de alguns relatos de familiares, apesar de terem sido falas

de uma minoria dos participantes.

Assim sendo, observa-se a importância da ampliação dessas estratégias a nível

primário em saúde, visando contribuir para um maior acesso dessa parcela da população

cronicamente adoecida a uma assistência em saúde de qualidade no seu território de

adscrição.

No que diz respeito à estrutura física da unidade de saúde, referente à presença de

rampas, corrimões, banheiros adaptados a pessoas que usam cadeiras de rodas e local

adequado para a higiene e troca, também é parte intrínseca ao acesso a esses serviços pelos

usuários com sequelas de mielomeningocele, sendo aspecto comentado pelos participantes,

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havendo grandes variações estruturais nas diferentes UBS dos municípios. Uma minoria dos

participantes relataram aspectos positivos referentes à estrutura, conforme mostram as falas.

O posto agora é novo, aí tem adaptação (Jane).

Tem [rampa], e agora tá passando por uma adaptação, reforma [...] é [adaptado o

banheiro], e agora tá com a reforma, ai vai melhorar mais ainda (Sandra).

Tem [rampa, adaptação] (Samara).

Muitos dos relatos revelaram que as unidades de saúde estavam passando por

reformas e reestruturações físicas, e que, a partir de então, passaram a apresentar rampas,

banheiros adaptados e maiores e locais para a troca das crianças. De fato, a legislação

brasileira exige que todas as edificações públicas devem assegurar a acessibilidade as pessoas

com deficiência ou mobilidade reduzida, ressaltando, desde 2004, que as construções,

reformas e ampliações de edificações públicas devem garantir no mínimo um acesso a parte

interior destas, com passagens internas livres de obstáculos que dificultem os deslocamentos

(BRASIL, 2004a).

Além do mais, as áreas de circulação externas e internas devem possuir rampas

nos desníveis, ou equipamentos mecânicos para o deslocamento vertical, e essas edificações

públicas também devem possuir sanitários adaptados, em relação aos equipamentos e

acessórios, e acessíveis às pessoas com deficiências, na quantidade de pelo menos uma cabine

por sexo em cada pavimento, com entrada independente dos demais sanitários coletivos

(BRASIL, 2004a).

Por outro lado, muitos entrevistados revelaram a ausência dessas estruturas que

facilitam o acesso das crianças e dos adolescentes com deficiência física e necessidades

especiais de saúde, ou presença apenas parcial, como por exemplo, haviam rampas, mas não

existiam banheiros adaptados, ou o contrário. Revelando, assim, o ainda presente descaso com

essas pessoas e a legislação brasileira, que há mais de uma década exige tais mudanças.

O pessoal lá tira ele nos braços, tem uma rampazinha pra subir. O banheiro do posto

lá é muito pequeno, não dá para entrar cadeira de rodas. Eu pego e levo ele andando,

ele anda pouco tempo, agarrado nas paredes, se arrastando. Quando eu vou com ele

o carro encosta mesmo na porta, fica mesmo na calçada, aí lá a gente desce com ele

e vai segurando ele (Rebeca).

Não tem [rampas], não tem cadeira adaptada pra ela, o banheiro adaptado não tem

(Penha).

Os postos de saúde não tem adaptação pra criança do tipo dele, que tem que tá

trocando fralda direto, não tem fraldário, não tem rampa pra entrar [...] o banheiro

também não tem pra cadeirante (Priscila).

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Mesmo para aqueles que possuem alguma capacidade para caminhar, o acesso as

UBS têm sido difícil, havendo a necessidade de funcionários e familiares os auxiliarem a

caminhar, segurando-os, ou levando-os no colo, em virtude da ausência de corrimões e

cadeira de rodas nesses serviços. Ademais, ao irem para essas unidades, essas pessoas são

impossibilitadas de usarem os sanitários, ou utilizam-nos com muita dificuldade, por

possuírem entradas estreitas, ausência de adaptações e locais para a troca e higiene.

Ressalta-se que a maioria realiza a SVA com horários pré-determinados, havendo

a necessidade de espaço e estruturas higiênicas nos sanitários para que a técnica possa ser

realizada adequadamente. Sem essas condições, a criança e o adolescente não dão seguimento

ao tratamento quando precisam de atendimento nas UBS, e precisam utilizar fraldas, sendo

trocados apenas no retorno as suas residências, situação que pode gerar constrangimento a

esses usuários.

A precariedade estrutural dessas instituições ocorre em diversos municípios,

muitas vezes por haver a sua instalação em locais inapropriados, como a utilização de casas

residenciais para o funcionamento do serviço de saúde, onde não há um ambiente adequado e

construído previamente com o objetivo de atender a população (AMARAL et al., 2012).

Reafirmando os resultados encontrados, recente pesquisa que verificou a

acessibilidade de pessoas com deficiência física em um UBS do Mato Grosso, também

encontrou a existência de muitas fragilidades na estrutura desse serviço, impedindo a

transitabilidade desses usuários. Não haviam corrimões, apesar da existência de rampas, nem

banheiros adaptados e com passagem livre para as pessoas que usam cadeira de rodas

(NASCIMENTO, 2012).

Evidencia-se ainda, pesquisa multicêntrica desenvolvida em UBS de sete estados

brasileiros da região sul e nordeste a qual encontrou que 59,8% dos prédios eram inadequados

as pessoas com deficiência física. Em síntese, em 63% não haviam rampas, e nas que

existiam, 72,8% não eram acompanhadas de corrimãos, e em 95% dos corredores também não

haviam. Ademais, em 77,4% dos banheiros inexistiam portas que garantissem o acesso, com

espaço inapropriado para cadeira de rodas em 75,8%. Além disso, uma minoria das unidades

oferecia cadeira de rodas aos usuários. (SIQUEIRA et al., 2009).

Há a necessidade, portanto, de que durante a elaboração de projetos para a

construção e reforma desses serviços de saúde seja pensado nas particularidades humanas das

pessoas com deficiências e doenças crônicas, como a mielomeningocele, de forma a haver a

possibilidade de mudança na atual realidade brasileira e cotidiano dessas pessoas, que lutam

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rotineiramente em busca de um atendimento em saúde acessível e com qualidade as suas

demandas (NASCIMENTO, 2012).

Assim, a atenção básica do Ceará precisa passar por reestruturações, tanto em

relação as suas condições físicas, de forma a permitirem uma maior acessibilidade as pessoas

com deficiência, quanto em relação a capacitação dos recursos humanos e maior provisão de

materiais. Além disso, esses serviços precisam exercer ações de promoção a saúde, que fazem

parte da sua essência como serviços localizados com maior grau de proximidade a população,

as pessoas cronicamente adoecidas, através de educação em saúde, visitas domiciliares, entre

outras estratégias outras estratégias

4.3.2 Serviços de Reabilitação

No Brasil, preconiza-se que devem ser organizados, fortalecidos e ampliados os

serviços e programas que visam à habilitação e reabilitação, para possibilitar que as pessoas

que possuem algum tipo de deficiência alcancem maior nível de autonomia e capacidade

física, social, profissional e mental, de forma a promover sua inclusão. Além disso, deve-se

buscar a promoção da capacitação dos profissionais de saúde de forma continuada, para que

estes estejam preparados a atuar nesses serviços (BRASIL, 2009c).

Para esse estudo, considerou-se como serviços de reabilitação, as clínicas públicas

ou entidades filantrópicas que forneciam todos ou pelo menos um dos seguintes atendimentos:

fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Destaca-se que uma minoria das crianças e

dos adolescentes dessa pesquisa recebia esse tipo de acompanhamento, apesar de já terem tido

até aproximadamente os três anos de idade e, após essa faixa etária, passaram a não mais

serem atendidas em nenhum serviço de reabilitação.

Dos que ainda usufruíam desses serviços, a maioria recebia atendimento de

entidades filantrópicas de apoio a crianças com necessidades especiais de saúde, ou

vinculadas a universidades privadas. Sendo que estes serviços só eram ofertados na cidade de

Fortaleza, e um na região metropolitana.

Ele faz tratamento no NAMI, foi através de uma doutora quando ele nasceu, ela me

transferiu pra lá (Priscila).

As fisioterapias dele são lá no CADEE (Raquel).

Foi através daqui, me deram um número e eu liguei, marcaram uma avaliação,

porque aqui [HP] ela só fez até os três anos, o NAVE, porque aqui só pode até os

três anos. Eles me deram dois endereços. Eu liguei logo pro Bem-me-quer e consegui, é aqui em Fortaleza, é fisioterapia também, fono e TO [Terapia

Ocupacional] (Rafaela).

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O NAMI é o Núcleo de Atenção Médica Integrada pertencente a uma

universidade privada de Fortaleza, e tem como missão desenvolver atividades de atenção em

saúde de nível secundário, por meio da promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e

reabilitação, de forma multiprofissional, no intuito de melhorar a qualidade de vida dos seus

usuários (UNIFOR, 2014). Já o Bem-me-quer é um serviço filantrópico que oferece

fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, dentre outras atividades de reabilitação, as

crianças com necessidades especiais de saúde, não sendo encontrado nenhum site com

maiores informações acerca dessa instituição.

O CADEE é o Centro de Apoio e Desenvolvimento de Educação Especial,

renomeado em 2012 para Centro de Integração Escola, Saúde e Assistência Social (CIES),

que fornece atividades integradas pela Secretaria de Saúde, Assistência Social e Cidadania e

de Ciência, Tecnologia, Trabalho, Emprego e Empreendedorismo de um município da região

metropolitana de Fortaleza. O serviço tem obtido destaque, por visar à integração social de

pessoas com necessidades especiais de saúde e sua melhor qualidade de vida (DIVERSA,

2013).

A chegada aos três serviços se deu através de encaminhamentos de profissionais

da saúde que acompanhavam essas crianças e esses adolescentes. Entretanto, a iniciativa de

encaminhá-los não seguiu uma rotina ou protocolo institucional, partindo da própria decisão

desses profissionais em referenciá-los ou sugerir que eles procurassem esses serviços. Desse

modo, muitos dos filhos dos participantes da pesquisa não recebiam nenhum tipo de

acompanhamento desse tipo, nem haviam sido orientados ou encaminhados a procurar esses

atendimentos.

Apenas dois entrevistados que residiam no interior do estado relataram o

acompanhamento, por meio do SUS, de fisioterapia aos seus filhos:

Eu faço a fisioterapia dela mesmo em casa, eu faço em casa e faço também por conta

do SUS [...] duas vezes, na segunda e na quarta (Marta).

É uma clínica que tem [de fisioterapia], é pública [...] é duas vezes por semana

(Safira).

Considerando esse contexto, enfatiza-se que o tratamento precoce e contínuo da

mielomeningocele por meio de serviços de reabilitação, independente do nível de

comprometimento neurológico, torna-se essencial para as pessoas com essa patologia, visando

à promoção de sua autonomia e qualidade de vida (ROCCO; SAITO; FERNANDES, 2007a;

SANTOS et al., 2007)

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A fisioterapia e demais serviços de reabilitação, como a terapia ocupacional, são

fundamentais para as crianças e os adolescentes com mielomeningocele, devido as

complicações dessa doença e consequentes repercussões na vida dessas pessoas e de suas

famílias. Para tanto se precisa de uma avaliação individualizada e multiprofissional, para que

seja construído um plano terapêutico específico e mais eficaz, que traga melhorias no

cotidiano desses indivíduos (BRANDÃO; FUJISAWA; CARDOSO, 2009).

O processo reabilitatório é comumente longo, oneroso, sem a possibilidade de

cura, ou cura total dependendo do quadro clínico. Todavia, apesar de em alguns casos os

usuários não conseguirem andar, ou movimentar-se totalmente, as atividades de reabilitação

contribuem significativamente para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas,

possibilitando-as uma melhor utilização de seu corpo na realização de suas atividades diárias,

mesmo com o comprometimento locomotor (SOUSA; BARROS, 2010).

Observou-se, entretanto, que apesar da absoluta relevância desse

acompanhamento reabilitatório para a melhoria do quadro clínico, dependendo do grau de

repercussão neurológica, independência, e consequente melhor qualidade de vida para as

crianças e os adolescentes com mielomeningocele, apenas poucos dos filhos dos participantes

dessa pesquisa tiveram acesso a esses serviços.

Essa circunstância contraria o que é preconizado como direito às pessoas com

deficiência física, por meio da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência, onde se declara que a estes devem ser garantidas serviços voltados a sua

reabilitação, em articulação com serviços sociais, profissionais e educacionais (BRASIL,

1999).

Os poucos participantes do estudo, os quais seus filhos eram acompanhados

nesses serviços, relataram certa distância de suas residências até estes, havendo a necessidade

de utilização do transporte público, quando existente no município, particular ou ofertado pela

prefeitura, nas situações em que as demais opções eram inacessíveis, e ainda a ida pé, como

pode ser observado a seguir:

O serviço de fisioterapia eu pego ônibus, não é perto (Jane).

Eu ando no carro de feira [pau-de-arara], vou só até a cidade mesmo. De lá eu vou a

pé. [...] Longe, quando eu chego lá já to morrendo de cansada, longe. [...] Assim,

quando eu não quero ir a pé, eu pago um moto táxi que vai deixar a gente lá (Marta).

Eu que tenho que levar na clínica de moto, ai não tem como levar a cadeira (Safira).

A prefeitura vai pegar e me deixar (Raquel).

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Muitos dos serviços de reabilitação estão localizados nos grandes centros urbanos

e municípios maiores, distantes, muitas vezes, dos usuários que residem em pequenas

localidades e municípios menores, o que se torna um entrave para que as pessoas com

necessidades especiais de saúde recebam esse atendimento tão necessário para o seu

tratamento. Além do mais, nem todos os municípios possuem transporte público, e muitas

famílias não possuem transporte próprio e adequado para levar a criança e o adolescente.

Pesquisa desenvolvida em Teresina, que avaliou a satisfação de usuários acerca

dos serviços de fisioterapia, revelou que na visão destes o acesso a esses serviços atendia as

suas demandas, sendo o principal transporte utilizado o público coletivo. Essa avaliação

positiva no acesso, que diferiu dos achados desse estudo, esteve relacionada à localização das

clínicas em região central da cidade, no mesmo município de procedência de todos os

participantes. Por outro lado, uma minoria dos usuários relataram dificuldades no acesso

relacionadas a questões de locomoção e carências financeiras (MACHADO; NOGUEIRA,

2008).

Preconiza-se na legislação que os serviços de reabilitação devam apoiar a inclusão

das pessoas com deficiência dentro da sua comunidade, sendo disponibilizados de forma

gratuita pelo SUS e estejam presentes com o maior nível de proximidade no seu território de

abrangência, incluindo a zona rural (BRASIL, 2009c).

A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência do SUS, apresentada

anteriormente, que se constitui pela Atenção Básica, Atenção Especializada em Reabilitação e

Atenção Hospitalar de Urgência e Emergência, em relação à reabilitação, preconiza a

elaboração de estabelecimentos de saúde com referência regulada, que funcionassem de

acordo com as bases territoriais, fornecendo serviços especializados (DEFICIÊNCIA, 2013).

Nesse sentido, os CER ganharam destaque, sendo um local de atenção em saúde

ambulatorial com enfoque na reabilitação, onde são realizados diagnósticos, tratamentos,

adaptações, concessão de materiais, entre outros, de forma articulada com os demais serviços.

O CER deve contar com o apoio de veículos adaptados para garantir o acesso aos usuários na

Rede (BRASIL, 2012b). Com a construção do Plano Viver sem Limites (BRASIL, 2011c), a

meta é que até o ano de 2014 sejam implantadas várias CER, com 88 veículos acessíveis a

estes (DEFICIÊNCIA, 2013).

Esses serviços são essenciais para a população com deficiência, entretanto nessa

pesquisa, nenhum dos usuários menores de 18 anos participava de algum tipo de atendimento

nos CER, não tendo sido relatadas nenhuma experiência pelos familiares acerca dessas

instituições. Assim, acredita-se que a sua implementação ainda esteja em andamento no

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estado do Ceará, restrita a determinadas localidades, ou que nenhum dos participantes do

estudo receberam referenciamento dos profissionais de saúde para tais unidades.

Desse modo, torna-se necessário uma maior discussão sobre o assunto, de forma

que os gestores de saúde alcancem alternativas juntamente com o governo, usuários,

profissionais de saúde e demais setores do sociedade em busca de encontrarem-se estratégias

para que essas crianças e esses adolescentes com necessidades especiais de saúde tenham

efetivado o seu direito de acesso a serviços de reabilitação, essenciais para a melhoria das

suas funções cotidianas.

No que diz respeito à estrutura física desses serviços de reabilitação citados pelos

responsáveis, apesar de serem locais que atendem em sua grande maioria pessoas com déficits

de mobilidade, os ambientes não eram adaptados, ou eram apenas de forma parcial para

recebê-las, como mostram as falas a seguir:

A clínica é de fisioterapia, mas mesmo assim não tem nenhuma acessibilidade. Tem

uns degraus, não tem rampa. [...] Tem muitas crianças que vão em cadeiras de rodas,

os banheiros não são adaptados (Jane).

Tem rampa, mas não tem quase como ficar lá, é bem apertadinho para ficar no

estabelecimento; não tem [cadeira de rodas]. [...] Tem banheiro lá, mas é estreitinho,

pequeninho; tem no hospital perto (Safira).

Na primeira fala, nota-se a estranheza da mãe com a estrutura da clínica sem

nenhum tipo de adaptação e acessibilidade, mesmo havendo muitos usuários que necessitam

utilizar cadeira de rodas para locomoverem-se nesse espaço. Na segunda fala, apesar da

existência de rampa para facilitar a entrada no serviço, este se apresenta como inapropriado

fisicamente para funcionar como uma clínica de fisioterapia; inclusive os usuários que

utilizam cadeira de rodas precisam deslocar-se para o hospital municipal próximo para usarem

o sanitário, já que o presente na clínica é inviável, devido ao tamanho e ausência de

adaptações para o uso.

Percebeu-se, desse modo, a carência desses serviços, em relação a sua estrutura

física e aos equipamentos de tecnologia assistida, como a cadeira de rodas, que poderiam ser

disponibilizados para facilitar os deslocamentos desses usuários, em virtude da dificuldade de

levar suas próprias cadeiras até esses locais, em algumas situações. Nesse sentido, há a

necessidade de uma reestruturação dessas unidades de reabilitação, visando promover

condições de acesso satisfatórias a população que apresenta deficiências e que residem nos

municípios do interior do estado.

