cosméticos de corpo e alma. publicidade, imagens e consumo ... · que mais se prega as virtudes...

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1 Cosméticos de Corpo e Alma. Publicidade, Imagens e Consumo na Indústria Cultural e Produção de Cosméticos SÉRGIO BARS Resumo O uso dos cosméticos acompanha a humanidade há muitos séculos. Na cultura contemporânea tornou-se obsessão de consumo. A indústria da estética ocupa um lugar privilegiado na economia moderna, graças ao crescente potencial das pesquisas nas áreas químicas e biológicas, aliadas ao desenvolvimento da tecnologia. Somadas ao poder da indústria cultural através da publicidade e de todos os apelos de culto ao corpo, um grande surto de templos de sedução estética espalhou-se pelas metrópoles com promessas de rejuvenescimento, glamour e distinção. A novidade é a inclusão do homem no círculo das vaidades, antes, espaço exclusivo das mulheres. Palavras chaves: cosméticos – narcisismo – imagem – sedução – corpo. Abstract Humankind has been using cosmetics since the early days of our civilization. In the contemporary world, it has become an obsession. The cosmetics Industry occupies a priviledge place in modern economics, thanks to the advance of the biological and chemical reserches, alied to better tecnology. This powerful industry gets even stronger when we add the investiments on publicity and the general concern of a population that is deeply interestet in having the most possible good image that they can. It´s a real “body cult” behavior that allows the appearence of “Aestheic Temples” in our modern cities, with the promisse of eternal yoth, glamour and distinction. The news in this cenario is the inclusion of men in this so called vanity circle, a place that once only could be occupied by women. Key Words: cosmetics - narcisism - image – seduction - body

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Cosméticos de Corpo e Alma.

Publicidade, Imagens e Consumo na Indústria Cultural e Produção de Cosméticos

SÉRGIO BARS

Resumo O uso dos cosméticos acompanha a humanidade há muitos séculos. Na cultura contemporânea tornou-se obsessão de consumo. A indústria da estética ocupa um lugar privilegiado na economia moderna, graças ao crescente potencial das pesquisas nas áreas químicas e biológicas, aliadas ao desenvolvimento da tecnologia. Somadas ao poder da indústria cultural através da publicidade e de todos os apelos de culto ao corpo, um grande surto de templos de sedução estética espalhou-se pelas metrópoles com promessas de rejuvenescimento, glamour e distinção. A novidade é a inclusão do homem no círculo das vaidades, antes, espaço exclusivo das mulheres. Palavras chaves: cosméticos – narcisismo – imagem – sedução – corpo.

Abstract

Humankind has been using cosmetics since the early days of our civilization. In the contemporary world, it has become an obsession. The cosmetics Industry occupies a priviledge place in modern economics, thanks to the advance of the biological and chemical reserches, alied to better tecnology. This powerful industry gets even stronger when we add the investiments on publicity and the general concern of a population that is deeply interestet in having the most possible good image that they can. It´s a real “body cult” behavior that allows the appearence of “Aestheic Temples” in our modern cities, with the promisse of eternal yoth, glamour and distinction. The news in this cenario is the inclusion of men in this so called vanity circle, a place that once only could be occupied by women.

Key Words: cosmetics - narcisism - image – seduction - body

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Na cultura de consumo pós-moderna, o corpo passou a ser idolatrado com inspiração sagrada, quase religiosa. A cultura religiosa cristã-católica, assim como em muitas culturas, sempre se impôs pelo fascínio das imagens, tanto no campo das artes sacras, quanto na representação de uma galeria de imagens diversificadas em variados fetiches. Signos que preenchem o imaginário popular e disseminam a fé numa relação sedimentada pela força sedutora do sagrado que invertidamente estão inseridas no objeto venerado. A diferença entre as duas formas de culto reside no fato de que ao privilegiar o corpo como referência preferencial de adoração na cultura de consumo, o sagrado deixa de ser inspirado na imagem do objeto, para aninhar-se na auto-imagem, cujo ícone magistral é narciso. A cultura do narcisimo já vem sendo apontada por consagrados pensadores como um dos mais significativos valores incorporados pela sociedade pós-industrial e cultura da pós-modernidade. Na sociedade em que mais se prega as virtudes espirituais do auto-ajuda, o corpo impõe-se como um deus a ser glorificado pela indústria da vaidade. Insere neste contexto: os cosméticos, as academias, a tecnologia, a publicidade, o esporte e, sobretudo, o universo das imagens criadoras dos simulacros e aparências. Freud introduziu o conceito de narcisismo na teoria psicanalítica, para ele o narcisismo era um estado permanente e um investimento libidinal do ego. Freud distingue a libido do ego da libido do objeto. Estabelece, contudo, uma oposição: quanto mais uma absorve, mais a outra se empobrece. Afirma, ainda que o sentimento de auto-estima depende diretamente da libido narcisista. Na publicidade a ser analisada, o conceito de auto-estima é amplamente explorado. Auto-estima é sinônimo das condições e serviços do tratamento oferecido. A publicidade, como se verá, oferece-se com valores de altruísmo. Cumpre a função missionária de salvação de egos destruídos por carregar corpos em desacordo com modelos pré-estabelecidos pela indústria da estética. A terapia da modelação corporal vem carregada de promessas da recuperação do paraíso perdido. Ao observar a publicidade televisiva, senhora absoluta da produção imaginética, pode-se ser inserido num universo fascinante, onde o reino da fantasia dá ao corpo a primazia da conquista da felicidade, através das promessas de milagres ao alcance de todos, aqui e agora. A televisão é, sem dúvida, a mais importante criação tecnológica contemporânea. Possui impressionante força pedagógica, uma linguagem penetrante, imagens e sons com alcance incomensurável. Um canal de comunicação precioso para difusão de imagens publicitárias. O universo à disposição da pesquisa é amplo. Este trabalho privilegiou a propaganda da Le’Ru Estética Especializada por apresentar um quadro de referências que incorporam os apelos mais significativos dos

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3valores narcisistas contemporâneos. Sobretudo, porque absorve um dado singular nas transformações culturais e sociais: a inclusão do homem no universo que até pouco tempo era área exclusiva da mulher. A publicidade da concorrente, Renov Estética, também usa recursos semelhantes e expõe a imagem masculina cativa aos apelos da vaidade do corpo. Uma variante interessante que demonstra as mudanças nos papéis sexuais, determinando novas formas de relacionamento. E nisto, as imagens produzidas pela indústria da estética se inserem como um tonificante extraordinário que vai minando o machismo secular, agiornando o homem e formando um seguimento de consumo que o mercado tem, nos últimos quinze anos, venerado como uma verdadeira promessa de sucesso. Os dados, como veremos mais adiante, são animadores. A abertura e enceramento da propaganda da Le’ Ru desperta a atenção do receptor pelas virtudes da função poética da linguagem. É como se o telespectador estivesse diante de uma pintura com características de estética romântica amadora. Própria de quem pinta reproduzindo clichês ao gosto popular. Três cores se destacam: Azul, verde e branca. Nela um casal jovem, abraçados, de costas para o receptor, olha e contempla a cor azul simulando o horizonte. O casal está semivestido de branco de modo a realçar o corpo. Estão sob um ponto ao nível do horizonte em que está estampado o logotipo, em cor branca da Le’Ru, abaixo como se fosse o mar. a cor verde se estende até o a base do azul. Semanticamente sugere o alcance da paz, do bem estar, da jovialidade, da leveza. Quem vai ao encontro da Le’Ru, vai ao encontro da felicidade representada pelos índices cromáticos e pelos signos de auto satisfação do casal em harmonia com a vida. A publicidade, conforme argumentava Haug, traduzido por Ciro Marcondes Filho em “A Crítica Da estética da Mercadoria” (1996) trata primeiro de fazer a estética da mercadoria, transformando-a num desejável distintivo para o consumidor, que espera obter um certo êxito particular Alusão que o autor faz ao fetiche da mercadoria defendida por Karl Marx sobre como a mercadoria é produzida para atrair os sentidos e desejos do consumidor, isto é, o atrai com olhos amorosos, eróticos, disseminadores irresistíveis dos desejos humanos.

