corte especial - superior tribunal de justiça - o ... · agravo regimental na reconsideraÇÃo de...

66
Jurisprudência da Corte Especial

Upload: trandat

Post on 14-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Jurisprudência da Corte Especial

AGRAVO REGIMENTAL NA RECONSIDERAÇÃO DE DESPACHO NO MANDADO DE SEGURANÇA N. 14.069-DF (2008/0286459-0)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Agravante: Alberto Sérgio de Souza Castro e outro

Advogado: Victor Augusto de Souza Castro

Impetrado: Ministro Relator do Agravo de Instrumento n. 1.041.392 do

Superior Tribunal de Justiça

EMENTA

Mandado de segurança. Ato judicial que reproduz jurisprudência

da Corte. Oposição de embargos declaratórios ainda não julgados.

Súmula n. 267-STF.

I - O ato acoimado, consistente em acórdão proferido em agravo

de instrumento, reproduzindo jurisprudência deste STJ no tocante

à necessidade de comprovação do pagamento do porte de remessa

e retorno dos autos, não apresenta traço de irregularidade, o que

inviabiliza o mandamus.

II - Por outro lado, o acórdão entelado sofreu a oposição de

embargos de declaração por meio dos quais, explicita o impetrante,

seriam dirimidas omissões em seu favor. Neste ponto, verifi cando que

o acórdão objeto do mandamus poderia ainda sofrer alterações, resta

evidenciada a aplicação da Súmula n. 267-STF.

III - Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A

Corte Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Luiz

Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Nilson Naves, Fernando

Gonçalves, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido e

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

18

Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedidos o Sr. Ministro

Ari Pargendler e a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Ausente, justifi cadamente, o

Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 25.03.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de agravo regimental contra a

decisão proferida às fl s. 182.

Naquela decisão, o Ministro Hamilton Carvalhido, no exercício da

Presidência do STJ, indeferiu liminarmente o mandado de segurança impetrado

em face do acórdão abaixo ementado, verbis:

Processo Civil. Agravo de instrumento. Peça essencial. O comprovante de pagamento do porte de remessa e retorno dos autos é peça indispensável para a verifi cação da regularidade do recurso especial. Agravo regimental não provido.

Para indeferir o mandamus aplicou-se a Súmula n. 267 do STF, observando-

se que ainda cabia recurso contra a decisão hostilizada.

No presente agravo regimental o recorrente afirma que impetrou o

mandamus antevendo consumar-se a coisa julgada, a despeito da oposição de

embargos declaratórios ainda não decididos.

Pugna pela reforma da decisão.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Não assiste razão ao recorrente.

A questão de piso calcada em ação ordinária de cobrança do Banco do

Brasil contra o impetrante, não integra a seara decisória hostilizada no presente

mandado de segurança.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 19

Com efeito, a decisão hostilizada tem o seguinte teor, verbis:

Processo Civil. Agravo de instrumento. Peça essencial. O comprovante de pagamento do porte de remessa e retorno dos autos é peça indispensável para a verifi cação da regularidade do recurso especial. Agravo regimental não provido.

De logo se vê que o acórdão encimado está lastreado em diversos precedentes no mesmo teor entalhado no decisório atacado.

Neste sentido, cito os seguintes julgados, verbis: AgRg no Ag n. 1.062.372-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03.02.2009; AgRg no Ag n. 1.015.082-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2008; AgRg no Ag n. 834.839-BA, Ari Pargendler, DJe 05.08.2008; AgRg no Ag n. 816.836-RS, Paulo Gallotti, DJ 22.10.2007 e AgRg no Ag n. 630.190-MG, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 04.04.2005.

Neste panorama o mandado de segurança seria incabível por não se vislumbrar qualquer traço de ilegalidade no ato questionado.

Por outro lado, o acórdão entelado sofreu a oposição de embargos de declaração por meio do qual, explicita o impetrante, seriam dirimidas omissões em seu favor.

Neste ponto, verifi cando que o acórdão objeto do mandamus poderia ainda sofrer alterações, resta evidenciada a aplicação da Súmula n. 267-STF, verbis:

Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

Tais as razões expendidas, nego provimento ao presente agravo regimental.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA N. 4.289-EX (2009/0147390-0)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: António Carlos da Costa Pereira

Advogado: Nivaldo Migliozzi

Jusrogante: Tribunal Judicial de Santa Comba Dão

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20

EMENTA

Agravo regimental. Carta rogatória. Citação. Ação penal. Cópia

integral da ação penal. Desnecessidade. Art. 5º, alínea c, do Tratado

de Auxílio Mútuo em Matéria Penal - Decreto n. 1.320/1994.

Impossibilidade de prisão civil de depositário infi el. Irrelevância.

– A peça acusatória do Ministério Público português contém a

narrativa, a data, o local dos fatos e a indicação da infração, elementos

sufi cientes à realização das diligências solicitadas, nos termos do

disposto no art. 5º, alínea c, do Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria

Penal, assinado entre o Brasil e Portugal e promulgado pelo Decreto

n. 1.320/1994.

– A vedação da prisão do depositário infi el no ordenamento

jurídico brasileiro não impede a realização da citação do interessado

para responder à ação penal ajuizada no exterior.

Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp e Hamilton Carvalhido.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Brasília (DF), 16 de junho de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator

DJe 03.08.2010

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 21

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Trata-se de agravo regimental (fl s.

119-129 e 131-141) interposto por António Carlos da Costa Pereira contra a

decisão que concedeu exequatur (fl s. 112-114) para que ele fosse citado em ação

penal pelo suposto crime de "descaminho ou destruição de objetos colocados

sob o poder público" e a tomada dos Termos de Constituição de Arguido e

de Identidade e Residência. Segundo a peça acusatória do Ministério Público

português (fl s. 19-21), o agravante teria removido para local desconhecido o

bem penhorado e colocado sob seus cuidados.

O agravo regimental repisa os argumentos apresentados na contestação

(fl s. 42-50), quais sejam, a inadmissibilidade no ordenamento jurídico brasileiro

da prisão civil de depositário infi el e a necessidade de juntada aos autos da cópia

integral da ação penal.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso (fl .

145).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): A irresignação não merece

prosperar.

Conforme asseverado na decisão agravada, a peça acusatória do Ministério

Público português (fl s. 19-21) contém a narrativa, a data, o local dos fatos

e a indicação da infração, elementos sufi cientes à realização das diligências

solicitadas, nos termos do disposto no art. 5º, alínea c, do Tratado de Auxílio

Mútuo em Matéria Penal, assinado entre Brasil e Portugal e promulgado pelo

Decreto n. 1.320/1994. Nesse sentido, confi ra-se o seguinte precedente:

Carta rogatória. Agravo regimental. Citação para ação penal e tomada do Termo de Identidade e Residência. Alegado cerceamento de defesa por ausência de documentos. Descrição sufi ciente dos fatos na peça acusatória. Art. 5º, alínea c, do Decreto n. 1.320/1994.

– O despacho que recebeu a acusação na Justiça rogante contém narrativa sufi ciente de todos os fatos, o que afasta a alegação de cerceamento de defesa.

– Nos termos do art. 5º, alínea c, do Decreto n. 1.320/1994, o pedido de auxílio deve conter a infração a que ele se refere, "com a descrição sumária dos fatos e

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

22

indicação da data e local em que ocorreram", circunstâncias presentes na peça acusatória.

Agravo regimental improvido. (AgRg na CR n. 3.998-PT, da minha relatoria, Corte Especial, DJe de 17.12.2009).

No que concerne à questão da vedação da prisão do depositário infi el,

destaco o seguinte trecho da manifestação do Ministério Público Federal (fl .

145):

[...] não cabe confundir prisão civil com a persecução do crime cometido pelo depositário, sendo que os fatos delituosos são, em tese, enquadráveis no art. 168, II, do Código Penal. Demais, ao contrário do que ocorre com os pedidos de extradição, na carta rogatória, pelo menos naquelas que têm por objeto medidas de primeiro nível, não se exige a dupla incriminação, inclusive para que não seja sonegado ao interessado o direito de ter conhecimento da existência de uma acusação em curso na Justiça estrangeira. Nessa linha dispõe o art. 1º, n. 4, do Tratado: “o auxílio é independente da extradição, podendo o mesmo ser concedido nos casos em que aquela seria recusada”. Nesse sentido: AgRg nos EDcl na CR n. 2.727-PT, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 10.12.2007):

A necessidade de dupla tipificação não incide em se tratando de medidas de assistência de primeiro nível, que, por sua natureza, podem ser qualifi cadas como meramente procedimentais.

Verifica-se, portanto, que a vedação da prisão do depositário infiel

no ordenamento jurídico brasileiro não impede a realização da citação do

interessado para responder à ação penal ajuizada no exterior.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 2.203-CE (2009/0089400-4)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Agravante: Estado do Ceará

Procurador: Othavio Cardoso de Melo e outro(s)

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 23

Agravado: Patrimonial Serviços de Mão de Obra Ltda

Advogado: Manuel Luis da Rocha Neto e outro(s)

Requerido: Desembargador Relator do Agravo de Instrumento n.

2009000616707 do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

EMENTA

Suspensão de segurança. Tratando-se de licitação, o maior

número de concorrentes induz propostas com preços menores, não

havendo justifi cativa para a limitação imposta pelo edital; parte da

mão de obra terceirizada a ser contratada não demanda qualquer

especialização, e aquela que o exige pode ser substituída se os indicados

não demonstrarem a expertise sufi ciente. Caso em que o interesse

público parece estar melhor protegido pela medida liminar deferida

no âmbito do tribunal a quo do que pela pretensão de ver suspensos os

respectivos efeitos. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos

do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir

Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Nancy Andrighi,

Laurita Vaz, João Otávio de Noronha e Teori Albino Zavascki votaram com

o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Ausentes,

justifi cadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e, ocasionalmente, os Srs.

Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Luiz Fux. Presidiu o julgamento o Sr.

Ministro Nilson Naves.

Brasília (DF), 12 de abril de 2010 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 07.06.2010

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

24

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a decisão de fl .

158-161, a teor das seguintes razões, in verbis:

Ocorre, Sr. Ministro, que o Mandado de Segurança perdeu seu objeto quando da adjudicação do contrato do licitante vencedor, que ocorrera no dia 20.04.2009, antes que a decisão do Desembargador do TJ-CE houvesse sido sequer prolatada (22.04.2009).

Como nunca houve liminar assegurando a participação da impetrante em momento anterior à adjudicação do contrato, o presente Mandado de Segurança perdeu completamente seu objeto, mormente quando se trata de um mandado preventivo, que apenas visava assegurar à impetrante a participação em outras fases do certame.

(...)

Portanto, não há como cumprir uma decisão que ordena a suspensão de algo que não mais existe. Por este motivo é que o Mandado de Segurança perdeu seu objeto, nada impedindo que a impetrante busque, por outros meios, o seu direito.

Neste passo, não haveria mais interesse de agir, pela falta superveniente do objeto.

Neste compasso, diante de tais elucidações, demonstra-se, de maneira inequívoca, que o interesse público não está melhor protegido pela medida liminar deferida no pedido de reconsideração, até porque, na ocasião, o procedimento licitatório já se encontrava fi ndo.

(...)

Portanto, feitas essas considerações, espera-se terem sido esclarecidos alguns pontos do presente processo, principalmente no que diz respeito à cronologia e ocorrência dos fatos ocorridos, sempre lembrando que o Mandado de Segurança originário tinha caráter preventivo, cujo objeto resumia-se a assegurar a participação da impetrante nas demais fases do procedimento licitatório, mas que, até o advento da adjudicação do contrato não teve qualquer decisão judicial deferindo o seu pedido liminar (fl . 188-192).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O pedido de suspensão de

liminar foi indeferido à base dos seguintes fundamentos:

(...) o interesse público parece estar melhor protegido pela medida liminar deferida no âmbito do tribunal a quo do que pela pretensão de ver suspensos os respectivos efeitos.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 25

De fato, tratando-se de licitação, o maior número de concorrentes induzirá propostas com preços menores, não havendo justificativa para a limitação imposta pelo edital; parte da mão de obra terceirizada a ser contratada não demanda qualquer especialização, e aquela que o exige pode ser substituída se os indicados não demonstrarem a expertise sufi ciente (fl . 160-161).

A discussão acerca da perda do objeto do mandado de segurança deve se

dar no âmbito do tribunal a quo e não em sede de suspensão de segurança, cuja

fi nalidade é tão somente afastar a possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde,

à segurança e à economia públicas - inexistentes no caso.

Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 2.288-PB (2009/0196981-4)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Estado da Paraíba

Procurador: José Edisio Simões Souto e outro(s)

Agravado: Associação dos Professores de Licenciatura Plena do Estado da

Paraíba APLP

Advogado: Felipe Ribeiro Coutinho Gonçalves da Silva e outro(s)

Requerido: Desembargador Relator do Mandado de Segurança

n. 99920050002149 do Tribunal de Justiça do Estado

da Paraíba

EMENTA

Agravo regimental. Suspensão de segurança. Supressão de

gratificação. Projeto CEPES - Centros Paraibanos de Educação

Solidária.

– Na linha da jurisprudência fi rme desta Corte, as questões de

mérito devem ser enfrentadas no feito principal, mesmo em grau

de recurso. Isso porque o exame aprofundado dos referidos temas

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

26

ultrapassa os limites estabelecidos para a suspensão de liminar ou de

segurança, cujo propósito é, tão somente, obstar a possibilidade de

grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

– O restabelecimento, nos autos de mandado de segurança,

de gratifi cação que vinha sendo recebida por professores há vários

anos, em valor mensal reduzido, não revela grave dano à ordem e à

economia públicas.

Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na

conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade,

negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro

Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Eliana Calmon, Francisco Falcão,

Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino

Zavascki, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior,

Gilson Dipp e Hamilton Carvalhido.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Brasília (DF), 16 de junho de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator

DJe 03.08.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Agravo regimental interposto pelo

Estado da Paraíba contra a decisão de fl s. 150-153, na qual indeferi o pedido de

suspensão assim:

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 27

Cuida-se de pedido de suspensão de segurança concedida, em parte, pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, nos autos do Mandado de Segurança n. 999.2009.000.520-1, nos termos da seguinte ementa:

Mandado de segurança. Administrativo. Professora da rede estadual. Projeto. CEPES. Incorporação de gratificação, conforme o determinado no art. 154 da Lei Complementar n. 39/1985. Caráter temporário. Impossibilidade. Redução. Ilegalidade. Precedentes. Concessão parcial da ordem.

- A gratifi cação especial em decorrência do exercício junto aos CEPES, pela sua própria natureza propter laborem, não poderá ser incorporada aos vencimentos da impetrante. Inaplicabilidade do art. 154 e 213, LC n. 39/1985, e do art. 191, LC n. 58/2003.

- É ilegal e abusiva a ordem da Administração para reduzir gratifi cação instituída em lei, sem qualquer justifi cativa plausível para tal, sendo direito líquido e certo da impetrante ter restabelecido o valor que integra os vencimentos de seus representados, à luz de vários precedentes desta Corte, impondo-se, destarte, a concessão, em parte, da segurança impetrada (fl . 135).

Após ter sido negado provimento ao agravo interno interposto pelo Estado da Paraíba, duas novas decisões foram proferidas pelo relator do writ, a fi m de que se dê cumprimento imediato ao decidido pelo Tribunal de Justiça daquele Estado.

Com isso, no presente pedido de suspensão de segurança, o requerente sustenta a ocorrência de grave lesão à ordem, à segurança e à economia públicas.

