copa 2014 falta informação e sobra ordens de despejo...

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CIRCUITOMATOGROSSO CUIABÁ, 9 A 15 DE FEVEREIRO DE 2012 CAPA PG 4 www.circuitomt.com.br CIRCUITOMATOGROSSO CUIABÁ, 9 A 15 DE FEVEREIRO DE 2012 CAPA PG 5 www.circuitomt.com.br COPA 2014 Ordens de Despejo provocam pânico em Cuiabá Entidades dos movimentos sociais e moradores apontam a necessidade de mais diálogo; movimento nacional denuncia a remoção em massa de 170 mil pessoas no Brasil. Em Cuiabá já são 12 famílias notificadas. Por Neusa Baptista. Fotos: Mary Juruna Nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, pelo menos 170 mil pessoas serão removidas de forma forçada de suas residências devido às obras preparatórias para o Mundial. Os dados são de um dossiê publicado no final do ano passado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas e mostram alguns dos motivos pelo quais representantes dos movimentos sociais continuam “batendo na tecla” da necessidade de garantir a segurança de moradia daqueles que residem na rota das novas ruas, avenidas e trincheiras. Em Cuiabá, as desapropriações para as principais obras de mobilidade urbana estão na fase inicial e já causam polêmica. As notificações de desapropriação começaram pelo Bairro Três Lagoas, na região do CPA, onde estão sendo negociadas as indenizações para cinco famílias. Todavia, observando a situação das demais cidades-sede, nota-se que a preocupação das entidades não é exagerada. Um dos argumentos principais é de que a metodologia utilizada pelos Estados para as desapropriações Bairros afetados indiretamente No bairro Coophema, entre as avenidas Jornalista Alves de Oliveira e 31 de março, será executada parte da obra de alargamento das rodovias BR 070, 163 e 364; Aclimação, Bela Vista, São Roque e São Carlos estão na rota da obra de 3.200 metros de prolongamento da Avenida Vereador Juliano Costa Marques. Na região haverá ainda alargamento mais de mil metros da rua B e duplicação da avenida Senegal, entre as avenidas do CPA e Juliano Costa Marques. Alargamento do sistema viário do 9º BEC, nas ruas da mangueira e Carmindo de Campos (encontro entre a Fernando Corrêa e a rua da Mangueira), no bairro Shangri-lá, com extensão de 813,94 m. Haverá também obras de obras de ampliação de mais 1.311,68 m. na rua Barão de Melgaço, no bairro do Porto e acréscimo de 2.656,93 m na avenida Balneário Dr. Meirelles, atingindo também as ruas Archimedes Pereira Lima e Av das Torres, na região do bairro Tijucal. A construção da Trincheira Mário Andreazza, na intersecção entre a avenida Ciríaco Cândia e Avenida Miguel Sutil, com extensão de 379,35 m, interferirá nos bairros Santa Isabel e Cidade Verde e a ampliação de 1.285,32 m. na rua dos Eucaliptos afetará o bairro Jardim das Palmeiras. Os bairros Guarita I e II, em Várzea Grande, estão na rota das obras de duplicação da estrada da Guarita, que será aumentada em 8.382,54 m. Visualize as obras no infográfico ao lado. Obras afetarão indiretamente vários bairros Falta informação e sobra preocupação a comerciantes A falta de informações claras é um dos problemas apontados pelas entidades dos movimentos sociais. De acordo com a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, em várias cidades-sede há relatos de remoções feitas sem a devida comunicação por meios oficiais. A presidente da Associação dos Moradores do Centro Norte de Cuiabá, Francisca Xavier, que mora no local há 20 anos, diz não saber se sua residência também será alvo de desapropriação e relata a situação dos comerciantes da área central, principalmente da avenida Coronel Duarte (Prainha), que estão tendo prejuízos há um ano, quando a então Agência da Copa do Mundo do Pantanal (Agecopa) anunciou as desapropriações. Segundo ela, dos 25 lojistas da avenida, quatro já fecharam as portas em consequência dos rumores sobre o assunto. “Ficamos na expectativa, mas não temos nada de concreto. O prejuízo foi grande. Quem tem prédio por aqui não consegue mais alugar e há muito tempo que o movimento das lojas caiu”. Segundo informações de lojistas, a avenida já tem 12 imóveis “encalhados”. No caso dos comerciantes, outra preocupação é a perda de clientela e os gastos decorrentes da mudança de endereço, além da necessidade de garantir que o novo ponto de venda seja tão movimentado quanto o atual, explica a comerciante Marilene Pelissari Guimarães, dona da papelaria Coxipó, na esquina da avenida Campo Grande com a Prainha. Ela prevê perdas de R$ 700 mil para cada ano que o estabelecimento permanecer