O curioso, na publicidade da Le’Ru, como também o é em publicidades similares, é que o fetiche está inserido não prioritariamente no fascínio da embalagem dos produtos utilizados como agentes da transformação do corpo, da pele, do sentimento de felicidade plena, mas dos resultados já produzidos no corpo, portanto o fetiche já se apresenta como produto final, isto é, o corpo estetizado, de modo que todo processo de amor a si mesmo, erotização e satisfação já está inserida no corpo que deseja e goza de plena realização. O corpo transforma-se em libido potencial, sensualizado pelo poder da transformação estética que segundo o bordão publicitário: Só a Le`Ru tem! Não é o plano de como eu vejo o outro, mas de como o outro me vê. Os corpos são apresentados como designs esteticamente perfeitos ou a serem transformados. O charme das aparências salta aos olhos do consumidor.

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4 Neste contexto, corre-se o risco da deserotização do erótico. No livro “Para Filosofar” (vários autores) encontra-se a seguinte análise:

O apelo sexual está sempre presente na propaganda, na moda, nos clips, nos filmes, nos outdoors, nas revistas, nas novelas... Ao ligar objetos a imagens de homens e mulheres belos, ricos, sexualmente sedutores, a propaganda parece erotizá-los. A mídia cria e estabelece padrões para corpos, rostos, roupas, comidas gostos, utilizando de imagens e frase de efeitos com apelos sexuais. Tudo parece erotizado, mas é só aparência, porque o que ocorre na realidade é a deserotização do erótico. Trata-se de provocar uma banalização do sexo, desvinculando-o dos projetos de afetividade de cada um. (...) Esse empobrecimento do erotismo rouba do homem a capacidade de envolvimento amoroso. As relações entre as pessoas, tornam-se relações de uso e de troca.(...) (2000: 108)

O aspecto exterior é exaltado como referente para conquista de um bem estar interior, subordinado à estética do corpo. A conquista do espírito de bem estar, do amor a si mesmo, do ser reconhecido e aceito socialmente depende diretamente do corpo modelado sob os critérios da sociedade hedonista, do universo das aparências e da ditadura da moda. O apelo ao erotismo é um dos recursos mais fortes na propaganda. A publicidade da Le’Ru explora o erotismo com a moderação e os cuidados para inseri-lo como componente de felicidade adquirido pela posse de um corpo atraente, sexualizado, consumível, prazeroso. O sexo é um valor cultural valioso na cultura pós-moderna e a propaganda, conforme diz Barreto(1982) sempre foi veículo desta cultura. Erotismo é uma relação que ultrapassa os limites do corpo, quando centralizado somente nesta limitação, deserotiza-se, porque se impõe como objeto, como signo-mercadoria. Realça-se o valor de troca. Mesmo que se apele na linguagem comercial que a conquista do corpo padronizado ofereça subsídios para o fortalecimento ou recuperação de relações desgastadas, ou como possibilidade de novas conquistas, a dependência é sempre do corpo como objeto de troca de gozos. O ser humano passa a ter o valor medido pelo que vale como objeto. Outros valores, como ética, respeito, compromisso, afeição são ignorados pelo mascaramento da realidade. Substitui-se a ética pela estética do corpo. Propaganda e televisão pertencem ao mundo dos simulacros, principalmente quando se unem para vender produtos e estimular serviços. Simular por imagens e palavras é ofício destes dois instrumentos de criação. Para Jean Baudrillard a propaganda é o papel chave dos meios eletrônicos de comunicação de massa na sociedade capitalista tardia. A televisão produz um excesso de imagem e informações que ameaça nosso

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5sentido de realidade. O triunfo da cultura de representação resulta num mundo simulacional, no qual a proliferação de signos e imagens aboliu a distinção entre o real e o imaginário.

(...) A era da simulação inicia-se, pois, com uma liquidação de todos os referenciais – pior: com a sua ressurreição artificial nos sistemas de signos. Material mais dúctil que o sentido, na medida que se oferece a todos os sistemas de equivalência (...) trata-se uma substituição no real dos signos do real (...) O real nunca mais terá oportunidade de se produzir. (...) Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem, O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. (...) (1991: 09)

Sacrifício x Prazer A dicotomia sacrifício x prazer exigidos nos rituais para alcance da felicidade e realização é eliminado pelo milagre da tecnologia e da ciência que agora detém o lugar de um feiticeiro racional, aparentemente seguro e confiável. A tecnologia é garantia de milagres cujos resultados o cliente pode conferir, segundo os apelos verbais da publicidade, logo após a primeira sessão. A modernidade e a eficiência das máquinas amenizam a angústia prolongada pelos resultados, diminuem a ansiedade, além de serem meios agradáveis para combater o estresse, doença social epidêmica da sociedade pós-moderna.

A Le’Ru não apresenta somente modelos idealizados para dar testemunho da verdade. Mulheres e homens comuns são os portadores da conversão, sobretudo de meia idade ou mesmo mais velhos, em que não faltam, é claro, o apelo cristalizado da promessa da jovialidade. Está é, aliás, uma das garantias da suprema satisfação: o mito da jovialidade permanente. A garantia de não estar sujeito aos preconceitos de uma sociedade que vê a velhice como um crime, como uma situação apavorante a ser rejeitada, numa época que condena o natural processo de envelhecimento, porque os idosos não são mais interessantes como elementos produtivos e como padrão de consumo e beleza. Ao sugerir e vender produtos e serviços que retardam ou ocultam o envelhecimento, em nome de uma vida saudável, a publicidade veladamente reforça ideologicamente o repúdio aos idosos. Princípios como acumulação de experiência, contribuição produtiva dignamente já cumprida, entre outros direitos que dignificam o idoso, deixam de ser importantes. O que prevalece é a imagem, não as virtudes. Rejuvenescer é a palavra de ordem. A inclusão do mito da juventude é uma das mais sedutoras formas de convencimento estratégico da publicidade da Le’Ru. O mito da

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6juventude é uma antiga e poderosa lenda que vem encantando as pessoas há muitos anos. Não foram poucos que se obstinaram a encontrar a fonte da juventude. Juventa, a deusa romana da juventude materializou-se na indústria do cosmético e projetou-se através de inúmeros rituais de estética e embalagens signos de rejuvenescimento. Não é mais preciso ir até a deusa, a deusa vem até o consumidor e se oferece com fascínio místico. A fonte da beleza jorra em abundância generosa pelos filtros radiantes da publicidade e das embalagens sagradas a conquistar o consumidor freudiano com olhares eróticos, a estimular a libido e provocar devaneios. A Le’ru é o santuário e convida à veneração da deusa, disponibilizando aos convertidos uma legião de sacerdotes especialistas e um templo de tecnologia cujos encantos são promessas de rejuvenescimento com resultados imediatos. A propaganda como espelho psicológico amplamente discutida no livro “A Linguagem da Propaganda” de Vesrtergaard/schoder (1996) demonstra com profundidade acadêmica aspectos visíveis desta tese na publicidade da Lê ru.