Alega que a decisão impugnada “concedeu aumento salarial aos servidores substituídos pela entidade impetrante, determinando, expressamente, o ‘restabelecimento no contracheque dos substituídos da impetrante, o valor antes percebido, em decorrência do projeto CEPES (R$ 380,04 - trezentos e oitenta reais e quatro centavos)” (fl . 11). Salienta que há vedação legal para o imediato cumprimento de decisão que verse sobre a concessão de aumento ou extensão de vantagens aos servidores públicos.

Argumenta, ademais, quanto ao “perigo de lesão à ordem pública administrativa, que a decisão obriga a imediata implantação de vantagem pecuniária sem qualquer menção à dotação orçamentária competente” (fl . 13).

Sobre a lesão à economia pública, aduz o requerente que as finanças do Estado não suportarão “o efeito multiplicador de nefasta decisão” (fl . 14), acabando por prejudicar outros serviços públicos importantes para a comunidade.

Passo a decidir.

Por se tratar de medida excepcional, a análise do pedido de suspensão de segurança deve-se ater aos estritos termos do art. 15 da Lei n. 12.016, de 07 de

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

28

agosto de 2009. Com isso, a decisão será suspensa apenas quando for constatada a existência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não se prestando tal medida ao exame da legalidade ou constitucionalidade das decisões judiciais.

Conforme orientação cristalizada no âmbito desta Corte, o pedido de suspensão, por sua natureza extraordinária, não pode ser utilizado como sucedâneo recursal (SS n. 1.747-MS). Portanto, a argumentação sobre a ilegalidade da decisão impugnada não comporta exame na via eleita, devendo ser discutida em recurso próprio.

Ademais, “a expedita via da suspensão de segurança não é própria para a apreciação de lesão à ordem jurídica. É inadmissível, ante a sistemática de distribuição de competências do Judiciário brasileiro, a Presidência arvorar-se em instância revisora das decisões emanadas dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais” (AgRg na SS n. 1.302-PA, DJ de 18.12.2003, Ministro Nilson Naves).

Quanto à lesão à economia pública, não procede a alegação. Segundo a decisão impugnada, a gratifi cação pertencente aos que trabalham no Projeto CEPES (Centros Paraibanos de Educação Solidária) já existe há mais de quatro anos, não se tratando, portanto, de aumento salarial concedido através da concessão parcial do mandado de segurança em questão. Nesse ponto, fundamenta o em. relator do writ:

Quanto à redução da Gratifi cação, à luz do Princípio da Irredutibilidade dos Vencimentos, vislumbro que houve abusividade da Administração, senão vejamos:

Aduz, por último, a impetrante, que seus substituídos não só tiveram rejeitado o pedido administrativo à incorporação da gratifi cação, como também houve a redução em seus vencimentos, com a diminuição da gratifi cação em evidência, requerendo que fosse restabelecido, nos seus contracheques, o valor da gratifi cação percebida, como demonstrado nos documentos trazidos à colação.

Do mesmo infortúnio, todavia, não padece a alegação da impetrante de que houve infringência ao princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos.

É que, sem maiores explicações, percebe-se que realmente houve redução dos vencimentos dos substituídos da impetrante; e esta redução aconteceu exatamente pelo exercício dos CEPES, sem qualquer fundamento legal a justifi car a malsinada redução, o que impõe, inexoravelmente, a concessão, em parte, da segurança, no sentido de se restabelecer o valor da gratifi cação devida à impetrante (fl . 138).

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 29

Por último, vale salientar que não há possibilidade da ocorrência do efeito multiplicador sustentado pelo requerente, na medida em que a Associação dos Professores de Licenciatura Plena do Estado da Paraíba impetrou o mandado de segurança em nome dos substituídos, já abarcando todos aqueles que percebem a citada gratifi cação.

Não se verifi cam, portanto, os requisitos autorizadores da medida excepcional requerida nos presentes autos.

Diante do exposto, indefi ro o pedido.

Publique-se.

Alega o agravante, inicialmente, que “o pedido de suspensão de segurança

deduzido não questiona a legalidade ou constitucionalidade da decisão, nem

mesmo está sendo utilizado como sucedâneo recursal” (fl . 158). Afi rma mais

adiante que “não se irresigna contra a juridicidade da decisão, invocando error in

procedendo ou error in judicando, com vistas à sua anulação ou reforma, mas sim

pretende demonstrar que a determinação para o cumprimento imediato da decisão

é que irá afetar diretamente a segurança pública e a ordem administrativa” (fl . 159).

Sustenta, ainda, que “o cumprimento imediato de decisão concessiva

de segurança quando conceder aumento ou extensão de vantagens aos

servidores públicos é expressamente vedado” (fl . 159) pelas Leis n. 4.348/1964

e n. 12.016/2009. Argumenta que a referida regra “possui nítido escopo de

proteger a economia pública, haja vista que, se cumprida imediatamente a

segurança concessiva de vantagem pecuniária, o ente público será onerado,

com desembolso extra em favor dos servidores, os quais, se reformada a decisão

pelas instâncias superiores, muito difi cilmente, conforme se vê na prática, terão

condições fi nanceiras de repor as quantias pagas pelo Estado, que amargará

irreparável prejuízo em face da execução imediata de uma segurança ainda

despida do manto da coisa julgada” (fl . 160).

Sobre o mérito da demanda principal, diz o agravante que “o Chefe do

Poder Executivo [...] editou o Plano de Cargo, Carreira e Remuneração do

Magistério Estadual da Paraíba através da Lei n. 7.419/2003, oportunidade em

que regulamentou, em seu art. 28, a concessão da Gratifi cação CEPES, a qual

desde outros governos era concedida de forma aleatória e sem nenhum critério”

(fl s. 161-162). E com a mencionada regulamentação, nivelando-se os seus

valores, “alguns servidores tiveram aumento e outros redução de sua rubrica,

porém, conforme previsto no PCCR, nenhum servidor teve diminuído o valor

fi nal de seus vencimentos” (fl . 162).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

30

No tocante ao efeito multiplicador, alega que “a decisão servirá de

precedente para toda a classe de professores estaduais, que poderão, com base

na equivalência, requerer o aumento da gratifi cação, o que acarretaria verdadeiro

caos econômico no Estado” (fl . 163).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O agravante busca suspender a execução do acórdão proferido nos autos do Mandado de Segurança n. 999.2005.000214-9/001 - TJPB, que concedeu parcialmente a ordem postulada pela Associação dos Professores de Licenciatura Plena do Estado da Paraíba - APLP “apenas para que seja restabelecido no contracheque dos substituídos da

impetrante, o valor antes percebido, em decorrência do projeto CEPES (R$ 380,04

- trezentos e oitenta reais e quatro centavos)” (fl . 139).

No mesmo processo, o Plenário do Tribunal de Justiça da Paraíba negou provimento ao agravo interno entendendo que “a ordem mandamental concedida – em decisão na qual o Judiciário determina que a autoridade coatora pratique o ato administrativo objeto da segurança concedida, atendendo à pretensão do impetrante – é para ser cumprida de imediato” (fl . 141).

Inicialmente, quanto às alegações trazidas no regimental vinculadas a discussões sobre a legalidade da decisão ora impugnada, ressalto que, na linha da jurisprudência fi rme desta Corte, devem ser enfrentadas nos autos do mandamus, mesmo em grau de recurso. Isso porque o exame aprofundado dos referidos temas ultrapassa os limites estabelecidos para a suspensão de liminar ou de segurança, cujo propósito é, tão somente, obstar a possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. O requerimento manejado neste Tribunal Superior não substitui o recurso processual adequado, no qual as matérias de mérito podem ser amplamente discutidas e decididas. Nesse sentido, cito, dentre outros, o AgRg na SS n. 1.936-AC, publicado em 07.05.2009, e o AgRg na SS n. 1.844-PI, publicado em 19.02.2009.

Por outro lado, não procede a alegada lesão à economia pública. Reitero aqui, nos termos da decisão agravada, que a gratifi cação pertencente aos que trabalham no Projeto CEPES (Centros Paraibanos de Educação Solidária) já existe há mais de quatro anos, não se tratando, portanto, de aumento salarial conferido através da concessão parcial do mandado de segurança em questão. Veja-se, a propósito, o que disse o relator do writ:

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 31

Quanto à redução da Gratificação, à luz do Princípio da Irredutibilidade dos Vencimentos, vislumbro que houve abusividade da Administração, senão vejamos:

Aduz, por último, a impetrante, que seus substituídos não só tiveram rejeitado o pedido administrativo à incorporação da gratifi cação, como também houve a redução em seus vencimentos, com a diminuição da gratifi cação em evidência, requerendo que fosse restabelecido, nos seus contracheques, o valor da gratifi cação percebida, como demonstrado nos documentos trazidos à colação.

Do mesmo infortúnio, todavia, não padece a alegação da impetrante de que houve infringência ao princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos.

É que, sem maiores explicações, percebe-se que realmente houve redução dos vencimentos dos substituídos da impetrante; e esta redução aconteceu exatamente pelo exercício dos CEPES, sem qualquer fundamento legal a justifi car a malsinada redução, o que impõe, inexoravelmente, a concessão, em parte, da segurança, no sentido de se restabelecer o valor da gratificação devida à impetrante (fl . 138).

Por último, ressalto ser frágil o argumento acerca do apontado efeito

multiplicador, tendo em vista o valor reduzido da gratifi cação em debate e o fato

de que a Associação dos Professores de Licenciatura Plena do Estado da Paraíba

impetrou o mandado de segurança em nome dos substituídos, já abarcando

todos aqueles que, eventualmente, tenham direito à citada gratifi cação.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.103.025-SP (2009/0160976-0)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Procurador: Luis Augusto Moreira Iannini e outro(s)

Embargado: Paulo Pereira Nunes

Advogado: Luiz Carlos Gomes de Sá e outro(s)

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

32

EMENTA

Processo Civil. Reexame necessário. Sentença ilíquida. A

sentença ilíquida proferida contra a União, o Estado, o Distrito

Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito

público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito

senão depois de confi rmada pelo tribunal; a exceção contemplada

no § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil supõe, primeiro,

que a condenação ou o direito controvertido tenham valor certo e,

segundo, que o respectivo montante não exceda de 60 (sessenta)

salários mínimos. Embargos de divergência conhecidos e providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, conhecer dos embargos de divergência e dar-lhes provimento nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves,

Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão,

Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha e Teori Albino Zavascki

votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justifi cadamente, a Sra. Ministra

Eliana Calmon e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Nilson Naves, Gilson Dipp

e Luiz Fux.

Brasília (DF), 12 de abril de 2010 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 10.05.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O Instituto Nacional do Seguro Social -

INSS opôs embargos de divergência contra o acórdão proferido pela Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatora a Ministra Laurita Vaz, assim

ementado:

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 33

Processual Civil e Previdenciário. Agravo regimental no recurso especial. Decisão monocrática do relator com arrimo no artigo 557 do CPC. Cabimento. Limitação ao reexame necessário. Introdução do § 2º do art. 475 do CPC pela Lei n. 10.352/2001. Causa de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos.

1. Com a nova redação dada pela Lei n. 9.756/1998 ao art. 557 do Código de Processo Civil, o relator pode negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a jurisprudência do respectivo tribunal ou de tribunal superior, ainda que não sumulada. Essa nova sistemática teve como escopo desafogar as pautas dos tribunais, possibilitando, assim, maior rapidez nos julgamentos que de fato necessitem de apreciação do órgão colegiado.

2. O “valor certo” referido no § 2º do art. 475 do CPC deve ser aferido quando da prolação da sentença e, se não for líquida a obrigação, deve-se utilizar o valor da causa, devidamente atualizado, para o cotejamento com o parâmetro limitador do reexame necessário. Precedentes.

3. Agravo desprovido (fl . 415).

As respectivas razões dizem que o acórdão diverge do entendimento

adotado pela Primeira Turma no julgamento do REsp n. 651.929-PR, relator o

Ministro Luiz Fux:

Processual Civil. Recurso especial. Sentença condenatória desfavorável à Fazenda Pública. Artigo 475, § 2º, do CPC. Alteração dada pela Lei n. 10.352/2001. Condenação inferior a 60 salários mínimos. Alcance da expressão valor certo. Critério defi nidor. Sentença ilíquida. Remessa necessária. Cabimento.

1. Controvérsia acerca do alcance da expressão “valor certo” contida no artigo 475, § 2º, do CPC.

2. A Lei n. 10.352, de 26.12.2001, ao regular o reexame necessário, dispôs: “Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confi rmada pelo tribunal, a sentença: (...) § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor”.

3. Neste contexto, impõe-se considerar o espírito do legislador quando da nova reforma processual, que, com o escopo de tornar efetiva a tutela jurisdicional e agilizar a prestação da justiça, excluiu da submissão ao duplo grau obrigatório as causas não excedentes a sessenta salários mínimos, numa coerente correlação com o sistema dos juizados especiais federais (Lei n. 10.259/2001), competente para o julgamento das causas de pequeno valor.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

34

4. In casu, a remessa necessária teve negado o seu seguimento no Tribunal de origem, por entender a ilustre Relatora que a causa em questão, a qual fora atribuído o valor de R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais), portanto, inferior a sessenta salários mínimos, não estava sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição, nos termos do art. 475, § 2º, com a nova redação trazida pela Lei n. 10.352/2001.

5. A condenação baliza-se pelo valor do pedido, que só pode ser genérico nas hipóteses do art. 286, do CPC, tanto mais que diante do pedido líquido é defeso ao juiz proferir decisão ilíquida. Destarte, não havendo pedido condenatório faz-lhe as vezes para fi ns do art. 475, § 2º, do CPC o “valor” do direito controvertido, encartado na inicial através do valor da causa.

6. Entretanto, somente nas hipóteses de pedido genérico e ilíquido autorizadas na lei é lícito submeter a sentença ao duplo grau, posto que a exegese deve ser levada a efeito em prol do interesse público, inexistindo nos autos prova antecipada do quantum debeatur, como no caso sub judice.

7. Destarte, o pedido teve o valor fi xado por estimativa, sendo certo que, nestas hipóteses, não há impugnação e vigora o princípio in dubio pro fi scum, máxime, porque a sentença é ilíquida, conspirando em prol da ratio essendi do art. 475, § 2º, do CPC.

8. Recurso especial provido (DJ de 25.04.2005).

Os embargos de divergência foram impugnados (fl s. 451-453).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): A controvérsia consiste em

determinar-se o alcance da expressão “valor certo” do artigo 475, § 2º, do

Código de Processo Civil. Em se tratando de sentença ilíquida, discute-se qual

o parâmetro para se fi xar o valor do direito controvertido a fi m de verifi car-se o

cabimento do reexame necessário.

A melhor interpretação é aquela adotada no acórdão paradigma.

O artigo 475 do Código de Processo Civil sujeita ao duplo grau de

jurisdição a sentença proferida contra as autarquias da União - esse é o caso dos

autos.

O § 2º do aludido artigo excepciona dessa regra os casos em que a sentença

for condenatória e tiver valor certo.

Diz o texto:

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 35

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

O valor certo, portanto, é aquele não excedente a 60 salários mínimos.

A sentença ilíquida, por defi nição, é sentença sem condenação em quantia

certa. Nessa linha, não se aplica a exceção contida no § 2º do artigo 475 do

Código de Processo Civil.

Voto, por isso, no sentido de conhecer dos embargos de divergência e de

dar-lhes provimento para restabelecer o acórdão proferido pelo tribunal a quo.

RECURSO ESPECIAL N. 940.274-MS (2007/0077946-1)

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros

Relator para o acórdão: Ministro João Otávio de Noronha

Recorrente: Brasil Telecom S/A

Advogado: Carlos Alberto de Jesus Marques e outro(s)

Recorrido: Aparecida Ferreira Bezerra

Advogado: Sandra Pereira dos Santos

EMENTA

Processual Civil. Lei n. 11.232, de 23.12.2005. Cumprimento da

sentença. Execução por quantia certa. Juízo competente. Art. 475-P,

inciso II, e parágrafo único, do CPC. Termo inicial do prazo de 15 dias.

