corriere della sera e público | homossexualidade
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Clara Barata, no artigo do jornal “Público” de hoje [7/11/2012, p. 22-23], intitulado “França prepara “sim” ao casamento gay com coro de críticas religiosas” recorre precisamente ao entrincheiramento dos argumentos. Pior, simplifica. Não fez o trabalho de casa. Porque se o tivesse feito saberia que o que está em causa é muito mais do que um sim às uniões homossexuais. Estão em causa alterações semânticas sem substrato antropológico.TRANSCRIPT
22 | MUNDO | PÚBLICO, QUA 7 NOV 2012
França prepara “sim” ao casamento gay com coro de críticas religiosas
O Conselho de Ministros francês dis-
cute hoje o novo projecto de lei sobre
o casamento entre pessoas do mes-
mo sexo e também sobre o direito
à adopção por casais homossexuais
— uma promessa feita por François
Hollande na campanha. Conseguiu
reunir a oposição de todas as prin-
cipais denominações religiosas em
França — cristãos, judeus e muçulma-
nos repetem críticas semelhantes.
As críticas centram-se sempre na
defi nição do casamento como algo
que só pode acontecer entre um ho-
mem e uma mulher, e no horror a
que uma criança possa ter dois pais
ou duas mães.
A defesa da diferença sexual, pilar
da sociedade, é um ponto central das
críticas. “Não reconhecer as diferen-
ças entre os sexos seria uma falácia
que abalaria um dos fundamentos
da nossa sociedade”, insurgiu-se o
cardeal André Vingt-Trois, que tem
apelado aos eleitos, nos vários níveis
da administração do território, para
se oporem à aplicação da lei.
O grande rabino de França, Gilles
Bernheim, dá-lhe razão, num texto
publicado a 18 de Outubro: o casa-
mento não pode ser para todos, ain-
da que reconheça que o amor pode
ser sincero entre os casais homosse-
xuais. “O casamento não é apenas o
reconhecimento de um amor”, diz,
“mas também a instituição que arti-
cula a aliança do homem e da mu-
lher com a sucessão das gerações.”
Por isso, afi rma, “não se pode dar o
direito ao casamento a todos os que
se amam”. Por exemplo, a uma mu-
lher que ama dois homens, a um ho-
mem que ama uma mulher casada.
Para dar maior segurança jurídica às
uniões entre casais homossexuais, o
rabino Bernheim propõe que se en-
contrem “soluções técnicas”.
Isto acontece quando 58% dos
franceses são favoráveis ao casa-
mento entre homossexuais — uma
sondagem BVA-Le Parisien do fi m-de-
semana mostra uma descida em re-
lação ao ano passado, quando eram
63% favor; mas o politólogo Thomas
Guénolé, diz na revista Nouvel Obser-
vateur que os valores estão no inter-
valo de confi ança das sondagens e
que é “abusivo” falar em descida.
Não se via uma oposição religio-
sa tão forte a uma medida social em
França desde 1999, quando o Gover-
no do socialista Lionel Jospin conse-
guiu fazer aprovar o Pacto Civil de
Solidariedade (Pacs), que criava as
uniões civis, independentemente do
sexo dos membros do casal.
Reconhecia uma série de direitos e
deveres da vida em comum, como o
do direito ao alojamento, ao patrimó-
nio em comum, o reconhecimento
do casal para efeitos de impostos e
direitos sociais. Mas não comportava,
por exemplo, a pensão de viuvez, em
caso de morte de um cônjuges — algo
que o novo projecto de lei do Gover-
no de Jean-Marc Ayrault contempla,
ao alargar o normal regime jurídico
do casamento aos homossexuais.
Direita ameaça revogarFoi sobretudo entre os casais homos-
sexuais que o Pacs mais sucesso teve
— o número de uniões ao abrigo desta
fi gura jurídica aproxima-se bastante
do de casamentos pelo registo civil
(entre um homem e uma mulher). E,
no entanto, na altura em que o Go-
verno de Lionel Jospin avançou com
o Pacs, foi uma verdadeira guerra em
França — que deu até direito a ver
uma deputada brandir uma Bíblia
na Assembleia Nacional, recorda a
Nouvel Observateur.
Hoje, essa mesma deputada, Chris-
tine Boutin, presidente do pequeno
Partido Democrata-Cristão (integra-
do na UMP, o grande partido do cen-
tro-direita), está entre os que exigem
um referendo para legislar sobre o
casamento homossexual — tal como a
Frente Nacional de Marine Le Pen.
