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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Letras
CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE
PROFESSORES DE LÍNGUA MATERNA:
Um estudo sobre a construção identitária
Belo Horizonte
2013
Anita Maria Ferreira da Silva
CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE
PROFESSORES DE LÍNGUA MATERNA:
Um estudo sobre a construção identitária
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Letras da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como quesito para a obtenção do
título de Doutora em Língua Portuguesa e
Linguística
Orientadora: Jane Quintiliano Guimarães da Silva
Belo Horizonte
2013
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Silva, Anita Maria Ferreira da
S586c Conversa com professores formadores de professores de língua materna: um
estudo sobre a construção identitária / Anita Maria Ferreira da Silva. Belo
Horizonte, 2013.
239f.: il.
Orientador: Jane Quintiliano Guimarães da Silva
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Professores – Formação. 3.
Linguagem. 4. Identidade. I. Silva, Jane Quintiliano Guimarães da. II. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.
III. Título.
CDU: 806.90
Anita Maria Ferreira da Silva
CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE PROFESSORES DE
LÍNGUA MATERNA: um estudo sobre a construção identitária.
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da
Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, como quesito
para a obtenção do título de
Doutora em Língua Portuguesa e
Linguística.
___________________________________________________________________
Profa Dr
a Jane Quintiliano Guimarães Silva (Orientadora) - PUC Minas
___________________________________________________________________
Profa Dr
a Juliana Alves Assis - PUC Minas
___________________________________________________________________
Profa Dr
a Daniela Lopes - PUC Minas
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Adilson Ribeiro de Oliveira - IFMG-Ouro Preto
___________________________________________________________________
Profa Dr
a Ada Magaly Matias Brasileiro- Pitágoras
Belo Horizonte, 09 julho de 2013.
A todos os homens e mulheres
marginalizados no mundo da
palavra escrita.
AGRADECIMENTOS
A Deus e a todos os Espíritos iluminados que sempre estão junto a mim.
À Professora Jane Quintiliano Guimarães da Silva, minha orientadora na busca de
novos caminhos, para a construção de saberes, sempre respeitando meu tempo e garantindo
liberdade de escolha.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação da Puc Minas, pela
generosidade em partilhar e (co)construir conhecimentos, em discussões instigantes e
produtivas.
Aos professores portugueses e brasileiros que, num largo gesto de amizade e de
cooperação científica, concederam-me as entrevistas sem os quais este estudo não seria levado
a efeito.
Às secretárias do Programa de Pós-Graduação em Letras da Puc Minas pela presteza e
amizade.
À FAPEMIG pela concessão da bolsa de estudos ao longo dos dois primeiros anos de
treinamento.
À Universidade Federal de Viçosa, especialmente à Suely, à Margarida e à Graziela
secretárias do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa, cujas assessorias foram fundamentais
para a realização desse trabalho.
A todos os colegas professores e funcionários do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Viçosa, COLUNI/UFV, pelo apoio e incentivo decisivos para a
realização desse trabalho.
A minha família querida, muitas vezes preterida, mas sempre presente, dando-me mais
carinho e atenção do que recebendo.
Aos amigos queridos, especialmente à Silvana, irmã de coração, sempre disposta a me
oferecer seu apoio incondicional e seu sorriso, nos momentos de alegrias e também nos de
aflição.
Tecendo a Manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto
RESUMO
Em um franco exercício de interdisciplinaridade com as disciplinas das Ciências Humanas e
Sociais e as teorias da linguagem, da Enunciação, do Sociointeracionismo, este trabalho de
pesquisa tem por objetivo interpretar os sentidos dos relatos de Professores Formadores de
Professores de Língua Portuguesa sobre seus processos de formação identitária docente.
Buscou-se, nos atos de linguagem, isto é, nos modos de dizer, as categorias de língua que
revelam as estratégias discursivas, usadas pelos interlocutores ao construírem suas
identidades, ao traçarem um perfil dos professores formadores em questão, considerando-se as
interações socioistóricas e culturais desses sujeitos. O corpus desse trabalho é composto por
14 entrevistas, gravadas e transcritas, concedidas por professores formadores, em exercício
nos cursos de Letras, lotados em universidades portuguesas e brasileiras. A metodologia de
pesquisa usada é a qualitativa interpretativa e o recurso técnico a entrevista face a face
semiestruturada, constitui o corpus do trabalho. As entrevistas coletadas no local de trabalho
dos sujeitos, e as análises foram feitas considerando-se os aspectos antropológicos,
socioistórico e cultural na interpretação e análise das informações coletadas. Concluindo,
acredita-se que a identidade profissional não é una, mas, sim, uma construção processual que
se constitui de várias identificações apreendidas, ao longo da trajetória de vida e da carreira
do sujeito, as quais sofrem transformações, decomposições, recomposições, rupturas e
adições. Estas identificações serão mostradas parcialmente, ou não o serão, de acordo com os
interlocutores, o lugar e o momento da interação. Portanto, trata-se de uma identidade plástica
e fluida, que se molda a cada situação discursiva, em que o sujeito ao encontrar o Outro,
deixa entrever sua identidade a partir da interpretação da diferença. O encontro é um jogo da
alteridade que envolve estratégia de captação, legitimidade, credibilidade, e, principalmente
de poder.
Palavras-chave: linguagem; entrevista; identidade; poder; professor formador.
ABSTRACT
In a exercise of interdisciplinarity in the disciplines of the humanities and social sciences and
theories of language, Enunciation, the Sociointeracionismo, this research aims to interpret the
meanings of the stories Teacher Trainers of Portuguese Language Teachers about their
processes teacher identity formation. Was sought in speech acts, that is, the ways of speaking,
the categories of language that reveal the discursive strategies, used by partners to build their
identities, to chart a profile of teacher educators in question, considering the interactions and
cultural socioistóricas these subjects. The corpus of this study consists of 14 interviews were
taped and transcribed, granted by teachers forming at Letters courses, working in Portuguese
and Brazilian universities. The research methodology used is qualitative interpretative and
technical resource to semi-structured face to face interview. The interviews collected in the
workplace of the subjects, and analyzes were made considering the anthropological aspects,
social historic and cultural interpretation and analysis of information collected. In conclusion,
we believe that professional identity is not one, but rather a construction procedure that is
composed of several identifications seized, along the path of life and career of the subject,
which undergo transformation, decomposition, recomposition, disruption and additions. These
IDs are shown partially, or not to be, according to the interlocutors, the place and time of the
interaction. Therefore, it is plastic and fluid identity, which shapes every discursive situation
in which the subject to find the Other, hints at his identity from the interpretation of the
difference. The meeting is a game of otherness that involves fundraising strategy, legitimacy,
credibility, and especially power.
Keywords: language, interview, identity, power, teacher trainers.
LISTA DE SIGLAS
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CNE Conselho Nacional de Educação
FMI Fundo Monetário Internacional
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação Cultura e Desporto
PNE Programa Nacional de Ensino
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Programme for
International Student Assessment)
PROUNI Programa Universidade para Todos
PUC Pontifícia Universidade Católica
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
USA United States of America
ABREVIATURAS
LP Língua Portuguesa
PFPLP Professores Formadores de professores da Língua Portuguesa
PLP Professor de Língua Portuguesa
AD Análise do Discurso
SUMÁRIO
1 CONTEXTUALIZANDO A PROPOSTA DE PESQUISA:
ALGUNS APONTAMENTOS ............................................................. 12
2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES
SOCIOISTÓRICAS E ECONÔMICAS DA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA E A UNIVERSIDADE .................................. 20 2.1 Processo de Bolonha: adesão portuguesa ........................................................... 25
2.2 Processo de Bolonha: parcial adesão brasileira ................................................. 27
2.3 O mundo da academia: espaço de atuação do professor .................................. 30
2.4 A academia: espaço do interdiscurso .................................................................. 37
2.5 A universidade brasileira e a virada do milênio ................................................ 41
3 IDENTIDADE, LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE ...................... 45 3.1 Identidades: um conceito em discussão .............................................................. 46
3.1.1 Identidades profissionais: processo dinâmico de (trans) formação ................. 50
3.2 Linguagem e Enunciação ..................................................................................... 59
3.2.1 Linguagem e o rastro do sujeito discursivo ....................................................... 63
3.2.2 Linguagem: lugar de aparição do sujeito .......................................................... 66
3.2.3 Linguagem e estratégia da identidade discursiva .............................................. 68
3.3 Subjetividade ......................................................................................................... 70
3.3.1 Subjetividade e identidade .................................................................................. 71
3.3.2 Subjetividade e a vitalidade do sujeito ............................................................... 74
3.3.3 Dos sujeitos plurais ............................................................................................. 76
3.3.4 Sujeito e poder dispersos .................................................................................... 77
3.3.5 Sujeitos plurais e a liberdade de escolha ........................................................... 81
4 METODOLOGIA: BUSCA DE UM CAMINHO PARA
REFLETIR SOBRE O OBJETO EM ESTUDO........................08
84 4.1 A entrevista: sua configuração temática e tempo de realização.................. 85
4.2 Procedimento metodológico: entrevista......................................................... 87
4.3 Procedimentos da análise, um ponto de partida: proposição de duas
amplas categorias............................................................................................. 89
4.3.1 O trabalho de análise propriamente dito dos dados.....................................
95
À GUISA DA CONCLUSÃO....................................................... 142
REFERÊNCIAS............................................................................ 147
APÊNDICE................................................................................... 153
12
1 - CONTEXTUALIZANDO A PROPOSTA DE PESQUISA: ALGUNS
APONTAMENTOS
A problemática que envolve esta pesquisa recobre a questão da formação identitária do
professor formador de futuros professores de Língua Portuguesa (doravante PLP). O objetivo
central deste estudo é compreender e explicar, com base em relatos de professores
universitários de diferentes instituições de ensino superior do Brasil e de Portugal, a
construção identitária profissional desses sujeitos, tendo em vista o processo de mudança pelo
qual vem passando as universidades brasileiras e portuguesas. E, aqui, remeto particularmente
aos cursos de Letras. Deixo claro que o propósito central deste estudo é ouvi-los, e interpretar
um sentido possível dos relatos tecidos no curso de entrevistas, a fim de compreender como
esses professores universitários constroem suas identidades profissionais, falam desse lugar
da docência e do papel social e como o representam, refletem sobre ele; considerados os
processos de mudança que, direta ou indiretamente, vêm lidando, diante das reformas
político-pedagógicas dos cursos universitários.
Focalizo o professor formador de professor de Língua Portuguesa (doravante PLP)
que, nesse momento histórico de sua atuação profissional na esfera universitária, no contexto
de suas relações de trabalho no ensino superior, em grau maior ou menor, vive as injunções
socioistóricas e políticas e econômicas de uma sociedade dita pós-moderna1, que, no âmbito
da Educação, conforme as políticas mundiais, passa pela transformação de um projeto de
democratização da Educação em seus vários níveis, destaca-se o Ensino Superior, esfera em
foco.
O motivo em desenvolver uma investigação dessa natureza, em que tomo como objeto
de estudo a identidade profissional do professor formador de PLP, nutre-se pelo interesse de
iluminar o outro lado da moeda, no que toca às questões de um profissional que vem sendo
instigado a redimensionar a sua identidade profissional, não o seu papel profissional, ser
professor, mas a repensar sua atuação docente como formador de profissionais docentes. Isto
pensado em razão das novas demandas sociais e políticas de um novo cenário que vem se
fazendo relativamente à formação de futuros professores, que, convém assinalar, não se
restringe à licenciatura de Letras. Considero a ampla produção científica brasileira sobre a
1 Por sociedade pós-moderna, entende-se aqui com base em “A Identidade cultural na Pós-Modernidade”, Stuart
Hall (2003) período da história da humanidade em que está ocorrendo uma crise com a identidade cultural,
onde se verifica uma fragmentação do indivíduo moderno, enfatizando o surgimento de novas identidades,
sujeitas agora ao plano da história, da política, da representação e da diferença, resultando no deslocamento das
estruturas tradicionais, ocorrido nas sociedades modernas e pós-modernas, além do descentramento dos
quadros de referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural.
13
formação inicial de professor de língua materna, nos últimos dez anos destacam-se aqui
estudos Assis (2005), Matêncio (2001), Silva (2005), Kleiman (2001, 2004), Signorini (2006).
Verifico, no entanto, que no cenário das investigações nacionais, pouco se tem notícia de
estudos acerca do professor formador de PLP, particularmente, no que diz respeito à sua
formação identitária profissional. Esse dado, conforme se nota, não se registra, igualmente, no
âmbito das produções acadêmicas portuguesas.
É nesse sentido que o foco deste estudo busca contemplar o professor universitário,
sob o viés de sua construção identitária proponho aqui indagar sobre como esse profissional
de PLP reflete sobre o seu papel de professor formador, sobre as suas ações docentes, os
objetos de ensino e de pesquisa. Em especial, desejo saber o que é, para esses docentes
brasileiros e portugueses, formar professores de língua materna, no contexto das
transformações pelas quais passam os cursos de licenciatura, impulsionados pelo que
recomenda as Diretrizes curriculares para os cursos de Letras (2001)2 e a LDB (1996)
relativamente ao ensino superior brasileiro, e, no que se refere ao ensino português, as
recomendações da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei no 46/1986.
Transformações que envolvem o desafio de se promover um ensino superior de
excelência, para todos nas instituições públicas de ensino superior. Acrescentando a isso, a
necessidade de atender às exigências do mercado de empregos, à redução da carga horária dos
cursos e à diminuição dos investimentos do Estado.
Importa sublinhar que o meu olhar se volta para o docente e não para o futuro
professor de Língua Portuguesa, embora eu reconheça do ponto de vista do ensinar e do
apreender, a relação intrincada que há entre esses sujeitos no tocante ao processo da
construção identitária profissional que envolve a cada um deles, ser professor e ser aluno. Ou
seja, lugares/papéis sociais distintos, fazem-se, representam-se inseparáveis e constitutivos,
em termos identitários, na (inter) ação entre o eu e o outro. Na abordagem aqui assumida, que
enfatiza a formação identitária como resultante de interações dos sujeitos em um dado grupo
social, de suas experiências de socialização e sociabilidade, o Outro, nesse processo, é uma
espécie de espelho social, que regula, dimensiona o “sujeito individual” de acordo com
Foucault (1993).
Em suma, busco investigar essa questão, que diz respeito ao momento histórico e
político da atuação do professor universitário em geral, e, especialmente, os do curso de
Letras. Isso porque a expansão e popularização das possibilidades infinitas de redes de
2 Diretrizes curriculares para os cursos de Letras, aprovadas em: 03/04/2001.
14
comunicação, em tempo recorde, as produções de conhecimento e seus processos de
circulação têm provocado profundas mudanças na sociedade globalizada (HALL 2005),
impondo, consequentemente, (re) orientações educacionais para os seguimentos Fundamental,
Médio e Superior de ensino, com vistas a construir novos conhecimentos. O cenário que se
esboça aponta mudanças nas narrativas, que exigem mudanças nos modos de dizer os
argumentos, desenha-se um desafio para os cursos universitários de formação de professores
de linguagens.
Nessa perspectiva, uma nova relação de ensino/aprendizagem entre o professor
formador e o futuro PLP se faz necessária, a partir da interpretação pluridisciplinar dos
objetos a conhecer e das novas realidades em emergência, geradas no contexto da pós-
modernidade, de que nos falam Pimenta (2002) e Hall (2005). Especialmente, aquelas ligadas
à produção e circulação de conhecimentos, à identidade, à cultura e ao poder, marcados pela
fluidez e flexibilidade dos limites espaços-temporais e ligados pela globalização dos
interesses socioeconômicos.
No âmbito da educação, no Brasil, promoveram-se, com vistas à regulamentação da
Educação Nacional, profundas mudanças em todos os níveis da educação, com a promulgação
da Lei de Diretrizes e Bases para a educação (LDB), em 1996. Entre as propostas inovadoras
apresentadas, no que se refere ao Curso de Letras, de acordo com Menezes Paiva (2005), o
currículo deixa de ter como foco as disciplinas e passa a ser entendido como todo e qualquer
conjunto de atividades acadêmicas que integralizam um curso e o professor passa a ter duplo
papel já que se espera que ele, além de se responsabilizar pelos conteúdos, tenha a função de
orientador, influindo na “qualidade da formação do aluno.
Em Portugal, as principais mudanças implantadas no ensino assemelham-se às
brasileiras, com a gestão do currículo flexível respeitando e valorizando a diversidade. Porém,
os profissionais, acostumados a uma administração centralizada e a um currículo que
determinava os conteúdos a serem ensinados, sentem enorme dificuldade para se adaptar ao
novo modelo de ensino proposto.
Essa nova proposta implica pensar a formação integral dos alunos e professores com
autonomia requer domínio de variadas competências, conhecimentos, atitudes traduzidos em
ação docente. Enfim as mudanças, especificamente no que se refere ao ensino superior a
LBSE (2005) portuguesa, trouxeram um novo modelo de gestão; crescimento do número de
estudantes neste nível de ensino entre 1988 e 1992; reforço do Ensino Politécnico;
expectativas em relação à formação de recursos humanos e de especialistas.
15
Nessa esteira quanto aos conteúdos as diretrizes da educação brasileira enfatizam que
“os estudos linguísticos e literários devem fundar-se na percepção da língua e da literatura
como prática social e como forma mais elaborada das manifestações culturais” e enfatizam
que “no caso das licenciaturas deverão ser incluídos os conteúdos definidos para a educação
básica, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam”. O documento
alerta que
os cursos de licenciatura deverão ser orientados também pelas Diretrizes para
a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em cursos de nível
superior”. [Essas diretrizes foram aprovadas pelo Conselho Nacional de
Educação (CNE), em 18 de fevereiro de 2002. em nível global, a UNESCO,
discutindo a mudança de paradigmas na ação de ensinar e de aprender, em
texto de 2008, lança o projeto] “Padrões de Competência em TICs –
Tecnologias de Informação e Comunicação – para professores”, [com uma
descrição detalhada das habilidades específicas a serem adquiridas pelos
professores, para que eles possam usar a tecnologia de forma efetiva e criar
condições para que os alunos construam novos saberes]. Conforme o
documento, explicita-se que usuários qualificados das tecnologias da
informação, pessoas que buscam, analisam e avaliam a informação;
solucionadores de problemas e tomadores de decisões; usuários criativos e
efetivos de ferramentas de produtividade; comunicadores, colaboradores,
editores e produtores; cidadãos informados, responsáveis e que oferecem
contribuições. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996 (Acesso em: 13/09/2012).
Como consequência da chamada redimensionalização do ensino, observa-se, no
quadro desses discursos, o esboço de uma nova postura de professor, vista por este estudo
como um movimento que envolve a emergência de uma nova identidade profissional, reflexa
das injunções socioistóricas e políticas de um novo tempo.
Em termos socioistóricos e políticos, este estudo opera com o pressuposto de que o
professor, dada a natureza de sua atividade profissional no quadro das relações
socioeconômicas, por meio da sua ação docente, intervém de maneira decisiva na estratégia
global da construção da sociedade, do conhecimento e da economia que, por sua vez fomenta
o conhecimento.
Dessa perspectiva, impõe-se pensar o contexto da universidade como um dos
principais espaços interativos do sujeito professor – um espaço em que ele é construído e, ao
mesmo, tempo um espaço em que ele age como construtor, portanto, onde se realiza seu
processo de co-construção identitária, por meio de sua ação profissional com seus alunos e,
obviamente, com seus pares.
À luz desse contexto, uma das questões que instigou a proposição deste estudo diz
respeito ao impacto que professor formador pode ter sofrido (ou vem sofrendo) no cotidiano
de seu fazer docente e investigativo, considerando-se as orientações ditadas pela política de
16
formação de professor, segundo a nova demanda social anunciada pelo neoliberalismo,
conforme nos diz Chauí (2001) que experiência em seu processo de construção identitária os
reflexos das implicações e injunções do contexto contemporâneo.
Assim, busco compreender o processo de construção identitária desses professores, o
que me impõe pensar igualmente sobre os seus gestos de subjetivação, erigidos no discurso,
no caso em questão, atualizado em relatos construídos no curso das entrevistas aqui
analisadas. O material que compõe o corpus deste estudo focaliza, em termos metodológicos,
categorias linguístico-discursivas agenciadas pelos professores no curso da entrevista o que
nos permitem reconhecer e traçar seus posicionamentos identitários. Com esse propósito, este
estudo se inscreve em uma perspectiva dialética, em sintonia com os postulados de Bauman e
de Hall, de Dubar sobre a flexibilidade das identidades, os estudos de Bakhtin e Volochinov
(1929/1992) sobre dialogismo e polifonia, e os estudos de Foucault (1996) sobre práticas
discursivas, o interdiscurso, o poder e a ética.
Para se acercar desse propósito, este estudo tem como objetivo norteador compreender
e interpretar o processo de construção identitária profissional do Professor Formador de PLP,
com base em seus relatos trazidos em situação de entrevista, a partir de marcas linguístico-
enunciativos, por meio das quais se deixa revelar em que medida esse novo cenário
socioistórico reflete na formação identitária desse profissional.
Desse objetivo, propõem-se os objetivos específicos:
- traçar a trajetória acadêmico-profissional do professor formador a fim de identificar o
seu processo de construção identitária;
- identificar e analisar, à luz de relatos coletados, os fatores que motivaram ou
influenciaram a opção pela docência dos professores pesquisados;
- refletir sobre o que mudou na ação didática do professor formador face às reformas
do ensino superior;
- explicar o papel da ação docente na formação do Professor de Língua Portuguesa;
- explicar como o professor formador compreende e orienta sua ação docente para a
formação de professores de LP frente à demanda atual.
A escolha por uma abordagem discursiva dá-se em razão da natureza mesma do
objeto, marcadamente linguageira, e, é claro, do ponto de vista que me proponho a olhá-lo. A
entrevista, que procurei fazer por um estilo que lembre uma conversação, traz em si a marca
do processo da tecedura da relação pesquisador sujeito, "apresenta uma aproximação do outro
em sua condição de sujeito e persegue sua expressão livre e aberta" (GONZÁLEZ REY,
17
2003, p. 49), e, de maneira gradativa, possibilita a descontração dos participantes e facilita a
revelação de sentidos subjetivos diferenciados no processo.
Nesses termos, é importante salientar que o olhar de pesquisadora traz as minhas
marcas subjetivas, (singularidade do eu) e coletivas (do grupo), o que singulariza o meu
trabalho de análise, um aspecto considerado relevante pela epistemologia qualitativa, numa
tentativa de produzir conhecimento “acerca da realidade plurideterminada, diferenciada,
irregular, interativa e histórica, que representa a subjetividade humana” (GONZÁLEZ REY,
1999, p. 35). Os estudos sobre a problemática em pauta, no âmbito das produções científicas
brasileiras – teses e dissertações vêm se avolumando a partir dos anos 90 do século XX. Os
trabalhos de André (2004) André et al (2005), organizados na forma do chamado estado da
arte, mostram que a temática, identidade e profissionalização docente emergem de um debate
contemporâneo sobre a formação de professores pelas instituições formadoras no Brasil. Isto
é, um reflexo da relação entre educação e sociedade ou entre educação e Estado, na medida
em que remete à questão da transformação social e da luta pela construção da democracia.
Minha proposta de estudo insere-se nesse universo de reflexão. Mas, como se
anunciou acima, ela ganha novos contornos por tomar como objeto de estudo o processo de
formação identitária dos professores do segmento superior, docentes do curso de Letras,
sujeitos responsáveis pela formação inicial dos professores de Língua Portuguesa.
Busco, portanto, compreender o processo identitário do docente considerando sua
trajetória social, fonte de construção de conhecimentos, mediados pela linguagem. E, por
meio dela interpretar os possíveis sentidos dos ditos e dos não ditos, revelados pelos
entrevistados, num cuidadoso exercício de captação dos gestos das individualidades que
constituem as regularidades coletivas que compõem um mapa maior, nosso alvo.
O caráter plural dessa pesquisa revelou-me a inexistência de uma bibliografia básica a
que pudesse recorrer, especialmente, no que se refere ao conjunto de categorias que servissem
a minha investigação. Para tanto, desenvolvi um método de levantamento bibliográfico em
que foram cruzadas teorias diversas, provendo intersecções valiosas, justificadas pela natureza
do meu objeto de estudos e pela complexidade e pluralidade da metodologia. Devido a isso, a
cada passo da investigação, o objeto exigiu que a metodologia fosse reajustada, mediante as
descobertas proporcionadas pelo estudo do ser humano em questão.
Dada a natureza do objeto e os objetivos deste estudo, para a construção de seu quadro
teórico-metodológico recorro às contribuições advindas dos seguintes campos e/ou áreas
disciplinares: Análise do Discurso, auxiliada pela Sociologia, Antropologia, a partir dos
estudos de Hall (2003), ao tratar da identidade cultural na pós-modernidade; de Bauman
18
(2005), a identidade e a modernidade-líquida; de Bakhtin (1920), o dialogismo; de Foucault
(1975, 1997, 1999), o discurso, o poder e subjetividade; de Charvel (1990), a história das
disciplinas escolares; de Silva Tadeu (1999), a identidade e o currículo crítico e pós-crítico; de
Eckert-Hoff (2008), o professor em formação e da escrita de si; de Tardiff (2002), o saber
docente; Nóvoa (1999) trata da profissão professor e os dilemas atuais da profissão; Pimenta
(2002) e Chauí (1998), a construção da identidade do docente no ensino superior; Gonzalez
Rey (2003) ao tratar do sujeito e da subjetividade; Neubern (2002) sujeito e emoções;
Goergen (2010) educação superior e perspectivas PNE; Charaudeau (2009) identidade
discursiva; e Zimmerman (1998), a identidade discursiva, dentre outros.
O caráter sociointeracional e discursivo que desejo imprimir à investigação permitiu-
me estabelecer um diálogo entre tais estudiosos. Num contínuo processo de articulações e
trocas de contribuições teóricas, na busca de uma metodologia que contribuísse para unir,
numa relação harmônica, os conceitos de sujeito e de objeto, ou seja, aquele que constroi o
mundo e, ao mesmo tempo, por ele é construído. Considerando-se sua inserção no seu mundo,
suas histórias e a importância delas para a formação de sua identidade.
O estudo da subjetividade não possui, ainda, uma teoria que me permita estudá-la em
sua totalidade, em virtude das suas inúmeras indefinições e por seu caráter subjetivo
propriamente dito. Todavia, foi exatamente nas subjetividades do sujeito reveladas pelas
histórias orais dos professores entrevistados, que pude flagrar traços de identificação, as quais
me permitiram alcançar o objetivo desse trabalho. Esse resgate foi embasado num
conhecimento construído, a partir da relação dialética entre o que é objetivo e o subjetivo
envolvendo os aspectos individuais e coletivos.
Em outras palavras, estes cruzamentos compõem estruturas teóricas que me levaram a
construir conhecimentos de grande valia, para compreender o professor universitário como
um sujeito discursivo e sua ação, considerando seu caráter dispersivo, seu contexto de ação,
sua história, sua cultura, suas emoções, seus motivos e projetos.
Espero que os resultados apresentados contribuam para o desenvolvimento de novas
investigações sobre a problemática em pauta, provocando reflexões sobre o aperfeiçoamento
dos projetos pedagógico dos cursos de licenciatura em Língua Portuguesa, a partir da
compreensão do processo de construção identitária do professor formador de PLP como
sujeito/objeto e de sua função social, na conjuntura sistêmica de construção de
conhecimentos.
Todavia, sem perder de vista a relevância da relação entre o mundo externo e o interno
da academia, espaço do interdiscurso, assim pensada, por apresentar como ponto de mediação
19
o ser humano, origem e destino de toda herança dos saberes produzidos, o desenho do perfil
identitário do professor formador de PLP resulta do meu olhar atento, como analista.
Assim, flagrei do discurso do professor formador aspectos subjetivos e informações
sobre sua prática docente e sobre a sua formação profissional, reveladas por meio das diversas
marcas linguísticas, identificadas nas narrativas ao longo das entrevistas.
Para melhor compreensão das escolhas teóricas, do percurso da pesquisa, da análise e
dos resultados, dividi este relatório de tese em cinco capítulos, a saber:
No capítulo 1 apresento a proposta, os objetivos, a natureza do objeto e o referencial
teórico em que se baseia o desenvolvimento da investigação; no capítulo 2, contextualizo a
proposta de estudos, diante das reformas do ensino superior brasileiro e português,
considerando as injunções socioistóricas e econômicas da pós-modernidade; no capítulo 3,
identifico os conceitos-chave que norteiam o estudo, discutindo as interrelações existentes
entre eles e a proposta de trabalho; já no capítulo 4, justifico a opção da metodologia
qualitativa e da técnica de entrevista, e descreve-se o processo de análise e de interpretação
dos dados coletados; por fim, no capítulo 5 apresento reflexões sobre a interpretação dos
resultados, as interrelações com o processo de construção de saberes e as implicações desses
com processo de formação de PLP.
20
2 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES
SOCIOISTÓRICAS E ECONÔMICAS DA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA E A UNIVERSIDADE
Entendo como necessário, neste momento do estudo, focalizar, ainda que
panoramicamente, as condições socioistóricas e econômicas da sociedade contemporânea, por
elas se refletirem nas práticas sociais engendradas nas instituições de ensino superior. E, nessa
medida, seguindo de perto uma abordagem sociodiscursiva, pressuponho que este fato
afigura-se importante dado que se reflete na construção identitária dos sujeitos sociais, no
caso deste estudo, na identidade profissional do professor formador de PLP.
Começo por dizer que a realidade socioeconômica do planeta, sob a batuta do
neoliberalismo, implica avanços das ciências e tecnologias, da cultura e do conhecimento. Por
conseguinte, promove-se um deslocamento dos objetivos da educação superior, que passa a
ser responsável pela elaboração de tecnologias estratégicas para o sistema econômico, em
detrimento da produção de conhecimento como um bem público, de acordo com Silva Junior
(2005).
As formas tradicionais de se conceber o conhecimento sobre os homens, o universo e
o estabelecimento da verdade absoluta estão sendo reavaliadas e novas possibilidades surgem
a todo instante, num dinâmico e acelerado processo de interações, onde ensinar e aprender o
certo e o errado (con)fundem-se, ao mesmo tempo em que fundam novas incertezas e
conhecimentos provisórios, como anunciam, por exemplo, Prigogine (1996) e Bauman
(2005).
A sociedade encontra-se imersa nesse contexto, que lhe impõe novos comportamentos,
linguagens, subjetividades, identidades, credos, emoções, valores estéticos, éticos, moral, e
agita-se frente a gama de novas possibilidades de opções que se apresentam. A universidade,
por sua vez, como instituição social reflete e refrata essa situação social, e vivencia uma
profunda mudança de paradigmas no processo de ensino /aprendizagem, de valores e
conceitos que perpassam todos os seguimentos da universidade. Urge para essa sociedade
uma “reforma de pensamento”, voltada para a contextualização, para a interação e para a
interdisciplinarização, a que Morin chamou pensamento sistêmico, “que respeite a diversidade
e, ao mesmo tempo, a unidade, um pensamento organizador concebem a relação recíproca
entre todas as partes” (MORIN 2005, p. 23). E em concordância com o qual, trago minha
discussão sobre a identidade profissional do sujeito docente universitário.
21
Creio que esta situação leva-nos, profissionais do ensino, a uma profunda reflexão
sobre os rumos que desejamos para essa sociedade e, em particular, estabelecer quais deverão
ser os objetivos da universidade de que necessitamos. É necessário escolher se queremos
viver numa sociedade, pensada de maneira sistêmica, onde se busca envolver tanto as
necessidades existenciais, como as materiais, que se originam nos desejos humanos solidários,
materializados na produção de conhecimento. Ou se queremos viver numa sociedade, onde
fortes correntes da globalização ditam os rumos da sociedade economicista, do livre
comércio, da competitividade, das comunicações abertas, das desregulações, onde as
atividades acadêmicas visam à aplicabilidade, utilidade e o valor mercadológico. Esta última
opção, aparentemente, conforme tem sido veiculado pela mídia, não atende às demandas da
sociedade atual, conforme nos convida a pensar Goergen (2010).
Não obstante, nesse contexto socioistórico, o conhecimento de si e do outro implica a
busca de uma convivência tolerante e consciente das forças opostas reguladoras, bem como
das forças dos micropoderes ou de dominação, presentes em todas as relações sociais, “por
dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um
grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que se podem exercer na
sociedade” (FOUCAULT, 1979, p. 181-2).
Dessa perspectiva, penso que se exige, portanto, uma nova forma de concepção do
homem e de suas relações com o conhecimento, com o conhecimento de si, com o
conhecimento do mundo e de ambos entre si. Isso, transpondo para a esfera universitária, para
as relações sociais nela inscritas, implica um novo pensamento sobre o papel social da
universidade como formadora de profissionais conscientes da importância de sua ação, nessa
rede de relações produtoras de conhecimentos, com vistas a construção e ao desenvolvimento
de saberes para a construção autônoma de aprendizagem e de formação democrática, que
envolve as dimensões técnico-profissional e a cidadã.
Interpelados por essa conjuntura em que as mudanças socioeconômicas implicam
transformações sociais e, por conseguinte, educacionais; o professor inquieta-se, e, ao refletir
sobre si e se percebe como mais um ator em conflito com as verdades até então imutáveis;
como sua identidade fixa, histórica e linearmente construída e sua prática docente tradicional
que lhe conferia distinção. Agora, como discutirei mais adiante no Capítulo 3, diz-se que a
identidade afigura-se líquida, inclusive a profissional, que a verdade é passível de revisão, ao
mesmo tempo, em que, o professor formador revê todos esses conceitos apreendidos ao longo
de sua formação técnico-acadêmica, já se é convocado a estabelecer novas práticas, enquanto
(re)-forma e forma a si mesmo.
22
Em meio a tudo isso, um novo modo de pensar a educação vem sendo disseminado
nos países em desenvolvimento, através da instauração de um pacto educacional, cujas
organizações e estratégias seguem as exigências do livre mercado, com vistas a satisfazer seus
objetivos de geração de riquezas, como discutem Chauí & Pimenta (2002).
No âmbito desse cenário, destacam-se Portugal e Brasil, ambos, nesses últimos tempos
vêm se descobrindo mutuamente, o segundo devido à sua projeção internacional, acredita na
solidificação de sua cultura nacional. Em virtude disto, é redescoberto pelos portugueses, que
passou apreciar expressões linguísticas, as telenovelas, os romances, a poesia, a comida e as
formas de tratamento brasileiro. Tudo isso facilitado pelo fato de ambos os países integrarem
o bloco das nações que falam a Língua Portuguesa, um contingente de 272,9 milhões de
falantes, distribuídos entre nove países, ressaltando a posição, do primeiro, como único
falante na Europa3, e o segundo, como único falante nas Américas. Ambos os fatos remetem à
formação de um interessante grupo consumidor que, devido a unidade da língua portuguesa,
isso ocupa lugar de destaque, nas planilhas das empresas comerciais, como consumidores de
informações veiculadas pela televisão, imprensa, internet, de arte, de turismo, de telefonia, de
diversão, de bens de consumo, etc.
Sob esse viés, ocupando-se a posição de liderança nesse grupo, os dois países buscam
fortalecer-se frente aos demais, aproximando-se, tanto no campo da construção de
conhecimentos, com os programas de intercâmbios de estudantes, como no campo das trocas
comerciais e políticas. Estreitando as relações políticas internacionais de Brasil e Portugal
com os demais países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Mais relevante, ainda, é o crescente interesse das autoridades educacionais
portuguesas e brasileiras em adaptar os modelos de educação superior e de pós-graduação ao
modelo estabelecido pelo Tratado de Bolonha de 2010, de acordo com Lima (2008). Uma
ação político educacional, justificada pelo desejo de internacionalização da educação,
aparentemente, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico de ambos os países.
Isto é, sob novas bases de interesses comuns, os dois países aproximam-se para, então, terem
voz e assento nesse novo espaço interativo, o mundo da economia globalizada.
Tomando essa conjuntura socioistórica, como pano de fundo, é que esta pesquisa
busca compreender o processo de formação identitária dos professores formadores de PLP
brasileiros e portugueses. O foco desse trabalho investigativo incide sobre o professor
formador de PLP. Ressalto que o mote que justifica esta escolha se explica pelo fato de que a
3 Dado foi fornecido pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa.
23
história dos sistemas educacionais, dos dois países, é marcada por reformas universitárias que
dialogam entre si, no que se refere às questões socioeconômicas que desencadearam tais
mudanças.
Aponto a situação conjuntural do neoliberalismo que, resguardando as diferenças
socioistóricas, levou os dois países a buscar uma solução rápida para sanar as diferenças de
produção de saberes de suas universidades, se comparados com as grandes universidades dos
países ricos e desenvolvidos como Alemanha, França, Inglaterra, USA e Japão. Como
alternativa, buscam as reformas para poderem participar da ciranda da obtenção de vantagens
com a internacionalização e intercambio de saberes, estimulando a competitividade.
No caso específico do Brasil, existe a adoção do modelo para a criação da
Universidade Nova com o objetivo de aumentar do número de estudantes e reduzir a duração
dos cursos. Considerando-se que, em Portugal, essa reforma do ensino superior foi implantada
antes de o ser no Brasil, um estudo em que seja feito um cotejamento entre as duas situações,
faz-se promissor no que se refere aos propósitos desse trabalho.
Ciente disso, elenco alguns pontos que revelam em larga medida, uma possível relação
de contato entre tais países, no sentido de identificar e comparar a construção identirária do
professor formador de PLP, no seio das injunções impostas pelas demandas pela globalização
e pelo desenho de uma nova universidade.
Alguns desses pontos envolvem a busca da eliminação das taxas de analfabetismo
ainda existentes, a adaptação e/ou construção de um novo modelo de educação superior, a
começar por considerar como importantes marcos democráticos as leis que garantiram a
escolaridade de qualidade e gratuita a todos os cidadãos, a democratização do ensino superior,
que, ainda em processo, trouxe para a universidade novos públicos no que toca a discentes; a
rediscussão de novos paradigmas na produção e socialização de conhecimentos, e ao perfil
identitário do professor universitário.
No caso deste estudo, o foco dirige-se para o professor formador de professores, cuja
formação aqui “não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas),
mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção
permanente de uma identidade pessoa” (NÓVOA, 1999, p. 57). O professor deixa de ser um
transmissor de conhecimentos, para se ver, nesse contexto, como professor que produz
conhecimento, mediado pela pesquisa, que deixa de ser um detentor de saberes, para se fazer
como aquele, junto aos alunos, co-constroi saberes, pois o aprendizado decorre das interações,
ou seja, “das relações que se criam nas ações acompanhadas de reflexões sobre seus
resultados e produção de significados” (ALMEIDA, 2003, p. 206).
24
Esses conceitos são amplamente difundidos em documentos referências, de ambos os
países, por exemplos, as diretrizes da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE, 2005), em
Portugal, e a Lei de Diretrizes e Base de 1968, no que se refere ao ensino superior no Brasil.
Esses estudos projetam, a despeito das particularidades de cada uma das noções, um professor
formador com um perfil identitário, que reflete as demandas do cenário das nações ditas
globalizadas.
Para deixar essas considerações mais bem contextualizadas, seja em relação às
especificidades educacionais do ensino superior dos países em foco seja em relação às
demandas das chamadas sociedades globalizadas, na seção abaixo, abro uma discussão que
intenta acercar-se do que se propõe. Nesse sentido focalizo primeiramente o Brasil,
relativamente, à reforma educacional ditada pela LDB/1961.
A reforma universitária, em 1968, foi a grande LDB do ensino superior, assegurando
autonomia didático-científica, disciplinar administrativa e financeira às universidades. A
reforma representou um avanço na educação superior brasileira, ao instituir um modelo
organizacional único para as universidades públicas e privadas. A partir dos anos de 1990,
com vista a preparação para o início de um diálogo com Processo de Bolonha, algumas
mudanças significativas foram efetuadas no quadro da legislação do ensino superior
brasileiro.
Um novo sistema educacional lança o país no desafio de “transforma-se e participar
tanto da transformação da realidade local e nacional, quanto de conectar-se às tendências
internacionais de mundialização nos campos da pesquisa, tecnologia e formação profissional”
(GOERGEN, 2010, p. 2).
Diante de tamanho desafio, é fundamental que todos tenham consciência política das
implicações dessa mudança e do papel do docente nesse contexto, é necessário “determinação
dos gestores, dos docentes, alunos e responsáveis pelas políticas públicas do setor, para, de
um lado, resistir às exigências do neoliberalismo economicista e, de outro, promover a
integração internacional” (GOERGEN, 2010, p. 2).
A questão neoliberalista expande-se em todas as direções, a economia de livre
mercado instiga os países a se aliarem a outros, formando grupos comerciais que se
assemelham nas mais diversas maneiras, para atuarem como parceiros comerciais de
diferentes frentes no comércio exterior. Os países emergentes querem fazer parte desse
contexto, no entanto, é imprescindível que tenham sistemas educacionais de qualidade que
produzam conhecimentos e conhecedores para atuarem nessas frentes de competitividade. E,
25
assim, lançam-se nessa grande empreitada de reformas educacionais, que trazem consigo toda
sorte de consequências, em especial, para as gerações vindouras.
2.1- Processo de Bolonha: adesão portuguesa
A adesão de Portugal ao Processo de Bolonha tem provocado profundas mudanças no
sistema educacional do país. Trata-se de um processo político e de reformas institucionais
resultantes do projeto educacional supranacional, comum aos estados que constituem a União
Europeia, com vista a um espaço europeu de educação superior “política pública de um meta-
Estado para um meta-campo universitário” (AZEVEDO, 2006, p. 173), que não deixa dúvidas
sobre “sua opção pelo princípio da competitividade em termos não só de emulação, de
eficiência e de financiamento, mas também de lógica mercantil” [...] referente “à educação
superior e a economia de conhecimentos” (LIMA, 2008, p. 13).
Os principais questionamentos a respeito do processo, devido à sua enorme
abrangência, por um lado, dirigem-se à garantia de qualidade, custos e benefícios trazidos por
essa iniciativa, por outro lado, dirigem-se às exigências da competitividade e de avaliação.
Embora, teoricamente, tenha um formato humanista-economicista, passa a ter feições
positivistas ao assimilar os contornos de mercado. A regulação, acreditação e avaliação e das
instituições de ensino superior deixam de ser efetuada pelos atores envolvidos diretamente no
processo, passando às mãos de agências externas, num exercício de estimulação da lógica
competitiva.
O modelo de Bolonha propõe, entre outras coisas, um novo gerenciamento com novos
objetivos de produção de conhecimentos estranhos à universidade portuguesa, considerada
uma instituição universitária que “configura-se como uma instituição multissecular,
aparentemente objeto de generalização em termos organizacionais, evidenciando importantes
elementos invariante do ponto de vista morfológico processual” (LIMA, 2008, p. 8). “A
autonomia institucional e a liberdade acadêmica tendem, agora, a ser reconceituadas como
técnica de gestão, subordinada a um novo paradigma de educação, centrada na comparação
entre produtos” (LIMA, 2008, p. 8).
Assim, em Portugal, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei no 46/1986, de
14 de outubro, estabeleceu as grandes metas para a Educação regular, bem como para a
Educação Especial, criando condições de enquadramento das políticas de inserção. No que se
refere ao ensino superior, em 2000, desenvolveu-se o Projeto de Lei no 22, inciso VIII, que
versava sobre a organização e ordenamento do ensino superior que, após sofrer modificações,
26
foi aprovado em 2005. Esse projeto apresentava como justificativa a necessidade de se
proceder à reorganização da rede de estabelecimentos e de cursos de ensino superior e de
clarificar a diferente natureza dos subsistemas universitários e politécnicos (Lei no 26, de 23
de agosto de 2000).
Os primeiros passos para a reforma do sistema de ensino superior, em Portugal, foram
dados com a introdução de um novo sistema de créditos para ciclos de estudo, mecanismos de
mobilidade, suplemento ao diploma, entre outros. Enfim, foram efetuadas alterações à Lei de
Bases do Sistema Educativo de modo a implementar o Processo de Bolonha, de acordo com
informações do Diretório Geral do Ensino Superior do Ministério das Ciências Tecnologia e
Ensino Superior.
A entrada de Portugal, como país membro da União Europeia, foi a resposta às
necessidades imediatas da modernização, à abertura de sua sociedade, à sua democratização e
reinserção na economia mundial. Trata-se de um desafio irrecusável, mas muito exigente para
a economia e para a sociedade portuguesa. De acordo com Lima (2008), a reforma exige uma
reorganização pedagógica profunda e demanda aporte financeiro significativo. Objetivando
atender à essas necessidade, cortes orçamentários têm sido feitos como redução de encargos
do Estado, diminuição do quadro de docentes e funcionários, além de redução de duração de
cursos, isso que poderá levar ao comprometimento dos resultados previstos e desejados.
Considerando-se a tradição e a história do ensino superior em Portugal e no Brasil,
aparentemente, a universidade portuguesa, sofre mais o impacto dessas mudanças do que a
brasileira, pois
Configura-se como uma instância cultural multissecular, aparentemente
objeto de generalização em termos organizacionais, evidenciando importan-
tes elementos invariantes do ponto de vista morfológico e processual [...]
mantiveram inúmeros elementos próprios de natureza nacional ou religiosa,
cultural, econômica, das quais resultaram distintos modelos, diferentes rela-
ções com o Estado e a administração pública, estatutos jurídicos variados,
projetos educativos e culturais, e ainda formas de organização dos estudos,
consideravelmente plurais (LIMA, 2008, p. 8).
Por sua vez, a universidade brasileira, cuja historicidade é bem recente e está ligada
aos modelos estrangeiros, como o americano capitalista, onde impera a mercantilização da
produção de conhecimentos, conforme afirma Lima (2008)
a reforma universitária de 1968 no Brasil, por exemplo, durante o regime
militar, sofreu influência do modelo departamental da universidade norte-
americana. Nos anos 90, por sua vez, as reformas do estado e da educação
superior tiveram por referencial teórico o liberalismo ortodoxo emulado pelo
Banco Mundial. Já no início do século XXI, qualquer movimento de reforma
universitária que se pretende implantar no mundo, entre outras inspirações e
27
referencias, obriga-se a fazer menção ao Processo de Bolonha que, conforme
foi apresentado anteriormente, é uma meta-política pública, de um meta-
Estado, iniciada em 1999, de construção de um espaço de educação superior
na Europa, cujo objetivo essencial é o ganho de competitividade do Sistema
Europeu de Ensino Superior frente a países e blocos econômicos (LIMA,
2008, p. 21).
O autor afirma ainda que, embora as a mudanças sejam necessárias, é vital que ela não
se sucumba ao imediatismo de mercado, mas, sim, que seja compatível com o projeto
soberano e sustentável dos países emergentes, considerando-se suas carências e potencia-
lidades.
2.2 - Processo de Bolonha: parcial adesão brasileira
A adesão do Brasil ao Processo de Bolonha, hoje, é uma transformação em curso,
diferentemente, do que ocorre em Portugal, onde já se apresenta como um fato consumado.
Isto, entre outros fatores, deve-se às diferenças históricas da criação das universidades aqui e
lá, além dos diferentes graus de urgência socioeconômica envolvidos.
No que se refere à orientação para implantação de um novo sistema educacional nos
dois países, identifica-se uma semelhança com a criação de uma lei mais democratizante para
a educação, e, atualmente, essa semelhança tornou-se ainda mais acentuada, ao tratar da
questão da educação superior, fato que justifica a escolha desses dois países, aliado ao fator de
serem países de língua portuguesa.
Particularmente no Brasil, a discussão sobre reforma universitária coincide com a
discussão do projeto de um novo país, iniciado no governo de Fernando Henrique, quando a
palavra de ordem era a priorização do livre mercado, e, esse “novo contexto global exige uma
total reinvenção do projeto nacional sem a qual não haverá reinvenção da universidade”
(SOUZA SANTOS, 2004, p. 47-49).
No Brasil, essa mudança teve início com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB/1961), quando os órgãos estaduais e municipais ganharam mais autonomia,
diminuindo a centralização do nome completo Ministério de Educação Cultura (MEC). Essa
lei, tomada como orientadora dos rumos da educação básica brasileira sofreu várias
modificações como, em 1971, o ensino passa a ser obrigatório dos sete aos 14 anos e prevê um
currículo comum para o ensino básico e médio, além de uma parte diversificada em função
das diferenças regionais. Mais tarde sofreu nova modificação, em 1996, trouxe a inclusão da
educação infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da educação básica, e
posteriormente a obrigatoriedade do ensino médio.
28
Embora exista no Brasil uma lei que regulamente o ensino superior, a LDB, são muitas
as medidas provisórias e resoluções ministeriais e do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Juntas vão compondo uma espécie de mosaico de diretrizes a serem seguidas e isso dificulta a
compreensão de todo o processo de reforma universitária em curso.
A reforma universitária, em 1968, foi a grande LDB do ensino superior, assegurando
autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira às universidades. A
reforma representou um avanço na educação superior brasileira, ao instituir um modelo
organizacional único, para as universidades públicas e privadas sob influência do modelo
departamental da universidade norte-americana.
No Brasil a demanda de mudanças desencadeada pela competitividade da
globalização, teve início nos anos 90 do sec. XX, quando a Reforma do Estado influenciou
também a reforma do sistema da educação superior avalizado pelo Banco Mundial. Essa
proposta que mais tarde veio a ser ratificada e expandida nos dois mandatos do Presidente
Lula, hoje, sofre ajustes com forte direcionamento para a criação das chamadas Universidades
Novas, tentando-se criar um misto do Modelo Norte-americano com o Modelo da União
Europeia.
A partir desse propósito, com vistas à preparação para o início de um diálogo com
Processo de Bolonha, algumas mudanças significativas foram efetuadas no quadro da
legislação do ensino superior brasileiro.
Dando continuidade ao projeto de reforma do ensino, iniciada anteriormente, no
governo de Lula, como o Programa Universidade para Todos (PROUNI), foi instituído pela
Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004 e institucionalizado pela Lei n
o 11.096,
de 13 de janeiro de 2005. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI), foi instituído pelo Decreto no 6.096, de 24 de abril de
2007/9. Dentre as várias exigências das organizações avaliativas do novo modelo orientador
do sistema educacional, está a sugestão da inscrição no PISA é
uma avaliação trianual promovida pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) que avalia estudantes de 15 anos de
idade em habilidades de leitura, matemática e ciências. A primeira avaliação
foi realizada em 2000, focalizando a leitura, a segunda em 2003, para
matemática e a terceira em 2006, em ciências. Além dos países pertencentes a
OCDE, o PISA é realizado em países que aderem ao exame, denominados
parceiros, nos quais o Brasil se inclui (VIEIRA, 2008, p. 29).
Nas últimas décadas, o Brasil foi alçado à posição de destaque, no campo econômico
mundial, em busca de se manter na posição atual e quiçá galgar outras mais nessa corrida
29
globalizada, o governo brasileiro cede às exigências dessa ordem socioeconômica, e,
reconhece a urgente demanda de melhorias no seu sistema de educação, ou seja, nos seus
níveis básico, médio e superior, como ponto de partida para seu desenvolvimento
socioeconômico.
Para tanto, as autoridades governamentais reafirmaram antigas parcerias e
estabeleceram outras novas, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), por meio do Ministério de
Educação Cultura e Desporto (MEC), e, em comum acordo, resolveram deixar por conta do
Estado a educação básica e entregar ao mercado a educação superior. Este seguimento vem
recebendo significativos investimentos para o desenvolvimento de ciência e da tecnologia,
promovendo a expansão e criação de cursos e de novas universidades federais, estimulando a
concorrência entre as mesmas, a partir do programa de reforma e o reordenamento das IFES,
de acordo com Lima (2008).
O Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (REUNI), ao mesmo tempo em que promove a revisão dos projetos pedagógicos e de
acesso à universidade, estabelece mudanças significativas no modelo da estrutura acadêmica
superior, aproximando-se de modelos estabelecidos pelos Parâmetros de Bolonha, como por
exemplo, o projeto de criação da Universidade Nova. Trata-se de iniciativas que começaram a
ser implantadas nos anos de 1990, e que tiveram prosseguimento nos governos seguintes,
quando receberam maior aporte financeiro, resultando no quadro atual de organização
administrativo/pedagógico.
O novo ensino superior, a expansão de vagas e, em especial, o novo desenho
organizacional das licenciaturas, constituem um empreendimento de grande envergadura.
Devido a isso, a grande preocupação dos estudiosos do assunto, recai sobre o desafio de
conciliar os esforços para a efetivação da expansão universitária com a garantia da
manutenção da qualidade do ensino oferecido. No que se refere à aferição de resultados,
exige-se um sistema de avaliações inovador e eficiente, ainda não totalmente instaurado no
Brasil, ao contrário do que já acontece em Portugal.
A rapidez e abrangência dessas transformações apontam para um deslocamento da
identidade do professor. E, de acordo com as representações sociais o professor, nesse
processo, é um dos principais protagonistas como agente das mudanças, bem como, co-
responsável pelos resultados apresentados.
Nesse caso específico de transformação dos sistemas educacionais da educação
superior tanto em Portugal como no Brasil, há elementos que se assemelham no que se refere
30
à exigência de uma reorientação administrativo e pedagógica, a partir de uma demanda poli
tico econômica globalizante. Além disso, ambos se servirem, de maneira voluntária e com
maior ou menor adesão, de um mesmo modelo de política educacional supranacional, que é o
Processo de Bolonha.
Por conseguinte, em ambos os países observa-se como resultado da reforma uma
inevitável transformação epistemológica e metodológica a alterar todo o sistema de formação
de todas as categorias de profissionais. Um fato muito significativo, em termos socioistóricos,
portanto, de extrema importância para esse trabalho de pesquisa.
Igualmente fortes e impactantes são os esforços pessoal e coletivo exigidos para
atender às demandas social, econômica e administrativo-pedagógica dessa transformação em
curso. Para tanto, unem-se esforços e investimentos muito vultosos em prol da implantação
das reformas pedagógicas, gerando instabilidade em vários níveis. Em especial, assinalo a
questão identitária, refletida nas ações docentes do professor formador. Um profissional que
se recente, frente à nova ordem de trabalho docente, ao ser convocado para construir e adaptar
práticas de ensino a serviço de uma nova e urgente demanda social, ainda desconhecida em
muitos aspectos.
2.3 - O mundo da academia: espaço de atuação do professor
A Academia, instituição considerada, historicamente, produtora de um saber crítico,
revolucionário, autônomo, axiologicamente neutro e livre de quaisquer tentativas de controle,
quer do Estado, quer do Mercado ou da Sociedade. Centro de solução dos problemas da
ordem da compreensão e interpretação das linguagens, oriundos das nossas experiências nas
relações de mudanças e rompimentos dos paradigmas éticos, científicos, sociais, históricos,
econômicos, culturais e biológicos bem sucedidos ou não, que afligem a sociedade, encontra-
se imersa em uma crise de ordem epistemológica e estrutural.
Uma transformação demandada pela sociedade globalizada da pós-modernidade, em
que o poder é mais importante que o conhecimento, num processo em que as pesquisas
utilitaristas são voltadas para o desenvolvimento econômico social, alavancado pelos
financiamentos empresariais.
Assim, a universidade vê-se pressionada pelo mercado que exige níveis mais elevados
de teorização e de trabalhadores especializados. Ratifica-se, então, a condição determinante
dos países em desenvolvimento, identificados como importadores de conhecimentos
produzidos pelos países do desenvolvidos, quando nos vemos mobilizados para a implantação
31
de modelos americanos, europeus e/ou japoneses no ensino superior, num claro propósito
de se promover uma adaptação às exigências do mundo globalizado.
Estamos vivenciando dias de mudanças de uma sociedade angustiada que deseja as
transformações e busca inovações, mas, paradoxalmente resiste e tenta preservar alguns de
seus esteios de segurança, como por exemplo, a conservação da verdade única que julga
conhecer. Isto é, evidencia a natureza contraditória e inconstante do sujeito social.
Portanto, a crise da universidade é também a crise da sociedade. É nesse cenário que
se desenvolve a ação do professor formador de PLP, alvo de atenção dessa pesquisa que busca
compreender e interpretar o sentido dos relatos de docentes sobre sua ação contextualizada
nas suas experiências sociais, numa interseção entre o pessoal e o profissional.
É exatamente, neste desequilíbrio que reside a solução das aflições sociais, traduzida
em transformação, o único fator que poderia levar a algo inovador, pois a estabilidade
significa, neste contexto, uma situação que já não existe mais e mesmo se nos fosse possível
voltar, seria uma solução inadequada para o modelo vigente.
Assim, segundo Afonso (1999) o que se busca é uma proposta consensual, em que as
problemáticas da competitividade e da cidadania devem ser consideradas dimensões
articuláveis através de um novo papel que a educação e a formação de professores deverão
assumir frente a uma economia, segundo Castells (1997), caracterizada como
Informacional porque a produtividade e competitividade das unidades ou
agentes desta economia (quer sejam empresas, regiões ou nações) dependem
fundamentalmente da sua capacidade de gerar, processar e aplicar com
eficácia a informação baseada no conhecimento. É global porque a produção,
o consumo e a circulação, assim como os seus componentes [...]. É
informacional e global porque, nas novas condições históricas, a
produtividade gera-se e a competitividade exerce-se por intermédio de uma
rede global de interações. [...] O vínculo histórico entre a base de
conhecimento-informação da economia, o seu alcance global e a revolução
tecnológica da informação é que dá origem a um sistema econômico novo e
distinto (CASTELLS, 1997, p.93).
Neste contexto, o desenvolvimento sistemático das competências e habilidades
necessárias para geração de saberes cabe à escola compreendida como uma rede de interação
de produção de conhecimentos destaque para os cursos de formação de professores.
As atenções se voltam para a competitividade flexível e para a produtividade
inovadora com objetivo de viabilizar o desenvolvimento do sistema econômico neoliberal.
Um sistema baseado no conhecimento e nas tecnologias da informação é demandado um novo
perfil profissional, em que
32
o trabalhador é escolarizado, educado e qualificado, preparado para
trabalhar em equipe com capacidade de iniciativa e espírito crítico. Neste
novo sistema de produção redefine-se e diferencia-se o papel do trabalhador
[...]. Uma diferença tem a ver com o que denomino trabalhador genérico
frente ao trabalhador autoprogramável. A qualidade crucial para diferenciar
estes dois tipos de trabalhador é a educação e a capacidade de aceder a níveis
superiores de educação; isto é, a incorporação de conhecimento e informação.
O conceito de educação deve distinguir-se do de qualificação. Esta pode
tornar-se rapidamente obsoleta pela mudança tecnológica e organizativa. A
educação [...] é o processo mediante o qual as pessoas, quer dizer, os
trabalhadores, adquirem a capacidade de redefinir constantemente a
qualificação necessária para uma tarefa determinada e de aceder às fontes e
aos métodos para adquirir a referida qualificação. Quem possui educação no
contexto organizativo adequado, pode reprogramar-se para as tarefas em
mutação constante do processo produtivo (CASTELLS, 1997, p. 375).
Porém, não se pode perder de vista o fato de que a “educação somente poderá
contribuir para aquilo que lhe é exigido, se houver oportunidades de emprego para os
trabalhadores mais produtivos” (LEVIN; KELLEY apud AFONSO, 1999, p. 14). Assim, a
forma e conteúdo que a educação assume são decisivos para a democratização de acesso aos
diferentes níveis de formação, traduzidos pela distribuição equivalente dos recursos culturais
e dos diplomas conquistados, pois “a mobilização para a educação e a formação apenas
emerge e se consolida se os indivíduos tiverem garantias quer a segurança econômica, quer a
satisfaça das necessidades e condições básicas de vida” (BROWN; LAUDER; KOVÁCS apud
AFONSO, 1999, p. 14).
É necessário que o trabalho qualificado seja valorizado numa combinação como a
criação e distribuição de empregos, dentro de um acordo eficiente de direitos e compromissos
sociais envolvendo a sociedade, constituída pelo Estado, escola, patrões e empregados.
Assim devo refletir sobre a importância de um programa de educação dinâmico e
atualizado, onde especial atenção deve ser dada à formação consistente do professor, o pivô
deste processo e o responsável por construir o currículo, selecionar conteúdos, desenvolver
métodos de ensino e de avaliação para instrumentalizar sua ação docente.
Por princípio, a política socioeducacional com vistas a uma ampliação das
oportunidades educativas e formativas, necessariamente, deverá ser construída de maneira
democrática. Assim,
nesta direção, serão definidos quais os saberes e as práticas deverão ser
valorizados, quais serão invalidados, e como estes se relacionam com as
identidades desenvolvidas ou reprimidas através da educação.
a necessidade de prevenção contra a produção institucionalizada de uma
ampla gama de desigualdades e exclusões culturais e sociais através do
ensino e da formação não autorizada de abordagens voluntaristas ou
superficiais, ainda que bem intencionadas, que ignorem as dimensões
políticos-culturais da educação sublinhadas por décadas de experiências e de
investigação (BERNESTEIN, 1998, p.83).
33
Isto pode ser agravado a depender do posicionamento ideológico dos grupos sociais de
interesses divergentes, que assumem o comando da distribuição ou restrição dos recursos
culturais e simbólicos associados à educação e à formação. Para o autor o currículo deve visar
à integração das áreas de conhecimento, pois quanto maior for o número de classificações e
subdivisões das disciplinas acadêmicas maior será o isolamento entre elas e menor a produção
eficiente de conhecimentos.
As questões de currículo, de práticas de ensino e de avaliação instituídos pela
academia estão ligadas ao tipo de ensino que demanda a sociedade, segundo Silva (2008).
Todavia, na prática, verifica-se um descompasso entre o currículo da academia,
socioistoricamente construído, baseado nas teorias tradicionais e na expectativa de
conhecimento do público a que se direcionam, jovens, cuja formação identitária insere-se na
cena contemporânea.
Instala-se uma importante questão, como se desenvolve a interação na sala de aula
entre docentes e alunos, quando os métodos de ensino baseiam-se em teorias que não
satisfazem aos objetivos da formação de um PLP reflexivo, de um sujeito polifônico e plural?
Isso gera uma situação inquietante, a qual suscita questões que levam a pensar no
deslocamento constituinte do sujeito multifacetado que, na interação com o outro, faz emergir
a subjetividade heterogênea. Isto é, produzida e realizada na e pela linguagem, a partir das
interações sociais de enfrentamento, uma situação em que impera a dialética dialógica
bakhtiniana, já comentada anteriormente.
Para a constituição da heterogeneidade subjetiva contribuem os componentes
semióticos que se manifestam por meio das instituições como escola, família, religião, estética
etc.; além dos componentes fabricados pela indústria da mídia, complementados pelas
dimensões semiológicas a-significantes colocando em jogo máquinas
informacionais de signos, funcionando paralelamente ou independentemente,
pelo fato de produzirem e veicularem significações e denotações que
escapam então às axiomáticas propriamente linguísticas (GUATTARI, 1992,
p. 14).
Isso ocorre numa profusão interativa que dará origem ao inusitado, ao impensado, a
novas subjetivações que, consequentemente, permitirão ao sujeito construir novas
identificações. Trata-se de um processo dinâmico, o qual permite ao autor afirmar que
subjetividade é “o conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou
coletivas estejam em posição de emergir como um território existencial autorreferencial, em
34
adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva”
(GUATTARI, 1992, p. 19).
Entra em cena o currículo, tomado aqui como orientação de um percurso estabelecido
a partir do conhecimento do lugar das relações de poder, do discurso, enfim da identidade dos
sujeitos envolvidos. Visto por esse prisma, constato o descompasso existente entre o currículo
da academia e o demandado pelo sujeito, a quem interessa a construção de saberes.
Compreender o sujeito é interpretar sua trajetória, sua construção identitária. Esta, por sua
vez, remete às teorias das práticas discursivas, onde os saberes vão sendo transformando e
(re) construídos por meio do interdiscurso e do intradiscurso, segundo Eckert-Hoff (2008).
Para isto, é imprescindível indagar como se comporta a subjetividade do sujeito docente,
diante da noção de sujeito cartesiano que, ainda hoje, predomina nas ciências, nas instituições
e na estrutura socioeconômica e midiática.
Faz-se necessário que se identifiquem as principais vozes que provocam as
identificações dos sujeitos para que se compreendam as relações entre o poder, as identidades
e os saberes, conceitos basilares para compreensão do currículo e do direcionamento da ação
docente nas academias, onde estão sendo formados professores de língua materna, de acordo
com Silva (2008) em Documentos de Identidade.
Nessa perspectiva, o ponto inicial das indagações deste estudo é o sujeito/professor
formador, tomado tanto “como indivíduo” quanto “como produto social”, considerando-se
que sua identidade, segundo Dubar (2005) resulta da mistura de sua identidade social com a
identidade profissional, aqui, atualizada nas entrevistas. Elas trazem, em seu bojo, toda a
historicidade sociocultural do sujeito que enuncia suas experiências docentes. São relatos de si
que compõe o sujeito, ou seja, uma coletânea de identificações que permitem ao analista
interpretar o sentido da identidade mostrada nesse momento de encontro.
À compreensão da relação docente e discente na academia de hoje, interessa
considerar o que afirma Foucault (1986) ao falar sobre a importância dos micropoderes, o
termo „poder‟ designa relacionamentos entre parceiros “e com isto não menciono um jogo de
soma zero, mas simplesmente, e por ora me referindo em termos mais gerais, a um conjunto
de ações que induzem a outras ações, seguindo-se uma às outras” (FOUCAULT, 1982, p. 217).
O autor afirma que o poder
em si mesmo [...] não é violência nem consentimento o que, implicitamente, é
renovável. Ele é uma estrutura de ações; ele induz, incita, seduz, facilita ou
dificulta; ao extremo, ele constrange ou não, entretanto, é sempre um modo
de agir ou ser capaz de ações, um conjunto de ações sobre outras ações
(FOUCAULT, 1982, p. 220).
35
Para o autor o discurso constitutivo de significação, presente nas práticas discursivas,
produz os saberes e, esses, as disciplinas que, por sua vez, vão gerar mais saberes. Os saberes
são a realização dos discursos nas práticas sociais, constituem as ciências, as quais vão
determinar o que é bom e o que não o é em relação às possibilidades dos objetos e as posições
dos sujeitos. Portanto, os discursos/saberes são considerados poder, porque estabelecem as
regras que definem o sujeito/objeto, valida os conceitos e toda a verdade que o rodeia.
Ao mesmo tempo, “a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo número de procedimentos, que tem por função conjurar poderes e
perigos, dominar acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”
(FOUCAULT, 1998, p. 8-9). E como tal, o discurso é “aquilo por que e pelo que se luta, o
poder do qual nos queremos apoderar”, pois, “a verdade/saber/ poder não se situa no discurso,
mas em quem o profere”(FOUCAULT, 1998, p. 10).
Para o autor os micropoderes são os efeitos dos saberes no dia a dia dos indivíduos,
ação e efeito autorizados pelo sujeito que o repete diariamente, como por exemplo, o hábito
de frequentar academia de ginástica, uma ação disciplinar do sujeito sobre seu corpo para
torná-lo útil e produtivo para a sociedade.
Esse micro poder que nem sempre é repressivo, é visto por Foucault (1986) como um
fenômeno relacional que atravessa o corpo social, permitindo realinhamentos e novos
enfrentamentos, geradores de novos saberes. Sua ação tem como consequência a disciplina do
corpo e da mente, encontra-se disperso nas “instituições coletivas, nos regimentos
administrativos, no conhecimento especializado dos profissionais e no conhecimento
fornecido pelas ciências sociais”, ou seja, os micropoderes ou saberes, compreendidos como a
verdade são tomados pela sociedade como a base dos acordos sociais, da moral e têm o
“objetivo de manter sob controle a vida, as atividades, o trabalho, os prazeres e as
infelicidades do indivíduo”(FOUCAULT, 1986, p. 43).
Assim, a interpretação do sujeito vem do outro e não de si mesmo. O poder consiste,
então, em se apossar do saber do outro e, dele, fazer uso como um instrumento de influência
sobre os outros e de interpretação, logo, um lugar de poder, um lugar de ação.
A formação identitária do professor formador realiza-se a partir dos saberes presentes
nas práticas discursivas e se atualizam no fazer docente, portanto, é construída
discursivamente. Interessa sobre maneira a esse estudo compreender de que estratégias esse
poder se vale para forjar as identificações reunidas pelo sujeito pra compor sua identidade
enunciada na entrevista.
36
Uma visão míope de si mesmo é estabelecida, a partir da sua interpretação das regras
estabelecidas, segundo a verdade do seu imaginário cultural, crenças, e dos saberes, que por
serem sociais emanam do outro. O docente ao buscar a verdade, torna-se disciplinado pela
norma, à qual se submete, ou torna-se um disciplinador quando o exerce. Segundo o autor,
ocorre uma luta em que o aumento de controle sobre sua ação, gera mais conhecimento sobre
si e sobre sua ação, o que provoca uma reação emancipatória, que provocará uma
contrarreação por parte dos controladores, e assim, sucessivamente.
Tal poder obriga este sujeito a se confrontar com uma demanda de identidade líquida,
segundo Baumann (2005), na pós-modernidade, as transformações sociais se dão de maneira
contínua, mas a intensidade desse processo torna transitórios os valores, as identidades
sociais, culturais, profissionais, religiosas e sexuais. Isso impede seus processos de
sedimentação social, embora, ainda dentro da transitoriedade. E como resultado as
transformações ocorrem com tal frequência que torna as identidades líquidas, contrapondo-se,
metaforicamente, ao pensamento moderno que defende a solidez do sujeito e de sua
identidade.
Assim, o professor formador, cujo processo de formação identitária acadêmica/
profissional iniciou-se seguindo o modelo vigente do modernismo, ressente-se das novas
diretrizes epistemológicas do ensino da linguagem. De acordo com os relatos dos docentes
entrevistados, eles se tornaram inseguro quanto às suas convicções e dividido frente à
realidade que se apresenta. Nascidos e educados num mundo dominado pelo pensamento
cartesiano, onde o sujeito tem o controle da verdade, cuja existência é comprovada pela
lógica, vêem-se agora em crise. Encontram-se nesse processo de transformação, dadas as
injunções das demandas de uma universidade do século XXI, destituídos de suas certezas,
obrigados a adaptar-se a uma nova ordem multifacetada, onde “a verdade não é entendida
com única, fixa e estável, mas como verdades que são, constantemente, construídas e
postuladas para certos momentos, em dados lugares” (FOUCAULT, 1993, p. 156).
É importante salientar que mudanças sempre ocorrem, porém, o que catalisa o estado
de alerta e o desconforto é a velocidade com que se processam as reformas universitárias, isso
as transformam em elemento surpresa. Além disso, preocupa aos professores a abrangência
dessas transformações, seja na demanda de novos saberes e de novas práticas de ensino, seja
na implantação de novos planos de cargos e salários. Em especial, implica nova forma de vida
e de convivência com a produção de novos saberes e, por sua vez, de novos poderes tanto no
âmbito do pessoal como no profissional.
37
Segue-se a isto o fato de que a “subjetividade não pode mais ser pensada como
unificada, mas como descentrada, e consequentemente, a identidade também deve ser definida
como cindida, dispersa, heterogênea”(FOUCAULT, 1993, p. 156). O que me leva a preferir o
termo identificação, uma vez que a noção de identidade carrega a ideia de um sujeito
totalizante e homogêneo, que não leva em conta a multiplicidade de discursos e de dizeres que
o constituem, considerando-se os tipos de identificação simbólica e imaginária. Logo, as
identificações são compreendidas como
Uma construção, como um processo nunca completado – como algo sempre
em processo (Hall, 2000, p. 106) o que implica dizer que há sempre uma falta
e nós estamos numa busca incessante de preencher essa falta – sempre adiada
-, o que nos leva a costurar e/ou a suturar os fios que se entrelaçam numa
trama que explode em momentos de identificação, dos quais não podemos ter
controle, pois são incessantemente (re) construídos por meio da diferença,
por meio da relação com o outro, emergindo graças à porosidade da língua
(ECKERT-HOFF, 2008, p. 275).
Ao proceder à análise das entrevistas cedidas pelos professores formadores, de que se
compõe o corpus desta pesquisa, abordo, aqui, as questões da subjetividade e da identidade
para traçar os perfis de identidade do professor formador, objetivo central deste trabalho,
conforme anunciado. Para tanto, considero os níveis do intradiscurso e o interdiscurso
Maingueneau (2008), pois ambos constituem a narrativa mostrada da cena discursiva
socioistórica-ideológica-biocultural.
Sabendo que o intradiscurso está ligado às formações discursivas, nas quais todo o
dizer está inserido e que, esta, é a fonte das pistas auxiliares para a compreensão da
exterioridade discursiva, o interdiscurso. Volto minha atenção para a rede discursiva, onde
procuro flagrar, nas falas dos entrevistados, pistas ou fragmentos de discursos que me
permitam traçar possíveis identidades dos docentes formadores de PLP.
2.4 - A academia: espaço do interdiscurso
A academia é instituição conservadora e transformadora ao mesmo tempo, pois, ao
tomar a herança cultural de saberes, ideias e valores para os reexaminar, atualiza-os e os
transmite. Gera-se, então, mais saberes, ideias e valores que serão revestidos de uma
roupagem nova, permanecendo, assim, até que sejam, novamente, submetidos a outras
análises, por novas pesquisas e novos objetivos, recebendo novo tratamento. E assim,
sucessivamente, segue-se num movimento interminável, afirma Morin apud Pimenta (2002)
38
O processo de reforma universitária, promovido de maneira abrangente e acelerado
pela política educacional dos governos brasileiro e português, envolve todos os setores da
universidade. Isto preocupa o docente, que vê ameaçada sua carreira profissional, no tocante à
sua valorização como docente formador, à sua formação como pesquisador e à produção de
conhecimentos, especialmente, ao pensar no aporte de recursos humanos e financeiros
demandados pelas novas diretrizes traçadas pela reforma universitária neoliberalista. A crise
financeira, que assola o mundo capitalista, pode colocar em risco a efetivação do sucesso
dessa reforma. Corre-se o risco de não haver garantias orçamentárias para a manutenção desse
projeto, gerando-se, assim, consequências tão abrangentes como são, hoje, seus objetivos.
Todavia, acredito que, dada a natureza mercadológica do projeto, a vitalidade
econômica do empreendimento está parcialmente garantida por meio da criação do ensino à
distância, uma estratégia de expansão do ensino e de captação de recursos, além do
desenvolvimento de projetos de ensino e pesquisa em parceria com as grandes empresas.
Nesse modelo a estimulação da concorrência entre as universidades busca alta eficiência e
produtividade do corpo docente, de quem é exigido alta produtividade, obrigando-o a assumir
uma sobrecarga de trabalhos em condições inadequadas, com pena de prejuízo salarial,
redução do número de docentes, acarretando sofrimento psíquico nos docentes, como baixa
estima ao colocar em cheque sua legitimação identitária profissional.
De acordo com Pimenta (2002), princípios caros à universidade, como a cultura
acadêmica e autonomia, têm sido colocados em segundo plano em detrimento de interesses
outros, como a cultura empresária, ditados pelos rumos da economia mundial sob o jugo do
neoliberalismo. Em favor dessa causa, ao assumir o caráter neoliberalista, o Estado fez cortes
significativos nos recursos destinados à educação, obrigando às instituições a rever seus
projetos político-pedagógicos institucionais, distanciando-se da proposta primeira de
instituição social, tornando-se, então, instituições administrativas. As consequências dessas
medidas econômicas para a sustentabilidade das instituições são muito significativas no que
se refere aos propósitos das instituições de ensino superior no Brasil.
Para melhor compreensão, Chauí (2001) apresenta um breve panorama socioistórico
em que se desenvolve o trabalho do professor da academia, busca compreender e
contextualizar esse sujeito discursivo e sua formação identitária, situando sua ação nesse
contexto, considerando seu desenvolvimento profissional e suas condições de trabalho
institucional.
39
A autora afirma que o início da década de 1970 já apresenta importantes marcas,
quando a academia fez alterações em seus currículos e programas, visando à inserção dos
profissionais graduados no mercado de trabalho, com a rápida formação de mão de obra.
Na década de 1980, o processo iniciado, anteriormente, foi acrescido à expansão da
rede privada de ensino superior, e, fez surgir a parceria entre universidades e empresas, onde a
estas passam a exercer forte influência sobre aquelas, ao dar início a um modelo de pesquisa
financiadas pelas empresas, comprometendo assim o princípio do desenvolvimento do
pensamento crítico.
Na década de 1990, a universidade deixa de lado os objetivos de interesse das décadas
anteriores e voltar-se para o conhecimento ou para o mercado do trabalho. Volta-se para si
mesma, sendo avaliada por seus índices de produtividade, estruturada por estratégias de
eficácia organizacional.
A partir de 1990, a academia tem como objetivo apenas transmitir rapidamente
conhecimentos e habilitar graduados, que precisam entrar rapidamente no mercado de
trabalho, cumprindo apenas o papel de treinadora, afirma
A universidade operacional não forma nem cria pensamento, despoja de
linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e admiração
que levam à descoberta do novo, anula toda a pretensão dos seres humanos
em condições materialmente determinadas (CHAUÍ, 2001, p. 222).
Este quadro tem se agravado no que se refere aos propósitos do ensino, baseado num
modelo tradicional, inquestionável, em que o professor expõe o conteúdo e o aluno passivo
memoriza-o para mais tarde ser avaliado.
A virada do milênio trouxe consigo muitas demandas de produção de tecnologia e
desenvolvimento de pesquisas, consequentemente, cresceu também a priorização de ações
voltadas para a produção e divulgação dos resultados obtidos em revistas de renome nacional
e internacional. Mediante esse expediente, ao final, o pesquisador e seus colaboradores diretos
recebem incentivos de numerário, em forma de prêmios e bolsas de pesquisa, além de
reconhecimento por parte da comunidade acadêmica.
Os programas de fomento, ao agirem dessa maneira, incentivam as relações
individualistas, promovendo competições, premiando a produtividade, e, em nome desta,
tantos os docentes como os alunos, entre si, não se comunicam, não trocam ideias sobre seus
projetos e pesquisas, por temerem que um saia-se melhor que o outro, todos se enclausuram
em seus laboratórios e gabinetes, reduzindo as possibilidades de conhecimento, negando-se à
interação e contrariando os princípios da própria instituição.
40
A ideia de criação dos grupos de estudos é incentivada, economicamente estimulada
pelos órgãos de fomento à pesquisa, teoricamente, deveriam eliminar esse tipo de competição
e isolamento. Mas são mal interpretadas, gerando de fato, muitas vezes, pequenos grupos de
trabalho em torno de lideranças mais voltadas para a divulgação de si e de seus trabalhos do
que para as práticas de ensino, aplicação de técnicas desenvolvidas e na partilha e troca de
conhecimentos do fazer cientifico. Instala-se uma explícita exemplificação do poder da
economia neoliberal sobre a maior instituição social de ensino, aplicação e produção de
conhecimentos.
Portanto, a produção da instituição, embora pareça neutra, não está blindada e isolada
do que acontece em seu exterior, muito pelo contrário, ela pulsa no mesmo ritmo da sociedade
em que está inserida, e, tudo que ocorre na esfera coletiva, necessariamente, reflete-se dentro
das instituições. Abre-se, portanto, a discussão a respeito da validade dos compromissos da
ação docente e de sua relação com a sociedade.
Soma-se a esse quadro a questão do desprezo pela qualidade subjetiva e emocional do
docente, muitas vezes, exigindo-lhe, em nome da docência e da manutenção de sua
legitimidade, sacrifícios pessoais, como abrir mão de suas expectativas de realização pessoal e
profissional, de conquistar sua legitimidade e sua respeitabilidade como professor estudioso e
pesquisador, o que em muitos casos, não ocorre por parte da instituição, dos alunos e nem
mesmo por seus pares. Em síntese, conforme as palavras de Nóvoa
Os tempos são para refazer identidades. A adesão a novos valores pode
facilitar a redução de margens de ambiguidades que afetam hoje a profissão
docente. E contribui para que os professores voltem a sentir-se bem em sua
pele (NÓVOA, 1999, p. 29).
Ainda Nóvoa, sobre as demandas atuais da profissão, afirma
É preciso romper com a lógica da educação e com a imagem
profissionalizada das escolas: o papel do Estado na área do ensino encontra-
se esgotado, sendo urgente legitimar novas instâncias e grupos de referência
do domínio educativo; simultaneamente, impõe-se questionar o papel
exclusivo dos professores na organização e direção do trabalho escolar, e a
subordinação às autoridades estatais (NÓVOA, 1999, p. 23).
Diante da urgência de valorizar sua prática em sala de aula, de refletir sobre sua ação,
buscando conhecimento para si, na experiência do outro, ao mesmo tempo em que auxilia aos
outros na construção de seus conhecimentos, o professor identifica uma nova imagem de
docente do presente, fruto desse conturbado contexto. E essa imagem atual ao ser tomada pelo
professor formador e confrontada com a imagem do docente, criada no imaginário social: a de
um mestre pronto para seu fazer, detentor do saber, professor escultor de alunos, produz nele
41
desconforto. Ele se sente perdido, tem sua identidade deslocada, pois o professor é, agora,
convocado a abandonar sua identidade de homogeinizador, para ir em busca de uma nova
postura de co-construtor de conhecimentos dentro de uma nova e desafiadora demanda social
multifacetada.
Nesse movimento, de acordo com Nóvoa (1999), em Profissão Professor, leva-nos a
refletir sobre a importância de o professor buscar compreender o que é ser professor para si
mesmo, e, a partir de então, refletir sobre o sentido de sua ação docente, frente às exigências
da escola tradicional e da escola hoje demandada.
Para o autor, somente a partir desse exercício de autoconhecimento será possível
conhecer um pouco mais sobre o outro, numa sociedade onde os semelhantes e os diferentes
se encontram e são constantes os deslocamentos de sentidos e de sujeitos, conduzindo a
construção de novas práticas demandadas constantemente.
Assim, caminhamos na busca de novos rumos que nos auxiliem no processo de
mudanças de representações dos imaginários de professores; para a melhor compreensão do
sujeito professor, considerando-se sua complexidade, sua subjetividade e o antagonismo que
se impõe à sua relação com o passado e o presente do fazer docente, no que diz respeito ao
processo da construção identitária profissional do docente.
2.5 - A universidade brasileira e a virada do milênio
É, à luz desse cenário, que meu olhar volta-se para o docente universitário,
especificamente, para o professor formador de futuros professores de Língua Portuguesa. Em
cuja prática docente deve refletir as injunções de uma universidade situada entre a visão
pragmática da produção de conhecimento, atualmente, orientada para os propósitos do
neoliberalismo e a visão tradicional da orientação da LDB/1996, art.43, que preconiza
“estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento
reflexivo”.
Em síntese, um dos focos que orienta esta pesquisa pode ser assim expresso: as
exigências do mundo globalizado, ao que parece, impõem que uma nova identidade docente
seja revelada. Isto é, a identidade de um professor formador traz em si marcas das experiência
vivenciadas em seu processo de construção identitária, além dos reflexos das implicações e
injunções do contexto contemporâneo.
É sob essa perspectiva, que me parece pertinente propor alguns questionamentos: sob
que condições está sendo construída a identidade profissional do professor formador, diante
42
das demandas socioistóricas e econômicas da sociedade? Como os professores articulam as
exigências dos programas acadêmicos, baseadas no pensamento plural, com as demandas de
uma sociedade, essencialmente, voltadas para a produção e para o consumo de bens? E ainda,
se os saberes docentes são construídos, não só, mas também no próprio fazer, como se dá o
processo de construção identitária no contexto atual da universidade? Em suma, minha
atenção se volta para refletir sobre o como professor formador se vê no contexto da docência;
o que e como ele reflete sobre isso; como ele se vê, em termos de sua pertença, no grupo de
seus pares.
Para investigar essas questões há de se considerar que os objetivos tradicionais da
universidade foram baseados em modelos estabelecidos, considerando-se que papel da escola
era reproduzir o conhecimento existente, a verdade era comprovada e a cultura era
considerada única. Por sua vez, os objetivos atuais, baseiam-se no fazer docente que criam
estratégias de ensino/aprendizagem, pensadas de maneira a estabelecer contatos com a
diversidade de situações de pontos de vista, sobre a mobilização de conhecimentos produzidos
e aprofundados em situações reais. Portanto, baseados em identidades e verdades provisórias
e conflitivas.
Assim, “a relação entre o conhecimento desenvolvido na academia e o sistema de
produção ocorre em função da base científica das tecnologias modernas de produção”
(GOERGEN, 2010, p.3). E, muitas vezes, a inovação e criação tecnológica estão
economicamente atreladas às “instituições de pesquisa acadêmicas ou não, externas ao
sistema de produção”. (GOERGEN, 2010, p.3). Consequentemente, isso interfere nos
objetivos e no desenvolvimento das pesquisas e, tanto quanto, na formação dos futuros
profissionais nas universidades. Apresentando o risco de revestir o saber/conhecimento
científico de um discutível valor mercadológico, provocando alteração em todo o sistema
educacional, acrescente-se ainda, a perda de autonomia e efeitos negativos sobre a identidade
das instituições superiores.
Observa-se que, teoricamente, o aspecto humanista da formação do homem, destino de
toda a produção científico-tecnológica e econômica, em nenhum instante é tomada como
objeto de atenção nesse regime capitalista neoliberal. Igualmente, os professores que, quando
recebem atenção, são silenciados e colocados à margem desse processo de revolução
tecnológica, embora “constituam não só um dos mais numerosos grupos profissionais, mas
também um dos mais qualificados do ponto de vista acadêmico” (NÓVOA, 1999, p. 31).
Assim, a profissão docente, que teve seu perfil ideal estabelecido no século XVIII e, a
duras penas vem conquistando seu espaço na sociedade com o “estabelecimento de um
43
suporte legal para o exercício da atividade docente, criação de instituições específicas para a
formação de professores e finalmente a constituição de associações profissionais de
professores” (NOVOA, 1999, p.33). Ao longo dos anos sofreu profundas modificações de
toda ordem, e, hoje, se encontra em crise decorrente da ausência de uma reflexão profunda
sobre seu significado social e a atenção dispensada a esse papel.
O docente encontra-se, atualmente, numa encruzilhada de opções “entre a visão
idealizada e a realidade concreta do ensino” (NÓVOA, 1999, p. 33), onde a profissão em si é
tida como de prestígio e positiva, mas, por outro lado, exigindo-lhe uma carga exaustiva de
trabalho, por um salário irrisório negam lhe autonomia e a possibilidade de se instruir, de
aprofundar sua formação inicial e continuada, para se posicionar como portador e produtor de
um saber próprio, fundamentado no saber científico. Negam lhe o mais importante o direito
de opinar no momento de decidir sobre os rumos da educação, visando desenvolver
competências para lidar de maneira crítica com as diversas situações geradas por quaisquer
que sejam as mudanças sociais. Uma vez que as decisões são tomadas pelas políticas
educacionais e econômicas do Estado, apresentadas aos docentes como sugestões de trabalho,
porém, já com o peso de decisões legais. E, por fim, esse modo de decisão chega ao ensino
superior.
Em suma, às universidades brasileiras e portuguesas foram apresentadas propostas de
reformas inovadoras, em busca de conciliar as experiências internacionais com as
necessidades de legitimidade e eficiência. Considerando-se as configurações específicas,
valores, objetivos e posição que ocupam no mundo, objetivam contribuir para o futuro com
um projeto democrático e globalizado de produção de conhecimentos, atentando para a
“transdiciplinaridade, reorganização dos saberes universitários, pensamento crítico,
compromisso social, democratização de acesso, etc.” (BOAVENTURA, 2008, p. 5).
As reformas do ensino superior, em curso nos dois países, assemelham-se por terem
sido pensadas, a partir da redução de aporte financeiro do Estado, para o financiamento da
educação e das pesquisas. Igualmente, foram instauradas em um curto espaço de tempo, sem
passar pelo estágio de amadurecimento e adaptação dos professores, da reestruturação de
planos de ações docentes e investigativas. Isso, somado a outras questões específicas de cada
país, fez crescer a crise institucional, as incertezas quanto à hegemonia e legitimidade,
aumentou competitividade entre os pares, o individualismo, e, consequentemente, ampliou-se
o afastamento dos dois seguimentos – ensino e pesquisa –, contrariando as previsões das
políticas educacionais.
44
E assim, a solução, para a principal questão, a econômica, foi inserir a universidade no
mercado do setor privado, orientado pelo neocapitalismo global. Daí resultou a criação das
fundações para gerir a venda dos serviços às grandes companhias, a internacionalização da
universidade e redução de custos dos estudantes para a universidade, aumentando o custo das
taxas e diminuindo o número de professores, oferecendo ensino pago e à distância. Esta
última, uma estratégia que visa desenvolver a “produção de padrões culturais médios e de
conhecimentos instrumentais úteis à formação de mão de obra qualificada exigida pelo
desenvolvimento capitalista” (BOAVENTURA, 2008, p. 18).
Portanto, as universidades buscam um novo paradigma que atenda à demanda
socioeconômica e informacional de produção de conhecimento mercado, gestor do
desenvolvimento, combinada com a liberdade acadêmica.
45
3 – IDENTIDADE LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE
Neste capítulo, pretendo apresentar o quadro teórico-conceitual e metodológico que
norteia as reflexões desta pesquisa acerca do objeto em estudo: a construção identitária
profissional do professor formador de PLP. Operando com uma abordagem discursiva, este
estudo desenvolve suas discussões a partir de um olhar segundo o qual identidade, linguagem
e subjetividade são tomadas como amplas categorias que se imbricam numa rede,
interdependentes do ponto de vista metodológico e teórico-conceitual, sendo que uma
pressupõe a(s) outra(s).
Em outras palavras, seguindo aqui as orientações do dialogismo Bakhtin; Volochinov,
(2006), da psicologia social Vygotsky, (1991) e as dos estudos sociológicos Bauman, (2005);
Dubar, (2005); Hall, (2005), assume-se que o processo da construção da subjetividade (o de se
reconhecer como sujeito em relação ao outro e a si próprio) é constituído na (e pela)
linguagem, isto é, nos processos das interações sociais. Nesse processo, em que se
entrecruzam, constitutivamente, o social e o individual, organizado e fundado pelo (e no)
discurso, a subjetividade é uma expressão das formas identitárias do sujeito.
Dessa perspectiva, consideradas as acepções que tais categorias detêm subjetividade e
identidade, no quadro da psicologia e da sociologia, são conceitos implicados que pressupõem
os movimentos do sujeito – de alteridade, de singularidade, de semelhança e pertença a um
grupo social – nos processos de socialização, experienciados no curso de práticas sociais.
Resumidamente, ao si dizer ao outro, seu diferente, o sujeito põe em evidência seu mundo,
captado subjetivamente por meio da linguagem, e, portanto, revela suas identificações. Sob
esse enquadre, reiterando, ao se utilizar a linguagem, não se é um simples usuário da língua,
mas, nessa atividade interacional e mediada pela linguagem, em que se engendram os
discursos, nós construímos e estampamos, com marcas histórico-sociais, com e por meio de
recursos linguísticos, nossas identidades.
Feitas essas considerações iniciais, passo agora à discussão de cada um dos conceitos
em foco, que se explica por razões didáticas. Ao final desse pretendo apresentar uma síntese
que assegure a interrelação de tais categorias.
46
3.1 - Identidades: um conceito em discussão
Na literatura disponível sobre o tema identidade, depara-se com inúmeras abordagens
teóricas, no campo das Ciências Humanas e Ciências Sociais, em que se desenha um leque de
acepções que o termo identidade pode suscitar.
Historicamente, diversas áreas dos saberes, particularmente a Filosofia, empenharam-
se em construir uma concepção de identidade, sob as bases da acepção de personalidade,
privilegiando a perspectiva individualista do ser humano em seus aspectos biológico e
comportamental Mora (1998). Sob essa orientação, como registrado na antiguidade clássica,
predominava uma valorização da vida individual e do mundo interno. A compreensão que se
apresentava à identidade remete a algo da ordem do inato do humano, fruto de uma
construção própria do sujeito, concebida como integral originária, unificada e estável. Nesses
termos, identidade está intrinsecamente ligada à ideia de auto-conceito, à imagem de si Jaques
(1998).
Na esteira dessa concepção, as correntes teóricas, ancoradas nos chamados princípios
do Iluminismo, focalizam uma relação intrínseca entre identidade e subjetividade. A
identidade é concebida como característica singular de um indivíduo, em que se valorizam
basicamente o conjunto das autopercepções e as dinâmicas internas do indivíduo num
contexto intrapsíquico. Resumidamente, nessa perspectiva, a identidade é concebida como
estável expressão da essência de indivíduo, racional, biográfica e evolutiva, assimilada numa
processualidade histórica, que confere ao sujeito a responsabilidade e a autonomia de seu agir.