4.3.3 Hospitais Municipais Secundários

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Do mesmo modo que as UBS, os hospitais municipais de nível secundário do

Ceará possuíam pouca utilização em relação a busca por atendimento das crianças e dos

adolescentes com mielomeningocele, em razão de serem serviços menores, com atendimento

generalista e, algumas vezes, pouco resolutivos no que diz respeito a esses usuários em

adoecimento crônico.

A procura desses hospitais ocorreu frente a queixas de saúde das crianças e dos

adolescentes que, na perspectiva de seus familiares, não iriam necessitar de internação, por

serem situações simples, ou quando estes acreditavam que os problemas de saúde não possam

ser solucionadas nas UBS, conforme mostram as falas:

Assim, pra internar ela eu não levei ainda [...] quando eu vejo que ela tá gripada,

com febre, ai eu levo, mas é só consulta mesmo (Marta).

Às vezes assim quando ele adoece eu levo (Rebeca).

Tem lá o posto de saúde e também tem o hospital. Só se ela tiver doente que eu levo

pro hospital (Penha).

Lá é bom, só não tem especialista, não tem pediatra. O médico atende adulto,

criança (Safira).

Em geral, de acordo com o revelado na última fala, a maioria dos profissionais

atuantes nesses pequenos municípios não são especialistas em uma área de atuação, como a

pediatria. Além do mais, de acordo com alguns autores, a carência de equipes de saúde é um

dos principais problemas enfrentados por estas populações, o que pode estar relacionado ao

fato de a maioria dos profissionais residir em grandes cidades, deslocando-se para os

interiores apenas alguns dias na semana e/ou nos casos de emergência. Ademais, muitas

dessas pequenas localidades não possuem condições de ofertar remunerações que atraiam

profissionais de saúde, o que reduz o nível das contratações (MOIMAZ et al., 2010).

Nesse sentido, quando necessitam de atendimentos mais específicos, com

especialistas, a população é referenciada para os serviços localizados nos municípios maiores,

de forma receberem a assistência em saúde a qual necessitam, o que pode gerar mais

dificuldades para essas famílias de crianças e adolescentes com necessidades especiais de

saúde, em relação ao transporte até esses locais.

Uma das mães revelou sua insatisfação com o serviço hospitalar municipal,

devido aos profissionais de saúde terem dado pouca credibilidade ao seu relato quanto ao

adoecimento de seu filho, mostrando-se pouco resolutivo e acolhedor, além de negligente

frente ao quadro convulsivo da criança, o que levou a mãe a procurar serviços privados de

saúde em busca de atendimento qualificado a criança.

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A convulsão ela sentiu em casa, eu fui e levei ela, ai disseram que não era convulsão

não, “aqui é birra”, ai eu disse “O que é birra?” “é menino assim quando cai mole de

raiva, com raiva”, ai eu disse “não, aqui mesmo não é raiva.” Eu fui pra casa, decidi

que ia pagar uma consulta pra ela, pra saber o que era isso, porque não pode, de vez

em quando dá. Ela não podia chorar que ficava toda morena, roxa, roxa. Ai eu levei

pro Dr. X, um doutor bom que tem lá, ai ele disse assim, “aqui é convulsão, você

tem que dar esse remedinho aqui controlado pra ela”. Passou esse remédio pra ela e

eu to dando, não teve mais nada (Marta).

O que tem sido visto em muitos serviços de saúde, é a presença de atendimentos

ainda enfocados apenas no processo de queixa-conduta, automatizando a relação entre

profissionais de saúde e usuários, havendo uma valorização maior do quadro clínico e

adoecimento, e, desse modo, o acolhimento e a formação de vínculos acabam sendo

desprezados nessa relação (COELHO; JORGE, 2010).

Nessa perspectiva, ressalta-se ainda que a qualidade dos serviços de saúde não

está vinculada apenas a acessibilidade física, mas também ao processo comunicacional e de

interação entre profissionais e usuários, de forma a manter essas pessoas cientes do

planejamento acerca do seu atendimento e das condutas a serem realizadas visando solucionar

suas queixas de saúde (FRANÇA; PAGLIUCA, 2008).

Alguns dos hospitais municipais no interior do estado do Ceará parecem estar

pouco preparados para atender crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, com

profissionais de saúde devidamente qualificados para recebê-los, acolhendo-os,

diagnosticando-os, tratando-os e referenciando-os para serviços de maior ou menor

complexidade, quando de fato necessário.

A despeito desse assunto, aponta-se pesquisa desenvolvida com Sousa e Braga

(2008), onde os discursos dos participantes revelaram que não têm ocorrido alterações

significativas nos serviços públicos de saúde do Ceará, com destaque para a ausência de

acessibilidade, descumprimento legislativo e discriminação as pessoas com deficiências, ao

contrário do que tem sido visto em outros estados brasileiros, que tem avançado frente às

políticas públicas de saúde a essa parcela da população.

Por outro lado, uma das mães relatou a satisfação com o atendimento no hospital

municipal, principalmente devido ao acompanhamento de reabilitação realizado com

fisioterapeutas nesse serviço, semanalmente.

A fisioterapeuta é ótima. [...] Lá no interior, é no hospital mesmo. Às vezes eu levo

umas duas, três vezes só, porque só é pra alongar o quadril [...] o ortopedista passou

(Samara).

Em virtude dessas atividades de fisioterapia serem localizadas no mesmo

município em que essa família reside, isso tem facilitado o acesso e a continuidade do

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atendimento, pois, desse modo, a mãe e o adolescente não precisam deslocar-se grandes

distâncias até municípios maiores, ou a capital Fortaleza, para receber um tratamento de

qualidade e que contribua para a sua reabilitação.

Em relação ao acesso até esses serviços, destaca-se que as famílias precisam

utilizar algum meio de transporte, normalmente pago, ou concedido por parentes, devido à

ausência de transporte público coletivo nesses interiores e longa distância das pequenas

localidades até os municípios que possuem serviços hospitalares.

Ele tem esses problemas, às vezes quando ele adoece, adoece assim, sente uma dor

de barriga [...] eu vou atrás de carro. Ainda bem que a minha irmã tem um carro, ela

vai comigo, eu dou só a gasolina (Rebeca).

Só quando ela precisa [...] fica distante um pouco. [vou] de mototáxi, eu boto ela

sentada no meio [risos] (Samara).

Alguns desses meios de transporte conseguidos pela família são inapropriados

para levar a criança e o adolescente, por não proporcionarem condições de segurança aos seus

passageiros, como revela a segunda fala, a qual a mãe leva a adolescente de 12 anos entre ela

e o motoqueiro, na tentativa de segurá-la, já que esta não possui movimentação nos membros

inferiores, havendo o risco de queda e acidentes. Entretanto, essa maneira de deslocar-se se

constitui na única alternativa da família, quando esta necessita levar a adolescente até uma

assistência em saúde hospitalar.

Desse modo, compreende-se haver a necessidade, da mesma forma que para o

acesso as UBS, de um posicionamento por parte dos gestores municipais e estaduais, visando

ofertar condições seguras de acesso a sua população com deficiência aos serviços de saúde,

oferecendo-os em sua região, ou em municípios circunvizinhos, por meio de contratos em

saúde intermuniciais ou outras estratégias.

No tocante a estrutura física desses serviços, apesar dos poucos relatos dos

participantes, devido a apenas uma minoria usufruir desses hospitais no intuito de atender as

crianças e aos adolescentes com mielomeningocele, percebeu-se que estes se apresentam

adequados a recebê-los, havendo satisfação em relação ao ambiente físico, conforme as falas:

Tem rampa, lá o banheiro é bom, é grande, ele é atendido logo também, lá recebe ele

muito bem (Rebeca).

Lá tem a cadeira de rodas, tem uma rampazinha. [...] agora tem [um banheiro

adaptado], porque o prefeito deixou o banheiro bem espaçoso, porque antigamente

era bem pequeninho, não tinha condições (Samara).

Assim, de forma a facilitar o acesso dessas pessoas e os deslocamentos internos,

observou-se o predomínio de hospitais bem estruturados, e alguns que passaram por reformas,

havendo a presença de rampas, banheiros espaçosos e adaptados, e com o fornecimento de

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cadeira de rodas aos seus usuários. Ademais, uma das mães revelou a prioridade no

atendimento nesse serviço, conforme preconiza a legislação a favor das pessoas com

deficiência, o que facilita e favorece o seu atendimento (Brasil, 2000a).

4.3.4 Hospital de Reabilitação de Referência Nacional (HR)

Esse hospital, localizado em Fortaleza, faz parte de uma rede nacional de hospitais

de reabilitação, geridos pela Associação das Pioneiras Sociais (APS), uma entidade de serviço

social autônomo sem fins lucrativos e de direito privado. Logo, constitui-se em uma

instituição pública, porém não estatal.

Essa Associação tem como objetivos gerais: fornecer serviço médico com enfoque

no sistema locomotor; formar recursos humanos e estimular a construção de conhecimento

científico; produzir informações em epidemiologia, gestão, custos e controle de qualidade;

executar atividades de educação e prevenção, no intuito de reduzir as causas das principais

enfermidades tratadas por essa rede de hospitais (RSHR, 2014).

Em relação ao hospital localizado no estado do Ceará, este foi inaugurado em

2001, e é dedicado ao atendimento de reabilitação do público adulto e infantil, através de

serviços ambulatoriais e unidades de internação, não atendendo situações de urgência e

emergência.

Pelos relatos, foi possível perceber que o atendimento prestado nesse hospital é

composto por uma equipe multidisciplinar, com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas,

nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, entre outros trabalhadores da saúde, havendo

um enfoque maior na equipe de fisioterapia, de acordo com os familiares. Por outro lado, a

instituição também realiza diversos exames, principalmente quando o usuário vai ser atendido

pela primeira vez no serviço, de maneira a guiar a elaboração do plano terapêutico.

A atividade que está sendo desenvolvida pro Bejamim é a fisioterapia. [...] A

fisioterapeuta ensina como deve fazer a fisioterapia dele em casa mesmo, no dia-a-

dia, pra ele ficar melhor (Ezequias).

É mais a parte de exames que ele faz lá. Tem fisioterapia, mas ele fazia a fisioterapia

só até os três anos, depois de três anos ai ele não fez mais não. Mas tem

acompanhamento com a fisioterapeuta (Sandra).

Lá é a fisioterapeuta, pediatra, a psicóloga [...] (Safira).

De acordo com os participantes dessa pesquisa, as atividades fisioterápicas

ocorrem de forma contínua até os três anos de idade, dependendo do usuário, sendo que após

esse período a criança e o adolescente continuam a ser assistidos pelos fisioterapeutas, através

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de consultas ocasionais. Ademais, os cuidadores são orientados acerca da importância da

realização de movimentos e técnicas de estimulação nos filhos, no domicílio, sendo

capacitados pela equipe de reabilitação desse hospital para desempenharem essas atividades.

Observou-se também que o acompanhamento desenvolvido por essa instituição

não possui uma frequência pré-estabelecida. Desse modo, após os exames e atendimentos

iniciais, a família pode ser contactada a qualquer momento quanto à necessidade de um novo

atendimento e ida até o hospital, para avaliações, consultas, orientações, entre outras

atividades.

É acompanhada no HR, só que é difícil chamarem ela lá. Fiz o cadastro e chamam,

mas é difícil chamarem.[...] Sete meses, oito meses, às vezes a gente tem que ligar

pra eles tarem chamando. [É atendida] pela equipe todinha que tem lá (Rafaela).

Eu só fui uma vez pra lá e passei 18 dias, mas ai não chamaram mais (Samara).

Não tem frequência, é às vezes, uma vez no mês, às vezes duas vezes, de três em três

meses. Eles ligam, marcam (Safira).

Desse modo, não há uma permanência do atendimento prestado, ou continuidade,

em alguns casos, e este serviço acaba funcionando como um suporte dentro da RAS,

complementando o acompanhamento desenvolvido pelo hospital de referência pediátrica e

outras instituições de saúde.

Percebeu-se ainda que algumas das crianças e dos adolescentes atendidos pela

fisioterapia, iniciaram a utilização de órteses, visando, entre outras funções, contribuir para a

mobilização de membros e/ou melhor desenvolvimento de suas atividades, sendo que a

própria instituição as forneceu para algumas dos participantes do estudo.

Ele usa essa órtese, tudo é a fisioterapeuta que passa (Sandra).

Eu vim semana passada e ontem já vim de novo. Porque ela ia fazer a órtese, tinha

que ficar três dias, pra ir lá, ir provando [...] nós fomos e viemos nessa semana pra

receber (Safira).

Nessa perspectiva, para Santos (2010), o atendimento fisioterápico para pessoas

com mielomeningocele, apresenta especificidades de acordo com a faixa etária, pois as

necessidades desses indivíduos variam ao longo dos anos. Há um consenso, entretanto, que

esse tratamento de reabilitação possua elevada importância, em busca de promover sua maior

independência e amenização dos sintomas, principalmente quando desenvolvido por meio de

um acompanhamento multidisciplinar.

Ademais, a utilização de órteses tem contribuído para a possibilidade de aquisição

da marcha em pessoas com mielomeningocele (BRANDÃO; FUJISAWA; CARDOSO,

2009), conforme demonstra um estudo realizado por Santos et al. (2013), onde crianças com

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nível de lesão lombar alto utilizando órteses longas apresentaram essa possibilidade, com

variação, entretanto, no período de permanência da utilização dessa tecnologia assistida, já

que muitos passam a preferir a cadeira de rodas, ao longo dos anos, por razões variáveis.

Outra atividade desenvolvida no HR foi o treinamento dos familiares para a

realização da SVA no domicílio, após a realização de exames e avaliação médica quanto a sua

real necessidade. Das nove crianças e adolescentes que realizavam esse procedimento, a

maioria havia recebido orientação por profissionais de saúde deste hospital (6).

Também recebi treinamento no HR pra fazer o cateterismo dele [...] foi uma médica

lá no HR (Ezequias).

É eu aprendi lá no HR [SVA], aqui [HP] eles não me orientaram não (Sandra).

Eu passei 15 dias lá no HR, foi pra fazer o acompanhamento, quando ela foi fazer o

cateterismo, que eu tive estagiar, que eu mesmo que faço, e outra vez também, que a minha menina estagiou, ela faz, outra vez ela veio também (Safira).

[...] mas assim, no HR eles querem adaptar, pra ensinar ela mesma passar, lá eles

ensinam também (Samara).

Para a realização dessas orientações, a família e a criança/adolescente ficam

internados nessa instituição durante aproximadamente duas semanas, de forma a serem

capacitados adequadamente quanto à realização de maneira segura e correta da SVA. Outros

familiares, além do cuidador oficial, também podem passar pelo treinamento, inclusive a

própria criança ou o adolescente, dependendo da idade e do desejo em aprender, de forma a

promover sua maior autonomia e capacidade de autocuidado.

Nessa perspectiva, estudo realizado por Costa et al. (2012), revelou que muitos

cuidadores apresentam dúvidas quanto a possibilidade da criança e do adolescente realizem o

autocateterismo, por acreditem na grande dependência destes aos seus cuidados, apesar de

reconhecerem a importância que estes aprendam a realizar a SVA sozinhos. Os resultados não

se relacionaram a idade da criança e do adolescente, pois houve cuidadores de crianças na

faixa etária de um ano que acreditaram nessa possibilidade de autocateterismo com êxito, já

outras de adolescentes com 12 anos, que não revelaram essa possibilidade.

As famílias parecem subestimar as capacidades das pessoas com deficiências e/ou

adoecimento crônico, conforme análise das falas dessa pesquisa, fornecendo-lhes um cuidado

superprotetor, que mais gera dependência a terceiros, do que os estimula a aprimorarem suas

habilidades e desenvolverem outras, o que poderia repercutir positivamente na sua vida adulta

e relações socioprofissionais futuras, favorecendo a sua inclusão social.

Segundo Nóbrega et al. (2012), todas as crianças com adoecimento crônico

precisam de uma maior atenção e cuidados específicos as suas queixas em saúde, todavia, isto

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não justifica a ocorrência de superproteção por parte dos familiares, o que pode repercutir

negativamente no seu desenvolvimento.

Os profissionais de saúde tem importante papel frente a essa orientação e suporte

familiar. Percebeu-se que esse serviço de reabilitação tem iniciado atividades desse tipo,

oferecendo oportunidade para que a própria criança e o adolescente desenvolvam ações de

autocuidado. Ademais, o hospital também foi fonte de informações importantes para as

famílias, em relação a orientações nutricionais, sobre a mielomeningocele e a realização de

cuidados no domicílio, como se observa nas falas:

Eu vim aprender mesmo muita coisa sobre mielomeningocele no HR. [...]

Orientações de alimentação foi lá (Jane).

Recebi [treinamento] lá no HR, a gente vai pro HR, a nutricionista, ensina como

deve ser o alimento dele [...] (Ezequias).

Tinham várias palestras [sobre mielomeningocele] no HR (Safira).

Apesar de uma minoria ter recebido acompanhamento e orientações nutricionais,

com destaque para esse serviço, por ser o que realizou essa atividade com maior prevalência,

sabe-se acerca de sua importância, em virtude do risco de obesidade e, em alguns casos, de

desnutrição em pessoas com mielomeningocele (COELHO et al., 2009; BRONZERI et al.,

2011). Nesse sentido, destaca-se ainda o estudo desenvolvido por Silvério, Sant’Anna e

Oliveira (2005) que revelou a ocorrência de hipersensibilidade em estruturas orais nessas

pessoas, recusa alimentar e presença de náusea ou desconforto em grande parte das crianças

de sua pesquisa, o que pode prejudicar uma correta alimentação.

De maneira geral, os cuidadores mostraram-se satisfeitos com o atendimento

fornecido pela referida instituição de saúde, devido a qualidade do atendimento prestado e das

diversas orientações fornecidas pela equipe de saúde multiprofissional, aspecto este que

corrobora com o estudo desenvolvido por Silva et al. (2012), onde mães de crianças que

haviam sido atendidas em serviços pediátricos, mostraram-se satisfeitas com as consultas

realizadas, entre outras razões, em virtude de terem conseguido ampliar seus conhecimentos

sobre o quadro de adoecimento de seus filhos.