“Convidando-nos a entrar num paraíso imaginário, a propaganda se torna assim um espelho mágico, no qual uma interpretação mais sutil nos permite discernir os contornos do generalizado descontentamento popular com a vida cotidiana e com as oportunidades que nos proporciona a sociedade em que vivemos. Portanto, a propaganda se fundamenta no desejo subconsciente de um mundo melhor”(1996:132)

As imagens são defendidas e complementadas por um discurso com as mesmas características que determinam a sociedade tecnológica contemporânea: velocidade, repetição e a permanente sensação de vibração, espetáculo e celebração eletrônica. Há um clima de euforia da fala que lembra os antigos animadores circenses cuja voz altissonante e festiva não deixava esmorecer o espectador. O estilo “metralhadora verbal” celebrativo reforça em redundâncias pedagógicas os benefícios inquestionáveis dos serviços, dos resultados e de como tudo é fácil, imediato e agradável. Os apelos constantes indicam a predominância de duas funções da linguagem a conativa pelo peso persuasivo do discurso em clima de festa que se insere num círculo de signos carregados de conotações narcisistas e convites à integração a um estilo de vida com promessas de distinção e status. E a função fática, uma vez que o canal de comunicação que é o próprio apresentador, embutido num outro canal que é a televisão, se impõem como maestros de um grandioso espetáculo.

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7 A fala e voz do âncora se dinamizam em apelos de grandiosidade em que as mensagens se revestem de magnitude: tudo se torna maravilho, sensacional, triunfante, isto é, ganha a dimensão do comemorativo,enquanto fragmentos de imagens sedutoras vão rolando como um videoclipe de sonhos a serem realizados. Informação-tecnologia-linguagem-publicidade-sedução dão suporte a uma constelação de signos que cintilam aos olhos do telespectador, simulando a vida como uma nebulosa ardente de desejos, estimulados pelo ritmo da modernidade criada nas oficinas dos simulacros do corpo em evidência. O campo semântico se tece e contextualiza-se em palavras como: beleza, saúde, verão, maravilhosa, jovem, elegante, corpo, natural, tratamento, estético, segurança, felicidade, carinho. A técnica da sedução atinge o ego do receptor como um dardo cuja potência se assemelha à flecha do cupido a seduzir sem dar chances à defesa prévia, ao atingido pelos feitiços que escravizam o consumidor, já pronto para deixar-se seduzir pelos caprichos do mercado. Jair Ferreira (2000) assim se refere ao ato da sedução: “Seduzir quer dizer atrair, encantar artificialmente. O cotidiano, hoje, é espaço para o envio de mensagens encantatórias destinadas a fisgar o desejo e a fantasia, mediante a promessa de personalização exclusiva” Fisgado pelas artimanhas e armadilhas das técnicas do marketing preparadas nas oficinas da indústria cultural. A publicidade da Le’ru promete muito mais que um novo corpo, promete uma nova vida. Uma nova esposa, um novo marido, um novo relacionamento. O afetivo se subordina à estética. Só é possível ser amado num corpo atraente, segundo os moldes da ditadura da magreza. O corpo é auto-referência para ser aceito e ser feliz. Não falta também o apelo à novidade. O novo sempre foi um aliado potente da publicidade. A novidade anunciada pela Le’Ru é o tratamento estético para gestantes, contudo é hilariante a razão para a novidade: A esteticista explica que a mulher vem para a Le’Ru é “acaba engravidando”. Sutilmente a publicidade indica-se como fator de auxílio para a intensidade dos relacionamentos amorosos e de como a mulher pode resolver este “agradável” problema. Como fazê-lo? Oferecendo à futura mamãe a continuidade do benefício que a cliente alcançou com os serviços prestados. A mamãe poderá sentir-se muito mais confortável e o bebê poderá nascer mais feliz. Gravidez sempre foi um problema para o ginecologista e o obstetra, agora é uma preocupação para a modelagem estética. O conforto das mamães, a saúde e a tranqüilidade do bebê também entram no universo da moda e dos serviços de estética corporal. No mundo da publicidade não há sombras. Ela opera um corte cirúrgico na “cabeça de medusa”. A imagem arquetípica de todo pesadelo e todo mal é decepada e oculta em cofre de sete chaves. Preserva-se a imagem idealizada de bonzinho. Não há autocrítica, somente auto-elogio. Prevalece somente o socialmente aceito. Banem-se os sentimentos de fraqueza, cobiça, ambição, derrota, sofrimento, impotência, etc. Nega-se a realidade tal como ela é. Vive-se na superfície, ignora-se a profundidade.

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8Vive-se a ilusão de uma sociedade harmônica, sem contradições. Tudo muito ao estilo pós-moderno. O Receptor como coadjuvante. O que nos leva a confirmar a cooperação do consumidor são as observações acadêmicas do lingüista Mikael Bakthin, quando aborda a existência de um auditório social. Para o autor (1998) O discurso é de natureza social, não individual, a fala está ligada às condições de comunicação e a comunicação às estruturas sociais. A palavra orienta-se para um destinatário e este destinatário existe para uma relação social, clara com o sujeito falante. Os meios de comunicação de massa dependem da cooperação do receptor para ter sucesso. O público receptor da publicidade em análise não é inocente em relação aos apelos do apresentador âncora. Interage com ele em anseios pela conquista dos sonhos dourados, estimulados pelo autodesejo do exibicionismo do corpo.

“ O mundo interior e a reflexão de cada indivíduo tem um auditório social próprio e bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, etc. Quanto mais aculturado for o indivíduo, mais o auditório em questão se aproxima do auditório médio da criação ideológica, mas em todo caso o interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma época bem definida.” (Bakhtin:112)

Embora, em sua época, Bakhtin refere-se ao auditório de um publico leitor, as observações do crítico russo não perde a validade para os auditórios eletrônicos atuais. Pois o discurso e as imagens contemporâneas também se cristalizam na ideologia do cotidiano (todos desejam se parecer com os modelos impostos pela indústria cultural) Há um vínculo com a consciência dos indivíduos receptores e em consonância com os valores da vida contemporânea consumida em simulacros e signos da hiper realidade pós-moderna. A publicidade é também uma forma de poder simbólico. Na definição de Bourdieu (1982) o poder simbólico é um poder invisível, que só pode ser com cumplicidade daqueles que não querem saber o que estão sujeitos ou mesmo que o exercem. É um poder mágico, diz Bourdieu, que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica) e só se exerce se for reconhecido, isto é, ignorado como arbítrio. O poder da publicidade é um dos mais atuantes e precisos poderes contemporâneos. É o poder da imagem e das palavras com grande dimensão de força simbólica. No presente estudo pode-se confirmar a

