caso policial interessante

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A VERDADE SOBRE O CASO HARRY QUEBERT

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  • A VERDADESOBRE O CASO

    HARRYQUEBERT

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  • Dicker mantm uma prosa simples mas de ritmo intenso, numa trama cheia de reviravoltas.KIRKUS REVIEWS

    O burburinho nas redes sociais a respeito do livro antecipa um prximo fenmeno global.PUBLISHING PERSPECTIVES

    O best-seller fenomenal de Jol Dicker uma histria de mistrio e assassinato brilhantemente intrincada, um hino para a imaginao ilimitada e uma histria de amor como nenhuma outra.THE GUARDIAN

    A verdade sobre o caso Harry Quebert, do suo Jol Dicker, de apenas 28 anos, o livro mais inteligente e intrigante que voc vai ler este ano. O romance francs mais comentado da dcada, com uma trama de tirar o flego e uma histria viciante.THE TELEGRAPH

    Magistral.EL CULTURAL DE EL MUNDO (ESPANHA)

    A verdade sobre o caso Harry Quebert desperta um poder de imaginao raro nos dias de hoje. Dicker escreveu um romance complexo e ambicioso, que alterna entre duas pocas, diferentes pontos de vista e mltiplas intrigas e personagens.LE FIGARO

    Talento para a narrativa consiste em dar vida a uma obra de arte. E Dicker capaz disso.VANITY FAIR (ITLIA)

    Um livro dentro do livro, um romance policial e uma histria de amor. Extraordinrio.COSMOPOLITAN (ALEMANHA)

    Um thriller que lembra o melhor de Truman Capote.PARIS-MATCH

    Um golpe de mestre. Uma histria de suspense cheia de ritmo, mudanas de curso e vrias camadas que, como uma boneca russa, se encaixam perfeitamente. De forma extraordinria, Dicker alterna perodos e vozes (relatrios policiais, entrevistas, excertos de outros livros) e explora os Estados Unidos em todos os seus excessos miditicos, literrios, religiosos , enquanto questiona o que ser um escritor.LEXPRESS (FRANA)

    Um livro que ser celebrado e estudado por futuros escritores. um thriller exemplar.EL PERIDICO DE CATALUNYA

    O melhor livro do ano. Deixa os leitores entretidos, sobressaltados, desconcertados, e encantados enquanto tentam decifrar o mistrio.EL PAS

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  • Voc no vai conseguir parar at chegar ltima pgina. Voc ser manipulado, desvirtuado, impressionado, irritado e cativado por uma histria com inmeras reviravoltas, pistas falsas e surpresas espetaculares.LE JOURNAL DU DIMANCHE (FRANA)

    Repleto de ao, drama psicolgico e um suspense extraordinrio.NRC HANDELSBLAD (HOLANDA)

    O livro de Jol Dicker um labirinto aparentemente sem sada.VOGUE (ITLIA)

    Um livro divertido, inteligente e de tirar o flego. uma alegria descobrir um romance to extraordinrio.LIRE (FRANA)

    Tem todos os ingredientes de um best--seller global.DIE ZIET (SUIA)

    Um livro que lembra o jornalismo investigativo de Truman Capote, as tramas de assassinato de Donna Tartt e o escandaloso romance de Lolita, de Nabokov.NRC NEXT (HOLANDA)

    Cativante e encantador. Uma verdadeira aventura literriaALGEMEEN DAGBLAD (HOLANDA)

    Uma narrativa brilhante.STERN (ALEMANHA)

    Uma histria construda com tanta inteligncia e sutileza que impossvel no lamentar quando chega o fim. Um livro que abarca diferentes categorias: um romance policial, uma histria de amor, uma comdia de costumes, e tambm uma incisiva crtica industrial editorial contempornea.ELSEVIER (HOLANDA)

    Nunca me recomendaram tanto um livro. Continuei fascinado e intrigado, um magnetismo que persiste muito tempo depois de ter terminado de ler.SERGI PMIES, LA VANGUARDIA (ESPANHA)

    A verdade sobre o caso Harry Quebert um thriller magistralmente construdo.LE MATIN (FRANA)

    Com dilogos brilhantes, personagens cheios de vida e reviravoltas inesperadas, um romance que no permite nem uma pausa para respirar. Todos esses elementos so perfeitamente entrelaados para criar uma histria irresistvel, em que absolutamente nada o que parece ser.TROUW (HOLANDA)

    Todo mundo falava do livro. Essa a primeira frase do romance A verdade sobre o caso Harry Quebert. Uma profecia que se cumpriu, pois o livro de Jol Dicker j se transformou em um fenmeno mundial.LE MONDE

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  • HarryQuebert_final.indd 4HarryQuebert_final.indd 4 4/11/14 9:20 PM4/11/14 9:20 PM

  • JOL DICKERA VERDADE

    SOBRE O CASOHARRYQUEBERT

    Traduo de Andr Telles

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  • Copyright ditions de Fallois/Lge dHomme, 2012

    TTULO ORIGINALLa verit sur laffaire Harry QuebertLa verit sur laffaire Harry Quebert

    PREPARAO

    Clarissa PeixotoClarissa Peixoto

    REVISO

    Milena VargasMilena Vargas

    DIAGRAMAO

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    D545v

    Dicker, Jol, 1975-A verdade sobre o caso Harry Quebert / Jol Dicker ; traduo

    Andr Telles. 1. ed. Rio de Janeiro : Intrnseca, 2014.576 p. ; 23 cm.

    Traduo de: La vrit sur laffaire Harry QuebertISBN 978-85-8057-511-8

    1. Romance suo. I. Telles, Andr. II. Ttulo.

    14-10404 CDD: 848.9949403 CDU: 821.133.1(494)-3

    [2014]

    Todos os direitos desta edio reservados EDITORA INTRNSECA LTDA.Rua Marqus de So Vicente, 99, 3 andar22451-041 GveaRio de Janeiro RJTel./Fax: (21)3206-7400www.intrinseca.com.br

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  • A meus pais

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  • HarryQuebert_final.indd 8HarryQuebert_final.indd 8 4/11/14 9:20 PM4/11/14 9:20 PM

  • O dia do desaparecimento

    (sbado, 30 de agosto de 1975)

    Central de polcia, como posso ajudar? Al? Meu nome Deborah Cooper, eu moro em Side Creek Lane.

    Acho que acabei de ver uma garota sendo perseguida por um homem na floresta.

    O que aconteceu exatamente? No sei! Eu estava na janela, olhando para o bosque, e vi essa garota

    correndo por entre as rvores Tinha um homem atrs dela Acho que ela estava tentando fugir dele.

    Onde eles esto agora? Eu eu no consigo mais ver. Esto na floresta. Estou enviando agora mesmo uma patrulha para o local, senhora.Essa foi a ligao que deu incio ao caso criminal que agitou a pequena

    cidade de Aurora, no estado de New Hampshire. Nesse dia, Nola Kellergan, uma adolescente de quinze anos que morava na regio, desapareceu. Seu rastro nunca foi encontrado.

