costa-cristina-parte 02 - a sociologia pré-científica

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  • 7/23/2019 Costa-Cristina-PARTE 02 - A Sociologia Pr-Cientfica

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    A SOCIOLOGIA

    PR CIENTFICA

    1 O Renascimento

    A Ilustrao e a sociedade contratual

    3 A crise das explicaes religiosas e o

    triunfo da cincia

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    1

    o Renasc imen to

    Introduo

    o Renascimento, talvez mais do que a maioria dos diversos momentos

    histricos, suscita grandes controvrsias. H quem veja nesse movimento

    filosfico e artstico o momento de ruptura entre o mundo medieval- com

    suas caractersticas de sociedade agrria, estamental, teocrtica e fundiria

    - e o mundo moderno urbano, burgus e comercial.

    Mudanas significativas ocorrem na Europa a partir de meados do scu-

    loXVlanando as bases do que viria a ser, sculos depois, o mundo contempo-

    rneo. A Europa medieval, relativamente estvel e fechada, inicia um processo

    de abertura e expanso comercial e martima. A identidade das pessoas, at

    ento baseada no cl e na propriedade fundiria, vai sendo progressivamente

    substituda pela identidade nacional e pelo individualismo. A mentalidade vai

    se tornando paulatinamente laica - desligada das questes sagradas e

    transcendentais -, as preocupaes metafsicas vo convivendo com outras

    mais imediatistas e materiais, centradas principalmente no homem.

    Embora as preocupaes metafsicas e filosficas tenham importado ao

    homem desde a Antigidade, no Renascimento a nova sociedade que emer-

    ge exige a distino entre conhecimento especulativo e pragmtico.

    Diferentes vises do Renascimento

    Alguns historiadores tm uma viso otimista do Renascimento, como a

    tiveram tambm aqueles que assim o batizaram, por terem erroneamente

    considerado a Idade Mdia como a Idade das Trevas e do obscurantismo.

    Para eles as mudanas que ocorreram na Europa, principalmente na Itlia, e

    depois na Inglaterra e Alemanha, foram essencialmente positivas e respons-

    veis pelo desenvolvimento do comrcio e da navegao, do contato com ou-

    tros povos, pela proliferao de obras de arte e de obras filosficas. Nessa

    tica fo i omovimento renascentista que promoveu o renascer da cultura e da

    erudio, o gosto pelo saber, alm de

    t los

    aos poucos, posto disposio

    da populao em geral.

    Mas h tambm os historiadores mais pessimistas, que conseguem

    perceber nessa poca um perodo de grande turbulncia social e poltica. Para

    essa anlise, esses historiadores apiam-se na falta de unidade poltica e reli-

    giosa, nos grandes conflitos existentes entre as naes, nas guerras intermi-

    nveis, nas inquisies e perseguies religiosas, no esforo de conservao

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    o

    RENASCIMENTO

    de um mundo que agonizava, caractersticas marcantes do perodo. Conside-

    ram sintomas de tudo isso os exlios, as condenaes e os longos processos

    polticos e eclesisticos, os grandes genocdios que a Europa promoveu na

    Amrica e o ressurgimento da escravido como instituio legal.

    De fato, um certo clima de fim de mundo perpassa a produo artstica

    do perodo, expresso na

    Divina comdia

    de Dante Alighieri, no

    Juzo final

    de

    Michelngelo, pintado na Capela Sistina e em vrios quadros do artista

    flamengo Heironymus Bosch. Um clima de insegurana e instabilidade per-

    passa a todos nessa poca de profunda transio.

    A retomada do esprito especulativo

    De qualquer maneira, o Renascimento marca uma nova postura do ho-

    mem ocidental diante da natureza e do conhecimento. Iuntamente com o

    descrdito na Igreja como instituio e o conseqente aparecimento de no-

    vos credos e seitas - que conclamavam os fiis a uma leitura interpretativa

    das escrituras -, o homem renascentista retoma a crena no pensamento

    especulativo. O conhecimento deixa de ser revelado, como resultado de uma

    atividade de contemplao e f, para voltar a ser o que era antes entre gregos

    e romanos - o resultado de uma bem conduzida atividade mental.

