22ª jornada de ginecologia e obstetrÍcia … · foco ecogênico intracardíaco pielectasia renal...

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IATROGENIA EM OBSTETRÍCIA Renato Passini Jr - Departamento de Tocoginecologia FCM/UNICAMP março de 2013 22ª JORNADA DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA MATERNIDADE SINHÁ JUNQUEIRA

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IATROGENIA

EM

OBSTETRÍCIA

Renato Passini Jr - Departamento de Tocoginecologia

FCM/UNICAMP – março de 2013

22ª JORNADA DE GINECOLOGIA E

OBSTETRÍCIA

MATERNIDADE SINHÁ JUNQUEIRA

Eu não quero duas doenças:

Uma feita pela naturezae outra feita pelo médico

Napoleão Bonaparte

IATROGENIA Iatros (médico, curandeiro) e genia (origem, causa):

pode aplicar-se tanto a efeitos bons ou maus

Complicações, efeitos adversos, resultados indesejadoscausados ou resultantes do tratamento médico e/ou deoutros profissionais de saúde

Ação ou omissão

Dano, material ou psíquico, causado ao paciente

DIMENSÕES DA IATROGENIA MÉDICA

IMEDIATATARDIA

DIRETAINDIRETA

EVIDENTESUTIL

ORGÂNICAPSÍQUICA

TEMPORÁRIAPERMANENTE

TRATÁVELINTRATÁVEL

Depende não somente da capacidade técnica (relação médico-paciente)

OBSTETRÍCIA: UMA ESPECIALIDADE

“PAR”

Saúde materna e fetal

Direitos de mãe e feto podem colidir

Pouco entendimento de múltiplas questões que interferem

na evolução da gravidez e suas influências sobre a saúde

materna e o desenvolvimento fetal

Influências emocionais muito intensas

Decisões tomadas em certas situações sem tempo para

reflexão

Linha tênue separando a atitude correta da desastrosa

Riscos profissionais elevados

2012 ACOG SURVEY ON PROFESSIONAL

LIABILITY RESULTS(amostra de 9.006 GOs)

GOs continuam mudando sua prática devidoaos valores de seguro de responsabilidade ereceio de demandas judiciais

15,1% aumentaram indicação de cesárea

13,5% não fazem parto vaginal após cesárea

18,1% reduziram atendimento a gestação de alto risco

8,4% reduziram número total de partos

5,0% pararam de exercer obstetrícia

Processos 77,3% com pelo menos um processo (média de 2,64)

42% com processos relacionados ao período deresidência médica

Principais demandas judiciais Dano neurológico infantil (28,8%)

Natimorto/morte neonatal (14,4%)

Demora/erro no diagnóstico (11,1%)

MEDICINA DEFENSIVA

Risco de fazer mais do que precisa, de fazer o

que não precisa, de não fazer o que precisa

Muitos exames, muitas recomendações, muitas

intervenções

Muitas alterações.... Muitas necessidades

geradas...

O QUE DEVO FAZER?

O QUE É NECESSÁRIO FAZER?

O QUE É POSSÍVEL FAZER?

O QUE NÃO DEVO FAZER?

GUIDELINES E MULTIPLICIDADE DE CONDUTAS

Paradoxo: agir segundo a evidência científica também pode causar iatrogenias, dependendo da situação...

ELEMENTOS ASSOCIADOS A

IATROGENIAS MÉDICAS

Transitoriedade da verdade científica

Período “probatório” de conhecimento novo

Fronteiras do conhecimento científico

Experimentar o “desconhecido”

Improvisações perigosas

Abuso ou uso de tecnologia sem senso crítico

Tratar “exames” e não pessoas

Nesta área específica da Medicina, onde aspectos éticos e emocionais interagem com a prática clínica, é importante não introduzir técnicas empolgantes sem sólida evidência de que elas são benéficas, tanto a curto, como a longo prazo.