Logo, apreende-se que o HR possui importante papel dentro da Rede de Cuidado

às Pessoas com Deficiências, por ser uma instituição que trabalha com serviços de alta

complexidade e qualidade em reabilitação, equipes multiprofissionais e uma estrutura que

permite a oferta de um atendimento especializado para as crianças, adolescentes e adultos

com necessidades especiais de saúde.

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Entre os entrevistados, houve unanimidade também acerca da satisfação com a

excelente estrutura física do HR, por apresentar todas as adaptações necessárias a pessoas

com deficiência e espaços que favorecem os seus deslocamentos, conforme mostram as falas:

Lá é o melhor hospital que eu já passei na vida (Lidia).

O HR todo tem adaptação (Jane).

É ótimo lá, é hospital de primeiro mundo (Sandra).

Lá no HR é muito bom, acho que deveria todo hospital ser daquele jeito. Todo

mundo trata a gente bem, muito bom [...] tem rampa, tem o lugar direitinho para

fazer o cateterismo; se a gente tiver o material faz, se não, eles dão. [...] No HR na

hora que a gente chega já tem [cadeira de rodas] (Safira).

[...] eu acho que teria que ter umas cadeiras que nem as que têm no HR, adaptadas

(Rafaela).

A instituição, portanto, preza pela ambiência preconizada no SUS de sua

edificação, que se refere à lida com os espaços físicos como locais de interações sociais e

profissionais, devendo proporcionar condições para uma atenção acolhedora, humanizada e

resolutiva (BRASIL, 2010).

Notou-se ainda que a instituição disponibiliza cadeira de rodas a partir de sua

entrada, para que seus usuários locomovam-se em todos os compartimentos com maior

possibilidade de acesso, condizendo com sua conceituação como hospital de referência

nacional, além de fazer parte de uma das maiores redes de reabilitação do mundo. Ademais,

apresenta banheiros adaptados e preparados adequadamente para que a família realize a SVA

na criança e no adolescente, sendo ofertado todo o material, quando necessário, para que haja

continuidade no tratamento dessas pessoas.

A forma como as famílias chegaram até esse hospital, foram, em sua maioria, por

iniciativa própria, sem haver a necessidade de encaminhamentos de outros serviços,

principalmente após ouvir excelentes recomendações provenientes de outros cuidadores,

familiares de crianças/adolescentes com doenças crônicas e de alguns profissionais de saúde,

consoante com as falas:

Meu marido ligou pro HR, porque eles não recebem se chegar lá. Aí com um mês

eles retornaram para marcar uma consulta pra ela [...] Eu não fui encaminhada,

decidi ligar, pois ouvi falar que eles atendiam essas pessoas (Jane).

Através de outra mãe com mielomeningocele e hidrocefalia (Priscila).

Eu cadastrei ele, ai chamaram, ele tinha dois meses quando eu cadastrei ele. Foi uma

mãezinha daqui, eu conheci ela aqui, e o filho dela tinha mielomeningocele. Ela

disse que lá era muito bom, que eu ligasse para lá para cadastrar. Foi o que eu fiz

(Sandra).

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Fui eu mesmo que liguei. A fisioterapeuta, disse que era um hospital muito bom, que

já tinha atendido outros pacientes de lá. Ai ela me deu o número e eu liguei.

(Samara)

Para ter acesso, portanto, ao HR, qualquer indivíduo pode entrar em contato por

telefone com a instituição, sem a necessidade de um referenciamento por parte de um

profissional de saúde, e, após avaliações iniciais, haverá ou não a inclusão do usuário, a partir

de critérios pré-estabelecidos específicos desse serviço. Assim, apesar de toda população ter a

possibilidade de acessá-lo, não é garantido o atendimento a todos, pois a instituição seleciona

aqueles a que irão receber os seus atendimentos, organizando a sua grande demanda.

No que diz respeito ao acesso físico, referente à locomoção até essa instituição,

aqueles que residiam no interior e que ainda faziam algum tipo de tratamento no HR, já que

alguns haviam recebido atendimento apenas durante um curto período, todos conseguiam

transporte do município ou auxílio financeiro para tal, e os que moravam em Fortaleza

conseguiam utilizar o transporte público de forma gratuita, através do passe-livre.

Para vim para Fortaleza eu venho de ônibus. Eles dão a passagem, a minha e a do

pai (Safira).

Assim, do HR às vezes eu não consigo [transporte municipal], porque o HR liga pra

mim hoje para eu já levar amanhã, mas se o HR ligar hoje para eu levar próxima

semana eu consigo, porque também lá é marcado, mesmo sabendo que ela precisa,

tem outras crianças que precisam também, aí é tudo marcado. Quando são as

consultas dela aqui, eu ligo marcado uma semana antes, aí toda vida tem (Rafaela).

Conforme a segunda fala, a mãe refere que apesar de ter acesso ao transporte do

seu município, há dificuldade de conseguir utilizá-lo quando o atendimento é no HR, devido à

marcação das consultas ocorrerem, algumas vezes, somente nas vésperas, e a organização do

transporte municipal funcionar por meio de uma agenda, onde são feitas programações com

antecedência para as consultas de todas as pessoas da região. Nesse sentido, torna-se

importante que essa instituição conheça as reais condições socioeconômicas dos seus

usuários, de forma rever sua forma de organização dos atendimentos, no intuito de facilitar o

acesso destes as consultas.

Por outro lado, destaca-se a importância da Lei n°0057 de 2008 de Fortaleza, que

assegurou a gratuidade ao transporte público coletivo às pessoas com deficiência, que não

estejam empregadas no mercado formal, e sejam favorecidas do BPC ou do Programa Bolsa

Família. Para adquirirem esse direito, há a necessidade de um cadastramento na Empresa de

Transporte Urbano de Fortaleza (ETUFOR), para o recebimento dos cartões de gratuidade.

Ressalta-se que a pessoa portadora do cartão possui o direito a um acompanhante, que

também possui a gratuidade do transporte.

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Salienta-se que uma minoria das crianças e dos adolescentes dessa pesquisa

estavam sendo ou já haviam sido tratados nessa instituição, provavelmente por falta de

encaminhamento por parte de outros serviços de atenção em saúde, ou desconhecimento dos

profissionais acerca do funcionamento dessa instituição e relevância na reabilitação dessas

pessoas. Desse modo, o acesso a ela foi reduzido, não em consequência da organização do

hospital, mas por falta de orientação aos familiares e cuidadores sobre a possibilidade de seus

filhos também serem atendidos nesse local, como uma complementação da atenção já

recebida nos demais serviços da RAS.

Desse modo, compreende-se a importância da ampliação dos serviços de

reabilitação e do acesso aos já existentes, além de um aumento no quadro de profissionais,

objetivando a garantia de um cuidado integral, através de diferentes especialidades, as pessoas

com deficiências. Nesse contexto, poderia haver uma maior resolutividade desses serviços,

que se encontram em níveis de menor complexidade na RAS, o que, consequentemente,

reduziria a necessidade de altos investimentos nos hospitais terciários (AMARAL et al.,

2012).

Destaca-se ainda que os achados dessa pesquisa, referentes a esse hospital de

reabilitação, foram limitados, já que esta foi desenvolvida em outra instituição de referência

pediátrica. Assim sendo, informações mais aprofundadas sobre o HR requerem a realização

de novos estudos nesse local.

4.3.5 Hospital Pediátrico de Referência (HP)

A pesquisa foi realizada nessa instituição, desse modo, houve a possibilidade de

entrar-se em contato com alguns profissionais de saúde e desenvolverem-se algumas

observações sistemáticas, conforme descrito na metodologia, o que permitiu, por meio do

entrecruzamento dos métodos, aprofundar os achados acerca do seu funcionamento

organizacional e atendimento, da sua estrutura física e do acesso até este.

A maioria das crianças e dos adolescentes do estudo logo após o nascimento foi

encaminhada para este hospital, onde realizaram a cirurgia de reparação da

mielomeningocele. Os demais foram operados em outras instituições de referência em

obstetrícia e neonatologia do Ceará. Entretanto, independente do local de reparo, todos

passaram a ser acompanhados no HP, através do Ambulatório de Especialidades.

Aspectos estes que corroboram com Borba et al. (2012), ao declararem que o

primeiro tratamento a essas pessoas é o fechamento da lesão da mielomeningocele, no intuito

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de reduzir os agravos ao tecido e suas repercussões, minimizando também possíveis processos

infecciosos. Após as cirurgias necessárias, a terapêutica passa a envolver um seguimento

clínico por toda a vida, em decorrência das diferentes possibilidades de complicações.

Alguns dos filhos dos participantes também tiveram acesso ao Núcleo de

Orientação e Estimulação ao Lactente (NOEL) dessa instituição, composto

predominantemente por fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, e que atua

com crianças até três anos de idade, que apresentam alterações neurológicas, congênitas e

malformações.

Outro setor existente na instituição que também atua com crianças e adolescentes

com mielomeningocele é o Netiif, já comentado anteriormente, com abordagem a

incontinência fecal, sendo composto por uma equipe interdisciplinar, formada por uma

enfermeira estomaterapeuta, um cirurgião pediátrico, nutricionista, psicólogo e assistente

social.

Apesar dessa diversidade de setores, observou-se haver pouca integração entre

estes, principalmente em relação aos profissionais do ambulatório em relação ao Netiif, já que

muitas das crianças e dos adolescentes dessa pesquisa apresentavam incontinência fecal,

entretanto nunca haviam sido encaminhados para esse setor, e nem sequer seus pais sabiam

acerca do seu funcionamento na instituição. Apenas uma criança já havia sido acompanhada

por este núcleo e passado por um treinamento juntamente com sua mãe.

No que diz respeito ao atendimento desenvolvido ambulatorialmente as crianças e

aos adolescentes com mielomeningocele, as frequências das consultas variam de acordo com

a gravidade dos usuários, presença de complicações e estabilidade clínica, conforme mostram

os relatos:

É atendida de três e três meses e o médico passou pra seis em seis meses por conta

dela não ter nenhuma complicação (Mara).

Aqui depende, a neuropediatria já ta só de seis em seis meses, o neuro, agora que ele

fez cirurgia, acho que vai ficar de dois em dois meses. Quando ela tiver bem já

aumenta o prazo (Rafaela).

Quanto menos transtornos ocorrerem durante o tratamento, maior é o prazo para

novas consultas com as especialidades. Entretanto, para uma das mães, existe uma longa

distância entre os atendimentos, com grandes períodos de espera entre as consultas, o que para

ela parece ser inadequado, devido à complexidade das sequelas que sua filha apresenta, o que

tornaria necessário um acompanhamento mais rigoroso e contínuo:

Eu só acho que o prazo é muito grande. Seis, sete meses, oito meses [...] mesmo ela

estando bem, uma criança com hidrocefalia e mielo, eu acho que era pra vim pelo

menos de dois em dois meses, de três em três meses (Rafaela).

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Essa inquietação quanto ao atendimento pode estar relacionada à própria

insegurança existente entre as famílias de crianças com doenças crônicas, em virtude do medo

quanto ao seu futuro, às incertezas quanto ao seguimento da doença e suas possíveis

repercussões, como a possibilidade de agravamento do quadro e morte (NÓBREGA et al.,

2012). Desse modo, a família como integrante do processo de cuidar, carece de orientações

que a instrumentalizem e deem suporte para tais ações, na medida em que precisam

compreender a complexidade do tratamento, terapêutica e adoecimento, e entender, assim, o

que se passa com a criança, de forma a alcançarem maior autonomia e possibilidade de

controle emocional (ARAÚJO et al., 2009).

Em relação aos profissionais que realizam os acompanhamentos nesse

ambulatório, apesar de ser composto por diversas especialidades, atendendo a diferentes

demandas de seus usuários, observou-se que as crianças e os adolescentes com

mielomeningocele não eram assistidos por toda a equipe multidisciplinar, sendo

acompanhados em grande parte por um único ou poucos profissionais desde o seu

nascimento, sem haver encaminhamentos para outras especialidades dentro do mesmo

ambulatório, o que tem fragmentado o cuidado a essas pessoas, que possuem diferentes

sequelas e necessidades relacionadas à mielomeningocele, entre outros aspectos

biopsicossociais particulares.

O que tem trabalhado aqui no HP, na parte mais da hidrocefalia e da mielo [...] só

dos rins dele, como é que tá a bexiga dele, como é que ela tá funcionando. A

hidrocefalia, o neurocirurgião só tá trabalhando a respeito da válvula pra saber se ela

tá bem, se ela não está. E o resto, a questão física dele, as pernas, os movimentos das

pernas e dos braços e do raciocínio dele, como vai ficar, aqui ninguém ainda tá

trabalhando não (Ezequias).

Quem atende aqui é a doutora B, é só ela (Rebeca).

Desse modo, o enfoque do cuidado as crianças e aos adolescentes com

mielomeningocele, tem ocorrido preferencialmente na doença, nos órgãos mais afetados por

esta, como a bexiga e os rins, e nas complicações associadas ao implante de Derivação

Ventricular nos casos de hidrocefalia associada. Assim sendo, o atendimento prestado vai

contra o princípio da integralidade da atenção em saúde, sendo ainda voltado ao modelo

medicalocêntrico e curativista, que na teoria já deveria ter sido extinto.

Corroborando, de acordo com Machado et al. (2007), o modelo grandemente

praticado na saúde consiste em ações fragmentadas, com enfoque na realização de atos,

havendo um predomínio de uma desarticulação entre as diferentes queixas dos usuários. Em

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busca de alternativas para a mudança desse cenário atual, faz-se necessário um novo

referencial, baseado no compromisso com a vida, ética, recuperação e promoção da saúde.

Nesse sentido, salienta-se que grandes têm sido os avanços nas pesquisas com o

corpo humano, havendo consideráveis aprofundamentos acerca dos tratamentos e

conhecimentos fisiopatológicos, o que tem levado a centralização dos interesses em saúde a

aspectos orgânicos dos seres humanos, tornando-se secundária a visão dos usuários como

seres psicossociais, bem como suas experiências particulares e subjetivas de adoecimento,

apesar das frequentes e atuais discussões teóricas acerca da humanização do cuidado (SILVA

et al., 2012).

Destaca-se ainda que apesar da multidisciplinaridade existente no serviço,

observou-se a ausência de interdisciplinaridade, que vai além de uma soma ou justaposição de

saberes sobre objetos em análise, onde as disciplinas se interrelacionam e comunicam-se umas

com as outras, construindo interações fortes baseadas em trocas e articulações entre diferentes

atores (MENDES; LEWGOY; SILVEIRA, 2008).

A comunicação entre os membros de uma equipe multiprofissional torna-se

essencial, na medida em que contribui na busca por um planejamento terapêutico adequado a

cada usuário e suas famílias, e realização de condutas eficazes e específicas, gerando maior

resolutividade do cuidado (ANDRADE et al., 2013).

Nesse sentido, para que seja alcançada uma prática em saúde baseada na

integralidade, faz-se preciso a efetivação de um trabalho em equipe entre os profissionais de

saúde, por meio de estratégias que propiciem a ocorrência do diálogo e troca de informações

entre estes. Assim, a integralidade é compreendida como a efetivação de um cuidado onde se

percebe o usuário de forma integral, como um sujeito social, político, histórico, que está

inserido em um contexto familiar e convive em uma comunidade, com determinada base

territorial (MACHADO et al., 2007).

As crianças e os adolescentes com mielomeningocele, diante das diferentes

alterações fisiopatológicas e necessidades individuais, podem precisar de cuidados

nutricionais, psicológicos, ortopédicos, de reabilitação, de enfermagem, urológicos, renais,

gastrointestinais, neurológicos, cirúrgicos, entre outros. Portanto, torna-se insuficiente estes

serem acompanhados por apenas uma única especialidade médica durante toda a vida,

recebendo orientações reduzidas e fragmentadas quanto aos seus cuidados domiciliares e

queixas de saúde. Um trabalho em equipe interdisciplinar tem a possibilidade de oferecer uma

assistência mais qualificada e integral a essas pessoas, favorecendo sua reabilitação e

proporcionando-lhes uma melhor qualidade de vida.

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Cada disciplina possui seus saberes específicos, sendo capacitada para atender

uma determinada especialidade. Ao percebe-se outras alterações e necessidades diferentes da

sua área de atuação, o profissional de saúde precisa procurar dialogar com outros atores

envolvidos no atendimento dessas pessoas, encaminhando-os para outros serviços e

profissionais, quando preciso, compartilhando-lhes informações acerca do usuário, suas

particularidades e os cuidados anteriormente prestados.

A observação da escassez desse tipo de trabalho em um serviço de referência em

pediatria, formado por um ambulatório altamente qualificado e com projetos como o NOEL,

Netiif, entre outros, revela uma fragilidade interna no serviço, com uma carência de

integração entre os profissionais de saúde e os setores, ou por questões de gerenciamento e

organização interna, ou por falta de capacitação e conhecimento dos profissionais sobre as

diferentes especialidades e programas existentes na instituição, e que porventura podem

apresentar uma visão de cuidado ainda fragmentada, tecnicista e individualizada.

De maneira geral, nos depoimentos das famílias entrevistadas predominou falas

de satisfação em relação ao hospital, em virtude da resolutividade, rapidez no atendimento,

complexidade estrutural, oferta dos exames necessários aos seus filhos e possuir profissionais

de qualidade.

Eu não tenho o que dizer, não sei como um hospital é bom desse jeito, o que precisar aqui tem, tem medico, enfermeira, tudo, tudo que a pessoa precisa aqui dentro do

hospital aqui tem (Naomi).

Aqui eu acho excelente [...] muito bom o atendimento aqui, eu gosto daqui, gostei

muito desse hospital (Raquel).

É ótimo. Não é que nem os outros cantos que às vezes eu vou com ela, eu chego

aqui e sempre eu sou atendida logo, procuram saber como ela esta, vão fazer logo os

exames, eu gosto do tratamento aqui por causa disso, porque não vão esperar, é

chegou vai logo fazer os exames todos pra saber o que é que tem (Lidia). Eu pagava um plano de saúde para ela, mas tudo que eu preciso tem aqui, ai deixei

de pagar (Jane).

