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CORTE AQUI - MARCA DE REFILE OU CORTE circo dança teatro cultura criação A dança de Lelena do grupo Corpo O texto do diretor Maurício Paroni As falas de Cléo de Paris e Fernanda D`umbra O manifesto de Gerald Thomaz CIA BASE o estudo e a pesquisa da dança vertical

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Page 1: CORTE AQUI - MARCA DE REFILE OU CORTE - ciabase.com.br fileSobre As Mulheres do Sol ... para os locais onde a arquitetura e ... dentro do palco, andam olhando para baixo, não olham

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circo

dança

teatro

cultura

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A dança de Lelena do grupo Corpo

O texto do diretor Maurício Paroni

As falas de Cléo de Paris e Fernanda D`umbra

O manifesto de

Gerald Thomaz

CIA BASEo estudo e a

pesquisada dança vertical

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O espetáculo “Mulheres do Sol”, daCIA BASE, virou curta-metragem pre-miado. Produzido e dirigido pela cine-asta Gabriela Greeb, com o título de“Projeto Corpo Cidade”, o curta foi re-alizado em parceria com a CIA BASE efoi contemplado com o PrêmioDocumentário Crônicas da Cidade.

Com duração de 5 minutos, o fil-me é uma coreografia sobre o corpo ea cidade. Tendo a cracolândia e ou-tros lugares degradados do centro de

“Mulheres do Sol” vira curta-metragem

São Paulo como cenário, o curta temcomo objetivo mostrar de forma liríca,com cores e poesia, o ambiente futuroque a transformação do ComplexoCultural Luz oferecerá a cidade.

Sobre As Mulheres do SolAs “Mulheres do Sol” viajam

através dos tempos em sua nave-mãe: um grande balão alimentadopor chamas de fogo. Ao passar pe-las cidades, elas deixam o balão e,como que voando nos céus, comseus longos vestidos, elas dançamcom o vento, trazendo graça e liris-mo a lugares degradados e em ruí-

nas. São mulheres sagradas que secolocam em situação de risco no in-tuito de criar um diálogo entre ocorpo e a cidade, trazendo levezapara os locais onde a arquitetura esobrevivência humana se convergem.

A nave-mãe passará então sobrea chamada “cracolândia”, o local quemais necessita revitalização em SãoPaulo. O balão flutua entre as ruínasdo que já foi do que está por vir – asmulheres dançam onde ainda seráconcluído o Teatro de Dança de SãoPaulo, servindo-se da cidade comopalco e cenário de sua arte.

Criação e edição:Cristiano Cimino

Direção de Arte:Sergio [email protected]

Revisão:Marina Franco

Colaboradores desta edição:Gerald Thomaz, Mauricio Paronide Castro, Leleca Lucas, Cléo de

Paris e Fernanda D`Umbra

Nossa capa:Fotos Divulgação:

Jade Gouvea e Laíz Latenek

Impressão:Pana Gráfica

Críticas, sugestões eenvio de material:

Fale conosco:[email protected]

Distribuição:É feita através de pombo-correio

e logo um voará até você.

Realização:CIA BASE

www.teatro.base.nom.br

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Nosso teatro éuma dança internaCIA BASEEditorial

No mundo atual, não somosencorajados a estudar profunda-mente determinadas disciplinas nembuscar de maneira intensa a pes-quisa de nossos processos internos.Estamos na superfície. Há urgênciaem ser urgente. É necessário que-brar esta determinação do merca-do. Um espetáculo e seus persona-gens necessitam de tempo para suacriação, maturação e nascimento.O que estamos vendo em nossos pal-cos são artistas tecnicamentedespreparados e sem alma. A atu-ação teatral está se tornandotelevisiva e seus personagens vazi-os, ocos, sem vida. Atores levamseus hábitos e manias diárias paradentro do palco, andam olhandopara baixo, não olham nos olhos dopúblico, tampouco enxergam seuspróprios defeitos.

Com este jornal, queremos serum instrumento de comunicação,de questionamento, ideias, refle-xões entre artistas e o fazer teatralcontemporâneo. Para tanto, vamosreunir em cada edição pessoas dediferentes formações artísticas paraexpor suas ideias, artigos, gritos,manifestos, espetáculos, pesquisase assim criar um diálogo com diver-sos tipos de arte, linhas de pensa-mento e estudos.

Nesta edição trazemos o mani-festo de Gerald Thomas, o corpo eo texto de Lelena Lucas- coordena-dora e coreógrafa da Escola de Dan-ça do Grupo Corpo, o talentoso di-retor Mauricio Paroni e duas exce-lentes, poéticas e viscerais atrizes:Cléo de Paris e Fernanda D' Umbra,que falam um pouco de suas traje-tórias e estudos artísticos, além dasnotícias, pesquisas e estudos da CiaBase para todos os interessados emteatro, dança, circo e artes em ge-ral. Abraços, alegrias, danças e vôospara todos. Até a próxima edição!

Cristiano Cimino é diretor edramaturgo da CIA BASE

Velocidade na criação,imperfeição na atuação

teatralidade cósmica e atuamossem ego. Sem Eus. Sem mule-tas. Sem justificativas.

• Controlar e Potencializar seucentro sexual. Se você tem con-trole sobre sua sexualidade,você passa a ter controle sobretodos os seus comportamentosemocionais e criativos. A prin-cipal força que carregamos den-tro de nós é a sexual. O atorbrasileiro não sabe o que é isso.Ele não consegue nem desco-brir seus centros do corpo,quanto mais controlar e desco-brir suas forças sexuais. Nãoqueremos mulheres peladas emcena e sim um ator nu. Despi-do não de suas roupas, mas deseu ego e personalidade.

• Em cena a mente deve traba-lhar em conjunto com a alma.