    Assim como a cincia, a arte tambm se volta para a realidade concreta,

    para o mundo terreno, numa nsia por conhec-lo, descrevendo-o, analisan-

    do-o, medindo-o, quer com medidas precisas, quer

    por meio de uma perspectiva geomtrica e plana.

    O visvel tambm inteligvel, afirmava Leo-

    nardo da Vinci, encantado com as possibilidades de

    conhecimento pelo do uso dos sentidos.

    Por outro lado, a vida terrena adquire cada vez

    mais importncia e com ela a prpria histria, que

    9

    Ilustrao da

    vina

    comdia

    e sc nta p or

    Dante

    Alighren.

    Nela,

    o a rt is ta expressa

    sua viso da

    sociedade da poca

    o

    Renascimento se caracteriza

    por uma nova postura do homem

    ocidental diante da natureza e do

    conhecimento.

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    A SOCIOLOG IA P R -CIENTF ICA

    Em cenas como a desse

    banquete de Botticelli, os

    pintores renascentistas

    exaltavam a vida terrena.

    Detalhe do Juzo final (1536-1541), afresco de

    Michelangelo.

    o

    . .

    : : : l

    a:

    ~

    a:

    passa a ter uma dimenso eminentemente huma-

    na. Estimulado pelo individualismo e liberto dos

    valores que o prendiam irremediavelmente fam-

    lia e ao cl, o homem j concebe seu papel na his-

    tria como agente dos acontecimentos. Ele vai aos

    poucos abandonando a concepo que o tomava

    por pecador e decado, um ser em permanente d-

    vida para com Deus, para se tomar, na nova pers-

    pectiva, o agente da histria.

    Shakespeare evoca constantemente em suas

    peas a tragdia do homem diante de suas opes

    e sentimentos, enquanto Michelngelo faz quase

    se encontrarem os dedos de Deus e Ado na cena

    da Criao.

    nesse ambiente de renovao que o pen-

    samento cientfico tomar novo flego e, com ele,

    o pensamento acerca da vida social.

    Um novo pensamento social

    Num mundo que se toma cada vez mais laico e livre da tutela da Igreja

    Catlica, o homem se sente livre para pensar e criticar a realidade que v e

    vivencia. Sente-se livre para analisar essa realidade como algo em si mesmo e

    no como um castigo que Deus lhe reservou. E, assim como os pintores que

    se debruaram nas mincias das paisagens, na disposio das figuras numa

    perspectiva geomtrica, os filsofos tambm passam a questionar e dissecar

    a realidade social. A vida dos homens passa a ser fruto de suas aes e esco-

    lhas, e no dos desgnios da justia divina.

    Novas instituies polticas e sociais, estados nacionais, exrcitos, le-

    vam os homens a repensar a vida social e a histria.

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    o

    RENASCIMENTO

    Ao mesmo tempo, emerge uma nova classe social- a burguesia comer-

    cial-, com novas aspiraes e interesses, que renova o pensamento social.

    Nessa viso humana e especulativa da vida social est o germe do pen-

    samento social moderno que vai se expressar na literatura, na pintura, na

    filosofia e, em especial, na literatura utpica de Thomas Morus A Utopia ,

    Tommaso Campanella

    A cidade do Sol

    e Francis Bacon

    Nova Atlntida .

    As utopias

    Como Plato, os filsofos renascentistas tentaram imaginar uma socie-

    dade perfeita. Assim como a Atlntida, surge atravs da pena de Thomas

    Morus uma comunidade onde todas as solues foram encontradas: a Uto-

    pia. Uma ilha cujo nome significa nenhum lugar , onde existe harmonia,

    equilbrio e virtude.

    Desse modo, o pensamento social no Renascimento se expressa na

    criao imaginria de mundos ideais que mostrariam como a realidade de-

    veria ser, sugerindo entretanto que tal sociedade seria construda pelos

    homens com sua ao e no pela crena ou pela f.

    Utopia uma ilha onde reina a igualdade e a concrdia. Todos tm sob

    as mesmas condies de vida e executam em rodzio os mesmos trabalhos. A

    igualdade e os ideais comunitrios so garantidos por uma monarquia cons-

    titucional. Cada grupo de 30 famlias escolhe um representante para o conse-

    lho que elege o imperador; este permanece at o fim da vida como soberano,

    sob o olhar vigilante do conselho, que opina sobre cada ato real e pode con-

    sultar previamente as famlias, quando considerar necessrio. .