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  • HarryQuebert_final.indd 10HarryQuebert_final.indd 10 4/11/14 9:20 PM4/11/14 9:20 PM

  • PRLOGO

    Outubro de 2008

    (Trinta e trs anos aps o desaparecimento)

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  • HarryQuebert_final.indd 12HarryQuebert_final.indd 12 4/11/14 9:20 PM4/11/14 9:20 PM

  • Todo mundo falava do livro. Eu no conseguia mais andar em paz pelas ruas de Nova York, nem dar uma corridinha pelas aleias do Central Park, sem que os passantes me reconhecessem e exclamassem: Ei, o Goldman! aquele escritor! Havia inclusive quem arriscasse passos de corrida para me seguir em busca de respostas para as perguntas que os atormentavam: O que voc disse no seu livro verdade? Harry Quebert fez mesmo aqui-lo? No bar do West Village que eu frequentava, alguns fregueses no se constrangiam mais em se sentar minha mesa para me questionar: Estou lendo o seu livro, Sr. Goldman, e no consigo parar! O primeiro j era bom, mas este agora! verdade que recebeu um milho de dlares para escrev--lo? Quantos anos o senhor tem? S trinta? Trinta anos! E j com essa grana! At o porteiro do meu prdio, que eu via avanar na leitura a cada vez que eu entrava ou saa, acabou me acuando demoradamente em frente ao elevador, assim que terminou o livro, para externar sua indignao: Ah, ento foi isso que aconteceu com Nola Kellergan? Que horror! Mas como que pode chegar a esse ponto? Hein, Sr. Goldman, como possvel uma coisa dessas?

    Nova York inteira estava apaixonada pelo meu livro; fazia duas semanas que ele tinha sido lanado e j prometia ser o mais vendido do ano em todo o continente americano. Todo mundo queria saber o que havia acontecido em Aurora em 1975. No se falava em outra coisa: na televiso, no rdio e nos jornais. Eu tinha s trinta anos e, com esse livro, que era apenas o segun-do da minha carreira, havia me tornado o escritor mais conhecido do pas.

    O caso que havia chocado os Estados Unidos, e do qual eu extrara a essn-cia de minha histria, estourara alguns meses antes, no incio do vero, quan-do os restos mortais de uma adolescente desaparecida h trinta e trs anos foram encontrados. Assim se iniciaram os eventos ocorridos em New Hamp-shire que sero relatados aqui, e sem os quais a pequena cidade de Aurora certamente teria permanecido desconhecida para o restante do mundo.

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  • HarryQuebert_final.indd 14HarryQuebert_final.indd 14 4/11/14 9:20 PM4/11/14 9:20 PM

  • PRIMEIRA PARTE

    A doena dos escritores

    (Oito meses antes da publicao do livro)

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  • HarryQuebert_final.indd 16HarryQuebert_final.indd 16 4/11/14 9:20 PM4/11/14 9:20 PM

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    Nos abismos da memria

    O primeiro captulo, Marcus, essencial. Se os leitores no gostarem dele, no vo ler o resto do livro. Como pretende comear o seu?

    No sei, Harry. Acha que um dia vou conseguir fazer isso? Isso o qu? Escrever um livro. Tenho certeza que sim.

    No incio de 2008, ou seja, um ano e meio aps eu me tornar, graas a meu primeiro romance, a nova estrela da literatura americana, fui acometido pela terrvel crise da pgina em branco, sndrome, ao que parece, no rara entre escritores que tiveram um sucesso meterico e inesperado. A doena no viera de supeto: instalara-se em mim lentamente. Era como se meu crebro tivesse congelado aos poucos. Quando os primeiros sintomas apa-receram, no liguei para eles: pensei que a inspirao voltaria no dia se-guinte, ou no outro, ou talvez trs dias depois. No entanto, dias, semanas e meses haviam se passado, e nem sinal dela.

    Minha descida ao inferno podia ser decomposta em trs fases. A pri-meira, indispensvel a toda queda vertiginosa digna desse nome, havia sido uma ascenso fulgurante: meu primeiro romance tinha vendido dois milhes de exemplares, propelindo-me, aos vinte e oito anos, ao patamar de escritor de sucesso. Era outono de 2006 e, em poucas semanas, me tor-nei uma celebridade: eu era visto em tudo que lugar, na televiso, nos

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    jornais, nas capas das revistas. Meu rosto estava presente em imensos car-tazes publicitrios nas estaes de metr. Os crticos mais severos dos grandes jornais da Costa Leste eram unnimes: o jovem Marcus Goldman estava destinado a ser um grande escritor.

    Um livro, somente um, e agora eu via serem abertas as portas de uma nova vida. Me mudei da casa dos meus pais em Newark para um aparta-mento chique do Village, troquei meu Ford de terceira mo por um Range Rover novinho em folha com vidros fum, passei a frequentar restaurantes caros e contratei os servios de um agente literrio, que administrava meu tempo e ia minha casa nova assistir a jogos de beisebol numa tela gigante. Aluguei um escritrio a dois passos do Central Park, no qual uma secret-ria ligeiramente apaixonada por mim, Denise, separava minha correspon-dncia, preparava o caf e arquivava documentos importantes.

    Durante os seis primeiros meses que sucederam o lanamento do livro, me contentei em aproveitar as delcias de minha nova existncia. Pela ma-nh, ia ao escritrio dar uma olhada nas matrias que haviam sado a meu respeito e ler as dezenas de cartas de fs que chegavam diariamente, as quais eram, em seguida, organizadas por Denise em grandes arquivos. En-to, satisfeito comigo mesmo e julgando ter trabalhado o suficiente, pe-rambulava pelas ruas de Manhattan, causando um burburinho entre os transeuntes ao passar. Dedicava o restante do dia a usufruir dos novos di-reitos que ser uma celebridade me outorgava: o direito de comprar tudo que me desse na telha, o direito de acesso aos camarotes VIP do Madison Square Garden para acompanhar os jogos dos Rangers, o direito de cami-nhar pelos tapetes vermelhos ao lado de astros da msica, de quem, quan-do eu era mais jovem, comprara todos os discos, o direito de sair com Lydia Gloor, atriz principal da srie de televiso do momento e disputada por meio mundo. Eu era um escritor famoso; tinha a impresso de exercer a profisso mais bonita que existe. E, certo de que meu sucesso duraria para sempre, no me preocupei com as primeiras advertncias do meu agente e do meu editor, que me intimavam a voltar ao trabalho e comear a escrever meu segundo romance.