• A alma entende a mente, masa mente não entende a alma.Pensar com o coração e ter sen-sações com a mente.

• Acreditamos que as palavrasdevem ser usadas por sua vibra-ção e por seu sons alternadascom o silêncio. Pausas silencio-sas vibratórias.

• Muitas de nossas atividades vi-raram hábito, se fecharam numpadrão. Nosso cotidiano tor-nou-se automatizado e incons-ciente. Repetimos a mesma coi-sa do mesmo jeito sem saber aocerto como fazemos. A únicacoisa que você pode mudar é amaneira como você faz o quevocê faz.

• Preparamos o artista para libe-rar sua emoção e expressivida-de e romper o bloqueio de suasemoções. Tirá-lo das inconstân-cias psicológicas e das instabili-dades emocionais. O artista pre-cisa querer e ter coragem paramergulhar dentro de si.

• Não é simplesmente fazer artepara o seu narcisismo, para seuegocentrismo. É fundamentalideologia e ética no teatro. Aética pertence à estética. A es-tética pertence à ética.

• Artistas-bailarinas-atores donosde sua potência e expressão.

• Mexemos com o espírito huma-no, com o desenvolvimento es-piritual de cada ator. É o espíri-to que deve representar. É cor-po do espírito que deve atuar.

• Invadir os níveis mais internosde sua consciência, e chegarmais sutil e desenvolvido e iso-lado com possibilidades infini-tas de criação e transformação.

• Nosso ator busca a inspiraçãode gestos invisíveis. Cria movi-mentos vindos da inspiração.

• Atuamos na transformação dosestados emocionais e físicos.Acalmamos o emocional, po-tencializamos a concentração,despertamos e fortalecemos amemória nas áreas mais pertur-badoras do inconsciente.

• Grande parte dos artistas nãopassam de máquinas. Na verda-de, não possuem uma alma emcena, e só com muito esforço éque uns poucos chegarão a for-já-la.

• Shiva é a manifestação absolu-ta de Deus, o masculino e o fe-minino na mais perfeita junção.Com sua dança desperta aenergia cósmica. Ela dança so-bre nosso ego inflamado. Emnosso teatro, o teatro dançacom a dança. Dançamos uma

grandeza do ator sedá a partir de seuconhecimento in-terno, sua forma-ção intelectual e

corporal. Por isso, os processoscriativos desenvolvidos na CIABASE abrangem os diferentesaspectos do teatro, dança, eperformance. Nossos instru-mentos teóricos da linguageme pesquisa são colhidos em di-versas áreas do pensamentocontemporâneo e escolas orien-tais. A linha de trabalho do gru-po está voltada para a constru-ção interna dos artistas, atravésdo estudo e pesquisa da obrade Gurdjieff.

Atingir o eixo. Atingir oequilíbrio do movimento inter-no com o externoquando o corpo pene-tra num fluxo contínuode mandalas e movi-mentos cheios de im-pulsos, intenções, pon-tuações vivas e invisí-veis. Atuamos comonosso corpo sendo umfenômeno de energiase trabalhamos paratranscender os limitesda nossa consciênciaartística e criativa. Con-tam os livros antigosque os médicos recei-tavam a ida ao teatrojunto com as poções.As poções só se pro-cessariam quimica-mente no corpo quan-do no espírito se operasse tam-bém uma transformação. O pú-blico tinha contato direto como que era comum à naturezahumana e podia investigar-se.

• O trabalho é lento e começa-seestimulando o ator, procuran-do colocá-lo em sintonia com asua verdadeira natureza. Coma volta às origens e a sensibili-dade desenvolvida, o ator estálivre no fluxo de sua respiraçãoe presente, longe de qualquertensão corporal.

Para anunciar no BASE Jornalescreva para: [email protected]

ou ligue: (11) 3675-2696 (Cris) ou (11) 2685-8104 (Sergio)

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Pesquisando a dança aérea vertical

vidada para participar e abrir os prin-

cipais eventos artísticos do Brasil

como o Festival de Teatro de Curiti-

ba, Circuito Cultural Paulista, Vira-

da Cultural, Virada Esportiva, Cultu-

ra Livre, Virada Ambiental, Dia do

Desafio do SESC, Corredor Literário

entre outros. Em 2011, o espetácu-

lo As Mulheres do Sol abriu a Festa

mentos de seus artistas. Corpos pre-

sentes, vivos, fortes e atuantes.

Nestes anos de trabalho e pes-

quisas a CIA BASE já ganhou o Prê-

mio Funarte de Circo, o Prêmio Pró

Cultura do Ministério da Cultura, e o

Prêmio Documentário Crônicas da Ci-

dade, filmado a partir do espetáculo

As Mulheres do Sol. O espetáculo se

tornou um filme com du-

ração de 5 minutos e será

lançando pela SEC.

Também, já se apre-

sentou no Credicard Hall,

Via Funchal, Teatro Frei

Caneca, Sesc, Masp,

Parque Villa Lobos,

Memorial da América

Latina, dezenas de está-

dios de futebol, prédios,

pontes, rio pinheiros en-

tre outros espaços.

Foram mais de 1000

apresentações, sendo

assistida por mais de

100.000 pessoas e con-

CIA BASE se dedica a

criação de espetáculos

e a pesquisa e investi-

gação da dança e o teatro vertical e

o aproveitamento de seu movimento

no espaço.

Busca construir um corpo que

dança e comunica além dos limites

da gravidade, formando um ambien-

te que se move sem parar na direção

de uma dança-teatro gravitacional.

As apresentações da CIA BASE

são criadas a partir da união do tea-

tro e da dança com a arquitetura de

estruturas urbanas e espaços não con-

vencionais, num diálogo entre o cor-

po e a cidade. O teatro e a vida. Bai-

larinas, dançarinas e atores em situ-

ação de risco onde a arquitetura e a

sobrevivência humana se encontram.

