conversas na antessala da academia: o presente, a oralidade e a história pública digital

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DOSSIÊ Conversas na antessala da academia: o presente, a oralidade e a história pública digital Anita Lucchesi* Dizer que a “tecnologia está em toda parte” se tornou lugar-comum. Com muitos problemas, aliás, por ignorar as desigualdades sociais que ainda excluem desse “todo” uma enorme parcela da população global. Mesmo assim, a situação entre os não excluídos é tal que teóricos afirmam que vive- mos em uma sociedade em rede, uma sociedade da informação, mediada pelas novas tecnologias de informação e comunicação (Castells, 2005). Em busca da crítica do ofício de historiador em dialética com as condi- ções de produção histórica que nos cercam, tenho percebido que as formas de tratamento e elaboração do passado (Guimarães, 2007, p. 39) estão, no tempo presente, perpassadas pela tecnologia – bem mais do que já estiveram antes. Diante disso, para a feitura deste artigo, tomo a tecnologia como interface que permite aproximar a história oral da história do tempo presente, bem como da história pública (Almeida; Rovai, 2011) e da história digital (Lucchesi, 2014). Partindo do pressuposto de que, no tempo presente, muitos de nós já não realizam mais seu trabalho sem a mediação das tecnologias informáticas, de comunicação e informação, pretendo aqui pensar, qualitativamente, as con- dições de produção e compartilhamento do conhecimento histórico à luz de algumas mudanças trazidas pelo desenvolvimento tecnológico. Nessa direção, * Mestre em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação e licenciatura plena em História pela mesma universidade (2012). É pesquisadora do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET) e da Rede Brasileira de História Pública.

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Este artigo explora a relação entre a história oral e a história do tempo presente, em diálogo com os recentes debates em torno da história pública e da história digital. A necessidade dessa reflexão nasce da crescente publicação de testemunhos orais na web e da demanda por crítica que esse fenômeno apresenta à comunidade historiadora. A disponibilização de memórias em rede constitui-se em um problema específico do nosso presente, que diversos autores têm chamado de “era digital” devido ao papel desempenhado pelas tecnologias de informação e comunicação hoje. Interessa ponderar sobre como a abordagem da história do tempo presente e a metodologia da história oral podem compor um instrumento de análise para as tensões entre memória e consciência histórica que se apresentam no espaço público da internet. Por fim, importa observar como o exercício dessa análise pode contribuir para qualificar as discussões atuais sobre a história pública e digital no espaço acadêmico brasileiro.

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  • DOSSI

    Conversas na antessala da academia: o presente, a oralidade e a

    histria pblica digital

    Anita Lucchesi*

    Dizer que a tecnologia est em toda parte se tornou lugar-comum. Com muitos problemas, alis, por ignorar as desigualdades sociais que ainda excluem desse todo uma enorme parcela da populao global. Mesmo assim, a situao entre os no excludos tal que tericos afirmam que vive-mos em uma sociedade em rede, uma sociedade da informao, mediada pelas novas tecnologias de informao e comunicao (Castells, 2005).

    Em busca da crtica do ofcio de historiador em dialtica com as condi-es de produo histrica que nos cercam, tenho percebido que as formas de tratamento e elaborao do passado (Guimares, 2007, p. 39) esto, no tempo presente, perpassadas pela tecnologia bem mais do que j estiveram antes.

    Diante disso, para a feitura deste artigo, tomo a tecnologia como interface que permite aproximar a histria oral da histria do tempo presente, bem como da histria pblica (Almeida; Rovai, 2011) e da histria digital (Lucchesi, 2014). Partindo do pressuposto de que, no tempo presente, muitos de ns j no realizam mais seu trabalho sem a mediao das tecnologias informticas, de comunicao e informao, pretendo aqui pensar, qualitativamente, as con-dies de produo e compartilhamento do conhecimento histrico luz de algumas mudanas trazidas pelo desenvolvimento tecnolgico. Nessa direo,

    * Mestre em Histria Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduao e licenciatura plena em Histria pela mesma universidade (2012). pesquisadora do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET) e da Rede Brasileira de Histria Pblica.

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    haveria uma mirade de questes a serem exploradas, mas especificamente para este dossi Histria oral e histria do tempo presente , elegi como problema a crescente midiatizao de testemunhos orais na web.

    Para que se compreenda melhor o alcance desse fenmeno, convm indicar alguns exemplos de veiculao de testemunhos orais na internet. A seguir destaco trs projetos, diferentes nas motivaes e na organizao, mas convergentes na proposta de reunio de memrias e publicao na rede.

    O primeiro deles o Memoro: la banca della memoria,1 um projeto internacional, sem fins lucrativos, concebido em 2007 e lanado em junho de 2008 por iniciativa de alguns jovens de Turim (Itlia), com o objetivo princi-pal de salvar e veicular na rede histrias de vida de pessoas nascidas antes de 1950. Vale observar que a justificativa do projeto remete tradio oral e contao de histrias no seio familiar, destacando a figura dos ancios como provedores especiais desses relatos:

    Muitos de ns provavelmente se lembram com prazer de si mesmos quando crianas, aninhados sobre as pernas de um av, absortos, atentos para no perder uma palavra das histrias que eram contadas. Essas, com o passar dos anos, eram compreendidas e lembradas como experincias de vida ver-dadeira, vivida. Eram contadas para ensinar aquilo que a experincia tinha levado a apren-der, para servir de exemplo ou para manter a memria das vidas vividas segundos as usanas e os valores de outra poca. (Il progetto, s.d.; traduo livre, grifos no original).2

    Endossando certo saudosismo em relao ao tempo em que era pos-svel descobrir um mundo extremamente fascinante por meio das hist-rias contadas pelos mais velhos, o site convida os usurios, com forte apelo aos jovens, a serem caadores/pesquisadores de memria (no site italiano cercatori di memria; no ingls, memory hunters). Desse modo, alm dos contedos publicados pela prpria redao do projeto, existe tambm uma

    1 Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014.2 No original: Molti di noi probabilmente ricordano con piacere se stessi da bambini, accoccolati sulle gambe

    di un nonno, assorti, attenti a non perdere una parola delle storie che ci venivano raccontate. Queste, col passare degli anni, vengono comprese e ricordate come esperienze di vita vera, vissuta. Venivano raccontate per insegnare quello che lesperienza aveva portato ad imparare, perch fossero di esempio o per mantenere la memoria di vite vissute secondo usanze e valori di unaltra epoca.

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    grande quantidade de testemunhos carregados no site espontaneamente por esses colaboradores.

    No Memoro, os registros so em formato de udio ou vdeo e a divulga-o na internet gratuita. Qualquer pessoa pode ser um caador de mem-ria do projeto, basta ter acesso a um gravador, um celular ou uma mquina fotogrfica, anuncia a pgina. Uma vez registrados, os relatos podem ser facilmente carregados no site, na pgina do usurio, na qual ele se torna uma espcie de curador dos seus prprios percursos: possvel criar colees de testemunhos organizados por temas de livre escolha, alm de inserir fotogra-fias complementares; a qualquer momento contedos podem ser adiciona-dos, apagados ou modificados, bem ao tom da dinamicidade que caracteriza a Web 2.0.

    O modus operandi do projeto, que se autodesigna o banco da memria, segue a lgica das redes sociais e dos sites de compartilhamento de contedo na internet, baseado na facilidade de acesso e compartilhabilidade de infor-maes da rede mundial de computadores. Em cinco anos de existncia, a iniciativa fez parcerias, conquistou pblico e se espalhou por diversos pases alm da Itlia: Espanha, Alemanha, Frana, Reino Unido, Blgica, Finlndia, Polnia, Japo, Camares, Estados Unidos, Porto Rico, Venezuela, Chile e Argentina.3 Tomando por base suas estatsticas at junho de 2013, o projeto alcanou globalmente 2.547 testemunhos, totalizando 79 anos, 10 meses, 15 dias, 22 horas e 46 minutos de memrias transferidas; s de vdeos on-line contavam-se 630 horas. A visitao ao site poca era de aproximadamente 37,5 visitantes/hora; desde 2008, somaram-se 11.859.246 visualizaes de pgina.4

    Tais nmeros fazem pensar ao paradoxo discutido por Harald Weinrich em Lete (2001): armazenado, quer dizer, esquecido, enunciado provocador para pensarmos a sociedade superinformada de nosso tempo presente e os desafios para a memria que o suporte digital suscita. Entretanto, em relao ao Memoro, relevante destacar que as memrias no esto simplesmente armazenadas, mas so organizadas por meio de palavras-chave que podem

    3 Entre os parceiros, destaca-se a presena do Tibet Oral History Project, uma coletnea de entrevistas com idosos tibetanos exilados aps a invaso chinesa, que tambm divulga seu acervo atravs do Memoro (The Tibet Oral History Project, s.d.). Ademais, vale notar que cada pas na rede do Memoro tem uma verso prpria do website na lngua local e, em alguns casos, com parcerias locais, como a empresa Eataly, que exibe entrevistas sobre os pratos tpicos de cada regio da Itlia (Le eccellenze italiane, s.d.).

