corpo vegetativo. como muitas outras gramíneas indígenas ... · mais estável, e prolonga-se até...

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O género Festuca é um dos mais complexos e difíceis da flora de Portugal. Muitas das nossas festucas são tão parecidas entre si que só se podem distinguir, com segurança, através da observação microscópica de cortes histológicos das folhas. A Festuca arundinacea, no entanto, escapa à regra. Corpo vegetativo. Como muitas outras gramíneas indígenas de Portugal, a F. arundinacea é uma planta herbácea, perene, de folhas sésseis (com bainha e limbo, sem pecíolo), alternas (uma por nó) e dispostas no mesmo plano (para a esquerda e para a direita). As lígulas (pequenas excrescências translúcidas situadas no encontro do limbo com pecíolo) são curtas (até 1,5 cm). Os caules não engrossam na base e podem atingir 1,5 m ou mais. A F. arundinacea produz rizomas curtos que perfuram as bainhas para dar origem a novas plantas. Diz-se, por isso, que a F. arundinacea tem inovações extravaginais. Algumas populações do noroeste do país têm rizomas invulgarmente longos para a espécie e, por isso, um enorme interesse para melhoramento. As inovações acumulam-se em torno dos caules mais velhos, formando densos tufos, sobretudo sob o efeito de um pastoreio intenso. Um conjunto de características morfológicas permite discriminar, no campo, e no estado vegetativo, a F. arundinacea das restantes Festuca portuguesas. No encontro do limbo com a bainha distinguem-se pequenas aurículas (expansões laterais que abraçam o caule) com pequenos pelos na margem. As folhas são planas, erguidas e excecionalmente largas com 3-12 mm de largura. Flores e inflorescência. A inflorescência elementar das gramíneas chama-se espigueta. Cada espigueta é inferiormente delimitada por duas glumas: a gluma inferior e a gluma superior. As espiguetas podem ter uma a muitas flores. Cada flor, por sua vez, é envolvida por duas, raramente uma glumela: a glumela inferior ou lema e a glumela superior ou pálea. Nesta espécie as espiguetas têm mais de 1 cm, são multifloras, com 4-5 flores e as glumas desiguais, surgindo organizadas em panículas abertas. As glumelas são debruadas por uma cor avermelhada característica e rematadas por uma pequena arista. O Prof. João do Amaral Franco, no III volume da Nova Flora de Portugal, reconheceu três subespécies de F. arundinacea em Portugal continental: a subsp. arundinacea, a subsp. fenas e a subsp. atlantigena (sob o nome subsp. mediterranica). A verdadeira F. arundinacea subsp. mediterranica chama-se F. pauneroi e provavelmente ocorrerá no Algarve. A ocorrência da F. atlantigena no nosso país é duvidosa. Os autores mais recentes preferem trata- las ao nível da espécie. A F. fenas e a F. atlantigena distinguem-se da F. arundinacea por terem espiguetas de comprimento inferior a 1 cm e um distinto número de cromossomas (a subsp. arundinacea é hexaplóide). As glumas da F. pauneiroi são semelhantes entre si (subiguais). Esta ficha versa apenas a subsp. arundinacea. A F. arundinacea pode confundir-se com a F. pratensis (festuca- dos-prados), uma espécie abundantíssima nos prados centro- europeus, pontual no norte de Espanha, muito usada em relvados. A F. pratensis não tem pelos nas aurículas e os ramos inseridos nos dois nós inferiores da panícula são desiguais, tendo o mais curto apenas 1-2 espiguetas (são semelhantes e com 3-4 espiguetas na F. arundinacea). O híbrido F. arundinacea x Lolium perenne (x Festulolium olmbergii) tem uso comercial. Esta espécie, pelas suas características morfológicas e fisiológicas, tem uma grande capacidade de adaptação às situações climáticas, o mesmo se verificando em relação à textura e fertilidade dos solos, o que explica a sua ocorrência em bermas de caminhos e taludes. Requer valores de precipitação de pelo menos 500 mm, e por isso, em Portugal, encontra-se maioritariamente nas regiões a norte da cordilheira central, abaixo dos 1000 m de altitude. Surge com frequência como indígena nos lameiros mais férteis e nos aluviões ribeirinhos de textura fina do norte do país. Prefere solos de textura média a fina e os moderadamente ácidos a alcalinos (pH entre 5,8 e 6,5) revelando sensibilidade ao alumínio nos solos ácidos. Apresenta muito boa tolerância a condições de climas extremos, resistindo bem à secura e ao frio, provavelmente devido ao seu sistema radical profundo e denso. Para além de suportar largos períodos de encharcamento do solo, também vegeta razoavelmente em solos moderadamente salinos. Suporta melhor o ensombramento do estrato arbóreo que o azevém-perene (Lolium perenne), bem como as grandes variações de humidade no solo ao longo do ano e verões secos com grande défice hídrico no solo (em particular as cultivares do grupo “mediterrânico” que entram em dormência estival). Esta espécie tanto aguenta o corte como o pastoreio, evidenciando, nalgumas variedades, uma grande resistência ao pisoteio. Originária da Europa e Norte de África, atingindo Israel, Síria e Jordânia. Uma boa adaptabilidade e resistência a condições extremas permitiu a sua expansão pelas regiões temperadas da Ásia, América do Norte e do Sul, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.