Onde o teatro vira dança e a dança

vira teatro.

A CIA BASE incorpora uma vari-

edades de métodos na construção de

sua identidade e de seus espetácu-

los, aprofundando a sensibilidade,

concentração,potência, percepção,

auto imagem, sentimentos e movi-

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do Teatro, realizada no Vale do Anhagabaú.

A Cia Base e seus artistas desafiam a gravi-

dade com leveza e força cênica.

Mostra o mundo do avesso e os avessos do

mundo, estudando as possibilidades teatrais do

movimento em espaços aéreos e terrestres.

Sinopse: espetáculo As Mulheres dos Sol

– Em abril de 1909, Curitiba presenciou a ascen-

são de uma mulher acrobata em um balão que

caiu em cima de sua catedral e ficou pendurada

pelas cordas sobre o telhado do templo. Inspira-

da nessa história, a peça desafia a gravidade e

explora a integração da dança vertical com o

teatro, revivendo o corajoso e pioneiro vôo de

uma mulher num balão a 20 metros de altura.

Para saber mais:

www.teatro.base.nom.br

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na sugestão de um deslocamentoque surpreende e que se desdo-bra no reflexo obscuro do indiví-duo que o realiza.

• Transcender a dança na buscaobsessiva do movimento primal doser que se revela ao não ser.

• Permitir que o gesto ou o movi-mento sejam instrumentos do aca-so, para que traduzam uma ver-dade liberta do tempo e do espa-ço em que atua.

• Despertar os canais de percepçãono sentido de promover o fluxo doespontâneo, revelando uma me-mória corporal atrelada a um mo-ver-se ainda inexplorado pelo cor-po que se permite à intensidadedessa vivência.

• Desvendar os limites do imprová-vel ao trazer a possibilidade real

• Propor um movimento que se de-sintegra e transmuta ao contatocom o outro;

• Desconstruir o movimento prová-vel para propor um novo patamarno gestual da dança;

• Trabalhar com a sugestão espon-tânea do bailarino que se revelacomo agente promotor dainquietude;

• Dialogar com uma música nãoóbvia, no sentido de transgredir opróprio sentido do diálogo.

• Partir do princípio delimitador docaos para revelar uma dança querenasce na negação da própriadança.

• Resgatar a expressividade primitivado homem ainda não adulteradopelo massacre capitalista vigente.

• Espelhar o vazio que se preenche

Se você estiver precisando de umestímulo para começar a criação deum espetáculo de dança contempo-rânea, ou se ele já está pronto e vocêprecisa escrever sobre ele (parareleases e programas), penso que épossível facilitar a vida de um tantode gente - e provavelmente a minhatambém: a criação de um Guia de Tex-tos para esse fim!

Digo isso porque, ao ler os ditocujos, parece que eles todos (ou qua-se todos, graças a Deus) podem seaplicar a qualquer espetáculo ou"performance".

Resolvi sugerir algumas frases,baseadas no que ando lendo por aí:• Questionar os cheios e vazios que

se traduzem em movimentos;• Preencher as lacunas do ser que

se desloca no espaço opressor;• A dança que atravessa frestas da

angústia do ser contemporâneo;• Desnudar a essência do movimen-

to puro;• Capturar o cerne do gesto;

A Ideia Forte de Correnteza- O espetáculo foi construído sobreensinamentos diretamente ouvidosde Tadeusz Kantor, Renata Molinarie Thierry Salmon. Ainda que bemguardadas as respectivas funçõesartesanais, o trabalho criativo nãodefiniu limites entre a direção e a in-terpretação. A ideia forte foi criar umlugar mental num ambiente com pal-co, compreendidos fisicamente suaplateia e seu público. Cito os mes-tres e respectivas ideias:

• Tadeusz Kantor - Tive, porcerca de um mês, o imenso privilé-gio conviver com Kantor na Escola deArte Dramática de Milão, onde eleministrou as suas lições milanesas.Era julho de 1985. Cursava o primei-ro ano da escola. Pude ouvir direta-mente dele: “O espaço da vida é oespaço da arte; ambos confundem-se, compenetram-se e dividem umdestino comum; A ‘quarta parede’não tem sentido porque a necessida-de da obra teatral reside nela pró-pria; o espetáculo acontece não paraalguém, mas na presença de alguém;atores não podem fingir uma perso-nagem ou representar um texto; odrama e a vida coincidem na criaçãode um espetáculo-obra de arte.”

• Renata Molinari - Supervisi-onou a dramaturgia de alguns meusespetáculos na Itália e na Escócia.Vou direto ao ponto: “Não existenada na vida [real] que não possa serassumido dentro de um espetáculo;se você se move, não numa dimen-

são de naturalismo, mas de coerên-cia orgânica no desenvolvimento deconseqüências da própria vida.

O espaço, o objeto, as cores ossons, todos os elementos têm umanecessidade dramatúrgica precisa eficam à disposição [de leitura e depercepção] do espectador desde o co-meço. (...) O espaço cênico para nosé um ponto de fuga, ou um territórioonde proponho nosso desafio comonecessidade expressiva. Considera-mos o espaço cênico como lugar ar-tístico autônomo, lugar mental ondeas coisas acontecem. Lugar que temdireito de existir quando somos obri-gados a negá-lo: interrogamo-nossobre a possibilidade ou não de suaprópria existência, e, portanto, nãoo consideramos como um fato [real,mas de ficção]”.