Intimação na pessoa do advogado pela publicação na imprensa ofi cial.

Art. 475-J do CPC. Multa. Juros compensatórios. Inexigibilidade.

1. O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática,

ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o

art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC,

cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da

decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

36

ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo

discriminada e atualizada.

2. Na hipótese em que o trânsito em julgado da sentença

condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer

em sede de instância recursal (STF, STJ, TJ E TRF), após a baixa

dos autos à Comarca de origem e a aposição do “cumpra-se” pelo

juiz de primeiro grau, o devedor haverá de ser intimado na pessoa

do seu advogado, por publicação na imprensa ofi cial, para efetuar o

pagamento no prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não o

efetue, passará a incidir sobre o montante da condenação, a multa

de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de

Processo Civil.

3. O juízo competente para o cumprimento da sentença em

execução por quantia certa será aquele em que se processou a causa no

Primeiro Grau de Jurisdição (art. 475-P, II, do CPC), ou em uma das

opções que o credor poderá fazer a escolha, na forma do seu parágrafo

único - local onde se encontram os bens sujeitos à expropriação ou o

atual domicílio do executado.

4. Os juros compensatórios não são exigíveis ante a inexistência

do prévio ajuste e a ausência de fi xação na sentença.

5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Fernando

Gonçalves, os votos dos Srs. Ministros Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior,

Eliana Calmon, Laurita Vaz, Teori Albino Zavaski, Castro Meira e Arnaldo

Esteves Lima e a retifi cação de voto do Sr. Ministro Luiz Fux, acordam os

Ministros da Corte Especial, por unanimidade, conhecer do recurso especial e,

por maioria, dar-lhe parcial provimento. Vencidos os Srs. Ministros Relator e

Ari Pargendler.

Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Aldir Passarinho

Junior, Gilson Dipp, Eliana Calmon, Laurita Vaz, Luiz Fux, Teori Albino

Zavascki, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro

João Otávio de Noronha, que lavrará o acórdão.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 37

Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão.

Brasília (DF), 07 de abril de 2010 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 31.05.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Eis a ementa do acórdão

recorrido:

Ação de execução. Agravo de instrumento. Intimação para cumprimento da sentença na pessoa do advogado. Conversão da obrigação de fazer em perdas e danos. Conversão da execução de obrigação de fazer para quantia certa. Determinação de juros e multa. Possibilidade. Decisão mantida. Recurso improvido.

Levando em consideração que, com base no princípio da instrumentalidade das formas, a intenção do ordenamento jurídico é no sentido de aproveitar ao máximo os atos processuais, e se não há nada na legislação especifi cando o modo para a intimação do devedor para o cumprimento da sentença, com base na nova Lei n. 11.232/2005, nada impede que seja feito na pessoa de seu advogado.

Não há falar em impossibilidade da conversão em perdas e danos ou em conversão da execução para a modalidade de execução por quantia certa, já que, embora não haja determinação na sentença exeqüenda, tal possibilidade decorre da lei.

Havendo a escolha pela execução por quantia certa, torna-se correto que haja incidência de aplicação de juros e multa por estarmos diante de dívida de valor, sob pena de haver enriquecimento sem causa da agravante, bem como em razão de os encargos serem matéria de ordem pública e, automaticamente, devem incidir sobre dívida de valor (fl . 98).

A recorrente reclama de violação aos arts. 293, 467, 475-J e respectivo § 1º,

do CPC. Em suma, alega que:

- “(...) embora não haja expressa menção à necessidade de intimação para o cumprimento do julgado constitui ato personalíssimo, e, por isso, a intimação deve ser pessoal, ou seja, dirigida diretamente à parte (...)” (fl . 115);

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

38

- “(...) os juros de natureza remuneratória, ou seja, compensatória, para coexistirem com os moratórios, deveriam ter sido fi xados na sentença, posto que os juros legais citados no art. 293 do CPC são os moratórios.” (fl . 118).

A 3ª Turma afetou o julgamento à Corte Especial, no escopo de obter

interpretação segura e defi nitiva para o art. 475-J do CPC.

VOTO

Ementa: Lei n. 11.232/2005. Artigo 475-J do CPC.

Cumprimento da sentença. Intimação da parte vencida. Desneces-

sidade.

- Não é necessária intimação pessoal do devedor para

cumprimento de sentença.

- A multa prevista no art. 475-J do CPC incide quinze dias após

a sentença tornar-se exigível, tanto por haver passado em julgado,

como por estar exposta a recurso sem efeito suspensivo.

- Quem interpõe recurso sem efeito suspensivo contra sentença

condenatória ao pagamento de obrigação líquida corre o risco de - em

caso de insucesso - sofrer a multa cominada pelo art. 475-J.

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): Os arts. 293 e 467,

do CPC não foram prequestionados. Incide a Súmula n. 282-STF.

Quanto à necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento

de sentença, há algo que não pode ser ignorado:

- O Art. 475-J foi concebido para revolucionar o velho sistema consagrado

no Código de 1973; seu escopo é tirar o devedor da passividade, induzindo-o ao

cumprimento da sentença condenatória;

- Para tanto, o novo dispositivo impõe ao devedor condenado a pagar

quantia certa, o encargo de tomar a iniciativa, obedecendo espontaneamente a

ordem do Estado contida na sentença;

- O preceito contido no novo dispositivo adverte para a necessidade de que

a efi cácia da função jurisdicional exige cumprimento voluntário e imediato;

- Não há dúvida de que o objeto estratégico da inovação é tornar as

decisões judiciais mais efi cazes e menos onerosas para o vitorioso.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 39

Antes do advento da Lei n. 11.232/2005, a prestação jurisdicional era

entregue empacotada na sentença, que, no velho sistema, encerrava a lide.

Encerrava, nominalmente. Em substância, contudo, a sentença em nada

satisfazia a pretensão do litigante vitorioso. Este, para receber o benefício

da prestação jurisdicional, devia abrir o pacote que lhe fora entregue com a

sentença.

A tarefa de abertura compelia o credor a retornar ao juiz, exercendo nova

ação para instaurar o processo executivo.

Isso acontecia, porque a sentença de mérito nada entregava. Após recebê-

la, o vitorioso continuava tão carente de justiça como estava antes ao propor a

ação de conhecimento.

Essa anomalia resultava de estrutura em que o CPC foi concebido. Gerada

nos bancos acadêmicos, essa construção admitia a sucessão de três processos

autônomos: de conhecimento; liquidação e execução.

Nessa estrutura, quem ia a juízo buscar um bem da vida, recebia sentença

meramente condenatória. Se o devedor não a cumprisse espontaneamente, o

credor era obrigado ao exercício de nova ação, em busca do efetivo recebimento.

A efetiva entrega da prestação jurisdicional dependia de dois processos,

obrigando o Poder Judiciário a trabalhar duas vezes.

Em homenagem a antigos conceitos, supostamente científi cos, a anomalia

durou entre nós, trinta e dois anos. Hoje, ela desapareceu. O Legislador

fi nalmente percebeu que sentença meramente condenatória é anacronismo

atentatório à economia processual e à dignidade do Poder Judiciário.

Com a Lei n. 11.232/2005, a anomalia desapareceu. A sentença ganhou

novo atributo além da mera condenação, tornando-se mandamental. Agora,

o Estado, além de condenar, substituindo pela sua, a vontade do derrotado,

impõe-lhe obediência. O condenado fi ca obrigado a satisfazer a vontade do

Estado, sob pena de multa legalmente cominada.

A velha tradição de que a execução constitui encargo do credor, inverteu-se.

Agora, o processo continua por inércia, até a completa satisfação do vitorioso.

Essa, é, sem dúvida, a mais importante alteração já sofrida pelo Código

de Processo Civil. Ela tende a provocar profunda reforma cultural. De fato, o

art. 475-J do Código de Processo Civil conduz as partes a duas mudanças de

atitude, a saber:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

40

1. transfere ao devedor, mediante coação pecuniária (multa), o encargo de cumprir espontaneamente a sentença;

2. torna onerosa a recalcitrância do perdedor em cumprir a condenação.

Inverte-se, assim, a velha máxima brasileira de que é bom negócio desacatar decisão judicial.

Vale, aqui, transcrever o dispositivo inovador. Ei-lo:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fi xada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze (15) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

A análise do texto revela que:

a) o novo preceito dirige-se ao condenado a pagar quantia certa ou já fi xada em liquidação, ou seja: em sendo ilíquida a condenação, o art. 475-J não incide;

b) o devedor tem o prazo de quinze dias para efetuar o pagamento;

c) ultrapassado o prazo, incide automaticamente a multa. A incidência - repito - é automática; independe de requerimento ou de qualquer ato declaratório ou constitutivo;

d) após a incidência da multa, o juiz (agora, provocado pelo credor) expedirá mandado de penhora e avaliação. Só então - vale destacar - após incidir a multa é que se faz necessária provocação do credor. Nessa provocação, é lícito requerer o pagamento da condenação, já acrescido da multa;

e) nesse caso, a penhora levará em conta o valor da condenação, acrescido da multa.

O texto é claro e de fácil apreensão. Gerou, contudo, alguma perplexidade.

É que, aparentemente, o art. 475-J não defi ne o termo inicial do prazo de pagamento. Essa suposta lacuna conduziu os intérpretes a várias posições antagônicas. Destaco algumas:

a) alguns entendem que a multa apenas incide, após o retorno dos autos ao juízo da execução, quando o juiz lançar o tradicional despacho de cumpra-se;

b) para outros, além do cumpra-se, é necessária a intimação pessoal do devedor;

c) outra parte dos intérpretes considera a multa devida logo após o trânsito

em julgado (REsp n. 954.859-RS, de minha relatoria na Terceira Turma).

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 41

Parece-me, entretanto que o texto legal é claro: o pagamento é devido a partir do momento em que a condenação tornou-se exigível, ou seja: quando a

sentença passar em julgado ou estiver sob recurso sem efeito suspensivo (Art. 475-I).

Isso signifi ca: intimado da sentença, o condenado poderá:

a) interpor apelação ou

b) opor embargos declaratórios.

Como esses dois recursos, normalmente, produzem efeito suspensivo, o prazo de pagamento não se inicia enquanto pender algum desses apelos.

Julgada a apelação, é possível a oposição de embargos (declaratórios ou infringentes). Como esses recursos têm efeito suspensivo, a condenação ainda não é exigível. Enquanto pender algum deles, não se inicia o prazo de pagamento.

Superados esses dois apelos, abre-se oportunidade para interposição de recurso especial e extraordinário. A partir daí, a situação muda: como ambos apelos carecem de efeito suspensivo, a decisão condenatória torna-se exeqüível transcorridos os quinze dias, contados da publicação do acórdão que rejeitou os embargos. Ultrapassados os quinze dias a multa acrescenta-se à condenação.

Assim ocorre, também, se o devedor deixa a sentença condenatória transitar em julgado. O trânsito em julgado também abre o prazo de quinze dias para fazer o pagamento, sem acréscimo de multa.

Já o devedor que, inconformado com a sentença, interpõe recurso sem efeito suspensivo, corre risco de, em não obtendo êxito, pagar o débito, acrescido da multa.

A multa nada tem com o trânsito em julgado. Sua exigência resulta simplesmente da exigibilidade do título gerado pela sentença tanto por efeito da coisa julgada, quanto da submissão a recurso sem efeito suspensivo (Cf. Luiz Fux. A Reforma do Processo Civil - Ed. Impetus, 2006, p. 122 e ss.).

Em suma: a penalidade incide a partir do momento em que a sentença pode ser executada - defi nitiva ou provisoriamente.

Como afi rmou a Terceira Turma (REsp n. 954.859, de minha relatoria), a incidência da multa resulta do trânsito em julgado da sentença. Decorre, também, da submissão de julgado a recurso apenas devolutivo.

Não é correto o condicionamento da multa à intimação pessoal do devedor. Com efeito, a sentença é um ato processual, cuja ciência às partes é feita mediante intimação (CPC, art. 234) ao advogado da parte (art. 238).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

42

Nada autoriza a tese de que os artigos 234 e 238 não incidem na intimação

das sentenças. A proposição fazia sentido, quando a execução de título judicial

constituía processo autônomo, cujo início dependia de citação.

A intimação - dirigida ao advogado - também é prevista no § 1º do art.

475-J do CPC, relativamente ao auto de penhora e avaliação. Nesse momento -

não pode haver dúvidas - a multa de 10% já incidiu (se foi necessário penhorar,

é porque não houve o cumprimento espontâneo da obrigação em quinze dias).

Com o advento do art. 475-J, a intimação da sentença e a respectiva

execução constituem atos integrantes do processo de conhecimento.

Alguns comentadores exigem intimação pessoal do devedor. Valem-se do

argumento de que não se pode presumir que a sentença - publicada no Diário

Ofi cial - chegou ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la. De fato -

dizem eles - quem acompanha as publicações é o advogado.

O argumento prova demais: fosse ele verdadeiro, a deserção de recursos por

falta de preparo também estaria condicionada à intimação da parte (também

neste caso, obrigada a fornecer o dinheiro necessário ao pagamento das custas).

Não há previsão legal para intimação pessoal. Incidem os artigos 236 e

237, do CPC.

Não se pode esquecer que o advogado não é, obviamente, um estranho a

quem o constituiu. A teor do Código de Ética, baixado pela OAB (art. 8º), cabe

ao causídico comunicar seu cliente de que houve a condenação. Cabe-lhe, assim,

adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que tome as

providências necessárias ao cumprimento da condenação.

O acréscimo de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o

escopo da reforma do processo de execução.

Quem está em juízo sabe que, condenado a pagar, dispõe de quinze dias

para cumprir a obrigação e que, se não o fi zer tempestivamente, pagará com

acréscimo de 10%.

Deve saber, por igual, que ao manejar recurso sem efeito suspensivo,

assume o risco de pagar a multa (ver Athos Gusmão Carneiro - As novas Leis

de Reforma da Execução - Algumas questões polêmicas in Revista da Ajuris, n. 107

(set/2007), p. 363-364).

A necessidade de dar uma resposta rápida e efetiva aos interesses do credor

não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 43

No entanto, o devido processo legal visa ao cumprimento exato das normas

procedimentais. O vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o

Código. Assim como não é lícito subtrair-lhe garantias, é defeso aditá-las além

do que concedeu o legislador em detrimento do devedor.

Não é, pois, necessária a intimação pessoal do devedor para cumprimento

de sentença.

Nego provimento ao recurso especial ou, na terminologia adotada na

Terceira Turma, dele não conheço.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Luiz Fux: O E. Ministro Relator assim expôs a controvérsia,

verbis:

Eis a ementa do acórdão recorrido:

Ação de execução. Agravo de instrumento. Intimação para o cumprimento da sentença na pessoa do advogado. Conversão da obrigação de fazer em perdas e danos. Conversão da execução de obrigação de fazer para quantia certa. Determinação de juros e multa. Possibilidade. Decisão mantida. Recurso improvido.

Levando em consideração que, com base no princípio da instrumentalidade das formas, a intenção do ordenamento jurídico é no sentido de aproveitar ao máximo os atos processuais, e se não há nada na legislação especifi cando o modo para a intimação do devedor para o cumprimento da sentença, com base na nova Lei n. 11.232/2005, nada impede que seja feito na pessoa de seu advogado.