    4 Para mais informaes estatsticas, conferir a aba Infographic do website do Memoro (Infographic, s.d.).

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    auxiliar na busca e filtragem de contedos, o que facilita a navegao pelo enorme banco de dados. possvel, por exemplo, digitando na barra de busca a expresso 25 aprile, localizar uma srie de depoimentos relacionados ao Giorno ou Festa della Liberazione (Dia ou Festa da Libertao), evento que marca o fim da Segunda Guerra para os italianos, aniversrio do fim da ocu-pao alem nazista na Itlia, festejado desde 25 de abril de 1945. Ou ainda, buscando por alluvione (enchente), pode-se assistir aos testemunhos daque-les que viveram a grande inundao de 1966, que causou enormes danos a Florena e adjacncias.

    O Memoro ganhou a simpatia do pblico e menes na imprensa. O alemo Spiegel Online resume o trabalho dos fundadores do projeto Valen-tina Vaio, Luca Novarino, Lorenzo Fenoglio e Franco Nicola simplesmente como filmar as histrias e coloc-las em clipes na web (Meusers, 2008; tra-duo livre);5 o italiano La Repubblica destaca o espao ocupado pelas pes-soas comuns na iniciativa:

    As recordaes, as histrias, os dramas, os sonhos de pessoas que no tm outro ttulo para poder contar sobre si seno aquele de ter vivido, de ter atravessado horas, dias, meses, anos de vida. Vida muitas vezes condicio-nada pela grande histria: aquela que faz as guerras, as batalhas, as doenas, as injustias. (Veltroni, 2008; traduo livre).6

    J o francs Le Monde chega a comparar o projeto com uma Wikipdia de memria, mas distingue sutilmente memria de histria, imputando aos historiadores um importante papel: uma sorte de Wikipdia de mem-rias. Caber aos historiadores validar os fatos, prioriz-los e interpret-los (Ridet, 2009; traduo livre).7

    5 No original: filmen die Geschichten und stellen die Clips ins Web. O trecho foi extrado da matria Web--Tipp: Die italienische Bank der Erinnerungen (Web-dica: o banco italiano de memrias).

    6 No original: I ricordi, le storie, i drammi, i sogni di persone che non hanno altro titolo per raccontare di loro se non quello di aver vissuto, di aver attraversato ore, giorni, mesi, anni della vita. Vita spesso condizionata dalla grande storia: quella che fa le guerre, le battaglie, le malattie, le ingiustizie. O trecho foi extrado da matria LItalia sta cancellando la memoria ma combatteremo il pensiero nico (A Itlia est apagando a memria, mas combateremos o pensamento nico).

    7 No original: Cest une sorte de Wikipdia du souvenir. Il appartiendra ensuite aux historiens de valider les faits, de les hirarchiser et de les interprter. O trecho foi extrado da matria La nostalgie en ligne fait recette (A nostalgia on-line faz sucesso).

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    Dessa maneira, a experincia do Memoro abre diversas janelas para que reflitamos sobre o papel das tecnologias no compartilhamento de infor-maes, bem como sobre o potencial desse banco de memrias para tornar--se, por meio da metodologia da histria oral, um repositrio de fontes para a histria do tempo presente.

    Na mesma direo, outro projeto que gostaria de introduzir o Herstories,8 um arquivo on-line de histrias de vida de diversas mes do Sri Lanka que contm relatos filmados, galerias de fotos acompanhadas de pequenos textos, cartas e outros tipos de narrativas, identificadas como visual story telling (contao de histrias visual), como a representao grfica da rvore da vida.9 Diferentemente do Memoro, no caso do Herstories houve a pr-seleo de um grupo especfico a ser ouvido, de significativa importncia para a histria do tempo presente no Sri Lanka do ps-guerra civil. A inicia-tiva patrocinada pela Commonwealth Foundation10 e pelo Prince Claus Fund.11

    O site do projeto uma coleo de relatos de mulheres que tiveram suas vidas marcadas pela experincia da guerra civil da jovem repblica do Sri Lanka, que se estendeu de 1983 a 2009. O conflito armado foi alimentado, principalmente, pela oposio entre o governo e os Tigres da Libertao do Tamil Eelam (ou simplesmente Tigres do Tamil), que encabeavam uma campanha separatista para a criao de um Estado Tamil no nordeste da ilha.

    Entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013, o projeto coletou cerca de 270 histrias orais (textualmente oral histories no website) que no s se refe-rem ao passado das entrevistadas (suas experincias), mas se detm tambm no seu status presente, e ainda inovam na apresentao de suas esperanas. Essa perspectiva de delinear no seio do projeto um espao para o desabafo das entrevistadas sobre suas expectativas para o futuro difere da proposta do Memoro e de diversos trabalhos com testemunhos sobre o passado, pois per-mite, por meio da identificao dos desejos e anseios dessas mulheres, pensar suas condies como sujeitos hoje, suas carncias e suas denunciadas lacunas.

    importante ressaltar a especificidade desse grupo de testemunhas, sobretudo considerando-se que, mesmo aps o fim da guerra que deixou

    8 Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014. 9 Ver, por exemplo, Tree of Life Mullaitivu (s.d.).10 Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014.11 Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014.

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    89 mil vivas e fez de 40 mil mulheres chefes de famlia , o patriarcalismo persiste na sociedade do Sri Lanka. Merecem meno, tambm, as milhares de combatentes que lutaram com os Tigres do Tamil e, especialmente no norte e no leste da ilha, ainda sofrem com a estigmatizao, o preconceito, a perseguio e a violao de seus direitos em diversos aspectos.12

    Ao surfar pelo arquivo do Herstories encontrei relatos sobre recru-tamentos forados, bombardeios, morte de crianas e adultos, casamentos arranjados, humilhao perante os exrcitos, famlias despedaadas, falta de comida e de roupa, inmeros deslocamentos forados, destruio de peque-nas riquezas, perda de pessoas queridas, inflaes extraordinrias, pessoas enlouquecendo por conta dos horrores da guerra, a luta para continuar a educao das crianas e uma srie de outras histrias delas.

    Todas essas histrias, de alguma maneira, apresentam uma viso sobre o gnero feminino no Sri Lanka contemporneo, mas vo alm, trazendo tambm aspectos da cultura, da economia e da poltica no cotidiano dessas pessoas que poderiam ser ignorados por abordagens mais gerais ou quantita-tivas. No Herstories no o nmero de mortos, de mulheres desempregadas ou de crianas fora da escola que importa, mas como so contadas as histrias a respeito deles, com espao para a expresso de sentimentos e emoes, com licena e at certo incentivo para a apresentao de angstias com relao ao amanh. Uma das funes sociais do projeto, alis, parece ser adivinhada por uma de suas personagens, quando declara: Ns podemos escrever um livro sobre as experincias de nossas vidas. Pelo menos nossas futuras geraes devem viver em paz (Timelines..., s.d.; traduo livre).13

    Perguntada em entrevista sobre o porqu de o projeto trazer exclusiva-mente a perspectiva das mulheres do Sri Lanka (sem distino entre cingalesas e tmeis), Radhika Hettiarachchi, idealizadora e curadora do arquivo Hersto-ries, argumenta que uma das razes para essa escolha reside no fato de a his-tria, quase sempre, trazer o ponto de vista masculino, a viso deles. Diante dessa ausncia dos pontos de vista femininos, o projeto teria decidido ouvir especialmente as mes, por acreditar que a experincia da maternidade e o

    12 As informaes so do relatrio Living with insecurity: marginalization and sexual violence against women in north and east Sri Lanka, da organizao Minority Rights Group International, que alm de dados oficiais, apresenta relatos de mulheres que enfrentam, ainda hoje, as mazelas do ps-guerra no pas (Minority women in Sri Lanka..., 2013).