ANORMALIDADE

VARIAÇÃO DA

NORMALIDADE

Foco ecogênico intracardíaco Pielectasia renal bilateral leve Artéria umbilical única

Intestino ecogênico Prega nucal espessada Cisto do plexo coróide

Van den Hof ; Wilson. Fetal Soft Markers in Obstetric Ultrasound . J Obstet Gynaecol Can 2005;27(6):592–612

MARCADORES ULTRASSONOGRÁFICOS ENTRE 16 – 20 SEMANAS

Sonho não tem idade

Aos 61 anos, mulher

dá à luz um casal

Únicos

Múltiplos

Mo

rte

sn

eo

nat

ais/

1.0

00

par

tos

Idade Gestacional no parto (semanas)

Triplos

Basso O, Wilcox A. Mortality risk among preterm babies: immaturity

versus underlying pathology. Epidemiology 2010; 21(4):521–527

RISCO DE PARTO PREMATURO SEGUNDO

O COMPRIMENTO CERVICAL AO US

1

50

80

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

30mm 15mm 5mm

%

Heath VC, Southall TR, Sovka AP, et al. Cervical length at 23 weeks of gestation: prediction of spontaneous

preterm delivery. Ultrasound Obstet Gynecol 1998; 12:312–7

PROFILAXIA DE TRABALHO DE PARTO PREMATURO

USO DE PROGESTERONA

ANTECEDENTE DE

PARTO PRÉ-TERMO

COLO

CURTO

O surgimento de um trabalho de parto em

gestação pré-termo reflete alguma

adversidade no ambiente intrauterino?

Se isto for verdadeiro, até onde é melhor

tentar manter o feto neste ambiente?

AGENTES UTEROLÍTICOS

Eficácia

EfetividadeSemelhante

TolerabilidadeMuito

Diferente

Custo

Disponibilidade

Muito

Diferente

O QUE REALMENTE FAZ DIFERENÇA E

MUDA O PROGNÓSTICO EM SITUAÇÕES

DE RISCO DE PARTO PRÉ-TERMO

Corticosteróides para indução de maturidade

pulmonar fetal

Transferência da gestante para ter o parto

em Hospital ou Maternidade que possua UTI

Neonatal de qualidade

SífilisITU

ToxoplasmoseRubéola

HIV, HPV, HSVHepatite B, C

EGB

VOCÊ SABE:

Que exames solicitar?

Interpretar resultados?

Que conduta tomar?

INFECÇÕES PRÉ-NATAIS

SÍFILIS EM GESTANTES E SÍFILIS CONGÊNITA

Bactéria

Resistência à

Ampicilina

Sensibilidade

à AmpicilinaTotal

n = 162(%) n = 155(%) n = 317

Escherichia coli 148 (51) 144 (49) 292 (92)

Klebsiella pneumoniae 11 (100) 0 (0) 11 (3)

Proteus mirabilis 0 (0) 8 (100) 8 (3)

Enterbacter sp. 3 (50) 3 (50) 6 (2)

RESISTÊNCIA À AMPICILINA POR UROPATÓGENOS IDENTIFICADOS EM CULTURAS URINÁRIAS DE GESTANTES

COM PIELONEFRITE AGUDA

Greer LG, Roberts SW, Sheffield JS, Rogers VL, Hill JB, Mcintire DD, Wendel GD Jr.

Ampicillin Resistance and Outcome Differences in Acute Antepartum Pyelonephritis. Infect Dis Obstet

Gynecol. 2008;2008:891426.

DOENÇAS CLÍNICAS, INTERCORRÊNCIAS

OBSTÉTRICAS, ALTERAÇÕES FETAIS

COMO PROCEDER?

INTERRUPÇÃODA GESTAÇÃO

TRATAMENTOCONSERVADOR

USO DE CHECKLIST PARA

CONDUTAS E DECISÕES

OBSTÉTRICAS

Clark SL, Belfort MA, Byrum SL, Meyers JA, Perlin JB. Improved outcomes, fewer cesarean deliveries, and reduced

litigation: results of a new paradigm in patient safety. Am J Obstet Gynecol. 2008 Aug;199(2):105.e1-7.

INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS DE TESTES PARA

AVALIAÇÃO DA VITALIDADE FETAL

TESTE NORMAL FETO NORMAL

TESTE ANORMAL FETO ANORMAL

SENSIBILIDADE

ESPECIFICIDADE

VALOR PREDITIVO POSITIVO

VALOR PREDITIVO NEGATIVO

DECISÃO FRENTE A ALTERAÇÃO DE TESTES DE

VITALIDADE FETAL EM GESTAÇÕES PRÉ-TERMO

• Qual a mortalidade neonatal da Instituição?