• Thierry Salmon - Fui aluno eassistente por duas vezes desse geni-al diretor belga, morto num acidentede automóvel em 1998 muito jovem,e infelizmente quase desconhecido noBrasil: “Peço ao espectador para fa-zer um esforço; por exemplo, deixoburacos nas construções para quequem assista possa neles investir. [...]Prefiro eu o espectador trace um per-curso no espetáculo, que dois espec-tadores não vejam a mesma coisa. Oteatro é um lugar de resistência, umlugar que permite que se viva dife-rentemente.” Seguindo as intuiçõesacima transcritas, fizemos o ator re-cordar-se do texto no mesmo instanteda representação (e coincidente com

ela), o que contextualiza no presentea estória que conta. A esta estória seacavalam os contos do pai, do avô edo filho. Portanto, os versos deGabriela Mellão são recordados e vi-vidos ao mesmo tempo, enquantoverso (se fosse pintura, caberia men-cionar: desenho) e enquanto emoção(ainda, se fosse pintura, caberia men-cionar: cor) diante do público, não ne-cessariamente para o publico.

Há também uma comunicaçãoque liga a nível pessoal o ator, o di-retor e o autor, que se dirigem dire-tamente ao espectador. Nenhuma in-gênua e apelativa interatividade. Onosso espectador é testemunha visi-ta e intimamente criativa das visõestotalizantes encabeçadas pelos ver-sos de Gabriela. Esse nível de comu-nicação dita a extrema simplicidadeda cena, além da interpretação hiperrealista utilizada.Criamos uma formaque se assemelha aos tradicionaisbenshi do cinema mudo japonês. (Obenshi - “homem que fala”) - ficavaao lado da tela e sua narração erateatral. Freqüentemente interagia ver-balmente com as personagens do fil-me narrado. Criada nas tradiçõesKabuki e Noh, essas narrações e co-mentários eram muito importantes naexperiência de se assistir ao cinemamudo japonês. Resta replicarmos quo-tidianamente, aqui e agora, um en-redo transbordante de drama, vida,destinos, com um final que ecoa aalma das personagens na mesmaalma de quem o assiste.

A dança contemporânea e o textocomo fomentadora de uma movi-mentação que se constrói no es-paço cênico, ao mesmo tempo emque se desfaz ao deparar-se coma probabilidade em si.

E por aí vai…Você pode perceberque dá pra misturar as frases, trocaros verbos e fazer a festa!!!

Onde quero chegar, é que bem seique não é nada fácil escrever sobreum trabalho de dança contemporâ-nea, mas há de se ter cuidado paranão cair numa teia de fórmulas que,no final das contas, gastam muitaspalavras, mas dizem quase nada.

Se não há objetivamente o quedizer, é mais prudente dizer o míni-mo e mostrar o máximo do que sepretende, dançando! (e assim, nospoupe de ler e tentar decifrar mais umdesses releases chatérrimos.)

Lelena Lucas - Coordenadora Ge-ral do Curso Contemporâneo da Es-cola de Dança do Grupo Corpo. Parasaber mais: www.grupocorpo.com.br

A Ideia Forte de CorrentezaIdea Fortis - Uma aproximação de um espetáculo recente com sua ideia de força

explicitada por Mauricio Paroni de Castro

“Correnteza” estréia dia 2 defevereiro de 2012, no SESC Con-solação, Espaço Beta, às 21 horas.Temporada até 2 de março, quin-tas e sextas.

Mauricio Paroni de Castro Nas-ceu em São Paulo em 1961. Depoisde cursar a Faculdade de Direito, aECA e a Filosofia da USP, residiu emMilão por quinze anos, ondediplomou-se na “Scuola D’ArteDrammatica ‘Piccolo Teatro’ diMilano”, hoje “Paolo Grassi”, ondefoi professor residente de 1985 a1999. Desde 1998, está artistica-mente associado à companhia esco-cesa “Suspect Culture”. Foi profes-sor residente na Universidade Stataledi Pavia em 1999 (Itália), da VoldaUniversitat, Noruega (2003) e daRoyal Scottish Academy of Musicand Drama (Glasgow, Escócia, 2002-3-4). Dirigiu mais de 30 espetáculos(por dez anos, foi diretor estável noCentro di ricerca per il teatro, de Mi-lão) entre a Itália, o Reino Unido e oBrasil. Trabalhou em Portugal, No-ruega e República Tcheca. É diretore autor de sua companhia Atelier deManufactura Suspeita.

Permitir que o gesto ou o movimento sejaminstrumentos do acaso, para que traduzam uma

verdade liberta do tempo e do espaço em que atua.

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BASE - Qual é o papel doator nesta era digital?

Cléo - Penso que o papel do atoré sempre o mesmo, a questão é nosadaptarmos ao mundo em que vive-mos. A era digital amplia nossas pos-sibilidades.

BASE - Qual é o limite de umartista dentro da cena?. .exis-te um limite para você?

Cléo - Existe e ele muda comfrequência. rs. Sou meio chata comtodo tipo de exagero, se uma cenapede determinado elemento ou de-terminada intensidade, gosto de in-vestigar a necessidade daquilo. E nãoé o discurso "nudez gratuita", nudezgratuita também pode ser legal... selambuzar com alguma meleca podenão ser, é relativo. Eu acho que nãovomitaria em cena, nem engordariaou emagreceria muito pra fazer umpersonagem. Em compensação, emRoberto Zucco, passei o inverno in-teiro tomando um banho de chuvagelada ao relento.

BASE - O que acha sobre aspolíticas públicas para culturaem São Paulo?

Cléo - Eu acho que ainda temosmuito a conquistar, mas o pouco quetemos nos mostra o quanto é impor-tante a participação do Estado ecomo algumas inciativas simplespodem disparar grandes feitos. Artese faz com pouco, às vezes com nadae quanto mais apoio tivermos, maisvamos criar. A Lei do Fomento é umbom exemplo.