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Page 1: Corpo vegetativo. Como muitas outras gramíneas indígenas ... · mais estável, e prolonga-se até mais tarde do que a maioria das ... exclusivamente com outras gramíneas em relvados

O género Festuca é um dos mais complexos e difíceis da flora dePortugal. Muitas das nossas festucas são tão parecidas entre si quesó se podem distinguir, com segurança, através da observaçãomicroscópica de cortes histológicos das folhas. A Festuca arundinacea,no entanto, escapa à regra.

Corpo vegetativo. Como muitas outras gramíneas indígenas dePortugal, a F. arundinacea é uma planta herbácea, perene, de folhassésseis (com bainha e limbo, sem pecíolo), alternas (uma por nó) edispostas no mesmo plano (para a esquerda e para a direita). Aslígulas (pequenas excrescências translúcidas situadas no encontro dolimbo com pecíolo) são curtas (até 1,5 cm). Os caules não engrossamna base e podem atingir 1,5 m ou mais. A F. arundinacea produzrizomas curtos que perfuram as bainhas para dar origem a novasplantas. Diz-se, por isso, que a F. arundinacea tem inovaçõesextravaginais. Algumas populações do noroeste do país têm rizomasinvulgarmente longos para a espécie e, por isso, um enorme interessepara melhoramento. As inovações acumulam-se em torno dos caulesmais velhos, formando densos tufos, sobretudo sob o efeito de umpastoreio intenso.

Um conjunto de características morfológicas permite discriminar, nocampo, e no estado vegetativo, a F. arundinacea das restantes Festucaportuguesas. No encontro do limbo com a bainha distinguem-sepequenas aurículas (expansões laterais que abraçam o caule) compequenos pelos na margem. As folhas são planas, erguidas eexcecionalmente largas com 3-12 mm de largura.

Flores e inflorescência. A inflorescência elementar das gramíneaschama-se espigueta. Cada espigueta é inferiormente delimitada porduas glumas: a gluma inferior e a gluma superior. As espiguetas podemter uma a muitas flores. Cada flor, por sua vez, é envolvida por duas,raramente uma glumela: a glumela inferior ou lema e a glumelasuperior ou pálea. Nesta espécie as espiguetas têm mais de 1 cm, sãomultifloras, com 4-5 flores e as glumas desiguais, surgindo organizadasem panículas abertas. As glumelas são debruadas por uma coravermelhada característica e rematadas por uma pequena arista.

O Prof. João do Amaral Franco, no III volume da Nova Flora dePortugal, reconheceu três subespécies de F. arundinacea em Portugalcontinental: a subsp. arundinacea, a subsp. fenas e a subsp.atlantigena (sob o nome subsp. mediterranica). A verdadeira F.arundinacea subsp. mediterranica chama-se F. pauneroi eprovavelmente ocorrerá no Algarve. A ocorrência da F. atlantigenano nosso país é duvidosa. Os autores mais recentes preferem trata-las ao nível da espécie. A F. fenas e a F. atlantigena distinguem-seda F. arundinacea por terem espiguetas de comprimento inferiora 1 cm e um distinto número de cromossomas (a subsp. arundinaceaé hexaplóide). As glumas da F. pauneiroi são semelhantes entre si(subiguais). Esta ficha versa apenas a subsp. arundinacea.