    13 Na transcrio em ingls: We can write a book on our lifes experience. At least our future generation should live in peace. Trecho retirado da timeline 1 (Experiences of the war), mulher 3, de Kilinochchi.

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    lao particular que cria com a famlia e a comunidade ofereceriam nos relatos dessas mulheres uma espcie de viso composta de um conjunto de fatores daquela sociedade, que incluiria s as suas experincias pessoais, mas tam-bm as relacionadas aos filhos, famlia, aos vizinhos, bem como seus sonhos e esperanas para o futuro das crianas (Archiving Her Stories..., 2013).14 Questionada ainda sobre a relevncia de arquivar e divulgar tais relatos para um grande pblico, Hettiarachchi defende que eles mostram a diversidade de experincias dessas diferentes pessoas, cujas subjetividades nem sempre so contempladas em livros de histria, mesmo didticos.

    Considero significativa a vocao documental do projeto, que, alm de apresentar o contedo on-line, informa que os originais sero apresentados aos Arquivos Nacionais do Sri Lanka, com o intuito de que fiquem para a posteridade.15 Alm disso, deve-se destacar que o projeto, almejando ampliar sua audincia, tambm realiza exposies fsicas com parte de seu acervo. Em 2013 o Herstories passou por Ampara, Colombo e Galle, no Sri Lanka, e em maro de 2014 a exposio estreou em solo europeu, na The Strand Gallery, em Londres, onde foi chamada de art exhibition of oral history, uma expo-sio artstica de histria oral, que apresentava linhas do tempo coletivas e mapas de memria escritos pelas mulheres participantes do projeto, bem como ensaios fotogrficos e vdeos curtos.

    No Brasil tambm verificamos a presena na web de um arquivo seme-lhante em alguns aspectos ao Memoro e ao Herstories, o Museu da Pessoa.16 Trata-se de um museu virtual e colaborativo basicamente dedicado a hist-rias de vida que, como os outros dois, organiza-se sobretudo em torno da oralidade, reunindo testemunhos pessoais em formato audiovisual. H tes-temunhos de personalidades conhecidas no Brasil (como Laerte Coutinho e Ziraldo), mas tambm de pessoas annimas. O projeto tem patrocnio das iniciativas privada e pblica.

    A fundao do museu esteve associada experincia de sua idealiza-dora, a historiadora Karen Worcman, em projetos de memria e histria oral no perodo de 1984 a 1990, quando ainda estava na graduao. Basea do na crena de que cada narrativa singular e resulta, em grande parte, da

    14 A entrevista est disponvel em vdeo na matria publicada pelo site Groundviews: Journalism for Citizens.15 Ver seo The project do website (Herstories of resilience and hope, s.d.). 16 Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014.

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    perspectiva de cada um (1991-1996, s.d.), o Museu da Pessoa, antes de ganhar a internet em 1996, iniciou a montagem de um grande arquivo, cons-titudo de entrevistas gravadas em estdio e de vdeos captados em cabines mveis. Em 1991, durante a exposio Memria & migrao, sobre a imi-grao judaica (Museu da Imagem e do Som, So Paulo), foi experimentada pela primeira vez a cabine de vdeo, um convite para que as pessoas fossem exposio e contassem suas histrias:

    A ideia soava bastante estranha naquele momento. Os jornalistas pergun-tavam quem iria se interessar pela histria de pessoas annimas... Mas o evento acabou saindo jornal e na TVe, durante os 15 dias da exposio, pessoas faziam fila para vir contar suas histrias!(O Museu da Pessoa, s.d.).

    Hoje o acervo alcana 16 mil histrias de vida em 25 mil horas de gra-vao em vdeo e 72 mil fotos e documentos digitalizados (desenhos, ilustra-es, documentos pessoais, mapas etc.). O museu ambiciona disponibilizar tudo na ntegra em seu portal.

    O mote inspirador do museu a ideia de que todo ser humano, an-nimo ou clebre, tem o direito de eternizar e integrar sua histria memria social. Em uma busca rpida pelo vocbulo ditadura, por exemplo, apare-cem 15 resultados; Copa do Mundo, 11; e eleies, dois.17 Interessante pensar que o fcil acesso a depoimentos sobre ditadura ou eleies, no seria possvel h trinta anos, no apenas pelas limitaes tcnicas, mas tam-bm pela ausncia de liberdade que marcou a experincia no democrtica no Brasil. Importa notar que a emergncia do tema da memria se deu, no Brasil, [como tambm no Cone Sul] em compasso com o processo de rede-mocratizao da sociedade brasileira (Mauad, 2010, p. 142).

    O site permite, assim como no caso do Memoro, que os prprios usurios criem suas colees temticas (anlogas aos percursos do projeto italiano); as histrias isoladas e as colees so interligveis no ciberespao por meio de hipertexto e indexveis por palavras-chave: como ocorre no Memoro, a escrita digital pode ter vrios andares ou nveis de informao (Darnton, 1999).

    17 A seleo dos termos completamente arbitrria, apenas lanamos mo de termos de algum modo rela-cionados ao ano de 2014 no Brasil.

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    O Memoro, porm, um projeto born digital, desenhado para fun-cionar com a base colaborativa dos seus caadores de memria, atribuindo grande valor agncia deles. O Museu da Pessoa, mesmo tendo apresentado uma aspirao para o ambiente de redes ainda em sua fase analgica, surge com um perfil sensivelmente mais ativo do que o Memoro no processo de formatar as entrevistas. Enquanto o italiano d aos usurios autonomia para coletarem depoimentos e/ou registrarem os seus prprios relatos (apenas fazendo ressalvas tcnicas quanto a equipamentos, ambiente e qualidade de gravao), o Museu da Pessoa desenvolveu, em mais de duas dcadas de ativi-dades, uma metodologia prpria de trabalho. A chamada tecnologia social da memria entendida como um instrumento que pode ser usado em larga escala para captao de storytelling, como uma tcnica que pode ser utili-zada em comunidades, grupos, escolas, empresas e aplicvel indistintamente a toda e qualquer pessoa ou parte interessada, instituio, nacional ou inter-nacional (O Museu da Pessoa, s.d.; grifos meus). Em entrevista, Worcman descreve a tecnologia sinteticamente:

    Essa tecnologia inclui trs etapas essenciais que se complementam: cons-truir, organizar e socializar histrias. Comea com cada pessoa contando sua prpria histria. Essa histria se relaciona com outras do seu grupo e compe uma histria coletiva. E esta, por sua vez, faz parte de uma rede mais ampla de histrias dos indivduos e grupos que compem a sociedade atual. (Worcman apud Bandeira, 2011; grifo meu).

    Pelas descries dessa tecnologia social,18 podemos perceber que o museu assume um papel bastante significativo na montagem e curadoria de seu arquivo, cujo carter, justamente por isso distingue-se da espontaneidade que perpassa grande parte dos testemunhos disponibilizados via Memoro. O Museu da Pessoa criou uma metodologia especial para utilizar em diferentes ambientes e aplicar a qualquer sujeito. Na seo do website denominada Conte

    18 Para Jacques de Oliveira Pena e Jos Clailton Mello, uma tecnologia social : Todo processo, mtodo ou instrumento capaz de solucionar algum tipo de problema social e que atenda aos quesitos de simpli-cidade, baixo custo, fcil reaplicabilidade e impacto social comprovado (Pena; Mello apud Museu da Pessoa, 2009, p. 11). Considerando que o projeto adota essa definio objetiva de tecnologia social, nota-se que o museu se prope certa funo social (solucionar um problema), a partir da sua ao direta para a construo de um legado social e cultural para geraes e geraes, como expressa em seu website.

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    sua histria, encontra-se o item Como contar uma histria, no qual se pode per-ceber o esforo do museu em direcionar a realizao dos registros e, portanto, em construir e organizar as histrias por meio de recomendaes prvias:

    Uma boa histria bem diferente de um bom relatrio. Histria bem contada tem clima, tenso, ritmo, revelaes. Tente no contar o fato de um jeito linear, previsvel e sem emoo. Antes de contar a histria, confirme se ela tem comeo, meio e fim. Geralmente, o comeo introduz o assunto; o meio desenvolve a histria; e o final apresenta alguma concluso. Perguntas descritivas e de movimento ajudam a contar uma histria, por exemplo: Como era tal lugar? O que voc fez depois que saiu de casa? No esquea de incluir tags (palavras-chave) relacionadas ao relato. (ex. cartas, infncia, namoro distncia, telegramas etc.).(Apresentao Conte sua histria, s.d.).