BASE - Quais autores gostade ler e encenar?

Cléo - Gosto de ler autores con-temporâneos e reler os clássicos. Nãotenho uma preferência sobre o queencenar, depende do momento e doque interessa ao grupo, no meu caso,os Satyros.

BASE - Como gosta de es-tar 5 minutos antes da peça?Possui algum ritual antes deentrar em cena?

Cléo - Gosto de estar calma esaudável. A pior coisa é fazer espe-táculo doente!! eu peço sempre praadoecer nas férias. rs. Cada peçapede um ritual diferente, normalmen-te eu rezo pra São Jorge. Em Liz, re-petia uma frase dita pela RainhaElizabeth, me dava força.

BASE - Conte um pouco so-bre sua trajetória?

Cléo De Paris - Sou gaúcha, dointerior, uma cidadezinha de 7.000habitantes, chamada Barão deCotegipe. Estudei ballet clássico du-rante nove anos. Fui morar emErechim, depois Passo Fundo, PortoAlegre... comecei uma faculdade defisioterapia, cursei por um ano e meio.Me formei em jornalismo, mas duran-te o curso já ingressei numa Cia deTeatro, a Cia das Índias e não pareimais. Nunca fui buscar meu diplomade jornalista...daí fiz uns filmes, pe-ças, não parei mais. Morei no Rio umperíodo curto, fiz peça com tempora-da aqui, no Sesc Belenzinho, me apai-xonei por São Paulo. Fiz teste pro CPT,passei e me mudei de vez.

BASE - Quais grupos já par-ticipou?

Cléo - Participei de poucos gru-pos, começando com a Cia das Índi-as em Porto Alegre, depois trabalheiem outros projetos. Em São Paulo,tive uma experiência com a Cia Sa-télite, do Dionisio Neto e logo entreino Satyros.

BASE - E... qual a diferençaentre eles?

Cléo - Como não passei por mui-tos grupos, não tenho tanto a dizernesse sentido... Sei que cada grupotem suas especificidades e como emtudo na vida, nos adaptamos melhorao que temos mais afinidades.

BASE - Na sua visão, o queé ser uma boa atriz em cena?

Cléo - Ser uma boa atriz é serfiel a si mesma. Penso que a nossaprofissão é tão importante como to-das as outras, um ofício mesmo!como o professor, o médico, a cozi-nheira, o eletricista... temos que re-alizar bem nossas tarefas, arte é coi-sa séria. Exige dedicação, doação,amor e dignidade. Se fizermos algoque não acreditamos, será percebi-do... o público sempre percebe.

BASE - Você tem um treina-mento contínuo?....ou o querege sua pesquisa é o projetoartístico?

Cléo - Não tenho um treinamen-to, é cada projeto que me guia deacordo com a necessidade. Bom, es-tou sempre envolvida em algum pro-jeto... Então acabo tendo um treina-mento contínuo, porém mutante. Prafalar a verdade, sinto até falta de umperíodo neutro... uma vez li uma en-trevista do Daniel Day-Lewis e ele di-zia que parava entre um filme e ou-tro e passava um tempo fazendo algocompletamente distinto de atuar. Cer-ta vez, ficou 4 anos trabalhandocomo sapateiro numa cidadezinha,pra se reciclar. Achei lindo.

BASE - Conte um pouco so-

bre sua trajetória?

Fernanda D´Umbra - Comeceiaos quatorze anos em São José do RioPreto. Aos dezessete vim para SãoPaulo onde sempre morei desde en-tão. Faço Teatro profissionalmente há23 anos. É duro, mas é imensamenteprazeroso.

BASE - Quais grupos já par-

ticipou?

Fernanda - De dois: do Teatrodo Ornitorrinco e do Grupo de TeatroCemitério de Automóveis. E fiz espe-táculos com companhias como LaMínima e Pia Fraus. Mas como inte-grante, só com os dois primeiros.

BASE - E... qual a diferença

entre eles?

Fernanda - Muita diferença. Des-de os temas das peças até a lingua-gem de palco, de encenação, a trilhasonora, enfim, tudo. Mas duas coisasvocê encontra nos dois grupos: exce-lentes atores e uma linguagem decena que chega na plateia, que mos-tra que Teatro é legal, não é chato.

BASE - Na sua visão,... o que

é ser uma boa atriz em cena?

Fernanda - É ser criativa e cal-ma. Dar ao diretor condições de lidarcontigo, de te moldar, estar disponí-vel com trabalho de qualidade. Nãoprecisa ser um gênio. Nem tem graçase for um gênio. Mas é preciso serinteligente, calma e saber manter otrabalho. Nada mais chato do queuma atriz que tem que recomeçar tododia. Até onde eu sei é pra frente quese anda. No palco, inclusive.

BASE - Você tem um treina-

mento contínuo?....ou o que

rege sua pesquisa é o projeto

artístico?

Fernanda - Tenho. Danço háanos, leio sem parar e vejo muito Te-atro, ouço muita música. Tem que serculta. Senão fica chata, como aque-las "minas muito loucas", que eu achoum porre.

BASE - Qual é o papel do ator

na era digital?

Fernanda - As pessoas sempre

vão querer ver alguém fazer algo aovivo. Sempre haverá essa curiosidadeem co-habitar o ambiente da arte.Então o papel do ator na era digital éo de sempre: abrir o pano, seja ondefor. No computador, inclusive.

BASE - Qual é o limite de um

artista dentro da cena?...existe

um limite para você?

Fernanda - Não. Talvez o limitedo interesse. Se você não interessa aninguém, fico pensando qual o senti-do da tua presença ali. Mas aindaassim: mesmo que não haja interessede ninguém em te ver, você tem odireito de entrar em cena. Então sobesse ponto de vista não há limites.Qualquer pessoa pode fazer qualquercoisa em cena, desde que respondapor isso.

