conversa com professores formadores de … · língua portuguesa – estudo e ensino. 2....

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE PROFESSORES DE LÍNGUA MATERNA: Um estudo sobre a construção identitária Belo Horizonte 2013

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Page 1: CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE … · Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Professores – Formação. 3. Linguagem. 4. Identidade. ... novos caminhos, para a construção

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Letras

CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE

PROFESSORES DE LÍNGUA MATERNA:

Um estudo sobre a construção identitária

Belo Horizonte

2013

Page 2: CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE … · Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Professores – Formação. 3. Linguagem. 4. Identidade. ... novos caminhos, para a construção

Anita Maria Ferreira da Silva

CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE

PROFESSORES DE LÍNGUA MATERNA:

Um estudo sobre a construção identitária

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Letras da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, como quesito para a obtenção do

título de Doutora em Língua Portuguesa e

Linguística

Orientadora: Jane Quintiliano Guimarães da Silva

Belo Horizonte

2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Silva, Anita Maria Ferreira da

S586c Conversa com professores formadores de professores de língua materna: um

estudo sobre a construção identitária / Anita Maria Ferreira da Silva. Belo

Horizonte, 2013.

239f.: il.

Orientador: Jane Quintiliano Guimarães da Silva

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Professores – Formação. 3.

Linguagem. 4. Identidade. I. Silva, Jane Quintiliano Guimarães da. II. Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.

III. Título.

CDU: 806.90

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Anita Maria Ferreira da Silva

CONVERSA COM PROFESSORES FORMADORES DE PROFESSORES DE

LÍNGUA MATERNA: um estudo sobre a construção identitária.

Tese apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras da

Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como quesito

para a obtenção do título de

Doutora em Língua Portuguesa e

Linguística.

___________________________________________________________________

Profa Dr

a Jane Quintiliano Guimarães Silva (Orientadora) - PUC Minas

___________________________________________________________________

Profa Dr

a Juliana Alves Assis - PUC Minas

___________________________________________________________________

Profa Dr

a Daniela Lopes - PUC Minas

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Adilson Ribeiro de Oliveira - IFMG-Ouro Preto

___________________________________________________________________

Profa Dr

a Ada Magaly Matias Brasileiro- Pitágoras

Belo Horizonte, 09 julho de 2013.

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A todos os homens e mulheres

marginalizados no mundo da

palavra escrita.

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AGRADECIMENTOS

A Deus e a todos os Espíritos iluminados que sempre estão junto a mim.

À Professora Jane Quintiliano Guimarães da Silva, minha orientadora na busca de

novos caminhos, para a construção de saberes, sempre respeitando meu tempo e garantindo

liberdade de escolha.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação da Puc Minas, pela

generosidade em partilhar e (co)construir conhecimentos, em discussões instigantes e

produtivas.

Aos professores portugueses e brasileiros que, num largo gesto de amizade e de

cooperação científica, concederam-me as entrevistas sem os quais este estudo não seria levado

a efeito.

Às secretárias do Programa de Pós-Graduação em Letras da Puc Minas pela presteza e

amizade.

À FAPEMIG pela concessão da bolsa de estudos ao longo dos dois primeiros anos de

treinamento.

À Universidade Federal de Viçosa, especialmente à Suely, à Margarida e à Graziela

secretárias do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa, cujas assessorias foram fundamentais

para a realização desse trabalho.

A todos os colegas professores e funcionários do Colégio de Aplicação da

Universidade Federal de Viçosa, COLUNI/UFV, pelo apoio e incentivo decisivos para a

realização desse trabalho.

A minha família querida, muitas vezes preterida, mas sempre presente, dando-me mais

carinho e atenção do que recebendo.

Aos amigos queridos, especialmente à Silvana, irmã de coração, sempre disposta a me

oferecer seu apoio incondicional e seu sorriso, nos momentos de alegrias e também nos de

aflição.

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Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

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RESUMO

Em um franco exercício de interdisciplinaridade com as disciplinas das Ciências Humanas e

Sociais e as teorias da linguagem, da Enunciação, do Sociointeracionismo, este trabalho de

pesquisa tem por objetivo interpretar os sentidos dos relatos de Professores Formadores de

Professores de Língua Portuguesa sobre seus processos de formação identitária docente.