    Foi ao longo dos seis meses seguintes que compreendi que o vento esta-va mudando: as cartas de admiradores comearam a rarear e eu era abor-dado na rua com menos frequncia. Os leitores que ainda me reconheciam logo passaram a perguntar: Sobre o que seu prximo livro, Sr. Goldman? E quando vai ser lanado? Entendi que devia me concentrar e foi o que fiz:

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    anotei algumas ideias em folhas avulsas e esbocei sinopses no computador. Nada, porm, que prestasse. Tive ento outras ideias e rascunhei mais al-gumas sinopses. Igualmente sem sucesso. Por fim, acabei comprando um laptop novo, na esperana de que j viesse com boas ideias e excelentes si-nopses. Mas foi em vo. Tentei ento mudar de mtodo: fiz Denise ficar at tarde da noite anotando o que eu ditava e julgava serem frases impactantes, palavras precisas e incios excepcionais de um romance. Contudo, no dia seguinte, as palavras me pareciam inspidas, as frases banais e meus come-os, derrotas. Eu estava entrando na segunda fase da minha doena.

    No outono de 2007, fazia um ano que meu primeiro livro fora lanado e eu ainda no havia escrito uma nica linha do seguinte. Quando no ti-nha mais cartas para arquivar e deixei de ser reconhecido em locais pbli-cos, quando os cartazes com fotos minhas desapareceram das grandes livrarias da Broadway, compreendi que a glria era efmera. Era uma gr-gona faminta, e aqueles que no a alimentavam acabavam sendo rapida-mente substitudos: os polticos do momento, a subcelebridade do ltimo reality show que passou na televiso e a banda de rock que acabava de es-tourar haviam roubado para si a ateno antes direcionada a mim. No haviam passado, entretanto, mais do que doze reles meses desde meu livro: um lapso de tempo ridiculamente curto, a meu ver, mas que, na escala humana, correspondia a uma eternidade. Durante esse mesmo ano, s nos Estados Unidos, um milho de crianas havia nascido, um milho de pes-soas, morrido, uns dez mil levaram um tiro, meio milho se envolvera com drogas, um milho se tornara milionrio, dezessete milhes haviam troca-do de celular, cinquenta mil haviam morrido num acidente de carro e, nas mesmas circunstncias, dois milhes se feriram com maior ou menor gra-vidade. Quanto a mim, havia escrito um nico livro.

    A Schmid & Hanson, poderosa editora nova-iorquina que me oferecera uma bela quantia para publicar meu primeiro romance e depositara gran-des esperanas em mim, assediava meu agente, Douglas Claren, que, por sua vez, me pressionava. Ele dizia que o tempo estava se esgotando, que eu precisava apresentar um novo original de qualquer maneira, e eu me esfor-ava para tranquiliz-lo querendo, na verdade, tranquilizar a mim mes-mo , assegurando-lhe que meu segundo romance estava indo de vento em popa e que ele no tinha motivo para se preocupar. Contudo, a despei-to das horas que eu passava trancado no escritrio, minhas pginas conti-nuavam em branco: a inspirao fugira sem fazer alarde e eu no conseguia

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    mais encontr-la. E, noite, na cama, incapaz de pegar no sono, eu pensa-va que em breve, e antes de completar trinta anos, o grande Marcus Gold-man j no existiria mais. Esse pensamento me assustou de tal forma que decidi tirar umas frias para espairecer. Me dei de presente um ms num hotel de luxo em Miami, em teoria para recarregar as baterias, intimamen-te persuadido de que relaxar sombra de palmeiras me permitiria recobrar o pleno uso de meu gnio criativo. Porm, era evidente que a Flrida no passava de uma tentativa de fuga e, dois mil anos antes de mim, o filsofo Sneca j deparara com o mesmo impasse no importa para onde voc fuja, seus problemas esgueiram-se para dentro de suas malas e o seguem aonde quer que voc v. Era como se, mal eu tivesse chegado a Miami, um gentil carregador cubano tivesse corrido atrs de mim na sada do aero-porto e me interpelado:

    O senhor o Sr. Goldman? Sou. Ento isso do senhor.Ele teria me estendido um envelope contendo um mao de folhas de

    papel. So minhas pginas em branco? Sim, Sr. Goldman. O senhor no achou que ia sair de Nova York

    sem elas, no ?Assim, passei aquele ms na Flrida sozinho, trancado numa sute com

    meus demnios, me sentindo miservel e despeitado. No laptop, ligado dia e noite, o documento que eu intitulara novoromance.doc permanecia de-sesperadamente virgem. Na noite em que ofereci uma margarita ao pianis-ta do bar do hotel, percebi que havia contrado uma doena muito comum no meio artstico. No balco, ele me contou que, durante toda sua vida, escreveu uma nica cano, mas que essa cano havia sido um hit tre-mendo. O sucesso foi to grande que ele nunca mais conseguiu escrever nada e, agora, arruinado e infeliz, sobrevivia tocando as msicas dos ou-tros para os hspedes dos hotis.

    Na poca, fiz turns nos maiores sales do pas ele me contou, agarrando o colarinho da minha camisa. Dez mil pessoas berrando meu nome, gatinhas se derretendo enquanto outras jogavam calcinhas para mim. No era pouca coisa. E, aps ter lambido feito um cachorri-nho o sal em torno do copo, acrescentou: Juro que verdade.

    O pior, justamente, que eu sabia que era mesmo.

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    A terceira fase do meu infortnio comeou assim que retornei a Nova York. No avio em que voltei de Miami, li uma matria sobre um jovem autor que acabava de lanar um romance incensado pela crtica e, quando cheguei ao aeroporto de LaGuardia, deparei com seu rosto em grandes car-tazes no saguo das esteiras de bagagens. A vida me afrontava: no apenas tinham me esquecido, como, pior ainda, estavam me substituindo. Douglas, que foi me buscar no aeroporto, estava nervosssimo: a Schmid & Hanson, j sem a menor pacincia, queria uma prova de que eu estava avanando e de que logo estaria em condies de apresentar um novo original finalizado.

    A situao est preta. Essa foi sua primeira frase dentro do carro que nos levava de volta para Manhattan. Diga que a Flrida o revigorou e que conseguiu adiantar bastante o livro! Surgiu esse cara agora de quem todo mundo est falando O livro dele ser o grande best-seller do Natal. E voc, Marcus? O que tem para o Natal?

    Vou botar a mo na massa! prometi, em pnico. Vou conse-guir! Faremos uma grande campanha de marketing e vai dar tudo certo! As pessoas gostaram do meu primeiro livro, vo gostar do prximo!

    Voc no est entendendo, Marc. Poderamos ter feito isso alguns meses atrs. Era essa a estratgia: surfar na onda do seu sucesso, alimentar o pblico, dar o que ele pedia. O pblico queria Marcus Goldman, s que, como Marcus Goldman foi relaxar na Flrida, os leitores compraram o li-vro de um outro sujeito qualquer. Voc estudou um pouco de economia, Marc? Os livros viraram um produto suprfluo. As pessoas querem um li-vro que as agrade, relaxe e divirta. E se no for voc a lhes dar um livro as-sim, algum dar, e voc acaba indo parar na lata de lixo.