A proposta do SUS é garantir serviços com esse nível de qualidade a toda a

população, ofertando profissionais capacitados através de equipes multiprofissionais, todos os

exames necessários para um correto diagnóstico e tratamento, sem a necessidade de longos

períodos de espera para a sua realização, e um acompanhamento contínuo com excelência a

pessoas cronicamente adoecidas. Assim sendo, diante desses aspectos, essa instituição

caracteriza-se dentro do SUS como um hospital de referência no cuidado a crianças e

adolescentes, apesar de ainda estar em fase de organização e aperfeiçoamento, visando, em

longo prazo, fornecer cada vez mais serviços adequados à população.

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Nessa perspectiva, enfatiza-se a qualidade do atendimento prestado pelos

profissionais de saúde, de acordo com os familiares, seu grau de aperfeiçoamento e

capacidade em lidar com essas crianças e esses adolescentes com necessidades especiais de

saúde, conforme mostram as falas:

Eu acho bom, eles são tudo responsáveis os profissionais, pelo menos os que

atendem ela, eu me dou super bem com eles (Léa).

Eu acho que os médicos daqui são muito bons (Raquel).

Desde o dia que minha filha se internou pra fazer a cirurgia da correção da coluna,

pra fechar o local, desde esse dia eu agradeço muito, porque ela foi muito bem

atendida por todos os médicos. Assim, toda vez que ela precisa, se for pra caso de

emergência ela vem pra cá, eles atendem muito bem porque ela é paciente daqui

(Mara).

Alguns autores afirmam que de fato, as pessoas com doenças crônicas lidam com

um cotidiano baseado em constantes atendimentos e acompanhamentos, visando reduzir as

complicações e prolongar os momentos de equilíbrio no seu organismo, circunstâncias essas

que podem repercutir em todas as dimensões de suas vidas. Assim, torna-se realmente

indispensável que os profissionais de saúde mudem suas posturas na atenção a esses

indivíduos, sendo formados e capacitados para lidar com essas peculiaridades existentes à

condição crônica, como foi possível observar nessa pesquisa (NOBREGA et al., 2013).

Outro estudo, desenvolvido por Franco e Campos (1998), que avaliou um serviço

pediátrico ambulatorial, e que apesar de ter sido realizado há alguns anos, ainda tem sido

referência para a discussão sobre a qualidade desse tipo de atendimento, também revelou,

confirmando os achados apresentados, que a formação de vínculos entre profissionais,

familiares e usuários ocorre com mais facilidade nos ambulatórios de especialidades, quando

comparado aos ambulatórios gerais, apesar da quantidade de áreas as quais estes são

atendidos, em virtude da longitudinalidade da assistência fornecida, o que contribui para a

formação de interações mais fortes.

Para alguns dos participantes, a qualidade do serviço e dos profissionais de saúde

foi associada à melhoria do quadro dos seus filhos e/ou estabilidade clínica, com a redução de

complicações e da necessidade de internações hospitalares.

[...] entendo [as orientações], tá ótimo, ele melhorou bastante depois que passou pra cá (Sandra).

Eu acho que eles têm um conhecimento muito bom, porque se não eu acho que o

estado do Bejamim poderia ter ficado pior ainda. Mas graças a Deus o Bejamim está

bem (Ezequias).

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A qualidade da relação entre os profissionais e às famílias e os usuários menores

de 18 anos com mielomeningocele, baseada no respeito desses trabalhadores, também foi

destacada pelos participantes, revelando o grau de responsabilização existente pelos

profissionais quanto à situação destes, por demonstrarem sempre prontidão e resolutividade

em suas ações, sendo executadas todas as atividades possíveis dentro da instituição para a

melhoria da saúde dessas pessoas.

Eles cuidam muito bem, eles ficam preocupados (Naomi).

Eles tratam a gente muito bem, depois que a gente chega na sala, quando eles vão

analisar o paciente, graças a Deus tem sido bem (Ezequias).

O hospital daqui eu não tenho o que dizer nada não, porque toda vida receberam bem

ele. Aqui é bom demais, eles atendem bem ele, eles são legais (Rebeca).

Essas questões corroboram com Nóbrega et al. (2013), ao discutirem que quando

sobrevém um atendimento resolutivo as crianças cronicamente adoecidas, ocorrendo uma

escuta ativa as suas reais necessidades, os seus cuidadores apresentam maior facilidade em

partilharem o seu cotidiano, anseios e fragilidades com esses profissionais de saúde, que unem

o desempenho clínico a criança e sua família e a capacidade de ouvi-los qualificadamente,

gerando uma atenção mais humanizada.

Logo, uma assistência a essas pessoas de forma integral necessita envolver

também seus familiares, atendendo suas necessidades ante a vivência do adoecimento crônico

juntamente com a criança e o adolescente. Para tanto, um aspecto imprescindível na relação

entre a equipe de saúde e os familiares é o fornecimento de informações sobre o adoecimento

de seus filhos, tratamento e todas as situações de atendimento a que estes são submetidos

(ARAÚJO et al., 2009).

Apenas uma mãe mencionou sobre o período de espera no ambulatório até o

momento das consultas, revelando não ser este um problema, na medida em que para ela, o

importante é sua filha receber o atendimento, independente do momento.

Quando eu venho, eu só venho assim, porque eu cheguei já hoje de madrugada, ai eu volto já hoje. Então a qualquer momento que atenda ela tá bom, porque eu só saio de

noite (Marta).

A maioria (13) das crianças e dos adolescentes reside em outros municípios do

estado, distantes dessa instituição de saúde a qual são acompanhadas. Para os familiares, em

meio as grandes dificuldades existentes no sistema público de saúde para se ter acesso a um

serviço de qualidade e específico as suas demandas, com a oportunidade de realizar todo o

tratamento, diagnóstico e reabilitação necessários, o fato de terem alcançado a possibilidade

de levarem seus filhos para esse serviço já é o suficiente para estarem satisfeitos,

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independente, muitas vezes, da forma a que serão atendidos, das consultas serem rápidas e

superficiais ou do tempo de espera.

Foi possível observa-se algumas consultas nesse ambulatório, havendo variações

entre os profissionais em relação à qualidade do atendimento e responsabilização com o

estado de saúde da criança e do adolescente. Em alguns casos, os profissionais realizaram as

consultas com considerável rapidez, revelando pouca atenção e escuta as queixas das famílias,

não sendo percebida a realização de exames físicos no usuário ou avaliações mais profundas.

Destaca-se, entretanto, que estas questões não podem ser generalizadas, na medida em que

foram visualizadas as consultas de poucos profissionais de saúde e que em alguns casos

também percebeu-se grande atenção por parte destes, que prestavam longos atendimentos a

cada usuário consultado, solicitando exames de urgência, entre outras atividades necessárias.

Nessa perspectiva, pesquisa que avaliou consultas pediátricas revelou que a

maioria das acompanhantes estava satisfeita com os atendimentos anteriores e dentre os

motivos para a avaliação positiva, destacou-se, entre uma significativa quantidade de mães, a

simples ausência de eventos indesejados, pois estas pareciam temer encontrar dificuldades

para o atendimento de seus filhos, em consequência de ser um serviço público de saúde.

Assim, a não ocorrência de situações desagradáveis foi suficiente para que estas estivessem

satisfeitas com o serviço, menosprezando, dessa forma, os recursos físicos, humanos e

matérias que podem influenciar diretamente na qualidade do cuidado (SILVA et al., 2012).

A partir dessas questões, leva-se a refletir que a população desconhece muitas

vezes os seus reais direitos, entendendo o serviço público de saúde como algo que o governo

decidiu conceder a eles, visão paternalista da saúde, não compreendendo que é um

atendimento custeado pela sociedade, sendo o direito a saúde assunto constitucional, um

dever do Estado, e não algo fornecido de forma voluntária, ou por compaixão. Assim sendo,

simplesmente por receberem atendimento em saúde, não importando a forma como este

ocorre, a população sente-se muitas vezes satisfeita, qualificando os serviços como

adequados, conformando-se com o recebido, sem buscar melhorias ou mudanças, em algumas

situações.

Quanto aos deslocamentos das famílias até esse serviço, para aquelas que residem

em Fortaleza, o transporte público municipal tem sido uma das principais escolhas para ida

até o HP, sendo em alguns casos utilizado transportes particulares, como o táxi, ou de

familiares/vizinhos, quando em período de chuva, ou devido a lotação do transporte público

coletivo.

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Alguns dos participantes que vem para Fortaleza provenientes de outros

municípios também utilizam o sistema público de ônibus, ao terem que deslocarem-se das

rodoviárias ou residência de parentes até o hospital. O que revela ser este um importante meio

de transporte para essas famílias, que sobrevivem, na grande maioria das vezes, apenas com o

BPC da criança/adolescente.

Lá de onde eu moro pra cá é longe. Eu pego ônibus para a Parangaba e de lá eu pego

outro pra vim pra cá (Léa).

Venho de ônibus, pego o ônibus no Município X, ai desço ali [rodoviária], a gente

pega o táxi, paga pra nos deixar (Rebeca).

Pego dois transportes, dois ônibus, um de lá de casa [outro município] e outro lá do

terminal da Parangaba (Raquel).

O transporte hoje eu vim de táxi porque tava chovendo e pra pegar ônibus de manhã,

chovendo, pra vim pra cá, pra ir para o terminal, aliás, é tudo lotado e o motorista

não quer parar porque tá lotado (Sandra).

Observa-se a dificuldade de acesso ao transporte público, havendo situações em

que este se encontra lotado de tal forma, que não há possibilidade de mais nenhum passageiro

adentrar no ônibus, o que acaba tornando-se um obstáculo para que as famílias consigam levar

as crianças e os adolescentes até o serviço de saúde.

Em relação à gratuidade desse transporte, observou-se que apenas um dos

participantes apresentava o Passe-Livre disponibilizado pela Prefeitura de Fortaleza

(FORTALEZA, 2008), conforme discutido anteriormente, e nenhum recebia auxílio para o

deslocamento dentro da cidade, de acordo com as falas:

Eu toda vida pago minha passagem, a Débora não paga porque é pequena. [...] Não

tem auxílio para passagem não (Jane).

Recebo um cartãozinho, o passe livre. Se eu tiver com ele eu não pago nada

(Sandra).

Paga, porque assim tem que ter o passe livre, e ela não tem. Nunca me indicaram

nada assim pra mim tirar. Assim, a assistente social tira mais é do idoso, eu nunca

vejo assim tirar de criança nem nada. Eu nem perguntei ainda (Samara).

Há uma carência de orientações acerca da possibilidade de gratuidade no

transporte coletivo as pessoas com deficiências, e da forma como as famílias devem se portar

para realizarem o cadastro e conseguirem apropriar-se desse direito, bem como os critérios

necessários para adquiri-lo.

Como grande parte dos participantes sobrevivem com um salário mínimo mensal,

a ausência do passe-livre e os obstáculos no acesso ao transporte público coletivo podem

torna-se barreiras para o deslocamento dessas pessoas, consoante estudo desenvolvido por

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Amaral et al. (2012), onde os autores evidenciaram a necessidade de aperfeiçoamento

ambiental e de transporte, visando favorecer a locomoção das pessoas com deficiência física e

mobilidade reduzida, de maneira a contribuir na realização de suas atividades cotidianas de

vida, da mesma forma como o restante da população consegue desenvolver.

Em relação à estrutura dos ônibus para a acomodação de pessoas que usam

cadeira de rodas e apresentam deficiências, percebeu-se que a maioria, de acordo com os

cuidadores, apresentam as adaptações necessárias, com espaço reservado para cadeira de

rodas e o equipamento mecânico de elevação para a entrada no veículo, porém, em algumas

situações, apesar de apresentá-los, estes se encontram sem manutenção, impossibilitando sua

correta utilização.

Porque sempre tá quebrado [dispositivo de elevação da cadeira de rodas], se tiver

quebrado, alguns motoristas conseguem subir, alguns não, vão embora e dizem que

tá quebrado. Eu peço pra colocar, digo que ajudo a colocar, e eles “não tá quebrado,

posso não”(Sandra).

A maioria tem [local adaptado para cadeira de rodas], é na cadeira, ai tem um cinto,

a gente passa o cinto. Quando tá quebrado o jeito é eu segurar. Uma vez ele ia

virando, porque ele tava sem cinto, porque estava quebrado, ai quando o motorista

fez assim, a curva, se eu não segure e pessoal que tava perto ele tinha caído

(Sandra).

Acho melhor ficar com ela [segurando] do que trazer a cadeira, às vezes tem

elevador no ônibus que a gente entra e às vezes não. Tem vezes que tem, mas os que

não tem é ruim trazer a cadeira por isso (Safira).

Desse modo, o transporte público não tem fornecido condições seguras e

apropriadas para a locomoção da criança e do adolescente com mielomeningocele, apesar de

estarem seguindo parcialmente o preconizado na legislação acerca da necessidade de

adaptações, conforme o Decreto 5.296 de 2004, ao afirmar que no Art. 34:

Os sistemas de transporte coletivo são considerados acessíveis quando todos os seus

elementos são concebidos, organizados, implantados e adaptados segundo o

conceito de desenho universal, garantindo o uso pleno com segurança e autonomia

por todas as pessoas.

Os achados corroboram com a pesquisa de Elias, Monteiro e Chaves (2008) no

Rio de Janeiro, onde estes encontraram que alguns ônibus, metrôs e trens também não

possuíam estrutura para permitir o acesso a população com deficiência, além de haverem

circunstâncias em que os motoristas não param para que as mães subam com seus filhos e

suas cadeiras de rodas, os inviabilizado de usufruírem de seus direitos de acesso aos meios

públicos de transporte.

Ainda no sentido de cumprir o preconizado por lei, as empresas de transportes

coletivos devem reservar assentos identificados para pessoas com deficiência (BRASIL,

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2000a). Nesse sentido, também se observou uma falha no seu cumprimento, em algumas

situações:

Mas é muito ruim pra vim com ele, porque vem lotado. Teve um dia que a gente

veio, ele veio em pé, o pessoal vê o sofrimento da gente e não dá a cadeira. Tem

deles que dão, quando é uma pessoa do coração bom, quando não é, ai quando o

ônibus vem lotado a gente fica assim na frente deles, para as pessoas não pisarem

nele, é um sofrimento pra gente vim de lá pra cá (Rebeca).

Se não veem as perninhas dela, não dão o canto no ônibus. Uma vez ela veio do

Município P em pé até a Parangaba e ninguém deu o lugar. [...] O motorista às vezes

me bota na frente (Jane).

A criança e o adolescente acabam sendo submetidos a condições inadequadas, não

sendo respeitado pela população o direito ao assento preferencial, para que estes possam

deslocar-se em condições minimamente adequadas e seguras. Assim, os familiares têm que

segurar o filho com deficiência, para que este consiga manter-se em pé até a chegada ao

serviço de saúde. Destaca-se ainda, que devido a todas essas condições, torna-se difícil para a

família transportar a cadeira de rodas, razão a qual se veem obrigados a contratarem

transportes particulares para terem condições adequadas de levar seus filhos ao

acompanhamento em saúde.

Para aqueles que residem em outros municípios, observou-se que a maioria

consegue vim para o hospital por meio de um transporte ofertado por estes, como ônibus,

carros, entre outros, que trazem para os serviços de saúde de maior complexidade a população

que necessita de um atendimento mais especializado, ou para pessoas com necessidades

especiais de saúde que são acompanhadas em Fortaleza.

Eu venho transferida pela secretaria do Município A, de microonibus (Naomi).

Vem no ônibus (Samara).

Hoje eu consigo com o secretário, é da prefeitura. Antes eu e a Verônica vínhamos pra cá duas vezes na semana, e não tinha o carro duas vezes, ai eu escolhia ou a terça

ou quinta. Hoje se for preciso ela vim a semana todinha, eu consigo carro pra ela

vim a semana todinha (Rafaela).

Até alcançarem pelo município o transporte, algumas famílias passaram por

dificuldades, buscando em secretarias e demais departamentos do governo até conseguirem o

direito de levarem essas crianças e esses adolescentes até um serviço de saúde de qualidade,

como foi possível percebe-se na terceira fala da mãe acima. Em outras situações, o transporte

é ofertado, entretanto não existe uma estabilidade quanto a sua disponibilidade, assim, a

família não tem uma garantia de que irá conseguir estar presente em todas as consultas,

buscando alternativas para o transporte:

Às vezes eu vinha na topic da saúde, que vem pra cá pro HP, e pros outros hospitais

e deixa os pacientes. Ai eu vinha na topic, só que as topic agora, eu mandei minha

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irmã saber, botar meu nome lá, tava lotado, não deu pra vim, é só uma topic, venho

poucas vezes. Ai às vezes eu venho mais é pago, sem condições sem nada (Rebeca).

Uma pesquisa utilizada ainda hoje por diversos autores, para discutir acerca da

qualidade do atendimento prestado em serviços de pediatria, também encontrou alguns

obstáculos semelhantes para o acesso dos usuários aos serviços de atendimento ambulatorial,

com destaque para a longa distância e a necessidade de custeio dos transportes, somado a

inadequação dos horários desses meios de locomoção, como ônibus e ambulâncias FRANCO;

CAMPOS, 1998).

Também se observaram circunstâncias em que a família não tinha condições para

se deslocar até o hospital municipal, local de saída do transporte para a vinda até Fortaleza, o

que se constituiu em mais um entrave para essas pessoas, conforme se observa na fala:

É direito é, mas a gente corre atrás e ficam botando dificuldade. Porque o certo

quando eu morava na outra casa, ele mandava a ambulância ir me buscar de manhã

até o hospital, ai do hospital eu já pegava outro transporte pra vir pro hospital aqui.

Mas agora eles não querem mais buscar em casa, eles querem que eu vá a pé, o

hospital é longe (Lidia).

Outra estratégia utilizada pelos municípios para que sua população tivesse acesso

a esses serviços é a oferta da passagem por meio do transporte rodoviário intermunicipal.

Eu venho de ônibus, a minha passagem ele [município] dá, agora da acompanhante

ele não dá, porque era pra dar (Marta).

Para vim para Fortaleza eu venho de ônibus. Eles dão a passagem, a minha e a do

pai (Safira).