Isto é, “o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa [... identidade esta que] estava
centrada no „interior‟ do sujeito, nascia junto com ele e permanecia a mesma ao longo de sua
vida” (HALL, 2005, p. 11).
Distanciando-se desse enfoque, no quadro do pensamento crítico contemporâneo,
estudos, advindos da Psicologia social, Estudos Culturais, Antropologia, Sociologia, vão
conceber a identidade do sujeito como construída socialmente, cujo processo se funda na
relação constitutiva entre o individual e o social, promovida nas experiências vivenciadas
pelas pessoas no curso de seus processos de socialização.
Sob esse viés, com o qual esta pesquisa dialoga de perto, a construção identitária do
sujeito é tomada como um processo (inter) subjetivo, social, histórico, fluido, fragmentário,
plástico, sempre negociado nas interações sociais. Sendo um processo construído socialmente,
pressupõe-se que a identidade do sujeito é a um só tempo, a expressão singular do indivíduo,
que o distingue do outro, e uma construção social, que envolve as mutações sociais dos
47
grupos de referência e de pertença a que está ligado o sujeito como família, escola, trabalho,
entre outras esferas sociais.
Essa concepção disseminada por Mead (1934), nos estudos do interacionismo
simbólico, no âmbito da disciplina de psicologia social, procura pôr em evidência a noção de
sujeito sociológico. Nessa corrente teórica, tem-se como princípio básico a relação entre a
existência pessoal e a sociedade, destacando-se o papel da interação social na elaboração do
chamado autoconceito (o self), gerada no (e pelo) uso da linguagem.
De acordo com essa concepção, a identidade é “formada pela interação do eu
individualizado e a sociedade, o que envolve uma integração entre o mundo individual e o
mundo público” (HALL, 2005, p. 11). Em sintonia com essa posição, mas problematizando a
constituição identitária do sujeito, a partir das injunções históricas, sociais, políticas e
culturais do mundo globalizado, portanto, dos impactos advindos de uma sociedade pós-
moderna, os estudos de Canclini (1996), Castells (1998), Hall (2003), Bauman (2005) e
Dubar (2005, 2006), entre outros, conforme os seus interesses científicos, vão investir na
questão da identidade, como algo complexo, dinâmico, provisório, marcado por várias tensões
e deslocamentos, impulsionados, por exemplo, pela indistinção entre o que é local e o que é
global a partir dos avanços tecnológicos globalizantes e seus desdobramentos, que implicam
em mudanças de valores, nas construções de novas narrativas e novas configurações de
identidades.
Nesse quadro, “o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e
estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias ou não resolvidas” (HALL, 2005, p. 12-13).
Nesses termos, para Hall (2003) e Bauman (2005), por exemplo, admite-se poder
pensar em crise de identidades. Um debate implementado por diferentes campos disciplinares,
que tem se voltado para refletir sobre a complexidade da vida moderna, no que toca, por
exemplo, às mudanças no mercado de trabalho, na estrutura do emprego/trabalho, na extinção
de profissões, nas novas configurações da estrutura familiar, no rompimento ou abertura de
fronteiras culturais, econômicas, políticas e científicas, resultante de uma cultura
tecnologicamente complexa e globalizada, já desenhada nos meados do século XX.
Sobre esse caráter fluido, provisório da identidade do sujeito, Bauman (2000), em
Modernidade líquida, nomeia de “identidade líquida”. Tal termo metafórico é utilizado para
caracterizar e explicar que vivenciamos um período na história humana de grande fluidez,
marcado por rápidas mutações, que põem em xeque as certezas.
48
Isso se estende a níveis vários e diferentes da experiência humana, nas instâncias
públicas e privadas, que recobrem questões afetivas, subjetivas e sociais.
A perspectiva que se abre para tal complexidade é que, em sociedades globalizadas,
não há identidades fixas, coerentes, mas, sim, cambiantes, conflituosas, líquidas, novas
identidades em emergência, que passam a ganhar espaço nas práticas sociais. Assiste-se, em
suma, nesse cenário, a um processo de construção de identidades plurais, fruto de uma
realidade globalizada, produtora de incertezas, dinamicidade e inseguranças que nos leva a
uma revisão dos valores que, no passado nos serviram de âncoras identitárias como o
trabalho, a igreja, o sexo e a cultura.
A esse respeito, Canclini (1996), em seu livro Consumidores e cidadãos, discute como
o modelo econômico e político neoliberal globalizado, ao servir-se da mídia, torna-a produto e
produtora de consumismo a ser consumido pelas massas. Seu olhar está voltado para o
desenvolvimento das produções culturais locais, as quais vêm sofrendo um acelerado
enfraquecimento de produção, desestimulando seu consumo em detrimento do consumismo
de tudo que se anuncia como importado.
Como uma das consequências desse cenário, esse autor aponta, por exemplo, a
crescente substituição dos espaços públicos de divertimento por espaços privados. O hábito de
frequentar ambientes coletivos está sendo substituído pelo isolamento de indivíduos que
permanecem em frente ao vídeo, ao game, à TV a cabo, a Internet, em uma espécie de franco
abandono da interação face a face, do interesse pelas causas coletivas e políticas.
Resumidamente, Canclini (1996) procura nos alertar para um dos aspectos preocupantes da
adesão incondicional ao modelo neoliberal, afirmando que os atos de consumir não consistem
apenas na satisfação de um desejo pela aquisição de produtos. Isso vai muito além, pois
envolve processos socioculturais mais amplos, tomados como referenciais simbólicos dos
processos de construção de sujeitos e de suas identidades. Nessa esteira, Dubar (2006) reflete
que a crise que marca as configurações identitárias na atualidade é inseparável da própria
crise da modernidade, visível em âmbitos diversos (socioeconômico e político). Segundo esse
autor, a crise da modernidade resulta de mudanças em três grandes domínios da vida social:
as relações de gênero e as mudanças na instituição familiar; mudanças no universo do
trabalho e do emprego, bem como no processo de formação escolar; e, por fim, mudanças na
esfera política, evidenciadas pelo enfraquecimento do Estado-Nação e de suas instituições
reguladoras das relações sociais, repercutindo sobre os processos de subjetivação. Nas
palavras desse autor,
49
A mudança de normas, de modelos, de terminologia provoca uma
desestabilização das referências, das denominações, dos sistemas simbólicos
anteriores. Esta dimensão, mesmo quando é complexa e oculta, toca numa
questão crucial: a da subjetividade, do funcionamento psíquico e das formas
de individualidade, assim postas em causa (DUBAR, 2006, p. 201).
Enfim, a combinação globalização e capitalismo, ao interferir na relação
espaciotemporais das comunicações, da produção e socialização dos conhecimentos,
intensificando-as contribuindo para o afrouxamento das fronteiras culturais e para a
hibridação das relações sociais, das crenças, dos saberes, dos hábitos e dos simbolismos, de
maneira que as alteraram, num efeito dominó, incidindo diretamente sobre as identidades
comunitárias e consequentemente nas individuais. Isto conforme assinalam os autores aqui em
pauta, não ficam de fora as relações de trabalho, tampouco, os processos formativos e a
constituição das identidades profissionais.
Resumidamente, nessa discussão, em que se intentou apresentar algumas das várias
concepções que o termo identidade guarda, busco deixar claro que se está lidando com um
conceito polissêmico atravessado por nuances e sentidos, considerando-se as abordagens
teórico-conceituais que lhe conferem, em diferentes campos disciplinares, na história do
pensamento científico.
Em relação aos interesses teórico-conceituais que norteiam este trabalho, adoto o
conceito de identidade formada pela interação do mundo intrassubjetivo do indivíduo, do self
com o mundo social (intersubjetivo), segundo Hall (2005, p. 11), considerando-se ainda a
conjuntura da pós-modernidade, em que as identidades sociais tornam-se mutáveis ao
estabelecer contato com outras pessoas e com o espaço cultural em questão. O sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos e espaços sociais, isso em razão da nossa
história de socialização Dubar (2005) e, também porque há em nós identidades contraditórias
que lutam entre si para se firmar Hall (2005).
Portanto, para pensar a problemática da identidade dos professores formadores de
PLP, não se pode negar ou neutralizar o atual momento histórico em que vivem os professores
em geral, bem como os que se encontram em processo de formação inicial, portanto, futuros
professores. Direta ou indiretamente, tais sujeitos, no mundo do trabalho, devem partilhar ou
experienciar impactos da globalização, entendida como um dos desdobramentos do avanço
capitalista.
50
3.1.1 - Identidades profissionais: processo dinâmico de (trans) formação
Em meio aos estudos sobre os processos de formação identitária, a concepção de
identidade profissionalizante docente tem especial relevância, por se constituir o centro desse
trabalho de pesquisa. Num exercício de aprofundamento da questão, recorro aos estudos de
Dubar (2005) que, numa visão psicossocial, estabelece uma combinação de estudos que
abordam os aspectos tanto da subjetividade como do social, vistos como constitutivos da
construção identitária do trabalhador docente.
Na abordagem aqui defendida, ao se pensar a questão da construção de identidades,
não se pode perder de vista, em termos socioistóricos, a influência do neoliberalismo,
notadamente o seu aspecto econômico, como observam Bauman (2005) e Hall (2005) no
processo de formação identitária do professor formador de PLP. Considerando-se seu papel
nas interações docentes situadas, pensadas nas dimensões micro e macro, inseridas nas inter-
relações do mundo da academia e o poder sociopolítico global.
O estudo do processo identitário profissional começa por investigar a trajetória de
formação acadêmica do sujeito e sua inserção no mundo do trabalho docente, abordando seus
aspectos socioistóricos, as disciplinas com que trabalha, além das linhas de pesquisa, os
cargos ocupados, e, principalmente, seu modo de dizer de sua ação docente e suas interações
no grupo de professores, em que, como afirma Dubar (2005) compartilham modos de
identificações e formas de agir, compreendendo o processo contínuo de diferenciação e
generalização, num movimento dialético do individual e do social.
O autor, em uma abordagem psicossocial, partindo da construção da identidade
pessoal e social do sujeito, considerando contextos sociais que o integram, concebe a
identidade profissional como resultado das interações sociais, nas quais, desempenham papéis
fundamentais: o contexto organizacional, as características socioistóricas do indivíduo e seus
percursos formativos, acrescidos do contexto social, por interferirem diretamente na
socialização do sujeito, considerando-se as mutações sociais sofridas pelos grupos de
referência e pertença a que o sujeito está ligado.
Em suma, para Dubar (2005), as formas identitárias profissionais se configuram nas
relações sociais de trabalho, articulam profissionalidade e identidade pessoal “resultado, por
vezes, estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural,
de diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem
as instituições” (DUBAR, 2000, p. 109).
51
Nesse viés teórico, Alves (2007), em diálogo aberto com os estudos de Dubar (2000),
assinala que a trajetória socioistórica da construção profissionalizante da carreira docente, está
fundada em um conjunto de
ações e relações desenvolvidas pelos sujeitos sociais que afetam o trabalho e
por ele são afetadas, instaurando um jogo dialógico cuja complexidade molda
no tempo e no lugar as transações necessárias não só à conservação de
estruturas, mas e, sobretudo, a possibilidade de transformação das mesmas
(ALVES, 2007, p. 277)
Esse autor busca compreender a constituição, a (re) produção e a transformação da
identidade, explorando, como dimensões de análise, o mundo vivido do trabalho, a trajetória
socioprofissional e a formação do indivíduo, aspectos e dimensões que interessa de perto este
estudo. O pressuposto, admitido por Alves (2007), reflexo das orientações de Dubar (2005), é
que as identidades que são construídas socialmente e podem sofrer transformações com o
passar do tempo, em respostas às demandas da profissão, das representações que se tem do
lugar profissional e dos modos de atuar.
Sob esse enquadre, tanto para Dubar (2005) como para Alves (2007), a identidade
profissional resulta da interação de dois movimentos: a continuidade e a ruptura. No primeiro,
as identidades aí construídas implicam um espaço unificado de realização, um sistema
profissional em que o indivíduo segue uma carreira contínua e planejada, com sucessão e
qualificações que implicam e exigem o reconhecimento das suas competências de forma a
validar a imagem de si próprio, e assim são legitimados os saberes e as competências.
No segundo, ao contrário anterior, as identidades construídas implicam uma dualidade
entre os dois espaços, o das crenças pessoais e o espaço das aspirações profissionais, quando o
desejo de reconhecimento não é satisfeito, geram-se um desentendimento entre as identidades
virtual e a real, e desse conflito nasce a possibilidade da construção de uma nova identidade
profissional que conjugue os momentos anteriores.
Admite-se, no entanto, que os processos subjetivos e objetivos, na constituição do
sujeito, andam lado a lado, no movimento de ruptura, quando o objetivo não satisfaz a
expectativa do subjetivo, este, por uma necessidade social, é induzido a uma mudança e/ou
transformação. Tais alterações, sob o viés identitário, ocorrem por recusa do sujeito, ou por
força das circunstâncias, mas, sobretudo por mudanças sociais às quais os grupos de
referência e de pertença do sujeito estão ligados. Isso vai alterando suas expectativas e os
valores que lhes influencia, propondo novas identidades. E essas mudanças implicam as
negociações identitárias, com vista a novas configurações de perfis identitários, o que não
52
significa mudança de papel social, mas sim mudança na sua representação, na sua atuação, em
seus modos de agir.
Ambas as identidades confundem-se num movimento complexo e dinâmico de
complementaridade mútua de construção, reconstrução e transformação, frente às contínuas
movências de ordens temporais, espaciais, institucionais e socioeconômicas e culturais que se
impõem aos indivíduos. A articulação dessas identidades interfere profundamente nas
relações de integração do sujeito tanto no mundo organizacional como no mundo da
sociedade, ou seja, “identificando elementos facilitadores e elementos contingentes que
interferem no mundo privado e social do sujeito, e, trará consequências em todos seus
constituintes: organização, sujeito e sociedade” (DUBAR, 2005, p. 109).
O aporte teórico de Dubar (2005), não trata especialmente da formação identitária do
docente, mas oferece a este estudo contribuições conceituais e metodológicas interessantes,
vez que o autor discute as formas identitárias, no quadro do mundo do trabalho. A análise da
situação de trabalho com ênfase nos planos de carreira e nas trajetórias socioprofissionais,
ponto importante que aproxima a teoria e o processo identitários do docente formador. A
vertente interacionista preocupa-se em conhecer as ações e as relações desenvolvidas pelos
sujeitos sociais, os quais produzem efeitos relevantes sobre seu trabalho e sobre si próprios.
A constituição e transformação da identidade individual e da identidade profissional
do docente é um dos aspectos do trabalho desenvolvido por Dubar (2005) que interessa
sobremaneira a esta pesquisa como aporte teórico para compreender o processo relacional dos
conceitos de identidade e profissionalidade.
Interessa conhecer o que resulta da articulação do processo socioistórico biográfico do
indivíduo com seu processo relacional, isto é, como combinar “ o que ele diz de si, o que ele
pensa de si, e, o que ele gostaria de ser” com “o que o outro diz que ele é , e, a identidade que
o outro lhe atribui”. (ALVES, 2007, p. 273). A dinâmica do trabalho, em sua dimensão
objetiva compreende a relação do indivíduo com o espaço de trabalho, e este, por sua vez, em
troca de seu trabalho, espera retribuição concreta sem projeção de si para o futuro.
Por outro lado, na dimensão subjetiva compreende a relação temporal do indivíduo
como o trabalho, devido ao trabalho realizado, ao longo dos anos, estabelece projeções para
si, e sua identidade é construída ao longo da vida. De acordo com Alves (2007), “as relações
de trabalho fundamentam-se na luta pelo poder em um contexto de acesso desigual, dessa
forma, teremos diferentes identidades típicas no exercício da profissão”. Segundo Dubar
(2005), apud Alves (2007, p. 280-82), dessas relações nascem as quatro identidades
profissionais ou formas identitárias:
53
i) Identidade estável ameaçada – Professores construíram sua identidade
profissional prevalentemente por meio das atividades cotidianas, pela
experiência direta, valorizando sobremaneira a aquisição de saberes práticos.
Não buscam novas formações e estabelecem relações de dependência com a
chefia e, mediante qualquer desestabilização nessa relação se sentem
ameaçados;
ii) identidade bloqueada – Professores nessa condição administraram seu
espaço de trabalho de uma forma estruturada sem mudanças, e embora sendo
um executor polivalente, não se sente reconhecido em sua individualidade
pelos pares, apesar de ser reconhecido pela escola como professor que
alcança bons resultados. Porém, nas transações subjetivas, não se sente
realizado apenas por cumpridor dos programas e isso o leva a perder a
identidade própria, fundindo-se com a escola.
iii) identidade negociatória – têm uma história de mobilidade já construída,
dominam saberes articulando teorias e práticas, como também dominam os
saberes da organização. Configuram professores que são engajados nas
atividades da escola a sua permanência no emprego, sua promoção na
carreira. São professores colaboradores e articuladores de relações que
apresentam forte sentimento de pertencimento, concebem a vida profissional
como uma evolução permanente;
iv) identidade autônoma e incerta – corresponde àqueles que concebem a sua
formação como um investimento pessoal, buscando a capacidade dentro e
fora da escola. Definem-se mais pela sua formação continuada do que por seu
trabalho prático. Muitas vezes, não criam laços sustentáveis com a
instituição. Esses profissionais têm uma certa flutuação em sua identidade
social que é definida por eles mesmos a partir de sua relação com o saber
teórico. Há uma tendência de esses professores direcionarem suas carreiras
para a área acadêmica, por exemplo, (ALVES, 2007, p. 280-82).
Dubar (2005) ao descrever as formas identitárias o faz considerando o contexto social
e histórico, em que atuam os docentes acrescentando informações sobre sua formação e sua
estrutura de ação. Estabelece conceitos que podem auxiliar na compreensão das identidades
profissionais, objeto desse trabalho, considerando-se as relações entre o quê é da ordem do
indivíduo, as formas identitárias, e o que é da ordem do social, as formas profissionais.
Contextualizadas no momento em que as estruturas administrativo/pedagógicas e econômicas
das universidades passam por transformações e se encontram organizadas como
instituições/empresas, sob a ótica das relações neoliberais o Estado se ausenta.
Necessariamente, novas identidades profissionais se estabelecem, mediante as reformulações
das relações de poder e saber, impondo novos rumos e novos diálogos.
Portanto, para atingir o objetivo desta pesquisa, faz-se necessário, discutir a as
formações identitárias dos PLP, os propósitos de suas participações político-docente, tendo
54
em vista as reformas por que tem passado o sistema educacional, face as transformações do
mundo na pós-modernidade.
Essa relação do mundo vivido, no âmbito individual, com o mundo social, é tema do
texto de Dubar (1998) Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos
conceituais e metodológicos, e traz uma discussão sobre “a importância de se apreender as
identidades sociais como processos ao mesmo tempo biográficos e institucionais”
combinando a trajetória objetiva com a trajetória subjetiva do indivíduo.
Uma proposta de análise que se aproxima da proposta desse trabalho de pesquisa, que
combina os processos identitário social, remetendo aos mundos sociais com os processos
identitários individuais, apreendidos a partir das entrevistas em que os professores formadores
atualizam em relatos, suas trajetórias de vida familiar, escolar e profissional, por meio de
histórias do vivido; com vistas a falar de si e a legitimar seus papéis de sujeito, no momento
da entrevista, a que Dubar (1998, p. 2) chamou de identidade para outrem e identidade para si,
respectivamente.
Assim, semelhante ao que propõe Dubar (1998), a proposta desse trabalho quer
compreender e interpretar a identidade do docente de maneira contextualizada. E para tanto,
interessa-se pela construção identirária do professor formador de PLP dentro de um espaço
social da atual universidade, que passa por um profundo processo de reforma. Fruto de um
processo de transformação socioistórico e econômico, que teve origem nos países ocidentais
do hemisfério norte, e se espalhou pelos países emergentes do sul, uma macro estrutura ou
quadros sociais institucionais. Portanto, a partir da relação entre as micro e as macro
estruturas identitárias, sejam individuais, ou seja, sociais, é que são estabelecidas as
determinações das identificações subjetivas do sujeito, o que permite ao autor afirmar que a
pessoa não existe de fato fora de seus quadros biográficos e institucionais.
Estas e tantas outras conclusões, que dizem respeito às identidades individuais e
sociais, compreendidas e interpretadas ao longo das investigações, tornar-se-iam um grande
problema num quadro de resultados de pesquisas metodológico quantitativo. Por princípio
exigiria que se combinassem as informações dos processos institucionais, com informações
dos processos biográficos, expressos por relatos. Isto é, a trajetória do indivíduo da ordem do
objetivo, como por exemplo, “uma sequência de posições num ou mais campos da prática
social” com a trajetória subjetiva, “como uma história pessoal, cujo relato atualiza visões de si
e do mundo” (DUBAR, 1998, p. 1). Uma tarefa de improvável sucesso.
Diante disso, o autor propõe que a metodologia mais recomendada é a qualitativa que
permite tomar as formas identitárias como formas instáveis que se constroem nas dinâmicas
55
sociais, dialeticamente, devendo ser tomadas como “ferramentas de análise, de formas
provisórias de inteligibilidade que o sociólogo constroi para “dar conta da maneira segundo a
qual os membros dão conta de suas práticas” (GARFNKEL apud DUBAR, 1998, p. 7).
Assim, desenvolvo a proposta dessa investigação, situando as trajetórias subjetivas dos
entrevistados, suas histórias de vida pessoal e profissional, no mundo social das trajetórias
objetivas institucionais, considerando a universidade como palco de reformas e
transformações epistemológicas e administrativas do ensino superior. Ocupam lugar de
destaque as mudanças políticos sociais por que passam os países capitalistas implicam
alterações no sistema educacional vigente, nos aspectos das organizações legais, referentes às
recomendações didático-pedagógicas e, em especial, implicam em mudanças sobre as
relações entre professores e alunos. Portanto, uma situação que, demanda uma reconfiguração
de saberes e de práticas, num viés atual, interdisciplinar, de entrecruzamento de teorias
diversas, e que à luz de provocações me conduzam às respostas de indagações como
educacional, diante das demandas socioeconômicas: Qual será o perfil do professor
formador, que identidades ele está construindo? Como estão sendo construídas suas práticas
discursivas no que toca à ação pedagógica no curso de formação de futuros professores de
LP?
Particularmente, reiterando neste trabalho de pesquisa tomo como alvo de atenção a
construção identirária do professor formador de futuros professores de LP, tendo em vista
dois grandes aspectos relativamente implicados, do ponto de vista social, histórico e cultural,
a saber:
a) as reformulações legais e pedagógicas por que passam os cursos de licenciatura,
nessas últimas duas décadas e, consequentemente, a formação inicial de professores;
transformação por que vem enfrentando o mundo da docência, do ensino e da atuação do
professor de educação básica;
b) os efeitos sobre as ações docentes, produzidas pelas mudanças de paradigmas no
mundo das ciências, da rediscussão das atividades da universidade, da democratização da
educação, da consolidação da sociedade tecnológica e da informação, sob ingerência de uma
política econômica neoliberalista;
c) refletir sobre o processo de formação identitária /profissional do professor formador
inscrito, que implica compreender o contexto no qual se exerce a docência, e as dificuldades
pelas quais passa o professor em seu cotidiano profissional, considerando as novas demandas
que pressionam os professores a redefinirem seus papeis, tarefas e identidades, com vistas à
consolidação de sua identidade profissional e a “construir novos parâmetros de formação,
56
tomando como referência a condição docente em seu acontecer histórico, num diálogo
permeado pela dinâmica das transformações sociais, políticas e culturais” (ARROYO, 2007,
p. 53).
Embora, segundo os relatos dos docentes entrevistados, muitos professores formadores
tenham comentado sobre muitas de suas iniciativas para mudar suas práticas docentes, em
resposta aos novos desafios do seu trabalho no ensino superior, não logram sucesso. Pois, o
contexto político institucional, com suas exigências administrativas e curriculares, em vez de
constituírem fonte de incentivo à transformação das práticas formativas, torna-se mais um
obstáculo a ser transposto. Esse processo permite se identifique um provável perfil de um de
sujeito/objeto, considerando-se suas histórias, suas práticas discursivas, seu contexto
sociocultural, que compreende suas interações, familiares, religiosas, estéticas, morais, e
linguageiras, ou seja, considerando-se seu processo de subjetivo.
Portanto, conceituar identidade, concebida como uma categoria líquida e instável
requer uma gama de relações complexas como entre sujeito e objeto; entre sujeito/objeto e
contexto; os momentos de produção (teoria /metodologia); entre as diversas disciplinas; entre
a prática e a teoria, pois se trata de um processo de identificação, constituído por infinitas
variáveis subjetivas, portanto, a natureza do objeto de estudo e método de análises escolhidos
necessariamente devem ser compatíveis.
Assim, o sociólogo português Souza Santos (1995) compreende identidade como
“resultados sempre transitórios e fugazes dos processos de identificação [...] identidades são,
pois, identificações em curso”.
Maheirie (2002) complementa essa posição, afirmando que
identidade significa permanência e metamorfose, sendo importante manter
esses dois sentidos para o termo, a fim de que o homem possa ser
compreendido com um ser capaz de atuar, de refletir e de se emocionar,
transformando a si mesmo e o contexto no qual se encontra (MAHEIRIE,
2002, p.42)
ou ainda,
É a consciência, como dimensão subjetiva do sujeito, que é capaz de
construir, desconstruir e reconstruir a identidade constantemente, em que
participam as percepções, imaginação e as reflexões, quer críticas ou não.
Síntese inacabada entre subjetividade e objetividade em um contexto social
específico, numa perspectiva analítica (MAHEIRIE, 2002, p. 42).
A tentativa de conceituar identidade exige a compreensão de alguns pontos
fundamentais, como a capacidade do ser humano de construir conhecimentos, mediante o seu
processo de socialização, fundado nas suas interações sociais. Em um descontínuo e reflexivo
processo de aquisição, avaliação, alteração e descarte de saberes (crenças, desejos, saberes,
57
valores) relativos a si mesmo e ao mundo, em que condutas sociais são construídas a partir da
interação dos aspectos cognitivos traduzido sem regras; dos afetivos expressos em valores e
dos expressivos simbolizados em significados, e sofrem transformações sempre que houver
mudanças na relação do sujeito com a(s) realidade(s) que o envolve(m).
Em suma, a noção de identidade que orienta este estudo apresenta não é fundada numa
perspectiva de identidade estática e evolutiva, mas em uma noção que confere á identidade
um caráter dual, plástico, descontínuo, provisório e (inter) subjetivo, pois é compreendida
como um conjunto de identificações apropriadas e/ou construídas pelo sujeito ao enunciar-se
na diferença. Nessa orientação, trata-se, portanto, de realidades biossocioistóricas e culturais
tecidas na (e pela) interação verbal e dialeticamente apreendidas – apropriadas – no curso dos
processos de socialização, que experiência o sujeito, nas esferas de atividades sociais que
integra.
A socialização, segundo Dubar (2005), não tem apenas o propósito de transmitir
normas sociais, valores, códigos e conhecimentos, mas, principalmente, auxiliar no
desenvolvimento de uma visão de mundo que permita e oriente o sujeito a assumir o papel de
responsável pelo seu próprio mundo.
Trata-se, assim, de uma importante orientação para o sujeito que experimenta, hoje, as
mudanças da chamada sociedade „Pós-modernidade‟, para Hall (2003), ou “alta
modernidade”, para Giddens (1997), na qual se convive com as implicações da nova ordem
social, com enormes mudanças em cadeia para as organizações institucionais, o que influencia
diretamente a vida pessoal e profissional dos indivíduos, e consequentemente, influencia as
estruturas que moldam as identidades pessoais e profissionais dos sujeitos.
Nessa perspectiva, assume-se aqui que a construção identitária de qualquer sujeito
resulta de uma intrincada relação entre o sujeito e sua teia socioistórica e cultural, o que
implica um processo de pertencimento ao grupo social em questão, a assunção de um papel
social e, ainda, um trabalho de negociações identitárias (de aprendizagem e apropriação
desses saberes e condutas). Tudo isso mediado, construído e objetivado na (e pela) linguagem,
isto é, pelo discurso. Em suma, tem-se fenômeno construído pelo sujeito que, por ser social, a
um só tempo, dialeticamente envolve uma construção individual e social, no caso em foco,
profissional.
Em suma, segundo Dubar (2005), a questão da legitimidade do sujeito está
diretamente ligada ao processo relacional, em que a identidade profissional do sujeito é
estabelecida a partir do momento em que o outro lhe atribua uma identidade profissional, um
reconhecimento social de competência para o exercício profissional autorizado via „mandato‟
58
ou via „diploma‟, ambos protegidos e conservados por instituições sociais específicas. E, a
partir daí, o sujeito estará autorizado a aceitar e vivenciar o papel social, isto é, profissional
que lhe foi atribuído, tornando-se então um profissional, numa combinação com a identidade
construída.
Para fundamentar essa discussão, recorremos também a Charaudeau (2009), teórico da
análise análise do discurso, que vêm formulando reflexões sobre identidade social e
identidade discursiva, a partir do pressuposto de que “um sujeito se constrói através de sua
identidade discursiva, que, no entanto, nada seria sem uma identidade social a partir da qual
se definir” (PIETROLUONGO, 2009, p,326).
A identidade social do professor confere ao sujeito distinção, „poder de expertise‟,
como comentado anteriormente, ela está diretamente ligada à tomada da palavra, o que, numa
interação social, significa assunção de um poder, conforme afirma Charaudeau (2009). A
identidade social diz respeito à legitimidade do sujeito, reconhecida por outros sujeitos que
lhe concedem o direito à palavra. Está diretamente ligada a situação comunicacional, e , em
parte, é por ela determinada. Assim, ao tomar a palavra, o sujeito falante deve saber por que
se encontra no lugar em que está, e, saber o quê dizer e a quem dizer considerando o status e o
papel que lhe é conferido na (e pela) situação comunicacional em questão.
No caso específico da análise e interpretação dos relatos feitos pelos professores
formadores sobre seus processos de formação identitária, um modelo de análise adequado aos
interesses metodológicos desta pesquisa é o proposto por Charaudeau (2009), a partir da
noção de identidade discursiva. Em um viés semiolinguístico, nos nossos termos discursivos,
sugere-se como categoria de análise as estratégias discursivas usadas pelo sujeito, com vista a
se legitimar, para tomar o direito à palavra/poder em sua luta por melhores condições de
trabalho, face às transformações por que passa o ensino nas academias.
A pesquisa hoje visa segundo Dubar (2005) compreender e, se possível, explicar as
transformações do acesso ao emprego, as reestruturações dos planos de carreiras e como a
situação do profissional chegou ao ponto em discussão. Acredito que, para compreender os
efeitos sobre a ação docente, deve-se atentar para as estratégias do docente formador, usadas
para falar de si, face às atuais relações de trabalho, que dificultam o acesso ao emprego, em
que as reestruturações dos planos de carreira implicam sacrifícios de toda sorte, cortes
salariais, exclusões duradouras da esfera das atividades reconhecidas.
Um ponto de análise relevante para a compreensão da configuração das relações de
trabalho docente e o seu processo identitário é a articulação existente entre as formas
identitárias e como elas reagem à reforma universitária em curso tanto em Portugal, como no
59
Brasil. Trata-se de uma mudança que atende a interesses de poder, agora, explicitamente,
inserido na academia, tomada como um novo mercado de produção de conhecimentos úteis e
de trabalho a serviço da economia.
3.2 - Linguagem e Enunciação
A linguagem é um fenômeno que permite ao indivíduo o exercício da fala, numa dada
situação social, por meio da qual um sujeito enuncia-se a outro sujeito, estabelecendo
encontro ou a comunicação significativa. Dessa perspectiva, encontra-se na Teoria da
Enunciação de Benveniste (1974) o princípio que nos esclarece que a subjetividade é a
capacidade de o locutor se propor como sujeito do seu discurso e nela se funda no exercício
da língua. Considerando-se acima de tudo, que esse é um sujeito discursivo constituído na e
pela linguagem ao enunciar. O processo de constituição do sujeito ou da enunciação,
defendido pelo autor, tem por princípio a questão da subjetividade na linguagem, ao analisar a
produção do enunciado no momento da enunciação que é “explícita ou implicitamente uma
alocução – ela postula um alocutário” (BENVENISTE, 1974, p. 82).
Ao instituir-se em eu institui-se em tu, que se distingue pela marcada subjetividade “o
ego” tem sempre uma posição de transcendência em relação ao tu, apesar disso, nenhum dos
dois termos se concebe sem o outro; são complementares e ao mesmo tempo reversíveis “eu
propõe outra pessoa aquele que sendo embora exterior a mim, torna-se meu eco ao qual digo
tu e que me diz tu” (BENVENISTE, 1986, p. 128). Em oposição a ambos tem-se o ele, que
diferente de eu e tu, tem a marca de pessoa, por não se referir a um indivíduo específico, por
encontrar-se fora da relação de subjetividade. A constituição da subjetividade vai se fazendo à
medida que se tem a capacidade de dizer eu, no interior do discurso.
A linguagem pressupõe o diálogo que nunca se interrompe, pois, a cada enunciado, o
novo é dito e passado a diante, levando consigo as marcas históricas, temporais, espaciais da
realização discursiva do enunciado, a irrepetível unidade básica da linguagem. Portanto, a
linguagem é instituída pelo social com vistas ao entendimento entre os membros da
comunidade, sua sobrevivência, sua legitimidade, sua credibilidade, sua captação perante os
demais membros e, por fim, à conservação de seu modo de vida social.
É por meio da linguagem que nasce a consciência e seus mecanismos superiores como
a memória, a lógica, a imaginação, etc. Um conjunto de categorias fundamentais para a
construção de conhecimentos, que ao serem apropriados pelo grupo darão origem às regras de
comportamento do grupo de cunho moral, socioistóricos, econômicos e culturais. Tais
60
comportamentos são considerados, pelo grupo, úteis para a preservação do modo de vida da
comunidade social.
Isto é, a linguagem para ser significada, portanto, para existir para o sujeito,
necessariamente deverá passar pela subjetividade do sujeito, sendo assim a subjetividade
depende da linguagem para existir e vice versa. Ambas compõem uma dupla de fenômenos
complementares, fundamentais para a constituição dos sujeitos, uma categoria discursiva, que
se faz existir pela subjetivação da linguagem, enunciando-se. E ao fazê-lo, falando,
materializa a realidade da linguagem, ou seja, cria a linguagem. Mas, ao mesmo tempo,
subjetivando-a, faz útil a subjetividade, ao significar a linguagem.
A identidade do sujeito está diretamente, ligada a esses dois fenômenos, porque o
sujeito se constroi em enunciados, (portanto, por meio da fala, num exercício de linguagem), a
partir da subjetividade dos enunciados de outros sujeitos, as identificações presentes nos
diálogos das situações sociais ou enunciações são apreendidas e utilizadas pelo sujeito, na
construção de sua identidade ao se enunciar.
A relação estabelecida entre os conceitos de linguagem, subjetividade e identidade está
baseada nos estudos da filosofia da linguagem desenvolvidos pelo Círculo de Bakhtin e
Volochinov (1929/1992). Estes estudos permitem esclarecer que a linguística de Saussure
ocupou-se, em especial, do aspecto técnico da linguagem, a língua, mas deixou de fora a parte
essencial da linguagem a fala e os falantes situados no mundo. Portanto, os estudos
linguísticos e filosóficos da linguagem são aqui vistos como complementares. E o resultado
teórico, conceitual e metodológico da tentativa dessa articulação constitui referência teórica
para abordagem discursiva desse trabalho. Sob este foco busco conferir à reflexão e à análise
do objeto em estudo a construção identitária de professores formadores de PLP.
O filósofo russo desenvolve seu trabalho, observando o movimento da linguagem e do
seu uso pelos falantes, portanto, privilegia a interação e a transformação social. E sob esse
aspecto pode ser chamado de opositor a Saussure, pois não concebe a língua como algo
estático, e, o significado do signo é provisório, uma vez, que defende que as significações
dependem do uso feito pelos falantes, em situação real socioistoricamente situados.
A teoria de Bakhtin e Volochinov (1929/1992) que discorre sobre a linguagem
diferencia-se da teoria da língua de Saussure por tomar base da interação o enunciado, que
diferentemente, do signo exige um enunciador e um receptor para existir. Portanto, demanda a
existência do sujeito, que passa a ocupar lugar de destaque. Além disso, o enunciado é
compreendido como um acontecimento que ocorre num determinado tempo e lugar,
envolvendo sujeitos históricos.
61
O estudo do uso da linguagem sob o enfoque da mobilidade social atualiza o que se
passa no interior da sociedade em questão, é o registro da memória socioistórica e discursiva
dos interactantes e, em especial, dos processos de construção das identidades individuais e
coletivas.
Interessa esta pesquisa analisar, à luz dessa teoria, o recorte da atividade humana, a
entrevista, em que o indivíduo enuncia-se, revelando seu processo de construção identitária
profissional, enquanto reflete e refrata os efeitos da relação com o poder e com a
subjetividade.
O enunciado é único, não podendo ser repetido, exatamente por envolver as categorias
citadas acima. Porém, tão importante quanto essas, é a categoria „tema‟, que também é único
como também o é cada enunciado. O tema corresponde a uma significação que envolve a
totalidade da cena, como os elementos verbais e não verbais, os atores, movimentos gestuais,
expressões faciais, figurino, entonação, etc. Assim, dada as diferenças socioistóricas, culturais
e biológicas, existente entre os enunciadores do encontro, as impressões do encontro captadas
por eles variam, e, devido a isso, o autor afirma que cada enunciação é diferente da outra,
mesmo que o texto do enunciado seja repetido, seu tema jamais será o mesmo.
Cada enunciado traz em si significações herdadas de outros significados de enunciados
passados, ao mesmo tempo em que traz também novos significados, as novidades, que
articulados com os já conhecidos, sempre proporcionarão um novo conhecimento
sucessivamente. Assim, segundo Bakhtin e Volochinov (1929/1992)
por trás de cada texto está o sistema da linguagem. A esse sistema
correspondem no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo que pode
ser repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o
dado). Consequentemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo
individual, único e singular, e nisso reside todo seu sentido (a sua intenção
em prol da qual ele foi criado). É aquilo que nele tem relação com a verdade,
com a bondade, com a beleza, com a história (BAKHTIN/ VOLOCHINOV
(1929/1992, p. 97).
De acordo com Faraco (2009) as práticas socioculturais discursivas ou atividades
verbais concretizam-se em gêneros do discurso e estão atravessadas por diferentes posições
sociais (concretizam diferentes vozes) é o que lhe permite interagir, expressar sentidos,
sentimentos ideias e emoções, enfim, agir como ser socioistórico e cultural, o que o torna
objeto dos estudos das mais diferentes ciências.
O estudioso das teorias bakhtinianas afirma que o importante num encontro de
falantes, não é o evento em si, mas o que acontece nesse encontro, as relações dialógicas
interativas. Os sujeitos partícipes da interação são “indivíduos socialmente organizados”
possuem uma história e conhecimentos, o que os torna heterogêneos, isto é, “os sujeitos se
62
constituem e vivem numa emaranhada rede de signos, que ocorre sempre no interior de
inúmeras esferas da atividade humana, desde as mais efêmeras do cotidiano até as
culturalmente mais elaboradas” (FARACO, 2009, p. 19).
Das atividades discursivas, ou práticas sociais, emergem os sentimentos morais, já
comentados anteriormente, que são utilizadas como forças reguladoras conservadoras do
grupo, são verdades e mentiras sociais, que refletem e refratam o mundo “estão materializadas
semioticamente e redundam em diferentes vozes ou línguas sociais que caracterizam a
realidade da linguagem heteroglótica e atravessadas pelos contínuos embates entre essas
vozes, a infinda heteroglossia dialogizada” (FARACO, 2009, p. 79).
Em meio ao grupo social emergem os enunciados, bem como os pontos de tensão
entre essas forças reguladoras. Eles trazem em si a carga verbal, aquilo que é falado e a carga
não verbal, mas presumível, que embora não esteja verbalizado, pode ser subentendido
considerando-se as relações sociais que envolvem os sujeitos, suas falas e os contextos, isto é,
as condições de produção do enunciado.
A natureza dialógica da enunciação pressupõe uma atitude responsiva, uma tomada de
posição em relação ao enunciado inicial, e de acordo com o presumível da cena, essa resposta
será afirmativa ou não. O valor de cada enunciado é sempre constituído de vários outros
enunciados ou fragmentos de outros anteriores – a dialogização interna, portanto, constituídos
por várias vozes anteriormente ouvidas – a bivocalização, que ecoam no momento do dito, ou
no momento da enunciação do sujeito.
O sujeito ao enunciar é regulado pelos gêneros do discurso que regulam e direcionam
a produção do dito ou do enunciado, uma forma de controle das atividades humanas. Segundo
Bakhtin (1986) os gêneros e as atividades são mutuamente constitutivos, portanto, falar não é
apenas atualizar um código gramatical num vazio, mas moldar o nosso dizer às formas de um
gênero no interior de uma atividade.
Todavia, visto por esse ângulo, parece que o sujeito encontra-se subjetivado pela
moral e pelos gêneros discursivos, e que a enunciação segue modelos prévios úteis à
preservação dos modelos convencionais do dizer e do agir nas práticas de linguagem e nas
atividades humanas.
Assim, Bakhtin (1986) ao conceituar os gêneros do discurso afirma que esses são tipos
relativamente estáveis de enunciados, isto é, são passíveis de serem mudados, remodelados e
ainda que têm “historicidade”, ou seja, por nascerem no interior das atividades humanas
dinâmicas e em constante mudanças, os gêneros também acompanham esse movimento, são
maleáveis e plásticos.
63
3.2.1- Linguagem e o rastro do sujeito discursivo
Como afirma Fernandes (2005) o sujeito é discursivamente inventado por meio do
processo de subjetivação das linguagens é puro movimento, apreensível apenas num só
depois.
A subjetividade individual “representa os processos e formas de organização subjetiva
dos indivíduos concretos” (FERNANDES, 2005, p. 6) cuja natureza processual, é
representada pela organização histórica da subjetividade do sujeito, constantemente implicado
nos espaços sociais e em suas práticas.
Afirma, ainda, que as emoções afetam diretamente a subjetividade individual do
sujeito, bem como, os processos de subjetivação da linguagem, pois estão associados às
experiências sociais do sujeito concreto e às formas de organização destas, realizada pelo
curso da história de cada sujeito
as emoções representam estados de ativação psíquica e fisiológica resultantes
de complexos registros do organismo ante o social, o psíquico e o fisiológico.
As emoções são verdadeiras unidades que mostram a ecologia complexa em
que se desenvolve o sujeito, e as mesmas respondem a espaços constituintes
da ecologia. Nesse sentido, as emoções representam um dos registros mais
importantes da subjetividade humana, o que requer explicitar as possíveis
vias de seu caráter subjetivo (GONZALEZ REY, 2003, p. 242).
Os estudos mais recentes têm se preocupado em desenvolver categorias que permitam
compreender e explicar de que maneira as emoções participam do processo de construção
cultural e da subjetividade social individual do sujeito.
Tais estudos se preocupam igualmente, em estabelecer um método de estudos e
pesquisa, que abarque a complexidade da subjetividade como um sistema e o
desenvolvimento do indivíduo. Tomam-no como princípio em prol de um sistema dialético,
anteriormente, proposto por Vygotsky (1934-1987), em seu estudo Sistema dinâmico de
sentido em que transcende a dicotomia do externo e o interno, dentro de uma nova definição
ontológica da psique de caráter sistêmico e processual, que se mostra de forma simultânea
como organização e processo.
A formação discursiva do sujeito pode sofrer influências e até mesmo ser alterada pelo
“interdiscurso” ou discursos “outros‟ externos e ou anteriores, que podem trazer efeitos
discursivos de ambiguidades, de divisões ideológicas, réplicas estratégicas, de respostas
prontas e por fim, de esquecimentos inconscientes ou não, sobre a origem do seu dito.
64
Authier-Revuz (1990), como seguidora do pensamento de Bakhtin, compreende o
sujeito como produto da linguagem, do discurso heterogêneo, dividido entre o consciente e o
inconsciente. Desenvolveu seus estudos linguísticos preocupada com a análise das marcas
explícitas da heterogeneidade mostrada, privilegiando as formas do discurso relatado. Suas
pesquisas influenciaram muito os estudos sobre o sujeito em especial a Análise do Discurso.
As várias correntes da AD diferem entre si no que se refere a abordagem do sujeito
como elemento do discurso, mas se assemelham quanto a existência do interdiscurso, e da
abordagem das condições de produção e seus processos de construção discurso. Dentre as
quais a que, particularmente, interessa a esse trabalho é a de origem anglo-saxã, devido à
abordagem que faz das relações entre sujeito e linguagem, e das relações desses com as
disciplinas sociologia, história, antropologia, psicologia, filosofia e demais ciências naturais.
A corrente anglo-saxã corrobora com a concepção de sujeito abordada em nossa
pesquisa, ao tomar o sujeito como subjetivado construído nos interstícios discursivos, fruto
das interações com o Outro e das relações subjetivas, essenciais nos processos de construções
identitárias. Esse sujeito conhecedor das restrições a que está submetido, contra as quais re-
age, impondo-se ao buscar brechas para agir de acordo com sua consciência.
Acrescente-se aí outra característica relevante dessa corrente, o fato de privilegiar a
relação com a Sociologia, interessando-se pelas estruturas mais flexíveis que as dos textos de
instâncias institucionais de interesse da AD francesa.
Dessa última, destaco o interesse em refletir sobre o uso da linguagem como um
processo discursivo que reflete e refrata a construção identitária do sujeito a partir de suas
experiências históricas. E esse é um ponto que nos aproxima da AD francesa, à qual
acrescentamos outras tantas, como experiências como as sociais, as culturais, as biológicas e
as psicológicas, para formar o sujeito de linguagem, ativo e consciente defendido por Foucault
(2004).
Nessa concepção do sujeito, o falante não diz a verdade que acredita dizer. O que diz
não é expressão de um puro pensamento, de uma pura atividade cognitiva, mas resulta da
interação com o Outro, outras vozes, que residem no inconsciente, produzidas no
interdiscurso. Esse Outro, o inconsciente, estrutura-se via discurso identifica-se com o sujeito
e ao mesmo tempo o desestabiliza.
O discurso do Outro se faz na presença da heterogeneidade mostrada, isto é, as marcas
do discurso alheio colocado em cena pelo sujeito, “instancia de um além interdiscursivo que
vem, aquém de todo autocontrole funcional do ego-eu, enunciador estratégico que coloca em
cena sua sequência” (GADET; HAK apud SANTOS, 2010, p. 10).
65
É impossível moldar uma forma que defina o sujeito sem a relação que esse trava com
o outro, pois, para compreender o sujeito discursivo implica compreender as vozes sociais que
se fazem presentes em sua voz.
O sujeito não aparece individualizado naturalmente. É preciso que o poder
disciplinalize-o, molde o seu comportamento, conforme a ordem desejada. “O sujeito se
relaciona consigo mesmo através do discurso, discurso esse que não lhe pertence
completamente, mas que é devassado pelo Outro”(FERNANDES 2005, p. 23).
O discurso não é fruto de um sujeito que pensa e sabe o que deseja, pelo contrário, o
sujeito é construído pelo discurso, que resulta de um conjunto de relações que irá determinar o
quê o sujeito deve falar, quando e como, é ele que estipula as modalidades enunciativas.
Como exemplo, temos a fala de uma entrevistada, cuja entrevista figura no corpus de minha
pesquisa.
Na verdade o meu primeiro contato com o Brasil foi porque estava lá o meu
livro, na livraria da UFMG. E a professora Graça Paulino, que já foi da Puc,
viu o livro e tinha uma doutoranda que estava precisamente também a
trabalhar o livro didático, a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e
depois veio aqui a fazer o seu sanduiche. Excerto entrevista E13.
A entrevistada E13, ao falar de seu trabalho em parceria e de suas relações de pesquisa
com professores e universidades brasileiras, legitima-se no discurso acadêmico voltado para a
área de formação de professores, deixando clara posição como professora, como pesquisadora
e autora de livros sobre o fazer docente.
Portanto, os discursos movem-se em direção a outros discursos, que, por sua vez,
também são atravessados por outras vozes, num constante duelo, ora o legitimando, ora o
confrontando. Esses discursos podem estar dispersos no tempo e espaço, mas se unem porque
são por uma mesma regra de aparição, como uma escolha temática, mesmos conceitos,
objetos, modalidades ou um acontecimento. Devido a isso o discurso é considerado uma
unidade em dispersão.
O exercício de analisar um discurso consiste, portanto, em fazer desaparecer e/ou
reaparecer as contradições, consiste em mostrar o jogo que elas desempenham em um
determinado discurso. É “compreender como o discurso pode exprimir as contradições, dar-
lhes corpo, ou emprestar-lhes fugidia aparência” (FOUCAULT, 2005, p. 40).
Foucault chamou de “técnicas de si”, aos procedimentos que fixam, mantêm e
transformam a identidade, em função de determinados fins, orientados por poderes múltiplos
que atuam sobre nossas vidas, que nos levam a construir representações de subjetividades e
66
impor formas de individualidades. Em virtude disto, somos acostumados a ligar uma
identidade a um indivíduo, a dar nome, tornar familiar e a domesticar por meio da
generalização, segundo Fernandes (2005). Como exemplo,
E eu não acho que tenham bom fruto, os meus alunos que vão ser professores
de português ficam limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a
intregação. E o professor de português é aquele que corrige erros de
ortografia e erros de linguagem, o escrever e a falar bem, e literatura. E
mesmo que olhem pra aula de língua numa perspectiva interativista, a
questão centrada sempre em saber a gramática e saber a literatura, calcados
na escola passada. Excerto entrevista E13.
E13 referindo-se à dificuldade apresentada pela maioria de seus alunos/professores de ligarem
os conhecimentos, adquiridos na academia, aos conhecimentos pré-profissionais, trazidos de
suas experiências como alunos, de que nos fala Tardiff (2005).
Portanto, o sujeito deve ser concebido como fragmentado, relativizado, determinado
pelo lugar de onde fala; e o discurso, pensado sob suas condições de produção, de uso
pragmático e não sob o ponto de vista linguístico.
3.2.2 - Linguagem: lugar de aparição do sujeito
Foucault (1983) volta sua atenção para a questão da relação entre a linguagem e a
subjetividade, mas uma relação em que o sujeito não reflete sobre a origem socioistórica do
enunciado. O autor aborda a emergência de enunciados que respondem ao dito, não como
uma tomada de posição resultante de uma reflexão, mas uma tomada de posição resultante de
uma automação condicionante da aceitação da verdade social. Afirma que os sujeitos
produzidos pelas diversas vozes sociais encontram-se condicionados pela moral, cuja verdade
foi instituída nas atividades humanas, pelos micros poderes das criações socioideológicas. E
em situações de ensino, muitas vezes, somos levados a agir conforme os ditames curriculares,
sem refletir sobre os desdobramentos dessa ação. Em se tratando de docentes formadores de
PLP, isso pode resultar em prejuízos didáticos.
Segundo Souto (2006), em seu curso O governo de si e dos outros, o filósofo francês
afirma que o esquecimento, tratou de tirar do homem moderno a capacidade de perceber a
diferença entre o que é verdade e o que é mentira para si, considerando seu papel dentro de
sua comunidade seus valores morais e culturais de seu tempo, portanto, dentro da linguagem.
Para Foucault (1983), o homem moderno deveria resgatar sua capacidade de
reconhecer o que era bom para si, a partir da “verdade do indivíduo construído ao longo de
67
sua vida”, a partir do referencial teórico de minha pesquisa, compreendo essa “verdade
individual” foucaultiana como uma categoria semelhante ao self de que fala Mead (1934).
De acordo com o pensador francês, o homem moderno, perdeu a capacidade de falar a
verdade de si. A meu ver, isso teria ocorrido, face às múltiplas identidades que esse homem
assume em cada enunciação, atravessadas por múltiplas posições avaliativas, permeadas por
criações socioideológicas que o induzem ao mundo das aparências.
Diante de tudo isso, o convite de Foucault (1983) para solucionar o problema tem
como movimento inicial o resgate da ética, em que “a verdade seria concebida interiormente”,
atendendo a uma solicitação do indivíduo que deseja construí-la, na sua relação consigo
mesmo, abordando a linguagem, considerando sua relação com a subjetividade e com o poder.
No que se refere ao resgate do sujeito, Foucault aproxima-se de Bakhtin, ao considerar a
subjetivação útil para explicar uma nova abordagem de sua teoria.
Portanto, este estudo sobre linguagem contribui de maneira efetiva para orientar a
etapa analítica desse trabalho, em que procuro compreender e interpretar o quê e como dizem
os sujeitos, Trata-se de um exercício que lida como a “intertextualidade aberta”, onde os
sujeitos individuais e coletivos divergem-se e lutam para mostrar uma identidade coerente
com seus relatos. Além disso, as variações das circunstâncias do evento discursivo podem
levar a distintas e imprevisíveis interpretações.
Isso é explicado pelo autor francês que considera o ato de linguagem como um “objeto
duplo”, constituído por dois segmentos, o explícito, cuja interpretação é transparente ou
literal, e, o implícito, cujo sentido pode ser interpretado de várias maneiras distintas, isso
ocorre em virtude da infinita capacidade do sujeito para significar o mundo, como uma
totalidade que inclui o contexto socioistórico e as relações que se estabelecem entre os
sujeitos. A princípio, essa incontrolável possibilidade de interpretações pode ser tomada como
um problema a mais para o analista, mas em muitos casos, são, na verdade um desafio para
novas descobertas.
Para tanto, o analista deve considerar que os atos linguageiros resultam de estratégias
de significação construídas pelos sujeitos enunciadores e interpretantes, e, devido a isso, o
interesse da análise deve focar “os modos de construção desses relatos e seus efeitos de
sentido na interlocução, e não propriamente o grau de veracidade dos fatos relatados, ou
autenticidade das intenções [dos sujeitos]” (SINGNORINI, 2006, p. 57).
Além disso, não se pode perder de vista que linguagem, como constituinte do sujeito,
está intrinsecamente ligada ao seu processo de construção identitária, por implicar
68
discursividade e subjetividade. É relevante considerar que o sujeito toma consciência de si, ou
se constroi, baseado na sua identidade social e se realiza pela identidade discursiva.
3.2.3 - Linguagem e estratégia da identidade discursiva
A identidade discursiva é construída pelo sujeito para garantir sua permanência com a
palavra após conquistá-la, pois não basta ter legitimidade, tão importante como saber “a
quem” dirigir seu dito, é necessário saber “como” dizer. Esta ação está diretamente ligada aos
modos do dizer, e principalmente à construção de estratégias discursivas de credibilidade e de
captação numa dada interação discursiva, como afirma Charaudeau (2006).
Trata-se, portanto, de uma categoria de análise, útil a esse estudo, pois permite que se
faça uma combinação dessas estratégias, realizadas linguisticamente no texto, com outras
pistas para que se chegue à compreensão e uma possível interpretação da identidade social do
sujeito professor formador de PLP.
A primeira refere-se à situação em que o sujeito de acordo com a circunstância
discursiva, necessita fazer-se crível. E como estratégia vale-se de expedientes variados como
o uso da neutralidade em que, ao falar não deve deixar transparecer nenhuma marca de
avaliação pessoal, apenas enuncia.
Outro recurso é o distanciamento, em que o sujeito fala sem demonstrar paixão, atua
de maneira racional e analítica.
E por fim, contrária às estratégias anteriores, mas com o mesmo propósito, de
conquistar credibilidade, o engajamento, em que o sujeito assume uma posição, identificada
pela escolha dos argumentos, modalizações e avaliações, por meio das quais “explicita a
convicção de sujeito com intenção de influenciar seu ouvinte” (CHARAUDEAU, 2006,
p. 313).
A segunda estratégia discursiva a captação tem por objetivo garantir para o sujeito a
atenção e concordância do interlocutor em relação ao que diz o sujeito. Nessa estratégia o
sujeito vale-se do uso da razão para “persuadir” o interlocutor, induzindo-o a raciocinar a
respeito dos argumentos apresentados. Ainda dentro da captação o sujeito pode tentar seduzir
o interlocutor, ao recorrer às “emoções”, fazendo o outro sentir e pensar nos efeitos dessas
emoções significadas, sempre com vistas ao seu objetivo, conquistar a adesão do outro
segundo Charaudeau (2006).
As estratégias se realizam através de diferentes atitudes discursivas como criar uma
polemizar as ações, valores, ideias e até mesmo, ou o próprio interlocutor, para em seguida,
69
eliminá-lo, a partir de seus próprios argumentos. Realizam-se ainda pela sedução em que são
criadas situações imaginárias, em que ao interlocutor são dispensados papéis heroicos de
beneficiário. Ou ainda a atitude de dramatização que apoia sua argumentação em relatos
afetivos com uso de metáforas, comparações, com objetivo de fazer o outro sentir fortes
emoções.
Portanto, a identidade discursiva é construída pelo sujeito, apoia-se no conhecimento
da identidade social do sujeito e do interlocutor, para o uso eficiente da palavra a seu favor
baseado “na organização enunciativa do discurso e na manipulação dos imaginários sócio-
discursivos”. (CHARAUADEAU, 2006, p. 313). Trata-se de uma importante identificação do
sujeito, portanto, faz parte de suas escolhas, e, nunca está acabada, dado o caráter dinâmico
dos atos linguageiros. Segundo Charaudeau (2006),
É neste jogo de vaivém entre identidade social e identidade discursiva que se
realiza a influência discursiva. Segundo as intenções do sujeito comunicante
ou do sujeito interpretante, a identidade discursiva adere à identidade social
formando uma identidade única essencializada – (eu sou o que eu digo)/ele é
o que ele diz), ou se diferencia formando uma identidade dupla de ser e de
dizer (eu não sou o que digo /ele não é o que diz ser), No último caso, ou se
pensa que é o dizer que mascara o ser (mentira, ironia, provocação), ou se
pensa que o dizer revela um ser que ignora a si mesmo(denegação, revelação
involuntária: sua voz o traiu) (CHARAUDEAU, 2006, p. 313).
As escolhas efetuadas pelo sujeito para compor seu mosaico de identidades, resultam
de informações disponibilizadas em sua memória, mas, esta, não se trata de um armazém de
estocagem, onde estão arquivados os blocos prontos e acabados. Não se trata de estabelecer
uma montagem peça a peça, mas, sim, de uma montagem instantânea, que se forma,
transforma e reforma a cada nova interação, realizados no/pela ação linguageira, num infinito
movimento subjetivo, em que todas as informações de que dispõem os sujeitos encontram-se
interligadas e prontas para serem ativadas, à menor vibração, registrada como comando, a
serviço da subjetividade do sujeito. Esse sujeito que dispõe de tudo isso não pode ser
concebido como uno e fixo, mas múltiplo e disperso como também deve ser sua identidade.
3.3 - Subjetividade
O desenvolvimento das teorias de Foucault (1985) vêm ao encontro do interesse de
nossos estudos relacionados à importância da linguagem e à formação da consciência, cujos
conceitos são fundamentais para a compreensão do comportamento do homem no processo de
sua construção identitária. Por sua vez, esse processo está intimamente ligado à constituição
do sujeito e de subjetividade, pois ambas resultam de práticas discursivas e estão imersas na
70
trama socioistórica. A subjetividade, aqui compreendida a partir da a noção do “cuidar de si”
de que fala Foucault (1985) constitui uma importante categoria que se inscreve no quadro das
aliadas às resistências ao poder. O autor, na terceira fase de sua pesquisa, admite que “os
indivíduos poderiam tomar para si a orientação de sua constituição de sujeito desde que
olhasse pra si, [...] investigando como o mundo no qual estão inseridos procurou produzir sua
subjetividade” (CAVALCANTE JUNIOR, 2008, p. 7).
A consciência segundo Brandão (1998) nasceu para o mundo ocidental quando
Descartes promove o deslocamento do ponto fixo do ser externo a nós, para o interior do ser,
até então, pensado como o ser uno imutável. Agora o ser é visto como o que existe em nós,
essa mudança é explicada a partir da afirmativa “cogito, ergo sum” – Penso, logo existo – que
constitui o fundamento da subjetividade. É reconhecido o poder de pensar e agir do homem,
por conseguinte, o direito de construir “suas” verdades, enquanto percebe a si próprio como
ser no mundo. O homem constata que pensa. A partir daí, o mundo científico “erige a
consciência como a primeira certeza fundadora de todas as outras” (BRANDÃO, 1998, p.34 )
A subjetividade é reconhecida como ferramenta de produção do saber e o homem
passa a ser dotado de consciência, compreendida como
Uma capacidade, ou melhor, um poder de síntese, uma atividade que
reconhece ou que produz a partir de si mesma o sentido real pela produção de
ideias ou conceitos dos objetos e dos estados interiores; estas atividades
epistemológicas e esse poder definem aquilo que a filosofia denomina sujeito
(CHAUÍ, 1976, p. 34).
A consciência passa a apreender o real, o sujeito e o objeto, inicialmente, separados,
tornam-se sujeito/objeto. A representação “consiste numa operação em que o sujeito se
apropria do objeto, de algo que lhe é heterogêneo e converte-o em ideia, torna-o homogêneo à
consciência” (BRANDÃO, 1998, p. 40). Portanto, a verdade ou a realidade, necessariamente,
devem ser compreendidas como originárias da contradição, explicado por Chauí (1976)
A identidade de um ser não está nele mesmo, mas naquele ser ao qual se
opõe. O real é constituído por realidades que se negam inteiramente umas às
outras, e essa negação ou contradição é que produz o movimento próprio real.
O real é processo. É história. É dialética: negação interna dos contraditórios
de cuja luta uma realidade nova nasce (CHAUÍ, 1976, p. 36).
Assim, a subjetividade está na relação de oposição que todo ser mantém com o Outro.
A partir desse ponto de vista a representação é compreendida como uma construção da
subjetividade do sujeito que dá sentido ao objeto, ao representar seu mundo, por meio da
71
linguagem. Assim ao refletir sobre sua subjetividade, o indivíduo estaria se empenhando
numa ação em busca da compreensão de si mesmo, esculpindo sua dimensão subjetiva ou de
sua espiritualidade e “intervindo nos determinismos que lhe são impostos”, ultrapassando a si
mesmo. Todo esse esforço faz parte de um projeto individual de ação, para alterar uma
determinada situação em que se encontra.
Trata-se, portanto, de um processo dialético, reflexivo e ético. Considerando-se que
Foucault (1985) não formalizou um conceito de subjetividade, e, menos ainda, de sujeito, o
significado dessas categorias, para o processo de construção identitária será mais bem
compreendido, após a leitura desse capítulo, a começar por um breve histórico sobre o acesso
à verdade científica, pelo caminho objetivo da realidade e o abandono do caminho subjetivo
da verdade do ser.
Segundo Bauman (2005), identidade é o retrato da vida na contemporaneidade. O
autor liga este conceito ao de subjetividade, por compreendê-la, por um lado, como
“pensamentos e emoções conscientes e inconscientes que constituem nossas concepções sobre
quem nós somos” (BAUMAN, 2005, p. 33) em um viés individual. Por outro lado, num viés
coletivo, afirma que esta subjetividade pode se ligar ao nosso lado social, num contexto em
que a linguagem e a cultura dão significado à nossa existência. E, a partir deste significado,
construímos uma determinada identidade, ou seja, os discursos constroem nossa identidade. É
essa a abordagem que adoto para compreender o objeto de estudo desta tese: a construção
identitária do professor formador dos futuros profissionais da educação, professores de LP.
3.3.1 - Subjetividade e identidade
Os estudos sobre a ligação da subjetividade à questão da identidade iniciam-se, a partir
do século XVIII, quando se instaurou a concepção do homem como centro de todas as coisas
e senhor absoluto da cientificidade, de onde viriam explicações sobre todos os fenômenos
humanos, sociais e físicos. Ao mesmo tempo, criou-se também o sujeito cognoscente,
concebido como um objeto passível de ser estudado e explicado pelas ciências humanas por
meio de uma metodologia neutra e objetiva, segundo Freitas (2006).
Portanto, predominantemente, a produção científica dos séculos seguintes, inclusive na
área das Ciências Humanas, pautou-se nesse princípio. Freitas (2006) afirma que essa
concepção, de maneira indireta, proporcionou avanços importantes à psicologia rumo a sua
autonomia epistemológica, pois a partir dos postulados de Descartes permitiu o
desenvolvimento do conceito de consciência. Definida por seu “cogito”, quando se deu a
72
descoberta do espírito por si mesmo, cuja existência percebe-se como sujeito. Portanto, foi
dado um passo fundamental para o estabelecimento do racionalismo que tentava explicar os
fenômenos da consciência.
Isso levou aos estudos do homem como um objeto dual composto de corpo e mente,
considerados como duas substâncias independentes e opostas. Assim, ambas as abordagens da
psicologia.
a objetivista e a subjetivista – fragmentam a realidade não tendo condições de
explicar o todo, sendo insuficientes para a sua compreensão por
negligenciarem o caráter histórico dos fatos. [...] o homem é, antes de tudo,
um ser físico e natural, [...] e sua natureza é um produto da história
(FREITAS, 2006, p. 63).
No objetivismo “o indivíduo é considerado um produto do meio, independente das condições
históricas que o produziram” (FREITAS, 1995, p. 63).
Esse conceito foi superado posteriormente, por Spinoza apud Freitas (1995), para quem o
homem é mais um ser submetido às leis naturais, compreendido como “um modo finito da
substância infinita”, onde interagem corpo e espírito num movimento único.
Embora esse pensamento fosse, à época, inovador seu desenvolvimento deu-se em
bases ainda idealistas privilegiando uma metodologia quantitativa em detrimento da
qualitativa, de certa forma, impedindo que as Ciências Humanas emergissem como ciências
autônomas, além de exigirem que deixassem de lado a intencionalidade do sujeito.
Esse pensamento só seria modificado quando Bretano, em 1874, rompeu com a
psicologia objetiva, ao retomar os estudos de Kant em Crítica da Razão Pura, que afirmavam
que o conhecimento humano é proveniente da sensibilidade e do entendimento, que
combinados permitem ao sujeito a construção do conhecimento de si, dando início à
orientação subjetivista.
Dessa maneira, ganha espaço a psicologia subjetivista, em que o indivíduo, dotado de
uma essência universal, é anterior às condições ambientais e históricas. A predominância do
sujeito sobre o objeto do conhecimento é reconhecida, valoriza-se sua atividade e criatividade,
embora não seja situado na sociedade em que vive, pois está fechado na sua subjetividade.
Em busca da compreensão e apreensão desse homem e de suas ações no mundo, a
psicologia adiciona a dimensão histórica ao seu campo de estudos. Para tanto, precisou
romper com a tradição dicotômica objetivo/subjetivo, a favor de uma postura dialética e
dialógica, ou seja, uma psicologia capaz de compreender o homem como um ser psico-
73
biossocioistórico, contraditório e que si constrói pela linguagem e na linguagem, num
processo constante e infinito de interação.
A dialética e o dialogismo constituem as bases das teorias defendidas por Vygotsky e
Bakhtin, respectivamente. O primeiro trouxe importantes contribuições para a psicologia
sobre aspecto socioistórico do homem e o segundo trouxe os resultados de seus estudos na
área da linguagem. Embora tenham vivido e realizado seus estudos, fisicamente, distantes um
do outro, suas teorias aproximam-se por meio da motivação e abordagem temática de um
objeto de estudos comum – o homem como ser socioistórico – e a característica teórica que os
aproxima é a capacidade de enxergar na pluralidade a possibilidade da unidade, nascida da
dialética da interação.
Vygotsky (1998) opunha-se ao conceito de mente isolada do comportamento, por
considerar o sujeito constituído nas formas sociais de relações e a consciência resultante da
subjetivação dos signos verbais e não verbais presentes nas atividades externas e objetivas no
ambiente social.
Portanto, a subjetividade atua, diretamente, na escolha de uma e não de outra
identidade particular ou individual, constituindo-se, portanto, um elemento essencial do
processo identitário. Isto é, a subjetivação coletiva ou social, ao ser internalizada, por meio da
consciência, passa a ser subjetivação individual, pois a seleção do que será subjetivado e o
modo como ela é feita implica as vivências do sujeito, sua condição socioistórica, sua herança
biológica, cultural, constituído um processo único e pessoal.
O autor considerava fundamental encontrar uma teoria que lhe permitisse conhecer o
psiquismo do homem, para isso estudou o marxismo de onde tomou emprestado o método
dialético de sua construção e, mais tarde, aplicou-o em seus estudos da mente, para explicar a
transformação dos processos psicológicos elementares em processos psicológicos superiores.
Grosso modo, como se dá a transformação da categorização à conceitualização, considerando-
se que todo fenômeno tem uma história marcada por características quantitativas e
qualitativas, reafirmando a dialética do método usado.
Por sua vez, Bakhtin e Volochinov (1929/1992) privilegiaram o método da
compreensão por considerar que esta implica na presença de duas consciências, ou seja, o
encontro de dois sujeitos inseridos no diálogo. Reafirma sua posição em defesa de um
marxismo dinâmico, ao defender uma visão pluralista e polifônica. Contrapôs-se à visão
monológica dominante da ideologia russa pós-revolucionária, defendendo uma interpretação
independente das teorias de Marx ao estabelecer sua visão de realidade/mundo pluralista,
polifônica e dinâmica.
74
O filósofo russo, ao fazer essas afirmações, parte da ideia de que a consciência é um
processo mental de confrontamento dialético de signos ideológicos. Num processo dialógico,
um primeiro signo ideológico, de domínio do sujeito, é confrontado com um segundo signo
desconhecido pelo sujeito, mas de domínio do Outro, e, por esse enunciado. Do processo de
reflexão da consciência do sujeito, surge um terceiro signo novo, trazendo em si um novo
significado, diferente dos significados dos signos que lhe deram origem. O novo signo, o
novo conhecimento, se realiza na/pela linguagem dando sequência ao interminável e
renovador movimento da linguagem. Esta, por sua vez, dá à luz o sujeito e seu caráter plural,
dinâmico polifônico e devido a isso, é disperso, contraditório, plástico, plural, dialético, e, por
conseguinte, também o são suas identificações.
A cada enunciação o sujeito deixa-se revelar, em seu enunciado, mostrando suas
identidades, síntese do processo interminável de construção identitária que nasce nas
interações biossociaisistóricas, econômicas e culturais. Portanto, o sujeito constrói sua
identidade social a partir da subjetivação da linguagem, ao mesmo tempo, em, pela
subjetividade cria e recria a linguagem e a si mesmo.
3.3.2 - Subjetividade e a vitalidade do sujeito
Quando se fala em identidade líquida, Bauman (2005) pode-se estabelecer, em larga
medida, uma relação com a concepção de sujeito plural, que reporta a acepção de sujeito
fragmentado, disperso, polifônico, clivado. Rompe-se com a ideia da unicidade do sujeito,
problematizada por muitos teóricos, para citar Ducrot, Foucault, Freud, Lacan.
Estamos vivendo, portanto, este intervalo, ou no limite entre os conceitos de sujeito
cartesiano lógico e estável e o sujeito nascido da interação social com outros sujeitos
históricos e multifacetado, sobre o qual dialogam as teorias de Bakhtin (1929/2004) em
Marxismo e Filosofia da Linguagem e de Foucault (2004) em A Arqueologia do Saber.
Bakhtin e Volochinov (1929/1992) propuseram uma teoria diferente, baseada no
método do materialismo-dialético do Marxismo, afirma que o sujeito não é fonte primeira de
sentido, pois é heterogêneo e modifica seu discurso em função das interações com os outros
discursos, sejam reais ou imaginários. Portanto, emerge do Outro, logo “não podemos
perceber e estudar o sujeito enquanto tal, como se ele fosse uma coisa, já que ele não pode
permanecer sujeito se ele não tem voz; por conseguinte, seu conhecimento só pode ser
dialógico” (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1929/1992, p. 134).
75
O sujeito bakhtiniano resulta da interseção de múltiplas vozes, pois é solidário das
alteridades de seu discurso. Assim difere do sujeito pensante e autocriador de Descartes e,
por sua vez, difere também do sujeito clivado lacano-althusseriano da AD francesa, já que “a
palavra do outro” é transformada, no diálogo, em “palavra pessoal-alheia” com a ajuda de
outras “palavras do outro”, e depois, torna-se palavra pessoal, ao perder as aspas; adquirindo
então um caráter criativo” (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1929/1992, p. 134).
Assim o sujeito não é responsável pela produção de sentido, mas, sim, co-produtor de
novas significações. É fruto da interação social, onde se constrói dialogicamente, com outros
sujeitos e com o meio sociocultural, numa interminável interação subjetiva de discursos,
signos e sujeitos.
Na visão bakhtiniana, o sujeito, devido a sua formação plural embasada na alteridade,
é incompleto e busca, eternamente, sua completude no outro que o constitui ideologicamente
e delimitando e construindo o seu espaço de ação no mundo.
Foucault (2004) em seus estudos sobre o sujeito vai ao encontro da teoria de Bakhtin,
ao afirmar que o sujeito discursivo não constitui uma categoria fundante, pois compreende
este como uma categoria constituída pela/na dispersão dos acontecimentos imprevisíveis, ou
seja, sujeito é produto do discursivo, resultante das práticas discursivas, constituintes das
interações das histórias descontínuas.
O autor, ao desenvolver seu trabalho sobre o sujeito, elege como principal
preocupação descrever os modos pelos quais nos tornamos sujeitos, ou seja, estudar a
constituição do indivíduo. Acredita que o indivíduo é constituído pelos processos de
objetivação e subjetivação, tentando compreender, por meio do enfoque da genealogia, os
mecanismos que tornam o homem um objeto dócil politicamente, útil economicamente e
preso a uma identidade que acredita ser sua.
O sujeito foucaultiano não é antropocêntrico, não é senhor de sua ação, não é senhor
de si, nem de seu conhecimento e, menos ainda, de sua história. É, sim, um sujeito
historicamente determinado pelas práticas discursivas, pelo discurso tomado por
acontecimento, cuja analise considera sua descontinuidade e suas transformações.
O sujeito do conhecimento não tem identidade fixa, por ser produto do enunciado
social presente nas práticas sociais autorizadas pelos projetos da estética, das relações de
poder, das ciências e das instituições.
Neste caso, o sujeito discursivo resulta de um conjunto de ocorrências históricas
permeadas pelos interesses das relações de poder dos discursos, num eterno processo de
construção e re-construção de identidades.
76
Numa síntese da combinação dos sujeitos de Bakhtin e Foucault, pode-se afirma que o
agente da palavra é, necessariamente, um sujeito histórico e reflexivo, assim nomeado, por ser
“uma produção humana social, planejada, organizada em ações e operações socializadas”
(PINO, 2001, p. 30).
3.3.3 - Dos sujeitos plurais
É somente pensando o processo de formação de identitária de um sujeito plural que
podemos compreender porque hoje não temos respostas para algumas perguntas triviais que
nos são feitas na infância como: O que você quer ser quando crescer? Ou outras que nos
remetem a uma ideia de um sujeito pronto e acabado, como: Quem é você?
Para tanto, é preciso examinar e compreender que significados e sistemas simbólicos
estão sendo produzidos pelos sistemas de representações e consequentemente, que
posicionamentos o sujeito está ocupando, nesse momento dentro do “pensamento limite”
(HALL, 2000, p. 104). Somente a partir da compreensão da situação do sujeito nesse contexto
poderemos discutir e analisar a fala desse sujeito.
O autor compreende “pensamento-limite” como o período de transição entre duas
situações histórico-discursivas, especialmente nesse caso, uma marcada por uma aparente
solidez identitária, onde os papéis sociais e discursivos são pré-determinados e conhecidos. E
outra, onde as representações e símbolos são fluidos e cambiáveis, a cada construção e
desconstrução da realidade de cada enunciação.
Ressalto que, ao nos confrontarmos com essas duas situações dispares, sentimo-nos
desconfortáveis e inseguros, pois mal conseguimos compreender uma realidade e já somos
convocados a atuarmos noutras, num contínuo movimento. Vemo-nos, portanto,
desorientados entre os sistemas simbólicos e os símbolos produzidos por sistemas de
representações que nos são impostos, nascidos de demandas alheias. Por conseguinte,
incessantemente, somos apresentados a símbolos vazios de significados, os quais somos
levados a conceituar e significar, sem que eles tenham passado por nossos desejos, num
movimento contrário a tudo que criamos até então. Logo,
os símbolos por serem instrumentos de integração social enquanto
instrumentos de conhecimento e de comunicação, tornam possível o consenso
a cerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a
reprodução da ordem social (BOURDIEU, apud BARRICHELLO, 2006, p.
4).
77
Isto é, de acordo com o autor, os sistemas têm o poder de agregação de indivíduos,
estruturando um determinado grupo, por meio do seu poder simbólico, ao construir a
realidade. Todavia, aparentemente, em virtude da velocidade e da intensidade das interações
sociais e globais, não há tempo hábil para a sedimentação do processo de construção dos
sentidos e nem de reflexão sobre os sistemas simbólicos dotados, propiciando, então, a crise
identitária de que fala Hall.
3.3.4 - Sujeito e poder dispersos
O século XIX traz elementos novos como a democracia e a ampliação dos direitos dos
não proprietários, desencadeando uma redefinição da relação Estado /sociedade, além de
redefinir os parâmetros teóricos da época. Estas alterações refletem diretamente na
subjetividade moderna, tornando-a mais complexa. Esta complexidade subjetiva cresce a tal
ponto que, para os indivíduos construídos sob o ideal romântico, os procedimentos da
privacidade passam a se construir, nos próprios organizadores e juízes da vida pública,
confundindo o público com o privado, supervalorizando o intimismo conforme discute
Mancebo (1999).
Dentre os pensadores, quem mais dialogou e reinterpretou a visão marxista do poder
foi Foucault que, nos meados do século XX, em sua visão analítica, destitui o poder de seu
estigma repressor e jurídico, para torná-lo emancipatório.
Alterando-se, portanto, a chave de interpretação histórica, percebe-se que o
direito cede lugar à técnica, bem como a lei à normalização. o poder se
encontra em mecanismos positivos, produtores de saber, multiplicadores de
discursos, indutores de prazer e geradores de mais poder (FOUCAULT,
2003, p. 125).
O poder, para Foucault, não é entendido como algo que se refere exclusivamente à
classe dominante oriunda dos aparelhos ideológicos e repressivos do Estado. Compreende-o
como micropoder, como uma estratégia discursiva que visa a posse do discurso, num jogo de
relações sociais, no qual todos são jogadores, independente de camadas sociais, daí ser
chamado de poder em escala micro.
Do estado de consciência subjetiva, decorrem-se novos olhares sobre o conceito de
liberdade e identidade. Foucault (1983, 1986) é investigador sobre a identidade e a análise do
processo pelo qual se dá a tomada do poder sobre os corpos, na trajetória do poder versus
controle social, promovidos pelos dispositivos disciplinares e pela normatização técnico-
78
científica. Ele constrói uma crítica, em que classifica a modernidade como a era da
domesticação dos corpos. Mancebo ilustra isto ao afirmar que
a administração dos comportamentos individuais, alcançável mediante uma
invisibilidade, conhecimento e controle mais planejado dos comportamentos,
ganha espaço no tecido social de modo que as instituições educacionais,
corretivas, de saúde, de lazer passam a participar dessa agenda assumindo
funções diagnósticas, disciplinares e preventivas (MANCEBO, 1999, p. 56).
De acordo com os acontecimentos e interesses, novas estratégias de poder são
estabelecidas, novas ordens e novos valores, o que explica a descontinuidade e a
imprevisibilidade da história, bem como o caráter do “porvir” da teoria. Para o autor a história
é feita de histórias e explica
Da mobilidade política às lentidões próprias da “civilização material”, os
níveis de análises se multiplicam: cada um tem suas rupturas específicas,
cada um permite um recorte que só a ele pertence; e, à medida que se desce
para bases mais profundas, as escansões se tornam cada vez maiores. Por trás
da história desordenada dos governos, das guerras e da fome, desenham-se
histórias, quase imóveis ao olhar (FOUCAULT, 2004, p. 24).
Essas histórias de que fala Foucault precisam ser analisadas dentro da situação
socioistórico e cultural em que se encontra nosso sujeito discursivo, nesse caso, tomamos
como ponto de partida para a formação do estado neoliberal, considerando-se a importância
de movimentos como o liberalismo, o romantismo e o racionalismo tecnocrático-disciplinar,
enfatizando ora um ora outro, em um confronto com o momento atual por que passa o
neoliberalismo e a subjetividade do homem contemporâneo.
O capitalismo floresceu no passado com sua fase liberal, passando por transformações
importantes até ele atingir sua segunda fase, no período pós-guerra, também chamado de fase
áurea. Época em que ocorreram o crescimento da economia e as grandes conquistas nos
direitos sociais e econômicos das classes trabalhadoras, propiciando um aumento de lutas
populares que alimentaram a expansão destes direitos. Acrescenta-se aí, após a década de
1960, a terceira fase denominada capitalismo financeiro capitalismo desorganizado ou
neoliberalismo.
O neoliberalismo firma-se como uma necessidade de todos os países, baseada no
princípio de fortalecimento da burguesia, obediente à lei do mercado, ultrapassou a esfera
econômica, encampando o Estado e a sociedade, ao provocar severas transformações na
economia diretamente ligada às relações dos homens com os seus semelhantes e destes
consigo mesmos.
O Estado liberal demanda indivíduos que pautem suas condutas sociais pelo
utilitarismo social, onde o ganho pessoal é objetivo primeiro. Para Peter (1995), as pessoas
79
devem ser tratadas como maximadores racionais da utilidade para reforçar seus próprios
interesses (definidos em termos de posições mensuráveis de riqueza) na política, assim como
em outros aspectos da conduta.
Neste contexto, o Estado neoliberal apresenta-se como detentor de uma soberania
retraída, ao tratar das questões internacionais na esfera da produção e da reprodução social,
portanto, do eixo externo. Por outro lado, ao tratar das questões do eixo interno, torna-se
autoritário eximindo-se de suas obrigações sociais, firmadas desde a invenção da identidade
nacional, repassando à sociedade competências e funções que não lhe são convenientes
assumir, na atualidade. Assim,
a desigualdade dos homens é um pressuposto fundamental dessa concepção,
constitui uma necessidade social, já que na acepção dos doutrinadores
neoliberais a desigualdade permite o equilíbrio, a contemplação de funções,
fomenta a competição e, desse modo, promove o desenvolvimento
(MANCEBO, 1999, p. 79).
No que se refere à subjetividade
Emergente nos dois séculos passados tem-se nos dias que correm um homem
movido pelo individualismo competitivo, pela internalização exacerbada,
pela disciplina e docilidade imposta aos corpos, ou por todas essas dinâmicas
combinadas, mas submetido ao império de uma micro-ética que o impede de
formular e agir em prol de acontecimentos globais (MANCEBO, 2010, p. 7).
Ao tentar explicar este fenômeno, a autora toma o processo de formação da identidade
na sua dimensão individual e a transpõe para a dimensão social, evidenciando seu caráter
contínuo, incerto e transitório. Bauman (2005) afirma “as identidades ganharam livre curso, e
agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, captá-las em pleno voo, usando os seus
próprios recursos e ferramentas” (BAUMAN, 2005, p. 90).
Todavia, este homem ou esta mulher são chamados a assumir identidades, que em face
da situação em que cada um se encontra, mudam e são construídas e (re) construídas a cada
nova situação histórica. Consequentemente serão gerados novos interesses novas estratégias
discursivas, por conseguinte, gerando rupturas e substituições do conhecido pelo mais atual e
conveniente.
Estamos, portanto, diante de um sujeito cindido, fragmentado, disperso,
necessariamente consciente de si de suas escolhas, pois estas resultam de práticas discursivas
da modernidade líquida de Bauman (2005), onde, a cada nova enunciação, as palavras são (re)
significadas e uma nova identidade é apresentada, num contexto em que as opções são
infinitas e a durabilidade de cada uma delas corresponde ao tempo que elas forem
consideradas atuais, ou seja, são todas efêmeras.
80
De acordo com Bauman (2005) diante de tantas opções e de tamanha liberdade de
escolhas, optar por uma identidade sabidamente líquida, torna-se um grande problema: Qual
das identidades alternativas escolher e em se tendo escolhido uma, por quanto tempo se
apegar a ela?
Se no passado “a arte da vida” consistia principalmente em encontrar os
meios adequados para atingir determinados fins, agora se trata de testar, um
após o outro, todos os (infinitamente numerosos) fins que se possam atingir
com a ajuda dos meios que já se possui ou que estão ao alcance. A construção
da identidade assumiu uma forma de experimentação infindável (BAUMAN,
2005, p. 91).
Diante desse cenário como problematiza esse autor nós entramos em um profundo
conflito, pois acreditávamos que nossa formação identitária resulta da opção por uma posição
de sujeito construído historicamente a partir de determinações que lhe são exteriores, ou seja,
um sujeito do modelo moderno, que nos fazia sentir seguros, ao qual nos acomodávamos.
Agora, a frenética globalização nos diz que nosso modelo escolhido, está em desuso nos
tempos de modernidade tardia, pois a nossa exterioridade é outra, é múltipla, instável e
transitória, portanto, devemos escolher posições-sujeito e discursos condizentes com esta
exterioridade, isto é, este cenário exige posições identitárias fluidas.
Precisamos produzir novos discursos, para que tenhamos poder e sejamos vistos como
pertencentes a um grupo, mas os “ditos” estão ultrapassados e a nós é oferecida uma,
aparente, liberdade de escolha, pois, na verdade, são as instituições que nos impelem para os
discursos. Portanto, não temos liberdade de escolha e nem liberdade discursiva.
“Somos todos consumidores numa sociedade de consumo. A sociedade de consumo é a
sociedade de mercado. Todos nós estamos dentro e no mercado, ao mesmo tempo clientes e
mercadorias” de acordo com Bauman (2005).
Seguimos na busca por uma solução mais realista para os efeitos da ideologia
neoliberal, em especial, os que promoveram o aumento das desigualdades e da exclusão
social, ao confrontar esta situação e a lógica competitiva da economia globalizada, muitos
cientistas, pensadores, analistas e políticos defendem uma saída que combine as exigências da
competitividade econômica com os direitos sociais e de cidadania.
Cada vez mais, vemo-nos inseguros para atuar nesta sociedade, constituídos por
contratos sociais fluidos, onde não há identidade fixa, mas sim, uma “identidade móvel:
formada e transformada continuamente” (HALL, 2000, p. 10-12).
81
3.3.5 - Sujeitos plurais e a liberdade de escolha
Em meio a tantos conflitos buscamos um porto seguro, onde nos reconheçamos
inteiros e detentores da verdade, uma busca vã, incompatível com as demandas discursivas da
pós-modernidade. Contudo a compreensão da situação apresenta alternativas para a (con)
vivência mais reflexiva e inteligente com o poder e com a liberdade dentro do sistema
neoliberalista.
Foucault (2003), aparentemente, não elegeu como foco de sua atenção as questões
atuais da identidade líquida, todavia, ao tentar explicar as formas de exercício de poder sobre
o sujeito, discute também as formas de “poder de liberdade”, ou seja, maneiras de exercitar
nossa liberdade.
O autor afirma que o sujeito exerce sua liberdade no momento de fazer escolhas,
valendo-se da ética, uma categoria que nos permite compreender as relações de poder como a
– histórica, pois caso não o fossem o homem não seria capaz de produzir mudanças. E estas
começam com o exercício da liberdade ao confrontarmos o poder, isto é, o exercício da
liberdade manifesta-se no desejo de mudança, que nasce do desejo de posse do poder e da
emancipação, portanto, não pode haver poder sem liberdade e vice-versa. Da relação de
ambos surge a ideia nova, as novas práticas de liberdade política, consequentemente, das
relações dos sujeitos nasce a liberdade ética.
Portanto, toda ação ética comporta uma relação com a realidade – onde se realiza uma
relação com o código ao qual se refere e uma relação do sujeito consigo mesmo – resultante
de uma constante relação de crítica às normas das relações de poder para a construção de si,
numa dada situação discursiva.
Essa relação do sujeito autorreflexiva, ou exercício da ética, será sempre combatida
pelas práticas de poder, uma vez que, estas, objetivam impedir o exercício da liberdade, num
firme propósito de tornar os sujeitos dóceis e iguais, ou seja, passíveis de uma identidade
normal, nos impedindo de marcarmos nossa singularidade como uma possibilidade de vida
diferente.
A liberdade de pensamento torna-se, portanto, uma alternativa a uma determinada
realidade. As multiplicidades das relações sociais, das práticas discursivas permitem o
exercício da liberdade, complementar ao exercício do poder.
O poder perpassa toda a sociedade nos seus diferentes seguimentos, estabelece
normas, que somente serão modificadas no momento em que outros modos de vida não
normatizados, vindos de fora, desestabilizarem as normas em curso. Essas mudanças ao
82
incidirem sobre nossa subjetividade, modificando os sujeitos tornando-os dóceis e úteis ou
não provocando um movimento interno e contínuo de luta político-social em nome da
diferença, pois
não há exercício de poder, onde não há nenhuma possibilidade de ação e
também não há exercício de liberdade onde não há exercício de poder.
O poder não se realiza de maneira absoluta, sempre outras formas de poder se
constituirão, pois sem resistência não haverá mudança, e resistência é
exercício de liberdade (FOUCAULT, 2003, p. 176).
Fonseca (2003) a partir do pensamento de Foucault defende ética como
Aquela em que o indivíduo estabelece uma relação consigo mesmo e daí a
sua oposição à forma de constituição do poder da norma, onde não há lugar
para que essa relação se dê ou, em outros termos, onde não há lugar para
liberdade. Tal ética almeja, assim, o exercício da liberdade. É uma ética do
pensamento e das responsabilidades individuais que objetivam este fim.
Desta forma, seu conteúdo se expressa como uma crítica permanente, visando
assegurar o exercício contínuo da liberdade (FONSECA, 2003, p. 145).
Assim, toda ética contém relações de confronto com o poder-norma e com o exercício
da liberdade, num processo de construção de uma subjetividade, a partir da ação de pensar,
perseguindo a criação de soluções para os problemas atuais.
A busca pela singularidade e pelo novo pressupõe o enfrentamento constante pela
normatização de quem tem direito de falar, sobre o que falar, onde falar, quando falar, ou seja,
o discurso [...] não é simplesmente quilo que manifesta (ou oculta) o desejo;
é, também, aquilo que é objeto do desejo; e visto que – isto a história não
cessa de nos ensinar- o discurso não é apenas aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual
nos queremos apoderar (FOUCAULT, 1996, p. 9-10).
O micro poder permeia as modalidades, demarcam o campo das regularidades
enunciativas para as diversas posições de subjetividade, fazendo surgir o sujeito do discurso
como resultante da dispersão, devido ao fato de um enunciado pressupor outros
sucessivamente.
Essa dispersão do sujeito e sua capacidade de reflexão implicam um descompasso
entre o discurso e a história, consequentemente, seu processo de construção de identidade está
em constante modificação. O sujeito busca no “outro” sua completude, modificando-se a cada
acontecimento histórico, que lhe é imposto, diariamente, pelo enunciado social. Logo as
categorias liberdade, conhecimento e verdade não são livres de poder e, portanto, são
passíveis de confronto e ruptura. Assim, surgem novas formas de poderes e de liberdade, num
83
constante jogo, onde a subjetividade é líquida construída e (re) construída pela diferença,
numa infindável busca de uma singularidade dispersa na comunhão do universo.
Assim, neste estudo, ao reunir subjetividade, sujeitos plurais e a questão identitária, o
fiz com intenção de identificar os traços identitários do professor formador de PLP, a partir do
sujeito, concebido como uma categoria discursiva resultante do processo dialético de
apropriação subjetiva das diferentes vozes e discursos alheios. Os quais estão presentes nas
interações discursivas, ocorridas no contexto sócio histórico-cultural, em que se encontra o
sujeito que luta por sua afirmação identitária.
84
4 - METODOLOGIA: UM CAMINHO PARA REFLETIR SOBRE O
OBJETO EM ESTUDO
O objetivo norteador deste estudo é compreender e interpretar a construção identitária
profissional do Professor Formador de PLP, de universidades brasileiras e portuguesas, com
base nos relatos construídos pelos professores em situação de entrevista a mim concedida.
Quando se propõe um exercício para compreender e interpretar um dado fenômeno
e/ou realidade, num quadro de investigação científica, importa considerar que tais ações se
inscrevem em abordagens metodológicas de caráter qualitativo. Nessa acepção, refiro-me a
ações que pressupõem outras como: observar (escutar o sujeito informante em situação real de
interlocução), descrever e explicar, com base em relatos, o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes que os sujeitos informantes manifestam no curso da
interação. E aí, os sujeitos deixam entrever sua identidade profissional e como ela vem sendo
construída. Dessa perspectiva, reitera-se que as orientações metodológicas desta pesquisa se
enquadram numa abordagem qualitativa, vez que, recorrendo às palavras de Godoy (1995),
meu interesse não é
enumerar e/ou medir eventos estudados, nem emprega instrumental
estatístico na análise dos dados, envolve a obtenção de dados, mas descritivos
sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do
pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos
segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em
estudo (GODOY, 1995, p. 58).