    Apavorado com as profecias de Douglas, pus-me a trabalhar feito um louco: comeava a escrever s seis da manh, nunca parava antes das nove ou dez da noite. Passava dias inteiros confinado no escritrio, escrevendo sem trgua, sendo arrastado pelo frenesi do desespero, esboando palavras, alinhavando frases e multiplicando as ideias para o romance. Porm, para minha grande lstima, no produzia nada de aproveitvel. Denise, por sua vez, passava os dias se descabelando com a minha situao. Como no ti-nha mais o que fazer ditados a anotar, correspondncia a arquivar, caf a preparar , ela andava de uma ponta a outra do corredor. E, quando no se aguentava mais, ia bater porta.

    Estou implorando, Marcus, abra para mim! gemia ela. Saia desse escritrio, v dar um passeio no parque. Voc no comeu nada hoje!

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    Eu respondia gritando: No estou com fome! No estou com fome! Sem livro no como!Ela quase soluava. No diga barbaridades, Marcus. Vou delicatessen da esquina bus-

    car um sanduche de rosbife, seu preferido. J volto! J volto!Eu a ouvia pegar a bolsa e correr para a porta de entrada antes de se

    lanar pelas escadas, como se aquela pressa fosse mudar alguma coisa na minha situao. Mas eu finalmente tinha entendido o alcance do mal que me acometia: escrever um livro partindo do zero me parecera muito fcil. Agora, porm, que eu estava no auge, agora que precisava assumir meu talento e repetir a marcha exaustiva rumo ao sucesso, o qual consiste em escrever um bom romance, eu me sentia impotente. Estava acometido pela doena dos escritores e no havia ningum que pudesse me ajudar. Aqueles com quem eu falava replicavam que no era nada, que seguramente era muito comum e que, se eu no escrevesse meu livro hoje, o faria amanh. Tentei, durante dois dias, trabalhar no meu antigo quarto, na casa dos meus pais, em Newark, no mesmo lugar em que encontrara inspirao para meu primeiro livro. Mas essa tentativa resultou num fracasso lamen-tvel, ao qual minha me talvez no fosse alheia, em especial por ter passa-do esses dois dias sentada a meu lado, esquadrinhando a tela do meu laptop e repetindo para mim: Est timo, Markie.

    No escrevi uma linha, me falei, por fim. Mas sinto que vai ficar timo. Me, se voc me deixasse sozinho Por que sozinho? Est com dor de barriga? Quer peidar? Pode pei-

    dar comigo aqui, querido. Sou sua me. No, no quero peidar, me. Est com fome, ento? Quer um crepe? Waffles? Alguma coisa sal-

    gada? Ovos, talvez? No, estou sem fome. Ento por que eu preciso sair? Est querendo dizer que a presena

    da mulher que lhe deu a vida o incomoda? No, no incomoda, mas Mas o qu? Nada, me. Voc precisa de uma namorada, Markie. Acha que no sei que ter-

    minou com aquela atriz da televiso? Como era mesmo o nome dela?

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    Lydia Gloor. De toda forma, no tnhamos um relacionamento s-rio, me. Quer dizer: ns s ficamos.

    S ficamos, s ficamos! isso que os jovens fazem agora: ficam e, aos cinquenta anos, esto carecas e sem famlia!

    Que relao isso tem com ficar careca, me? Nenhuma. Mas voc acha normal que eu fique sabendo por uma

    revista que voc est com essa garota? Que filho faz isso com a me, hein? Imagine que um pouco antes de voc viajar para a Flrida eu chego no Scheingetz, o cabeleireiro, no o aougueiro, e todo mundo me olha com uma cara estranha. Pergunto o que aconteceu, e eis que a Sra. Berg, debaixo daquele capacete de permanente, aponta para a revista que est lendo e ento vejo uma foto sua e dessa Lydia Gloor, na rua, juntos, e a manchete da reportagem dizendo que vocs se separaram. Todo o salo sabia que vocs tinham terminado, sendo que eu no sabia nem que voc estava sain-do com ela! claro que eu no queria passar por idiota e disse que ela era uma garota encantadora e que vocs jantaram diversas vezes aqui em casa.

    Me, eu no contei para voc porque no era srio. No era a garo-ta certa, sabe.

    Mas nunca a garota certa! Voc no conhece uma nica garota certa, Markie! Esse o problema. Acha que atrizes de televiso podem administrar um lar? Sabia que encontrei a Sra. Emerson ontem no super-mercado e que a filha dela tambm est solteira? Seria perfeita para voc. Alm disso, ela tem dentes lindos. Quer que eu pea a ela para dar uma passada aqui?

    No, me. Estou tentando trabalhar.Nesse instante, a campainha tocou. Acho que so elas disse minha me. Como assim, so elas? A Sra. Emerson e a filha dela. Convidei-as para tomar um ch s

    quatro. So quatro em ponto. Pontualidade algo importante numa mu-lher. J no adora ela?

    Voc as convidou para tomar ch? Suma com elas daqui, me! No quero v-las! Tenho um livro para escrever, caramba! No estou aqui para brincar de casinha, tenho que escrever um romance!

    Ah, Markie, voc precisa mesmo de uma namoradinha. Uma na-morada para noivar e casar. Voc pensa demais nos livros e pouco em ca-samento

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    Ningum percebia o cerne da questo: eu precisava desesperadamente de um livro novo, nem que fosse s para cumprir com as clusulas do con-trato que eu assinara com a editora. Em meados de janeiro de 2008, Roy Barnaski, o poderoso diretor da Schmid & Hanson, convocou-me a seu escritrio, no quinquagsimo primeiro andar de um arranha-cu na La-fayette Street, para uma sria admoestao:

    E ento, Goldman, quando terei o seu novo original? ladrou ele. Nosso contrato contempla cinco livros: precisa pr mos obra, e rpido! Queremos resultado, queremos nmeros! Voc no est cumprin-do os prazos! Est atrasado em tudo! Viu esse cara que lanou um livro qualquer antes do Natal? Ele tomou o seu lugar com o pblico! O agente dele disse que o prximo romance j est praticamente pronto. E voc? Est nos fazendo perder dinheiro! Ento mexa-se e tome as rdeas da situa-o. Surpreenda-nos, escreva um bom livro e salve sua pele. Vou lhe dar seis meses: espero at junho.

    Eu tinha seis meses para escrever um livro quando estava travado fazia quase um ano e meio. Era impossvel. Pior ainda foi que Barnaski, ao me impor aquele prazo, no me informara das consequncias s quais eu me expunha caso no obedecesse. Foi Douglas quem se encarregou disso, duas semanas mais tarde, durante nossa ensima conversa em meu apartamen-to. Ele me disse:

    Voc vai ter que escrever, meu velho, no pode mais enrolar. Voc assinou para cinco livros! Cinco livros! Barnaski est furioso, perdeu a pa-cincia Ele comentou comigo que esticou o prazo at junho. E sabe o que vai acontecer se voc furar? Eles vo romper o contrato, entrar com um processo e sug-lo at a medula! Vo pegar toda a sua grana e voc vai ter que abandonar sua vida mansa, seu belo apartamento, seus sapatos ita-lianos, seu carro esportivo. Vai ficar sem nada. Vo lhe tirar tudo.

