copyleft: a utopia da pane no sistema

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Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br , Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 Copyleft: a utopia da pane no sistema André Azevedo da Fonseca Graduado em Comunicação Social (Universidade de Uberaba / Uniube); Especialista em História do Brasil (PUC-MG); Mestrando em História Cultural na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquisa Filho” (Unesp-Franca). Autor de Cotidianos culturais e outras histórias: a cidade sob novos olhares (Uniube, 2004) disponível em licença copyleft no endereço: http://azevedodafonseca.sites.uol.com.br Resumo Este artigo busca conceituar o termo “copyleft”, uma licença que permite a livre reprodução e distribuição sem fins lucrativos da produção intelectual. Simultaneamente, procura desenvolver a discussão: será que essa disseminação do conhecimento é verdadeiramente uma democratização ou apenas um cosmético nas estratégias de propaganda? Dessa forma, vistos os antecedentes históricos, considerando que a indústria de entretenimento sempre se mostrou temerosa quando surgiram novas tecnologias, mas foi sempre eficiente não apenas para vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor, percebe-se que o mercado tende a aprender a domar essas “insubordinações” para tirar proveito das técnicas de guerrilha cultural, sob o custo de uma democratização relativa da informação. Palavras chaves: copyleft; propriedade intelectual; democratização da informação. Resumen Copyleft: la utopia del parada en el sistema Este artículo busca conceptualizar sobre el termino "copyleft", una licencia que permite la libre reproducción y distribuición, sin fines lucrativos, de la producción intelectual. Simultáneamente, busca desarrollar la discusión: será que esa diseminación del conocimiento es verdaderamente una democratización o apenas un cosmético en las estratégias de propaganda? De esta forma, vistos los antecedentes históricos, considerando que la industria de entretenimiento siempre se mostró temerosa, cuando surgieron nuevas tecnologias, mas fue siempre eficiente no sólo para vencer las crisis, pero sobre todo para direccionar las tecnologías a su favor, se percibe que el mercado tiende a aprender a domar esas "insubordinaciones" para sacar provecho de las técnicas de guerrilla cultural, bajo el costo de una democratización relativa de la información.

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temerosa quando surgiram novas tecnologias, mas foi sempre eficiente não apenas para distribuição sem fins lucrativos da produção intelectual. Simultaneamente, procura siempre eficiente no sólo para vencer las crisis, pero sobre todo para direccionar las libre reproducción y distribuición, sin fines lucrativos, de la producción intelectual. vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor, percebe-se que o Copyleft: la utopia del parada en el sistema

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Page 1: Copyleft: a utopia da pane no sistema

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Copyleft a utopia da pane no sistema

Andreacute Azevedo da Fonseca Graduado em Comunicaccedilatildeo Social (Universidade de Uberaba Uniube) Especialista em Histoacuteria do Brasil (PUC-MG) Mestrando em Histoacuteria Cultural na Universidade Estadual Paulista ldquoJulio de Mesquisa Filhordquo (Unesp-Franca) Autor de Cotidianos culturais e outras histoacuterias a cidade sob novos olhares (Uniube 2004) disponiacutevel em licenccedila copyleft no endereccedilo httpazevedodafonsecasitesuolcombr

Resumo Este artigo busca conceituar o termo ldquocopyleftrdquo uma licenccedila que permite a livre reproduccedilatildeo e

distribuiccedilatildeo sem fins lucrativos da produccedilatildeo intelectual Simultaneamente procura

desenvolver a discussatildeo seraacute que essa disseminaccedilatildeo do conhecimento eacute verdadeiramente uma

democratizaccedilatildeo ou apenas um cosmeacutetico nas estrateacutegias de propaganda Dessa forma vistos

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas ldquoinsubordinaccedilotildeesrdquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo

Palavras chaves copyleft propriedade intelectual democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo

Resumen

Copyleft la utopia del parada en el sistema

Este artiacuteculo busca conceptualizar sobre el termino copyleft una licencia que permite la

libre reproduccioacuten y distribuicioacuten sin fines lucrativos de la produccioacuten intelectual

Simultaacuteneamente busca desarrollar la discusioacuten seraacute que esa diseminacioacuten del conocimiento

es verdaderamente una democratizacioacuten o apenas un cosmeacutetico en las estrateacutegias de

propaganda De esta forma vistos los antecedentes histoacutericos considerando que la industria

de entretenimiento siempre se mostroacute temerosa cuando surgieron nuevas tecnologias mas fue

siempre eficiente no soacutelo para vencer las crisis pero sobre todo para direccionar las

tecnologiacuteas a su favor se percibe que el mercado tiende a aprender a domar esas

insubordinaciones para sacar provecho de las teacutecnicas de guerrilla cultural bajo el costo de

una democratizacioacuten relativa de la informacioacuten

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Palabras claves copyleft propiedad intelectual democratizacioacuten de la informacioacuten

Abstract

Copyleft the Utopia of system breakdown

This article tries to conceptualize the term ldquocopyleftrdquo which is a license that permits without

lucrative ends the free reproduction and distribution of intellectual production

Simultaneously this article tries to develop the discussion Is it factual that this dissemination

of knowledge is truly a democratization or simply something superficial in propaganda

strategies From the point of view of looking at the historical antecedents and considering that

the entertainment industry has always shown itself to be fearful of new emerging

technologies yet has always been efficient not only in emerging victorious during crisis but in

using these technologies in their favor it can be seen that the market tends to learn how to

dominate these ldquoinsubordinationsrdquo in order to take advantage of these techniques in a cultural

guerrilla war at the cost of the relative democratization of information

Key-words copyleft intellectual property democratization of information

Introduccedilatildeo

A revoluccedilatildeo digital dos uacuteltimos 20 anos desencadeou uma irrefreaacutevel popularizaccedilatildeo de

equipamentos de reproduccedilatildeo de conteuacutedo Nunca foi tatildeo simples e extraordinariamente barato

copiar e distribuir informaccedilatildeo sobretudo devido agrave facilidade de uso da Internet aliada a

incessantes novidades tecnoloacutegicas tais como gravadores de CD DVD e impressoras

pessoais No entanto ao mesmo tempo em que a era digital eacute celebrada pelo seu potencial de

democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo ela preocupa seriamente donos de direitos autorais e

empresaacuterios da induacutestria da informaccedilatildeo pois a descentralizaccedilatildeo inerente agrave rede parece

inviabilizar qualquer tipo de controle da propriedade intelectual Percebe-se neste contexto

uma discussatildeo polarizada entre os idealistas da livre informaccedilatildeo e os defensores irredutiacuteveis

do copyright sob a franca ineficiecircncia das tradicionais legislaccedilotildees de proteccedilatildeo

O hacker Richard Stallman fundador do Free Software Foundation (FSF) concebeu uma

estrateacutegia criativa para garantir que todas as variaccedilotildees dos programas originalmente criados

pelo seu projeto GNU prosseguissem o desenvolvimento em coacutedigo aberto Isso significa que

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nenhum programador pode registrar o copyright desses softwares e impedir que outros

usuaacuterios tenham acesso ao coacutedigo-fonte das modificaccedilotildees que porventura tenha efetuado

Esse recurso foi batizado como ldquocopyleftrdquo em uma paroacutedia que inverte para a esquerda o

sentido de direita do copyright

Nos uacuteltimos anos grupos artiacutesticos e intelectuais de tendecircncia anarquista tecircm defendido

que o conceito de copyleft surgido na informaacutetica pode ser adaptado ao universo da produccedilatildeo

cientiacutefica e da cultura de massa Os mais entusiastas chegam a argumentar que estamos sob

uma nova era de produccedilatildeo e consumo de informaccedilatildeo na qual os grandes conglomerados da

induacutestria cultural seratildeo derrubados para que possa emergir uma forma comunitaacuteria e aberta de

livre distribuiccedilatildeo de cultura Em outras palavras capaz de provocar uma pane no sistema

(sonho antigo dos anarquistas libertaacuterios) Entretanto antecedentes histoacutericos mostram que a

loacutegica e o pragmatismo capitalista sempre tiveram flexibilidade para adequar-se agraves novidades

tecnoloacutegicas e tirar proveito das crises com assombrosa eficiecircncia A pergunta eacute o copyleft

pode mesmo democratizar a informaccedilatildeo ou tende a ser inevitavelmente domado pelo

ldquosistemardquo Satildeo esses os assuntos expostos e discutidos neste artigo

O estudo direto dos projetos de Richard Stallman justificam-se por que a ele eacute atribuiacutedo a

criaccedilatildeo do proacuteprio conceito de copyleft Em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo do copyleft para a induacutestria

cultural a pesquisa foi delimitada a um manifesto do coletivo literaacuterio italiano WU MING

ldquoCopyright e maremotordquo primeiro por causa do histoacuterico de defesa do copyleft desse grupo

depois pelo farto material que o coletivo disponibiliza sobre o tema mas sobretudo devido ao

fenocircmeno de vendas do romance Q de Luther Blisset editado pela fundaccedilatildeo Wu Ming que

sob a bandeira do copyleft e ateacute mesmo do incentivo agrave livre reproduccedilatildeo jaacute vendeu mais de 2

milhotildees de coacutepias oficiais

A obra de Shapiro e Varian utilizada como base da contra-argumentaccedilatildeo foi escolhida por

um motivo muito simples os autores satildeo reverenciados pelos maiores lsquoinimigosrsquo de Stallman

como Jeff Bezos da Amazoncom aleacutem de representantes da Intel Novell e da Federal Trade

Commision entre outros1 Dessa forma acredita-se que foi possiacutevel reunir um razoaacutevel

contraponto de ideacuteias e buscar pontos de convergecircncia entre posiccedilotildees antagocircnicas Devido agraves

restriccedilotildees de espaccedilo deste artigo preferiu-se por natildeo abordar o problema da induacutestria

1 Na Quarta capa da ediccedilatildeo brasileira de A economia da informaccedilatildeo de Carl Shapiro e Hal R Varian o empresaacuterio Michael Dolbec vice-presidente da 3Com escreve ldquoLeia este livro para descobrir exatamente o que seus concorrentes estatildeo fazendo e como vocecirc poderaacute tirar o sono deles agrave medida que compete para o futurordquo A informaccedilatildeo eacute um grande negoacutecio

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fonograacutefica por tratar-se de uma questatildeo com complexidades proacuteprias devendo portanto ser

analisado agrave parte

Apesar de ser um conceito cunhado nos anos 80 satildeo raros os trabalhos em portuguecircs sobre

copyleft Este artigo esboccedila resultados de uma pesquisa ainda em andamento e visa contribuir

para suprir essa lacuna

Induacutestria de informaccedilatildeo

A discussatildeo sobre propriedade intelectual eacute uma das mais explosivas da economia do

conhecimento pois toca em um problema crucial na atualidade como determinar e garantir os

direitos autorais de uma ideacuteia de um produto imaterial Em um mercado sofisticado ao ponto

de ser capaz de comercializar bens simboacutelicos ainda natildeo se encontrou a foacutermula eficiente

para regulamentar a circulaccedilatildeo da mercadoria ldquoinformaccedilatildeordquo E essa economia parece deslizar

no seguinte paradoxo que cria uma curiosa situaccedilatildeo de interdependecircncia aparentemente

suicida agrave medida em que as empresas de softwares e equipamentos ndash aparelhos de som de

CDs de DVDs e Viacutedeos Cassetes equipamentos de reprografia induacutestria de informaacutetica etc

ndash lanccedilam produtos mais sofisticados capazes de gravar regravar ou copiar dados com

qualidade industrial os produtores de conteuacutedo perdem cada vez mais a capacidade de

recolher os direitos autorais sobre a reproduccedilatildeo de seus produtos intelectuais ldquoAs mesmas

corporaccedilotildees que vendem samplers fotocopiadoras scanners e masterizadores controlam a

induacutestria global do entretenimento e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais

instrumentosrdquo (WU MING 2002 p5)

Shapiro e Varian (1999 p16) observam que na economia do conhecimento a informaccedilatildeo

eacute cara de produzir mas barata para reproduzir ndash filmes de 100 milhotildees de doacutelares por

exemplo podem ser reproduzidos em fitas que custam alguns centavos E evidentemente natildeo

haacute lei de patentes capaz de controlar essa dinacircmica Castells (1999 p51) afirma que uma das

principais caracteriacutesticas da sociedade em rede eacute justamente a capacidade de as pessoas

apropriarem-se criativamente dos novos meios ldquoAs novas tecnologias da informaccedilatildeo natildeo satildeo

simplesmente ferramentas a serem aplicadas mas processos a serem desenvolvidos Usuaacuterios

e criadores podem tornar-se a mesma coisa Dessa forma os usuaacuterios podem assumir o

controle da tecnologia como no caso da Internetrdquo

Essa dinacircmica remete agravequela das criaccedilotildees coletivas que marcaram e ainda caracterizam

sobretudo as culturas orais mas que apesar das restriccedilotildees de propriedade intelectual natildeo

deixam evidentemente de influenciar a cultura escrita Nas sociedades aacutegrafas um dos fatores

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que mais enriquecem os relatos populares eacute a diversidade das versotildees ou seja cada um que

ouve um caso apropria-se da estrutura narrativa e acrescenta elementos de seu universo

cultural ao contaacute-lo De boca a boca temperadas pelas sutilezas do cotidiano as histoacuterias

adquirem novos sabores e acabam por reunir os ingredientes mais significativos do imaginaacuterio

coletivo de uma eacutepoca

A antropologia ensina que o ser humano eacute o resultado do meio cultural em que foi

socializado Somos herdeiros de um longo processo acumulativo fundamentado no

conhecimento adquirido por geraccedilotildees de ancestrais Laraia (2001 p45-47) observa que eacute

justamente a manipulaccedilatildeo adequada e criativa desse patrimocircnio cultural que permite

inovaccedilotildees e invenccedilotildees que por sua vez natildeo satildeo produtos de accedilatildeo isolada de um gecircnio mas o

resultado de um esforccedilo comunitaacuterio Na histoacuteria temos incontaacuteveis casos de obras coletivas

como as lendas miacuteticas as canccedilotildees populares e mesmo o caso da Iliacuteada atribuiacuteda a Homero

mas que hoje acredita-se tratar de uma reuniatildeo de narrativas correntes da tradiccedilatildeo oral

claacutessica Assim Laraia defende a hipoacutetese que se Albert Einstein por exemplo natildeo tivesse

desenvolvido suas teorias algueacutem o faria mais cedo ou mais tarde pois outros cientistas

ldquodiante de um mesmo material culturalrdquo estariam aptos para utilizar os mesmos

conhecimentos e chegar aos mesmos resultados

Aiacute estaacute uma boa questatildeo Estariam os segredos de patentes impedindo o surgimento de

novos Einsteins Laraia (2001 p46) observa que natildeo basta a natureza criar indiviacuteduos

altamente inteligentes pois isto ela jaacute faz com frequumlecircncia mas ldquoeacute necessaacuterio que coloque ao

alcance desses indiviacuteduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma

maneira revolucionaacuteriardquo Dessa forma sentimo-nos agrave vontade para afirmar que sim sem

circulaccedilatildeo efetiva de conhecimento sobretudo devido agraves restriccedilotildees econocircmicas gecircnios

potenciais satildeo prodigamente desperdiccedilados

Mas como a nova economia estruturou a informaccedilatildeo como um produto agrave venda a equaccedilatildeo

natildeo fecha Em relaccedilatildeo a Internet proprietaacuterios de direitos autorais natildeo conseguem encontrar

soluccedilotildees para essa inquietante ambivalecircncia Por um lado a rede eacute um recurso fabuloso de

divulgaccedilatildeo e um potencial ineacutedito de distribuiccedilatildeo de conteuacutedo Por outro muitos empresaacuterios

ainda mantecircm forte resistecircncia por consideraacute-la um instrumento que soacute favorece a livre e

infinita pirataria

Nesse turbulento contexto surge da informaacutetica a ideacuteia de copyleft um novo conceito que

ainda natildeo eacute reconhecido em convenccedilotildees internacionais mas que vem adquirindo popularidade

e legitimidade sobretudo na Internet ao mesmo tempo que parece ameaccedilar negociantes de