Os dados em exame, caracteristicamente discursivos, trazem em sua constituição
aspectos que remetem às instâncias individuais e sociais da identificação do professor
formador, as quais se encontram interligadas de maneira tão profunda que podem ser
compreendidas como um amalgama das formações acadêmica e profissional. Uma identidade
construída (inter) subjetivamente, a partir e em função da apreensão do mundo nas múltiplas
interrelações sociais. Assim, com vistas a compreender as várias interfaces que envolvem o
processo identitário desse sujeito docente enveredei-me por diferentes caminhos
confrontando teorias e autores, confirmando o que diz Gonzalez (2000) a pesquisa qualitativa
não é somente uma definição instrumental, ela é epistemológica e teórica e se apóia em
processos singulares de construção de conhecimento.
A pesquisa permitiu que eu compreendesse o fenômeno da construção identitária,
segundo a perspectiva dos sujeitos. Isto é, a partir do modo como o professor formador se vê e
representa (e reflete sobre) seu papel social, o de professor, no momento mesmo da entrevista,
85
um espaço de interlocução, de escuta, de observação, por parte do pesquisador, de um sujeito
que fala de si, dos seus projetos e atuação profissionais. Em outras palavras, busquei conhecer
um profissional que deixa revelar as singularidades com que assume esse papel, mas também
como projeta e reflete (sobre) sua relação de pertença ao grupo de profissionais, de seus pares.
Esse trabalho de reflexão envolve a dimensão de ser professor em um curso de Letras que,
entre suas ações acadêmico-pedagógicas, está a de formar o PLP e, particularmente, pesquisar
cientificamente o que é formar PLP.
4.1 - Seleção dos informantes e a composição do corpus da pesquisa
Dada a abordagem metodológica adotada, este estudo buscou operar com uma
pequena amostra do universo de professores formadores dos países em foco – Brasil e
Portugal. Isso porque fugia de meu alcance e propósito precisar o número total desses
profissionais. Nesse sentido, optei por investigar um pequeno subconjunto desse universo, a
fim de apreender o perfil identitário do professor formador de PLP, o critério adotado, para a
seleção dos nomes dos professores a serem entrevistados, foi o de que os professores
deveriam ser docentes do curso de Letras em exercício, em universidades do Brasil e de
Portugal. Para isso, pautei-me por uma consulta à Plataforma Lattes, relativamente aos
professores brasileiros, e aos Currículos dos professores portugueses, atualizados em sites dos
Departamentos das suas respectivas universidades. Esse procedimento explica-se pelo fato de
que tais documentos afiguram-se legais, atualmente, na esfera acadêmica, para registrar a
habilitação e a atuação profissional do professor universitário. Esclareço que, no curso dessa
consulta, identifiquei que muitos dos professores também eram pesquisadores, cujos estudos e
produções científicas contemplam a problemática da formação inicial do professor de LP.
Em razão desse fato, a fim de operar com uma característica comum entre os
entrevistados, estabeleci tal traço para ajustar o critério de seleção. Isso se mostrou importante
para esta pesquisa, pois me permitiu entender que se abria possibilidade de apreender
elementos da trajetória profissional desses professores – docência e atividade da pesquisa –
que estivessem implicados com a(s) realidade(s) do fazer docente e da reflexão sobre esse
fazer. Da perspectiva deste estudo, compreendi que tais dimensões, constitutivas do processo
da construção identitária do professor formador no exercício mesmo de suas atividades
profissionais, poderiam me oferecer dados para formular temas e perguntas da entrevista.
Para visualizar o quadro de professores formadores entrevistados no Brasil e em
Portugal, abaixo, apresento um quadro dividido em regiões, cidades e universidades.
86
Professor
Formador
Entrevistado
Região do
Brasil Cidade Universidade Curso
Universidade
Graduação
E1/ER Sul Florianópolis U1/UFSC Letras UFSC/
Florianópolis
E2/EJ Sudeste Viçosa U2/UFV Letras UFV/
Viçosa
E3/EC Sudeste Viçosa U2/UFV Letras
Universidade Stª
ÚRSULA/
Teresópolis
E4/EM Sudeste Belo Horizonte U3/UFMG Letras UFMG/
Belo Horizonte
E5/MA Sudeste Belo Horizonte U4/
PucMinas Letras
UFMG/
Belo Horizonte
E6/EC Sudeste São Paulo U5/UNESP Letras USP/ São Paulo
E7/ERj Sudeste Campinas U6/UNICAMP Letras USP- São Paulo
E8/EP Nordeste Fortaleza U7/UFC Letras/
Direito
UFMG/Puc Minas –
Belo Horizonte
E9/EC Sudeste São Paulo U8/UNESP Letras
UFP/ Recife
UNESP – São
Paulo
Professor
Formador
Entrevistado
Região de
Portugal Cidade Universidade Curso
Universidade
Graduação
E10/EA Central Lisboa U9/UL Letras UL/Lisboa
E11/ES Central Lisboa U10/UL Letras UL/Lisboa
E12/EI Norte Porto U11/UP Letras UP/Porto
E13/EL Norte Aveiro U12/UA Letras UL/Lisboa
E14/EMD Norte Braga U13/UB Letras UL/Lisboa
Esse quadro resume, por sua vez, o corpus da pesquisa que é constituído por 14
entrevistas concedidas por professores formadores de professores de Língua Portuguesa,
docentes de disciplinas do Curso de Letras - Licenciaturas -, lotados em diferentes
universidades públicas e particulares do Brasil e de Portugal.
A identificação dos professores formadores de PLP baseou-se em letras números,
compreendendo E= entrevistado, variando de E1 a E14 referindo-se aos entrevistados e U =
universidade, variando de U1 a U13 referindo-se às universidades, em que os entrevistados
atuam como professores formadores nos cursos de Letras. Segui essa mesma notação na
87
transcrição das entrevistas e, em ambas as situações, foram apagados os nomes dos
entrevistados e demais marcas de identificação por questão ética.
4.2 - Procedimento metodológico: entrevista
Como anunciei o recurso técnico utilizado para alcançar uma melhor compreensão da
identidade dos professores formadores de PLP foi a entrevista face a face semiestruturada, o
que permitiu a este estudo coletar um conjunto de informações que reportam a crenças,
valores, significados, motivações e escolhas das experiências no mundo acadêmico, tanto
universitários como professores formadores, dos sujeitos entrevistados. A entrevista criou
interlocução com os entrevistados, por meio da qual, no curso de seus relatos, deixou-se vir à
tona elementos que interpretei como expressão de uma identidade profissional, formas ou
gestos que o professor formador agencia para falar de si e de sua pertença ao grupo de
professores do curso de Letras.
Por se tratar de uma realidade multifacetada, situada num determinado tempo e
espaço, num contexto socioistórico específico, a interpretação e compreensão das verdades
ditas é parcial, pois os relatos das entrevistas constituem um recorte na vida dos entrevistados.
E como tal, são passíveis de esquecimentos, de (re) significações, de omissões intencionais,
bem como de realces e apagamentos de alguns fatos, são verdades negociadas pelos valores
morais, ora religiosos, ora e/ou legais, cujas interpretações do entrevistador só são possíveis a
partir dos compartilhamentos autorizados pelos sujeitos.
O contato com os professores foi feito por e-mail. De pronto, todos aceitaram o
convite. Marcamos as entrevistas. Iniciei as visitas aos professores brasileiros, no final de
novembro de 2011 e, em 2012, fiz as visitas aos professores portugueses. Foi um período de
várias viagens por cidades localizadas nas diversas regiões dos dois países, munida de um
gravador e um roteiro de questões (apêndice).
Esse roteiro foi elaborado com objetivo de suscitar um conjunto de informações que se
mostrasse relevante para atender ao objetivo da pesquisa, por exemplo, o que envolvesse o
desenho da trajetória acadêmico-profissional do professor formador a fim de identificar o seu
processo de construção identitária.
As perguntas, que tomei como adequadas àquele momento da pesquisa, na verdade,
buscaram contemplar a concepção de identidade que norteia este estudo, levam em conta
tanto as trajetórias objetivas, institucionais, como as trajetórias individuais, relatos
biográficos, reconstruídos a partir de entrevista em que os informantes deixam flagrar pistas
88
de suas identidades individuais e profissionais. Tais identidades nascem da essência social e
discursiva, realizando-se na interação dos seres humanos e formam uma combinação
identitária, onde ambas as identidades se complementam de acordo com defende Dubar
(2005). As informações coletas não constituem a priori uma lista determinada, pois a escolha
da entrevista deu-se exatamente pela necessidade de deixar que o entrevistado falasse ao
máximo, do que desejar em torno da temática central. E então, num processo de acolhimento
dos dados que nos foram confiados, procedi a identificação de pistas prováveis, de indícios
que nos auxiliem a alcançar os objetivos propostos da pesquisa. Antes de sair a campo para
efetuar as entrevista, preparei-me lendo a respeito de cada informante, investiguei sobre seu
trabalho como pesquisador e como docente, num explícito exercício de respeito e de rigor
para com o trabalho proposto. O que contribuiu muito para que fosse estabelecido um clima
de cordialidade e descontração, durante as entrevistas que se tornaram longas e espontâneas
conversas.
O tempo acordado para a duração das entrevistas era de 40 a 50 minutos, porém, na
maioria das vezes, foi desobedecido por iniciativa dos entrevistados que excederam o tempo,
envolvidos pela aparente satisfação de poder falar de si, mas, principalmente, de poder falar
de si, de suas histórias pessoais, divulgando seu trabalho e de expectativas futuras. Em alguns
momentos os entrevistados, após uma rápida leitura do roteiro das perguntas, preferiram falar
livremente num fluxo contínuo de uma conversa, num resgate das vivências relatadas.
Raramente me pareceram desconfortáveis com a situação, ao contrário, pareciam quer falar
mais, detendo-se por mais tempo numa ou noutra questão.
Embora, ao proceder às entrevistas, eu tenha trabalhado com um roteiro básico de
perguntas, nos encontros com os entrevistados, tal instrumento não foi usado como um
elemento para estabelecer uma conduta rígida do trabalho, ao contrário, serviu apenas de
orientação das respostas que surgiram livremente. Quando achei necessário interferi,
acrescentando perguntas que não estavam previstas no roteiro, com vistas a esclarecer algum
ponto. Observei que quanto mais o entrevistado se sentia à vontade, mais e melhor expressava
suas opiniões e significados, discutia novos aspectos sobre o tema abordado, questionando-se
em meio às novas demandas sociais e epistemológicas que envolvem as reformas do ensino
superior, por exemplo.
Como dito, busquei conhecer o contexto socioistórico e cultural em que se deu a
formação acadêmica, numa intersecção com a atuação profissional dos professores
pesquisadores, constituiu um dos pilares deste trabalho. Por meio da atividade analítica dos
dados, pode-se perceber que os traços da identidade de um sujeito se mostram numa
89
incompletude a qual não se deixa apreender na sua totalidade. Em outras palavras, no curso da
entrevista e no trabalho de análise, foi-me revelado, em termos identitários uma a realidade
dispersa e multifacetada emergente no momento da enunciação do sujeito, ou seja, no curso
da entrevista. Todavia essa realidade interfere diretamente nos processos da subjetividade e,
consequentemente, altera as escolhas do sujeito, seu processo construção de saberes e de
identidade. Ou seja, os processos de subjetivação “mudam em face do contexto em que se
expressa o sujeito” (GONZALEZ, 2002, p. 51).
Ao desenvolver esse trabalho, procurei focalizar mais ao processo de construção e
compreensão dos significados das ações dos sujeitos atualizados nos relatos, construídos no
curso da entrevista. Poderia dizer, recorrendo às palavras de Meihy (2010), que
mais do que a verdade comprovada e aferível, o que se busca é a variação das
narrativas em suas evidências, inexatidões e deslocamentos.Se isso é válido
em termos individuais, no coletivo ganha dimensões ainda mais relevantes
(MEIHY, 2010, p. 124).
Ainda,
Interessa não as palavras em si, pois não é cada palavra exatamente como foi
dita que vale, mas o seu significado no conjunto da dissertação de alguém em
situação de entrevista e na conjunção de outros estabelecidos na mesma
perspectiva (MEIHY, 2010, p. 124).
4.3 - Procedimentos da análise, um ponto de partida: proposição de duas amplas
categorias
O caráter individual e, ao mesmo tempo, coletivo da identidade situada explica toda
sua complexidade e dificuldade de sua abordagem do ponto de vista analítico. As categorias
eleitas foram tomadas pelo viés da noção de identidade como algo se constitui na relação
entre pessoal e social, que emerge e se atualiza nas relações interacionais.
Nessa direção metodológica, procurei conferir uma leitura do corpus com base nestas
duas amplas categorias: (a) a construção de si, posição identitária manifestada por meio de
enunciados que trazem a fala de si, a sua imagem de professor, o papel social, ser professor
universitário; (b) construção de si em relação ao outro e à esfera de atividade, posição
identitária profissional em relação ao outro – ao grupo de pertença, professor universitário,
professor formador e pesquisador – ao aluno, à tarefa docente, ao trabalho de pesquisador, às
normas sociais da esfera de atividade, ao contexto em que atua.
Essa orientação analítica, entendida aqui como um expediente metodológico, remete
diretamente à concepção que se tem de identidade, como um fenômeno do humano,
90
constituído intrinsecamente pelas dimensões pessoais e sociais, consiste em um “objeto”
único, integrado e, ao mesmo tempo, plástico.
Essa postura metodológica e conceitual é explicitada, com clareza, em um trabalho de
Silva e Matêncio (2005), que advogam o pressuposto de que a construção de posicionamentos
identitários emerge de movimentos baseados tanto na diferença como na similitude do sujeito
em relação ao outro (eu/outro; eu/espelhamento do outro). Nesse sentido, as autoras buscam
perceber as marcas da singularidade, de individualidade, de exclusão do outro e aquelas que
revelam a condição de pertença a um grupo, a uma coletividade – a apropriação/assimilação
de características dos valores, crenças desse grupo. Nas palavras de Silva e Matêncio (2005)
Nesse processo [interação] plástico e dinâmico, o sujeito reconhece-se (a si
mesmo e ao outro), do ponto de vista tanto social e pessoal/psicológico, como
um ser distinto do outro, como aquele que se investe de uma identidade social
– professor, aluno, leitor, escritor, pesquisador, estagiário –, que pressupõe no
evento interacional, uma posição comunicativa. Isso nos leva a admitir que a
identidade pode ser entendida como uma categoria simbolicamente
construída, na medida em que os indivíduos, em seus permanentes processos
de socialização – o que envolve contínuos processos de subjetivação –,
(trans)formam-se em sujeitos dotados de papéis sociais, conforme as esferas
pública e privada que os integram (SILVA E MATÊNCIO, 2005, p. 253).
Sob lente das categorias em foco, o olhar deste estudo incide sobre a materialidade
linguística dos discursos, portanto, dos relatos, na tentativa de identificar e/ou flagrar indícios,
instância observável aos olhos do pesquisador, que apontem para os movimentos de
emergência da construção identitária dos sujeitos pesquisados.
Essa orientação metodológica, para reiterar, conforme discutido no capítulo 3, funda-
se no pressuposto de que é na (e pela) linguagem que o sujeito se constitui, pois “a enunciação
é a colocação em funcionamento da língua por um ato individual de utilização”
(BENVENISTE,1989,p.79), condição necessária para as relações intersubjetivas. Articulando
essa reflexão à posição de Bakhtin/Volochinov (1929/1996,), entendo aqui que
os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na
corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham
nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os
sujeitos não adquirem sua língua materna: é nela e por meio dela que ocorre o
primeiro despertar da consciência (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/1996,
p. 108).
Para salientar esse aspecto, acrescente-se a afirmação de Vygotsky (1996) sobre a
importância dos signos para a constituição do eu, e da sua relação com o outro, em um
91
sistema de reflexos reversíveis, em que a palavra desempenha a função de contato social, ao
mesmo tempo em que é constituinte do comportamento social e da consciência.
Sob esse enquadre, iniciei o trabalho de análise, a partir da ideia de que, ao se fazerem
escolhas de estratégias linguístico-discursivas para se enunciarem, os professores
entrevistados também levaram em conta o que conheciam sobre meu trabalho de pesquisa e
sua temática, a partir de informações que foram passadas a eles, por ocasião do convite. É
importante salientar que os entrevistados só tomaram conhecimento do roteiro da entrevista,
no momento de nosso encontro. Esse procedimento contribuiu para que nossas conversas
fossem espontâneas, o que contribui, em certa medida, uma emoção, por parte do
entrevistado, viesse à tona. Creio que isso se deu em razão da possibilidade do professor
formador falar de si mesmo sobre experiências profissionais.
Desenvolvi o processo de análise, a partir das marcas linguísticas encontradas nos
relatos dos entrevistados, com vistas a identificar a maneira como os sujeitos se inscrevem na
enunciação. Pode-se dizer, na perspectiva do dialogismo, que as escolhas lexicais e sintáticas
dos sujeitos são feitas com intenção previamente determinada, isso torna os signos
ideológicos e, portanto, todos os enunciados dos docentes expressam um posicionamento
social com carga avaliativa e/ou valorativa.
Nesse quadro de reflexão, em termos teórico-metodológicos, também se mostram
pertinentes as discussões de Kerbrat-Oricchioni (1980), desenvolvidas em seu livro cujo
interesse recai sobre os processos de inscrição da subjetividade na enunciação, isto é, no
discurso. Embora a autora não trabalhe com a problemática da identidade, é necessário
esclarecer que suas discussões são importantes para este estudo, por reconhecermos nelas um
ponto de congruência com os pressupostos aqui defendidos, no que toca à relação intrínseca e
constitutiva entre linguagem e sujeito. Esse ponto como procurou-se discutir no capítulo 3, é
um pilar teórico sobre o qual se pode lançar luzes sobre a problemática da identidade, por se
admitir aqui que falar de identidade impõe-se falar de subjetividade, vez que essa dimensão é
intrínseca à formação da identidade pessoal e social (profissional), e emergência de ambas dá-
se no (e pelo) discurso, nas interações sociais.
Ainda, é importante dizer que o enfoque trazido por Kerbrat-Oricchioni é adequado
aos pilares teórico-conceituais deste estudo, sobretudo, em termos operacionais, no que toca
ao trabalho analítico do corpus em exame. A nosso ver, ele se apresenta produtivo e coerente,
vez que se busca aqui rastrear elementos linguísticos, nos relatos dos professores formadores
de PLP, que se apresentem como indícios da posição identitária profissional desses sujeitos.
92
Nesse sentido, para reiterar, a identidade pressupõe um sujeito ou uma subjetividade
não uno, como prevê a racionalidade cartesiana, mas um sujeito heterogêneo, com propõe
dialogismo, travessado por discursos. Dessa perspectiva, como se expôs, a subjetividade,
fundada nas relações com outro, em que se imbrica o social com o individual, uma
constituição em que, a um só tempo, opera com a identificação e o diferente, o singular e
coletivo. Nesse sentido, para resumir, quando se propõe aqui rastrear as marcas linguísticas
nos relatos dos professores formadores de PLP, assumimos com Kerbrat-Oricchioni – e os
demais estudiosos aqui trazidos – que o discurso pode nos indicar, pelas suas marcas
linguísticas, o modo como os sujeitos de constroem sua identidade profissional, nas situações
de comunicação. Isto é, falam de si na perspectiva dessa identidade profissional, falam de si
em relação aos seus pares, aos alunos, etc. Em suma, partindo do pressuposto de que é no (e
pelo) discurso que emerge a identidade, é que, em termos analíticos, o trabalho aqui
desenvolvido busca rastrear as marcas linguísticas nos enunciados por meio dos quais se pode
flagrar, do ponto de vista identitário, reflexões sobre a construção de si e sobre construção de
si em relação ao outro e à esfera de atividade.
A presença da subjetividade na linguagem é um pressuposto consensual nos estudos da
enunciação, como expomos Kerbrat-Oricchioni (1980) reitera-o por meio de um trabalho
tipológico e analítico do funcionamento de unidades linguísticas, traços linguísticos, que
carregam valores sintático-semânticos, implicados com o processo enunciativo em questão.
Nesse trabalho, a autora esclarece que são considerados como fatos enunciativos os traços
linguísticos por meio dos quais se revela a inscrição do locutor no discurso. Para ela, no
quadro da problemática da enunciação, esse parâmetro é apenas um entre outros que podem
ser considerados como pertinentes. Dessa perspectiva, os fatos enunciativos, segundo a
autora, alcançam um espectro mais amplo dos que foram esboçados por Benveniste. Ela,
nesse estudo analisa unidades lexicais, por exemplo, verbos e nomes (substantivos, adjetivos e
pronomes) que, na enunciação, se revestem de uma carga semântico-discursiva, que se
prestam, por exemplo, a modalizar o dizer, e, portanto, o dito, ou a relação do locutor com o
interlocutor, e/ou a relação do locutor com o dizer e o dito. Nesse sentido, Kerbrat-Oricchioni
(1980, p 36), operando com uma concepção de língua que não se circunscreve a um código ou
a um sistema fechado, Kerbrat-Oricchioni (1980) afirma que embora o repertório linguístico
de que dispõem os sujeitos seja compartilhado, o seu uso é sempre marcado pela
individualidade do sujeito, considerando-se que cada enunciação é única, revestida de uma
intencionalidade específica, e projetada, nos enunciados para promover efeitos de sentido,
conforme a situação de comunicação.
93
Em seu estudo, a autora afirma que o uso de recursos linguísticos que, por exemplo,
expressam juízo de valor – avaliativo e afetivo – ocorre a axiologização, ex: “[...] e de lá saí
pra trabalhar super nova” , e quando expressam um ponto de vista ocorre a modalização, ex:
“ [...] pelo menos do modo como eu vejo” KERBRAT-ORICCHIONI (1980, p. 82).
Kerbrat-Oricchioni (1980) discorre sobre o uso dos substantivos em discursos
derivados de verbos ou de adjetivos que podem apresentar tanto sentido afetivo como
avaliativo; os que têm com valor semântico de axiológicos são utilizados ironicamente – são
expressos sob aparente valorização, ma num julgamento de desvalorização. Além disso, a
autora afirma que o papel argumentativo dos axiológicos, nas categorias positiva e negativa
em particular, varia de acordo com a visada ilocutória global do discurso. Serão mais
numerosos nos enunciados com carga avaliativa do que naqueles com carga descritiva. E os
discursos com função apologética caracterizam-se por explorar o uso dos termos elogiosos,
usando grande número de adjetivos, de substantivos, de advérbios e de verbos que expressam
juízo de valor. Ao contrário os discursos polêmicos exploram os termos de desqualificação
do objeto em questão. O uso dos axiológicos tanto num caso, como no outro têm como fonte
de julgamento o próprio enunciador, que fala de si. Devido a isso, esta abordagem interessa
sobremaneira à análise das marcas linguísticas presentes nos relatos dos professores
formadores de PLP entrevistados.
Em relação aos adjetivos, Kerbrat-Oricchioni (1980) afirma que podem ser
distinguidos em categorias como: objetivos (solteiro, fêmea) e subjetivos. Isso porque os
adjetivos, quando selecionados no discurso, trazem uma carga semântica e podem se firmar
como subjetivos que assumem o tom de afetivo ou de avaliativos. Adjetivos avaliativos
podem ser axiológicos (bom, lindo, correto) aplicam ao objeto denotado um juízo de valor,
positivo ou negativo, reflete uma tomada de posição do enunciador. E não axiológicos
(grande, longe, quente, numeroso) sem enunciar um julgamento de valor, apresenta uma
avaliação qualitativa do objeto denotado pelo substantivo que eles determinam. Os adjetivos
afetivos (bem, chocante, engraçado, patético) enunciam além de uma propriedade do objeto
por ele determinado, uma reação emocional do sujeito falante diante deste objeto. São
tomados como enunciativos, na medida em que implica um comprometimento afetivo do
enunciador, o que marca sua presença no seio do enunciado. Devido a isso, a autora propõe
uma escala de abstratização do adjetivo, em que parte do concreto/objetivo passando ao
subjetivo menos abstrato até o mais abstrato, num intervalo em que primeiro estão os não
axiológicos, os axiológicos e por último os afetivos: concreto/objetivo – subjetivo/abstrato [-
não axiológico; axiológico; afetivo].
94
Já os advérbios podem ser afetivos ou avaliativos, axiológicos ou não axiológicos. São
modalizadores reveladores de julgamento de verdade (talvez, sem, dúvida, certamente) e os
que implicam julgamento de realidade (realmente, verdadeiramente, efetivamente). Portanto,
uma estratégia linguageira argumentativa que marca a atitude do enunciador em relação ao
objeto e ao seu próprio dito.
E por fim, os verbos para Kerbrat-Oricchioni (1980) marcam a subjetividade própria
do enunciador, revelam o ponto de vista desse sobre determinado objeto ou acontecimento.
Ela divide os verbos subjetivos em ocasionalmente subjetivos (que exprimem uma disposição
do sujeito, favorável ou não, diante do processo enunciativo, ex.: desejar; dizer; ter a
impressão) e os verbos intrinsecamente subjetivos (que implicam avaliação que tem sempre
como fonte o sujeito da enunciação, ex.: suportar; merecer; confessar), a força performativa
do verbo varia de acordo com a voz e com o modo verbal.
Além das orientações de análise apresentadas acima, outros autores como Fillmore
(1971), Lyons (1977), Levinson (2007), Marcuschi (1995), falam sobre a importância do uso
da dêixis para a compreensão da subjetividade nos enunciados. A dêixis recupera um
conteúdo proposicional numa realidade extralingüística ao apontar, indicar ou demonstrar,
portanto, tem função de mostrar algo. O uso dos pronomes para referir-se aos seres resumem
conteúdos proposicionais, caracterizando-os pela estratégia de nominação. A dêixis sempre
instaura um elo com a situação enunciativa. Diferentemente da dêixis, a anáfora usa, de
maneira recorrente, os substantivos e tem função de simbolizar, de significar, isto é,
processam a recategorização lexical.
Em especial interessa a este trabalho o uso da dêixis configurado como indicador de
subjetividade, a partir da visão de Benveniste (2005) em que esta categoria é tomada como
organizadora das relações espaciais e temporais em torno do sujeito. Essa perspectiva dialoga
com os estudos de Fillmore (1971), quando acrescenta à classificação já conhecida – dêixis
pessoal, temporal e espacial – mais duas categorias a dêixis discursiva – referente a elementos
precedentes e/ou subsequentes do discurso- e a dêixis social – referente aos papéis sociais dos
participantes do contexto enunciativo. Por sua vez Levinson (2007) articula a dêixis com a
pragmática realizada em situações enunciativa referentes ao pertencimento e não
pertencimento ao grupo de trabalho. Dessa maneira, a dêixis oferece ao interlocutor pistas
para identificação de elementos referenciais extra contexto enunciativo, como por exemplo
flagrar identidades sociais dos professores formadores construídas discursivamente pelos
sujeitos nos relatos nas entrevistas concedidas.
95
É de suma importância a análise desses marcadores presentes nos relatos, pois
auxiliam interpretar, ainda que parcialmente, a dimensão polifônica da enunciativa e seus
efeitos sobre os significados possíveis das enunciações dos sujeitos, que se deixam entrever
em meio a explícitos e implícitos o processo de construção de sua identidade pessoal e social.
No trabalho de análise dos dados, o foco de atenção volta-se para o processo de
produção do discurso e enfatiza o modo de dizer do sujeito para interpretar e compreender o
processo da construção identitária do professor formador de PLP.
4.3.1 - O trabalho de análise propriamente dito
Como dito, no processo de manuseio dados do corpus as duas amplas categorias – a
construção de si e a construção de si em relação ao outro e à esfera de atividade –
iluminaram a atividade de análise dos dados. A primeira categoria apresenta o dito do sujeito
a respeito da sua relação com o mundo, legitimando seu papel como docente formador. A
segunda categoria apresenta o dito do sujeito a respeito da identidade que o Outro lhe atribui,
trata das relações com o coletivo de pertença. Iniciei por identificar e selecionar os enunciados
à luz de tais categorias, tendo em vista o que se diz e o como se diz instância linguístico-
discursiva, em que efetivei o rastreamento de elementos linguísticos, indicadores de marcas
subjetivas e gestos de identidade. Esse estudo foi realizado com todas as entrevistas, e, para
efeito de ilustração do exercício analítico, trago aqui duas entrevistas, escolhidas
aleatoriamente, pertencentes ao corpus da pesquisa. A primeira cedida por uma professora
brasileira, e a segunda cedida por uma professora portuguesa.
Entrevista concedida por uma professora brasileira
E2 U2
Construção de Si
EJ, Professora Formadora de Professores de Língua Portuguesa do Curso de Letras e
Artes, da universidade U2, 46 anos, professora universitária há seis anos. Nosso
encontro/entrevista ocorreu no gabinete da professora e teve duração de 1 hora de conversa
gravada, e, posteriormente, transcrita.
EJ, ao falar sobre seu processo de formação acadêmica e profissional, ressaltou a
progressiva e ininterrupta trajetória e o início da carreira docente de nível superior.
96
eu formei em X [nome da cidade]... eu fiz a graduação em letras aqui ... e
depois logo em seguida saí pra fazer o mestrado... na U2 e aí de lá eu fui pra
[Y] dar aula... foi meu primeiro concurso na ... no ensino superior ... fui pra
ser professora de Letras ... literatura ... dei aula durante três anos e depois tive
licença pra fazer o doutorado ... e nesse meio tempo surgiu o concurso aqui
em X... aí eu prestei o concurso aqui e terminei o doutorado há dois anos.
No excerto acima, os destaques sinalizam a posição de um sujeito que se enuncia do
lugar do professor formador de professor de LP, marcada pela dêixis social eu, que deixa de
ser uma referência pessoal para ser uma referência que remete ao papel desse sujeito, além
dos verbos em primeira pessoa formei, fiz, fui, tive, prestei, terminei. Somo a esses
marcadores outros como a dêixis discursiva, como nomes próprios de cidades em X, na U2, Y,
reforçada dêixis de lugar aqui, lá que referem os locais onde estudou qualificando
profissionalmente a professora.
EJ deseja marcar sua legitimidade, a partir da apresentação de sua identidade docente,
ressaltando as etapas de sua formação acadêmica, a começar por sua graduação em Letras, o
início de sua carreira como docente de nível superior e sua formação continuada. Tudo é
relatado como um percurso bem sucedido em que são usados verbos no tempo presente, no
que se refere a aprovação em concursos e conclusão de cursos de pós-graduação.
Aqui, importa ao sujeito os títulos e diplomas validados pelas universidades em que EJ
estudara, os quais lhe conferem legitimidade profissional, portanto se tornam traços relevantes
para a construção da identidade de docente, o que é ratificado pela voz da universidade ao lhe
conceder o diploma, autorização profissional. A universidade, hoje, exige de seus docentes
diplomas de formação continuada, mestrado e doutorado, com vistas a melhorar a qualidade
do ensino, à produção de pesquisas, focados nas classificações das universidades nacionais e
internacionais.
A importância disso está marcada na fala de EJ que ao narrar sua trajetória vale-se do
uso do pretérito perfeito formei- saí – foi –fui- dei-tive- surgiu - prestei – terminei sinalizando
as etapas concluídas de sua formação, o uso de locuções verbais fui dar – fui ser são usadas
com a intenção de marcar o movimento, ou consequências positiva dos esforços do sujeito;
do uso dos dêiticos discursivos sequenciadores de narrativas depois- e aí -depois- aí marcam
o ritmo e a sequência das ações do sujeito, além do uso dêixis de pessoa eu, marcando as
posições enunciativas do sujeito; do uso da dêixis de tempo logo em seguida- durante três
anos- nesse meio tempo- há três anos, são usadas para marcar a rápida e ininterrupta
sequência de conquistas, ocorridas desde a conclusão do curso de graduação. O uso da dêixis
de espaço aqui- lá- aqui- aqui, marca a diferença entre os lugares onde atuou como estudante
97
e docente lá sendo usado em contraponto com aqui, onde há uma diferenciação avaliativa,
uma vez que foi necessário o deslocamento do sujeito de uma universidade para outra.
Marcam também o sujeito que tem intenção de se legitimar, ao falar dos espaços escolares
que frequentou como estudante e professora, deixando em seu dizer marcas de sua
competência ao ser aprovada em todos os concursos que prestou, até chegar ao estágio atual
de sua carreira profissional. Portanto, até o momento, o sujeito apresenta-se como bem
sucedido em relação às exigências de titulação do seu empregador, a universidade.
EJ fala sobre sua primeira escolha profissional que, de maneira indireta, influenciou
sua opção pela docência, de acordo com suas representações sociais da universidade e do
curso de Letras/ Literatura. Enfatiza sua formação secundária, ao falar sobre seu ingresso
numa escola especial de ensino médio profissionalizante, cuja metodologia de ensino é
diferenciada das tradicionais, dando a entender que se tratava de uma conquista pessoal
importante, ao ser aprovada numa seleção de acesso.
Eu estudei lá no[...]... mas durante:::... a oitava série eu prestei um teste pra
bolsa na instituição sem fins lucrativos e todos os alunos eram bolsistas...
perto de[Z]... colégio interno ... e ele tinha uma metodologia de ensino que a
gente não tinha professor em sala de aula... você estudava... tinha um
gabinete do professor ... recebia o módulo... tinha a biblioteca ... tinha horário
de ficar no colégio... mas não tinha aula... você estudava... aí quando você
sentia que tinha dúvida marcava horário com o professor e tirava a dúvida ...
quando você se sentia segura ... ia e fazia a prova numa sala com todo mundo
fazendo provas diárias e diferentes... e algumas disciplinas tinham a parte
prática ... física ... acho que quase todas aulas tinham laboratório... tinha uma
parte dos módulos que a gente tinha que marcar o dia do experimento
EJ, ao relembrar essa fase de sua vida, tem intenção de afirmar-se como alguém que
traz em sua bagagem, experiências discente/docente diferenciada dos alunos que frequentaram
as escolas tradicionais. Para tanto, faz uso do tempo verbal pretérito imperfeito o que
caracteriza sua intenção de descrever sua vida de estudante, no colégio em que estudou,
portanto são relatos do dia a dia, situações habituais, diferente da narração feita anteriormente.
Esse relato apresenta ainda o uso da dêixis pessoal eu e a gente, aparentemente, ao referir-se
às situações de conquista e autonomia que considera positivas faz uso da dêixis você para
aproximar o entrevistador da experiência vivida. Ao referir-se às situações inovadoras às
quais foi submetido, ao ingressar no novo colégio, o sujeito faz uso de conectores
contrastivos como operador argumentativo mas, para marcar as diferenças físicas tinham
parte prática física... acho que quase todas tinham laboratório, e metodológicas quando
98
você se sentia segura... ia e fazia prova, são características que distanciam os espaços
educacionais do interior em que viveu até a adolescência e o novo encontrado na capital.
Embora essa experiência tenha sido vivida por EJ, como estudante, trata-se também de
um traço relevante de sua formação acadêmica se considerar o que fala Tardiff (2000) sobre o
uso que os docentes fazem de suas experiências passadas como aluno, ao se ingressarem na
carreira docente, não importando quanto tempo depois. Um comportamento que pode ser
observado, quando EJ fala de sua ação docente atual, em que busca imprimir uma
metodologia que exige a coprodução de conhecimentos dos alunos.
EJ retoma sua narrativa ao usar o verbo no pretérito perfeito, para relatar que o ensino
nesse colégio era profissionalizante, um diferencial marcado pelo conectivo argumentativo
mas usa a dêixis discursiva para dar sequência ao relato aí, fala de sua opção pela a área de
informática, o que era bom e lhe rendeu um emprego rentável, quando ainda era muito jovem,
cuja referência é construída com o uso do verbo no pretérito imperfeito trabalhava- ganhava,
pois descreve fato do cotidiano, retomando em seguida, a narrativa com o uso do pretérito
perfeito saí – fui, marcado pela uso do dêitico de pessoa eu marcando a posição de sujeito da
ação de conquista, a dêixis de tempo já, para ressaltar o precoce início de sua carreira bem
sucedida carreira profissional. Aparentemente, a escolha dessa profissão deu-se por falta de
opção no momento e pela qualidade do ensino e oportunidade oferecida e não por uma
vocação ou gosto por trabalhar na área de exatas. Veja comentário a seguir
terminava o segundo grau mas já como profissional e aí eu fiz na área de
informática (...) e de lá eu saí pra trabalhar super nova... trabalhava na área
de informática em [...] naquela época em que ... anos noventa ... se ganhava
dinheiro porque eu saí pra fazer o estágio na área de informática e já fui
contratada.
só que eu queria fazer letras... e eu queria uma cidade universitária, porque eu
queria de novo aquela ideia de campus porque o nosso colégio tinha um
pouco de campus... um campus enorme no local do colégio... quadra ... lago
piscina.
EJ afirma ter trocado sua escolha profissional inicial, uma carreira promissora,
segundo as vozes da mídia e do próprio mercado de trabalho, pela carreira de docente do
Curso de Letras, por identificar-se com a área de estudos literários, mas também movida pelas
memórias dos tempos do ensino médio em especial, referentes ao espaço físico e social do
colégio em que estudara. Num relato descritivo usa o pretérito imperfeito do verbo subjetivo
avaliativo queria fazer – queria- queria de novo, em que a repetição marca a emoção do
sujeito ao relembrar esse período vivido, e a descrição física do local segue com o uso da
99
dêixis discursiva aquela ideia de campus. O sujeito fala de seu desejo de voltar a estudar e de
seu apreço pelos estudos literários, contrariando sua primeira escolha, essa afirmativa é
marcada pela expressão discursiva argumentativa só que eu queria fazer letras... Talvez
atraída pela possibilidade de lidar com a criatividade e o aspecto humanista oferecidos pela
literatura, diferente da informática, predominantemente objetiva. Além disso, as expressões
referentes aos grandes espaços da universidade, ideia de campus, um campus enorme o uso de
substantivos afetivos e adjetivos axiológicos, podem ser interpretadas como necessidade do
sujeito de se libertar da profissão escolhida na época.
EJ relata um momento de grande tensão de sua vida, quando optou por uma grande
mudança, reiniciar seus estudos numa área diferente daquela em que atuava como
profissional. Esse movimento pode ser interpretado como de uma atitude corajosa, por
abandonar algo já conquistado em detrimento de algo novo, mas que satisfazia seu desejo de
se ingressar na universidade na área das Letras. Um desejo baseado nas representações que
tinha sobre o espaço físico da universidade e sobre o curso fatores que pesaram positivamente
para a decisão de EJ.
Observo aqui um importante traço característico da conjuntura socioeconômica atual,
devido às novas tecnologias e às facilidades de mobilidade, facilitadores das mudanças de
cursos, de profissões e/ou o ingresso em novas áreas de atuação, ratificando o que afirma Hall
(2005), na pós-modernidade, as identidades profissionais são cambiáveis e as identidades
individuais tendem a adaptar-se a essas mudanças.
Construção de Si em relação ao Outro
Hoje, professora formadora de PLP, na U2, onde desenvolve seu trabalho docente e de
pesquisa aplicado ao ensino de literatura. Inquieta-se quanto às orientações de seu trabalho
como professora formadora de PLP. Ao ser indagada sobre as disciplinas com que trabalha e
da importância dessas para a formação dos alunos, afirma
Trabalho com Literatura Brasileira... são várias disciplinas na área de
Literatura Brasileira. Das origens ao Arcadismo... Modernismo... e o
Seminário de Literatura que é uma disciplina mais prática. São obrigatórias
mesmo pra um aluno de habilitação em Língua Portuguesa e Literatura de
Língua Portuguesa. O módulo como está organizado o catálogo aqui, é o
aluno completar todo um panorama histórico da Literatura Brasileira... então
ele entra no primeiro ano e faz das origens ao Arcadismo... Então é um
conhecimento histórico, mas que no decorrer da disciplina... pelo menos no
modo como eu vejo... eu ensino o aluno a ser crítico do texto literário...e isso
vai repercutir depois, quando ele for trabalhar isso em sala de aula... com
100
muita ênfase pra pesquisa também... pra que o aluno continue estudando...
pra que queira desenvolver trabalhos de pesquisa sobre Literatura Brasileira.
EJ, ao se referir ao seu objeto de trabalho, usa a expressão como está organizado o
catálogo aqui em que a dêixis de lugar aqui marca a diferença entre esse modo, com o qual
EJ, não concorda aparentemente, e outros modos de organização de módulos existentes, não
mencionados. Faz uma ressalva pelo menos no modo como eu vejo... o uso do marcador
discursivo modifica o modo de dizer do sujeito que introduz sua opinião, eu ensino o aluno a
ser crítico do texto literário... Ao iniciar a asserção usando o dêitico social eu sinaliza que
esse seu modo de pensar os objetivos da disciplina, não é consenso entre EJ e seus pares entre.
Além disso, EJ ao discordar do currículo, marca sua posição de sujeito, projetando-se como
um docente preocupado não só como a formação do aluno/docente eu ensino o aluno a ser
crítico do texto literário..., mas também voltado para a pesquisa, para a sua formação
continuada, em sintonia com o atual direcionamento do programa de formação de estudantes
de letras na U2.
EJ justifica sua postura didática voltada para a atuação do futuro professor,
enfatizando o lado positivo de ser um pesquisador, essa ênfase à pesquisa condiz com a
formação recebida por EJ durante sua graduação e isso vai repercutir depois, quando ele for
trabalhar isso em sala de aula... com muita ênfase pra pesquisa também... pra que o aluno
continue estudando... pra que queira desenvolver trabalhos de pesquisa sobre literatura
brasileira.
A ação docente é marcada pela ênfase dada à formação do professor pesquisador, em
detrimento da formação voltada para a ação de ensino, uma vertente da formação que é
mencionada de maneira pouco enfática. Aparentemente, E1 reproduz sua experiência como
graduanda, em que recebeu formação também com ênfase para a pesquisa e não para o ensino.
Essa postura se mantém ao se referir à disciplina Seminário, sempre mantendo como foco
principal o desenvolvimento da pesquisa.
O Seminário principalmente... ele é obrigatório pra essa habilitação... e ele
tem só uma aula por semana... tem uma - - é bastante abrangente porque é
seminário de Literatura de Língua Portuguesa... então esse semestre, por
exemplo,... a gente está trabalhando com o seminário associado aos meus
estudos... às minhas pesquisas... então a gente está trabalhando o espaço na
literatura... e temos as aulas teóricas em que cada um vai desenvolver um pré
projeto e no final vai apresentar um seminário em cima de uma obra literária,
mas estudando o espaço nessa obra.
101
EJ ao usar o advérbio restritivo só uma aula por semana... tem uma, deixa marcada
sua discordância com o fato de sua disciplina não ter, no currículo, o espaço necessário para
realizar um trabalho de ensino mais aprofundado. Porém, procura compensar isso criando
estratégias de estudos e pesquisa que indiretamente resultam em mais tempo de dedicação do
aluno. Um trabalho realizado com a participação dos alunos, o uso da dêixis a gente,
ratificando o processo de uma ação conjunta, numa mistura de aula e pesquisa a gente está
trabalhando com o seminário associado aos meus estudos... as minhas pesquisas... então a
gente está trabalhando o espaço na literatura... uma ação programada, cujo objetivo é ...as
aulas teóricas em que cada um vai desenvolver um pré projeto e no final vai apresentar um
seminário em cima de uma obra literária, mas estudando o espaço nessa obra.
Assim, EJ demonstra sua capacidade criativa, em face de um problema de difícil
solução, conciliando carga horária reduzida com a demanda de tempo para a construção de
conhecimento.
Observa-se que o docente vê-se obrigado a adicionar às suas funções cotidianas a
busca por soluções de problemas de ordem administrativa, o que constitui uma sobrecarga de
trabalho. O esforço de EJ não resolve o problema, apenas adia uma solução definitiva. Essa
situação de tensão entre profissionais docentes e a universidade, por conta da necessidade de
ajustes das demandas administrativas e curriculares, podem gerar insatisfações de ordem
prática da ação docente tanto como de ordem psicológica, revelando um sujeito inseguro de
suas ações e, por conseguintes dos resultados dessas suas ações. Esse relato, a exemplo de
vários outros, vem ratificar a voz da norma administrativa, que ecoa o discurso velado da
organização do poder econômico, abordado no capítulo I.
EJ segue falando sobre sua terceira disciplina, o Modernismo
O Modernismo... éh... aqui nós tínhamos antes o Modernismo I e II...
atualmente - - futuramente vai passar a ser só Modernismo... porque todas as
outras disciplinas eram brasileira I, II e III, quando chegava no Modernismo
quebrava... Modernismo I e Modernismo II... aí nós padronizamos... por
enquanto eu ainda estou dando aula no Modernismo um, que ainda existe no
catálogo, que é principalmente a década de vinte e trinta... então os alunos
estudam questões históricas ligadas ao Modernismo... questões políticas
ideológicas... que o Modernismo comemora na época do Modernismo tem
cem anos de Independência do Brasil... e textos literários... Principalmente as
poéticas de Mário e Oswald de Andrade.
A exemplo dos comentários feitos anteriormente, sobre sua insatisfação com a redução
da carga horária dispensada às disciplinas, o mesmo ocorre em relação ao Modernismo. E ao
abordar o assunto faz uso do tempo pretérito perfeito, para iniciar relatar a sequência das
102
mudanças em curso. Aparentando descontentamento usa a dêixis de tempo, ressaltando a
frequência das mudanças e a diferença entre o Modernismo e as outras disciplinas da
literatura, que constam no catálogo de disciplinas em vigor (...) nós tínhamos antes o
Modernismo I e II... atualmente - - futuramente vai passar a ser só Modernismo...[...] aí nós
padronizamos... por enquanto eu ainda estou dando aula no Modernismo I... Procura adaptar-
se às demandas, tentando oferecer todo o conteúdo de duas antigas disciplinas, agora
condensado em apenas uma, em poucas horas de aulas então os alunos estudam
principalmente a década de vinte e trinta, questões históricas ligadas ao Modernismo...
questões políticas ideológicas... [...] e textos literários... principalmente as poéticas de Mário
e Oswald de Andrade.
EJ fala de seu desejo de cumprir sua tarefa docente, tentando criar espaços para agir
de acordo com seus objetivos, mesmo em face da escassez de horas /aula, deixando entrever
sua insatisfação com a mudanças de currículos acorridas no programa das disciplinas nos
últimos anos.
Assim emerge um sujeito em conflito que se encontra dividido entre a professora
consciente das exigências de seu fazer docente e a professora que vê o desenvolvimento de
seu trabalho ser prejudicado pelas determinações administrativas de sua U2. EJ, nesse
contexto, aceita as condições de trabalho que lhe são oferecidas, segue trabalhando,
adaptando-se, portanto, identifica-se aqui um traço de uma identidade líquida de que fala
Bulmam (2005), que se adapta às exigências e condições socioeconômicas conjunturais.
Isso é possível por tratar-se de um sujeito de natureza plural e dialógica, resultante do
entrecruzamento de diversas vozes, e, nesse caso, algumas são flagradas no excerto, como a
voz dos saberes acadêmicos que exalta o valor da leitura crítica das manifestações artísticas,
atenta para as questões discursivas, às mensagens subliminares tão caras para a formação do
leitor e para o poder da palavra. Identifica-se a voz do sujeito salientando seu trabalho
integrado com o grupo de alunos a gente que realiza o trabalho esse semestre, por exemplo,...
a gente está trabalhando com o seminário associado aos meus estudos... as minhas
pesquisas... então a gente está trabalhando o espaço na Literatura. Aqui se evidencia a ação
solitária da professora, distante dos demais professores da sua área, não há evidência de
trabalho planejado em longo prazo face às frequentes mudanças nas grades curriculares
relatadas.
Mas, aqui, também identifico outra voz, consoante com o senso comum parece
descrente da possibilidade de mudanças curriculares do curso que, ao contrário da anterior,
silencia o sujeito, tornando-o inerte frente às demandas educativas compromissadas em
103
promover a formação de professores formados e informados futuramente vai passar a ser só
Modernismo... Porque todas as outras disciplinas eram Brasileira I, II, III, quando chegava no
Modernismo quebrava... Modernismo I e Modernismo II... aí nós padronizamos, ou seja
diminuímos o número de aulas, portanto, uma questão administrativa, sobre a qual o sujeito
não se manifesta, apenas processa algumas adaptações, de certa maneira, sem contestar a
origem de tudo isso, a voz dos micro poderes socioeconômicos, que ditam e estabelecem os
rumos das ações sociais. A consequência disso é a redução de carga horária da disciplina
chamada Modernismo, oferecerá aos alunos menos conteúdo, portanto, menos conhecimento.
Em outro momento, EJ que se mostrou sempre interesse voltado para a pesquisa,
expõe suas dúvidas quanto ao seu papel como professora formadora de PLP, ao ser indagada
sobre sua ação formadora,
Olha Anita... isso pra mim é preocupação recente... porque depois que eu
voltei do doutorado é que eu tenho repensado as minhas aulas... porque eu
acho que ser formada é ... no que diz respeito a literatura é mais pra leitura
crítica do que pra o ensino de literatura... tanto que a gente via ... a única
parte que a gente relacionava no curso de letras... pelo menos é o que eu
imagino e os meus colegas da minha época também... é:::... que a gente tinha
como licenciatura aquelas disciplinas de pedagogia... como se licenciatura
fosse aquilo ali e tirando aquilo ali a gente estaria fazendo um curso de
bacharelado como qualquer outro. E, depois que eu voltei do doutorado, é
que eu tenho pensado nisso... então tenho pensado em rever a prática com
texto literário pra que o aluno tenha condição de explorar o sentido do texto
né... e, num segundo momento, a gente chegar no ...na estrutura... naquela
coisa que a gente fala que se a gente for discutir entre forma e conteúdo... pra
mim... eu acho que o aluno tem que ser capaz de lidar com o conteúdo pra
que ele seja um bom professor porque isso fica muito varrido pra de baixo do
tapete no ensino de literatura.
A pergunta, aparentemente provoca no sujeito EJ uma reflexão sobre as ações como
sujeito/estudante no passado e, sobre as ações como professora formadora de hoje. EJ
confessa as atuais incertezas e preocupações como responsável por traçar as diretrizes de uma
das áreas do curso de licenciatura em Letras, de que é professora formadora. E busca
justificativas em seu histórico acadêmico profissional, quando ainda não tinha formadas
opiniões a respeito do aspecto prático da formação do professor e dos objetivos da formação
em si.
Saliento um traço identitário da formação profissional de EJ, marcada pelo domínio da
tradição dicotômica do ensino de língua materna separado do ensino da leitura, que se realiza
na voz que ratifica a ideia de separação entre o que é ensinar leitura geral e leitura de obra
literária. Opondo-se ao conceito de leitor, compreendido como aquele que sabe ler qualquer
104
texto, sempre atento as suas diferenças formais, seus objetivos, sentidos possíveis, contextos
de produção e etc.
EJ inicia sua resposta, em tom confessional, modalizando Olha Anita... numa aparente
tentativa de aproximar e partilhar um problema fundamental do currículo do curso, que se
arrasta em busca de solução, para a qual EJ foi despertada há pouco tempo. EJ deixa claro
estar consciente de que deveria ter atentado para essa questão desde o início de sua carreira,
mostra-se interessada e disposta a discutir a situação em busca de solução.
Nesse enunciado observa-se um comprometimento com a busca de solução para a
questão da formação de professores, mas, ao mesmo tempo, que reconhece as falhas do
modelo, parece também construir uma tentativa para justificar esse seu despertar tardio isso
pra mim, - uso dêixis social marcando seu papel nesse contexto-, é preocupação recente...[...]
porque isso fica muito varrido pra de baixo do tapete no ensino de literatura...a expressão
varrer pra debaixo do tapete é uma metáfora para descrever uma situação em que uma parte
dos problemas a serem resolvidos são escondidos, e porque não são vistos, tornam-se
inexistentes. Ao usar essa metáfora o sujeito relata que o mesmo se dá quando trata-se do
ensino das disciplinas formadoras de professores no segmento da literatura.
Aparentemente, por um vício antigo, o sujeito usa a dêixis isso - dêixis enunciativa
rementendo ao problema comentado em sentido algo menos relevante, para referir-se às
disciplinas da área da educação e didáticas em geral, embora hoje reconheça sua relevância
nesse processo de reorientação de sua ação docente.
A marca linguística evidencia o conflito latente do sujeito em relação às escolhas
metodológicas a serem feitas e colocadas em pratica, debatendo-se entre a visão do
profissional em formação do passado e a visão profissional da questão da formação acadêmica
atual, o que ratifica a questão processual da construção dos saberes Tardif (2005).
O sujeito faz um relato mostrando-se reflexivo, preocupa-se com sua legitimidade
como Professora Formadora de Professores de LP. Tenta justificar suas atitudes no presente e
no passado, quando o sujeito/professora formadora fala de sua preocupação com as atuais
diretrizes do programa de formação de professores em que atua.
O sujeito/estudante relembra que, embora tenha ingressado no curso de licenciatura,
parece ter sido seduzido pelas orientações do bacharelado, voltado para a crítica literária e
para a pesquisa a gente tinha como licenciatura aquelas disciplinas de pedagogia... como se
licenciatura fosse aquilo ali e tirando aquilo ali a gente estaria fazendo um curso de
bacharelado como qualquer outro.
105
Nesse excerto, observo que EJ usa a dêixis de pessoa a gente indicando plural, com
intenção de referir-se ao grupo de estudantes, do qual ela também fazia parte, dando a
entender que se tratava de um consenso de todos os estudantes, portanto, não se trata de uma
questão exclusiva do sujeito. Essa interpretação confirma-se pelo uso de verbos no pretérito
imperfeito indicando uma ação habitual a gente via... a gente relacionava. a gente tinha...,
marcar o comportamento negligente dos estudantes frente às disciplinas pedagógicas.
Diante disso, EJ deixa transparecer o conflito que vivencia entre os saberes
tradicionais, em que foi embasado o modelo pedagógico, seguido por seus professores de
graduação, e os seus saberes adquiridos após a graduação, tanto em sua experiência docente,
como em sua experiência de pesquisadora científica no mestrado e doutorado.
Ao final da resposta, referindo-se ao momento atual, EJ, usa a dêixis discursiva a
gente, marcando a mudança de posicionamento enunciativo, agora, refere-se a si mesma mas
usa o plural tentando captar minha adesão, e compreensão de seus argumentos apresentados
face ao problema que está vivenciando a gente chegar no (foco)...na estrutura...naquela coisa
que a gente fala que se a gente for discutir entre forma e conteúdo procurando uma maneira
de afinar suas ações docentes com as atuais demandas da formação de professores de LP.
EJ, por alguns instantes parece perturbada com seu comportamento elocutivo, ainda
procurando legitimar-se, vale-se de uma estratégia discursiva alinhada a sua intencionalidade,
enquanto torna a entrevistadora testemunha dessa declaração, tenta preservar os papéis sociais
que motivaram aquele encontro, pois sabe que as estratégia discursivas fundam imagens e
desautorizam outras interessantes para a identidade que desejar mostrar.
Todavia, EJ usa o modalizador argumentativo “eu acho que o aluno tem que ser capaz
de lidar com o conteúdo pra que ele seja um bom professor, porque isso fica muito varrido pra
de baixo do tapete no ensino de literatura” sinalizando que discorda do modelo de ensino
instituído e praticado em sua formação, embora não tenha assumido uma posição crítica e
responsiva frente a situação. Essa atitude passiva, pode decorrer da combinação da
imaturidade da aluna/formanda com a orientação de seu self, que formado pelo o sistema de
ensino acadêmico tradicional, é desautorizado de ter qualquer reação contrária ao sistema de
ensino. Embora pareça estranho, esse tipo de comportamento é frequente, considerando-se
que se trata de reações de um sujeito social disperso e plural, e, devido a isso, também
contraditório.
EJ, ciente de tudo isso, encontra-se insatisfeita com as condições de ensino e trabalho
com as orientações administrativas da U2. O que se verifica quando ela fala sobre as
constantes mudanças de orientações curriculares, sobre o excesso de trabalho e a falta de
106
contratação de professores. Parece mais satisfeita ao falar sobre seu trabalho de pesquisa,
onde pode agir com maior liberdade e segurança, construindo conhecimentos envolvendo seus
alunos, e se responsabilizando pelos objetivos, métodos e por suas decisões. Uma atitude
contrária aos princípios da universidade, que prevê integração de seus segmentos, uma
realidade que pode ser percebida, a partir da resposta dada à pergunta abaixo.
E aqui hoje, na área da literatura, desenvolve-se um trabalho voltado para o
ensino da construção da ação docente ao professor em formação, ou isso
ainda é um projeto?
A gente tem repensado muito a grade curricular... ela está em reforma já há
bastante tempo... tem tanto que os alunos tem três ou quatro catálogos... se a
gente for olhar as turmas cada uma com um catálogo diferente... mas nós
ainda não chegamos a um modelo ideal.
Nas falas de EJ a gente tem repensado muito a grade curricular... a dêixis social a é
usada para si referir, incluindo os outros professores da área, deixando perceber que, embora
tenha consciência dos problemas existentes e de seu papel nesse contexto, seu trabalho
continua sendo conduzido de maneira insatisfatória, pois ao pautar-se em mais de uma grade
curricular cada uma com um catálogo diferente, não se pode averiguar com segurança e
clareza, os efeitos dessas mudanças sobre os propósitos da formação do docente. E, menos
ainda, os propósitos das escolhas dos conteúdos das disciplinas ministradas “a grade
curricular... ela está em reforma já há bastante tempo... tem tanto que os alunos têm três ou
quatro catálogos... uso da dêixis de tempo já há bastante, tanto que são usadas como
argumentos para sinalizar a lentidão do processo de mudança em curso, e sendo assim, é
coerente a conclusão de EJ introduzida pelo conectivo contrastivo mas em mas nós ainda não
chegamos a um modelo ideal .
Em resposta anterior, EJ afirma ter vivenciado uma situação de incerteza semelhante,
como estudante de graduação da U2, referente ao valor atribuído às disciplinas voltadas para
a formação pedagógica dos futuros professores, tanto por parte dos alunos como por parte
dos próprios professores das disciplinas, por não colocá-las em posição de destaque nos
currículos da formação prática dos docentes.
Atualmente, volta a vivenciar algo similar, ao ser reinserida no sistema de ensino
como docente formadora de PLP.
Hoje, de volta do doutorado, mais consciente do seu fazer docente e do seu papel
nesse espaço, começa a questionar o currículo pelo qual se orienta. Esse processo de tomada
107
de consciência e reflexão está evidenciado ao responder à pergunta: Que saberes são
necessários para a atuação e formação do professor formador?
Na minha área eu acho que eles serem um bons leitores... a primeira coisa
tem que ser leitor, gostar de ler... e ter vontade de aprender porque se
familiarizar com a literatura... a obra literária e ensinar a ser leitor... é acho
que nunca se esgota... não acaba - - não tem um manual... por exemplo... é
uma disciplina que você não tem um manual... no mínimo você pode usar
uma história da literatura... mas essa história também vai recortar tanta
coisa... vai falar da história da política... eu acho que ele tem que ser acima de
tudo um leitor.
Aparentemente, EJ não compreendeu que a pergunta referia-se ao professor formador
de PLP, no caso à própria EJ, que ao responder utiliza adjetivo bons acrescentando um valor
axiológico para EJ não basta ser leitor, é necessário ser bom leitor, portanto ser bem formado
na minha área eu acho que eles serem um bons leitores... Embora tenha deixado claro seu
ponto de vista, parece que a professora, ao responder, em vez de referir-se aos professores
formadores refere-se a si mesma e a seus pares- referia-se aos alunos ao dizer gostar de ler... e
ter vontade de aprender porque se familiarizar com a literatura... , o que, em parte, invalida
sua resposta. Mas, por outro lado, se essa resposta for tomada como referente aos alunos, e
esses serão futuros professores, pode ser interpretada como resposta também válida.
Acrescentando-se o fato de que, dada a dinâmica e a complexidade do processo de construção
de conhecimento, ninguém pode dizer que sua formação está pronta e acabada.
Assim, identifica-se um sujeito que tem algumas inseguranças quanto aos objetivos do
fazer docente do professor formador, mas compreende a importância de se desenvolver o
gosto pela leitura no futuro professor formador na expectativa de que ele venha a formar
outros tantos professores leitores.
A respeito dos saberes do professor construídos na experiência docente diária,
abordada por Tardif (2005) EJ afirma
Sim... à medida que você vai ensinando, você aprende também... aprende
muito até... eu estou refazendo um monte de coisas... um monte de ideias eu
acho que- -... até porque a gente aprende a ensinar também, porque os alunos
vão...a cada turma é diferente... se você der a mesma disciplina pra uma
turma eh... você tem que ter metodologias, às vezes, até adotar textos
diferentes porque não repercute.
EJ parece compreender e vivenciar a demanda de inovação e de ajustes da ação
docente com que depara a todo o momento no exercício de sua profissão, o que fica
evidenciado pelo uso da marca de afirmação avaliativa Sim... uso de marcadores discursivos,
108
verbo aprender no presente seguido do uso do gerúndio ratifica a ideia de processo em curso
à medida que conectivo proporcional,... a cada turma é diferente e você vai ensinando. E,
para demonstrar que se trata de um processo de mão dupla, usa dos verbos “aprender” e
“fazer” você aprende também... aprende muito até ... eu estou refazendo um monte de
coisas... um monte de ideias. Além disso, o uso da dêixis social você traz a ideia de que se
trata de um processo coletivo, portanto, com papéis determinados, em que o interlocutor é
tratado como o outro igualmente também participar do processo. Em seguida, EJ particulariza
seu relato ao usar a dêixis de pessoa eu, referindo-se às suas experiências intensificadas pelos
modalizadores muito, um monte de coisas, um monte de ideias.
Em seguida, temos a sequência argumentativa marcada pelo uso do modalizador eu
acho... indicando adesão ao fato discutido, seguido do argumentativo porque ampliando sua
resposta ao afirmar que o aprendizado diário do professor se dá a partir da heterogeneidade e
das disciplinas que exigem adaptações, e , portanto, competência e disponibilidade para
aprender por parte do professor. O uso da dêixis de pessoa a gente marca a inclusão do
sujeito no processo de aprendizagem no sentido de relato pessoal. Em seguida, o uso da
dêixis você refere-se a um processo coletivo, apresentando traços de argumentação já
discutida, de avaliação pelo uso do verbo tempo presente, de prescrição com o uso dos verbos
causativos no infinitivo. Assim, EJ mostra possuir sua experiência e conhecimento sobre o
dinamismo do processo de ensino/aprendizagem em que está inserida, e mostra-se disposta a
se aperfeiçoar.
Indagada sobre como traçaria o perfil de um professor formador. EJ afirma
compreendê-lo com um professor que gosta de ensinar... que gosta de ler... que gosta de
estudar...
A resposta dada pareceu-me insuficiente, e, fiquei em dúvida, sem saber se EJ não
compreendera a pergunta, ou se ainda não refletira o bastante a respeito dessa questão.
Assim a resposta, pode ser interpretada como ratificação das dúvidas, anteriormente
apresentadas por EJ sobre o objeto e o objetivo da ação do professor formador de PLP, ou
como a comprovação de que EJ está vivenciando um processo de reavaliação de conceitos e
ações docentes e, portanto, ainda não tem definido um perfil do professor formador.
Quanto ao seu trabalho de pesquisa EJ afirma
O que eu estou fazendo atualmente e principalmente é estudando o espaço na
literatura...com um grupo de estudo formado por alunos de... daqui do
departamento... da área de interessados em estudar literatura e alguns
professores da arquitetura... mas tem uma professora da história que
também está fazendo paralelamente um(tour) ...espaço físico... espaço
109
ficcional... espaço como rede de relações ou então espaço urbano porque o
espaço urbano não é naturalmente físico é um espaço de relações sociais...
então tem o espaço do ponto de vista da antropologia- - o grupo é pequeno,
mas ambicioso... então a gente se interessa por muita coisa sobre espaço...
mas pra trazer pra análise do texto literário.
A pergunta referente ao desenvolvimento de pesquisa, aparentemente foi o tema sobre
o qual EJ sentiu-se mais à vontade para discutir, por se tratar do interesse principal de seu
trabalho, isso se confirma pelo uso de marcadores enunciativos atualmente, principalmente
usados em sequência marcam uma ênfase dada pelo sujeito a essa segmento de seu trabalho,
nesse momento de sua carreira docente, acrescentando a isso a importância da temática
escolhida o espaço na literatura.
O entusiasmo de EJ parece aumentar, quando se refere aos seus alunos/colaboradores
dizendo o grupo é pequeno, mas ambicioso sinaliza a integração e a sintonia existente entre
ela e o grupo, marcadas pelo uso dos adjetivos avaliativos. Ao usar a dêixis seguida pela
expressão marcada pelo intensificador em a gente se interessa por muita coisa sobre espaço...
refere-se à interação de várias pessoas e à interdisciplinaridade do projeto articulando
literatura à arquitetura, à antropologia e a outras disciplinas. Temendo que essa ligação com
outras disciplinas, possa suscitar dúvidas quanto ao foco do projeto nos estudos literários,
trata de deixar claro que não se afasta os estudos da linha da literatura, inicia sua
argumentação com uso do conectivo argumentativo em mas pra trazer pra análise do texto
literário...
Na tentativa de compreender mais sobre esse a formação identitária desse sujeito
professor indago em que medida essa pesquisa pode ser útil para a formação dos alunos. EJ
afirma
acho que é bom porque a gente fala do mundo... como que a literatura fala do
mundo... e aí eu poderia ter escolhido um outro... uma outra porta de
entrada... mas eu escolhi o espaço... mas poderia ser o narrador porque o
espaço não está dissociado quando a gente estuda uma obra literária... ele
tem relação com o narrador... com o tempo... com o enredo né... e se ele é
funcional ele não é de fundo apenas... mas eu comecei a estudar o espaço na
consciência da importância do espaço então eu me interessava pelo espaço
pra voltar pro texto literário e a gente voltar pro mundo.
Observo que EJ, ao falar sobre sua pesquisa na área de Literatura Brasileira, o faz com
propriedade e entusiasmo escolhe conectivos, substantivos e adjetivos subjetivos para
relacionar categorias importantes tanto para a literatura como para as outras disciplinas,
justificando a relevância da pesquisa para o estudante em formação... eu acho que é bom e
110
justifica porque o espaço não está dissociado quando a gente estuda uma obra literária... ele
tem relação com o narrador... com o tempo... com o enredo, né?.... revelando sua
preocupação em estabelecer uma relação interdisciplinar com a antropologia, a arquitetura e a
história em prol do aprendizado do aluno, o que reflete a relação consistente entre o objetivo
do trabalho de pesquisa e os do ensino formador de professores. Isso permite a ação criativa,
em busca da integração das relações que regem o processo de formação do professor eu
comecei a estudar o espaço na consciência... a importância do espaço... então eu me
interessava pelo espaço pra voltar pro texto literário e a gente voltar pro mundo e mais ainda
o amadurecimento do fazer docente do professor formador. Ao relatar seu trabalho com os
alunos de literatura, observo que EJ interessa-se mais pelo ensino de literatura crítica, que
pelo o ensino voltado para a formação de professores de Literatura e de Língua Portuguesa,
um traço relevante para essa análise.
Nossa entrevista foi encerrada com a pergunta: O que é formar um professor?
Pra mim essa pergunta é muito nova... é nova pra mim mesma porque eu me
pergunto se eu sou formadora... assim- - acho que talvez tenham uns meses
só... sobre isso... conversando com os alunos em sala...que é sobre essa
reflexão de que será que eu estou sendo eficiente né... pra... pra o aluno que
está ali... pra o que ele veio fazer... que é o que a gente tem pensado sobre a
nossa grade curricular não é... é eficiente pra proposta pedagógica nossa né...
e aí... como a gente está nessa fase de discussão e qual é o perfil do aluno que
nós queremos? qual é a nossa proposta pedagógica... porque ela é bem
recente mesmo, e se você conversar com a coordenadora ela vai te explicar
que os catálogos mudaram muito... desde a época que eu entrei aqui... e eu
cheguei em dois mil e quatro.
Mais uma vez, EJ parece ter sido surpreendida pelo tema abordado pela pergunta e,
de maneira crítica e comprometida com a busca de soluções, fala de suas incertezas e
inseguranças quanto ao seu papel de formadora, usando verbo no presente pergunto se sou ...
usa modalizador avaliativo subjetivo para mim... ao construir sua argumentação permeada
por modalizadores muito nova... é nova..., uns meses só..., é bem recente mesmo...,
Demonstrando estar consciente do seu papel na transformação, por que está passando o
programa pedagógico do curso de Letras e, dos seus efeitos, dessa, na sua ação docente e, na
produção dos conhecimentos de seus alunos, ao usar verbos no gerúndio conversando,
pensando para indicar o processo de mudança, os verbos no presente pra o que ele veio
fazer...combinados com substantivos discussão, proposta pedagógica, reflexão, aluno e com
os adjetivos nova, eficiente, recente, marcando atitudes que até pouco tempo não eram
imaginadas por EJ.
111
Ao indagar sobre sua ação será que eu estou sendo eficiente né; qual é o perfil do
aluno que nós queremos? Qual é a nossa proposta pedagógica? Em sua fala, as marcas
linguísticas deixam claro sua inquietação e engajamento, evidenciados por meio do uso das
interrogações sobre o sentido das ações docentes em curso pelo uso da dêixis social eu ,eles,
nós... Em especial, pela necessidade de socializar suas incertezas com o seu público alvo, ao
afirma ao usar o verbo no gerúndio conversando com os alunos em sala...que é sobre essa
reflexão de que será que eu estou sendo eficiente, né... o que a gente tem pensado sobre a
nossa grade curricular ...é eficiente pra proposta pedagógica nossa né... e aí... como a gente
está nessa fase de discussão e qual é o perfil do aluno que nós queremos? Qual é a nossa
proposta pedagógica... EJ demonstra sua disposição em abrir espaço para a discussão e
negociação sobre a grade curricular, sobre as demandas e expectativas dos alunos e dos
professores, numa atitude madura e sincera.
Além dessas, as repetições de marcadores discursivos e o uso da dêixis mim já no
início da resposta, marcam a influência do pensamento coletivo sobre o self, esse coletivo que
é ratificado pela inclusão do eu na dêixis a gente, a nossa, nós, evidenciando a participação
voluntária do sujeito ciente das necessidades de mudança e do valor de ação, uma
necessidade que não existia até há pouco tempo. De acordo com a própria fala de EJ, e, que só
foi possível agora, após as perguntas, conversas, reflexões discussões.
É importante observar que as reflexões de EJ sobre sua carreira docente e os objetivos
de suas ações, resultam das interações sociais e dos entrecruzamentos das diversas vozes do
interdiscurso presentes nas suas práticas formadoras. Todavia, o que diz respeito à re-
orientação dos objetivos de seu fazer docente, segundo seu relato, resultam de reflexões
recentes, provocadas pelo confronto dos traços de sua formação tradicional com os novos
saberes, ainda em construção.
Nesse relato emergem traços de sua insegurança, por exemplo, quando se vale do
discurso de autoridade para explicar e justificar as mudanças curriculares postas em discussão
qual é a nossa proposta pedagógica... Porque ela é bem recente mesmo, e se você conversar
com a L...coordenadora ela vai te explicar que os catálogos mudaram muito”. Assim, é
possível observar a importância das trocas de informações, das discussões com seus pares no
local de trabalho, que já começam a dar resultados, mesmo que a princípio pareçam
insipientes.
A discussão sobre a reorientação curricular do curso de Letras, de acordo com EJ não
é uma preocupação que se estende ao Departamento de Letras em sua totalidade, mas, a um
número reduzido de professores interessados na discussão do tema, veja abaixo
112
A preocupação com a mudança curricular abrange todos os professores do
departamento?
Não é do grupo da literatura... está... está restrito(...) ...não existe, porque nós
estamos com um professor de brasileira um de português e um de ensino...
mas isso é uma preocupação que eu vejo da comissão de ensino da qual eu
faço parte com a S que é da língua portuguesa e da linguística... e gente tem
conversado muito sobre isso... e definir qual é o perfil do aluno que a gente
quer formar.
EJ refere-se ao grupo da Comissão de Ensino porque nós estamos com um professor
de brasileira um de português e um de ensino, embora o grupo de interessados seja pequeno,
as discussões travadas, já surtiram efeitos importantes influindo no pensamento de EJ e em
suas ações pedagógicas, de acordo com seus relatos registrados. Essa relação que se
estabelece entre EJ e seus pares são de negociações que envolvem mudanças de
comportamento e posicionamento, portanto, identitárias.
As respostas de EJ reafirmam o que Tardif (2000) fala sobre um traço significativo do
processo de formação dos professores que acreditam que o seu fazer docente deve seguir um
modelo estabelecido por aqueles que os procederam e, que, por sua vez, seguiram uma
trajetória semelhante, portanto, não há o que inovar.
EJ, durante algum tempo, parece ter agido de acordo com esse modelo tradicional e,
ao privilegiar mais um seguimento da formação acadêmica, no caso, os estudos literários, em
detrimento dos estudos voltados para a reflexão sobre a ação docente e seus objetivos;
produziu, portanto, um hiato, uma ausência de conhecimentos essenciais em sua formação
como professora formadora.
Hoje, consciente da importância de seu papel de formadora no processo de formação
dos futuros professores de língua materna, inquieta-se em busca de soluções para a melhoria
de sua ação docente e seus resultados. Portanto, essa entrevista além de registrar o relato de
uma fase importante do processo de construção identitária profissional de EJ, ofereceu-lhe um
espaço para falar de si e, ao mesmo tempo, refletir sobre seu lugar nesse processo de
formação de professores de língua materna.
A organização das perguntas do roteiro da entrevista foi estabelecida com vistas a
levar o sujeito a relatar sua vida acadêmico/profissional, deixando flagrar identificações da
identidade para si e da identidade para o outro.
EJ ao falar sobre sua formação acadêmica o faz com o propósito de legitimar-se como
professora universitária da área de estudos literários. Inicia seu relato tecendo lembranças de
sua trajetória acadêmica, planejada e vivenciada nas universidades onde cursou graduação e
113
pós-graduação, com vistas ao ingresso na carreira docente como professora de Literatura no
curso de Letras.
EJ procura validar sua imagem e legitimar suas competências e seus saberes, falando
de sua ação docente começando por apresentar seu objeto de trabalho, as disciplinas de
literatura e suas pesquisas ligadas aos estudos literários. E ao fazê-lo deixa identificar traços
da identidade para si, isto é, o sujeito revela-se e fala de suas conquistas pessoais e do seu
papel social como professor universitário, posição de que se orgulha.
Ao falar de seu fazer docente, EJ deixa flagrar sua preocupação com o fato deste ser
voltado para a formação do crítico literário em detrimento do ensino de como ensinar,
reconhece a importância desse aspecto da formação e a limitação de sua ação nesse sentido.
Aponta como desencadeadores dessa deficiência do programa do curso, as inúmeras
alterações processadas na matriz curricular a que tem sido submetido o curso de Letras e,
aos prejuízos administrativos e pedagógicos provocados pelas orientações das políticas
educacionais do Ministério da Educação e Desporto- MEC. Essas mudanças têm levado os
professores a enfrentar problemas em relação à redução do número de docentes e da carga
horária das disciplinas.
Mostra-se apreensiva quanto aos rumos da reforma por que passam o curso de Letras
e a própria instituição universidade e, consequentemente, todo o contexto social.
Considerando que este interfere diretamente na socialização de EJ, sujeito do processo de
formação de PLP. Portanto, esse sujeito sofre os efeitos de tais mudanças na sua identidade
para o outro, gerando insegurança e alterações identitárias também nos grupos de referência e
de pertencimento.
Observo que de acordo com seu relato, EJ encontra-se em crise quanto à sua
identidade de professora universitária, suas aspirações profissionais e, o mesmo se aplica a
seus pares que têm se reunido para discutirem a situação em busca de soluções. Todavia, o
efeito dessa situação afetará os alunos e os sujeitos nas relações coletivas constitutivas do
trabalho docente e por elas são afetados. Instaura-se então uma situação de conflito e
insatisfação identitária profissional.
Trata-se, portanto, dos efeitos socioistóricos da macro influência do neoliberalismo
econômico sobre a micro dimensão do processo de formação identitária do professor
formador de PLP e, deste, sobre seus alunos. Ou seja, as consequências didático-pedagógicas
emocionais e socioeconômicas advindas das novas orientações sob a chancela do poder
econômico, refletem e refratam a crise que se verifica em todos os níveis do ensino brasileiro
das últimas décadas.
114
Entrevista concedida por uma professora formadora portuguesa
E14/ U13
Construção Si
E12, agora ED, 61 anos, Professora Doutora em Didática do Português, foi
entrevistada por E em seu gabinete, na U12, em Braga, Portugal, onde trabalha atualmente
como professora formadora de professor de LP.
Após os cumprimentos, apresentações e um breve comentário sobre as perguntas que
seriam feitas, ED toma a dianteira do encontro e estabelece algumas posições, dizendo
É assim, eu começaria por dizer que nesse momento minha ocupação central
não é a formação de professores, mas é grande parte dela. De qualquer
maneira, para cumprir o seu diálogo..vou falar devagar por causa da
dificuldade de sotaque.
Assume a posição de controle e determina os procedimentos ao usar o tempo presente
dos verbos ser em sua afirmação É assim...; não é ...mas é ...para cumprir seu diálogo vou
falar devagar, embora o uso de aparente de voz de comando, mostra-se sensível a uma
possível dificuldade minha em compreender sua fala muito marcada pelo sotaque do norte de
Portugal, ou ainda poderia ser um convite para que eu também falasse mais devagar. De uma
maneira ou de outra, nessa fala deixou flagrar um sujeito firme em suas decisões. O uso da
dêixis em seu diálogo, referindo-se à entrevista, marca o estabelecimento um certa
distanciamento, compreensível nesta situação.
ED apresenta-se como professora formadora, ligada a vários outros projetos, portanto,
sua fala minha ocupação central não é a formação de professores, mas é grande parte dela é
marcada pela intenção de estabelecer posições discursivas e legitimar-se no contexto
universitário como professora formadora.
Ao responder a primeira pergunta sobre como se deu sua formação acadêmica, começa
seu relato a partir do ensino médio,
minha formação básica estava longe de ser orientada, naturalmente, para ser
professor, ou para ser professora de língua materna sequer ... Eu tenho uma
formação... quando eu estava no ensino médio, minha área foi as letras, as
línguas, porque eu queria ser tradutora.
ED, a princípio, não escolheu como profissão a docência de Língua Portuguesa, o que
se percebe pelo uso de adverbiais avaliativas como longe; naturalmente e sequer dando a
115
entender que acreditava na desvalorização da profissão docente em relação a de tradutora.
Um traço significativo da identidade do sujeito, que busca legitimar-se usando uma estratégia
de negação do valor do objeto para em seguida ressaltar sua qualidades.
Segue retomando sua história como estudante universitária, mais precisamente de
língua estrangeira, no caso a alemã
fui para a faculdade de letras Universidade de Lisboa, para fazer um curso
que havia já nos anos 70, chamado Germânicas e descobri que não era aquilo
que eu estava a espera, e não queria ser tradutora...E portanto tinha errado, e
eu comecei a fazer o meu percurso na área do Português, aproveitando as
modificações curriculares que ocorreram nos meados dos anos 70 por ocasião
do 25 de abril.
Ao observar as marcas linguísticas, conclui que a escolha de ED pela profissão,
resultou muito mais de uma questão circunstancial que de uma convicção vocacional. E ao
relatar esse fato ratifica o traço do sujeito que se revela determinado e seguro de si ao falar
sem rodeios de uma escolha equivocada e um recomeço usa verbos no pretérito perfeito
sinalizando rompimento definitivo fui ... descobri , comecei; seguida do uso de imperfeito
para marcar os enganos que eu estava a espera, e não queria ser tradutora...E, portanto, tinha
errado, e eu comecei a fazer o meu percurso na área do Português. Num primeiro momento
ED deixa claro seu empenho em legitimar seu papel como sujeito social. Além disso, comenta
a influência do fato socioistórico sobre sua vida.
ED continua falando de sua vida acadêmica, dando explicações da s mudanças de
curso, agora, com vistas a legitimar-se como profissional docente
Comecei a fazer disciplinas na área de literatura e da linguistica portuguesa,
portanto se ia ser professora então era mais interessante que fossem na área
do português, do que propriamente na área das línguas e muito menos do
inglês ou do alemão. Então basicamente eu tenho duas licenciaturas, uma de
língua estrangeira, inglês e alemão, não conclui faltam uma... E depois outra
em ensino do português, porque, entretanto eu fiz as minhas disciplinas da
área do português.
Fala de suas competências adquiridas na faculdade Comecei a fazer disciplinas na área
de literatura e da linguistica portuguesa, portanto se ia ser professora então era mais
interessante que fossem na área do português, [..] então eu tenho duas licenciaturas língua
estrangeira, inglês e alemão, não conclui faltam uma... E depois outra em ensino do
português. ED continua falando de sua insatisfação com a decisão de seguir a carreira docente
usando marcadores como se ia ser professora então era mais interessante que fosse [...] muito
menos... Ao final de sua fala o uso da dêixis minhas disciplinas da área assinala uma mudança
de pensamento.
116
Construção de Si em relação ao Outro
Importa legitimar seu papel de professora e, é para esse ponto que ED orienta todas as
informações de seu relato, deixando emergir o sujeito focado na imagem de professor
universitário. Para tanto se preocupa em falar sobre detalhes e identificações
Nos anos 80 começam a aparecer cursos já orientados para a área do ensino
de português e eu pedi equivalência e fiz o curso em ensino do português
para ter a profissionalização como professora. Portanto eu comecei como
professora, fora um tempo em que dei aulas particulares e, no entanto dentro
do percurso oficial, eu fui professora durante três anos numa escola de ensino
médio ou secundário, né? Pronto.
ED fala de sua formação específica para a carreira docente fiz o curso em ensino do
português para ter a profissionalização como professora, marca sua identidade docente ao
usar a dêixis social seguida do verbo ser no pretérito eu fui professora, marca sua experiência
docente no ensino fundamental (médio) durante três anos numa escola de ensino médio ou
secundário, né? Usa a expressão Pronto. Para encerrar uma etapa de seu relato, para dar início
à outra, seu ingresso na universidade
Após ser convidada a ensinar Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, na
Universidade do Minho, integrando como estagiária a equipe professores formadores.
Percorreu todos os níveis de carreira docente universitária, compreendido como estagiária
assistente e professora orientadora.
E foi assim que entrei não só para dar a disciplina didática, mas para orientar
os estágios, e significava que era apoiar professores em formação,
acompanhados na sua prática pedagógicas de estágio ir às escolas verem as
aulas preparar com eles as aulas aqui na universidade.
Nesse período ED inicia-se na carreira de professora assistente de estágio, como
responsável por um crescente número de alunos ...sua função era apoiar na formação de
professores de português com a disciplina única que era a metodologia do ensino do
português e a orientação dos estágios, nós tínhamos muitos estagiários. O ingresso na carreira
docente universitária marca o início da fase de maior visibilidade de seu trabalho.
Acumulando conhecimentos adquiridos em experiências no ensino médio e nas duas
faculdades de graduação, parece compreender bem o seu papel nesse grupo de pertença e
nesse contexto acadêmico.
Pouco tempo depois, concluiu o mestrado, defendendo sua dissertação cujo tema é a
interação verbal entre professores e alunos, na sala de aula, de ensino de português, um
117
assunto inovador Então essa foi a minha tese de mestrado, que, aliás, foi uma coisa de muito
sucesso, foi uma coisa inovadora em Portugal... na época que lhe rendeu muito
reconhecimento por aproximar duas áreas que tradicionalmente trabalham apartadas era um
misto de compromisso entre os estudos linguísticos e pedagógicos, assim deu início a um
novo olhar sobre a formação docente do PLP.
A partir do momento em que ED começa a falar de sua trajetória docente na
universidade mostra-se mais entusiasmada revela uma identidade voltada para a interação
com seus pares, para a pesquisa científica, o que lhe rendeu o convite para integrar a equipe
dos orientadores do estágio despertou-a para os estudos e pesquisas na área do ensino de
Língua Portuguesa e suas metodologias
E depois continuei no meu percurso a trabalhar, ao contrário de vocês no
Brasil, nos temos planos de estudo muito fixos e muito limitados, nós não
temos assim disciplinas pra além daquelas que faz parte de um semestre no
curso. Então continuei a trabalhar com a metodologia do português com a
formação e fazer o meu doutoramento.
Aos poucos, Ed vai pontuando as dificuldades encontradas para o desenvolvimento de
seu trabalho nós não temos assim disciplinas pra além daquelas que faz parte de um semestre
no curso o uso do intensificador muito fixo e muito limitado assinalam problemas, um fator
limitante para a ação docente e, para a expansão do curso nos temos planos de estudo muito
fixos e muito limitados. ED demonstra disposição para continuar suas pesquisas ao ingressar
no doutorado.
Seguindo a mesma vertente de estudos do mestrado, com pequenas alterações sua
pesquisa de doutoramento fui analisar aquilo que eu tinha percebido no mestrado, aquilo que
era determinante na sala, o livro didático, o uso de dêixis aquilo ressalta o objeto referido
elevando-o, esse movimento continua quando é usado o adjetivos axiológicos determinante.
ED ao ingressar no doutorado volta-se para a análise do livro didático procurando
imprimir algo novo nas suas práticas docentes uma novidade para o ensino tradicional
português. Estabeleceu contatos com professoras brasileiras, dando inicio a uma parceria
produtiva de trabalhos reforçando a aproximação entre as duas universidades.
foi, aliás, o meu contato com a UFMG, tem a ver precisamente com a equipe
do livro didático, tem a ver com Costa Val que e, aliás, em 2006 acompanhei,
enquanto coordenadora das equipes do PNLD.
Foi essa análise, e foi então que me deu a conhecer o Brasil. Na verdade o
meu primeiro contato com o Brasil foi porque estava lá o meu livro, na
livraria da UFMG. E a professora Graça Paulino, que já foi da Puc, viu o
livro e tinha uma doutoranda que estava precisamente também a trabalhar o
livro didático, a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e depois veio
118
aqui a fazer o seu sanduiche. [...] meu doutorado na área do livro didático, o
que fiz foi analisar os livros um corpus enorme de livros didáticos do oitavo
ano. Pronto.
Ao falar de seu trabalho com o livro didático, faz referências às professoras Graça
Paulino e Costa Val que e, aliás, em 2006 acompanhei, enquanto coordenadora das equipes
do PNLD, o uso do verbo acompanhei sinaliza aproximação. Ressaltar o seu trabalho frente à
relação de troca, e de atualização de conhecimentos o meu primeiro contato com o Brasil foi
porque estava lá o meu livro, na livraria da UFMG, como um exercício de parceria marcado
pela dêixis espacial e por substantivos afetivos acompanhados de modalizadores. Além de se
legitimar como docente/pesquisadora face aos trabalhos desenvolvidos por essas professoras
lá e aqui, na universidade brasileira a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e depois
veio aqui a fazer o seu sanduiche.
O uso da expressão Pronto ocorre para encerrar um assunto, abrindo espaço para
outro - Como se forma um professor? -. ED começa contextualizando socioistoricamente esse
um processo identitário aborda a questão da reforma do curso superior, implantada a partir do
Processo de Bolonha comentando algumas mudanças que alteraram diretamente o seu fazer
docente
Aqui nós fizemos o grupo de português ou de matemática, no meu
departamento temos didática do português, ou da matemática, ou das
ciências... É o departamento das didáticas. Mas os outros departamentos
sociologia da escola, desenvolvimento curricular, ou tecnologia educativa, ou
psicologia da educação, não sabe muito bem o que os fazemos... Eles são das
línguas, por exemplo, no meu caso... e perguntam: aí tu que és do
departamento do português... E ainda chegou a ter aqui na universidade
alguns movimentos para nos tirar daqui, e nos pôr nas letras, como nas
universidades clássicas. Mas foram as universidades Novas que tinham
incluído no âmbito daquilo que eles chamavam de ciências da educação,
tinham incluído as didáticas, ou as metodologias das disciplinas. Entretanto
eu me sinto muito mal, porque minha experiência está no ensino do português
ou da literatura e muito pouco do currículo.
Assim, devido a sua formação e larga experiência na área das Metodologias de Ensino,
ED afirma que atua no ensino de português, ministrando disciplinas específicas, mas também
atua no Curso de Mestrado no Departamento de Didáticas, por conta das demandas da criação
das Universidades Novas. Isso fez com que seu percurso como docente acompanhasse as
modificações por que passaram as orientações da ação do corpo docente e da própria
universidade por conta de demandas socioistóricas “Aqui nós fizemos [...] É o departamento
das didáticas, o uso da dêixis social determinando os papéis docentes sinaliza a situação
119
inovadora, a criação de um departamento que atende aos futuros professores de todas as áreas
do ensino em geral.
ED discorda dessa orientação, pois sua formação é específica para o ensino e
formação de PLP o uso modalizador argumentativo mas, da dêixis social eles, e o uso da
dêixis discursiva daquilo remetendo à disciplina Ciência da Educação marcam a ideia de
distanciamento e discordância que ED deseja imprimir no excerto, Mas foram as
universidades Novas que tinham incluído no âmbito daquilo que eles chamavam de ciências
da educação” , além disso, ao declarar eu me sinto muito mal, porque minha experiência
está no ensino do português ou da literatura e muito pouco do currículo, deixa explicita sua
declaração de desconforto ético e emocional, por não ter sua experiência aproveitada, uma
condição que influencia diretamente a identidade profissional da professora. Isso gera um
conflito entre a identidade para si e a identidade para o outro, isto é, entre as identidades
virtual e real, sua insatisfação por não ter suas aspirações satisfeitas e nem o reconhecimento
de suas competências está marcada em [...] aqui no Minho, nós estávamos num lugar que não
nos reconheciam nem como da educação nem letras, nós estávamos num limbo. Dessa
situação surgiu uma nova identidade profissional, com vistas a solucionar o problema, uma
mistura de experiências passada e desafios futuros [...] Aqui nós fizemos o grupo de português
ou de matemática, no meu departamento temos didática do português, ou da matemática, ou
das ciências... É o departamento das didáticas. ED embora trabalhe em uma área distinta
daquela na qual se especializou, segue adaptando-se e desconsiderando-se que toda relevância
seu trabalho de formação e pesquisa.
ED comenta a respeito das mudanças ocorridas na organização administrativa e
curricular das universidades portuguesa afetando todo sistema de ensino. E, por conseguinte,
as faculdades, os departamentos, a atuação docente e a formação dos estudantes. Um
processo, cujos desdobramentos e avaliações ainda estão em curso e que tem dividido
opiniões. Trata-se do Processo de Bolonha abordado no capítulo que trata das universidades, e
aqui são descritas mudanças especificas do curso de Língua Portuguesa
E estamos passando por uma transformação histórica, que não sei se lhe
interessa saber... Até há 3 anos atrás então nós tínhamos uma formação
integrada, isto é, os alunos entravam no primeiro ano, levavam 5 anos para
ser professores, seja de língua, ou de matemática.., etc. [...]as licenciaturas
aqui não são o mesmo que são as licenciaturas no Brasil... Licenciatura é
qualquer sujeito que tenha obtido o primeiro grau da universidade, vocês têm
a licenciatura pra quem vai ser professor, né? Toda gente, o médico, o
arquiteto ou engenheiro é licenciado, e aparece quase sempre o Lic. Como
título. Portanto era bacharel com três anos e licenciatura com cinco, para nós
eram passos. O bacharelado já não existe há muito tempo. Portanto, nós
120
tínhamos licenciatura em ensino de cinco anos, entretanto agora eles entram
sem pensar no ensino, vão três anos para a faculdade de letras, fazem as
cadeiras que lá tem português e línguas clássicas, literaturas luso africanas,
luso brasileiro, literaturas línguas europeias... E depois se quiserem ser
professores, uma das opções da área da educação [ fazem complementação].
ED fala das mudanças trazidas pelas novas diretrizes para a educação, as exigências de
lei para o currículo mínimo do curso de formação de professores, [..] nós tínhamos
licenciatura em ensino de cinco anos, entretanto agora eles entram sem pensar no ensino ... E
depois se quiserem ser professores, [ fazem complementação optando por] uma das opções da
área da educação.