    Se um ano antes eu era a nova estrela da literatura americana, agora eu me tornara o grande desespero, o grande transtorno do mundo editorial. Lio nmero dois: alm de ser efmera, a glria no vem sem consequn-cias. Na noite seguinte advertncia de Douglas, peguei o telefone e digitei o nmero da nica pessoa que eu julgava capaz de me tirar daquela dificul-dade: Harry Quebert, que foi meu professor na faculdade e, acima de tudo, um dos autores mais lidos e respeitados dos Estados Unidos, com quem eu tinha uma forte ligao havia dez anos, desde que fora seu aluno na Universidade de Burrows, em Massachusetts.

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    Fazia mais de um ano que eu no o via e quase o mesmo tempo que no lhe telefonava. Liguei para sua casa, em Aurora, no estado de New Hamp-shire. Ao ouvir minha voz, ele gracejou:

    Ah, Marcus! voc mesmo quem est ligando? Inacreditvel. Desde que virou celebridade no me d notcias. Tentei telefonar ms passado, mas uma secretria atendeu e falou que voc no estava para ningum.

    Respondi bruscamente: As coisas vo mal, Harry. Acho que no sou mais escritor.Ele ficou srio: Do que est falando, Marcus? No sei o que escrever, estou acabado. Totalmente travado. Faz me-

    ses. Talvez um ano.Ele desatou numa risada tranquilizadora e calorosa. s uma estafa mental, Marcus, s isso! Bloqueios criativos so

    algo to irracional quanto broxar: o pnico do gnio, o mesmo que deixa seu pauzinho mole quando voc est se preparando para transar com uma de suas fs e s pensa em lhe proporcionar um orgasmo que pode ser me-dido pela escala Richter. No se preocupe com o talento, limite-se a alinhar um conjunto de palavras. O talento vem naturalmente.

    Voc acha? Tenho certeza. Mas voc devia deixar um pouco de lado as noitadas

    e os drinques. Escrever coisa sria. Achei que tinha conseguido enfiar isso na sua cabea.

    Mas estou trabalhando duro! a nica coisa que fao! E, mesmo assim, no sai nada.

    Ento porque est lhe faltando o cenrio apropriado. Nova York uma cidade bem bonita, mas acima de tudo muito barulhenta. Por que no vem para c, para minha casa, como fazia quando era meu aluno?

    Sair de Nova York, mudar de ares. Nunca um convite ao exlio me pa-receu to sensato. Ir encontrar a inspirao de um novo livro numa pe-quena cidade litornea em companhia do meu mentor: era exatamente disso que eu precisava. Foi assim que, uma semana depois, em meados de fevereiro de 2008, fui me instalar em Aurora, New Hampshire. Isso foi alguns meses antes dos acontecimentos dramticos que me preparo para contar aqui.

    * * *

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    Antes do episdio que agitou os Estados Unidos no vero de 2008, ningum nunca tinha ouvido falar em Aurora, que uma cidadezinha beira-mar, a cerca de uma hora de carro da fronteira com o estado de Massachusetts. H um cinema na rua principal cuja programao est constantemente atrasada em relao ao restante dos Estados Unidos , algumas lojas, uma agncia dos correios, um posto policial e meia dzia de restaurantes, entre eles o Clarks, o diner histrico da cidade. O entorno formado por bairros pacatos, com casas de madeira coloridas e varandas encimadas por telhados de ardsia e rodeadas por jardins com gramados impecveis. Uma espcie de arqutipo dos Estados Unidos. Um desses lugares que s existe na Nova Inglaterra, onde os moradores no trancam a porta de casa, to sossegado que o consideramos ao abrigo de tudo.

    Eu conhecia bem Aurora por j ter ido l diversas vezes visitar Harry quando era seu aluno. Ele morava numa esplndida casa de pedra e pinho macio, que ficava fora da cidade, na estrada em direo a Vermont, e com vista para um brao de mar consignado nos mapas com o nome de Goose Cove. Era uma casa de escritor debruada sobre o oceano, com uma varan-da para os dias bonitos da qual uma escada dava acesso direto praia. Os arredores eram apenas uma quietude selvagem: a mata costeira, os aglo-merados de seixos e pedras gigantes, os bosques midos com touceiras e musgos, algumas trilhas de caminhada margeando a praia. Daria para acreditar que estvamos no fim do mundo se no soubssemos que ficava a apenas poucos quilmetros da civilizao. E no era difcil imaginar o velho autor produzindo suas obras-primas na varanda, inspirado pelas mars e pelos poentes.

    Em 10 de fevereiro de 2008, nas profundezas de meu bloqueio criativo, deixei Nova York. Os Estados Unidos, por sua vez, j fervilhavam com as primrias das eleies presidenciais: alguns dias antes, a Super Tuesday (que cara excepcionalmente em fevereiro e no em maro, prova de que aquele seria um ano fora do comum) oficializara a candidatura republicana do senador McCain, enquanto entre os democratas a batalha entre Hilary Clinton e Barack Obama ainda se desenrolava. Percorri o trajeto de carro at Aurora num estiro s. Havia nevado muito no inverno e as paisagens minha volta estavam saturadas de branco. Eu gostava de New Hampshire: da tranquilidade, das imensas florestas, dos lagos cobertos de ninfeias nos quais era possvel nadar no vero e patinar no inverno, gostava de pensar que l no se pagavam taxas nem imposto de renda. Achava que aquele era

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    um estado libertrio, e sua divisa VIVER LIVRE OU MORRER, cunhada nas placas dos carros que me ultrapassavam na autoestrada, resumia perfeita-mente a poderosa sensao de liberdade que me impregnava todas as vezes que ia a Aurora. A propsito, eu me lembro de que, quando cheguei casa de Harry naquele dia, no meio de uma tarde to fria e enevoada, tive ime-diatamente uma sensao de paz interior. Ele me esperava no porto, agasa-lhado num casaco de inverno. Sa do carro, ele veio a meu encontro, colocou as mos em meus ombros e me ofereceu um sorriso reconfortante.

    O que h com voc, Marcus? No sei, Harry Vamos, vamos. Voc sempre foi um rapaz muito sensvel.Antes mesmo que eu desfizesse a mala, fomos para a sala conversar um

    pouco. Ele serviu caf. Na lareira, o fogo crepitava; o interior estava acon-chegante, enquanto, pela ampla sacada envidraada, eu via o oceano ator-mentado pelos ventos gelados e a neve mida caindo nos rochedos.