Não há falar em impossibilidade da conversão em perdas e danos ou em conversão da execução para a modalidade de execução por quantia certa, já que, embora não haja determinação na sentença exeqüenda, tal possibilidade decorre de lei.

Havendo a escolha pela execução por quantia certa, torna-se correto que haja incidência de aplicação de juros e multa por estarmos diante de dívida de valor, sob pena de haver enriquecimento sem causa da agravante, bem como em razão de os encargos serem matéria de ordem pública e, automaticamente, devem incidir sobre dívida de valor.

A recorrente reclama de violação aos arts. 293, 467, 475-J e respectivo § 1º, do CPC. Em suma, alega que:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

44

- “(...) embora não haja expressa menção à necessidade de intimação para o cumprimento do julgado constitui ato personalíssimo, e, por isso, a intimação deve ser pessoal, ou seja, dirigida diretamente à parte (...)” (fl . 115).

- “(...) os juros de natureza remuneratória, ou seja, compensatória, para coexistirem com os moratórios, deveriam ter sido fi xados na sentença, posto que os juros legais citados no art. 293 do CPC são os moratórios.” (fl . 118)

A Terceira Turma afetou o julgamento à Corte Especial, no escopo de obter interpretação segura e defi nitiva para o art. 475-J do CPC.

O pedido de vista restou motivado por duas razões ensejadoras da

divergência.

A primeira quanto à nomenclatura que se deve empreender quando se

aprecia o fundamento do recurso; vale dizer: dele se conhece ou não se conhece

ou nega-se ou se dá provimento ao recurso.

A doutrina nacional e alienígena trazida à colação pelo emérito Barbosa

Moreira bem esclarece a questão, verbis:

144. Admissibilidade dos recursos. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito - Todo ato postulatório sujeita-se a exame por dois ângulos distintos: uma primeira operação destina-se a verifi car se estão satisfeitas as condições impostas pela lei para que o órgão possa apreciar o conteúdo da postulação; outra, subseqüente, a perscrutar-lhe o fundamento, para acolhê-la, se fundada, ou rejeitá-la, no caso contrário. Embora a segunda se revista, em perspectiva global, de maior importância, constituindo o alvo normal a que tende a atividade do órgão, a primeira tem prioridade lógica, pois tal atividade só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos indispensáveis para tomar legítimo o seu exercício.

Chama-se juízo de admissibilidade àquele em que se declara a presença ou a ausência de semelhantes requisitos; juízo de mérito àquele em que se apura a existência ou inexistência de fundamento para o que se postula, tirando-se daí as conseqüências cabíveis, isto é, acolhendo-se ou rejeitando-se a postulação. No primeiro, julga-se esta admissível ou inadmissível; no segundo, procedente ou improcedente.

É óbvio que só se passa ao juízo de mérito se o de admissibilidade resultou positivo; de uma postulação inadmissível não há como nem porque investigar o fundamento. Reciprocamente, é absurdo declarar inadmissível a postulação por falta de fundamento; se se chegou a verifi car essa falta, é porque já se transpôs o juízo de admissibilidade e já se ingressou no mérito: a postulação, na verdade, já foi admitida, embora, com má técnica, se esteja dizendo o contrário. A questão relativa à admissibilidade é, sempre e necessariamente, preliminar à questão

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 45

de mérito: a apreciação desta fi ca excluída se àquela se responde em sentido negativo. Neste último caso, quando a admissibilidade é negada pelo órgão ad quem, diz-se que ele não conhece do recurso; no caso contrário, que ele conhece do recurso, e aí duas hipóteses podem verifi car-se: se o órgão ad quem entender que o recurso, além de admissível, é fundado, dá-lhe provimento; se entender que, apesar de admissível, é infundado, nega-lhe provimento.

A distinção entre a decisão de não-conhecimento e a decisão de desprovimento é prenhe de conseqüências práticas. Uma das mais relevantes concerne ao “recurso adesivo”, que caduca quando o órgão ad quem não conhece do recurso principal, mas subsiste (e tem de ser apreciado) quando ao principal se nega provimento (art. 500, n. III, cf., infra, o comentário n. 179 a esse dispositivo).

145. O juizo de admissibilidade: objeto - Objeto do juízo de admissibilidade são os requisitos necessários para que se possa legitimamente apreciar o mérito do recurso, a fi m de dar-lhe ou negar-lhe provimento. Tais requisitos nem sempre coincidem com os do pleno exercício da atividade judicial de primeiro grau. De um lado, compreensivelmente mais rigorosa quando se trata de provocar novo julgamento, alei estabelece condições específi cas para esse funcionamento suplementar da máquina judiciária. De outro, em sistema como o nosso, não raro o objeto do recurso consubstancia questão resolvida, na instância inferior, como preliminar ao juízo de mérito, e relativa, exatamente, à presença ou ausência de um pressuposto processual ou de uma “condição da ação”. Quer isso dizer que determinada questão, com a passagem de um a outro grau de jurisdição, pode deslocar-se do terreno das preliminares, onde se inscrevia, para vir a constituir, no procedimento recursal, o próprio mérito: é o que sucede, por exemplo, na apelação interposta contra a sentença que declara o autor carecedor de ação. Em suma: o mérito, no recurso, não coincide necessariamente com o mérito da causa, nem as preliminares do recurso se identificam com as preliminares da causa. Conquanto se possa estabelecer entre estas e aquelas certa correspondência - à legitimação para agir corresponde, v.g., a legitimação para recorrer -, nem sempre se responde do mesmo modo, aqui e lá, à pertinente indagação: no sistema do Código de 1973, por exemplo, o Ministério Público, ainda quando não tenha legitimidade para propor a ação, funcionando no processo unicamente como custos legis, sempre atem, contudo, para recorrer (art. 499, § 2°).

Os requisitos de admissibilidade dos recursos podem classifi car-se em dois grupos: requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer) e requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercê-lo). Alinham-se no primeiro grupo: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo (v.g., o previsto no art. 881, caput, fi ne) ou extintivo (v.g., os contemplados nos arts. 502 e 503) do poder de recorrer. O segundo grupo compreende: a tempestividade, a regularidade formal e o preparo. Esses requisitos são genéricos, embora possa a lei dispensar algum deles, em tal ou qual hipótese: assim, por exemplo, não dependem de preparo o agravo

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

46

retido (art. 522, parágrafo único), nem os embargos de declaração (art. 536, fi ne), nem os recursos de qualquer natureza “interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal” (art. 511, parágrafo único, na redação da Lei n. 8.950). Podem os requisitos genéricos, todavia, como é intuitivo, assumir aspectos específi cos, variáveis de um para outro recurso, dos quais se tratará nos comentários aos dispositivos pertinentes.

(in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 11ª Edição, Ed. Forense, 2003, p. 260-263)

O segundo tema de eminência prática sobremodo relevante, exsurgente

da novel reforma do CPC no pertinente ao cumprimento da sentença que

contempla ao vencedor prestação pecuniária ou crédito exeqüível, pertine ao

início do momento em que se inicia o prazo de incidência da multa que acresce

ao crédito exeqüendo.

A perplexidade é se essa multa que não tem a mesma natureza das astreites,

mas ontologicamente visa a persuadir o devedor a cumprir voluntariamente

a obrigação, incide tão logo transitada em julgado a decisão, incide a partir

da publicação da decisão atacada por recurso que não tem efeito suspensivo,

ou demanda intimação prévia pessoal do devedor para iniciar o seu ciclo de

incidência.

A matéria encontra resposta na própria exposição de motivos da lei que

inaugurou essa técnica processual de persuasão, ao unifi car as atividades de

cognição e satisfação em procedimento sincrético e processo único.

Sob esse ângulo dispôs o legislador, conferindo ao intérprete a possibilidade

de através da interpretação histórica aferir a mens legis, litteris:

Exposição de Motivos da Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Submeto à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que “inclui e dá nova redação a dispositivos da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, relativamente ao cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa, e dá outras providências”.

2. Trata-se de proposta originária do Anteprojeto de Lei elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, com objetivo de alterar dispositivos do Código de Processo Civil, atinente ao cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa, para possibilitar que a execução da sentença ocorra na mesma relação processual cognitiva.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 47

3. Como fundamento de iniciativa, transcrevo a Exposição de Motivos que acompanhou o Anteprojeto de Lei elaborado pelo Instituto de Direito Processual, da qual são signatários o Sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro, Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o Sr. Petrônio Calmon Filho, e a Sra. Ministra Fátima Nancy Andrighi, a qual denota a necessidade da adoção das normas projetadas:

1. “Na Exposição de Motivos do vigente Código de Processo Civil, o eminente professor ALFREDO BUZAID expôs os motivos pelos quais, na trilha de modelos europeus, propugnava pela unifi cação das execuções da sentença condenatória e dos títulos extrajudiciais, ficando destarte suprimidos a antiga ‘ação executiva’ do diploma processual de 1939 (com base em título extrajudicial) e o executivo fi scal “como ações autônomas” (o executivo fi scal, diga-se, retornou à sua ‘autonomia’ com a Lei n. 6.830, de 22.09.1980).

Como magnífi ca obra de arquitetura jurídica, o Código de 1973 pouco terá deixado a desejar. A prestação jurisdicional, no entanto, tornou-se sempre mais célebre e efi ciente. BARBOSA MOREIRA, escrevendo sobre as atuais tendências do direito processual civil, a esse respeito referiu que “O trabalho empreendido por espíritos agudíssimos levou a requintes de refi namento a técnica do direito processual e executou sobre fundações sólidas projetos arquitetônicos de impressionante majestade. Nem sempre conjurou, todavia, o risco inerente a todo labor do gênero, o deixar-se aprisionar na teia das abstrações e perder o contato com a realidade cotidiana (...) Sente-se, porém, a necessidade de aplicar com maior efi cácia à modelagem do real as ferramentas pacientemente temperadas e polidas pelo engenho dos estudiosos” (‘RePro’ 31/199).

2. As várias reformas setoriais efetivadas no CPC sob iniciativa da Escola Nacional da Magistratura e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, já lograram, em termos gerais, bons resultados. Basta, por exemplo, considerar o progresso, não só pragmático mas também em nível teórico, trazido pelo instituto da antecipação dos efeitos da tutela (“novo” apenas em termos de sua generalização), pela célere sistemática do agravo de instrumento (que inclusive muitíssimo reduziu o uso anômalo e atécnico do mandado de segurança), pela maior efi ciência dada à ação de consignação em pagamento, pela introdução da ação monitória, pela ampliação do elenco dos títulos executivos extrajudiciais, pela efi cácia potencializada das sentenças voltadas ao cumprimento das obrigações de fazer e também das obrigações de entregar coisa, e assim por diante.

Além disso, três novos projetos de lei, após anos de debates e de análise de sugestões, vieram a ser aprovados e sancionados, com algumas alterações e vetos, dando origem à Lei n. 10.352, de 26.12.2001, à Lei n. 10.358, de 27.12.2001 e à Lei n. 10.444, de 07.05.2002. Entre os pontos mais relevantes, foram limitados os casos de reexame necessário, permitida a

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

48

fungibilidade entre as providências antecipatórias e as medidas cautelares incidentais, reforçada a execução provisória com a permissão de alienação de bens sob caução adequada, atribuída força executiva lato senso à sentença condenatória à entrega de bens, permitido que o relator proceda à conversão do agravo de instrumento em agravo retido, limitados os casos de cabimento do recurso de embargos infringentes, melhor disciplinada a audiência preliminar, instituída multa ao responsável (pessoa física) pelo descumprimento de decisões judiciais etc.

3. É tempo, já agora, de passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução permanece o “calcanhar de Aquiles” do processo. Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.

Com efeito: após o longo contraditório no processo de conhecimento, ultrapassados todos os percalços, vencidos os sucessivos recursos, sofridos os prejuízos decorrentes da demora (quando menos o damno marginale in senso stretto de que nos fala Ítalo Andolina), O demandante logra obter alfim a prestação jurisdicional definitiva, com o trânsito em julgado da condenação da parte adversa. Recebe então a parte vitoriosa, de imediato, sem tardança maior, o “bem da vida” a que tem direito? Triste engano: a sentença condenatória é título executivo, mas não se reveste de preponderante efi cácia executiva. Se o vencido não se dispõe a cumprir a sentença, haverá iniciar o processo de execução, efetuar nova citação, sujeitar-se à contrariedade do executado mediante “embargos”, com sentença e a possibilidade de novos e sucessivos recursos.

Tudo superado, só então o credor poderá iniciar os atos executórios propriamente ditos, com a expropriação do bem penhorado, o que não raro propicia mais incidentes e agravos.

Ponderando, inclusive, o reduzido número de magistrados atuantes em nosso país, sob índice de litigiosidade sempre crescente (pelas ações tradicionais e pelas decorrentes da moderna tutela aos direitos transindividuais), impõe-se buscar maneiras de melhorar o desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não as há), ainda que devamos, em certas matérias (e por que não?), retomar por vezes caminhos antigos (e aqui o exemplo do procedimento do agravo, em sua atual técnica, versão atualizada das antigas “cartas diretas”...), ainda que expungidos rituais e formalismos já anacrônicos.

4. Lembremos que Alcalá-Zamora combate o tecnicismo da dualidade, artifi cialmente criada no direito processual, entre processo de conhecimento e processo de execução. Sustenta ser mais exato falar apenas de fase processual de conhecimento e de fase processual de execução, que de processo de uma e outra classe. Isso porque “a unidade da relação jurídica e da função processual

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 49

se estende ao longo de todo o procedimento, em vez de romper-se em dado momento” (Proceso, autocomposicióny autodefensa, UNAM, 2ª ed., 1970, n. 81, p. 149).

Lopes da Costa afirmava que a intervenção do juiz era não só para restabelecer o império da lei, mas para satisfazer o direito subjetivo material. E concluía: “o que o autor mediante o processo pretende é que seja declarado titular de um direito subjetivo e, sendo o caso, que esse direito se realize pela execução forçada” (Direito Processual Civil Brasileiro, 2ª ed., v. I, n. 72).

As teorias são importantes, mas não podem transformar-se em embaraço a que se atenda às exigência naturais dos objetivos visados pelo processo, só por apego a tecnicismo formal. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução - proclamou COUTURE, é academia e não processo (apud Humberto Thedoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Ed. Aide, 1987, p.74).

A dicotomia atualmente existente adverte a doutrina, importa a paralisação da prestação jurisdicional logo após a sentença e a complicada instauração de um novo procedimento, para que o vencedor possa fi nalmente tentar impor ao vencido o comando soberano contido no decisório judicial. Há, destarte, um longo intervalo entre a defi nição do direito subjetivo lesado e sua necessária restauração, isso por pura imposição do sistema procedimental, sem nenhuma justifi cativa, quer que de ordem lógica, quer teórica, quer de ordem prática (ob. cit., p. 149 e passim).

5. O presente Anteprojeto foi amplamente debatido em reunião de processualistas realizada nesta Capital, no segundo semestre de 2002, e buscou inspiração em muitas críticas construtivas formuladas em sede doutrinária e também nas experiências reveladas em sede jurisprudencial.

As posições fundamentais defendidas são as seguintes:

a) na esteira das precedentes reformas, os artigos do CPC em princípio mantém sua numeração; mas os acrescidos são identifi cados por letras, e assim também os modifi cados se necessário incluí-lo em diverso Título ou Capítulo;

b) a “efetivação” forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um tempus iudicati, sem necessidade de um “processo autônomo” de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade); processo “sincrético”, no dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as “cargas de eficácia” da sentença condenatória, cuja “executividade” passa a um primeiro plano; em

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

50

decorrência, “sentença” passa a ser o ato “de julgamento da causa, com ou sem apreciação do mérito”;

(...)