    Alm da igualdade quanto ao estilo de vida e ao trabalho, tambm a

    distribuio de alimentos se d de forma comunitria. No h necessidade

    de pagar por nada, porque h de tudo em profuso, uma vez que a vida

    simples, sem luxo e todos trabalham.

    Em A Utopia, Thomas Morus expressa os ideais de vida moderada,

    igualitria e laboriosa, semelhantes aos praticados pelos monges nos mostei-

    ros pr-renascentistas, assim como defende, em termos polticos, a monar-

    quia absoluta.

    Utopia

    vem dos termos gregos

    u

    (no) e

    topos

    (lugar). Significaria literalmente nenhum

    lugar . Corresponde na histria do conhe-

    cimento a essa evocao, atravs de uma

    aspirao, sonho ou desejo manifesto, de um

    estado de perfeio sempre imaginrio. Na

    medida, entretanto, em que a utopia enfoca um

    estado de perfeio, ela realiza, por oposio,

    um exerccio de anlise, crtica e denncia da

    sociedade vigente. O estado de perfeio

    ensejado na utopia necessariamente aquele

    no qual se tornam evidentes as imperfeies

    da realidade em que se vive.

    Mas, apesar de seu carter de evaso da

    realidade, a utopia revela uma apurada

    crtica ordem social, podendo inclusive se

    transformar em autntica fora revolucionria,

    como indicam os grandes movimentos

    messinicos vividos pela humanidade, ou

    seja, aqueles movimentos que tm por meta

    a reduo da humanidade ou a salvao

    do mundo.

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    A SOCIOLOG IA PR -C IENTF ICA

    recusando-se a jurar fidelidade

    Igreja

    Anglicana fundada pelo rei, em parte por ser

    catlico e em parte por ser contrrio aos

    desmandos da autoridade real. Foi preso,

    condenado e executado. Em 1935 foi

    canonizado pela Igreja Catlica e sua festa

    celebrada em 6 de julho, dia de sua morte.

    Sua grande obra

    A Utopia.

    Thomas Morus

    (1478-1535)

    SeriaA Utopia uma obra sociolgica? No no sentido moderno ou cient-

    fico do conceito, mas como expresso das preocupaes do filsofo com a vida

    social e com os problemas de sua poca. Toda a vida ou, como o prprio autor

    chama, o regime social dos utopienses demonstra claramente a preocupao

    com o estabelecimento de regras sociais mais jus-

    tas e humanas como resposta s crticas que o au-

    tor fez em relao Inglaterra de seu tempo.

    Analisar a sociedade em suas contradies

    e visualizar uma maneira de resolv-Ias, acredi-

    tar que da organizao das relaes polticas,

    econmicas e sociais derivam a felicidade do ho-

    mem e seu bem-estar , seguramente, o germe

    do pensamento sociolgico.

    E, refletindo basicamente os anseios de sua poca, Thomas Morus con-

    sidera esse mundo ideal possvel, graas ao plano sbio de um monarca abso-

    luto: Utopos, fundador da Utopia.

    O monarca esclarecido, justo e sbio o ideal poltico do Renascimento,

    organizador das sociedades perfeitas criadas pela literatura de Thomas

    Morus e de outros.

    Nasceu em Londres. Foi pensador,

    estadista, advogado e membro da Cmara

    dos Comuns. Como bom humanista,

    desenvolveu estudos sobre o grego antigo.

    Em 1518, foi nomeado membro do Conselho

    Secreto de Henrique VIII e chegou em 1529 a

    ocupar o mais alto cargo do reino. Ops-se

    anulao do casamento de Henrique VIII,

    Analisar as contradies sociais e

    procurar resolv-Ias, acreditar que

    o bem-estar do homem depende

    das condies sociais

    o germe

    do pensamento sociolgico.

    Maquiavel: O criador da cincia poltica

    Nicolau Maquiavel, pensador florentino, escreveu um livro, O

    prncipe

    dedicado a Loureno de Mdici (1449-1492), governador de Florena, prote-

    tor das artes e das letras, ele mesmo um ditador. Nesse livro, Maquiavel se

    prope a explorar as condies pelas quais um monarca absoluto capaz de

    fazer conquistas, reinar e manter seu poder.

