costa_ existe uma literatura policial brasileira

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21/3/2014 Especial Capa: Existe uma literatura policial brasileira? - CÂNDIDO - Jornal da Biblioteca Pública do Paraná http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=192 1/4 Governo do Estado do Paraná Secretaria da Cultura CÂNDIDO - Jornal da Biblioteca Pública do ParanáBPP Especial Capa: Existe uma literatura policial brasileira? Autor de romances policiais e organizador da antologia Crime feito em casa — contos policiais brasileiros, Flávio Moreira da Costa traça um panorama do gênero no país, desde os precursores até os autores contemporâneos Flávio Moreira da Costa Para falar da literatura policial brasileira de hoje, preciso falar antes da literatura policial brasileira de ontem. Afinal, acredito que o futuro da literatura policial, como aliás, de qualquer literatura, está no seu passado. O policial brasileiro existiu ou existe? Vamos supor que sim. Incipiente ainda, e muito em forma de contos, gênero em que predominou durante décadas, se não até hoje, como registra minha antologia Crime feito em casa — contos policiais brasileiros (2005). À época consegui rastrear cerca de 35 contos, dentro de uma perspectiva histórica. Vamos alinhar aqui alguns deles, dentro desta perspectiva. Na primeira parte — o início do início —, que chamei de “(Bons) antecedentes”, selecionei quatro contos, respectivamente, “O enfermeiro”, de Machado de Assis, “A mágoa que rala”, de Lima Barreto, “A aventura de Rosendo Moura”, de João do Rio, e “O crime”, de Olavo Bilac. Nenhum deles é o que se poderia chamar hoje — e ontem mesmo nem assim se chamavam — de contos policiais: são precursores. Tem, cada um deles, um traço, uma tendência, uma “levada”, como diriam os músicos, do que viria a se desenvolver no gênero policial. A presença mais contestada, por uma crítica, pelo menos, foi a de “O enfermeiro”. Que Machado de Assis tenha sido um leitor pioneiro de Edgar Allan Poe, é coisa sabida de todos. Escrevi na pequena introdução ao conto que ele “sempre surpreendente, nos revela aqui uma personagem — o enfermeiro —, uma situação e um clima que parecem saídos, ao mesmo tempo, de um relato de Poe misturado a um filme classe B, em direção conjunta de Roger Corman e [Alfred] Hitchcock. O conto tem um andamento e um clima bastante noir — aliás, bem avant la lettre.” Já o conto de Lima Barreto, “A mágoa que rala”, não permite contestação: escrito a partir de um crime comum ocorrido numa idílica Lagoa Rodrigues de Freitas, Lima se antecede a uma tendência quase majoritária de literatura (e do cinema) policial até hoje: a de desenvolver o enredo em cima de um faits divers escondido entre as páginas dos jornais. Dificilmente, no começo do século XX, algum beletrista pensaria sequer em se utilizar de uma notícia policial para escrever suas histórias. Para não nos alongarmos, o conto de João do Rio situa-se na fronteira com o conto de horror, à moda dos escritores decandentistas da Belle Époque francesa, como um Jean Lorrain. Já a história de Olavo Bilac, é um conto criminal — narrativa que sempre antecedeu a literatura policial —, lidando com problemas de culpa e consciência, como acontece (e sem comparações, que seriam desproporcionais) em Crime e Castigo, de Dostoiévski. E assim chegamos à década de 1920, do século passado. E um nome se impõe aqui como pioneiro indiscutível: Medeiros e Albuquerque, um antigo membro da Academia Brasileira de Letras, hoje esquecido. Um modelo internacional já se impunha na mal iniciada literatura policial. Aliás, dois: Conan Doyle e Sherlock Holmes, criador e criatura, que levaram o gênero de detetive à categoria de literatura de massa, ou às listas de best-sellers — se existissem listas à época. Era uma febre a leitura deste detetive cocainômano e cerebral, ajudado pelo médico e amigo dr. Watson. Pois, acometido por essa febre, Medeiros e Albuquerque, que vivera na desvairada Paris da Belle Époque, quando se deixou contaminar pelos livros de Conan Doyle, escreveu a primeira coletânea de contos policiais da nossa literatura. Adivinhem o título... Se eu fosse Sherlock Holmes. A verdade, e ele já o diz no título, é que Medeiros não era Conan Doyle, mas seus contos ainda subsistem, como fenômeno da época, e bem mereceriam uma reedição. Essa posição de livro único de contos policiais, manteve-se até o surgimento de Luiz Lopes Coelho, outro pioneiro, quase três décadas depois, autor de A morte no envelope, O homem que matava

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Existe uma literatura policial brasileira?