    O trecho ajuda a identificar o aspecto prescritivo da curadoria exercida pelo Museu da Pessoa na captao e publicizao dos depoimentos, inclusive com recomendaes sobre de que modo a pessoa deve falar, a sugesto de roteiros mentais para a entrevista e exemplos de palavras-chave. Tal conduta, como j se vinha assinalando, difere do modo como se organiza o banco da memria italiano, talvez justamente por este ltimo no se entender como um museu. J com o Herstories possvel notar algumas semelhanas, como a preocupao em orientar as falas e sugerir modalidades narrativas, mas no caso desse projeto, os parmetros foram preparados pensando exclusivamente naquele grupo de entrevistadas. O Museu da Pessoa, por sua vez, prev a utili-zao sua tecnologia social da memria por qualquer pessoa e/ou entidade.

    Em certa medida, os trs projetos parecem dispostos a enfrentar, de modos distintos, os desafios que Philippe Joutard apontou para a histria oral no sculo XXI: ouvir a voz dos excludos e esquecidos; trazer luz as reali-dades indescritveis, quer dizer, aquelas que a escrita no consegue transmi-tir; testemunhar situaes de extremo abandono ( Joutard, 2000, p. 33). Para Joutard, trata-se de continuar fazendo o que esse campo da histria se propu-nha a fazer em suas primcias, quando ainda no tinha o reconhecimento que tem hoje nos diversos fruns acadmicos. Percebemos esse intento no af dos projetos em caar, resgatar, salvaguardar, compartilhar e legar mem-rias de pessoas comuns. O Museu da Pessoa, por exemplo, chega a mencionar

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    textualmente entre seus resultados que se tornou referncia e fonte indita de contedos sobre Brasis invisveis (O Museu da Pessoa, s.d.; grifo meu).

    necessrio frisar que embora esses projetos colaborem para a formao da conscincia histrica de quem acessa as narrativas publicadas, a memria que est em causa nos seus acervos, no o conhecimento histrico que pode ser produzido a partir deles. No entanto, deve-se observar o potencial das colees e percursos temticos que ensejam a construo de sentidos e de narrativas histricas, tomando testemunhos orais como matriz para se aproximarem mais de trabalhos historiogrficos que operam com metodolo-gias da histria oral e que j podem usufruir do ambiente colaborativo favo-recido pela rede. Acredito que por meio de uma abordagem de histria oral esses modelos de colees/percursos podem constituir interessantes possi-bilidades de divulgao histrica, que se desprendem do tradicional modelo monogrfico e dissertativo (impresso, textual, linear) dominante na produ-o acadmica.19

    Dito isso, deve-se considerar que apesar do potencial de ampla divulga-o dessas memrias na nova esfera pblica da internet, a produo de conhe-cimento no se d pela simples existncia e publicao desses testemunhos, mas por meio de uma necessria prtica historiadora a partir desses teste-munhos, que os compreenda como evidncias para uma histria oral que seja. A peculiaridade da histria do tempo presente em que se inscrevem esses depoimentos , que essa prtica historiadora, como sugere Ana Maria Mauad, confunde-se com a prtica social. Diz a autora:

    Isso porque se redefine o estatuto de objetividade cientfica atravs da pro-duo de uma autoridade compartilhada entre sujeito e objeto do conhe-cimento, por dividirem e vivenciarem a mesma condio de sujeitos da

    19 O canal no YouTube da rede social brasileira Caf Histria iniciou em 2013 um trabalho interessante de divulgao histrica em formato alternativo ao impresso. So realizados bate-papos, entrevistas e debates ao vivo com historiadores sobre diversos temas, dos quais o pblico pode participar de qualquer lugar do mundo, via internet, assistindo e fazendo perguntas; terminado o evento virtual, o vdeo fica dispo-nvel on-line. A ttulo de exemplo, canal organizou com a Associao Nacional de Histria, seo Rio de Janeiro (ANPUH-RJ), o debate Histria digital: ensino, divulgao e pesquisa (Debate..., 2013) do qual participaram Bruno Leal (UFRJ; Caf Histria), Lise Sedrez (UFRJ) e Keila Grinberg (Unirio), com mediao de Flvio Edler (Fiocruz; ANPUH-RJ) , interessante para as questes discutidas neste artigo. O Caf Histria TV tambm publica diversas colunas, como O que histria?, Folhetim do histo-riador e Desembalando livros. Ainda sobre a superao do modelo monogrfico como tipo hegemnico de produto historiogrfico na era digital, ver Rigney (2010).

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    experincia histrica. O que de fato se prope nessa perspectiva de estudo que a prtica historiadora se alie prtica social na produo de um conhe-cimento compartilhado e reconhecido como vlido pelos sujeitos histri-cos. (Mauad, 2010, p. 143).

    O incremento tecnolgico deste novo milnio e a popularizao da internet criaram mais lugares no ciberespao para a produo de auto-ridades compartilhadas, e colateralmente vo se abrindo tambm, ainda que devagar, espaos institucionalizados para isso. Em Digital History, Roy Rosenzweigh e Daniel Cohen (2005) sugerem que a web com sua flexibi-lidade, acessibilidade, hipertextualidade e conectividade atualizou a esfera pblica e criou espao para outras dinmicas no seio da disciplina histrica.

    O processo de assimilao, crtica e apropriao dessas novidades demanda tempo, sobretudo porque traz questes que falam diretamente s bases do mtier do historiador, como a nota, a referncia, a citao e as questes de autoria (Chartier, 2009). Ao mesmo tempo, a virada digital turva as relaes entre autoria e autoridade na rede, e subitamente a acade-mia parece sofrer essas angstias sombra do diletantismo20 um conflito intrinsecamente ligado supremacia do discurso histrico dito verdadeiro ou mais objetivo produzido nas universidades. Bate porta o receio de que nos ambientes de publicao digital (Rolland, 2004) se faa histria sem a parti-cipao de historiadores como mediadores-mor entre o presente e o passado. Mas essa histria sem historiador deve mesmo ser temida?

    Dez anos aps Joutard escrever no calor do X Congresso Internacional de Histria Oral21 sobre os desafios do campo para o sculo XXI, Mauad fez uma importante atualizao acerca das aspiraes da histria oral no tempo presente:

    Nesse registro de histria, importante ressaltar, ningum d voz ao aos que no tm voz, no h resgate de memria, pois o que se produz um novo tipo de conhecimento que supera o passado. Supera, no sentido de suspen-der, elevar a lembrana da experincia emprica vivida pelos seus agentes a

    20 Vale lembrar, com Marieta de Moraes Ferreira, que o prprio desprezo da academia pelos testemu-nhos diretos transformou esse campo dos estudos histricos [histria oral] em monoplio dos histo-riadores amadores (Ferreira, 2000, p. 3).

    21 O X Congresso Internacional de Histria Oral foi realizado pela primeira vez na Amrica do Sul em junho de 1998, na cidade do Rio de Janeiro, e representou um momento importantssimo de dilogo entre a comunidade brasileira e a internacional de histria oral (Ferreira; Fernandes; Alberti, 2000).

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    uma nova forma de relato que a contm, processada e construda luz de uma problemtica de estudo. (Mauad, 2010, p. 144; grifo meu).

    No se trata, portanto, de uma histria oral redentora ou salvadora que vem dar voz aos outrora excludos, mas de uma perspectiva de estudo que considera as experincias contidas nessas histrias de vida objetos legti-mos de anlise. Nesse ponto, permanece atual o que apontara Joutard sobre a concorrncia entre a histria oral militante, radicalmente alternativa e a histria oral acadmica. Para ele, essa era a grande diviso ideolgica e epis-temolgica nos debates de histria oral ( Joutard, 2000, p. 37); e ainda , se considerarmos que persiste a fragmentao entre aquela histria oral feita do ponto de vista dos que esto embaixo e dos excludos e aquela feita pelos acadmicos. Perguntava o autor:

    Haver um dilogo possvel entre empreendimentos diversos e com meto-dologia varivel, ou ser o estatuto oral radicalmente diferente? E entre os militantes de uma histria alternativa e os historiadores acadmicos, que respeitam seus interlocutores, mas buscam um certo distanciamento e a construo de um verdadeiro discurso histrico? Desta diversidade, que s vezes beira a exploso, ser possvel obtermos uma oportunidade e um enriquecimento recprocos? ( Joutard, 2000; p. 37; grifos meus).