(grifos nossos)

À luz dessa interpretação autêntica, tivemos a oportunidade de concluir (in

“A Reforma do Processo Civil”, Ed. Impetus, 2006, p. 122-124)

2.6.2.2. Procedimento

Considerando que o procedimento da resolução de mérito é uma fase do mesmo processo, após liquidado o quantum debeatur inicia-se a etapa de satisfação, cuja ultimação é a entrega da soma ao credor.

Os incidentes que podem ocorrer até a etapa do pagamento ou estão regulados pela novel lei ou encartados na proposta de reformulação do livro II referente à execução extrajudicial.

É exatamente dessa parte que cuidaremos de ora em diante.

Dispõe o artigo 475-J, verbis:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fi xada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

§ 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.

§ 2º Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.

§ 3º O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.

§ 4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.

§ 5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.

A exegese do dispositivo indica que o cumprimento da sentença obedece ao princípio da iniciativa da parte, com a atual distinção de que o credor deve aguardar

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 51

o prazo quinzenal de que dispõe o devedor para pagar a quantia certa, após o que incidirá, além dos juros e correção, a multa atualmente prevista como meio de vencer a obstinação do devedor em não cumprir o julgado.

O demonstrativo do débito que instrui a inicial revelará o quantum debeatur, segundo os critérios originariamente utilizados pelo credor.

Vencido o prazo e descumprida a sentença, inicia-se o “cumprimento da sentença por execução”, aplicando-se o art. 614, II do CPC, que assim dispõe:

Art. 614. Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:

I - com o título executivo, salvo se ela se fundar em sentença (art. 584);

II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;

III - com a prova de que se verifi cou a condição, ou ocorreu o termo (art. 572).

Inegável, assim, que se o artigo 652 do CPC (revogado) que se aplicava à

execução judicial foi substituído pelo artigo 475-J do novel CPC, no sentido de

que o único requerimento que o credor promove é o de penhora e avaliação dos

bens do devedor, escoado o prazo acima indicado.

Deveras, estabelecendo o legislador que a execução provisória processa-

se do mesmo modo que a defi nitiva, forçoso concluir que tanto a decisão

trânsita em julgado quanto a decisão atacável por recurso não dotado de efeito

suspensivo permitem o cumprimento da resolução de mérito que imponha

obrigação pecuniária, com a diferença que esta última (a execução provisória),

pode ser desfeita às custas do credor exeqüente que a inicia sob o pálio do risco

judiciário.

Essa, concessa venia das opiniões em contrário, é a exegese que se nos revela

consoante com a ideologia da reforma de conferir à antiga execução de sentença

a feição de realização per offi cium judicis, sem paralisações ou intervalos, tanto

mais que após longo contraditório, o vencido está vencido e convencido de que é

devedor, nada mais havendo a se lhe informar.

Interpretação diversa além de afrontar a ratio essendi da própria reforma,

implica notável retrocesso, calcifi cando patologicamente o calcanhar de Aquíles

do processo a que se referia Alcalá, Zamora y Castillo, invocado na Exposição

de Motivos pelo legislador.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

52

Esses fundamentos pelos quais acompanho o voto esclarecedor do Ministro

Humberto Gomes de Barros que sintetizou na ementa, entendimento ao qual

fi lio-me:

Lei n. 11.232/2005. Artigo 475-J do CPC. Cumprimento da sentença. Intimação da parte vencida. Desnecessidade.

- Não é necessária intimação pessoal do devedor para cumprimento de sentença.

- A multa prevista no art. 475-J do CPC incide quinze dias após a sentença tornar-se exigível, tanto por haver passado em julgado, como por estar exposta a recurso sem efeito suspensivo.

- Quem interpõe recurso sem efeito suspensivo contra sentença condenatória ao pagamento de obrigação líquida corre o risco de - em caso de insucesso - sofrer a multa cominada pelo art. 475-J.

Por fi m, acrescente-se que na sistemática a intimação do advogado tornou-

se regra, como, v.g., quando intimado para apresentar embargos, substituir bens

penhorados, etc.

Com essas considerações, conheço parcialmente, e na parte conhecida, nego

provimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Ari Pargendler: 1. Nos autos de ação de cumprimento de

sentença proferida em ação civil pública, o MM. Juiz de Direito Dr. Dorival

Moreira dos Santos determinou “a intimação da devedora na pessoa dos

seus advogados, para, no prazo de quinze dias, pagar os valores requeridos

pela exeqüente, atualizados, sob pena de não o fazendo ser-lhe aplicada,

imediatamente, a multa de 10% (dez por cento), nos termos do art. 475-J,

primeira parte, do CPC” (fl s. 28-29).

“Referidos valores” - está ainda dito na decisão - “podem ser atualizados

por simples cálculo aritmético a ser realizado pelo Contador Judicial, mediante

correção dos valores pagos em cada contrato, aplicados juros compensatórios no

importe de 1% (um por cento) ao mês e moratórios de 0,5% (meio por cento)

ao mês; multa moratória de 2% (dois por cento), corrigidos pelo IGPM-FGV”

(fl . 28).

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 53

Seguiu-se agravo de instrumento interposto por Brasil Telecom S/A, a

que o tribunal a quo negou provimento (fl s. 98-103), afastando (a) a necessidade

da intimação da parte para o cumprimento da sentença, e mantendo (b) a

exigibilidade dos juros compensatórios e da multa moratória (fl s. 02-12).

A primeira questão foi resolvida à base da seguinte motivação:

(...) conquanto a Lei n. 11.232, de 22.12.2005, não especifi que o modo como será feita a intimação do devedor para o cumprimento da sentença, entendo que não há prejuízos ao “executado” se a intimação foi realizada na pessoa de seu advogado.

Isso porque a referida lei introduziu um novo sistema executório no ordenamento jurídico visando à celeridade processual e à satisfação do credor, ao unifi car procedimentalmente as ações condenatória e de execução; conseqüentemente, não mais se justifi ca a cobrança de custas para a execução de sentença, nem tampouco nova citação do réu/executado.

A ordem proferida na sentença opera seus efeitos de imediato, ou seja, assim que publicada, caberá a escolha do devedor em cumprir ou não a sentença, no prazo de 15 dias, previsto no caput do art. 475-J. Tanto o é que a lei só prevê a situação de intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, depois de lavrado o auto de penhora e de avaliação, a fi m de oferecer impugnação (fl . 100).

O tribunal a quo assim decidiu a segunda questão:

A agravante, ao fi nal, alega que não merece prosperar, na decisão recorrida, a determinação de acréscimo de juros compensatórios ou de multa sobre o valor da condenação, porquanto se assim proceder a decisão agravada estará ampliando a parte dispositiva da sentença que se constitui no título que embasa a execução que originou o agravo.

Não merece guarida a referida pretensão.

Com efeito, conforme analisado acima, havendo a escolha pela execução por quantia certa, torna-se correto que haja incidência de aplicação de juros e multa por estarmos diante de dívida de valor, sob pena de haver enriquecimento sem causa da agravante, bem como em razão de os encargos serem matéria de ordem pública e, automaticamente, devem incidir sobre dívida de valor (fl s. 102-103).

Os dois temas - salvo melhor juízo, devidamente prequestionados - foram

objeto do recurso especial.

O relator, Ministro Gomes de Barros, deixou de conhecer da matéria

atinente à multa moratória e aos juros compensatórios, ao fundamento de que

os arts. 293 e 467 do Código de Processo Civil não foram prequestionados; e

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

54

o Ministro Luiz Fux, que pediu vista dos autos e votou antecipadamente, não

enfrentou esse tema.

Um e outro mantiveram o acórdão recorrido na parte atinente ao

cumprimento da sentença, embora por fundamentos mais radicais, avançando

na problemática da execução provisória, impertinente à espécie; sustentam que

o prazo para o cumprimento da sentença (ou do acórdão, se for o caso) se conta

a partir da respectiva publicação, depois da regular intimação do procurador

judicial no processo de conhecimento, não distinguindo a sentença sujeita a

recurso sem efeito suspensivo da sentença com trânsito em julgado, in verbis:

“... o pagamento é devido a partir do momento em que a condenação tornou-se exigível, ou seja, quando a sentença passar em julgado ou estiver sob recurso sem efeito suspensivo (art. 475-I)”. (voto do Ministro Gomes de Barros, sublinhado é do texto original).

(...) estabelecendo o legislador que a execução provisória processa-se do mesmo modo que a defi nitiva, forçoso concluir que tanto a decisão trânsita em julgado quanto a decisão atacável por recurso não dotado de efeito suspensivo permitem o cumprimento da resolução de mérito que imponha obrigação pecuniária, com a diferença que esta última (a execução provisória) pode ser desfeita às custas do credor exeqüente que a inicia sob o pálio do risco judiciário (voto do Ministro Luiz Fux).

Em suma, de acordo com esse ponto de vista, já não há citação ou

intimação para o cumprimento do julgado, seja na pessoa do devedor, seja na

pessoa do respectivo procurador; o descumprimento do julgado, e a conseqüente

aplicação da multa de dez por cento sobre o valor da condenação, se dá tão-logo

decorridos quinze dias contados da intimação da sentença, ou se dela tiver sido

interposto recurso, do acórdão prolatado no processo de conhecimento.

2. Todos os membros do Superior Tribunal de Justiça estão interessados

em dar às leis que reformaram o Código de Processo Civil a interpretação que

lhes imprima a maior efi cácia.

Não obstante, aquilo que à primeira vista parece seguir essa trilha pode não

atingir o propósito perseguido - e a espécie é disso um típico exemplo.

Com certeza, a defi nição do trânsito em julgado como termo inicial do

prazo para o cumprimento espontâneo da sentença de condenação em quantia

certa aparenta ser o modo mais rápido para a efetividade da tutela judicial.

No entanto, a experiência de quem vive o cotidiano forense suscita dúvidas

a esse respeito.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 55

Quid, se havendo recurso, e sendo este provido total ou parcialmente, o prazo de quinze dias para o cumprimento da sentença tiver decorrido antes da baixa dos autos ao primeiro grau de jurisdição? Deve-se presumir que o vencido teve conhecimento do julgado? Salvo melhor juízo, não.

Suponha-se que, no futuro, todos os tribunais do País tenham organização e sistemas de informática que permitam o conhecimento dos acórdãos no dia seguinte ao da respectiva prolação. Ainda assim, como se fará o cumprimento da sentença? Diretamente ao credor? E se este, adotando conduta evasiva com o propósito do ganho adicional da multa, recusar o adimplemento oferecido, cumprir-se-á a sentença em autos suplementares? Ou – de acordo com a sugestão feita na sessão anterior, mas data venia contrária a todas as recomendações de economia processual – terá o devedor de se valer de uma ação de consignação em pagamento?

Com a devida licença, o cumprimento da sentença supõe o conhecimento do respectivo teor, e esse conhecimento só pode ser presumido a partir da data em que as partes forem intimadas de que os autos estão no juízo da execução; espontâneo ou não, o cumprimento da sentença é uma forma de execução do julgado.

Diversamente do que preconizam os votos antecedentes, é de rigor, portanto, que - retornando os autos ao primeiro grau de jurisdição - disso as partes tenham conhecimento.

Pergunta-se: basta para esse efeito a intimação do procurador com poderes ad judicia?

Data venia, não. As partes é que devem ser intimadas da sentença, e não os respectivos procuradores, tal como defendido por José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Tereza Arruda Alvim Wambier, in verbis:

(...) é necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação.

No sistema jurídico processual, há intimações que devem ser dirigidas às partes, e intimações que devem ser dirigidas aos advogados. Para tanto, são observados os seguintes critérios, em regra: (a) para a prática de atos processuais que dependem de capacidade postulatória (CPC, art. 36), a intimação deve ser dirigida ao advogado; (b) para a prática de atos pessoais da parte, atos subjetivos que dependem de sua participação e que dizem respeito ao cumprimento da obrigação que é objeto do litígio, a parte deve ser intimada pessoalmente.

Assim, por exemplo, a citação inicial, em regra, é pessoal, permitindo-se excepcionalmente a citação de “procurador legalmente autorizado” (cf. art. 215 do

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

56

CPC). Para a prestação de depoimento pessoal também deve ser a parte “intimada pessoalmente” (CPC, art. 343, § 1º), e assim por diante. Em outros casos, o sistema impõe a intimação do advogado, e não necessariamente a intimação da parte, porque o ato a ser realizado é eminentemente processual, e exige capacidade postulatória (cf., dentre outros, CPC, art. 242, § 2º).

O cumprimento da obrigação não é ato cuja realização dependa de advogado, mas é ato da parte. Ou seja, o ato de cumprimento ou descumprimento do dever jurídico é algo que somente será exigido da parte, e não de seu advogado, salvo se houver exceção expressa a respeito, o que inexiste no art. 475-J, caput, do CPC (Revista de Processo n. 136, p. 290).

Last but not least, a intimação do procurador para que a parte cumpra a sentença supõe que seja dele o encargo de cientifi cá-la do julgado. Imagine-se que o advogado deixe de fazê-lo, ou só possa cientifi car a parte no fi nal do prazo de quinze dias, ou ainda que não tenha como comprovar que lhe deu ciência do acórdão. Em todos esses casos, a parte estará sujeita ao pagamento da multa, e essa circunstância poderá provocar demandas a respeito da responsabilidade civil do advogado, difi cultando sobremaneira a atuação profi ssional deste, que é essencial à administração da Justiça.

3. De outro lado, não há justificativa para a exigência de juros compensatórios e de multa moratória, se estas verbas não constaram da sentença exeqüenda - sabido que elas resultam do direito material, nada tendo a ver com o processo.

Os juros moratórios estão compreendidos no pedido; os juros compensatórios ou remuneratórios, não, só podendo ser exigidos em função de ajuste prévio. Outro tanto, em relação à multa moratória.

Se é assim, o acórdão contrariou, sim, os arts. 293 e 467 do Código de Processo Civil, implicitamente prequestionados pelo tribunal a quo.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe provimento para que, reformado o acórdão de fl s. 98-103, o termo inicial do prazo para o cumprimento hábil da sentença inicie após a respectiva intimação do devedor, excluídos da condenação os juros compensatórios e a multa moratória.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: O relator, Sr. Ministro Humberto

Gomes de Barros, não conheceu do recurso no tocante à violação dos arts. 293

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 57

e 467 do CPC ante a ausência de prequestionamento, fazendo incidir a Súmula

n. 282-STF. Quanto à violação do art. 475-J, do CPC, o voto restou exarado nos

seguintes termos:

Com o advento do art. 475-J, a intimação da sentença e a respectiva execução constituem atos integrantes do processo de conhecimento.

Alguns comentadores exigem intimação pessoal do devedor. Valem-se do argumento de que não se pode presumir que a sentença - publicada no Diário ofi cial - chegou ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la. De fato - dizem eles - quem acompanha as publicações é o advogado.

O argumento prova demais: fosse ele verdadeiro, a deserção de recursos por falta de preparo também estaria condicionada á intimação da parte (também neste caso, obrigada a fornecer o dinheiro necessário ao pagamento das custas).

Não há previsão legal para intimação pessoal. Incidem os artigos 236 e 237, do CPC.

Não se pode esquecer que o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o constituiu. A teor do Código de Ética, baixado pela OAB (art. 8º), cabe ao causídico comunicar ao seu cliente de que houve a condenação. Cabe-lhe assim, adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que tome as providências necessárias ao cumprimento da condenação.

O acréscimo de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o escopo da reforma do processo de execução.

(...)

A necessidade de dar um resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.

No entanto, o devido processo legal visa o cumprimento exato das normas procedimentais. O vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Assim como não é licito subtrair-lhe garantias, é defeso aditá-las, além do que concedeu o legislador - em detrimento do credor.