E lembrando Dubar (2005) quando fala da necessidade de se ter a chancela de uma
institução para declarar a prontidão do profissional, através do diploma, explica a diferença do
uso do termo licenciatura lá, onde licenciado é todo aquele que possui licença formalizada em
diploma, para exercer uma profissão, portanto, tem um significado bem diferente do uso aqui
no Brasil, onde licenciatura refere-se aos cursos superiores de formação de professor de uma
disciplina.
Eu vou continuar a dar a Metodologia do Ensino do Português que é uma
cadeira central em termo de créditos. No nosso caso que interessa, a situação
é muito mais interessante, porque com a licenciatura de cinco anos nós
tínhamos só uma disciplina, e agora como esse novo modelo de três anos
quem definiu qual a porcentagem de cada área desses cursos é a legislação do
Ministério que diz quanto de cada área deverá ser cada curso. E daí que
tínhamos dúvidas em termos do ensino do português, agora temos 60 % da
área da didática, criamos a disciplina que é Avaliação e Concepção de
Materiais Didáticos, temos no segundo ano uma observação do Português,
mas que já é uma parte do estágio e começamos a ter uma intervenção maior
em termos da especialidade.
ED afirma que particularmente, as mudanças trouxeram alguns problemas de ordem
departamental, mas por outro lado, valorizou a disciplina didática e por disciplinas afins
ampliando a demanda “E daí que tínhamos dúvidas em termos do ensino do português, agora
temos 60 % da área da didática, criamos a disciplina que é Avaliação e Concepção de
Materiais Didáticos” num sinal claro de que o ensino de Língua Portuguesa volta a ser
priorizado por parte das autoridades e estudantes.
Ao responder à questão sobre saberes construídos na prática docente, de que fala
Tardiff (2005), afirma que sua formação tem ênfase específica para o ensino de português e
línguas estrangeiras, com menor ênfase para o ensino das disciplinas votadas para a área de
formação como currículo, administração escolar, sociologia e psicologia. Embora o autor
121
não faça parte de sua referência teórica de seu trabalho, ED ao responder à questão sobre a
construção do professor por meio da prática, afirma
sobre a questão de que o professor se constrói na prática, agora é minha
reserva não é afirmativo, o professor se constrói na prática pro bem e pro
mal. Nós formamos os professores aqui e quando saem desse contexto e vão
para o contexto da sala de aula, eles passam a ser outra pessoa, e dizem o que
é adequado dizer naquele contexto, e, portanto eles podem ser até alunos
extraordinários, chegando à escola ele passa ao ter outro estatuto, e passa a
agir de outra maneira, e, portanto começa a funcionar e a prática vai... Se a
escola tem outra orientação e esquece tudo que aprendeu na universidade...
que não é assim explícito, mas isso pode parecer caricatura, mas não é.
Tardiff não fez parte da minha formação profissional, nossa orientação é mais
para a discussão do que é... A perspectiva linguistica do ensino, as questões
da literatura e do ensino, afastaram-nos sempre... Não tem a ver com a minha
formação a questão desses teóricos.
As marcas discursivas deixam claro que a divisão entre os saberes específicos e os de
núcleo comum, que foram bem demarcadas no passado, ainda hoje o são. Embora, dentro de
um novo modelo de reforma educacional, as ações docentes, aparentemente, permanecem
cristalizadas o eu impede a entrada de novas metodologias na escola “ Se a escola tem outra
orientação [o recém formado iniciante na carreira] esquece tudo que aprendeu na
universidade... que não é assim explícito, mas isso pode parecer caricatura, mas não é, o
verbo esquecer é usado no sentido abandonar para referir-se à ação do professor que no início
de carreira segue as orientações da escola em que vai trabalhar, deixando de lado sua
capacidade criativa, por insegurança. Usa esse exemplo para ilustrar um seu ponto de vista
[...]o professor se constrói na prática, agora é minha reserva não é afirmativo, o professor se
constrói na prática pro bem e pro mal... salientando ao usar a expressão se constroi para
marcar a responsabilidade do docente nesse processo identitário, enfatizando o livre arbítrio
docente.
Assim ED denúncia o desalinho das ações docentes e as organizações
administrativo/curriculares face aos conteúdos a serem ministrados, interesses e objetivos de
todos envolvidos. Fala do desafio comum, formar professores que sejam capazes de atuar com
discernimento ético, promovendo a interação dos saberes.
Sobre esses saberes você julga necessário a um professor formador?
Eu acho que nós professores formadores professores de português
deveríamos ter um maior saber sobre as teorias vygotskyanas, da formação
com o aspecto sócio psicológico, o que não temos, pois nos concentramos no
conteúdo.
Assim o quê Vygotsky diz pra mim professor de português, e o quê que
Bakhtin tem dito para o professor de português, ainda não chegou cá... No
122
Brasil vocês só falam no Bakhtin, que aqui chegou nos anos 70 por via da
Teoria da Literatura. E como teoria de apoio para o estudo da língua agora
começa a ser vista, a partir das relações com o Brasil.
E eu não acho que tenham bom fruto, os meus alunos que vão ser professores
de português ficam limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a
integração. E o professor de português é aquele que corrige erros de
ortografia e erros de linguagem, o escrever e a falar bem, e literatura. E
mesmo que olhem pra aula de língua numa perspectiva interativista, a
questão centrada sempre em saber a gramática e saber a literatura. Calcados
na escola passada.
A resposta de ED deixa clara sua posição marcada nas expressões pelo uso de verbos
axiológicos e de modalizadores eu acho, deveríamos ter, advérbios avaliativos maior saber,
ainda não chegou cá , a dêixis espacial -discursiva remete a Portugal cá . ED lamenta por
não encontrar conseguir convencer os alunos, futuros professores, da relevância de se fazer a
integração entre teoria e prática para o ensino de língua materna ...ficam limitados, não
conseguem fazer a integração... o uso do verbo conseguir salienta uma limitação que
aparentemente, independe da vontade dos alunos... Isso os torna reféns de contexto do
ensino tradicional, cujos ensinamentos ecoam em suas memórias, tornando-os “Calcados na
escola passada” resistentes às inovações e produzindo sempre os mesmos resultados
insuficientes para atender à demanda social dos dias de hoje, “E eu não acho que tenham bom
fruto”. Porém, toda a descrição dos problemas identificados por ED está ligada de certa
maneira às mudanças dos programas de ensino e suas metodologias, portanto, o ajuste
necessário ainda não foi consolidado. ED continua elencando os problemas, numa tentativa
de justifica-se
A nossa formação era muito bancária como diria o Paulo Freire, e temos aqui
o currículo, aqui a sociologia, aqui a psicologia, as disciplinas, nunca
integradas e preocupadas em saber como é que se aprende uma língua... ou
linguagens, como é que se aprende... nossa psicologia da educação nunca foi
marcada pelo Vygotsky, pois era muito mais da psicologia clínica,
despachávamos os alunos com uma psicologia dada em ciências.
As afirmações de ED criticam os currículos do passado... nossa formação era muito
bancária ... e o currículo atual ...temos aqui o currículo, [...], nunca integrada e preocupada
em saber como é que se aprende uma língua... ou linguagens, estabelecido e legitimado pela
universidade/departamento em que ela atua como professora formadora.
Esse posicionamento vem ao encontro das afirmações de Tardiff (2005) quando ele
fala sobre a “cristalização de saberes” e da dificuldade para se fazer sua desconstrução.
Redimensionar os currículos e as ações docentes criticamente constitui, hoje, uma prioridade
123
em qualquer espaço educacional e, essa deverá ser pensada como um processo de rede
interacional.
ED fala de sua atual frente de pesquisa e de como esses estudos contribuem para sua
ação formadora
Bem, a minha pesquisa pessoal ficou mais ou menos traçada, eu trabalho
muito com a literacias ou dos letramentos sejam eles como se constroi a
identidade letradas do aluno da universidade. Porque a Adriana Fischer
estava aqui vendo como é que se constroi a identidade letrada de um aluno do
curso de engenharia... ver o que ele vai se construindo como leitor do texto de
engenharia e produtor de textos de engenharia ou como é que um jovem ou
como um adulto, estou com uma pesquisa com adultos. Mas continuo a fazer
formação de professores na medida em que são as disciplinas que eu dou. E
tem uma outra disciplina que se chama Educação e Literacias e pretendo
fazer uma ponte e definir o que é letramento.
Ao falar de sua pesquisa aponta sua preferência “minha pesquisa pessoal” por letramento e
formação de professores, salienta a aplicação [...] como se constroi as identidades letradas do
aluno da universidade, tema em evidência agora, atendendo às novas demandas das reformas,
volta sua pesquisa pra uso de Língua Materna, não só por estudantes de Letras, mas também
de outras áreas como das exatas por exemplo.
Ao falar sobre as disciplinas com que trabalha e a função desta na formação inicial do
professor ED afirma
E aí temos trabalhando, eu pessoalmente também, com disciplinas que são ou
Metodologia Ensino do Português, ou Supervisão do Ensino do Português, ou
com Avaliação no Ensino do Português, e basicamente andamos sempre com
essa grande questão sobre a metodologia da língua. A disciplina didática,
serve para orientar os estágios, e apoiar professores em formação,
acompanhados nas sua prática pedagógicas de estágio ir as escolas ver as
aulas preparar com eles as aulas aqui na universidade, discutir as aulas que
eles davam era uma continuação também da metodologia.
ED fala da importância de suas disciplinas voltadas para a metodologia do ensino e
avaliação no ensino de Língua Portuguesa, para a formação do professor, descreve parte do
processo de acompanhamento dos estagiários tarefa que demanda grande empenho do
professor face aos objetivos da disciplina didática, serve para orientar os estágios, e apoiar
professores em formação, acompanhados nas sua prática pedagógicas de estágio ir as escolas
ver as aulas preparar com eles as aulas aqui na universidade[...], mas por alguma razão, como
disse anteriormente, isso não tem sido suficientemente, pois não convence os alunos da
124
necessidade de inovar suas práticas de aula. Assim o aluno que não se empenha em aprender
a ser professor “vai construir [seu saber] de uma forma mais material e, portanto mais
dolorosa também o seu saber docente”.
Por fim questionada sobre o que significa para ela formar um professor, ED afirmou
Eu acho que é dotar os sujeitos pra já de um grande entusiasmo pelo trabalho
com a língua e a linguagem e, sobretudo dotá-los de competências críticas, e
eu diria que essa é, mais do que dar-lhes grandes quantidades de informação,
dar-lhes instrumentos para eles perceberem criticamente o que significa
tornar uma prova obrigatória, ou o PCN qual é o significado para si, que é o
professor, para os alunos para a escola e para a sociedade. Formar um
professor formar um profissional que não entenda que pronto ... está formado
e que agora é só aplicar, mas que saiba, possuindo essas competências
críticas construir o seu percurso.
Embora ED tenha larga experiência no trabalho que desenvolve e o faça como
dedicação e espírito investigativo, ao falar da necessidade de instrumentalizar parece referir-
se à tarefa despertar no futuro professor a crença no papel social do professor e a partir disso
compreenderá a importância das relações entre as disciplinas e do trabalho voltado para uso
da linguagem, ao usar modalizador eu acho... marca o posicionamento de ED nem sempre em
sintonia com seus pares. O verbo dotar parece ter sentido de despertar os sujeitos pra já de
um grande entusiasmo pelo trabalho com a língua e a linguagem o uso do adjetivo subjetivo
grande seguido dos substantivos entusiasmo, trabalho, língua e linguagem traduzem o
direcionamento e esforço da ação docente. E mais uma vez me lembro das palavras de Tardif
“Desse ponto de vista, os saberes experienciais do professor de profissão, longe de serem
baseados unicamente no trabalho em sala de aula, decorreriam, em grande parte, de
(pré)concepções sobre o ensino e a aprendizagem herdados da história escolar” (TARDIF,
2005, p. 219).
Aqui temos, portanto, o relato de experiências de ED, uma professora que acredita em
sua escolha profissional a despeito de todas as dificuldades que ela encerra. ED revela sua
identidade profissional, falando de suas vivências e convivências e especialmente de sua
carreira docente que teve início de maneira despretensiosa, a partir de uma escolha sem muito
entusiasmo. Construiu uma carreira profissional marcada por muita dedicação e trabalho de
um sujeito curioso, determinado e objetivo que vê seu trabalho reconhecido.
Ao longo da entrevista fala de como si vê nesse papel social, fala da identidade para
si, como professora formadora construiu sua trajetória docente dentro da universidade, onde
desenvolveu estudos importantes sobre letramento, livro didático avaliação e metodologia de
125
ensino de Língua Portuguesa. Portanto, desenvolveu competências nas principais áreas do
ensino, daí vem o reconhecimento de seu trabalho como professora e pesquisadora, o que lhe
permitiu estabelecer relações com grupos de pertença legitimando seus saberes e sua imagem,
consolidando sua identidade para o outro, ou seja, é reconhecida pelos alunos, colegas e
comunidade acadêmica.
Porém, todo seu trabalho de construção de competências e de sua identidade docente
formadora não foi suficiente para blindá-la das influências socioistóricas e econômicas por
que passa seu país, visto que o trabalho docente, como qualquer outro, é uma construção da
combinação dos aspectos subjetivos e sociais. E, portanto, o contínuo o processo de formação
identitária docente de ED encontra-se abalado pelos efeitos da reforma do ensino,
recentemente, promovida pelo governo sob a orientação do chamado Processo de Bolonha.
Ao atingir os princípios da organização dos currículos do ensino superior, a reforma interferiu
diretamente na socialização do sujeito professora formadora, nas suas relações de
pertencimento e, em suas referências sociais. Isso gerou mudança em suas crenças, aspirações
e, principalmente, colocou em xeque sua competência docente. Gerou-se um desentendimento
das identidades, a partir do deslocamento das prioridades. Aos docentes, como ED restou o
desafio de construir nova identidade, uma mistura de saberes do passado com os novos,
trazidos pelas novas demandas sociais e econômicas. Num novo espaço, o departamento das
didáticas, ED segue construindo sua identidade docente.
Nessa sequência, a fim de apreender, no discurso, regularidades da identidade
profissional de professores formadores, procurei construir o quadro, a seguir, que permitisse
dar visibilidade às sequências discursivas selecionadas, a partir dos relatos, onde identifiquei
marcas linguísticas que atualizam traços identitários significativos no processo da construção
identitária docente. Fundado, a partir das duas grandes categorias em evidência, as quais
abrigam os recortes de relatos de experiências vividas por cada um dos professores nas
entrevistas. Esses recortes formam o conjunto de identificações de cada entrevistado e, juntas
compõem a identidade do professor formador de PLP. Os gráficos, tradução representacional
dos situados após o quadro das regularidades, constituem um importante auxílio para a
visibilidade dos resultados.
126
Professor
formador
Construção de si Construção de si em relação ao outro
Formação
acadêmica
Escolha da
profissão
Ingresso carreira
docente
Condições
de trabalho
Disciplinas
com que trabalha
Saberes
necessários
ao formador
Visão do ensino
desafios
Conhecimento
específico
Área
de pesquisa
E1 Magistério; Letras;
Mestrado;
Doutorado..
Eu já desde pequena dizia
que queria ser
professora.
Iniciei no ensino fundamental e
médio, antes da
graduação.
Defendo uma disciplina
voltada pros
usos sociais da
linguagem,
contrariando
alguns colegas.
Linguística Aplicada.
Atualizar-se para direcionar suas
ações docentes
aos objetivos
previamente
estabelecidos.
Ainda não conseguimos amarrar um currículo pra
formação de PLP na
nova perspectiva do
ensino das práticas de
leitura e escrita. A gente
não sabe como fazer
Eu acho que teria que ter pisado na
educação básica...
estou falando de
vivência.
Linguística Aplicada a ensinar
a aprendizagem da
língua materna.
E2 Magistério;
Letras;
Mestrado; Doutorado.
Eu queria
fazer Letras.
Iniciei no ensino
superior, depois
do mestrado.
A gente tem
repensado a
grade curricular, mas não
chegamos a um
modelo ideal.
Literatura
Brasileira em
geral.
Eu acho que eles
[necessitam ser]
bons leitores.
Tenho pensado em rever
a prática com texto
literário pra que o aluno explore mais o sentido
do texto.
Ensinar a ser
leitor.
Consciência da
importância do
espaço na literatura.
E3 Magistério;
Letras;
Mestrado; Doutorado.
Eu fiz o curso
Normal pra
ser professora.
Iniciou no ensino
fundamental e
médio, antes da graduação.
Na U2 o aluno
está tem aulas
dentro do DLA. Isso é
importante.
Leitura e
Produção de
Textos e Estágio Supervisionado.
É formar
informando,
importa ao texto de divulgação
científica.
Trabalho com os alunos
consolidando a formação
deles em leitura e compreensão de texto.
Ter conhecimento
profissional na sua
área, ter atuado no ensino básico
Análise de
discurso voltada
pra divulgação científica na mídia
impressa e on line.
E4 Magistério;
Letras;
Mestrado;
Doutorado.
Eu não sei
como se deu.
Comecei de 5ª a
8ª ensino fundamental e
médio, depois da
graduação.
[Lamenta] a
existência de um
distanciamento
entre as licenciaturas e a
pedagogia.
Ensino de Língua
Portuguesa, Estágio
supervisionado.
É pensar em
diferentes tipos de escola e de ensino
de língua materna.
É pensar a dimensão ética.
O ensino de linguagens
dialoga com todas as outras áreas, [como] o
trabalho de
argumentação na linguagem da
matemática na questão
dos enunciados.
Estar atualizado e
ter atuado na escola básica para
construir a prática
com o aluno e não apenas aplicar
teorias.
Trabalho com a
educação de jovens e adultos,
uma questão mais
metodológica.
E5 Magistério;
Letras;
Mestrado; Doutorado.
Fiz Normal e
Letras.
Iniciei no IMPAE
instituto
psicopedagogia e educação, durante
a graduação.
Sua experiência
ancora a
orientação de estágio.
Núcleo de
interseção de
estágio I, II e III
Ter visão cultural
ampliada das
manifestações que nos interpelam.
É necessário planejar
nossa ação sempre
voltada para a atuação e intervenção para a
formação do professor.
Ter uma visão de
contexto
ampliada, mergulhar e agir.
Linguística da
Enunciação, a
linguagem como prática social.
127
E6 Magistério; Letras;
Pedagogia;
Mestrado;
Doutorado.
Eu pensei em ser professora
quando fiz o
vestibular pra pedagogia.
Eu comecei num centro de
“Orientação
sócio-educativa ao menor”, durante a
graduação.
[Lamenta] o pouco valor
dispensado à
extensão universitária e
ao diálogo entre
seus pares.
Alfabetização e Letramento,
Fundamentos
Históricos e Práticos do Ensino
de LP e Estágio.
Ele precisa dominar esses
objetos que ele
ensina.
Ele tem que ter uma formação que discuta o
objeto dele de ensino, a
teoria e a prática.
É trabalhar com situações-
problemas, que
faça o aluno compreender o
sistema da LP.
Práticas de letramento que
ocorrem em sala
de aula, e, na comunidade.
E7 Magistério;
Letras;
Mestrado;
Doutorado.
Eu cursei o
normal e
depois fiz Letras.
Arrumei emprego
pra dar aulas pras
presas do presídio da capital. Ainda
na faculdade.
Conhecer e
avaliar o
processo de ensino uma
visão que as
universidade dão pouco.
Prática de
letramento,
Leitura e Escrita, Prática de leitura e
escrita.
É didatizar, é
olhar, é avaliar o
processo, é saber o que tem que
ensinar em
seguida.
É necessário ter posição
política, conhecer um
pouco da vida do aluno e do mundo.
É antes de tudo
fazer com que o
futuro professor conheça os
conteúdos, mas
aplicados já aos objetos de ensino.
Meu projeto é
voltado pra
materiais multimídia e
hipermídia. É em
estilo plataforma, para uso de
professores.
E8 Magistério; Letras;
Direito;
Mestrado; Doutorado.
Depois de cursar Letras,
escolhi ser
professora.
Comecei a dar aula, depois da
graduação na
modalidade à distância.
Aqui no curso de Letras, falta
esse cunho da
licenciatura, com mais
práticas efetivas
e menos teorias.
Estágio de ensino de leitura, Estágio
de escrita, Estágio
de análise linguística, estágio
de regência e
Ensino de LP.
Acho que tem que dar espaço pra
gente dialogar,
entender e poder construir
coletivamente
essa identidade.
É necessário fomentar mudança, pra sair dessa
reprodução social. É um
dever, algo de responsabilidade, mas
gratificante e difícil de
fazer.
É construir o educador capaz de
fomentar a
criticidade desse aluno.
Então eu trabalho com a teoria das
representações
dos professores de língua materna no
e para o curso de
Letras.
E9 Magistério;
Pedagogia;
Mestrado;
Doutorado.
Cursei
Pedagogia e
queria ser professora.
Eu comecei a
trabalhar com
aulas particulares, e depois com o
projeto da ONG
Ação Educativa, durante a
graduação.
[Lamenta] a
distância
existente entre a teoria ensinada
na academia e a
prática de sala de aula.
Junção do ensino
de língua com o
da psicologia da aprendizagem
Fundamentos
Teóricos e Práticos no ensino
de língua materna
Ter uma
concepção de
língua e linguagem, ter
uma concepção de
discurso e texto, onde embasam
toda a ação.
É preciso estudar muito e
entender os fundamentos
do ensino de LP e seus métodos.
Ensinar a ensinar,
a partir do
conhecimento da história das
disciplinas e do
ensino de Língua Portuguesa.
Uso do livro
didático no
ensino fundamental.
E10 Magistério;
Letras;
Mestrado;
Doutorado.
A escolha da
profissão foi
de quem
precisa trabalhar.
Comecei a
trabalhar no
primeiro ciclo,
durante a graduação.
A lingüística
textual está
ainda muito no
início como discussão.
Práticas Textuais
na graduação.
Saber o que tem
que ser ensinado,
focar seu trabalho
no ensino do texto.
É preciso conhecer a
linguística saber extrair
da teoria proveito para o
ensino de ensinar o trabalho com textos.
O formador
precisa ensinar ao
aluno a ser um
professor flexível em suas escolhas.
Desenvolvimento
da pessoa ligado à
formação e
trabalho na escola e na vida.
128
E11 Magistério; Letras;
Mestrado;
Doutorado.
Quando optei pela área de
humanidades,
pensava em trabalhar com
língua
estrangeira.
Comecei a trabalhar como
professora no 2º
ciclo, antes da graduação.
O ensino da gramática é uma
área que precisa
de investigação. Há um
movimento no
sentido elevar esse ensino.
Linguística mostrando a
importância da
consciência fonológica pra
aprendizagem da
leitura e da escrita.
Conhecer a relação entre a
descrição da
língua, do ponto de vista
linguístico, e o
complemento da prática.
Eu penso que é
importante ter também
didática pedagógica de uma forma explicita,
complementada pela
prática que as pessoas vão construindo
O formador tem que ter um saber
teórico e refletir
sobre essa teoria aprofundando.
Sintaxe e semântica do
Português. Uma
investigação teórica que reflete
no trabalho
didático.
E12 Magistério;
Letras;
Mestrado;
Doutorado.
Optei pelas
línguas românicas,
pensando em
trabalhar como
tradutora.
Depois de
formada, dei aulas durante 10 nos no
ensino
Secundário, aula de Português.
No momento há
uma grande reviravolta,
todos querem
Português com Espanhol. De
repente foi
preciso formar professores.
Didática do
Português I, II, Produções de
Materiais
didáticos para o Ensino de
Português como
língua estrangeira.
Que tenham uma
sólida formação na sua disciplina
que saibam
gramática, literatura, escrever
e falar bem.
É preciso ensinar aos
alunos como buscar a informação por seus
próprios meios.
Ter experiência no
ensino básico e médio, essa
experiência muito
vantajosa pra quem vai ser
formador.
Pragmática e
análise do discurso voltado
para a pragmática.
E13 Magistério;
Letras;
Mestrado;
Doutorado.
Cursei a
escola normal no Liceu
Carolina
Michaelis.
Lecionei no 1º e
2º ciclos antes se tornar formadora
de professores de
Língua Portuguesa.
Devido à
inconsistência do que se
compreende por
ensino de língua e seu objetivo.
Formar um
professor nesse contexto é uma
missão utópica.
Ensino de
Linguística, de Literatura, da
Didática do
Ensino de Português,
Seminário de
Investigação.
Saber claramente
o que significa ensinar LP e quais
os objetivos
pretendidos.
É importante fazer com
que o aluno compreenda a lógica em que a escola
funciona, indo para o
terreno e desenvolvendo a consciência e a
capacidade de reflexão.
O professor
formador precisa dominar o objeto
de trabalho e
estudo, que é a língua. Precisa
gostar.
A prática de
ensino que integra o aluno, o
indivíduo e a
comunidade, ou seja, a literacia.
E14 Magistério;
Letras;
Mestrado;
Doutorado.
Universidade
de Lisboa e comecei meu
percurso na
área do Português.
Eu comecei como
professora, durante três anos
numa escola de
ensino secundário.
As disciplinas
não estão nunca integradas e
nem
preocupadas em saber como é
que se aprende
uma língua, ou linguagens.
Metodologia
Ensino do Português, ou
Supervisão do
Ensino do Português, ou com
Avaliação no
Ensino do Português.
Conhecer a
psicologia da aprendizagem de
Vygotsky e as
teorias de Bakhtin, tomadas
como apoio para o
estudo da língua.
Os alunos ficam
limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a
integração. Estão
centrados em saber a gramática e a literatura.
Estão calcados na escola
passada.
Eu acho que é
dotar os sujeitos de entusiasmo
pelo trabalho com
a língua e a linguagem. E,
sobretudo, dotá-
los de competências
críticas.
Eu trabalho muito
com a literacias, ou com os
letramentos, como
se constroi a identidade
letradas do aluno
da universidade
129
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
130
Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8
131
Figura 9
Fonte:Dados da pesquisa
132
Os gráficos, acima, representam a síntese das principais regularidades
identificadas nos relatos dos professores formadores de PLP. Trata-se de resultados da
busca por pistas linguísticas flagradas, a partir do desenvolvimento de um trabalho de
coleta e seleção de informações, iniciada no encontro com os entrevistados, com vistas a
compreender o processo de construção identitária do professor formador de PLP.
Após a etapa de transcrição, iniciei o processo de organização das entrevistas
que dialogavam entre si, classificando as sequências discursivas que melhor
representam os modos de dizer do sujeito, seu posicionamento identitário construído na
interação, bem como de sua representação do seu papel social como professor formador
atualizados no seu discurso.
Num segundo momento, as entrevistas foram organizadas quanto à aproximação
histórico geográfica dos sujeitos; quanto à contextualização de cada sujeito entrevistado;
às narrativas de vida; às semelhanças de opinião dos sujeitos; às diferenças de opinião; à
identificação das diferentes vozes dos narradores; às suas contradições; aos diálogos
entre si; aos diálogos como outras fontes extra contexto; às representações sociais e
quanto aos diferentes discursos.
Em seguida, as sequências discursivas foram recortadas, selecionadas e
comparadas, com vista a estabelecer as regularidades e categorias de análise referentes à
vida pessoal compreendida como formação acadêmica e profissional; opção pela
carreira docente; disciplinas ministradas; condições de trabalho, experiências docentes;
visão do ensino, saberes do formador; conhecimento específico, pesquisa de trabalho.
Na etapa de interpretação dos dados realizei a classificação, a análise e
categorização do conjunto dos dados obtidos em busca de estabelecer as categorias
analíticas que me possibilitaram chegar à indução de uma síntese coerente com o
processo de teorização aqui desenvolvido.
Os textos que compreendem as perguntas e respostas foram transcritos na
integra, porque a compreensão e interpretação dos dados referem-se à síntese holística
dos fenômenos, a partir da construção de sentido dos sujeitos discursivos, portanto, a
integridade da fala é imprescindível. As passagens relevantes das falas foram ressaltadas
para facilitar sua identificação, análise e interpretação.
133
Uma nova análise das respostas foi feita, para estabelecer as regularidades das
respostas dos grupos de portugueses e do grupo de brasileiros, e, posteriormente, foram
identificadas as semelhanças e diferenças entre os grupos de professoras portuguesas e o
de professores brasileiros. Assim, estabeleci um quadro das regularidades de respostas
de cada grupo. Por fim, as respostas foram reagrupadas para a construção da síntese do
trabalho.
Dessa maneira, foi possível interpretar, em que medida os professores
formadores de PLP portugueses e brasileiros se aproximam e se distanciam no que diz
respeito ao seu fazer docente, face às transformações socioistóricas que incidem sobre a
reforma do ensino superior tanto no Brasil como em Portugal.
É importante dizer que a esse estudo não interessou estabelecer juízo de valor a
cerca dos dados obtidos, pois, aqui, estes foram interpretados como enunciados de
sujeitos discursivos, provisórios e subjetivos.
Em suma, metodologicamente, esse foi o percurso construído, que me permitiu
conhecer e interpretar a formação identitária dos professores formadores brasileiros e
portugueses de PLP e, ainda, verificar como as injunções socioistóricas da sociedade
contemporânea refletem no fazer docente desses professores em sua esfera de trabalho.
A busca pela interpretação do sentido flagrado das marcas linguísticas presentes
nos relatos das experiências acadêmicas e profissionais dos professores formadores
entrevistados, mostrou-se uma proposta desafiadora, desde o primeiro momento, por seu
ineditismo, por estabelecer novos percursos de investigação teórica de um objeto ainda
pouco pesquisado. O desafio foi ainda agravado, quando percebi que é o próprio objeto,
devido a sua vitalidade e plasticidade, que dita a orientação da investigação
metodológica qualitativa.
Essa peculiaridade do objeto demandou repetidas leituras dos relatos das
entrevistas, para conseguir estabelecer as categorias de análise. Percebi que o quadro
das regularidades, necessariamente, deveria ser revisitado a cada passo, em virtude das
mudanças de atitude, de um tom, ou de um movimento do sujeito. Pois, ao converter
uma sequencia discursiva em unidade significativa, esta deixa emergir uma nova
categoria de análise. A percepção dessas pequenas variações exigiu também, muita
reflexão no momento de efetuar as análises. E somente, a partir daí, compreendi as
exigências do meu objeto e foi possível estabelecer o percurso das análises.
Nesse processo enunciativo/interpretativo, meu papel foi de co-construtora dos
sentidos dos relatos das trajetórias de formação acadêmica e profissional dos
134
entrevistados. Isto é, a compreensão do sentido e da significação dos relatos dependem
dos meus conhecimentos sobre o docente e sobre seu mundo. O que torna o sentido do
enunciado singular e, ao mesmo tempo, plural como também o são os sujeitos
enunciativos. Devido a isso, as sequências discursivas selecionadas por mim e o sentido
que a elas atribuo estão, diretamente, ligados à questão da subjetividade dos sujeitos da
enunciação.
Numa interface entre teorias, corrobora com essa abordagem subjetiva a teoria
psicossocial dubariana, já mencionada anteriormente, por estudar os aspectos subjetivos
e sociais da formação identitária profissional do sujeito, compreendendo sua identidade
pessoal e social como processos complementares presentes na socialização que
constroem os indivíduos. Baseado nisso, ao proceder às análises dos relatos, tomei as
experiências acadêmicas e profissionais do professor formador como categorias
complementares, apresentadas a seguir.
Em seus relatos, os professores formadores de PLP tanto os brasileiros, como os
portugueses comentam sobre suas formações acadêmicas, a maioria dos entrevistados
72% cursou as primeiras séries do ensino básico em escolas públicas, os outros 28% em
escola particular, próximas as suas residências; desse total 7% já chegou à escola já
alfabetizados, onde concluíram o ensino básico.
Ao ingressar no ensino médio, seguiram orientações distintas, alguns, 14%
optaram pelo magistério; a maioria, 69% optou pela escola propedêutica, e apenas uma
professora, 7% fez curso profissionalizante. Os professores que cursaram o magistério,
relatam que o fizeram, em geral, por ser esta a única opção de ensino médio oferecida
por suas escolas. Porém alguns optaram pelo magistério por considerar, esta, uma
oportunidade de trabalho feminino. Os demais entrevistados optaram por outros cursos
em busca de profissões ligadas ao terceiro setor como tradutor e/ou professor de
Línguas estrangeiras, numa época em que o prestígio da carreira docente, já se
encontrava em declínio, tanto no Brasil com em Portugal.
Quanto à escolha da profissão docente em nível superior, foram poucos os casos
em que ocorreu por influência de terceiros seja professores e/ou familiares,
predominando a escolha espontânea da maioria pelo curso de Letras. Os relatos
indicam, porém, que a escolha dos entrevistados deu-se em momentos diferentes da
vida de cada um. O grupo que optou inicialmente pelo cursou de Letras, o fizeram com
objetivos diferentes, alguns seguiriam a carreira de professor de Língua Portuguesa,
outros a carreira de tradutor e/ou professor de línguas estrangeiras. Há casos ainda de
135
profissionais de outras áreas que migraram para a área de Letras. Todavia, mais tarde,
todos optaram pela carreira de professores formadores de PLP.
A maioria dos entrevistados, 79% ingressou na carreira docente atuando,
primeiramente, nas séries iniciais e no ensino médio. O restante, 21%, ingressaram na
carreira de docentes formadores de PLP sem experiência docente nas séries iniciais,
após o mestrado. Em seus relatos, aqueles que atuaram no ensino básico afirmam
considerar a experiência como docente de escola básica, especialmente importante para
a formação de um professor formador de PLP. O outro grupo, que não atuou na escola
básica, não fez nenhuma observação a esse respeito. Esses professores apontam como
pontos relevantes da identidade do docente formador o gosto por ensinar, o
compromisso por despertar o aluno para a investigação e o gosto pela leitura.
Apresentam-se interessados em pesquisas voltada para a teoria Linguísticas e para as
representações sociais etc. Os demais professores que atuaram na escola básica voltam
suas pesquisas para a Linguística aplicada ao ensino de Língua Portuguesa, letramento,
construção de materiais didáticos, análise do livro didático e didatização da Língua
Portuguesa, etc.
Muitos desses profissionais, detentores de experiência docente nas séries
iniciais, juntam-se aos demais, ao se declararem ressentidos por não terem recebido da
academia, durante o período de formação, orientação satisfatória de como ensinar.
Estes, afirmam que suas experiências práticas foram construídas através de tentativas e
erros, ao longo de suas carreiras. Mostram-se interessados nos estudos voltados para a
formação docentes, oferecidos pelos cursos de pós-graduação com vistas à melhor
maneira de ensinar.
O grupo de professores formadores entrevistados constitui-se de docentes que
optaram pela profissão de professores formadores de PLP, todos atuantes nos cursos de
Letras, de suas respectivas universidades. Concluíram seus doutoramentos em ensino de
Língua Portuguesa, exceto uma professora que escolheu doutorar-se em Literatura, e
outro que além do doutoramento em Linguística Aplicada formou-se em Pedagogia em
busca de subsídio teóricos para o exercício da docência.
Nos seus relatos os professores afirmam que foram formados de acordo com o
modelo de ensino tradicional, e, portanto, estudaram Língua Portuguesa via o método
baseado na gramática. E mais tarde, segundo a maioria dos relatos, ao ingressarem na
universidade como docentes, perceberam que toda a orientação de ensino estava
baseada no modelo tradicional de ensino de literatura, línguas estrangeiras e de língua
136
materna ratificado como a única possível. Outros entrevistados afirmam que discutiram
muito sobre Estudos linguísticos, Análise do discurso, Enunciação, mas os
procedimentos de ensino e avaliação são marcados pelo modelo tradicional de ensino.
Confirmando-se, então, a afirmação presente nos relatos docentes: os professores
formadores do curso de Letras não conseguiram ainda desenvolver um modelo
pedagógico para ensinar aos alunos como ensinar Língua Portuguesa; necessariamente
sintonizado com as demandas reais do uso da língua, respaldado pelos estudos e
pesquisas linguísticas desenvolvidas nos gabinetes. Embora a academia ocupe-se de
produzir pesquisas relevantes e inovadoras sobre as teorias linguísticas e suas
aplicações no ensino, pouco se tem avançado no terreno da efetiva aplicação prática
desses conhecimentos voltados para a formação de professores. E, consequentemente, a
maioria das escolas de ensino básico permanece fiel ao modelo antigo, rejeitando as
inovações levadas pelos recém-formados e/ou pelos futuros professores por ocasião de
seus estágios.
O estudo da razão desse desequilíbrio entre ensino e prática, constitui um ponto
de interesse a ser investigado. Especialmente nesse momento de destaque da reforma do
ensino superior que implica importante alteração nas condições de trabalho docente e
em toda a rede de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa, com especial destaque
para o processo de formação de PLP.
Nos relatos dos professores formadores entrevistados 29% afirmam que suas
condições de trabalho foram afetadas pelas transformações no sistema de ensino de
maneira geral e 71% afirmam que tiveram mudanças diretas de suas condições de
trabalho como formadores de PLP. Em especial os comentários referem-se na
dificuldade de levar o conhecimento da academia para aos alunos da escola básica, seja
por dificuldade de didatização dos formandos, seja pela resistência dos professores já
em exercício nas escolas do ensino básico.
Aparentemente, a estrutura curricular, baseada no ensino tradicional permitiu a
acomodação da estrutura administrativa pedagógica dessas escolas, contribuindo para
que os recém-formados desistam das inovações, embora saibam que elas são necessárias
e agradem aos alunos que pedem mudanças.
Por outro lado, a academia como consumidora e produtora de novas teorias
sobre o ensino, aplica pouco de suas inovações, quando se trata do seu próprio
seguimento de ensino, especialmente, no que diz respeito às formas de avaliação,
inclusão e promoção no ensino superior.
137
Segundo relatos tanto de formadoras portuguesas como dos brasileiros, o
contexto do ensino em geral e o contexto específico da formação de professores de
Língua Portuguesa se assemelham nos dois países, no que se refere ao processo
curricular, seus objetivos e resistência as suas inovações. Isto ratifica o que já foi
afirmado antes, que a crise do ensino superior e as dificuldades por que tem passado
docentes e alunos, tem sido orquestrada por forças econômicas que se encontram além
das nossas fronteiras físicas e ideológicas.
Por outro lado, esse mesmo fenômeno produtor dessa crise instiga a busca de
alternativas e, estimula o professor formador à reflexão e a colocar em prática seus
conhecimentos específicos para a co-construção e aperfeiçoamento de saberes
necessários para si e para o seu aluno formando. Tais conhecimentos são desenvolvidos
diretamente pelas estratégias de ensino e aprendizagem em sala de aula, como
indiretamente ao desenvolver os projetos de pesquisa socializados nos Seminários e nas
divulgações em congressos e revistas especializadas.
Porém, esse despertar reflexivo é lento e processual, dado às questões subjetivas
não atinge todos os docentes, assim tanto em Portugal como no Brasil, aparentemente,
esse assunto não se encontra entre as prioridades dos docentes entrevistados. Uma vez
que se mostram mais preocupados com as demandas emergenciais não só da graduação,
mas principalmente, com os rumos dos desenvolvimentos das suas pesquisas e dos
cursos de pós-graduação sob suas orientações.
A atenção especial dispensada aos cursos de pós-graduação, às pesquisas e as
suas publicações ocupa posição de destaque na demanda de atividades do docente
formador. Num incessante estímulo à competitividade entre universidades e entre seus
docentes, instituído pela reforma do ensino superior e de seu programa de expansão.
Este prevê cursos de graduação e de pós-graduação na modalidade à distância,
oferecidos ao maior número possível de alunos, orientados pelo menor número possível
de professores. O desenvolvimento de pesquisas é estimulado, com ofertas de cursos
bolsas de estudos, participação em congressos e viagens técnicas. Enfim, trouxe mais
oportunidades e aporte econômico para o desenvolvimento da produção de
conhecimento, exigindo contribuição efetiva dos docentes com os segmentos da
pesquisa, ensino e extensão da universidade. Todavia ao estabelecer esse modelo de
competitividade, a academia não tem conseguido balizar com eficiência a motivação
dos docentes para o exercício das atividades docente na academia. Assim o que se
observa é que o comprometimento com a extensão é quase inexistente, ficando o
138
segmento da pesquisa com grande parte da atenção restante que, de maneira
insatisfatória, é dividida com o ensino. Embora esta orientação reformista do ensino
superior tenha trazido mais aporte econômico para o desenvolvimento da produção de
conhecimento, exigindo contribuição efetiva de todos os docentes, tem dado sinais de
que o critério de avaliação adotado valoriza mais o aspecto quantitativo que o
qualitativo da produção de conhecimentos dos professores formadores.
As mudanças de ordem econômica e administrativo-pedagógica na academia,
implica profundas mudanças sociais, alterando a identidade dos sujeitos formadores.
Consequentemente geram inquietações emocionais que tornam os professores ansiosos,
solitários e confusos quanto seu papel social nesse processo de mudanças identitárias. A
reforma do ensino superior trouxe grande preocupação para os professores no que diz
respeito às suas garantias de autonomia e de espaço de ação referentes ao exercício da
profissão. Através dos relatos pude flagrar a insatisfação de alguns docentes com o
crescente estímulo à competitividade entre seus pares. Isto tem comprometido o
trabalho dos docentes com o processo de formação de PLP que se sentem desmotivados.
Essa situação social tem produzido sujeitos insatisfeitos com seu fazer docente,
adoecidos emocionalmente, ávidos por um dedo de prosa para falar sobre seu trabalho,
de seus motivos, de suas aspirações, suas reflexões, além de trocar experiências como
profissionais formadores e como conhecedores da vida. Nesse sentido, muitas vezes, as
entrevistas foram tomadas como uma oportunidade de satisfazer essas necessidades
desses sujeitos professores formadores que falaram sobre si e sobre seu pertencimento
ao grupo social.
Assim, encastelados em seus gabinetes, muitos se isolam nas pesquisas, a
maioria ainda ligada à temática desenvolvida durante o doutoramento e são adaptadas
para o ensino de leitura e escrita, por exemplo, mas num nível produção científica
distante da prática formativa e nem sempre contribuem efetivamente para a melhoria do
processo de ensino da leitura e escrita do aluno da escola básica.
Todavia, há aqueles que se apresentam entusiasmados com seu trabalho de
pesquisa voltado para o ensino de Língua Portuguesa e sua didatização. Demonstrando
comprometimento com seus papéis docentes, domínio de seus objetos de trabalho, e
crença nos objetivos de suas ações docentes desenvolvidas de maneira integrada com o
desenvolvimento de suas pesquisas.
A questão que se apresenta neste momento das análises do processo da
construção identitária dos docentes brasileiros e portugueses, diz respeito ao
139
posicionamento desses frente às reformas do ensino superior. Uma vez que elas
promoveram severas mudanças curriculares, transformadoras das relações profissionais,
sociais e administrativas, o que implica alterações de diversas ordens no ponto mais
relevante do processo identitário, o aspecto emocional.
No caso de Portugal, onde a reforma do ensino superior é uma realidade, as
entrevistadas ao comentarem sobre o Processo de Bolonha, o fizeram de maneira
superficial, marcando de maneira discreta seus posicionamentos frente à questão. Por
sua vez, no Brasil, os entrevistados pouco falaram a respeito, mantiveram-se voltados
para as questões departamentais, como que desconectados do processo globalizante da
questão. Essa aparente atitude de passividade dos docentes entrevistados frente a uma
situação de tão relevantes implicações pode ser explicada, resgatando-se o que diz
Foucault (1979) sobre a existência do poder dentro e fora das instituições, cujo
propósito é construir “verdades” que se prestam aos seus interesses do poder econômico
do neoliberalismo que tem por objetivo a dominação do homem por meio de práticas
políticas e econômicas. Segundo o autor a „verdade‟ resulta de um conjunto de coerções
que levam aos efeitos regulamentados do poder
o que deve se levar em consideração no intelectual não é, portanto, „o
portador de valores universais‟, ele é alguém que ocupa uma posição
específica, mas cuja especificidade está ligada às funções gerais do
papel do dispositivo de verdade em nossa sociedade (FOUCAULT,
1979, p.13)
Assim compreendo o processo de reformas como uma ação globalizada de
produção de saberes sob o comando de um sistema de rede de conhecimentos para a
produção de uma verdade específica. Em que os docentes devem produzir saberes, a
partir de modelos determinados e estabelecidos em remotas instâncias de cunho político
econômicas, onde importa são os princípios, os interesses e a autonomia universitária.
Os docentes que até então seguiram tais princípios, vêm-se diante das reformas
do ensino superior sem alternativa, estão sendo tragados pela nova ordem. Vêm as
inteligências dos países em desenvolvimento serem „convidadas‟ a participar da vida
acadêmica das universidades renomadas dos países desenvolvidos, por meio dos
programas de intercâmbio, num exercício aparente de troca de conhecimentos. Quando
o que ocorre é o aprendizado de uma única forma de fazer ciência voltada para o
trabalho e produção de bens de consumo, com vistas a satisfazer os interesses do poder
econômico do neoliberalismo.
140
A identidade do docente formador ainda não identificado está em curso,
portanto, o que se tem dele é apenas o desconforto, a inadaptação e a expectativa. Daí, a
aparente dificuldade dos entrevistados de verbalizar a importância e a dimensão dessas
reformas para a identidade e formação profissional do professor formador de PLP.
141
5 - À GUISA DE CONCLUSÃO
A busca de possíveis sentidos dos relatos dos sujeitos/docentes sobre seus
processos de construções identitárias situadas levou-me a investigar o contexto
socioistórico, em que se desenvolvem as trajetórias dos docentes em questão, sempre
atentando para os processos biográficos e os relacionais, compreendidos como as duas
grandes categorias: a identidade para si e a identidade para o outro. Esta orientação
levou-me a concluir que ambas as identidades se confundem e se complementam, ou
seja, as vivências sociais e profissionais constituem a essência do self, seja na ordem do
indivíduo ou do coletivo. Portanto, constitui-se uma identidade homogenia dos
entrevistados que falam de suas vivências pessoais entrelaçadas com as vivências
profissionais do docente e, ambos constituem o sujeito do discurso.
Assim, a partir da investigação de suas ações docentes situadas pude flagrar duas
mudanças socioistóricas que incidiram sobre a formação identitária dos docentes
formadores. A primeira trata-se das transformações do ensino de língua materna,
ocorridas na década de 1980, e se instaura a partir do conceito de um sujeito disperso,
fragmentado, construído discursivamente, traz consigo o surgimento de novas
disciplinas ligadas ao discurso, à argumentação e à interação social. Isso implicou o
aparecimento de teorias que revolucionariam, mais tarde, o ensino de Língua
Portuguesa. Rompeu-se com modelo tradicional de ensino de LP, conceitual e
prescritivo, e se aderiu ao novo modelo de ensino. Este voltado para a compreensão do
objeto – a linguagem social – subjetiva, constitutiva do sujeito e por ele construída, em
cuja materialidade deixa marcas de sua ideologia, intencionalidade e situação
socioistóricas.
A segunda mudança, abordada no Capítulo 3, trata-se da reforma do ensino
superior que, embora pareça um movimento pontual, estende-se a todos os níveis da
sociedade por tratar-se da questão de formação do capital humano que irá movimentar
os setores de produção e comércio do país. São transformações de cunho político e
administrativo por que passam as universidades brasileiras e portuguesas, esse espaço
de diversas interações docentes, como investigativas, sociopolíticas e econômicas.
Concluí que as intervenções das políticas educativas governamentais, como a
Reforma do ensino superior brasileiro e a adesão portuguesa ao Processo de Bolonha,
visam inserir as universidades num sistema de rede, atendendo às demandas
142
socioeconômicas do neoliberalismo. Essas exigências colocam em xeque a autonomia
universitária de produção de conhecimentos e currículo, num explícito reforço do poder
de homogeneização. Além disso, constatei que, ao implantar as mudanças, as
autoridades governamentais exigem respostas imediatas, tanto por parte dos alunos
como parte dos professores, desconsiderando o fato de que transformações implicam
processo e tempo de adaptação.
Verifiquei que essas transformações refletem diretamente nas relações sociais e
profissionais desses docentes e, por conseguinte, sobre seus processos de construções
identitárias, compreendidos como uma combinação de episódios socioistóricos pessoais
e profissionais.
No que se refere à ação do docente formador de PLP, a reforma universitária
implicou mudanças importantes, porque a esses foi confiada a tarefa de ensinar aos
futuros professores como ensinar a ler, a escrever e a desenvolver a competência
discursiva dos alunos, ampliando significativamente a capacidade linguística desses
alunos. Essa é uma tarefa desafiadora, a ser desenvolvida dentro de um modelo pré-
determinado, imposta por decreto de lei, da qual os docentes não têm como se furtar,
uma urgente tarefa a ser cumprida, em tempo recorde, com vistas a resultados eficazes e
abrangentes.
Penso que o aspecto central dessa empreitada é a necessidade de uma ação
pontual em que o professor formador deverá conhecer o sujeito para quem direciona seu
formando. E ambos deverão conhecer a escola e o mundo real em que vivem seus
alunos, com vistas a identificar seus saberes, valores, crenças e suas necessidades
educacionais.
No plano da viabilidade de execução dessa tarefa, constatei que são muitas as
mudanças necessárias. Estas envolvem desde a compreensão e adesão pessoal à nova
ordem, passando pela questão de reorientação de currículos, bem como por questões de
ordem administrativo-pedagógico tanto por parte da academia, como por parte das
escolas de ensino básico.
Concluí ainda que as transformações por que passaram o ensino de língua
materna, comentadas anteriormente, foram e ainda são marcadas pela incompreensão e
rejeição dos professores formadores o que tem trazido prejuízos para todos envolvidos
nesse processo de ensino e aprendizagem. Em ambas as situações o cerne do problema
encontra-se na maneira como as mudanças foram apresentadas e implantadas, sem que
143
antes fossem desejadas e, posteriormente sem passar pelo processo da degustação e
digestão.
Assim, na ocasião das transformações epistemológicas da década de 80,
marcadas mais pela incompreensão que pela resistência ao novo, por parte dos
professores formadores, surgiram dois grupos de docentes.
Um grupo composto por docentes movidos pela curiosidade científica de
compreender a novidade teórica e/ou pela necessidade de manter-se atualizados
mergulhou no mundo das pesquisas. Voltou de lá, trazendo para as salas de aulas teorias
e tratados interessantes e desafiadores sobre as questões de uso e de ensino da
linguagem. Permaneceram estudando e em constante busca de informações e orientam
as pesquisas dos estudantes de pós-graduação, escrevem e publicam em revistas
científicas.
A maioria desses docentes afirma que, durante sua graduação, não recebeu
nenhum tipo de instrução consistente e duradoura que os fizessem compreender e
apreender a importância e a profundidade da nova teoria da linguagem, para o ensino de
língua materna e, menos ainda, para as relações sociais e antropológicas. Portanto,
construiu sua identidade profissional à custa de muito esforço pessoal. São estes os
docentes formadores que compreenderam a relevância dessa transformação e ensinam
seus alunos a didatizar as teorias e a fazer a diferença com suas ações.
Outro grupo, conservador, acomodou-se na tradição e lá permanece até hoje,
ensinando o que considera correto, reproduzindo um conhecimento que embora
necessário ao acervo histórico, é ineficiente frente às demandas sociais que se
apresentam hoje.
Todavia, constatei que apesar dos conhecimentos teóricos disponíveis aos dois
grupos e de todos os estudos por eles desenvolvidos, nenhum dos segmentos de
professores formadores não conseguiu desenvolver um modelo eficiente para ensinar
aos seus alunos, futuros professores, a ensinar língua materna. Ainda não se tem um
modelo de didatização das novas teorias, não se construiu práticas de ensino que
contribuam para deficiência da formação dos alunos/professores e dos alunos aprendizes
da escola básica.
Constatei que consequentemente, completando o ciclo de imprudências, os
alunos/professores que ingressaram na carreira docente e se tornaram professores que
também não veicularam as novas, hoje já antigas, orientações teóricas do ensino de
língua materna. E assim eles contribuem, sobremaneira, para o alargamento do
144
crescente fosso que separa os resultados dos estudos científicos sobre ensino e
aprendizagem da língua materna, desenvolvidos nas universidades, do seu alvo
principal, o aprendiz da escola básica.
Pouco de todo o conhecimento produzido na academia sobre o ensino de Língua
Portuguesa chega aos alunos em início de formação acadêmica. Assim, a maioria dos
alunos permanece recebendo formação deficitária por meio de um modelo ultrapassado
de ensino.
Concluí que esse fato gerou um prejuízo incomensurável para o processo
educacional tanto de Portugal como do Brasil. E hoje, aqui, o programa educacional do
governo brasileiro, pressionado pelo poder dos bancos financiadores da educação, tenta
importar soluções americanas e de países europeus para resolver o problema de falta de
mão de obra especializada para alavancar a máquina tecnológica produtiva do país.
Trata-se de um modelo construído em outros países para atender às demandas desses
mesmos países, ou seja, refiro-me ao modelo de educação superior americano e ao
modelo europeu respectivamente. Portanto, social e culturalmente diferentes de um
modelo demandado pela educação brasileira.
A reforma do ensino superior se impõe como uma solução emergencial para
problemas estruturais que exigem planejamento de longo prazo. Um plano da
viabilidade de execução dessa tarefa requer mudanças, as quais envolvem desde a
compreensão e adesão pessoal do docente formador à nova ordem, à questão de
reorientação de currículos, bem como às reformas de questões de ordem administrativa.
Esse conjunto de implicações incide sobre a vida e a identidade dos docentes
formadores, que hoje se veem pressionados, por demandas urgentes de ensino,
solicitadas por reformas educacionais de políticas governamentais que se furtam a
compreender a natureza do engenho de sua ação formadora. Essas mudanças sociais
implicam profundas mudanças nos grupos de referências, nas instituições sociais e, por
fim, na identidade dos países.
Referente a Portugal e Brasil, a despeito das diferenças socioistóricas,
geográficas e culturais entre os dois países, observei que se aproximam pela herança da
língua e, atualmente, pela necessidade de reestruturação de seus sistemas educacionais,
face à demanda de capacitação de mão de obra especializada voltada para a produção
tecnológica. Tal necessidade levou ambos os países promoverem mudanças nos seus
sistemas de ensino. Assim, as transformações do sistema educacional português
semelhante às transformações que vêm ocorrendo no Brasil, ora em curso em Portugal,
145
são também, como aqui, motivadas pelas mesmas exigências de ordem econômica,
ditadas pelos bancos financiadores da educação.
Embora, Portugal apresente índices de qualidade de vida e educação superiores
aos brasileiros, no que se refere ao ensino de língua materna e formação de professores
formadores de PLP, apresenta dificuldades consideráveis. Some-se a isso a queda no
número de jovens matriculados nos cursos universitários, o que, em longo prazo,
resultou em problemas de baixo índice de qualificação superior dos jovens, um
problema evidenciado, a partir da adesão do país ao Processo de Bolonha.
A partir das análises dos relatos dos professores formadores portugueses, pude
constatar que as transformações epistemológicas sobre o sujeito e a linguagem
chegaram lá mais cedo que no Brasil. Contudo, os docentes formadores desenvolveram
poucos trabalhos com objetivo de mudar o paradigma de formação de PLP. Somente,
depois das efetivas transformações impostas pelo Processo de Bolonha, começou-se a
pensar de maneira consistente numa mudança de paradigma para o ensino de Língua
Portuguesa.
Portanto, os professores formadores portugueses, embora já vivenciem a reforma
do ensino superior, com a efetivação da Universidade Nova funcionando plenamente,
não conseguiram avançar no campo da formação de PLP imprimindo de maneira
satisfatória a mudança de paradigma do ensino de Língua Portuguesa. Hoje, nas
universidades portuguesas, no curso de Letras, na sua vertente da docência, têm em suas
salas de aulas, professores já formados que regressaram em busca dessas novas teorias
da linguagem.
Acredito que a indiferença de muitos docentes formadores e dos demais
professores em relação à compreensão e estudo das novas teorias e suas implicações
epistemológicas, deve-se as suas formações socioistóricas e culturais, centradas nas
tradições seculares de guardiões da Língua Portuguesa. Uma fortuna cultural que
desejam preservar a todo custo. No entanto, esquecem-se da primeira regra, a Língua
Portuguesa, como qualquer outra língua existente, é viva e por necessidade vital deve-se
transformar constantemente.
No campo das pesquisas sobre ensino de Língua Portuguesa, os professores
formadores têm desenvolvido muitos trabalhos na área da Linguística Aplicada voltados
para a vertente do ensino de língua estrangeira, área de maior interesse dos estudantes
de Letras, com vistas nos programas de intercâmbio, como o Erasmos, e o Programa de
Mobilidade Acadêmica e Formação Profissional.
146
Os programas de intercâmbio acadêmico e aperfeiçoamento profissional, no
Brasil, ganharam especial atenção e efetivação, a partir da reforma universitária e prevê
para os próximos anos um aumento da mobilidade acadêmica, trazendo e levando mais
estudantes e professores da/para Europa. Portugal lidera a preferência dos estudantes,
primeiramente, devido à identidade da língua e depois pela qualidade do ensino nas
áreas das Ciências Humanas e Sociais, como Direito, Letras, Cinema, etc.
Há apenas uma certeza: muda o discurso, mudam os significados, as diretrizes
do ensino nacional, mudam os pensamentos, as atitudes e o fazer docente. Esta é uma
empreitada que não foi consolidada. E, nas esferas individuais e profissionais, tem-se
gerado uma situação de grande inquietação e desconforto, exigindo-se plasticidade e
flexibilidade no posicionamento identitário dos docentes brasileiros e portugueses.
Ao concluir, devo dizer que os resultados obtidos com esse trabalho trazem luz
aos estudos do processo de construção identitária do professor formador de professores
de PLP. Trata-se de uma seara pouco explorada e de grande importância para o
planejamento de ações educativas, senão o ponto de partida, para a compreensão e
solução dos problemas estruturais por que passa a educação no Brasil e em Portugal. Há
que se considerar as profundas mudanças epistemológicas do ensino de Língua
Portuguesa e a relação dessas com a dinâmica das linguagens e da pluralidade das
leituras, demandadas pelo viés socioistórico econômico e cultural da sociedade
contemporânea, ou seja, há que se refletir e agir com ética, com vistas a cuidar de si, e,
por conseguinte, da sociedade como um todo.
Por fim, mas não menos importante saliento que os conhecimentos aqui
apresentados, devido à sua natureza interdisciplinar, de caráter socioistórico e cultural,
constituem uma interessante fonte de informações para o desenvolvimento de trabalhos
sobre a identidade social do professor formador de PLP, bem como de toda e qualquer
relação social que envolva o sujeito, essa categoria líquida, feita de luz, sal, calor,
música e perfume.
147
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153
APÊNDICE
APÊNDICE A. -. ROTEIRO DE PERGUNTAS DAS ENTREVISTAS
1. Comente um pouco sobre a sua formação acadêmica e profissional.
2. Com qual disciplina você trabalha no curso de graduação?
3. Que função você atribui a essa disciplina na formação inicial do professor?
4. Que saberes seriam necessários para a formação do professor formador?
5. Há quem diga, por exemplo, Tardiff, que vários saberes do professor são
construídos na experiência docente. Como você vê isso?
6. Como você traçaria o perfil de um professor formador?
7. Qual (s) é a sua frente de pesquisa, que contribuição ela oferece para a sua ação
como professor formador?
8. O que é formar um professor?
APÊNDICE B - ENTREVISTAS TRANSCRITAS
Grupo I –
Professores Formadores Brasileiros
Entrevista E1/ER
A - ER, fale um pouco sobre sua formação acadêmica profissional, quando você se formou?
E1/ER - ih. Faz tanto tempo, quer dizer, na verdade minha vida gira toda em função de
formação de professores. Eu ainda sou da época do magistério de segundo grau.
Então, há coisas que eu aprendi lá que me ajudam hoje em dia. Coisas que eu acho que inclusive
faltam, fazem falta na formação dos nossos alunos de Letras. Então eu já tenho essa formação
de magistério de segundo grau. Tenho graduação em Letras Português Licenciatura. Mestrado
em Linguística e Doutorado em Linguística Aplicada.
A - Por que você escolheu ser professora?
E1/ER- Por que a gente escolhe ser professora? Ah isso é tão complicado. Enquanto outras
pessoas queriam ser a b c d eu já de pequena dizia que queria ser professora não sei o motivo.
E1/ER - É engraçado, e a gente até estava comentando nesses dias não sei com quem que os
testes vocacionais sempre deram administração e ciências contábeis e eu fui fazer o magistério.
Eu acho que é porque eu gostava mesmo, talvez porque na infância você se espelha em algum
professor. Enfim, eu acho que a gente tem referências de infância. Eu imagino. Não sei.
A - Com que disciplina você trabalha na graduação?
E1/ER - Bom isso depende muito das grades curriculares que a gente tem. No semestre
passado, no ensino a distância eu trabalhei com Linguística Textual. Mas normalmente eu
trabalho com uma disciplina que antes tinha um nome muito estranho Fundamentos
Linguísticos para o Ensino do Português, em que na nova grade curricular a gente mudou o
154
nome, chamou de Linguística Aplicada em ensino da aprendizagem da língua materna. Então é
a disciplina com que eu mais trabalho atualmente na graduação.
A - Que função que você dá a essa disciplina na formação inicial do professor?
E1/ER - Eu acho que ela é fundamental pensando na formação inicial de um professor hoje, até
quando eu trabalho com essa disciplina na graduação. Acabei sentindo a necessidade de fazer o
histórico da disciplina na Língua Portuguesa. Porque você começava a discutir o que a academia
discutia na década de oitenta com os alunos. Mas muitos vão passando e eles mesmos não
sabiam no final qual era a finalidade da disciplina de Língua Portuguesa e hoje com seus
conteúdos e a disciplina. Então eu comecei a trabalhar com eles acabei estudando um pouco da
Magda Soares e eu comecei a discutir com eles a história da disciplina de Língua Portuguesa. E
é muito interessante os alunos entenderem como é que se constitui uma disciplina escolar. Eu
tenho a impressão que a gente acha que isso é um conteúdo da Educação e não trabalha com os
licenciandos como se constitui a escola. Como se constitui as disciplinas curriculares que papel
que elas exercem nessa grade curricular. Então comecei a fazer isso com os alunos, pra eles
entenderem que na década de oitenta há uma mudança epistemológica na disciplina de educação
básica, ou seja, há uma mudança. Porque eu senti muito a necessidade de nomear o que essa
disciplina fazia. Se o plano é a disciplina escolar aqui na UFSC porque embora aliás, eu estou
escrevendo sobre isso. Quando não sei se eu termino isso algum dia. Eu preciso de mais dados
pra isso. Eu tenho poucos dados. A- Sim.
E1/ER - Na década de oitenta falou-se muito e, isso é um discurso da academia, que a escola
trabalhava predominantemente com a gramática normativa. Eu tenho uma leve intuição de que
isso não é verdade. Pelos registros que eu consegui de livros didáticos livros de ensino. E até
pensando na minha formação a gramática normativa não foi o centro. Foi aquilo que eu tentei
chamar de uma gramática conceitual. Uma gramática enciclopedística. Uma gramática
conteudística. Uma gramática de conceitos, por exemplo, eu ainda mostrei para os alunos uns
dois ou três livros antigos que eu localizei. Começa, por exemplo, o que é Morfologia?
Morfologia é classes de palavras são o substantivo, adjetivo... Uma colega minha diz que eu
tenho que patentear o termo de uma gramática conceitual. A escola trabalhava em
predominantemente com uma gramática conceitual, o que eu descobri é que os nossos alunos
acham que isso tudo se chama gramática normativa. Eles colocam como se o nome conceitual
fosse a gramática normativa, como par a par. Daí isso já é um problema. Então a gente acaba
começando a discutir isso, que eu acho que deveria ser uma disciplina em todo curso de Letras.
A história da constituição da disciplina de Língua Portuguesa na escola. Para entender que ela
nasce como uma disciplina gramatical. E o que se tenta fazer na década de oitenta é uma
ruptura. E ruptura que vai de encontro à tradição. Até hoje não se tem resolvido. Embora seja
necessário ensinar a leitura e a escrita. Mas e a gramática conceitual? Porque se você trabalha
com leitura e escrita você está trabalhando com gramática no sentido de regularidades da língua
que você domina. Pra se enunciar, mas não está resolvida essa questão. Então acho que a
disciplina linguística aplicada. Primeiro teria essa função de mostrar para o aluno o que é essa
disciplina escolar de Língua Portuguesa e como ela se constitui. E isso se você entende que a
finalidade da disciplina é trabalhar com os usos sociais da linguagem que não é unanimidade na
universidade também. Tanto que há um contra discurso muito forte surgindo. Inclusive no
campo da Linguística em que a escola deva trabalhar com a iniciação científica. Por isso tem
que trabalhar os conteúdos conceituais da Linguística. É um contra discurso que eu já vi aqui e
lá e acolá. Então eu acho que primeiro a Linguística aplicada ensina a aprendizagem da língua
materna. E ela tem essa função de demonstrar pros alunos como se constitui uma disciplina
escolar. Porque que uma disciplina sai da escola. Por que uma disciplina entra, que conteúdos
ela tem? Por que os conteúdos mudam? Se é uma pressão da academia, se é uma pressão
institucional, se é uma pressão da sociedade. Acho que essa é a primeira questão. E a segunda e
daí eu acho que há universidades que estão menos arraigadas na tradição. Elas conseguem ter
um currículo mais oxigenado, novo. Essa disciplina pra mim ela é fundamental quando ela
trabalha com uma concepção de linguagem. E quando ela trabalha nessa concepção de
linguagem sujeito as práticas de leitura e escrita. Mas mais do que isso, eu acho que isso
deveriam ser disciplinas separadas. Aqui a gente tem tudo numa única disciplina. Reconheço
155
que nosso currículo é bastante tradicional. Demais, né? Então tudo que é da área de formação de
professores que não esteja no meio está nessa disciplina tudo, tudo. Absolutamente tudo.
E1/ER - Nos quatro meses, três com todos os feriados. Então, primeiro porque é a única
disciplina que vai trabalhar com as questões ligadas as práticas de leitura, as práticas de escrita.
Tem outras perguntas ali pra continuar. A - Entendo.
E1/ER - Não está bom, mas acho que é isso mesmo. Acho que quando eu dava essa disciplina
há muito tempo que ela tinha esse outro nome estranho que não fui eu que dei. A gente
começava direto numa concepção de linguagem mais socioistórica. Mais em concepção do
sujeito pra ir trabalhar com prática de leitura e escrita, mas tá, mas a gramática, a gramática.
Onde é que ela entra? Onde é que ela entra? Ela entra na prática de análise linguística na leitura
e na escrita, dizendo “Mas é isso? Eu aprendi diferente, meu pai diz que é diferente”. Eu
comecei a fazer história da disciplina de Língua Portuguesa. Eu acho que isso dá uma arejada,
evidentemente que isso é uma postura, não é uma única visão de mundo e uma única visão de
ensino. Evidentemente que como há colegas que defendem o ensino mais conceitual em nome
da tradição em nome da cultura e em nome de se propagar os estudos da linguística. Eu defendo
uma disciplina voltada pros usos sociais da linguagem. Porque se o camarada me sai do segundo
grau lendo e escrevendo muito bem, dez a zero pra mim. Agora claro que isso não é
unanimidade. Muitos alunos discordam radicalmente. Daí se criou a discordância e a
divergência da sala de aula. Muitos são absolutamente a favor desse ensino conceitual de língua
na escola. Eu acho que eles têm a noção. Eu me lembro de um aluno que disse assim “mas se eu
não sei o que é um substantivo. eu não consigo ler e escrever” está arraigado nos alunos a ideia
que se você não sabe conceituar um substantivo. Você não aprende a ler e escrever. Você não
aprende Língua Portuguesa. É complicado. Mas eu acho que é isso em linhas gerais. Há outras
questões, eu acho que vão surgindo outras perguntas que eu acho que a gente ainda não
conseguiu amarrar um currículo pra formação de professores nessa nova perspectiva do ensino
das práticas de leitura e escrita. A gente não sabe como fazer.
A - O que seria necessário para a atuação e formação desse professor?
E1/ER – Primeiro, eu acho que talvez o que eu diga não tenha muita relevância, mas eu começo
a achar que ele teria que ter sido professor alguma vez na vida. Embora se considere isso
absolutamente desnecessário. Há um discurso na universidade que diga “não vamos amarrar.
vamos ter interdisciplinaridade”, mas é uma interdisciplinaridade equivocada. Eu sempre digo
assim “a medicina qualquer concurso que ela abra ela vai colocar sempre graduação em
medicina, porque o que dá a formação é a graduação”. Então eu sempre brinco com isso. “eu
acho que eu vou fazer doutorado em medicina” e posso. Nada me impede. Mas não quer dizer
que eu vá ser médica o que me dá a formação como professora é a graduação. Então, eu acho
que primeiro tem que ter uma graduação em licenciatura. É meio banal. Mas eu acho que não
segundo uma coisa mais serena. Eu acho que teria que ter pisado na educação básica. Veja que
não estou falando coisa intelectual. Não estou falando de formação de pesquisador não estou
falando de pesquisador. Estou falando de vivência algo que transcende a academia. Eu vejo
muito professor falando de uma escola ideal de uma escola abstrata, não da escola real. Porque
ele nunca visitou essa escola real. Ele visitou quando ele era aluno então por ele ter visitado essa
escola real como aluno, ele acha que a escola que todas as escolas são iguais a escola que ele
frequentou. E, ás vezes, ele é um professor que veio de uma escola de elite que não conhece a
escola. Eu vejo isso muito. Professores falando de uma escola que é uma escola irreal,
imaginária. É uma escola de uma torre de marfim não é o aluno real que a gente tem hoje. Vou
dar um exemplo não tem nada a ver com formação intelectual. Hoje os nossos alunos têm nos
relatado questões que talvez, que, por exemplo, se eu não estivesse estado na educação básica
até certo tempo eu diria que não é verdade. Uma vez, na minha época que eu cheguei na escola
o professor era uma autoridade uma autoridade que é no conhecimento. Uma autoridade que é o
centro do respeito que você tem. Não estou falando de autoritarismo. Estou falando de
autoridade e postura. Hoje você vê alunos nossos em salas de aulas que reclamam, porque o
aluno agride verbalmente o professor chama o professor por nomes que para mim são
impronunciáveis. O aluno que vem ouvindo o mp3, o mp4 no ouvido. Eu vi no Fantástico uma
menina fazendo isso aí, à noite, umas que começam a pintar unha, outras que começam. Enfim.
E isso não está ligado à formação de conteúdo está ligado à formação de como eu diria uma
156
formação ética. Ética e isso o professor que está aqui do professor formador que está aqui. Ele
não tem reconhecimento dessa escola real. Ele não faz a ponte com isso, porque não conhece
essa escola real não conhece essa violência na escola. Ele não conhece uma série de questões.
Então veja isso é uma questão, outra é se o professor formador teria que saber o que é a
disciplina de Língua Portuguesa hoje. Porque ela tem uma mudança de paradigma. Ele também
não sabe. Porque ele não leu as diretrizes curriculares. Ele leu a linguística e ele ensina a
Linguística. Ele ensina a linguística não interessa pra que é essa linguística. Essa Linguística
como bacharel é uma coisa, essa Linguística como professor da língua portuguesa é outra. Então
eu acho que esse nosso professor formador ele teria que ser antes de tudo um conhecedor da
escola. Um conhecedor do que é a Língua Portuguesa hoje e, tem leituras básicas que ele teria
que fazer não precisa ser um linguísta aplicado. Nem todos precisam fazer Linguística Aplicada,
mas ele teria que conhecer o que é formar um professor em Língua Portuguesa hoje e vai muito
além. Não acho que eu vou mexer nessa questão. Tenho pavor do tema transposição didática.
Me arrepia até a alma.
E1/ER - Me parece um pouco melhor porque como diria Bakhtin as palavras não vêm do
sistema da língua. Ela vem de outros discursos. Então transportar é levar de um lugar pra outro.
Essa é a significação que eu não consigo apagar e Chevallard. Ele era um matemático positivista
e ninguém pode negar isso. Ninguém pode negar a ideia dele era. Você pega um conhecimento
científico e transpõe claro, concordo. Vai falar do triângulo didático. Concordo com tudo isso.
Vai falar que tem que recontextualizar. Tudo isso eu concordo, mas eu concordo muito mais
com Althusser, que me ajuda a dizer o seguinte: “Olha gente, cuidado. Na disciplina de Língua
Portuguesa você não vai transpor conteúdos. Porque você não quer pegar os conteúdos
científicos e ensiná-los para o aluno. Você quer ensinar a prática da leitura e da escrita. Você
quer ensinar o uso, então primeiro que não é uma transposição”. A – Certo.
E1/ER - E, ideia eu acho que é uma coisa muito mais complicada o nosso professor ainda ensina
ao aluno para transportar conhecimento. Eu criei uma nova terminologia é Elaboração Didática
como a partir desses conhecimentos você constrói uma aula que leve o aluno a aprendizagens
práticas. E daí tem um detalhe, nós não transformamos esse conteúdo de ensino pro nosso
aluno. Mas como é que se faz uma Elaboração Didática? Como é que se faz? Como é que se
prepara uma aula de leitura? Como é que se prepara uma aula de produção textual? Vai fazer
isso lá no último semestre na metodologia? Não eles teriam que começar nas primeiras frases
sempre na vivência mais colada na escola real, não pra depois. Esse é o discurso da década de
oitenta. Eu me lembro que eu era professora fazia curso de professor formação de professores e
a gente muito abelhuda. Ah, tem que fazer isso, tem que mudar e tal e tal, quando se perguntava
como é que se faz. A resposta do formador é “você quer uma receita?” Não é verdade, muitos
professores querem receitas, outros não. Eles querem caminhos e eles têm razão. Se você tem
um novo conteúdo de ensino você tem que ter uma nova elaboração didática também. Daí
acontece o que está acontecendo agora e, se a gente não tomar cuidado. Nós vamos jogar toda a
noção de gêneros pro lixo. Eu acho que essas teorias ligadas a essa noção de gênero e
letramento elas mostravam caminhos para a elaboração didática, porque leitura é um contínuo
como é que eu desdobro esse contínuo agora? E a noção de gêneros me dizia como, só que não
como ela está entrando na escola.
E1/ER - Do jeito que ela está entrando na escola. A gente está objetificando a noção de gêneros.
Eu estou começando a escrever porque se a gente que é da área não escrever o outro derruba e
você não tem um método é que eu estou escrevendo uma coisa sobre as duas perigosas entradas
dos gêneros no discurso da escola a primeira é essa conceitual absoluta.
E1/ER - Então é exatamente isso. O gênero carta é uma descrição da carta se possível numa
taxonomia carta familiar carta disso.
A - Certo.
E1/ER - Mas na verdade ele vai pedir a escrita de uma carta não vai pedir o que é uma carta.
A - E os cursinhos?
E1/ER - Os cursinhos, eu quero que vão pro quinto do não sei onde, mas eu estou pautando a
minha necessidade professor da educação básica então o que vai acontecendo? São ementas de
disciplinas na escola.
A - Entendo.
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E1/ER - Pois é e onde é que a gente bate de novo? Na elaboração didática, porque ele sabe fazer
o quê? Digamos pegar um livro sobre crônica fazer uma espécie de resuminho conceitual. É a
escola enciclopedística de novo. A escola conteudística.
A - Sim.
E1/ER - Isso. Exatamente. Então G tem razão dizendo “olha aqui, a gente voltando ao ensino do
português dessa década de setenta”. Só que agora ao invés de ensinar o que é morfologia vamos
ensinar o que são gêneros. Eu concordo com ele sou obrigada a reconhecer, eu estou vendo isso
de fora a listas de gêneros pros alunos que em seguida perguntam onde é que circulam notícias.
E1/ER - O que falta é uma coisa chamada elaboração didática. Se você não ensina quando essa
noção de gêneros entra, eu acho que está equivocado. Hoje, por exemplo, quando os PCNs
dizem, mas não estou criticando os PCNs, acho que é o conhecimento que a gente eleita. Que os
gêneros são objetos de ensino e aprendizagem. E não pode ser objeto de ensino e aprendizagem.
Porque aí acontece isso ele vira objeto na minha os objetos de ensino e aprendizagem.
E1/ER - É no meio os objetos são as práticas de linguagem, é ler e escrever ler e escrever.
A - Certo.
E1/ER - E ele é um horizonte pro professor, tá bom hoje eu vou ensinar a ler A. como é que se
lê A? E então acho que essa visão é excessivamente normativista a gente vai voltar bem ao
ensino tradicional conteudista e normativista a noção de gêneros está mais normativista do que a
gramática normativa na escola. Está muito encaixadinho certinho. Olha isso aqui é uma carta
que vai isso e isso, e isso. Você não joga isso pra prática interativa, se você for ver o que
Bakhtin vai falar sobre a noção de abstração “abstrair tirar de” se você tira a noção de gêneros
na leitura e na escrita da prática social ela perde o sentido. A - Sim.
E1/ER - E hoje tem uma noção de gênero que é muito mais da produção de sentido que não está
sendo explorada. Ela tem uma dimensão reguladora e Geraldo diz que não tem. É um otimista
né? Mas ela tem uma dimensão de produtora de sentidos também a noção de gênero. Mas pra
mim o grande mal hoje do formador, fechando a tua pergunta do formador de professores é
trabalhar com a elaboração didática. É como formar um cirurgião, se você não o ensinar a fazer
uma cirurgia. Você tem que ensinar como é que se faz. Da mesma maneira que ser professor
como é que se faz a aprendizagem da didatização, mas a transposição didática eu não consigo
entender muito bem não.
A - Há quem diga, por exemplo, que vários saberes do professor são construídos na experiência
docente como que você vê isso?
E1/ER - Faz tempo que eu não leio Tardif. Mas do jeito que está a formação de professores hoje
eu acho que de fato a formação efetiva do professor está no futuro, mas eu acho que a gente
teria que mudar a formação inicial ela vai ter que ser dada na graduação porque senão não faz
sentido ter um curso chamado licenciatura. Agora eu concordo com outros pesquisadores da
área dele que muitos abominam. Enfim porque seriam ligados a liberalíssima etc., mas eu estou
convencida mesmo de que a gente tem que trabalhar não só com esses conteúdos conceituais.
Ou seja, dizer pro aluno o que é a noção de gêneros o que é a noção de letramento, mas como
esses conteúdos têm natureza mais procedimental. Nomes considerados científicos no caso a
elaboração didática é um conteúdo de natureza procedimental. Como saber fazer não saber dizer
é saber fazer o saber dizer é muito rápido, eles aprendem a dizer muito rápido o que são
gêneros. Agora, a dificuldade está em saber fazer como é que agora a partir desse conhecimento
de gêneros de leitura e de escrita eu elaboro aulas para levar alguém a aprender?
A - E como que você traçaria o perfil de um professor formador? E1/ER - Ai eu acho que isso já
estava na segunda pergunta, pra mim o professor formador ele teria que ser um professor antes
de tudo ser um professor. Não estou nem falando de uma formação talvez de uma formação de
diploma, mas o ser professor é existência dele. Ele olhar aquilo que ele ensina pros nossos
alunos da graduação pelo prisma da aprendizagem. Ele tem que ser um professor que conhece a
escola real hoje. A escola real como a gente tem que analisar como uma fábrica o que é essa
escola? Quem são esses alunos que estão hoje? O que eles precisam? O que os nossos alunos
daqui precisam? Pra onde vão? E evidentemente eles teriam que conhecer o que é a disciplina
de Língua Portuguesa hoje. Aliás, essa história de que o professor da educação básica tem que
ser professor um professor reflexivo. Uma orientanda minha, a Nara ela defendeu uma tese que
talvez ajude a gente a repensar esses discursos, mesmo na escola que você tenha todos os
158
professores com mestrado e doutorado, na hora de reestruturação curricular, a tônica que gira é
o saber fazer e não a teoria. Mas são as mesmas pessoas que, quando saem dali, vão pra
congressos apresentam trabalhos, mas é isso não entra na escola, no cotidiano da escola é o ser
professor que está lá cheio de dúvidas e não liga teoria à prática.
A – Sim. E falando em pesquisa, qual é a sua área de trabalho hoje?
E1/ER - Tirando a coordenação da pós que me consome até a alma, na verdade há um tempo eu
estava pesquisando mais as questões dos gêneros.
A - E o que isso tem trazido pra sua prática?
E1/ER - Pra mim tem trazido a questão de como formar professores de Língua Portuguesa mais
sensibilizados com o ensino da leitura e da escrita. Mas o que eu quero agora pesquisar um
pouco, que eu estou achando que faltam umas questões mais históricas, isso é, pro futuro. Eu
quero começar a ver se eu faço isso ano que vem um projeto mais digamos documental de ir a
escolas de ir a conventos que as freiras são muito organizadas e, fazer uma espécie de um
grande acervo de materiais do passado. Eu acho que a gente, por exemplo, introdução textual a
gente tem que estudar um pouquinho mais como se constitui a escrita na escola com a queda da
disciplina de retórica. Como é que se constituiu, por exemplo, essa trilogia da narração,
descrição e dissertação. Vira e mexe a gente está voltando, do jeito que a escola ensina vejo
diferença em dissertação, então acho que se a gente não consegue entender como é que se
constitui esse passado essa tradição.
E1/ER - Acho que é isso, porque a minha pesquisa sempre foi pensada mais na questão da
formação do professor, porque senão não consigo trabalhar certo.
A - Só mais uma. O que é formar um professor pra você?
E1/ER - Formar um professor, professor mesmo é trabalhar com ele a questão da elaboração
didática. Se ele souber ensinar a ler e a escrever e souber ensinar essa meninada que está hoje, aí
na educação básica a sair da escola como leitores proficientes, eu acho que a formação do
professor está feita.
A - Bom. O que é pra você, formar um professor formador pra você?
E1/ER - Esse professor que eu estou formando na graduação então? Não na pós.
A - Na graduação.
E1/ER - Pra mim é um professor que tem que saber o que é ser um professor de Língua
Portuguesa e, antes de tudo, saber preparar aulas, é ser professor, é aquilo que está faltando
hoje em dia. Na verdade, eu acho que a gente tirou da mão do professor o papel de elaborar as
aulas e foi pro livro didático e, o professor não sabe mais. Por mais que ele diga, “eu não uso
livro didático”, ele vai pegar um pedacinho em um livro A um pedacinho no livro B e um
pedacinho no livro C. E não é culpa do professor, mas é que a gente também não ensina, a gente
não tem a tradição de ensinar, porque numa disciplina conceitual você também não precisa. Ele
vai lá, pega a morfologia, é substantivo? É, e aí ele só vai fazer a transposição didática e ok.
Mas se você pensa que são as práticas de leitura e escrita, ele não vai ensinar o que é isso assim.
Não vai ensinar o que é pra aquilo, não vai ensinar o que é psicolinguística, né? Porque são
gêneros eles têm que ensinar a leitura e a escrita a partir desses conceitos.
E1/ER - Isto.
E1/ER - Eu acho que no fundo é isso, se você conseguir formar um professor que saiba preparar
aulas. Que leve os nossos alunos da educação básica a ler e escrever com proficiência acho que
está de bom tamanho.
A - Obrigada.
Entrevista de E2/EJ
A - Então é isso EJ. Nós já estamos gravando. Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua
formação acadêmica. Profissional. Quando você se formou? O curso que fez? Por que escolheu?
E2/EJ - Eu formei em V Eu fiz a graduação em Letras aqui. E depois logo em seguida saí pra
fazer o mestrado na UNESP de Rio Preto. E aí de lá eu fui pra G dar aula. Foi meu primeiro
concurso no ensino superior. Fui pra ser professora de Letras. Literatura. Dei aula durante três
anos e depois tive licença pra fazer o doutorado. E nesse meio tempo surgiu o concurso aqui em
V. Aí eu prestei o concurso aqui e terminei o doutorado há dois anos. Eu tinha formado aqui e
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gostava mais de V do que de G. Principalmente por que lá eu estava em campos avançados. No
interior de G. Não era capital. O concurso foi em G, mas a vaga era nos campos avançados em
J. A - E a sua formação inicial?
E2/EJ - Anterior? Eu estudei lá em B. Mas durante a oitava série eu prestei um teste pra bolsa na
instituição sem fins lucrativos e todos os alunos eram bolsistas. Um colégio interno. E ele tinha
uma metodologia de ensino que a gente não tinha professor em sala de aula. Você estudava.
Tinha um gabinete do professor. Recebia o módulo. Tinha a biblioteca. Tinha horário de ficar
no colégio. Mas não tinha aula. Você estudava, aí quando você sentia que tinha dúvida marcava
horário com o professor e tirava a dúvida. Quando você se sentia segura, ia e fazia a prova numa
sala com todo mundo fazendo provas diárias e diferentes. E algumas disciplinas tinham a parte
prática. Física. Acho que quase todas as aulas tinham laboratório. Tinha uma parte dos módulos
que a gente tinha que marcar o dia do experimento. A - E depois?
E2/EJ - Era segundo grau. Ele terminava o segundo grau, mas já como profissional e aí eu fiz na
área de informática. A - Interessante.
E2/EJ - E de lá eu saí pra trabalhar super nova. Trabalhava na área de informática em S naquela
época em que, anos noventa, ganhava-se dinheiro. Eu saí pra fazer o estágio na área de
informática e já fui contratada só que eu queria fazer Letras. E eu queria uma cidade
universitária, porque eu queria de novo aquela ideia de campus porque o nosso colégio tinha um
pouco de campus. Um campus enorme no local do colégio. Quadra. Lago, piscina.
E2/EJ - Não nos modos que existia. Acho que mudou bastante.
A - Interessante.
E2/EJ - Era, tinha a parte de internato e a parte de externato.
A - Muito bom.
A – Quais disciplinas você leciona?
E2/EJ - Literatura Brasileira. São várias disciplinas na área.
E2/EJ - Das origens ao Arcadismo. Modernismo. E o Seminário de Literatura que é uma
disciplina mais prática.
A - Que função você dá a essas disciplinas pra formação inicial de um professor?
E2/EJ - Como essas disciplinas, elas são obrigatórias mesmo pra um aluno de habilitação em
Língua Portuguesa e Literatura. O módulo como está organizado o catálogo aqui é o aluno
completar todo um panorama histórico da Literatura Brasileira. Então ele entra no primeiro ano
e faz das origens ao Arcadismo. Então é um conhecimento histórico, mas que no decorrer da
disciplina. Pelo menos no modo como eu vejo. Eu ensino o aluno a ser crítico do texto literário.
E isso vai repercutir depois quando ele for trabalhar isso em sala de aula. Com muita ênfase pra
pesquisa também. Pra que o aluno continue estudando. Pra que queira desenvolver trabalhos de
pesquisa sobre Literatura Brasileira.
A - Certo. E o Seminário?
E2/EJ - O Seminário principalmente. Ele é obrigatório pra essa habilitação. E ele tem só uma
aula por semana. Tem uma que é bastante abrangente porque é Seminário de Literatura e de
Língua Portuguesa. Então esse semestre, por exemplo, a gente está trabalhando com o seminário
associado aos meus estudos, às minhas pesquisas. Então a gente está trabalhando o espaço na
Literatura. E temos as aulas teóricas em que cada um vai desenvolver um pré-projeto e no final
vai apresentar um seminário em cima de uma obra literária, mas estudando o espaço nessa obra.
A - E o Modernismo?
E2/EJ - O Modernismo. Aqui nós tínhamos antes o Modernismo I e II. Atualmente, futuramente
vai passar a ser só Modernismo, porque todas as outras disciplinas eram brasileiras I, II e III,
quando chegava ao Modernismo quebrava. Aí nós padronizamos. Por enquanto eu ainda estou
dando aula no Modernismo um que ainda existe no catálogo que é principalmente a década de
vinte e trinta. Então os alunos estudam questões históricas ligadas ao Modernismo. Questões
políticas ideológicas principalmente as poéticas de Mário e Oswald de Andrade.
A – Como vocês trabalham o aspecto do ensino voltado para a formação do professor?
E2/EJ - Olha A, isso pra mim é preocupação recente, porque depois que eu voltei do doutorado
é que eu tenho repensado as minhas aulas. Porque eu acho que ser formador, no que diz respeito
à Literatura, é mais pra leitura crítica do que pra o ensino de Literatura. Tanto que a gente via. A
única parte que a gente relacionava no curso de Letras. Pelo menos é o que eu imagino e os
160
meus colegas da minha época também. E que a gente tinha como licenciatura aquelas
disciplinas de pedagogia. Como se licenciatura fosse aquilo ali e, tirando aquilo ali, a gente
estaria fazendo um curso de bacharelado como qualquer outro e depois que eu voltei do
doutorado é que eu tenho pensado nisso. Então tenho pensado em rever a prática com texto
literário pra que o aluno tenha condição de explorar o sentido do texto. E, num segundo
momento, a gente chegar no foco, na estrutura. Naquela coisa que a gente fala que se a gente for
discutir entre forma e conteúdo. Pra mim. Eu acho que o aluno tem que ser capaz de lidar com o
conteúdo pra que ele seja um bom professor, porque isso fica muito varrido pra de baixo do
tapete no ensino de literatura.
A – Certo.
E2/EJ - A gente tem repensado muito a grade curricular. Ela está em reforma já há bastante
tempo. Tem tanto que o aluno tem três ou quatro catálogos. Se a gente for olhar as turmas cada
uma com um catálogo diferente. Mas nós ainda não chegamos num ideal.
A - Entendo. Agora, que saberes são necessários para a atuação e formação do professor
formador?
E2/EJ - Na minha área eu acho que eles serem um bom leitor. A primeira coisa tem que ser
leitor, gostar de ler e ter vontade de aprender porque se familiarizar com a Literatura. A obra
literária e ensinar a ser leitor. Acho que nunca se esgota. Não acaba. Não tem um manual, por
exemplo, é uma disciplina que você não tem um manual. No mínimo você pode usar uma
história da Literatura. Mas essa história também vai recortar tanta coisa. Vai falar da história da
política. Eu acho que ele tem que ser acima de tudo um leitor.
A - Tardif afirma que vários saberes do professor são construídos na experiência docente. Como
você vê isso?
E2/EJ – Sim, à medida que você vai ensinando você aprende também. Aprende muito até. Eu
estou refazendo um monte de coisas. Um monte de ideias. A - E os alunos?
E2/EJ - Eu acho que a gente aprende a ensinar, também porque cada turma é diferente. Se você
der a mesma disciplina pra uma turma e você tem que ter metodologias. Às vezes, até adotar
textos diferentes porque não repercute.
A - Como que você traçaria o perfil de um professor formador?
E2/EJ - Um professor que gosta de ensinar. Que gosta de ler. Que gosta de estudar.
A - Qual é a sua linha de pesquisa?
E2/EJ - O que eu estou fazendo atualmente e, principalmente é estudando o espaço na
Literatura. Com um grupo de estudo formado por alunos de. Daqui do departamento
interessados em estudar Literatura e alguns professores da Arquitetura. Mas tem uma professora
da História que também está fazendo paralelamente um tour. A - Espaço físico?
E2/EJ - Espaço físico, espaço ficcional. Espaço como rede de relações ou então espaço urbano
porque o espaço urbano não é naturalmente físico é um espaço de relações sociais. Então tem o
espaço do ponto de vista da Antropologia. O grupo é pequeno, mas ambicioso. Então a gente se
interessa por muita coisa sobre espaço, mas pra trazer pra análise do texto literário.
A - E como que isso pode ser útil. Você tem a preocupação da utilidade disso pra formação dos
alunos?
E2/EJ - Eu acho que é bom porque a gente fala do mundo como que a Literatura fala do mundo.
E aí eu poderia ter escolhido outra porta de entrada, mas eu escolhi o espaço. Poderia ser o
narrador porque o espaço não está dissociado, quando a gente estuda uma obra literária ele tem
relação com o narrador com o tempo, com o enredo. E se ele é funcional ele não é de fundo
apenas. Mas eu comecei a estudar o espaço na consciência da importância do espaço. Então eu
me interessava pelo espaço pra voltar pro texto literário e a gente voltar pro mundo.
A - E o que é pra você um professor formador? Como que você traça esse professor? O perfil?
Como que você descreve o professor formador? O que é formar um professor formador? Mais
precisamente. O que é formar um professor?
E2/EJ - Pra mim essa pergunta é muito nova. É nova pra mim mesmo porque eu me pergunto
se eu sou formadora. Acho que talvez tenham uns meses só. Sobre isso conversando com os
alunos em sala aí sobre essa reflexão de que será que eu estou sendo eficiente para o aluno que
está ali, para o que ele veio fazer. O que é o que a gente tem pensado sobre a nossa grade
curricular não é eficiente pra proposta pedagógica nossa. E aí como a gente está nessa fase de
161
discussão e qual é o perfil do aluno que nós queremos? Qual é a nossa proposta pedagógica
porque ela é bem recente mesmo e se você conversar com a E coordenadora ela vai te explicar
que os catálogos mudaram muito. Desde a época que eu entrei aqui. E eu cheguei em dois mil e
quatro.
A - E você me diria com a preocupação de todo o departamento?