    Como Thomas Morus, Maquiavel acredita que o poder depende das

    caractersticas pessoais do prncipe - suas virtudes -, das circunstncias

    histricas e de fatos que ocorrem independentemente de sua vontade - as

    oportunidades. Acredita tambm que do bom exerccio da vida poltica de-

    pende a felicidade do homem e da sociedade. Mas, sendo mais realista do

    que seus companheiros utopistas, Maquiavel faz de O prncipe um manual

    de ao poltica, cujo ideal a conquista e a manuteno do poder. Disserta

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    o

    RENASCIMENTO

    23

    destronado por Loureno de Mdici. A partir de

    ento, limitou-se a ensinar e a escrever sobre

    a arte de governar e guerrear. considerado o

    fundador da cincia poltica e, segundo alguns,

    nesse campo jamais foi superado. Suas

    principais obras so: O prncipe e Discursos

    sobre a primeira dcada de Tito Lvio.

    Nicolau Maquiavel

    (1469-1527)

    Nasceu em Florena, mas fez sua carreira

    diplomtica em diversos pases da Europa. De

    1502 a 1512 esteve a servio de Soderini,

    presidente perptuo de Florena. Ajudava-o

    nas decises polticas, escrevia-lhe discursos

    e reorganizou o exrcito florentino. Foi exilado

    e afastado da vida pblica quando Soderini foi

    a respeito das relaes que o monarca deve

    manter com a nobreza, o clero, o povo e seu

    ministrio. Mostra como deve agir o sobera-

    no para alcanar e preservar o poder, como

    manipular a vontade popular e usufruir seus

    poderes e aliados. Faz uma anlise clara das

    bases em que se assenta o poder poltico: como

    conseguir exrcitos fiis e corajosos, como cas-

    tigar os inimigos, como recompensar os alia-

    dos, como destruir, na memria do povo,a ima-

    gem dos antigos lderes.

    A viso laica da sociedade e

    do poder

    Em relao ao desenvolvimento do pen-

    samento sociolgico, Maquiavel teve mais xi-

    to do que Thomas Morus, na medida em que

    seu objetivo foi conhecer a realidade tal co-

    mo se lhe apresentava, em vez de imaginar

    como ela deveria ser.

    De qualquer maneira, nas obras de Thomas Morus e de Maquiavel per-

    cebemos como as relaes sociais passam a constituir objeto de estudo dota-

    do de atributos prprios e deixam de ser, como no passado, conseqncia do

    acaso ou das qualidades pessoais dos sujeitos. A vida dos homens j aparece,

    nessas obras, como resultado das condies econmicas e polticas e no de

    sua f ou de sua conscincia individual.

    Alm disso, esses filsofos expressam os novos valores burgueses ao

    colocar os destinos da sociedade e de sua boa organizao nas mos de um

    indivduo que se distingue por caractersticas pessoais. A monarquia propos-

    ta no Renascimento no se assenta na legitimidade do sangue ou da linha-

    gem, na herana ou na tradio, mas na capacidade pessoal do governante e

    sua sabedoria. A histria, tanto como cincia quanto como conhecimento dos

    fatos, passa a ter um papel relevante nesse novo contexto. Desconhecer a

    histria desconhecer a evoluo e as leis que regem a sociedade onde se

    Nicolau Maquiavel, autor de O

    prncipe,

    considerado

    o fundador da cincia poltica.

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    A SOCIOL OG IA P R -C IE NT F IC A

    vive. Nessa idia de monarquia se baseia a aliana que a burguesia estabele-

    ce com os reis para o surgimento dos estados nacionais, onde a ordem social

    ser tanto mais atingvel quanto mais o soberano agir como estadista, pondo

    em marcha as foras econmicas do capitalismo em formao.

    B t i v i d a d e s

    1 Qual era a forma de identidade social do homem medieval?

    2. O que voc aprendeu neste captulo sobre a mentalidade do homem renascentista?

    3. Como a tutela da Igreja impedia o florescimento do pensamento e da crtica social?

    4 Voc acha que, hoje, a Igreja Catlica impede ou incentiva o desenvolvimento do pensamento e

    da crtica social? Faa uma pesquisa a respeito utilizando notcias sobre as campanhas empreen-

    didas pela Igreja e que esto presentes nos meios de comunicao de massa.