Não é, pois, necessária a intimação pessoal do devedor para cumprimento de sentença.

Nego provimento ao recurso especial ou, na terminologia adotada na Terceira Turma, dele não conheço.

O Sr. Ministro Luiz Fux, inicialmente, discorre sobre a nomenclatura que

se deve utilizar quando se aprecia o mérito do recurso e exara entendimento

no sentido de que: “dele se conhece ou não se conhece ou nega-se ou se dá

provimento ao recurso”. Em relação ao tema concernente ao art. 475-J do CPC,

acompanha o voto proferido pelo Sr. Ministro Relator, fi liando-se ao juízo

sintetizado na respectiva ementa, e conclui nos seguintes termos:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

58

Por fi m, acrescente-se que na sistemática a intimação do advogado tornou-se regra, como, v.g., quando intimado para apresentar embargos, substituir bens penhorados etc.

Com essas considerações, conheço parcialmente, e na parte conhecida, nego provimento ao recurso especial.

O Sr. Ministro Ari Pargendler ressalta que são dois os temas objeto do

recurso especial, os quais entende que foram devidamente prequestionados:

a) necessidade de intimação da parte para o cumprimento da sentença; e b)

inexigibilidade da multa moratória e dos juros compensatórios. E inaugura a

divergência argumentando, inicialmente:

2. Todos os membros do Superior Tribunal de Justiça estão interessados em dar às leis que reformaram o Código de Processo Civil a interpretação que lhes imprima a maior efi cácia.

Não obstante, aquilo que à primeira vista parece seguir essa trilha pode não atingir o propósito perseguido - e a espécie é disso um típico exemplo.

Com certeza, a defi nição do trânsito em julgado como termo inicial do prazo para o cumprimento espontâneo da sentença de condenação em quantia certa aparenta ser o modo mais rápido para a efetividade.

No entanto, a experiência de quem vive o cotidiano forense suscita dúvidas a esse respeito.

Após alinhavar considerações sobre as difi culdades da hipótese ventilada,

externa entendimento de que o cumprimento da sentença pressupõe o

conhecimento do seu respectivo teor e que ele só pode ser considerado a partir

do momento em que as partes forem intimadas de que os autos estão no juízo

da sentença, pois “o cumprimento da sentença é uma forma de execução do

julgado”. Nesse contexto, considera que não basta intimar o causídico pois: “As

partes é que devem ser intimadas da sentença, e não os respectivos procuradores,

...”. Ressalta também que “a intimação do procurador para que a parte cumpra a

sentença supõe que seja dele o encargo de cientifi cá-la do julgado”.

Em seu voto, o Sr. Ministro Ari Pargendler aprecia ainda a questão

referente aos juros compensatórios ou remuneratórios e à multa moratória,

exarando entendimento de que tais verbas não podem ser exigidas se não

constaram da sentença exeqüenda, sob o fundamento de que “elas resultam do

direito material, nada tendo a ver com o processo”.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 59

Nesse contexto, o voto divergente restou consignado nos seguintes termos:

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento para que, reformado o acórdão de fl s. 98-103, o termo inicial do prazo para o cumprimento hábil da sentença inicie após a respectiva intimação do devedor, excluídos da condenação os juros compensatórios e a multa moratória.

Para melhor compreensão da matéria posta no recurso especial, registro,

inicialmente, que a recorrente insurgiu-se especifi camente contra duas questões:

a) a intimação da devedora na pessoa dos seus advogados via intimação no Diário

da Justiça; e b) inclusão de juros compensatórios que não constaram da sentença

proferida na ação coletiva. É o que se observa desde a interposição do agravo de

instrumento (fl s. 08, 10 e 11) e nas razões do apelo extremo, fl s. 106-118, de

onde transcrevo os trechos específi cos, verbis:

IV - Das razões para reforma do acórdão recorrido.

A) Quanto à intimação para cumprimento da sentença ser efetivada em nome dos advogados da parte recorrente.

(...)

B) Quanto aos juros remuneratórios.

(...)

Isto posto, requer seja conhecido e provido o presente recurso para o fi m de reconhecer a violação ao disposto no artigo 475-J e § 1º do CPC para que a intimação para o cumprimento da sentença seja feita pessoalmente à parte, bem assim reconhecer a violação ao disposto nos artigos 467 e 293 do CPC, para que seja excluído do cálculo do valor reclamado pela recorrida qualquer acréscimo a título de juros remuneratórios (fl s. 114, 117 e 118).

Assim posta a questão, e pedindo venia ao eminente Ministro Ari

Pargendler, em relação à matéria concernente à interpretação do art. 475-J -

intimação do devedor pessoalmente ou na pessoa do seu advogado -, tenho que

a melhor doutrina está com o Sr. Ministro relator, pois, do contrário, a longa e

difícil trajetória da reforma da legislação processual civil seria jogada por terra.

Estabelecer-se que o devedor deve ser intimado pessoalmente equivaleria a

reeditarmos a citação do processo executivo anterior, “cuja eliminação foi um

dos grandes propósitos da Lei n. 11.232/2005. A difi culdade de encontrar o

devedor para uma segunda citação após o término do processo de conhecimento

era um dos grandes entraves do sistema anterior e por isso foi eliminada,

conforme expressamente se colocou na exposição de motivos da referida lei.”

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

60

(Paulo Afonso de Souza Sant’Anna, em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Processual, vol. 50, maio-2007, ps. 77/85, citando o Prof. Athos Gusmão Carneiro).

Como bem pontuado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, com a inovação trazida pelo cumprimento da sentença, inverteu-se “a velha máxima brasileira de que é bom negócio desacatar decisão judicial”. O legislador exteriorizou, no referido dispositivo legal, o seu intuito de dar celeridade e efetividade à entrega da prestação jurisdicional e, para tanto, o advogado deve assumir o relevante papel que lhe é atribuído pela nossa Constituição Federal, em seu art. 133, assim como pela legislação que lhe é própria, como o Estatuto da Advocacia e o seu Código de Ética, conforme bem destacado pelo eminente relator.

O ilustre processualista Humberto Th eodoro Júnior (in Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, vol. II, 42ª edição, p. 54) destaca que a intimação pessoal da parte ocorre tão-somente em situações especiais previstas na legislação e que, no caso do art. 475-J, do CPC, a intimação deve ocorrer na pessoa do advogado constituído nos autos, verbis:

Durante a marcha do processo os atos judiciais são intimados aos advogados. Somente em casos especiais expressamente previstos em lei a parte recebe intimação pessoal, como se dá, v.g., no caso de abandono da causa pelo advogado (art. 267, § 1º) e de depoimento pessoal (art. 343, § 1º). Intimado, portanto, o advogado do devedor acerca da sentença publicada, intimado automaticamente estará aquele em cujo nome atua o representante processual. Não há, pois, duas intimações - uma do advogado e outra da parte - para que o prazo de cumprimento da sentença condenatória transcorra. O prazo do art. 475-J é efeito legal da sentença e não fruto de assinação particular do Juiz, donde inexistir necessidade de outra intimação que não aquela normal do ato judicial ao advogado da parte condenada a pagar quantia certa.”

A jurisprudência desta Corte Superior não discrepa desse entendimento

doutrinário e já registra precedentes em que se adota a tese aqui perfi lhada.

Nesse sentido, além daquele citado pelo Sr. Ministro Relator - REsp n. 954.859-

RS, Terceira Turma, de sua relatoria, DJ de 27.08.2007 - menciono o AgRg no

Ag n. 993.387-DF, de minha relatoria, DJ de 18.03.2008 que recebeu a seguinte

ementa:

Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ausência de prequestionamento. Súmulas n. 282 e n. 356 do STF. Artigo 475-J do CPC. Cumprimento da sentença. Intimação pessoal da parte vencida. Desnecessidade.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 61

1. Aplicam-se os óbices previstos nas Súmulas n. 282 e n. 356-STF quando a questão infraconstitucional suscitada no recurso especial não foi enfocada no acórdão recorrido, nem, a respeito, foram opostos embargos de declaração.

2. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação pelos meios ordinários, a fi m de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.

3. Agravo regimental desprovido.

No mesmo diapasão, trago à colação o AgRg no Ag n. 965.762-RJ, Terceira

Turma, relatoria da Ministra Nancy Andrighi, DJ de 30.04.2008, e as seguintes

decisões monocráticas: REsp n. 1.039.232-RS, relator Ministro Sidnei Beneti,

DJ de 22.04.2008; e Ag n. 953.570-RJ, relator Ministro Fernando Gonçalves,

DJ de 27.11.2007.

Quanto a esse tema - intimação do devedor na pessoa do seu advogado

para o cumprimento da sentença, art. 475-J, do CPC -, acompanho o voto do Sr.

Ministro relator.

Necessário também defi nir o momento em que se procederá à intimação

para o pagamento e, via de conseqüência, o transcurso do prazo de 15 dias e

a incidência da multa de 10% fi xada no art. 475-J do CPC, em caso de não

pagamento espontâneo, ou seja, sem que se faça necessária a prática dos atos que

irão levar à satisfação efetiva do credor (expedição do mandado de penhora e

avaliação etc), já que o devedor, intimado na pessoa do seu advogado, não pagou

espontaneamente o valor fi xado no título executivo.

De plano, releva notar que o cumprimento da sentença não se efetiva de

forma automática, isto é, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo

com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao

credor o exercício de determinados atos para o regular cumprimento da decisão

condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre

o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada.

Nessa questão específi ca, acerca da aplicação da multa prevista no 475-J,

considero lapidar a lição do prof. Humberto Th eodoro Júnior (op. cit., p. 53):

A multa em questão é própria da execução defi nitiva, pelo que pressupõe sentença transitada em julgado. Durante o recurso sem efeito suspensivo, é possível a execução provisória, como faculdade do credor, mas inexiste, ainda, a obrigação de cumprir espontaneamente a condenação para o devedor. Por isso não se pode penalizá-lo com a multa pelo atraso naquele cumprimento.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

62

Convém lembrar que o direito de recorrer integra a garantia de devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LV), pelo que o litigante não poderá ser multado por se utilizar, adequadamente e sem abuso, desse remédio processual legítimo. Ademais, se o devedor vencido no processo de conhecimento cumprisse voluntariamente a condenação fi caria inibido de recorrer, conforme a previsão do art. 503, segundo o qual “a parte que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou decisão, não poderá recorrer”. Dessa maneira, há na própria sistemática do direito processual uma inviabilidade de punir-se o devedor por não cumprir a sentença contra a qual interpôs regular recurso.

A execução provisória é mera faculdade do credor, que haverá de exercitá-la, segundo suas conveniências pessoais e sempre por sua conta e risco (art. 475-O, inciso I).

Ha quem defenda a aplicação da multa na execução provisória sob o argumento de que ela teria a função de impedir o uso protelatório do recurso, já que sem ela o executado teria um meio fácil e econômico de impedir a ultimação do processo executivo. Observe-se, no entanto, que a multa do art. 475-J não tem caráter repressivo de litigância de má-fé. Sua função é de mera remuneração moratória. (...)

Dessa forma, concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário

do crédito exeqüendo, o não pagamento no prazo de quinze dias importará

na incidência de multa no percentual de dez por cento sobre o montante da

condenação (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido

prazo o primeiro dia útil seguinte à data da publicação de intimação do devedor

na pessoa de seu advogado, na Imprensa Ofi cial.

Cabe-me, agora, enfrentar a questão nas hipóteses em que o trânsito em

julgado da sentença condenatória com força executiva (sentença executiva)

ocorrer na instância recursal (STF, STJ, TJ ou TRF), e não no juízo originário

da causa. A mim me parece que a melhor solução está na conjugação do art.

475-J com o art. 475-P, inciso II e seu parágrafo único, o qual determina que

o cumprimento da sentença será no juízo que processou a causa no primeiro

grau (inciso II), ou em uma das opções em que o credor poderá fazer a escolha,

na forma do seu parágrafo único (local onde se encontram os bens sujeitos à

expropriação ou o atual domicílio do executado). Portanto, após o trânsito em

julgado da sentença condenatória, o retorno dos autos à Comarca de origem,

a aposição do ‘cumpra-se’ pelo juiz de primeira instância e a intimação do

devedor, na pessoa do seu advogado, a multa de 10% (dez por cento) somente

incidirá após transcorrido, in albis, o prazo de quinze dias previsto no art. 475-J,

caput, do CPC.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 63

O eminente processualista e prof. Ernane Fidélis dos Santos (in As reformas de 2005 e 2006 do Código de Processo Civil, Ed. Saraiva, 2ª ed., p. 55) não discrepa desse entendimento, in verbis:

O prazo começará a fl uir, necessariamente, quando o recurso contra a sentença tiver efeito suspensivo, a partir do trânsito em julgado da decisão, havendo aqui, tormentosas questões de ordem prática a enfrentar.

(...)

Vai haver, na prática, certa questão que merece a contemporização dos julgadores, quando o trânsito em julgado ocorrer nos tribunais. No comum, há certa demora e embaraços na baixa dos autos à comarca de origem, o que, principalmente para aqueles que não têm advogados acompanhando o processo em instâncias superiores, acontece com certa dificuldade no conhecimento do trânsito em julgado. Nesse caso, é de bom alvitre que o prazo de pagamento comece a correr após a descida dos autos, o que será noticiado na forma própria de intimação. Não se trata evidentemente, de intimação para início de execução, mas apenas de notícia de que os autos baixaram e estão à disposição das partes, para os fi ns que entenderem necessários (sem destaque no original).

No caso dos presentes autos, porém, a matéria suscitada pela recorrente diz respeito à intimação e, portanto, ainda não se debate sobre o pagamento da multa, uma vez que o recurso impugna a decisão do juiz de primeiro grau que determinou a intimação da devedora, na pessoa de seus advogados e via Diário da Justiça, para pagamento sob pena de sua incidência (fl . 28).

Em relação aos juros compensatórios, todavia, parece-me que assiste razão ao il. Ministro Ari Pargendler. Isso porque, apesar de os artigos apontados como violados - 293 (interpretação restritiva do pedido) e 467 (coisa julgada) do Código de Processo Civil - não terem sido mencionados no acórdão impugnado, a matéria recorrida (ampliação do pedido) foi expressamente debatida pelo Tribunal a quo e, em razão disso, tenho como prequestionada implicitamente a questão.

Ultrapassado o conhecimento, considero que os juros compensatórios, como não foram fi xados na sentença que ora se executa, não são exigíveis, pois, como bem ressaltado pelo voto divergente do Sr. Ministro Ari Pargendler, eles resultam do direito material, só podendo ser cobrados em função de ajuste prévio.

Diante disso, conheço do recurso especial e dou-lhe parcial provimento para

tão-somente excluir os juros compensatórios da condenação, deixando de fazê-lo em

relação à multa moratória em face da inexistência de pedido nesse sentido.

É como voto.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

64

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: A controvérsia gira em torno da

necessidade de intimação pessoal do devedor para cumprimento da sentença,

nos termos da letra J, do art. 475, do Código de Processo Civil, introduzida pela

Lei n. 11.232, de 2005, verbis:

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fi xada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

O julgamento do especial foi afetado à Corte Especial pela 3ª Turma, “no

escopo de obter interpretação segura e defi nitiva para o art. 475-J do Código de

Processo Civil”, entendendo, no ponto, aquele órgão fracionário, o seguinte:

Lei n. 11.232/2005. Artigo 475-J do CPC. Cumprimento da sentença. Intimação da parte vencida. Desnecessidade.

- Não é necessária intimação pessoal do devedor para cumprimento de sentença.

- A multa prevista no art. 475-J do CPC incide quinze dias após a sentença tornar-se exigível, tanto por haver passado em julgado, como por estar exposta a recurso sem efeito suspensivo.