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  • 21/3/2014 Especial Capa: Existe uma literatura policial brasileira? - CNDIDO - Jornal da Biblioteca Pblica do Paran

    http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=192 1/4

    Governo do Estado do Paran

    Secretaria da Cultura

    CNDIDO - Jornal da Biblioteca Pblica do ParanBPP

    Especial Capa: Existe uma literatura policial brasileira?

    Autor de romances policiais e organizador da antologia Crime feito em casa contos policiais brasileiros, FlvioMoreira da Costa traa um panorama do gnero no pas, desde os precursores at osautores contemporneos

    Flvio Moreira da Costa

    Para falar da literatura policial brasileira de hoje, preciso falar antes da literatura policialbrasileira de ontem. Afinal, acredito que o futuro da literatura policial, como alis, de qualquerliteratura, est no seu passado.

    O policial brasileiro existiu ou existe? Vamos supor que sim. Incipiente ainda, e muito emforma de contos, gnero em que predominou durante dcadas, se no at hoje, comoregistra minha antologia Crime feito em casa contos policiais brasileiros (2005). pocaconsegui rastrear cerca de 35 contos, dentro de uma perspectiva histrica. Vamos alinharaqui alguns deles, dentro desta perspectiva.

    Na primeira parte o incio do incio , que chamei de (Bons) antecedentes, selecionei quatro contos,respectivamente, O enfermeiro, de Machado de Assis, A mgoa que rala, de Lima Barreto,A aventura de Rosendo Moura, de Joo do Rio, e O crime, de Olavo Bilac. Nenhum deles o que se poderia chamar hoje e ontem mesmo nem assim se chamavam de contospoliciais: so precursores. Tem, cada um deles, um trao, uma tendncia, uma levada,como diriam os msicos, do que viria a se desenvolver no gnero policial.

    A presena mais contestada, por uma crtica, pelo menos, foi a de O enfermeiro. QueMachado de Assis tenha sido um leitor pioneiro de Edgar Allan Poe, coisa sabida de todos.Escrevi na pequena introduo ao conto que ele sempre surpreendente, nos revela aquiuma personagem o enfermeiro , uma situao e um clima que parecem sados, aomesmo tempo, de um relato de Poe misturado a um filme classe B, em direo conjunta deRoger Corman e [Alfred] Hitchcock. O conto tem um andamento e um clima bastante noir alis, bem avant la lettre. J o conto de Lima Barreto, A mgoa que rala, no permitecontestao: escrito a partir de um crime comum ocorrido numa idlica Lagoa Rodrigues deFreitas, Lima se antecede a uma tendncia quase majoritria de literatura (e do cinema)policial at hoje: a de desenvolver o enredo em cima de um faits divers escondido entre aspginas dos jornais. Dificilmente, no comeo do sculo XX, algum beletrista pensaria sequerem se utilizar de uma notcia policial para escrever suas histrias. Para no nos alongarmos, oconto de Joo do Rio situa-se na fronteira com o conto de horror, moda dos escritoresdecandentistas da Belle poque francesa, como um Jean Lorrain. J a histria de Olavo Bilac, um conto criminal narrativa que sempre antecedeu a literatura policial , lidando comproblemas de culpa e conscincia, como acontece (e sem comparaes, que seriamdesproporcionais) em Crime e Castigo, de Dostoivski.

    E assim chegamos dcada de 1920, do sculo passado.