E2/EJ – Não, só é do grupo da Literatura, está restrito. Não é de todos porque nós estamos com
um professor de brasileira um de português e um de ensino, mas isso é uma preocupação que eu
vejo da comissão de ensino da qual eu faço parte com a W que é da Língua Portuguesa e da
Linguística e gente tem conversado muito sobre isso pra definir qual é o perfil do aluno que a
gente quer formar.
Entrevista de E3/EC
E3/EC - Eu vou falando cada uma e vou respondendo?
A- Então vamos lá. Eu só vou ler a pergunta. Conta como que foi sobre a sua formação
acadêmica profissional, onde você se formou o curso que você fez, e porque escolheu ser
professora?
E3/EC - Eu me formei na Universidade Santa Úrsula no Rio de Janeiro em oitenta e seis e logo
depois eu fiz o concurso como professora do estado no Rio do Janeiro. Trabalhei como
professora do estado durante dois anos no Rio e depois eu me casei e vim pra cá. Aí eu comecei
aqui como professora do estado de Minas, mas como substituta e trabalhei aqui também alguns
anos. Uns dois anos como professora substituta no Effie Rolfs, no estadual no grupo Coronel
que a gente chamava o grupo da praça e no Carmo. E depois, eu ofereci um curso de redação
chamado Escrevivendo durante um ano. Aí depois meu marido foi fazer mestrado em Niterói.
Aí eu fiz um curso de especialização em Língua Portuguesa em Niterói aí retornei, retornamos
em 94. Foi quando eu comecei aqui em noventa e cinco, como substituta, aí trabalhei um ano
como substituta e depois entrei como efetiva em noventa e seis.
A- Você é carioca? E3/EC - Sou de Teresópolis.
A- E sua formação básica. Você fez onde?
E3/EC - O ensino fundamental e médio? Eu fiz normal, tudo em Teresópolis. Fiz o Normal num
colégio religioso lá no São Paulo.
E3/EC - Toda a minha toda a minha formação foi em escola particular. Aí no ensino médio eu
fiz o Curso Normal pra ser professora.
A- Certo. Com quais disciplinas você está trabalhando na graduação?
E3/EC - Eu trabalho com Let 102 e Let 103 - Leitura e Produção de Textos e, agora com
Estágio Supervisionado, Leitura e Compreensão de Textos.
A- Que função você dá nessa da formação. Você dá a elas essas disciplinas na formação inicial
do professor?
E3/EC - Essas disciplinas são básicas na formação do. No geral de qualquer profissional. E mais
especificamente no profissional na área de letras porque a gente trabalha na leitura e produção
de textos mais um enfoque maior na leitura e compreensão. Então a gente trabalha com os
alunos, consolidando a formação deles. Quer dizer, eles já trazem do ensino médio uma
formação como leitores. Mas a gente vai aperfeiçoando e direcionando para a formação deles
como profissionais na área de letras então todo o conteúdo dessas disciplinas. Ele é voltado pra
formação. Então eles vão ao meso tempo que vão consolidando o conhecimento que eles já têm
sobre leitura e compreensão eles vão observando várias questões como estratégias de leitura e
várias outras questões para atuarem como profissionais na área e Let 103 o enfoque maior é em
produção textual da mesma forma consolidando e aperfeiçoando a toda essa a prática em relação
à produção textual.
A- Eles podem atuar a partir de qual série do ensino básico?
E3/EC - A partir da quinta série. E pode atuar também na de primeira a quarta. Eu acho que sim.
A princípio eles escolhem a partir da quinta, mas eu acho que sim. Sabe por quê? Porque antes
existia o normal e hoje é o chama normal superior, mas não é mais no ensino médio.
Antigamente era no ensino médio que quer dizer eu tinha a habilitação pra poder dar aula do pré
até a quarta série. Hoje não, hoje você tem o Normal Superior. Mas eu acho que se o professor
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de Língua Portuguesa quiser atuar também de primeira a quarta série. Acho que ele pode. Não
vejo impedimento. Nada impede que ele atue também que ele possa atuar de primeira a quarta
A- E que saberes seriam necessários pra formação e atuação do professor formador?
E3/EC - Eu acho muito importante esse professor formador, ele ter conhecimento como
profissional na sua área. Então ele já ter atuado no ensino público e particular, ou só público, ou
só particular, mas no ensino, tá certo? Fundamental e médio então ele vai trazer para o meio
acadêmico essa experiência e, logicamente atrelar essa experiência à formação dele que é uma
formação continuada. Então ele sempre faz uma especialização, faz um mestrado, faz um
doutorado faz um pós- doutorado está sempre envolvido com a pesquisa no meio acadêmico.
Mas eu acho que esse professor ele tem que ter, minimamente falando. Não precisa ter anos,
mas pelo menos uma experiência mínima no ensino médio e fundamental pra ele poder dizer o
seguinte “olha eu estou trabalhando com isso, mas eu já trabalhei dessa forma e isso dá certo.
Isso não dá certo. Eu acho que o caminho é esse, ou então poderia ser esse”.
A- E isso acontece.
E3/EC - Eu trabalho, quer dizer, a minha orientação quando eu entro em sala de aula.
A- A universidade exige isso?
E3/EC - Não, exigir não exige. Mas eu acho que, por exemplo, quando você tem um bom
desempenho numa prova de didática já evidencia se você tem, se você já teve experiência antes.
Pode até ser numa outra universidade particular ou pública. Mas evidencia uma aula, a prova
didática já evidencia se você já deu aula em outro lugar senão você não consegue você não tem
aquela dinâmica da sala de aula. Eu acho que se não é completamente, é em boa parte,
entendeu? Mas você percebe quando um professor entra em sala de aula, você percebe se ele
tem experiência pelo menos nessa prova didática. Assim minimamente você percebe.
A- Há quem diga, por exemplo, Tardif mesmo é uma pessoa que faz isso. Que vários saberes do
professor são construídos na experiência docente. Como que você vê isso?
E3/EC- Eu acho que uma coisa é você, é a sua formação teórica que você vai aperfeiçoando
durante toda a vida e, outra coisa é como se aplica isso, certo? E só a experiência pra dizer se
realmente essa aplicação ela é eficiente ou não. Então se você não tem experiência como é que
você vai orientar uma prática sobre produção textual, se você nunca teve experiência dentro de
uma sala de aula com produção textual? Então eu acho que isso é complicado.
A- Como você traçaria o perfil de um professor formador?
E3/EC - O professor formador eu acho que deve reunir essas duas questões a experiência dele,
pra ele formar, eu acho que ele tem que também vamos dizer, se utilizar dessa experiência dele
que ele foi acumulando durante anos e, logicamente essa formação a partir da experiência. A
formação técnica que também o professor formador ele vai observar as aulas, né?Vai dar toda
uma orientação dentro da sala de aula, a partir da experiência dele e do que ele sabe em relação
aquele conhecimento. Não adianta ele falar assim “isso não dá certo e então você vai por esse
caminho”. Mas se ele não tem essa, se ele não conhece a forma que poderia ser proposta uma
forma mais eficiente, então acho que é a reunião dessas duas coisas a experiência dele que vai
fazer com que ele perceba se vai dar certo ou não e se não der certo como é que ele vai poder
orientar para que dê? Então essa formação técnica que vai dar o suporte em relação à questão da
prática.
A- E agora qual é sua área de pesquisa?
E3/EC - Hoje eu trabalho com a divulgação científica a Análise de Discurso voltada pra
divulgação científica então eu trabalho com as informações sobre transgênico na mídia
impressa. Trabalho com mídia impressa e com a divulgação. Agora estou trabalhando com a
divulgação on line também. Então, num primeiro momento, eu trabalhei com os transgênicos na
mídia impressa brasileira e, depois eu passei a trabalhar com a divulgação científica na Veja.
Depois eu passei a trabalhar com a divulgação catástrofe do terremoto do Chile, porque pra você
divulgar uma catástrofe, primeiro você noticia o fato pra depois trabalhar, dar pro seu leitor
informações de caráter científico. Então eu estou analisando isso agora com os alunos de
iniciação científica e os meus dois orientandos de mestrado. Um está fazendo sobre a
divulgação na Superinteressante sobre temas relacionados a tabu e temas referentes aos órgãos
genitais femininos e masculinos. E a L está fazendo uma análise na mídia, na impressa geral
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sobre os temas que apareceram, durante uma semana, temas gerais na divulgação de ciência e na
Folha de São Paulo e no Estado de Minas, certo? Sobre temas gerais.
A- E qual a importância dessa pesquisa para a formação do professor?
E3/EC - Eu acho que ela é importante porque os temas de caráter científico em geral, o público
leitor ele não se interessa muito. Ele se interessa pelos temas mais próximos do cotidiano dele
nessa questão política economia dia a dia e a ciência. A gente tem essa idéia de que a ciência
num primeiro momento nós não estamos interessados em ciência. Só se for uma descoberta
muito interessante, mas a ciência a gente está percebendo que ela perpassa todas as sessões. Ela
tem uma seção específica em certos jornais, mas ela perpassa por todas as seções. Então as
pessoas têm uma ideia um tanto equivocada em relação à ciência, a divulgação da ciência na
mídia impressa. Em geral as pessoas têm uma visão equivocada, porque são só determinadas
questões que são noticiadas numa seção específica. Tanto que fiz uma pesquisa na Veja e
verifiquei que a informação científica perpassa várias seções revista, não só na seção de
ciências.
A- Então pro professor.
E3/EC - Então pro professor é importante. Por quê? Porque ele vai trabalhar com o aluno um
texto de divulgação científica, até então o professor leva pra sala de aula textos informativa,
opinativa e não leva textos de divulgação científica. E eu acho que ele deveria levar também.
A- Que é formar professor pra você?
E3/EC - Eu acho que formar professor é eu tenho até uma palavra eu gosto muito de trabalhar
com essa minha turma de estágio é informar é formar informando, sabe? É formar o professor
informando sobre diversas questões em relação a questão da experiência, em relação a questões
teóricas, em relação a questões práticas, o que funciona e o que não funciona. A relação do
teórico com o prático, então eu acho que a formação. Ela tem que passar por tudo isso, não só
você ficar preocupada em transmitir aqueles conhecimentos mais específicos e relacionados a
questões mais técnicas.
A- Isso é um consenso aqui no departamento?
E3/EC - De maneira geral eu acho que sim. Nós temos feito. Ainda mais agora com a visita do
MEC nesse semestre nós tivemos várias reuniões e eu acho que sim, sabe? Especialmente nós
quatro professores de estágio que estamos agora nós temos tido várias reuniões então eu acho
que isso é um consenso que nós temos nessa uma preocupação com a formação desse
profissional. E eu acho que em V nós temos uma coisa única nas universidades públicas, nós
temos o aluno dentro do departamento. Como nós temos as salas de aula aqui o aluno está vinte
e quatro horas com a gente aqui, então isso é uma coisa importante. Então o aluno, por exemplo,
“tenho dúvida nisso tenho dúvida naquilo, como é que eu faço isso, como é que eu faço aquilo.”
Entrevista E4/EM
A- Estamos gravando EM.
E4/EM - Bom, pois é.
E4/EM - Bom. Vamos lá. Minha formação. Acadêmica e profissional. Onde que eu me formei.
Eu me formei na graduação aqui na UFMG. Em noventa e dois. É isso. Fiz Letras. É isso é.
Você está querendo saber a formação inicial?
A- Na verdade eu gostaria que você começasse lá na sua primeira escola.
E4/EM - Ai meu deus do céu. Olha só. Ele oh. Escola. Jardim da infância.
A- você é de onde? Você é de BH?
E4/EM - Sou de TO.
E4/EM - Jardim da infância. Eu tinha bem uns. Mil novecentos e setenta e três.
E4/EM - Jesus Cristo! Depois escola pública. Essa é uma escolinha de fundo de casa mesmo.
Onde eu fui alfabetizada. A- Sim.
E4/EM - Fui alfabetizada no jardim de infância. Aí, foi o primeiro até a oitava série. Não,
primeira à quarta. Foi uma escola que inicialmente em T O era uma escola de freiras. E depois
as freiras foram embora e o estado ficou. Aí era de primeira a quarta. E depois de quinta até o
terceiro ano também escola pública. Estadual. Na verdade todas duas era escola estadual. Aí
depois, eu vim pra BH pra fazer vestibular. Por que eu resolvi ser professora? Olha. Eu falo isso
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pros meus alunos. Eu não sei. Porque assim, tem essa coisa da escola. Por exemplo, eu me
lembro da arquitetura da escola de primeira a quarta. Era uma escola antiga de portas e janelas
enormes. Sabe, era uma escola daquela de freiras mesmo, onde a gente tinha um espaço assim.
Que era bem misterioso. Porque era o lugar das freiras e tudo. Mas escola enorme, linda e
maravilhosa. Mas as práticas, que eu assim, tenho poucas lembranças assim realmente. Sei lá.
Assim. Por exemplo, eu escuto meu marido contando o que eram práticas de leitura e que ele
viveu. Sabe, e eu não me lembro de livros que eu li. Eu não tinha livros. Sabe. Muitos livros pra
ler. Eu lembro que eu comecei a ler livros mesmo. Na quinta série, pela escola. Mas eu sempre
gostei da escola. Mas assim. Experiências significativas mesmo. Igual excursão. Nem pensar,
jamais. E assim. Livro didático. Caderno. Giz. Cuspe e giz. E os meninos todos bonitinhos na
sala de aula. E assim. Na verdade eu tive uma escolarização regular dentro do tempo. Nunca
tomei bomba. Mas assim, as escolas eu acho que poderia ter sido muito melhor. Artes, aula de
artes. Eu questiono, nunca tive nenhuma técnica interessante. Eram umas coisas assim, faça um
desenho. Ou então fazer nada. Sabe?
E4/EM - Eu acho que comecei inclusive a me interessar pela Literatura muito mais por práticas
em casa porque, eu me lembro de uma irmã que comprou, começou a comprar livros lá pra casa.
Não tinha muitos livros lá em casa também. Mas essa minha irmã começou a comprar. Ela
comprava e lia os do Abril. Na banca. E a gente começou a ler. Começou a ler e eu fui pra esse
lado de Literatura. Eu tinha vindo pra cá pensando em fazer, sei lá Odontologia. Uma coisa
mais rentável pro futuro. Todo mundo, meu pai mesmo falava “Nó que horrível meu Deus do
céu. Por que Letras, minha filha? Sabe assim?” Mas aí fiz graduação. Trabalhei na Prefeitura.
Logo depois teve um concurso e eu passei. Entrei pra Prefeitura de BH. A- certo.
E4/EM - Eu acho que esse tempo também teve uma formação. De certa forma, né. Ainda que
não seja acadêmica. Mas, por exemplo, a Prefeitura quando eu entrei estava em plena discussão
da escola plural. Coisa assim que eu falei. Meu Deus! O quê é isso? Eu acabo de sair de uma
escola. Chego aqui encontro outra completamente diferente assim. Uma avaliação diferente. Pra
eu não dar bomba era uma coisa assim. Que isso? Pode? Isso pra mim era impossível cogitar
entendeu? A - Sim.
E4/EM - Então. Esse processo de desnaturalização da instituição escola. Na hora que eu fui
trabalhar eu já comecei a questionar muito das práticas que eu tinha vivido. Então, eu queria
fazer mestrado. E era pela Literatura. A- certo.
E4/EM – Aí comecei a dar aula na periferia e tudo. A- Você começou a dar aula em que série?
E4/EM - De quinta a oitava. Ensino médio também depois aqui em BH. Comecei a dar lá e
depois fui chamada aqui. E comecei a trabalhar com teatro em sala de aula. Com os alunos de
língua materna. Cânones literários. É trabalhei, desde sei lá, Machado de Assis a Shakespeare. E
a literatura universal também. E aí fui, entrei por uma substituição aqui na educação. Então eu
tive uma experiência docente.
A - Fale um pouco sobre o resultado desse trabalho com teatro.
E4/EM - Pois é. Bom. O resultado pra mim na época era muito bom porque eu via os meninos
atuarem um texto que a proposta do projeto era o seguinte. Eles leriam e fariam as modificações
que eles achavam pertinentes. Pra ficar uma coisa mais. Entendível mesmo Na época o que eu
queria era isso mesmo. Assim que a gente, nosso público seriam os colegas.
A- Certo. E4/EM - Então assim. A gente ia ler o texto.
A- Que também tinham lido?
E4/EM - Não. Era uma turma só. Uma turma só. O nosso grupo. No final do semestre seriam os
outros colegas da escola. Então a gente pensou a leitura a partir desse público. E como que
aquele texto seria uma forma Como que a gente podia contextualizar melhor algumas partes.
Será que a gente trocava algumas coisas da linguagem? A- Sim.
E4/EM - E aí a gente fazia isso com o texto. A gente fazia uma leitura conjunta. E na hora que
eles começavam a ler. E eu percebia que eles não estavam entendendo o que eles estavam lendo.
Eu parava e tentava mediar. A- Certo.
E4/EM - Aí eu parava e tentava explicar o que estava acontecendo naquela hora.
E4/EM - Aí muitas vezes eles traziam. Ah, então. Então vamos falar isso então desse jeito.
A- certo.
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E4/EM - Aí o texto, traduzindo digamos assim para o que eles achavam mais contextuais. E a
gente mexeu desde pronome tu e vós passaram pra vocês. Principalmente a segunda pessoa. E
algumas palavras. Sempre algumas. Muitas enunciações, expressões. Então foi esse o trabalho
da linguagem que teve. Aí eu fui fazer mestrado em cima disso. Optei pela questão da análise do
discurso mesmo, interação de Bakhtin. Só trabalhei com polifonia e questão de voz. Só, né?
Só enunciação.Significação. Termo. Fui tentando ver o que tinha acontecido com aquele texto,
né. Aí. Aí foi quando eu te falei que eu ia pra C e voltava né, amiga. Com filhinhos de três anos,
um de sete. E o coração rasgando assim.
E4/EM - A estrada ainda estava maravilhosa, estava em reforma. Quando chegava a Três
Corações o ônibus sacudia todo. Falava assim: deve ser um inferno esse lugar aqui. Mas quando
chegava lá em C era ótimo. Nossa. C eu achei muito bom.
E4/EM - Eu não me sei não sinto na USP o que eu sentia lá em C.
E4/EM - Eu me sinto muito em casa no campo. Acho que até pelo tempo que eu fiquei lá, né.
Dois anos. A- Sim.
E4/EM - Eu acho que é uma produção do pessoal da Linguística Aplicada ali. Ah, eu acho é que
eu estou falando. Puxando o saco.
E4/EM - Mas eu estou aqui. Estou super feliz de estar aqui também.
A - Isso é bom!
E4/EM - Eu estou no lugar que eu saí. Eu saí daqui e já tinha feito algumas disciplinas. E eu
tentei a prova aqui. Não passei. Passei lá. A- Entendi.
E4/EM - E eu fui, entendeu? Eu acho que se eu tivesse passado aqui eu teria ficado, mas talvez.
Sei lá. Eu acho que teria sido um percurso completamente diferente do que eu fiz.
A- Com certeza.
E4/EM - Eu não sei se seria pior, mas eu acho que sair é sempre legal. Ter um conhecer de
instituições diferentes. E eu acho que isso é importantíssimo na formação do professor. E você
tem que pensar nisso não só academicamente. O professor conhecer outros lugares. Conhecer
outras experiências.
E4/EM - Bom. Aí eu voltei pra cá. Tive o doutorado aqui. A- certo.
E4/EM - Professor Hugo Mari que me orientou.
A- Análise do Discurso?
E4/EM - Continuei na Análise do Discurso. Aí eu trabalhei. Pois é. Eu trabalhei com, como é
que chama? A- Atos de fala?
E4/EM – Não, foi com interações de professores formadores diante de questões de inclusão.
E4/EM - Gravei a interação e analisei a interação dos professores. Quer dizer. Estudei primeiro
com aluno e depois foi com professores.
E4/EM - Vai fazer vinte anos em dois mil e doze. Dezoito anos. Não é isso? A- Sim.
E4/EM - É importante que você trabalhe com graduação e Práticas de Ensino. A- sim.
E4/EM - Bom. Que função você dá a ela na formação inicial do professor? Ah depende do
curso. Dependendo do curso ela é o lugar de formação. Eu acho que até, agora aqui, por
exemplo. No curso aqui na faculdade das Letras já tem um. Um lugar estabelecido de formação.
Mas com Linguística Aplicada também. No currículo aqui das Letras. Porque eu sou professora.
Eu trabalho com o curso de graduação aqui nas Letras.
A- E aí como que se dá esse trabalho? Na sua disciplina, fala um pouco mais disso.
E4/EM - Na minha disciplina, então é na hora que eles chegam. Trabalham no memorial.
Porque eu tenho, porque eu preciso conhecer esse aluno. E a gente se conhece um pouco. E eu
trabalho no memorial também com imagens que ficaram deles das apresentações escolares. E
eles já estão pouco mais vividos. Eles chegam mais ou menos no sexto período, agora vão
chegar um pouquinho mais cedo. No início do quinto. Agora no currículo novo. A- certo.
E4/EM - O estágio tem dois anos. E nós estamos numa transição, mas o movimento é muito em
cima desse trabalho.
A- Dois anos?
E4/EM - É. Aliás, um ano e meio. Ele pode ficar ainda por causa de tempo de carga horária que
ele nunca consegue fechar. A- certo.
E4/EM - O tempo de cumprir horas em escola agora é bem maior.
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E4/EM – Então, ele pode ter esse tempo de conhecer, de refletir um pouco sobre a interação,
dentro da macro estrutura.
E4/EM - Como é que fala? Da escola.
E4/EM - Do posicionamento pedagógico e administrativo da escola.
E4/EM - Porque eu trabalho com alguns roteiros. Com portfólio, os registros escritos. E com
relatos mesmo. Trabalho de campo. A- certo.
E4/EM - Então eu tenho essa prática. Eles vão pra escola pensando já em o que eles vão pensar.
A gente tem as opções dos colégios de aplicação daqui. Ou no centro pedagógico. O que a gente
tem tentado trabalhar, assim. Então tem essa coisa de pensar um pouco aqui. Quem somos nós
aqui e depois pra onde vamos. Essa escola. Que escola é essa? Que escola é aquela? E a gente
dá liberdade. Se tiver uma escola do lado da casa dele que o receba. Porque não são todas as
escolas que recebem. E aí, vamos assim. Aí quando não recebe a gente traz pra cá. Então ele
procura. Esse primeiro momento de escola é aberto. A- certo.
E4/EM - Mas ele tem sempre esse tempo lá de conhecimento da escola. E aí depois a gente
volta de novo e pensa um pouco sobre a interação em sala de aula. Aí eles voltam. E aí já
voltam pra sala de aula especificamente mesmo, pra acompanhar. E aí vai ter esse professor aí
como parceiro. A- certo.
E4/EM - Pelo menos é o que a gente tenta construir. Porque também não é muito fácil.
A - Sim.
E4/EM - É necessário. Se bem que eu acho que eu tem andado muito, agora. E depois a gente
volta e faz o workshop ainda. Eles fazem o workshop entre eles de uma apresentação de uma
atividade relacionada ou não ao estágio, e aí encerra. E tem aquela coisa, tem aquela coisa que
você sabe de observação, de avaliação de material didático e análise do discurso dos alunos e
das apresentações. Mas assim e aí o difícil realmente é fechar. Porque tem assim o espaço do
estágio. É o espaço do tudo. Você pode fazer quase tudo que você quiser Fonética e Fonologia
ou Análise do Discurso. Vai depender muito do diálogo seu com o professor lá. Isso porque
com o professor de estágio não é fácil. Até porque você tem que saber também de fonologia. É
interessante a história de análise do discurso. Como que os alunos vão aprender.
E4/EM - É porque a gente pensa. Muitas vezes a gente pensa mais em produção textual.
E4/EM - Leitura. O que mais? Da minha disciplina? Que função você dá a ela na formação
inicial do professor.
A- O que você quiser falar. Nós estamos aqui pra ouvir.
E4/EM - É isso que eu estou falando. Depende do curso também. Mas eu acho que é
fundamental. Assim. Nessa minha disciplina a formação inicial, eu adoro pegar aqueles que
nunca tiveram em sala de aula. Porque tem uns que já deram aula particular. Se falar então que
não gosta de aula e sair daqui falando que adora dar aula pra mim é um delírio.
E4/EM - Prato cheio. Mas envolve de tudo, inclusive nas Letras até hoje não existe essa
babaquice de falar: “Ah não gosto de Literatura, não vou mexer com ensino”.
E4/EM - Mas eu adoro mexer com ensino.
E4/EM - Bom. Quais saberes seriam necessários para a atuação do professor formador? Nossa.
Pra ser formador eu acho que primeiro. Uma das primeiras questões assim que eu acho. Nessa.
Na hora de pensar nesse professor formador é uma dimensão ética, assim. Da subjetividade ao
professor eu acho que é a primeira coisa assim sem dúvida sabe. Se a gente for achando que a
gente tem que mudar ali a prática não adianta a gente pode dar exemplo, a gente pode construir
junto. Mas mudar porque aí a gente muda junto o próprio formador já vai transformando junto
com a própria prática de formação. Mas acho que a primeira coisa é pensar que aquele sujeito
ali ele tem, algumas situações que ele vai negociar algumas situações que ele vai inovar e tem
algumas situações que ele vai falar. Olha, eu também sou assim, sabe assim uma quer dizer. Eu
acho que ele pensa também numa avaliação assim porque um professor de Língua Portuguesa
sempre fala. A minha Língua Portuguesa eles estão querendo acabar com ela e aí você fala com
o professor na hora, isso é uma babaquice.
E4/EM - Isso não existe você pode até ficar aí falando isso, mas não vou falar isso com a
professora ela está lá na sala dela ensinando a língua, está sei lá. A- Essa questão do Monteiro
Lobato, agora.
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E4/EM - Essa mídia está cada dia mais forte, a mídia acha que eu ainda queria dar essa
entrevista pras grandes câmeras, acabando com essa imprensa com esse tanto de heresia
brasileira nossa está nojento, nojento e muito triste.
E4/EM - Bom agora como eu traçaria o perfil de um professor formador? Aí acho que a minha
resposta, nem precisa perguntar. A- Sei.
E4/EM - Nossa que difícil o perfil de um professor formador engraçado vamos pensar aqui.
Quando eu estava na prefeitura eu fui chamada para trabalhar na secretaria como formadora de
professores, então não sei se você está perguntando aqui só da academia ou é geral?
A- Não, do professor formador. Ele vai trabalhar ele pode trabalhar em diversas frentes o meu
foco é o da academia e eu sei onde encontrá-lo, mas se você atuou numa outra frente.
E4/EM - Eu atuei na prefeitura, agora eu tenho focado na questão de formação de professores de
língua na educação de jovens e adultos. Isso é uma coisa que eu tenho tentado. É preciso fazer a
pesquisa. A- ah sim, essa é a sua área.
E4/EM - Sabe o que acontece? Tem hora que eu acho que eu estou atirando pra algum outro
lado entendeu? E que a gente precisa ficar paradinho. Tem que focar ali porque nosso trabalho é
muito tudo é muito tudo é muito e, a gente gosta de tudo. A- Sim.
E4/EM - Então agora eu estou tentando realmente. A questão da formação inicial pontuou isso
também pra trabalhar então a gente trabalha aqui com os professores da universidade formando
professores do ensino, e aí os professores trabalham com ensino médio, com ensino e, eu estou
mais na gestão. A- Sim.
E4/EM - Na educação de jovens e adultos eu estou trabalhando uma questão mais Metodológica
mais no dia a dia acompanhando. Vai e volta. Hoje mesmo eu tenho uma reunião, é daqui a
pouco. Então eu estou pensando aí na educação de jovens e adultos.
E4/EM - Agora o perfil desse formador. A- Como você definiria um professor formador?
E4/EM - O quê que eu sou? É isso? O quê que eu estou fazendo. O quê que eu sou. Bom o perfil
de um professor formador.
E4/EM – Olha, eu não sei, se assim... Eu acho que há a necessidade é engraçado, eu fico sempre
pensando até que ponto que tem a necessidade de ir à escola pra aprender, de ter vivido, por
exemplo, o uma escola pública ou particular de ensino fundamental e médio para ser formador.
Porque tem, por exemplo, tem formador aqui que não vão à escola e, já vão direto ser
formadores. A partir das reflexões, que eu acho que hoje é até possível, porque tem o campo de
pesquisa hoje. Então voltado pras questões metodológicas mesmo. Então a sala de aula e essa
questão da interação que até é possível esse entendimento sem até ter passado, necessariamente,
por exemplo, mas é que eu acho que assim. Sem uma reflexão mesmo, sabe? Um
distanciamento, depois de uma prática. O professor formador eu acho que ele tem que ter essas
duas vivências, sabe? Dele lá professor e professor agora como pesquisador e o que é esse
professor que eu estou indo formar, sabe? E quais são as teorias que me ajudam. Quais são as
pesquisas que me ajudam.
A- Sim, essa é uma pergunta bastante ampla então você tem várias entradas, mas tem alguma
coisa que você acha essencial. É dessa essência que eu quero que você fale, entendeu? O que
pra você é fundamental.
E4/EM - ah fundamental, nisso? Você quer um cafezinho?
A- Não, obrigada. Mas era bom se você ligasse o ventilador.
E4/EM – Ventilador, ah então vou ligar, vou abrir um pouco aqui também, está abafado aqui.
E4/EM – Bom, mas acho que é isso, o professor ele tem que saber escutar e, eu acho que ele
tem que saber falar também. Ele tem que saber negociar, né? Com o professor que ele está
formando. Ele tem que saber construir, né? Como construir uma prática junto com ele. Acho
que esse perfil eu acho que é uma coisa importante. Estar sempre se atualizando, o nosso perfil
do professor formador a gente vê aqui né, desde a educação a distância, loucura né? Como
interagir com esse formando?
A- Isso nós estamos falando de licenciatura de Língua Portuguesa né. E4/EM - ah tá.
A- Um professor que vai assim pro alfabetizando, que vai ensinar a ler que vai ensinar a
escrever, como que ele é formado? Como que vocês trabalham aqui?
E4/EM - Eu não eu não trabalho com a Pedagogia, eu trabalho com a licenciatura.
A- E a Pedagogia ela ensina o quê, pro professor que vai ensinar Português?
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E4/EM - Não, ele atua na maioria das vezes como professor de primeira a quarta série.
A- Certo. E4/EM - Ele atua como professor.
E4/EM - Alfabetizador nossa fundamental e vice e versa né. O letramento a coisa do letramento
também. A- Sim.
E4/EM – Não, sem dúvida, hoje o professor que está trabalhando com o ciclo, por exemplo,
com o terceiro ciclo. A- Sim.
E4/EM - Ele não tem condição inclusive, porque os meninos que não dão conta têm que esperar.
E vai ficando na escola e ele tem que lidar com essa situação. A- Certo.
E4/EM - É eu acho que devia ser assim também. A dimensão anunciativa a dimensão da
produção textual ele tem que estar lá desde o começo. A- Concordo.
E4/EM - Ela tem porque você não fala fora de texto. E4/EM - Não, tinha que ter um diálogo
muito maior, não é? A -Sem dúvida. O que é formar um professor? E4/EM - Eu acho que se eu
conseguir colocar pelo menos um tanto de caraminhola um tanto de pergunta na cabeça dele,
esse professor de formação inicial. Eu já fico satisfeita sabe? Eu acho que ainda é uma grande
estratégia a retórica mesmo sabe fazer perguntar tentar tirar de o lugar tentar desestabilizar. Dar
alternativa de organização escolar. Sabe, não existe só uma escola no mundo igual a que a gente
trabalha. Pensar em diferentes tipos de escola, mais amplo até chegar nessa interação de
professor de língua portuguesa com o aluno, né? Acho que é isso. Se a gente da academia tem
que pensar no ideal, se a gente não pensar o ideal também, fica difícil.
A- Quem vai pensar?
E4/EM - Se a gente chover no molhado não vai dar muita graça, mas eu acho que essa questão
do texto nós temos que primeiro sai na frente, porque a gente mexe com todo mundo. Tem
muita gente hoje, por exemplo, esse trabalho que está sendo jogado onde a gente trabalha. O
trabalho de argumentação em sala de aula, de ensino de ciências, eu consigo dialogar muito com
esse professor de ciências que trabalha comigo também. Porque eu estou pensando o que é a
argumentação junto com ele, linguagem da matemática a questão dos enunciados, né? O ensino
de linguagens dialoga com todas as outras áreas.
A- lógico.
E4/EM - Então assim. Eu acho que isso aí nos ajuda a dialogar com todas as outras áreas. Então
eu acho que nessa formação. Eu estou pensando em formar esses professores eu acho necessário
também que ele pense, ele vai ser professor de português, mas ele não pode pensar só na Língua
Portuguesa ele tem que pensar, na forma de conhecimento. De metodologias de ensino
diferentes quem dera se a gente pudesse formar esses, né? Esses professores que a gente tem de
língua, em contato com todos os outros estagiários das outras áreas. A- Sim.
E4/EM – As escolas têm uns programas que acontecem em parcerias. Eu fico pensando grande,
porque eu acho que a atuação nossa é muito pequena. Você vê lá em V como é a atuação da
universidade, os programas têm algumas parcerias muito grandes do Estado, mas eu acho que a
gente queria muito mais na verdade.
A- Sem dúvida. E4/EM - Ainda falta muito. A- éh. E eu acho que a chave talvez esteja aí.
E4/EM - Então eu acho que formar é muito mais do que mostrar a amplitude, é informar até pra
ele saber o quê pode fazer em parceria, é troca.
A- Entendo.
E4/EM - E procurar depois outras possibilidades e se formar e achar que ia sair daqui formado a
gente não se forma nunca senão iria perder a graça?
A – Sim, obrigada.
Entrevista E5/MA
E5/MA – Minha educação formal, ok. Às vezes, é complicado a gente lembrar o processo
formativo desse professor pelo que eu possa é quase uma psicanálise do discurso, né? Pelo que
eu me lembro assim, ah deixa eu me concentrar. Na realidade vim com quatro, com quase cinco
anos para Belo Horizonte, eu nasci em São Paulo, e caçula com dois homens, né? Dois meninos;
para os padrões da época muito levados, principalmente meu irão mais velho, então. A gente
morava em uma casa, como era o comum e já um bairro com processo de urbanização violenta,
que era o bairro de Pinheiros em São Paulo, ali nos Jardins. Eu cresci caçula de dois irmãos. E o
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meu irmão, já bem pequeno gostava de moto, de bicicleta e, lia muito, cantava. Nós ouvíamos
ópera, porque minha mãe era louca com ópera meu pai também. Então esse irmão mais velho
era um irmão meio ídolo tanto pra mim, como pro meu irmão do meio. Talvez esse processo
formativo tenha se dado um pouco, assim do lado do avesso, eu era aluna desses dois modelos,
esses dois meninos modelos de adolescência. Talvez essa mudança, para cá, para BH, tenha sido
provocado um pouco mais essa ruptura com esses dois irmãos. Porque aí eu entrei pro jardim,
né? Então até então a minha vivência era só com a família com os irmãos, eu não me lembro de
amigas, quando pequena, até cinco anos. Mas me lembro muito depois, no jardim, então em São
Paulo não se podia pagar jardim era muito caro e também era muito difícil. E então eu me
lembro muito da minha mãe, da luta da minha mãe pra criar dois filhos levados e mais velhos e
um convívio muito com a questão da leitura. O convívio vinha tanto dos álbuns de figurinha e
também da vontade de querer ler gibis, de toda essa parte de leitura de escrita. Então com cinco
anos e meio eu praticamente já tava lendo. Eu li mais cedo que os outros dois e mais por um
desejo de querer saber o que estava nos balões também, porque eu tive uma entrada que as
minhas colegas da mesma idade não tinham. Naquela época era tabu ler gibi, ter álbum de
figurinhas, eu gostava muito de brincadeira de menino. Também quando entrei pro Jardim de
um colégio Salesiano bastante rígido é. Eu senti muito mesmo, mas eu tinha um trunfo; eu já
sabia ler muito. Então as freiras ficavam muito encantadas por eu já saber ler, só que eu tinha
que. Eu me lembro de minha mãe falava, olha você não pode dizer que conhece as histórias do
Monteiro Lobato e quando eu vejo de novo essa história de patrulhamento de um grupo que
entrou com um pedido no Conselho Nacional de Educação pra ver essa questão do preconceito
nas obras de Monteiro Lobato. Isso eu tudo me vem, fico muito impressionada com aquele
patrulhamento, que eu senti. Porque minha mãe leu pra mim, quando eu tinha seis anos
“Coração” de Edmundo d‟Alice que é uma obra italiana pesada, realista, uma história de uns
meninos num colégio. Uma obra extremamente emotiva. Enfim, porque eu via também porque
ela fazia os meus irmãos lerem, então só pra abrir um parêntese. Ela era professora formada pelo
Instituto de Educação, mas nunca trabalhou. Primeiro porque ela levava uma vida muito
apertada, ela se casou muito cedo e embora pro sul de Minas e depois pra São Paulo, e tinha
uma vida economicamente muito instável e não dava conta de trabalhar, acho que esse era o
motivo era maior.
Mas um segundo motivo é que mulher não trabalhava muito, tinha muito isso. Então
Ela era a única de uma família de sete que se formou pra professora, né? Isso era um título ao
mesmo tempo honroso, mas que na prática não resolveu muito, não, né?
Então a entrada foi muito por meio da leitura, eu acho que a entrada no campo da formação eu
aprendi a ler de realmente memorizar, fotografar as frases títulos das histórias Eu acho que foi
um processo assim.
Mas, em seguida, eu fui alfabetizada pelo método de silabação, que era o método da Lili, b+a -
ba, uva, vovô. Enfim, né?
É. Eu ficava até muito triste e tinha inveja das minhas primas, porque as minhas primas foram
alfabetizadas pelo livro da Lili: “Eu sou a Lili, eu comi muito doce, você comeu muito doce?”
Que era o livro must da época, elas estudavam em outras escolas, em outros colégios, minhas
primas aqui de Belo Horizonte. Então eu ficava muito encantada porque a minha cartilha era em
preto e branco, era muito feia e a Lili era toda colorida. A Lili era o método global. Depois teve
a era do método fônico.
Enfim, eu não consigo pensar a minha formação sem pensar na leitura e com desejosa de
entender esse sistema da escrita e de entrar nesse universo da leitura e tudo mais. Eu li mais
cedo que os outros dois e mais por desejo de saber o que estava nos balões também, porque eu
tive uma entrada que as minhas colegas da mesma idade, não tinham.
Era um pouco tabu ler gibi, ter álbum de figurinhas, o hábito de ler ficou um pouco prejudicado
pela entrada na escola, consolidou-se, mais pelo meu pai que era mais arrojado, em termos de
leitura e ele tinha pouca escolaridade, ele não tinha a escolaridade que a minha mãe tinha. Mas a
minha mãe era mais afetada pelos valores e crenças do ensino religioso. Meu pai era mais ligado
a laicidade.
Então eu sempre assim a minha trajetória, de certa forma, me levou para a escolha talvez da
licenciatura bom. Aí eu fiz todo o pré escolar, depois as quatro séries do primário, eu fiz um ano
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de admissão, porque minha mãe achava que eu tinha não que fazer aquele vestibulinho pro 5º
ano do ginásio diretamente, ela achava que precisava de mais base. Veja aí essa preocupação
também, né?
E depois da 4º série do ginásio eu declarei a minha “independência ou morte” e fiz concurso
para o Instituto de Educação e pro Colégio de Aplicação, que eram duas escolas públicas. Eu
era. Porque eu tinha um sonho de estudar em escola pública, porque meus irmãos estudaram na
escola pública e em grupos escolares, e depois que estudaram uma parte no Santo Agostinho.
Mas eu não tinha essa experiência, tinha uma experiência muito feminina. A experiência
feminina continuou, porque eu passei no Instituto e no de aplicação, fiz normal, não fiz o
clássico. E o normal era menina. Já naquela ocasião não havia aula aluno. Eu que quis o normal.
Fiquei muito balançada pelo clássico. Primeiro porque fiquei muito balançada pelo clássico. Eu
queria muito, primeiro porque fiquei muito apaixonada pelas aulas de francês da irmã Marieta,
que era uma irmã que não era muito simpática pras alunas do colégio, mas eu ficava
encantadíssima. Eu conhecia música francesa, Porque minha mãe gostava de cantar, eu cresci
entre opera, opereta, música francesa, italiana, fado português, tango argentino. Era música mais
de fossa. Só, hoje, eu reconheço tenho predileção pela Maísa. Mas Maísa era, lá em casa,
proibido, não pelo meu pai, mas mamãe falava que não era um modelo, né? Então a gente foi
privada de conhecer essa cantora maravilhosa. Enfim, tinha essa coisa de toda uma cultura de
formação de menina. Menina mulher faz isso menino homem é que faz isso, etc e tal. Eu sempre
tive certa independência em relação a isso, independência me custou meio caro no início. Eu já
dava. No primeiro ano de aplicação eu tinha 16 anos, já dava aula particular, acompanhava
“para casa” de alguns vizinhos. Eu sempre gostei de brincar de aulinha, sempre tive quadro e
giz, embora eu tivesse uma asma violenta e, isso fosse muito proibido para mim. No terceiro
ano do normal, eu fui convidada pela professora de psicologia Alicia Ribeiro a integrar uma
escola que um grupo estava criando em BH. O IMPAE Instituto Mineiro de Psicopedagogia
Aplicada à Educação. Foi uma fase A. em que a. o problema da escola. A gente estava vivendo
já quase aquela transição para 5692, tá? Da passagem de quatro anos obrigatórios a carga do
estado para oito anos, a extensão do fundamental para oito anos obrigatórios. Foi época do
bumm em relação às escolas que se abriram com o apoio filiado, conveniados com o apoio do
INPS ou depois o INSS em que os meninos eu fracassavam na escola eram considerados
meninos com problemas de aprendizagem ligados a algumas dificuldades de escrita disgrafia,
dislexia, ou a problemas de fala dislalia. Nós não trabalhávamos cm nenhuma afasia, nessa
escola, pelo menos quando comecei a trabalhar. Logo que me formei, em dezembro e em
fevereiro eu tava trabalhando nessa escola a convite dessa professora. Então eram turmas
pequenas e tínhamos que trabalhar questões de dificuldade de aprendizagem, aí eu comecei a ler
muito sobre esse tema. Ou seja, eu vivi toda mudança de paradigma, a questão da dificuldade de
aprendizagem, não estava na escola, na família, nem era de âmbito social ou cultural, mas era
um a questão muito mais psicológica, muito mais cognitiva da criança, quase biofisiológica da
criança. Então trabalhávamos, preparávamos todo o método, comecei a ler sobre os métodos e aí
nós realfabetizávamos. Ensinávamos estudos sociais ciências, eu trabalhei como o 1° ano era
um 1º ano que atendia a crianças mais velhas, a seriação não era tão certinha, sabe?Então já
entrei na escola. Eu vivi uma experiência anterior no infantil, ainda no Normal, que eu não
disse, era uma escola no bairro de Lourdes, era uma escola pequena também. Eu trabalhei com
crianças muito pequenas de quatro anos. Trabalhei alguns meses nessa escola, depois, ainda sem
carteira assinada, depois fomos pro IMPAE. Antes de iniciar o IMPAE, logo que veio o convite,
nós começamos a fazer um curso com essa professora, com essa psicóloga, Era o método fônico
que ia resolver os problemas. Os meninos tinham muitos problemas porque o método não
supria, eles não acompanhavam, eram meninos desconcentrados, eles eram o que hoje a gente
chama déficit de atenção. Eles iam inventar uma patologia para eles. Foi época da patololização
da escola. A Magda Soares fala muito bem isso naquele livro Linguagem e Escola, naquele livro
de capa vermelha dela. Eu me reconheço muito naquele relato dela. Então a minha entrada na
escola com profissional se deu por essa porta. Eram aquelas escolas que atendiam crianças, que
na escola regular não aprendiam de certa forma não havia resultados. Então eles vinham
encaminhados e, a escola era cara, pra quem não vinha via INSS. O Estado, o governo já arcava
com esse encaminhamento, então houve um número enorme de abertura de escolas em Belo
171
Horizonte. Tinha como profissionais professores de ensino fundamental, a gente dizia professor
primário, ainda pelo menos até meados de 70. As crianças vinham com a auto-estima bem
marcada, elas percebiam que eram diferentes, por mais que a gente tivesse uma escola bonita,
com cartazes, colorida. Tentávamos fazer o mais próximo da escola regular, elas criaram pra
elas esse rótulo de crianças problemáticas. E os pais também vinham com a história de vítima,
sabe? Eles eram vitimizados naquela relação. E vinha com histórias muito tristes, também do
fato de a escola regular não ter dado conta, ou de a criança ter sido humilhada. Enfim, nós
tentávamos fazer um ambiente próximo da regularidade.
Mas aí, A, eu fiquei nessa escola continuei trabalhando até fiz uma viagem à França, uma
loucura de uma viagem pra conhecer melhor o método. E fui ao Rio também, pra conhecer o
método fônico. Nesse período eu li muito acerca de como as crianças aprendem, na época eu li
Peaget. E aí eu trabalhei com o método fônico porque, tudo a gente achava que tinha que tornar
concreto pra criança. Tentei Psicologia aqui na PUC, passei e passei no mais difícil. Para fazer
Psicologia, tinha que fazer um laudo psicológico e, eu passei. Mas me esqueci de dizer que eu
formei em dezembro e, passei em Letras, mas eu queria fazer jornalismo, na última hora me
inscrevi pra Letras, em fevereiro eu enfim. Então eu ficava muito em conflito entre o que eu
fazia no IMPAE, muito ligado à Psicologia da Linguagem e o que eu já estava aprendendo na
Linguística, Fonética, Fonologia, Filologia mesmo, aqui, depois da ditadura. Eu comecei com
uma Linguística super gerativa da gramática gerativa, eu tive um semestre como o professor Zé
Lourenço de Oliveira e depois, já entrei na Linguística de corpus com Eunice Pontes e Perini.
Então eu peguei toda a mudança de paradigma do curso de Letras, mudança de currículo, aquela
confusão. Eu fiquei completamente apaixonada por Humberto Eco, um uma obra aberta era
muito leitora de Literatura, mas a linguística de corpora respondia um pouco o que eu vivia em
sala de aula com os meus meninos, sabe? Enfim. Fiquei uma fase sem saber o que fazer. Resolvi
não fazer psicologia. Abandonei a Psicologia porque ficava muito caro pra mim. Eu ia ficar
muito apertada estudava à tarde, trabalhava à noite e preparava aula e tudo mais. Eu me casei e
fui trabalhar no Rio, e nesse meio tempo, eu fiz, concomitantemente, no final do curso de
Letras, eu fiz uma loucura, eu aceitei trabalhar no Pica-pau Amarelo, que tinha uma proposta
toda avançada, e lá a gente trabalhava com o método global, porque eu levava o meu
conhecimento. Porque a diretora sabia do nosso trabalho no IMPAE, ela tava muito preocupada
com as dificuldades das crianças uma professora que conhecesse um pouco mais o processo de
aprendizagem e que não ficasse preocupada com provas e tudo mais.
Eu tive uma experiência bastante positiva. Um ano eu trabalhei no Pica-pau Amarelo. Eu fiz
meu método, eu peguei o Barquinho Amarelo eu trabalhei com o método fônico. Porque eles
trocavam muito as consoantes surda e sonora, era total imaturidade. Não se podia dizer que
eram desléxicos. Em pouco tempo eu provei que era uma questão do método, de certa forma eu
desconstruí a necessidade daquela escola. E comecei a não ser legal para aquela escola. Não
havia problema era uma questão de tempo e de processo. Depois acabei indo para o Rio, fiz
concurso pro município, acabei trabalhando com 5º a 8º, dei algumas aulas de francês. Mas
fiquei no Rio entre criar filhos e trabalhando em várias escolas, trabalhei na Dutra, a 25 km do
Rio, trabalhei onde é hoje o Morro do alemão, trabalhei em Copacabana, Botafogo, Laranjeiras.
Eu já tinha sete anos de Rio, quando voltei para Belo Horizonte, com muita experiência de sala
de aula, experiência com turmas grandes, já numa perspectiva de uma escola se abrindo para
uma democratização. Eu já não lidava mais com alunos de Pica-pau amarelo, de certa forma
eram filhos de intelectuais. E ao mesmo tempo, eu vinha de experiência de escola pública no
Rio muito importante para minha vida. Eu não tive condições de fazer mestrado, eu tinha
criança doente, enfim. Mas eu procurava sempre ler, sempre acompanhava o que estava
acontecendo. Voltando pra Belo Horizonte, eu tive que repensar a minha vida. Primeiro, porque
eu queria voltando para junto da família, eu pensei em voltar a estudar. Nós éramos uma turma
pequena, nós éramos 13 alunos, era francês/português, o francês não se consolidava como uma
língua ensinada na escola, o inglês ocupou posição a grande maioria estava envolvida com a
pesquisa e interessante o perfil da nossa turma. Eu tinha uma experiência com Língua
Portuguesa, trabalhei no Barreiro. Depois fiz concurso para a prefeitura e para o estado. E na
rede municipal eu fiz uma carreira, eu só pegava turma de 5º série, e a 5º série me possibilitava
trabalhar com a leitura do modo como já pensava em trabalhar. Eu sempre produzi meu material
172
didático, eu nunca fui muito porque eu questionava muito os livros didáticos, com exceção do
livro da Magda, a coleção. E mesmo assim eu questionava algumas questões do livro da Magda.
Eu tinha um grande interesse pelas questões de leitura e de produção de texto, eu lia muito sobre
Frenet Contexto livre, elaboração do Jornal, Eu sempre li muito, assinava uma revista francesa
Langue francese aujourd’hui. Eu tinha muita coisa, eu tinha construído no ensino de língua
francesa que era técnica absolutamente discursiva, eu queria trazer, eu trazia para a sala de aula.
Eu enfrentei dificuldades porque o corpo de professores não é aberto, às vezes, para algumas
modificações. É muito mais fácil trabalhar com o modelo tradicional de livros e gramáticas,
com provas de múltipla escolha, estudo dirigido, saber elaborar questões de V ou F. Como
sempre tinha uma que gostava. Eu me envolvia muito em fazer projetos voltados para a gente
chamou de clube do livro. E a gente fazia festa, bingo, quando a diretora era legal, a própria
diretora comprava 10, 15 livros do mesmo título, fizemos uma sala de leitura que saiu na Nova
Escola, nosso trabalho era reconhecido em toda a rede municipal. Os alunos liam uma média de
quatro livros por mês, então foi a época daquelas editoras como a Ática, Scipione, a própria
Editora do Brasil, a FTD, a Lê, foi muito importante a consolidação desse projeto também.
Então foram formados leitores absolutamente apaixonados, numa escola pública, filhos de
tecelões que trabalhavam na Cachoeirinha, um tempo muito significativo na minha vida. Ao
mesmo tempo comecei o mestrado na FAE, depois que já tínhamos dois anos de Belo
Horizonte, que nós tínhamos voltado. Eu sempre optei pelo curso noturno, cuidava das crianças
de manhã, né? Acompanhar um pouco a vida deles e porque a gente não conseguia vaga de dia.
E meu primeiro interesse era pelo ensino de língua materna, no noturno. Escrevi dois capítulos,
cheguei a coletar dados, minha orientadora era a Magda, mas não era isso que eu queria.
Também por outros motivos, como doença na família, acabei desistindo. Fiquei pensando.
Coordenei oficinas do CAP leitura e produção de texto. Nós fundamos o CAP em 91 cm a
secretária Maria Lisboa, embora soubesse que nós éramos do PT, de certa forma era muito
aberta, o lado bom do PSDB, daquela época, antes de se tornar o que se tornou hoje. Ela nos
deixou com muito espaço para gerir esse grupo que estava pensando as áreas de leitura e escrita.
Foi nessa época que descobri que não era a área em que eu queria ficar. Você tem que voltar
para a questão linguageira, embora a faculdade de educação tenha sido essencial na minha
formação como profissional. Todas as aulas que tive ali com a Magda, com Nelson Rodrigues,
com Miguel Arrojo.
E aí eu depois do CAP, ainda no CAP. Eu queria muito fazer o mestrado. Eu encontrava com
dona Ângela e ela sempre dizia: o mestrado vai começar em Língua Portuguesa, já havia em
Literatura na PUC, e eu dizia que tinham que fazer um mestrado que eu pudesse cuidar de
menino, de casa, eu não vou conseguir licença. E aí teve um concurso no CEFETE, havia uma
vaga e eu doidamente fiz o concurso, os dois primeiros lugares eram destinados a ex professores
infelizmente, e eu fiquei com o 3º lugar. E acabei sendo chamada e acabei indo para uma escola
técnica de educação tecnológica. Fiquei muito impressionada de ver como é que a gramática
tradicional era forte e como a concepção de língua e de linguagem, que eu já conhecia pela
leitura de publicações Geraldi, do Ilari, enfim, depois veio a se tornar o grupo da UNICAMP e
depois a própria publicação do livro da Costa Val. Então o conhecimento da linguística textual
me abriu um campo e eu me agarrei naquela linguística textual. Tinha uma coordenadora de
Língua Portuguesa avessa a qualquer mudança de paradigma e a figura dela era muito forte.
Mas aos poucos fomos trabalhando, e foi muito interessante porque a outra pessoa que foi
aprovada também, junto com outros professores foi modificando algumas coisas. Era difícil pra
mim compreender e aceitar um professor de Português, um de redação, outro de Literatura, eu
não entendia aquela divisão.
Nesse meio tempo, fiz mestrado na PUC em Linguística e Língua Portuguesa e pelas mãos do
Milton eu vislumbrei outro panorama na minha vida. E resolvi trabalhar com a Linguística da
enunciação e vieram muitas leituras, nesse momento eu ainda tinha muitas turmas. Eu ainda
estava no CEFETE. E houve um concurso na PUC para adjunto III, me parece, não me lembro
muito em qual categoria, E eu me inscrevi. É preciso dizer que as coisas não são assim lineares,
numa linha do tempo.
É claro que nessa linha do tempo, eu tive outras experiências, né? Eu tive experiência de
elaboração do livro didático em 98 e 99 antes de vir para aqui, como duas colegas, leituras de
173
um tempo, em que nós pudemos realizar um sonho antigo, por em prática um material didático
pedagógico do jeito que a gente acha que deve ser. Pegamos vinte e oito crônicas de Antônio
Barreto publicadas no Estado de Minas. Nós pensávamos aquele material para o que é hoje o
EJA, o que é supletivo, pensávamos também num curso de produção de texto. Surgiu de um
sonho de uma espontaneidade de três professoras, um dia eu acordei e tinha um telefonema
dizendo que a gente tinha ganho um Prêmio Jabuti. Eu tinha acabado de entrar aqui e, recebi o
Prêmio Jabuti. E nós depois recebemos convites de editoras. E também pela mão amicíssima do
professor Marcuschi, que foi nosso apresentador do livro, um grande incentivador. Nós
começamos a escrever a escrever de modo mais organizado os quatro volumes de 5º a 8º, na
ocasião o Para ler o mundo, nós ficamos na Formato que comprou a Lê, a Saraiva comprou a
Formato, o grupo Abril comprou a Ática, esse mundo editorial eu não acompanho muito, nós
três.
Mas o material foi muito em avaliado pelo PNLD pelos pareceristas, duas vezes que ele já o
reformulamos. Desde 91 ele nos dá possibilidade de ir ao interior ao encontro de professores
com capacitação de professores. Vejo o professor formador essencialmente como um professor
agente de letramento, completamente imerso, comprometido com leitura e escrita. Não consigo
imaginar a não ser desse ponto de vista. Quando vejo os alunos saindo pro mestrado,
principalmente, quando muito jovens, eu fico assim, não sei se é uma visão muito pragmática
minha. Não acho que necessitam ter uma experiência de sala de aula, mas uma experiência de
interação de linguagem ou numa empresa, mas trabalhando com interações verbais, numa outra
instituição formadora.
Sabe o que eu penso eu não consigo me imaginar como orientadora de estágio aqui, eu tenho
núcleo I II e III, sem o meu olhar de professora da educação básica, eu não consigo entender. E
ao mesmo tempo, não sei. É belíssima a experiência com estágio, é super cansativa, pois você
tem de orientar de fato e estar em estreita interação com a escola. A maioria está fazendo estágio
em escola pública e em escolas particulares que também é muito bom. Que não são as top de
linha, que também são boas devido à heterogeneidade, outros problemas, a heterogeneidade do
alunado, novas composições familiares, os novos textos, novas possibilidades de leituras. Ser
orientador de campo de estágio é um desfio a todo o momento é um lugar, onde se aprende
muito. E essas disciplinas para os alunos tão importantes como as outras. Embora muitas vezes,
no próprio curso, né? Acham que não. Não é o caso do nosso curso, no nosso projeto tem lugar
bem mais honroso, não é a toa que se chama núcleo de interseção. Eu costumo brincar com os
alunos. A problematização é sempre voltada para a atuação e intervenção para o profissional
bacharel como para a formação do professor.
Quanto ao perfil do professor. Olha não que eu tenha um perfil de professor formador, eu acho
que nós todos somos professores formadores, eu me formo no outro com quem eu converso o
tempo todo, em quem eu me projeto, isso é espetacular funciono como um espelho pra ele
também, ou não. É mas eu acho que tem algumas particularidades importantes já que você pediu
pra verbalizar. Eu acho que é, sobretudo, ter uma visão cultural bastante ampliada, sabe? De
conhecer do ponto de vista das culturas plurais, como nós somos determinados pelas nossas
culturas no sentido bem amplo mesmo, não só culturais de manifestações de um povo, não
somente pela obra prestigiada. Mas as várias manifestações que estão a todo o momento que nos
interpelam, eu acham que a partir do momento que você tem uma visão de contexto também
muito ampliada, nós temos que fazer esse mergulho. Isso deveria ser o cotidiano do professor,
ele tem de agir. Acho que hoje temos mais possibilidades. Precisamos conhecer o que os alunos
escutam, do que eles gostam é muito interessante. É temos que fazer esse mergulho, claro que
temos que fazer um intensivão, isso deveria ser cotidiano do professor. Ser um pouco mais
agente, porque aí você é capaz de fazer a ponte entre o clássico, o dito clássico e a cultura do hip
hop, por exemplo, ou com o folclore. Além disso, eu acho que se ele tiver essa visão
multicultural, ele com certeza e a escola, as escolas, eu não falo de uma em particular, ideal.
Falo de escolas, de escola com todo seu contexto, ao mesmo tempo, essa leitura tem que ser
feita na reflexão, no que tem de novo, no que existe e que possa continuar alimentado esse
olhar via mediação formativa. Como eu vou didatizar, tem que conhecer profundamente os
processos de formação do sujeito social cultural histórico, biológico. Então isso passa pela
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Antropologia, pela Sociologia, Biologia, História, pelo multiculturalismo. Eu não sou “abaixo a
didática‟.
Entrevista E6/EC
A- Eu gostaria que você me contasse um pouco sobre sua formação acadêmica profissional e se
possível a sua primeira escola.
E6/EC - Vamos lá, né? Na verdade eu sou formado em Letras.
A- Vamos lá. E6/EC - Lá na infância?
A- É quando você nasceu assim rapidamente.
E6/EC - Ah você quer saber minha formação como aluno, ah então deixa voltar. Eu nasci em
setenta e oito na cidade de Recife. Olinda. A minha formação ela se deu sempre em escola
particular ensino fundamental um e dois na escola do bairro, a mesma escola onde eu estudei
praticamente durante oito ou nove anos na mesma escola. Quando entro no Orkut tem lá a
comunidade da escola e aí voltam às memórias. Então fui aluno dessa escola né? Que é uma
escola de bairro tradicional, mas de bairro em que eu fiz todo o meu ensino fundamental um e
dois nessa escola e no ensino médio eu fui morar na Alemanha. Então a minha mãe casou com
um alemão e foi fazer um curso lá de artes plásticas e, aí meu ensino médio eu fiz na Alemanha.
E quando eu retornei, fui fazer o curso de Letras pra justamente tentar aprender língua
estrangeira. Porque a minha entrada no curso de Letras não se deu via língua materna. Eu
procurei o curso de Letras. Éh para estudar língua estrangeira para estudar especificamente
Alemão e Inglês, porque a minha mãe como ela morou vários anos na Alemanha. Na realidade
quase dezoito anos.
A- certo.
E6/EC - Então eu ainda tinha a intenção de voltar pra Alemanha pra trabalhar com o Português
pra estrangeiros, ou com Alemão. Então quer dizer isso era ainda uma possibilidade.
E6/EC - Eu morei numa cidade chamada Chafinbourg durante três anos que é justamente o
período que eu fiz o ensino médio, na Alemanha e, aí eu voltei pro Brasil, porque na Alemanha
eu não conseguia fazer universidade para formação de professores. Na realidade a pergunta é
como é que você se tornou professor? Eu diria que nas brincadeiras. Tanto que no memorial pra
entrar na universidade eu retornei ao Vygotsky pra discutir como é que eu brincando de escola,
né. Então na realidade eu tenho uma desde a primeira série, né. Na primeira série, eu me lembro
de cenas de eu brincando de escola talvez o mais forte pra mim é o brincar de ser professor. A-
certo.
E6/EC - Então eu brincava de ser professor com meus bonecos. Todos os meus bonecos. Carro,
xampu, perfume todos tinham nomes. E foram brincadeiras de quase oito anos, assim. Eu
lembro que eu brinquei de ser professor até grande assim doze treze anos eu ainda brincava de
ensinar. No memorial eu contava essa história porque eu achava muito interessante. Como eu
era o professor dos bonecos, que eu iria dando aula com livros didáticos tinham provas.
E6/EC - É eu tenho isso tudo lá em Recife em pastas, cadernetas. Comecei a fazer chamada. a
dar notas. Cada um tinha um boletim. Fazia diário de classe tudo. Eu não quero pesquisar mas
um dia alguém vai pesquisar a brincadeira de ser professor, aí eu pedi um quadro negro com dez
anos de idade ganhei um quadro pra brincar eu tinha giz e comecei a ser professor de bairro,
isso aí com o que? Com quatorze treze anos de crianças menores. Então eu queria ganhar um
dinheiro e então eu falei olha eu vou abrir uma escola no bairro de reforço chamava aula de
reforço, então alguém batia na porta, principalmente, no final de ano dizendo olha o meu filho...
A- Sempre trabalhando com o ensino de língua?
E6/EC - Sempre, na aula de reforço era tudo.
E6/EC - Tudo que era da docência tudo, tudo. “Ah meu filho está com dificuldade em Inglês aí
eu ia lá e dava uma aula. Ah meu filho está com dificuldade de desenho geométrico”. E aí eu
tinha esse quadro esse quadro ficava numa sala no terraço na minha casa e essas crianças elas
tinham um horário. Então eu diria que foi meu primeiro trabalho como professor não foi na
escola. Foi na brincadeira. Claro eu teria participação como aluno. Mas eu diria que era na
brincadeira que eu me via ali como professor, então eu brincava muito de escola muito mesmo.
Então era quase que diariamente é, e depois eu diria que essa brincadeira, por gostar de escola e
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por. Éh ter talvez alguns vizinhos que começavam a brincar também então meio que algumas
mães começaram a indicar os filhos pra fazerem aula de reforço.
A- E profissionalmente?
E6/EC - É aí eu vou te contar. Então a gente tava lá na aula de reforço. Aí eu já considero essa
aula de reforço profissional porque eu recebia né? Na realidade era uma quantia, dez reais, ou
quinze, ou vinte, mas essas crianças elas tinham. E aí eu comecei com uma ou duas eu atendia.
Cheguei a atender na realidade eu acho que assim umas seis ou sete crianças diariamente.
A - É verdade?
E6/EC - E aí começou a transição que se deu da seguinte forma, eu comecei com essas aulas de
reforço tive que as interromper pra poder ir à Alemanha pra estudar. No ensino médio minha
mãe fez uma convocação pai e filho e, eu não queria ir por várias razões, mas tive que ir e
estudei lá por três anos. Então neste período, eu já continuei com a vontade de ser professor,
com o desejo de trabalhar. Isso já tinha sido uma decisão e o interesse então foi para a área de
língua estrangeira porque eu estava num país estrangeiro. Estava aprendendo língua estrangeira
e então comecei a fazer curso de Italiano porque eu morava perto de um italiano. Então eu fazia
curso de estrangeiro pra Alemão e Inglês na escola e tinha contato com turcos. Então tinha a
questão da língua né. A questão da língua começou a ser muito forte e me encantar e fiquei
interessado só que ao terminar o curso de ensino médio, a Alemanha não me oferecia o curso de
formação de professores, né? Eu não tinha domínio da língua. Eu tinha questões de escrita, quer
dizer, eu era um estrangeiro três anos num país, quer dizer, não tinha como fazer o sistema
universitário alemão é super fechado. As crianças são selecionadas desde a quarta série pra
seguir a carreira universitária. Então estava praticamente assim imposto que universidade não. O
estrangeiro poderia fazer outros cursos e como a gente tinha uma disciplina chamada estudo do
trabalho né. Eu tinha que escolher já uma profissão no ensino médio pra fazer estágio pra poder
conhecer mais e a escola acabou optando por trabalhar em revista de viagem. Aeroporto por
conta dessa facilidade de línguas. Resumindo, volto para o Brasil, não quis ficar. Esse foi o
motivo porque eu queria fazer universidade, fui criado nessa cultura aqui do ensino superior.
Então eu volto para o Brasil para fazer um curso de formação de professores em língua
estrangeira. No início eu queria estudar Português pra retornar para a Alemanha para ser um
professor de Português para estrangeiros. Esse era um. Vamos dizer desejo pra esse momento da
minha vida. A- Quantos anos você tinha?
E6/EC - Dezoito anos. E aí comecei, ao retornar da Alemanha não tinha trabalho. Aí eu comecei
a dar aulas de Língua Estrangeira. Então eu tinha uma amiga que ensinava Francês e Espanhol e
eu falei então, olha Gisele você ensina Francês e Espanhol e eu ensino Alemão, Inglês e Italiano
aí eu ganhei vamos dizer um segundo momento de experiência profissional antes do curso de
Letras. Porque nós abrimos esse cursinho de idiomas. Era o mesmo quadro negro das aulas de
reforço no bairro de periferia de Olinda chamado Rio Doce. E aí eu coloquei no jornal professor
de alemão como tem muito interesse pela língua alemã por inúmeras questões desde a
prostituição até por conta de então eu tinha alunos diversos. Tinha alunas que queriam casar
com alemão e precisavam ir pra Alemanha. Eu tinha alunos que faziam música então eles
queriam aprender porque estavam no curso de música e a língua alemã era importante. E tinham
outras pessoas com outros interesses então é um local onde a língua alemã. Ela funciona em
algumas situações né, seja por conta do dinheiro seja por conta da prostituição. Por conta dessa
ida pra Alemanha via casamento. Então isso é um contexto de trabalho também de ir à casa das
pessoas dar aula de italiano, alemão e inglês também. E foi quando eu fiz o vestibular pra Letras
e fiz licenciatura Portuguesa e Inglesa e comecei o curso de letras sendo que o curso de Inglês.
O curso de língua inglesa ele era voltado pra proficiência da língua e em nenhum momento eu
tinha disciplina sobre ensino. Então eu fiz Inglês e Literaturas Inglesas e então o ensino que era
minha paixão desde a brincadeira eu não conseguia encontrar aquele ensino na disciplina de
Inglês. A disciplina de Literatura nunca nem abriu a boca pra falar de escola nem de ensino nem
de nada de escola nem parecia que estava formando professor. Então também não me encontrei
naquelas disciplinas de Literatura. Então eu fiz todas, mas não me encontrava ali já como um
aluno com experiência. Eu tinha um foco que era esse. Então as disciplinas que eu tive na
graduação que discutiam o ensino eram as disciplinas de língua Portuguesa né. E eu tive a
oportunidade também de estudar com pessoas. Eu fiz na Universidade Federal de Pernambuco
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num momento em que a Universidade Federal de Pernambuco estava revendo o repensar porque
os parâmetros curriculares nacionais foram tinham acabado de ser publicados. Então quem eu
tinha? Professora Lívia Suassuna eu tinha Luís Antônio Marcuschi a professora Beth
Marcuschi. Ângela Dionísio, Dóris Arruda, Márcia Mendonça. Então uma equipe de professores
envolvidos tanto na análise crítica dos PCNs. Quanto na avaliação do livro didático. Eles não
falavam pra gente, mas todos ali estavam de alguma forma envolvida no PLD que é outro
programa também que começou naquele momento.
A- Em que ano foi isso? E6/EC - Em noventa e oito.
E6/EC - É, comecei o curso de Letras em noventa e oito e eu peguei esse movimento. Peguei
também o movimento dos gêneros porque a primeira publicação de Ângela Dionísio com o
livro. Sobre o livro didático em dois mil. depois publicou um sobre gêneros e eu peguei a
graduação nesse período efervescente da UFPE pensando no ensino seja via gêneros seja via
livro didático. E o que é que isso refletiu na minha formação? Refletiu que em todas as
disciplinas que eu tive três português, quatro português, cinco português oito em linguística
principalmente as três que foi ministrada pelo professor Luis Antônio Marcuschi todas elas. A-
Ótimo.
E6/EC - Todas elas tocavam na escola. Eu diria principalmente via, ou para curricular né.
Currículo prescrito, ou livro didático. Claro, né que muitos falavam isso em sala de aula. Muitos
nem sempre em sala de aula, mas as disciplinas de Morfologia de Sintaxe de Linguística
Textual elas tinham como trabalho, ou inicial, ou final da disciplina. Analisar os parâmetros,
analisar o livro didático e, aí fui me apaixonando pela escola pelo ensino nessas disciplinas. E ai
eu falei então é aqui que eu quero ficar. Essa foi uma decisão. E aí eu abandonei então a idéia da
língua estrangeira e me formei em português inglês. Tive experiência continuei ensinando
inglês. Até pra sobreviver porque a carga horária era possível pegar vários trabalhos menores,
porque a carga horária era menor de ensino de inglês então eu poderia, por exemplo, fazer o
curso de graduação e trabalhar aos sábados. Então eu comecei a lecionar em cursinhos. CCAA
cursinhos de idiomas. Tive experiências também numa escola técnica regional que é um curso
de turismo.
A- Aí entra em conflito.
E6/EC - Aí entra em conflito língua estrangeira com língua materna e continuei com aulas
particulares porque eu precisava sobreviver. Então a aula particular de língua estrangeira era a
aula que eu poderia fazer a noite enquanto a disciplina de língua portuguesa as escolas
contratavam, mas a disciplina tinha uma carga horária maior então era praticamente um
professor que teria que ficar na escola no turno da manhã no turno da tarde trabalhando.
Consegui. Então assim. Mesmo na graduação eu consegui um estágio remunerado pra trabalhar
em escola pequena que foi a minha primeira escola que eu ensinei Língua Portuguesa, né? Que
é uma escola de quinta a oitava série. Chamava colégio Real então eu tinha turmas. Tinha uma
turma de quinta uma turma de sexta uma turma de sétima e uma turma de oitava.
A- E esse ensinar Língua Portuguesa nesse momento com toda essa crítica que você vinha
trazendo. A- Como é que se deu?
E6/EC - Se deu no contexto que a escola não tinha material didático ela pedia que o professor
fizesse a sua apostila então como eu estava estudando o livro didático na graduação isso acabou
até eu fiz até um artigo. O meu primeiro artigo que eu fiz era sobre isso. Porque as escolas de
Olinda adotam apostila e não o livro didático. Aí eu até fiz uma categorização pra falar daquela
minha situação de trabalho que era um professor que tinha que fazer uma apostila. É claro que
eu tive que ler muitos livros didáticos pra fazer meu material e as minhas aulas. E essas aulas
que eu fiz e, que ministrei dialogavam de várias maneiras com a graduação. Eu lembro até do
concurso. Um pequeno concurso pra essa vaga e eles tinham um texto que era. A menina no
país da gramática. E depois que eu li com a professora Ângela Dionísio na disciplina de
Morfologia porque tinha essa preocupação. Então a Ângela Dionísio utilizava a Literatura
Infantil e propagandas e outros e outros e outros textos pra gente pensar como é que aquela.
Como é que aquele processo de formação de palavras aquelas classes de palavras e tudo aquilo
ali poderia ser relacionado com a sala de aula. Mesmo com a disciplina que eu fiz de português
histórico com a professora Nair Carvalho fui em tanta sala de aula, porque ela ia mostrando,
estudando a linguística românica. E a propaganda e os neologismos e os estrangeirismos. Como
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aquilo tudo tinha a ver com a língua que seria trabalhada em sala de aula. Então isso foi um
ganho. Assim, na minha formação universitária, né. Porque tem professores na área de língua
portuguesa que apostavam em aulas que tocavam no ensino.
A- Especial.
E6/EC - Especial. Então resumindo eu tinha experiência na universidade eu tinha experiência na
língua estrangeira nesses cursos que eu passei e em língua materna a minha experiência
começou com as aulas de reforço. A primeira contratação foi no Colégio Real com turmas de
quinta sexta sétima e oitava durante um ano. Mas aí veio o convite da professora Dóris pra ser
bolsista de iniciação científica e aí eu tive que sair da escola e fui fazer uma iniciação científica
que começou em noventa e nove. E aí até o final da minha graduação eu não pude retornar a
sala de aula de língua materna porque eu era bolsista de iniciação científica. Então a minha
experiência acabou sendo mais forte em língua estrangeira durante a graduação, porque era o
momento que eu conseguia. Eu fazia no período da manhã, fazia minha bolsa de iniciação, à
tarde aula e a noite trabalhava como professor de língua estrangeira aos sábados. A- certo.
E6/EC - Isso sem poder, mas não eu tinha filhos eu não tinha família não tinha ninguém pra
pagar nada então era assim. Era bolsa faculdade.
A- E a universidade. Quando você chegou lá como professor?
E6/EC - Então aí vem o todo nada linear, né?
E6/EC - As coisas não são assim a gente vai tentando. Então quando eu cheguei na
universidade. Outra experiência que eu tive. Eu vou só voltar pra poder contextualizar melhor. o
que aconteceu quando eu terminei a graduação quer dizer a minha bolsa terminou num período
que eu não podia renovar e eu não tinha terminado ainda a graduação. O curso de graduação por
conta das greves. Então a minha bolsa ela termina em junho de 2001. Sendo que a minha
graduação ela vai até o final de 2002 porque as federais tiveram várias greves de noventa e nove
até esse período então eu não consegui formar em quatro anos por conta da greve que estendeu
o semestre mais pra frente. e aí eu fiquei desempregado porque a bolsa acabou eu não tinha
escola e aí a professora Márcia Mendonça que eu tinha estudado com ela na disciplina de
sintaxe e que tinha me proporcionado uma primeira publicação minha de um artigo me
convidou para um evento em Campina Grande pra falar de livro didático e de todo esse trabalho
de apostilas que eu apresentei no COLI. No Congresso Brasileiro de Leitura. Então eu já estava
também dividido na iniciação científica, porque eu fazia uma iniciação científica na análise do
discurso. a minha iniciação científica era sobre o processo da meta iniciação em gêneros
diversos. E apesar de ter aprendido muito eu não estava realizado porque eu estava discutindo
um projeto da professora Dóris que eu aprendi muito, mas não era o meu desejo de pesquisa. A-
Sim.
E6/EC - Então eu fazia paralelamente. Então eu frequentava os congressos de Linguística, por
exemplo, eu conheci aqui na Federal do Ceará justamente no congresso do GEO e da
ABRALIN apresentando. Apresentei um pôster foi o primeiro pôster que eu apresentei que me
deu iniciação em entrevistas orais e escritas então eu fazia a atividade de iniciação científica
com um corpus. Analisei estilo, autoria, estilo recortado e paralelo. Eu tinha pesquisas sobre o
livro didático. Orientadas pela Márcia Mendonça. Daí eu participava do COLI e aí, eu encontrei
outras pessoas. Foi uma apresentação do COLI sobre o trabalho das apostilas que eu fiz logo no
início da graduação ela me chamou, “vem cá menino tá fazendo o quê? Vem pra cá termina e
vem fazer seu mestrado aqui em São Paulo”. E aí eu comecei, foi nesse movimento de conversar
de COLI que eu me encontrei. Comecei a descobrir uma disciplina chamada linguística aplicada
porque essa palavra no curso ninguém nunca falou. Eu nunca tive uma disciplina de linguística
aplicada apesar de no curso ter o professor Matos que é um dos primeiros de linguística aplicada
ser do departamento. Eu nunca tive esse nome de linguística aplicada nem no ensino de língua
estrangeira nem no ensino de língua materna. Eu tinha linguística aplicada assim. Linguística no
ensino, mas o nome linguística aplicada ele era novo. E claro que eu descobri isso já no final do
curso nesses congressos do COLI. A Roxane me convidou para apresentar no IMPLA. Então
era um momento assim. Eu era um aluno da graduação. Pra você ter uma idéia eu fui convidado
pela Roxane Rojo e pela professora Maria da Graça Costa Val para ser debatedor em um
simpósio sobre o livro didático. A- Ótimo.
178
E6/EC - E aí eu não tinha dinheiro pra ir até São Paulo, porque não tinha. E aí eu fui até o
Reitor pedi uma carta. Falei, olha eu sou aluno de graduação tenho uma pesquisa fui convidado
pra ser debatedor de um simpósio sobre livro didático, e aí eles me pagaram. Porque quer dizer
naquela época isso foi em dois mil e um, quer dizer, passagem de avião também não era assim.
A- Fácil né?
E6/EC - Fácil. Então eu consegui uma passagem de ônibus e esse trabalho das apostilas ganhou
um prêmio também na universidade que teve lá de pesquisa de iniciação científica e aí eu peguei
esse dinheirinho do prêmio e o dinheiro que a reitoria me deu a passagem. E eu vim ser
debatedor do IMPLA e nisso a graduação acontecendo. E você vê que na vida a família, a
graduação, a pesquisa, a iniciação de um trabalho. Minhas pesquisas que eu digo de interesse de
ensino de livro didático. Foi aí que eu resolvi montar um grupo de discussão virtual que agora
vai fazer dez anos. Discutindo esse tema livro didático né? E aí começou uma rede nacional pra
discutir essa temática, né? Então, por que eu estou querendo chegar aí? Porque isso tem a ver
com como é que foi a minha entrada na universidade foi primeiro saindo de Pernambuco para
fazer o mestrado. Porque eu fiz a minha seleção do mestrado e eu ainda não tinha terminado a
graduação. A seleção na UNICAMP ela foi em agosto e eu terminei minha graduação em
dezembro. Então eu já tinha sido aprovado. Eu já tinha ficado desempregado. Voltando lá minha
bolsa acabou a Márcia Mendonça ficou, como amiga, falou “Clécio não dá. Você com filho
você tem que procurar uma escola”. E aí ela me indicou uma escola grande uma escola uma
escola muito conceituada em Recife uma rede em todo o Brasil né. Os colégios chamados
Marista. Então eu fui substituir uma professora que estava de licença maternidade e aí
novamente eu voltei pras salas de aulas de sétimas séries. Trabalhava com um livro que era o
ALPE. A- Sei.
E6/EC - E lá tinha uma divisão de professores de redação professor de Português e eu era
professor de gramática e aí era um ó porque eu dizia gente eu não me formei pra ser professor
de gramática e como é que eu faço? E a escola já divide. Então ali eu comecei a ter alguns
impasses porque eu estava em uma escola com vários professores de língua. Eu era um
professor que estava saindo da universidade e tendo que lidar com essas situações quer dizer, eu
uso ou não uso a gramática? Como faz isso? Como que eu adoto um paradidático? Como que eu
lido na reunião de pais? Como é que eu faço uma avaliação? Tudo isso que a universidade não
deu conta de trabalhar eu estava vivendo ali. Intensamente e aprendendo muito nesse processo.
E aí a migração para Campinas pra fazer o mestrado e, ao chegar em Campinas a minha entrada
não se deu diretamente na Universidade. Eu começo com os cursos de formação de professores.
Então essa é que é a grande questão. Eu não começo diretamente na Universidade. Eu começo
com o curso de formação de professores. Mas por que isso? Porque com bolsa de mestrado
naquela época não podia ter vínculo empregatício. A- Sim.
E6/EC - Então o que acontecia? Eu acabei entrando pelas formações. A professora Cláudia
Vóvio que foi também um encontro interessante, porque eu conheci a Cláudia nos corredores da
UFPE como aluno de graduação. E eu passei no corredor e vi assim curso de leitura e a
professora Cláudia Vóvio. Como a Universidade estava em greve eu falei: ah eu vou assistir.
Entrei nesse curso era a Cláudia Vóvio. Lindo maravilhoso o curso e depois eu reencontrei com
a Cláudia. Ela no doutorado e eu no mestrado e como ela trabalhava numa ONG chamada Ação
Educativa que tinha vários cursos de formação de professores para jovens e adultos, ela me
convidou. Disse: Clécio você não quer dar um curso lá que era um movimento popular na zona
leste de São Paulo. a gente está precisando de formador. Então eu comecei a sair. Então eu
comecei já com a formação do formador de professores. Então eu comecei a trabalhar com esse
projeto da ONG Ação Educativa. Comecei a dar acessórias em algumas escolas. A- Ótimo.
E6/EC - A UNICAMP tinha um projeto de formação de professores que é um programa do
estado de São Paulo que chama Teia do Saber que chamava os alunos da pós-graduação pra
trabalhar aos sábados com professores. Então eu comecei a trabalhar no Teia. Eu fiz esse projeto
do Teia do Saber desde dois mil e três. Então eu fiz quase cinco anos, sendo formador. Depois a
UNICAMP acaba também criando o Centro de Formação de Professores que é o CEFIEL que
eu acabei também como professor e o grupo fazendo o material pra formação de professores.
Então eu acabei em São Paulo atuando muito na formação de professores em curso de
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especialização. Lato Sensu, isso muito no mestrado. Sendo que em dois mil e cinco eu já estava
com dois filhos numa situação que eu morava na moradia estudantil da UNICAMP.
E6/EC - E eu estava numa casa muito pequena e a bolsa não tinha como, terminou o mestrado e
eu falei e agora? Termina a bolsa do mestrado eu estou novamente desempregado e agora com a
família maior. Agora com duas crianças dentro de uma moradia estudantil da UNICAMP e eu
falei não agora é hora de ter um carro de ter casa maior de dar conforto pra família eu já estava
com dois meninos e eu falei não então agora. Eu tenho que procurar outra questão. Eu fiz uma
seleção em duas faculdades privadas da região de São Paulo onde eu trabalhei, durante cinco
anos, que é uma faculdade chamada Network, onde eu trabalhei. Ela não tinha curso de Letras.
Então eu fui professor do curso de pedagogia e várias disciplinas. Eu diria que foi uma grande
aprendizagem porque eu dei vários cursos de várias disciplinas. E paralelamente eu trabalhei em
outra cidade que é Jundiaí no Centro Universitário Padre Anchieta. No curso de Letras, mas aí
sim. Já era com a disciplina de Prática de Ensino, quer dizer, o meu contrato no Uni Anchieta já
era para disciplina de Prática de Ensino.
E6/EC - Eu acabei. Aí eu não sei se você quer que eu fale um pouco dessas disciplinas.
A- Lógico quero toda essa história.
E6/EC - No meio aí tem, claro, uma publicação de um livro que se chama Formação de
Professores que quando eu saí. E aí é interessante também eu voltar pra essa questão do livro
que eu acho que foi uma publicação na minha história acadêmica. A- importante.
E6/EC - Importante por quê? Porque eu fui professor de ensino médio também nessas. Olha eu
já tinha esquecido coisa. Por isso que é importante que a gente trabalhe com memória porque a
gente vai voltar e tem mais coisa viu como é que chegou ao ensino médio, porque eu não falei
disso né. Eu não achei o ensino médio na minha graduação. O ensino médio ele estava ausente
na minha formação. A gente discutia muito Língua Portuguesa Fundamental dois, mas ensino
médio não me lembro de pouquíssimas discussões de ensino médio. E eu acabei sendo
convidado em dois mil pra ser pra dar aula num cursinho popular numa cidade paulista, éh.
Aulas aos sábados e domingos para alunos carentes que queriam fazer a universidade. Então lá
vai, eu para uma experiência de cursinho. Nessa experiência de cursinhos que eram aulas que
eram voluntárias né. a gente tinha um rodízio de professores, né? A cada sábado e a cada
domingo o professor ia e dava a sua aula. Eu comecei e me engajei e terminei saí coordenador
do cursinho. E no meu Orkut é engraçado porque lá tem todas essas comunidades da primeira
escola, do cursinho, a participação que eu trabalhei da universidade e é legal porque ali você
tem os espaços, onde a gente vai. Então o ensino médio ele entrou nessa linha. Ele entrou
primeiro nessa discussão do cursinho e eu conversava muito com a Márcia Mendonça que foi
sempre uma professora e o quê que aconteceu? A gente vai esquecendo viu, você depois vai
vendo aí. A gente faz muita coisa né? A gente não cansa de falar.
E6/EC - Bom. Então vou voltar pra graduação, quando eu fiz a disciplina de Prática de Ensino
eu gostei tanto dessa coisa de prática de ensino, tudo bem que as outras disciplinas falavam de
ensino, mas foi tão gratificante ter essa disciplina de Prática de Ensino. E aí eu pedi pra
professora Márcia Mendonça pra ser uma categoria que a gente batizou de bolsista monitor
voluntário. Então veja além da iniciação científica e além de tudo que eu fazia eu era monitor
voluntário da professora Márcia Mendonça na disciplina de prática de ensino e a gente
conversava muito. E uma dessas conversas que até no primeiro capítulo do livro. Desse livro
que é Português no Ensino Médio e Formação de Professores ele surgiu inclusive dessas
conversas. Porque a gente queria selecionar o material pra falar do ensino médio e cadê? Cadê
um livro que fale do ensino médio? Cadê? Mas a gente quer discutir a oralidade no ensino
médio, ah não tem. Ah a gente quer discutir produção de texto, até que encontrava algumas
coisas, mas então a gente acabou esboçando um livro pensando nessa ideia de ensino médio e
formação de professores. E eu vim pra São Paulo e a ideia veio junto. E aí eu cheguei e a minha
entrada então antes da Universidade, de fato se você pensar em carteira assinada foi em 2005
com a Network e com o Centro Universitário Padre Anchieta foi transformação. Eu comecei a
me engajar com esse processo de formação porque eu já tinha lá um livro sendo preparado,
porque eu comecei a preparar o livro em dois mil e três, porque eu convidei a Ângela. A
Roxane, a Malu fez o prefácio que também ela estava envolvida na orientação curricular do
ensino médio. Então esse contato com essas pessoas também levou um tempo. A gente foi
180
selecionando com calma. Então não foi um livro feito do dia para a noite foi um livro feito
durante três anos, porque a gente queria convidar pessoas que tinham até que estudar. A- Certo.
E6/EC - Eu me lembro de muita gente dizendo “eu nunca escrevi sobre ensino médio eu vou ter
que estudar o ensino médio pra poder falar”. A Ângela mesmo, a própria Roxane falou: não, eu
não vou escrever como orientanda, porque não é a minha área e a gente viu também que a
própria academia tinha que ter um tempo, sabe? “Vamos estudar o que é isso. Vamos escrever”.
Então a minha entrada é pela formação de professores e por uma necessidade. Eu diria de
sobrevivência né. Eu tive que me submeter a fazer um doutorado. E foi muito gratificante mas é
de sobrevivência e não dá pra negar que não é. de ter umas dez disciplinas semanais. né. mais o
doutorado e mais essas aulas de formação de pós-graduação e de especialização aos sábados.
Então foram aí, anos intensos que eu digo de dois mil e cinco até dois mil e nove quando eu
defendo doutorado né?
A- E nisso você estava trabalhando no ensino?
E6/EC - Trabalhei no meu mestrado eu trabalhei sobre o livro didático e não poderia deixar de
ser né. Então eu fui estudar como é que o livro didático é produzido. Então eu entrevistei seis
autores de livros didáticos de ensino médio. E também o ensino médio estava ali borbulhando e
no doutorado eu fui estudar o uso do livro didático. E aí eu fui estudar o uso no ensino
fundamental.
E6/EC - Então eu posso falar um pouquinho como é que foi essa experiência na Network. E no
Centro Universitário Padre Anchieta na Network eu lecionei várias disciplinas ao longo desses
quase cinco anos, foi em dois mil e cinco dois mil e seis, dois mil e sete, dois mil e oito e dois
mil e nove foram cinco anos que eu trabalhei nessa instituição sempre no curso de Pedagogia.
A- Em Jundiaí?
E6/EC - Não, em uma cidade chamada Sumaré. Ao lado de Campinas e lá eu era responsável
pela área de linguagem. Então eu trabalhava com disciplina desde Leitura e Produção de Texto.
Pra o letramento acadêmico dos alunos, que ingressam no curso de Pedagogia. Trabalhei com
uma disciplina chamada Literatura Infantil. Trabalhei com uma disciplina chamada
Alfabetização e Letramento foi aí também que eu fui estudar muito. E foi por isso que eu tive
coragem de fazer um concurso na Pedagogia, porque se você olhar pra minha graduação.
Poderiam me perguntar, lá a banca do concurso, mas cadê a sua experiência como de primeira a
quarta série? Então as minhas leituras que eu tive que fazer pra entender desde o método de
alfabetização de Emília Ferreiro e de vários autores. Foi nessas disciplinas que eu lecionei
sozinho porque a instituição era muito pequena então ela tinha um professor pra dar conta de
todas essas disciplinas. E consegui mudanças curriculares. Hoje ele tem seis disciplinas voltadas
pro ensino de língua no curso de Pedagogia que foram essas disputas. Cada vez que eu dizia não
vamos fazer uma disciplina a mais. Então eu consegui introduzir a disciplina Estudos do
Letramento. Então os alunos têm um ano de Estudos do Letramento, um ano Fundamentos de
Alfabetização e um ano de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa. Então hoje a grade é
composta de quatro disciplinas.
A- Isso na universidade hoje?
E6/EC - Não. Isso lá na Network que eu consegui construir esse currículo, eu cheguei e só tinha
uma. Era metodologia onde a professora dava alfabetização e metodologia. E eu falei: nas
mudanças de que vai pra três e meio. Toda vez que era possível eu fazia uma luta política e saí
da instituição cumprindo meu papel. Na biblioteca da faculdade tem muitas coisas sobre esse
tema. E ela tem, hoje, uma grade que o aluno chega, tem uma disciplina sobre estudos do
letramento durante um ano. Depois ele tem um ano de fundamentos da alfabetização e depois
ele tem um ano de metodologia de Língua. E depois ele tem um ano de Literatura infantil.
A- Isso pra se tornar um profissional?
E6/EC - Isso pra formar um profissional de primeira a quarta série e o estágio ele é concentrado
nesse terceiro ano na disciplina de metodologia. Mas o estágio não foi algo resolvido ainda. É
aquele estágio que o aluno vai e faz quando quer, quando puder. Sem uma orientação porque
salas superlotadas e oitenta alunos que o professor não tem aí um fôlego né. Eu brigava dizia
olha gente não dá. O esquema de estágio ele não é o melhor possível. A- Certo.
E6/EC - No Centro Universitário Padre Anchieta eu tive uma experiência diferente por quê?
181
E6/EC - Eu espero que não seja chata a conversa né. Porque tudo pode ser ruim, mas o bom é
que a gente está conversando.
A- Não, imagina... A conversa está ótima.
E6/EC - E lembrando porque isso é bom. A gente lembrar da vida da gente. A- Muito bom.
E6/EC - éh. No Padre Anchieta era diferente porque eu fui pra um curso de letras em que a
palavra ensino era um pecado. Ninguém queria falar de ensino. E também por ser um curso
pequeno os meus colegas de Literatura, nenhum deles. Muito pouco dois ou três. Dois na
realidade um pra literatura portuguesa e um pra literatura brasileira. Não queriam discutir
ensino. Queriam discutir a Literatura Portuguesa e a Brasileira. Isso que eles faziam nas aulas.
Lá tinha um embate muito grande com os professores de Língua Portuguesa porque o currículo
era a gramática e era um impasse porque eu acabava de dar uma aula de Metodologia fazendo
algumas críticas ao ensino da gramática e entrava o professor de Morfologia com a gramática. E
o aluno dizia. Professor você está falando aí, mas a gente vai ter agorinha a professora tal que
vai isso então era uma questão e não havia um espaço para discussão. Era uma instituição
privada, cada um vem no seu dia. Cada um faz o seu trabalho o que importa é quantas horas
você trabalha. Não tinha um projeto coletivo e isso significa que o estágio era feito de outra
maneira. Eu não era responsável pelo estágio. Era outra professora de língua estrangeira que
supervisionava o estágio de língua materna que era aquela ideia de supervisionar o estágio. Ele
não era orientado e lá eu trabalhava com disciplinas de Práticas de Ensino. Agora de língua
materna e língua estrangeira o que significa que quando eu era um professor de língua
estrangeira quando eu ocupava essa disciplina ele não tocava em nenhum ponto de língua
materna. Então era um currículo que eu diria bastante complicado, porque era um curso de três
anos onde os alunos tinham Práticas de Ensino um dois três quatro cinco e seis, mas Práticas de
Ensino. E aí normalmente quem, nas divisões desta instituição, quem ficava responsável por
essas disciplinas de Prática de Ensino era no momento uma professora de língua estrangeira.