    5 O que voc entendeu por utopia? Escreva com suas palavras a partir do que foi expresso no

    texto.

    Faa uma pesquisa e discuta os significados que as pessoas do comumente ao termo

    utopia.

    7 E, como disse ter sido preciso, para que fosse conhecida a virtude de Moiss, que o povo de

    Israel fosse escravo do Egito; para conhecer-se a grandeza de alma de Ciro, que estivessem os

    persas oprimidos pelos medas - assim modernamente, desejando-se conhecer o valor de um

    prncipe italiano, seria preciso que a Itlia chegasse ao ponto em que hoje se encontra. Que esti-

    vesse mais escravizada do que os hebreus, mais oprimida que os persas, mais dispersa que os

    atenienses, sem chefe, sem ordem, batida, espoliada, lacerada, invadida, e que houvesse, por

    fim, sofrido toda espcie de calamidade. (p. 81)

    Nesse trecho de O

    prncipe

    como Maquiavel descreve a situao da Itlia?

    8 Comparando as propostas de Thomas Morus e Maquiavel, que aspectos elas tm em comum?

    9 Em que sentido a obra de Maquiavel se distingue das demais manifestaes de literatura utpica?

    1 Faa com o seu grupo de trabalho o seguinte exerccio: a partir do levantamento de crticas

    sua

    sociedade, descreva uma sociedade utpica na qual essas questes seriam solucionadas.

    Aplicao de conceitos

    1 A idia de que existe um espao onde reina a felicidade e onde as necessidades do homem

    sero satisfeitas est presente na literatura em todos os tempos. A literatura brasileira tem um bom

    exemplo - o poema de Manuel Bandeira, Vou-me embora pra Pasrgada , em que ele descreve

    assim sua utopia:

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    o

    RENASCIMENT O

    5

    Vou-me embora pra Pasrgada

    L sou amigo do rei

    L tenho a mulher que eu quero

    Na cama que escolherei

    Vou-me embora pra Pasrgada

    Vou-me embora pra Pasrgada

    Aqui eu no sou feliz

    L a existncia

    uma aventura

    De tal modo inconseqente

    Que Joana a Louca de Espanha

    Rainha e falsa demente

    Vem a ser contraparente

    Da nora que nunca tive

    E como farei ginstica

    Andarei de bicicleta

    Montarei um burro brabo

    Subirei no pau-de-sebo

    Tomarei banhos de mar

    E quando estiver cansado

    Deito na beira do rio

    Mando chamar a me-d'gua

    Pra me contar as histrias

    Que no tempo de eu menino

    Rosa vinha me contar

    Vou-me embora pra Pasrgada

    Em Pasrgada tem tudo

    outra civilizao

    Tem um processo seguro

    De impedir a concepo

    Tem telefone automtico

    Tem alcalide

    vontade

    Tem prostitutas bonitas

    Para a gente namorar

    E quando eu estiver mais triste

    Mas triste de no ter jeito

    Quando de noite me der

    Vontade de me matar

    - L sou amigo do rei -

    Terei a mulher que eu quero

    Na cama que escolherei

    Vou-me embora pra Pasrgada.

    Manuel Bandeira.

    Estrela da vida inteira.

    Rio de Janeiro. Jos Olyrnpio,

    1974

    Analise o poema e tente imaginar essa utopia do poeta retirando dela os princpios de ordem

    social criados nessa sociedade ideal para o escritor.

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    A SOCIOLOG IA PR-CIENTIFICA

    2 Em Romeu e Julieta Shakespeare aborda o conflito entre o indivduo e a sociedade, uma vez

    que o drama dos amantes de Verona decorre da oposio entre as regras sociais vigentes e a vonta-

    de individual dos heris. Na seguinte fala de Julieta essa questo fica clara:

    Somente teu nome meu inimigo. Tu s tu mesmo, sejas ou no um

    Montechio. Que um Montechio? No mo, nem brao nem rosto, nem outra

    parte qualquer pertencente a um homem. Oh s outro nome Que h em um nome?