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conteuacutedos A criaccedilatildeo deste termo eacute atribuiacuteda a Richard Stallman um ativista da primeira

geraccedilatildeo de hackers da Universidade de Harvard e do MIT Artificial Intelligence Lab

(Laboratoacuterio de Inteligecircncia Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos

1970 Em janeiro de 1984 Stallman abandonou o MIT para dedicar-se ao projeto GNU ndash uma

paroacutedia metalinguumliacutestica e tautoloacutegica a sigla GNU significa Gnu is Not Unix (Gnu Natildeo eacute

Unix) Em 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF)

Copyleft eacute um trocadilho de traduccedilatildeo literal impossiacutevel No primeiro momento em uma

inversatildeo do copyright (direitos de reproduccedilatildeo) o novo termo substitui o ldquorightrdquo pelo ldquoleftrdquo

direita por esquerda em inglecircs ndash naturalmente uma alusatildeo agrave ideologia poliacutetica agrave esquerda

historicamente envolvida nos esforccedilos de democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Mas ldquoleftrdquo eacute

tambeacutem um modo verbal que se refere ao ldquosimple pastrdquo (passado perfeito) do verbo ldquoleaverdquo

que significa ldquopermitir deixarrdquo Neste segunda leitura poderiacuteamos traduzir copyleft por algo

como ldquocoacutepia permitidardquo Junto a esse conceito foi criado para parodiar o slogan ldquoAll rights

reservedrdquo (Todos os direitos reservados) a foacutermula ldquoAll rights reversedrdquo (Todos os direitos

invertidos) Mas para compreender as sutilezas do copyleft eacute necessaacuterio compreender os

fundamentos do projeto GNU

GNU is Not Unix

O GNU foi idealizado em 1983 e lanccedilado no ano seguinte com o objetivo de desenvolver

um sistema operacional completo e tatildeo eficiente quanto o Unix A diferenccedila eacute que ao

contraacuterio deste uacuteltimo que eacute um sistema fechado e exige pagamento pela licenccedila de uso o

GNU eacute um sistema aberto e oferece livre acesso para os usuaacuterios ndash ou seja pode ser instalado

modificado e copiado gratuitamente De acordo com informaccedilotildees no site do projeto diversas

variaccedilotildees do sistema GNU que utilizam o nuacutecleo Linux satildeo hoje largamente utilizadas

(estima-se que aproximadamente 20 milhotildees de usuaacuterios tecircm acesso ao programa) Apesar de

serem normalmente chamados apenas de Linux o popular sistema operacional gratuito criado

por Linus Torvalds na verdade trata-se de variaccedilotildees de sistemas GNULinux ldquoO Software

Livre eacute uma questatildeo de liberdade as pessoas devem ser livres para usar o software de todas as

maneiras que sejam socialmente uacuteteis2rdquo

Na concepccedilatildeo dos criadores do GNU a palavra livre (free no original) estaacute relacionada

com liberdade em vez de preccedilo Isso quer dizer que o usuaacuterio pode ou natildeo pagar um preccedilo

2 Traduzida por Pedro Oliveira e revisada por Miguel Oliveira em abril de 2000 Atualizada por Fernando Lozano Disponiacutevem el lthttpwwwgnuorgphilosophyphilosophypthtmlAbouttheGNUprojectgt Acesso em 27 fev 2004

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para obter o software GNU Informaccedilotildees no site oficial esclarecem que esse programa

possibilita trecircs liberdades especiacuteficas de utilizaccedilatildeo

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho

Segundo a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos por ter acesso

completo agraves fontes Terceiro a liberdade de distribuir versotildees modificadas e assim ajudar a

construir a comunidade (Se vocecirc redistribui software GNU vocecirc pode cobrar pelo ato de

transferir uma coacutepia ou vocecirc pode dar coacutepias de graccedila)3

A ideacuteia ainda segundo os criadores eacute ldquotrazer de volta o espiacuterito cooperativo que prevalecia

na comunidade de informaacutetica nos seus primoacuterdiosrdquo removendo obstaacuteculos impostos pelos

proprietaacuterios do software e tornando possiacutevel a cooperaccedilatildeo entre programadores

Todo usuaacuterio de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional

(Operating System) como o Windows o Mac ou o Unix para citar os mais populares entre o

puacuteblico natildeo especializado Sem um sistema operacional livre natildeo eacute possiacutevel nem mesmo

iniciar um computador sem pagar pela licenccedila de uso do software (a natildeo ser que se use

versotildees piratas e portanto ilegais) Assim para o GNU o primeiro item na agenda do

software livre eacute o estabelecimento de um sistema operacional livre

A Free Software Foundation (FSF) fundada por Richard Stallman manteacutem desde 1999 o

projeto Free Software Directory (FSD) Em um site da web a fundaccedilatildeo deixa agrave disposiccedilatildeo

para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos sobretudo

nas variaccedilotildees GNULinux Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco

Quase tudo em copyleft

Haacute nesse conceito uma caracteriacutestica chave que o diferencia definitivamente da ideacuteia de

ldquodomiacutenio puacuteblicordquo De fato o modo mais simples de estabelecer um software-livre eacute colocaacute-

lo sob domiacutenio puacuteblico ou seja abrir matildeo por completo do copyright No entanto se por um

lado permite que os usuaacuterios compartilhem livremente o programa original essa licenccedila

aberta deixa uma brecha Ela natildeo impede por exemplo que empresas natildeo-cooperativas ao

fazer poucas modificaccedilotildees no programa registrem o copyright e detentoras dos direitos

autorais comercializem com exclusividade o ldquonovordquo software com coacutedigo fechado

Assim em vez de colocar os programas do GNU em domiacutenio puacuteblico o projeto

desenvolveu esse artifiacutecio O copyleft impotildee que qualquer usuaacuterio que redistribua o programa

3 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 2: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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Palabras claves copyleft propiedad intelectual democratizacioacuten de la informacioacuten

Abstract

Copyleft the Utopia of system breakdown

This article tries to conceptualize the term ldquocopyleftrdquo which is a license that permits without

lucrative ends the free reproduction and distribution of intellectual production

Simultaneously this article tries to develop the discussion Is it factual that this dissemination

of knowledge is truly a democratization or simply something superficial in propaganda

strategies From the point of view of looking at the historical antecedents and considering that

the entertainment industry has always shown itself to be fearful of new emerging

technologies yet has always been efficient not only in emerging victorious during crisis but in

using these technologies in their favor it can be seen that the market tends to learn how to

dominate these ldquoinsubordinationsrdquo in order to take advantage of these techniques in a cultural

guerrilla war at the cost of the relative democratization of information

Key-words copyleft intellectual property democratization of information

Introduccedilatildeo

A revoluccedilatildeo digital dos uacuteltimos 20 anos desencadeou uma irrefreaacutevel popularizaccedilatildeo de

equipamentos de reproduccedilatildeo de conteuacutedo Nunca foi tatildeo simples e extraordinariamente barato

copiar e distribuir informaccedilatildeo sobretudo devido agrave facilidade de uso da Internet aliada a

incessantes novidades tecnoloacutegicas tais como gravadores de CD DVD e impressoras

pessoais No entanto ao mesmo tempo em que a era digital eacute celebrada pelo seu potencial de

democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo ela preocupa seriamente donos de direitos autorais e

empresaacuterios da induacutestria da informaccedilatildeo pois a descentralizaccedilatildeo inerente agrave rede parece

inviabilizar qualquer tipo de controle da propriedade intelectual Percebe-se neste contexto

uma discussatildeo polarizada entre os idealistas da livre informaccedilatildeo e os defensores irredutiacuteveis

do copyright sob a franca ineficiecircncia das tradicionais legislaccedilotildees de proteccedilatildeo

O hacker Richard Stallman fundador do Free Software Foundation (FSF) concebeu uma

estrateacutegia criativa para garantir que todas as variaccedilotildees dos programas originalmente criados

pelo seu projeto GNU prosseguissem o desenvolvimento em coacutedigo aberto Isso significa que

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nenhum programador pode registrar o copyright desses softwares e impedir que outros

usuaacuterios tenham acesso ao coacutedigo-fonte das modificaccedilotildees que porventura tenha efetuado

Esse recurso foi batizado como ldquocopyleftrdquo em uma paroacutedia que inverte para a esquerda o

sentido de direita do copyright

Nos uacuteltimos anos grupos artiacutesticos e intelectuais de tendecircncia anarquista tecircm defendido

que o conceito de copyleft surgido na informaacutetica pode ser adaptado ao universo da produccedilatildeo

cientiacutefica e da cultura de massa Os mais entusiastas chegam a argumentar que estamos sob

uma nova era de produccedilatildeo e consumo de informaccedilatildeo na qual os grandes conglomerados da

induacutestria cultural seratildeo derrubados para que possa emergir uma forma comunitaacuteria e aberta de

livre distribuiccedilatildeo de cultura Em outras palavras capaz de provocar uma pane no sistema

(sonho antigo dos anarquistas libertaacuterios) Entretanto antecedentes histoacutericos mostram que a

loacutegica e o pragmatismo capitalista sempre tiveram flexibilidade para adequar-se agraves novidades

tecnoloacutegicas e tirar proveito das crises com assombrosa eficiecircncia A pergunta eacute o copyleft

pode mesmo democratizar a informaccedilatildeo ou tende a ser inevitavelmente domado pelo

ldquosistemardquo Satildeo esses os assuntos expostos e discutidos neste artigo

O estudo direto dos projetos de Richard Stallman justificam-se por que a ele eacute atribuiacutedo a

criaccedilatildeo do proacuteprio conceito de copyleft Em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo do copyleft para a induacutestria

cultural a pesquisa foi delimitada a um manifesto do coletivo literaacuterio italiano WU MING

ldquoCopyright e maremotordquo primeiro por causa do histoacuterico de defesa do copyleft desse grupo

depois pelo farto material que o coletivo disponibiliza sobre o tema mas sobretudo devido ao

fenocircmeno de vendas do romance Q de Luther Blisset editado pela fundaccedilatildeo Wu Ming que

sob a bandeira do copyleft e ateacute mesmo do incentivo agrave livre reproduccedilatildeo jaacute vendeu mais de 2

milhotildees de coacutepias oficiais

A obra de Shapiro e Varian utilizada como base da contra-argumentaccedilatildeo foi escolhida por

um motivo muito simples os autores satildeo reverenciados pelos maiores lsquoinimigosrsquo de Stallman

como Jeff Bezos da Amazoncom aleacutem de representantes da Intel Novell e da Federal Trade

Commision entre outros1 Dessa forma acredita-se que foi possiacutevel reunir um razoaacutevel

contraponto de ideacuteias e buscar pontos de convergecircncia entre posiccedilotildees antagocircnicas Devido agraves

restriccedilotildees de espaccedilo deste artigo preferiu-se por natildeo abordar o problema da induacutestria

1 Na Quarta capa da ediccedilatildeo brasileira de A economia da informaccedilatildeo de Carl Shapiro e Hal R Varian o empresaacuterio Michael Dolbec vice-presidente da 3Com escreve ldquoLeia este livro para descobrir exatamente o que seus concorrentes estatildeo fazendo e como vocecirc poderaacute tirar o sono deles agrave medida que compete para o futurordquo A informaccedilatildeo eacute um grande negoacutecio

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fonograacutefica por tratar-se de uma questatildeo com complexidades proacuteprias devendo portanto ser

analisado agrave parte

Apesar de ser um conceito cunhado nos anos 80 satildeo raros os trabalhos em portuguecircs sobre

copyleft Este artigo esboccedila resultados de uma pesquisa ainda em andamento e visa contribuir

para suprir essa lacuna

Induacutestria de informaccedilatildeo

A discussatildeo sobre propriedade intelectual eacute uma das mais explosivas da economia do

conhecimento pois toca em um problema crucial na atualidade como determinar e garantir os

direitos autorais de uma ideacuteia de um produto imaterial Em um mercado sofisticado ao ponto

de ser capaz de comercializar bens simboacutelicos ainda natildeo se encontrou a foacutermula eficiente

para regulamentar a circulaccedilatildeo da mercadoria ldquoinformaccedilatildeordquo E essa economia parece deslizar

no seguinte paradoxo que cria uma curiosa situaccedilatildeo de interdependecircncia aparentemente

suicida agrave medida em que as empresas de softwares e equipamentos ndash aparelhos de som de

CDs de DVDs e Viacutedeos Cassetes equipamentos de reprografia induacutestria de informaacutetica etc

ndash lanccedilam produtos mais sofisticados capazes de gravar regravar ou copiar dados com

qualidade industrial os produtores de conteuacutedo perdem cada vez mais a capacidade de

recolher os direitos autorais sobre a reproduccedilatildeo de seus produtos intelectuais ldquoAs mesmas

corporaccedilotildees que vendem samplers fotocopiadoras scanners e masterizadores controlam a

induacutestria global do entretenimento e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais

instrumentosrdquo (WU MING 2002 p5)