inativo. “Aqui passam seis mil carros por hora. Como vou arrumar outro ponto assim? E os gastos que terei com indenizações para funcionários demitidos, pagamento de aluguel, novo alvará? E tem mais: o meu cliente saberá para onde eu vou?”, questiona ela, que no início dos rumores sobre as desapropriações, chegou a reduzir as compras de materiais, mas com o passar do tempo, mudou de ideia. “Tirei isso da minha cabeça, vou deixar acontecer”. Cobrando providências, os lojistas protocolaram no último dia 30 requerimento de audiência pública sobre o tema na presidência da Assembleia Legislativa (AL). Em sua defesa, a Secopa lembra que realizou duas audiências públicas e tem se reunido frequentemente com moradores para tirar dúvidas. Para o líder comunitário, Chico Leblon, o processo está muito confuso e as pessoas ilhadas. Para ele, a Secopa “fala uma coisa e faz outra”. “Nossa indignação como cuiabanos é porque queremos a Copa. Nas reuniões com a Secopa, as informações não são claramente passadas, fala-se muita coisa boa, mas até agora não vimos nada. Para ele, os moradores podem até endurecer contra as desocupações, mas no final vão acabar aceitando. Porém, o Governo precisa ser mais firme na tomada de decisões para evitar casos como o dos moradores retirados da beira do córrego do Barbado, no bairro Planalto no ano passado, muitas das quais estão voltando às residências por não terem para onde ir. A reportagem tentou entrar em contato com a presidente da Associação dos Locatários da Prainha, Dilma Gaião, mas o telefone fornecido para contato estava na caixa de mensagens. Na avenida da Prainha, quatro lojas já fecharam as portas depois dos rumores sobre as desapropriações Líder comunitário Chico Leblon é um dos que reclamam da falta de informações Famílias desesperadas buscam alguma explicação na Secopa Doze famílias da rua 8 de abril, no bairro Verdão, levaram um susto ao receber, no último dia 6, mandados de despejo assinados pelo juiz Márcio Guedes, do Tribunal de Justiça. A área onde se localizam as casas pertence ao Estado, o que lhe dá direito a realizar reintegração de posse. No local, será construída uma tubulação da Arena Pantanal. Uma das moradoras, Maria de Fátima Bielque, reclama que não houve qualquer comunicado formal da Secretaria Extraordinária da Copa (Secopa) aos moradores, que foram pegos de surpresa. “O juiz que fez isso não é um ser humano, mais de 20 pessoas não sabem para onde vão. O mandado de despejo diz que não temos direito a nada, não acho justo que seja dada mais importância para a Copa do que para as pessoas”, diz ela. Por conta disso, um grupo foi até a Secopa no mesmo dia para tentar uma reunião com o secretário-adjunto de Desapropriações da Secopa, Djalma Sabo Mendes, que tentou tranquilizar os ânimos, informando que na última quarta (8) daria uma resposta sobre a destinação dos moradores. Caso não houvesse solução para o caso, os moradores prometeram acampar em frente à Secopa até uma solução. A assessoria do órgão informou que não há certeza de que os moradores ganharão novos imóveis do Governo. A iniciativa de doar casas a estes moradores está sendo analisada pela Secopa como um possível incentivo à grilagem de terras, já que a área é uma ocupação. Os moradores do local poderão retirar equipamentos como portas e janelas. Segundo a assessoria do órgão, os moradores foram informados de que seriam removidos com antecedência, e já receberam atendimento por parte da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas) e que não será feito uso de força na retirada das famílias. Moradores da rua 8 de Abril, ao lado da obra da Arena Pantanal, reclamam que não teriam sido avisados sobre despejo desobedece à Resolução nº 13/2010 do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que determina a efetiva participação das comunidades nos processos de planejamento e implementação das obras. Se não forem tomados os cuidados necessários, o legado deixado pelas obras pode ser a destruição de comunidades tradicionais, a degradação ambiental e a piora das desigualdades urbanas. Na grande Cuiabá, as principais desapropriações serão decorrentes das obras de mobilidade urbana. Ainda não se sabe o total de famílias atingidas, mas apenas no bairro Castelo Branco, um dos que serão mais cortados pela avenida Parque do Barbado, 289 casas serão desapropriadas. No bairro Bela Vista, na região do CPA, que será afetado pela mesma obra, 93 casas serão derrubadas. Vencedor da licitação para a elaboração dos laudos de desapropriação, o consórcio Diefra/Cappe assinará