A F. arundinacea pode confundir-se com a F. pratensis (festuca-dos-prados), uma espécie abundantíssima nos prados centro-europeus, pontual no norte de Espanha, muito usada em relvados.A F. pratensis não tem pelos nas aurículas e os ramos inseridos nosdois nós inferiores da panícula são desiguais, tendo o mais curtoapenas 1-2 espiguetas (são semelhantes e com 3-4 espiguetas naF. arundinacea). O híbrido F. arundinacea x Lolium perenne (xFestulolium olmbergii) tem uso comercial.

Esta espécie, pelas suas características morfológicas e fisiológicas,tem uma grande capacidade de adaptação às situações climáticas,o mesmo se verificando em relação à textura e fertilidade dos solos,o que explica a sua ocorrência em bermas de caminhos e taludes.Requer valores de precipitação de pelo menos 500 mm, e por isso,em Portugal, encontra-se maioritariamente nas regiões a norte dacordilheira central, abaixo dos 1000 m de altitude. Surge comfrequência como indígena nos lameiros mais férteis e nos aluviõesribeirinhos de textura fina do norte do país. Prefere solos de texturamédia a fina e os moderadamente ácidos a alcalinos (pH entre 5,8e 6,5) revelando sensibilidade ao alumínio nos solos ácidos.Apresenta muito boa tolerância a condições de climas extremos,resistindo bem à secura e ao frio, provavelmente devido ao seusistema radical profundo e denso. Para além de suportar largosperíodos de encharcamento do solo, também vegeta razoavelmenteem solos moderadamente salinos. Suporta melhor oensombramento do estrato arbóreo que o azevém-perene (Loliumperenne), bem como as grandes variações de humidade no solo aolongo do ano e verões secos com grande défice hídrico no solo (emparticular as cultivares do grupo “mediterrânico” que entram emdormência estival). Esta espécie tanto aguenta o corte como opastoreio, evidenciando, nalgumas variedades, uma granderesistência ao pisoteio.

Originária da Europa e Norte deÁfrica, atingindo Israel, Síria eJordânia. Uma boa adaptabilidadee resistência a condições extremaspermitiu a sua expansão pelasregiões temperadas da Ásia, Américado Norte e do Sul, África do Sul,Austrália e Nova Zelândia.

Page 2: Corpo vegetativo. Como muitas outras gramíneas indígenas ... · mais estável, e prolonga-se até mais tarde do que a maioria das ... exclusivamente com outras gramíneas em relvados

A implantação da festuca-alta, extreme ou em misturas, deve serfeita no Outono-Inverno, sobre uma cama de sementeira muitobem preparada. Devido à reduzida dimensão das sementes (maisde 400.000 por kg) deve-se evitar enterrá-las a mais de 1 cm deprofundidade, sendo recomendável efetuar uma rolagem paraaconchegar bem a terra e assim facilitar a germinação e aemergência. Quando semeada estreme a quantidade de sementea usar pode alcançar os 10-20 kg/ha. Geralmente é semeada emmisturas com outras gramíneas e leguminosas, à razão de 2 a 5kg/ha. Consocia-se com sucesso com Dactylis, trevos e luzerna.

A Festuca arundinacea evidencia algumas dificuldades noestabelecimento da pastagem, com crescimentos iniciais maisreduzidos que os do azevém perene ou da Phalaris, sendo maisafetada do que estas duas espécies pelas sementeiras tardias, emparticular se as temperaturas já forem baixas. Frequentemente, sóganha dominância no segundo ano.

O maneio da pastagem deve ter em consideração o crescimentoinicial mais lento da festuca-alta. Recomenda-se atrasar o pastoreioaté que o sistema radicular esteja bem desenvolvido, para evitarque as plantas possam ser arrancadas pelos animais. Aconselha-se ainda um pastoreio rotacional com alguma intensidade de modoa manter a festuca em fase de “crescimento ativo” para maximizaro crescimento, afilhamento e a qualidade da biomassa. Tambémtolera o pastoreio contínuo, desde que os encabeçamentos sejammais reduzidos. Responde muito bem à fertilização azotada(recomendada quando se efetuam cortes ) e ao regadio. Constatou-se que, em condições de ensombramento, o seu crescimentoarranca mais rapidamente após as primeiras chuvas outonais, émais estável, e prolonga-se até mais tarde do que a maioria dasgramíneas pratenses.