Shapiro e Varian (1999 p16) observam que na economia do conhecimento a informaccedilatildeo

eacute cara de produzir mas barata para reproduzir ndash filmes de 100 milhotildees de doacutelares por

exemplo podem ser reproduzidos em fitas que custam alguns centavos E evidentemente natildeo

haacute lei de patentes capaz de controlar essa dinacircmica Castells (1999 p51) afirma que uma das

principais caracteriacutesticas da sociedade em rede eacute justamente a capacidade de as pessoas

apropriarem-se criativamente dos novos meios ldquoAs novas tecnologias da informaccedilatildeo natildeo satildeo

simplesmente ferramentas a serem aplicadas mas processos a serem desenvolvidos Usuaacuterios

e criadores podem tornar-se a mesma coisa Dessa forma os usuaacuterios podem assumir o

controle da tecnologia como no caso da Internetrdquo

Essa dinacircmica remete agravequela das criaccedilotildees coletivas que marcaram e ainda caracterizam

sobretudo as culturas orais mas que apesar das restriccedilotildees de propriedade intelectual natildeo

deixam evidentemente de influenciar a cultura escrita Nas sociedades aacutegrafas um dos fatores

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que mais enriquecem os relatos populares eacute a diversidade das versotildees ou seja cada um que

ouve um caso apropria-se da estrutura narrativa e acrescenta elementos de seu universo

cultural ao contaacute-lo De boca a boca temperadas pelas sutilezas do cotidiano as histoacuterias

adquirem novos sabores e acabam por reunir os ingredientes mais significativos do imaginaacuterio

coletivo de uma eacutepoca

A antropologia ensina que o ser humano eacute o resultado do meio cultural em que foi

socializado Somos herdeiros de um longo processo acumulativo fundamentado no

conhecimento adquirido por geraccedilotildees de ancestrais Laraia (2001 p45-47) observa que eacute

justamente a manipulaccedilatildeo adequada e criativa desse patrimocircnio cultural que permite

inovaccedilotildees e invenccedilotildees que por sua vez natildeo satildeo produtos de accedilatildeo isolada de um gecircnio mas o

resultado de um esforccedilo comunitaacuterio Na histoacuteria temos incontaacuteveis casos de obras coletivas

como as lendas miacuteticas as canccedilotildees populares e mesmo o caso da Iliacuteada atribuiacuteda a Homero

mas que hoje acredita-se tratar de uma reuniatildeo de narrativas correntes da tradiccedilatildeo oral

claacutessica Assim Laraia defende a hipoacutetese que se Albert Einstein por exemplo natildeo tivesse

desenvolvido suas teorias algueacutem o faria mais cedo ou mais tarde pois outros cientistas

ldquodiante de um mesmo material culturalrdquo estariam aptos para utilizar os mesmos

conhecimentos e chegar aos mesmos resultados

Aiacute estaacute uma boa questatildeo Estariam os segredos de patentes impedindo o surgimento de

novos Einsteins Laraia (2001 p46) observa que natildeo basta a natureza criar indiviacuteduos

altamente inteligentes pois isto ela jaacute faz com frequumlecircncia mas ldquoeacute necessaacuterio que coloque ao

alcance desses indiviacuteduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma

maneira revolucionaacuteriardquo Dessa forma sentimo-nos agrave vontade para afirmar que sim sem

circulaccedilatildeo efetiva de conhecimento sobretudo devido agraves restriccedilotildees econocircmicas gecircnios

potenciais satildeo prodigamente desperdiccedilados

Mas como a nova economia estruturou a informaccedilatildeo como um produto agrave venda a equaccedilatildeo

natildeo fecha Em relaccedilatildeo a Internet proprietaacuterios de direitos autorais natildeo conseguem encontrar

soluccedilotildees para essa inquietante ambivalecircncia Por um lado a rede eacute um recurso fabuloso de

divulgaccedilatildeo e um potencial ineacutedito de distribuiccedilatildeo de conteuacutedo Por outro muitos empresaacuterios

ainda mantecircm forte resistecircncia por consideraacute-la um instrumento que soacute favorece a livre e

infinita pirataria

Nesse turbulento contexto surge da informaacutetica a ideacuteia de copyleft um novo conceito que

ainda natildeo eacute reconhecido em convenccedilotildees internacionais mas que vem adquirindo popularidade

e legitimidade sobretudo na Internet ao mesmo tempo que parece ameaccedilar negociantes de

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conteuacutedos A criaccedilatildeo deste termo eacute atribuiacuteda a Richard Stallman um ativista da primeira

geraccedilatildeo de hackers da Universidade de Harvard e do MIT Artificial Intelligence Lab

(Laboratoacuterio de Inteligecircncia Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos

1970 Em janeiro de 1984 Stallman abandonou o MIT para dedicar-se ao projeto GNU ndash uma

paroacutedia metalinguumliacutestica e tautoloacutegica a sigla GNU significa Gnu is Not Unix (Gnu Natildeo eacute

Unix) Em 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF)

Copyleft eacute um trocadilho de traduccedilatildeo literal impossiacutevel No primeiro momento em uma

inversatildeo do copyright (direitos de reproduccedilatildeo) o novo termo substitui o ldquorightrdquo pelo ldquoleftrdquo

direita por esquerda em inglecircs ndash naturalmente uma alusatildeo agrave ideologia poliacutetica agrave esquerda

historicamente envolvida nos esforccedilos de democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Mas ldquoleftrdquo eacute

tambeacutem um modo verbal que se refere ao ldquosimple pastrdquo (passado perfeito) do verbo ldquoleaverdquo

que significa ldquopermitir deixarrdquo Neste segunda leitura poderiacuteamos traduzir copyleft por algo

como ldquocoacutepia permitidardquo Junto a esse conceito foi criado para parodiar o slogan ldquoAll rights

reservedrdquo (Todos os direitos reservados) a foacutermula ldquoAll rights reversedrdquo (Todos os direitos

invertidos) Mas para compreender as sutilezas do copyleft eacute necessaacuterio compreender os

fundamentos do projeto GNU

GNU is Not Unix

O GNU foi idealizado em 1983 e lanccedilado no ano seguinte com o objetivo de desenvolver

um sistema operacional completo e tatildeo eficiente quanto o Unix A diferenccedila eacute que ao

contraacuterio deste uacuteltimo que eacute um sistema fechado e exige pagamento pela licenccedila de uso o

GNU eacute um sistema aberto e oferece livre acesso para os usuaacuterios ndash ou seja pode ser instalado

modificado e copiado gratuitamente De acordo com informaccedilotildees no site do projeto diversas

variaccedilotildees do sistema GNU que utilizam o nuacutecleo Linux satildeo hoje largamente utilizadas

(estima-se que aproximadamente 20 milhotildees de usuaacuterios tecircm acesso ao programa) Apesar de

serem normalmente chamados apenas de Linux o popular sistema operacional gratuito criado

por Linus Torvalds na verdade trata-se de variaccedilotildees de sistemas GNULinux ldquoO Software

Livre eacute uma questatildeo de liberdade as pessoas devem ser livres para usar o software de todas as

maneiras que sejam socialmente uacuteteis2rdquo

Na concepccedilatildeo dos criadores do GNU a palavra livre (free no original) estaacute relacionada

com liberdade em vez de preccedilo Isso quer dizer que o usuaacuterio pode ou natildeo pagar um preccedilo

2 Traduzida por Pedro Oliveira e revisada por Miguel Oliveira em abril de 2000 Atualizada por Fernando Lozano Disponiacutevem el lthttpwwwgnuorgphilosophyphilosophypthtmlAbouttheGNUprojectgt Acesso em 27 fev 2004

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para obter o software GNU Informaccedilotildees no site oficial esclarecem que esse programa

possibilita trecircs liberdades especiacuteficas de utilizaccedilatildeo

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho

Segundo a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos por ter acesso

completo agraves fontes Terceiro a liberdade de distribuir versotildees modificadas e assim ajudar a

construir a comunidade (Se vocecirc redistribui software GNU vocecirc pode cobrar pelo ato de

transferir uma coacutepia ou vocecirc pode dar coacutepias de graccedila)3

A ideacuteia ainda segundo os criadores eacute ldquotrazer de volta o espiacuterito cooperativo que prevalecia

na comunidade de informaacutetica nos seus primoacuterdiosrdquo removendo obstaacuteculos impostos pelos

proprietaacuterios do software e tornando possiacutevel a cooperaccedilatildeo entre programadores

Todo usuaacuterio de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional

(Operating System) como o Windows o Mac ou o Unix para citar os mais populares entre o

puacuteblico natildeo especializado Sem um sistema operacional livre natildeo eacute possiacutevel nem mesmo

iniciar um computador sem pagar pela licenccedila de uso do software (a natildeo ser que se use

versotildees piratas e portanto ilegais) Assim para o GNU o primeiro item na agenda do

software livre eacute o estabelecimento de um sistema operacional livre

A Free Software Foundation (FSF) fundada por Richard Stallman manteacutem desde 1999 o

projeto Free Software Directory (FSD) Em um site da web a fundaccedilatildeo deixa agrave disposiccedilatildeo

para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos sobretudo

nas variaccedilotildees GNULinux Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco

Quase tudo em copyleft

Haacute nesse conceito uma caracteriacutestica chave que o diferencia definitivamente da ideacuteia de

ldquodomiacutenio puacuteblicordquo De fato o modo mais simples de estabelecer um software-livre eacute colocaacute-

lo sob domiacutenio puacuteblico ou seja abrir matildeo por completo do copyright No entanto se por um

lado permite que os usuaacuterios compartilhem livremente o programa original essa licenccedila

aberta deixa uma brecha Ela natildeo impede por exemplo que empresas natildeo-cooperativas ao

fazer poucas modificaccedilotildees no programa registrem o copyright e detentoras dos direitos

autorais comercializem com exclusividade o ldquonovordquo software com coacutedigo fechado

Assim em vez de colocar os programas do GNU em domiacutenio puacuteblico o projeto

desenvolveu esse artifiacutecio O copyleft impotildee que qualquer usuaacuterio que redistribua o programa

3 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 3: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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nenhum programador pode registrar o copyright desses softwares e impedir que outros

usuaacuterios tenham acesso ao coacutedigo-fonte das modificaccedilotildees que porventura tenha efetuado

Esse recurso foi batizado como ldquocopyleftrdquo em uma paroacutedia que inverte para a esquerda o

sentido de direita do copyright

Nos uacuteltimos anos grupos artiacutesticos e intelectuais de tendecircncia anarquista tecircm defendido

que o conceito de copyleft surgido na informaacutetica pode ser adaptado ao universo da produccedilatildeo

cientiacutefica e da cultura de massa Os mais entusiastas chegam a argumentar que estamos sob

uma nova era de produccedilatildeo e consumo de informaccedilatildeo na qual os grandes conglomerados da

induacutestria cultural seratildeo derrubados para que possa emergir uma forma comunitaacuteria e aberta de

livre distribuiccedilatildeo de cultura Em outras palavras capaz de provocar uma pane no sistema

(sonho antigo dos anarquistas libertaacuterios) Entretanto antecedentes histoacutericos mostram que a

loacutegica e o pragmatismo capitalista sempre tiveram flexibilidade para adequar-se agraves novidades

tecnoloacutegicas e tirar proveito das crises com assombrosa eficiecircncia A pergunta eacute o copyleft

pode mesmo democratizar a informaccedilatildeo ou tende a ser inevitavelmente domado pelo

ldquosistemardquo Satildeo esses os assuntos expostos e discutidos neste artigo

O estudo direto dos projetos de Richard Stallman justificam-se por que a ele eacute atribuiacutedo a

criaccedilatildeo do proacuteprio conceito de copyleft Em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo do copyleft para a induacutestria

cultural a pesquisa foi delimitada a um manifesto do coletivo literaacuterio italiano WU MING

ldquoCopyright e maremotordquo primeiro por causa do histoacuterico de defesa do copyleft desse grupo

depois pelo farto material que o coletivo disponibiliza sobre o tema mas sobretudo devido ao

fenocircmeno de vendas do romance Q de Luther Blisset editado pela fundaccedilatildeo Wu Ming que

sob a bandeira do copyleft e ateacute mesmo do incentivo agrave livre reproduccedilatildeo jaacute vendeu mais de 2

milhotildees de coacutepias oficiais

A obra de Shapiro e Varian utilizada como base da contra-argumentaccedilatildeo foi escolhida por

um motivo muito simples os autores satildeo reverenciados pelos maiores lsquoinimigosrsquo de Stallman

como Jeff Bezos da Amazoncom aleacutem de representantes da Intel Novell e da Federal Trade

Commision entre outros1 Dessa forma acredita-se que foi possiacutevel reunir um razoaacutevel

contraponto de ideacuteias e buscar pontos de convergecircncia entre posiccedilotildees antagocircnicas Devido agraves

restriccedilotildees de espaccedilo deste artigo preferiu-se por natildeo abordar o problema da induacutestria

1 Na Quarta capa da ediccedilatildeo brasileira de A economia da informaccedilatildeo de Carl Shapiro e Hal R Varian o empresaacuterio Michael Dolbec vice-presidente da 3Com escreve ldquoLeia este livro para descobrir exatamente o que seus concorrentes estatildeo fazendo e como vocecirc poderaacute tirar o sono deles agrave medida que compete para o futurordquo A informaccedilatildeo eacute um grande negoacutecio

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fonograacutefica por tratar-se de uma questatildeo com complexidades proacuteprias devendo portanto ser

analisado agrave parte

Apesar de ser um conceito cunhado nos anos 80 satildeo raros os trabalhos em portuguecircs sobre

copyleft Este artigo esboccedila resultados de uma pesquisa ainda em andamento e visa contribuir

para suprir essa lacuna

Induacutestria de informaccedilatildeo

A discussatildeo sobre propriedade intelectual eacute uma das mais explosivas da economia do

conhecimento pois toca em um problema crucial na atualidade como determinar e garantir os

direitos autorais de uma ideacuteia de um produto imaterial Em um mercado sofisticado ao ponto

de ser capaz de comercializar bens simboacutelicos ainda natildeo se encontrou a foacutermula eficiente

para regulamentar a circulaccedilatildeo da mercadoria ldquoinformaccedilatildeordquo E essa economia parece deslizar

no seguinte paradoxo que cria uma curiosa situaccedilatildeo de interdependecircncia aparentemente

suicida agrave medida em que as empresas de softwares e equipamentos ndash aparelhos de som de

CDs de DVDs e Viacutedeos Cassetes equipamentos de reprografia induacutestria de informaacutetica etc

ndash lanccedilam produtos mais sofisticados capazes de gravar regravar ou copiar dados com

qualidade industrial os produtores de conteuacutedo perdem cada vez mais a capacidade de

recolher os direitos autorais sobre a reproduccedilatildeo de seus produtos intelectuais ldquoAs mesmas

corporaccedilotildees que vendem samplers fotocopiadoras scanners e masterizadores controlam a

induacutestria global do entretenimento e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais

instrumentosrdquo (WU MING 2002 p5)