    Tinha esquecido como aqui bonito murmurei.Ele aquiesceu. Voc vai ver, meu querido Marcus, vou cuidar de voc. Voc vai es-

    crever um romance maravilhoso. No fique cabisbaixo, todos os bons es-critores passam por um momento difcil como esse.

    Ele estava com aquele ar sereno e confiante de sempre. Era um homem que eu nunca vira vacilar: carismtico, seguro, cuja presena emanava uma autoridade natural. Estava com sessenta e sete anos e tinha uma bela apa-rncia, com sua grande cabeleira grisalha sempre penteada, ombros largos e um corpo robusto que comprovava a longa prtica do boxe. Era um pu-gilista, e havia sido justamente por intermdio desse esporte, que eu mes-mo praticava com certa frequncia, que havamos nos aproximado na Universidade de Burrows.

    Os laos que me uniam a Harry, e aos quais voltarei mais adiante nesta histria, eram fortes. Ele entrara em minha vida no ano de 1998, quando ingressei na Universidade de Burrows, em Massachusetts. Na poca, eu ti-nha vinte anos e ele, cinquenta e sete. Fazia aproximadamente quinze anos que ele dirigia com sucesso o departamento de Literatura da modesta uni-versidade rural, de atmosfera serena e frequentada por estudantes simpti-cos e educados. Antes disso, como todo mundo, eu conhecia O Grande Escritor Harry Quebert de nome. Em Burrows, conheci simplesmente Harry, aquele que, a despeito de nossa diferena de idade, acabaria se tor-

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    nando um de meus amigos mais prximos e me ensinaria a ser um escri-tor. Ele conhecera a consagrao em meados dos anos 1970, quando seu segundo livro, As origens do mal, que vendera quinze milhes de exempla-res, recebera o Booker Prize e o National Book Award, os dois prmios li-terrios mais prestigiosos do pas. Desde ento, publicava com certa regularidade e escrevia uma crnica mensal bastante popular no Boston Globe. Era uma das grandes figuras da intelligentsia norte-americana: dava inmeras conferncias, era frequentemente solicitado para eventos cultu-rais importantes; sua opinio sobre as questes polticas tinha peso. Era um homem muito respeitado, um dos orgulhos do pas, o que os Estados Unidos podiam produzir de melhor. Quando fui passar algumas semanas em sua casa, eu esperava voltar a ser um escritor e aprender como transpor o abismo da pgina em branco. Fui, contudo, obrigado a constatar que, embora decerto Harry julgasse minha situao difcil, nem por isso a con-siderava anormal.

    Os escritores s vezes tm brancos e isso faz parte dos riscos da profisso ele me explicou. Comece a trabalhar e ver: vai desblo-quear por si s.

    Harry me instalou em seu escritrio do trreo, onde ele mesmo escre-vera todos os seus livros, inclusive As origens do mal. Ali passei longas horas tentando escrever, embora ficasse acima de tudo absorto pelo mar e pela neve que caa do outro lado da janela. Quando Harry me trazia um caf ou alguma coisa para comer, observava minha expresso de desespero e tenta-va levantar meu moral. Certa manh, acabou me dizendo:

    No faa essa cara, Marcus, parece at que vai morrer. quase isso Vamos, preocupe-se com a situao do mundo, com a guerra no

    Iraque, no com mseros alfarrbios cedo demais para isso. Voc me d pena, fique sabendo: arma um escarcu porque peleja para voltar a es-crever trs linhas. Melhor encarar as coisas de frente: voc escreveu um li-vro formidvel, ficou rico e famoso e o seu segundo livro est enfrentando dificuldade para sair da sua cabea. No h nada de estranho ou de preo-cupante nisso.

    E voc? Nunca teve esse problema?Ele deu uma risada barulhenta. Bloqueio criativo? Est brincando? Bem mais do que pode imagi-

    nar, meu amigo!

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    Meu editor falou que, se eu no entregar um livro novo agora, ser o meu fim.

    Sabe o que um editor? um escritor frustrado que tem um papai com grana suficiente para poder se apropriar do talento dos outros. Voc ver, Marcus, tudo vai entrar nos eixos muito em breve. Tem uma carreira fantstica pela frente. Seu primeiro livro foi notvel e o segundo ser ainda melhor. No se preocupe, vou ajud-lo a reencontrar a inspirao.

    No posso dizer que meu retiro em Aurora tenha me devolvido a inspi-rao, mas inegvel que me fez bem. E, pelo que eu sabia, Harry sentia-se muitas vezes sozinho, tambm: era um homem sem famlia e sem muitas distraes. Foram dias felizes. Na realidade, foram nossos ltimos dias fe-lizes juntos. Nesse perodo, fizemos longos passeios beira-mar, escuta-mos os grandes clssicos da pera, percorremos pistas de esqui, eventos culturais locais, e fizemos incurses nos supermercados da regio procu-ra de salsichinhas aperitivas vendidas em prol dos veteranos do exrcito americano (Harry era louco por elas e considerava que eram motivo sufi-ciente para justificar a interveno no Iraque). Tambm costumvamos almoar no Clarks, passar tardes inteiras tomando caf e discorrendo so-bre a vida, como fazamos na poca que eu era seu aluno. Todo mundo em Aurora conhecia e respeitava Harry e, com o tempo, todo mundo passou a me conhecer tambm.

    As duas pessoas com quem eu tinha mais afinidade eram Jenny Dawn, a dona do Clarks, e Erne Pinkas, bibliotecrio municipal voluntrio, que era muito prximo de Harry e s vezes passava em Goose Cove no fim do dia para tomar um copo de scotch. Eu mesmo ia todas as manhs biblio-teca ler o The New York Times. No primeiro dia, notei que Erne Pinkas colocara um exemplar do meu livro num mostrurio bem vista. Aponta-ra para ele com orgulho e dissera:

    Est vendo, Marcus? Seu livro est na rea nobre! Foi o livro que mais pegaram no ano passado. Para quando o prximo?

    Para falar a verdade, estou com certa dificuldade para comear. por isso que estou aqui.

    No se preocupe. Vai ter uma ideia genial, tenho certeza. Alguma coisa irresistvel.

    Tipo o qu? No fao ideia, o escritor voc. Mas preciso encontrar um assun-

    to que apaixone as massas.