Porque ela tinha uma dedicação lá por conta da avaliação do MEC que dizia que alguém tinha
dedicação exclusiva pra quando chegasse a avaliação do MEC dizer que tem um ou outro
professor que tem dedicação exclusiva a ela.
E6/EC - Então ela acabava assumindo então eu diria que o curso era um curso de Português-
Inglês de licenciatura dupla, mas que os alunos podem ter uma disciplina de prática de ensino se
o professor for de prática de ensino de língua materna senão ele pode ter como já aconteceu.
Uma turma que eu peguei na Prática de Ensino seis e que eles não tinham visto nada ainda de
Prática de Ensino de Língua Portuguesa. E aí claro que isso quando eu olhava pra Network com
um currículo que eu achava mais confortável e tal e tal e quando eu olhava para o curso de letras
e lendo sobre historia do curso de Letras, e lendo que parece que ninguém queria discutir o
ensino. Poucas instituições que fizeram reformas então eu acabei dizendo olha eu não consigo
assim. Eu não consigo trabalhar nessa fragmentação. A- Certo.
E6/EC - E foi o momento da escolha do concurso e na hora de fazer o concurso para uma
faculdade pública. Eu me inscrevi em duas na UFMG e na UNEFESP e aí nos dois a opção foi
educação, aí eu já tinha assim um pé eu já estou falando como pedagogo. Eu já estou mais na
área. Às vezes, eu me sinto até mal porque algumas visões que eu tenho hoje da escola e da
educação. Eu não encontro muito eco nos cursos de Letras e, às vezes eu assim, a minha
isotropia a minha réplica ela fica meio, como falando isso do curso? Como falando isso da
educação? Numa prova ontem, por exemplo, no congresso ter falado abertamente na mesa
pedindo desculpas aos pedagogos ou curso de Educação, né? Quando eu nunca vi na Educação
alguém pedir desculpas pra falar mal do curso de Letras. Então há historicamente uma cisão
entre o que é educação e o que é letras e linguística. Então eu digo como é que é isso? Acho
estranho que tenha uma formação em Linguística Aplicada, mestrado e doutorado em
Linguística Aplicada e que tenha no curso de Letras e que agora migra para Pedagogia.
A- É curioso porque parece que são dois times né?
E6/EC - Sim. Então a minha experiência foi um pouco nessa direção. No curso lá no Anchieta
eu também tive a experiência de trabalhar com o curso de psicologia da aprendizagem porque é
de novo essa briga? Se joga o aluno pra fazer Psicologia da Aprendizagem, lá na Educação, o
aluno não consegue discutir sobre linguagem. E eu falei com o coordenador: olha eu queria dar
um curso de Psicologia da Aprendizagem, mas que o foco fosse língua e linguagem. Porque eu
182
acho que é isso que um professor de Letras. É isso uma das coisas que ele tem que pensar é em
como é que eu ensino gramática que é algo super conceitual. Se eu não tenho nenhuma teoria
conceitual. Vygotsky pra discutir formação de conceitos ou Piaget. Então eu tentei no Anchieta
fazer. Lecionei durante um ano, um ano e meio a disciplina de Psicologia da Aprendizagem um
e dois. Mas trazendo em sala de aula a língua materna, situações de ensino e aprendizagem.
Livros didáticos, softwares educativos, quer dizer, aulas tanto da Psicologia, mas numa interface
com Linguística e com os estudos da linguagem né. Principalmente aí já trazendo o Vygotsky, o
Piaget, o Bakhtin nessas disciplinas de Psicologia e, eu achei também que foi uma experiência
bastante rica.
E6/EC - Não sei se eu estou indo pra outros caminhos.
A- Não.
E6/EC - éh. Ela vai. A- ela vai sendo respondida por outra né.
E6/EC - Eu posso falar do hoje. Eu acho que eu falei muito do passado, né?
A- Você está trabalhando com o quê na sua faculdade?
E6/EC – Então, na realidade é um campus da chamada Escola de Filosofia e Letras de ciências
humanas então é um campus da área de humanas. A- Sei.
E6/EC - Nós temos vários cursos de licenciatura no discurso. Na prática eu acho que não temos
nenhum, nem mesmo a Pedagogia, eu acho que ainda é um curso de licenciatura porque ainda
tem uma briga dentro do curso de Pedagogia se ela forma um professor. Se ela forma um
pedagogo se ela forma.
A- E a universidade tão nova. Ela já nasce.
E6/EC - Ela nasce porque quem faz a base inicial. São os professores da USP que são
convocados pra fazer a grade e por isso que tem a tradição de bacharelado. A- Sim.
E6/EC - É um curso de licenciatura. Então você pega a grade e ele tem Fonética, Fonologia.
Literatura, língua estrangeira e ponto. Outro semestre, Morfologia, Literatura e ponto. O ensino
está sendo jogado para o fim. A- um dia.
E6/EC - Um dia. E o concurso também vai chegar ao fim, porque agora como o curso é novo.
E6/EC - Eu vou falar da Pedagogia que a Pedagogia era. As diretrizes curriculares do MEC
sinalizam que é para formação do professor. Mas a gente sabe que dentro da Pedagogia não são
todos que concordam. Então há os professores do fundamento e os professores que trabalham
com sala de aula. A- Certo.
E6/EC - E mesmo a disciplina de currículo. Os alunos sabem muito sobre teoria do currículo.
Mas me espantam quando eles vão pro estágio e falam coisas do tipo “ah agora que eu estou
entendendo o que é escola”, mas ele fez a disciplina de currículo. Mas aquela disciplina de
currículo não analisa currículo. Não analisa sala de aula. Não analisa Parâmetros Curriculares
Nacionais. Não analisa livro didático ela dá um panorama das teorias de currículo.
A- E nem o currículo da própria instituição está incluído?
E6/EC - Não. Eu então me pergunto como é que uma disciplina que não teoriza o currículo dá
conta do currículo prescrito real do cotidiano. Então a Pedagogia os alunos reclamam que tem
essa divisão os professores de fundamentos concentrados no primeiro e segundo ano, agora vem
a luz e os professores de metodologia concentrados no terceiro, quarto ano. E a minha disciplina
é uma disciplina chamada Fundamentos Teóricos e Práticos no Ensino de Língua Materna que é
a disciplina pra pensar em ensino. Há outra disciplina que geralmente a professora Cláudia
Vóvio que ministra que é Alfabetização e Letramento que também tem o foco voltado para o
ensino. Mas muito nas questões da alfabetização.
A- E esse seu aluno hoje ele atua em que série?
E6/EC - Ele trabalha como professor de Educação Infantil até o quinto ano.
A- Certo e não é você. E6/EC - Ele é polivalente.
A- Você não ministra pra licenciatura da Física, da Matemática. E6/EC - Não, não, não.
A- Você está voltado para o ensino de linguagem, né?
E6/EC - De linguagem. Agora como é um projeto, porque essas disciplinas elas tem lá como é
um curso de humanas. A gente não tem essas outras licenciaturas. Tem é uma disciplina
chamada Domínio Conecto que a gente oferece pra os outros cursos. Então agora eu estou
oferecendo uma disciplina chamada Literatura e Ensino para alunos de História e Filosofia.
A- Certo. Mas por outro lado de primeira a quarta também tem a ciência.
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E6/EC - Tem. Aí são outros professores né. A- A parte de ciência é outra coisa né.
E6/EC - Aí tem o professor de Metodologia, né? Tem o professor de Metodologia de Ciências.
Agora claro que na minha disciplina eu já começo falando olha gente infelizmente a disciplina é
Língua Portuguesa, mas eu gostaria que fosse linguagem. A- sim.
E6/EC - Isso é uma discussão que eu falo logo estou falando de linguagem.
A- E eu acho que até a indicação do próprio MEC.
E6/EC - Tanto que os alunos, tanto que eu trabalho com várias coisas mostrando que ela é
linguagem de mapa, mostrando que é linguagem de divulgação científica. Tanto que muita
atividade que eu faço com os alunos, ao longo do curso, é mostrando que ler e escrever não é
algo que ele vai, principalmente de primeira até a quarta série, que o professor ele organiza o
seu tempo e o seu espaço. Não é necessário ele ficar quebrando aquele tempo da aula dizendo
agora são duas aulas de Português. Duas de matemática. Ele tem uma abertura, mas a graduação
por inúmeras razões ainda é organizada. Esse é o embate que eu tenho. Que eu acho que a
leitura e a escrita ela é de todas as áreas. Ela não está só em alguma disciplina específica. Vou
dizer olha a grade é essa a disciplina que eu sou responsável é fundamentos teóricos e práticos
de ensino de língua materna. Além disso, a Unifesp tem um programa que eu adoro que eu
admiro que é um programa de residência pedagógica. Nos não temos o estágio nós temos um
programa de residência pedagógica e eu coordeno o programa de residência pedagógica na
educação infantil. Então hoje eu trabalho com as creches de crianças de zero a três anos. É um
programa na realidade que envolve mais de cinquenta por cento dos docentes do curso que
também eu acho uma novidade porque o estágio ele não fica lá no final apenas e não envolve
poucos professores. Que a minha sensação com letras a gente tinha dois colegas que eram
professores de estágio os outros eram professores de outras coisas, quando não é lá na
Educação. Você faz estágio lá na UNICAMP não aqui você faz as disciplinas teóricas lá na
Faculdade de Educação se faz o estágio. Lá não, lá a gente tem o Curso de Pedagogia, onde
mais de cinquenta por cento dos docentes trabalham na residência pedagógica e é um projeto em
parceria com as escolas. Então semanalmente quer dizer a gente tem grupos de alunos.
A- E essa residência pedagógica dura quanto tempo?
E6/EC – Então, a duração é o tempo que o MEC determina pra cada estágio na pedagogia. Eles
precisam fazer obrigatoriamente trezentas horas na licenciatura são quatrocentas horas. Na
pedagogia são trezentas então elas é distribuída em quatro modalidades. Educação infantil,
fundamental, educação de jovens e adultos e gestão educacional. Então os alunos passam por. o
que a gente chama de quatro residências. Tem aí um diálogo com a residência médica porque
eles vivem o cotidiano da escola. Então eu posso falar um pouco até sobre a educação infantil
porque é o que eu tenho trabalhado agora. Os alunos, eles chegam à escola as seis e quarenta e
cinco da manhã e vivenciam até as duas da tarde. Eles ficam imersos. Então o trabalho tem uma
abordagem etnográfica de imersão no campo. E, ali, ele trabalha com o professor, eu digo:
“vocês não vão observar vocês vão viver a escola.” Então eles vivem. A- hum.
E6/EC - Então não tem essa divisão agora você vai fazer o estágio, agora você vai observar não,
não tem. Você está observando e você está vivendo, você está cantando. Você está participando
de reuniões. Então eles vivem tudo. Então se tem uma reunião de pais eles participam. Ou uma
reunião de trabalho eles participam. Se os professores vão fazer uma formação naquela semana
eles participam. E essas professoras, nós as chamamos, de professoras formadoras.
A- certo.
E6/EC - E é uma parceria da universidade com a escola. Pra você ter uma ideia a gente tem uma
van que leva esses alunos até as escolas e trazem. E os professores também vão, então a
academia meio que tira um sei lá, abaixa um pouco a bola e diz assim: “olha eu estou aqui na
escola também”. Então toda semana eu tenho uma reunião com as educadoras com as alunas.
Numa sala assim que a gente chama de reunião de residência pedagógica, onde a gente vai
discutindo coisas da própria creche, as leituras as discussões.
A- Você está escrevendo isso? E6/EC - Se eu estou escrevendo sobre isso? A- éh.
E6/EC - Um pouquinho. A- E quando vai publicar?
E6/EC - Em breve eu tenho um blog. Trabalho com elas com blog e diariamente elas escrevem
no blog sobre a residência e é um trabalho intenso. Sendo que são pequenos grupos também.
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Interessante que é bem próximo a residência médica. Eu não posso ter grupos grandes. Então a
cada mês eu só posso acompanhar quatro ou cinco alunos.
A- Agora só por curiosidade você acha que essas palavras esses nomes essa sua categorização,
residência isso e tal interferem na autoestima do pessoal que está inserido no programa? É que
eu ando pensando muito sobre isso, é só uma curiosidade.
E6/EC - Tem algumas pessoas criticaram já. Mas na verdade é um grupo criado por um grupo
inicial da pedagogia, né. Eu não participei da criação do programa. Eu estou construindo a
história fazendo o programa. Eu cheguei o programa já estava implementado. Há algumas
críticas em relação à valorização do nome residência como algo da medicina, né. Como algo
que se aproximasse dos médicos ou do status que a medicina teria. Eu não vejo por aí vivendo o
programa, né. A- Pois.
E6/EC - Isso na escola acontece né. Isso na escola acontece inclusive os nomes mudaram todos
pra você ter uma ideia. É um programa de residência pedagógica. Eu sou um preceptor. Então
não sou chamado professor de estágio não. Sou preceptor daquele aluno né. Eu sou quem
acompanha aquele aluno na escola no campo.
E6/EC - O aluno é residente. A- de novo é a linguagem.
E6/EC - A própria escola ela vai dizer assim. A- construindo esse sujeito né.
E6/EC - A escola não diz assim. Olha lá vem um estagiário. A- o professor.
E6/EC - Até porque a professora é livre pra aceitar ou não, ela pode dizer que não. Não é
obrigatório. É um contrato com a escola. Quando ela aceita o residente. Ela tem vários
residentes ao longo do ano. Então ela sabe que vão estar entrando e saindo pessoas o tempo todo
daquela sala pra trabalhar com ela. E como eu sou da creche. Eu não tenho a sorte talvez de não
ter uma educadora só na sala de aula, eu tenho três. A- certo.
E6/EC - Então na realidade é mais uma. Então pensando no contexto de trabalho é três
educadoras contratadas pelo município uma residente e trinta crianças.
A- Certo. Porque isso é muito interessante. E6/EC - Sim. Até porque não é fácil não.
A- E de novo essa coisa a universidade, né? Nós estamos dentro da universidade, estamos
ligados a universidade e nós temos um pensamento e o departamento tem outro. E6/EC - éh.
A- A sintonia ela é, às vezes, ela acontece. E6/EC - Sim e, às vezes, não. A- E às vezes, não.
E6/EC - Tem funções, né. Mas o movimento também não é colocar o residente num colégio de
aplicações e isso foi muito discutido. Se a gente iria criar um colégio de aplicações ou se a gente
iria optar por escolas públicas. Então essas residências elas não acontecem em escolas privadas.
A- Certo.
E6/EC - E nem o curso de pedagogia tem interesse em ter um colégio de aplicação.
A- Mas o nosso é um colégio de aplicação público.
E6/EC - Sim. Mas eles não têm assim. Já foi cogitada a ideia de ter como a USP tem uma
creche, por exemplo, no modelo e a pedagogia o curso de pedagogia da Unifesp pelo que eu
tenho acompanhado acredita que para esse aluno a informação é muito mais rica em ter
experiências no município. Tanto que os alunos hoje pedem. Ah posso fazer minha residência
em São Paulo? Posso fazer minha residência em Jundiaí? Eu falo não. Você tem escolas que
estão preparadas. Estão abrindo as portas para receber a residência porque eles inclusive, nós
acreditamos num diálogo entre os residentes. Por isso que eles vão em pequenos grupos.
A – Sim, porque a gente tem até um termo que a gente, passagem de plantão. A- Certo.
E6/EC - Que é quando um grupo sai e entra o outro. Por isso que o blog funciona. Porque um
grupo quando entra, o outro já está acompanhando. Já está percebendo e a gente vê diferenças.
Uma pessoa entra numa sala e vê uma coisa, a outra entra e vê outra coisa completamente
diferente porque essas relações elas vão acontecendo ao longo. Essas interações esses sentidos.
Então está sendo uma experiência. Eu não tive um tempo assim que são tantas novidades. Os
dados, o blog, os trabalhos. É meu primeiro ano na universidade eu estou ainda assim, meio
aprendendo coisas pra parar pra falar sobre com mais cuidado. Quero estudar muito o blog eu vi
a fala da Vera ontem e, falei olha eu quero voltar, porque hoje é uma dúvida que eu tenho o
blog. Que tem algumas colegas que criticam o blog. Mas o blog na universidade não é algo que,
como tem abordagem etnográfica, os professores fazem é o diário de campo. E hoje eu tenho
essa atenção, olha o que o diário de campo me traz? Então, hoje, eu estou inclusive
conversando com os alunos. Todos os alunos e eu dizemos: olha o que vocês acharam? Eles que
185
passam por outras residências utilizando o diário de campo. Vocês olharam alguma diferença? E
a gente já conseguiu perceber. Eu já consegui perceber umas coisas, por exemplo, o blog tem
um dialogismo diferenciado porque não tem ninguém que o comente, então eu sou leitor do
blog. A- Certo.
E6/EC - Enquanto no diário de campo a postura do professor, muitas vezes, você corrige erros e
ele faz nota. E então eu não li muitos diários porque eu já conversei com uma colega que
trabalhava com blog. Mas eu já percebi alguns alunos comentando. O diário ele é mais lido
como avaliação e o blog eu uso, porque eu tenho essa necessidade de socializar essas
experiências e o colega comenta. A- Certo.
E6/EC - Então tem várias comparações. A- E o próprio suporte dele, é diferente.
E6/EC - Apesar de ter comparações, por exemplo, tem colegas que dizem. Mas no blog ele
escreve pouco. No caderno ele escreve vinte páginas. O aluno diz também que tem essa questão
de não conhecer o gênero, a ferramenta e eu assisti a fala da Vera. Por isso que ela apontou pra
mim naquele momento da conferência e voltei pensando e já vou reformular isso para o
próximo ano. E os alunos já vão ter um momento em que eles vão visitar blogs sobre a educação
infantil e da educação num primeiro momento pra depois eles produzirem.
A- Legal. Olha, nós já eliminamos duas perguntas aqui. Então me diga que saberes seriam
necessários para a formação do professor formador? E pra essa atuação do professor formador?
E6/EC - Marília Gabriela, né?
E6/EC - Em um minuto, né? Então eu acho que esse formador de professor.
A- E aí nós estamos com recorte de língua materna.
E6/EC - Sim. De língua materna eu diria que ele teria umas quatro questões, né. Poderiam ter
outras né, ou poderia ter várias. Mas eu vou tentar elencar quatro questões aqui que podem ser
importantes. Primeiro a velha e conhecida concepção de língua e linguagem que eu acho que
essa é essencial. A- É verdade.
E6/EC - Quer dizer e eu digo que essa é uma um conceito que vai atravessar toda a sua prática
seja como professor. Seja como formador de professor e aí como isso, eu lembro que essa foi a
primeira aula do curso de Letras, quando a professora Dóris falou concepção de linguagem.
Instrumento como código de interação e a gente vai ficar aqui nessa interação e vamos ler
Bakhtin e eu li Filosofias da Linguagem. Primeiro semestre de Letras em uma disciplina
Linguística três e eu não entendemos nada, mas ali já tinha uma posição política dessa
professora. Olha esse curso tem essa concepção de língua e a gente quer formar vocês nessa
concepção. Nem estou dizendo que é esta. Mas eu diria que um professor formador de professor
de língua tem que claro uma concepção de onde ele se oriente. No meu caso eu tenho me
orientado muito pela perspectiva que não é, por exemplo, como eu vi aqui no congresso
primeiro interacionismo sociodiscursivo. Não é a minha que eu tenho adotado. Então isso quer
dizer o quê? Que eu não levo pra minha sala de aula alguns textos que eu poderia levar. Porque
a gente sempre vai fazer escolhas. Então qual é a minha orientação? A minha orientação hoje é
tentar trabalhar em duas frentes. Uma é aquela concepção que me constituiu como professor e
professor formador e essa foi pelas disciplinas da graduação pela iniciação científica, pelo meu
mestrado, pelo meu doutorado e pelas leituras que eu fiz uma concepção Bakhtiniana sobre
língua e linguagem atrelada a uma concepção de aprendizagem vygotskyana. Então isso é que
orienta a minha disciplina, então eu tenho essa concepção. Eu acho que têm outras, mas eu acho
que um professor formador deve de seguir essa orientação. Olha eu acredito nisto e as minhas
escolhas em termos de textos e em termos de indicações de trabalho. Precisa partir daí essa
concepção hoje que eu assumo de língua e de discurso e de apropriação eu levo pra sala de aula.
Começando a discutir muito a própria esfera da escola. A- Sim.
E6/EC - Então essa, por exemplo, é algo que eu acho central. É um segundo ponto, o professor
ele tem que ter uma concepção de língua ele tem que ter uma concepção de discurso e de texto.
Mas essa concepção, se ele não tiver concepção de cultura escolar e de aprendizagem escolar,
fazendo essa ponte pode correr riscos que eu tenho visto de ter concepções de línguas.
Conceitos, categorias muito fortes e interessantes e coerentes. Mas que não dialoga com a
cultura escolar. Mas que não tem espaço na cultura escolar. Mas que não tem espaço na
formação dos professores então eu acho que pode criar um simulacro de um conjunto de coisas,
né? Então o que eu estou querendo dizer que nem toda teoria é válida eu, acho para trabalhar
186
com formação de professores e essas escolhas não podem ser útil pra todos, mas eu diria que a
minha. Eu acho que eu tenho que pensar no professor que aí está o porquê de eu ser apaixonado
pela escola. Cada vez mais eu tento compreender a escola como a esfera da atividade humana. O
que acontece ali do ponto de vista histórico para não cair no discurso que eu fui formado e
criticar a escola pela crítica. Tanto que eu até falei pra uma colega, “o professor não é adotado
pelo livro didático, porque a gente é formada com isso que o professor é culpado, que o
professor não é bom, que o livro didático é ruim. Então tudo da escola é ruim não se deve
ensinar gramática. Então olha pra escola com olhar muito negativo. E aí eu tento recuperar a
escola pela história da escola pela história das práticas escolares. Então é a gramática. Mas, por
que a gramática? É livro didático. Mas por que livro didático? É quadro negro. Mas por que
quadro negro? É tal método. Mas por que tal método? A- Entendo.
E6/EC - Então eu tenho então uma concepção de língua que não está atrelada a uma concepção
de sujeito. E uma concepção de prática escolar que dá a esse sujeito a tentativa de alterar
práticas. Mas eu acredito que ele só altera uma prática cristalizada historicamente como era a
escola e eu diria que era a religião num nível muito micro. Mas esse micro necessita de reflexão
sobre essas práticas então hoje eu estou num momento que eu não acho que é dando um curso
sobre Bakhtin que o professor vai sair dando as melhores aulas do mundo tanto que muita gente
falava. Mas Clécio pra que tanto Bakhtin? Mas eu não dou uma aula sobre Bakhtin. Eu uso
Bakhtin e as teorias que eu acredito, quando eu acho que essa teoria vai auxiliar o professor.
Que ele vai conseguir compreender alguma coisa do seu trabalho ou do aluno. E aí é uma crítica
que eu tenho ao curso de Letras, que eu via. Escuto em congresso, como eu convivo em
congresso de Educação Letras e Linguística Aplicada. Eu vejo a diferença de discurso sobre a
escola é muito difícil você ver alguém falando bem de um professor, de uma prática bem
sucedida é sempre um discurso da falta. Então falta, falta, falta... E parece que a teoria vai
resolver então por isso que talvez os bacharelados e as disciplinas teóricas. Elas ficam cada vez
mais, e aí você não tem disciplinas que estudem a escola. A história da escola a história das
práticas escolares. O professor naquele ambiente de trabalho, os dilemas daquele professor
dentro da própria escola. Os materiais que ele precisa conhecer. Aí tudo é muito crítico. Você
critica os parâmetros e critica o livro didático, mas você não coloca nada no lugar.
A- Verdade.
E6/EC - Então eu acho que tem uma ausência de uma ausência de pensar em escola e eu fiquei
mal no momento que eu descobri isso. Eu falei ai gente, será que é assim? Precisa ser assim?
Então não sei, se eu respondi. Mas retomando, eu acho que tem que ter uma concepção de
língua atrelada com concepção de linguagem porque quando eu levo uma música pra trabalhar o
som eu digo, olha você tem que saber questões de som. Não estou dizendo que você tem que ser
músico, mas trabalhar com oralidade significa pensar a diferença de uma voz de um coro.
Vamos ouvir músicas? Agora mesmo eu vou fazer uma seleção de músicas que eu quero que os
alunos escutem. A- Sim.
E6/EC - Para esse módulo um da disciplina que é a oralidade. Trabalho com a canção
justamente pra mostrar a diferença de trabalhar com a letra da canção e da canção. Pra olhar pra
canção ele tem que ter a apreciação da melodia do som dos instrumentos do coro de quem canta.
Então eu faço uma pequena seleção e ela tem que ter uma concepção de linguagem.
Trabalhando muito hoje com o verbal e visual isso orienta um pouco aí entram os gêneros que
eu vou levar também para os professores trabalharem. Orienta aquela sua pergunta de não ficar
só em Língua Portuguesa, então eu tenho que trabalhar com poemas e trabalhar com divulgação
científica, com mapa e, eu acho que isso tem a ver com essa concepção de língua e linguagem e
de escola. Quer dizer o que é possível fazer na escola? O que a escola tem feito?
E6/EC - Então eu tenho que trazer muitos depoimentos de professores.
E6/EC - Mas acho que o professor que forma ele precisa também conhecer muito e se aproximar
da cultura da criança e no caso do jovem. Eu diria que essa é outra questão pra trabalhar com
formação de professores. Então eu acho que, não sei se é porque eu tenho dois filhos e vou viver
inúmeras coisas com eles, mas eu acho que isso também me ajuda no sentido de pensar o filme
que eu vou poder trabalhar com a criança. Vou muito a cinema ouvindo músicas infantis. Ou
não porque eu também não trabalho com a perspectiva de que a criança tem que trabalhar só
com textos infantis. Hoje eu digo que pé um trabalho assustador porque eu tenho que estar
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vendo a produção em massa para criança desde jogos, então eu tenho que jogar Playstation.
Você tem que jogar. Playstation. Ir ao cinema. Ouvir a música da Adriana Calcanhotto para
crianças. Eu vejo isso como essencial para a formação de professores porque eu tenho que levar
um repertório. Então eu chego na creche e está tocando patati patata, eu tenho que dizer olha
tem patati patata, tem Xuxa, mas também tem palavra cantada a professora vai chegar com a
literatura infantil eu vou dizer, tem isso, mas também tem isso. A- éh.
E6/EC - Né? Ela vai dizer tem esse filme tem esse e tem aquele. E eu diria que é um trabalho de
formação cultural, mas olhando para a criança. A- sem dúvida.
E6/EC – Né? Porque também não adianta eu ficar fazendo curso de literatura lá porque eu estou
trabalhando com criança. Então eu acho que o curso de Letras acaba, já fazendo a crítica aos
colegas e infelizmente. Mas também faço à gente da Pedagogia. A cultura juvenil. Por exemplo,
né. É algo que não é discutido. Então estamos escrevendo agora um livro sobre. Continuando lá
a formação de professores no ensino médio, com gêneros que não circulam na escola. Eu vou
trabalhar com novela por exemplo. A Roxane vai trabalhar com vídeos, clipes feitos na internet.
Outras pessoas vão trabalhar com jogos eletrônicos, gêneros que os jovens usam e abusam. Mas
na escola ela não tem o espaço. Interessante então eu chegaria aí a essa questão de se aproximar
tanto da cultura do professor. E porque que eu digo a cultura do professor? Fazer o que eu
acabei de fazer. Comprar a revista Nova Escola concordando ou não concordando.
E6/EC - Porque eu preciso saber o que está rolando. Então tudo bem. Tem um monte de livro ali
do congresso, eu não li nenhum até agora. Mas eu fui lá, na banca, e vi planos de aula da língua
portuguesa. Porque quando eu chego lá pra trabalhar com os professores, muitas vezes é isso
que eles querem. Então eu tenho que ter assinatura de revistas sobre professores. E de todas que
circulam na escola Língua Portuguesa. Educação. Nova escola. Quer dizer talvez ajude a
resolver isso de fundamental um e a escola. Então eu fico lendo os textos que os professores
leem. A literatura que circula entre professores. Sobre ensino de língua materna eu tenho essa
preocupação. Então eu vou lá no Salto para o Futuro. Aí eu vejo o que é que tem lá na TV
educativa. Eu acho isso importante pra quem trabalha com formação inicial e continuada. A
pergunta era sobre formação de professores né. E eu acho que essas categorias e esses conceitos
que eu estou dizendo aqui são os que me constituem. Então eu fico muito feliz quando eu escuto
isso é o que mais me deixa feliz num professor. Agora mesmo eu estou dando um curso numa
especialização lá na Unicamp que eles dizem assim. A- Sei.
E6/EC - É o primeiro professor que fala que a gente entende e sabe qual é o nosso problema lá
da sala de aula. Eu não acho que é. Eu acho que é isso. O respeito pelo professor. Então eu hoje
lendo alguns trabalhos também do projeto né que fiz parte letramento do professor coordenado
pela Ângela eu aprendi muito isso com ela. Um respeito pela prática profissional. O ouvir o
outro, o tentar apreender os sentidos que aquele outro dá para a sua prática e que qualquer
teoria. Qualquer mudança que vá ser estabelecida não vai ser do dia pra noite. Ela vai ter que ser
coletivamente. E ela vai ter q ser feita é em grupo, ela vai ter que ser feita de forma que volte
pra sua escola. Mas ele sozinho ali a mudança é micro então eu estou hoje em um movimento
que assim. Inclusive essa disciplina que eu estou ministrando, elas falaram a gente queria
continuar e eu falei vamos, quanto é? Me perguntaram quanto eu ia cobrar eu falei nada. Eu só
preciso de vocês terem interesse. Terem espaço e a gente organiza então estamos caminhando
pra a gente tem um grupo de estudos. Dessas professoras que estão fazendo especialização para
discutir escola, então eu hoje sou meio apaixonado, pensando nessas linhas né. Retomando, é a
teoria sobre ensino é a teoria sobre língua. É uma teoria sobre o mundo sobre o conhecimento.
Mas é também se apropriar da escola das práticas dos professores. Visitar a escola. Tanto que eu
estou aí. Fui visitar uma escola em Salvador.
A- Então é até bom conversar com a gente, com ela aqui eu teria mais duas perguntas, mas eu
acho que elas já foram respondidas.
A- E aí vamos lançar essa outra aqui. Mas é só mais uma. O que é pra você formar um
professor? A- O que significa para você, formar um professor?
E6/EC - Formar um professor? Eu acho difícil a pergunta. Eu acho que é dialogar com o
professor no sentido de trazer o próximo e o diferente. Na realidade é. Eu digo, naquela linha
que eu tinha comentado. Até que ponto a prática me ajuda a compreender, a dialogar comigo,
traz as suas questões. Mas ao mesmo tempo também trazer questionamentos trazer indagações,
188
trazer texto e, aí eu vou citar o Bakhtin. Ninguém sabe mais qual é essa discussão no congresso
que a compreensão se dá justamente nessa questão de compreender o outro nas duas
consciências né. Eu sei que a formação de professores é uma arena. Não é um campo fácil
inclusive assim. Muita gente me chamava e dizia, mas você funciona. Ouvi muito isso. Mas
vem você que dá certo, vai você. Agora mesmo eu estou substituindo a Ângela e ela falou não
você é um bom professor de formador, o que é isso? Quer dizer, quando alguém me chama pra
fazer alguma coisa e diz não, você funciona você dá certo. Eu vejo assim, entendo por um lado
que é isso. Assim eu tento dialogar com o professor respeitando as suas práticas. Trabalhando
fazendo questões em sala de aula, mas não é um respeito. Assim, dizendo então tudo que você
faz sai bom então continue fazendo. Não tragam desafios, né. Mas tem que trazer desafios sem
negar o conhecimento da prática. Experiência a própria escola enquanto instituição. Trazendo os
conflitos que eles passaram pela formação de professores. Então às vezes é muito isso. Uma
pessoa que não tenha noção do que é a história dos cursos de formação de professor. Não tem
noção de como é que o ensino de língua vai sendo construído que não conhece os alunos. As
práticas culturais dos alunos que não conhece os materiais didáticos que professores trabalham
que não conheçam as revistas que os professores leem. Corre um sério risco de dar uma aula
super teórica, pensando numa escola imaginária onde tudo se dá. Tudo dá certo e aí? E acaba
ouvindo o que a gente ouviu lá com a Adriana comenta, isso funciona. Mas não dá certo e muito
conflito. Eu confesso a você que eu acho que sempre eu vejo muito conflito dessa área da
interação de professor formador e aluno num espaço. Principalmente numa formação
continuada. Eu acho que é dialogar. Isso não quer dizer no sentido Bakhtiniano negar o conflito.
Conflito faz parte de sala de aula.
A- Obrigada.
Entrevista com E7/ERJ
A - Eu gostaria que num primeiro momento você me falasse a respeito de sua formação
acadêmica e, sua formação profissional.
E7/ERj - Hum, eu tive que ser na raça profissional, como amanhã é o dia dos professores, né. A
Você começa na escola. Eu gostaria que você começasse lá na sua primeira escola;
alfabetização. E7/ERj- Vixe Maria!
E7/ERj - Bem de alfabetização, primário, eu fiz naquele tempo primário né, eu fiz em escola de
freira; no colégio interno uma parte, no semi-interno outra parte. Portanto era ensino
absolutamente tradicional, quase jesuítico. A- Certo. Então eu prestei admissão pro Caetano de
campos, e lá eu fiz o ginásio e o clássico. A - Isso onde?
E7/ERj No Caetano de campos, em São Paulo. A - Certo.
E7/ERj A escola normal, equivale ao papel, quer dizer, que Pedro II fez no Rio. Era uma escola
normal, grande, que depois virou um colégio grande e, que tinha; primário, ginásio, clássico,
científico etc. nessa época. Isso, evidentemente, antes de se transformar em segundo grau, né?
A - Certo.
E7/ERj - Portanto tinha Latim e, praticamente os ensinos clássicos mais como antes já dizia:
Literatura, Francês, Filosofia, Lógica. Então eu diria que a formação da Caetano de Campos é
pra mim a mais importante, a que efetivamente me formou. Por causa dessas disciplinas
avançadas de humanidade, como: Filosofia, a Lógica, a Psicologia, Francês, Inglês, Latim. A -
Certo. E7/ERj Portanto todos os conteúdos onde foi que eu aprendi mais, lá, de certa maneira,
proporcionalmente, do que na própria faculdade, ou depois né. Fiz faculdade, prestei USP pra
fazer Filosofia, passei, prestei Mackenzie pra fazer Letras, passei também, minha mãe não me
deixou fazer Filosofia, porque a USP era escola de comunista então eu fiz Letras, né? Ainda
bem que não me deixou, porque senão eu estava até hoje desempregada, Filosofia não tem
campo, né? Fiz letras no Mackenzie que é uma escola presbiteriana, um colégio, uma faculdade
e colégio presbiteriano. E que tinha na época um curso muito bom porque contava com os
professores da USP e, sobretudo da USP no seu quadro, então tive aulas com Dino Preti, tive
aulas com Pedro Colombine, tive literatura, que já morreu, tive muitos bons professores de
francês, o quê isso fez, francês e português, porque pretendia lecionar francês como lecionei
mesmo desde o segundo ano da faculdade. Ao acabar a faculdade, aula no e Francês. A- Certo
189
Ensino público, então eu virei professora de Português. Qual era meu intento inicial. A
formação didática pra formação como professora na faculdade foi zero. A – Certo. E7/ERj -
Mas eu dava aula e já trabalhava desde o primeiro e segundo ano da faculdade. Eu trabalhava
fazia faculdade de manhã, trabalha de tarde no IBGE, fazendo mapa de cidade, e dava aula de
noite num cursinho de Francês. Depois de um tempo que eu me enchi no IBGE e sai. E arrumei
emprego pra dar aulas pras presas da, ainda na faculdade, pras presas do presídio da capital, pra
dar madureza pra elas. E aí como eu disse comecei na raça, vamos dizer comecei num dos
contextos mais difícil possível, né? Um monte de presa absolutamente desinteressadas e, as
freiras obrigavam a ir para um ambiente extremamente violento e, para dar todas as disciplinas
pelo método daquele instituto universal, da Portuguesa, pra dar todas as disciplinas porque não
tinha professores, era mais ou menos assim: Tinha umas vinte presas na sala, das quais cinco ou
quatro iam mesmo prestar a madureza, o resto ficava atazanando. E aí eu trabalhava com essas
cinco, quatro, em cima das apostilas do Instituto Universal, como nunca estudaram as exatas,
porque não sabiam. Quanto mais em História, Geografia, etc. Acho que lá fiquei uns dois anos
dando aula até o fim da faculdade, e daí que aprendi na raça a ensinar a adultos, né? E a adultos
problemáticos. A- Sim. Pra me formar em novembro mais ou menos do ano que eu ia me
formar, abriu um concurso no Estado, prestei e, passei, imediatamente no ano seguinte pra ser
efetiva numa escola lá no Tatuapé em São Paulo, escola pública do Estado. Passei em Ensino
Médio, então eu dava aula pros meninos de quinta e sexta série, nessa escola e, de tarde e de
noite, dava aula pro ensino médio como substituta. né? Aquele professor que arrumavam
naquela época pro basicão qualquer coisa. Mas, substituta sem ser efetiva numa outra escola
maior que tinha lá perto, né? De novo aprendei na raça e, com o livro didático, eu lembro que o
livro didático que ela adotava era da atual secretária, era um livro muito antigo da atual
Secretária de Ensino Fundamental e Educação Básica do Ministério, que também eu não vou
lembrar o nome dela. Lembra?A- Não sei, hoje? Você vê já é velheta esse disco. É ai meu Deus,
daqui a pouco eu lembro se a memória me ajudar, mas enfim se você entrar no site ela é
atualmente secretária de educação básica, e fazia o livro. Tomava muito base no livro didático,
tinha certa facilidade de lidar com os pequenos naquela época né; quinta, sexta, sétima série
naquela época eram mais infantis, eram mais quietinhos. Nossa, e tinha uma imensa dificuldade,
sai no braço uma vez por semana, com os meninos do ensino médio, com adolescente, né? Aí
consegui me ajustar, mas aí eu devo ter dado uns três, quatro anos de aula lá, na rede. E daí
pouquinho eu já estava fazendo mestrado já, porque eu comecei mestrado logo depois da
graduação. E a PUC me chamou pra dar aula lá, ai eu larguei o Estado, e foi só esse período que
eu dei aula efetivamente pra criança, pra adolescente, pra jovem e pra rede pública, né? A- Isso
é muita coisa. Passei a dar aula lá na faculdade e no ciclo básico, naquele tempo tinha ciclo
básico, então dava aula de redação e leitura, chamava na época comunicação e expressão grupal,
a todos os cursos, ciclo básico era a todos os cursos, as escalações eram misturadas, então tinha
gente do Direito, da Economia, enfim, de tudo, né? Aí não foi nem tão diferente, porque dar
aula pros jovens, só que os jovens da universidade são mais comportados do que do Ensino
Médio, porque ele acabou de entrar e tal. Embora mais fácil do ponto de vista da dinâmica de
ensino, mas o objeto era o mesmo, porque afinal eu tava dando aula não de conteúdo, mas de
Leitura e Produção de Texto, então mais uma coisa que eu já fazia na rede pública. Então eu
fiquei alguns anos na PUC nessa função, demorou para que eles me chamarem para eu dar uma
aula universitária, uma específica. Específica, a primeira foi Aquisição de Linguagem, então eu
tive que estudar muito e tal, mas acho que eu fui aprimorando minha didática por mim mesmo,
porque eu não me lembro de nenhuma aula não, na faculdade, sobre isso. De fato ela veio dos
modelos dos meus professores, do curso clássico e da faculdade e, calquei no material didático
que eu aprendi.
A - E hoje você trabalha com que disciplina? Na UNICAMP você diz? A - Sim.
E7/ERj - Na graduação, eu dei logo que entrei várias disciplinas introdutórias de primeiro ano,
gosto muito de primeiro ano né, primeiro e quarto. A- Certo.
E7/ERj - Eu dei várias disciplinas de primeiro ano: Letramento, Prática de Letramento, leitura e
Escrita, Prática de Leitura e Escrita, que são disciplinas práticas que tão espalhadas no currículo,
tá na UCAP. Eles têm disciplina prática na área de busca de cada desde o primeiro ano, até o
quarto. Eu dei essas disciplinas durantes uns três anos. Depois faltou professor de estágio,
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porque lá a gente tem também uma disciplina de estágio da Letras, antes deles fazerem estágio
na educação. Porque é uma disciplina que seria mais ou menos equivalente à prática de ensino
né, mas é uma disciplina de 200 horas e, a da prática de ensino que a gente ensina planejar, mas
por meio de fazer material didático né. Ai eu peguei essa disciplina já faz dois anos, vou indo
pro terceiro porque ninguém quer pegar, mas já disse que só fico mais esse ano porque quero
voltar pro primeiro ano, porque os alunos que eu tenho aula no primeiro ano já tão formando
agora nessa ultima turma, né?
A - E ai você trabalhando com essa disciplina, que função que você atribui a ela na formação
inicial do professor?
E7/ERj - Olha eu acho essa reformulação que a UNICAMP fez extremamente interessante na
área de formação de professor, né? A - Sim.
E7/ERJ - É eles reformularam o curso antes de eu entrar, portanto uns seis ano atrás, em
algumas coisas a reformulação foi muito infeliz, por exemplo, em Linguística, porque eles
resolveram fazer, quer dizer, uma formulação onde a Linguística entra por um monte de
módulos e, é muito pouco tempo para eles terem ideias do conteúdo, então eu diria que em
Linguística eles têm uma formação mais frágil do que em Literatura e Linguística Aplicada. A
Linguística Aplicada fez essa proposta que eu achei muito interessante que é de colocar uma
disciplina prática, é, de formação docente por semestre, no primeiro e no segundo ano, e uma
por ano, no terceiro e quarto. E, além disso, Estágio, né? A - Muito bom.
E7/ERj - Estágio e um negócio que chama Investigação Científica e Monografia. Então eles têm
um currículo assim: acabou de entrar têm uma disciplina teórica sobre letramento e prática sobre
letramento; no segundo semestre têm leitura e escrita e prática de leitura e escrita. No terceiro
semestre têm interpretação do discurso, e prática de interpretação do discurso, quer dizer, é uma
teoria. É uma disciplina dum campo teórico-aplicado e mais a prática, então prática-didática
mais investigação prática pode ser até prática-didática, por exemplo, como eu dou leitura e
escrita eu volto pro ensino de leitura e escrita na escola, mas quando dou letramento, não, aí eu
volto para investigação de letramento da população mais ampla fora da escola.
A - Mas de qualquer maneira são disciplinas que são básicas pra poder ser professor, certo?
E7/ERj- Eu posso trabalhar leitura, como trabalhar produção de texto, letramentos, a
interpretação, depois tem uma disciplina que chama Formação de Professor mesmo, mas pra
frente no terceiro ano e tal. Quando chega ali no terceiro ano eles tem esse estágio que eu falei
pra você que são 200 horas de estágio em Letras, onde aí sim, eles amarram. Antes de ir pra
estagiar na Educação, quer dizer, ir pra escola mesmo né? Daí nesse estágio que de certa
maneira eles amarram tudo que eles aprenderam até então, porque a proposta que a gente faz é:
“você vai escolher uma série, ano, do médio ao fundamental e vai pensar uma unidade de ensino
de no mínimo dois meses e fazer o material didático pra ela. A - Bom.
E7/ERj - Vamos construir um material didático pra outro professor, então você tem que fazer o
manual do professor, explicando pra ele o quê que é pra ensinar, como matriz de ensinar e tal,
qual teoria que tá por traz e tal. E aí eles aprendem muito, eles aprendem inclusive conteúdo que
eles não sabem, eles têm pouco gramática, por exemplo, e, têm que trabalhar com a gramática
aplicada ao texto, no material, e aí eles aprendem a gramática e como fazer isso.
A - Interessante. E7/ERj É um encontro, porque agente trabalha, a gente mudou o ano passado,
tá eu a Márcia Abreu, o Ricardo Boni, de gramática, né. E ai a gente mudou o ano passado,
porque antes eles podiam escolher, se fazia em Língua ou se fazia em Literatura, ou fazia em
Gramática. Aí a gente, achou isso muito louco, porque não se vai dar aula de “ou, ou, ou”, ele
vai dar aula dos três né, então a gente se organizou: Eles matriculam-se em que eles quiserem,
mas eles têm que passar pelos três e fazer um fascículo que tenha as três pautas, entendeu.
A - Certo. E7/ERj E aí o muito interessante, porque a ideia daí é que quando ele vai pra
Educação, a Educação, deixe ele pilotar esse material com o alunos, deixe ele ensinar a partir
desse material, né? E pode ampliar e fazer o que quiser. Aí uns festejam e outros não, mas
enfim. A - Outra pergunta. Que saberes seriam necessários para formação e atuação do
professor-formador em sua opinião?
E7/ERj - Olha, eu acho que os saberes acadêmicos, mesmo que eles não tenham uma faculdade
ou um curso que forme bem os alunos para a reflexão teórica, eu acho que os conteúdos teóricos
eles conseguem ir atrás, eles conseguem aprender. Tô falando da minha experiência com os
191
alunos da UNICAMP, por exemplo, não sabem gramática, não sabem muito sobre um
determinado gênero, eles sabem ir atrás e achar a descrição e entender e tudo mais.
A - Certo. E7/ERj - Então, o quê que é que eles não têm e, aí eu continuo falando dos alunos da
UNICAMP, e da Puc também, enfim, dos lugares onde eu dei aula, o quê que eu acho que eles
não têm reflexões sobre como se aprende em Letras. Eu to falando, porque isso fica lá na
Educação separado das Letras, se é que é dado, eles não aprendem. Então, reflexão como se
ensina e aprende, ou seja, Teorias da Aprendizagem, Práticas de Ensino, essas coisas, eles têm
muito pouco. A - Certo.
E7/ERj - E até eu acho que eles têm muito poucas ferramenta pra sintonizar com os alunos e
com o processo, então isso é uma lacuna. A outra lacuna séria, quer dizer, eu vejo qual é a
didática mesmo, que acho que falta mais, mas dada direito, o problema é que vai na Educação e
dá uma didática separada do objeto e, vai na Letras e dá objeto separado da didática, entendeu.
Esse eu acho que é o problema central. Nessa disciplina do estágio, a maior dificuldade que eles
têm é justamente didatizar, ou seja, em vez de ficar falando pro aluno que eles são as coisas,
levar o aluno a possuir conhecimento, sabe, fazer a pergunta certa. Isso é o parto da montanha,
que eles entregam o primeiro material, falando pros alunos: isso é assim, isso é assado. Não é
pra falar nada, é pra levar o aluno a falar isso pra você. A - Sim.
E7/ERj- O processo inverso. Você tem que fazer as perguntas de maneira que eles cheguem a
essas conclusões e, apresentar os exemplos; é o parto da montanha, mas sai. Só que o engraçado
é assim: primeiro é muito difícil, aprendeu a fazer, os outros eles fazem com a maior facilidade,
quer dizer, o objeto em si eles sabem muito bem ir atrás e, buscar informação né? Aí a
dificuldade é conduzir uma aula, é didatizar, é olhar, é avaliar o processo, é saber o quê ensinar
em seguida, essa é a dificuldade, o desafio. A - Sem dúvida. Agora, há quem diga, por
exemplo, Tardif, que vários saberes do professor são construídos na experiência docente, como
que você vê isso?
E7/ERj - Acho que deve ser verdade, porque os meus foram construídos assim. A - Você é
exemplo disso. E7/ERj - Eu nunca escutei isso, mas acho ajudaria se essa experiência fosse
refletida, né? Fosse debatida, fosse discutida, né? Porque também pra aprender eu sacrifiquei
turmas e turmas de alunos meus em cima do palco. A - A construção prevê isso, né?
E7/ERj - Mas se caísse a casa o engenheiro era processado, né? Todo mundo é, e o professor
não é. A – É verdade. E7/ERj - Esse é o problema, então eu acho que deveria haver mais
espaço na universidade pra eles poderem, é praticar, não da maneira como o estágio de
Educação faz, é olhar o outro. Ter um espaço pra poder dar aula e refletir sobre a sua prática.
A - E como que você traçaria o perfil de um professor-formador?
E7/ERj - Em primeiro lugar eu acho que uma condição política e ética forte e sólida, né? Eu
acho que se trata aí, eu acho que no Brasil hoje particularmente se trata de desenvolver um
sentido de ética na profissão desses professores. Eu acho que muito do que acontece nessa nossa
mazela “ensinante” aí né? É um pouco falta de reflexão sobre o quê significa ser professor.
Então é isso que eu falei né: O médico mata o paciente, ele é processado; cai a casa o
engenheiro é processado; e o professor, às vezes, se desresponsabiliza, ou entra em conflito com
o aluno e, não vê o alcance que isso pode ter em termos de vida pública dessas crianças e da
sociedade em geral. Então eu acho que a questão da ética da responsabilidade social é uma coisa
muita importante no professor formador e, da própria posição política, quer dizer, conhecer um
pouco. Agora eu tô dando um curso pros professores da rede, aqui em São Paulo, pra
especialização e, eu fiz uma disciplina inicial pra eles que é de História do Ensino de Língua
Portuguesa no Brasil. A - Certo.
E7/ERj - A ideia é justamente trazer os contextos políticos nos quais os diferentes currículos
apareceram, né? E eles estão falando muito isso, quer dizer, a gente fica cumprindo obrigação,
um pouco disso que to falando quando eu acho que falta ética e política, né? É a gente ficar
cumprindo obrigação, vem o TCE e diz: Trabalhar com competência. E a gente não sabe nem o
que está acontecendo, né? Daí quando você conta história da Europa unificada, da onde isso
veio da UNESCO, do num sei o quê, pó, pó, pó, e eu relaciono com o quê eu tô fazendo. É ai,
que eu entendo o quê é que eu tô fazendo, e pra quê, né? Eu acho esse alcance político ético
básico, né? A segunda coisa é eu acho que ele tem de ser ele mesmo. O professor, ele tem que
saber Didatizar, é levar o colega a didatizar melhor, levar a sintonizar melhor, que eu acho que é
192
a grande dificuldade deles, hoje em dia, com o seu alunado. O alunado hoje em dia é um
alunado pro professor difícil, né? Como lidar com isso é uma questão, de novo, que envolve
política de cultura e tudo mais. E então eu acho que essa visão que as universidade não dão, ou
dão pouco, seja talvez a principal característica de um formador hoje, né?
A - Ótimo hoje qual a sua frente, qual a sua linha?
E7/ERj - Eu tenho trabalhado já há alguns anos com análise e discussão de materiais didáticos
né? Em especial, primeiro o livro didático durante muitos anos, a partir do ano 2000 mais ou
menos até 2006 mais ou menos, porque coordenei e depois fiz parte da equipe de avaliação de
livro didático do ministério. Então transformei esse trabalho numa pesquisa e, a gente tem um
diretório, um grupo de pesquisa de diretório da CNPQ, grande, junto com Minas Gerais,
Pernambuco, sobre esse tema. Mas essa pesquisa minha acabou em 2006 e, eu já tava um pouco
assim não bem desencantada com o tema, mas achava que já tinha pelo menos pra mim dado o
que tinha que dar. Então já achava que o livro já tinha melhorado tanto quanto ele podia
melhorar né, dentro da política do ministério, o livro didático que eu to falando, não dos
caderninhos, das outras publicações, apostilada do livro né. Achava que ele tinha melhorado
bastante e, que outros tipos de melhorias que estavam passando a ser exigidas não caberiam no
impresso, sabe, no livro propriamente dito, porque eu acho que as mudanças que começam a
acontecer depois de 2005 até o momento, são mudanças de plataforma, né? Eu acho que o que
se está colocando agora é essa necessidade de lidar com as plataformas digitais é, para o
trabalho, para a vida pública, para a cultura, para a cidadania, pra tudo. Então aí, quando acabou
em 2006 essa pesquisa acabou não, ela não acabou ela continua lá, como diretório, ainda tem
muito aluno trabalhando com isso, com áreas, vários tópicos, várias frentes. Mas agora eu tô,
meu projeto tá voltado pra materiais multimídia e hipermídia é, em estilo plataforma, para que
os professores possa usar quando estiverem equipados e formados pra usar, né? Então, eu to
começando a pensar como produzir protótipos de matérias nessa direção.
A - Interessante. Agora pra finalizar, uma última pergunta: o que é formar um professor para
você? E7/ERj - Um pouco disso tudo que eu falei, acho que formar um professor, na nossa área
a gente muito frequentemente acha que formar um professor é fazê-lo saber dos conteúdos, né?
Eu vejo os cursos que a UNICAMP monta, é mais ou menos assim: Dar a cada um a sua
disciplina; Sociolinguística, Fonologia, pó, pó, pó. E o formador vai lá falar dos conteúdos. Eu
acho que isso não basta de maneira nenhuma. Tem uns conteúdos que são importantes para a
didatização, quer dizer, eu não vejo porque é posto por muitos da UNICAMP, na formação dos
professores, que tem de ter uma disciplina sobre Neurolinguística. Não é pela afasia. Eu espero
que os alunos não sejam apáticos e menos ainda o professor, né? Então eu acho que isso não
cabe. Acho que cabem, os conteúdos já de certa maneira, num certo nível de transposição, num
certo nível de didatização. Fonologia sim, mas não pra saber o alofônico da epiglote, mas pra
saber que impacto tem o conhecimento da consciência fonológica, por exemplo, na
alfabetização. Ou seja, um conhecimento aplicado já aos objetos de ensino, nesse sentido eu
acho que algumas disciplinas são mais importantes que outras como Análise do Discurso,
Enunciação, né? Teoria de Texto, os estudos que se fizeram sobre a leitura, gramática, mas
gramática aplicada ao texto, enfim. Há um conjunto de disciplinas Literatura, obviamente, mais
importantes do que outras. Então eu acho que é um conteúdo sim, mas um conteúdo específico
pra currículo e, já num certo nível de didatização. Não adianta querer falar tudo e, querer
reconhecer tudo que, não garante que saiba transpor isso pra sala de aula, né? Então eu acho
que, outra coisa importante é aprender a didatizar, use ou não o livro, ele tem que saber fazer
isso com a turma dele. Avaliar o processo, saber fazer a pergunta certa, encaminhar a atividade
certa, etc. E por fim é isso permeado por uma discussão política e ética, de ensinar o quê, para
quem, com que finalidade? Inclusive sempre sai né: “Ah é pra formação do cidadão". Tá, que
cidadão? A - Claro, sem dúvida.
E7/ERj - Que cidadão que se está falando? Então eu acho essa discussão foi muito típica do
Alfredo sumiu do pedaço e, tá na hora de voltar, né. Hoje mesmo eu tenho ouvido sobre isso do
Apple. A- De qual livro? Um livro do Apple, não ta aqui não porque eu já levei pra lá, mas
chama Apple e não sei mais quem, é um cara político - crítico lá dos EUA. Uma coletânea de
texto que se chama currículo não sabe o quê, não sei o quê, para uma educação dos
subordinados, acho que é isso, bem legal. É uma reafirmação do currículo crítico que eu achei
193
bem legal. Vale o teste. A - Obrigada. E7/ERj -Espero que você tenha uma boa experiência com
seu estudo.
Entrevista E8/EP
E8/EP - Eu comecei a estudar no jardim da minha mãe. Então eu tenho bem esse modelo em
casa em Belo Horizonte, minha mãe é professora, minha avó é professora e aí eu estudava no
Jardim da minha mãe, era perto da minha casa, e eu lembro que eu tinha que todo mundo
esperava os pais chegarem pra irem embora e tinha merendeira, eu não. Porque eu ia merendar
em casa, porque era perto, minha mãe estava sempre lá. Então eu tinha até algo diferente com
relação aos outros colegas. Depois eu estudei o processo de alfabetização, era bem cartilha
tradicional, b+a ba, b+ e be, fazer ficha, copia, memorização, eu lembro das letrinhas
desenhadas, então eu acho que realmente era calcado na abordagem mais tradicional. Daí
depois, eu segui. A mesma forma numa escola particular e ir até o terceiro ano, na mesma
escola, a escola tinha um cunho católico era o Colégio Santa Maria, e é não avisava data de
prova, você tinha de estar em dia com os conteúdos e tudo mais, porque a qualquer momento
podia ter avaliação, era colégio bastante exigente, apertado, extremamente tradicional, de
conferir a meia branca na entrada, sem, você não conseguiria entrar no colégio. Mas um colégio
que de certa forma você tinha nome, as professoras te conhecem, a diretora te conhece, não era
tão grande. Havia um sentido mais pessoal mais individualizado, você tinha um histórico, na
escola e você não era só um número a mais. Então tinha alguns professores bem significativos
na minha trajetória, eu destacaria o professor de Biologia, por causa da influência dele fiz
inscrição pro meu vestibular pra ciências biológicas, na Puc, passei. Mas aí vi que não era muito
a minha praia. E depois por causa da professora Lívia, fiz Direito na FUMEC. Depois de um
ano já passei no Direito, tentei Letras na federal. A princípio fui fazer Letras pra subsidiar o
Direito, na questão da argumentação, da oratória que o Direito demanda. Aí fui buscar isso lá,
na UFMG. Então eu fiz o curso, aí concomitantemente ao direito, fiz direito de manhã e à noite,
na Letras na UFMG. E à tarde fazia estágio na área do direito, fui fazer estágio na magistratura,
é que eu realmente acreditava que seguiria a magistratura, aí eu fiz os dois, me formei nos dois
cursos, mas sempre foquei o Direito, não levei com tanta seriedade o curso de Letras, como
tinha levado o Direito, tava sempre tentando um concurso e tudo mais. Aí minha mãe, depois
que terminei, tinha que começar a trabalhar né? E eu queria concurso. Então minha mãe falou
assim “porque você não começa a dar aulas, meio horário, e daí você consegue organizar a sua
vida pra poder estudar no outro turno, e tentar concurso”. E aí fiz isso, minha mãe trabalhava no
Projeto Veredas, um projeto de formação de professores, e eu fui ser tutora no projeto, e eu era a
única que tinha curso de Letras, os outros todos eram pedagogos, minha mãe é pedagoga. Então
lá eu percebi um jeito de lidar com a educação, uma coisa mais alegre, mais animada afetiva,
inclusive que o Direito não tinha. É uma formalidade, muito diferente do curso de Letras,
pessoa de terno, aquela coisa austera, muito séria, aquele curso duro. Muito teórico, eu nem
gostava muito disso, num me sentia muito no papel, questão muito burocrática e tudo. Aí
comecei a dar aula apesar da modalidade da educação à distância, que é outra relação a questão
da aprendizagem e aí me apaixonei. Opa! Acho que isso que eu quero fazer e aí eu mudei todo o
planejamento e fui fazer mestrado em Educação. Aí comecei, no VEREDAS, comecei a prestar
a atenção nos memoriais e dos memoriais pensei em montar um projeto de pesquisa pro
mestrado. Foi embasado nos memoriais e no papel do tutor na educação à distância, porque eu
era tutora, depois daí a dois anos, trabalhando nesse projeto fui trabalhar em faculdade
particular, em Minas, depois numa coordenação no curso de Letras, depois não parei mais.
Terminei o mestrado, fiz doutorado em Linguística Aplicada, e eu me lembro da Malu, quando
ela perguntou assim numa aula numa disciplina. - ô você já tem orientador? E eu respondi “você
num quer ser?” Ela tinha acabado de ganhar o Alexandre, com 200 mil orientandos. Ela
arregalou os olhos e disse “vamos lá”. E aí eu me lembro na primeira reunião no gabinete dela,
eu tinha muito desconforto e eu tinha que falar um pouco do lugar da educação. Eu senti um
pouco de preconceito. Assim em fazer uma pesquisa na Educação, ensino, e aí eu falava com ela
assim “Olha Malu, eu queria fazer isso, a princípio o meu trabalho era trabalhar, analisar o
gênero memorial”. Pensar os aspectos constitutivos do gênero memorial, e trazendo Bakhtin, as
194
questões do gênero do discurso e tudo mais. Aí eu ficava falando com a Malu: “Malu, mas isso
não é muita educação”. E ela tá assim: “Olha aqui, nesse espaço aqui? Você não vai, o que você
vai fazer você vai ficar à vontade, pois é isso que interessa pra gente”. Ai, enfim, a Malu me deu
todo apoio, sabe, então comecei com o gênero memorial e depois eu fui percebendo que eu não
queria trabalhar com o gênero, eu queria pensar o discurso do professor através do gênero.
Então eu trabalhei com a análise do discurso do docente, revelado no gênero memorial. E ai
veio a teoria das representações sociais pra subsidiar a pesquisa no doutorado. Enfim, fui pra
França, fiz o sanduíche, num laboratório que trabalha a teoria das representações.
A- Onde você se formou o que você já fez, por que escolheu ser professora?
E8/EP - Então por que escolhi ser professor; na verdade eu fui escolhida, né? Eu até tinha uma
resistência, pra te ser sincera. Eu falava que não queria ser, eu via a luta da minha mãe, enfim, a
falta de reconhecimento, a falta de valorização e, eu achava que o Direito que era o bacana, dava
status. Inclusive meu pai até hoje não se conforma de eu ter deixado o Direito. Olha que eu
terminei o doutorado, to aqui concursada. Ele fala assim “Tá agora que você terminou o
doutorado porque é que você não faz um concurso pra magistratura?” Eu falei “Pai, eu já estou
concursada, você não entendeu, como é que eu vou voltar do zero e começar lá? É o que eu
gosto de fazer.”
A - E ele é advogado? Não ele é da contabilidade.
E8/EP - Mas assim, realmente sou muito feliz na minha profissão, muito feliz, muito realizada.
Sabe assim eu, assim, particularmente no departamento da unidade que eu estou, que é de
ensino, teoria e prática né, assim eu me encontro. Eu tenho um feedback muito positivo dos
alunos, então não me arrependo, sabe, da escolha que fiz, em momento nenhum. Minha
carteirinha, eu tenho a carteirinha da OAB, eu ainda advoguei um ano, mas aí suspendi, parei de
pagar a anuidade e, tá lá a carteirinha.
E8/EP - Acho que meu lugar é sala de aula. Bastidores mímicos sabe eu não gosto tanto, não.
Há quanto tempo atuo? Então eu me formei, com 23 anos em Letras. Daí eu já estou com 34,
tem onze anos que eu já trabalho dando aula e, ensino superior.
A - Certo. Com qual disciplina você trabalha no curso de graduação?
E8/EP - Então eu trabalho com as disciplinas de Estágio, estágio aqui em departamento, e, em
geral toda minha trajetória tem a ver com o ensino, né? Didática, Metodologia da Língua
Portuguesa, Prática de Ensino. Quanto a gente faz um concurso aqui aí você faz pra unidade.
Então eu já fiz pra unidade de ensino, todos os pontos eu tirei “AB”; Ensino de Leitura, Ensino
de Escrita, tem a ver com a prática. Você tem que cobrir primeiro sua unidade pra qual você fez
o concurso. Ai esse semestre passado eu trabalhei com estágio de ensino de leitura, estágio de
escrita, estágio de análise linguística e regência. Ensino de Língua Portuguesa. Ensino de
Língua Portuguesa é de Regência e as outras três de observação. E esse semestre eu trabalho
com alfabetização e letramento e, oral e escrita, estágio de oral e escrita e regência do ensino
Língua Portuguesa. Todas relacionadas com o estágio. É.
A - Que função você dá a ela na formação inicial do professor?
E8/EP - Então eu acho que aqui no curso de Letras, inclusive há uma em geral dos alunos, que
falta esse cunho da licenciatura de fato. Eles passam uma boa parte do curso, teoria, teoria,
teoria e, não sabem o que fazer com tanta teoria. Então esse é o momento em que significaria
tudo, o momento do estágio. Eu acho que não deveria ser só o momento do estágio, eu acho que
toda a disciplina teórica deveria ter uma abordagem, uma aplicação disso mesmo.
A - Cada um traz sua prática. Mas, como que essa prática trabalha com os alunos?
E8/EP - Ah, através do seminário, o seminário é a prática da disciplina. E ai sua professora diz
eu juro por Deus, eu só agora, nesse momento, no sétimo período, eu fui ver alguma coisa que
realmente tem a ver com sala de aula. E eu estou me formando professor né? Num curso de
licenciatura, que eles realmente delegam toda a questão da aplicação para as disciplinas de
prática, de estágio. Responsabilidade dos professores de prática.
A - E, por exemplo, no seu caso a questão da Literatura, e do ensino médio o quê você tem a
dizer, porque às vezes é muito voltado paras as primeiras séries ou alguma coisa assim.
Especificamente para o ensino médio, vocês têm alguma coisa voltada pra ele, como que é
tratado o ensino médio?
195
E8/EP - É, na verdade assim, o estagiário pode escolher trabalhar tanto, não tem o estágio pro
ensino fundamental e depois pro ensino médio. O estagiário pode escolher tanto um quanto
outro; conforme o interesse dele, como quanto à disponibilidade da escola. Na verdade a gente
faz contato com as escolas pra receber os estagiários, mas muitas escolas não aceitam os
estagiários, têm uma resistência, ou, eles dão graças a Deus, e ai você vai pedir ao professor,
perguntar pro professor, “você vai acompanhar?” E eu vou planejar minhas aulas, lá na sala dos
professores.
A - Eles querem substituto.
E8/EP - É deixo o meu estagiário. Continua a entrevistada. Olha é uma pena chega a um
absurdo de não receber estagiário de observação só de regência, porque o de observação vai
ficar ali pro trabalho, olha que absurdo.
A - E não tem assim, algum acordo, por exemplo, da universidade com as escolas?
E8/EP - Não, na verdade é um acordo assim tácito, assim uma troca, mas muito pela
conveniência da escola, e ai há aqueles professores que já são mais antigos na casa e, que vem
fazendo o trabalho há mais tempo e perpetua esse trabalho, igual ao meu caso que, eu cheguei e
fui tendo que estabelecer contatos, e, eu trabalho com três escolas, uma até que muito próxima,
mas muito desorganizada, sabe, deixou muito a desejar.
A - E as salas são cheias?
E8/EP - São cheias. Em algumas, os alunos, chegam a qualquer momento, não têm uma
regularidade assim “ó tal horário pode chegar, depois disso a gente não vai deixar entrar”,
interrompendo a aula, é ventilador quebrado com esse calor, é pega os estagiários pedem para
reservar o data show e, planejam a aula, pra despertar o criativo e, de repente o data show não
funciona, não tá lá, a pessoa encarregada não chegou ainda, é um caos assim, sabe? E ai eu fico
perguntando pra eles: mas vocês acham que eu devo deixar de trabalhar no Figueiredo, se você
pensa é aqui do lado, é quase no quintal da UFC. E aí é superinteressante pra ver, que a gente
consegue encaixar as outras disciplinas dos alunos com o estágio, não atrapalha essa questão da
indisponibilidade dos alunos, que em geral, eles têm outras disciplinas e aí de repente eles
podem ter uma disciplina no primeiro horário e, fazer o estágio no segundo horário, a pé. Por
isso é muito interessante fazer o estágio aqui no Figueiredo. Mas assim eu fico perguntando pra
eles, “oh gente vocês acham que eu devo desistir?” Porque, às vezes, é tão problemático, tão
problemático que o aluno acaba comprometendo o estágio em si, eles não conseguem agir. Mas,
no final, no final das contas, eu acho que valeu a pena, sabe, que a gente provocou uma certa
mudança no cotidiano da escola, a gente teve um retorno positivo dos alunos, e então assim
apesar do caos, eles têm gostado de trabalhar no Figueiredo, por exemplo. Mas assim, têm
evitado frequentar a sala dos professores, porque eles falam que os professores são
extremamente pessimistas, que ficam tentando fazer com que eles desistam da profissão, que
ficam só contando os dias pra aposentar.
E8/EP - É sinceramente, eu não sei o que é que emperra, porque assim, meus alunos dos
estágios são excelentes, se você olhar um portfólio deles, assim, de atividade de leitura, de
escrita, de oralidade, enfim, das atividades paradidáticas, assim te impressiona a riqueza. Daí
você vai para escola, você não consegue imprimir.
A - Entendo.
E8/EP - E que acabam reproduzindo aquele “modelão” e ai acabam no livro didático, que você
vai ver as escolhas são só da gramática e, ficam lá só passando no quadro, aquela repetição,
aquela coisa chata, metódica. Então assim, esses alunos mesmos ficam assim indignados com as
aulas que eles assistem no estágio de observação. Pra daqui a dez anos se bobear, quando eu
mandar um estagiário para os alunos ai, eles vão fazer isso.
E8/EP - Eles têm o discurso, eles têm a formação, eles estão assim de certa forma antenados
com o que se espera da educação atual. Mas eu não sei o que acontece, não impacta lá na escola.
Por ficarem acomodados. A questão da avaliação ainda é algo que tem essa imagem da
fiscalização, do controle, uma coisa que vem de fora, que não faz parte do processo, eles têm
uma resistência. E o que muda? Nada, sempre a mesma coisa, tem isso também. Avaliação não
dá nem pra falar né, o processo de avaliação ele é assim insano, o que muda o que resiste é o
louco da escola, o que ainda sabe, “ah quero fazer dessa forma, eu acredito” é o louco, é taxado
como louco. “Pelo amor de Deus, você vai continuar insistindo nisso”. A - Triste.
196
E8/EP A função que você dá a ela na formação leitura. Então eu acho essencial pra questão da
identidade do professor, realmente acho que é quando eles se sentem futuros professores né. Na
verdade eles estão em formação naquele momento do estágio, o momento. é isso que está sendo
construído, “vou me formar professor”, que até então essa cara do professor, essa identidade de
professor, não é nem mencionada nas outras disciplinas.
A - Que saberes seriam necessários para formação e atuação do professor-formador?
E8/EP- É eu acho que é isso, essa coisa bem plural, é eu acredito muito na questão do
interacionismo porque eu acho que é dialógico mesmo, acho que a gente se forma professor-
formador pensando. Quer dizer, é o aluno que nos bota sentido. Eu só sei o que me significa
como professor se eu tenho um aluno que de fato é aluno, quer dizer é uma coisa dialógica,
parece complementar. Então assim eu acredito na transformação pela interação. Acho que tem
que dar espaço pra voz, pra dar vazão às vozes, pra gente dialogar, pra gente saber interesses
que esses alunos têm, enfim, pra gente poder entender e poder construir coletivamente essa
identidade. E às vezes eu acho que não há, assim, espaço para muito diálogo, acho que tem
gente que vem reproduzindo uma prática.
A - Se você fizer diferente depois, todos os outros vão ter que se empenhar.
E8/EP - Com certeza pode acontecer esse risco, porque igual, por exemplo, meus estagiários
chegam na sala e chegam com oficina, com atividades mais dinâmicas, diferentes, ai depois eu
vou assistir a aula e, pergunto para os alunos “E ai, vocês estão gostando do estagiário ? O quê
que vocês destacariam pontos positivos, pontos negativos?” Ai eles dizem: “Professora, não
deixa a outra professora voltar” “tá bom de mais”. Ai penso, gente, mas não é o caso de
comparar, são pessoas diferentes, a gente tenta, mas eles querem muito continuar com os
estagiários. Então assim, é possível fazer uma prática diferente, sabe assim, não é culpabilizar o
professor, mas é questão do sistema mesmo, o sistema engessa, sabe, tem que ter muita
coragem, tem que ser muito guerreiro pra você resistir ao sistema, né? Pra você não cair na
mesmice.
A- Há quem diga, por exemplo, Tardif, que vários saberes do professor são construídos na
experiência docente. Como você vê isso?
E8/EP - Eu concordo, eu acho que há saberes que agente, são acadêmicos, enfim e que a gente
vai “resignificar “e reelaborar na atuação, no agir do professor, e ai não tem receito mesmo não,
cada sala, cada realidade, cada um pode cada momento. Cada momento pode ser um diário.
Não, mas realmente, cada um, cada momento é difere do outro, você vai fazer suas escolhas
diferentes, você vai ganhando segurança em algumas, algumas se replicam outras não e, assim
você vai se fazendo professor, né, algo muito dinâmico. Eu acho que essa questão pendente da
eu acho que precisa realmente ter algo de referência que, constante, assim, contínuo, que você
vai revisitando, vai atualizando, mas eu acho que você precisa ter uma referência, porque
também senão você se perde ali na atuação. A- Sim.
E8/EP- E há outras variáveis, outros elementos que você vai acomodando, conformando à
situação. Mas eu acho que você tem um traço, tem uma coisa que é sua e, que você vai
percebendo em todo e qualquer instância que você atuar.
A - E que ganha com outras, né?
E8/EP- Talvez assim, há traços que são mais resistentes, mesmo assim, que você, até pra ter
uma coerência, né?
A - Como você traçaria o perfil de um professor-formador?
A - Eu acho que essa já foi respondida. Então vamos pra outra pergunta. Qual a sua frente de
trabalho em pesquisa e, que contribuições ela tem oferecido para sua ação como professor-
formador?
E8/EP - Então eu trabalho com a teoria das representações e, aqui particularmente eu vou
trabalhar com as representações dos professores de língua materna no e para o curso de Letras.
Então deixa explicar, eu vou trabalhar com as representações que circulam na academia aqui, na
instância acadêmica, sobre o professor de Língua Portuguesa, pensando nos alunos, como eles
se veem como futuros professores; os professores de Prática de Ensino, que perfil que eles têm
de professor de língua materna. Vou trabalhar com os documentos prescricionais, então, como
que esses documentos desenham o perfil do professor de língua materna e, com os que já
formaram e atuam como professor de Língua Portuguesa, como eles se veem como professor de
197
língua materna. Aí eu vou tentar entrecruzar todos esses dados pra chegar também, em ao
menos uma tentativa, de aproximação do que é o perfil do professor de Língua Portuguesa, e o
que destoa e o quê que converge dessas instâncias todas, partindo das representações.
A - Partindo das representações sociais.
E8/EP - Então assim, eu ontem até, eu representei uma parte, bem começando da pesquisa, que
são os êxitos dos relatórios dos estagiários, por exemplo, como eles veem o ensino de oralidade,
como eles veem o ensino de leitura, como eles veem o ensino da gramática mais linguística,
como eles veem o ensino da escrita, porque o modo que eles veem também faz com que eles
veem como é ser um professor de Língua Portuguesa, acaba que refletindo o ser e vice-versa. É
e ai, eles vão colocando no relatório, por exemplo, no da oralidade, ele colocam: “Não há
trabalho com oralidade, ou a oralidade ela é sempre, ela acaba exercendo sempre papel
complementar, vem ali, como é que você trabalha a oralidade em sala de aula? Eu trabalho, por
exemplo, o aluno apresentando um trabalho, ou, enfim, fazendo pergunta, e não a oralidade
como objeto de ensino,” Ou então oralidade em dicotomia com a escrita, como se a gente
tivesse que combater a oralidade em sala de aula, “oralidade atrapalha a escrita” e, não como um
contínuo mesmo da escrita, um terreno rico aí pra, por exemplo, os gêneros híbridos, enfim. E aí
eles vão colocando no relatório e, eu vou sabe, pontuando, catando essas coisinhas ora gente
pensar, como é que é o professor.
E8/EP - E ai assim, eu tenho um projeto maior que é pensar, representar, o quê que é de traço
comum do professor, do senso docente, e ai algo que ultrapassa a questão local, regional, Brasil,
França. O que realmente define um professor de língua portuguesa, então a representação de
referência é esse eixo tem algo que é comum, identifica esse grupo, e, o quê é que foge.
A - É interessante.
E8/EP - Pois é mais tem que ter alguma coisa em comum que a gente faz, assim que permite
que agente identifique “esse é o professor de Língua Portuguesa, entende, assim, tem algo em
comum, que é o fluxo, tomara que não seja a gramática.
E8/EP - Aqui no curso de Letras você pergunta por que eles estão aqui e, em geral é essa a
resposta: “porque eu não gostava da matemática”, é complicado. Lá na França, eu conversando
com a Françoise, minha orientadora no “sanduíche”, e ela disse “você vai analisando os dados,
ai tinha alguns exemplos que as professoras faziam analogia pra descrever a profissão delas”.
Então uma falava que é a profissão, “Ser professora é como ser uma agricultura” ai vem
comparando as etapas da agricultura: você planta você molha você não sei o quê, ai depois você
vai colher. Essa coisa quase braçal, né. E a outra, a professora era ourives, comparando o
professo à atividade do ourives, porque vai lapidar pegar a pedra bruta e não sei o quê. Então
pra mim assim, entendi porque um e porque outro e tal, para a professora significar o ser
docente, ótimo. A Françoise está assim: “EP, mas como que pode uma coisa dessas, agricultor é
tão diferente do ourives, como que ele se identificou com o agricultor?”. Mas possivelmente lá
na França ela não conseguiu perceber que aqui professor é isso: Uma coisa quase braçal, uma
coisa visceral, aquela coisa suar, muito trabalho, muito entrega. E lá não, ela achou que fosse
uma coisa mais minuciosa, e ela entendeu, pra ela produziu muito mais sentido no ourives do
que no agricultor. É, e talvez tenha deixado de fora aí o trabalho do aluno também, né? Porque é
o conjunto.
A - E o que é formado um professor pra você?
E8/EP - É eu acho que é essa ideia mesmo do educador, no sentido de Paulo Freire. Alguém
que seja capaz de fomentar a criticidade desse aluno, quer dizer, que não fique pensando em
língua, tão somente lá em língua; conjunto de regras, mesmo questão do gênero, vai categorizar
esse gênero, pertence a isso, sequência tipológica, enfim, que fica tentando colocar cada
coisinha na sua caixinha. Acho que é um sujeito que consiga mesmo lidar com a., que seja
habilidoso com a linguagem né, que consiga deixar sua marca ali, quer dizer, formar o professor
pra fazer isso, que aluno consiga deixar sua marca ali na sociedade, que consiga ter sua
identidade ali garantida. Acho que pra fomentar mudança, pra sair dessa reprodução social
mesmo, acho que agente tem esse dever, e, é algo de muita responsabilidade, mas muito nobre
né, muito gratificante assim.
A - Obrigada.
198
Entrevista E9/EC
A - Eu gostaria que você primeiramente me falasse da sua formação acadêmica e, de preferência
de sua história de formação, a sua história escolar, onde você começou, quando, enfim, é
possível? Cláudia: Sim. Eu sou professora da universidade federal de São Paulo, do curso de
Pedagogia, e a minha disciplina, na verdade eu tenho três disciplinas básicas. Eu vou me
apresentar um pouco tá. Tenho três disciplinas básicas que é: alfabetização e letramento,
fundamentos históricos e práticos do ensino de língua portuguesa, e, eu acompanho estágio.
Além dessa eu dou uma eletiva pra educação de jovens e adultos, que você já vai entender
porque eu dou essa eletiva. Pra um curso de Pedagogia, tem muito a ver com a minha trajetória.
Bom, a minha trajetória no campo de educação, ela começa antes do ensino superior. Então eu
sou uma terceira filha de uma família de cinco filhos e, as minhas tias, a maior parte das minhas
tias são todas professoras, eram né, professoras de escola pública, hoje elas estão aposentadas e,
agente sempre viveu no meio dessas professoras, dos cadernos, dessas questões de escola,
musiquinhas, historinhas e tudo mais. Isso era o ambiente um pouco da minha infância. E eu
confesso pra você que eu nunca tinha pensado em ser professora até o momento que eu fui pro
colegial. É a minha família é uma família de classe média, média baixa, com altos e baixos
financeiros e, exatamente quando eu estava., eu sempre estudei em escola pública, em São
Paulo, exatamente quando eu tava pra me decidir o que eu ia fazer no colegial, porque na época
que eu estudava agente podia escolher por cursos técnicos: Era secretariado, tinha alguma coisa
de análise de laboratório, tinha alguns cursos né, eu não me lembro bem quais. E também tinha
a habilitação específica para o magistério né, não era o normal e nem era o CEFAM, eu peguei
exatamente o meio dessa história. E eu me lembro bem que a ideia era fazer a habilitação pro
magistério pra poder ter um trabalho pra poder ter um dinheiro, poder trabalhar e fazer uma
universidade. Mas a questão do professor era uma questão que não estava claramente colocada
pra mim. Daí eu fui fazer o magistério, fiz o primeiro ano numa escola pública perto da minha
casa, primeiro ano do ensino médio, e ai quando eu terminei o primeiro ano eu me transferi para
uma escola que tinha habilitação específica para o magistério né, em nível de segundo grau, que
era uma escola pouco mais distante, nova, ela tinha acabado de se transformar numa escola
estadual só pra trabalhar com habilitação específica pro magistério, então não tinha outros
cursos, não tinha o colegial comum lá. E eu entrei nessa escola ai. E nesse momento eu acho
que começou a delinear um pouco o que eu iria fazer posteriormente, então eu tive algumas
oportunidade muito interessantes, apesar de estar na escola pública, e no final de um projeto de
escola pública que ainda garantia alguma coisa pra quem conseguia permanecer. Eu peguei
professoras recém-formadas da Pedagogia, algumas pesquisadoras trabalhavam nessa escola
pública e, eu me lembro delas tentarem fazer um desenho de magistério muito diferenciado,
então a minha professora de didática que me acompanhou nos três anos, era uma professora que
montava grupo de estudos com os alunos, os mais variados, agente fazia. Ela conseguia com
que a gente fizesse projetos de intervenção em algumas, alguns centros educativos próximos à
escola, então pra além do estágio a gente ainda atuava junto a crianças que estavam em centros
educativos, como projetos alternativos de orientação pra estudo. Então a minha história, acho
que com a educação começa ai no magistério, quando eu começo a descobrir um campo que eu
nunca havia pensado, apesar de conviver muito. E essa coisa também da idade né, conhecer o
mundo né, começa ai, essa professora trazia as programações de cursos, palestras. Eu me lembro
da primeira vez que eu fui pra USP, que era um sonho, ir pra USP e, a gente foi pra um encontro
de educação e, eu fiquei muito impressionada, eu me lembro dela ter nos levado pra ver o Paulo
Freire falar pela primeira vez no Caetano de Campos, logo que ele voltou do exílio. Então era
um momento de fervor, sabe, assim, muito interessante pra mim. E naquele momento eu tomei a
decisão de fazer o curso de Pedagogia, logo no final do magistério eu sabia que eu queria fazer
Pedagogia e, eu tinha diferente das minhas irmãs, uma delas também fez Pedagogia, outra fez
Biologia, das minhas duas primeiras irmãs, a minha irmã escolheu fazer a universidade próxima
de casa, era uma universidade privada. Eu queria fazer Unicamp, porque era um curso novo,
tinha acabado de ser montado, Paulo Freire tinha ajudado a montar o currículo, eu achava o
máximo isso e tinha a PUC, tinha um bom curso de Pedagogia e a Universidade de São Paulo.
Mas eu estava vindo de uma escola pública e, de um curso de magistério também que não
199
trabalha com todas as áreas do conhecimento que são solicitadas pro vestibular e, eu tinha que
trabalhar também, então o quê eu fiz, eu comecei a trabalhar num centro de atendimento a
crianças. Um centro educativo, aqui em São Paulo chamava “Orientação sócio-educativa ao
menor”. Pegava as crianças no contra-turno e a gente ficava com as crianças no contra-turno da
escola, crianças que tinham de classes populares, de grupos populares, então elas iam lá, a gente
chamava de usinas, “fumiupas”, e as lições de casa, fazíamos uma série de lições com elas e, foi
o meu primeiro trabalho no campo de educação. Foi bastante interessante, porque como eu
estava fora do âmbito escolar agente podia experimentar coisas que na escola. A gente achava
que na escola tinha uma coisa mais formar e, lá a gente podia brincar jogar, trabalhar muito com
arte, com “contação de história”, então pra mim ali foi um campo bem interessante para
experimentar educação não formal. Ai, bom, não dava pra passar no vestibular sem fazer
cursinho, ai eu fiz cursinho, prestei USP, Unicamp eu não pude prestar, porque meus pais
achavam um absurdo uma filha ir morar em outro município. Bom, no final das contas eu passei
na PUC e, eu passei na primeira fase da USP, mas não na segunda. Então passei na PUC e fui
pra PUC. É logo que eu entrei na PUC eu conheci uma professora de sociologia que também era
bastante engajada com trabalhos de comunidade, ela também trabalhava com crianças que
trabalhavam nas feiras como carregadoras de sacola e, rapidamente eu entrei no grupo dela e
comecei a fazer um trabalho com esses meninos eles trabalhavam de manhã e a gente
encontrava com eles a tarde, e, fazíamos um trabalho sócio-educativo. E continuava lá e,
estudava a noite. Então foi bem intenso, e a PUC foi. Na verdade eu não posso dizer pra você
que eu, hoje, trabalho, ou quando eu comecei a trabalhar pra fazer alfabetização de crianças,
jovens e adultos, ou mesmo com formação professores, a minha formação básica é bem deste
curso de pedagogia. Porque na época agente não tinha didáticas específicas, então eu não vi
quase nada de ensino de língua e alfabetização, muito pouco mesmo, e, ai tinha didática geral,
aprendi sobre “legislamento”, aquelas coisas, mas nada, né, de como a gente faz pra ensinar
língua, ou, que objeto é esse que é a língua né. Bom no finalzinho da pedagogia, do segundo pro
terceiro ano, eu entrei pra uma escola privada, porque eu precisava. Novamente a questão
financeira batendo na porta né. Eu morava muito longe da PUC, eu morava na zona leste, a PUC
fica na zona oeste, e eu estudava à noite e chegava muito tarde em casa. Então agente resolveu,
eu e outras amigas, montar uma república do lado da PUC, mas pra ir pra essa república tinha de
ter um salário e, essas ações sócio-educativas elas não seguravam, né, nem a mensalidade de
nada. Então me indicaram pra uma escola privada de São Paulo, que é uma escola bastante
conceituada, a escola Vera Cruz e, eu entrei como professora auxiliar e, realmente o salário era
bem interessante, porque eu pagava as minhas despesas e pagava a faculdade. E lá, acho que lá
teve., lá foi um espaço de formação muito importante, porque eu entrei nessa escola., bom eu
entrei na PUC no vestibular de 85 e sai em 88, eu entrei no Vera Cruz em 87, então você
imagina que estava chegando toda uma discussão sobre alfabetização, uma revisão das questões
de alfabetização né, a Emília Ferreira estava no auge dá., as questões da Emília, a pesquisa
psicogênica da língua escrita, Ana Teberosky “ vamos rever toda a alfabetização”, e, o Vera
Cruz não estava indiferente a isso. Então as nossas reuniões pedagógicas eram reuniões de três
horas de duração, elas incluíam pedaço de estudo, planejamento, e análise sobre o próprio
trabalho. E eu vou dizer pra você que essa ação do Vera Cruz de fazer esse tipo de discussão,
fazer com que a gente estudasse, pensasse nas atividades, todas as atividades da escola eram
planejadas pelos professores, com nossa ajuda dos auxiliares, isso foi muito importante na
minha formação. Porque eu comecei estudar coisas que eu não tinha visto na universidade e ao
mesmo tempo poder observar as crianças em processo de alfabetização, então era uma coisa
assim deslumbrante pra mim, eu ficava encantadíssima, de ver as crianças escrevendo, de ver as
crianças tentando ler, era uma coisa pra mim completamente nova. Mesmo lá no trabalho sócio-
educativo eu não tinha vislumbrado essa perspectiva, mesmo porque agente nem tinha estudado
nada a respeito, agente não tinha uma ideia, uma perspectiva pra olhar essas coisas e, o Vera me
ajudou bastante. Em 89, uma escola também que é muito próxima ao Vera Cruz, chamada Santa
Cruz, que é uma escola privada também, bastante renomada em São Paulo, abriu uma vaga pra
professes no curso supletivo, que eles desenvolviam lá, e, eu resolvi, falei “Vou tentar essa vaga
de professora alfabetizadora de jovens e adultos” e, apesar de nunca ter trabalhado com jovens e
adultos, mas ter uma curiosidade. Lembro exatamente da entrevista, falei com a professora que
200
estava entrevistando, eu falei “Olha Regina - ela chama Regina- Regina, a minha curiosidade.,
eu sei que tenho pouquíssima chance de entrar aqui, porque eu não tenho uma experiência com
jovens e adultos”, é mas a minha questão é “Os jovens e adultos têm hipóteses semelhantes, ou,
estágios semelhantes de escrita, como as crianças, assim, quer dizer, eles escrevem com
hipóteses silábicas, por exemplo?” Porque a gente tava tão envolvido nisso né, na verdade tava
pensando tanto nessas coisas que lá no Vera que eu falei “bom, deixa eu ver, eu nem sabia da
pesquisa da Ferreiro naquele momento.” E ai a Regina me apresentou, ela falou: olha só não,
tem uma pesquisa da Emília Ferreiro com jovens e adultos e tal; e nós ficamos conversando
umas três horas, então assim, foi uma entrevista longa, porque ela me mostrou os materiais de
sala, ela me mostrou a sala e tal, mas eu sai de lá, dei um abraço nela e, falei “Foi uma prazer te
conhecer espero que encontre um professor”. Porque eu tinha certeza de que não entraria,
porque eu não tinha o perfil. Ai, eu me lembro que eles me chamaram assim duas semanas
depois, me ligaram e disseram“ você começa amanhã‟ e venha preparada para a sala de aula e,
eu fiquei assim muito tensa. Mas lá também eu acho que esses dois lugares, estou dando atenção
a esse dois lugares pra você compreender com esses lugares foram importantes na minha
formação, acho que não dá pra pensar a E9/EC - Hoje, formadora de professores, sem esses
espaços, sabe. No Santa Cruz, eu trabalhava., era um supletivo de primeiro e segundo grau;
tinha o fundamental 1 e 2, e o ensino médio, numa organização diferenciada, ele não era um
supletivo comum, daqueles que encurtam o tempo, mas ele era organizado em termos e, os
alunos avançavam nos termos na medida que eles., alcançavam as expectativas de aprendizagem
e colocassem naquele termo. E ele tinha uma organização muito nova também, assim em termos
de currículo, e a turma de alfabetização era uma turma que funcionava numa sala muito
diferente, era a única sala da escola que tinham mesas coletivas, e, a nossa sala era conectada
com a biblioteca, então a gente podia ir a biblioteca a hora que a gente queria, pegar os livros na
biblioteca e trazer, então era uma sala bem privilegiada assim, espaçosa, com armários e tal. E o
nosso horário de trabalho era diferente dos outros termos, a gente entrava um pouco mais cedo e
os alunos saiam um pouco mais cedo e, eu tinha um orientador, que é o Orlando Jairo, que é um
amigo meu até hoje e, que agora é diretor do supletivo e, quando acabava a minha aula, era
umas 9 e meia assim, tinha o intervalo, agente encontrava com os professores e, a aula ia até as
10:40, e, eu ficava no Santa Cruz até as 10:40 conversando com o Orlando sobre planejamento,
sobre os alunos, então era assim, foi um espaço muito importante dentro da minha formação. Eu
li muito com o Orlando, a gente discutiu caso a caso dos alunos, a gente planejava junto, eu
planejava coisas para as professoras do outros termos, porque tinha uma divisão entre Língua
Portuguesa e Matemática, tinha professora de matemática já no fundamental 1, e de língua
separadas. É então a gente fazia planejamento. A única professora polivalente era eu, no termo,
na alfabetização, os outros eram professores já especialistas. Eu fazia planejamento com esses
grupos. Eu me alinhei muito a um professor de matemática, que é o Joene de Carvalho, que ta lá
na Unicamp agora, na faculdade de Educação e, nós trabalhávamos muito isso, nós fazíamos
planejamentos mais diversos, de projetos mais diferentes possíveis, e a gente até chegou a
apresentar trabalho juntas, eu lembro que a primeira vez que a gente apresentou um trabalho pra
um congresso, era de Educação matemática e eu não manjava nada de matemática, mas agente
tava discutindo didática né, então foi muito bacana, foi meu primeiro., minha primeira
publicação foi com a Joene, minha primeira apresentação foi com a Joene, então foi muito
bacana isso. Então o Santa Cruz tinha essa abertura e, nós tínhamos reuniões quinzenais de
sábado, que também era reuniões extremamente formativas, né, vinham pessoas conversar com
a gente, nós tínhamos uma carga de leitura para essas reuniões pedagógicas, com discussões em
grupo, então era assim uma coisa. Os dois lugares, foram lugares muito privilegiados para
minha formação, pra eu ser quem eu sou, hoje. O lugar, eu permaneci até 94, de 87 a 94, no
meio do Vera Cruz, quando eu completei cinco anos de casa, o Vera Cruz tinha um ano
sabático, você podia pedir uma licença sem vencimentos e, depois voltar pra sua função, então
eu fiz isso em. Saí, porque eu fui convidada por um, por duas amigas minhas que estavam
fazendo mestrado na USP, na época sobre alfabetização, elas me convidaram para trabalhar com
elas, na Fundação desenvolvimento da educação a ICDE daqui de São Paulo, que fazia as
oficinas formativas dos professores do Estado. Então essa foi minha primeira atuação como
formadora de professores, era uma equipe que chamava Pré-escola em movimento e, a ideia era
201
trabalhar com os professores da Educação infantil, professores que trabalhavam com crianças de
cinco e seis anos, focalizando a questão da alfabetização. Então agente montou um plano de
oficinas e cursos para esses professores e, a gente rodava o estado de São Paulo fazendo a
formação nas oficinas das diretorias de ensino. Foi a primeira vez que eu fui a atuar como
professora-formadora e, dessa experiência lá, com a Tereza Rego e a Izabel Godin, que são
professoras da USP, a Izabel Godin saiu, tá na França, a Tereza Rego é professora de psicologia,
foi muito bacana porque, eu acho que aprendi uma coisa da formação de professores, eu como
professora levava sempre o que eu achava. As questões que os professores teriam, então eu
levantava, por exemplo, com a Tereza e com a Izabel, muito mais a visão do professor do que as
questões históricas. Eu falava assim, olha: Eu acho que o quê move o professor, em algumas
formações, eles não creditam que as crianças possam saber de escrita antes de ir à escola, se a
gente trabalhar com essa representação de que as crianças na verdade se apropriam de vários
conhecimentos, talvez eles tenham um novo olhar para essa criança na sala de aula. Ou a
questão própria da língua né. Como é que funciono o sistema de escrita, eu tava pensando tem-
se muito dificuldade pra compreender o que é mais difícil, grafar o que é mais fácil, o que é
mais fácil de ler, o que é mais difícil. Então eu acho que a gente tem que tentar trabalhar com
essas perguntas. E a gente vai criando, sabe, tipo um rol de perguntar, que os professores
poderiam ter em relação à proposta. E na época era uma proposta, essa ideia estava toda
alinhada com o construtivismo, a Telma também colaborava também com essa ideia, todos os
materiais que você olhar, ideia daquele momento, uma vertente forte era o construtivismo. E
apesar da Tereza ser uma pessoa que trabalha com o sóciointeracionismo, com Vygotsky, a
Isabela trabalha muito com o Vallon, a ideia se organizava em torno do construtivismo e, a ideia
era que os professores assumissem essa perspectiva no trabalho com a alfabetização. Então a
gente foi elencando essas perguntar e foi planejando e, a gente criava muitas dinâmicas
exatamente para trabalhar com essas representações, que às vezes eram muito segmentadas,
tentava montar oficinas que tivessem uma discussão teórica, mas que tivesse também uma
proposição, uma criação por parte do professor, ali se tinha uma escola interessante. No final de
93 pra 94 eu tinha que voltar para o Colégio Vera Cruz se não eu perdia a minha cadeira ali,
FBE pagava muito, o Colégio Vera Cruz pagava muito bem, aquela coisa, eu morava sozinha,
bom, eu acabei votando. Eu fiquei o tempo inteira com o “Santa”, porque dava pra a gente
organizar as viagens, sabe, com o horários da escola, então eu ia mais para as oficinas de
sábado, dava pra fazer uns arranjos, e, fiquei com o “Santa” e com FBE. Ai eu sai da FBE
também porque o projeto começou a minguar e, eles começaram a apostar mais na formação dos
professores no ensino fundamental, menos na pré-escola, então começou a ter menos oficina,
então eu falei: Bom, vou voltar pro “Vera” e vou pensar minha vida no Colégio “Santa Cruz o
quê é que eu quero agora né. Ai quando eu voltei pro “Vera” no final de 93 pra 94, exatamente
porque uma parte dos professores do “Santa Cruz” trabalhavam numa ONG que chamava
“Formação Educativa”. Eles me chamaram pra fazer uma formação de professores no Acre. Era
em janeiro de 94, era muito bacana porque eram, os professores que a gente ia trabalhar, eram
professores leigos, eles eram os professores com maior escolaridade na comunidade deles, daí a
gente. Então as lideranças seriam formadas e, ao mesmo tempo as professoras das comunidades
seriam mobilizadas, então num paralelo, agente tava., tinham duas., era um barracão enorme
que tinha de um lado as lideranças sendo formadas, de outro lado os professores, eram uns
quinze professores. Foi muito bacana, a gente fico morando num barco, durante dez dias, bem
no meio da floresta, era uma coisa bem bacana, bem alternativa, e, também outro desafio bacana
de você pensar o que é que a gente levaria de precioso para esse professores, de coisas que eles
não tinham acesso e, que realmente colaboraria com o processo deles de formação e aula,
pensando que eles trabalham com salas muito seriadas., bom. Ai nós fizemos uma grande
coletânea de textos literários, fizemos uma coletânea de jogos, de alfabetização e de matemática,
bom, criamos lá um monte de dinâmica pra todos os dias, porque era o dia todo, naquele calor
amazônico, muitos mosquitos, eu voltei completamente machucada, porque eu sou alérgica, foi
um caos. Mas a partir desse trabalho que era um trabalho encomendado, que não tinha. Era só
uma prestação de serviço, quando eu retornei em março, abril, a Vera me chamou pra trabalhar
na “Educativa” que foi fundada em maio. Ela já existia como embrião, mas ela foi fundada em
maio, pra trabalhar na produção da proposta curricular de educação de jovens e adultos. Ai,
202
bom, eu tive que, eu diminui muito a minha carga didática no “Vera Cruz”, eu pedi pra ser
professora tinha uma professora, as professoras tinham: Professoras de sala, professoras
auxiliares; eu já era professora de sala e, eu pedi pra ser professora dos grupos de recuperação,
porque as crianças do primeiro ano que não estavam alfabetizadas iam pras esses grupos de
recuperação paralela e, a gente fazia um trabalho com elas pra elas voltarem, acompanharem a
sala. Então eu trabalhava meio período na “Ação Educativa”, algumas horas com essas turmas
no “Vera e trabalhava a noite no “Santa Cruz”, porque não conseguia sair do “Santa Cruz”.