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9presença do poder simbólico em pleno exercício: fascínio, sedução e magia, sem dúvida um poder invisível. Viável pela cumplicidade do receptor. Não se pode, no entanto, admitir que a agência produtora não sabe o que exerce. É, neste caso, um poder que manipula, consciente, estratégico, que conhece as reações e tendências do público Alvo. Há uma redução de força na comunicação, transformada em poder ideológico. Se transformada em domesticação, chega ao clímax de “não violência”, que na definição werberiana significa “domesticação dos dominados” O culto ao corpo numa cultura de consumo exalta o corpo como signo portador de inúmeras mensagens que remete o dono do corpo a usá-lo como forma de expressão de um estilo de vida que indica individualização, plasticidade,conquista social, modernidade, referência padronizada de beleza contemporânea, objeto de inveja e admiração. Não se trata de um corpo, mas de uma escultura para ser venerada. A Le’Ru oferece um serviço especial de mesoescultura. O corpo está ali para ser esculturado pelos cinzéis eletrônicos e pelas mãos artísticas dos especialistas. O corpo passa a ser associado a luxo, exotismo, fantasia, exatamente como são os bens de consumo. Bens de consumo têm que ser substituídos, o corpo tem que estar em contínua manutenção, sempre em consonância com a evolução da tecnologia. Assim como exige as alternâncias da moda, A Le’Ru lembra com insistência: “Você tem que estar bonita, neste verão!” O que importa é a imagem, a representação estética. O corpo passa a ser mostrado na propaganda como um signo polivalente de valores narcisistas e se insinua como signo-mercadoria, porque é um objeto transformado pela publicidade da Le’Ru em fascinação estética. O verão é um aliado fundamental dos comerciais da cultura da estética corporal. Sem cobrar nada por isso, o verão alavanca em média 30% a mais de clientes dispostos a dar uma recauchutada nos inoportunos contornos do corpo. Praia, férias, sol, calor, piscinas, são os inimigos das gordurinhas, estrias, pneuzinhos, barriguinhas, pele branca, flacidez, bunbuns e coxas descuidos. O maior dos males, seja para homem ou mulher, é a pele sem o tom dourado das pessoas “que sabem viver”. Oniricamente busca-se o transe poético-mítico dos versos de Vinícius e Jobin: Moça do corpo dourado do sol de Ipanema(...)é a coisa mais linda que eu já vi passar”, contudo, o corpo na peça publicitária não é convidado à graça poética, mas ao exibicionismo, ao destaque, à inveja alheia. Lasch(1986) Ao analisar o mundo fantástico das mercadorias e os efeitos psicológicos do consumismo argumenta que:

“Seja como trabalhador ou como consumidor, o indivíduo não apenas aprende a avaliar-se face aos outros, mas a ver a si próprio através dos olhos alheios; aprende que a auto-imagem

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10projetada conta mais que a experiência e as habilidades adquiridas. Uma vez que será julgado (por seus colegas e superiores no trabalho e pelos estranhos que encontra na rua) em virtude de suas posses, suas roupas e sua “personalidade” e não como ocorria no século XIX, por seu “caráter”. Ele adota uma visão teatral de sua própria performance, estando ou não em atividade.”

O autor de “O Mínimo eu” ao abordar a relação produção mercadoria e consumo atinge o âmago da tese deste paper, quando se trata de discutir a estética do corpo, aí o narcisismo se instala, ainda com mais intensidade, porque não são somente os adereços que adornam o corpo enquanto signos de projeção de auto-imagem, mas o próprio corpo como performance que dita a comunicação de inserção social. O corpo modelado, segundo o controle do mercado e da produção a que se acrescentam outros caprichos da moda, também se expõe ao tribunal do julgamento social. A aparência é a medida de todas as coisas, numa sociedade em que a questão do caráter, do ser, das idiossincrasias, cada vez mais deixam de ser valores cultivados. O apelo publicitário induz à teatralidade da auto-imagem como um grande projeto de seres destinados ao palco das representações, em que o fascínio por si mesmo e a constante aprovação dos outros é o tema central da peça em cartaz. Lasch(1986) nos lembra, ainda, que:”O consumidor vive rodeado não apenas por coisas como por fantasias. Vive num mundo que não dispõe de existência objetiva ou independente e que parece existir somente para gratificar ou contrariar desejos”. Num cenário em que parece estar certo o verso de Caetano Veloso: “a gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo”, fica-se exposto às maçãs que a árvore da mídia publicitária distribui sedutoramente, mas que ao contrário de fazer adormecer as “Brancas de Neve” pelo veneno da inveja da rainha má; estimula, faz ficar acordada, joga purpurina, para se sentirem invejadas. Oferece um grandioso espelho de cristal para que todos possam fazer a excitante pergunta: Espelho, espelho meu, existe um corpo mais atraente do que o meu? O mundo da cultura de consumo e da estética mercantilizada garante que sim. Aproveitando as argumentações de Lasch não se trata de exercer um juízo crítico severo sobre os clientes que recorrem à indústria da vaidade, como busca de integração a um espaço social que lhes exige submissão quase escravista à ideologia do “corpo perfeito”. Sabe-se que os serviços dedicados à estética, muitos direcionados para correção de problemas que tornam infelizes muitas pessoas, devido ao peso do preconceito, tem lhes recuperado a auto-estima, isto é, Lasch diz: não porque torna as pessoas gananciosas e agressivas, adaptado para este estudo, prefere-se dizer: empavonadas e frívolas, mas porque as torna frágeis e dependentes. Assim como as mercadorias estão sujeitas ao destino da obsolescência orquestrada, o corpo dentro dos mesmos critérios de

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11julgamento, também é estimulado a fugir deste fantasma impiedoso da renovação, daí, o medo da decadência imposta pela natureza humana. Renovar, manter, buscar as novidades, expor-se aos recursos que mascara o envelhecimento, acreditar na onipotência dos aparelhos computadorizados futuristas e no milagre da ciência e tecnologia da indústria dos cosméticos passou a ser a tábua de salvação na pós-modernidade. A pesquisa científica no campo da cosmetologia é vasta, e tanto na área acadêmica, quanto na indústria nacional e internacional tem trazido ao mercado um arsenal poderoso de produtos aprimorados com altíssima sofisticação. Entre pesquisas sérias e duvidosas, os produtos e tecnologias ligadas a empresas de renome mundial vão avançando no domínio do mercado, ávido pelas promessas e certezas das necessidades do corpo contemporâneo. Atualmente há grandes pesquisas no campo da fitoterapia. Produtos a base de ervas e frutos naturais. A Amazônia, maior fonte de biodiversidade do planeta, tem se apresentado como paraíso para a pesquisa. Andiroba, castanha do Pará, copaíba, buriti, maracujá, cupuaçu, entre outros, têm oferecido préstimos importantes à pesquisa cosmetológica. Mas estes benefícios seguem ao lado de muito charlatanismo comercial. O mercado de cosmético, químico ou natural é um personagem de dupla face: Seriedade e encantamentos duvidosos estão entrelaçados espalhando a semente da sedução.

A caverna de Platão às avessas.