A direita tem-se levantado em
peso contra o projecto de lei socia-
lista. A UMP vive uma disputa pela
liderança, entre Jean-François Copé
(o actual líder, próximo de Nicolas
Sarkozy) e François Fillon (o ex-pri-
meiro-ministro de Sarkozy, mas com
ideias que o aproximam da direita
republicana tradicional). Disseram
ambos que iriam revogar a lei, quan-
do a direita voltasse ao poder.
Pelo menos 58% dos franceses estão de acordo com o casamento para os homossexuais
Os homossexuais franceses poderão casar-se com os direitos de todos os outros cidadãos e adoptar. Líderes católicos, de todas as denominações cristãs e muçulmanos estão contra
Direitos civisClara Barata
Casar com pessoas do mesmo sexo é constitucional em Espanha
Recurso apresentado pelo PP foi recusado pelo Tribunal Constitucional
O Tribunal Constitucional espanhol rejeitou ontem o recurso apresentado há sete anos pelo Partido Popular
(PP), hoje no poder, contra a lei que permite o casamento entre homossexuais. Quando já 22.442 casamentos entre pessoas do mesmo sexo foram oficializados em Espanha, o voto de oito magistrados contra três afastaram as dúvidas sobre se a lei aprovada em 2005 pelo Governo do socialista Rodrigues
Zapatero violava o Artigo 32 da Constituição espanhola. Este diz: “O homem e a mulher têm direito a contrair casamento com plena igualdade jurídica.” O PP, de direita, considerou que a nova lei dava à palavra “casamento” um significado diferente “do que sempre tinha tido”, ao estipular que “o casamento terá os mesmos requisitos e efeitos quando ambos os contraentes sejam do mesmo ou de diferente sexo”. Os juízes
não lhes deram razão, e muitos dirigentes do PP tiveram um suspiro de alívio, porque muitos militantes e simpatizantes do PP beneficiaram da lei e criticaram Mariano Rajoy por ter apresentado este recurso, diz o El País. O próprio ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, muito antes de estar nestas funções, declarou-se a favor de manter a lei. E foi um dos primeiros alcaldes a casar pessoas do mesmo sexo.
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Isso será complicado. “Não se po-
de descasar as pessoas”, comentou
ao Le Monde a advogada Agnès Tri-
coire. “A intangibilidade do estado
civil é um grande princípio do direi-
to civil. É por isso que é complicado
mudar de sexo”, explicou.
Um grande cavalo-de-batalha no
Parlamento — só lá para Janeiro é que
a lei deverá estar em condições de
ser aprovada — pode vir a ser a adop-
ção por casais homossexuais. “Há
uma certa ingenuidade em querer
fazer-nos acreditar que o casamento
entre pessoas do mesmo sexo não
trará problemas para as crianças”,
criticou Claude Baty, presidente da
Federação Protestante de França. “O
direito a ter uma criança não existe”,
sublinha o grande rabino de Fran-
ça. “Não existe para os homosse-
xuais nem para os heterossexuais.”
Actualmente, um dos elementos
da união Pacs pode adoptar uma
criança. Mas com a nova lei a criança
pode ser adoptada também pelo ou-
tro elemento do casal: por exemplo,
o bebé Jules pode ser ofi cialmente
reconhecido como sendo ofi cialmen-
te “nascido de Marie e de Louise”,
explica o Le Parisien.
No entanto, ao casar-se com uma
pessoa do mesmo sexo, não se tor-
nará automaticamente pai ou mãe
de uma criança adoptada pelo seu
par. E um fi lho adoptado por um dos
elementos do casal não se torna fi lho
do casal por “presunção de paterni-
dade”, uma fi gura que continuará
a existir nos casamentos heterosse-
xuais. Tem de ser de facto adoptado
pelo outro membro do casal.
RUI GAUDÊNCIO
O Governo angolano e parceiros in-
ternacionais, incluindo as Nações
Unidas, lançaram ontem um pro-
grama de luta contra a malnutrição
infantil, que ameaça meio milhão
de crianças nas dez províncias mais
afectadas pela seca.
O programa prevê a construção
de centros de saúde e a formação
de mais de 2000 técnicos comunitá-
rios. “Os casos de malnutrição mais
severos serão tratados nos centros e
os técnicos irão até às famílias para
fazerem prevenção e despistagem”,
disse à agência AFP Olivio Gambo,
responsável pela comunicação em
Angola da Unicef, fundo das Nações
Unidas para a infância.
Os técnicos comunitários de Saú-
de deverão trabalhar com cerca de
350 mil famílias nas quatro provín-
cias mais afectada: Kwanza-Sul, Zai-
re, Huambo e Bié.
O programa de gestão comunitária
da malnutrição, que envolve o Mi-
nistério da Saúde, as Nações Unidas
e a organização não-governamental
World Vision, foi ontem lançado na
província de Kwanza-Sul.