    E um nome se impe aqui como pioneiro indiscutvel: Medeiros e Albuquerque, um antigo membro da AcademiaBrasileira de Letras, hoje esquecido. Um modelo internacional j se impunha na mal iniciada literatura policial. Alis,dois: Conan Doyle e Sherlock Holmes, criador e criatura, que levaram o gnero de detetive categoria de literatura demassa, ou s listas de best-sellers se existissem listas poca. Era uma febre a leitura deste detetive cocainmanoe cerebral, ajudado pelo mdico e amigo dr. Watson. Pois, acometido por essa febre, Medeiros e Albuquerque, quevivera na desvairada Paris da Belle poque, quando se deixou contaminar pelos livros de Conan Doyle, escreveu aprimeira coletnea de contos policiais da nossa literatura. Adivinhem o ttulo... Se eu fosse Sherlock Holmes. A verdade,e ele j o diz no ttulo, que Medeiros no era Conan Doyle, mas seus contos ainda subsistem, como fenmeno dapoca, e bem mereceriam uma reedio. Essa posio de livro nico de contos policiais, manteve-se at o surgimentode Luiz Lopes Coelho, outro pioneiro, quase trs dcadas depois, autor de A morte no envelope, O homem que matava

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    quadros e A ideia de matar Belina. A erudio de Otto Maria Carpeauxno o impediu de saud-lo como bom contista do gnero. LopesCoelho criou um detetive brasileira, o Dr. Leite.

    Mas Medeiros e Albuquerque, no seu entusiasmo, aliciou earregimentou cmplices sua volta para juntos, numa espcie dequadrilha de escribas, publicarem um folhetim policial na imprensacarioca. Compunham essa quadrilha do bem seus colegas deAcademia Brasileira de Letras Coelho Neto, Afrnio Peixoto e ViriatoCorreia que, juntamente com o mentor intelectual do delito, Medeirose Albuquerque, perpetuaram o que seria o primeiro romance policial

    brasileiro: deram-lhe o ttulo de Mystrio, com o devido ipsilone da poca. No escolheram um dentre eles para dar oacabamento final ao texto. Curiosamente, cada um assinava o captulo escrito, e assim a insustentvel leveza doMystrio ficou insustentvel demais na estrutura romanesca e no se sustentou no ar. Mesmo assim, Mystrio teve trsedies em forma de livro, com uma venda surpreendente para a poca e mesmo para hoje de dez milexemplares.

    (Esta experincia de autoria coletiva seria retomada anos depois, com Os mistrios de M.M., com outros comparsas,aliciados desta vez por Joo Cond: Lcio Cardoso, Raquel de Queirz, Jorge Amado, Jos Conde, Antonio Callado e...Guimares Rosa, que alis, comeou publicando contos policiais na revista O Cruzeiro).

    O que se sustenta no ar da literatura policial brasileira, ainda iniciante, a obra do paulista Marcos Rey. Escritorprofissional numa poca em que viver de literatura no Brasil era coisa de dois a trs autores, Rey nunca seenvergonhou de escrever literatura popular, pelo contrrio, fazia-o com gosto, habilidade e um bom domnio tcnico.Mesmo embutindo as marcas da gerao norte-americana dos anos 1930 Hammett, Chandler, mas tambmGoodis e Horace McCoy , o escritor paulista abrasileirou a narrativa de mistrio no parecia, como outros, ser umamericano escrevendo em portugus. Vejam como ele apresenta seu detetive no conto O ltimo cuba-libre: Duranteo dia Ado Flores era um gordo como qualquer outro. Sua atividade e seu charme comeavam depois das 22 horas es vezes at mais tarde. Ento era visto levando seus 120 quilos s boates, a bistrs e inferninhos da cidade (...) Como tempo Ado Flores adquiriu outra profisso, paralela de empresrio da noite, a de detetive particular, mas semplaca na porta, atividade restrita apenas a cenrios noturnos e pessoas conhecidas. O detalhe de sem placa naporta parece anunciar Ed Mort, o personagem satrico de Lus Fernando Verissimo. Ocorre que Marcos Rey levou ognero a milhares de jovens; ele foi um best-seller com suas duas dezenas de livros juvenis, de grande potencial deadoo escolar, com tiragens em escala de milhes.

    Creio que j deu para perceber que no unitria ou contnua nem poderia s-lo a evoluo da literatura policialbrasileira, razo pela qual precisamos pular detendncia a tendncia, seguir esta ou aquela pista, afim de desenhar um pouco do mosaico que a constitui.