Platão não se sentiria confortável no palácio estilizado da publicidade da Le’ru. A Le’ru estende o tapete e recebe em grande estilo. Não trata de fazer somente primeiro a estética da mercadoria, mas a estética da casa onde se produz a estética do consumidor. O cuidado com a aparência da “fábrica” da fantasia corporal inverte a Caverna de Platão. Não se trata de sair da caverna, onde imperam as promessas de sedução, mas ao contrário, a felicidade, a luz, o brilho, a realização se encontra no interior da caverna. A Le’Ru propõe o caminho inverso ao de Platão. Fora da caverna da Le’Ru a realidade é feia, distorcida, estressante. Portanto um espelho em que narciso não se reconhece. As fachadas das unidades da Le’Ru são um fetiche ao gosto médio inclinado para o fascínio do luxo e do requinte das habitações atraentes à classe média e também às classes de menor renda, cuja aspiração à ascensão e distinção social são constantemente reforçadas pela ideologia neoliberal dominante. Tendência que a publicidade da Le’Ru permite fluir veladamente. Um aspecto importante na estratégia das imagens publicitárias da Le’Ru é a permanência de automóveis lotando o estacionamento frontal da unidade. Os automóveis, símbolo máximo de distinção e prestígio social na sociedade de consumo. Não são automóveis de luxo, são carros destinados à classe média, indicativos claros do público alvo a que a publicidade quer atingir. O apresentador reforça: Quem disse que tratamento estético é caro? Aqui na Le’Ru você pode! Em seguida

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12apresenta como qualquer apelo comercial para atrair as classes médias e de menor renda a possibilidade de pagamentos em prestações. “Você pode pagar em uma, duas, três, e em até doze vezes”. O recuso do apelo ao onírico, privilegiado nas imagens da publicidade analisada, reproduz a atmosfera de sonho e mundo ideal. As pessoas são felizes, puras, cheias de vitalidade. O clima simulado inverte a realidade, não há espaço para crises, complexos, estresse, poluição, luta de classes e outras picuinhas de críticos chatos e sociólogos sem graça. Contudo se a presença do onírico se apresenta como possível recurso criativo do publicitário, pode-se dizer, que as imagens selecionadas pelo criador(es) da peça em análise não atinge este requisito, porque o que se nota é uma seqüência de clichês verbais e visuais surrados e manjadíssimos no mundo da propaganda. A peça publicitária é mais uma malhação, (o trocadilho é intencional). Cansa pela repetição e pelo tom sensacionalista dos bordões à moda dos atuais canais a cabo exclusivos para promoção e vendas de mercadorias via telemarketing. “Há sempre uma le’Ru bem pertinho de você”, é outro bordão significativo. Dá o tom de fácil circulação e acesso às unidades, sem o possível desgaste natural que permeia a atribulação do trânsito nos centros urbanos. Se é tão pertinho, o apelo de conforto atinge também quem não possui automóvel. Tornando viável a circulação, seduz por estar a serviço do bem estar do consumidor. Uma rede composta por muitas unidades distribuídas numa logística que agrega a idéia da grandiosidade da rede é exposta pela publicidade como uma vantagem para o consumidor, que tem a seus pés os serviços de tratamento estético sempre associados à promessa de grande conforto. Conforto é uma aspiração santificada pela sociedade de consumo. Ao agregar o ideal de conforto, a publicidade estudada atinge um valor de alta aceitação social. Mecanismo quase infalível quando se destina a trabalhar o desejo do consumidor na sociedade do hedonismo. As cavernas do prazer estão espalhadas pelas cidades como convites inebriantes, prontas para receber o cliente e prestar-lhes as oferendas de um estilo de vida singular. A razão de viver está em beneficiar-se das luzes que ressuscitam pelos cremes, massagens, aplicações, afagos tecnológicos que tão bem saem das mãos da indústria de cosméticos, cujos benefícios, advindos de uma cuidadosa pesquisa científica vão modelando o novo ser esculpido para ser admirado ao sair da caverna. Um vencedor entre as contradições e matizes do injusto mundo natural humano cuja distribuição da beleza padronizada pela cultura do corpo magro, pele clara, e frescura juvenil privilegiou a poucos e que a indústria da beleza promete inverter. A publicidade da Le’Ru não apresenta modelos ou depoentes negros, também não se notou a presença de negros nas publicidades similares. Não é comum vê-los como referência nas peças publicitárias. Isto leva a reflexão de que a exclusão do negro tem conotações ideológicas. Numa sociedade dominada pelos brancos, em que a valorização da pele clara é signo de superioridade racial, o corpo negro, cuja diferença só se estabelece pelo tom da cor e a cor é prenúncio do preconceito entre as preferências impostas pelo modelo econômico, social e político dominantes.

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13 Por que o público alvo da quase totalidade da indústria da fantasia do corpo exclui o segmento negro, mesmo num país em que seu maior referencial de sucesso mundial é o negro Pelé, cujo corpo atlético, deveria ser refenciado como modelo invejável. No entanto, Pelé serve para ser analogia ligada à saúde, força física, vitalidade, mas jamais como beleza. Pelé é um Apolo sem pedestal no campo da estética corporal, assim como na cultura grega, não há espaço para admirar deuses negros. A África, economicamente subdesenvolvida, embora tenha uma riqueza mitológica tão fascinante, quanto os gregos, não consegue obter a adesão do mundo ocidental de cultura branca historicamente dominante.

Abre-se aqui um bom precedente para discutir sobre o conceito de “Natural”, aplicado ao tratamento estético. O animador da publicidade da Le,Ru dá ênfase ao termo “tratamento natural”. Ora, o conceito de natural pressupõe uma clara oposição aos equipamentos e componentes químicos, advindos da produção de cosméticos e toda variedade bioquímica. Estamos diante de uma confusão semântica ou diante de uma nova atribuição de significado que favorece a ideologia da publicidade? Vertergaard/schroder (1996) ao investigar as ideologias específicas da propaganda argumenta que:

“A inocência, provavelmente, nos levaria a pensar que a natureza é alguma coisa de permanente, como se não mudasse pela intervenção da cultura humana, como uma força que existe independente da cultura;em conseqüência, imaginaríamos o comportamento “natural” ou um fenômeno natural”como algo intacto e livre da interferência do homem”(schroder 1996:174)

A publicidade da Le’Ru estética ao fazer referência de que seus métodos de tratamento são naturais, elimina a contradição entre natural e artificial e mascara a condição tecnológica e química (caso da mesoescultura) ou aplicação de agentes químicos através de cremes, essencialmente artificiais, como naturais. Natural, por exemplo, seria perder peso, eliminar gordurinhas, tratar da pele através de exercícios, alimentação balanceada, exposição cuidados com os excessos que prejudicam a saúde da pele, entre outros. Os mitos Na publicidade da Le’Ru os mitos são um traço relevante para a sustentação da peça publicitária. Pelo menos quatro mitos podem ser registrados com evidência: O mito da juventude, o mito da Cinderela, o mito do palácio encantado e o mito da caverna invertido. Dois mitos já