Em pastagens de regadio mantém um crescimento ativo durantetodo o ano. A arundinacea tem ainda a particularidade invulgar decontinuar a afilhar durante a floração. Porém, é menos palatávele produz uma forragem de menor qualidade do que as restantesgramíneas semeadas em Portugal. Tem a tendência para formartufos com folhas secas que podem obrigar a cortes de limpezaperiódicos em sistemas pouco intensivos de pastoreio. Acumularapidamente grandes quantidades de folhas secas rejeitadas pelosanimais nos anos de muita geada ou de verãos muito secos. O cortelimpa o pasto mas há que ter algum cuidado no outono para nãoenfraquecer as plantas, deixando-as sem reservas.

A festuca-alta é geralmente usada em misturas com outras gramínease leguminosas em pastagens temporárias e permanentes, ouexclusivamente com outras gramíneas em relvados lúdicos e desportivos.Pode ser usada para pastoreio direto, corte em verde, produção de feno,feno-silagem ou silagem. O primeiro corte ou pastoreio só deve ser feitoquando as plantas alcançarem os 5-10 cm. As pastagens que incluema festuca-alta são apropriadas para todas as espécies pecuárias,recomendando-se o uso de variedades livres de endófito (Acremoniumcoenophialum) e resistentes ao “brown patch” (Rhizoctonia solani).Proporciona uma biomassa de boa qualidade, com teores de proteínade 14 a 15% na matéria seca, mantendo crescimentos durante o pastoreio,desde que as condições de humidade e temperaturas sejam adequadas.Tal como o panasco, a festuca-alta apresenta boas produções empastagens sob coberto, frequentes em muitas regiões de Portugal.

As variedades de festuca-alta podem ser agrupadas em 2 tipos devariedades com padrões de crescimento sazonal diferentes: um que sedesigna de “tipo temperado” agrupa as variedades com dormênciainvernal, muito resistentes ao frio (mais do que o panasco ou a Phalaris)e crescimentos vigorosos na primavera, no verão (em regadio) e noOutono, após as primeiras chuvas; outro, designado por “tipomediterrânico”, com variedades de bom crescimento outono-Invernale mais resistentes à secura, evidenciando forte dormência estival.

Existem numerosas variedades comerciais à venda em Portugal,maioritariamente indicadas para campos de golfe ou para relvadoslúdicos (‘Merlin Gold’, ‘Rhizing Star’, ‘Inferno’, ‘Appian’, entre muitasoutras), destacando-se pela folha fina e a forte resistência ao pisoteio.

Apesar de estarem inscritas 260 variedades de festuca-alta no CatálogoComum de Variedades de Espécies Agrícolas , em Portugal apenasexistem duas variedades de festuca-alta inscritas no Catálogo Nacionalde Variedades: a ’Demeter’ e a ‘Ariel’. A ‘Demeter’ é uma variedademuito adequada para o estabelecimento de pastagens permanentes,devido à sua larga persistência (5 a 6 anos), apresentando boa rusticidade,grande capacidade de adaptação a diversos tipos de solos, mesmo ossujeitos a encharcamento durante uma parte do ano, sendo além dissomais tolerante à secura que outras variedades de festuca-alta e dandouma produção forrageira muito elevada na primavera e em verãoschuvosos (norte de Portugal) ou em prados de regadio.

Como resultado do programa de melhoramento de gramíneas forrageirasque está a decorrer no INIA-Elvas, foi inscrita em 2012 no CatálogoNacional de Variedades a variedade ‘Ariel’. É uma variedade bem adaptadaàs condições edafoclimáticas da região mediterrânica, tem boa capacidadede regeneração após pastoreio, elevada produção de biomassa e elevadaeficiência do uso da água. É uma variedade que apresenta boasobrevivência estival e elevada persistência ao longo dos anos, sendoadequada para integrar pastagens temporárias e permanentes, querem sequeiro quer em regadio, tal como as variedades ’Fawn‘ e ’Kora‘,igualmente comercializadas em Portugal e que também se caracterizampor elevadas produções de biomassa, grande resistência à secura e boapalatabilidade.

SOCIEA

DE

PO

RTU

GU

ES

ADE PASTAG

ENS

EFO

RR

AG

ENS

Autores: Francisco Mondragão Rodrigues e Carlos Aguiar

SPPF - FICHA TÉCNICA nº3