    O que chamamos de rosa, com outro nome exalaria o mesmo perfume to agrad-

    vel; e assim, Romeu, se no se chamasse Romeu, conservaria essa cara perfeio

    que possui sem o ttulo. Romeu, despoja-te de teu nome, que no faz parte de ti,

    toma-me toda inteira

    Analise o contedo social desse texto e perceba como j se colocava no Renascimento a per-

    cepo da relao indivduo e sociedade.

    3 Analise o detalhe do Juzo final afresco pintado por Michelngelo na Capela Sistina, e procu-

    re identificar os elementos renascentistas presentes na pintura.

    4 Vdeos:

    a)

    Agonia

    e

    xtase

    (EUA, 1965. Direo de Carol Reed. Baseado no romance de

    Irving Stone. Durao: 140 min.) - Um pequeno documentrio dramatizando os conflitos de valores,

    arte, religio e realizao pessoal entre o pintor renascentista italiano Michelngelo e seu patrocina-

    dor, o papa Jlio

    1 1

    Observe como se estrutura a Igreja e a sociedade em torno de valores burgueses emergentes.

    b) Giordano Bruno (Itlia, 1973. Direo de Giuliano Montaldo. Durao: 123 min.) - Esse filme

    mostra a sociedade italiana do sculo XVI na qual o filsofo e astrnomo Giordano Bruno condena-

    do morte pela Inquisio por se opor tradio geocntrica da Igreja Catlica.

    Aborda o conflito entre a cincia e a religio na tica de Giordano e da Igreja Catlica.

    Tema para debate

    Fico cientfica a utopia contempornea

    A literatura utpica apontada como tendo surgido na Grcia, com Plato, em

    seus livros Timeu e Crities e com Aristfanes, em Os pssaros. Depois deles, Luciano

    Samosata, prosador grego do sculo

    1 1

    tambm se dedicou ao gnero. Outros filso-

    fos como Swift e Voltaire escreveram obras utpicas bastante conhecidas.

    Kingsley Amis, estudioso da matria, considera A Utopia de Thomas Morus,

    e Nova Atlntida de Francis Bacon, os melhores exemplos do gnero, por reuni-

    rem forte crtica social e inveno criadora. Por isso, considera-as precursoras da

    fico atual, de onde brotariam as utopias contemporneas.

    H. L. Gold, diretor da revista de fico cientfica Galaxy afirma: Poucas coi-

    sas revelam to nitidamente quanto a fico cientfica os desejos, as esperanas,

    os temores, os conflitos interiores e as tenses de uma poca, ou definem com

    tanta exatido as suas limitaes .

    Voc acha que

    a

    fico cientfica representa uma crtica

    sociedade? Justifique sua resposta

    a

    partir de um texto ou de um filme de fico cientfica que voc conhea.

  • 7/23/2019 Costa-Cristina-PARTE 02 - A Sociologia Pr-Cientfica

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    o RENAS CIMENTO

    l e i t u r s o m p l e m e n t r e s

    1

    [Sobre o surgimento do pensamento crtico Maquiavel]

    extremamente provvel que tenha sido o trato cotidiano com assuntos po-

    lticos que, pela primeira vez, deu conscincia e senso crtico ao homem face ao

    elemento ideolgico de seu pensamento. Durante a Renascena, entre os

    concidados de Maquiavel, emergiu um novo adgio chamando a ateno para

    uma observao comum na poca - que era a de que o pensamento do palcio

    uma coisa, e o da praa pblica outra. Isto era uma expresso do crescente grau

    em que o pblico ganhava acesso aos segredos da poltica. Podemos aqui obser-

    var o incio do processo no decorrer do qual o que antes havia sido apenas uma

    ecloso ocasional de suspeita de ceticismo, face aos pronunciamentos pblicos,

    evoluiu para uma procura metdica do elemento ideolgico em todos eles. A diver-

    sidade de formas de pensamento entre os homens ainda, neste estgio, atribu-

    da a um fator que, sem exagerar o termo indevidamente, poderia ser denominado

    sociolgico. Maquiavel, em sua profunda racional idade, tomou como tarefa espe-

    cfica relacionar as variaes das opinies dos homens s variaes correspon-

    dentes em seus interesses. De acordo com sua prescrio de

    medicina forte

    para

    toda subjetividade das partes interessadas em uma controvrsia, Maquiavel pare-

    cia estar explicitando e estabelecendo como regra geral do pensamento o que

    estava implcito no adgio de seu tempo.