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14foram discutidos anteriormente, da juventude e da caverna. O mito do palácio encantado agrega-se ao da caverna invertido. Fachadas exuberantes, atraentes, maquiadas para dar o tom de palácio são estratégias estéticas que se convergem ao fascínio da vitrina que se dirige ao olho como forma de captar o interesse do cliente inserido no reino encantado da sociedade de consumo cujo artifício da sedução pelo olhar é uma tática eficiente. As Imagens de fora do “castelo” se complementam e reforçam o mito com o requinte interno onde os prazeres podem ser aferidos pelo receptor permeados pela tecnologia, conforto, beleza e gente feliz, sempre pronta para servi-lo. O mito da Cinderela é flagrante. Donas de casa, estressadas, desiludidas com os trabalhos domésticos, descontentes com seus corpos pouco reconhecidos, olhados e desejados, podem ao optar pelo tratamento da Le’Ru estética subtrair o enfadonho destino doméstico pela sublime transformação aos encantos de princesa. O mito também atrai as mulheres das classes trabalhadoras, com promessas de transformação social por intermédio do tratamento. Ora, as classes sociais que compõem o quadro de referências do objeto em estudo são distintamente à camada média, esta com maior incidência, e a classe trabalhadora. (pode-se pagar em até 12 vezes) Ambas são flertadas a aproveitar as mesmas oportunidades que as classes dominantes. A classe média deseja imitar a classe dominante e a classe trabalhadora deseja imitar a classe média. Visitar a Le’Ru, confere prestígio a ambas as classes sociais tidas com público alvo. A Le’Ru é o príncipe que oferece o “sapatinho de cristal” a disposição de toda gata borralheira a apostar nesta fada madrinha da pós-modernidade. Ninguém mais corre o risco de virar abóbora, porque o sonho de Cinderela, no caso da rede Le’Ru, nunca termina à meia noite. Contudo os mitos nem sempre são presságios de encanto. Hades para raptar Cora, a belíssima filha de Deméter seduz a ingênua menina que no campo se deleitava com a natureza, fazendo aparecer na frente dela a radiosa flor branca, narciso e a levou para as profundezas de tártaro, Cora passou então a ser Perséfone. Foi aprisionada, devido à própria beleza. Qual é a natureza do mito na sociedade contemporânea? Os estudos de Roland Barthes dão suporte acadêmico inquestionáveis para o reconhecimento da presença deles na peça da Le’Ru. O mito é um fala, diz o emérito professor do Collège de France e acrescenta: O mito é um sistema particular, constrói-se a partir de uma cadeia semiológica que existe antes dele. É um sistema semiológico segundo”. O mito é uma fala. A fala do apresentador e as imagens encantadas necessariamente não criam um mito novo, mas reforçam com muita propriedade os mitos anteriormente estudados e dão a eles uma roupagem semantizada para os as tendências contemporâneas. Quem armou o cenário? Pergunta Featherstone.

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15 A Cultura do culto ao corpo está ligada a uma rede de imagens pré-existente muito ampla. Historicamente a preocupação com a sedução pela estética corporal atravessa oceanos e demarca a distinção social em muitas culturas e de personalidades nobres que se perpetuam como ícones glamurizados, seja pelos registros da História, seja pela produção da indústria cultural, quando a serviço da produção artística e do lucro mitifica e ideologiza certos padrões de beleza e comportamento. Cleópatra, com os famosos “banhos de leite” e obsessão pelo clareamento da pele, ao lado do “belo Antônio”, parece junto com ele, ter sido o “casal vinte” mais cultuado da história das imagens a serviço dos ideais de beleza. Hollywood jamais deu paz a Cleópatra e na mesma linha produtora de aparências e estilos de vida, à moda do “American Way of Life”, disseminou pelo mundo afora as imagens “perfeitas” das estrelas de cinema. Na mesma linha a publicidade de pós-guerra passou a explorar

com um gancho reluzente de mão de pirata a associação entre as estrelas de cinema aos comerciais de cosméticos. Quem não se lembra do histórico bordão publicitário:”Nove entre dez estrelas do cinema usam sabonete “Lux”, o sabonete das estrelas” Outro fator inquestionável no cenário da indústria da sedução são as diretrizes inconstantes do universo da moda. Gilles Lipovetsky em seu livro “Império do Efêmero” traça com maestria as influências da moda sobre o destino das sociedades:

“ Assim, a moda está no comando de nossas sociedades; a sedução e o efêmero tornaram-se, em menos de meio século, os princípios organizadores da vida coletiva moderna; vivemos em sociedade de dominante frívola, último elo da plurissecular aventura capitalista democrática individualista”. (Lipovetsky: 12, 1999).

O autor nos chama atenção para a percepção de que a moda não pertence a todas as épocas, nem a todas as civilizações. O culto à fantasia é uma prática recente na cultura humana. Com a moda, diz o autor, começa o poder social dos “signos ínfimos” Vivemos na atualidade sob a égide da ditadura dos corpos magros, santuários sacralizados para o bem cair das roupas, sejam elas estilizadas ou pret-a porter. A regra impiedosa é imposta pelo valor cultural estético atribuído as Top models. Cultuadas como verdadeiras deusas, assediadas pelas mídias e glamurizadas em imagens sedutoras globalizadas, tornaram-se celebridades, ficaram milionárias e se equivalem em atratividade às mais importantes estrelas do cinema e da televisão.

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16 A televisão tornou-se neste cenário a mais influente das mídias, quando se trata de ditar padrões estéticos e formar o gosto médio das massas a ela exposta. Entre uma profusão imensa de imagens, as novelas ocupam destaque primordial como espelho mágico para ditar os predicados do corpo aceito socialmente como digno de ser mostrado. O mundo dos esportes é outro fator incisivo no quadro de influências que compõe a cultura geral do narcisismo contemporâneo. A educação para o espírito esportivo deve-se, sobretudo pela grande importância dada às competições que unem o mundo como as olimpíadas, copa do mundo, pré-olímpicos e competições diversas que fazem dos atletas ícones de saúde, perseverança e invejáveis modelos a serem imitados. Muitos deles são recrutados como referências que alavancam o consumo. O poder visual de um ídolo é poderoso em propaganda. Embora na peça analisada não há o apelo de ídolos, o recurso testemunhal de pessoas iguais ao receptor, falando bem do produto e mostrando os “resultados” como prova real é um recurso eficaz. Funciona como o provérbio popular: “dize-me com quem andas, e eu te direi quem és!” A revolução sexual nos anos 60 e os novos códigos de transgressão promovidos pela liberalização da sexualidade através da pregação do amor livre, do uso dos anticoncepcionais, da desvalorização da virgindade, da libertação do corpo, enfim como instrumento de libertação do peso moral e arcaico, advindos da ideologia religiosa e familiar dominantes, cujo peso da repressão se impunha pela consciência do pecado e do controle ideológico moralista. Os anos oitenta, particularmente, se destacam pela difusão das academias de ginástica, e da formação da “geração saúde”. Campanhas antitabagistas, antialcoólicas e antidrogas, se aliam a uma mentalidade que se volta para a defesa do meio ambiente. A conscientização contra os perigos da Aids leva ao retorno do “sexo seguro”. Desde os anos 60 o corpo ganha dimensões sociais cada vez mais acentuadas, principalmente pela tendência ao desnudamento do corpo. Inúmeros tabus vão sendo quebrados. O ocultamento do corpo levado a sério pelas gerações anteriores calcadas, sobretudo nas diversas morais religiosas, passa a desmoronar diante de uma geração que decreta que: “É proibido proibir”. Desde o lançamento da minissaia, pela estilista Mery Quant e os sutiãs queimados em nome da liberação sexual feminina, a exposição pública do corpo se reveste de transgressões constantes e o desnudamento impõe-se como referencial de libertação e conquistas frente às repressões do passado. O mercado vai acompanhar e atuar respondendo rapidamente ante as tendências advindas das correntes de contracultura. A indústria do vestuário, dos alimentos, dos cosméticos e da modelação do corpo junto às agências de publicidade vão comandar através dos produtos e profusão de imagens os valores da geração do corpo exposto, agregando signos de distinção que até os dias atuais só fazem ampliar o apego ao corpo que se consagra pelos miraculosos benefícios de um modelo cultural avassalador, controlado pela industrial dos simulacros de perfeição estética. Featherstone nos lembra que o culto ao corpo na sociedade pós-moderna é dominada por inúmeras representações de imagens visuais”