- Quem interpõe recurso sem efeito suspensivo contra sentença condenatória ao pagamento de obrigação líquida corre o risco de - em caso de insucesso - sofrer a multa cominada pelo art. 475-J.

Houve pedido de vista do Min. Luiz Fux que, após considerações várias,

com invocação, inclusive, dos termos da Exposição de Motivos da Lei n. 11.232,

de 22 de dezembro de 2005, que deu nova redação ao Código de Processo Civil

(Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973), relativamente ao cumprimento de

sentença que condena ao pagamento de quantia certa, acompanha o voto do

Relator, Ministro Humberto Gomes de Barros.

Nova vista é requerida, agora pelo Min. Ari Pargendler, que inaugura

a divergência, conhecendo do recurso e lhe dando provimento em face dos

seguintes argumentos:

- Na hipótese de haver recurso contra a sentença, provido ou parcialmente

provido, não há como supor ter o vencido conhecimento do acórdão antes da

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 65

baixa dos autos ao primeiro grau de jurisdição, momento em que o prazo de

quinze dias a que alude o art. 475-J já pode ter escoado;

- O cumprimento da sentença antes da chegada dos autos ao juízo da

execução coloca o devedor em posição de dependência da vontade do credor

em receber o pagamento, podendo este se esquivar a propósito de receber o

acréscimo decorrente da aplicação da multa prevista na norma em debate;

- O manejo de ação consignatória pelo devedor, conquanto resolva em

parte a questão, atenta contra o princípio da economia processual;

- As partes é que devem ser intimadas da sentença, porquanto o

cumprimento da obrigação é ato subjetivo, dependente da participação pessoal

do devedor;

- A intimação do advogado acerca da necessidade de cumprimento da

sentença transfere a este o encargo de cientifi car o devedor, situação que pode

ensejar demandas a respeito de sua responsabilidade pela incidência da multa; e

- As matérias contidas nos arts. 293 e 467 do Código de Processo Civil

foram implicitamente prequestionadas, devendo o recurso especial ser conhecido

também no ponto, para excluir da condenação os juros compensatórios e a

multa moratória.

Pede vista dos autos, então, o Min. João Otávio de Noronha, acompanhando

o relator no que se refere à possibilidade de intimação do devedor na pessoa

de seu advogado para o cumprimento da sentença, mas compartilhando

do entendimento exposto no voto divergente no que diz com os juros

compensatórios.

Nesse contexto, diante da complexidade da matéria, solicitei vista dos

autos para uma refl exão mais aprofundada acerca da controvérsia e, com a vênia

devida, tenho que a solução alvitrada pelo relator deve prevalecer, com a ressalva

da questão dos juros remuneratórios.

É preciso esclarecer, de início, que cuida a espécie de execução de sentença

proferida em ação civil pública, na qual a ré foi condenada ao cumprimento de

obrigação de fazer. A recorrida, convertendo a obrigação de fazer em perdas e

danos (art. 461, § 1º, do CPC), ingressa com a presente execução individual,

requerendo o pagamento de quantia certa, procedimento admitido pelo juízo de

primeiro grau, que intima o advogado da executada para o pagamento do valor

representado na planilha que acompanha a inicial, sob pena da incidência da

multa prevista no art. 475-J do Estatuto Processual.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

66

Nessa conformidade, ao menos durante a fase de conhecimento, não se

cogitava de condenação por quantia certa ou já fi xada em liqüidação, nem

mesmo de credores específi cos. De fato, o caso concreto pouco se amolda aos

objetivos do art. 475-J apontados pelo relator, quais sejam, retirar do vencedor o

encargo de pedir o cumprimento da obrigação e tornar onerosa a recalcitrância

do perdedor em cumprir a condenação. Isso porque não se está diante de uma

execução comum, mas de uma execução de sentença coletiva. A propósito:

Embargos de divergência. Ação ordinária de natureza coletiva. Execução da sentença. Honorários advocatícios. Lei n. 9.494/1997, art. 1º-D. Inaplicabilidade.

I - A execução destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação ordinária de natureza meramente coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exequente em relação ao direito material.

II - omissis.

III - Embargos de divergência desprovidos. (EREsp n. 720.839-PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 08.02.2006, DJ 02.10.2006, p. 226)

Essa constatação afasta, salvo melhor juízo, algumas possíveis interpretações

do art. 475-J trazidas pela doutrina e expostas nos votos precedentes, que podem

assim ser resumidas, com algumas variantes:

a) o prazo de quinze dias corre da data da exigibilidade da sentença (ou do

acórdão que a substitui), quer em razão de seu trânsito em julgado, quer porque

haja sido interposto recurso recebido sem efeito suspensivo. Assim, prolatada a

sentença condenatória, as partes dela são intimadas por meio de seu advogado,

tomando conhecimento de seu teor. Não interposto recurso, da data do trânsito

em julgado passa a contar o prazo de quinze dias do art. 475-J, incidindo a

multa de 10% sem necessidade de nova intimação. Da mesma forma, interposto

recurso recebido sem efeito suspensivo, o prazo de quinze dias para pagamento

passa também a correr automaticamente, sem a necessidade de qualquer outra

intimação. Essa é a posição defendida pelo Min. Athos Gusmão Carneiro, por

Araken de Assis e por José Roberto Bedaque, entre outros;

b) o prazo de quinze dias começa a correr da intimação do advogado da

prolação da sentença (ou do acórdão que a substitui), ou seja, o prazo do art.

475-J corre em conjunto com o prazo recursal, entendimento de Bruno Garcia

Redondo, e

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 67

c) o prazo de quinze dias começa a correr automaticamente do trânsito

em julgado da condenação, não sendo pertinente a exigência da multa em

hipóteses de execução provisória, posição adotada por Humberto Th eodoro

Júnior e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. (Informações retiradas do artigo “O

Princípio Sententia Habet Paratam Executionem e a Multa do Artigo 475-J

do CPC”, de autoria do Min. Athos Gusmão Carneiro, publicado em Superior

Tribunal de Justiça - Doutrina - Edição Comemorativa - 20 anos, de abril de

2009)

Excluídas essas possibilidades de exegese em vista do caso concreto, a

discussão, quando muito, resta equiparada à hipótese em que, transitada em

julgado a sentença condenatória, os autos retornam ao primeiro grau de jurisdição e

o juiz, provocado pelo interessado, exara o “cumpra-se”, surgindo, aí sim, a questão

acerca da intimação do devedor para pagamento espontâneo, sob pena de multa, se

pode ser feita por meio de seu advogado, ou se é necessária sua intimação pessoal.

Fixado o ponto, creio que a intimação do devedor por meio de seu

advogado é a que melhor atende ao objetivo da reforma, sob pena de não se

poder falar efetivamente em reforma. Com efeito, a execução como apenas uma

fase do processo de conhecimento e não mais como um processo autônomo não

comporta se fale em intimação pessoal, pois essa implica no mesmo ônus da

citação, gargalo ensejador das alterações sobre as quais ora se debate.

Ademais, conquanto essa interpretação imponha um ônus ao advogado,

pode este notifi car o cliente acerca da necessidade de efetivar o pagamento,

utilizando meios para se resguardar de eventuais acusações de responsabilidade

pela incidência da multa, como possivelmente já faz em outras ocasiões, a

exemplo de notifi car o cliente sobre a necessidade do recolhimento do preparo,

sob pena de deserção.

Por outro lado, parece bem mais interessante para o credor receber desde

logo o montante devido, do que ver seu crédito acrescido de 10%, porém sujeito

aos inúmeros percalços da execução para seu recebimento. Nesse contexto, em

linha de princípio, a necessidade de ajuizamento de demandas consignatórias

será uma exceção e não a regra.

No mais, me valho das considerações feitas pelo relator, com as necessárias

adaptações ao caso em comento.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

68

No que respeita aos juros remuneratórios, acompanho o voto divergente,

no sentido de que não podem ser exigidos, porém por outro fundamento. Com

efeito, como dito alhures, o caso concreto cuida de execução de sentença coletiva

relativa à obrigação de fazer, convertida pela exeqüente individual em perdas e

danos. Nesse contexto, creio que a incidência de juros compensatórios somente

seria possível se a conversão tivesse se dado em momento anterior, de modo a

constituir validamente o título ora exigido na execução.

Em face do exposto, conheço em parte do recurso e, nesta extensão, dou-

lhe provimento para afastar os juros compensatórios do valor executado a título

de perdas e danos.

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, a votação do Sr. Ministro

Humberto Gomes de Barros era no sentido de que o prazo corria normalmente.

Quero me alinhar à jurisprudência que está sendo formada agora e retifi co meu

voto para acompanhar o voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Presidente o Sr. Ministro Nilson Naves

Relator o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros

Sessão da Corte Especial - 07.04.2010

Nota Taquigráfi ca

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Sr. Presidente, também voto no

mesmo sentido e lembrando, aliás, que essa regra, embora nova, não afasta as

regras gerais do Código a respeito da contagem dos prazos. Por exemplo, o art.

184, § 2º, e o art. 240, parágrafo único, são expressos no sentido de que os prazos

começam a correr depois da intimação. Então, ali é claro que tem de haver uma

intimação, a não ser quando a lei seja clara e expressa a respeito em sentido

contrário, o que não é.

Acompanho o voto dos Srs. Ministros Fernando Gonçalves e João Otávio

de Noronha e os demais que votaram com S. Exas.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 69

RECURSO ESPECIAL N. 1.110.941-DF (2008⁄0250959-9)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Recorrente: Sandro Martins Silva

Advogado: Antônio César Bueno Marra e outro(s)

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: Os mesmos

Recorrido: Fiat Automóveis S⁄A

Advogado: Flávio Pereira Lima e outro(s)

Recorrido: Alberto Guimarães Andrade

Advogado: Alberto Guimarães Andrade (em causa própria)

Recorrido: Everardo de Almeida Maciel

Advogado: Leonardo Antônio de Sanches e outro(s)

Recorrido: Jorge Victor Rodrigues e outro

Advogado: Irineu de Oliveira e outro(s)

Recorrido: Paulo Baltazar Carneiro

Recorrido: Giovanni Battista Razzelli

Assistido pelo Ministério Público: União

Sustentação oral: José Eduardo Rangel de Alckmin, pela parte recorrente:

Sandro Martins Silva

Fabio Teixeira Ozi, pela parte recorrida: Fiat Automóveis S⁄A

Rodrigo Alves Chaves, pela parte recorrida: Jorge Victor Rodrigues

Aurélio Virgílio Veiga Rios, Subprocurador-Geral da República, pelo MPF

EMENTA

Processual Civil. Ação de improbidade administrativa. Rejeição

sumária por inexistência de ato de improbidade. Exceção para o réu

servidor público. Violação de dever funcional.

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público

Federal em face da alteração da Lei n. 9.779⁄1999, com inclusão de

hipótese isentiva, com intermédio de empresas de consultoria fi scal

(sendo que uma delas pertencia a auditor licenciado da Receita

Federal), que benefi ciou, entre outras empresas, a Fiat Automóveis S⁄A.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

70

Recurso especial de Sandro Martins Silva

I - No tocante à alegada violação ao artigo 460 do CPC e artigos

9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429⁄1982, verifi cando que os temas insertos nos

regramentos indicados não foram examinados no acórdão recorrido,

resta ausente o prequestionamento necessário à admissão do recurso

especial no ponto. Incidência da Súmula n. 282-STF. Há que se

observar ainda, em relação a tais artigos, que o exame da tese do

recorrente, no sentido de que não houve demonstração de auferimento

de vantagem indevida, importa em reexame do conjunto probatório,

com incidência da Súmula n. 7-STJ.

II - No que concerne à alegada indevida aplicação dos artigos

116 e 117 da Lei n. 8.112⁄1982, entendendo o recorrente que no

período de licença não possui vínculo laborativo com o órgão estatal,

verifi co que a tese do recorrente não foi examinada no âmbito do

Tribunal a quo. Incide na espécie a Súmula n. 282 do STF. Observa-se,

ademais, que o recorrente ao indicar os artigos encimados não aponta

os incisos vinculados à sua argumentação, o que atrai outro óbice, qual

seja, o contido no Verbete Sumular n. 284-STF.

III - Recurso especial conhecido parcialmente e, nesta parte,

improvido.

Recurso Especial do Ministério Público Federal

I - O recurso especial do Parquet está fulcrado em dois pontos,

primeiro: a ocorrência de divergência jurisprudencial, entendendo

prevalecer o entendimento no sentido de ser desnecessária a exigência

de prova pré-constituída para o recebimento da ação de improbidade;

e, segundo: alegada ofensa ao artigo 3º da Lei n. 8.428⁄1992, porquanto

deveria ser incluído na ação o réu Paulo Baltazar Carneiro, visto que

teria ele concorrido na prática do ato de improbidade.

II - A divergência jurisprudencial não obedece aos parâmetros

exigidos pelo artigo 255 do RI-STJ, não havendo semelhança fático-

jurídica entre os acórdãos, o que impossibilitou o necessário cotejo

analítico entre as hipóteses. Ainda neste ponto, observa-se que o

recorrente não apontou qual o dispositivo legal que estaria sendo

interpretado de forma divergente entre os Tribunais, o que importa na

incidência da Súmula n. 284-STF.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 71

III - Em relação à alegada ofensa ao artigo 3º da Lei n. 8.429⁄1992,

além do Tribunal a quo não ter examinado os preceitos ali insertos, o

que redundaria na aplicação da Súmula n. 282-STF, verifi ca-se que

os fundamentos utilizados pelo recorrente para apontar tal violação,

sustentando que o réu Paulo Baltazar Carneiro teria concorrido para

a prática do ato de improbidade, atraem o comando da Súmula n.

7-STJ, porquanto, para se aferir tal afi rmação, tem-se impositivo

reexaminar o conjunto probatório.

IV - Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A

Turma,  por maioria, vencidos os Srs. Ministros Luiz Fux e Denise Arruda,

conheceu parcialmente do recurso especial de Sandro Martins Silva e, nessa

parte, negou-lhe provimento e, por unanimidade, não conheceu do recurso do

Ministério Público Federal, tudo nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Benedito Gonçalves votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 04 de agosto de 2009 (data do julgamento)

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 18.02.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de recursos especiais interpostos

pelo Ministério Público Federal, com fulcro no artigo 105, III, a e c da Lex Mater,

e por Sandro Martins Silva, com base no artigo 105, III, a, da Constituição

Federal, em face do acórdão abaixo ementado, verbis:

Administrativo. Ação civil de improbidade administrativa. Medida Provisória n. 1.807⁄1999, art. 10, § 1º, III, e § 2º, III. Instrução Normativa-SRF n. 26, de 25.02.1999, empresa de propriedade e gestão por funcionário. Licença para interesse particular.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

72

1. Merece ser confi rmada a sentença na parte em que, reputando inexistente ato de improbidade administrativa consistente na “venda de legislação tributária” – inclusão sub-reptícia de hipótese de anistia no texto da Medida Provisória n. 1.708⁄1999 e da Instrução Normativa SRF n. 26, de 25.02.1999, veículos normativos válidos, eficazes, de caráter geral e emanados das respectivas autoridades competentes –, rejeita a ação, na forma como lhe autoriza o § 8º do art. 17, da Lei n. 8.429⁄1992. Todavia, descabe a rejeição sumária relativamente a funcionário ao qual se imputa, no período de licença para interesse particular, e fora deste período, a gerência de empresa própria, o que constitui, em tese, ato de improbidade descrito na Lei n. 8.429⁄1992.

2. Provimento parcial da apelação.

O presente feito decorre de ação civil pública de improbidade administrativa

ajuizada pelo Ministério Público Federal em face dos ora recorridos e de Sandro

Martins Silva.