    Karl Mannheim, Ideologia e utopia p. 89.

    2

    [A repblica para Maquiavel]

    A repblica outro tema fundamental de Maquiavel. Nos

    Comentrios sobre

    a primeira dcada de Tito Lvio, o secretrio florentino analisa a liberdade como

    fruto do conflito entre pobres

    e

    ricos no interior do corpo poltico. No texto de

    Newton Bignotto podemos observar:

    Deixando de lado a questo tradicional das origens das instituies, que

    parecia ser o melhor caminho para a compreenso do tema que nos interessa,

    nosso autor nos mostra no somente que a liberdade deve ser pensada a partir

    dos conflitos internos de uma cidade, mas tambm que nossas idias sobre a

    criao das instituies polticas devem ser revistas. A liberdade, to adorada

    pelos florentinos, mas to pouco realizada, o produto de foras em luta, o resul-

    tado de um processo que no pode ser extinto com o tempo. Os conflitos so os

    produtores da melhor das instituies, e no o elemento incongruente de um

    perodo infeliz na histria de um povo. Maquiavel resume seu pensamento numa

    frase lapidar: ... e deve-se considerar como existem em toda repblica dois hu-

    mores diversos: o do povo e o dos grandes, e toda lei que se faz em favor da

    liberdade nasce da desunio entre eles.

    Para passar da idia de uma sociedade ideal inteiramente voltada para a

    paz ao elogio da sociedade tumulturia, foi preciso um enorme esforo de elabora-

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    A SOCIOLOG IA PR-CIENTFICA

    o. Para fortalecer a criao de um novo continente, Maquiavel lanou mo do

    fato de que nenhuma sociedade viveu at hoje sem conflitos. Se isso no prova

    que eles tiveram um papel positivo na histria, demonstra, pelo menos, que uma

    sociedade totalmente imersa na paz talvez a fico de mentes bondosas, mas

    no o espelho da condio humana. A novidade, portanto, no a afirmao da

    maldade dos homens, mas a de que essa maldade no impede a criao de insti-

    tuies boas. Mais radicalmente ainda, podemos dizer que da propenso ao con-

    flito que nasce a possibilidade da liberdade. A liberdade , portanto, o resultado de

    conflitos, uma soluo possvel de uma luta que no pode ser extinta por nenhuma

    criao humana. De uma problemtica antropolgica passamos a conceber a pol-

    tica como uma forma da guerra. Mas a guerra no significa aqui a pura nega-

    tividade, ela aponta para o verdadeiro ponto de partida de toda reflexo sobre a

    poltica, que a existncia de desejos opostos na plis.

    Voltando, assim, ao tema dos desejos opostos que povoam as cidades,

    aprendemos com a seqncia do texto que o desejo do povo que est mais

    prximo da liberdade, pois, no sendo um desejo de poder, mostra uma face im-

    portante da liberdade: a no-opresso. E os desejos dos povos livres raras vezes

    so perniciosos liberdade, porque nascem ou da opresso que eles sofrem, ou

    da suspeio de que podero sofr-Ia.

    Das duas foras principais que dividem a cidade, no podemos dizer que

    elas sejam o inverso simtrico uma da outra. O povo, no visando mesma coisa

    que os grandes, no pode ser compreendido pela imagem do inimigo organizado

    num campo de batalha. Da resulta que a liberdade no um meio-termo esttico

    que satisfaz os desejos dos dois oponentes. Tal fim absolutamente impossvel

    de ser alcanado por dois adversrios que no tm o mesmo objetivo. A liberdade,

    mais do que uma soluo permanente para as lutas internas de uma cidade, o

    signo de sua capacidade de acolher foras que, no podendo ser satisfeitas, no

    deixam de buscar meios de se exprimir.

    Newlon Bignotto,

    Maquiavel republicano

    So Paulo, Loyola, 1991, p. 85.