    Assim, nos anos 60/70 surgiu entre ns uma espciede ciclo do romance-reportagem, que muitas vezes seconfundem com o gnero policial. Por razescronolgicas que talvez justifiquem a autocitao, meulivro Cosa Nostra Eu vi a Mfia de perto, depoisreeditado como A perseguio, saiu em 1973,classificado como reportagem de fico, foi o primeirode uma longa lista. S depois, com livros de JosLouzeiro, Aguinaldo Silva e outros, nossa imprensacomeou a falar em romances-reportagens.

    Foi uma espcie de mini ciclo, que teve repercusso, inclusive de vendas. E pelo menos dois ou trs pontos dignos dese destacar vamos encontrar em livros como Araceli, meu amor, Lcio Flvio passageiro da agonia e Pixote, todosde Jos Louzeiro, para ficarmos no autor de maior destaque dessa contraparte do romance policial, alm dapassagem do conto para o romance como meio de expresso. Em primeiro lugar, a opo por assuntos brasileiros eda atualidade (o faits divers alimentando a fico), em plena ditadura brasileira; depois, o exerccio do profissionalismo,em contraste com o eterno amadorismo da nossa literatura, no que foi ajudado pelas verses cinematogrficasdesses livros. Ttulos, por sua vez, que unem jornalismo ideia de retratos da sociedade dos velhos romancesrealistas ou naturalistas, com vigor narrativo e fico policial. Havia, como houve, leitores para eles.

    Na mesma poca, os anos 1960, surgia um contista que mostrou-se interiormente livre para erguer um modo de ver eser, de criar um estilo inconfundvel, nas palavras do crtico gacho e meu professor de literatura na adolescncia Carlos Jorge Appel. O crtico falava de Rubem Fonseca, que escreveu uma srie de livros magistrais, como Osprisioneiros (1963), A coleira do co (1965), Lcia McCartney (1967), Feliz ano novo (1975), O cobrador (1979) e osromances A grande arte (1983) e Bufo & Spallanzani (1986).

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    Rubem Fonseca chegou para confundir. Confundir asinsustentveis fronteiras de literaturas menores e literaturasmaiores, de gneros e subgneros, confundir o comodismoterico e classificatrio das nossas universidades ouacademias, confundir a separao entre literatura de massae literatura de elite, o bom-mocismo esttico da realidadecruel que nos envolve cotidianamente. Confundindo, ele nosrenova: no se pode dizer que Rubem Fonseca seja umautor policial ou um grande escritor: ele as duas coisas. Asombra do noir e do hard-boiled est presente em vrioscontos do autor, mas a conhecida narrativa chamadaMandrake que se impe quase que como um paradigmado gnero, ou dos rumos que o gnero tomou depois de

    Hammett e Chandler. Mandrake, alis, paradigma e propositalmente pastiche de Raymond Chandler/PhilipMarlowe, criador e criatura. O prprio narrador deixa isso claro ao se referir, no final, a dois ttulos de Chandler: O longoadeus e O grande sono.

    Mas nos romances, em particular em A grande arte e Bufo & Spallanzani, que Rubem Fonseca traa sua marcadivisria na literatura policial brasileira, unindo e misturando a grande literatura com a pequena literatura, com aliteratura popular, derrubando o muro de Berlim que separa, ou separava, boas intenes de boas realizaes,literatura de subliteratura e coloco aqui aspas nas duas palavras. certo que esse muro j havia cado l fora,desde Simenon (louvado por Andr Gide), passando pelos americanos do ramo, e at de William Faulkner, com seuromance Intruder in the dust, no qual mistura o assassinato de um branco por num campons negro, heranas daGuerra de Secesso, com tcnicas sofisticadas de stream of consciensness. Alm de Allan Robbe-Grillet, que recriaem seu romance de estreia A gun for fire, de Graham Greene. Mas o que importa aqui o nosso contexto, e seFonseca nos confunde, porque ele nos sacode, balana nossas ides reus, nossas certezas e preconceitos. Difcildizer, depois dele, que no existe uma literatura policial brasileira, muito menos que ela se restrinja ao conceito difusoe velado de subliteratura.