    O que vemos, ao menos na superfcie das problemticas apresentadas pelos projetos aqui comentados, que a condio de produo e comparti-lhamento de conhecimento histrico pode ser diferente na web pelas novas formas que possibilita e pelos sujeitos que podem participar dessa cena , o que nos traz alguns desafios. Refletir sobre a memria disponvel na internet, sob a perspectiva da histria do tempo presente, que pode se valer de conte-dos divulgados na web como fonte, no uma questo de menor (ou maior) importncia que pensar as memrias em suportes materiais j estabelecidos, como o papel ou o microfilme. Entretanto, necessrio avaliar as especificida-des dos registros de memria que circulam na web (sua fluidez, impermann-cia, reprodutibilidade...) e como o meio digital tem facilitado sua profuso.

    A histria digital e a histria pblica parecem hoje ocupar o posto de histria alternativa que coube histria oral por algum tempo; entretanto, elas ainda no gozam de tanto crdito. Embora ainda exista certo hiato entre a prtica dita militante da histria oral e a acadmica, cada vez mais a

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    conjugao da prtica historiadora com a prtica social vem favorecendo o dilogo e legitimando novas abordagens as atividades do Laboratrio de Histria Oral da Universidade Federal Fluminense (LABHOI) so exemplo disso.22 Ademais, a perspectiva de anlise do tempo presente, que pressupe a supresso daquela regra do distanciamento entre o fato e o trabalho do his-toriador, tambm vem colaborando para que entrem na academia discusses inconvencionais, por assim dizer, com perspectivas de estudos e arranjos te-rico-metodolgicos menos estabelecidos.

    O burburinho na antessala da casa de Clio grande. A abertura para introduzir certas discusses nos fruns privilegiados ainda limitada. A tra-dio, quer seja positivista, quer historicista, zela para que a histria continue sendo apenas a cincia dos homens no passado e no a dos homens no tempo, como queria Marc Bloch. Esta ltima compreenso no s valorizaria os estudos do tempo presente como perspectiva, mas tambm incentivaria uma reflexo sobre mtodos, objetos, espaos, documentos e linguagens peculia-res dessa temporalidade. Hoje, na era digital (Cohen; Rosenzweig, 2005) fundamental pensar a relao entre a histria oral, os testemunhos publica-dos na web, o ciberespao, as vrias mdias digitais e as diferentes formas de representar o passado em ambientes eletrnicos.

    A histria digital, que pode ser compreendida como o brao histrico das humanidades digitais, pode ser de auxlio nesse sentido. Todavia, vale lembrar que mesmo aps a chegada da Web 2.0 a histria continua sendo uma cincia baseada em fontes, em um mtodo especfico e em debates entre os pares (Clavert; Noiret, 2013, p. 20). Nem as tecnologias, nem a histria digital operam uma ruptura radical com estas bases, antes acrescentam nova moblia e ferramentas oficina da histria, mas os fundamentos da disciplina continuam os mesmos.23

    22 Veja-se o projeto digital Identidades do Rio, coordenado pela prof. Hebe Mattos, que trabalha identi-dade e memria social no estado do Rio de Janeiro. Os temas histricos pesquisados pelo projeto foram transpostos com xito para a linguagem digital em seu website e, dessa forma, receberam uma aborda-gem inovadora. Assim, um projeto que, via de regra, poderia ter seus resultados reservados a um pequeno nmero de interessados dentro de uma instituio, ganha ares de histria pblica e digital na esfera aberta da internet. Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014.

    23 importante no adotarmos um posicionamento ctico ou fetichista em relao tecnologia; nenhum tipo de neoluddismo ou de determinismo tecnolgico contribuiria para a reflexo. No se trata, como aponta Dilton C. S. Maynard em seu Escritos sobre histria e internet, de aprovar ou condenar as tecnologias, mas de atentar para as mudanas qualitativas que trazem (Maynard, 2011).

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    Onde o quadro j suscitou discusses de fundo terico e metodolgico, o potencial da web como elemento transformador dos padres de comunica-o e expressividade humanos tem merecido ateno. Entre as questes mais imediatas discutidas pelos historiadores dedicados ao estudo da histria digi-tal est justamente a ampliao da acessibilidade a informaes viabilizada pela web. No se fala apenas na abertura de bibliotecas, arquivos e museus ao grande pblico; a acessibilidade on-line refere-se tambm a outros con-tedos, dispersos em sites, blogs, redes sociais, wikis e aplicativos vrios que colocam ao alcance dos usurios textos, fotos, msicas, vdeos, mapas e infor-maes de todo tipo. Seja abrigada por instituies de saber oficiais ou no, grande parte dessa informao j criada no ambiente on-line (born digital) por distintos autores, que so os prprios usurios da rede, como vimos no Memoro, no Herstories e no Museu da Pessoa.

    Em razo da acessibilidade engendrada pela web, os projetos de histria digital tm sido percebidos por alguns estudiosos como uma prtica da his-tria pblica na acepo americana, uma histria aplicada, divulgada por diversas vias e dirigida a grandes audincias. Como afirma o autointitulado humanista digital Shawn Graham: mdias digitais fazem de toda histria, histria pblica (Graham, 2012).

    Para historiadores, as vantagens disso so bvias. O passado ocorreu em mais de um meio. Ento por que no estarmos aptos a apresent-lo em mltiplas dimenses? (Rosenzweig; Brier, 1994; traduo livre)24 colo-cam os historiadores Roy Rosenzweig e Steven Brier. Entretanto, para Serge Noiret, ainda que a histria pblica j tenha se estabelecido em alguns pases como os Estados Unidos h pelo menos trinta anos, tendo inclusive esti-mulado a criao de organizaes,25 revistas e cursos de formao em vrios outros como Itlia, Inglaterra e Austrlia , essa disciplina ainda , de certa forma, uma disciplina fantasma (Noiret, 2011).

    24 No original: For historians, the advantages of multimedia are obvious. The past occurred in more than one medium, so why not present it in multiple dimensions?.

    25 Fora do Brasil, destacam-se o National Council on Public History (nos Estados Unidos) e a recm--formada International Federation for Public History. Para o caso brasileiro, importante destacar os recentes movimentos que partiram da academia: em janeiro de 2013 foi lanada na internet a pgina da Rede Brasileira de Histria Pblica (RBHP) disponvel em , cujas bases foram construdas durante o Curso de Introduo Histria Pblica que ocorreu na Universidade de So Paulo (USP) em fevereiro de 2011, promovido pelo Ncleo de Estudos em Histria da Cultura Intelectual. O curso tambm resultou no lanamento do livro Introduo histria pblica (Almeida; Rovai, 2012).

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    Robert Perks observa que, h cerca de quatro dcadas, a histria oral como mtodo e abordagem tambm enfrentou resistncia entre acadmicos, arquivistas, profissionais de museus e de bibliotecas. O autor associa esse rela-tivo baixo crdito da histria oral e das suas fontes na comunidade cientfica ao menos inicialmente ao questionamento que elas impunham a aborda-gens e documentos tradicionais, geralmente registros em papel provenientes um passado distante (Perks, 2003, p. 55-56). fcil perceber certo paralelo com a situao da histria pblica digital hoje em dia, donde possivelmente se explica, em parte, a restrita circulao do tema.

    Embora a anlise de Perks esteja embasada no processo que ocorreu na Inglaterra, pode ilustrar tendncias alhures, mais ou menos compartilhadas. No caso do Brasil a resistncia histria oral foi semelhante, e foi preciso, como na Inglaterra, a dedicada atuao de alguns indivduos e grupos para quebrar a inrcia disciplinar (Hartog, 2010, p. 1) e submeter reflexo o pr-prio conceito de fonte histrica. Foi necessrio repensar as prticas do ofcio.

    O processo que possibilitou a mudana desse quadro apresenta vrios fatores, relativos no s comunidade acadmica de pesquisadores e pro-fessores universitrios, mas tambm a profissionais de arquivos, bibliotecas e museus. Entre os principais fatores relacionados cincia da informao, destaca-se a compreenso de que no mais era possvel ignorar arquivos audiovisuais se no futuro se quisesse entender a sociedade daquele tempo. Na mesma direo, outro fator de relevo foi a percepo de que ao se consi-derarem apenas os registros escritos, uma parcela considervel de sujeitos e objetos no eram plenamente contemplados em termos de arquivamento e, logo, de possibilidades de investigao histrica. Assim, nota Perks, trabalhos sobre imigrao e sobre diversos grupos tnicos na Inglaterra estiveram entre os primeiros estudos de histria oral explorados no pas e permaneceram em voga (Perks, 2003, p. 56-57).