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“ a lógica secreta da cultura de consumo depende do cultivo de um incansável apetite para o consumo de imagens”

As academias passaram a mega-academias, verdadeiros clubes paradisíacos que incluem opções próprias de santuários de beleza: Sauna, cosméticos, spa, cabeleireiro, cibercafé, produtos chiques, salas de relaxamento, aulas zem, meditação, box tailandês, etc. Tudo alimentado pelas mais sofisticadas máquinas futuristas. Luzes estroboscópicas simulam ritmo e movimento, cascatas artificiais simulam a presença amável da natureza, telões simulam morros e paisagens. A presença da hiper-realidade transforma tudo num grande espetáculo e fascina o cliente. Diversão, encantamento, entre gente bonita, as pessoas simulam ser plenamente felizes. Nenhuma contradição do mundo real para atrapalhar o sonho encantado de um mundo ideal. A negação total do trabalho, da política, da violência, dos mendigos, dos camelôs, do trânsito, das pessoas feias, gordas, pobres, negras, questionadoras. Perfeita decretação da morte do mundo real. Entrar nestes templos equivale a atravessar o espelho mágico da quarta dimensão e alcançar o nirvana onde só os escolhidos têm acesso. Dentro deste contexto assim responde Jair Ferreira dos Santos em O QUE É PÓS-MODERNO:

“Deste modo, o circuito informação-estetização-erotização-personalização realiza o controle social agora em forma soft (branda, discursiva), em oposição à forma moderna hard (dura, policial). O consumo e atuação no cotidiano são os únicos horizontes oferecidos pelo sistema. Neste contexto, surge o neo-individualismo pós-moderno, no qual o sujeito vive sem projetos sem idéias, a não ser o sujeito cultuar sua auto-imagem e buscar a satisfação aqui e agora. Narcisista e vazio, desenvolto e apático, ele está no centro da crise de valores pós-moderna”. ( Santos: 2000, 30)

Os conceitos discutidos nas argumentações anteriores se aplicam à análise da publicidade estudada, uma vez que as razões individuais e o culto a auto-imagem estimulados pelas imagens da propaganda são igualmente desertoras do sentido histórico, do senso da realidade, do

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18deslocamento coletivo, da desmobilização e descompromisso. Vivem o poder do simulacro. Querem espetáculo e bons serviços. O homem na malha fina da sedução. Uma reportagem, destas que vão revelando segredos das vanguardas contemporâneas, insurgiu-se como matéria de capa da Revista Veja, edição nº1822, apregoando o nascimento do “Novo Homem” assim se pronunciava:

“O NOVO HOMEM: Ele desenvolveu a sensibilidade, interessa-se mais pelos filhos, assume e exibe emoções, preocupa-se com a aparência, aprecia culinária e apurou seu senso estético. É forte, mas tem estilo. Está nascendo o macho do século XXI”

Culturalmente definido pela imprensa norte americana como homem “metrossexual”, termo que segundo o artigo foi criado pelo colunista social Mark Simpson e que caracteriza o “homem em nova pele”: “descreve o heterossexual moderno e urbano, um sujeito tão ou mais vaidoso que as mulheres,que freqüenta boutiques, usa cremes e loções para pele, é refinado na cozinha e não se sente por fora em nenhuma conversa sobre decorações e ambientes.” (Veja: ed 1822:64). Inserido como vanguarda, o termo “metrossexual” dá guarida ao homem fisgado pela preocupação com a aparência. Situa-o como moderno, impede o preconceito e o livra do estigma da homossexualidade atribuída a quem rompe com os cânones do machismo e se atreve a entrar no universo glamuroso dos cosméticos. Ícones não faltam: David Beckham, jogador de futebol, Tony Blair, primeiro ministro inglês, e Brad Pitt, ator hollydiano são referenciais poderosos. São aclamados como corajosos. Assumem o lado feminino sem serem Gays. Estão em plena ordem de elaborarem uma “revolução masculina”. As editoras de moda, a indústria dos cosméticos, as agências de publicidade, os farejadores de novos nichos de mercado estão mobilizados para não perder mais está inclinação e sinais de que o homem está disposto a não ficar fora da nova ordem de valores e quebrar as barreiras dos papéis sociais que sempre separaram muito bem os sexos. A imagem do “novo homem” vai sendo imposta com a padronização de modelos criados pela indústria cultural e os novos apolos da vaidade vão entrando aos poucos no carnaval das aparências e das superficialidades. Honra, caráter, virilidade, machismo vão desmoronando e a imagem do homem dócil, elegante, esculpido pela mesma engrenagem que seduz a mulher, vai atraindo o homem para os braços caprichosos do mercado e do império do efêmero. Pesquisas têm mostrado o crescimento vertiginoso do consumo de cosméticos para o homem. Os novos príncipes encantados estão sendo favorecidos pela alquimia pós-moderna da cosmetologia. Beijos de

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19donzelas imaculadas não são mais necessários para desencantar os “sapos” alojados na lagoa do passado machista. De sapos a pavão, agora ao alcance de todos pelas mãos de fada da cultura do afrouxamento do homem, as imagens publicitárias vão mudando a alma e o corpo masculino. A (ABIHPEC), associação brasileira da indústria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, tem demonstrado o crescimento ascendente do consumo de cosméticos da linha masculina. Hoje, um em cada quinze brasileiros usa algum tipo de cosmético para retardar o envelhecimento. “Há cerca de cinco anos falávamos em menos de um em cada cem”, informou à revista “Isto é”, (02-04-02) João Carlos Basílio da Silva, presidente da ABIHPEC.

“A tendência de crescimento é mundial. Só nos EUA, os homens gastam cerca de US$ 3,5 bilhões em produtos cosméticos anualmente. Mais de US$ 2 bilhões são desembolsados em academias de ginástica e outros US$ 2 bilhões em equipamentos domésticos para exercícios. Seguindo a mesma lógica da vaidade, um levantamento da americana Fragrance Foundation, que analisa o mercado internacional de perfumes de luxo, mostra que, enquanto na década de 70 foram lançados apenas seis fragrâncias para homens, nos anos 90 nada menos que 268 novas marcas surgiram. Não dá para negar. É um filão a ser considerado” ( Isto é Dinheiro 02-04-2002)

Ao examinar a publicidade da Le’ru, constatamos a inclusão desta tendência. A imagem do homem vai sendo delineada no círculo da vaidade com as mesmas armas da sedução destinada às mulheres, contudo nota-se um certo cuidado ao garantir ao homem a privacidade no atendimento. Cuidados que a publicidade toma, porque sabe que os valores não podem ser rompidos assim, sem levar em conta o peso conservador dominante. Por isso dissimula cautelosa, na fase de transição, ao mesmo tempo em que estimula o consumidor a enfrentar os preconceitos, canalizando-o para um novo sistema de valores, mostrando que alguns homens já ultrapassaram a barreira que os estigmatiza. Homens corajosos, atuantes, modernos, que não têm medo de cuidar do visual. Homens que se cuidam sem perder a masculinidade. Na publicidade a imagem do homem sai da terra de Marlboro e é conduzido ao lago de narciso. A imagem tradicional se dilui, o homem viril, competitivo, superior, dominador, poderoso, animal sexual, é substituída por um homem dócil, feminino, superficial, preocupado com a aparência e com a fantasia. A conhecida propaganda dos cigarros Marlboro, segundo a análise de Renato Ortiz em a “Mundialização e Cultura” “está na base de uma cultura internacional-popular, cujo fulcro é o