Viver ? Trabalhava loucamente, não tinha filhos então você tem outra disposição. E uma coisa
bacana nessa época do “Santa” lá pra 94, 95, a Marta Cláudia Oliveira que é também professora
da USP, ela começou fazer pesquisa nas turmas de alfabetização e, ela entrou na minha sala e
pediu pra fazer uma coleta de dados e, a coletada de dados quando ela começou a me contar da
coleta de dados, eu comecei a ser colaboradora na coleta, então ela aplicava as atividades e, ela
participava da aula, coletando né, fazendo os registros, registros em áudio, depois agente
selecionou os alunos que ela queria entrevistar. Então eu comecei a ter uma ligação grande com
a Marta, - foi minha orientadora de mestrado posteriormente-, e foi muito bacana, a Marta era
colaboradora da “Ação educativa”, ai eu acho que a minha vinda pro “Santa” e a minha entrada
na “Ação Educativa” é um., se antes eu estava dividida entre infantil e, crianças e adultos,
jovens e adultos, nesse momento eu faço uma opção muito clara, no final de 94 eu saiu do “Vera
Cruz” e fico só com a “Ação Educativa” e com o “Santa cruz”. Então fico com a turma de
alfabetização e com a “Ação Educativa”, que tinha uma linha de formação de professores. E lá.,
por isso que foi bacana, porque a construção dessa proposta curricular, que posteriormente foi
adotada pelo MEC, ela juntou., quem é que ela chamou pra fazer isso,- isso eu achei bacana-,
ela chamou professores de educação de jovens adultos, que estudavam as questões de ensino e
de seus objetos de ensino. Então foi uma assim, as reuniões que a gente tinha com as pessoas
das áreas né, porque tinha uma pessoa da área de matemática, eu a Vera trabalhando com
língua, a Izabel de Almeida, a Maria Claro trabalhando com estudos da especificidade da
natureza, outros colaboradores. A Marta Cohen nos ajudando a pensar a questão didática e, de
ensino pra jovens e adultos. Esse caldo ai foi um caldo super importante pra mim e, uma grande
preocupação que a gente tinha na época, era: como trabalhar uma linguagem no material pro
professor, que fosse acessível, mas que não banalizasse conceitos, entendeu, banalizasse
orientações. Porque a gente sabia que um grande número de pessoas leigas trabalhava na
educação de jovens e adultos, sem formação específica e, a gente também queria atingir esses
professores e, bom, foi um esforço enorme de pensar linguagem, pensar explicação, exemplo,
ilustração, forma de texto. Foi muito bacana, foi um ano inteiro de trabalho com a proposta,
quando ela finalizou, a gente apresentou pra um grupo de ONGs que trabalhava com a educação
de jovens e adultos que era rede. “Rede de apoio a ação alfabetizadora do Brasil”, a RAB, ai nós
tínhamos. Essa RAB fazia reuniões anuais em Brasília, nós fomos pra uma reunião, juntamos as
pessoas que trabalhavam com educação de jovens e adultos, porque tinha várias outras ONGs
que trabalhavam com alfabetização infantil. Esses sujeitos foram nossos leitores críticos na
proposta e, nós fizemos reuniões e mais reuniões nessa área, nesse encontro de uma semana, pra
melhorar, pra discutir, pra repensar essa proposta que tava pronta. Voltamos cheios de
indicações, porque refizemos toda a. reescrevemos o texto e, daí nós mandamos pra leitores
críticos também da universidade, nós fizemos um grande trabalho ali de revisão, de releitura, de
escrita desse material. Todo mundo ajudando bastante. Então nossa educativa é um marco
também da minha entrada pra formação, porque eu vou pra um programa, que chamava
programa de Educação de jovens e adultos, com três linhas de ação: Pesquisa, Formação de
professores e acessoria ao programa de EJA. Então ai bom, foi um trabalho de pensar. A gente
trabalhou muito com muitas prefeituras e, a gente tinha que montar programas de formação, de
140 a 360 horas, pra professores de EJA. Campinas foi um dos primeiros programas municipais
que a gente atendeu numa acessoria de três anos, foi uma coisa fantástica! Assim, a gente pegou
dos coordenadores aos professores, então, pensar uma proposta curricular pra Campinas a partir
da proposta que a gente tinha feito pensar cada área do conhecimento, como é que a gente ia
fazer a formação dos professores, então tudo isso, eu aprendi muito lá na “Ação”. E a gente
tinha um cuidado sempre de pensar assim, não de ser muito prescritivo, eu acho até que a gente
teve uma fase bem prescritiva, de dizer como é que fazia sabe sempre tem, mas num
203
determinado momento, quando a gente começa a fazer o material didático, o livro, a gente tenta
fazer um livro do professor com as perguntas que esses professores faziam durante a formação o
tempo inteiro, né? Então perguntas bem, não se você já viu esse material chamado “Ler e
aprender”, ele tem um livro de alfabetização, do professor. Ele tem propostas assim, introdução
é toda formada pra perguntas e respostas. Então eu lembro que uma pergunta que a gente
colocou que era muito comum nos cursos de formação, era assim: Os professores falavam quem
fala errado, aprende a escrever certo? A gente pegava essa pergunta e fazia toda uma discussão
sobre variação, sobre normas padrão e, pra fazer tudo isso eu tinha que estudar muito, porque eu
não vinha da Letras, então, eu estudava pra caramba. E a Vera era formada em Letras, né? A
Vera fez letra na graduação e, depois ela fez mestrado em Educação e, depois doutorado. Acho
que Filosofia, Sociologia, não lembro bem, mas ela tinha essa formação. Então o que eu estudei
pra fazer tanto a proposta curricular quanto “Ler e aprender”, pra gente poder dar conta dessas
perguntas dos professores, acho que eu nunca estudei tanto. E dessa história eu fui pro mestrado
eu me lembro da Marta, “Oh eu to com vaga no mestrado você não quer tentar? Tenta, faz. E eu
fui e prestei, mas eu lembro que eu falava pra Marta, ela já tinha me convidado antes, “ Eu não
vou porque eu não tenho problema, quando eu tiver um problema eu vou”, e, na época que
comecei, eu tinha uma ideia, como eu trabalhei muito com a Marta, eu comecei a ter uma ideia
do jovem e adulto muito diferente do que muitas vezes se vê por aí, que é de uma pessoa que,
porque não foi pra escola tem muitos déficits, muitas falhas, muitas deficiências né? E eu tinha
uma visão completamente diferente, por conta do “Santa Cruz” e por conta desse diálogo muito
intenso com a Marta. Então a gente tinha um olhar muito forte para os procedimentos que eles
usavam, das habilidade que eles traziam, dos saberes que eles traziam, e, eu ficavam pensando
“Gente, que tipo de influência, o ensino de Língua Portuguesa pode ter pra jovens e adultos que,
na verdade tão no mundo, eles falam, eles vivem sem isso. E que influência é essa, tão forte do
ensino de língua, né? E eu ainda não tinha sido apresentada pros estudos de letramento, eu fui
durante o mestrado. Eu entrei na turma de 95 no mestrado, eu ficava assim “meu, quê que eu
vou fazer num projeto sobre essa questão, quer dizer, como é que a escola articula esses
conhecimentos dos alunos criados de outra forma, elaborados de outra forma, que não escolar, e,
como é que pro ensino de língua isso é ou não, vislumbrado”, articular. Exatamente né, aí bom,
vou fazer essa pesquisa, aí depois o meu projeto foi tomando forma e, eu acabei estudando a
produção de textos orais e escritos pra jovens e adultos e, a ideia era ver, eu peguei um. Eu fiz
um estudo de caso de dois alunos do primeiro ano da turma de alfabetização e dos alunos do
quarto ano, é, que era quarto termo, referente ao quinto ano hoje né, lá no Santa Cruz o quarto
termo era o quinto ano, e, do ultimo ano do fundamental dois, da antiga oitava série e nono ano.
Peguei os alunos que estavam nesses termos, entrevistei, fiz uma entrevista na verdade uma
revisão das histórias deles de vida. Eles me contaram como eles eram todos migrantes, como
eles tinham chegado em São Paulo né? Tinha essa característica forte ainda em São Paulo, hoje
não mais né, mas na época que eu tava fazendo tinha isso forte. Muito migrante muita gente de
fora, fiz todo um trabalho com histórias de vida e, eu pedi pra eles fazerem duas produções
textuais, uma oral e outra escrita, que era como se fosse suas autobiografias. Eu gravava em
vídeo a autobiografia, e eles depois escreviam a autobiografia. Mesmo os alunos do primeiro
ano que não dominavam a escrita convencional também escreveram os textos. E ai eu fui
tentando analisar se à medida que eles se escolarizavam, a oralidade e a escrita elas se
modificavam, elas se transformavam. Então o quê foi que aconteceu, aconteceu quê, por
exemplo, os dois textos que eu peguei do primeiro ano, eles tinham uma oralidade letrada antes
mesmo de ter ido pra escola, porque um era líder de uma associação comunitária e, o outro era
um rapaz que tinha um contato com o patrão que lia jornal com ele, falava com ele, então ele
tinha toda uma condição oral permeada pela escrita, mas não a escolar. E os outros alunos do
quarto e do oitavo, a diferença era muito pequena, tanto nas produções orais como nas
produções escritas. Então eu fiz toda uma discussão de como, a escola, o ensino da língua, na
verdade tinha uma influência tão direta, então eu pensava assim “escolarizou, mudou a
oralidade; escolarizou, mudou o texto né.” Era a certeza de quê a escola daria uma evolução,
sem estudar não se evoluiria pra uma escrita e pra uma fala idealizada, tal. Então, minha
pesquisa fala não, não é assim, na verdade, menos a escola para os jovens e adultos e, muito
mais os contextos fora da escola, em que eles são demandados pra ler e escrever. Então eu fui
204
pra um caminho ali, eu fiz na Psicologia com a Marta Cohen, mas acabei entrando nas questões
do letramento, de ensino de língua, muito forte e tive a sorte de ter a Ângela Kleiman na minha
qualificação. Ela me ajudou muito, porque ela trouxe toda a coisa da linguagem que eu não
tinha. A Marta Cohen também. Então ela revolucionou o meu trabalho, porque ai eu consegui
fazer uma análise linguística mesmo, tanto das autobiografias né, uma análise discursiva, tanto
das autobiografias orais, quanto da escrita a partir do referencial que ela me trouxe. E sempre
com essa questão de correr atrás de uma formação linguística que eu não tenho, ou de língua,
porque eu venho da Pedagogia. Eu sempre achei que eu tinha uma lacuna gigantesca, e que
nossa, eu nunca conseguiria vencer essa lacuna aí, de não ter feito Letras, olha que o seu
trabalho de mestrado já responde isso. Pois é, são essas, a gente tem coisas arraigadas. Ai, eu
finalizei esse trabalho. A Ângela não pode ir na defesa, porque a mãe dela faleceu na época,
quem foi, foi a Roxane e, eu lembro que eu falava assim pra Marta: “Olha Marta, é o seguinte,
eu usei a teoria da Ângela, pra construir a minha argumentação.” A Roxane na época, ela tava
muito ligada aos Genebrinos, à Genebra. E eu falava assim “Eu não usei nada desses autores,
ela vai acabar comigo na defesa.” Mas eu lembro que eu tremia nas bases, eu falava: “Gente é
agora né, que é que eu vou fazer.” É e eu tava em 99 eu tava grávida do meu primeiro “filho”,
eu fui pra banca sei lá, quinze dias depois, era pra meu filho nascer. Daí eu cheguei e tal, eu já
tinha lido a Roxane, mas nunca eu tinha conversado com ela, eu não conhecia e, olha a arguição
dela foi fantástica. Assim ela, nossa, foi muito bacana, porque ela foi muito sensível ao trabalho.
Eu tinha começado a usar a ideia, os estudos de letramento, onde ela tinha laçado o livro em 95,
eu já tinha lido, ela abraçou projeto, e fui aprofundando os estudos que a Ângela trouxe, a
Roxane veio e, na verdade a gente montou um diálogo assim, não foi uma pergunta e resposta,
mas o tom sobre o trabalho foi muito bacana e, eu fiquei muito feliz.
A- Eu a entrevistei também. E9/EC Ah aquele bacana! Bacana.
A- Ela foi a Fortaleza pro congresso, lembra que teve um congresso? Lembro, lembro, ah que
bacana. Bom aí, eu sai do mestrado e me concentrei só na “Ação educativa”, porque a gente
começou a elaborar os livros didáticos e começou a fazer muita formação de professor. E eu
fiquei nesse trabalho muito tempo, me dedicando muito tempo. Então a ideia de fazer os livros
didáticos era uma tentativa de concretizar as orientações didáticas que estavam na proposta
curricular. Lá a gente dizia uma série de coisas sobre o ensino da língua, quando a gente fazia a
formação dos professores, os professores perguntavam muito: “Bom, mas como é que faz
isso?”, e a gente ficava meio receosa, “dá receita não dá receita? Mostra, dá o modelo, sabe?”.
Tinha uma discussão enorme sobre isso e tal, pode perguntar.
E9/EC - É um desafio muito grande, então eu to tentando me preparar pra isso, então você fala
de um lado e eu to falando de outro. Jaqueline: Ah que bacana você sabe que eu acho que o
maior esforço da gente é., eu sei que quando eu entrei pro grupo da Ângela, o grupo de
letramento de professor, a Ângela tinha uma posição que eu gostava muito e, que a gente
defendia muito lá na “Ação Educativa” também, que era a ideia de fazer com os professores e,
não fazer para os professores, a formação tinha que ser com os professores, eles tinham que ser
capazes de dizer o que eles queriam e, a gente tinha de assumir essas necessidade como meta de
formação. Eu não vou dizer pra você que a gente conseguiu tudo isso não, mas que quando a
gente sentava com aquela equipe de formadores pra montar as pautas dos encontros de
formação, a gente batalhava muito pra que isso acontecesse, nós não vamos prescrever, nós
vamos fazer junto com eles, se eles quiserem o material didático eles pegam o material, a gente
dá, mas não é esse o foco da formação. Então eu tive uma oportunidade agora de ter uma equipe
de formadores, com uma cabeça muito aberta, nenhum preconceito em relação ao professor,
assim, sabe, que o professor é resistente, que o professor não quer saber de nada. Os nossos
colegas ali eram colegas muito sensíveis aos professores, acho que porque a gente vem da
educação de jovens e adultos e, a gente cria mesmo uma sensibilidade para essa cultura que é,
ou pra várias culturas. Tentar entender o outro, como é que ele pensa, por que ele tá fazendo
essa pergunta? Qual o motivo de sua reação? Devemos conversar com eles, então, eu acho que a
gente foi criando uma expertise mesmo, um conhecimento novo?”Eu não sei mesmo, mas tem
um caldo ali de pensar a formação sempre como uma situação-problema, desencadeava uma boa
discussão entre os professores, que faziam eles perceberem o que eles já sabiam, e, o que eles
precisavam saber pra dar conta daquela situação-problema, que era muitas vezes uma situação
205
de sala de aula, ou era uma produção de aluno que a gente analisava, ou era alguma situação de
pesquisa que a gente trazia pra eles e discutíamos. Era também muito reflexivo. A - Muito
reflexivo.
E9/EC - E também com espaço pra eles criarem atividades junto conosco, aplicarem e virem
discutir depois. Então isso foi assim fantástico e, eu vou te dizer que na educação de jovens e
adultos a gente sofre até hoje, sofre bastante, com a falta de condições de trabalho, eu vou dizer
que a escola pública hoje não tem boas condições de trabalho mesmo, mas quem tá na educação
de jovens e adultos tem condições piores. Então, por exemplo, nas escolas que hoje, eu estou lá
em Guarulhos acompanhando estágio, tem acervo de leitura, mas esse acervo está trancado a
noite, não tem ninguém pra trazer esse acervo, pra abrir o armário, tem sala de informática, mas
não, tá trancada, os equipamentos do noturno são todos fechados porque não tem os
funcionários à noite. Então, os professores trabalham com condições muito ruins, eles mesmos
tiram cópias, eles não têm livros, eles, bom é um caos. É uma coisa histórica e parece que houve
um apagamento dessa parte por muito tempo e, até que se descobrir isso, onde estão os jovens e
adultos, parece que todos sabem ler e escrever. E os professores vinham, muitas vezes, eles
achavam que podiam fazer com os adultos o mesmo que faziam com as crianças. Eu até
compreendo eles pensavam assim: “Se esse adulto não se escolarizou, ele pensa como uma
criança a questão da língua”. A - Infelizmente.
E9/EC - Então a gente tentava desconstruir muito essa ideia, com eles, sabe. Eles começarem a
perceber esses sujeitos como sujeitos. “Olha a oralidade dele, olha onde ele trabalha você acha
que uma pessoa que criou cinco filhos, trabalha fora, pega ônibus em São Paulo, você acha que
ela não consegue compreender essa notícia de jornal, sabe,” a gente tentou desconstruir muito
dessas questões, isso tudo foi na “Ação Educativa”. E a gente começou lá na “Ação” no final,
quando eu saí foi em 2006, mas de 99 em diante a gente tinham um trabalho. A gente fazia a
acessoria, e quando a gente ia embora, a gente sistematizava aquele trabalho por meio de
cadernos, cadernos. A gente chamava de cadernos de formação, então nesses cadernos a gente
trazia o que eles tinham produzido, as sugestões, então a gente sistematizava todos os produtos e
virava os cadernos de formação. E eu achei isso fantástico, porque eu aprendi muito fazendo
isso, é quer dizer você dá voz ao professor, você também trazer a teoria, porque também a gente
via isso muito na formação, às vezes uma formação que dava muito voz pro professor e não
oferecia nada em troca. Então, ouvia, ouvia, ouvia, mas estudar, sair de lá com novas
habilidades, sei lá, ter acesso a práticas de leitura diferenciadas, isso não acontecia, então a
gente tentava fazer um equilíbrio dessas coisas, lá na “Ação”. Então toda a minha formação foi
por ai, fazendo material didático pra jovens e adultos e, o material, pensando de um lado esse
jovem e adulto, porque a gente tinha alguma referência por conta de ter dado aula muito tempo.
Eu saí do “Santa Cruz” em 99, não, em 97, no meio da análise dos dados, porque os meus
dados vieram de lá, eu coletei lá. Eu saí em 97 de lá, momento também que eu ganhei a bolsa,
eu falei: “Agora eu vou ficar esses dois anos pra terminar o mestrado né”, fiquei com bolsa e só
com o “Ação Educativa”, e com alguns trabalho esporádicos. E esse trabalho de pensar, a
prefeitura vem e te pede um monte de palestra, você transforma em um curso de formação
presencial, em que você vai quinzenalmente encontrar esses professores e, vai trabalhando com
essas práticas, de maneira reflexiva foi, uma coisa pra mim assim fantástica. Eu acho até que eu
tava conversando com uma amiga, “Puxa, eu trabalhei muito já, nossa como eu trabalhei”. A -
Imagino.
E9/EC E- Em 2003 eu fui pro doutorado. Ai eu fui pra Linguística Aplicada. Eu me lembro de
antes de ir pra Linguística Aplicada, como a Marta Cohen, além de minha orientadora, era uma
amiga, eu fui conversar com ela “É Marta, eu estava pensando em fazer meu doutorado, to
pensando em agora, não mais trabalhar com jovens e adultos, mas pegar os professores
alfabetizadores e, eu quero trabalhar com os professores alfabetizadores que não tenham uma
formação específica, então meu tema é formação de professores, é de educação de jovens e
adultos” e, eu contei um pouco do projeto pra ela, e ela falou assim: “Eu tenho interesse”.
“e tenho vaga”, que a Marta, eu acho que ela seleciona muito, sei lá, ela, as duas vezes ela tinha
vaga. Ai eu falei, mas eu pensei em falar com a Ângela Kleiman, ela falou assim: “Olha, eu
acho que se você ficar na Psicologia, você vai ver um pouco mais de coisas que você já viu e,
que você pode sozinha ver, agora se você for pra Linguística Aplicada, vai abrir um campo
206
novo. Então vai lá conversar com a Ângela.” Ela foi muito bacana, assim, ela me encorajou a ir
conversar com a Ângela. Eu fui conversei com Ângela e falei pra ela que eu tava com vontade,
só que eu expliquei pra ela que eu não vinha do campo da Letras, nem da Linguística, portanto
eu era uma estrangeira ali. E ela falou assim: “Olha, se você tentar passar na seleção, depois que
você passar na seleção a gente conversa”, e nessa conversa a Ângela virou pra mim e fez duas
perguntas “Eu quero te fazer duas perguntar, se você pretende engravidar durante o doutorado,
porque todos os meus orientandos engravidam, e isso é um problema”. E depois ela fez outra
pergunta que eu não me lembro mais. Eu fique muito chocada, eu falei: “Nossa”. Eu pensei:
“Bom, eu tenho um filho”. Na época eu não pensava em engravidar, eu falei: “Olha, agora eu
não penso, mas não sei né”. Ai eu fiquei pensando: “Será que isso é um critério”? A gente até
brinca com isso hoje, eu quando encontro com ela, a gente dá uma brincada. Bom, trabalhei no
projeto, escrevi o projeto, e minha ideia era pegar, trabalhar com os professores leigos e pensar:
Como é que eles se formaram como leitores; que representações eles tinham sobre o ensino da
leitura; e como eles, como é que esses dois lados, a história dele como leitor e, o quê ele acha
que é ler e ensinar a ler se concretizavam em aula. Então tinha três dimensões, uma é o
doutorado: Fazer uma pesquisa com os alfabetizadores, retomando essas histórias de formação
deles de leitor; discutir a questão do que é ensinar a ler, o quê é leitura, num segundo momento;
e num terceiro momento ir pras salas de aula e assistir aulas, de leitura, voltadas pro ensino de
leitura. Bom isso ai já é uma coisa gigantesca né, em projeto. E ai, eu entrei pro grupo da
Ângela, que era letramento de professor, foi um grupo preocupado em descaracterizar essa
imagem do professor falho. A gente desconsidera, às vezes, os jovens e adultos porque eles não
se escolarizaram. Aí a gente olha para o professor e vê os resultados na educação básica e fala:
“Nossa esse professor é o problema”. Então a ideia da Ângela era tirar o foco do professor e, na
verdade, e a Ângela trabalhou com alguns doutorandos, ela mesma fazendo críticas, por
exemplo, aos materiais que construídos pelos professores, na verdade não tinham muitos
professores como leitores privilegiados. Atentar para a questão da história de formação desses
professores, a ver as aulas, quer dizer ela juntou ali tudo pra a pensar formação inicial também.
Eveline fez um trabalho super bonito com diário. Bom a própria Gleice fez um trabalho também
bonito com os projetos de letramento, quer dizer, todo mundo ali tinha o professor como foco e,
a ideia da gente era quebrar essa representação que estava muito forte na mídia e na
universidade, de que o professor ele é um não leitor, ele é falho, ele não sabe nada e, esse é o
grande problema da educação brasileira. E eu fui pra um campo que na verdade, era educação
não formal, pois esses professores não estão nas escolas, eles estão nos programas organizados
pela sociedade civil são professores leigos. Então, assim, eu tava num grupo mais fora do
âmbito escolar. A minha pesquisa ficava agrupada com a da Vera, que era formação de jovens
leitores e, na verdade, em ambientes diferentes da escola. Havia outro grupo que era da
formação de leitores no Hip Hop, então eu me abrigava mais com esse lado fora da escola.
Além disso, tinha um grupo grande fazendo pesquisa com o professor na escola, o professor
tanto de Português, como o professor alfabetizador. Isso foi muito bacana também, porque eu
acho que chegou o momento de teorizar um pouco aqui nas questões que a gente já tava fazendo
na “Ação educativa” e, de pensar mesmo as questões de ensino. Era preciso ter coragem de
olhar pra um alfabetizador que não é formado e que é alçado a uma condição de docente. É uma
pessoa da comunidade, de repente ela se torna um professor, alfabetizador, porque ele fica um
ano com uma turma, alfabetizando e, ele recebe uma ajuda de custo. Quer dizer ele não tem a
mesma condição de trabalho, nem o meso estatuto, mas ele é alçado a essa condição na
comunidade. Todo mundo vê ele como professor. A - É ele que faz.
E9/EC - É. E tentar descobrir né um pouco quem é esse sujeito, o quê que ele pensa da leitura e
o quê ele pensa em si né. É, foi muito bacana pra mim, porque eu unia essa, acho que é uma
sensibilidade cultural mesmo, sabe, que a gente vai aprendendo a ter nesse trabalho, de olhar
para o outro e tentar lidar com estranhamento. Sabe tentar ver esse sujeito, sem muitas questões
presumidas. “Ah ele fez ensino médio, então ele não é leitor. Sabe só fez até ali, imagina ele
teve uma escolarização tão precária, imagina que ele lê alguma coisa, né?”. Tentar olhar para
esses professores de outro modo foi muito bacana. Porque eles me fizeram, me deram um
presente. Eu peguei um grupo de alfabetizadores, eram nove, elas realmente me presentearam
com histórias fantásticas de formação de leitor e, com uma autoimagem como leitora e
207
alfabetizadora muito diferente do que a gente costuma ouvir. Eu peguei algumas pesquisas sobre
o professor que mostrava sempre um professor que diz assim: “Ah eu não leio o quanto eu
precisava, eu tinha que ler muito mais né.” Um professor que está sempre em dívida, eu tinha
algumas alfabetizadoras que fala assim: “Não, eu sou uma leitora muito crítica, eu gosto de ler
muito, eu leio muito”. Eu falava assim: “Gente o que eu vou fazer com essas professoras?” É,
que bacana, então, assim, a Ângela me ajudou muito, a Linguística Aplicada me ajudou muito a
pegar esses depoimentos, esses enunciados e analisá-los, pra gente tentar entender porque é que
elas estavam se posicionando de uma forma tão assertiva, porque que elas selecionavam pra
dizer pra gente o que elas liam, autores tão, autores da literatura nacional, tão bem colocado no
ranking das leituras. Por quê? A gente começou a olhar pra esses enunciados e fazer essas
perguntar, mas porque que elas estão dizendo isso pra gente, porque que ela disse isso pra mim,
como represento a universidade? Foi muito, foi um trabalho eu vou dizer pra você, extenuante,
eu fiquei muito cansada, tive problemas de saúde. Mexeu muito comigo assim, por dois
motivos: Pelos dados riquíssimos que eu tinha na mão, porque eu fiquei três semestres com elas,
acompanhando essas meninas e, por outro lado porque eu tava na Linguística Aplicada e com a
Ângela, eu tinha que fazer uma análise que era enunciativa e discursiva e, eu não sabia fazer
isso. Então foi muito difícil, eu recorria a Bakhtin, eu recorria a análise do discurso crítico. Olha
eu sempre vou dizer pra você que eu acho que a sorte foi estar nesse grupo, contar muito com o
pessoal da PUC-Minas, que lia os nossos trabalhos, eles discutiam a Jane, a Malu, a Juliana, a
Cláudia, a Cida, foram muito importantes, todas elas, porque a gente discutia os trabalhos juntas
e elas nos deram muitas pistas. A Malu foi da minha qualificação de projeto e, ela me ajudou
muito. Ela fez uma qualificação a distância, ela mandou pra mim, nossa, foi assim maravilhoso.
Eu tive essa oportunidade de conviver com ela sim e, foi muito importante, muito importante. A
Ângela teve um momento que eu falava assim, eu vou fazer análise como a gente faz na
Educação, porque a gente trabalha mais com análise de categoria, né? Então pega assim: leitura
e faz uma análise do que elas falaram de leitura e, menos enunciativa sabe, menos discursiva. A
Ângela falou assim: “Não, se você entrou na Linguística Aplicada, você vai fazer, senão você
não poderia ter optado por estar comigo”. E foi um momento assim de crise, sabe? Eu não sabia
como que fazia, eu tive que trabalhar muito. Bom, trabalhei muito nesse momento. Eu sai da
“Ação Educativa” em 2006. Eu precisava sair, não podia mais ficar não dava, porque trabalho e
análise de dados não combinavam de modo algum. E foi assim, foi num crescente, foi muito
bacana, terminei o trabalho, não deu pra analisar tudo, eu tenho dados não analisados, meus
dados de sala de aula eu não conseguia, as aulas gravadas eu não conseguia analisar, acabei
focalizando nessas histórias formativas, nessa identidade de leitora que elas estavam
construindo, comigo durante a pesquisa né, porque a gente. Na verdade, não que elas não
tivessem, mas à medida que a gente dialogava sobre leitura e leituras delas, essa identidade ia
sendo construída ali na pesquisa. Então eu trabalhei muito com isso na análise.
A - Interessante, eu gostaria de conhecer o seu trabalho.
E9/EC - Eu te mando depois, pra você dar uma olhada. É muito sofrido. Bom, eu defendi, foi
super bacana a defesa. Ganhei um prêmio com a pesquisa, que era um premio pra educação de
jovens e adultos. Fiquei muito feliz, foi uma vitória. Aí eu tava fora da “Ação educativa”, já
tinha terminado o doutorado, quê é que eu ia fazer da vida. Eu vou confessar pra você que eu
nunca me pensei na universidade. Por que eu achava que o meu conhecimento, era um
conhecimento mais de ordem aplicada e, na universidade, esse conhecimento de ordem
aplicada, ele é menos valorizado, você sabe disso né? E eu ficava pensando: “Ah, não vou”, e
todo mundo ficava assim: “Agora você vai prestar concurso, né?” “Imagina eu não prestar
concurso coisa nenhuma. Eu vou é continuar fazendo formação de professor. Vou montar sei lá,
uma empresinha, que dá acessoria, vou continuar pesquisando material didático, vou sei lá
entrar em outra ONG, alguma coisa do tipo”. Eu lembro que eu falava assim: “Também eu acho
que eu vou terminar minha carreira da seguinte forma: Eu vou prestar concurso, eu vou ser
professora de escola pública, trato de uma creche, pra gente, sei lá. Fazer eu brincava, se a gente
tiver quarenta crianças felizes num dia, não é uma coisa legal. Então, eu vou fazer isso”. Todo
mundo falava que eu era maluca, que era um absurdo, que tinha que prestar concurso pra
faculdade. Ai uma amiga minha que era da USP, ela mora lá em Bicas, que é mineira também,
muito querida. Ela falou assim: “C, vai ter um concurso lá na Universidade Federal de São
208
Paulo, Pedagogia recém aberta, concurso é pra você, lá diz que é alfabetização e letramento,
fundamentos práticos e teóricos de Língua Portuguesa, você não vai prestar?” Eu falava: “não”.
Aí, ela falou assim: “você tem que prestar”, daí eu sei que ela ficou me enchendo, enchendo,
chegou na última semana, ela falou: “Olha, eu faço.”, porque tinha que organizar todos os
papeis, certificados, daí você tinha que apresentar o Lattes tinha que ter todos os comprovantes.
Ela falou assim: “Eu faço isso pra você, você constrói o memorial do projeto e, você vai
prestar”. Eu fui no último dia do concurso, vou dizer pra você, que fui, terminava cinco horas a
inscrição e eu cheguei as quatro. Aquela coisa assim tudo não dá, né? Era uma opção eu não
sabia se eu ia fazer. Naquele momento eu comecei a fazer um trabalho com o SESC, é um
programa que se chama SESC ler, que é de educação de jovens e adultos, eu falei: “Ah, eu vou
acabar com o SESC ler e, ta tudo bacana né?”. Aí, bom me inscrevi. Ai no dia da prova tinha
vinte e três candidatos, imagina duas vagas pra vinte e três candidatos. Olhei os currículos, tinha
umas pessoas muito interessantes, eu falei: “Imagina eu não tenho experiência em docência
universitária né”. Ai, bom, tinha dado um semestre na Letras de aula, numa escola, numa
universidade privada, me chamou, esqueci desse lugar. E eu fui dar prática de Ensino de Língua
Portuguesa, eu adorei. Foi o primeiro tópico, a gente trabalhava o adolescente e o jovem e, o
adolescente e o jovem em relação à escola, pra depois dar as questões de prática de ensino de
língua e, pegar os eixos em que estão as propostas curriculares, não outros. Eu lembro que eu
até usei muito o texto que a Malu fez para os professores de Ensino médio, acho aquele texto
maravilhoso. A gente trabalhou muito quais eram os eixos, dentro desses eixos o que é que a
gente tinha de pensar como ensino, mas lá era o contrário, porque elas diziam que na aula de
prática de ensino, elas tinham metodologia sem pensar a escola, sem pensar os alunos, como é
que pode? Não diz como é que pode pensar a prática de ensino sem pensar o sujeito, mas tudo
bem, e quem é esse sujeito né? É com quem eu vou trabalhar quem é esse menino de dez anos,
onze anos, que está no sexto, no quinto ano, sei lá. Bom, em suma, trabalhei um semestre lá.
Era uma vez por semana, era uma forma também de eu ter um registro, sabe aquela coisa. E aí
prestei um, no dia 31 de maio, começou o concurso. Aí eu fiz a prova escrita, dos dez tópicos
que poderia cair, o que eles escolheram foi em cima de gramática, eu queria morrer. Porque eu
tinha., eu podia discutir qualquer um deles, mas dentro de gramática, eu tinha., primeiro eu senti
uma resistência na questão da gramática, eu tive.Eu fiquei na linguística, eu fiz curso na
linguística, eu tinha um pé atrás com o pessoal da linguística, então assim, tinha um nó meu ali,
eu fala: “ Ah gente, o quê que eu vou escrever nessa prova escrita?”. Bom, fiz a prova escrita,
sai de lá achando que eu não passaria, porque é por etapa, era por corte, sabe? Você fez a prova
escrita, se você passasse ia pra outra etapa. E a didática você podia planejar antes, não era
sorteio, eu tinha feito uma formação prática de leitura, estava felicíssima com a minha aula.
Bom, todo mundo tinha que ir, no dia seguinte lá, de manhã pra faculdade olhar a lista, eu tinha
passado. Nossa! Preparei os slides, já estava com eles na cabeça. Mas eu tava tão nervosa, tão
tensa na apresentação, que eu achei que eu não fosse, imagina que os meus slides não faziam
sentido, que eu nada. Bom, aquela mesmo frustração, eu não vou passar, e essa coisa da seleção
pública é muito ruim né, todo mundo sabe que você tá prestando né? É uma exposição muito
forte né? Então eu fiquei muito mal. Terminou isso, eu juro que eu não tinha energia pra nada,
eu vim pra São Paulo, fiquei em Guarulhos, vim pra São Paulo e falei: “Ah, eu não vou voltar lá
amanhã. Ah, eu não vou,chega, que coisa ridícula, esse processo universitário é um processo
absurdo, eu não vou.” Bom, aí eu sei que meu marido falou: “ Não, você vai. Você começou
agora você vai até o final. Você vai sim”. Ai tinha passado ai eu fui pra entrevista. Ai na
entrevista, eu falei assim: “Gente, agora chega né, na entrevista eu sou o quê eu sou, e se eles
gostarem de mim, eles gostaram, não tem o quê fazer”. Eu ensino uma coisa no curso, que têm a
ver com formação e, por isso que você vai entender porque é que eu estou dando essa volta. A
pedagógica da Unifesp, ela tem um programa que se chama residência pedagógica e, eu li o
programa, porque tá no site, eu li, acabei de conhecer o programa na universidade e tal. Eu
rapidamente associei com residência médica, porque o médico vive no hospital, com o tutor que
é o outro médico, o residente tá lá com o outro médico, e ele vai dizendo a rotina do hospital e,
vai aprendendo e vai escolhendo uma especialização. Quando eu li a residência pedagógica, eu
achei: “Bom, o estágio é essa imersão na escola com o professor tutor e, vai ser super bacana,
né?”. Eu achava que era outro modo de pensar a formação dos professores. E é mesmo, tem
209
muitos problemas, eu não vou dizer pra você porque ainda está em construção, mas a ideia era
uma ideia que me encantava. E uma das perguntas da entrevista foi essa, pronto né. Eu falei
“Olha, eu não acredito em cursos de pedagogia que se dividam entre fundamentos e depois, a
parte prática. Eu acho que pra um alfabetizador ser alfabetizador, ele tem que ter uma formação
que discuta o objeto dele de ensino, então a gente tem que pensar o quê que está envolvido,
quais são os objetos que ele tem que se dedicar. Então o recurso, se eu for dar um curso aqui na
disciplina de alfabetização e letramento, ele vai ter de saber do objeto, ele vai ter que saber
como a criança aprende e, ele vai ter que pensar como é quê o professor atua. Então sem esse
triângulo não tem como trabalhar formação dos professores e, eu to achando um máximo essa
coisa da residência, porque ela é um banho de escola e, muitas vezes as questões que são as
mais interessantes, nesse campo que a gente dá aula, é de quem ta vendo a criança ali,
produzindo um texto, acho de quem tá vendo a criança ler, acho que de quem tá vendo uma
atividade sendo desenvolvida, como professor interventor.” Então pra mim era um “nossa”. Eu
sei que eu me encantei muito pela Pedagogia onde eu tô, por conta desse modelo. E entrei pra
trabalhar, passei e fiquei lá. Estou há três anos lá. Eu juro pra você que a formação inicial é
muito diferente da formação continuada, que é a formação em serviço né, daquele sujeito que tá
lá no cotidiano da escola, que tem mil perguntas, que tá às vezes muito envolvido na própria
prática e não consegue ter um olhar distanciado pra poder perceber. A formação inicial, ela me
trouxe um desafio que eu digo pra você, que eu dei pela terceira vez a disciplina de
alfabetização e letramento, eu ainda não cheguei num modelo que me satisfaça, assim não
cheguei num curso que fale: “Puts, olha, esse semestre a gente conseguiu atingir os objetivos
que a gente tinha se disposto, sabe.” É muito difícil, porque aquela coisa da universidade assim,
eles até brincam “Ah professora, a senhora fala um monte de coisa, mas ninguém faz com a
gente isso aqui, né”. Então, assim, é importante conhecer as crianças com as quais a gente vai
trabalhar ouvi-las, escutá-las, quando dizem “mas assim ninguém escuta a gente”. Eles têm toda
a razão. Monta a disciplina presumindo aquilo que eles precisam ter na universidade, esse
modelo não tá quebrado, a gente tem, falta muito instância de planejamento do professor no
ensino superior. Eu achei muito engraçado quando eu comecei esse método, eu olhei e falei
assim pra coordenadora: “Não vai ter reunião de planejamento?” Ai ela olhou pra mim, ela falou
assim: “C, você está numa universidade.” Pois eu estou trabalhando o ensino, eu preciso
dialogar com os meus pares, eu preciso saber quem tá no mesmo semestre que eu, como é que
vai fazer, eu quero discutir a questão da avaliação, porque lá na universidade você tem exame,
mas pra quê que serve o exame, o exame não serve pra nada. E a gente tinha uma avidez muito
grande e, a Célia é uma pessoa muito sensível pra isso. Eu lembro que no semestre seguinte, a
gente montou uma comissão de planejamento e, a gente fez uma semana de planejamento. Vou
dizer pra você que a disposição dos professores da universidade para o planejamento é quase
zero. Um pouco dos professores que querem sentar e discutir o curso, a carga didática, muitas
vezes essa discussão gira em torno de interesses próprios, então eu quero que minha disciplina
permaneça no segundo semestre, então eu faço de tudo pra resultar inútil, eu não penso nos
alunos, sabe tem muito disso. É, e também porque eu acho que tem uma coisa forte, que é
assim, a graduação na extensão, são as ações menos valorizadas e são as que tinham de ser mais
valorizadas na universidade. É lógico que pesquisa é importante, é lógico que eu pesquiso, que
eu tenho bolsista de iniciação-científica, eu curto fazer isso tudo, mas a graduação eu acho que
você devia de ser pontuado, porque se você é o professor, se a universidade existe, né? Eu vou
dizer pra você que eu entrei muito em conflito com isso. E logo em 2008, quando eu entrei no
segundo semestre, eu já fui pra uma ação de extensão na escola vizinha, foi muito bacana a
gente fez um experimento muito bonito lá. Mas também, assim, poucos colegas quiseram saber,
pouco discutido. Na verdade como a gente tinha que começar a residência pedagógica em 2009,
essa entrada nossa na escola, a partir de uma demanda da própria escola que era vizinha à
Unifesp, fez com que a gente abrisse o campo de estágio lá para os alunos e, aprendi muito
porque tinha outros dois colegas trabalhando, a gente trabalha com a questão da leitura, da
formação do leitor. Então assim, foi muito bacana, eu vou dizer pra você que esse foi um
momento muito bonito em questão da disciplina. Eu tenho muito dúvida, eu, a gente tava
conversando, somos três: O Clécio você já entrevistou; a Márcia que é da Letras e tem uma
formação linguística bem forte. Ela difere um pouco do meu perfil e do perfil do Clécio, mas ela
210
uma pessoa muito devotada com o ensino. Então eu acho que a gente forma um trio
interessante. Eu vou dizer pra você que a gente conseguiu sentar pra fazer uma discussão sobre
a nossa área no semestre passado, porque a gente não consegue a gente não tem pernas pra dar
conta de todas as atividades e pensar a disciplina. E uma coisa que eu e a Márcia temos pensado
muito, eu sei que tem uma discussão velha, a gente acha que o professor alfabetizador, ele
precisa ter uma formação entre aspas linguística, ele precisa dominar esses objetos que ele
ensina. Senão, não tem como criar propostas didáticas. Não dá pro sujeito criar propostas
didáticas em relação ao objeto que não sabe nem como funciona. Então a gente tem tentado
tanto organizar a disciplina pensando nessa formação Linguística, quanto às eletivas também.
Ela dá uma eletiva que chama Relações entre Fala e Escrita, que é super importante,
complementar à minha disciplina. Há uma disciplina de Literatura, eletiva, que a gente ta
tentando na verdade colocar de pé, que o Clécio já deu esse semestre, mas por um problema os
alunos da Pedagogia não foram matriculados os alunos dos outros cursos. Porque deu um
problema de matrícula. A gente tá tentando organizar esse campo ai, na Pedagogia.
A - O foco do curso é pra trabalhar a alfabetização e com a pré-escola também?
E9/EC - A gente tem duas disciplinas de Educação Infantil. Nessas disciplinas de questão
infantil eles começam a ver umas questões de linguagem, mas de aquisição da fala e tal. Na
nossa disciplina, eu focalizo a alfabetização. E é lógico que vou pra Educação Infantil e vou pro
fundamental, porque não tem como você falar: “Eu vou trabalhar só com crianças de seis anos,
né? Esse é o nosso foco seis, sete anos, ciclo de alfabetização.” A gente acaba trabalhando com
os eixos de oralidade, fez toda uma discussão, tentou fazer né? Desde a questão da fala, até a
questão da escrita.
A - E os seus alunos vão trabalhar até o quinto ano?
E9/EC - Meus alunos vão trabalhar até o quinto ano, eles são os pedagogos, que são professores
polivalentes do primeiro ao quinto. E, eu vou dizer pra você que, eu acho que eles saem com
uma formação bastante, no campo de língua, bastante precária. Aí tem algumas amigas que elas
dizem assim pra mim “tenha calma, porque não é só na formação inicial que a pessoa se forma
e, eu tenho que concordar”, eu falo assim: “Eu tenho que olhar pra minha história e falar assim é
verdade, porque eu fiz um curso de Pedagogia e, eu não vi nada dessas questões, né?”.
A - É interessante. Vocês também assistem ao professor que vem do departamento de Letras, ou
Letras dá conta de formar seu aluno?
E9/EC - Não, Letras tem que pensar a licenciatura e o bacharelado. Lá no nosso campus, a gente
tem Ciências Sociais, Filosofia, História, Letras e Pedagogia.
A - Mas a Pedagogia não suporta os alunos das Letras, como que fica a parte da didática em si?
E9/EC - Então, a Letras tem o laboratório e prática de ensino, dentro da sua carga didática. Os
alunos desses outros cursos vão pra pedagogia, fazer o quê a gente chama de domínio conexo,
eles escolhem disciplinas, eles têm que fazer dois domínios conexos na pedagogia. Eles
escolhem disciplinas e, fazem essas disciplinas. Os alunos das Letras, eles aparecem muito na
disciplina de alfabetização e letramento, compareceram bastante na disciplina relação entre fala
e escrita, tinha muito aluno da Letras e Literatura, tinha muito aluno da Letras, e também as
vezes, o Clécio fez uma parceria bastante interessante: ele foi dar um curso na Letras, uma
eletiva em parceria com uma outra professora da Letras, com a Márcia Mendonça, então eles
dois, deram uma disciplina sobre estudo do letramento. Eletiva, claro. Mas a licenciatura quem
está se pensando é a própria Letras, a Pedagogia nunca se colocou, desde a criação desse curso,
ela nunca se pôs nesse papel de coordenar as licenciaturas todas. Como é que a gente tem, mas
agente quer discutir isso, por quê? O currículo de Letras, Ciências Sociais, História e de
Filosofia, eles não pensam a questão da formação do professor. Então nas discussões entre
coordenadores de curso. Em alguns momentos em que a gente consegue reunir todos os
representantes de curso, a Pedagogia pressiona esses cursos de certa maneira, cria uma tensão,
pra eles discutirem a questão da formação dos professores. Eu vou dizer pra você que a gente já
ouviu as coisas mais absurdas, tipo “Eu não formo professor, ou, quem se forma em Letras não
vai dar aula em escola pública, então não tem que se pensar sobre isso”. Coisas desse tipo a
gente já ouviu.
A - Veja bem, o foco da minha pesquisa, tá no professor da faculdade. E como ele se forma?
211
E9/EC - Você vê, quem fez essa opção pra estar nessa disciplina de laboratório e de Prática de
Ensino na Letras é a professora Márcia Mendonça, que é uma professora que veio da UFPE e,
que trabalhava com formação de professores. Então, ela tem sim uma sensibilidade e, ela tem
batalhado muito para que o currículo tenha uma cara diferente, porque o currículo da Letras que
hoje tem lá é de pesquisador. Eu brinco com ela: “Vocês vão formar os críticos literários, os
poetas, os escritores. Não tão formando professores”. A - Interessante.
E9/EC - Uma dicotomia, porque o professor das Ciências Sociais que dá lá Antropologia, sei lá
o quê, qualquer disciplina, ele não tá preocupado se esse menino que ele tá dando aula, vai dar
aula no Ensino médio de Ciência Sociais. Não tá. Então é uma coisa completamente descolada,
como se você estivesse naquela ideia de dois planos sabe. Primeiro, eles têm uma formação dá
área que é super importante, que é mais importante que qualquer coisa; e num segundo
momento eles vão pra essas questões aí de escola, que são menos importante, entendeu? Se
puder burlar a carga de estágio, eles burlam, se puder colocar um professor só, por exemplo, que
é o caso da Ciência Social, tem um professor, pras questões das Práticas de Ensino, que é um
professor fantástico, ainda bem né. Que também tem essa cabeça na formação do professor, na
escola, no jovem. Esse professor específico. A História há tem uma organização mais
interessante, porque a Prática de Ensino ela está dividida em quatro semestres: Então no
primeiro semestre eles discutem o ensino de História; no segundo semestre eles fazem um
diagnóstico da escola; no terceiro semestre eles entram pro estágio com uma proposta elaborada
a partir dessa orientação; e no quarto semestre eles fecham discutindo as Práticas de Ensino.
Então eles têm uma organização que eu acho interessante pra História. Então não é no final do
curso, na última coisa e, tem dois professores bastante engajados na questão da formação do
professor. Mas isso não é uma coisa comum e, ai diante desses problemas todos, por exemplo, o
curso de Filosofia queria que os alunos fizessem disciplinas na Pedagogia e, essas disciplinas
contariam para a carga da licenciatura deles. Acontece que o sujeito vai dar aula na Filosofia,
ele faz alfabetização e letramento, não é que ele não possa fazer, ele pode fazer, eu não tenho
nenhum problema, eu já tive aluno da história e foi muito interessante ele estar nessa disciplina.
Mas é ele vai dar aula pro ensino médio, quer dizer, ele não vai ter uma disciplina pra pensar o
que é o ensino médio, como é que o ensino médio se organiza, como é que é ensino se organiza?
A pedagogia toda vai focalizar o fundamental 1 e a educação infantil. Eu discuto isso, porque
tem gente que fala assim: “Nós tínhamos de cuidar da licenciatura”, tenho uns colegas quem
falam: “Nós tínhamos.” Isso é muita pretensão eu falo. Porque veja, a gente não dá conta do
fundamental, do Ensino Médio, são outras realidades, são outras questões que estão postas. A
gente não tem psicologia do desenvolvimento, que escuta como é que adolescente aprende,
como é que jovem aprende. A gente tem como que criança aprende aqui. Então a gente também.
Se a gente fosse assumir licenciatura, a gente tinha que se preparar pra pensar esses níveis e, eu
acho que a pedagogia também não ta preparada, é uma autocrítica, entendeu? E não tem
Didática nenhuma de ensino superior também né, porque é aula expositiva, tipo expositiva
ponto e, acabou, diz a entrevista.
E9/EC - É muito triste. Então assim, eu acho que tem uma tensão muito grande lá no curso.
Assim, a gente se preocupa muito em formar professores, mas eu acho ainda que a gente na
pedagogia tem um caminho ainda a trilhar, para que esses professores dominem esses objetos de
ensino. Aí eu to puxando a sardinha pra língua, mas eu posso dizer a mesma coisa pra
matemática, pra qualquer outra área. Então esse professor polivalente tem que dominar os
conceitos, as noções, o quê ele vai dar, ele não pode. Eu sei que não dá não é que eu to querendo
que o pedagogo fique dez anos na universidade, não é isso, nem acho que isso vai resolver, mas
a gente tem que conseguir um curso que garante essa questão dos objetos de ensino. Porque
durante muito tempo a pedagogia ficou com uma deixa de didática geral, se você tivesse uma
didática geral tudo se resolveria entendeu e, não é verdade, e por outro lado faltou. E a gente
vive uma dicotomia mesmo, que é complicada. Eu não sei assim um aluno meu, um aluno meu
nas férias a gente tá com um problema de greve e, teve que dar aula agora né, em janeiro,
fevereiro. E um aluno durante as férias do período que teve de recesso, ele leu “A língua de
Eulália” do aí ele virou pra mim e falou assim: “ Eu gostei do livro, eu aprendi muitas coisas,
mas eu fiquei muito mau humorado com modo como ele compôs o personagem que é da
pedagogia, porque era a mais bobinha de todas”. E eu acho que tem uma coisa assim né, tem
212
gente que acha que o curso de Pedagogia é um curso que é generalista, não forma pra nada. Eu
acho que assim, essa representação, ela não é gratuita, acho que durante um tempo o curso de
pedagogia ele trabalhava muito bem com a área de fundamentos da educação, e muito pouco
com as questões de ensino. E hoje a gente tem uma parametrização curricular que exige desse
professor um conhecimento sobre a língua muito sofisticado e, se ele não tiver, ele vai ter muita
dificuldade pra até usar o livro didático. Todo mundo fica: “Nossa o livro didático é tão bom,
ele não consegue usar, por que será?” Bom, porque não tem domínio sobre aquele objeto, nem
consegue imaginar como é que aquele autor, ou deslindar como é que aquele autor chegou
naquela proposta, né. Então eles acabam criando projetos outros. Então, eu acho que a gente tem
que a formação inicial tem um nó, na Pedagogia. Um nó que não é simples, mas a Letras
também tem, porque convivendo com os alunos da Letras eu percebo o seguinte: Então eles
tiveram sociolinguística, eles tiveram práticas de leitura e produção textual, eles tiveram várias
disciplinas, que poderiam ser pensadas como disciplinas importantes para a formação dos
professores. Mas quando eles vêm pra nossa, eu tive agora uma menina da Letras, ela ficava
espantada com as discussões sobre, sei lá, como é que a gente pode montar uma intervenção,
como é que a gente monta uma sequência didática pra trabalhar produção textual. Ela falou
assim: “Puts, eu sei tanta coisa sobre produção textual, mas eu não sei nada de como fazer.” E,
parece, a sensação que ela falou que ela tinha, e que eu achei bem interessante é que essas
disciplinas ficam e caixinhas, então ela nunca tinha pensado que o quê ela estudou eu
sociolinguística pudesse ajudá-la a pensar uma aula, por exemplo. Então você fica pensando,
parece que é tudo tão desconectado. É na mesma universidade, no mesmo campus, é bastante
complexo.
A - Que saberes seriam necessários para a formação e atuação de um professor formador?
E9/EC- Então eu acho que o professor formador, ele tem que ter ai, acho que um pré-requisito,
ele ter tido um pé na sala de aula, sabe, ele ter vivido o que é ser professor, ou de jovem, ou de
criança, ou de jovens e adultos. Essa situação-problema é o quê o professor vive na hora que ele
vai dar uma aula. Quando ele chega e começa a tentar, por exemplo, desenvolver um conceito,
ou dar uma explicação, ou fazer uma proposta que os alunos se engajem. Eu acho muito
importante que esse professor-formador ou tenha tido uma passagem como professora, como
pesquisador, não importa. Mas que ele tenha tido esse pé na sala de aula e, compreendido como
é que as interações ocorrem ali. O quê é que é aquele sujeito, o professor, o quê são aquelas
crianças, como que a integração se dá. Acho que tem esse, isso pra mim é uma coisa
extremamente importante. A outra coisa importante é pensar que formação de professor é
processo de aprendizagem. Então ele precisa pensar que quando ele forma professor ele não tá
dando um conjunto de textos pro sujeito ler, que dali o sujeito sozinho vai ter algo. Mas um
processo de aprendizagem, da mesma forma como a gente prevê as necessidades de
aprendizagem dos nossos alunos da educação regular né. Quais são os estágios de
aprendizagem, quais são os interesses, quais são os ritmos, quais são as questões, é professor-
formador tem que tentar de algum modo dar conta de descobrir esses lados aqui do professor.
Porque eu acho que ele só vai conseguir fazer uma formação com esse professor se ele tiver
muito conhecimento dessa situação que o professor vive e, das questões que são colocadas. E o
professor ele expressa suas necessidade de aprendizagem, ele fala o quê ele quer aprender
muitas vezes e, a gente tem muito dificuldade de interpretar aquilo que ele fala. Então o
professor formador precisa ter uma escuta atenta para esse professor com que ele vai trabalhar,
pra tentar planejar o seu curso, sua disciplina ou qualquer outra ação que ele tiver em função
desse sujeito e, de um processo que é de aprendizagem. Então eu já vi muito formador que diz:
“Eu fui lá, dei o curso, nossa, criei mil coisas. Fui assistir a uma aula dele uma semana depois e,
não tinha mudado nada né.” Tem muito disso, assim, eu fico pensando: “Puxa, mas é um
processo o todo, né.” Quer dizer, tem um monte de representações desses professores que são
colocadas em conflito durante a formação, esse professor começa a entrar em contato com
teorias que ele não conhece, e com experiências passadas dele, como aluno, quer dizer, não é
uma coisa de passou pela formação, mudou a sua prática, passou pela formação, se tornou
professor, né? É um processo de aprendizagem, como qualquer outro processo de aprendizagem
e, agente tem que aprender a pensar isso sem imediatismo. Colocando o tempo a favor do
formador. Então conhecer bem a escola, o funcionamento de uma escola, de uma sala de aula,
213
conhecer bem esse professor, quem ele é, e as necessidades de formação que ele tem e, eu acho
que conhecer de tal modo o tema, ou a área que ele vai formar esse professor, se é Língua, se é
Matemática, se é sei lá artes, o quê for. Conhecer de tal modo, que ele consiga articular esses
três elementos na formação. Quer dizer como é que eu vou trabalhar com o professor o sistema
de escrita alfabético, como é que eu vou fazer ele perceber como é que são os princípios que
regulam esse sistema, se ele não conhece esses princípios e, ele não, vai tomar consciência
desses princípios, como é que eles funcionam, vai ser muito difícil ele conseguir pensar o
processo de alfabetização da criança, ou de um adulto. Ou então, como é que eu torno esse
objeto, essa questão, o sistema de escrita, um objeto a ser atendido por esse professor, para
depois ele ser ensinado. Então eu acho que o formador ele tem que ter um domínio muito
grande sobre os objetos que ele pretende ensinar, que são focos da aula dele e, tem que ter
didática. Eu acho que você tem que criar uma didática, uma forma de trabalhar e, eu acredito
muito que tenham tentado fazer isso muito na minha sala, que uma das formas interessantes de
formar o professor é trabalhar ou com situações-problema, ou casos, ou às vezes, uma situação
que coloque o professor pra fazer uma atividade e, ele perceba ali, ele descubra um aspecto do
sistema de escrita que faça compreender “Puts, então tem regularidade direto, tem outros que
não são.” Sabe que são contextuais e, eu preciso trabalhar isso com a criança, isso não é
transparente na língua, sabe. Eu fico pensando que, se a gente conseguir, criar atividades, às
vezes essas questões problemas são coisas muito simples, eu vou te dar um exemplo que eu uso
na minha sala e, o quê elas ficam completamente deslumbradas, eu acho tão interessante. Pra
trabalhar o sistema de escrita eu faço um ditado pra elas, um ditado que eu digo: “Olha, eu vou
ditar em colunas e, sei lá, as seis primeiras palavras, são palavras desconhecidas, que elas não
conhecem, mas que eu escolho palavras que têm relações diretas né, sei lá pelo, dedo que elas
não vão ter nenhum problema, desconhecendo o significado, elas vão escrever. No meio, na
coluna do meio, eu coloco palavras que tenham regularidade contextuais. Eu trabalho
morfológicas. E na última coluna são palavras que a gente possa chamar que tenham
regularidade. Sei lá, um monte de palavras que eu sei que elas vão ficar horas pensando:
Berinjela é com J ou G, por exemplo, né? Depois que a gente faz o ditado, a gente escolhe qual
que é a coluna mais fácil, e tenta., elas tentam., elas me indicam quais as palavras das colunas
que elas tiveram mais facilidade e, as que tiveram mais dificuldade e, elas têm de me dizer
porque tiveram dificuldade. E ai elas não conseguem dizer porque, então a gente começa a ver
como é que o sistema funciona , a gente começa ver porque que mesmice foi difícil de escrever,
porque tá lá na coluna do meio. E se a gente aprender a regularidade que tem ali, a gente vai
escrever mesmice, chatice, sabe, uma coisa desse tipo. E ai é isso, uma situação-problema muito
simples, mas baseada no objeto que a gente quer ensinar e, faz com que elas coloquem em jogo
aquilo que elas sabem e até percebam, que o que elas sabem não dá conta de responder então
elas vão ter quer buscar um novo conhecimento. Você cria uma necessidade de conhecer aquilo
pra poder responder. Então, eu fico pensando que a formação do professor deveria ser, eu sou
uma professora que dá muita leitura e, eu acho que tem que estudar muito, tem que estudar
muito comigo, vocês acham que vieram fazer disciplina que é de ordem prática, que vão ficar
fazendo recorte e cola, a gente não vai. A gente vai estudar. Então, acho que é isso, quer dizer
você tem que ter um bom domínio do campo, você também tem que saber fazer, eu acho. Eu sei
que eu não estou sendo sintética, porque eu sou meio prolixa, você vai depois ter dificuldade
coma a minha entrevista.
A - Não, imagina.
E9/EC - A outra coisa é eu acho que você tem que saber escolher textos. É porque tem alguns
textos que são maravilhosos, mas eles não são textos formativos. Eles são textos pra por na
formação dos professores. Eles são textos que você, sei lá, pode estudar, mas ele não é um texto
por exemplo que vai discutir com você produção textual de modo que você compreenda que tá
ali implicado, no ensino e na aprendizagem. Então, olha eu sofro pra escolher texto que você
não tem ideia e, às vezes, eles estão muito espalhados, as vezes tem, sei lá, dentro do “ Diante
das letras” do Galhardo, tem três capítulos que me interessam muito, mas não é o livro todo.
Entendeu, porque tem partes ali naquele livro que eu acho que ele lê sozinho, não precisa ler no
meu curso, ele vai ler sozinho, ele vai ler quando ele quiser estudar a história da escrita, sabe?
Sei lá, tem partes do texto que tem que ler a Ferreiro, mas não vai ler a psicogênica inteira, a
214
gente pode escolher “Reflexões sobre alfabetização” que vai dar conta, sabe e, ai se ele quiser se
aprofundar, é uma segunda leitura, da psicogênese. Você percebe então você tem que ser aquele
sujeito que lê muito, lê muito texto de divulgação, eu acho, porque você tem livros de
divulgação já pra formar professor e, fazer uma seleção, porque, às vezes, os livros de
divulgação são livros que não. Eles banalizam conceitos, então você tem que ter um olhar,
assim, pegar aquele autor que tá preocupado em formar o professor, sem banalizar o conceito,
então é difícil viu. Sei lá, então eu acho que tem essa outra característica, você conseguir fazer
uma boa coletânea de textos pra esses alunos, que eles de livros, autores e obras, que eles levem
depois pra vida deles. Porque isso também pode ser que to aqui no meio da sala de aula, peguei
uma sala de aula agora, tem que pensar como é que faz produção de texto, onde é que eu vou
olhar né, eu brinco, às vezes: “Vamos voltar pra novos textos que a gente estudou aqui. Agora,
às vezes, não faz muito sentido, mas vocês vão ver na hora do estágio. Quando vocês tiverem de
fazer a intervenção pedagógica, lá na residência, vocês vão voltar pra esse autor, né.” Então é
isso que eu acho que tem que ter esse olhar pra escola, conhecer muito bem a escola e, o
professor que está na escola pública. Eu trabalho muito pensando sempre em escola pública, né?
O nosso curso tem essa missão clara, formar o professor pra escola pública, os professores de
escola pública. Esse pé na escola pública é muito forte, essa ideia de que o professor ele está em
processo de aprendizagem, ele não tá pronto e, ele continua pro resto da vida. Então como é. A
- Vygotsky já falava isso muito bem. Exatamente.
E9/EC - E um domínio do objeto que você vai ensinar o que quer que esse formador, esse
professor, domine. E um conjunto de didáticas e textos adequados para a formação. Se a gente
tiver isso aqui a gente consegue pensar um curso de formação Ah, sabe de uma coisa que falta
pro formador? Interlocutor, eu sou uma pessoa que careço de interlocutores, eu adoro conversar
sobre o meu curso com outras pessoas, sabe? A - Que ótimo!
E9/EC - Acho isso não tão legal, converso muito com o Clécio, converso muito com a Márcia.
“Olha eu fiz esse programa, dá uma olhada.” Ai eles dão um monte de opinião, eu mudo o
programa, é eu acho super importante isso também, sabe.
A - Qual é o nome da outra professora, com que você trabalha?
E9/EC - É Márcia Romero Lopes.
A - Agora, deixa eu te perguntar a respeito da sua pesquisa, o que é que você tem trabalhado
atualmente?
E9/EC - Em pesquisa, então, eu acabei de entra na pós ano passado, eu vou dar uma disciplina
de Aquisição da Linguagem, a pós em Educação e Saúde, então nós vamos dar uma disciplina
eu e Márcia. Nós vamos dividir essa disciplina, vai ser uma experiência boa. E, o meu projeto
de pesquisa que eu vou encaminhar agora, é pro ensino fundamental, do primeiro ao quinto ano
e, eu vou estar trabalhando, é observar as práticas de letramento que ocorrem em sala de aula, e,
as práticas de letramento na comunidade, principalmente se a gente conseguir. A ideia é que a
gente consiga acompanhar as crianças longitudinalmente, quer dizer, do primeiro ao quinto ano.
A gente acompanhar a prática de letramento de algumas famílias, de alguns desses alunos, e
tentar ver como é que essas práticas de letramento em outros âmbitos e as escolares conversam
ou não conversam. Pensando esse processo de domínio da leitura e da escrita. Então é uma
pesquisa meio diagnóstica, vamos dizer assim, verificar como é que essas ideias, das tais
práticas de letramento que já estão em voga, se elas tão ocorrendo ou não na escola, que tipo
que está ocorrendo, visto também nesse ciclo. E ao mesmo tempo observar as das famílias,
porque essa escola que a gente pretende fazer a pesquisa é uma escola da periferia aqui de
Guarulhos e, a ideia é que a gente observe famílias, crianças vindas de grupos populares mesmo
e, tentar resignificar essa ideia de que nesses grupos as práticas de letramento são precárias ou
inexistentes, entendeu. Começar a observar mesmo o quê é que essas crianças têm no cotidiano
e se é não tem, ou, não articula o que elas trazem, entendeu, nem se considera né. E essa é a
minha. A da Márcia, eu não sei te dizer bem porque ela está começando a desenhar, a pesquisa
dela nesse campo.
A – De que maneira sua pesquisa pode contribuir para a formação desse professor?
E9/EC - Eu sabia que você ia fazer essa pergunta. Eu fiquei pensando e na hora que eu formulei
o projeto, eu até dividi assim: as contribuições pro campo da linguagem, incluindo estudo da
linguagem e pro campo da formação do professor. Eu acho que se a gente conseguir com esse
215
professor ter um olhar. É aquela velha história, você vai achar que eu to repetitiva, mas eu acho
que ainda é importante. É que ele comesse tentar olhar para além dos muros da escola e, tentar
conectar esses saberes que as crianças trazem que são muito interessantes, com os escolares de
algum modo e, eu acho que a gente tende a alcançar algo mais interessante. Principalmente,
assim, eu fico olhando, me assusta muito, os resultados das avaliações externas da escola. Sabe,
eu tenho críticas às avaliações. Acho que tem problemas, mas a tendência que eles nos mostram,
é uma tendência assustadora, de como essas crianças vindas das classes populares se dão mal na
escola. E a ideia é tentar extrair dessa dupla observação, desse conhecimento maior da
comunidade, do entorno da escola, extrair algumas lições que possam ajudar essa escola e, esse
professor a repensar as próprias práticas de ensino, principalmente de língua. É por ai.
A – Obrigada.
Grupo II –
Professoras Formadoras Portuguesas
Entrevista E10/EA
A - Sua história, onde nasceu, sua formação. Eu gostaria que você falasse a partir da primeira
escola, onde começou?
E10/EA - Eu nasci em Lisboa e fiz um curso normal.
A - A sua primeira escola?
E10/EA - Então, uma escola em Lisboa. Não era uma escola pública, era uma pequena escola
privada por razões, nem sei! Mas uma escola, enfim bastante popular. É o que nós chamamos de
escola primária dos seis aos nove anos e, a partir daí ser sobre a escola pública. Depois fui para
o ensino médio aquilo que nós chamávamos de liceu e agora escola secundária, já conhecemos
como escola pública e depois fui pra universidade também uma universidade pública e penso
que aí onde aparece essa questão, o caso é que, o curso que fiz e porque escolhi ser professora,
quando terminei, o correspondente ao ensino médio, tinha que escolher que curso ia fazer. E na
altura, a minha primeira questão nem era querer ou não querer ser professora, porém continuar a
estudar Português. Então eu queria estudar Português e fui ver os cursos e aconteceu uma coisa
curiosa que era enfim. Havia problemas também na família como acontece, a minha mãe era
contra, lembro bem disto. Eu queria fazer Literatura Fiologermânica que os estudos de
Português e Francês, mas fui ver o curso e parece que telefonei, a minha mãe ia dizer assistente
social. E menos tempo, mas minha mãe mesmo ia dizer, faz o que gostas e eu fui fazer antiga
Filogermânica que era basicamente cursos de Germânicos, Português e Francês, Línguas e
Literatura e um pouco de Linguística. E ligado com essa questão foi uma que o curso normal era
pra ser professora e, portanto, eu não posso dizer que tenha sido uma escolha da profissão, foi
uma escolha de quem precisava trabalhar e nunca o ensino normal seria prosseguir, seria dar
aulas. Portanto, uma coisa curiosa, por razões exatamente, eu precisava, porque meus pais
tinham dificuldades econômicas, no 3ª ano do curso comecei a dar aulas, comecei a dar aulas
com 19 anos.
A - E aí você começou a lecionar em que série?
E10/EA - Eu comecei com os mais pequeninos que eram na altura o ciclo preparatório, portanto
alguns momentos é o vosso. Antes do ensino médio, mais abaixo, como é que se chama? É
básico, exatamente como nós já chamamos o ensino básico na altura, portanto eram miúdos de
10,11 anos. Foi só um ano exato. Comecei com 19 anos a trabalhar e a experiência foi muito útil
pra mim, foi muito enriquecedora por duas razões: Primeiro, percebi que gostava das aulas, quer
dizer, antes não sabia principalmente porque eu era muito tímida, hoje eu penso que como é que
eu me atirei. Porque o fato é que eu percebi que gostava de dar aulas, que era mesmo o que eu
gostava de fazer. Depois outra coisa que eu acho muito interessante, se calhar, tem a ver com as
outras perguntas que eu sinto como meu percurso pessoal , é que quando eu comecei dar aulas,
foi quando eu dei o salto. Isto é, eu tinha sido uma boa aluna no ensino médio, mas normal. Na
faculdade os dois primeiros anos foram anos normais, quer dizer sem grandes dificuldades, mas
também sem grandes. Fui uma aluna média também. E quando comecei a dar aulas dei um salto,
isto é, comecei fazer menos cadeiras devido ao muito pouco tempo e fazia com um desempenho
216
muito melhor, daí eu acho um aspecto curioso, que o fato de estar como aluna e ao mesmo
tempo como professora fez-me pensar, juntar de frente as duas experiências, fez-me tirar mais a
partir da experiência como aluna e mobilizar mais isso, para a experiência como professora,
portanto, acho que na minha formação aconteceu por acaso, mas eu acho que foi uma
experiência muito salutar.
A - Como foi a minha experiência com as disciplinas formadoras na academia?
E10/EA - Eu tenho 54 anos, portanto, isso já tem história. O que se faz agora já não é aquilo que
eu fiz. Eu tinha 17 anos, quando entrei para universidade e ao contrário do que se passa agora,
eu escolhi para onde queria entrar e entrei sem problema nenhum. E agora, há muitos filtros pra
entrar pra qualquer curso, eu escolhi o curso que eu queria e entrei sem problema nenhum. E o
que acontece é que eu fiz, na graduação, eu fiz o curso Filogermânica que não tinha nenhum
complemento de formação de professores, fizeram cinco anos de carreira isto é, literatura, de
Linguística, nada de Pedagogia, e o que aconteceu é que no final do curso havia dois anos
chamados na altura, pedagógicas. Mas no meu percurso pessoal, o que aconteceu foi que eu
entrei pra faculdade em 72,73 e aí não 73,74 e nesse ano em abril aconteceu a revolução de
1974. E, portanto, os cursos todos mudaram. Foi um tempo de muita agitação de mudanças,
essas pedagógica. Essa parte de formação de professores terminou, foi tudo posto em causa e,
portanto, eu tive uma formação muito particular, há muita gente que reunia neste período como
um período de grande confusão, muita bagunça na minha experiência pessoal.
A - De acomodação mesmo, né?
E10/EA - Sim, as pessoas diziam algumas pessoas se sentiam como um curso de receptismo, a
minha experiência pessoal não foi nada disso, havia muito fervilhar de idéias, aquela
experiência que tudo poderia mudar. Que tudo ia ser diferente, tudo ia ser melhor. E, portanto eu
estava ligada a grupos a discutir as disciplinas, a fazer processos de experimentação da
avaliação diferente, portanto eu acho que na minha formação, isso foi muito formador, mas mais
uma vez, foi uma formação que eu não escolhi. Isto é, aconteceu e eu tentei estar dentro, isto é
muito, foi muito enriquecedor exatamente por essa perspectiva que as coisas podem ser
diferentes e vão ser melhores. Não quer dizer que tenham sido, mas viver isso com convicção eu
acho que foi muito bom. E o que me aconteceu, foi que quando também, como eu fui dando
aulas, quando acabei o curso, concluí procurei uma escola de ensino médio para dar aulas e,
portanto dei dois anos de aulas, antes a gente fazia uma formação profissional que na altura
chamava formação em exercício que é a formação então pra professores. A - Não era exigido?
E10/EA - Nessa altura não era exigido ainda. Nessa altura, eu fiz o curso, fui dar aulas e depois
porque era preciso concorrer para a formação.
A - Bem, e aí vem a questão o resto da sua formação. Você foi dar aulas e aí como continuou?
E10/EA - Eu fui dar aulas dois anos no curso médio e nessa altura, eu achei que precisava
completar a formação e concorrer para um curso de formação de professores. É preciso
candidatar e entrar. A - Sim
E10/EA - É preciso candidatar e eu entrei, ao mesmo tempo tinha dado vários anos de aulas e
estava empenhada em fazer um mestrado, em voltar a estudar. Eu sentia que a formação de
professores pelo aquilo que se dizia não era muito estimulante e eu tinha vontade de voltar a
estudar. Isto é, ao fim de alguns anos, de voltar a dar aulas de Português e de Francês. Eu tinha
a sensação que tinha juntado os meus cursos que eu estava a repetir voltar a estudar e, aconteceu
uma coisa muito estranha, que foi ficar encucada pra fazer a formação de professor. E fiquei
encucada no mestrado ao mesmo tempo. Em princípio, seria duas tarefas impossíveis de fazer,
isto era trabalhar mais. E eu achava na altura que devia fazer a formação de professores, devia
fazer, mas o que eu mais tinha vontade de fazer era o mestrado e então eu disse: “Vou tentar
fazer as duas coisas até onde for possível quando não for possível eu desisto de uma e logo
vejo”. E o que aconteceu foi que como eu tinha já vários anos de formação de trabalho em aula,
eu fiz um ano de formação de professores. E, mais uma vez, foi um ano de formação de
professor muito teórico, com poucos exercícios práticos, com poucas questões de organizações
de currículo, com muito pouco, quase nada em termos de experiência de sala de aula e entrei no
mestrado.
A - E o mestrado foi em linguística?
217
E10/EA - Mestrado foi em Literatura e Cultura Portuguesa Contemporânea. E o que aconteceu
foi que nesse mestrado eu comecei a trabalhar em linguística no mestrado de Literatura e
cultura, mas também tinha um seminário de análise textual que era dado por uma professora do
departamento de Linguística do Texto. Uma professora, enfim, da área de Análise de Discurso,
linguística totais e o que aconteceu foi que no mestrado que eu tive pela primeira vez contato no
meu percurso acadêmico com questões na área do Discurso do Texto por aí. Nunca tinha tido
nada na minha formação e foi por isso que eu no mestrado acabei por ser orientada por essa
professora. Acabei por fazer a minha dissertação na área da Linguística, sendo um mestrado em
Linguística e Literatura, o meu percurso é muito pouco linear, e era importante na minha área. E
entrei, essa professora me convidou para entrar para a faculdade pro Departamento de
Linguística. E fomos almoçar. Demoramos três horas pra almoçar pra ela me convencer a entrar,
porque minha formação era literatura e, portanto, eu tinha medo de ir trabalhar para um
Departamento de Linguística, o que aconteceu, aí na universidade U5. A - Já era U5?
E10/EA - Já era. Eu fiz a graduação na universidade em Lisboa, na chamada Clássica e fiz o
mestrado na U5 e, portanto, nessa altura como entrei pro Departamento de Linguística, eu
estava a fazer a dissertação do mestrado nessa área da Linguística do Texto, nós chamávamos
Teoria do Texto. Enfim nós trabalhávamos com textos e discursos e, portanto concluí
dissertação de mestrado e fiquei a dar aulas, e a partir daí, fiquei a trabalhar no departamento de
linguística. Curiosamente, no departamento de Linguística onde eu trabalhava na faculdade de
Ciência Social e Humana, a professora que me orientou, no dia a seguir a eu defender a tese de
doutoramento, pediu reforma. E eu fiquei com a herança que é a área do texto e do discurso nas
mãos.
E10/EA - E já a partir dali, comecei e o que acontece a partir daí eu só pude ligar pra função de
formação de professor a contar com análise do discurso, enfim. Acontece é que
progressivamente acabei por ter que fazer seminários, por exemplo, Didática em Teoria do
Ensino do Português, porque dos meus colegas na universidade eu era uma das poucas pessoas
no departamento que tinha uma formação profissional como professor.
A - E todos os outros professores sem a formação de professor?
E10/EA - Porque para o ensino superior ninguém exigia uma formação de professor. Ninguém.
E eu o que fiz ser mesmo já estando no ensino superior fui fazendo, por exemplo, um curso de
formação de didática do ensino superior. Fui fazendo, sempre que aparecia alguma coisa eu fui
fazendo. Achava que fazia parte.
A - E esses professores, seus colegas de faculdade, eles tinham experiência no ensino básico?
E10/EA - Há todas as situações. Alguns sim, algumas pessoas foram pessoas que acabaram a
licenciatura, a graduação e foram dar aulas pra ensino médio, não gostaram da experiência e
fizeram tudo pra voltar ao curso superior. Há pessoas que acabaram a licenciatura e ficaram
imediatamente no curso superior, há muitos casos. Mais uma vez o meu caso é diferente porque
quando fui fazer o mestrado eu não tinha nenhuma intenção de ir pro curso superior, nem tinha
nenhuma experiência educativa. No meu percurso eu queria continuar a estudar, eu não queria
dar aulas, quando comecei o mestrado eu não tinha nenhuma intenção de passar para o superior,
e depois aconteceu e acabei por entrar, a vantagem que havia era permitir continuara dar aulas
que eu gosto e permitir que eu estudasse, nesse ponto de vista era perfeito.
A - E o doutorado?
E10/EA - O doutorado eu continuei, portanto, fiz a tese, a dissertação do mestrado com a
professora Luiza Soares Lopes, eu acabei por dar aulas e no percurso normal era me inscrever
no doutorado. Portanto aí, naturalmente me inscrevi no doutoramento em Linguística, numa
área de especialização em Teoria do texto, né? E, portanto, o que eu senti no meu percurso, foi
que, quando fiz o mestrado na área de lingüística foi na área que me trouxe desafio, do ponto de
vista intelectual, que me trouxe lados novos, que me trouxe ferramentas novas e por outro lado
permitia uma transição curiosa que era trabalhar na área da teoria do texto, eu não senti nunca
que tinha feito uma revira volta de 360°. Era uma continuidade. Observava as amigas, muitas
amigas e eu gostamos muito sempre de trabalhar com Literatura e diziam “tu, mas fazes
Linguística. Mas como é que é possível?” Porque as pessoas têm a ideia de que uma coisa é
Literatura e a Linguística é aquela coisa de trabalhar com árvores da gerativa. E diziam “não
pode ser tudo isso!” E a elas dizia “não, mas tem tudo a ver”. E fiz uma tese de um mestrado em
218
Linguística, área de especialização em teoria dos textos, uma tese que se chamou Textos e
Competências em Teoria Textual. Não pretendo de forma nenhuma me gabar. Não foi um
trabalho ligado á formação de professores, mas foi um trabalho com algumas preocupações no
sentido de tentar perceber a em que via os trabalhos na área dos discursos poderiam ser úteis, no
fundo foi uma observação minha e, portanto, fiz essa tese, ta publicada em Portugal.
A - Está na rede? E10/EA - Não está na rede, mas eu vou tentar de forma é possível que eu
possa, por exemplo, mandar lhe uma cópia foto eletrônico, eu tenho digitalizado
A - Sim, podemos ver isso. Mas, veja só, fale-me das disciplinas com que você trabalha na
graduação. E10/EA - Neste momento eu trago curiosamente uma disciplina chamada Práticas
Textuais, na graduação, que já foi uma disciplina que fui eu que propus, fui eu que eu que criei,
por uma razão muito curiosa que, eu acho que lá com cá, há muita gente que chega ao ensino
superior e tem muitos problemas de expressão oral e escrita, muitos problemas. E eu ofereci ao
meu departamento que isso deveria ser acompanhado. As pessoas dizem “Ah, Não sabem fazer
um relatório, não sabem fazer uma resenha crítica”. E eu perguntava “Quem lhes ensinou? E a
mim ninguém ensinou!” E eu disse “mas eles são eles, e nós somos nós”. Aquilo que precisa ser
visto, curiosamente, acontecia e normalmente diziam isso não é função da faculdade. E eu disse
“Não sei se é problema da faculdade, mas há um blefe. A faculdade aceita esse público e se esse
público tem esse formato devemos aceitá-los e se não fizermos alguma coisa”. E eu acho que
progressivamente as pessoas têm entrado nessa convicção que é preciso trabalhar esse nível e,
portanto, essa disciplina na graduação é uma disciplina prática textuais, cujo objetivo principal é
fazer as pessoas falar e escrever em contexto acadêmico é centrada pra escrita acadêmica, isto é
pra escrita e pra oralidade, mas na prática eu reconheço que quem tem mais peso é a escrita.
Fácil fazer uma apresentação oral, mas escrita tem mais peso, porque é preciso escrever,
escrever em termos físicos temos os semestres muito curtos. Se tem 30 pessoas, não tem como.
Portanto, acaba tendo mais peso a escrita e não trabalhar tanto a oralidade, mas a escrita no
ponto de vista acadêmico.
A - Hoje você trabalha com essa disciplina na graduação? E10/EA - Sim, na graduação.
A - E aí eu acho que nós já respondemos o seguinte, né?
E10/EA - Portanto, o que nós temos lá, hoje, é só um curso primeiro ciclo são três anos e tem a
reforma de Bolonha ver com o que o europeu faz. Qualquer cidadão no espaço europeu pode
circular de universidade para universidade sem ter exigido equivalência. Portanto, um aluno de
graduação que faça o curso de graduação na nossa faculdade pode ir para França, Espanha ou
outro país da União Européia e entrar direto num curso de mestrado, por exemplo, sem ter que
pedir equivalência. Enquanto, por exemplo, se um estudante do Brasil vai fazer um mestrado em
nossa universidade tem que ter equivalência ou diploma para fazer esse. E pra isso funcionar no
espaço Europeu o que foi preciso foi uniformizar os cursos. E, portanto, nós temos curso de
graduação no 1º ciclo. Pode contar graduação três anos, curso com 2º ciclo mestrado dois anos e
depois o doutoramento que é o 3º ciclo mais três anos. E isso é igual em todo espaço europeu.
Portanto os três anos da licenciatura é muito pouco. É uma formação geral, muito geral. E o para
ser professor tem que fazer um mestrado. Mais dois anos de mestrado de ensino.
A - Quanto tempo dura a formação de professor?
E10/EA - Dura um ano curricular e mais um ano de estágio na escola.
A - Que saberes seriam necessários, para formação e atuação do professor formador?
E10/EA - Eu acho que é uma pergunta interessante e desafiadora, a minha impressão é que o seu
formador precisa lado uma formação teórica, científica, sólida. E eu acho que precisaria, não é
sempre o caso de ter, contato real com a prática, contato real com os professores e precisaria ter
isso de uma forma também regular, porque ligado com a questão já vista há um bocadinho. Eu
própria, alguns dos meus colegas nunca puseram os pés numa sala de aula de ensino básico e
fundamental e são muito bons teoricamente, estou a pensar num caso concreto. E uma pessoa de
muita qualidade científica, é uma pessoa muito rápida até se calhar. Acima da média do ponto
de vista de funcionamento, e, entretanto, no fundo projeta para o trabalho dos professores um
modo novo de trabalho, um novo tipo de compreensão das questões, um tipo que eu estou
convencida que não acompanha as pessoas. Não acompanha e não acompanha não é porque, não
estou fazendo nenhum juízo cretino, é porque é normal. Porque as pessoas têm que dar aulas,
tem horários muito carregados, tem muitos alunos, tem vida pessoal, e tem que ter, tem tudo. E,
219
portanto no nível que fizeram suas formações há 10, 12, 15, 20 anos. Contactar com conteúdos
novos, aí essas limitações das próprias pessoas, do ponto de vista de quem faz a formação de
professores precisa conhecer as escolas, de conhecer quem são os miúdos de nove anos, porque
os miúdos de dez ou doze anos hoje são diferentes do que nós fomos, são diferentes dos nossos
alunos já do superior. Precisa conhecer a realidade dos professores que estão no terreno. Mas eu
insisto nisso, eu acho que o professor precisa também ter uma formação sólida, porque eu estou
convencida que não há um bom trabalho de transposição didática que não assente numa boa
formação teórica e científica. Portanto, acho que eu sou muito franca, já estive em situações na
minha faculdade, com colegas, em situações do trabalho em mestrado de formação de professor,
em que os professores que diziam: “Ah! Isso é formação de professor, com a parte teórica
vamos fazer uma coisa muito lenta, vamos fazer uma conversa, vamos conversar”. Eu acho que
isso não se faz. Isto é, eu acho que os professores eles precisam saber ter trabalho, ter formação
sólida, selecionada. É saber que ninguém ensina se não souber um pouco mais do que aquilo
que vai ensinar aos alunos, as professor precisam saber mais, pra poder entender ao saber. Isso
não interessa aos meus alunos que tem 10 ou 12 ou15. Isso não interessa. Mas o que eu vou
selecionar disso que eu sei, como é que eu vou utilizar, a pessoa precisa ter uma formação pra
poder fazer, pra poder escolher, pra poder organizar o que ensina, mas não acontece. E eu vou
dar mais exemplos. Portanto, eu não sei se acontece questões que há um conjunto de conteúdos
e o que as pessoas fazem é pegar nisso, tal e qual chegar na aula e dizer: “Gênero é isso,
assim,assim, sequência textual é isso assim, assim, ato ilocutório é isto assim”.
A - É só abrir o livro, né?
E10/EA - E eu acho que isso não é porque os professores sejam maus, não é porque os
professores tenham más intenções, é por não terem tempo. Não tiveram tempo de mastigar
aqueles conteúdos. Não tiveram tempo de se apropriarem deles, não estão suficientemente à
vontade com esses conteúdos pra dizer, não, isto eu não vou dar nesse contexto, porque vou dar
isso de uma forma indireta, vou trabalhar nesse texto pra ajudar analisar isto ou aquilo, não
precisa explicar o que é o óbvio, mesmo que seja o lado pragmático indireto. É útil ou não é
útil? Quando é útil? Como? Pra quê? O formador precisa ter uma noção do que é uma sala de
aula, precisa também ter formação pra ser um professor flexível pra fazer suas escolas. E pra
não reproduzir de forma mecânica, como o programa ou manual. O livro didático, pode ser um
instrumento, mas não é tudo.
A - Há quem diga, por exemplo, Tardif que vários saberes do professor são construídos na
experiência docente. Como compreende isso?