Shapiro e Varian (1999 p16) observam que na economia do conhecimento a informaccedilatildeo

eacute cara de produzir mas barata para reproduzir ndash filmes de 100 milhotildees de doacutelares por

exemplo podem ser reproduzidos em fitas que custam alguns centavos E evidentemente natildeo

haacute lei de patentes capaz de controlar essa dinacircmica Castells (1999 p51) afirma que uma das

principais caracteriacutesticas da sociedade em rede eacute justamente a capacidade de as pessoas

apropriarem-se criativamente dos novos meios ldquoAs novas tecnologias da informaccedilatildeo natildeo satildeo

simplesmente ferramentas a serem aplicadas mas processos a serem desenvolvidos Usuaacuterios

e criadores podem tornar-se a mesma coisa Dessa forma os usuaacuterios podem assumir o

controle da tecnologia como no caso da Internetrdquo

Essa dinacircmica remete agravequela das criaccedilotildees coletivas que marcaram e ainda caracterizam

sobretudo as culturas orais mas que apesar das restriccedilotildees de propriedade intelectual natildeo

deixam evidentemente de influenciar a cultura escrita Nas sociedades aacutegrafas um dos fatores

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que mais enriquecem os relatos populares eacute a diversidade das versotildees ou seja cada um que

ouve um caso apropria-se da estrutura narrativa e acrescenta elementos de seu universo

cultural ao contaacute-lo De boca a boca temperadas pelas sutilezas do cotidiano as histoacuterias

adquirem novos sabores e acabam por reunir os ingredientes mais significativos do imaginaacuterio

coletivo de uma eacutepoca

A antropologia ensina que o ser humano eacute o resultado do meio cultural em que foi

socializado Somos herdeiros de um longo processo acumulativo fundamentado no

conhecimento adquirido por geraccedilotildees de ancestrais Laraia (2001 p45-47) observa que eacute

justamente a manipulaccedilatildeo adequada e criativa desse patrimocircnio cultural que permite

inovaccedilotildees e invenccedilotildees que por sua vez natildeo satildeo produtos de accedilatildeo isolada de um gecircnio mas o

resultado de um esforccedilo comunitaacuterio Na histoacuteria temos incontaacuteveis casos de obras coletivas

como as lendas miacuteticas as canccedilotildees populares e mesmo o caso da Iliacuteada atribuiacuteda a Homero

mas que hoje acredita-se tratar de uma reuniatildeo de narrativas correntes da tradiccedilatildeo oral

claacutessica Assim Laraia defende a hipoacutetese que se Albert Einstein por exemplo natildeo tivesse

desenvolvido suas teorias algueacutem o faria mais cedo ou mais tarde pois outros cientistas

ldquodiante de um mesmo material culturalrdquo estariam aptos para utilizar os mesmos

conhecimentos e chegar aos mesmos resultados

Aiacute estaacute uma boa questatildeo Estariam os segredos de patentes impedindo o surgimento de

novos Einsteins Laraia (2001 p46) observa que natildeo basta a natureza criar indiviacuteduos

altamente inteligentes pois isto ela jaacute faz com frequumlecircncia mas ldquoeacute necessaacuterio que coloque ao

alcance desses indiviacuteduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma

maneira revolucionaacuteriardquo Dessa forma sentimo-nos agrave vontade para afirmar que sim sem

circulaccedilatildeo efetiva de conhecimento sobretudo devido agraves restriccedilotildees econocircmicas gecircnios

potenciais satildeo prodigamente desperdiccedilados

Mas como a nova economia estruturou a informaccedilatildeo como um produto agrave venda a equaccedilatildeo

natildeo fecha Em relaccedilatildeo a Internet proprietaacuterios de direitos autorais natildeo conseguem encontrar

soluccedilotildees para essa inquietante ambivalecircncia Por um lado a rede eacute um recurso fabuloso de

divulgaccedilatildeo e um potencial ineacutedito de distribuiccedilatildeo de conteuacutedo Por outro muitos empresaacuterios

ainda mantecircm forte resistecircncia por consideraacute-la um instrumento que soacute favorece a livre e

infinita pirataria

Nesse turbulento contexto surge da informaacutetica a ideacuteia de copyleft um novo conceito que

ainda natildeo eacute reconhecido em convenccedilotildees internacionais mas que vem adquirindo popularidade

e legitimidade sobretudo na Internet ao mesmo tempo que parece ameaccedilar negociantes de

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conteuacutedos A criaccedilatildeo deste termo eacute atribuiacuteda a Richard Stallman um ativista da primeira

geraccedilatildeo de hackers da Universidade de Harvard e do MIT Artificial Intelligence Lab

(Laboratoacuterio de Inteligecircncia Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos

1970 Em janeiro de 1984 Stallman abandonou o MIT para dedicar-se ao projeto GNU ndash uma

paroacutedia metalinguumliacutestica e tautoloacutegica a sigla GNU significa Gnu is Not Unix (Gnu Natildeo eacute

Unix) Em 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF)

Copyleft eacute um trocadilho de traduccedilatildeo literal impossiacutevel No primeiro momento em uma

inversatildeo do copyright (direitos de reproduccedilatildeo) o novo termo substitui o ldquorightrdquo pelo ldquoleftrdquo

direita por esquerda em inglecircs ndash naturalmente uma alusatildeo agrave ideologia poliacutetica agrave esquerda

historicamente envolvida nos esforccedilos de democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Mas ldquoleftrdquo eacute

tambeacutem um modo verbal que se refere ao ldquosimple pastrdquo (passado perfeito) do verbo ldquoleaverdquo

que significa ldquopermitir deixarrdquo Neste segunda leitura poderiacuteamos traduzir copyleft por algo

como ldquocoacutepia permitidardquo Junto a esse conceito foi criado para parodiar o slogan ldquoAll rights

reservedrdquo (Todos os direitos reservados) a foacutermula ldquoAll rights reversedrdquo (Todos os direitos

invertidos) Mas para compreender as sutilezas do copyleft eacute necessaacuterio compreender os

fundamentos do projeto GNU

GNU is Not Unix

O GNU foi idealizado em 1983 e lanccedilado no ano seguinte com o objetivo de desenvolver

um sistema operacional completo e tatildeo eficiente quanto o Unix A diferenccedila eacute que ao

contraacuterio deste uacuteltimo que eacute um sistema fechado e exige pagamento pela licenccedila de uso o

GNU eacute um sistema aberto e oferece livre acesso para os usuaacuterios ndash ou seja pode ser instalado

modificado e copiado gratuitamente De acordo com informaccedilotildees no site do projeto diversas

variaccedilotildees do sistema GNU que utilizam o nuacutecleo Linux satildeo hoje largamente utilizadas

(estima-se que aproximadamente 20 milhotildees de usuaacuterios tecircm acesso ao programa) Apesar de

serem normalmente chamados apenas de Linux o popular sistema operacional gratuito criado

por Linus Torvalds na verdade trata-se de variaccedilotildees de sistemas GNULinux ldquoO Software

Livre eacute uma questatildeo de liberdade as pessoas devem ser livres para usar o software de todas as

maneiras que sejam socialmente uacuteteis2rdquo

Na concepccedilatildeo dos criadores do GNU a palavra livre (free no original) estaacute relacionada

com liberdade em vez de preccedilo Isso quer dizer que o usuaacuterio pode ou natildeo pagar um preccedilo

2 Traduzida por Pedro Oliveira e revisada por Miguel Oliveira em abril de 2000 Atualizada por Fernando Lozano Disponiacutevem el lthttpwwwgnuorgphilosophyphilosophypthtmlAbouttheGNUprojectgt Acesso em 27 fev 2004

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para obter o software GNU Informaccedilotildees no site oficial esclarecem que esse programa

possibilita trecircs liberdades especiacuteficas de utilizaccedilatildeo

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho

Segundo a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos por ter acesso

completo agraves fontes Terceiro a liberdade de distribuir versotildees modificadas e assim ajudar a

construir a comunidade (Se vocecirc redistribui software GNU vocecirc pode cobrar pelo ato de

transferir uma coacutepia ou vocecirc pode dar coacutepias de graccedila)3

A ideacuteia ainda segundo os criadores eacute ldquotrazer de volta o espiacuterito cooperativo que prevalecia

na comunidade de informaacutetica nos seus primoacuterdiosrdquo removendo obstaacuteculos impostos pelos

proprietaacuterios do software e tornando possiacutevel a cooperaccedilatildeo entre programadores

Todo usuaacuterio de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional

(Operating System) como o Windows o Mac ou o Unix para citar os mais populares entre o

puacuteblico natildeo especializado Sem um sistema operacional livre natildeo eacute possiacutevel nem mesmo

iniciar um computador sem pagar pela licenccedila de uso do software (a natildeo ser que se use

versotildees piratas e portanto ilegais) Assim para o GNU o primeiro item na agenda do

software livre eacute o estabelecimento de um sistema operacional livre

A Free Software Foundation (FSF) fundada por Richard Stallman manteacutem desde 1999 o

projeto Free Software Directory (FSD) Em um site da web a fundaccedilatildeo deixa agrave disposiccedilatildeo

para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos sobretudo

nas variaccedilotildees GNULinux Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco

Quase tudo em copyleft

Haacute nesse conceito uma caracteriacutestica chave que o diferencia definitivamente da ideacuteia de

ldquodomiacutenio puacuteblicordquo De fato o modo mais simples de estabelecer um software-livre eacute colocaacute-

lo sob domiacutenio puacuteblico ou seja abrir matildeo por completo do copyright No entanto se por um

lado permite que os usuaacuterios compartilhem livremente o programa original essa licenccedila

aberta deixa uma brecha Ela natildeo impede por exemplo que empresas natildeo-cooperativas ao

fazer poucas modificaccedilotildees no programa registrem o copyright e detentoras dos direitos

autorais comercializem com exclusividade o ldquonovordquo software com coacutedigo fechado

Assim em vez de colocar os programas do GNU em domiacutenio puacuteblico o projeto

desenvolveu esse artifiacutecio O copyleft impotildee que qualquer usuaacuterio que redistribua o programa

3 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 4: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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fonograacutefica por tratar-se de uma questatildeo com complexidades proacuteprias devendo portanto ser

analisado agrave parte

Apesar de ser um conceito cunhado nos anos 80 satildeo raros os trabalhos em portuguecircs sobre

copyleft Este artigo esboccedila resultados de uma pesquisa ainda em andamento e visa contribuir

para suprir essa lacuna

Induacutestria de informaccedilatildeo

A discussatildeo sobre propriedade intelectual eacute uma das mais explosivas da economia do

conhecimento pois toca em um problema crucial na atualidade como determinar e garantir os

direitos autorais de uma ideacuteia de um produto imaterial Em um mercado sofisticado ao ponto

de ser capaz de comercializar bens simboacutelicos ainda natildeo se encontrou a foacutermula eficiente

para regulamentar a circulaccedilatildeo da mercadoria ldquoinformaccedilatildeordquo E essa economia parece deslizar

no seguinte paradoxo que cria uma curiosa situaccedilatildeo de interdependecircncia aparentemente

suicida agrave medida em que as empresas de softwares e equipamentos ndash aparelhos de som de

CDs de DVDs e Viacutedeos Cassetes equipamentos de reprografia induacutestria de informaacutetica etc

ndash lanccedilam produtos mais sofisticados capazes de gravar regravar ou copiar dados com

qualidade industrial os produtores de conteuacutedo perdem cada vez mais a capacidade de

recolher os direitos autorais sobre a reproduccedilatildeo de seus produtos intelectuais ldquoAs mesmas

corporaccedilotildees que vendem samplers fotocopiadoras scanners e masterizadores controlam a

induacutestria global do entretenimento e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais

instrumentosrdquo (WU MING 2002 p5)

Shapiro e Varian (1999 p16) observam que na economia do conhecimento a informaccedilatildeo

eacute cara de produzir mas barata para reproduzir ndash filmes de 100 milhotildees de doacutelares por

exemplo podem ser reproduzidos em fitas que custam alguns centavos E evidentemente natildeo

haacute lei de patentes capaz de controlar essa dinacircmica Castells (1999 p51) afirma que uma das

principais caracteriacutesticas da sociedade em rede eacute justamente a capacidade de as pessoas

apropriarem-se criativamente dos novos meios ldquoAs novas tecnologias da informaccedilatildeo natildeo satildeo

simplesmente ferramentas a serem aplicadas mas processos a serem desenvolvidos Usuaacuterios

e criadores podem tornar-se a mesma coisa Dessa forma os usuaacuterios podem assumir o

controle da tecnologia como no caso da Internetrdquo

Essa dinacircmica remete agravequela das criaccedilotildees coletivas que marcaram e ainda caracterizam

sobretudo as culturas orais mas que apesar das restriccedilotildees de propriedade intelectual natildeo

deixam evidentemente de influenciar a cultura escrita Nas sociedades aacutegrafas um dos fatores

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que mais enriquecem os relatos populares eacute a diversidade das versotildees ou seja cada um que

ouve um caso apropria-se da estrutura narrativa e acrescenta elementos de seu universo

cultural ao contaacute-lo De boca a boca temperadas pelas sutilezas do cotidiano as histoacuterias

adquirem novos sabores e acabam por reunir os ingredientes mais significativos do imaginaacuterio

coletivo de uma eacutepoca

A antropologia ensina que o ser humano eacute o resultado do meio cultural em que foi

socializado Somos herdeiros de um longo processo acumulativo fundamentado no

conhecimento adquirido por geraccedilotildees de ancestrais Laraia (2001 p45-47) observa que eacute

justamente a manipulaccedilatildeo adequada e criativa desse patrimocircnio cultural que permite

inovaccedilotildees e invenccedilotildees que por sua vez natildeo satildeo produtos de accedilatildeo isolada de um gecircnio mas o

resultado de um esforccedilo comunitaacuterio Na histoacuteria temos incontaacuteveis casos de obras coletivas

como as lendas miacuteticas as canccedilotildees populares e mesmo o caso da Iliacuteada atribuiacuteda a Homero

mas que hoje acredita-se tratar de uma reuniatildeo de narrativas correntes da tradiccedilatildeo oral

claacutessica Assim Laraia defende a hipoacutetese que se Albert Einstein por exemplo natildeo tivesse

desenvolvido suas teorias algueacutem o faria mais cedo ou mais tarde pois outros cientistas

ldquodiante de um mesmo material culturalrdquo estariam aptos para utilizar os mesmos

conhecimentos e chegar aos mesmos resultados

Aiacute estaacute uma boa questatildeo Estariam os segredos de patentes impedindo o surgimento de

novos Einsteins Laraia (2001 p46) observa que natildeo basta a natureza criar indiviacuteduos

altamente inteligentes pois isto ela jaacute faz com frequumlecircncia mas ldquoeacute necessaacuterio que coloque ao

alcance desses indiviacuteduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma

maneira revolucionaacuteriardquo Dessa forma sentimo-nos agrave vontade para afirmar que sim sem

circulaccedilatildeo efetiva de conhecimento sobretudo devido agraves restriccedilotildees econocircmicas gecircnios

potenciais satildeo prodigamente desperdiccedilados

Mas como a nova economia estruturou a informaccedilatildeo como um produto agrave venda a equaccedilatildeo

natildeo fecha Em relaccedilatildeo a Internet proprietaacuterios de direitos autorais natildeo conseguem encontrar

soluccedilotildees para essa inquietante ambivalecircncia Por um lado a rede eacute um recurso fabuloso de

divulgaccedilatildeo e um potencial ineacutedito de distribuiccedilatildeo de conteuacutedo Por outro muitos empresaacuterios

ainda mantecircm forte resistecircncia por consideraacute-la um instrumento que soacute favorece a livre e

infinita pirataria

Nesse turbulento contexto surge da informaacutetica a ideacuteia de copyleft um novo conceito que

ainda natildeo eacute reconhecido em convenccedilotildees internacionais mas que vem adquirindo popularidade

e legitimidade sobretudo na Internet ao mesmo tempo que parece ameaccedilar negociantes de