    boa literatura policial que vem fazendo uma ou mais geraes depois de Rubem Fonseca. Alguns nomes paraprestarmos ateno: Alfredo Garcia-Roza, com seu detetive Epinosa, morador do Bairro Peixoto como Maigret, deSimenon, na Avenue Richard-Lenoir e arredores da Bastilha , j fazendo carreira internacional; Maral Aquino, quepromove o abrasileiramento do gnero, retomando nesse sentido Marcos Rey; Tony Bellotto, mostrando o lado noir dorock, ou o lado rock and roll do romance noir; e ainda discpulos de Rubem Fonseca, como Patrcia Melo. Alm dosnovos autores surgindo: Tabajara Ruas, Joaquim Nogueira, Braz Chediak o cineasta, estreando em 2011 comoCortina de sangue. E mais viro, pois o futuro da literatura policial brasileira est no passado, e no presente daliteratura como um todo. Sobretudo, na tendncia mundial/editorial de valorizao do gnero.

    A literatura de mistrio, que comeou quase como sinnimo de literatura anglo-sax, j vem fazendo sua globalizaoh pelos menos 50 anos. No se trata de nenhuma teoria literria especulativa: tambm uma questo de mercado.Sem um mercado nacional e internacional, portanto sem uma profissionalizao editorial e autoral, no haveria, nemhaver, a literatura de mistrio ou policial. E ela no seria to rica, nem estaria espalhada pelo mundo como est hoje.Seria o caso de lembrar que a maioria dos pases tm bons, excelentes e mesmo ruins, por que no? autorespoliciais. Dos pases escandinavos, passando pela Espanha, Itlia, Grcia, Japo, Cuba, Rssia e frica do Sul, hmuitos autores policiais espalhados pelo globo. Vale lembrar tambm da nossa vizinha Argentina, que chegou antesde ns ao gnero, graas a leitores, diretores de colees e tradutores como Jorge Luis Borges, Bioy Casares eRodolfo Walsh, ainda nas dcadas de 40/50.

    No seria justo dizer que ns estamos no mesmo patamar desta globalizao do imaginrio policial. Mas depois deum longo e lento comeo, como tentei mostrar aqui, e que de certa forma resultou nos livros de Rubem Fonseca, jpodemos dizer que yes, ns podemos. Talvez o sentido secreto do ttulo de Fonseca, O cobrador, seja este:precisamos nos cobrar, ns, escritores, editores e leitores. As duas colees do gnero que existem entre ns, daRecord e da Companhia das Letras (duas, em contraste com quase cinquenta na Frana, por exemplo), publicammajoritariamente romances traduzidos. Em 2000, meu livro Modelo para morrer foi uma espcie de corpo estranho naColeo Negra, da Record, entre dezenas de ttulos estrangeiros. J um bom comeo. Falta o meio e o fim. Falta o enredo. Mais ao. Mais talentos?

    Faltam mais cadveres iniciais em contraponto nossa realidade, onde eles abundam , mais investigaes, maisdetetives e leitores, mais, enfim, literatura, fora de divises e de preconceitos. O filsofo Hegel escreveu que oproblema da Histria a histria do problema. Problema ou mistrio, tanto faz: o mistrio desta histria a histriadesses mistrios.

    Ainda no sculo XIX, o poeta Rimbaud anunciava a nossa poca: Voici le temps des assassins! S faltou falar emFernandinho Beira-Mar, nas quadrilhas do Rio e de Braslia, nos tiranos como Kadhafi. Sim, crime e poder, como

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    mostrou Hans Magnus Ensenberger.

    Crime e castigo? Nem sempre.

    esta, me parece, a insustentvel leveza do mistrio. Ouser que no tem mistrio? Nem leveza?

    Flvio Moreira da Costa escritor, autor de As armas e osbares e O equilibrista do arame farpado (1997). Vriasvezes premiado, organizou trs dezenas de antologias desucesso, como Os cem melhores contos de humor,Melhores contos fantsticos e Contos de amor e desamor.O texto aqui publicado foi escrito originalmente para umaconferncia realizada na Academia Brasileira de Letras,em abril de 2011. Flvio Moreira da Costa vive no Rio deJaneiro (RJ).

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