• Ex: mortalidade em prematuros = 50/1000

• Se um feto apresenta PBF = 4, é melhor esperar até 35 – 37

semanas (mortalidade perinatal para PBF = 4 é 26/1000)

• A cada semana que o feto permanece no útero entre 25-29

semanas, a mortalidade perinatal cai em torno de 50% (Mari et al, 2007)

ANÁLISE CONJUNTA DE QUADRO CLÍNICO, IDADE GESTACIONAL,

ACHADOS DE VÁRIOS EXAMES, VÁRIOS VASOS E RETAGUARDA NEONATAL

Temos mais chance de morrer no

primeiro dia de vida do que em

qualquer outro...

exceto no último...

Greene K, In Rodeck & Wittle, 2005

O PARTO

QUESTÕES ENVOLVIDAS COM DECISÕES

NO PARTO E PUERPÉRIO

Peso fetal

Circular de cordão

Mecônio

Profilaxia do EGB

Conduta em distócias

Parto operatório

Prevenção de HPP

Profilaxia de infecção

Pós-operatório

Tromboprofilaxia

Aloimunização Rh

Controle doenças

VIA DE PARTO

TAXA DE SUCESSO

RELATIVAMENTE

ALTA

RISCO DE

COMPLICAÇÕES

EFETIVAMENTE BAIXO

EXIGÊNCIAS

EPISIOTOMIA 8 estudos (5541 mulheres): restritiva x rotineira

Redução: trauma perineal grave (RR=0,67/ IC95% 0,49-0,91),

necessidade de sutura (0,71/ 0,61-0,81) e menos complicações

cicatriciais (0,69/ 0,56-0,85)

Aumento: trauma perineal anterior (1,84/ 1,61-2,10)

Sem diferença: trauma vaginal/perineal, dispareunia, incontinência

urinária ou medidas para dor forte

Resultados semelhantes para EMLD e mediana

Carroli Guillermo, Mignini Luciano. Episiotomy for vaginal birth. Cochrane Database of Systematic Reviews. In:

The Cochrane Library, Issue 1, 2013

DISTÚRBIOS DO ASSOALHO PÉLVICO

ASSOCIADOS COM GRAVIDEZ E PARTO

Parto vaginal: há forte evidência associando via de parto

com distúrbios do assoalho pélvico.

Difícil afirmar que a cesárea antes do trabalho de parto

tenha efeito profilático e em que magnitude. Estima-se

que 7 mulheres com todos os partos por cesárea seriam

necessárias para prevenir 1 caso de DAP (Lukacz et al.

Obstet Gynecol. 2006;107(6):1253)

Melhores práticas: reduzir episiotomia e parto vaginal operatório

Handa, Brubaker, Falk. Pelvic floor associated with pregnancy and childbirth. UpToDate, 2012

DOR NO TRABALHO DE PARTO

Colégio Americano de Ginecologia e

Obstetrícia: "o parto resulta em uma dor severa

para a mulher. Não existe outra situação onde

se considere aceitável para o ser humano

experimentar dor tão severa que pode ser

aliviada com segurança sob cuidado médico.

SOLICITAÇÃO MATERNA é suficiente

justificativa para alívio da dor do parto.

Edital MCT/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTIE/DECIT Nº 057/2009

Conceito: aquela que não contém indicações

médicas que a justifiquem e que tenha sido

agendada com anterioridade à data do nascimento

da criança

CESÁREA DESNECESSÁRIA

CESÁREA POR SOLICITAÇÃO MATERNA NÃO

PODE SER UMA INDICAÇÃO MÉDICA?

Medo do trabalho de parto

Temor de risco para o RN

Preocupação com disfunção

sexual e urinária

Gravidez após reprodução

assistida

Primiparidade tardia

• Violência pessoal

• Parto traumático

• Morte de um filho

• Ansiedade

• Depressão

• Controle do processo do

parto

CESÁREA POR RAZÕES NÃO MÉDICAS NO

TERMO

Nenhum estudo foi selecionado.

Conclusões dos autores: não há evidência de ECA

para fundamentar qualquer recomendação prática

referente a cesáreas programadas por razões não

médicas. Na falta de ensaios clínicos, há

necessidade urgente de revisão sistemática de

estudos observacionais e uma síntese de dados

qualitativos para melhor avaliar efeitos a curto e

longo prazo da cesárea e do parto vaginal.

Lavender Tina, Hofmeyr G Justus, Neilson James P, Kingdon Carol, Gyte Gillian ML. Caesarean section for non-

medical reasons at term. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 12, 2012

0,2

0,8

1,9

3,0

10,0

68,0

40,047,0

24,0

6,0

0

2

4

6

8

10

12

0 1 2 3 4+

0

10

20

30

40

50

60

70

80

INCIDÊNCIA DE PLACENTA PRÉVIA SEGUNDO O NÚMERO DE

CESÁREAS ANTERIORES

Dildy, Postpartum hemorrhage: new management options.