com a Secopa contratos de desapropriações do lote 01, no trecho CPA – Aeroporto valor estimado: R$ 1,014 milhão); lote 02, do Coxipó ao Centro (R$ 1,265 milhão) e lote 03 (R$ 1,456 milhão). As principais desapropriações ocorrerão em alguns dos bairros cortados pelas avenidas Miguel Sutil, da FEB e Gonçalo Antunes de Barros (antiga Jurumirim). Esta última ganhará mais 1.139,78 metros de extensão e pavimentação, obra que pode significar a realocação de famílias da própria Jurumirim e nas ruas Ipiranga, Dr. Ulisses Guimarães, Minas Gerais, Tancredo Neves, C e D. No bairro Três Lagoas, entre as cerca de 20 desapropriações previstas, cinco já foram homologadas e tiveram pagamento autorizado pela Comissão Multidisciplinar criada pela Secopa. A reclamação de algumas lideranças é de que muito pouca informação concreta tem sido repassada pela Secopa sobre onde, como e quando serão feitas as remoções das famílias. Um dos casos de mais destaque é o da construção da Avenida Parque do Barbado, cujo traçado segue da avenida Fernando Corrêa da Costa à Archimedes Pereira Lima (estrada do Moinho) e desta até a avenida Juliano Costa Marques. Segundo a Secopa, a obra não foi licitada e estão ainda em análise os laudos de um estudo socioeconômico dos moradores da região dos bairros Renascer, Pedregal e Castelo Branco, onde serão atingidas cerca de 400 famílias. Metade deste número é de moradores do bairro Castelo Branco, onde fica a maior parte da extensão da Área de Preservação Permanente (APP). A presidente do bairro, Deumaci Freitas, denuncia que interesses na especulação imobiliária norteiam os trabalhos de remoção, pois bairros de população carente como o Bela Vista e Castelo Branco estão localizados em áreas de alto valor imobiliário. Segundo ela, numa quadra do bairro Castelo Branco, famílias que moram em barracos serão removidas. “Esteticamente, para os políticos, o barraco de madeira é feio”. Para ela, a retirada das famílias é motivada unicamente por interesses financeiros e é preconceituosa. Moradora do bairro há 24 anos, ela lembra que a Avenida Parque do Barbado já estava prevista no projeto de regularização fundiária da prefeitura de Cuiabá desde o governo Dante de Oliveira, mas nunca chegou a ser realizada. “Em bairros mais ricos, os moradores são mais respeitados, até a lei muda para atender a eles. O estacionamento do shopping Pantanal não está numa APP? E residencial Bonavita? Que chegou a ser embargado pela Justiça?”, questiona. Há indícios de que a atitude da Secopa contraria a Resolução 369/2006 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que permite a ocupação de APP por comunidades em risco social. A presença da APP é um dos complicadores desta região. No caso de área de preservação, os moradores não serão desapropriados, mas remanejados, o contrário do que acontecerá aos que estiverem em áreas não protegidas. Em ambos os casos, segundo a Secopa, eles serão realocados em novas residências. Porém, ainda não foi informado onde, fato que é uma das principais preocupações dos moradores e das entidades de defesa do direito à moradia, que temem a desagregação das comunidades, a perda de empregos e a dificuldade de acesso a serviços como saúde e educação. Outro complicador, neste caso e no de muitos outros bairros, é o fato de os moradores não possuírem título do terreno, o que os habilita ao recebimento de outro imóvel. A regularização fundiária na capital é uma das questões que vêm com as desapropriações. Segundo a Defensoria Pública de Mato Grosso, cerca de 80% dos bairros de Cuiabá estão irregulares. O órgão chegou a cogitar solicitar ao Governo do Estado a regularização de todos os lotes a serem desapropriados, ideia que foi abandonada por demandar muito tempo a ponto de poder atrasar as obras. Atualmente, o órgão luta pelo correto pagamento das indenizações pelos imóveis. O promotor Carlos Eduardo Silva, do grupo de acompanhamento das obras da Copa na Procuradoria Geral do Estado (PGE), não descarta a ocorrência de especulação imobiliária nas áreas desapropriadas. De acordo com ele, ainda não foi apresentado à Procuradoria o projeto final das remoções, apenas a proposta enviada ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) para o licenciamento. “Está faltando transparência. Deveria haver reuniões periódicas com os moradores para acalmá-los, pois as famílias estão intranquilas. Há interesse em limpar a cidade, tirar as pessoas indesejadas”, comenta. Desapropriações para obras de mobilidade urbana estão em fase inicial, mas os problemas já se avolumam