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    No Clarks, Harry ocupava a mesma mesa havia mais de trinta anos, a nmero dezessete, sobre a qual Jenny mandara aparafusar uma placa de metal com os seguintes dizeres:

    FOI NESTA MESA QUE, DURANTE O VERO DE 1975, O ESCRITOR HARRY QUEBERT ESCREVEU SEU CLEBRE ROMANCE

    AS ORIGENS DO MAL

    Embora eu conhecesse essa placa desde sempre, nunca havia prestado muita ateno a ela. Foi s ao longo dessa temporada que passei a me inte-ressar mais detidamente, examinando-a com vagar. Aquela srie de pala-vras gravadas no metal logo me deixou obcecado: sentado quela msera mesa de madeira grudenta de gordura e xarope de bordo, naquele diner de uma cidadezinha de New Hampshire, Harry escrevera sua imensa obra--prima, aquela que o transformara numa lenda da literatura. Como foi que ele teve tamanha inspirao? Tambm queria me sentar mesma mesa, escrever e ser fustigado pelo gnio. Cheguei a me acomodar nela, munido de papel e canetas, por duas tardes consecutivas. S que no tive sucesso. Acabei perguntando a Jenny:

    Ento era s isso, ele se sentava aqui e escrevia?Ela concordou com a cabea: O dia inteiro, Marcus. Todo santo dia. Nunca parava. Foi no vero

    de 1975, lembro direitinho. E quantos anos ele tinha em 1975? A sua idade. Trinta anos, mais ou menos. Talvez fosse um pouco

    mais velho.Eu sentia uma espcie de furor efervescer dentro de mim: tambm que-

    ria escrever uma obra-prima, tambm queria escrever um livro que se tor-nasse uma referncia. Harry deu-se conta disso quando percebeu que, aps quase um ms de estadia em Aurora, eu ainda no conseguia escrever nem uma linha sequer. A cena aconteceu no incio de maro, no escritrio de Goose Cove. Eu esperava a Iluminao divina quando ele entrou, com um avental feminino amarrado na cintura, para me oferecer umas rosquinhas que tinha acabado de fritar.

    E ento, conseguiu avanar? Escrevi um negcio grandioso respondi, estendendo-lhe o mao de

    folhas de papel que o carregador cubano recuperara para mim trs meses antes.

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    Ele pousou sua bandeja e correu para examin-las antes de compreen-der que no passavam de folhas em branco.

    No escreveu nada? Faz trs semanas que est a e no escreveu nada?

    Exaltei-me: Nada! Nada! Nada que preste! S consegui pensar em romances

    ruins! Mas, porra, Marcus, o que pretende escrever se no um romance?Respondi sem sequer refletir: Uma obra-prima! Quero escrever uma obra-prima! Uma obra-prima? . Quero escrever um grande romance, com grandes ideias! Quero

    escrever um livro que marque poca.Harry me contemplou por um instante e caiu na risada: Sua ambio desmedida enche o saco, Marcus. E no de hoje que

    lhe digo isso. Voc vai ser um grande escritor, eu sei, estou convencido dis-so desde que o conheci. Mas, sabe qual o seu problema? Voc muito apressado! Quantos anos tem exatamente?

    Trinta. Trinta anos! E j quer ser uma espcie de cruzamento entre Saul

    Bellow e Arthur Miller? A glria vir, no se afobe. Eu mesmo tenho ses-senta e sete anos e estou apavorado: o tempo passa rpido demais, sabe, e todo ano que termina um ano a menos que no posso mais recuperar. O que estava pensando, Marcus? Que ia parir sem mais nem menos um se-gundo livro? Uma carreira precisa ser construda, meu velho. Quanto a escrever um grande romance, no h necessidade de grandes ideias: limite--se a ser voc mesmo e certamente chegar l, no tenho dvida quanto a isso. Ensino literatura h vinte e cinco anos, vinte e cinco longos anos, e voc a pessoa mais brilhante que j conheci.

    Obrigado. No me agradea, a pura verdade. Mas no venha resmungar aqui

    feito uma gralha porque ainda no ganhou o prmio Nobel, pelo amor de Deus Trinta anos Olhe, vou lhe dizer o que penso dos grandes roman-ces Prmio Nobel da Estupidez o que voc merece.

    Mas como foi que voc fez, Harry? Seu livro, As origens do mal. uma obra-prima! E era apenas o seu segundo livro Como foi que voc fez? Como se escreve uma obra-prima?

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    Harry abriu um sorriso triste: Marcus: obras-primas no se escrevem. Elas existem por si mes-

    mas. E, alm disso, se quer mesmo saber, para muita gente simples-mente o nico livro que escrevi Quer dizer, nenhum dos outros que o sucederam fizeram o mesmo sucesso. Quando falam de mim, pensam na mesma hora e quase exclusivamente em As origens do mal. E isso triste, porque acho que se aos trinta anos me falassem que eu atingira o pice da minha carreira, com certeza eu teria me jogado no mar. No tenha tanta pressa.

    Voc se arrepende desse livro? Talvez Um pouco No sei No gosto muito do conceito de

    arrependimento: ele significa que no assumimos o que fomos. Mas ento o que devo fazer? O que sempre fez de melhor: escrever. E, se me permite um conse-

    lho, Marcus, no faa como eu. Somos muito parecidos, voc sabe, ento o estou intimando a no repetir os erros que cometi.

    Que erros? Eu tambm, no vero em que cheguei aqui, em 1975, queria escre-

    ver um grande romance de qualquer maneira, estava obcecado com essa ideia e com vontade de me tornar um grande escritor.

    E conseguiu Voc no entende: claro que hoje sou um grande escritor como

    voc diz, mas vivo sozinho nesta casa imensa. Minha vida vazia, Mar-cus. No faa como eu. No se deixe levar pela ambio. Caso contr-rio, seu corao ficar sozinho e sua chama, apagada. Por que voc no tem uma namorada?

    No tenho namorada porque no encontro ningum que me agrade de verdade.

    Acho que o problema que voc trepa da mesma forma que escre-ve: o xtase ou nada. Encontre uma moa decente e d a ela uma chance. Faa a mesma coisa com seu livro: d uma chance a si mesmo tambm. D uma chance sua vida! Sabe qual minha principal ocupao? Alimentar as gaivotas. Junto po dormido naquela lata com os dizeres LEMBRANA DE ROCKLAND, MAINE, que fica na cozinha, e jogo para as gaivotas. No se deve escrever o tempo todo

    Apesar dos conselhos de Harry, eu continuava aturdido: como ele prprio, na minha idade, tivera o clique, aquele momento de gnio que

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    lhe permitira escrever As origens do mal? Essa pergunta foi me deixan-do cada vez mais obcecado, e, como Harry me instalara em seu escri-trio, autorizei-me a bisbilhotar um pouco. Nem podia imaginar o que iria acabar descobrindo. Tudo comeou quando abri uma gaveta procura de uma caneta e deparei com um caderno e algumas folhas avulsas: os originais de Harry. Fiquei animadssimo: era a oportunida-de de entender como Harry trabalhava, saber se suas anotaes esta-vam cobertas de rasuras ou se o gnio lhe advinha naturalmente. Insacivel, comecei a explorar sua biblioteca em busca de outros pa-pis, na esperana de encontrar o manuscrito de As origens do mal. Para ter o terreno livre, eu precisava esperar Harry sair de casa; ora, era s quintas-feiras que ele dava aula em Burrows, saindo cedo pela manh e s retornando, geralmente, no final do dia. Foi assim que, na tarde da quinta-feira, 6 de maro de 2008, ocorreu um incidente que decidi esquecer na mesma hora: descobri que Harry mantivera um caso com uma garota de quinze anos quando ele tinha trinta e quatro. Isso acontecera por volta de 1975.