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20mercado consumidor, para além das fronteiras nacionais, este tipo de cultura caracteriza uma sociedade global de consumo, modo dominante da modernidade mundo.(...) O que a publicidade faz é capitalizar certos signos de referências culturais reconhecidos mundialmente”(1994:111) Este princípio inverte-se quando se depara com o homem colocado no centro do paraíso da vaidade. A referência vinda de Nova York projeta-se para além das fronteiras americanas e globaliza o consumo de cosméticos para homens, criando uma nova cultura internacional popular. O que era virilidade vira docilidade viril. É a terra de Marlboro com o macho glamourizado. O “novo homem” já traduzido pelo termo metrossexual e que traz uma das armas mais eficazes da publicidade, ou seja, o apelo ao novo. É a obsolescência aplicada aos estilos de vida e aos modeladores de comportamento. O homem viril está em decadência. É preciso criar uma nova imagem para o homem sensível da era das vaidades, sem fronteiras entre o masculino e o feminino. O homem não mais se fecha no clube do bolinha e invade sorrateiramente o clube da luluzinha. A imagem masculina na Le’Ru adquire contornos dessa nova forma de comportamento. O corpo do homem merece as mesmas carícias da tecnologia, do especialista, do prazer, da garantia de felicidade que a publicidade oferece. Para ele, principalmente a lembrança de que aquela barriguinha pode desaparecer. Os mesmos princípios da comunicação eufórica atingem o imaginário do homem. Valoriza-se triunfalmente a plástica de um corpo perfeito, admirado, invejável. Deleta-se a morte do homem psychanalyticus e exalta-se o homo ludens. O estereótipo do crepúsculo do macho se desmancha no ar e entra em cena o homem esteticus, alucinado por uma nova imagem. Mas não sem algum constrangimento. O animador na publicidade da Le’Ru enfatiza: “Ala feminina e masculina totalmente separados.” O peso do estereótipo negativo e do preconceito é ainda muito atuante. Já existe em São Paulo uma clinica estética exclusiva para homens: Garagem Clínica Estética. Na Fachada há apenas a imagem de uma cartola estilizada, nada que identifique o templo como serviços de embelezamento para homens. Mulher não entra, nem as esposas, (vale lembrar que na porta do “clube do Bolinha”, o da revista, estava escrito: menina não entra”)lá dentro somente as esteticistas, fisioterapeutas e modelos contratadas para alegrar o ambiente. Tudo é feito para que os “novos homens” não se sintam envergonhados. Total discrição é garantia de privacidade dos neonarcisistas que ali se deleitam em esfoliações, endermologia, termoterapia, estimulação russa, prótese peitoral, lipoaspiração, redução de medidas e outros signos carregados de significados sociais que incorporam o homem aos reclamos de um moderno estilo de vida. Luluzinhas e bolinhas pós-modernos em plena harmonia. Gays, embora sejam os que representam realmente está ruptura e abrem espaços para que o homem seja admitido na ciranda unissex, não pertencem ao mundo da publicidade. Simula-se um mundo somente de heterossexuais. Cosmético deixou de ser coisa para homossexual, agora é coisa para homem com H!

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21 A força das imagens publicitárias cria uma nova cultura, infere ao homem uma nova psicologia, uma nova forma de ser, um novo papel sexual. O macho glamourizado. A indústria da estética lhe confere agora a onipotência dos machos belos que geneticamente sempre privilegiou os machos das outras espécies. O triunfo do anima Anima é uma definição cunhada por Jung para demonstrar a personificação do princípio feminino no inconsciente do homem. Animus é o oposto. Para Jung, em Jung. O homem Criativo de Luiz Paulo Grinberg (1997) todo arquétipo pode manifestar-se positiva ou negativamente. De maneira negativa, quando o homem tem vaidade exagerada, alterações de humor, explosões emocionais, caprichos. De maneira positiva, quando a amima do homem se expressa por meio de sensibilidade, ternura e paciência, representando sua própria criatividade. O denominado homem metrossexual parece ser o triunfo do anima em seus aspectos positivos e negativos. Maturidade no uso da sensibilidade é um ganho para as relações afetivas, contudo, quando aplicado a estímulos publicitários e narcisísticos, submetidos a uma nova ordem de valores, aprisionando-o a um estereótipo social, forjado pela indústria cultural, reduzindo-o a “homem-objeto”, isto é aos cumes da vaidade. Neste caso, o anima negativo alcança o apogeu e a mensagem publicitária mascara o alerta de Jung. O homem assume a persona de um narciso absoluto. Amar a si mesmo pode incorrer em complexas relações afetivas. Este paper, certamente, não esgota um assunto cuja amplitude e profundidade merece reavaliações constantes. Não obstante, a atividade crítica é papel fundamental do universo acadêmico e a reelaboração das idéias um papel essencial do pesquisador. No mundo da super abundância das imagens e do império sedutor da publicidade, a imagem da fêmea e do macho pós-industrial, enquanto modeladores e impositores de um padrão de consumo ou referencial para o consumo são e serão sempre alvos de análises, uma vez que representam simulações ideológicas, indução de comportamento, formação de hábitos culturais, indicadores artificiais de estilos de vida;

A propaganda na visão de Mena Barreto(1982) :

É irracional, unilateral, discricionária, apenas pseudo coloquial. Ela persuade, move as pessoas: através de informações ideologicamente verdadeiras ou não, através da humanização sincera ou não: através de simbolismos e folguetos freudianos, através

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22do erotismo e de promessas a todos os seus sentidos: através, tantas vezes, de uma atmosfera onírica, onírica irreal, aquelas atmosfera de lares felizes, de nenês, de papais, de mamães e totós adoráveis, de juventude esfusiante em buggies que se despencam em praias ensolaradas, de automóveis que estacionam em porta de palacetes, iates,aviões a jato e particulares... Tudo o que você quer, tudo o que você gosta, tudo o que você merece, contanto que...(1982:120)

Resumidamente Barreto conclui que como uma figura de catecismo o plano a ser consumado é o do “demônio” da sedução. Um demônio que impressiona admiravelmente bem e começa o trabalho da tentação. Está a serviço dos interesses reais de quem paga, age através dos veículos de comunicação de massa. Usará todas as armas da bajulação, todas as imagens fascinantes, todos os recursos para massagear o ego do alvo a ser convencido e torná-lo contrito, adepto, aliado, integrado. A propaganda não é má, nem boa, muitas vezes é criativa e esteticamente atraente. Para seduzir ela apresenta suas armas. Armas que devem ser estudadas com senso crítico para que se dê ao consumidor a possibilidade de defesa, ante ao bombardeio de imagens e falas. A Le’Ru, provavelmente é uma empresa idônea e seus serviços devem satisfazer as aspirações de seus clientes, mas as imagens de sua publicidade passam pelo crivo de tudo que ai se disse. Para este paper só as imagens interessam.

CREDENCIAIS

Sérgio Bars é formado em Letras pela Usp, Mestre em Ciências da Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. Professor de Comunicação das Faculdades Oswaldo Cruz e membro do NEPI (Núcleo de Estudo da Pesquisa da Imagem) Cásper Líbero São Paulo.

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