Na referida ação, o MPF explicita que através da Medida Provisória n.

1.807⁄1999 houve inclusão “sub-reptícia” de hipótese de anistia, consubstanciada

no acréscimo do inciso III e parágrafos 1º e 2º ao art. 17 da Lei n. 9.779⁄1999.

Sustentou ainda que a referida Medida Provisória foi ratifi cada pela Instrução

Normativa-SRF n. 26⁄1999, baixada pelo então Secretário da Receita Federal.

Tais regramentos vieram a benefi ciar a empresa Fiat Automóveis S⁄A.

Afi rmou o Parquet que a alteração da referida legislação foi obtida por

intermédio de empresas de assessoria e consultoria fiscal, sendo que uma

delas era de propriedade de Paulo Baltazar Carneiro, então Secretário-adjunto

da Secretaria da Receita Federal, e de Sandro Martins Silva, auditor fi scal

licenciado, à época dos fatos.

Requereu o MPF a anulação da hipótese isentiva, bem assim a condenação

dos réus no ressarcimento ao erário do montante isentado e as demais sanções

cominados pelo art. 12 da Lei n. 8.429⁄1992.

Com relação ao réu Sandro Martins Silva, pleiteou seu afastamento do

cargo público que ocupava.

O juízo de Primeiro Grau rejeitou sumariamente a ação, convencido da

inexistência de atos de improbidade administrativa.

Interposta apelação, o Tribunal a quo se pronunciou da forma resumida na

ementa retrotranscrita.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 73

Entendeu aquele Sodalício que o então Secretário da Receita Federal,

Everardo de Almeida Maciel, ao encaminhar o projeto da Medida provisória e,

em momento posterior, baixar a instrução normativa entelada, não o fez senão

por dever funcional, na medida em que praticava ato inerente às atribuições do

cargo que exercia.

O TRF da 1ª Região, por sua Terceira Turma, entendeu ainda que os atos

praticados pelos réus não caracterizariam atos ímprobos como descritos na peça

exordial e, ainda, que não restou demonstrado qualquer trama ou conluio para a

compra de legislação.

Entendeu por fi m ser acertada a decisão do juízo de primeiro grau que

indeferiu liminarmente a inicial, com extinção do feito, à exceção do réu Sandro

Martins Silva, o qual, segundo aquela Corte de Justiça, deveria ser submetido ao

prosseguimento da ação, porquanto, mesmo licenciado, manteve a titularidade

da gestão da empresa contratada, o que constituiria, em tese, ato de improbidade

descrito na Lei n. 8.429⁄1992.

O recorrente Sandro Martins Silva opôs embargos declaratórios, alegando

que o Tribunal se omitiu ao não indicar em que dispositivo estaria enquadrada

a sua conduta. Sustentou ainda omissão no acórdão recorrido, não se atentando

que na inicial jamais se “imputou ao ora embargante o alegado ato ímprobo

consistente em ‘indevida gerência de empresa’ ainda que em gozo de licença

para fi ns particulares, circunstância que impedira o conhecimento do tema

por parte dessa colenda Turma, segundo o disposto no art. 460 do Código de

Processo Civil e 5º da Constituição Federal.”

O Ministério Público Federal também opôs embargos de declaração para

fi ns de prequestionamento.

Ambos os embargos de declaração foram rejeitados.

No presente recurso especial Sandro Martins Silva alega em síntese:

a) violação ao artigo 535, II, do CPC, entendendo ter havido omissão

acerca dos temas acima referenciados;

b) violação ao artigo 460 do CPC, porquanto “o tema da suposta

improbidade decorrente do gerenciamento de empresa de consultoria tributária

em período de licença para o trato de interesse particular, desse modo, não

poderia ter sido usado para justifi car o recebimento da inicial, já que ela não

contém essa imputação”;

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

74

c) indevida aplicação dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429⁄1982, visto que não haveria se falar em “ato de improbidade administrativo haja vista que ‘não se demonstrou tenha o recorrente auferido’ ‘qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade” na Administração Pública’;

d) indevida aplicação dos artigos 116 e 117 da Lei n. 8.112⁄1990, porquanto, quando do período de licença, deixa o benefi ciário de ser servidor, passando a simples ocupante de cargo efetivo, com exclusão do vínculo laborativo.

Em seu recurso especial o Ministério Publico Federal afi rma que o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, violou dispositivos infraconstitucionais, bem como divergiu da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça. Aduziu, em síntese:

a) que houve divergência jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o REsp n. 811.664-PE, entendendo o recorrente que o Tribunal exigiu a prova pré-constituída para o recebimento da ação de improbidade, enquanto o paradigma consignaria ser sufi ciente a prova indiciária, a qual estaria comprovada nos autos, através de farta documentação;

b) ofensa ao artigo 3º da Lei n. 8.429⁄1992, uma vez que deveria ter sido incluído o réu Paulo Baltazar Carneiro, porque concorreu para a prática do ato de improbidade.

Parecer do Parquet Federal pelo improvimento do recurso de Sandro

Martins Silva.

Após o parecer do Parquet Federal, em face da decisão proferida no AG n. 1.136.819-DF, foi alterada a autuação para incluir o MPF como recorrente, sendo apensado o referido agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Ao analisar primeiramente

o recurso especial de Sandro Martins Silva, verifi co que seu apelo deve ser

conhecido parcialmente.

O Tribunal a quo, no julgamento consubstanciado na ementa retrotranscrita,

não incorreu em qualquer omissão que caracterize violação ao artigo 535

do CPC, ao contrário, explicitamente respondeu às questões formuladas nos

aclaratórios, quando do seu julgamento, conforme se dessume, verbis:

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 75

No que concerne aos embargos de declaração do réu, o fato de a inicial não se prestar para o manuseio da ação de improbidade contra ele, por falta de enquadramento expresso da sua conduta a um dos tipos da Lei de Improbidade ou por nela estar relacionado com ato ímprobo o exercício da gerência da sua empresa, sendo ele servidor público federal, situação reconhecida pelo voto como demonstrativa da desobediência aos artigos 116 e 117 da Lei n. 8.112⁄1990, por isso, em tese, ímproba, é fato que poderia apenas traduzir um erro de julgamento da Turma, mas não uma situação de omissão, contradição ou obscuridade, de forma que não há razão no manuseio dos embargos de declaração, que tem intenção nitidamente infringente.

No tocante à alegada violação aos artigo 460 do CPC e artigos 9º, 10

e 11 da Lei n. 8.429⁄1982, verifi co que os temas insertos nos regramentos

indicados não foram examinados no acórdão recorrido, restando ausente

o prequestionamento necessário à admissão do recurso especial no ponto.

Incidência da Súmula n. 282-STF.

Observe-se ainda, em relação aos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429⁄1982,

que o exame da tese do recorrente, no sentido de que não houve demonstração

de auferimento de vantagem indevida, importa em reexame do conjunto

probatório, com incidência da Súmula n. 7-STJ.

Finalmente, no que respeita à indevida aplicação dos artigos 116 e 117

da Lei n. 8.112⁄1982, entendendo o recorrente que no período de licença não

possui vínculo laborativo com o órgão estatal, verifi co que a tese do recorrente

não foi examinada no âmbito do Tribunal a quo. Incidindo na espécie a Súmula

n. 282 do STF. Observe-se, ademais, que o recorrente, ao indicar os artigos

encimados, não aponta os incisos vinculados à sua argumentação, o que atrai

outro óbice, qual seja, o contido no Verbete Sumular n. 284-STF.

Nesse panorama, é de rigor o improvimento do recurso especial do

recorrente Sandro Martins Silva.

Não merece melhor sorte o recurso especial do Ministério Público Federal.

Rememore-se que o recurso especial do Parquet está fulcrado em dois

pontos, quais sejam: a ocorrência de divergência jurisprudencial, entendendo

prevalecer o entendimento no sentido de ser desnecessária a exigência de

prova pré-constituída para o recebimento da ação de improbidade, e a ofensa

ao artigo 3º da Lei n. 8.428⁄1992, porquanto deveria ser incluído na ação o

réu Paulo Baltazar Carneiro, visto que teria ele concorrido na prática do ato de

improbidade.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

76

Ora, a divergência jurisprudencial não obedece aos parâmetros exigidos

pelo artigo 255 do RI-STJ, não havendo semelhança fático-jurídica entre os

acórdãos, o que impossibilitou o necessário cotejo analítico entre as hipóteses.

Ainda neste ponto, observa-se que o recorrente não apontou qual o dispositivo

legal que estaria sendo interpretado de forma divergente entre os Tribunais, o

que importa na incidência da Súmula n. 284-STF.

Já em relação à alegada ofensa ao artigo 3º da Lei n. 8.429⁄1992, além do

Tribunal a quo não ter examinado os preceitos ali insertos, o que redundaria

na aplicação da Súmula n. 282-STF, verifi ca-se que os fundamentos utilizados

pelo recorrente para apontar tal violação, sustentando que o réu Paulo Baltazar

Carneiro teria concorrido para a prática do ato de improbidade, atraem o

comando da Súmula n. 7-STJ, porquanto, para se aferir tal afi rmação, tem-se

impositivo reexaminar o conjunto probatório. Aliás esta mesma pecha também

é adequada para a parcela recursal referente ao artigo 105, III, c, da CF, acima

já examinada, porquanto, para se verifi car a existência de prova indiciária,

igualmente se tem impositiva a revisitação dos elementos probatórios.

Nesse contexto, também o recurso do Ministério Público deve ser rechaçado.

Tais as razões expendidas, conheço parcialmente do recurso de Sandro

Martins Silva e nego-lhe provimento, e não conheço do recurso especial do

Ministério Público Federal.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Sra. Ministra Presidente, a dúvida é

em relação ao recorrente Sandro Martins Silva.

É preciso salientar que estamos, aqui, examinando apenas o recebimento

da inicial da ação de improbidade. O Tribunal recorrido decidiu que, em

relação à “compra de legislação”, não há improbidade, nem em tese e, por isso,

simplesmente não recebeu a ação. Com relação a Sandro Martins Silva, a

improbidade não estaria ligada à “compra de legislação”, mas ao fato de ele ser

sócio de uma empresa de consultoria, embora fosse funcionário licenciado –

licenciado, mas ainda funcionário público. Então, a improbidade, portanto, não

teria vínculo com a edição da lei.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 77

A questão posta aqui é processual: saber se a ação poderia ter sido recebida

sem que o fato tenha sido narrado na inicial. Fiquei em dúvida justamente por

isso, mas penso que não há como modifi car o acórdão nesse ponto. O acórdão

partiu do pressuposto de que o fato foi colocado na inicial e que, em tese,

constitui improbidade o fato de prestar serviço de assessoria contra a Fazenda

Pública, por parte de servidor licenciado da Fazenda Pública.

Investigar se esse fato está ou não descrito na inicial, no meu entender,

seria uma questão que esbarraria na Súmula n. 7. De qualquer modo, solicitei os

autos ao Sr. Ministro Relator, e analisando perfunctoriamente a petição inicial, é

possível entender que a matéria está ali colocada.

Assim, sem prejuízo de maior aprofundamento da questão no curso do

processo, é razoável o entendimento do acórdão recorrido, que, como assinalado,

diz respeito apenas ao recebimento da inicial. Assim, acompanho o relator.

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Sra. Ministra Presidente, vou fi liar-

me à corrente do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, com as vênias devidas aos

votos divergentes.

Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator para conhecer parcialmente do

recurso especial de Sandro Martins Silva e, nessa parte, negar-lhe provimento, e

não conhecer do recurso especial do Ministério Público Federal.

VOTO VENCIDO (Em parte)

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sra. Ministra Presidente, ilustre Representante

do Ministério Público, em primeiro lugar, gostaria de me enfi leirar nessas

ponderações que foram aqui feitas pelo Subprocurador-Geral da República,

Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, não só pelo seu conteúdo judicioso, mas

também pelo seu aspecto jurídico-fi losófi co; aliás, não é por outra razão que

nós, magistrados, quando nos aposentamos, nos submetemos a uma quarentena,

que tem prazo muito maior do que qualquer funcionário público. De sorte que

estou exatamente de acordo com essa ideia genérica que foi aqui apregoada,

muito bem sustentada pelo eminente Subprocurador Aurélio, como de costume

sempre o faz.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

78

A difi culdade que entrevejo é de vincular a atuação desse servidor como

causa efi ciente para o resultado da improbidade, porque posso entender que é

improbidade um funcionário se licenciar para trabalhar contra a entidade que o

sustenta. Mas, no caso específi co, tenho que verifi car se ele praticou aquele ato

de improbidade e se esse ato de improbidade foi causa efi ciente para o resultado

que está sendo considerado um ato ímprobo.

A minha difi culdade em relação a esse servidor é que, segundo consta dos

autos, teria atuado como um consultor, muito embora fosse auditor da Receita

Federal. Quer dizer, será que, como consultor, ele teve aptidão isolada de fazer

gerar uma medida provisória que teve um alcance abstrato e geral e não um

alcance específi co para determinada empresa?

E, então, vinculo essa questão à questão talvez maior: não consigo enxergar

que uma edição de uma lei possa ser considerada um ato de improbidade

administrativa. A edição de uma lei passa por uma tramitação subjetivamente

tão complexa, de uma valoração de objetivos, que é preciso, evidentemente,

que se caracterize prima facie essa improbidade; porque, em princípio, a ação

de improbidade contra lei em tese está fazendo as vezes de um substitutivo

de uma ação declaratória de inconstitucionalidade. Quer dizer, se a ação tem

um vício formal, um vício material, o meio de atacá-la seria o controle da

inconstitucionalidade.

Verifi co que esse ato normativo foi um ato genérico e geral, não foi um

ato específi co para aquela empresa com a qual o auditor mantinha um vínculo

contratual, segundo aqui foi sustentado. Por outro lado, ainda que tenha sido,

ainda que o parecer desse auditor fi scal tenha alguma infl uência sob o âmbito

valorativo – evidentemente que, para se editar uma medida provisória, uma lei,

várias mentes funcionam naquele processo –, a realidade é a seguinte: aquele era

o ponto de vista do auditor fi scal.

Na nossa jurisprudência, sempre exigimos que os atos de improbidade

sejam enfrentados à luz do seu elemento subjetivo, o dolo. Então, ora, se um

técnico de determinada área do conhecimento científi co exara um parecer, ele

o faz segundo a sua consciência. Então, a fortiori, punir uma manifestação de

consciência a respeito de determinado ponto de vista jurídico seria o mesmo que

criminalizar os denominados delitos de exegese. Quer dizer, se o parecer não

tivesse servilidade, eventualmente poderia até ser desprezado na edição desse

ato normativo.

Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 22, (219): 15-79, julho/setembro 2010 79

Evidentemente, quanto à questão do auditor fi scal, além de não confi gurar

o elemento subjetivo do tipo, o dolo, há uma questão primacial que é esta

questão básica prejudicial: é possível uma ação civil pública contra a edição de

um ato genérico, abstrato e geral?

Entendo que, absolutamente, não. É absolutamente impossível afi rmar e

comprovar que uma lei foi editada especifi camente para determinada pessoa

jurídica quando, na realidade, essa lei teve, como todas as leis, a característica da

abstração e da generalidade.

Estou parcialmente de acordo com o voto do Sr. Ministro Relator nas

questões técnicas enfrentadas, como a falta de prequestionamento, mas,

efetivamente, em maior extensão, não entendo ocorrente, neste caso, nenhum

ato de improbidade.

Assim, dou integral provimento ao recurso especial de Sandro Martins

da Silva, mantendo a sentença. Não conheço do recurso especial do Ministério

Público Federal.