BASE - O que acha sobre as

políticas públicas para cultura

em São Paulo?

Fernanda - Ando bem afastadadelas, por isso não consigo respon-der a esta pergunta com conhecimen-to de causa. Desde que saí do GrupoCemitério de Automóveis, tive algu-ma dificuldade em me estabelecercomo produtora sem um selo de Gru-po ou Companhia. Mas decidi jogaras mãos para o Céu e continuar as-sim, sem eira nem beira por um tem-po. E me associar aos amigos quequiserem fazer Teatro, Música ouPoesia comigo e fazer, produzir, tor-nar real. Estou em um momento bomda vida de criadora. Não vou ficarsentada esperando uma política pú-blica que atenda ao meu atual esta-do teatral de cachorra sem dono.Vamos lá, do jeito que for.

BASE - Quais autores gosta

de ler e encenar?

Fernanda - Ando viciada em po-liciais. Principalmente em histórias emquadrinhos. Leio muitos lançamentosrecentes. Para encenar também fujoum pouco dos clássicos, gosto do Te-atro como janela contemporânea,mostrando o que acontece na rua decasa. Então tendo a ler e encenarautores contemporâneos nacionais ouestrangeiros, tanto faz.

BASE - Como gosta de estar

5 minutos antes da peça? Pos-

sui algum ritual antes de entrar

em cena?

Fernanda - Ritual não, mas cincominutos antes vou para a coxia e ficoquieta esperando minha deixa. Gostode dar uma pequena concentrada an-tes de entrar de vez no palco.

Cléo De ParisFernanda D’Umbra

Cléo De Paris

Fernanda

D´Umbra

Atrizes no espelhoAtrizes no espelhoAtrizes no espelhoAtrizes no espelhoAtrizes no espelho

Page 8: CORTE AQUI - MARCA DE REFILE OU CORTE - ciabase.com.br fileSobre As Mulheres do Sol ... para os locais onde a arquitetura e ... dentro do palco, andam olhando para baixo, não olham

BASEBASEJo rnal 8

te da HISTÓRIA. Óbvio que digo isso comenorme tristeza. Nada fizemos, além de to-carmos o barco e ornamentarmos ele.

Ah, hoje o Village Voice está reduzido aum jornal de sex ads. Sobre os teatros euprefiro não falar. Quanto aos grupos, 99por cento deles, não existem mais e nemforam trocados por outros. Só se vê pastiche.É o mesmo que no mundo da música: é omesmo bate-estaca em tudo que é lugar.

Esse universo está menor que aqueleque Kepler ou Copernico ou Galileu desco-briram. O Wooster Group aqui fechou suasportas. Muitas companhias de teatro daquie da Europa fecharam suas portas. E pou-cos jovens sabem quem é Peter Brook. Esseano perdemos Pina Bausch e MerceCunningham e Bob Wilson, o Último Guer-reiro de pé, inexplicavelmente, viaja com umapeça medíocre: "Quartett" de HeinerMueller, que eu mesmo tive o desprazer deestrear aqui nos Estados Unidos (comGeorge Bartenieff e Crystal Field) e no Brasilcom Tonia Carreiro e Sergio Britto nos anos80. Heiner Mueller é perda de tempo.

E Wilson está tendo enormes dificulda-des em manter seu complexo experimentalem Watermill, Long Island, aqui perto, quehabilitava jovens do mundo a virem montarmini espetáculos e conviver e trocar idéiascom seus pares de outros países.

Sim, o tempo semi-acabou.Mas somente parte desse tempo aca-

bou. E o problema é meu. Como disse an-tes: vou tentar sair por aí pra redescobrirquem eu sou.

Mas vai ser difícil. Sou daqueles que viua Tower Records abir a loja aqui naBroadway com Rua 4. Hoje a Tower se foi eaté a Virgin, que destruiu a Tower, tam-bém se foi e está com tapumes cobrindo-alá em Union Square. Parece analogia praum 11 de Setembro? Não, não é. Falo so-mente de mega lojas de Cds.

Tive a sorte de seguir as carreiras de pes-soas brilhantes, ver Hendrix de perto, ou LedZeppelin, ou dirigir Richard Wagner, e estarna linha de cuspe de Michael Jackson e deassistir ao vivo o nascimento da televisão acabo, da CNN, da internet, dos emails pra láe pra cá. Deram-me presentes lindos comogrande parte das óperas que dirigi nos me-lhores palcos das casas de Ópera da Europa.

São muitas fantasias que a depressãonão deixa mais transparecer. E o que é aarte sem a fantasia, sem o artifício? É omesmo que o samba sem o surdo e a cuíca!Fica algo torto ou levemente aleijado.

Não, não estou indo embora. AnatoleRosenfeld escreveu:

"O teatro é mais antigo que a literaturae não depende dela. Há teatros que não sebaseiam em textos literários. Segundoetnólogos, os pigmeus possuem um teatroextraordinário, que não tem texto. Repre-sentam a agonia de um elefante com umaimitação perfeita, com verdadeira arte nodesempenho. Usam algumas palavras, obe-decendo à tradição oral, mas não há textoou literatura.

No improviso também há tradição."Perdi meu improviso. Sim, perdi a von-

tade de improvisar.Vou fazer um enorme esforço em me

ver de volta, seja via aqueles olhos deRembrandt ou uma fatia do Tubarão deDamien Hirst.

Sei que estou no início de uma longa,quase impossível e solitária jornada.

I've had the best theater and operastages of the world, in more than 15countries given to me. Yes, I was given thegift of the Gods. No complaints, whatsoever.It has been a wonderful ride. Really has.Thank you all so very much. Thank you all sovery very much.