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    A Ilu s tra o e a s oc ied ad e co n t ratu al

    Introduo: uma nova etapa no pensamento burgus

    o Renascimento desenvolveu nos homens novos valores, diferentes

    daqueles vigentes na Idade Mdia. Os valores renascentistas estavam mais

    adequados ao esprito do capitalismo, um sistema econmico voltado para a

    produo e a troca, para a expanso comercial, para a circulao crescente de

    mercadorias e para o consumo de bens materiais. Instalava-se uma socieda-

    de baseada na distino pela posse de riqueza e no pela origem, nome e

    propriedade fundiria.

    Essa mudana radical no mundo ocidental exigia uma nova ordem so-

    cial, dirigida por pessoas dispostas a buscar um espao no mundo, a compe-

    tir por mercados e a responder de forma produtiva ampliao do consumo.

    Pessoas cuja vida estivesse direcionada para a existncia terrena e suas con-

    quistas, e no para a vida aps a morte e para os valores transcendentais.

    Todas essas mudanas se anunciavam no Renascimento e se tornavam

    cada vez mais radicais medida que se adentrava a Idade Moderna e a Revo-

    luo Industrial se tornava realidade.

    A nova concepo de lucro, elaborada e praticada pelo comerciante bur-

    gus renascentista, a marca decisiva da ruptura com os valores e as idias do

    mundo medieval. O lucro no mais apenas o valor que se paga ao comerciante

    pelo trabalho realizado. O lucro expressa a premissa da acumulao, da ostenta-

    o, da diferenciao individual e assim realiza a idia de que tenho o direito de

    cobrar o mximo que uma pessoa pode pagar. A idi a e a realizao do lucro no

    eram de forma alguma novas. Eram conhecidas desde a Antigidade, a partir do

    momento em que surgiu o comrcio usando o dinheiro como equivalente de

    troca e, em decorrncia, a acumulao de riqueza. No entanto, a forma de pensar

    e praticar o lucro era distinta. Enquanto no Imprio Romano o comrcio realiza-

    do com a prtica de preos considerados abusivos era considerado ilegale pouco

    nobre , e a IgrejaCatlicaconsideravapecaminosa a atividade lucrativa, no capitalis-

    mo, o lucro tornou-se a finalidade de qualquer atividade econmica. Vejamos

    esta situao hipottica: na Grcia, um armador viviada com-

    pra, do transporte e da venda de azeitonas Europa. O preo

    final do produto remunerava o comerciante por seu trabalho

    de intermediao. Nesse preo estavam embutidas a reposi-

    o dos navios e dos escravos e a viagem de volta. Muitos

    comerciantes enriqueceram, porque agora tambm se cobra-

    va o mximo possvel pela mercadoria. Essa forma de enten-

    o

    pensamento burgus

    representou uma ruptura

    com relao ao mundo

    medieval

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    3

    A SO CiOlOG IA PR-CIENTFICA

    der o lucro era nova na histria

    efoi instaurada pela burguesia a

    partir do Renascimento.

    Se um comerciante pode

    auferir numa troca comercial o

    maior preo possvel que a si-

    tuao permite - resultante

    da relao entre oferta e procu-

    ra e de outras condies pro-

    dutivas e de mercado -, ento

    preciso que a produo seja

    organizada de forma mais

    racional e em larga escala. a

    fato de a concorrncia ser cada

    vez maior tambm exige mai-

    or racionalidade e previso. A

    procura por novas tcnicas mais eficientes se torna uma constante. Muitos

    prmios so oferecidos aos inventores, e projetos como os de Leonardo da

    Vinci, que ficaram apenas no papel, passam a fazer enorme sucesso. Desen-

    volvem-se a cincia e a tecnologia, enquanto na filosofia cada vez mais se

    procuram as raizes das formas de pensar.

    a Renascimento introduziu e desenvolveu o antropocentrismo, a

    laicidade, o individualismo e o racionalismo. Com relao vida social, pas-

    sou a conceb-Ia como uma realidade prpria sobre a qual os homens atuam;

    percebeu-se tambm a existncia de diferentes modelos - a Repblica, a

    Monarquia - e passou-se a analis-los e a defender um ou outro modelo.

    Conseguiu-se vislumbrar a oposio entre indivduo e sociedade, entre von-

    tade individual e regras sociais.

    o

    .