Alguns dos entrevistados falaram acerca da dificuldade em deslocarem-se até o

serviço de saúde sem a presença de outro adulto que pudesse os auxiliar, pois muitos levam a

criança e o adolescente nos braços, ficando a mercê de conseguirem cadeiras de rodas no

serviço. Ao precisarem utilizar o sanitário, ou realizar a SVA e/ou higienização da criança e

do adolescente, entre outras atividades, e durante a própria utilização do transporte público,

no revezamento em segurá-los, bem como as bagagens, torna-se complicado desenvolvê-los

sem auxílio.

Usa [cadeira de rodas] em casa, mas sempre que eu venho pra cá eu nunca trago,

porque tem que desmontar ela toda, eu prefiro trazer uma pessoa comigo e essa

pessoa me ajudar (Rafaela).

Agora para vim pra cá é pago, porque vem uma amiga minha comigo, ai eu tenho

que pagar a passagem dela. Porque assim, é ruim a gente chegar aqui e não ter quem deixar ela para ir ao banheiro, para dar um banho nela [...] se a gente trouxer uma

pessoa é bom porque fica com ela, sozinha não tem como (Marta).

De fato, o desgaste com as vindas para o HP são intensas, e acentuam-se devido

ao longo período em que muitos passam na instituição, esperando todos os que vieram no

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mesmo veículo receberem o atendimento e realizarem os exames, assim, muitos chegam no

início da manhã e voltam apenas ao final do dia. Entretanto, apenas em algumas situações tem

sido possível a vinda de um acompanhante, nos casos em que o transporte é do próprio

município, nos demais casos a família também acaba tendo que custear sua passagem.

Apesar de terem sido a minoria no estudo (3), encontraram-se famílias que não

conseguiram ainda, de maneira nenhuma, a garantia de um transporte ou o recebimento de

uma passagem para o acompanhamento em Fortaleza, o que se torna uma barreira para o

acesso até o serviço público de saúde de referência, como se pode observar nas falas a seguir:

Eu estava deixando de vim mais por conta do transporte, porque o carro estava no

prego, a gente vem no carro do irmão dele, só que agora ajeitou e a gente está vindo

com frequência e quando não vem com o carro do irmão dele, a gente dá um jeito de

pagar, se a gente tiver dinheiro uma pessoa pra vim deixar ou ele pega o carro de

algum amigo e vem, a gente está fazendo de tudo pra não faltar mais, porque teve

um mês no máximo, quase um mês e meio que a gente faltou muito (Mara).

Eu vim no carro da minha irmã agora, mas quando eu venho, eu venho dormir na

casa do meu cunhado aqui em Fortaleza. Ai só pra nós vim de ônibus eu que pago.

Ai pra nós ir pra casa do meu cunhado, ai tem que pagar um táxi, dá 200 reais tudo. Porque ninguém não pode com ele [peso]. [...] É difícil minha filha, o sofrimento

meu é grande pra gente vim pra cá, as vezes ele perde a consulta, as vezes a doutora

passa carão nele, porque eu não tenho condição de tá vindo aqui direto. Eu só vim

pra consulta dele, porque ela vai entrar de férias e minha irmã disse assim ‘tu coloca

só a gasolina’. Ai eu botei só a gasolina do carro pra gente vim. Se eu fosse vim,

filha de Deus, como era que eu ia arranjar 200 reais? (Rebeca).

Esses achados corroboram com outros estudos, onde também foi observado que a

ida da população até os serviços de saúde de referência era difícil, por muitos fazerem parte

das camadas mais pobres da sociedade e residirem distantes dessas instituições nos

municípios maiores, o que trazia obstáculos ao acesso a um tratamento adequado. Dentre as

dificuldades, alguns autores também destacaram a impossibilidade das famílias em custear o

transporte para o usuário e os acompanhantes, e a necessidade dos municípios terem que

disponibilizá-los (ELIAS; MONTEIRO; CHAVES, 2008; AGUILERA et al., 2013).

A ausência desse transporte gratuito contribuiu diretamente para que as crianças e

os adolescentes não tivessem uma continuidade do seu atendimento, prejudicando sua

assistência em saúde, tão primordial ante a diversidade de sequelas e complicações associadas

à mielomeningocele. A família acaba tendo mais um gasto, com gasolina, transporte

rodoviário, além de tantos outros já realizados no cuidado cotidiano a essas pessoas, com

fraldas, alimentação, algumas medicações, táxis, utilizando uma renda mínima alcançada

graças ao BPC, primordialmente.

Em alguns estados brasileiros já existem leis que garantem o acesso gratuito no

transporte intermunicipal para pessoas com deficiências, como Minais Gerais, Rio de Janeiro

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e Rio Grande do Sul, sendo chamado de Passe-livre Intermunicipal, com detalhamentos

particulares nas normativas dos diferentes estados. No Ceará existe apenas uma proposta de

lei, que ainda não foi aprovada, que preconiza a concessão de gratuidade no transporte

coletivo intermunicipal do estado, as pessoas com deficiências que comprovem ser carentes

financeiramente. Sua aprovação viria a contribuir notadamente para os usuários com

mielomeningocele, por proporcionar condições para que estes, independente de seu município

de procedência, alcancem condições de acesso aos acompanhamentos em um hospital de

referência no seu atendimento.

A assistência desenvolvida por esta instituição é uma das mais importantes para a

criança e o adolescente, por ser desenvolvida por uma equipe que os acompanhada desde o

nascimento, o que gera uma continuidade das ações, sendo um serviço de referência no

Estado para o cuidado a essas pessoas até os 18 anos de idade incompletos. Assim sendo,

torna-se de extrema importância uma maior discussão acerca de estratégias e melhorias que

contribuam em todas as questões evidenciadas acima, de maneira a favorecer um acesso

seguro, gratuito e de qualidade ao atendimento em saúde.

Em relação à estrutura do HP, com destaque para o Ambulatório de

Especialidades, local onde a pesquisa foi desenvolvida, e o seu entorno, percebeu-se tanto por

meio da observação sistemática, como através das falas dos participantes, que esse setor da

instituição, por fazer parte de uma recente ampliação e reforma, possui rampas desde a sua

entrada com corrimões, apesar de estarem ausentes nas demais paredes e corredores,

sinalizações por meio de placas orientando a chegada aos diferentes espaços e banheiros com

estrutura interna adaptada para pessoas que utilizam cadeira de rodas.

É aqui tem as rampas ali para subir pra cá (Léa).

Tem um banheirinho aqui fora que tem [adaptação]. Lá na entrada tem a rampa pra subir, têm duas rampas, uma no meio e outra no começo, e no banheiro tem os

bichinhos pra segurar [corrimão] (Mara).

Não é tão estretinha a porta não [referente ao sanitário]. [...] tem [rampa], por onde

eu ando eu vejo, não sei se todos os setores são assim (Rafaela).

Na sala de espera e recepção do ambulatório é possível observar a presença de

piso antiderrapante, amplo espaço, existência de um fraldário com duas pias e um espaço para

higiene e troca, um banheiro com chuveiro e sanitário sem adaptação, um sanitário masculino

e outro feminino adaptados para usuários de cadeira de rodas, com a presença de corrimões.

Destaca-se ainda, haverem sempre funcionários com a função de orientação e

esclarecimentos, identificados com a roupa “Posso Ajudar?”, contribuindo para um melhor

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acolhimento aos usuários e organização do atendimento, conforme foi possível ver através das

observações sistemáticas.

Entretanto, a demanda do serviço é sempre intensa, principalmente no turno da

manhã, havendo consideráveis lotações nesse espaço, que mesmo sendo grande, acaba

tornando-se inadequado para a deambulação, conforme destacou uma mãe:

Só não tem muito espaço por causa das pessoas, é muita gente (Sandra).

Em relação aos sanitários, houve controvérsias no que diz respeito à entrada a

todos estes, no caso dos usuários de cadeira de rodas, pois apesar de serem adaptados,

possuem portas que dificultam o acesso, de acordo com uma entrevistada, fala que diferiu de

outros participantes, que afirmaram não haver essa dificuldade.

É grande o banheiro. Agora o banheiro que eu fui ali com ele, não deu para entrar

porque era estreia a porta, ai levantei ele e fui com ele andando [...] ele consegue

andar se segurando nas paredes, só que eu tive que segurar porque o chão tava

molhado, pra ele não cair (Rebeca).

Essa divergência pode estar relacionada ao tamanho da cadeira de rodas utilizada

e idade da criança/adolescente, pois o filho da participante acima possuía grande estatura e

aparente obesidade, o que pode ter dificultado o acesso aos sanitários. Por outro lado, o

referido banheiro pode estar localizado em setores não reformados pela instituição, e que

ainda possuem sanitários sem adaptação.

Entretanto, o fato é que o acesso deve existir para todas as pessoas, sem

discriminação alguma, com condições para que aqueles que utilizam cadeiras de rodas ou

possuem mobilidade física reduzida possuam condições de deslocarem-se adequadamente nos

serviços de saúde e nos seus sanitários, de maneira a satisfazer suas necessidades humanas

básicas.

Destaca-se ainda que, devido à precisão da realização periódica da SVA entre

algumas das crianças e dos adolescentes com mielomeningocele, ser importante a existência

de um ambiente limpo e adequado para o seu desenvolvimento nesse serviço, principalmente

devido ao extenso período de permanência no ambulatório, desde a chegada para a consulta

até o retorno a suas residências, sobretudo no interior do estado.

Nessa perspectiva enfatiza-se a expressão de uma das mães:

Tem o espaço, só que eu não me garanto, porque tenho medo de infecção, de não tá

bem cuidado. [...] eu não acho muito adequado, porque tem umas pessoas que são

limpas, têm outras que não. Às vezes a pessoa vai no banheiro, tem até urina e mais

alguma coisa no chão. O pessoal parece que não zela pelo que tem. [...] Hoje mesmo

eu fiz aqui [consultório], a menina colocou um paninho limpinho, num reservadinho

desses que não tava tendo atendimento. E as vezes lá na sala do curativo (Safira).

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Apesar de ser possível a realização do procedimento nos sanitários comuns, a

angústia da mãe é pelo fato de, devido as grandes demandas no serviço, estes encontrarem-se

mal higienizados, o que torna a SVA insegura para todos os usuários do ambulatório que

dependem dessa técnica para realizarem o esvaziamento vesical, o que inclui também pessoas

com outras patologias além da mielomeningocele.

Essa realidade também foi observada em um estudo desenvolvido em 2006, no

referido hospital, por Cipriano e Queiroz (2008), onde estes encontraram que muitas das

famílias sentiam-se constrangidas por não terem condições de promover aos seus filhos um

cuidado adequado no serviço, em virtude do usuário ser submetido a lugares inadequados a

SVA, situação esta considerada desumada pelos autores.

Outra questão evidenciada nas falas, diz respeito à necessidade de uma oferta mais

ativa do HP de cadeiras de rodas, e que estas sejam adequadas as diferentes demandas dos

usuários, em virtude do serviço atender a grande diversidade de pessoas com doenças

crônicas. Ademais, torna-se inviável, na maioria das vezes, que as famílias levem até a

instituição a própria cadeira da criança e do adolescente, por todas as dificuldades de acesso

discutidas anteriormente.

No colo [...]. Aqui tem cadeira de rodas, só que a cadeira de rodas que tem não serve

pra ela, porque tem que ser uma cadeira de rodas adaptada, eu acho que teria que ter

umas cadeiras que nem as que tem no HR [...] ela que não sabe sentar, segurar o

pescoço (Rafaela).

Aqui não, nunca procurei, eu levo no braço. Agora no HR tem, na hora que a gente

chega já tem (Safira).

Hoje eu não trouxe porque eu disse “não quando a gente chegar lá tem cadeira de rodas”. Certo que teve mesmo, eu falei com um rapaz ali, aqueles que fica na

portaria, eu falei com ele, ai o rapaz disse “espere ai senhora, vem já a cadeira de

rodas”. O rapaz mesmo foi pegar lá no carro, trouxe ele e tudo, toda vida eu consigo.

É mais difícil pra gente trazer [a cadeira dele], é mais peso (Rebeca).

Observa-se que houve divergência entre as falas quanto à disponibilidade das

cadeiras de rodas. Entretanto, pode-se notar que as famílias precisam procurar no serviço o

equipamento, que não é ofertado logo na entrada, juntamente durante o seu processo de

acolhimento na recepção. Assim, algumas famílias acabam sem nem sequer saber da

possibilidade de consegui-las, por falta de orientação e posicionamento mais ativo do serviço

quanto a isso.

De acordo com Moimaz et al. (2010) a política de acolhimento aos usuários dos

serviços de saúde deve ser implementada de acordo com as recomendações do HumanizaSUS,

ou seja, incluindo todos os trabalhadores, desde a pessoa que fica na entrada, guardas e vigias,

até os profissionais de saúde nos consultórios. Assim, logo ao adentrar na instituição, a

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família já seria abordada quanto as suas dúvidas, buscas e acerca da necessidade de cadeira de

rodas para a criança e o adolescente, acolhendo-os adequadamente.

De forma geral, a estrutura desse serviço tem fornecido condições de acesso para

as crianças e os adolescentes com mielomenigocele, principalmente a partir das reformas

recentemente desenvolvidas na instituição, e novas ampliações. Desse modo, os novos

espaços estão todos sendo construídos preconizando a normas técnicas necessárias, no intuito

de favorecer a inclusão das pessoas com deficiência e facilitar o seu acesso.

4.3.6 Entraves e desafios na Rede de Atenção à Saúde aos usuários menos de 18 anos

com mielomeningocele

Para que essa rede funcione com efetividade, deve haver uma integração entre

todos os serviços discutidos anteriormente, no caso das crianças e dos adolescentes com

mielomeningocele, por terem sido os setores compartilhados pelas famílias, como intrínsecos

no cuidado a essas pessoas em seu cotidiano.

Nesse sentido, destaca-se que a integralidade da assistência em saúde se dá, entre

outros aspectos, fundamentalmente por meio do referenciamento dos usuários dentro da rede

regional e interestadual de atenção em saúde (BRASIL, 2011a).

Entretanto, observaram-se falhas no encaminhamento/referenciamento dos

usuários menores de 18 anos com mielomeningocele entre os serviços que os acompanham,

não havendo um compartilhamento de saberes acerca destes e complementação dos cuidados

prestados, de maneira a fornecer uma assistência de fato integral e contínua.

Dentro dos próprios serviços de referência foi possível perceber-se uma

incompletude no que diz respeito ao atendimento dessas pessoas, na medida em que, apesar

de haverem equipes multiprofissionais, estas não compartilhavam os cuidados, ou discutiam

suas disciplinas entre si, nem referenciavam para outros renomados programas dentro dessas

instituições, que poderiam fornecer um cuidado mais completo e integral a esses usuários, que

muitas vezes recebem um atendimento restrito a poucas, ou apenas uma especialidade médica,

com enfoque em órgãos ou sequelas específicas, o que foge consideravelmente do atual

modelo de atenção à saúde, baseado em uma visão completa dos sujeitos.

Uma das mães, que há dez anos acompanha seu filho nos serviços de saúde, ao ser

questionada se alguma vez ela teria sido informada acerca da existência de alguma técnica ou

procedimento que permitiria que seu filho realize o esvaziamento intestinal em casa,

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tornando-o mais independente do uso de fraldas, ou acerca da presença do Netiif do HP, esta

revelou total desconhecimento, como mostra sua fala:

Não, não. [...] A doutora só sabe mesmo é da urina dele, como ela passou um exame

pra ele fazer. Ela passou até um remédio pra ele, que ele toma (Rebeca).

Assim, diferente muitas vezes das reais necessidades dos usuários, as consultas

com os profissionais de saúde tem sido pontuais, marcadas pelo direcionamento aos sintomas

clínicos agudos apresentados pelas crianças e os adolescentes, com uma terapêutica baseada

em grande parte dos casos na queixa-conduta e prescrição medicamentosa (NOBREGA et al.,

2013).

Ademais, por meio dos relatos, encontrou-se também que tem ocorrido

divergência entre as ações de diferentes instituições de saúde que acompanham esses usuários,

com orientações e condutas que, ao invés de completarem-se, comunicando-se entre si, são

contrárias, muitas vezes confundindo os familiares, como no caso da real necessidade de

utilização da SVA nas crianças e nos adolescentes.

Lá no HR indicaram a sonda, aqui a doutora B disse que não tinha necessidade,

porque ela faz o xixi na fralda. Ela vai pedir uma ultrassonografia pra ver se

realmente não precisa, eu estou aguardando fazer a ultrassom (Rafaela).

[...] uma semana foi pra aprender a colocar sonda e foi lá no HR, porque aqui, o

médico uma vez eu perguntei, ele disse que ela não precisava usar sonda, mas

quando chegou lá e ela fez os exames que eu nunca tinha visto, ai constou que

precisava passar sonda (Lidia).

Nessa perspectiva, corroborando esses achados, Astolpho, Okido e Lima (2014),

ao estudarem a rede de atenção a crianças com necessidades especiais, também encontraram

falhas na integração e articulação entre os serviços de saúde e outros de caráter especializado.

Havendo muitas vezes desconhecimento entre estes acerca dos atendimentos prestados e até

mesmo de sua existência, o que tornava os cuidados desenvolvidos por cada instituição

atividades isoladas.

Assim, os serviços acabam desenvolvendo atividades semelhantes, paralelas, com

as mesmas especialidades clínicas, o que não complementa ou fornece suporte de um para

com outro, havendo um confronto que pode ser prejudicial para o cuidado a essas crianças e

esses adolescentes, podendo comprometer a confiabilidade e segurança nos profissionais de

saúde, por parte dos familiares, por não saber em qual serviço confiar. As seguintes falas dos

participantes revelam esses aspectos:

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Realmente eu vim descobrir o que ela tinha, que ela não tinha possibilidade de andar

quando eu fui pro HR, porque ela tava fazendo cirurgia, no joelho, fez no pé, e não

voltou ao normal. Foi no tempo que eu fui pro HR e médico falou que não

adiantava, que eu só fazia se eu quisesse, mas que possibilidade dela andar não

tinha. Porque lá fizeram um check up geral dela. Porque aqui [HP] eles ainda davam

esperança dela andar, mas não teve como. [...] porque o médico passou um aparelho

aqui, ai eu falei “doutor esse aparelho não serve pra ela’, porque a gente botava as

moletinhas e ela caia pra frente, não segura, porque o problema dela é da cintura pra

baixo. Ai ele disse ‘não, dá sim, tem que fazer bastante exercício”, ai eu disse “não

funciona”, ela tava com uma dor na coluna, não tem condições (Samara).