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CIRCUITOMATOGROSSO

CUIABÁ, 9 A 15 DE FEVEREIRO DE 2012CAPA PG 4www.circuitomt.com.br

CIRCUITOMATOGROSSO

CUIABÁ, 9 A 15 DE FEVEREIRO DE 2012CAPA PG 5 www.circuitomt.com.br

COPA 2014

Ordens de Despejo provocam pânico em CuiabáEntidades dos movimentos sociais e moradores apontam a necessidade de mais diálogo; movimento nacional denuncia a remoção em massa de 170 mil pessoas no Brasil. Em Cuiabá já

são 12 famílias notificadas. Por Neusa Baptista. Fotos: Mary Juruna

Nas 12 cidades-sededa Copa do Mundo de2014, pelo menos 170 milpessoas serão removidas deforma forçada de suasresidências devido às obraspreparatórias para oMundial. Os dados são deum dossiê publicado nofinal do ano passado pelaArticulação Nacional dosComitês Populares da Copae das Olimpíadas emostram alguns dos motivospelo quais representantesdos movimentos sociaiscontinuam “batendo natecla” da necessidade degarantir a segurança demoradia daqueles queresidem na rota das novasruas, avenidas e trincheiras.Em Cuiabá, asdesapropriações para asprincipais obras demobilidade urbana estão nafase inicial e já causampolêmica. As notificações dedesapropriação começarampelo Bairro Três Lagoas, naregião do CPA, onde estãosendo negociadas asindenizações para cincofamílias.

Todavia, observando asituação das demaiscidades-sede, nota-se que apreocupação das entidadesnão é exagerada. Um dosargumentos principais é deque a metodologia utilizadapelos Estados para asdesapropriações

Bairros afetados indiretamenteNo bairro Coophema,

entre as avenidas JornalistaAlves de Oliveira e 31 demarço, será executadaparte da obra dealargamento das rodoviasBR 070, 163 e 364;Aclimação, Bela Vista, SãoRoque e São Carlos estãona rota da obra de 3.200metros de prolongamentoda Avenida VereadorJuliano Costa Marques. Naregião haverá aindaalargamento mais de milmetros da rua B eduplicação da avenidaSenegal, entre as avenidasdo CPA e Juliano CostaMarques. Alargamento dosistema viário do 9º BEC,nas ruas da mangueira eCarmindo de Campos(encontro entre a FernandoCorrêa e a rua daMangueira), no bairroShangri-lá, com extensãode 813,94 m.