    Jill Liddington e Graham Smith buscam na histria pblica um exemplo de como o presente condiciona a maneira como ns vemos o passado. Segundo os autores, as representaes pblicas do passado, geralmente midiatizadas, fazem parte do conjunto de elementos culturais do presente que, de certa forma, emolduram memrias e influenciam a formao de conscincia histrica das pessoas. Salgado Guimares, comentando a problemtica contempornea da memria e dos usos polticos do passado, lembra que embora por caminhos diferentes de Liddington e Smith Beatriz Sarlo tambm ratifica que o passado , antes de tudo, uma captura do presente (Guimares, 2011, p. 44).

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    Liddington e Smith relatam a experincia de um trabalho de histria oral sobre a histria do voto feminino na Inglaterra, uma pesquisa feita nos anos 1970 com filhas de mulheres sufragistas. A sondagem realizada permi-tiu perceber que, quase setenta anos depois do movimento, as memrias das entrevistadas sobre a campanha poltica realizada por suas mes estavam per-passadas por reconstrues mais recentes do movimento, como a srie de TV Shoulder to shoulder (lanada pela BBC em 1974), que dramatizou a luta pelo direito ao voto das inglesas (Liddington; Smith, 2005, p. 30).

    Certamente, representaes pblicas do passado seja em livros, filmes, rdio, televiso, seja na internet no so as nicas a influenciar memrias. vasto o universo das experincias pessoais e dos elementos culturais que devem ser considerados em investigaes de histria oral. Entretanto, o que Liddington e Smith sublinham a relevncia de considerar seriamente o papel desempenhado por esses contedos de histria pblica nem sempre mediados por historiadores de profisso na moldagem de certa conscin-cia histrica. Na definio de Sara Albieri, essa conscincia designa o modo como os seres humanos interpretam a experincia da evoluo temporal de si mesmos e do mundo em que vivem (Albieri, 2011, p. 25).26

    Em nosso ofcio, entretanto, no so apenas a nossa trajetria pessoal e o contexto em que estamos inseridos que exercem influncia. H muitas outras questes que perpassam nossas elaboraes conceituais e abstraes. Nos limites deste artigo, no enveredarei por essas reflexes, mas chamo a ateno para a existncia de fatores que condicionam nosso trabalho em sua dimenso mais prtica, meramente artesanal. Como Michel de Certeau j disse certa vez, cada sociedade se pensa historicamente com os instrumen-tos que lhe so prprios (Certeau, 1988, p. 28). Ao delinear dessa forma a operao histrica e seus instrumentos, Certeau abre uma janela impor-tante para nossa reflexo. Quando consideramos os constructos intelectuais, os esquemas de pensamento, a conscincia histrica, as chaves de leitura e toda a carga subjetiva que contm que colaboram na interpretao de deter-minado passado, estamos falando de instrumentos. Mas, ao mesmo tempo, quando nos referimos pena, caneta, mquina de escrever ou ao com-putador tambm estamos apontando instrumentos, embora sejam de outra

    26 Para a Albieri, o recurso noo de conscincia histrica o que permite fundamentar filosoficamente a passagem da histria acadmica para a histria pblica, por reconhecer na condio humana o pressu-posto histrico (Albieri, 2011, p. 27).

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    natureza. Se pensarmos nos vrios instrumentos que perpassam o lado pr-tico do nosso fazer historiogrfico ao longo do tempo considerando tarefas como arquivamento, catalogao, escritura, reproduo, divulgao, perce-bemos como o tipo de trabalho que produzimos est atrelados s tcnicas e tecnologias de um tempo.

    notvel, assim, que o desenvolvimento das cincias e o avano tec-nolgico trouxeram desdobramentos interessantes para a histria no ltimo sculo. O dilogo com outras disciplinas e os debates metadisciplinares sobre as possibilidades de escrita da histria aumentaram, ao menos poten-cialmente, o leque de fontes nossa disposio. Hoje, graas evoluo da tecnologia e reflexo sobre a prpria operao histrica, a voz, que j foi instrumento dos aedos se tornou tambm uma fonte para a histria.

    Vale destacar, nesse sentido, que alm das reflexes tericas e metodol-gicas que possibilitaram a emergncia da histria oral, a oportunidade de criar registros no escritos e trabalhar com eles fruto do desenvolvimento tcnico e cientfico que permitiu a inveno do gravador (bem como das mdias, dos leitores, dos reprodutores e depois de diversos tipos de filmadoras). bem verdade que podemos pensar em pesquisas que abordem a oralidade e no caream dessa tecnologia (alis, os antroplogos j nos contaram um bocado a respeito disso), mas o que de fato tornou possvel documentar um depoi-mento oral que no pode ser simplesmente tomado como equivalente de sua transcrio27 foi o gravador e depois a filmadora (Schmidt, 2010, p. 9).

    Hoje, com os gravadores de bolso e a facilidade de acesso e divulgao aberta pela web, os registros em udio e vdeo se popularizaram (sempre con-siderando, grosso modo, a populao no excluda digitalmente, dotada de algum letramento para esse novo meio), algo que o Memoro compreendeu muito bem. E, sendo a rede mundial de computadores tambm considerada des-hierarquizante dado que nas comunidades virtuais no haveria, ao menos idealmente, hierarquia , multiplicam-se os testemunhos de sujeitos e grupos que passam a usar a web como espao livre para elaborar um discurso sobre si, para reinterpretar suas memrias e ter domnio de suas prprias narrativas midiatizadas. Esse processo muitas vezes passa pela incorporao das memrias em contextos de luta social, como no caso dos indgenas, dos

    27 A simples transcrio no d conta de toda a expressividade contida em um depoimento; no pode fazer, por exemplo, da emoo que toma conta das falas mais que registros secos como choro ou aparen-tando nervosismo (Schmidt, 2010, p. 9 ).

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    negros e das mulheres, que em sociedades racistas e patriarcais como a brasi-leira sofrem com as desigualdades e discriminaes decorrentes desses arrai-gados preconceitos.

    Podemos considerar que a tecnologia um dos fatores da contempora-neidade a provocar o retorno da testemunha de que nos fala Franois Hartog (2011, p. 221). A profuso de memrias na rede, porm, pode se revelar um tanto quanto desconcertante para o historiador, afeito ao trabalho de gabi-nete, habituado a ter de ir buscar a matriz de seus trabalhos em arquivos. Como nota Ricardo Pimenta, esse quadro indito:

    Memria e tecnologia se encontram, portanto, nas formas, nos lugares e atravs das ferramentas utilizadas na contemporaneidade de maneira jamais vista. Basta constatar o fenmeno da museificao das falas, das artes e das experincias que, apesar dos contornos histricos que lhes outorgam coordenadas espaotemporais, so auxiliadas pela mirade de ferramentas tecnolgicas prprias de nossa cultura informacional global que nos possi-bilita cotidianamente responder a nmero crescente de dvidas e questes pela capacidade de mediao entre indivduos e seus grupos em escala mun-dial. (Pimenta, 2013, p. 152-153).

    importante notar que a ampliao das possibilidades de registro com formatos que extrapolam o texto, como o fotogrfico e audiovisual bem como a disponibilizao desses registros para o grande pblico sem a mediao do historiador, causa certo estranhamento para uma cincia de vestgios escritos tal como a histria se constituiu, seguindo a esteira de Langlois e Seignobos (Hartog, 2011, p. 222) . Embora nos anos 1970 a his-tria oral tenha sido acusada de bisbilhotices (Hartog, 2011, p. 225), uma sensibilizao maior justamente entre os historiadores do contemporneo reconduziu ao protagonismo da cena histrica as testemunhas, s quais a histria profissional estendeu de bom grado seus microfones (Hartog, 2011, p. 226). Tal processo gerou, segundo Hartog, uma interpretao que confunde histria contempornea e histria do tempo presente com uma histria com testemunhas. Nesse contexto, o problema que parece se dese-nhar o do excesso de memrias circulando na rede, sem intermedirios:

    E o historiador fala, ento, menos de memria e de histria da memria, mas sobretudo de histria, ou seja, de arquivos de textos escritos, de crticas

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    das fontes e do ofcio do historiador. Seu pesadelo seria, talvez, o de uma memria, ao mesmo tempo, mercadoria e sacralizada, escapando aos his-toriadores e circulando na internet, como a verdadeira histria da poca. (Hartog, 2011, p. 226).