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conteuacutedos A criaccedilatildeo deste termo eacute atribuiacuteda a Richard Stallman um ativista da primeira

geraccedilatildeo de hackers da Universidade de Harvard e do MIT Artificial Intelligence Lab

(Laboratoacuterio de Inteligecircncia Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos

1970 Em janeiro de 1984 Stallman abandonou o MIT para dedicar-se ao projeto GNU ndash uma

paroacutedia metalinguumliacutestica e tautoloacutegica a sigla GNU significa Gnu is Not Unix (Gnu Natildeo eacute

Unix) Em 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF)

Copyleft eacute um trocadilho de traduccedilatildeo literal impossiacutevel No primeiro momento em uma

inversatildeo do copyright (direitos de reproduccedilatildeo) o novo termo substitui o ldquorightrdquo pelo ldquoleftrdquo

direita por esquerda em inglecircs ndash naturalmente uma alusatildeo agrave ideologia poliacutetica agrave esquerda

historicamente envolvida nos esforccedilos de democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Mas ldquoleftrdquo eacute

tambeacutem um modo verbal que se refere ao ldquosimple pastrdquo (passado perfeito) do verbo ldquoleaverdquo

que significa ldquopermitir deixarrdquo Neste segunda leitura poderiacuteamos traduzir copyleft por algo

como ldquocoacutepia permitidardquo Junto a esse conceito foi criado para parodiar o slogan ldquoAll rights

reservedrdquo (Todos os direitos reservados) a foacutermula ldquoAll rights reversedrdquo (Todos os direitos

invertidos) Mas para compreender as sutilezas do copyleft eacute necessaacuterio compreender os

fundamentos do projeto GNU

GNU is Not Unix

O GNU foi idealizado em 1983 e lanccedilado no ano seguinte com o objetivo de desenvolver

um sistema operacional completo e tatildeo eficiente quanto o Unix A diferenccedila eacute que ao

contraacuterio deste uacuteltimo que eacute um sistema fechado e exige pagamento pela licenccedila de uso o

GNU eacute um sistema aberto e oferece livre acesso para os usuaacuterios ndash ou seja pode ser instalado

modificado e copiado gratuitamente De acordo com informaccedilotildees no site do projeto diversas

variaccedilotildees do sistema GNU que utilizam o nuacutecleo Linux satildeo hoje largamente utilizadas

(estima-se que aproximadamente 20 milhotildees de usuaacuterios tecircm acesso ao programa) Apesar de

serem normalmente chamados apenas de Linux o popular sistema operacional gratuito criado

por Linus Torvalds na verdade trata-se de variaccedilotildees de sistemas GNULinux ldquoO Software

Livre eacute uma questatildeo de liberdade as pessoas devem ser livres para usar o software de todas as

maneiras que sejam socialmente uacuteteis2rdquo

Na concepccedilatildeo dos criadores do GNU a palavra livre (free no original) estaacute relacionada

com liberdade em vez de preccedilo Isso quer dizer que o usuaacuterio pode ou natildeo pagar um preccedilo

2 Traduzida por Pedro Oliveira e revisada por Miguel Oliveira em abril de 2000 Atualizada por Fernando Lozano Disponiacutevem el lthttpwwwgnuorgphilosophyphilosophypthtmlAbouttheGNUprojectgt Acesso em 27 fev 2004

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para obter o software GNU Informaccedilotildees no site oficial esclarecem que esse programa

possibilita trecircs liberdades especiacuteficas de utilizaccedilatildeo

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho

Segundo a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos por ter acesso

completo agraves fontes Terceiro a liberdade de distribuir versotildees modificadas e assim ajudar a

construir a comunidade (Se vocecirc redistribui software GNU vocecirc pode cobrar pelo ato de

transferir uma coacutepia ou vocecirc pode dar coacutepias de graccedila)3

A ideacuteia ainda segundo os criadores eacute ldquotrazer de volta o espiacuterito cooperativo que prevalecia

na comunidade de informaacutetica nos seus primoacuterdiosrdquo removendo obstaacuteculos impostos pelos

proprietaacuterios do software e tornando possiacutevel a cooperaccedilatildeo entre programadores

Todo usuaacuterio de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional

(Operating System) como o Windows o Mac ou o Unix para citar os mais populares entre o

puacuteblico natildeo especializado Sem um sistema operacional livre natildeo eacute possiacutevel nem mesmo

iniciar um computador sem pagar pela licenccedila de uso do software (a natildeo ser que se use

versotildees piratas e portanto ilegais) Assim para o GNU o primeiro item na agenda do

software livre eacute o estabelecimento de um sistema operacional livre

A Free Software Foundation (FSF) fundada por Richard Stallman manteacutem desde 1999 o

projeto Free Software Directory (FSD) Em um site da web a fundaccedilatildeo deixa agrave disposiccedilatildeo

para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos sobretudo

nas variaccedilotildees GNULinux Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco

Quase tudo em copyleft

Haacute nesse conceito uma caracteriacutestica chave que o diferencia definitivamente da ideacuteia de

ldquodomiacutenio puacuteblicordquo De fato o modo mais simples de estabelecer um software-livre eacute colocaacute-

lo sob domiacutenio puacuteblico ou seja abrir matildeo por completo do copyright No entanto se por um

lado permite que os usuaacuterios compartilhem livremente o programa original essa licenccedila

aberta deixa uma brecha Ela natildeo impede por exemplo que empresas natildeo-cooperativas ao

fazer poucas modificaccedilotildees no programa registrem o copyright e detentoras dos direitos

autorais comercializem com exclusividade o ldquonovordquo software com coacutedigo fechado

Assim em vez de colocar os programas do GNU em domiacutenio puacuteblico o projeto

desenvolveu esse artifiacutecio O copyleft impotildee que qualquer usuaacuterio que redistribua o programa

3 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 5: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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que mais enriquecem os relatos populares eacute a diversidade das versotildees ou seja cada um que

ouve um caso apropria-se da estrutura narrativa e acrescenta elementos de seu universo

cultural ao contaacute-lo De boca a boca temperadas pelas sutilezas do cotidiano as histoacuterias

adquirem novos sabores e acabam por reunir os ingredientes mais significativos do imaginaacuterio

coletivo de uma eacutepoca

A antropologia ensina que o ser humano eacute o resultado do meio cultural em que foi

socializado Somos herdeiros de um longo processo acumulativo fundamentado no

conhecimento adquirido por geraccedilotildees de ancestrais Laraia (2001 p45-47) observa que eacute

justamente a manipulaccedilatildeo adequada e criativa desse patrimocircnio cultural que permite

inovaccedilotildees e invenccedilotildees que por sua vez natildeo satildeo produtos de accedilatildeo isolada de um gecircnio mas o

resultado de um esforccedilo comunitaacuterio Na histoacuteria temos incontaacuteveis casos de obras coletivas

como as lendas miacuteticas as canccedilotildees populares e mesmo o caso da Iliacuteada atribuiacuteda a Homero

mas que hoje acredita-se tratar de uma reuniatildeo de narrativas correntes da tradiccedilatildeo oral

claacutessica Assim Laraia defende a hipoacutetese que se Albert Einstein por exemplo natildeo tivesse

desenvolvido suas teorias algueacutem o faria mais cedo ou mais tarde pois outros cientistas

ldquodiante de um mesmo material culturalrdquo estariam aptos para utilizar os mesmos

conhecimentos e chegar aos mesmos resultados

Aiacute estaacute uma boa questatildeo Estariam os segredos de patentes impedindo o surgimento de

novos Einsteins Laraia (2001 p46) observa que natildeo basta a natureza criar indiviacuteduos

altamente inteligentes pois isto ela jaacute faz com frequumlecircncia mas ldquoeacute necessaacuterio que coloque ao

alcance desses indiviacuteduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma

maneira revolucionaacuteriardquo Dessa forma sentimo-nos agrave vontade para afirmar que sim sem

circulaccedilatildeo efetiva de conhecimento sobretudo devido agraves restriccedilotildees econocircmicas gecircnios

potenciais satildeo prodigamente desperdiccedilados

Mas como a nova economia estruturou a informaccedilatildeo como um produto agrave venda a equaccedilatildeo

natildeo fecha Em relaccedilatildeo a Internet proprietaacuterios de direitos autorais natildeo conseguem encontrar

soluccedilotildees para essa inquietante ambivalecircncia Por um lado a rede eacute um recurso fabuloso de

divulgaccedilatildeo e um potencial ineacutedito de distribuiccedilatildeo de conteuacutedo Por outro muitos empresaacuterios

ainda mantecircm forte resistecircncia por consideraacute-la um instrumento que soacute favorece a livre e

infinita pirataria

Nesse turbulento contexto surge da informaacutetica a ideacuteia de copyleft um novo conceito que

ainda natildeo eacute reconhecido em convenccedilotildees internacionais mas que vem adquirindo popularidade

e legitimidade sobretudo na Internet ao mesmo tempo que parece ameaccedilar negociantes de

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conteuacutedos A criaccedilatildeo deste termo eacute atribuiacuteda a Richard Stallman um ativista da primeira

geraccedilatildeo de hackers da Universidade de Harvard e do MIT Artificial Intelligence Lab

(Laboratoacuterio de Inteligecircncia Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos

1970 Em janeiro de 1984 Stallman abandonou o MIT para dedicar-se ao projeto GNU ndash uma

paroacutedia metalinguumliacutestica e tautoloacutegica a sigla GNU significa Gnu is Not Unix (Gnu Natildeo eacute

Unix) Em 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF)

Copyleft eacute um trocadilho de traduccedilatildeo literal impossiacutevel No primeiro momento em uma

inversatildeo do copyright (direitos de reproduccedilatildeo) o novo termo substitui o ldquorightrdquo pelo ldquoleftrdquo

direita por esquerda em inglecircs ndash naturalmente uma alusatildeo agrave ideologia poliacutetica agrave esquerda

historicamente envolvida nos esforccedilos de democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Mas ldquoleftrdquo eacute

tambeacutem um modo verbal que se refere ao ldquosimple pastrdquo (passado perfeito) do verbo ldquoleaverdquo

que significa ldquopermitir deixarrdquo Neste segunda leitura poderiacuteamos traduzir copyleft por algo

como ldquocoacutepia permitidardquo Junto a esse conceito foi criado para parodiar o slogan ldquoAll rights

reservedrdquo (Todos os direitos reservados) a foacutermula ldquoAll rights reversedrdquo (Todos os direitos

invertidos) Mas para compreender as sutilezas do copyleft eacute necessaacuterio compreender os

fundamentos do projeto GNU

GNU is Not Unix

O GNU foi idealizado em 1983 e lanccedilado no ano seguinte com o objetivo de desenvolver

um sistema operacional completo e tatildeo eficiente quanto o Unix A diferenccedila eacute que ao

contraacuterio deste uacuteltimo que eacute um sistema fechado e exige pagamento pela licenccedila de uso o

GNU eacute um sistema aberto e oferece livre acesso para os usuaacuterios ndash ou seja pode ser instalado

modificado e copiado gratuitamente De acordo com informaccedilotildees no site do projeto diversas

variaccedilotildees do sistema GNU que utilizam o nuacutecleo Linux satildeo hoje largamente utilizadas

(estima-se que aproximadamente 20 milhotildees de usuaacuterios tecircm acesso ao programa) Apesar de

serem normalmente chamados apenas de Linux o popular sistema operacional gratuito criado

por Linus Torvalds na verdade trata-se de variaccedilotildees de sistemas GNULinux ldquoO Software

Livre eacute uma questatildeo de liberdade as pessoas devem ser livres para usar o software de todas as

maneiras que sejam socialmente uacuteteis2rdquo

Na concepccedilatildeo dos criadores do GNU a palavra livre (free no original) estaacute relacionada

com liberdade em vez de preccedilo Isso quer dizer que o usuaacuterio pode ou natildeo pagar um preccedilo

2 Traduzida por Pedro Oliveira e revisada por Miguel Oliveira em abril de 2000 Atualizada por Fernando Lozano Disponiacutevem el lthttpwwwgnuorgphilosophyphilosophypthtmlAbouttheGNUprojectgt Acesso em 27 fev 2004

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para obter o software GNU Informaccedilotildees no site oficial esclarecem que esse programa

possibilita trecircs liberdades especiacuteficas de utilizaccedilatildeo

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho

Segundo a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos por ter acesso

completo agraves fontes Terceiro a liberdade de distribuir versotildees modificadas e assim ajudar a

construir a comunidade (Se vocecirc redistribui software GNU vocecirc pode cobrar pelo ato de

transferir uma coacutepia ou vocecirc pode dar coacutepias de graccedila)3

A ideacuteia ainda segundo os criadores eacute ldquotrazer de volta o espiacuterito cooperativo que prevalecia

na comunidade de informaacutetica nos seus primoacuterdiosrdquo removendo obstaacuteculos impostos pelos

proprietaacuterios do software e tornando possiacutevel a cooperaccedilatildeo entre programadores

Todo usuaacuterio de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional

(Operating System) como o Windows o Mac ou o Unix para citar os mais populares entre o

puacuteblico natildeo especializado Sem um sistema operacional livre natildeo eacute possiacutevel nem mesmo

iniciar um computador sem pagar pela licenccedila de uso do software (a natildeo ser que se use

versotildees piratas e portanto ilegais) Assim para o GNU o primeiro item na agenda do

software livre eacute o estabelecimento de um sistema operacional livre

A Free Software Foundation (FSF) fundada por Richard Stallman manteacutem desde 1999 o

projeto Free Software Directory (FSD) Em um site da web a fundaccedilatildeo deixa agrave disposiccedilatildeo

para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos sobretudo

nas variaccedilotildees GNULinux Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco

Quase tudo em copyleft

Haacute nesse conceito uma caracteriacutestica chave que o diferencia definitivamente da ideacuteia de

ldquodomiacutenio puacuteblicordquo De fato o modo mais simples de estabelecer um software-livre eacute colocaacute-

lo sob domiacutenio puacuteblico ou seja abrir matildeo por completo do copyright No entanto se por um

lado permite que os usuaacuterios compartilhem livremente o programa original essa licenccedila

aberta deixa uma brecha Ela natildeo impede por exemplo que empresas natildeo-cooperativas ao

fazer poucas modificaccedilotildees no programa registrem o copyright e detentoras dos direitos

autorais comercializem com exclusividade o ldquonovordquo software com coacutedigo fechado

Assim em vez de colocar os programas do GNU em domiacutenio puacuteblico o projeto

desenvolveu esse artifiacutecio O copyleft impotildee que qualquer usuaacuterio que redistribua o programa

3 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 6: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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conteuacutedos A criaccedilatildeo deste termo eacute atribuiacuteda a Richard Stallman um ativista da primeira

geraccedilatildeo de hackers da Universidade de Harvard e do MIT Artificial Intelligence Lab

(Laboratoacuterio de Inteligecircncia Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos

1970 Em janeiro de 1984 Stallman abandonou o MIT para dedicar-se ao projeto GNU ndash uma

paroacutedia metalinguumliacutestica e tautoloacutegica a sigla GNU significa Gnu is Not Unix (Gnu Natildeo eacute

Unix) Em 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF)

Copyleft eacute um trocadilho de traduccedilatildeo literal impossiacutevel No primeiro momento em uma

inversatildeo do copyright (direitos de reproduccedilatildeo) o novo termo substitui o ldquorightrdquo pelo ldquoleftrdquo

direita por esquerda em inglecircs ndash naturalmente uma alusatildeo agrave ideologia poliacutetica agrave esquerda

historicamente envolvida nos esforccedilos de democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Mas ldquoleftrdquo eacute

tambeacutem um modo verbal que se refere ao ldquosimple pastrdquo (passado perfeito) do verbo ldquoleaverdquo

que significa ldquopermitir deixarrdquo Neste segunda leitura poderiacuteamos traduzir copyleft por algo

como ldquocoacutepia permitidardquo Junto a esse conceito foi criado para parodiar o slogan ldquoAll rights

reservedrdquo (Todos os direitos reservados) a foacutermula ldquoAll rights reversedrdquo (Todos os direitos

invertidos) Mas para compreender as sutilezas do copyleft eacute necessaacuterio compreender os

fundamentos do projeto GNU

GNU is Not Unix

O GNU foi idealizado em 1983 e lanccedilado no ano seguinte com o objetivo de desenvolver

um sistema operacional completo e tatildeo eficiente quanto o Unix A diferenccedila eacute que ao

contraacuterio deste uacuteltimo que eacute um sistema fechado e exige pagamento pela licenccedila de uso o

GNU eacute um sistema aberto e oferece livre acesso para os usuaacuterios ndash ou seja pode ser instalado

modificado e copiado gratuitamente De acordo com informaccedilotildees no site do projeto diversas

variaccedilotildees do sistema GNU que utilizam o nuacutecleo Linux satildeo hoje largamente utilizadas

(estima-se que aproximadamente 20 milhotildees de usuaacuterios tecircm acesso ao programa) Apesar de

serem normalmente chamados apenas de Linux o popular sistema operacional gratuito criado

por Linus Torvalds na verdade trata-se de variaccedilotildees de sistemas GNULinux ldquoO Software

Livre eacute uma questatildeo de liberdade as pessoas devem ser livres para usar o software de todas as

maneiras que sejam socialmente uacuteteis2rdquo

Na concepccedilatildeo dos criadores do GNU a palavra livre (free no original) estaacute relacionada

com liberdade em vez de preccedilo Isso quer dizer que o usuaacuterio pode ou natildeo pagar um preccedilo

2 Traduzida por Pedro Oliveira e revisada por Miguel Oliveira em abril de 2000 Atualizada por Fernando Lozano Disponiacutevem el lthttpwwwgnuorgphilosophyphilosophypthtmlAbouttheGNUprojectgt Acesso em 27 fev 2004

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para obter o software GNU Informaccedilotildees no site oficial esclarecem que esse programa

possibilita trecircs liberdades especiacuteficas de utilizaccedilatildeo

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho

Segundo a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos por ter acesso

completo agraves fontes Terceiro a liberdade de distribuir versotildees modificadas e assim ajudar a

construir a comunidade (Se vocecirc redistribui software GNU vocecirc pode cobrar pelo ato de

transferir uma coacutepia ou vocecirc pode dar coacutepias de graccedila)3

A ideacuteia ainda segundo os criadores eacute ldquotrazer de volta o espiacuterito cooperativo que prevalecia

na comunidade de informaacutetica nos seus primoacuterdiosrdquo removendo obstaacuteculos impostos pelos

proprietaacuterios do software e tornando possiacutevel a cooperaccedilatildeo entre programadores

Todo usuaacuterio de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional

(Operating System) como o Windows o Mac ou o Unix para citar os mais populares entre o

puacuteblico natildeo especializado Sem um sistema operacional livre natildeo eacute possiacutevel nem mesmo

iniciar um computador sem pagar pela licenccedila de uso do software (a natildeo ser que se use

versotildees piratas e portanto ilegais) Assim para o GNU o primeiro item na agenda do

software livre eacute o estabelecimento de um sistema operacional livre

A Free Software Foundation (FSF) fundada por Richard Stallman manteacutem desde 1999 o

projeto Free Software Directory (FSD) Em um site da web a fundaccedilatildeo deixa agrave disposiccedilatildeo

para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos sobretudo

nas variaccedilotildees GNULinux Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco

Quase tudo em copyleft

Haacute nesse conceito uma caracteriacutestica chave que o diferencia definitivamente da ideacuteia de

ldquodomiacutenio puacuteblicordquo De fato o modo mais simples de estabelecer um software-livre eacute colocaacute-

lo sob domiacutenio puacuteblico ou seja abrir matildeo por completo do copyright No entanto se por um

lado permite que os usuaacuterios compartilhem livremente o programa original essa licenccedila

aberta deixa uma brecha Ela natildeo impede por exemplo que empresas natildeo-cooperativas ao

fazer poucas modificaccedilotildees no programa registrem o copyright e detentoras dos direitos

autorais comercializem com exclusividade o ldquonovordquo software com coacutedigo fechado

Assim em vez de colocar os programas do GNU em domiacutenio puacuteblico o projeto

desenvolveu esse artifiacutecio O copyleft impotildee que qualquer usuaacuterio que redistribua o programa

3 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 7: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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para obter o software GNU Informaccedilotildees no site oficial esclarecem que esse programa

possibilita trecircs liberdades especiacuteficas de utilizaccedilatildeo

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho

Segundo a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos por ter acesso

completo agraves fontes Terceiro a liberdade de distribuir versotildees modificadas e assim ajudar a

construir a comunidade (Se vocecirc redistribui software GNU vocecirc pode cobrar pelo ato de

transferir uma coacutepia ou vocecirc pode dar coacutepias de graccedila)3

A ideacuteia ainda segundo os criadores eacute ldquotrazer de volta o espiacuterito cooperativo que prevalecia

na comunidade de informaacutetica nos seus primoacuterdiosrdquo removendo obstaacuteculos impostos pelos

proprietaacuterios do software e tornando possiacutevel a cooperaccedilatildeo entre programadores

Todo usuaacuterio de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional

(Operating System) como o Windows o Mac ou o Unix para citar os mais populares entre o

puacuteblico natildeo especializado Sem um sistema operacional livre natildeo eacute possiacutevel nem mesmo

iniciar um computador sem pagar pela licenccedila de uso do software (a natildeo ser que se use

versotildees piratas e portanto ilegais) Assim para o GNU o primeiro item na agenda do

software livre eacute o estabelecimento de um sistema operacional livre

A Free Software Foundation (FSF) fundada por Richard Stallman manteacutem desde 1999 o

projeto Free Software Directory (FSD) Em um site da web a fundaccedilatildeo deixa agrave disposiccedilatildeo

para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos sobretudo

nas variaccedilotildees GNULinux Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco

Quase tudo em copyleft

Haacute nesse conceito uma caracteriacutestica chave que o diferencia definitivamente da ideacuteia de

ldquodomiacutenio puacuteblicordquo De fato o modo mais simples de estabelecer um software-livre eacute colocaacute-

lo sob domiacutenio puacuteblico ou seja abrir matildeo por completo do copyright No entanto se por um

lado permite que os usuaacuterios compartilhem livremente o programa original essa licenccedila

aberta deixa uma brecha Ela natildeo impede por exemplo que empresas natildeo-cooperativas ao

fazer poucas modificaccedilotildees no programa registrem o copyright e detentoras dos direitos

autorais comercializem com exclusividade o ldquonovordquo software com coacutedigo fechado

Assim em vez de colocar os programas do GNU em domiacutenio puacuteblico o projeto

desenvolveu esse artifiacutecio O copyleft impotildee que qualquer usuaacuterio que redistribua o programa

3 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 8: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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com ou sem modificaccedilotildees deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas

coacutepias e modificaacute-las Em outras palavras torna ilegal a comercializaccedilatildeo da versatildeo melhorada

em coacutedigo fechado

A estrateacutegia dessa licenccedila eacute engenhosa Para distribuir programa em copyleft primeiro o

GNU esclarece que ele estaacute protegido sob copyright Em seguida nos termos de distribuiccedilatildeo ndash

o instrumento legal que concede o direito de uso ndash registra que o usuaacuterio pode modificar e

redistribuir o coacutedigo-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele) mas

somente se todos os termos de distribuiccedilatildeo permanecerem inalterados ndash leia-se se for

mantido o coacutedigo aberto Aleacutem disso a FSF estabelece que cada autor de coacutedigo incorporado

a softwares da fundaccedilatildeo ceda seus direitos de copyright ldquoDeste modo noacutes podemos ter

certeza de que todo o coacutedigo em projetos da FSF eacute coacutedigo livre cuja liberdade noacutes podemos

proteger de maneira efetiva e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente4rdquo

Assim o coacutedigo e as liberdades se tornam legalmente inseparaacuteveis A grosso modo satildeo essas

as bases da General Public License (Licenccedila Puacuteblica Geral) do GNU comumente chamada

de GNU GPL

O trecho a seguir do coletivo literaacuterio Wu Ming explica com a insolecircncia tiacutepica de grupos

anarquistas como essa estrateacutegia funciona na praacutetica

Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domiacutenio puacuteblico cedo ou tarde

os rapaces da induacutestria o teriam colocado sob suas garras A soluccedilatildeo foi virar o copyright pelo

avesso para transformaacute-lo de obstaacuteculo agrave livre reproduccedilatildeo em suprema garantia desta uacuteltima

Em poucas palavras ponho o copyright uma vez que sou proprietaacuterio desta obra portanto

aproveito deste poder para dizer que com esta obra vocecirc pode fazer o que quiser pode copiaacute-la

difundi-la modificaacute-la mas natildeo pode impedir outro de fazecirc-lo isto eacute natildeo pode apropriar-se

dela e impedir sua circulaccedilatildeo natildeo pode colocar nela um copyright seu porque ela jaacute tem um

me pertence e eu te enrabo (WU MING 1 2003)

ldquoAteacute onde o software livre pode irrdquo perguntam os criadores do GNU ldquoNatildeo haacute limites

exceto quando leis como o sistema de patentes proiacutebem o software livre completamente O

objetivo final eacute fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuaacuterios de

computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietaacuterio obsoletordquo5

4 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorglicenseswhy-assignpthtmlgt Acesso em 27 fev 2004 5 Traduzido por Fernando Lozano Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggnugnu-historypthtmlgt Acesso em 27 fev 2004

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 9: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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Do universo da informaacutetica o copyleft invadiu outras aacutereas do conhecimento Em artigo

publicado na revista Nature o proacuteprio Richard Stallman defende que a ciecircncia deve deixar o

copyright de lado

Deveria ser naturalmente oacutebvio que a literatura cientiacutefica existe para disseminar o

conhecimento cientiacutefico e que as publicaccedilotildees cientiacuteficas existem para facilitar o processo (hellip)

[Entretanto] muitos editores de publicaccedilotildees parecem acreditar que o propoacutesito da literatura

cientiacutefica eacute permitir a eles publicar perioacutedicos para nada mais do que angariar assinaturas de

cientistas e estudantes Tal pensamento eacute conhecido como lsquoconfusatildeo dos meios com os finsrsquo

(STALLMAN 2001)6

Para Stallman o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteccedilatildeo proacuteprias

das publicaccedilotildees impressas mas natildeo tem mais sentido na era da comunicaccedilatildeo eletrocircnica

(voltaremos a essa argumentaccedilatildeo adiante) A pergunta que faz eacute ldquoquais regras garantiriam a

maacutexima disseminaccedilatildeo de artigos cientiacuteficos e conhecimento na Webrdquo Ele defende que

textos cientiacuteficos deveriam ser distribuiacutedos livremente com acesso aberto para todos E nas

paacuteginas da Internet todos deveriam ter o direito de ldquoespelharrdquo artigos isto eacute republicaacute-los

literalmente em seus proacuteprios sites com as devidas referecircncias

Editores de perioacutedicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer cariacutessimos

servidores de alta potecircncia e entatildeo precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos Para

Stallman este lsquoproblemarsquo eacute uma consequumlecircncia da proacutepria lsquosoluccedilatildeorsquo que os editores adotam

ldquoDecirc a todo mundo a liberdade de espelhar e bibliotecas ao redor do planeta vatildeo instalar sites

espelho para responder agrave demandardquo Essa distribuiccedilatildeo descentralizada certamente reduziria as

necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao traacutefego

possibilitaria portanto acesso mais raacutepido aleacutem da vantagem de proteger os trabalhos

acadecircmicos contra perdas acidentais

Mas como financiar as publicaccedilotildees O custo da ediccedilatildeo (mesmo no caso de impressos

atreveriacuteamos a acrescentar) poderia ser recuperado sugere Stallman atraveacutes de uma taxa por

paacutegina cobrada dos autores que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores

da pesquisa O autor ocasional que natildeo eacute afiliado a uma instituiccedilatildeo e que natildeo tem nenhum

oacutergatildeo financiador seria eximido de pagar as taxas e os custos computados a outros autores

ligados agrave instituiccedilotildees de fomento agrave pesquisa

6 Traduccedilatildeo livre

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 10: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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ldquoA Constituiccedilatildeo Americana diz que o copyright existe lsquopara promover o progresso da

ciecircnciarsquo Quando o copyright impede o progresso da ciecircncia a Ciecircncia precisa deixar o

copyright de ladordquo conclui Stallman (2001)