Um breve adeus para vocês! LOVE

Gerald Thomas

Pinter! Não são psicológicos. Mas é que osistema nacional de saúde da Grã-Bretanhaestá em tal estado de declínio que os médi-cos estão a receitar qualquer substância,mineral ou não mineral, que as pessoas fi-cam lá, assim, petrificadas… cheirando umasàs outras…"

Essa "petrificação" que a sinopse des-creve, acabou me pegando.

"Os dois espetáculos (Terra em Trânsitoe Rainha Mentira), são uma homenagem àcultura teatral e operística aos mortos pelosregimes autoritários/ditaduras".

Serão mesmo? Homenagens? Não, nãosão. Quando escrevo um espetáculo, escre-vo e enceno o que tenho que encenar. Nãopenso em homenagens.

"Mais do que nunca eu acredito que so-mente através da arte o ser humano voltaráa ter uma consciência do que está fazendonesse planeta e de seu ínfimo tamanho pe-rante a esse imenso universo: ambas as pe-ças se encontram em "Liebestod", a últimaária de "Tristão e Isolda", onde o amor so-mente é possível através da morte e vice-versa. No enterro da minha mãe, ao qual eunão fui (por pura covardia) uma carta foi lida(mas ela é lida na cenafinal de "Rainha Men-tira"), que presta ho-menagem aos seresdesse planeta que fo-ram, de uma forma ououtra, desterrados,desaparecidos, tortu-rados ou são simples-mente o resultado deuma vida torta, psico-logicamente torta,desde o início torta ecurva, onde nenhumalinha reta foi, de fato,reta, onde as portassomente se fechavame onde tudo era sem-pre uma clausura etudo era sempre proibido e sempre tranca-do. Então, a tal homenagem se torna real,através da ficção da vida do palco".

Pulo pra outro trecho, lá no fim doprograma. "Essa xícara esparramada nessavitrine desse sex shop em Munique era umsímbolo que Beckett não ignoraria e não es-queceria jamais. Eu também não. Sejam bemvindos a tudo aquilo que transborda. "

Por que coloquei esse trecho de pro-grama ai? Não sei dizer.

Liberdade poética pura ou pura liberda-de poética. Ou chateação mesmo! Talvez sejaum indicador do quanto estou perdido noque QUERO DIZER e ONDE QUERO CHEGAR.

Tenho que sair por aí pra redescobrirquem eu sou. Talvez nunca venha a desco-brir. Posso estar vivendo uma enorme ilu-são. Mas não me custa tentar. Virei escravode um computador e virei escravo de umaagenda política imediata da qual não façoparte. Tenho uma imensa cultura histórica.Imensa. Tão grande que a política de hojeraramente me interessa. Sim, claro, Obama.Mil vezes Obama. Mas Obama afeta o mun-do inteiro. Mais eu não quero dizer.

Tenho que sair por aí pra redescobrirquem eu sou. A garotada babava! E era prababar mesmo!). Sabem? Vale sempre repe-tir. Fui criado na sombra do holocausto en-tre os pingos de Pollock e os "ready mades"de Duchamp e os rabiscos do Steinberg. Issoo Ivan Serpa e o Ziraldo me ensinaram mui-tíssimo cedo na vida.

E… Haroldo de Campos.Meu Deus! O quanto eu devo a ele!

Não somente o fato dele ter sido o curadordos livros que a Editora Perspectiva lançou ameu respeito mas… a convivência! E queconvivência! E a amizade. Indescritível comoo mundo ficou mais chato e menos redondono dia em que ele morreu. E ele morreu na

New York - Meus queridos, cheguei numponto crucial da minha vida. O MAIS crucialaté hoje. Um asterisco. Aliás, já estou nelehá algum tempo e percebo que não adiantaresmungar pra cima e pra baixo. Finalmen-te tomei uma decisão.

"Transformar o mundo: acordar todosos dias e transformar o mundo", dizia a vozde Julian Beck (quem eu dirigi e com quemaprendi tanta coisa). Eu tinha uma vaga no-ção das coisas. Não encontro mais nenhu-ma. Eu tinha uma fantasia. Não a encontromais. Só encontro aquele auto-retrato deRembrandt me olhando, ele aos 55, eu aos55, um num tempo, o outro no outro, comose um quisesse dizer pro outro: o TEU"renascentismo" acabou: Você morreu.Morri? I can't go on. And I won't go on.

Beckett, que é o meu universo mais pró-ximo, diria "but I'll go on". Sim, existia umanecessidade de se continuar. Mas olho emvolta e me pergunto: Continuar o quê? Nãohá muito o que continuar.

Minha vida nos palcos acabou. Acabouporque eu determinei que os tempos de hojenão refletem teatro e vice-versa. Tambémnão estou a fim de criar o iTheatro, assimcomo o iPhone ou o iPod. A miniatura e o"self satistaction" cabem muito bem na de-cadência criativa de hoje. Mas, se formosanalisar o último filme ou CD de fulano detal, ou a última coreografia de não sei quem,veremos que tudo é uma mera repetiçãomedíocre e menor de algo que já teve umgosto bom e novo.

Claro, minha opção dramatúrgica sem-pre foi escura, sempre foi dark, se assimquerem. De Beckett e Kafka aos meus pró-prios pesadelos, que um crítico do New YorkTimes disse que eu "usava a platéia comomeu terapeuta". Até que coloquei Freudcomo sujeito principal da ópera "Tristão eIsolda" no Municipal do Rio. Acho que o re-sultado todo mundo conhece.