    Ocorre que, apesar do paradigma do vestgio que marcou a historiografia do sculo passado, a ascendncia da testemunha traz o imperativo de reflexo sobre o fenmeno da voz, ou sobre o prprio testemunho como estrutura de transio entre a memria e a histria, como diz Hartog, lembrando Paul Ricoeur (Hartog, 2011, p. 227) nesse processo, pois, deve ser considerado o problema particular da evidncia na escrita contempornea da histria. Com isso em mente, mesmo no atribuindo s testemunhas a condio de vtimas, como faz Hartog,28 podemos nos questionar sobre a exigncia tica e pol-tica da histria trabalhar com esses testemunhos cada vez mais orientada pela categoria do presente e por uma funo/prtica social, como vimos acima (Ferreira, 2012, p. 101). Parece que a histria pblica digital tem enfrentado problemas bastante similares aos postos pelas mudanas tecnolgicas para a histria oral e para o tempo presente, especialmente no tocante ao enfren-tamento da abundncia de memrias na rede e disputa por audincia com verses da histria cosmetizadas, romantizadas, por assim dizer, para agra-dar seus consumidores vejam-se as narrativas histricas jornalsticas que se tornaram best-sellers na ltima dcada (Bonaldo, 2010). Um maior dilogo entre os praticantes desses registros historiogrficos tpicos do tempo pre-sente o oral, o pblico e o digital seria seguramente profcuo para discutir as estratgias e as razes pelas quais enfrentar esses problemas.

    A histria oral se aproxima da histria do tempo presente tanto pelos instrumentos, como pelos possveis objetos de estudo. Como j apontara Mauad, a histria da produo da memria social por diferentes agentes his-tricos atrelada s dinmicas temporais que definem a tessitura histrica do tempo presente (Mauad, 2010, p. 142).

    A histria oral (pela incluso de novas fontes), a histria do tempo pre-sente (pela abolio do precioso distanciamento), a histria digital (pela sua radical proposio de novas formas de comunicao histrica) e, por fim, a histria pblica (por sua diversificao de audincia e possibilidade

    28 Cf. Hartog (2011, p. 227).

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    de engajamento em polticas pblicas) questionam as regras estabelecidas na historiografia h longo tempo, e, talvez por isso, enfrentam resistncias enquanto metodologias, perspectivas, modos de escrita e de divulgao his-trica. Essas histrias e os seus diferentes registros, mediados pela tecnologia, implicam uma ampliao das reas de atuao dos historiadores e trazem para o debate discusses acerca do compartilhamento de autoridade:

    Ao menos potencialmente, mdias digitais transformam a tradicional relao de mo nica entre leitor e escritor, produtor e consumidor. His-toriadores pblicos, em particular, tm buscado formas de compartilhar autoridade com seu pblico; a web oferece um meio ideal para esse com-partilhamento e colaborao. (Cohen; Rosenzweig, 2005; traduo livre).29

    Por tudo isso, foram trazidos para este artigo os exemplos das trs ini-ciativas citadas Memoro, Herstories e Museu da Pessoa , considerando-se especialmente seu valor heurstico para pensar as maneiras de enfrentar a problemtica dos espaos e das formas legtimas de representao no tempo presente logo, as perspectivas de estudo possveis.

    Com isso, chego ao ponto de inflexo deste artigo, em que me interessa destacar as vantagens da juno da metodologia da histria oral s prticas de escrita da histria digital, com sua hipertextualidade e sua caixa de ferramen-tas para processamento, minerao e visualizao de dados de formas que analogicamente seriam inviveis. Essa conjugao pode trazer novas possibi-lidades de divulgao histrica, de ensino e pesquisa, inclusive em formatos e canais com apelo ao grande pblico. Fundamentalmente, quero chamar a ateno para a possibilidade de, articulando a metodologia da histria oral aos novos procedimentos de escrita da histria digital, criarmos produtos de histria pblica capazes de chegar a grandes audincias por seu carter inte-rativo, webfriendly e potencialmente ldico sem, entretanto, igualarem-se s questionveis narrativas jornalsticas.

    Por fim, tendo em vista a emergncia dos testemunhos veiculados na web, como nas experincias do Memoro, do Herstories e do Museu da Pessoa, con-sidero que a metodologia da histria oral e a abordagem do tempo presente

    29 No original: At least potentially, digital media transform the traditional, one-way reader/writer, producer/consumer relationship. Public historians, in particular, have long sought for ways to share authority with their audiences; the web offers an ideal medium for that sharing and collaboration.

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    podem compor um interessante instrumento de anlise para as tenses entre memria e conscincia histrica que se apresentam no espao pblico da internet atualmente seja pelo approach do tempo presente aos usos e abusos que se fazem do passado neste momento de superpublicao de memrias na rede, seja pelo consistente aporte que a histria oral pode prestar interpreta-o desses registros. Por ambos os lados, esse arranjo pode contribuir para um posicionamento ativo e crtico, orientado para a ao, com todas as implica-es polticas, ticas e estticas que isso pode ter, considerando-se a peculiari-dade das fontes e a sua inscrio em um novo ambiente (eletrnico/digital), com suas diferentes dinmicas e linguagens. Desse modo, por compartilhar de pressupostos da histria digital e da histria pblica, especialmente por sua concepo mais holstica de fonte e texto histrico, o aparato formado pela conjugao da metodologia da histria oral com a perspectiva analtica do tempo presente contribui para o enriquecimento recproco de que falava Joutard, daqueles que esto dentro e daqueles que esto fora da academia.

    Imagino, por exemplo, as potencialidades de um projeto de histria pblica digital que utilizasse os acervos que comentei aqui como fonte pri-mria, construindo uma narrativa videogrfica com base neles que pode-ria, por sua vez, estar interligada a diversos contedos da web, passveis de interao com o pblico; pode-se imaginar o quo interessante seria o apelo pedaggico de um trabalho nesse formato, gratuito, facilmente reproduz-vel, engajado com a comunidade, frente aos clssicos modelos da tradio impressa.. Quantos temas do tempo presente poderiam ser investigados e quantos desdobramentos um projeto desses poderia ter (artigos digitais, contedos colaborativos, exibies on-line, handbooks, materiais didticos digitais)! Enfim, trata-se tambm de repensar a historiografia alm do texto escrito e, sobretudo, de:

    [...] estarmos atentos para o fato de que mais lembranas, como partes das demandas de nossa contemporaneidade, no implicam necessariamente mais conhecimento do passado e muito menos uma compreenso crtica das experincias pretritas. (Guimares apud Pereira, 2011, p. 64).

    Concordo com Helena Miranda Mollo (2011) quando afirma que o momento de avaliao, para que se compreenda uma nova forma de estar no mundo. Mollo lembra que para Hannah Arendt, a descoberta da Amrica, a Reforma e a inveno do telescpio foram eventos emblemticos para uma

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    nova forma de vivncia, atrelada a uma diversa compreenso da temporizao histrica. Esse tipo de fratura do tempo no uma exclusividade moderna: no presente, as mudanas continuam, e trazem consigo questionamentos para o fazer do historiador. So inauguradas por distintos eventos e invenes, como as que permitiram o advento da globalizao e da internet. Nos estu-dos que desenvolveu sobre regimes de historicidade, Franois Hartog assinala uma profunda alterao na percepo das sociedades contemporneas sobre a passagem do tempo. Trata-se, na verdade, de um conjunto de mutaes que, para Salgado Guimares, deixam-se perceber no apenas por uma experi-ncia acelerada do tempo, potencializada pela cultura eletrnica que invadiu nosso cotidiano, como tambm por uma ressignificao de formas narrativas demandadas socialmente (Guimares, 2011, p. 41; grifos meus).

    No que diz respeito histria ainda que esteja destronada do seu posto de mestra da vida , essa demanda social por outras formas narrativas pode estar atrelada ao que Hans Ulrich Gumbrecht chamou de dependncia do passado (2011), que nos atravessaria independentemente de paradigmas histricos.30 Percebe-se hoje, do ponto de vista desse autor, um tipo revigo-rado de fascnio pelo passado que parece exigir formas de imerso na hist-ria (Gumbrecht, 2011, p. 41).