Haverá também obrasde obras de ampliação demais 1.311,68 m. na ruaBarão de Melgaço, nobairro do Porto e acréscimode 2.656,93 m na avenidaBalneário Dr. Meirelles,

atingindo também as ruasArchimedes Pereira Lima eAv das Torres, na região dobairro Tijucal.

A construção daTrincheira Mário Andreazza,na intersecção entre aavenida Ciríaco Cândia eAvenida Miguel Sutil, comextensão de 379,35 m,interferirá nos bairros SantaIsabel e Cidade Verde e a

ampliação de 1.285,32 m.na rua dos Eucaliptosafetará o bairro Jardim dasPalmeiras. Os bairrosGuarita I e II, em VárzeaGrande, estão na rota dasobras de duplicação daestrada da Guarita, queserá aumentada em8.382,54 m.

Visualize as obras noinfográfico ao lado.

Obras afetarão indiretamente vários bairros

Falta informação e sobrapreocupação a comerciantes

A falta de informaçõesclaras é um dos problemasapontados pelas entidadesdos movimentos sociais. Deacordo com a ArticulaçãoNacional dos ComitêsPopulares da Copa e dasOlimpíadas, em váriascidades-sede há relatos deremoções feitas sem a devidacomunicação por meiosoficiais. A presidente daAssociação dos Moradoresdo Centro Norte de Cuiabá,Francisca Xavier, que morano local há 20 anos, diz nãosaber se sua residênciatambém será alvo dedesapropriação e relata asituação dos comerciantes daárea central, principalmenteda avenida Coronel Duarte(Prainha), que estão tendoprejuízos há um ano, quandoa então Agência da Copa doMundo do Pantanal(Agecopa) anunciou asdesapropriações. Segundoela, dos 25 lojistas daavenida, quatro já fecharamas portas em consequênciados rumores sobre o assunto.“Ficamos na expectativa, masnão temos nada de concreto.O prejuízo foi grande. Quemtem prédio por aqui nãoconsegue mais alugar e hámuito tempo que omovimento das lojas caiu”.Segundo informações delojistas, a avenida já tem 12imóveis “encalhados”.

No caso doscomerciantes, outrapreocupação é a perda declientela e os gastosdecorrentes da mudança deendereço, além da

necessidade de garantir queo novo ponto de venda sejatão movimentado quanto oatual, explica a comercianteMarilene Pelissari Guimarães,dona da papelaria Coxipó,na esquina da avenidaCampo Grande com aPrainha. Ela prevê perdas deR$ 700 mil para cada anoque o estabelecimentopermanecer inativo. “Aquipassam seis mil carros porhora. Como vou arrumaroutro ponto assim? E osgastos que terei comindenizações parafuncionários demitidos,pagamento de aluguel, novoalvará? E tem mais: o meucliente saberá para onde euvou?”, questiona ela, que noinício dos rumores sobre asdesapropriações, chegou areduzir as compras demateriais, mas com o passardo tempo, mudou de ideia.

“Tirei isso da minha cabeça,vou deixar acontecer”.

Cobrando providências,os lojistas protocolaram noúltimo dia 30 requerimentode audiência pública sobre otema na presidência daAssembleia Legislativa (AL).Em sua defesa, a Secopalembra que realizou duasaudiências públicas e tem sereunido frequentemente commoradores para tirar dúvidas.

Para o líder comunitário,Chico Leblon, o processo estámuito confuso e as pessoasilhadas. Para ele, a Secopa“fala uma coisa e faz outra”.“Nossa indignação comocuiabanos é porquequeremos a Copa. Nasreuniões com a Secopa, asinformações não sãoclaramente passadas, fala-semuita coisa boa, mas atéagora não vimos nada. Paraele, os moradores podem atéendurecer contra asdesocupações, mas no finalvão acabar aceitando.Porém, o Governo precisa sermais firme na tomada dedecisões para evitar casoscomo o dos moradoresretirados da beira do córregodo Barbado, no bairroPlanalto no ano passado,muitas das quais estãovoltando às residências pornão terem para onde ir.