Copyright e maremoto

Da ciecircncia o conceito passou a referir-se a fenocircmenos da cultura

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformaccedilatildeo social em grande

parte do planeta Ele possui um potencial enorme mas ainda natildeo estaacute completamente

consciente disso Embora sua origem seja antiga soacute se manifestou recentemente aparecendo

em vaacuterias ocasiotildees sob os refletores da miacutedia poreacutem trabalhando dia a dia longe deles Eacute

formado por multidotildees e singularidades por retiacuteculas capilares no territoacuterio Cavalga as mais

recentes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas As definiccedilotildees cunhadas por seus adversaacuterios ficam-lhe

pequenas Logo seraacute impossiacutevel paraacute-lo e a repressatildeo nada poderaacute contra ele

Eacute aquilo que o poder econocircmico chama ldquopiratariardquo (WU MING 1 2002 p3)7

Esta eacute a introduccedilatildeo do manifesto Copyright e maremoto do coletivo literaacuterio italiano Wu

Ming (que significa em chinecircs Natildeo-famoso ou Anocircnimo) O texto argumenta que durante

milecircnios a civilizaccedilatildeo humana prescindiu do copyright do mesmo modo que prescindiu de

ldquooutros falsos axiomas parecidos como a lsquocentralidade do mercadorsquo ou o lsquocrescimento

ilimitadorsquordquo Afirma que se a propriedade intelectual tivesse surgido na antiguumlidade a

humanidade natildeo teria a Biacuteblia o Coratildeo Gilgamesh o Mahabarata a Iliacuteada a Odisseacuteia e todas

as narrativas surgidas de um amplo e feacutertil processo de mistura combinaccedilatildeo re-escritura e

transformaccedilatildeo ndash ou seja tudo aquilo que muitos chamam de plaacutegio

O manifesto celebra o fato de que a cada dia na era digital milhotildees de pessoas violam e

rechaccedilam continuamente o copyright Essa subversatildeo eacute feita quando copiamos muacutesica em

formato MP3 na Internet quando distribuiacutemos informaccedilatildeo pela rede e quando reproduzimos

livremente conteuacutedos que nos interessam usufruindo de tecnologias que suprimem a distinccedilatildeo

entre original e coacutepia ldquoNatildeo estamos falando da lsquopiratariarsquo gerida pelo crime organizado

divisatildeo extralegal do capitalismo natildeo menos deslocada e ofegante do que a legal pela

extensatildeo da lsquopiratariarsquo autogestionada e de massasrdquo prossegue o manifesto Para Wu Ming 1

a democratizaccedilatildeo geral do acesso agraves artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais

ldquo(hellip) devo fornecer algum dado sobre o preccedilo dos CDsrdquo (idem p4)

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 11: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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Assim entusiasticamente argumenta que esse processo estaacute mudando o aspecto da

induacutestria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais

seratildeo suficientes para deter uma dinacircmica social jaacute iniciada e envolvente Essa movimentaccedilatildeo

estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislaccedilotildees sobre propriedade

intelectual para que fossem totalmente reescritas

O copyleft eacute entatildeo saudado como uma inovaccedilatildeo juriacutedica vinda de baixo que superou a

lsquopiratariarsquo ao enfatizar a forccedila construtiva (pars construens) do movimento real Para o

manifesto com aquela estrateacutegia do copyleft (explicitada neste artigo na discussatildeo sobre o

GNU) as leis vigentes do copyright8 estatildeo sendo pervertidas em relaccedilatildeo a sua funccedilatildeo original

e em vez de oferecer obstaacuteculos se converte em garantia de livre circulaccedilatildeo

Para servir de exemplo praacutetico todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam

com a seguinte locuccedilatildeo ldquoPermitida a reproduccedilatildeo parcial ou total da obra e sua difusatildeo por via

telemaacutetica para uso pessoal dos leitores sob condiccedilatildeo de que natildeo seja com fins comerciaisrdquo

(idem p6) Rogeacuterio de Campos diretor editorial da Conrad editora da coleccedilatildeo Baderna

afirmou em entrevista agrave Folha de S Paulo que soacute conseguiu negociar os direitos de

reproduccedilatildeo do romance Q do autor Luther Blisset (pseudocircnimo de autores coletivos ligados

ao Wu Ming) depois de admitir uma claacuteusula que obriga a editora a ldquoprocessar qualquer um

que impeccedila a livre reproduccedilatildeo da obrardquo (ASSIS 2002)

As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft De

acordo com o texto do manifesto em diversos encontros com deputados italianos os

produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos ldquopiratasrdquo Isso faz

lembrar uma declaraccedilatildeo Richard Stallman em entrevista agrave Folha de S Paulo ldquoNatildeo faz sentido

sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam soacute porque compartilhamos

informaccedilatildeo puacuteblica com o vizinhordquo (MAISONNAVE LOUZANO 2000)

A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista

feita com o grupo Neste pequeno diaacutelogo eles expotildeem com paixatildeo e fuacuteria seus atrevimentos

culturais sem receio de exageros retoacutericos entusiasmados ldquoSim noacutes afirmamos que a cultura

popular ocidental do seacuteculo XX (hellip) estava muitas vezes mais proacutexima do socialismo do que

os regimes lsquosocialistasrsquo orientais do seacuteculo XX conseguiram estarrdquo Para eles a seacuterie de

imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os

fundamentos da Revoluccedilatildeo do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em

7 Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui que publicamente identifica-se como Wu Ming 1 8 As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenccedilatildeo de Berna em 1971

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 12: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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manifestaccedilotildees maoiacutestas ldquoO socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produccedilatildeo

capitalistardquo Ao contraacuterio do pessimismo de Adorno em relaccedilatildeo agrave induacutestria cultural e da

lsquoobsessatildeorsquo dos situacionaistas com o lsquoespetaacuteculorsquo o manifesto prega que a produccedilatildeo da

cultura pop no seacuteculo passado foi um processo socialista coletivo aberto mutante e

constantemente entrelaccedilado por inuacutemeras subculturas graccedilas agrave esfuziante habilidade das

multidotildees na reapropriaccedilatildeo ou ldquode-propriaccedilatildeordquo dessa cultura via pirataria de CDs violaccedilatildeo

de DVDs troca de arquivos em rede etc ldquoAs instituiccedilotildees da propriedade intelectual estatildeo

caindo aos pedaccedilos as pessoas estatildeo detonando-as Eacute um maravilhoso processo popular e

estaacute mais proacuteximo do socialismo do que a China jamais esteverdquo (WU MING 1 2002 p7-8)

Surge enfim a questatildeo da remuneraccedilatildeo dos autores O trabalho intelectual eacute um serviccedilo

pesado Exige um alto investimento em estudo em tempo e evidentemente deve ser

remunerado Assim a pergunda natural eacute o copyright natildeo eacute essencial para a sobrevivecircncia do

autor

Se um sujeito natildeo tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu

Ming Foundation pode tranquumlilamente fotocopiaacute-lo digitalizaacute-lo em scanner ou entatildeo a

soluccedilatildeo mais cocircmoda fazer o download gratuito da obra integral no site oficial

wwwwumingfoundationorg em um computador puacuteblico em alguma universidade ou

biblioteca As reproduccedilotildees que natildeo visam lucro satildeo automaticamente autorizadas Mas se um

editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro paiacutes neste caso a utilizaccedilatildeo

evidentemente visa lucro e portanto essa empresa deve pagar por isso

Na verdade o Wu Ming apenas admitiu uma evidecircncia expliacutecita ningueacutem deixa de copiar

uma obra porque no rodapeacute haacute uma frase que diz lsquotodos os direitos satildeo reservados e

protegidos pela Lei 5988 de 141273 Nenhuma parte deste livro sem autorizaccedilatildeo preacutevia

por escrito da editora poderaacute ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios

empregados etchelliprsquo Quando o copyright foi introduzido9 concomitante ao desenvolvimento

da imprensa haacute trecircs seacuteculos natildeo havia possibilidade de lsquocoacutepia privadarsquo ou lsquoreproduccedilatildeo sem

fins de lucrorsquo porque soacute empresaacuterios editores tinham acesso agraves maacutequinas tipograacuteficas

Portanto em suas origens o copyright natildeo era percebido como lsquoanti-socialrsquo mas era uma

arma de um empresaacuterio contra o outro natildeo de um empresaacuterio contra o puacuteblico Mas com a

revoluccedilatildeo da informaacutetica e das comunicaccedilotildees o puacuteblico tem acesso agraves tecnologias de

9 A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710 mas foi desenvolvida a seguir nos EUA

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

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Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

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Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 13: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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reproduccedilatildeo Dessa forma o copyright tornou-se na visatildeo do Wu Ming ldquouma arma que

dispara na multidatildeordquo10 (WU MING 1 2003) ndash mas sem muito efeito poderiacuteamos acrescentar

Nesse contexto observando sua proacutepria experiecircncia editorial esse coletivo literaacuterio

percebeu um fenocircmeno curioso e aparentemente paradoxal natildeo haacute relaccedilatildeo direta entre

ldquocoacutepias oficiais natildeo vendidasrdquo e ldquocoacutepias pirateadasrdquo Em outras palavras as coacutepias natildeo

influenciam na vendagem das obras ldquoEm realidade editorialmente quanto mais uma obra

circula mais venderdquo Ou seja quanto mais democratizada maiores os lucros O exemplo

paradigmaacutetico eacute a obra Q de Luther Blisset editado por eles que vendeu mais de 2 milhotildees

de coacutepias apesar de ndash ou melhor justamente devido ao copyleft O sujeito copia o livro seja

porque natildeo tem dinheiro seja porque natildeo quer comprar lsquono escurorsquo e gosta do que leu

Decide indicar ou mesmo dar de presente a algueacutem mas natildeo quer dar uma coacutepia qualquer

Pronto compra o livro A pessoa presenteada tambeacutem gosta e passa a indicar ou presentear

outras com o mesmo livro Uma coacutepia dois ou trecircs livros vendidos Simples assim

Para o Wu Ming se a maioria dos editores natildeo perceberam essa dinacircmica foi mais por

questatildeo ideoloacutegica que mercadoloacutegica ldquoA editoraccedilatildeo natildeo estaacute em risco de extinccedilatildeo como a

induacutestria fonograacutefica a loacutegica eacute outra outros os suportes outros os circuitos outro o modo de

fruiccedilatildeo e sobretudo a editoraccedilatildeo natildeo perdeu ainda a cabeccedila natildeo reagiu com retaliaccedilotildees em

massa denuacutencias e processos agrave grande revoluccedilatildeo tecnoloacutegica que democratiza o acesso aos

meios de reproduccedilatildeordquo (WU MING 2003)

A estrateacutegia da induacutestria

Seraacute que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da induacutestria cultural Seraacute

que os legisladores precisaratildeo reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao

novo momento tecnoloacutegico-cultural do seacuteculo XXI Shapiro e Varian (1999 p103)

argumentam que natildeo Na verdade eles defendem que muitos princiacutepios claacutessicos da economia

ainda satildeo perfeitamente vaacutelidos para essas situaccedilotildees ldquoO que mudou eacute que a Internet e a

tecnologia da informaccedilatildeo em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicaccedilatildeo

desses princiacutepiosrdquo Assim acreditam que os donos de propriedade intelectual seratildeo

naturalmente capazes de superar as lsquoameaccedilasrsquo da reproduccedilatildeo digital atraveacutes de estrateacutegias

semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado ldquoAs

10 A Disney chegou a levar vaacuterias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em viacutedeo sem licenccedila formal Na deacutecada de 90 a empresa ameaccedilou processar trecircs creches da Floacuterida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes (SHAPIRO VARIAN 1999 p109)

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novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 14: Copyleft: a utopia da pane no sistema

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

novas oportunidades oferecidas pela reproduccedilatildeo digital excedem em muito os problemasrdquo

(SHAPIRO VARIAN 1999 p104)

Todas as facilidades da tecnologia digital satildeo elencadas para dar suporte ao otimismo dos

autores sobretudo os baixos custos de reproduccedilatildeo e distribuiccedilatildeo ldquoNatildeo lute contra os custos

de distribuiccedilatildeo mais baixosrdquo aconselham ldquotire vantagem delesrdquo Para isso eacute preciso que

negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de ldquobem da experiecircnciardquo

O objeto de consumo eacute chamado de ldquobem da experiecircnciardquo (idem p18) quando os

fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor Qualquer novidade no

mercado eacute potencialmente um bem da experiecircncia e os publicitaacuterios contam com meacutetodos

claacutessicos de propaganda nesses casos promoccedilatildeo atraveacutes de reduccedilatildeo comparativa de preccedilo

depoimentos de famosos e anocircnimos e a infaliacutevel distribuiccedilatildeo de amostras graacutetis de pequenas

quantidades do produto a ser anunciado Eis mais uma pista Voltaremos a ela adiante

A induacutestria da informaccedilatildeo tecircm tambeacutem seus meacutetodos claacutessicos para fazer com que os

consumidores comprem o bem simboacutelico antes de ter certeza se o que estatildeo adquirindo vale o

preccedilo que pagam antecipadamente Primeiramente da mesma forma que em supermercados eacute

possiacutevel bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoccedilotildees de lanccedilamento

existem formas de experimentar o ldquogostinhordquo do produto cultural Eacute possiacutevel ler as manchetes

de capa do jornal o trailer do filme etc Evidentemente isso eacute apenas uma parte da histoacuteria

Os produtos de sucesso superam o problema do ldquobem da experiecircnciardquo por meio da promoccedilatildeo

de sua ldquomarcardquo e sua ldquoreputaccedilatildeordquo Mas natildeo pretendemos entrar nessa discussatildeo pois natildeo cabe

na abordagem que restringe este artigo

Pois bem as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortaacutevel oferecendo

poltronas aacutereas abertas e cafeacutes porque haacute tempos jaacute sabem que essa estrateacutegia empresarial

impulsiona a venda de livros Ao lsquooferecerem gratuitamentersquo parte de seu produto elas

acabam ganhando muito mais dinheiro Nessa perspectiva a Internet eacute vista por Shapiro e

Varian (1999 p106) como ldquoum modo maravilhoso de oferecer amostras graacutetis do conteuacutedo

da informaccedilatildeordquo E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda

na Web Shapiro e varian satildeo categoacutericos a Internet eacute ideal para ldquoinfomerciais11rdquo ou seja

estrateacutegia que fisga o leitor atraveacutes do oferecimento do proacuteprio conteuacutedo Mas a duacutevida eacute

como vatildeo ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto A resposta dos autores eacute

11 ldquoComerciais de longa duraccedilatildeo que aleacutem de explicar em detalhes as caracteriacuterticas (hellip) do produto transmitem ainda depoimentos de usuaacuterios e outras informaccedilotildees pertinentes ao bem ou serviccedilo anunciadordquo (SHAPIRO VARIAN 1999 p106)

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doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

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Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 15: Copyleft: a utopia da pane no sistema