[...] até porque ele ainda não tinha tido a consulta com Dr. C [do HP], ai depois que

ele já tava no HR, tava marcada já a consulta com Dr. C, é porque custa, marca com

um mês, com três meses é que você vem conseguir consulta aqui. Ai quando ele

veio para o doutor, já tava orientada no HR [SVA] (Sandra).

Essas questões podem estar relacionadas a uma fragilidade na comunicação entre

esses diferentes serviços, por ausências de registros e de um interrelacionamento entre os

profissionais de saúde e gestores. Essa falha comunicacional e de articulação pode influenciar

na qualidade da assistência prestada, tornando o processo de referenciamento entre as

instituições difícil, comprometendo o seguimento e a continuidade dos cuidados

(ASTOLPHO; OKIDO; LIMA, 2014).

Segundo Sousa et al. (2013) existem lacunas dentro do sistema de saúde público,

no que diz respeito as questões de referência e contra-referência, pois estas tem revelado-se

ineficientes, conforme eles observaram na sua realidade estudada, havendo pouca interação na

rede e entraves na comunicação entre a ESF e os demais níveis de atenção em saúde.

Esses entraves existentes dentro da RAS, na assistência a crianças e adolescentes

com mielomeningocele, carecem de maiores discussões, com o envolvimento da comunidade,

dos familiares, profissionais de saúde e gestores, de forma a haver um melhor estruturamento

e organização da atenção em saúde, que também deve estar interligada com outros setores da

sociedade. Assim, deve atuar com base no envolvimento de todos e tornando-se de fato um

meio de interações fortes que busca contribuir para que essas pessoas alcancem melhores

qualidades de vida, dentro de uma rede que fornece esse suporte de forma concreta e factível.

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4.4 OS DIREITOS EM SAÚDE DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES

COM MIELOMENINGOCELE: ENTRAVES E AVANÇOS

Figura 4 - Adolescente com mielomeningocele Zilá. Fortaleza, CE. 2014.

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4.4.1 Conhecimentos e orientações acerca dos direitos

Os direitos existentes na legislação brasileira que beneficiam as crianças e os

adolescentes com mielomeningocele foram identificados no referencial teórico dessa

pesquisa. Por outro lado, a partir das falas dos familiares, foi possível compreender como tem

ocorrido a orientação, aquisição, os entraves e desafios para que estes se apropriem

efetivamente dos benefícios preconizados.

Quando a população tem conhecimento acerca das políticas públicas, torna-se

mais consciente e autônoma para julgar situações, desempenhar condutas e exercer seus

direitos, de forma a haver a possibilidade de desempenhar mais ativamente o seu papel dentro

da sociedade, como cidadãos (SANTOS et al., 2011). De forma geral, observou-se que as

famílias possuem pouca ou nenhuma informação acerca dos direitos que seus filhos possuem,

sendo o BPC um dos mais citados, conforme mostram as falas:

Sei não (Naomi).

É aquela coisa, a gente que mora no interior é sempre mais atrasado, não conheço

muito bem não [direitos] (Ezequias).

Só o pouco que eu sei é que ele tem direito a um beneficio (Priscila).

Sei não [...] eu sei que ela tem o benefício, e eu sei também que o dinheiro dela é pra

cuidar dela (Marta).

O benefício financeiro é um dos direitos mais importantes para essas famílias, por

a maioria não possuir subsídios para sustentar os seus membros, devido ao afastamento do

emprego formal, principalmente frente às necessidades da criança e do adolescente com

mielomeningocele, que demandam grandes despesas para os seus cuidados, tratamento e

acompanhamento aos serviços de saúde.

Esses achados divergem parcialmente com o encontrado em outra pesquisa

realizada no Ceará, com pessoas com deficiências, onde se observou que estes apresentavam

certo conhecimento acerca dos seus direitos e que avaliavam a atenção a que lhes era

fornecida na prática como precária (SOUSA; FRAGA, 2008). Ressalta-se, entretanto, que o

estudo foi desenvolvido com os próprios adultos com deficiências, que possuíam período

maior de experiência na luta pelos seus direitos.

O direito ao recebimento de materiais para os cuidados também foi comentado

pelos familiares, que destacaram acreditar que as crianças e os adolescentes deveriam ser

beneficiados de fraldas pelo governo, por ser um material bastante utilizado, que requer

grandes investimentos mensais para a sua aquisição.

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Já me falaram que ela tem direito de receber todos esses materiais que ela usa, fralda

[...] (Penha).

Eu acho que é de receber fralda [...] eu ainda não falei, aqui será que se eu falar eles

dão? (Rebeca).

Eu acho assim, essas fraldas dela, porque eu pago mais de 100 reais nas fraldas dela,

sai muito caro (Samara).

Entretanto, a legislação brasileira não garante a oferta desse material específico

para a população com necessidade especial de cuidados em saúde. Apesar disso, podem ser

estabelecidas portarias, leis ou decretos a nível municipal ou estadual que garantam esse tipo

de fornecimento. Destaca-se ainda que no Ceará, não foram encontradas esse tipo de

normativa. O que existem, na verdade, são serviços comerciais que oferecem descontos na

compra e entidades filantrópicas que podem oferecer esse material a população necessitada.

Outros direitos em saúde enfatizados, que corespondem as políticas públicas

existentes foram: o recebimento de órteses, medicamentos, materiais para a realização da

SVA, de acesso e de um atendimento de qualidade nos serviços de saúde, com prioridade;

também foram salientados o direito a educação, ao lazer e a um transporte para a escola e aos

locais de atendimento em saúde.

O único direito que eu creio que ela tem, acho assim, tipo essa órtese dela, eu acho

que o prefeito, o vereador, alguém tinha obrigação de dar pelo menos a metade

(Rafaela).

Um atendimento melhor nos cantos, porque é meio complicado [...] (Samara).

A saúde, em primeiro lugar a saúde, a educação, transporte [...] remédio, fralda,

material do cate [SVA] (Sandra).

Direito de acessibilidade, o benefício, direito de todo suporte material, direito de

transporte, acho que só [...] direito a uma educação adequada (Jane).

Em relação a esse maior grau de conhecimento dessas mães, não pareceu haver

grande relação entre o seu grau de escolaridade e a idade da criança ou do adolescente. Pois

ao longo dos anos, os familiares poderiam ir adquirindo maiores informações acerca desses

direitos. Entretanto, esses aspectos não foram uniformes entre os entrevistados, havendo

alguns com filhos pequenos e baixo grau escolar, que possuíam mais conhecimento do que

outros cuidadores de adolescentes, e vice-versa.

O grau de informação pareceu estar mais relacionado à forma, quantidade e teor

das orientações fornecidas. Do mesmo modo que a maioria desconhecia os direitos das

crianças e dos adolescentes cronicamente adoecidos, poucas foram as orientações e

treinamentos estabelecidos por profissionais da saúde, havendo um enfoque maior em relação

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ao BPC, onde os familiares foram orientados acerca de que ações tomarem para terem acesso

a este benefício de direito dos filhos com deficiências.

A Dra. J, antes deu sair daqui, ela me deu um atestado, me explicou tudinho como

era, que eu procurasse o benefício, que ela ganhava (Marta).

Foi o medico que me deu o laudo e disse que eu tinha direito, ai eu procurei o INSS

(Priscila).

Até agora só soube do benefício e foi à doutora que me falou (Mara).

Observou-se que entre os profissionais de saúde, o médico foi o principal

responsável pelas orientações acerca dos direitos, talvez em virtude de ser ele quem deve

elaborar o atestado, com o laudo do problema de saúde do usuário, para que as famílias

consigam adquirir o benefício no INSS, tendo tido assim, maior destaque em relação ao

fornecimento de informações sobre o BPC.

Para que os usuários tenham de fato acesso aos seus direitos, sendo asseguradas as

políticas públicas em seu favor, torna-se imprescindível uma maior divulgação acerca de sua

existência, de modo a fazê-los serem conhecidos pelos profissionais de saúde e pela

população (SANTOS et al., 2011).

O serviço social, apesar de ser um setor que está relacionado a esse tipo de

orientação, foi citado por uma pequena minoria dos entrevistados. Nesse sentido, destaca-se

que de acordo com a lei de regulamentação profissional, dentre as competências dos

assistentes sociais está orientar grupos populacionais e indivíduos no intuito de identificar

recursos e de utilizá-los na defesa e no atendimento de seus direitos (CFSS, 2011). Todavia,

por meio das experiências dos participantes dessa pesquisa, não se percebeu grande atuação

desses profissionais em relação à orientação sobre os direitos das crianças e dos adolescentes

com mielomeningocele, na maioria das instituições de saúde.

Porém, um serviço apresentou considerável destaque como de grande importância

em relação às orientações para as famílias, indo além de apenas informá-las sobre os

benefícios, por fornecerem-lhes outros dados acerca dos vários direitos que seus filhos

possuem, sendo que nesse local a atuação do serviço social obteve destaque, diferenciando-se

dos demais, como nota-se nas falas:

Foi no HR, transporte, fralda, medicamento, porque eles não davam nada [no

município], [a assistente social do HR] que fez eu ir procurar. [...] me deram até um

papelzinho, mas eu não lembro tudo (Safira).

O HR me deu um papel com tudo o que ela precisava e as leis que tem na

constituição. Aí eu levei para a prefeitura, isso está com uns quatro anos. Até lá eu

não recebia nada, eu comprava. Ela passou muito tempo usando antibiótico e remédio para os rins. Muito tempo eu comprava, ai o HR me orientou a ir na

secretaria. Ele me deu uma lista com todos os direitos, foi a minha salvação (Jane).

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Desse modo, percebe-se que o HR teve um papel essencial da vida dessas

famílias, que mesmo já tendo seus filhos acompanhados em serviços de referência pediátrica

desde o nascimento, não haviam sido orientados sobre todos direitos que estes possuíam, o

que gerou grandes desafios no cotidiano dessas pessoas, que se viam obrigadas a despender

altos valores com a compra de materiais para o tratamento com a SVA, de medicações

essenciais ante as sequelas, entre outros insumos necessários para o cuidado diário,

desconhecendo os seus reais direitos.

Uma das mães revelou o longo período de aproximadamente quatro anos, até que

esta tivesse acesso às informações sobre as políticas públicas a que sua filha poderia ser

beneficiada, bem como o que ela poderia fazer para alcançar os seus direitos legalmente.

Enfatiza-se, portanto, que apesar do BPC ser de grande importância e auxílio para essas

famílias, outras orientações também são fundamentais para estas que lidam com diferentes

sequelas da mielomeningocele, com necessidades peculiares de cuidados e acompanhamento

em saúde de seus filhos.

Assim sendo, o benefício sozinho é incapaz de suprir todas as demandas dessas

crianças e desses adolescentes, revelando a magnitude da importância desses familiares serem

capacitados sobre a legislação, de forma clara e em linguagem simples, para que estes

compreendam que direitos poderão ser beneficiados, de forma a proporcionar a essas pessoas

possibilidade de viverem com melhor qualidade.

O HR oferece as famílias de crianças e adolescentes que recebem atendimento na

instituição um documento que apresenta todos os direitos que as pessoas com deficiências e

doenças crônicas possuem, destacando a legislação que garante cada um deles. Para tanto o

serviço social, ou outros profissionais, realiza uma completa explanação às famílias,

esclarecendo suas dúvidas, bem com instruindo-os sobre que ações realizar e quais serviços

procurar para terem acesso a eles.

Outras fontes de informações para essas famílias foram os próprios parentes, com

maior grau de escolaridade e orientação, outros responsáveis por pessoas com necessidades

especiais, a mídia televisiva e instituições de apoio em saúde, havendo uma situação em que a

mãe afirmou já saber sobre alguns direitos, tendo ido, por decisão própria, buscar o laudo com

a médica para conseguir o BPC, conforme mostram as falas:

Eu soube, acho que foi assistindo televisão, ai eu perguntei se ele [médico] podia dar

[atestado], ai ele disse que dava (Safira).

Às vezes quem me orienta mais é minha irmã. Ela fica dizendo para eu ir atrás [...]

(Rebeca).

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Não foi ninguém, eu que sabia, peguei o laudo com a Dra. S, eu pedi a ela e ela me

deu. Hoje em dia todo mundo sabe dos seus direitos (Sandra).

Lá tem uma associação, é muito boa, a metade das coisas que eu aprendi até hoje foi

através da associação medular e cerebral que tem no Município H, ai a gente entrou

nessa associação, tem o presidente que é uma pessoa muito legal, ele tem ensinado

muito coisa, através dele foi que eu entrei nesses direitos, nesses poucos direitos que

eu to sabendo (Ezequias).

Nesse contexto, salienta-se que outra pesquisa encontrou dados semelhantes, ao

revelar que 33,75% dos responsáveis por pessoas em adoecimento crônico receberam

informações relacionadas a alguns benefícios na sala de espera de serviços de saúde, por meio

de conversa com outros familiares, e 12,5% através da mídia (ELIAS; MONTEIRO;

CHAVES, 2008).

No que diz respeito a essas redes informais de orientação, um estudo realizado

com jovens brasileiros que possuem espinha-bífida revelou que estes se respaldavam nessas

redes, através de amigos, para terem conhecimento acerca dos seus direitos, o que acarretou

em sérios problemas, em virtude da aquisição de informações errôneas e muitas vezes

desatualizadas. Por outro lado, os jovens americanos contavam com escolas, instituições de

saúde e associações para a aquisição dessas informações, que tornavam-se mais acessíveis e

confiáveis, facilitando a conscientização dos seus direitos dentro da sociedade (SOARES;

MOREIRA; MONTEIRO, 2008).

Em relação a essas informações adquiridas sem a orientação de profissionais,

observou-se que a maioria também se enfocava no benefício financeiro, que tem sido de

conhecimento de grande parte da população, e assim, o acesso a este tem sido facilitado,

sendo uma das orientações primárias a que estas famílias passam a conhecer e a buscar

apropriar-se, em virtude de constituir-se em um auxílio essencial para essas famílias que

convivem, sua maioria, com baixo nível socioeconômico.

Nessa perspectiva, enfatiza-se, conforme discutido no referencial teórico, que

existem outras leis, decretos e portarias que abordam direitos de pessoas com deficiências e

doenças crônicas que podem estar beneficiando as crianças e os adolescentes com

mielomeningocele, e contribuindo para sua inclusão na sociedade, aumentando o seu grau de

autonomia e favorecendo a realização de suas atividades de vida diária com condições

mínimas de sobrevivência.

Outra fala também revelou o descaso que tem ocorrido por parte dos serviços e

profissionais de saúde, em relação ao fornecimento dessas informações sobre os direitos de

forma adequada e clara, porventura devido ao próprio desconhecimento e ausência de

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capacitação dos trabalhadores da saúde, sobre a existência dessas políticas que contribuem

para esses usuários.

Quando eu sai daqui, a nefrologista só me deu um papel com o número da sonda

para eu comprar (Jane).

Apesar de haverem normativas que garantam o recebimento desse tipo de material

terapêutico, com base em alguns pré-requisitos, a especialista orientou a mãe a comprá-lo.

Desse modo, por muitos anos essa família enfrentou grandes obstáculos financeiros para

conseguir fornecer um tratamento e cuidados adequados à criança, por desconhecimento dos

direitos já preconizados na legislação brasileira há décadas.

Nessa perspectiva, de acordo com Soares, Moreira e Monteiro (2008), no Brasil

existem leis que garantem direitos mínimos as pessoas com deficiências, entretanto estas são

pouco conhecidas por grande parte da população, o que afeta sua eficácia e aplicabilidade.

Acredita-se que os profissionais de saúde que acompanham esses usuários com

doenças crônicas desde o seu nascimento devem ser a principal fonte de orientação para as

famílias, esclarecendo-lhes sobre questões do cuidado diário, tratamento, adoecimento,

processo de reabilitação e, também, acerca dos benefícios que estes têm direito e que visam

contribuir para uma melhor qualidade de vida dessas crianças, dos adolescentes e de suas

famílias, conscientizando-os como cidadãos e ampliando o seu grau de compreensão acerca

das políticas públicas de saúde.

Entretanto, o que tem sido visto dentro das instituições de saúde, são profissionais

pouco comprometidos com o SUS, seus princípios e com os usuários, tornando-se urgente a

necessidade de uma reformulação acerca da sua formação em saúde, de forma a buscar-se

mudar os modelos assistenciais vigentes, a partir de cursos que visem formar pessoas

tecnicamente competentes para cuidar de forma humanizada, ética, responsável e com

qualidade (ERDMANN et al., 2008).

Pesquisa semelhante encontrou que a maioria (87,5%) dos responsáveis por

crianças e adolescentes com espinha-bífida haviam recebido orientações relacionadas a alguns

benefícios legais dentro de serviços de saúde, entretanto apenas pouco mais da metade

receberam-nas através de profissionais da saúde, revelando um índice insatisfatório, já que o

estudo foi desenvolvido em um centro de referência, onde teoricamente a equipe de saúde

deveria estar mais capacitada para informar os usuários e familiares. Assim, torna-se

necessário uma maior ênfase nas ações sociais entre esses profissionais, para que estes sejam

fomentados a divulgar o conhecimento dentro do seu contexto de atendimento (ELIAS;

MONTEIRO; CHAVES, 2008).

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Acredita-se que para tanto haja a necessidade de capacitação desses profissionais

de saúde, a partir dos cursos de formação profissional, por meio de disciplinas que debatam as

o SUS e suas políticas públicas, e, também, através de uma educação permanente efetivada

em todos os serviços da RAS.

4.4.2 Direitos em saúde alcançados: facilidades e obstáculos

Dentre os direitos em saúde existentes na legislação brasileira, os familiares

relataram aqueles aos quais vivenciaram no seu cotidiano, expressando suas dificuldades e a

experiência em sua busca, aspectos estes discutidos nessa subcategoria. Duas mães falaram

acerca da satisfação com a prioridade nos serviços de saúde as quais seus filhos estavam tendo

acesso, o que tornava o atendimento mais rápido:

É muito bom lá [UBS]. Assim que sai a ficha dele, eles dizem logo: “esse daqui é deficiente” ai deixam logo ele entrar, ele entra logo. Eles já conhecem ele (Rebeca).