A reportagem tentouentrar em contato com apresidente da Associação dosLocatários da Prainha, DilmaGaião, mas o telefonefornecido para contato estavana caixa de mensagens.

Na avenida da Prainha, quatro lojas já fecharam as portasdepois dos rumores sobre as desapropriações

Líder comunitário Chico Leblon é um dos quereclamam da falta de informações

Famílias desesperadas buscamalguma explicação na Secopa

Doze famílias da rua8 de abril, no bairroVerdão, levaram um sustoao receber, no último dia6, mandados de despejoassinados pelo juiz MárcioGuedes, do Tribunal deJustiça. A área onde selocalizam as casaspertence ao Estado, o quelhe dá direito a realizarreintegração de posse. Nolocal, será construída umatubulação da ArenaPantanal.

Uma das moradoras,Maria de Fátima Bielque,reclama que não houvequalquer comunicadoformal da SecretariaExtraordinária da Copa(Secopa) aos moradores,que foram pegos desurpresa. “O juiz que fezisso não é um ser humano,mais de 20 pessoas não

sabem para onde vão. Omandado de despejo dizque não temos direito anada, não acho justo queseja dada maisimportância para a Copado que para as pessoas”,diz ela. Por conta disso, umgrupo foi até a Secopa nomesmo dia para tentaruma reunião com osecretário-adjunto deDesapropriações daSecopa, Djalma SaboMendes, que tentoutranquilizar os ânimos,informando que na últimaquarta (8) daria umaresposta sobre adestinação dos moradores.Caso não houvessesolução para o caso, osmoradores prometeramacampar em frente àSecopa até uma solução.

A assessoria do órgão

informou que não hácerteza de que osmoradores ganharãonovos imóveis do Governo.A iniciativa de doar casasa estes moradores estásendo analisada pelaSecopa como um possívelincentivo à grilagem deterras, já que a área é umaocupação. Os moradoresdo local poderão retirarequipamentos como portase janelas.

Segundo a assessoriado órgão, os moradoresforam informados de queseriam removidos comantecedência, e járeceberam atendimentopor parte da Secretaria deEstado de Trabalho eAssistência Social (Setas) eque não será feito uso deforça na retirada dasfamílias.

Moradores da rua 8 de Abril, ao lado da obra da Arena Pantanal,reclamam que não teriam sido avisados sobre despejo

desobedece à Resolução nº13/2010 do Conselho deDireitos Humanos daOrganização das NaçõesUnidas (ONU) quedetermina a efetivaparticipação dascomunidades nos processosde planejamento eimplementação das obras.Se não forem tomados oscuidados necessários, olegado deixado pelas obraspode ser a destruição decomunidades tradicionais, adegradação ambiental e apiora das desigualdadesurbanas.

Na grande Cuiabá, asprincipais desapropriaçõesserão decorrentes das obrasde mobilidade urbana.Ainda não se sabe o totalde famílias atingidas, masapenas no bairro CasteloBranco, um dos que serãomais cortados pela avenidaParque do Barbado, 289casas serão desapropriadas.No bairro Bela Vista, naregião do CPA, que seráafetado pela mesma obra,93 casas serão derrubadas.

Vencedor da licitaçãopara a elaboração doslaudos de desapropriação,o consórcio Diefra/Cappeassinará com a Secopacontratos dedesapropriações do lote 01,no trecho CPA – Aeroportovalor estimado: R$ 1,014milhão); lote 02, do Coxipó

ao Centro (R$ 1,265milhão) e lote 03 (R$ 1,456milhão).

As principaisdesapropriações ocorrerãoem alguns dos bairroscortados pelas avenidasMiguel Sutil, da FEB eGonçalo Antunes de Barros(antiga Jurumirim). Estaúltima ganhará mais1.139,78 metros deextensão e pavimentação,obra que pode significar arealocação de famílias daprópria Jurumirim e nas ruasIpiranga, Dr. UlissesGuimarães, Minas Gerais,Tancredo Neves, C e D. Nobairro Três Lagoas, entre ascerca de 20desapropriações previstas,cinco já foramhomologadas e tiverampagamento autorizado pelaComissão Multidisciplinarcriada pela Secopa.