    Desvendei seu segredo quando, vasculhando freneticamente e sem cerimnia as prateleiras de seu escritrio, encontrei, escondida atrs dos livros, uma grande caixa de madeira laqueada, fechada por uma tampa com dobradias. Senti que ali poderia estar meu Santo Graal, o original de As origens do mal. Peguei a caixa e a abri, mas, para minha grande decepo, no havia original algum l dentro: apenas um mon-te de fotografias e artigos de jornal. As fotos mostravam Harry ainda jovem trinta e poucos anos, esbelto, elegante, altivo e, a seu lado, uma adolescente. Havia quatro ou cinco fotos e ela aparecia em todas. Numa delas, Harry estava numa praia, com o torso nu, bronzeado e musculoso, puxando para si aquela adolescente risonha, com os culos escuros enfiados no longo cabelo louro para prend-lo, beijando-o no rosto. O verso da fotografia trazia uma anotao: Nola e eu, Marthas Vineyard, final de julho de 1975. Nesse instante, entusiasmado com mi-nha descoberta, no notei a presena de Harry, que chegara da univer-sidade antes do horrio habitual: no ouvi os rangidos dos pneus de seu Corvette no cascalho da entrada de Goose Cove nem o som de sua voz quando ele entrou na casa. No ouvi nada porque, na caixa, debai-xo das fotografias, encontrei uma carta sem data. Uma letra infantil, num belo papel, dizia:

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    No se preocupe, Harry, no se preocupe comigo, darei um jeito de encontr-lo. Espere por mim no quarto 8, gosto desse nmero, o meu preferido. Espere por mim nesse quarto s 19 horas. Ento, iremos em-bora para sempre.

    Amo muito voc.Com todo o meu carinho,

    Nola

    Afinal, quem era essa Nola? Com o corao disparado, comecei a vascu-lhar os recortes de jornal: todas as reportagens mencionavam o desapareci-mento enigmtico, em uma noite de agosto de 1975, de uma certa Nola Kellergan; e a Nola das fotos dos jornais correspondia Nola das fotos de Harry. Foi nesse momento que Harry adentrou o escritrio, tendo em mos uma bandeja com xcaras de caf e um prato de biscoitos, que ele deixou cair quando, empurrando a porta com o p, encontrou-me de ccoras no tapete, com o contedo de sua caixa secreta espalhado a minha frente.

    Mas O que est fazendo? gritou ele. Voc voc est bisbi-lhotando, Marcus? Eu o convido para minha casa e voc revira as minhas coisas? Que tipo de amigo voc?

    Balbuciei explicaes nada convincentes: Apareceu na minha frente, Harry. Encontrei a caixa por acaso. No

    devia ter aberto Sinto muito. No devia mesmo! Com que direito fez isso?! Com que direito,

    porra?Ele arrancou as fotos das minhas mos, recolheu os recortes de jornal e

    recolocou tudo misturado dentro da caixa, que levou para o quarto, onde se trancou. Eu nunca o tinha visto assim, no podia dizer se estava em p-nico ou furioso. Do outro lado da porta, me atrapalhei com as desculpas, explicando que no quisera mago-lo, que topara com a caixa sem querer, mas de nada adiantou. Ele s saiu do quarto duas horas mais tarde e desceu direto para a sala para virar algumas doses de usque. Quando me pareceu um pouco mais calmo, fui a seu encontro.

    Harry Quem essa garota? perguntei gentilmente.Ele olhou para o cho. Nola. Quem Nola?

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    No pergunte quem Nola. Por favor. Harry, quem Nola? insisti.Ele balanou a cabea. Eu a amei, Marcus. Amei demais. Mas por que nunca me falou dela? complicado Nada complicado para os amigos.Ele encolheu os ombros. Como j encontrou as fotos, no faz muita diferena se eu contar

    Em 1975, eu havia acabado de chegar a Aurora, e me apaixonei por essa garota, que tinha apenas quinze anos. O nome dela era Nola e foi a mulher da minha vida.

    Houve um breve silncio, ao fim do qual perguntei, abalado: O que aconteceu com Nola? Uma histria srdida, Marcus. Ela desapareceu. Numa noite do fim

    de agosto de 1975, ela desapareceu aps ter sido vista por uma vizinha, sangrando. Se voc abriu a caixa, com certeza viu as matrias. Nunca a encontraram, ningum sabe o que aconteceu com ela.

    Que horror murmurei.Ele balanou a cabea demoradamente. Sabe desabafou ele , Nola mudou a minha vida. E eu nem te-

    ria me importado em me tornar o grande Harry Quebert, o talentoso es-critor. Teria ligado pouco para a glria, o dinheiro, meu grande destino, se pudesse ter continuado com ela. Nada do que fiz depois dela deu tanto sentido minha vida quanto o vero que passamos juntos.

    Era a primeira vez desde que o conhecera que eu via Harry to pertur-bado. Aps me observar por um instante, ele acrescentou:

    Marcus, ningum nunca soube dessa histria. Voc agora o nico a saber. E deve guardar segredo.

    Claro. Prometa! Prometo, Harry. Ser nosso segredo. Se algum em Aurora descobrir que tive um caso com Nola Keller-

    gan, isso poderia ser o meu fim Pode confiar em mim, Harry.

    * * *

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    Foi tudo o que fiquei sabendo a respeito de Nola Kellergan. No falamos mais sobre ela, nem sobre a caixa, e decidi enterrar para sempre esse epis-dio nos abismos de minha memria, sem nem desconfiar de que, por um acaso das circunstncias, o fantasma de Nola ressurgiria em nossas vidas alguns meses depois.

    Retornei a Nova York no final de maro, aps seis semanas em Aurora que em nada me ajudaram a criar meu prximo grande romance. Eu es-tava a trs meses do prazo imposto por Barnaski e sabia que no havia mais como salvar minha carreira. Eu queimara minhas asas, estava oficial-mente em decadncia, era o mais infeliz e improdutivo dos escritores nova-iorquinos. As semanas foram passando: dediquei o mximo de meu tempo a preparar ardorosamente minha defesa. Arranjei outro emprego para Denise, fiz contato com advogados que poderiam revelar-se teis quando a Schmid & Hanson resolvesse me levar justia e organizei uma lista de meus objetos preferidos para esconder na casa de meus pais antes que os oficiais de justia batessem minha porta. Quando junho come-ou, o ms fatdico, o ms do cadafalso, comecei a contar os dias que fal-tavam para minha morte artstica: trinta nfimos dias, depois uma convocao ao escritrio de Barnaski com vistas execuo. A contagem regressiva tinha comeado. Eu no desconfiava de que um incidente dra-mtico iria mudar o jogo.

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