É estranho. Até 2003, 2005 talvez, ain-da fazia sentido colocar coisas em cena. Sin-ceramente não sei descrever o que mudou.Mas mudou. Claro que somos seres políti-cos. Mas isso não quer dizer que nossa ob-sessão ou a nossa única atenção tenha queser A política. Ao contrário. A arte existe, ouexistia, justamente para fazer pontes, me-táforas, analogias entre a condição e fan-tasia do ser humano de hoje e de outraseras e horas.

Daniel Barenboim, que nasceu Argenti-no mas é cidadão do mundo (um dos músi-cos mais brilhantes do mundo), e cidadãoIsraelense, achou uma forma de aplicar suaarte na prática. Ele tenta, desde 2004, "pro-vocar", através da música, a paz entre pa-lestinos e israelenses. Fez um lindíssimo dis-curso ao receber o prêmio "Wolf" noKnesset Israelense dizendo que sua vida erasomente validada pela música que ele con-seguia construir com jovens músicos palesti-nos (presos, confinados - justamente na épo-ca em que Israel construía um Muro de se-paração) e jovens músicos israelenses.

Não sou tão genial quanto DanielBarenboim e construir uma peça de teatroé muito mais difícil que abrir partituras deum, digamos, Shostakovich ou Tchaicovski,e colocar a orquestra pra tocar.

AMNÉSIA TEMPORÁRIA - Um tre-cho de uma sinopse, por exemplo, que es-crevi quando os tempos ainda se mostra-vam propícios:

"E em Terra em Trânsito, uma óbvia ho-menagem a Glauber, uma soprano só con-segue se libertar de sua clausura entrandoem delírios, conversando com um cisne fálico,judeu anti-sionista, depois de ouvir pelo rá-dio um discurso do falecido Paulo Francissobre o que seria a verdadeira forma de"patriotismo". O cisne (cinismo) sempre atraz de volta a lembranças: "Ah, você melembra os silêncios nas peças de Harold

TUDO A DECLARAR"It's a Long Good Bye"Minha "INDEPENDÊNCIA OU MORTE"

estréia do meu "Tristão e Isolda" noMunicipal do Rio. Haroldo não somente en-tendia a minha obra, como escrevia sobreela, traçava paralelos com outros autores ecriava, transcriava a partir do meu traba-lho. A honra que isso foi não tem paralelos.Por que a honra? Porque Haroldo era meuídolo desde a minha adolescência. O merofato de "Eletra ComCreta" se chamar as-sim, era uma homenagem aos concretistas.

Mas ele só veio aparecer na minha vidana "Trilogia Kafka", em 1987. Eu simples-mente não acreditei quando ele entrou na-quele subterrâneo do Teatro Ruth Escobar.

Nem mesmo a convivência com HelioOiticica foi uma coisa tão forte e duradou-ra. Não posso e não vou nomear todas asgrandes influências da minha vida. Daria maisque um catálogo telefônico. Já bato nessatecla faz um tempo.

Philip Glass dá uma graciosa e hilária entre-vista a meu respeito (http://www.vimeo.com/2988089). Dura uns 20 minutos. Nela, ele sinte-tiza, como se num improviso, tudo aquilo queos scholars e os críticos não conseguem dizerou tentam dizer com oito mil palavras por pa-rágrafo! Essa entrevista também está no

www.geraldthomas.comem vídeos, no blog.

Meu pai me faziaouvir Beethoven numaRCA Victor enorme quetínhamos. E eu, aosprantos, com a Pasto-ral (a sexta sinfonia)desenhava, desenhavaessas coisas que, déca-das mais tarde (na bi-blioteca do Museu Bri-tânico) iam virandoprojetos de teatro.Hoje, com mais de 80"coisas" montadas nospalcos do mundo, olhopra trás e o que vejo?

Vejo pouco. Vejoum mundo nivelado por uma culturazinha demerda, por twitters que nada dizem. Vejopessoas sem a MENOR noção do que já houvee que se empolgam por besteiras. Nem ban-das ou grupos de músicas inovadoras existem:vivemos num looping dentro da cabeça dealguém. Talvez dentro de John Malcovich. E,ao contrário de Próspero, ele não nos libertapara o novo, mas nos condena pro velho e ogasto! Até a China tem a cara do Ocidente.Ou então nos antecipamos e nós é que temosa cara da China, já que tudo aqui é "made inChina". Sim, encontrei Samuel Beckett, mon-tei seus textos.

E gostaria muitíssimo que vocês enten-dessem o seguinte: quando comecei minhacarreira teatral, a vida, a cena aqui no EastVillage era "efervescente". Tínhamos oVillage Voice e o SoHo News pra nos apoiarintelectualmente. A "cena" daqui eramultifacetada. Eram dezenas de companhi-as, desde aquelas sediadas no La MaMa, ouno PS122, ou em porões, ou em Lofts ou emgaragens, ou aquelas que o BAM importa-va, mas era tudo uma NOVA criação. Era oexercício do experimentalismo. Do risco. Eos críticos, assim como os ensaístas, nos da-vam páginas de apoio.

Além do mais, a minha geração não IN-VENTOU nada. Somente levou aquilo que(frutos de Artaud, Julian e Grotowski), comoBob Wilson, Pina Bausch, Victor Garcia, PeterBrook, Peter Stein e Richard Foreman e EllenStewart, etc., haviam colocado em cena.Faço parte de uma geração de "colagistas"(se é que essa palavra existe). Simplesmen-te "levamos pra frente, com alguns toquespessoais" o que a geração anterior nos ti-nha dado na bandeja. Mas quem sofreu fo-ram eles. Digo, a revolução foi de Artaud enão da minha geração.

Portanto, minha geração não fará par-

Vejo pouco. Vejo um mundonivelado por uma culturazinha

de merda, por twitters que nadadizem. Vejo pessoas sem a

MENOR noção do que já houve eque se empolgam por besteiras.