A reclamação dealgumas lideranças é deque muito poucainformação concreta temsido repassada pela Secopasobre onde, como e quandoserão feitas as remoçõesdas famílias. Um dos casosde mais destaque é o daconstrução da AvenidaParque do Barbado, cujotraçado segue da avenidaFernando Corrêa da Costaà Archimedes Pereira Lima(estrada do Moinho) e destaaté a avenida Juliano Costa

Marques. Segundo aSecopa, a obra não foilicitada e estão ainda em

análise os laudos de umestudo socioeconômico dosmoradores da região dos

bairros Renascer, Pedregal eCastelo Branco, onde serãoatingidas cerca de 400

famílias. Metade destenúmero é de moradores dobairro Castelo Branco, ondefica a maior parte daextensão da Área dePreservação Permanente(APP). A presidente dobairro, Deumaci Freitas,denuncia que interesses naespeculação imobiliárianorteiam os trabalhos deremoção, pois bairros depopulação carente como oBela Vista e Castelo Brancoestão localizados em áreasde alto valor imobiliário.Segundo ela, numa quadrado bairro Castelo Branco,famílias que moram embarracos serão removidas.“Esteticamente, para ospolíticos, o barraco demadeira é feio”. Para ela, aretirada das famílias émotivada unicamente porinteresses financeiros e épreconceituosa.

Moradora do bairro há24 anos, ela lembra que aAvenida Parque do Barbadojá estava prevista no projetode regularização fundiáriada prefeitura de Cuiabádesde o governo Dante deOliveira, mas nunca chegoua ser realizada. “Em bairrosmais ricos, os moradoressão mais respeitados, até alei muda para atender aeles. O estacionamento doshopping Pantanal não estánuma APP? E residencialBonavita? Que chegou a ser

embargado pela Justiça?”,questiona.

Há indícios de que aatitude da Secopa contrariaa Resolução 369/2006 doConselho Nacional de MeioAmbiente (Conama), quepermite a ocupação de APPpor comunidades em riscosocial.

A presença da APP éum dos complicadores destaregião. No caso de área depreservação, os moradoresnão serão desapropriados,mas remanejados, ocontrário do que aconteceráaos que estiverem em áreasnão protegidas. Em ambosos casos, segundo aSecopa, eles serãorealocados em novasresidências. Porém, aindanão foi informado onde,fato que é uma dasprincipais preocupações dosmoradores e das entidadesde defesa do direito àmoradia, que temem adesagregação dascomunidades, a perda deempregos e a dificuldadede acesso a serviços comosaúde e educação. Outrocomplicador, neste caso eno de muitos outros bairros,é o fato de os moradoresnão possuírem título doterreno, o que os habilita aorecebimento de outroimóvel. A regularizaçãofundiária na capital é umadas questões que vêm com

as desapropriações.Segundo a DefensoriaPública de Mato Grosso,cerca de 80% dos bairros deCuiabá estão irregulares. Oórgão chegou a cogitarsolicitar ao Governo doEstado a regularização detodos os lotes a seremdesapropriados, ideia quefoi abandonada pordemandar muito tempo aponto de poder atrasar asobras. Atualmente, o órgãoluta pelo correto pagamentodas indenizações pelosimóveis.

O promotor CarlosEduardo Silva, do grupo deacompanhamento dasobras da Copa naProcuradoria Geral doEstado (PGE), não descartaa ocorrência deespeculação imobiliária nasáreas desapropriadas. Deacordo com ele, ainda nãofoi apresentado àProcuradoria o projeto finaldas remoções, apenas aproposta enviada aoConselho Estadual de MeioAmbiente (Consema) para olicenciamento. “Estáfaltando transparência.Deveria haver reuniõesperiódicas com osmoradores para acalmá-los,pois as famílias estãointranquilas. Há interesse emlimpar a cidade, tirar aspessoas indesejadas”,comenta.

Desapropriações para obras de mobilidade urbanaestão em fase inicial, mas os problemas já se avolumam