E10/EA - Eu acho que é verdade, não tenho dúvida, eu estou convencida a partir da minha
própria experiência e não a partir de nada teórico que é alguma coisa da experiência do docente
que se aprende a fazer, há uma parte do trabalho que se aprende a fazer, que se aprende e que
tem a ver um pouco com o nosso conhecimento sobre nós próprios. Isto é o que eu dizia há um
bocado, há alguma coisa na construção da minha própria identidade enquanto pessoa que tem a
ver com a forma como eu organizo a experiência. Da minha própria experiência, e não a partir
de nada teórico que é alguma coisa da experiência. Agora, apesar de tudo, eu acho que isso
acontece de uma forma completa, quando eu estou completamente em situação de ensino, a ter
que tomar decisões, ter que enfrentar a aula, a turma, etc. Agora, eu acho que alguns elementos
disto poderiam se calhar, volto à pergunta anterior, porque eu acho que há um elemento da
formação que eu não sei se aqui acontece. Em Portugal eu acho que não acontece que há
componentes de formação que têm a ver com a postura física, controle da voz, a dinâmica de
grupos é muitos instrumentos, são coisas que como é que a pessoa se movimente na aula ou não
se movimenta, como é que a pessoa. É assim, algumas coisas dessas talvez passem na situação
de estágio, mas muito pouco, e por outro lado há questões dinâmicas do grupo que também são
importantes. Alguns elementos desses e, só a formação de professores poderia dar. Mesmo que
nós pensássemos, mesmo que a formação de professores visse isso tudo, de uma forma
sistemática, eu diria que apesar de tudo, alguma coisa que é ser construída através da
experiência, eu diria. Agora, todo percurso pra trás, deveria ser um percurso que conduza a
pessoa que vai ser professor a estar mais preparado para isso, o que tenho a fazer e, portanto, o
que eu tenho é não ficar frustrado quando a coisa não corre bem, ficar demasiado em pânico
quando não acontece. Quer dizer há elementos que podem ser preparados antes e podem ajudar
220
a pessoa a construir, mas aí também é uma convicção minha que tem fundamento, eu aprendi
também por acaso por inserção em grupos sociais, em grupos de afinamento político, social,
religioso, em contatos desse tipo, foi onde conheci Paulo Freire. Pra mim uma idéia
fundamental é que pessoa se constrói permanentemente e, nenhum de nós, em nenhum
momento é um produto acabado. Portanto, eu acho que alguma coisa disso que a experiência
eficiente é assim, se dá numa ocasião privilegiada pra nos continuarmos a construirmo-nos.
Todos fazem isso, mas podemos fazer de uma forma, eu acho que o trabalho do professor tem
isso quase como um privilégio que dá trabalho. Mas é um privilégio que dá trabalho.
E10/EA - Viver dá trabalho. Dá gosto, mas também há momentos difíceis, mas há em tudo, né?
Agora, eu, por exemplo, tive. Dá trabalho, há momentos difíceis, mas ao mesmo tempo, tem
momentos muito gratificantes, mas isso eu acho também é um privilégio. Eu no meu percurso
sinto que a experiência de dar aulas é gratificante. E me pergunto por que nem toda gente sente
a mesma forma? E é uma questão também de integração. Que se calhar, na experiência de
integração, né?
O que no percurso em que a pessoa foi formada, ajuda, a pessoa relativiza a experiência
negativa e a experiência positiva, integra, consiga trabalhar a experiência educativa. Isto é, o
quê que não funcionou? Teoricamente, a formação precisa trabalhar isso, mas eu acho que
alguma questão quando nos acontece, a primeira sensação é que sou eu toda como pessoa que se
sente posta em causa e, portanto, há muitas emoções que ficam muito embaralhadas. E,
portanto, há um trabalho interior quase.
A - Quase que gente precisava ter um psicólogo ao lado, né?
E10/EA - Isso eu acho, muitas vezes assim, pode não ser um psicólogo, mas pode ser ter a
pessoa certa com quem se pode falar. A pessoa não se expõe a qualquer um. A pessoa não fala,
e pensa que não pode nem contar a experiência negativa a qualquer um porque isso pode
construir uma imagem que pode ser complicada, mas por outro lado não pode ficar totalmente
calada, tem que contar a alguém, tem que trabalhar isso com alguém.
E10/EA - E a pessoa fecha-se e sofre e piora o trabalho. E pra se defender acaba por construir
uma carapaça quer dizer que é defender-se muito, que eu acho que, é minha própria. Eu lembro
nos primeiros anos que eu dava aulas, eu lembro momentos muito sofridos, mas no balanço
global, foi positivo. Agora. Como é que isso se constrói? Eu tenho a sensação que é muito
trabalho interior, é muito trabalhar emoções, trabalhar. E isso nem sempre é assumido como tal,
um trabalho de conhecimento total. Existem também pessoas que não vivem assim, porque as
questões não é igual pra toda gente.
A - É complicado, né? E10/EA - É exatamente. A - E hoje, qual é a sua linha de pesquisa?
E10/EA - Minha pesquisa hoje também está muito distribuída, minha pesquisa pessoal esta
distribuída pelas pessoas com quem trabalho, por orientados de mestrado e de doutoramento.
E10/EA - Neste momento o quadro teórico e epistemológico com o qual trabalho é o
interacional sociodiscursivo vale a pena, se calhar, contar um bocadinho. Só um aspecto, tem a
ver com isso. Quando eu fiz o doutoramento, quando fiz a pesquisa pro doutoramento, eu acabei
o doutoramento e comecei a trabalhar eu usava um pouco de tudo Análise de Discurso Francesa,
com Bronckart e seu grupo, Maingueneau e seu grupo, sobretudo, a linha francesa, porque
minha formação é francesa. Mas devo dizer, porque sempre achei que o que é produzido em
Língua Francesa é diferente do que é produzido em Língua Inglesa e mais interessante o quadro
a mim pessoalmente, portanto, é que assumi como foco e trabalhava um pouco de tudo, a saber
quais seriam minhas ferramentas os instrumentos para descrição de textos,enquanto grupo de
Maingueneau enfim os outros mais pragmáticos. E o que aconteceu possivelmente foi por
razões, mais uma vez, um pouco casuais, convidamos Bronckart para um seminário, porque
vinha ao Brasil um participar de um simpósio em 2004, organizado pela Ana Raquel Machado.
Em 2003, 2004 e comecei a perceber que o quadro teórico epistemológico do
sociointeracionismo era o que me oferecia, de maneira mais integrada, uma perspectiva de
trabalho sobre questões do desenvolvimento da pessoa ligado a questão da perspectiva do
trabalho, da formação em termos de formação das pessoas e formação do trabalho na escola.
Mas também de formação de pessoas em sentido amplo, ao longo da vida, que também é uma
questão que me interessa assim, lá na escola eu trabalho e, portanto este é o quadro preferencial
sem dúvida nenhuma. Mas vale a pena dizer isso, não é de uma forma cega, é de uma forma em
221
diálogo. Faz parte da própria lógica do interacionismo manter o diálogo com outras
perspectivas, entretanto, o que eu tenho feito sistematicamente, é ver o que no modelo de análise
de texto proposto por Bronckart o que são movimentos que não são tão desenvolvidos e onde
vamos buscar força, apoio e diálogo em outros quadros teóricos. Entretanto, quando digo isso,
não é obviamente, sem exceção e não diz mais nada. Não é de uma forma cega, acho que isso
nem faz sentido. É continuar a usar e a dialogar com quadros, com outras perspectivas, mas é o
meu pano de fundo, quadro preferencial de inscrição, e é muito mais por isso, em termos
epistemológicos é o que me fornece de uma forma mais integrada aos múltiplos componentes da
questão de trabalho sobre o texto e de formação e utilidade. O próprio interacionismo assume
isto, uma ciência que seja útil, se é útil ou não, nós podemos parecer pretensiosos, ao pensar que
são úteis e não ser, mas pelo menos que os trabalhos tenham em vista uma utilidade.
A - E pra encerrarmos diga-me, o que é formar um professor?
E10/EA - Formar um professor seria, idealmente, um trabalho muito global, quer dizer, é uma
ideia de que o professor teria de ser alguém com uma formação do ponto de vista da ordem do
psicológico. Até tenho escrúpulos de dizer isso, pois não tenho formação em psicologia,
portanto não é no sentido de criticar. Mas é alguma coisa formalizante, do ponto de vista dos
conteúdos, da organização metodológica na sala de aula, mas que, sobretudo tenha uma visão
global e humana sobre a questão humana, sobre as interelações, entre as pessoas, sobre a
questão de ter capacidade de construir a identidade a cada momento, sobre a questão da
experiência docente e sobre o ponto de vista dos alunos que também estão nesse processo, né? É
um trabalho muito global e, portanto, como temos toda a limitação de tempo e de espaço, a
tendência a privilegiar um desses aspectos. Tenho colegas que dizem: formar professores é dar
uma formação científica sólida. E eu digo: é isso, mas não chega, não é tudo. Há outros
elementos que tem a ver com a questão da apreciação da pessoa, do trabalhar as emoções das
pessoas. E, portanto, eu acho que é uma tarefa muito global de interação entre as pessoas. E por
isso, se calhar, é difícil.
Entrevista E11/ES
A - Eu gostaria que você falasse sobre a sua formação básica, ensino secundário, sua
graduação, enfim de sua história acadêmica.
E11/ES - Bom, a formação desde o início é muito semelhante pra todos os jovens Portugueses
porque nós fizemos o primeiro 1º Ciclo. Não freqüentei Jardim da Infância porque a essa altura
não tínhamos uma rede tão alargada Jardim da Infância, portanto fiz o 1º ciclo, pois, depois o
Ensino Básico que é o 2º e 3º fazem parte do Ensino Básico, depois o Secundário. E tudo isso eu
fiz na zona de, portanto, da habitação dos meus pais, que era uma zona perto de Lisboa, não era
propriamente uma zona rural, portanto, mas era o que tínhamos ao redor de Lisboa, porque lá
frequentei até aos doze anos, portanto que é todo ensino básico e secundário. No 9º ano nós
tínhamos que nessa altura escolher agora sim, qual a área, portanto se humanidades, mais área
da matemática, das Ciências. Eu escolhi humanidades. Não foi por não gostar de matemática,
porque sempre gostei de matemática, mas gostava muito de Língua Portuguesa, gostava
daquelas disciplinas mais nas áreas das humanidades. Ainda não tinha idéia do que eu iria fazer
a seguir, do que ia estudar a seguir, mas optei por essa área. Pois no 2º ano nós fazíamos
processo à universidade. Nessa altura ainda fazíamos, portanto, três provas e, eu fiz as provas
para me candidatar a várias universidades para Lisboa ou fora de Lisboa para o curso de
Línguas e Literaturas Modernas, com variantes Português e Francês. Portanto, devia ter optado
só pela variante do Português, mas achei que era importante ter outra língua e nessa altura o
Francês ainda era alguma coisa valorizada, hoje em dia é quase inexistente. Portanto, no fundo
eu ainda eu era um quirim da velha guarda, já nessa altura muito poucos alunos escolhiam o
Francês. Nós tivemos uma influência francófona muito forte em termos culturais, mas, nessa
altura já estava a perder e quase todos os meus colegas viram Inglês como língua pra estudar no
secundário já tinha escolhido o Francês primeiro e, portanto, tinha o Inglês, mas tinha mais anos
de Francês. Foi a opção que fiz. E então eu escolhi a variante do Português Francês e fiquei no
222
caso, tinha mais opção que eu tinha feito que era na universidade Nova de Lisboa. Eu me
lembro de que na altura, procurei informar-me qual seria a melhor, tendo em conta o curso que
eu ia fazer que era línguas e literaturas modernas, se era melhor na Faculdade de Letras, se era
melhor a Universidade Nova, se havia alguma rivalidade também entre essas duas universidades
em Lisboa. Falei com várias pessoas e fiquei com a idéia que a Universidade Nova era uma
universidade mais jovem que estava mais atualizada, tinha professores com uma dinâmica
diferente que na Faculdade de Letras já havia alguma cristalização. Além disso, eu ainda não
sabia exatamente que área ia seguir. Portanto era assim em geral com línguas e literaturas
modernas, não sabia que exatamente para, lingüística e, portanto sei que fui para Nova e é lá
que, no entanto fui para a Faculdade de Ciências Sociais e Humana da Nova. Fiz tanto o um ano
e não lembro se é no 2º ano, temos que escolher fazer o ramo educacional ou o ramo científico.
Agora, a organização compõe diferente, mas naquela altura, era um curso de quatro anos e, se
escolhêssemos a via educacional, tínhamos depois também estágio que não era integrado.
Portanto, havia no terceiro ano, tinha que escolher no 3º, porque no 3º, dividia-se, portanto os
que haviam optado pelo científico não tinham nenhuma disciplina de Pedagogia e Didáticas.
Alguns alunos, os que no 3º ano foram pra via educacional já tinham lido uma ou duas
disciplinas, pois tinham um ano com conjunto de disciplinas de Didáticas e tinha um ano inteiro
de estágio, em que estavam todo o ano a trabalhar numa escola como professores da turma
tanto que tinha um orientador pedagógico que fazia todo aquele trabalho. E eu na altura pensei
que não queria ir fazer a via educacional porque iria continuar e fazer mestrado. Tanto pensei
logo nessa altura, que se fosse fazer a via educacional primeiro, seguisse essa via, certamente
não faria mestrado, ficaria com licenciatura e começaria a trabalhar. E eu estava interessada em
continuar a estudar. Portanto no fundo, embora ainda fosse um bocadinho imaturo nessa altura.
Quer dizer, eu ainda não tinha grande maturidade pra completar tanto o que eu queria fazer, mas
já tinha apreciação de que com a entrada na universidade em algumas áreas tinha me permitido
aprofundar muito o saber, que era muito pouco aprofundado do que eu trazia da formação
anterior. Tanto é que como se eu tivesse até o 12º ano, tido uma formação em que eu não estava
muito envolvida no fundo era pra dar resposta pra aquilo que era pedido, até porque o nosso
ensino é muito bem orientado pra avaliação e pra ter boas notas no final do ano, pra passar de
ano etc. Mas é que eu não estava muito envolvida do ponto de vista do meu interesse na
construção do saber e na Faculdade houve essa diferença em que eu senti que estava a construir
o saber, e a poder escolher as coisas que eu queria aprofundar etc. No Francês por acaso isso
não foi muito bom, lá no tempo do francês não ocorreu muito bem, porque lá está. Eu tinha
excelentes notas em francês durante todo. Até o fim do secundário e tive dificuldades na
universidade. Portanto, a universidade não consegue comandar as falhas que nós temos,
portanto eu tinha ótimas notas, mas má preparação. Não tinha tido bons professores de Francês,
não tinha feito um bom trabalho ao nível de língua e, portanto eu levei um choque e não
consegui produzir muito com o Francês. No Português, quer dizer levava a Literatura e todas
àquelas disciplinas ensinadas como Cultura Portuguesa e, as Linguísticas também, isso
realmente me interessou muito e fiquei apaixonada pela Linguística, e então a seguir tive que
decidir se queria a via científica foi logo quando terminei a licenciatura, inscrevi no mestrado e
fiz o mestrado na Nova. Portanto, todo meu percurso acadêmico tem sido feito na Nova.
Quando estava a fazer a licenciatura ainda, fiz uma conjugação Erasmos e, portanto também
fiquei com outra perspectiva de que era continuar a trabalhar no ensino superior, de poder a ver
alguma facilidade como lidar mesmo com outros países. E fiquei a pensar que gostava de ficar
naquela área em que me interessava e precisava estar a trabalhar aquele nível, portanto não
fiquei a pensar que queria ir trabalhar já para escolas com os ninhos, terminar o nível lá em
ensino, etc. Queria prosseguir os meus estudos e construir o saber. Portanto fiz, optei por fazer
mestrado em lingüística, nessa altura já estava a funcionar como agora o centro de investigação,
portanto os mestrandos eram todos integrados no centro de investigação, em ministros de
investigação com pessoas que queriam trabalhar muito seriamente em fazer investigação em
determinadas áreas. No mestrado estava a trabalhar ainda ao nível da sintaxe e da semântica,
portanto, tinha duas orientadoras e depois no complemento, optei pela semântica. Fiz um estudo
sobre Português, mas já no ninho essencialmente da semântica. Portanto esse é o percurso
acadêmico. Embora em determinada altura, quando acabei o mestrado, quando estava a acabar,
223
surgiu a oportunidade de vir dar aulas aqui, mas minto, antes disso, junto eu estava fazendo o
mestrado,houve um período em que eu estava fazendo mestrado, estava a dar aulas no 2º ciclo.
Portanto, concorri normalmente nos concursos de professores fui colocada numa escola terrível,
portanto foi um bom batismo de fogo, uma escola problemática com meninos muito muitos
problemas de disciplinas, etc. E, portanto, trabalhei no 2º ciclo com esses meninos e gostei da
experiência. Gostei a ensinei português no 5º e no 6º ano, portanto eram meninos que tinham 10
mais ou menos 10,11. Depois disso é que então surgiu a oportunidade de trabalhar aqui porque
uma colega foi fazer tratamento e fui substituí-la e comecei então um trabalho na formação de
professores. Portanto no fundo, eu não tive nenhuma formação específica para a formação de
professores, portanto, eu fui construindo esse saber à medida que eu fui trabalhando. Portanto é
como se eu tivesse, pra mim agora que já tenho uma distância sobre esse percurso, é como se
tivesse em duas escolas, uma escola do saber que é mais científico, digamos assim, descrição da
língua foi fundamental na universidade. E outra que foi mais a prática, foi essa que me permitiu
ir progredindo nessa área essencialmente eu quero um trabalho de grupo com os colegas,
portanto, discutindo as práticas e sabendo como fazer esse trabalho, que é depois no
complemento de práticas que foi essencial.
A - Há quem diga, por exemplo, Tardif que o saber docente é construído na prática. E o quê
você tem a dizer sobre isso?
E11/ES - Eu tive essas discussões, por exemplo, é muito interessante. Tive essas discussões com
alguns colegas, que fizeram, por exemplo, a via educacional. Eu tenho um colega, com quem
trabalhamos muito bem, nós tivemos muitas vezes essas discussões. Tenho uma colega com
quem trabalho muito bem, fez um curso semelhante ao meu, e que não teve a parte de estágio e
complemento educacional. No fundo pra aprender ser professor pra que os níveis de ensino e
tenho outro colega que fez a parte educacional. Estivemos os três ao mesmo tempo a trabalhar
IES. Estávamos a dar a mesma disciplina e os três acompanhavam as práticas. Alguns na
prática. E ao conversarmos entre nós, quais eram as diferenças havia da parte desse colega que
tinha tido essa formação, um conhecimento duma terminologia e dumas concessões, alguma
capacidade de escrever a realidade entendem quando um quadro teórico, digamos assim, que
nós não tínhamos. Mas as concessões que íamos elaborando eram muito semelhantes. As
soluções que encontrávamos, nós tínhamos a capacidade de discutir com ele as soluções que
íamos encontrar para, por exemplo, a disciplina funcionar para desenvolver a aprendizagem dos
nossos alunos para quem tinha que fazer para os estagiários, o que estávamos a fazer mal, no
que eles podiam progredir etc. Mas ele tinha aquele conhecimento e nós não tínhamos e isso era
intercepto porque não nos impedia de construir nosso saber e podermos trabalhar com ele. Acho
então que é um mesmo nível. Mas por exemplo, relativamente a outros colegas o que não nos
impedia de avançar, não nos impedia de construir o nosso saber e podemos trabalhar com ele
acho que é um mesmo nível. Mas por exemplo, relativamente a outros colegas, que não estavam
a trabalhar conosco eu poderia ter mais facilidade, pra criar uma linguagem por ter esse quadro
de referência que nós não tínhamos, mas dentro dos ninhos da nossa ação, eu acho que nós não
tivemos dificuldade, portanto, é que, agora é claro que isso demorou algum tempo. Portanto, foi
uma aprendizagem que fomos fazendo na prática. Agora, eu, por exemplo, que tive esse
complemento formativo sei que existe uma grande distância entre o complemento formativo e o
que aprendeu da sua prática. O que aquilo lhe trouxe? Esse saber, essa relação eu não posso
saber porque foi unicamente construída na prática mesmo. E tenho perfeita consciência do que
mudou ao longo do tempo completamente a minha maneira de trabalhar. Foi mudando a minha
maneira de trabalhar, a minha maneira de seguir, o que incluir nos programas de disciplinas,
seguir como trabalhar as questões etc. Foi mudando claramente. Hoje, é como se eu tivesse feito
aqui uma aprendizagem, um curso que é totalmente diferente de quando comecei. Quando
comecei relativamente o saber que eu trazia era mais coletivo da universidade, portanto, da
formação básica que eu tinha.
A- Diga-me em resumo, quais seriam os saberes necessários para formar professores hoje?
E11/ES - Daquilo que eu tenho visto, eu acho que as duas concluintes são essenciais. Você tem
que ter um saber teórico. E refletir sobre essa teoria, aprofundando porque não basta ter um
saber teórico que não envolva uma reflexão pessoal. Porque, muitas vezes, um formador de
professor que tenha tido uma formação que no fundo apenas foi vetor de teorias de descrições,
224
mas não ter envolvido diretamente, não pode refletir. Eu acho que acaba naquela situação que só
tem receitas. E quase como se tivesse apenas a capacidade de aplicar, de transmitir aquilo que
aprendeu. Não consegue pôr nada de seu naquilo que aprendeu, não consegue adaptar às
situações, não consegue conceptualizar pra além daquilo. Eu acho que claramente um formador
de professor tem que ter um curso acadêmico longo. Aprofundado. Nesse conhecimento nós
temos ainda alguns professores contratados que são licenciados, mas eu tenho muitas dúvidas
quanto a isso, portanto eu acho quanto efetivamente. Agora mudou nosso Instituto, só podemos
contratar para adjuntos professores doutorados e para assistentes professores que sejam mestres
e pra mim isso faz sentido. Porque vendo meu percurso é preciso efetivamente ver um passo,
licenciatura é um passo muito pequeno, é preciso haver um passo ao nível do mestrado e mesmo
depois com o doutoramento para que se consiga ter uma visão reflexiva sobre aquilo que é
formação teórica. Estamos a falar de professor em formação e professor de Língua Portuguesa,
tenho, portanto conhecido e trabalhado com colegas que são excelentes sob todos os pontos de
vista, mas que tiveram uma formação essencialmente didática, cuja formação linguística é
pouco aprofundada, ou mais limitada e penso, portanto, que sua capacidade de formar
professores é muito limitada também. Portanto, aí não se dá a formação linguística forte. Não
tenho dúvidas disso. E também eu penso que é importante ter também didática pedagógica de
preferência de uma forma explicita, complementada pela prática que as pessoas vão
construindo, mas de preferência de forma explícita coisa que eu não tive. Portanto, eu penso
também que poderia ter ajudado mais, ter tido essa formação que não tive tanto. Fui construindo
na prática. E esta construção na prática, eu penso que é uma construção que tem a ver muito
com os contextos, ou seja, haver a possibilidade das pessoas trabalharem em equipe de
discutirem os problemas, de poderem refletir sobre as práticas suas e dos alunos que a
observam. E no fundo o olhar sobre nossos alunos que estamos a orientar em ação com os
meninos, seja qual for o nível, permite-nos ver onde é que nós tivemos a falhar, por exemplo,
nas disciplinas teóricas. Onde é que nós sabemos, por exemplo, o que é estar três aulas, não
cinquenta aulas a trabalhar determinados aspectos, tem que desenvolver uma competência de
leituras e escritas junto aos meninos e percebemos que uma coisa liga a outra. Portanto, eles
estão lá, passaram pela parte teórica, mas nós não conseguimos que fizessem a ligação à pratica
e isso é algo que é muito difícil na formação de professores.Temos disciplina como a vertente
Linguística que é a descrição da língua, é evidente a investigação tem mostrado mostrando, por
exemplo a importância da consciência fonológica pra aprendizagem da leitura e da escrita. A -
Essa disciplina é sua?
E11/ES - Sim. É uma das que eu leciono. A investigação tem mostrado a importância, é
evidente, portanto de desenvolver desde o pré-escolar uma consciência fonológica, apoiar,
promover esse desenvolvimento essencialmente no primeiro ciclo para facilitar e ter melhoras,
tratar realmente essa composição ser melhor leitor e escreverem melhor. Ter um bom
desenvolvimento de consciência fonológica, nós trabalhamos isso na disciplina de Fonologia e
Morfologia, mas é difícil encontrar um equilíbrio entre a informação que nós temos que lhes
dar, do ponto de vista teórico, para ele conseguirem perceber como é o sistema fonológico do
Português. Nós damos de uma forma, digamos assim, andamos como fossemos estudar
Linguística, é o básico saber que há de consoantes e vogais e perceber as relações entre os sons
da língua e a apresentação escrita especialmente isso, a estrutura da sílaba. O programa é algo
muito simples, mas é difícil encontrar o equilíbrio entre este saber que nós temos que passar
esse conhecimento que nós temos que construir e, depois a vertente da prática. Ou seja, como é
que isso deve refletir no trabalho que eles vão fazer e a adaptação didática. E, portanto acho que
a grande dificuldade no ensino da Língua Portuguesa é essencialmente a relação entre a
descrição da língua, do ponto de vista linguístico e o complemento da prática. Embora isso aqui
em Portugal seja menos evidente houve, durante muitos anos, uma separação total entre
Linguística e Didática. Neste momento, começam a trabalhar em conjunto durante já há alguns
anos, mas esse divórcio é uma coisa absurda. Não pode existir esse divórcio, portanto quem
estuda linguística tem que ter conhecimento didático, tem que se esforçar por esse conhecimento
didático pedagógico, e quem são mais deficientes tem que se esforçar de forma mais
aprofundada pelos conhecimentos linguísticos.
A - A sua pesquisa você fez doutorado foi em Linguística?
225
E11/ES - Sim, portanto todo meu percurso do mestrado e doutoramento foi em Linguística.
A - Com a Semântica?
E11/ES - Com a semântica sim. Quando eu estava a fazer o mestrado e era essencialmente uma
investigação sem grandes preocupações proporcionadas com o ensino de Português nem se quer
ainda estava a fazer formação de professor quando fiz o doutoramento já estava a trabalhar aqui
na U6 e o tema que eu escolhi foi relacionado com uma vertente da disciplina Sintaxe e
Semântica do Português. Portanto as relações entre os verbos e complementos que é um dos
aspectos, mas não fiz uma investigação didática. Fiz uma investigação teórica. E isso, no meu
ponto de vista reflete no trabalho didático porque há muitos problemas do ponto de vista da
descrição linguística das línguas em geral. A Linguística é uma ciência jovem e que ainda tem
muito trabalho pra fazer. Portanto nessa área, eu acho que investigação que fiz me é útil para
ensinar essa disciplina sintaxe e semântica, porque na descrição do Português como acontecerá
com outras línguas, muitas, digamos assim, idéias fixas, concessões rígidas, depois no trabalho
com os mais novos que inda não tem vícios, no segundo ciclo, não funcionam. Nós usamos
explicamos demos uma regra, mas vão logo dizendo “mas isso não é assim!” Então
definitivamente eu acho que o ensino da gramática pra funcionar juntos aos mais novos desses
que estão ainda cheios de curiosidades e vontades de perceber o funcionamento tem que ser
muito adequado ao conhecimento intuitivo que eu tenho de língua, mas não é. Porque só vai nos
dizer coisas que não batem de todo o certo com o conhecimento que nós temos de língua eles
tem uma gramática implícita que faz, choca uma coisa com outra e, portanto, não funciona. Esta
foi a investigação que eu fiz no doutoramento, aqui na IES temos um centro de investigação.
Estamos a fazer, a direcionar mais para o projeto investigação sobre o ensino da gramática, a
partir geralmente do conhecimento explícito. É um dos aspectos que aqui têm sido trabalhados
no ensino da língua. Em geral tem sido um dos menos trabalhados por um pensamento explícito
e oral tem sido os menos trabalhados. Mas desde 96 já terminou o ano passado, mas houve um
programa, não sei se conhece que é o Programa Nacional do Ensino Português que foi formação
de professores do primeiro ciclo, portanto, não abrangeu todos os professores, mas muitos
agrupamentos. Portanto foi um programa intensivo e, aí que se trabalhou vários aspectos das
competências a desenvolver a língua, a leitura, a escrita, o oral e o conhecimento explícito
também. Mas foi daqueles que dos existentes menos trabalhados uma área que precisa de
investigação e o ensino da gramática no Brasil é igual, tenho também lido alguma bibliografia
do Brasil, é um problema. E, portanto, tem sido um buraco negro neste momento há em vários
países um movimento no sentido de elevar o ensino da gramática aqui também e, portanto é
nessa área que nós estamos a desenvolver trabalho.
A - O que é formar um professor de Língua Portuguesa?
E11/ES - Eu acho que essa é uma pergunta em aberto, ainda estou a procura da resposta pra essa
pergunta. Não tenho uma resposta feita. Estou a procurar qual é o meu caminho para formar
professores de Língua Portuguesa, neste caso, na minha experiência, nós não formamos
exclusivamente professores de Língua Portuguesa. A formação que nós fazemos aqui na IES é
com o pré-primário e segundo ciclo nós formamos professores generalistas. E, portanto entre as
várias competências que eles têm que ter. Um dos vários domínios científicos que eles têm que
abordar, um deles é a Língua Portuguesa. Mas esse trabalho que estou fazendo com a Língua
Portuguesa é um trabalho que tem que ser feito de forma transversal como o trabalho das
Ciências, o trabalho das Matemáticas, etc. São professores generalistas e, portanto,
essencialmente, formamos também educadores. Nesses casos então, ainda esse aspecto é mais
amplo e as fronteiras menos rígidas nessas áreas. Mas, pra mim pensar nas disciplinas que eu
tenho, devo fazê-lo, especificamente direcionadas com línguas, na área de línguas e que são
para formar professor. Temos uma dificuldade adicional que é como Bolonha. Nós temos uma
estrutura dos cursos que não nos ajuda a ter uma definição digamos assim muito clara. Ou seja,
nós tínhamos três anos duma Licenciatura que se chama educação básica. E no fim desses três
anos nossos alunos não podem ser professor nem educador. Eu pessoalmente vejo pouca saída
profissional pra esses alunos licenciados. Portanto, a única coisa que vejo é que eles vão fazer
mestrado. Depois de serem mestres, é que podem então ser educadores, professores do primeiro
ciclo e professores do segundo ciclo, esta é uma das vertentes, pois temos outros cursos.
A – Entendo.
226
E11/ES - Não é mestrado integrado, eles podem terminar a educação básica e fazer outra coisa
qualquer, mas para receber esse mestrado de educador da infância ou professor do primeiro
ciclo, ou professor do segundo ciclo, tem que obrigatoriamente tirar a licenciatura de educação
básica e essa educação básica tem 30 créditos de língua, 30 créditos de matemática e 30 créditos
de Ciências e de História, no entanto já está assim, tudo muito rigidamente determinado.
Teremos, portanto somente depois, então no mestrado um perfil dum professor que é um
educador da infância, ou é um professor generalista de primeiro ou segundo ciclo que tem essa
formação generalista atualmente, né? Portanto no fundo, eu não sinto propriamente que esteja a
formar professores de Português, estou a formar professores para aqueles níveis de ensino ou
educadores para os níveis de ensino que tem adquirir as competências para desenvolver a
Linguística de seus alunos de acordo com os níveis pedidos naquele ciclo. E, portanto, quando
estou a dar essas disciplinas, estou a pensar que estou integrada num currículo mais amplo que
os que têm primário num conjunto de disciplinas para progredir na sua própria competência
linguística, que é um dos problemas que nós temos em Portugal, de forma desvalorizada. Não
sei se tem aí no Brasil, nós tivemos que criar um currículo uma disciplina técnica de descrição
oral para os nossos alunos que chegam à universidade com muitos problemas de domínio da
língua materna, não tem capacidade de produção escrita, muitos problemas de compreensão da
leitura. Portanto, os alunos chegam com muitas dificuldades e tentamos criar alguns conjuntos
de disciplinas. Mas essencialmente essas, para que eles progridam nas suas competências. E
depois temos um conjunto de disciplinas voltadas, é então que eu entre venho mais a descrição
do Português e depois um conjunto de disciplinas que é de minuto para aquilo que é ensaio, são
disciplinas de Didáticas do Português. Mas nesse momento da forma com está a construir o
currículo, nós temos as disciplinas práticas que acompanhamos os alunos na prática. Tanto são
estágios que ocorrem ao longo do ano, investimos um ano final só aos estágios, eles vão tendo a
vida do curso vão tendo umas semanas de estágio, por tanto é algo que vai praticando. Isso eu
acho que é uma boa opção, outra boa opção na formação desses nossos alunos que são futuros
professores é o fato de serem orientados na prática por equipes multidisciplinar, eles têm um
conjunto de professor que trabalha na equipe eles tem um professor de matemática, um
professor de português ou de teatro e acompanham a prática em conjunto. Isso tem sido algo
que nos tem dado muito bons resultados. Portanto, formar o professor de português, no fundo eu
acho que é criar, não tenho uma resposta, mas eu acho que é criar no aluno que será o futuro
professor, a paixão de se auto formar, continuar a sua formação. Continuar a sua formação ao
longo da vida, portanto despertá-lo pra essa necessidade. Vale os instrumentos essenciais que é
do ponto de vista teórico é do ponto de vista didático e depois, criar nele a postura do professor
investigador. Porque se um professor de Português não chegar a esse patamar de pensar a sua
vida futura profissional como um professor investigador, eu acho que não estamos a conseguir
formar um bom professor de Língua Portuguesa.
Entrevista E12/EI
E12/EI - A minha história então eu fiz no liceu cá no Porto sim, do pequenino, cá no Porto.
Primeiro num liceu só feminino, porque não havia liceus mistos. Havia quatro grandes liceus no
Porto, dois femininos e dois masculinos. Um numa parte da cidade outro na outra. E era um
liceu muito da elite, a esmagadora, a maioria das pessoas não frequentava, só fazia os quatro
primeiros anos, e, portanto no fundo aquilo que foi o meu 5º ano e, portanto, as quatro primeiras
classes mais os cinco primeiros anos do liceu eram um liceu da elite só feminino e classe média
alta. Depois, quando eu fui para aquilo que hoje é o Ensino Secundário que era o final do liceu,
abriu um liceu misto no Porto. E que era o Garcia da Horta que foi enfim, digamos, no princípio
da abertura do regime Salvadorista, portanto já no tempo do Marcelo Caetano. E esse liceu que
era perto de minha casa, no Garcia da Horta foi assim um liceu de grande novidade, todo mundo
queria ir porque era misto, porque era aberto, porque era um espaço perto do mar, um edifício
completamente diferente, já moderno e fui pra lá e fiz aí o antigo 6º e 7º ano final do liceu. E
nós já tínhamos que escolher muito especificamente o que chamavam de uma linha, uma
espécie de trilho, não é? E eu escolhi românica, portanto aí tivemos que escolher entre
românicas, germânicas, história e filosofia, geografia, arquitetura, ciências, que era assim um
227
grande agrupamento. Pronto eu escolhi românicas e fiz aí, acho que uns muito bons seis ou sete
anos já mais abertos, completamente diferentes. Depois fiz aqui na Faculdade de Letras cinco
anos de filologia românica assim chamada, filologia românica, e no fim desses cinco anos de
filologia românica fui fazer estágio pra o ensino Secundário, portanto, fiz um estágio que na
altura era humano, aquilo que nós chamamos hoje o estágio clássico que na altura era, enfim,
completamente clássico, portanto, estávamos divididas. Eu fiz o estágio na românica, mas na
Filologia Clássica porque nós, como havia muito poucos alunos da filologia clássica haveria um
número também pra Românicas e eu tinha uma boa média e fiz na Filologia Clássica, aliás, fui
colega no estágio da Luiza Álvares Pereira, que vai entrevistar amanhã. Fomos colegas de
estágio, fizemos um estágio muito bom, muito participado, muito trabalho, mas foi assim muito
enriquecedor e depois dei aulas durante 10 nos no ensino Secundário. Aula de português, só
português, depois nos últimos dois anos, quando estava no ensino secundário, eu vim fazer aqui
um mestrado que, portanto, abriu na Faculdade de Letras em português e linguística no ensino
do Português e, esse mestrado no ensino do português era um mestrado ainda de quatro anos.
Foram dois anos letivos e dois anos de tese e, eu fiz a minha tese numa questão que não tinha
nada a ver com o ensino. Portanto, fiz a tese com o professor Oscar Lopes que era o autor da
História da Literatura Portuguesa. Mas um grande linguísta e, fiz sobre uma questão de
pragmática linguística que eram os operadores discursivos ora e o cá, o lá, com valor global que
e uma coisa que nós usamos muito no discurso da literacia “eu quero lá saber” no sentido “não
quer saber” Eu cá me entendo” não é adverbial de lugar, é modalizante. Pronto. Portanto, uma
tese que não tinha nada a ver com o ensino realmente e depois eu logo, quando estava a acabar
m mestrado, convidaram pra vim pra aqui, vim pra cá dar aulas. Quando entrei aqui pra dar
aulas fiz sobre tudo duas coisas: trabalhei logo sobre formação do professor, como tinha
experiência do secundário, portanto, fazia os Seminários de Estágio porque os alunos aqui têm
feito sempre estágio numa escola, no fim do percurso, fazem um estágio de um ano e esse
estágio acompanhava um Seminário que são três horas semanais, as segundas-feiras enfim, é um
caminho porque eles fazem investigação e ação. Portanto é acompanhar os relatórios deles, as
aulas, é um relatório pedagógico de qualidade e, além disso, nessa altura ia ver como
supervisora as aulas que eles davam e dão nas escolas, portanto e durante talvez uns quatro ou
cinco anos só fiz isso. Depois, entretanto, passei a dar uma disciplina que na altura se chamava
Metodologia do Ensino do Português era a Metodologia da licenciatura. Portanto prévia ao
estágio, por ser uma disciplina do quarto ano da licenciatura era uma disciplina do gênero do
que hoje é a Didática do Português. Dei essa disciplina aliás, fiz o meu relatório para passar a
professora associada com essa disciplina. E depois, com o processo Bolonha o estudo deu uma
grande volta, os cursos passaram a ter três anos e o mestrado em ensino passou a ser mais dois
anos. Fora disso eu estou a dar, vou começar esses mestrados Didática do Português I e II,
digamos são uma espécie de revisão dessa disciplina do ensino do Português. E além disso,
também tenho dado Seminário de Estágio, o mesmo que dei desde sempre. Dei um ano uma
disciplina que esse mestrado tem chamada Produção de materiais Didáticos em Português. Só
dei um ano. Mas os colegas das Línguas Estrangeiras insistiam muito, pra se dar e o professor
ser capaz de criar seus próprios materiais ao atual momento e, como era uma disciplina
relativamente pequena que só tinha três créditos. Tinha que ver o complemento do outro lado e,
portanto, criou-se também para o Português. A partir do material, do youtube, internet,
gravações, construiu materiais realmente muito engraçados e muito criativos e depois como
havia apresentações práticas do que iam fazendo as aulas acabaram por ser muito mais
divertidas do que eu imaginava no início. Pronto. Além disso, também já vem didática e outras
duas didáticas. Dei uma didática no mestrado, que há cá Didática de Línguas que é um mestrado
que apanha outros tipos de pessoas. Pessoas que já são professores há vários anos no ensino
secundário, de repente querem vir fazer um mestrado por valorização pessoal e profissional. Daí
um ano, essa disciplina enfim, que é muito menos inicial do que essa didática de quem vai
começar a ser profissional. É outro tipo de reflexão. Daí um ano, porque no fundo um ano nós
não tínhamos capacidade de voltar a abrir esse mestrado e, portanto não houve no ano passado.
Vai reabrir este ano. Já não vou ser eu porque não consigo acudir tudo e também vou repetir
com outros colegas uma Didática de Línguas. Tem tido mais pessoas pra língua estrangeiras do
que pra língua materna e nós temos feito por módulos, a diretora professora Maria da Graça
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Pinto que é nossa catedrática e, temos feito por módulos, eu fiz 15 sessões ao longo do ano.
Nunca fiz um curso completo. Pronto. E, além disso, ainda dou uma disciplina de 1º ciclo de
ciências da linguagem que é pragmática, que é enfim Pragmática Linguística. É a área do meu
coração, digamos. Porque eu gosto da pragmática por causa de outros cursos e, no entanto,
tenho essa disciplina do primeiro ciclo e do terceiro ano ciências da linguagem, gosto muito.
Entretanto, no ano passado, reformou-se uma colega, era diretora do mestrado em português,
como língua estrangeira, e eu herdei esse mestrado, no início um bocadinho sem grandes
entusiasmos. Entusiasmo até nenhum, porque na verdade eu tenho pensado muito no Português
como língua materna, e muito pouco no Português como língua estrangeira, mas por questões
internas eu tive que ficar diretora desse mestrado. E este ano vou dar duas disciplinas desse
mestrado, por exemplo, vou largar o Seminário de Estágio que dei, porque não consigo acolher
tanta coisa estamos tendo uma vida absolutamente caótica. Até porque depois nos dois
mestrados eu ensino os alunos fazem estágios, mas fazem o relatório de dissertação que é, por
exemplo, esse que eu tenho aqui, que estou agora a ler, porque eles têm que entregar no final de
setembro. E isso é de um orientando isto é uma coisa de 50 a 100 páginas. Aqui estão os anexos
tem de oitenta e seis páginas, mas eu ainda vou aqui, ainda vou na cinquenta e nove, quer dizer,
já vi outras versões, mas o menino tem que entregar até o final de setembro. E como ele, tenho
ainda uns oito ou nove e, portanto o mês de setembro começa a ser uma loucura. Eles são
obrigados a fazer um relatório um bocadinho de investigação e ação, portanto no início do
estágio dão conta do problema e depois tem que estudar um pouco teoricamente esse problema,
um bocadinho do estado da arte, uma coisa que não ultrapasse as 40 páginas. Digamos assim de
introdução teórica e depois durante o estágio pretendem que eles testem qualquer coisa, tentem
uma intervenção para resolver um problema, e depois o relatório é um relatório enfim, com um
bocadinho de iniciação em investigação e ação em que eles dão conta porque é um texto. O
menino fez sobre a importância da noção do campo lexical para compreensão leitora. E,
portanto, no fundo o que ele esteve a tentar dissertar foi se trabalhando no campo lexical num
momento da apresentação de um texto, quer em língua materna, quer em francês que foi a outra
língua que ele estagiou, se isso me dava a compreensão leitora do aluno depois contactar com o
texto. São questões assim desse gênero. Mas acho que está a fazer um trabalho interessante. Só
que isso é uma carga de trabalho pra nós, porque temos que ver isso. Bem até porque depois isto
fica online e o nosso nome também fica junto, portanto, não podem ficar mal, né? Há uns
melhores, outros piores. Porque eles são muitos em Português como Línguas Clássicas são
menos, são muito pouquinhos. Há muito poucos alunos, geralmente muito bons, com muito boa
qualidade. Os que escolhem o Latim e o Grego, enfim.
A - Tem o desejo, uma pré-disposição.
E12/EI - Exatamente! Mas são pouquinhos. Em compensação esses do Português como língua
estrangeira e este ano temos oitenta e tal concorrentes, está uma loucura. E nesse momento
todos querem o português com espanhol. Porque o espanhol não existia como língua secundária.
Tínhamos tradicionalmente Francês, Inglês e Alemão e com oferta do espanhol que é muito
recente, de repente foi preciso formar professores de espanhol. Portanto vai dar emprego e como
dá emprego há muita procura. Não sei se é a primeira questão em que me doutorei em
linguística. Não havia etiqueta, portanto foi linguística e, fiz a tese sobre a obra do Eça de
Queiros “Os Maias”, mas depois no fim como meu lugar aqui dentro estava muito ligado à
didática, eu dei uma voltinha didática no último capítulo. A questão do ensino do discurso.
A - A respeito da questão de saberes Tardif, por exemplo, fala da construção de saberes práticos
em sala de aula, sobre a construção desse saber, o quê que você tem a dizer?
E12/EI - Eu tenho a cerca disso uma opinião que é muito sedimentada digamos assim, pra já eu
acho que a forma como nós próprios na universidade fazemos as aulas servem muito de modelo,
decorrem da forma que eles, depois, vão utilizar na pratica. Portanto, faço aulas prática trago
textos de jornais, leio e peço que tirem notas e depois discutam entre eles, que façam
apresentações. Eles têm um caderno tipo caderno de bordo em que vão registrando as leituras
que fazem e o que querem e o caderno circula, enfim uma serie de estratégias que acho que eles
podem usar quando vão dar aulas, e que vão vendo que funcionam, às vezes, não funcionam,
né? E geralmente funcionam. E, às vezes, com surpresas assim muito engraçadas, por exemplo,
neste ano letivo que acabou em julho, no início em setembro ainda estava muito calor, e eu dei
229
um poema O verão da Sofia de Melo, numa aula prática para começarmos a ver como se
planificava atividades e aulas práticas a partir daquele poema. E pedi que na semana seguinte,
eles trouxessem coisas referentes ao mar e muitos trouxeram fotografias do mar, imagens, sons,
houve uns que trouxeram conchas, e houve um miúdo muito criativo que foi o primeiro que
apresentou e falou “oh professora, posso me pôr à frente, pra falar de frente pra os colegas?” E
eu disse “claro Dinis”. E então ele pôs se à frente. E a partir daí, todos tiveram que se por à
frente porque se sentiram na obrigação de falar diferente pros colegas. E ele tirou do bolso um
frasco de protetor solar, e disse “eu confesso que não sou assim tão poético eu quando penso
no verão, a primeira coisa que me vem me vem à cabeça é praia e protetor solar e o cheirinho
do protetor solar é que eu relaciono com o verão. “E eu pensei que podia começar a assim qual é
o cheiro, qual é o som, qual é o sabor”. Eu acho que, às vezes, o saber profissional, o saber de
estar em aula e o saber de dar aulas também se aprende um pouco na prática. Por outro lado,
também eu tenho defendido muito que a formação científica inicial, na área em que o professor
vai ser professor, pra mim é absolutamente fundamental. Porque tenho dito isso, eu acho que
nunca poderia ser uma boa professora de físico química, porque eu não sei dar aulas de Físico
química, por mais que eu tenha Pedagogia, por mais que eu tenha sensibilidade, por mais que
eu saiba comunicar, eu não sei Físico química pra transmitir. Portanto, parece-me básico que os
professores neste caso de Português tenham uma sólida formação na sua disciplina que saibam
gramática, saibam Literatura, que escrevam bem, que saibam falar bem, etc. Que nesse
momento está um bocadinho melhor, mas houve aqui uma altura atrás em que havia muitas
falhas a esse nível, por exemplo, os nossos próprios alunos de letras davam erros ortográficos,
escreviam mal, não sabiam gramática, saibam falar. E enfim, também agora não estamos numa
fase maravilhosa, quer dizer melhorou, a exigência melhorou isso me parece muito importante.
O atual ministro coloca o peso todo desse lado, também acho mal, quer dizer há outros saberes
que fazem parte da formação do professor que não se restringem ao saber científico.
Olha bem aí, por exemplo, eu acho que nós temos aqui uma disciplina que se chama
Investigação Educacional, que, aliás, os alunos gostam muito, tem um professor que é psicólogo
de formação, que é uma pessoa muito interessante. E é uma disciplina básica, portanto em que
eles fazem uma pequena iniciação em investigação em ação em que aprendem a trabalhar e a
fazer inquéritos, questionários dirigidos, semi dirigidos, aprendem as vantagens metodológicas
de todos esses instrumentos de investigações. Aprendem a trabalhar e geralmente o que fazem
como avaliação pra essa disciplina é um pequenino trabalho de investigação com o grupo de
professores e é muito engraçado porque geralmente quando eles fazem o relatório final de
dissertação, que depois é defendido por um júri de três pessoas, normalmente o argumento vem
de outra universidade, e dizem sempre que foi muito útil essa disciplina de investigação
educacional. Porque acho que um professor em formação tem que ser sempre um investigador,
se eles não tiverem essa costela da investigação sobre as suas próprias prática, eles serão sempre
um professor muito tradicional e muito pobrezinho, não é? E, portanto nós temos tentado, que
eles, no primeiro ano do mestrado, eles tem cinco disciplinas da área da ciência da educação,
eles tem investigação educacional psicologia da aprendizagem, que também gostam muito, e
depois têm outras que gostam menos, e também tem a ver com os discentes, tem ética
ideontologia de que também não gostam muito, que tem um caráter muito filosófico, mas a
disciplina é dada por colegas da filosofia talvez tenha um caráter muito teórico, eles não veem
uma aplicação direta, e, portanto não gostam muito. E tem Problemáticas Pedagógicas
Contemporâneas, que também não morrem de amores, e tem Análise Social da Educação que
até poderia ser muito interessante, que também não gostam muito, daquelas cinco as que eles
gostam, mas isso pode ter muito a ver com o professor, é a Investigação Educacional e da
Psicologia da Aprendizagem, que costuma ser muito bem dada.
A - E em relação ao professor do nível superior é exigido, ou não que tenha trabalhado nas
séries iniciais?
E12/EI - Olha bem, eles aqui normalmente quando estão a fazer estágio e vão trabalhar, o
mestrado chama-se Mestrado e Ensino do Português e Línguas Estrangeiras no ensino básico e
no ensino secundário, pra nós é o terceiro ciclo do básico, portanto, será o 7º e o 8º e 9º anos
quando tem 12, 13, 14, 15 anos por aí e depois o ensino secundários 16, 17, 18 anos, até o fim
do Liceu, geralmente quando começam em princípio nunca deram aulas, o aluno típico. Nunca
230
deram aulas, e, portanto, vão experimentar o aluno típico fez três anos de Bolonha, o primeiro
ano do mestrado, e começa a dar aulas com alunos de 12, 13 anos, e não tem nenhuma
experiência pra trás. Nós temos aqui um número grande de pessoas, apesar de tudo, que estão a
refazer percursos, por exemplo, eram professores de Português-Francês, ou Português-Inglês, ou
Português-Alemão, que não tem grande saída nesse momento, porque não há alunos de francês e
de alemão menos ainda. São pessoas que estão na casa de 30 a 40 anos, que voltaram pra trás
fizeram aqui o espanhol que fazia falta, e estão a fazer agora estão a fazer esse mestrado só em
espanhol. E o quê que nós notamos? É que a qualidade deles como professores é muito diferente
porque já passaram por uma experiência já deram aulas, mesmo que tenha dado aulas de língua
estrangeira. Tem outra uma maturidade até pessoal, porque as pessoas aos 30 ou 40 anos.
A - E a mesma pergunta em relação ao professor da casa?
E12/EI - Eu pessoalmente acho que tem muitas vantagens pra aquilo que eu faço ter dado aulas
no ensino secundário, pra mim é essencial, é essencial, quer dizer, eu acho que há uma
sensibilidade muito própria pras questões do ensino que decorre da experiência de eu ter sido
professora do ensino secundário, o que vocês chamam de ensino médio. Porque a pesar de tudo,
do ponto de vista pedagógico eu me habituei a ter que ensinar a uns indiozinhos que não estão
quietos, nem calados e que, os alunos universitários que eu apanho, sobretudo, que já estão no
final do percurso, estão quietos e calados nas aulas. Embora os alunos nos primeiros anos, toda
gente diz que já não é assim. Mas o que eu apanho que estão a acabar, são completamente
tranquilos, quer o professor dê uma aula interessante e eles participem quer o professor dê uma
aula horrível, e eles estejam a dormir, eles estão calados. No ensino secundário, não é assim,
portanto se as aulas não forem interessantes, eles não ficam calados são de saltar pelas janelas,
falam, conversam atendem ao telemóvel. Muita energia, muita energia. Portanto um professor
nessas circunstâncias tem que pensar muito melhor no que faz. Pensar muito mais nas aulas têm
que adequar muito mais as aulas aos alunos. E essa experiência, eu acho que é muito vantajosa
pra quem vai depois ser formador de professores. Aliás, vem agora uma colega que justamente
vai ficar com algumas aulas que eu larguei, porque vou ficar com Português e Língua
Estrangeira, que também está no ensino secundário. Aliás, essa vai acumular, portanto continua
no ensino secundário, já cá esteve, também na formação de professores, depois, isso teve uma
forte em termos de alunos, aqui, há coisa de dez anos, e ela saiu, saíram imensos. Colegas e foi
pro ensino secundário, mas doutorou-se, entretanto. E agora vai voltar, não ao tempo inteiro,
mas vai fazer uma prestação de serviço, e pra mim é muito importante porque ela vai ficar
justamente com os estagiários e pra mim é importantíssimo o fato de ela está com a mão na
massa, né?
A - Fale sobre a sua pesquisa.
E12/EI - A minha pesquisa tem dois lados, um que devo confessar que é mais importante e me é
mais, e outro que também faço, mas com menos entusiasmo do fundo do coração. Aquilo que eu
realmente gosto é de Pragmática e Análise do Discurso, e aquilo que eu realmente gosto do
fundo do coração é o meu relato do discurso que foi a minha questão do tempo do
doutoramento, e que eu já tinha começado no mestrado, porque no tempo do mestrado quando
eu estudei as ditas partículas o “cá” e o “lá” e o “ora” partículas discursivas, que fiz com o
professor Oscar Lopes, que está muito velhinho, tem noventa e tantos anos agora, mas é uma
pessoa fora do comum. Ele, na altura, mandou-me utilizar como corpus um romance do Eça e
um romance do José Cardoso Pires, porque disse são escritores que tem uma linguagem
coloquial, e portanto tente ver. E eu comecei a procura nos diálogos, mas rapidamente percebi
que não era só nos diálogos que havia linguagem coloquial em discurso indireto livre e até em
textos do próprio romance. E, portanto, cheguei por aí ao relato do discurso indireto livre e ao
discurso direto, foi por aí que eu cheguei e nunca mais saí. Porque, eu faço parte do centro de
Linguística do centro de pesquisa da Universidade do Porto, que é uma unidade de investigação
da Fundação para Ciência e Tecnologia. E herdei, nessa unidade de investigação, a chefia de
uma linha, digamos assim. Que era da professora Fernanda Irene Fonseca, quando ela se
reformou fiquei eu, que se chama Texto e Discurso, e que enfim agrega um conjunto de pessoas
que são pouquinhas que trabalham na área do texto e do discurso, mas que teve sempre uma
vertente de linguística aplicada ao ensino. E, portanto é essa a minha segunda linha, digamos eu
também tenho feito coisas de linguística aplicada ao ensino, tenho feito até agora sempre ou
231
quase sempre língua materna, e agora vou começar desviar um bocadinho também pra o ensino
de língua estrangeira, porque não posso ser diretora do mestrado em Português e segunda
língua estrangeira e a minha investigação não ter nada a ver com isso. Portanto, pra semana vou
a Viena, ao Congresso Lusitanistas Alemães, com outra colega que também dá aulas nesta área
fazer qualquer coisa sobre o relato do discurso para alunos de níveis B e C, alunos estrangeiros,
do Português como língua estrangeira, partindo da investigação sobre os manuais que há. Para
mim isso está muito mal, a meu ver, e fazer uma proposta alternativa, portanto, também vou
começar a desviar um bocadinho a questão da Linguistica Aplicada ao Ensino, para o ensino do
Português como língua estrangeira.
A - Agora, mai suma questão, o quê é formar um professor?
E12/EI - Bem, eu acho que formar um professor é, em primeiro lugar, ensiná-lo por seus
próprios meios ir buscar a informação. Eu acho é que as pessoas tenham seus próprios
instrumentos, como por exemplo, se tenho que dar aula sobre o Memorial do Convento, e eu
não sei grande coisa sobre o Memorial do Convento, li no liceu e mais nada e eu tenho que me
informar. Tenho que ter instrumentos pra saber com esses alunos, com esse contexto como é
que eu vou dar essas aulas. Portanto, eu me lembro de que no meu próprio estágio, termos tirado
a sorte o que cada um ia começar a abordar, e eu fui a primeira. Calhou-me ser a primeira. E
calhou-me dar Fernão Lopes e eu não lembrava nada de Fernão Lopes, quer dizer tinha lido no
Liceu e nunca mais ouvi falar de Fernão Lopes, portanto, o quê que eu fiz? Primeiro comprei a
crônica de D. João I e comecei a lê-la, depois comecei a ver estudos sobre Fernão Lopes, e
depois eu não sabia nada sobre a crise de 1383 – 85 eu sabia pouquíssimo sobre história e,
portanto fui tentar ler sobre a crise. Realmente eu fiquei até gostar imenso de Fernão Lopes.
Porque foi a necessidade, né? Eu tenho que arranjar instrumentos, e depois por causa desses
alunos concretos, que na são quaisquer alunos e acho que isso talvez seja o aspecto mais
importante. Por exemplo, esse ano foi assistir, quando os estagiários ou são muito bons ou
muito fraquinhos e é preciso dar uma nota excessivamente boa ou excessivamente fraca,
normalmente os colegas que vão às escolas, que são aqui supervisores, e nesse momento, são
quase todos da área das clássicas, porque não tem muito serviços, que há poucos alunos e,
portanto completam os horários indo às escolas. Esses colegas pediram-me pra ir ver duma
menina que era muito boa, e ela era muito boa! Era uma aluna justamente de português e línguas
clássicas, mas enfim, uma jovem que tinha uma vida pessoal muito atarefada, que já tinha duas
crianças uma das quais com meses, e ela fez uma aula sobre o Memorial do Convento,
realmente fantástica, o quê que eu vi que ela tinha lido muito bem o Memorial do Convento,
lido várias vezes, sabia partes de cor, andava pra frente e pra trás, eventualmente movimentava-
se muito bem. Mas também tinha tido uma preocupação de como é que eu vou dar Memorial do
Convento, a esses alunos do séc. XXI que não estão eventualmente não estão muitos pra aqui
virados. Portanto por exemplo conseguiu encontrar na internet uma escultura muito bonita que
se chamava passarola, que esteve exposta em Lagos, nós não conseguimos muitas informações,
era uma espécie de uma escultura móvel que se mexia com o vento, era parecido com a
passarola do Padre Bartolomeu de Gusmão, como os desenhos era um vídeo e tinha umas
figurinhas que eram claramente as figurinhas do romance do Saramago, metidas lá dentro, o fato
de ela apresentar aquele vídeo, motivou os miúdos que disseram estão lá dentro as pessoas
parece que são a Glimunda o Baltazar e o Padre Bartolomeu, e mexem-se parece que vai voar, e
além disso, os tinha levado a Mafra, visitar o Convento Mafra e os miúdos tinha assistido lá
uma pequena representação. Portanto a capacidade que uma pessoa que não estudou aqui
Saramago, não estudou tem certeza. De repente eu tenho que cientificamente estar muito bem
preparada, saber coisas sobre Saramago, conhecer muito bem a obra, mas também tenho que
pensar que não estou a dar aula a universitários, mas estou a dar aula para adolescentes e tenho
que arranjar maneira que isso se torne inesquecível, e ela estava muito cansada, tinha dormido
pouco. Era uma miúda que tinha um léxico muito bom, portanto dizia as coisas e depois
reformulava de outra maneira utilizando um registro muito rico, num falava como eles e via-se
que eles a respeitavam, é que percebiam estar ali alguém que é jovem, mas que sabe. E ao
mesmo tempo estavam extremamente motivados porque a aula foi um encanto. Quer dizer eu
própria estava ali toda contente a aprender e até com pena que a aula chegasse ao fim, que é,
portanto essa capacidade de eu vou buscar informação, vou buscar essa informação segura e
232
séria e vou tentar arranjar essa informação da forma mais aliciante que essa informação passe
pra os miúdos, que muitas vezes veem de contextos aonde não se lê, não há livros e etc.
A - Obrigada.
Entrevista E13/EL
A - Fale-me sobre sua formação acadêmica e profissional. E13/EL – Eu nasci em Trás dos
Montes, na região norte de Portugal, onde cursei o primeiro ciclo. Cursei, no Porto, no Liceu
Carolina Michaelis o ensino médio de vocês e nós chamamos se ensino secundário. Depois fui
pra Faculdade de Letras no Porto fazer um curso de cinco anos. Uma licenciatura, aí Filologia
Românica. Isto foi a minha formação de base. Depois fiz mestrado em ensino da Língua e
Literatura Portuguesa durante quatro anos, porque foram os primeiros mestrados em Portugal e
depois fiz um Doutoramento em Didática do Português durante quatro anos. Fiz ainda um
estágio, que fui colega do Everaldo e Isabel durante um ano. Uma prática pedagógica com
orientador, depois fiz o curso, uma pós- graduação em Organização e Avaliação da Formação
do Professor. E com tudo isso ainda tenho muitas dúvidas do papel e da dificuldade, muitas
dúvidas e consciência da dificuldade que é formar o professor. Mas esse é o meu percurso, tanto
é um percurso longo, de muito estudo mesmo formal, não é? Tenho um amigo que costuma
dizer, ele conhece muita gente que é aquela formação permanente, eu sou aquela escolarização
permanente porque todos esses cursos com diplomas e com escolarização. A - E o seu percurso
profissional? E13/EL- O meu percurso profissional, eu comecei trabalhar muito cedo, ainda no
início do meu curso das românicas no 2º ano e trabalhei no ensino médio, porque fui formadora
de professor no ensino médio durante muitos anos e só vim pra faculdade tardiamente, entrei na
faculdade no ano de 2000. Mas, antes disso, tinha feito experiências de formação no ensino
superior. Fui formadora na Escola Superior de Educação do Porto, formadora de professor de
ensino médio e fui leitora de Português em França. A - Que saber você julga ser fundamental
para o professor formador? E13/ EL - O professor formador primeiro precisa dominar bem o
objeto de trabalho e estudo que é a língua. Cada vez mais tenho consciência de que precisa d
conhecer bem a sua língua. Precisa gostar dessa função, de gostar dos outros, de gostar de
aprender e de gostar de ensinar. Portanto, gostar de interagir. Precisa ser alguém que sente que
tem necessariamente que ter formação ao longo da vida, porque a formação não para mesmo e
tem de ser alguém que está aberto ao saber dos outros, mas com consciência que ele também
define os saberes que são bons para os outros. E, portanto, que não se limita a aceitar os saberes
que os outros têm e a reconhecê-los como saberes, sim, mas que tem consciência de que há um
programa, conhecimentos, conteúdos, capacidades que é importante levar ao outro; pra que
assuma o seu papel de formador plenamente. A - Você considera relevante para o professor
formador ter experiência docente em sala de aula da escola básica? E13/ EL - Eu tenho certeza
que faz toda diferença, e toda gente que lida comigo na universidade, os alunos sentem
radicalmente essa diferença. As primeiras aulas que dei, os alunos disseram isso: “Finalmente
temos um professor que ensina o que já praticou”. Eu acho que isso é uma enorme mais valia
minha. De fato eu estive muitos anos em vários níveis de ensino, e vim ensinar o ensino da
língua, não para me limitar a partir dessas experiências, mas porque sou capaz de repensar essa
experiência à luz do que vou aprendendo. Mas relativamente aos colegas que nunca tiveram
nesse terreno, é uma diferença enorme. Não se dá pra lecionar uma seja disciplina de Literatura
Contemporânea, Literatura para a Infância e Juventude, sem ensinar a Didática do Ensino da
Língua Portuguesa, pra mim tem sido determinante. Como tem sido determinante lidar com o
imenso professor que trabalha no terreno, e eu lido em imenso, tenho um imenso trabalho com
eles. Eu fui responsável do grupo que era responsável nacional por um programa de formação
de professores das quatro primeiras séries e fui à coordenadora aqui, local desse programa. Fui
formar uma equipe, eu formei formadores que formaram professores. Acabou de sair agora uma
professora que está a fazer o doutoramento comigo, precisamente, porque esteve nesse
programa. Imensa gente a fazer mestrados e doutorados e outras formações porque estiveram
nesse programa e tenho certeza que a relação que eu estabeleço com o terreno é privilégio,
né?Tem a ver com o meu passado de ter sido muitos anos, embora alternadamente, porque fui
professora na universidade, na escola superior de educação e no ensino médio, fui alternando. A
233
não ser, a partir de 2002, estou apenas professora do ensino superior, mas com práticas
pedagógicas como ir ás escolas, como um projeto de doutorado que são todos feitos na prática,
tenho certeza que tem muito a ver com esse passado. Muita gente aqui se ocupa em estudar
representações de professor o que pensam sobre isso, a mim interessa o que fazem e como fazer
melhor. A - Quais disciplinas você leciona? E13/EL - Eu leciono sobre tudo, Didática da Língua
Portuguesa para professores das primeiras séries, das seis primeiras séries e também para
professores do Ensino Médio e também a informação contínua para professores, leciono,
sobretudo Didática, leciono também Seminário de Investigação Educacional, seminários onde se
trabalha as questões da orientação lógica dos projetos de investigação. Sobretudo nessas duas
áreas que tenho trabalhado. Mas também tenho colaborado com colegas de Letras em algumas
disciplinas de linguística e de literatura. Porque eu tenho forte valência do trabalho e do
conhecimento quer de literatura, quer na linguística. Porque na Linguística eu fiz mestrado com
um professor muito conhecido aqui em Portugal que é o Vitor Aguiar e Silva, e depois trabalhei
muita Linguística quer no mestrado, quer no doutorado, quer agora mesmo, eu leio imenso. A -
Eu gostaria que você falasse da importância dessas disciplinas para formação de professor.
E13/EL - A disciplina Didática da Língua Portuguesa na formação dos professores das seis
primeiras séries, pra mim é nuclear é decisiva, é muito pouco dedicado aqui, no nosso currículo,
apenas um semestre e isso é de se lamentar. Mas isso, a decisão não é minha. Portanto, essa
disciplina é a disciplina em que os alunos contactam pela primeira vez com o que é ensinar a
língua nesse nível de ensino, o que é ensinar a leitura, o que é ensinar a escrita, o que é ensinar a
gramática, o que e ensinar a oralidade, não é? É uma disciplina muito importante porque apesar
de atualmente se falar muito em descentralidade do texto e do discurso no trabalho com língua,
acho que o trabalho de conhecer bem e saber desconstruir os textos e os discursos é muito
importante. O mesmo trabalho, também eu faço com gêneros textuais acho muito importante
como trabalho didático. O trabalho de seminários que é o acompanhamento do processo de
elaboração do projeto de investigação e depois sua discussão. Tanto assim, os três pilares com
que eu trabalho. Em termos de investigação, não sei se você quer que eu fale. E13/EL – Em
termos de investigação eu tenho trabalhado mais na Didática da Escrita. Quando eu fiz minha
tese de doutoramento, a escrita era nitidamente algo que não se estudava, não era objeto
ensinável, como, aliás, continua um pouco. Era objeto como eu costumo dizer, que derivava dos
objetos da leitura, da gramática, mas não era objeto tomado em si. Isso preocupou muito e fiz
um trabalho sobre a questão da didática da escrita e deu origem ao livro que está esgotado e
vendeu bastante em Portugal, não é como no Brasil e que chamava “Escrever Didáticas e
Práticas”. E, portanto, depois disso eu tenho trabalhado imenso sobre tudo na investigação,
trabalho mais na questão da produção de texto no ensino básico, portanto, nos nove primeiros
anos. Neste momento coordeno um projeto financiado pela Fundação Ciências e Tecnologia que
é vosso CNPQ ou CAPES, como queira. E esse projeto em que entram vários investigadores e
eu temos oito doutores que trabalham aí. Tentamos justamente trabalhar com diferentes gêneros
textuais, com perspectiva de progressão ao longo do currículo. Ver o que é trabalhar com
gênero, uma história no primeiro ano, na sexta série ou na oitava e, portanto, trabalhamos
bastante. Eu já trabalhava antes no Brasil na linha do interacionismo sociodiscursivo, na linha
de Bronckart, aliás, a Antónia Coutinho é consultora desse meu projeto e o Joaquim Dolz, é
outro consultor e, portanto trabalhamos também juntos na linha de construção de sequência de
ensino, que eu gosto mais de chamar, do que de Didáticas, porque se preocupam sobre tudo,
com o ensino numa lógica de perceber a evolução dos textos. Mas há também uma dimensão da
escrita que acaba de sair daqui. Também, há pouco tempo uma colega acabou de escrever um
livro que é a dimensão do eu, a dimensão pessoal da dimensão da implicação e da motivação da
escrita dos jovens que normalmente não têm sucesso na escrita. Ela fez uma experiência durante
um ano, pedimos uma sabática, fez uma oficina de escrita, com jovens que lhe disseram que
detestavam escrever. E chegaram ao fim. Tanto é que fizeram um livro em conjunto que vai ser
publicado e foi uma experiência verdadeiramente apaixonante. Portanto, cada vez mais eu acho
que mesmo trabalhando numa lógica de sequências de ensino sistemáticas, o que tem que haver
é preocupação com o aluno, com o indivíduo, com a comunidade e com as práticas em que ela
está inserida. Nisso se identificou bastante com o que escreve lá Ângela Kleiman nessa linha
dos projetos de literacia. A – Para você o que é formar um professor? E13/EL – Eu acho que
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você tem que perguntar como vai se formando um professor. Forma-se um profissional e depois
tem que haver um sistema que consegue ir desenvolvendo profissionalmente esse professor, não
é? Eu acho que é ter, o que não se faz atualmente, ter em conta, acho que há uma linha divisória
entre ser ou não professor, que é gostar do que se faz. E atualmente desgosta em mim, é imensa
gente que na gosta do que faze vai ser professor, não gosta, não sabe e não era de todo perfil e
isso é o que cada vez mais está a acontecer. Mas também temos alunos que de fato adoram, mas
exceção. No entanto, formar um professor, é, sobretudo, fazer com que ele, e eu tento fazer isso
nas disciplinas didáticas da Língua Portuguesa em ponto pequenino, com que ele vá
compreendendo a lógica em que a escola funciona com o sistema da tutoria, um pouco a ciência
do que os médicos começam a fazer, indo para o terreno. E vá tendo consciência e capacidade
de reflexão sobre o que se vai passando na prática. Não é propriamente falar do céu pra
professor reflexivo de que toda gente fala, evidentemente que sim, essa dimensão não pode estar
ausente a alguém que vai ser um profissional do ensino, tem que ser reflexivo, no mínimo, mas
acho que era muito benéfico ter um sistema desses da alternância. O que eu acho que é formar
um professor, onde é realmente, num sistema desses da alternância em que o próprio professor
compreende o seu fazer. Onde o professor vai fazer seu trabalho de prática deveria estar na
mesma lógica do trabalho com que nós, o professor orientador da universidade trabalha. Há uma
distância muito grande entre o que eu penso sobre ensinar a língua e o que os currículos pensam
sobre ensinar a língua e entre o que os professores no terreno pensam sobre ensinar a língua. E
então, portanto, eu diria que formar professor nesse contexto, é uma missão utópica. A –
Obrigada.
Entrevista E14/EMD
E14/EMD - É assim, eu começaria por dizer que nesse momento minha ocupação central não é
a formação de professores, mas é grande parte dela. De qualquer maneira, para cumprir o seu
diálogo vou falar devagar por causa da dificuldade de sotaque. A minha formação básica estava
longe de ser orientada naturalmente para ser professor, ou para ser professora sequer. Eu tenho
uma formação quando eu estava no ensino médio minha área foi as Letras, as línguas, porque eu
queria ser tradutora. E então fiz Inglês, Alemão, Francês. Fui para a faculdade de Letras
Universidade de Lisboa, para fazer um curso que havia já nos anos 70, chamado Germânicas e
descobri que não era aquilo que eu estava a espera, e não queria ser tradutora.E, portanto, tinha
errado, e eu comecei a fazer o meu percurso na área do Português, aproveitando as
modificações curriculares que ocorreram nos meados dos anos 70 por ocasião do 25 de abril.
Comecei a fazer disciplinas na área de Literatura e da Linguística do Português, portanto se ia
ser professora então era mais interessante que fossem na área do Português, do que
propriamente na área das línguas e muito menos do Inglês ou do Alemão. Então basicamente eu
tenho duas licenciaturas, uma de língua estrangeira, Inglês e Alemão, não conclui faltam uma. E
depois outra em ensino do português, porque, entretanto eu fiz as minhas disciplinas da área do
Português. Nos anos 80 começam a aparecer cursos já orientados para a área do ensino de
português e eu pedi equivalência e fiz o curso em ensino do português para ter a
profissionalização como professora. Portanto eu comecei como professora, fora um tempo em
que dei aulas particulares e, no entanto dentro do percurso oficial, eu fui professora durante três
anos numa escola de ensino médio ou secundário, né? Pronto. E nesse percurso de ser professor,
que me convidaram para vir dar aqui a didática da língua, eu estava professora de uma escola,
aqui em Braga e convidaram-me para vir integrar a equipe de didática aqui na universidade. Eu
penso que vocês reconhecem, é Metodologia do Ensino de Português. Pronto. E então é aí que
eu começo faço o percurso acadêmico todo, desde começando pelas posições todas estagiárias,
assistente e professora. Depois, fiz aqui o mestrado que era preciso para passar a uma posição
com vínculo à universidade, então já a dar aulas e apoiar na formação de professores de
Português com a disciplina única que era a Metodologia do Ensino do Português e a Orientação
dos Estágios. Nós tínhamos muitos estagiários, que são professores que já tinham feito sua
formação inicial e, são colocados nas escolas pra terminar, agora mudou. E, portanto isso exigia
uma equipe muito grande e, foi assim que me convidaram. E foi assim que entrei não só para
dar a disciplina didática, mas para orientar os estágios, significava que era apoiar professores em
235
formação. Acompanhá-los na suas práticas pedagógicas de estágio ir às escolas ver as aulas
preparar com eles as aulas aqui na universidade, discutir as aulas que eles davam era uma
continuação também da metodologia nessa medida. Faço o mestrado, nessa altura precisamente
sobre a interação verbal na aula de Português, como é que os professores faziam quando os
alunos não respondiam, ou respondiam errado a uma pergunta que eles tivessem feito, qual era o
movimento que ele fazia ali naquele momento, quando faz uma pergunta e o aluno não
responde, ou não sabe, ou responde errado. Portanto, era um misto era um compromisso entre
os estudos linguístico e pedagógico.
A - Cognição?
E14/EMD - Não, cognição não, era só mesmo verbal só análise verbal, que tipo de movimento
verbal, as interrogativas, os enunciados. Muito na sequência da linguistica da fala da Inglaterra
que andavam na altura num movimento da análise do oral, e para a análise do oral a sala de aula
era o lugar por excelência para perceber como é que as pessoas interagiam por meio de
perguntas. E na nossa sala de aula interage-se por meio de perguntas. E então que perguntas são
essas, e também que processos cognitivos é que elas exigem ao aluno, então tinha uma
capitação da pergunta ou do ato de fala, é também muito influenciado pelos atos de fala do
Sarle, o que aquele ato de fala desencadeia. Então essa foi a minha tese de mestrado que, aliás,
foi uma coisa de muito sucesso, foi uma coisa inovadora em Portugal. E depois continuei no
meu percurso a trabalhar, ao contrário de vocês no Brasil, nos temos planos de estudo muito
fixos e muito limitados, nós não temos assim disciplinas pra além daquelas que faz parte de um
semestre do curso. Então continuei a trabalhar com a Metodologia do Português com a
formação e fazer o meu doutoramento. No doutorado mudei um pouco âmbito e continuei na
sala de aula com ensino do português, mas fui analisar aquilo que eu tinha percebido no
mestrado, aquilo que era determinante na sala, o livro didático. Portanto, o que eu analisei, foi,
aliás, o meu contato com a UFMG, tem a ver precisamente com a equipe do livro didático, tem
a ver com Costa Val que e, aliás, em 2006 acompanhei, enquanto coordenadora das equipes do
PNLD. E então foi por essa questão que meu doutorado na área do livro didático, o que fiz foi
analisar os livros um corpus enorme de livros didáticos do oitavo ano, de meninos de 13, 14
anos, que é o quase o fim do ensino básico obrigatório. E então, pronto. Foi essa análise e, foi
então que me deu a conhecer o Brasil. Na verdade o meu primeiro contato com o Brasil foi
porque estava lá o meu livro, na livraria da UFMG. E a professora Graça Paulino, que já foi da
Puc, viu o livro e tinha uma doutoranda que estava precisamente também a trabalhar o livro
didático, a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e depois veio aqui a fazer o seu
sanduiche. Então essas foram basicamente as disciplinas, sempre andei sempre nessa disciplina
na metodologia do ensino do português, enquanto disciplina acadêmica foi essa e depois
tínhamos seminários, onde a gente investia muito era nos Seminários de Orientação, todos
éramos cinco agora somos três tínhamos um grupo grande de estagiários pessoas ainda
estudantes, mas que estavam a fazer o estágio. O meu percurso acompanha muito o
desenvolvimento da universidade e nesse acompanhar há o surgimento dos primeiros cursos de
mestrado. Eu estou aqui desde 85. E, nesses cursos de mestrado há um que é supervisão do
ensino do português, foi criado já há 12 anos, para a formação de professores, em primeiro lugar
para a formação de supervisores daquele que vão, nas escolas, acompanhar o professor. Mas não
só isso, também o próprio professor que se supervisiona que se monitoriza e nós temos aí
pessoas que não querem ser supervisor, e que veem fazer o curso. Isso porque na altura nós não
conseguimos criar um mestrado em didática do ensino do português, não houve condições, não
foi aceito, devido aos problemas complicados dos anos 80, aqui, nas universidades, e então a
solução foi essa da supervisão. E aí temos trabalhando, eu pessoalmente também, com
disciplinas que são ou Metodologia do Ensino do Português, ou Supervisão do Ensino do
Português, ou com Avaliação no Ensino do Português, basicamente andamos sempre com essa
grande questão sobre a metodologia da língua. E, portanto, nessa medida, é claro, que nós
sempre achamos que as disciplinas são poucas pra se fazer um professor. E estamos passando
por uma transformação histórica, que não sei se lhe interessa saber. Há três anos, então nós
tínhamos uma formação integrada, isto é, os alunos entravam no primeiro ano, para ser
professores e levavam 5 anos para ser professores, seja de língua de matemática, etc. E, ao
longo desses cinco anos, eles tinham não só aquilo que nós chamamos especialidade as
236
linguísticas, as literaturas, as línguas estrangeiras. E depois tinham aquilo que chamávamos
disciplinas da educação e nessa medida tinham não só a Didática, a Metodologia do Ensino do
Português, mas tinha, desde essa Didática era no quarto ano, nós só os encontrávamos, os que
estavam em formação do Português, no estágio do quarto ano. Quem os encontrava mais vezes
eram meus colegas que nós chamamos de educação, que é sobre o currículo. A administração e
a sociologia da educação e a psicologia da educação eram indiferentes da área, portanto podia
ter na mesma sala futuros professores de línguas e de matemática. São esses os meus colegas,
eles trabalham alguém que aqui citou que é o com Tardif, ao tratarem o saber não especializado,
e sim do desenvolvimento curricular, indiferente da área, são os núcleos comuns. Porque nós do
ensino de Português, trabalhamos mais com saberes especializados, pois nós também vivemos
aqui. Porque assim só no Aveiro, em Évora e aqui em Braga só nessas três universidades, que
são chamadas Universidades Novas, é que essa minha disciplina de Metodologia do Ensino do
Português, ou o departamento, ou grupo disciplinar da Didática do Português está integrado ao
Instituto da Educação. Elas fazem parte, não sei se viu em Aveiro, fazem parte do departamento
de Letras. Em Lisboa é na faculdade de Letras. E, portanto, isso nos cria problemas. Aqui nós
temos uma grande divisão que é a faculdade de Letras e a Faculdade de Educação, nós
estávamos num lugar que não nos reconheciam nem como da Educação nem Letras, nós
estávamos num limbo. Por exemplo, Tardif não fez parte da minha formação profissional, nossa
orientação é mais para a discussão do que é. A perspectiva Linguística do ensino, as questões
da Literatura e do ensino, afastaram-nos sempre. Não tem a ver com a minha formação a
questão desses teóricos da área que nós chamamos. Nós fizemos uma mudança na formação de
professores do Português. Aqui nós fizemos o grupo de Português ou de Matemática, no meu
departamento temos Didática do Português, ou da matemática, ou das ciências. É o
departamento das Didáticas. Mas os outros departamentos Sociologia da escola,
Desenvolvimento curricular, ou Tecnologia educativa, ou Psicologia da educação, não sabe
muito bem o que os fazemos. Eles são das línguas, por exemplo, no meu caso. E perguntam “aí
tu que és do departamento do Português?” E ainda chegou a ter aqui na universidade alguns
movimentos para nos tirar daqui, e nos pôr nas Letras, como nas universidades clássicas. Mas
foram as universidades Novas que tinham incluído no âmbito daquilo que eles chamavam de
Ciências da Educação, tinham incluído as Didáticas, ou as Metodologias das disciplinas.
Entretanto eu me sinto muito mal, porque minha experiência está no ensino do Português ou da
Literatura e muito pouco do currículo. Nós mudamos não fazemos mais formação de
professores como fazíamos daquela maneira. Nosso relacionamento com a formação de
professores, não é sempre da mesma maneira. Nós estamos ligados à Faculdade de Letras, pois
nós fazemos formação de professores em nível do mestrado em dois anos, isto é, os sujeitos vão
para a Faculdade de Letras onde vão fazer, sem pensar que vão ser professores, vão fazer os
seus cursos de línguas, literaturas e tal. Aí tem algumas opções que podem ser indicadores, que
vou dar agora. Uma opção nesse curso as licenciaturas aqui não são o mesmo que são as
licenciaturas no Brasil. Licenciatura é qualquer sujeito que tenha obtido o primeiro grau da
universidade, vocês têm a licenciatura pra quem vai ser professor, né? Toda gente, o médico, o
arquiteto ou engenheiro é licenciado, e aparece quase sempre o Lic. Como título. Portanto, era
bacharel com três anos e licenciatura com cinco, para nós eram passos. O bacharelado já não
existe há muito tempo. Portanto, nós tínhamos licenciatura em ensino de cinco anos, entretanto
agora eles entram sem pensar no ensino, vão três anos para a faculdade de letras, fazem as
cadeiras que lá tem Português e Línguas Clássicas, Literaturas Lusoafricanas, luso brasileiro,
literaturas línguas europeias. E depois se quiserem ser professores, uma das opções da área da
educação. Uma disciplina que eu vou dar é Perspectivas Atuais da Educação em Línguas, que
eu estou com muita expectativa nessa disciplina, vou dar pela primeira, e vez porque vou
começar a ler Brevnova, da educação em línguas. E agora nesse tempo todos os jovens que se
interessarem pelo ensino, vão se matricular no mestrado em ensino, não importa a licenciatura
que fizeram desde tenham algumas cadeiras em línguas, por exemplo, um engenheiro pode
fazer. O mestrado em ensino é um curso separado da licenciatura, porque não é sequencial. Há
um concurso e nesse semestre vamos dar as disciplinas que serão concentradas em dois anos. Eu
vou continuar a dar a Metodologia do Ensino do Português que é uma cadeira central em termo
de créditos. No nosso caso que interessa a situação é muito mais interessante, porque com a
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licenciatura de cinco anos, nós tínhamos só uma disciplina e agora mudou com esse novo
modelo de três anos. Quem definiu qual a porcentagem de cada área desses cursos é a legislação
do Ministério que diz quanto de cada área deverá ser cada curso. E daí que tínhamos dúvidas em
termos do ensino do Português, agora temos 60 % da área da didática, criamos a disciplina que é
Avaliação e Concepção de Materiais Didáticos, temos no segundo ano uma Observação do
Ensino de Português, mas que já é uma parte do estágio e começamos a ter uma intervenção
maior em termos da especialidade.
E avançando nesses saberes necessários para mim. Bem, eu cada vez concluo mais que os
professores de Português da escola básica e do ensino médio, precisam ter uma grande formação
mais linguística e literária do que educacional. E em termos de uma formação educacional, e
essa formação educacional tem que ser perspectivada em função da língua, e o que acontece é
uma formação teórica do currículo e da sociologia, e nunca olhada do ponto de vista do
professor de português, e o que Vygotsky diz pra mim professor de português, e o quê que
Bakhtin tem dito para o professor de português, ainda não chegou cá. No Brasil vocês só falam
no Bakhtin, que aqui chegou nos anos 70 por via da Teoria da Literatura. E como teoria de
apoio para o estudo da língua agora começa a ser vista, a partir das relações com o Brasil. Nós
não tínhamos como a nossa formação era muito bancária como diria o Paulo Freire, e temos
aqui o currículo, aqui a sociologia, aqui a psicologia, as disciplinas nunca integradas e
preocupadas em saber como é que se aprende uma língua. Ou linguagens, como é que se
aprende. Nossa psicologia da educação nunca foi marcada pelo Vygotsky, pois era muito mais
da psicologia clínica, despachávamos os alunos com uma psicologia dada em ciências. Nós
temos esse problema aqui, nós formamos professores do ensino médio que é um bocadinho
diferente do ensino básico, que era professores de literatura e menos com uma orientação do
significa aprender língua. E, portanto todas essas questões de como é que se aprende da
cognição. E eu me lembro dos meus alunos que leram um texto do professor Eduardo Fleury da
UFMG, que é de ciência, e é ele e mais alguém, não sei se é a Matêncio, que discorre sobre
precisamente sobre as questões de Vygotsky sobre a aprendizagem. Mas é uma novidade a
questão do ensino da língua é dado sempre dado, a partir do ensino do conteúdo do que do
ponto de vista da abordagem. E, entretanto nesse saber necessários, eu senti sempre alguma
limitação e certos movimentos e certos estudos que eu fazia, ou não fazia eram sempre
determinados pela falta desse conhecimento. É claro que eu acho que nós professores
formadores professores de Português deveríamos ter um maior saber sobre as teorias
vygotskyanas, o que não temos por causa da formação com o aspecto sociopsicilógica, o que
não temos, pois nós concentramos no conteúdo. Nesse sentido contribuiu pra minha formação
pessoalmente o trabalhar com supervisão do ensino do português, porque tive que enveredar,
por exemplo, sei lá coisas como Tardif, ou pessoas da área da supervisão, que trabalhavam com
formação de profissionais e que independentemente, Nóvoa, esse autor é trabalhado por colegas
de outras disciplinas, mas uma coisa muito geral e rapidamente íamos passar pro ensino do
português. E eu não acho que tenham bom fruto, os meus alunos que vão ser professores de
português ficam limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a intregação. E o professor de
português é aquele que corrige erros de ortografia e erros de linguagem, o escrever e a falar
bem, e Literatura. E mesmo que olhem para a aula de língua numa perspectiva interativista, a
questão centrada sempre em saber a gramática e saber a literatura. Calcados na escola passada.
Os saberes necessários eu acho que são de fato as questões de relacionados com currículo e com
os métodos da aprendizagem e com o currículo eu tenho pensado na avaliação. Eu tenho
também trabalhado com as avaliações, tenho dado uma disciplina que não chamei pra aqui
chamada avaliação da aprendizagem. Tenho professores de religião, de matemática, de ciências
e acho que este ano havia lá um professor de português, que veem fazer uma especialização de
mestrado de avaliação, e nesse mestrado dava essa disciplina. Isto porque há alguns anos estive
envolvida de várias maneiras, com a avaliação PISA, na análise da língua, e acharam que eu
poderia dar a disciplina. Na verdade eu estava ligada ao ensino da leitura, em particular, como
se ensina a leitura , como é que se ensina a compreensão de texto, que textos se ensinam na
escola. Que depois se alargou e passou a ser ligados à literacia, o que vocês no Brasil falam
letramento, mas aqui não é como vocês trabalham quase como um processo. Aqui trabalhamos
com vistas em saber como é que se constrói pessoas letradas, basicamente, até nem trabalhado
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só com professores tenho trabalhado com adultos, nesse momento estou a fazer um estudo com
adultos que regressam à escola, para perceber que impacto é que impacto produzia aquele
regresso à escola e essa afirmação tem a sua identidade letrada, basicamente ando fazendo
coisas ligadas à Kleiman. Estou trabalhando num projeto de intervenção de letramento fora da
escola. Por exemplo, tenho um projeto no norte do Portugal com jovens que andavam na escola,
pra ver como eles se construíram os meninos e meninas como sujeito letrado, sujeitos que leem
e escrevem com uma aprendizagem específica e que falam também com alguma propriedade.
Mas isso para dizer que fui trabalhar para as avaliações das aprendizagens e verifiquei que tive
que me preparar imenso que um saber que eu não possuía, eu acho que é necessário também a
professor ter, quais as implicações éticas e técnicas da avaliação, nesse sentido tenho interagido
muito com a professora Teresa Esteban da Fluminense, e com quem aprendi muito, além da
Jussara Hofmann, é uma das autoras que fazem parte da minha bibliografia básica. Mas então
essas implicações éticas e técnicas, que eu acho que são importantes na formação do professor.
Aliás, é um trabalho que já fiz também que é avaliar na disciplina de língua. Depois. Bem então
eu não sei muito bem quais são os saberes necessários. Nunca soube, acho que são os saberes de
vários campos, do campo acadêmico, do campo pedagógico, do campo social, do campo da
especialidade, do campo educacional. São necessários admito que o professor formador de
professor de português que só saiba linguística e literatura não consiga ser um bom professor,
porque há toda uma dimensão pessoal que é preciso desenvolver no professor, enquanto
profissional que está implicado nos seus alunos, mas eu nunca desligo de ver, aliás, a minha luta
com os meus colegas é disso ser desligado do professor de Português e, isso tem implicações
diretas. No ano passado os professores começaram a ser avaliados, tivemos muitas greves e
manifestações e passeatas à conta das avaliações dos professores, muitas teses. Pensaram que
com a mudança do Ministro isso ia acabar, mas não. Digo então vamos ver isso nas implicações
com o professor de língua, não conseguem fazer a ponte nenhuma. Por outro lado são muito
críticos da avaliação a si próprios e quando vem o ministério todos os meninos têm que ser
avaliados, eles aplaude, e se formos ver por que é que se aplaude num e não aplaudem noutro.
Então esta minha passagem pela avaliação tem me permitido ver que um saber necessário é
saber como se constrói o discurso, o que significa falar e agir, quando tudo que dizemos é
ideológico a questão da ideologia, a análise do discurso e vamos pra Bakhtin.
Sobre a questão de que o professor se constrói na prática, agora é minha reserva não é
afirmativo, o professor se constrói na prática pro bem e pro mal. Nós formamos os professores
aqui e quando saem desse contexto e vão para o contexto da sala de aula, eles passam a ser outra
pessoa e dizem o que é adequado dizer naquele contexto, e, portanto eles podem ser até alunos
extraordinários, chegando à escola ele passa ao ter outro estatuto, e passa a agir de outra
maneira. E, portanto começa a funcionar e a prática vai. Se a escola tem outra orientação e
esquecem tudo que aprendeu na universidade. Não é assim explícito, mas isso pode parecer
caricatura, mas não é. Agora o professor vai construir, agora, de uma forma mais material e,
portanto mais dolorosa também o seu saber docente. A mim na universidade nunca me
ensinaram como é que eu resolvia o problema de uma aluna que se recusava a falar ou que fala
de uma determinada maneira. Isso ele vai ter que aprender sozinho. Depois se aprende muito as
rotinas e tal, com aquilo que é o corpo da escola em que se está inserido. As escolas não são
todas iguais, e, portanto há escolas em que o professor até potencia os seus saberes e si vai
formando como profissional competentíssimo e há outros contextos em que é só repetir rotinas
que já estão feitas e o professor vai dizer, pra que pensar se a escola faz se assim dessa maneira,
pra que eu vou fazer mais. A minha pesquisa fica assim e a construção da prática faz-se e é
muito variável as formas como ele vai fazendo essa construção precisamente por toda uma série
de instancias sejam ela o liberalismo, seja pessoais. Bem a minha pesquisa pessoal ficou mais
ou menos traçada, eu trabalho muito com a literacias ou dos letramentos sejam eles como se
constroi a identidade letradas, do aluno da universidade porque a Adriana Fischer estava aqui
vendo como é que se constroi a identidade letrada de um aluno do curso de engenharia. Ver o
que ele vai se construindo como leitor do texto de engenharia e produtor de textos de engenharia
ou como é que um jovem ou como um adulto, estou com uma pesquisa com adultos. Mas
continuo a fazer formação de professores na medida em que são as disciplinas que eu dou. E
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tem outra disciplina que se chama Educação e Literacias e pretendo fazer uma ponte e definir
letramento.
O que é formar professores acho que já tá dito, mas eu acho que é dotar os sujeitos pra já de um
grande entusiasmo pelo trabalho com a língua e a linguagem e, sobretudo dotá-los de
competências críticas, e eu diria que essa é mais do que dar-lhes grandes quantidades de
informação, dar-lhes instrumentos para eles perceberem criticamente o que significa tornar uma
prova obrigatória, ou o PCN qual é o significado para si, que é o professor, para os alunos para a
escola e para a sociedade. Formar um professor formar um profissional que não entenda que
pronto. Está formado e que agora é só aplicar, mas que saiba, possuindo essas competências
críticas construir o seu percurso.
A - Obrigada.