Aonde ele chega ele tem prioridade (Sandra).

Por outro lado, outra mãe comentou acerca do seu desejo em que seu filho tivesse

um melhor atendimento nos serviços, com direito a prioridade na assistência em saúde:

É meio complicado, lá ninguém vê a prioridade não, e agora tá ficando mais difícil,

chega lá pra fazer exame tem que pegar uma fila enorme. Não tem prioridade lá,

nem idoso, nem criança. Mas uma vez eu falei ali no ambulotário com a atendente.

Ai ela disse “não minha filha, não tem prioridade não, porque todo mundo é igual, é

criança”, e realmente a gente tem que entender que tudo é criança (Samara).

Observa-se que essa mãe possui um conhecimento impreciso acerca do direito ao

atendimento prioritário, por acreditar ser para todas as crianças, quando de fato, de acordo

com o decreto 5.296 de 2004 o atendimento prioritário envolve tratamento diferenciado e

imediato às pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida, idosos, lactentes, gestantes e

pessoas com criança de colo, sendo que nos serviços de saúde públicos ou privados de

emergência, irá depender de uma avaliação médica que priorize antes os casos mais graves e

com necessidades de atendimento mais urgentes.

Apesar dos familiares desconhecerem, esse tratamento diferenciado também

envolve, entre outras questões, a presença de assentos preferenciais sinalizados, mobiliário e

atendimento na recepção adaptados a usuários de cadeira de rodas, área para embarque e

desembarque de pessoas com deficiência, sinalizações para a orientação ambiental dessas

pessoas e divulgação visível sobre o atendimento prioritário (BRASIL, 2004a). Entretanto,

nenhum desses aspectos foi comentado pelos participantes da pesquisa, que revelaram ter

conhecimentos superficiais sobre os seus direitos.

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Desse modo, a atendente desse serviço de saúde de referência pediátrica agiu de

forma contrária ao preconizado por lei, além de fornecer uma informação inadequada para a

mãe, ao afirmar que por ser um atendimento infantil, não seria válido o direito da criança e do

adolescente com deficiência de terem prioridade, questões essas inexistentes nas políticas de

saúde.

Outro importante aspecto exposto pelos familiares foi em relação à busca pelo

recebimento de materiais para o cuidado diário das crianças e dos adolescentes, essenciais no

seu tratamento, tais como sondas, gazes, soro fisiológico, anestésicos tópicos, luvas, entre

outros utilizados para a SVA domiciliar.

Assim, no começo eu não recebia [material SVA], eu comprava, porque a sonda não tinha no meu interior, mas agora já tá tendo e eu recebo [...] eu recebo na secretaria

de saúde (Penha).

Teve um tempo ai que eu não tava recebendo. O material dele do cate [SVA], sonda,

gaze, luva, coletor, porque tava mudando de prefeito, era outra administração,

passou até o meio do ano [seis meses sem receber] (Sandra).

Recebe, a secretaria de saúde fornece, só que tem tempo que não recebe, passa dois,

três meses sem receber e quando ele recebe ainda falta algumas coisas, sempre falta

alguma coisa (Ezequias).

Existem dificuldades para a correta provisão desses materiais pelos municípios,

através das secretarias ou instituições de saúde, em uma frequência adequada e na quantidade

necessária para a realização dos procedimentos. Ademais, até conseguirem apropriar-se

desses direitos, muitas famílias precisaram custear sua compra por alguns anos, devido a

questões políticas, como mudanças de governo, ou por precariedade da assistência em saúde

no interior do estado, com escassez de recursos materiais.

Esses entraves no recebimento apropriado dos materiais pode repercutir no

tratamento dessas crianças e desses adolescentes, gerando prejuízos, com consequente piora

no seu quadro clínico e necessidade de atendimento em saúde, levando até uma possível

internação hospitalar, o que gera riscos para essas pessoas, sofrimento para os familiares e

altos custos para o governo, o que poderia ser prevenido através da oferta eficaz desses

insumos.

Destaca-se ainda que os princípios, as diretrizes e a legislação do SUS devem ser

preconizados independente de questões eleitorais, políticas e mudanças governamentais.

Assim, a qualidade da assistência em saúde à população, tanto nos grandes como nos

pequenos centros urbanos e localidades rurais, deve ser fornecida de forma contínua,

buscando-se sempre melhorias e o funcionamento da RAS, tendo em vista a promoção da

saúde, através de um cuidado integral, humanizado e resolutivo.

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De fato, muitas tem sido as dificuldades existentes para a concretização dos

princípios preconizados nas políticas de saúde enfocadas nas pessoas com deficiências,

questão esta crítica, de acordo com alguns autores, principalmente quando se observa que a

legislação dirigida a essa população existe desde 1989, tendo sido detectadas mudanças ainda

insipientes no panorama nacional (INTERDONATO; GUEDOL, 2012).

Nessa perspectiva, salienta-se ainda que uma das crianças dessa pesquisa, até o

momento de realização das entrevistas, ainda não havia conseguido receber esses materiais no

município a qual reside, conforme se observa no desabafo inconformado da mãe:

Ela fez um tratamento no HR, ai vai fazer o cate [SVA], mas eu to tendo dificuldade

lá no interior porque tem que conseguir essas coisas pelo governo e já faz mais de

um mês que eu dei entrada nessas coisas e ainda não recebi, ai ta parado o

tratamento dela, já passaram isso pra não ter mais complicação com a saúde dela,

porque já ta um pouco complicado [...]. É meio cruel, muito cruel, tudo é difícil,

nada que a gente vai atrás a gente consegui, a gente anda, anda e não encontra de

nada, eu já cheguei até falar com eles lá, procurar o fórum, vou falar com o promotor

pra vê se eles agem. Porque dois meses, três meses, já é muito tempo pra pessoa ter

tratamento urgente (Lidia).

Conforme se percebe pela fala, muitos têm sido os obstáculos para que esta

família consiga apropriar-se do direito da criança de receber os materiais necessários ao seu

tratamento, tendo buscado em vários setores do seu município, com autoridades e secretarias,

porém, sem êxito, após aproximadamente três meses de longas buscas. Essa criança, portanto,

tem tido seu tratamento comprometido em virtude da ausência de material adequado para a

SVA, apesar de ser um procedimento de grande importância para a sua estabilidade clínica.

É importante destacar que na legislação brasileira, não existem normativas

específicas para a concessão do material para a SVA, o que existe de fato é pouco superficial

e está presente no Decreto n°3.298 de 1999, apresentado no referencial teórico, ao declarar

que na assistência integral as pessoas com deficiências e seu processo de reabilitação estão

incluídas a concessão de órteses, próteses, e matérias auxiliares ao seu cuidado, entre outros,

que visam proporcionar maior independência e inclusão.

Desse modo, devido à legislação ser pouco clara e específica, para conseguir o

recebimento dos materiais para SVA, muitas famílias buscam a justiça, através de fóruns e

defensorias públicas, na tentativa de conseguirem dar continuidade ao tratamento de seus

filhos, alcançando êxito na maioria das vezes, apesar de ser um procedimento vagaroso.

A judicialização da saúde é um processo que tem sido discutido por algumas

pesquisas atuais e está relacionado a uma ampla questão de busca e reivindicação por bens e

direitos nas cortes, no que diz respeito a materiais, atendimento em saúde, hospitalização,

medicamentos, entre outros, respaldados pelo direito à saúde constitucional (DINIZ;

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MACHADO; PENALVA, 2014). Aspecto este que foi encontrado nesse estudo por meio dos

relatos dos familiares, que, após orientação, recorriam a todas as entidades governamentais e

jurídicas em busca do provimento de insumos, com base em prerrogativas existentes na

legislação que preconizam o direito a saúde e o recimento de matérias auxiliares aos cuidados,

entre outros.

Ressalta-se que os insumos disponibilizados atualmente pelo SUS podem ser

consultados através da “Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e

Materiais Especiais do SUS”, disponível no site do DATASUS (http://sigtap.datasus.gov.br/),

atualizado periodicamente, de acordo com a aprovação de novas portarias. Apesar da

considerável quantidade relatada nesse sistema, ainda está a quem das necessidades impostas

pelas sequelas da mielomeningocele, como dos materiais destacados para a SVA, sendo

ofertado, de acordo com essa tabela, apenas materiais de uso para sondas de demora.

Os participantes também revelaram que os gastos com a compra de fraldas

descartáveis é muito grande, devido a alterações no controle esfincteriano, o que torna

necessária a sua utilização contínua. Uma minoria das famílias já havia conquistado o direito

de recebê-las no seu município de origem, apesar de também ser um processo dificultoso para

a entrega adequada:

Fralda, eles dão pelo município (Safira).

Ela tem mielo e era pra ela receber fralda também, era pra serem 150 fraldas, tão me

mandando 14. Se viesse pelo menos a metade eu aceitaria, mas só 14 (Rafaela).

Fralda eu quem compro, a fralda é muito cara e eu não tenho condição. [...] O mais

caro não é nem o remédio, são as fraldas (Rebeca).

Salienta-se também que não existe na legislação normas que garantam a oferta

específica das fraldas para pessoas que comprovadamente necessitem utilizá-las e não

possuem condições financeiras para adquiri-las, conforme discutido na subcategoria anterior,

havendo, entretanto, a possibilidade de que os estados e municípios optem por iniciativas

próprias, por meio de legislações a nível local que preconizem essas questões, ou

simplesmente fornecer esses materiais através de organizações não governamentais ou

entidades filantrópicas.

Entretanto, destaca-se novamente, que as políticas de saúde discutidas

anteriormente deixam em aberto a possibilidade de alcançar-se o seu recebimento

juridicamente, já que são materiais essenciais ao cuidado dessas pessoas cronicamente

adoecidas e as famílias não apresentam condições socioeconômicas de adquiri-las em alguns

casos.

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No que diz respeito ao recebimento de medicamentos, houveram divergências

entre os achados, por algumas famílias ainda não estarem recebendo-as, apesar de serem

essenciais no tratamento da criança e do adolescente com necessidades especiais de saúde,

principalmente no que diz respeito às alterações urinárias.

Recebo a medicação aqui no HP, e as outras eu recebo lá. Quando falta ai eu

compro. Essa medicação que eu pego no HP já faltou por duas vezes, é um salário a

medicação dela, ai eu tenho que comprar. Cada caixa é 227 reais (Penha).

Eu fui atrás, ai eles ficaram dando a fralda, o medicamento e as passagens. Às vezes

atrasa um pouco, ai eu compro em outra cidade (Safira).

O remédio eu quem compro, é um remédio para controlar a urina, é trinta reais o

vidro do remédio (Rebeca).

Nesse sentido, reafirma-se que dentro do processo de reabilitação também está

incluído o provimento de medicações que contribuam para a estabilidade funcional e clínica

das pessoas com deficiências, auxiliando-as a limitar as incapacidades, através do controle

dos fatores que as promovam (BRASIL, 1999).

Outras pesquisas corroboram esses achados, ao apresentarem que as famílias de

crianças com doenças crônicas recebiam os medicamentos nas UBS, porém alguns

precisavam ser comprados e em outras situações havia a necessidade de busca judicial para a

sua aquisição (MARCON et al., 2007; OKIDO et al., 2012).

Em relação à oferta de medicamentos pelo SUS, existem diversas portarias,

decretos e leis que abordam a temática, de forma a regular sua realização, com destaque para

a Portaria n°3.916 de 1998, que aprovou a Política Nacional de Medicamentos. Destaca-se

também o decreto n°7.508 de 2011, ao declarar que o acesso à assistência farmacêutica

universal e igualitária pressupõe que usuário seja assistido pelo SUS, a medicação ter sido

prescrita por profissional de saúde desse sistema, a mesma estar em conformidade com a

Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e os Protocolos Clínicos e

Diretrizes Terapêuticas, ou de acordo com relações complementares a nível local, e a

dispensação ocorrer em unidades indicadas pelo SUS.

Logo, os profissionais de saúde prescritores precisam estar capacitados acerca

desses protocolos e diretrizes, bem como cientes a respeito das medicações atualmente

ofertadas pelo SUS, inclusive para pessoas com doenças crônicas, de forma a melhor receitá-

las e orientar as famílias quando ao direito de adquiri-las gratuitamente.

Algumas medicações têm sido adicionadas a lista de oferta, após a luta de

familiares, usuários e profissionais de saúde, em busca de conseguirem dar continuidade ao

tratamento de pessoas com necessidades especiais de saúde, com base na legislação do SUS

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que preconiza que a saúde a população é dever do Estado Brasileiro. Esses medicamentos

também podem ser visualizados através da “Tabela de Procedimentos, Medicamentos,

Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS”.

Do mesmo modo, é possível encontrar os equipamentos de tecnologia assistida a

que o SUS disponibiliza, conforme requisitos pré-estabelecidos legalmente. Nesse sentido,

também houveram divergências quanto ao seu recebimento e formas de aquisição.

Muitas crianças e adolescentes conseguiram o recebimento de órteses e andadores

através do HR, apesar de outras, mesmo também sendo acompanhadas nessa instituição, não

haverem recebido. Desse modo a oferta é imprecisa por esse serviço, bem como para o tipo de

material a ser fornecido.

A órtese e o andador o HR que deu (Jane).

A [órtese] dos pés eu recebi lá no HR, a das mãos eu comprei (Rafaela).

A fisio do Bem-me-quer [indicou a órtese], no HR não dão, aqui não dão [HP], não

trabalham com isso, eu comprei. É um direito até mesmo porque é uma coisa pra

usar direto e daqui a uns seis meses, vou ter que mandar fazer de novo (Rafaela).

Outras formas de aquisição foram através de entidades filantrópicas, UBS,

Secretaria de Saúde do Estado, através de doações, políticos, entre outras maneiras:

Foi um vereador que me deu [a cadeira de rodas] (Rebeca.)

Essa cadeira foi que deram, foram as pessoas, porque eles viram a situação dela, ai

foram e arrumaram essa cadeira, arrumaram mais duas com essa daí (Naomi).

Tem [cadeira de rodas], foi pela Secretaria de Saúde do Estado. O HR fez o pedido

ai eu fui lá, ai com dois anos ela recebeu (Samara).

Entretanto, essas formas também variaram, não havendo locais específicos para a

distribuição, e cada família buscava onde era orientada a ir, ou onde acreditava ser um local

em que pudesse conseguir os equipamentos de auxílio à locomoção ou estabilização dos

membros de seus filhos.

Na pesquisa de Okido et al. (2012), foi encontrado que a mãe de uma criança

dependente de tecnologia assistida também recorria ao auxilio de conhecidos para conseguir

suprir as necessidades da família, como políticos com influencia dentro do seu município.

Algumas famílias não conseguiram de maneira nenhuma esses materiais, vendo-se

obrigadas a ter que desempenhar mais esse gasto, mesmo diante de tantos outros já realizados

no cotidiano de idas aos serviços de saúde e compra de outros insumos.

De acordo com a Cartilha de Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência no

Sistema Único de Saúde (2010), para receber órteses, próteses e meios auxiliares de

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locomoção pelo SUS, deve-se procurar a secretaria municipal, estadual ou unidades de saúde,

em busca de informações sobre os serviços especializados que fornecem esses equipamentos.

Contudo, na prática, observou-se que a oferta desses materiais não tem ocorrido

de forma organizada pelo SUS, havendo muitas famílias que ainda desconhecem seus direitos,

não sendo beneficiadas desses equipamentos de suma importância para as crianças e os

adolescentes com deficiências e nem estarem sendo informadas acerca deles nos serviços em

que estes são acompanhados.

De fato, após o conhecimento sobre quaisquer das políticas públicas existentes,

através de diferentes fontes de informação, as famílias fazem tudo o que lhes é possível para

alcançá-los efetivamente, visando proporcionar uma melhor qualidade de vida para as

crianças e os adolescentes, frente a tantas adversidades provenientes do seu adoecimento

crônico.

É isso ai tem [benefício financeiro], porque a gente correu atrás, porque conheceu

que tinha direito. Transporte pra se locomover pra cidade a procura da saúde dele, a

gente conheceu que ele tem direito de ir atrás, os medicamentos, pra receber na

secretaria de saúde, a gente conheceu que ele tinha o direito, ai a gente correu atrás

(Ezequias).

Eu recebo a medicação e a sonda só. As fraldas eu até coloquei na justiça também, eu coloquei os medicamentos, a sonda e as fraldas, mas eles dizem que a fralda o

estado não dá, não sei se não tem verba. Eles dizem que não tem. [...] Recebo tudo,

recebo porque eu coloquei na justiça, porque eles não queriam dar de jeito nenhum

(Samara).

Eu fui atrás do direito, que eles não queriam dar (Safira).

Nota-se consideráveis dificuldades existentes no cotidiano de busca desses

materiais pelos familiares, obstáculos esses que variam nos diferentes municípios do estado, e

que impulsionam essas pessoas a buscarem nas autoridades e sistema judiciário formas de

consegui-los, com sucesso na maioria das situações, após longos processos e desgastes das

famílias.

Esses desafios existem por possíveis falhas das políticas, quando o insumo

desejado já é preconizado em uma política pública, entretanto não é possível sua aquisição ou

é, mas de maneira inadequada na esfera administrativa, ou devido a problemas de

incompreensão das políticas durante o seu processo de operacionalização. Assim sendo, a

judicialização ocorre como via de alternativa para a aquisição de um direito em saúde, ou

ainda como interferência inadequada do judiciário ante ao andamento da legislação (DINIZ;

MACHADO; PENALVA, 2014).

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Em relação ao BPC, quase todos os participantes da pesquisa já haviam

conseguido adquiri-lo, apesar de também terem existido diversos empecilhos na conquista

desse direito.

A Dra. B, antes deu sair daqui, ela me deu um atestado, me explicou tudinho como

era, que eu procurasse o benefício, que ela ganhava. Ai o Dr. J, eu também pedi

outro papel desses, ai eu botei no INSS, ai veio negado. Ai eu coloquei no

advogado, foi pago, ele pegou a metade do dinheiro, mas veio, passou bem um ano

para vim, mas veio (Marta).

Deu certo, mas ainda fui umas três vezes lá [INSS], e ele disse que tava muito difícil deu conseguir. Aí na última vez veio (Rebeca).

Foi precisar ir na justiça. Eu fui lá no fórum na cidade, ai demorou 15 dias, ai saiu o

benefício nosso (Safira).