Clin Obstet Gynecol 2002; 45(2):330

Passini et al, 2010

PREMATURIDADEIATROGÊNICA

MORTALIDADE INFANTIL E

NEONATAL

0

2

4

6

8

10

12

14

34 35 36 37 38 39 40 41

Infantil Neonatal

Nancy Chescheir, M. Kathryn Menard. Scheduled Deliveries: Avoiding Iatrogenic Prematurity. Amer J Perinatol 2012; 29(01): 27-34

Pré-termo tardio Termo precoce

5

9

0

21

6

25

1

28

0

5

10

15

20

25

30

IG > 38s IG ≤ 38s

Hipoglicemia Dificuldade amamentação Problema respiratório Hipotermia

INCIDÊNCIA DE COMPLICAÇÕES NEONATAIS EM CESÁREAS ELETIVAS, SEGUNDO IDADE GESTACIONAL DE NASCIMENTO

Complicação Idade

Gestacional

p OR (IC95%)

≥ 38s 37s

Respiratória 9,1 36,8 < 0,001 5,8 (2,2-15,4)

Hipoglicemia 7,6 13,2 NS -

Hipotermia 1,5 41,2 < 0,001 45,5(6-347)

Amamentação 0 30,9 < 0,001 -

Hourani M, Ziade F, Rajab M. Timing of planned caesarean section and the morbidities of the newborn. N Am J Med Sci.

2011;3(10):465-8

BENEFÍCIOS E RISCOS NEONATAIS DA CESÁREA POR

SOLICITAÇÃO MATERNA EM RELAÇÃO À TENTATIVA DE

PARTO VAGINAL

NIH State-of-the-Science Conference: Cesarean Delivery on Maternal Request. March 27-29, 2006

Evidência de baixa qualidade:

• prematuridade iatrogênica, com morbidade neonatal

• permanência hospitalar do RN

• mortalidade fetal (redução de pós-termo)

• hemorragia intracraniana, asfixia neonatal e encefalopatia

• tocotraumatismo fetal (lesão de plexo braquial, lacerações)

• infecção neonatal

CESÁREA POR SOLICITAÇÃO MATERNA

ACOG Committee Opinion, 394, 2007

Benefício: ↓ risco de hemorragia materna (primeira cesárea x

parto vaginal)

Riscos: maior permanência hospitalar, problemas respiratórios

no RN, complicações em futuras gestações (ruptura

uterina, anormalidades de implantação placentária)

Recomendações:Só deve ser realizada a partir de 39 semanas;Não deve ser feita por indisponibilidade de analgesia;Não deve ser feita quando a mulher deseja muitos filhos.

REDUÇÃO DE IATROGENIAS EM

OBSTETRÍCIA

Mantenha-se atualizado e não despreze a experiência.

Nada como um boa anamnese! Examine detalhadamente!

Saiba ouvir o paciente, valorize suas queixas, explique o suficiente para ser

entendido, veja se ele concorda com o que será feito.

Indique e peça exames dentro de um limite razoável.

Analise criteriosamente e criticamente resultados da história clínica, exame clínico e

exames solicitados.

Não utilize medicamentos sem comprovação de efetividade ou sem atentar para

tolerabilidade materna e fetal.

Indique tratamentos e procedimentos justificáveis para a saúde.

Reflita sobre o melhor momento para as intervenções e não exagere indicações.

Atue de forma mais planejada e organizada, reduzindo o improviso.

Mantenha sempre a concentração e o controle, tanto em situações rotineiras, quanto

em emergências.

2006

“Não sendo a medicina uma ciência de

cálculo, nem uma ciência apenas descritiva, e

possuindo em seu raciocínio uma parte tão

importante como os fatos, ela está cheia de

erros, por causa da nossa ignorância sobre um

número infinito de pormenores. Na medicina,

exatamente como em qualquer outro ramo dos

nossos conhecimentos humanos, as cabeças de

Hidra do erro renascem e multiplicam-se, à

medida que vão sendo cortadas”.

Dicionário Clássico de Medicina

Interna e Externa - século XIX

OBRIGADO PELA ATENÇÃO!

William Osler: “A boa

medicina clínica sempre sabe

unir a arte da incerteza com

a ciência da probabilidade”