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

doe somente parte de seu produto Eacute o princiacutepio claacutessico da amostra graacutetis mas com a

vantagem do insignificante custo de distribuiccedilatildeo ldquoO truque eacute dividir seu produto em

componentes dos quais alguns vocecirc daacute outros vocecirc vende As partes doadas satildeo os anuacutencios

ndash os infomerciais ndash das partes que vocecirc venderdquo

Os autores partem de um princiacutepio ergonocircmico para fundamentar suas hipoacuteteses hoje e

provavelmente por um bom tempo ningueacutem consegue ler um livro ou ateacute mesmo um artigo

de revista muito extenso com os olhos fixos em um monitor Eacute simplesmente muito

cansativo Segundo Shapiro e Varian pesquisas mostram que os usuaacuterios da web em geral

lecircem apenas duas telas de conteuacutedo antes de clicarem para sair Dessa forma o deconforto

associado agrave leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes

quantidades de conteuacutedo on-line sem que isso prejudique as vendas de coacutepias impressas12

Eacute claro que se a versatildeo na Web for faacutecil de imprimir podemos supor que o usuaacuterios

estaratildeo tentados a fazecirc-lo Mas haacute uma estrateacutegia muito simples para tornar a impressatildeo

caseira um ato trabalhoso e desconfortaacutevel ldquoA melhor coisa a fazerrdquo escrevem ldquoeacute tornar a

versatildeo on-line faacutecil de folherar ndash muitas telas curtas muitos links ndash mas difiacutecil de imprimir

em sua totalidaderdquo

Natildeo eacute difiacutecil perceber que ateacute esse momento com palavras e propoacutesitos diferentes

Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relaccedilatildeo ao negoacutecio

editorial As divergecircncias satildeo ideoloacutegicas pois os primeiros admitem como um verdadeiro

problema o ldquocontrabando de bitsrdquoe a ldquopirataria digitalrdquo dizendo ldquoTudo de que se precisa eacute

que haja vontade poliacutetica para defender os direitos de propriedade intelectualrdquo (idem p114)

Mas na verdade os autores consideram que os proprietaacuterios dos conteuacutedos satildeo

excessivamente conservadores a respeito de gestatildeo de suas propriedades intelectuais Eles

observam que tradicionalmente toda nova tecnologia de reproduccedilatildeo produz previsotildees

catastroacuteficas no mercado Para eles a histoacuteria da veiculaccedilatildeo dos filmes em viacutedeo eacute um caso

exemplar

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete O setor de

televisatildeo deu entrada em processos para impedir a coacutepia domeacutestica de programas de TV e a

Disney tentou distinguir as compras dos alugueacuteis de viacutedeo por meio de arranjos de

licenciamento Todas essas tentativas fracassaram Ironicamente Hollywood ganha hoje mais

com os viacutedeos do que com as apresentaccedilotildees em cinemas na maioria das produccedilotildees O mercado

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 16: Copyleft: a utopia da pane no sistema

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de vendas e de aluguel de viacutedeos antes tatildeo temido tornou-se uma imensa fonte de receita para

Hollywood (SHAPIRO VARIAN 1999 p17)

As proacuteprias bibliotecas satildeo um exemplo de uma inovaccedilatildeo que primeiro pareceu ameaccedilar o

setor editorial mas acabou por ampliaacute-lo imensamente (idem p115) A loacutegica eacute simples o

acesso agrave obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde compraratildeo livros Shapiro e

Varian percebem que perante os desafios da era digital haacute uma tendecircncia natural para que os

produtores se preocupem demais em lsquoprotegerrsquo sua propriedade intelectual Mas para eles o

importante eacute lsquomaximizarrsquo o valor da propriedade intelectual natildeo protegecirc-la pela pura

proteccedilatildeo ldquoSe vocecirc perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga esses eacute

apenas um dos custos de fazer negoacutecios juntamente com a depreciaccedilatildeo as perdas de estoque

e a obsolecircnciardquo

Ao mesmo tempo sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do

consumidor mesmo quando se tratam de bens culturais Moles (1974) ensina que o

mecanismo baacutesico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicoloacutegico ao valor

propriamente utilitaacuterio do produto explorando portanto as emoccedilotildees secundaacuterias do

consumidor A publicidade alimenta artificialmente um desejo e sobretudo atraveacutes da

repeticcedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo primeiro convence que essa vontade eacute uma

necessidade essencial e depois promete satisfazecirc-la atraveacutes dos valores associados ao objeto

de consumo Na verdade natildeo satildeo vendidos produtos mas status social estilos sensaccedilotildees

impressotildees Isso quer dizer que os anuacutencios publicitaacuterios natildeo oferecem sabonetes mas

possibilidade de beleza natildeo anunciam automoacuteveis mas o prazer da velocidade e de poder

natildeo querem vender cigarro mas sentimento de juventude e de liberdade Em outras palavras

a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvecirc-la por meio do

consumo Assim podemos dizer que o mercado da cultura tambeacutem vive da venda de status

de prestiacutegio intelectual e natildeo apenas de conhecimento Basta pensar em quantos livros

compramos por lsquoimpulsorsquo mesmo sabendo que talvez nunca o leremos Ou quantos CDs

adquirimos para ouviacute-los algumas poucas vezes e guardaacute-los na estante Ou quantas fitas de

viacutedeo ou DVDs de filmes que jaacute vimos noacutes compramos para guardar mas nunca assistimos

porque estamos sempre alugando outros filmes

12 ldquoA Nacional Academy os Science Press pocircs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versotildees eletrocircnicas impulsionou as vendas de coacutepias impressas em duas a trecircs vezesrdquo (idem p107)

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

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Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Mas haacute um outro movimento juriacutedico contemporacircneo que parece ter o potencial de

provocar uma discussatildeo sobretudo filosoacutefica na economia da cultura no capitalismo do seacuteculo

XXI O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundaccedilatildeo Getulio

Vargas no Rio de Janeiro cujo objetivo eacute estudar implicaccedilotildees juriacutedicas sociais e culturais do

avanccedilo da tecnologia da informaccedilatildeo vem desenvolvendo estudos importantes nas aacutereas de

propriedade intelectual software livre governanccedila da web e privacidade na Internet O CTS eacute

o oacutergatildeo responsaacutevel pela direccedilatildeo no Brasil do projeto Creative Commons uma iniciativa

criada por Lawrence Lessig na Universidade de Stanford (EUA) O CTS adaptou as licenccedilas

do Creative Commons para o ordenamento juriacutedico brasileiro e fez com que o Brasil se

tornasse pioneiro no desenvolvimento de licenccedilas CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre

Uma das principais caracteriacutesticas do direito autoral claacutessico eacute que ele funciona como um

grande NAtildeO Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteuacutedo eacute necessaacuterio pedir permissatildeo ao seu autor ou titular de direitos No sistema juriacutedico da propriedade intelectual adotado no Brasil ateacute mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo jaacute nascem com todos os direitos reservados

Apesar disto muitos autores e titulares de direitos natildeo se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos Um muacutesico um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contraacuterio o amplo acesso agraves suas obras ou eventualmente que seus trabalho sejam reinterpretandos reconstruiacutedos e recriados por outras pessoas

Assim o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele natildeo se opotildee agrave utilizaccedilatildeo de sua obra no que diz respeito agrave distribuiccedilatildeo coacutepia e outros tipos de uso

O Creative Commons eacute um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponiacuteveis ao puacuteblico permitindo criar outras obras sobre elas compartilhando-as Isso eacute feito atraveacutes do desenvolvimento e disponibilizaccedilatildeo de licenccedilas juriacutedicas que permitem o acesso agraves obras pelo puacuteblico sob condiccedilotildees mais flexiacuteveis (FGV 2005)

Existem uma seacuterie de modalidades de licenccedila e cada uma delas concede direitos e deveres

especiacuteficos Haacute licenccedilas que por exemplo permitem a divulgaccedilatildeo da obra mas proiacutebem o uso

comercial Outras permitem a utilizaccedilatildeo da obra em outros trabalhos Haacute tambeacutem licenccedilas

que permitem o sampleamento remixagem colagem e outras formas criativas de

reconstruccedilatildeo da obra permitindo uma enorme explosatildeo de possibilidades criativas Dessa

forma a riacutegida locuccedilatildeo todos os direitos reservados eacute substituiacuteda por alguns direitos

reservados propondo assim uma universalidade de bens intelectuais criativos acessiacuteveis a

todos que eacute condiccedilatildeo fundamental para qualquer inovaccedilatildeo cultural e tecnoloacutegica (idem

2005) Assim as novas formas de apropriaccedilatildeo cultural na sociedade da informaccedilatildeo jaacute

comeccedilam a organizar respaldo juriacutedico atraveacutes de movimentos internacionais de

questionamento agrave pertinecircncia das velhas regulaccedilotildees autorais frente agraves exponenciais

possibilidades dos intercacircmbios mediatizados

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

Page 18: Copyleft: a utopia da pane no sistema

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Consideraccedilotildees finais

As convergecircncias expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard

Stallman o coletivo Wu Ming e o raciociacutenio empresarial de economistas como Shapiro e

Varian sugerem que grande parte da preocupaccedilatildeo da induacutestria em relaccedilatildeo agrave propriedade

intelectual se daacute mais por questotildees ideoloacutegicas (o lsquoindiscutiacutevelrsquo direito agrave propriedade

individual) do que mercadoloacutegicas Parece que a democratizaccedilatildeo do conhecimento em si eacute

vista pelos empresaacuterios como um prejuiacutezo natildeo eacute admissiacutevel que algueacutem usufrua do bem

cultural sem pagar por ele Impedir essa lsquoaberraccedilatildeorsquo deve consumir mais esforccedilos do que

aqueles orientados para desenvolver estrateacutegias de lucro que assumam e apropriem-se das

peculiaridades desse cenaacuterio Satildeo como velhos negociantes avarentos que perdem bons

negoacutecios mas natildeo abrem matildeo do que consideram lsquosua legiacutetima propriedadersquo

Ao discutir essa problemaacutetica Dantas (2003) concorda que ldquoa apropriaccedilatildeo privada da

informaccedilatildeordquo eacute o principal problema ldquoeconocircmico social e poliacuteticordquo a ser enfrentado nas

sociedades capitalistas do seacuteculo 21 Eacute impossiacutevel negar que a Internet e as tecnologias de

reproduccedilatildeo causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteuacutedo Mas analisados

os antecedentes histoacutericos considerando que a induacutestria de entretenimento sempre se mostrou

temerosa quando surgiram novas tecnologias mas foi sempre eficiente natildeo apenas para

vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor percebe-se que o

mercado tende a aprender a domar essas lsquoinsubordinaccedilotildeesrsquo para tirar proveito das teacutecnicas de

guerrilha cultural sob o custo de uma democratizaccedilatildeo relativa da informaccedilatildeo Esse processo eacute

mercadologicamente apresentado sob o roacutetulo de lsquoinfomerciaisrsquo ou amostras graacutetis de

informaccedilatildeo calcado no pressuposto de que quanto mais a informaccedilatildeo circula mais vende e

cujo objetivo eacute seduzir o consumidor e persudiacute-lo agrave compra

Portanto a utopia da lsquopane no sistemarsquo vislumbrada pelos entusiastas do copyleft

dificilmente tem condiccedilotildees de se concretizar No entanto o copyleft pode se tornar um

lsquoupgradersquo (uma versatildeo melhorada) do copyright ao evocar o sentido histoacuterico da proteccedilatildeo

intelectual e servir de instrumento legal da induacutestria da informaccedilatildeo contra eventuais

concorrecircncias desleais e natildeo da induacutestria contra o puacuteblico Por fim defendemos a

necessidade de maior compreensatildeo sobre conceito de copyleft (que eacute diferente de lsquodomiacutenio

puacuteblicorsquo) e a inclusatildeo de discussotildees sobre o tema nas convenccedilotildees de direitos autorais

Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003

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Revista de Economiacutea Poliacutetica de las Tecnologiacuteas de la Informacioacuten y Comunicacioacuten wwwepticcombr Vol VIII n 2 mayo ndash ago 2006

Referecircncias ASSIS Diego Caos organizado agraves veacutesperas do Foacuterum Social Mundial em Porto Alegre chega ao Brasil coleccedilatildeo de livros que refletem o pensamento da ldquoesquerda anticapitalistardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 30 jan 2003 Ilustrada Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspilustradfq3001200206htmgt Acesso em 27 fev 2004 BENGTSSON Jarl Educaccedilatildeo para a economia do conhecimento novos desafios In Foacuterum Nacional Rio de Janeiro 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwinaeorgbrpubliep5CEP0023pdfgt Acesso em 28 nov 2003 CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura 4 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 DANTAS Marcos Informaccedilatildeo e trabalho no capitalismo contemporacircneo Lua Nova [online] 2003 n60 p05-44 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-64452003000300002amplng=ptampnrm=isogt DRUCKER Peter Ferdinand Sociedade poacutes-capitalista 6 ed Satildeo Paulo Pioneira 1997 FUNDACcedilAtildeO Getuacutelio Vargas (FGV) Escola de Direito Centro de Tecnologia e Sociedade Projeto Creative Commons Disponiacutevel em httpwwwdireitoriofgvbrctsprojetoshtml Acesso em 26 dez 2005) GNU project Boston USA Free Software Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwgnuorggt Acesso em 26 fev 2004 LARAIA Roque de barros Cultura um conceito antropoloacutegico 14 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 MAIZONNAVE Fabiano LOUZANO Paula Coacutedigos livres o pesquisador e hacker Richard Stallman eleito o segundo maior ldquoheroacutei da Internetrdquo numa enquete da revista ldquoForbesrdquo defende coacutedigos abertos na rede Folha de S Paulo Satildeo Paulo 5 mar 2000 Mais Disponiacutevel em lthttpwww1folhauolcombrfspmaisfs0503200004htmgt Acesso em 27 fev 2004 MOLES Abraham A O cartaz Satildeo Paulo Perspectiva 1974 SHAPIRO Carl VARIAN Hal R A economia da informaccedilatildeo como os princiacutepios econocircmicos se aplicam agrave era da Internet 5 ed Rio de Janeiro Campus 1999 STALLMAN Richard Science must lsquopush copyright asidersquo Nature Web debates London England Nature Publishing Group 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwnaturecomnaturedebatese-accessArticlesstallmanhtmlgt Acesso em 26 fev 2004 Traduccedilatildeo livre WU MING ndash the oficial site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomgt Acesso em 28 fev 2004 WU MING 1 O copyleft explicado agraves crianccedilas para tirar de campo alguns equiacutevocos Wu Ming ndash The Oficial Site Bolonha Itaacutelia Wu Ming Foundation 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwwumingfoundationcomitalianoouttakesparacriancashtmlgt Acesso em 28 fev 2004 Traduzido por eBooksCultcombr ___________ Copyright e maremoto Satildeo Paulo Coletivo Baderna 2002 Traduzido por Leo Viniacutecius Disponiacutevel em lthttpwwwbadernaorgpdfdownloadwuming_finalpdfgt Acesso em 26 nov 2003