Destaca-se que todas as famílias acima estavam dentro dos critérios exigidos por

lei para o recebimento do BPC, tais como: não possuírem outros benefícios de seguridade

social, a criança e o adolescente apresentarem deficiências que limitem ou restringem suas

atividades e possuírem renda mensal bruta familiar, dividida entre os membros da família,

inferior a um quarto do salário mínimo (BRASIL, 2011d).

No estudo de Elias, Monteiro e Chaves (2008), único encontrado na literatura

semelhante a esta pesquisa, por buscar compreender como tem sido o acesso a alguns direitos

de pessoas com mielomeningocele, os participantes também revelaram algumas dificuldades

no recebimento do benefício, havendo a necessidade dessas pessoas terem que se deslocar até

o local de concessão diversas vezes, até finalmente conseguirem.

Apenas duas mães ainda não estavam recebendo o benefício, uma devido à

criança ainda possuir poucos meses de idade, e apesar de já ter sido bem orientada por

profissionais de saúde, ainda não havia buscado esse direito; a outra revelou não estar dentro

dos critérios exigidos para ter-se acesso ao recebimento do beneficio, conforme mostram as

falas:

Não tá recebendo ainda [criança possui três meses] (Léa).

Ainda não, porque eles, se tiver um salário em seu nome, alguma renda no seu nome, eles negam (Priscila).

A situação financeira dessas famílias, que possuem poucas condições de

subsistência, pode interferir na qualidade de vida de todos os seus membros, principalmente

daqueles que apresentam necessidades especiais de saúde, por influenciar na realização do seu

tratamento e recebimento de cuidados (CIPRIANO et al., 2009).

Importa ainda refletir-se que a criação de legislações são insuficientes para

promover efetivamente a inclusão social das pessoas com deficiência, pois para que isso

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ocorra faz-se preciso um maior discernimento da sociedade acerca desses indivíduos,

reconhecendo suas potencialidades e compreendendo que estes apenas buscam alcançar

condições materiais e humanas que lhes possibilitem viver do mesmo modo que os demais

cidadãos (SILVA et al., 2012).

Nesse sentido, observou-se a necessidade de maior capacitação dos profissionais

de saúde, para que estes tenham conhecimento acerca das políticas públicas de saúde e, dessa

forma, sejam capazes de agir promovendo a saúde da população, através de estratégias de

orientação, tornando-os conhecedores dos seus direitos e compreendendo que ações

desenvolver para conseguir alcançá-los, de forma a buscar, com maior autonomia, sua melhor

qualidade de vida.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio dos achados dessa pesquisa foi possível compreender as experiências e o

cotidiano de famílias de crianças e adolescentes com mielomeningocele, desde a notícia do

adoecimento destes no pós-parto, momentos que foram permeados por sentimentos de medo e

angústia ante ao novo e desconhecido, principalmente em virtude da escassez de suporte

emocional e de orientações adequadas por parte dos profissionais de saúde, até a chegada ao

domicílio com a necessidade de reorganização do ambiente familiar para acolher o novo

membro com necessidades especiais de saúde.

As rotinas da família reorientaram-se, na medida em que a criança e o adolescente

passaram a depender dos seus cuidados contínuos para a realização de suas atividades de vida

diária, tendo em vista as diferentes sequelas decorrentes da malformação congênita. A mãe,

vista como a principal cuidadora, abdicou de suas atividades externas ao lar para assistir ao

filho cronicamente adoecido, tomando para si essa responsabilidade, vivenciando juntamente

com ele os desafios de lidar com deficiências e buscar superá-las.

Diante da necessidade de um acompanhamento permanente em saúde, essas

crianças e esses adolescentes depararam-se com alguns obstáculos no acesso aos servidos da

Rede de Atenção à Saúde do SUS, que se mostraram pouco integrados, promovendo uma

assistência fragmentada a essas pessoas, com ausência de diálogo entre os profissionais de

saúde dos diferentes níveis de atenção.

Apesar da atenção primária ser o serviço com maior grau de proximidade

territorial dessas pessoas, principalmente por residirem no interior do estado, foi subutilizado

pelos participantes, havendo a sua busca prioritariamente para o recebimento de vacinas e

medicações. Além disso, pareceu estar pouco preparado para acolhê-los, em virtude de sua

estrutura física que não favoreceu o acesso a pessoas com deficiências, carência de recursos

materiais e de equipes de saúde, funcionando de forma pouco resolutiva para as demandas dos

usuários cronicamente adoecidos.

Os serviços de reabilitação, apesar de essenciais na assistência em saúde a essa

parcela da população, tiveram acesso restrito, por apenas uma minoria dos participantes

estarem recebendo esse tipo de atendimento. Além do mais, também apresentaram estruturas

inapropriadas para o deslocamento interno desses usuários, com ausência de adaptações que

favorecessem sua acessibilidade.

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135

Por outro lado, uma instituição de reabilitação de maior porte, referência nacional

nesse tipo de atendimento, apresentou-se satisfatória para todos os usuários, com estrutura

física, recursos humanos, materiais e tecnológicos qualificados para assisti-los de forma

complementar dentro da rede, apesar de constituir-se em serviço onde poucos tiveram acesso,

em virtude da ausência de encaminhamento e orientação as famílias quanto a possibilidade de

atendimento.

No que diz respeito ao hospital terciário pediátrico de referência no Estado no

cuidado a crianças e adolescentes, onde todos os filhos dos participantes realizavam

acompanhamento, percebeu-se que apesar das dificuldades, a maioria das famílias tem

conseguido ter acesso dos seus municípios de origem até essa instituição, através da oferta de

transporte fornecido por estes ou de um auxílio financeiro para o deslocamento rodoviário.

Para as famílias, o atendimento recebido pelos profissionais de saúde nesse

serviço tem sido de qualidade e satisfatório. Entretanto, destaca-se que foi possível observar

algumas fragilidades, como a ausência de um atendimento interdisciplinar entre as

especialidades e de referenciamento interno entre os setores, havendo um cuidado pouco

integral, baseado primordialmente em órgãos e algumas sequelas da mielomeningocele,

mesmo frente a diferentes necessidades biopsicossociais dessas pessoas e de suas famílias.

Assim, percebeu-se a necessidade de uma maior discussão acerca dessa Rede de

Atenção à Saúde, de modo que esta possa funcionar de forma a integrar efetivamente os

diferentes serviços, interrelacionando-se com outros setores da sociedade, como escolas,

associações, grupos religiosos, entre outros, visando à promoção da saúde de crianças e

adolescentes cronicamente adoecidos.

Nesse sentido, sugere-se que sejam criadas estratégias para uma atuação mais

ativa da atenção básica as famílias e crianças e os adolescentes cronicamente adoecidos,

revelando, assim, a sua importância no seu processo de cuidado; que sejam ampliados os

serviços de reabilitação no interior do Estado e que as vias públicas nos itinerários dentro da

rede e instituições de saúde sejam reestruturadas de forma a fornecer acessibilidade às pessoas

com deficiência.

A pesquisa também possibilitou a compreensão acerca dos entraves encontrados

pelas famílias na busca por conseguir apropriar-se dos direitos em saúde de seus filhos com

deficiência. Nesse sentido, a carência de orientações acerca das políticas públicas existentes

no Brasil, que favorecem essas pessoas, promoveu muitos desafios no cotidiano dessas

famílias, que revelaram apresentar altos gastos com a compra de medicamentos, materiais de

higiene, equipamentos de locomoção e outros insumos necessários ao tratamento da criança e

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do adolescente, em consequência do desconhecimento sobre os seus direitos e dos obstáculos

impostos para a sua aquisição no sistema de saúde.

Desse modo, torna-se necessária uma maior orientação para as famílias acerca

desses direitos, principalmente pelos profissionais de saúde que lidam continuamente com

esses usuários, instruindo-os sobre que ações realizar e em que serviços devem ir para

alcança-los. Por outro lado, é imprescindível que as políticas públicas sejam efetivadas em

todas as regiões, nos pequenos e grandes municípios, promovendo o acesso da população com

necessidades especiais de saúde a todos os materiais e equipamentos os quais estes são

dependentes frente às deficiências.

No Brasil, há mais de duas décadas tem sido elaboradas diferentes políticas

públicas de saúde em favor das pessoas com deficiências, que preconizam de forma fascinante

diferentes estratégias que visam incluí-las e promover sua melhor qualidade de vida.

Entretanto, a sua mera existência legal tem sido insuficiente ante a falhas na sua

implementação, de forma que elas não tem alcançado de fato aqueles que mais necessitam.

As crianças e os adolescentes com mielomeningocele possuem necessidades

particulares de cuidado, em meio a diferentes sequelas físicas e cognitivas, o que as faz

depender dessas políticas públicas, apesar de não serem especificas para esse adoecimento

crônico, na busca por acesso a serviços públicos de saúde adequados, com uma estrutura

física, material e humana que atenda as suas necessidades de forma humanizada e resolutiva,

bem como de conseguirem condições para realizarem as suas atividades cotidianas assim

como os demais cidadãos brasileiros, por meio do acesso a transportes públicos, escolas, e

todos os demais setores da sociedade, incluindo-se e possuindo suporte para viverem com

melhor qualidade.

A pesquisa apresentou algumas limitações, por ter ouvido apenas familiares de

crianças e adolescentes com mielomeningocele e terem sido realizadas observações

sistemáticas apenas em uma única instituição de saúde, em busca de compreender os objetivos

traçados, o que poderia ter tido um maior grau de aprofundamento caso fosse possível

investigar presencialmente os demais serviços e ter a possibilidade de interação com gestores,

profissionais de saúde e órgãos responsáveis pela implementação das políticas públicas de

saúde no Estado.

Apesar das limitações, destaca-se que a pesquisa conseguiu alcançar os seus

objetivos, permitindo-se ter uma visão geral acerca de diferentes municípios do Estado do

Ceará, a respeito de como tem ocorrido o atendimento e acesso aos serviços de saúde, em

todos os níveis de atenção, as pessoas com deficiências provenientes da mielomeningocele,

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137

bem como as suas experiências na busca pela a aquisição dos seus direitos existentes nas

políticas públicas. Salienta-se, entretanto, a necessidade de uma continuação acerca das

discussões apenas iniciadas nesse estudo, que não se concluem nessa pesquisa e que, por

outro lado, fomentam novas iniciativas e métodos para o seu maior grau de aprofundamento e

contribuição para a sociedade.

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APÊNDICES

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153

APÊNDICE A - Instrumento para coleta de dados

Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada I – Entrevista com o familiar

Entrevista n°:___ Data:_____/_____/_____

1 Identificação

1.1 Responsável e família

Grau de parentesco:

Sexo/ Idade:

Escolaridade:

Estado civil:

Ocupação:

Procedência:

Renda familiar:

Composição e

organização

familiar:

1.2 Criança ou Adolescente

Sexo/ Idade:

Naturalidade/ Hospital:

Número de irmãos/ Posição:

Escolaridade:

Serviços de saúde que faz

acompanhamento/tratamento:

Complicações durante o

tratamento:

N° de internações:

Uso de tecnologia assistida:

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154

2 Questões norteadoras

1) Fale acerca da sua experiência cotidiana no cuidar de uma criança/um adolescente

com mielomeningocele desde o seu nascimento.

2) Fale acerca da experiência de vocês na busca pelos serviços de saúde e o atendimento

da criança/adolescente nesses serviços desde o seu nascimento (hospitais, serviços

especializados, unidades básicas;

3) Existem nesses espaços adaptações estruturais para que a criança/adolescente consiga

entrar no serviço? Qual a localização da Unidade Básica de Saúde, serviços

especializados e hospital mais próximo da sua casa? Como tem sido a locomoção até

esses serviços?

4) Fale acerca de treinamentos para cuidar da criança/adolescente em casa que vocês

tenham recebido;

5) A senhora/senhor sabe se existem direitos em saúde para as crianças e aos

adolescente portadores de mielomeningocele (durante a realização dessa pergunta foram

dadas explicações sobre o que seria “direito” para facilitar a compreensão dos

participantes). Pode citá-los? Quais vocês têm adquirido? Como conseguiu adquiri-los?

6) Quais os benefícios financeiros ou auxílios no cuidado à criança/adolescente vocês

recebem?

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155

APÊNDICE B - Instrumento para coleta de dados - Roteiro para Observação

Sistemática

Roteiro n°:___ Data:_____/_____/_____

1. Aspectos para observação:

1.1 Infraestrutura hospitalar

- Acessibilidade ao serviço;

- Vias de circulação interna;

- Banheiros para portadores de deficiência/ espaço para higienização da criança;

- Corrimão para auxiliar na locomoção;

- Cadeiras de rodas;

- Cadeiras suficientes para usuários e acompanhantes;

1.2 Sala de espera

- Quantidade de usuários;

- Atividades realizadas;

- Folders para orientação;

- Atitudes da Atendente/ secretária;

- Atitudes dos usuários e acompanhantes;

1.3 Relação profissionais e usuários/acompanhantes

- Vínculo terapêutico;

- Escuta;

- Usuário e acompanhante tem suas dúvidas esclarecidas;

- Empatia/ Respeito/ Ética;

- Tempo do atendimento;

- Orientações/ Atividades Realizadas.

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156

APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Familiares

A mielomeningocele acarreta diversas complicações e deficiências para as

crianças e os adolescentes, que devido a esses fatores precisam de um acompanhamento

contínuo durante toda a vida. Para isso, o serviço público de saúde deve estar disponível

e acessível para elas e suas famílias, fornecendo-lhes suporte e cuidado. A partir desse

entendimento, essa pesquisa tem o intuito compreender o cotidiano de crianças e

adolescentes com mielomeningocele e suas famílias; compreender as suas experiências

de acesso na rede de atenção à saúde (primária, secundária e terciária); analisar, através

da experiência de familiares, o seu conhecimento e os direitos existentes e

implementados na atenção a essas pessoas com mielomeningocele. Para realizarmos

esse estudo precisamos que o senhor (a) responda algumas perguntas, que serão

gravadas, sobre como tem sido o tratamento da criança/adolescente e outros aspectos da

experiência da família, por isso, gostaríamos de convidá-lo (la) a participar dessa

pesquisa de forma voluntária

O Sr. (Sra.) poderá recusar-se em qualquer momento a responder alguma

pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento entrando em contato com a

responsável pela pesquisa pelo telefone (85) 99578707. Sua recusa não trará nenhum

prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. O Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido é feito em duas vias, no qual o Sr. (Sra.) terá uma

cópia. O Sr. (Sra.) não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras.

As informações serão usadas para publicação em revistas, monografias e/ou

livros, mas os seus nomes serão omitidos. Essa pesquisa poderá trazer alguns benefícios

futuros, pois essas informações poderão servir para uma melhor discussão sobre os

assuntos pesquisados e de suporte para que possa ser aperfeiçoada e implementada uma

melhor assistência para a criança/adolescente com mielomeningocele. Também poderá

gerar riscos mínimos, como o constrangimento, porém, caso ocorra, a entrevista será

interrompida.

Pesquisadora Sarah Vieira Figueiredo

Universidade Estadual do Ceará – UECE. Endereço: Av. Paranjana, 1700, Campus do

Itaperi, Fortaleza-CE. Telefone: 3101-4212 (Centro de Estudos Hospital Infantil Albert

Sabin).

TERMO DE CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO

Declaro estar ciente da pesquisa proposta e estar de acordo em participar,

sabendo que poderei desistir dela a qualquer momento, sem sofrer qualquer punição ou

prejuízo.

Fortaleza, ________________________ de ________.

__________________________________________

Assinatura do Pesquisador

__________________________________________

Participante da pesquisa

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APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Fotografia

A mielomeningocele acarreta diversas complicações e deficiências para as

crianças e os adolescentes, que devido a esses fatores precisam de um acompanhamento

contínuo durante toda a vida. Para isso, o serviço público de saúde deve estar disponível

e acessível para elas e suas famílias, fornecendo-lhes suporte e cuidado. A partir desse

entendimento, essa pesquisa tem o intuito compreender o cotidiano de crianças e

adolescentes com mielomeningocele e suas famílias; compreender as suas experiências

de acesso na rede de atenção à saúde (primária, secundária e terciária); analisar, através

da experiência de familiares, o seu conhecimento e os direitos existentes e

implementados na atenção a essas pessoas com mielomeningocele. Para realizarmos

esse estudo, precisaremos de algumas fotografias do serviço e das situações de

atendimento a esses usuários, para complementar a discussão sobre a temática dessa

pesquisa. Para tanto, é necessária a sua autorização para que essas fotografias possam

ser tiradas, pois poderão conter sua imagem e/ou da criança ou adolescente sob sua

responsabilidade. Destacamos que todos os rostos possivelmente presentes nas fotos

serão desfocados, para que não seja possível a identificação.

O Sr. (Sra.) poderá desistir em qualquer momento de participar dessa pesquisa

e retirar seu consentimento entrando em contato com a responsável pela pesquisa pelo

telefone (85) 99578707. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o

pesquisador ou com a instituição. O termo de consentimento livre e esclarecido é feito

em duas vias, no qual o Sr (a) terá uma cópia. O Sr (a) não terá nenhum custo ou

quaisquer compensações financeiras.

As fotos serão usadas para publicação em revistas, monografias e/ou livros,

mas os seus nomes serão omitidos. Essa pesquisa poderá trazer alguns benefícios

futuros, pois os resultados encontrados poderão servir para uma melhor discussão sobre

os assuntos pesquisados e de suporte para que possa ser aperfeiçoada e implementada

uma melhor assistência para a família e criança/adolescente portador de

mielomeningocele. Também poderá gerar riscos mínimos, como o constrangimento,

porém, caso ocorra, a entrevista será interrompida.

Pesquisadora Sarah Vieira Figueiredo.

Universidade Estadual do Ceará – UECE. Endereço: Av. Paranjana, 1700, Campus do

Itaperi, Fortaleza-CE.Telefone: 3101-4212 (Centro de Estudos Hospital Infantil Albert

Sabin).

Fortaleza, ________________________ de ________.

___________________________________________

Assinatura do Pesquisador

___________________________________________

Participante da pesquisa

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ANEXOS

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ANEXO A – Parecer do comitê de ética em pesquisa

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ANEXO B – Autorização do chefe do serviço

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ANEXO C- Declaraçaõ de pré-anuência