O número de meio milhão de
crianças afectadas por malnutrição
aguda consta de uma avaliação do
Ministério da Saúde divulgada pela
agência noticiosa estatal Angop.
A crise nutricional afecta dez das
18 províncias angolanas — Zaire, Bié,
Huambo, Kwanza-Sul, Cunene, Hu-
íla, Bengo, Benguela, Moxico e Na-
mibe. A situação, segundo a Angop,
agravou-se devido a um decréscimo
das chuvas durante mais de um ano
em todo o território angolano, que
levou a uma situação de seca gene-
ralizada, principalmente naquelas
regiões. A produção agrícola dimi-
nuiu em mais de 400.000 toneladas,
afectando a segurança alimentar de
mais de 1,8 milhões de pessoas.
Em Junho, o fundo de intervenção
de urgência das Nações Unidas atri-
buiu 5,1 milhões de dólares (mais de
3,9 milhões de euros) à Unicef e à
Organização Mundial de Saúde para
apoio à luta contra a crise alimentar.
Angola é o segundo maior produ-
tor africano de petróleo, depois da
Nigéria. Apesar disso, a maioria da
população vive na pobreza.
Malnutrição ameaça 500 mil crianças angolanas
Saúde
Seca de mais de um ano fez cair produção agrícola. Há um milhão e 800 mil pessoas em situação de insegurança alimentar Os chineses esperam melhorias na saúde e educação
As desigualdades entre ricos e po-
bres e a falta de controlo do poder
são os problemas que mais podem
travar o desenvolvimento da China
nos próximos dez anos, segundo
uma sondagem ontem publicada.
O estudo, divulgado pelo jornal
da juventude do Partido Comunista,
no poder, indica que 75,4% dos mais
de 11.400 cibernautas inquiridos
consideram as desigualdades uma
ameaça ao futuro do país, enquan-
to o poder “sem limitações” dos di-
rigentes e quadros é um problema
para 59,4%.
Os resultados foram publicados
dois dias antes do início do 18.º Con-
gresso do partido, que deve levar à
ascensão de jovens dirigentes, e sur-
gem num contexto em que se têm
multiplicado as revelações sobre a
fortuna e a corrupção de quadros.
O jornal indica também que 52,8%
dos chineses ouvidos consideram o
“reforço dos grupos de interesses”
uma ameaça. Uma percentagem
quase igual está preocupada com a
“degradação do ambiente”.
A “negação das necessidades das
classes mais baixas” da população
representa também um obstáculo
ao desenvolvimento para 50,3%.
Em contrapartida, quase um ter-
ço (31,3%) está preocupado com o
“abrandamento do desenvolvimen-
to económico” e “as tensões inter-
nacionais” (28,2%).
Desigualdades e abusos de poder preocupam chineses
Uma maioria (56,6%) declara ter
“plena confi ança no desenvolvimen-
to da China nos próximos dez anos”,
informa também o jornal, segundo
a transcrição da AFP.
A agência destaca que a sondagem
não é representativa da população
chinesa, porque os cibernautas in-
quiridos, embora oriundos de todas
as regiões do país, são mais jovens
do que a média, com predomínio de
cidadãos urbanos — os migrantes são
apenas 4,2% na amostra, mas repre-
sentam quase 20% da população.
A saúde, 68,8%, e a educação,
62,8%, são os campos em que os
inquiridos esperam melhorias na
próxima década. Os chineses, re-
corda também a agência noticiosa,
poupam muito para ter acesso a cui-
dados de saúde e inscrever os fi lhos
nas melhores escolas, o que trava o
seu consumo.
Mais de 60% dos interrogados de-
clararam esperar uma melhoria das
condições de segurança alimentar.
Salvo surpresa de última hora, o
congresso do Partido Comunista vai
escolher Xi Jinping para presidir à
China nos próximos dez anos. Se-
rá o primeiro líder nascido após a
fundação da República Popular da
China, em 1949, por Mao Tsetung. A
consagração do dirigente, 59 anos,
está prevista para quinta-feira da
próxima semana, numa cerimónia
com transmissão televisiva para 1,3
mil milhões de chineses.
Xi Jinping é fi lho de Xi Zhongxun,
um dos fundadores da guerrilha
comunista no Norte da China. Mais
tarde, Zhongxun foi uma das inúme-
ras vítimas da Revolução Cultural
de Mao Tsetung, entre 1966 e 1976,
vindo a ser reabilitado na década
de 1980, com Deng Xiaoping no
poder.
AFP
Sondagem
Três quartos dos inquiridos em estudo divulgado pelo jornal da juventude comunista pensam que desigualdade ameaça China