    Assim, podemos pensar que a histria, diante de uma nova forma de estar no mundo no tempo presente (e, por que no, a prpria histria do tempo presente?), parece requerer novas formas de expresso, capazes de transcender o efeito informativo das narrativas tradicionais. como se as experincias estticas e sensoriais pudessem vir em seu auxlio para apaziguar tamanho fascnio pelo passado e/ou dar vazo, de alguma forma, torrente de memrias que se acumulam dia aps dia nos mais variados formatos e suportes, em volume indito.

    Os aspectos que a representao do passado pode assumir costumam variar de acordo com a conjuntura histrica: o destaque dado pintura his-trica no sculo XIX, inclusive como cnone, um exemplo disso, embora fosse a escrita a forma hegemnica de produzir inteligibilidade para o pas-sado sob os auspcios da cincia histrica com sua premncia por objetivi-dade (Guimares, 2011, p. 45).

    30 Para o professor de Stanford, essa dependncia ultrapassaria a prpria noo de histrico e se alastraria por um sentido corporal (gentico, da passagem do tempo), jurdico (vide a jurisprudncia), econmico (pensem-se os extratos das contas bancrias) e por a afora. Ver Gumbrecht (2011, p. 32-33).

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    Diante disso, numa dimenso terica e autorreflexiva, a histria oral tem muito a contribuir para o experimento de formas de representao que superam o texto, especialmente por constituir-se num registro que pioneira-mente ousou recorrer voz em plena cultura alfabtica. Se de fato passamos, na ltima virada de sculo, de uma cultura alfabtica para uma cultura digital (Ragazzini, 2004), razovel ento que avaliemos os artefatos com que faze-mos histria hoje, compreendendo-os em sua historicidade. O que podemos fazer com o (novo?) arquivo, a (nova?) fonte e as respectivas possibilidades de escrita da histria na conjuntura do tempo presente a questo em aberto.

    Desde os tempos de Herculano, em Portugal, e Varnhagen, por aqui, nosso trabalho, como o dos homens de letras, costuma ser solitrio, a come-ar pela ida aos arquivos. Os praticantes da histria oral, porm, trabalham menos isolados, vo a campo mais frequentemente e h alguns anos tm construdo pontes com outras reas como a fotografia e o cinema. Como tirar partido dessa aparente heterodoxia da histria oral para encarar os acer-vos digitais hoje? Pragmanticamente, faz-se necessrio reconciliar as artes de Clio, e buscar uma soluo tangvel para o problema imposto por aconteci-mentos-limite (como o Holocausto perpetrado pelos nazistas na Europa, o Apartheid sul-africano ou as ditaduras da Amrica Latina) de desproporo entre experincia e narrativa (Cezar, 2012, p. 40). Se encontrada, ou pelo menos tateada (o importante o questionamento), essa soluo pode trazer novidades inclusive para o ensino da histria e para a sua didtica no senso mais lato, de formao como experincia que ultrapassa o espao escolar.

    Se aqueles que h mais tempo contornam a primazia da fonte documen-tal textual para a histria tambm se ocuparem de questionar o estatuto lite-rrio do discurso historiogrfico, talvez possamos, enfim, atualizar o que disse Lucien Febvre h mais de meio sculo: A histria faz-se com documentos escritos, sem dvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos quando no existem (Febvre, 1985, p. 249). Vale observar, porm, que a demanda atual por outras formas narrativas no est de modo algum ligada ausncia de documentos (escritos ou no): o histo-riador que trabalha com o tempo presente est mais ameaado pela supera-bundncia do que pela penria (Rmond apud Ferreira, 2012, p. 108).

    O que est em jogo no tempo presente, parece-me, encontrar modos de expresso alternativos para a histria quer bebam de fontes textuais, quer no que possam conviver com a fortuna crtica j experimentada pela narrativa escrita. Trata-se, por um lado, de identificar maneiras de representar

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    as experincias extremas, j que intransmissvel no significa indizvel (Ricoeur apud Cezar, 2012, p. 47);31 por outro, de conseguir atender demanda social do passado, buscando alternativas de narrao que propor-cionem uma imerso na histria.

    Gumbrecht menciona como possibilidade uma abordagem que tente se aproximar do clima histrico, a Stimmung histrica, uma espcie sofisticada de recurso cor local literria que pudesse apresentar a atmosfera de um dado momento; numa outra traduo possvel, a vozcidade do momento histrico, a vozcidade de uma cultura (Gumbrecht, 2011, p. 41). Representaes mais envolventes como essa povoam hoje telenovelas, peas teatrais, filmes e mesmo video games. O fenmeno do historical reenacment como entretenimento ou estratgia educativa est em voga (Anderson, 2011), mas poucas vezes envolve, de fato, o trabalho de historiadores de profisso em sua concepo.

    Desse modo, a aproximao do historiador que trabalha com histria oral dos canteiros da histria digital e da histria pblica pode, a meu ver, incentivar a criao de novos experimentos, mobilizando ferramentas e acer-vos digitais, bem como as linguagens amigveis do ambiente digital, para chegar a outros pblicos, inform-los e, em certa medida, toc-los. As novas tecnologias no introduzem apenas uma mudana de suporte, mas, como busquei mostrar, trazem novas dinmicas e relaes subjetivas que precisam ser investigadas, que sugerem novas prticas, possibilidades e, igualmente, responsabilidades.

    Penso que, talvez, para enfrentar os desafios tericos colocados pela histria do tempo presente e pelo prprio tempo presente, como se vinha discutindo acima, seja oportuno refletirmos sobre aquilo que dizia Durval Muniz de Albuquerque Jnior sobre a reconciliao da historiografia com a voz, com o efeito da voz, com o afeto da voz sobre o corpo. Desse modo, para o autor:

    A historiografia reataria seus laos com a retrica, prestando ateno na e fazendo parte da vozcidade de nosso tempo. Tempo em que orelhas voltam a ter importncia para o historiador, tanto quanto os olhos. A historiogra-fia, que pretendeu dar a ver o passado, hoje talvez precise dar-lhe a ouvir. Se tempo de desencanto, talvez a historiografia precise ser canto, msica,

    31 Por quanto controversa, a iniciativa da Survivors of the Shoah Visual History Foundation, de Steven Spielberg, uma ilustrao disso. Disponvel em: . Acesso em: 3 ago. 2014.

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    paisagem sonora, ambincia, clima de ideias. Afetar os homens tanto pelos conceitos, como pelos efeitos estticos. Ser no apenas logos, mas mythos e rituais. No apenas erudio, normatividade e rigor moda alem, mas tal-vez inventividade, criao potica e sonoridade brasileira. (Albuquerque Jnior, 2011).

    Diante de tal escopo que situo esta conversa na antessala da academia, esperando que o atual trnsito livre dos historiadores que trabalham com histria oral na casa possa ajudar a formalizar a discusso.

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    Resumo: Este artigo explora a relao entre a histria oral e a histria do tempo presente, em dilogo com os recentes debates em torno da histria pblica e da histria digital. A necessidade dessa reflexo nasce da crescente publicao de testemunhos orais na web e da demanda por crtica que esse fenmeno apresenta comunidade historiadora. A disponibilizao de memrias em rede constitui-se em um problema especfico do nosso presente, que diversos autores tm chamado de era digital devido ao papel desempenhado pelas tecnologias de informao e comunicao hoje. Interessa ponderar sobre como a abordagem da histria do tempo presente e a metodologia da histria oral podem compor um instrumento de anlise para as tenses entre memria e conscincia histrica que se apresentam no espao pblico da internet. Por fim, importa observar como o exerccio dessa anlise pode contribuir para qualificar as discusses atuais sobre a histria pblica e digital no espao acadmico brasileiro.

    Palavras-chave: oralidade, tempo presente, histria pblica, histria digital.

    Conversations in the anteroom of the academy: the present, the orality and the digital public history

    Abstract: This article explores the relationship between the Oral History and the History of the Present in dialogue with recent debates on Public History and Digital History. The need for such reflection comes from the increasing publicity of oral testimonies on the Web and the demand for criticism that this phenomenon presents to the historian community in the Academy. The availability of these memories on the Web is in a specific problem of our present, which by several authors has been called Digital Age because of the important role played by the information and communication technologies today. Our interest is to think about how the approach of the History of the Present and the methodology of Oral History can compose an analytical tool for the tensions between memory and historical consciousness present in the public space of the Internet nowadays. And, finally, it is important to note how the exercise of this analysis can help to qualify the current discussions on Public and Digital History in Brazilian Academy.

    Keywords: orality, present time, Public History, Digital History.

    Recebido em 31/03/2014Aprovado em 04/08/2014