Buscou-se, nos atos de linguagem, isto é, nos modos de dizer, as categorias de língua que

revelam as estratégias discursivas, usadas pelos interlocutores ao construírem suas

identidades, ao traçarem um perfil dos professores formadores em questão, considerando-se as

interações socioistóricas e culturais desses sujeitos. O corpus desse trabalho é composto por

14 entrevistas, gravadas e transcritas, concedidas por professores formadores, em exercício

nos cursos de Letras, lotados em universidades portuguesas e brasileiras. A metodologia de

pesquisa usada é a qualitativa interpretativa e o recurso técnico a entrevista face a face

semiestruturada, constitui o corpus do trabalho. As entrevistas coletadas no local de trabalho

dos sujeitos, e as análises foram feitas considerando-se os aspectos antropológicos,

socioistórico e cultural na interpretação e análise das informações coletadas. Concluindo,

acredita-se que a identidade profissional não é una, mas, sim, uma construção processual que

se constitui de várias identificações apreendidas, ao longo da trajetória de vida e da carreira

do sujeito, as quais sofrem transformações, decomposições, recomposições, rupturas e

adições. Estas identificações serão mostradas parcialmente, ou não o serão, de acordo com os

interlocutores, o lugar e o momento da interação. Portanto, trata-se de uma identidade plástica

e fluida, que se molda a cada situação discursiva, em que o sujeito ao encontrar o Outro,

deixa entrever sua identidade a partir da interpretação da diferença. O encontro é um jogo da

alteridade que envolve estratégia de captação, legitimidade, credibilidade, e, principalmente

de poder.

Palavras-chave: linguagem; entrevista; identidade; poder; professor formador.

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ABSTRACT

In a exercise of interdisciplinarity in the disciplines of the humanities and social sciences and

theories of language, Enunciation, the Sociointeracionismo, this research aims to interpret the

meanings of the stories Teacher Trainers of Portuguese Language Teachers about their

processes teacher identity formation. Was sought in speech acts, that is, the ways of speaking,

the categories of language that reveal the discursive strategies, used by partners to build their

identities, to chart a profile of teacher educators in question, considering the interactions and

cultural socioistóricas these subjects. The corpus of this study consists of 14 interviews were

taped and transcribed, granted by teachers forming at Letters courses, working in Portuguese

and Brazilian universities. The research methodology used is qualitative interpretative and

technical resource to semi-structured face to face interview. The interviews collected in the

workplace of the subjects, and analyzes were made considering the anthropological aspects,

social historic and cultural interpretation and analysis of information collected. In conclusion,

we believe that professional identity is not one, but rather a construction procedure that is

composed of several identifications seized, along the path of life and career of the subject,

which undergo transformation, decomposition, recomposition, disruption and additions. These

IDs are shown partially, or not to be, according to the interlocutors, the place and time of the

interaction. Therefore, it is plastic and fluid identity, which shapes every discursive situation

in which the subject to find the Other, hints at his identity from the interpretation of the

difference. The meeting is a game of otherness that involves fundraising strategy, legitimacy,

credibility, and especially power.

Keywords: language, interview, identity, power, teacher trainers.

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LISTA DE SIGLAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

CNE Conselho Nacional de Educação

FMI Fundo Monetário Internacional

IFES Instituições Federais de Ensino Superior

LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC Ministério da Educação Cultura e Desporto

PNE Programa Nacional de Ensino

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Programme for

International Student Assessment)

PROUNI Programa Universidade para Todos

PUC Pontifícia Universidade Católica

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

USA United States of America

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ABREVIATURAS

LP Língua Portuguesa

PFPLP Professores Formadores de professores da Língua Portuguesa

PLP Professor de Língua Portuguesa

AD Análise do Discurso

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SUMÁRIO

1 CONTEXTUALIZANDO A PROPOSTA DE PESQUISA:

ALGUNS APONTAMENTOS ............................................................. 12

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES

SOCIOISTÓRICAS E ECONÔMICAS DA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA E A UNIVERSIDADE .................................. 20 2.1 Processo de Bolonha: adesão portuguesa ........................................................... 25

2.2 Processo de Bolonha: parcial adesão brasileira ................................................. 27

2.3 O mundo da academia: espaço de atuação do professor .................................. 30

2.4 A academia: espaço do interdiscurso .................................................................. 37

2.5 A universidade brasileira e a virada do milênio ................................................ 41

3 IDENTIDADE, LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE ...................... 45 3.1 Identidades: um conceito em discussão .............................................................. 46

3.1.1 Identidades profissionais: processo dinâmico de (trans) formação ................. 50

3.2 Linguagem e Enunciação ..................................................................................... 59

3.2.1 Linguagem e o rastro do sujeito discursivo ....................................................... 63

3.2.2 Linguagem: lugar de aparição do sujeito .......................................................... 66

3.2.3 Linguagem e estratégia da identidade discursiva .............................................. 68

3.3 Subjetividade ......................................................................................................... 70

3.3.1 Subjetividade e identidade .................................................................................. 71

3.3.2 Subjetividade e a vitalidade do sujeito ............................................................... 74

3.3.3 Dos sujeitos plurais ............................................................................................. 76

3.3.4 Sujeito e poder dispersos .................................................................................... 77

3.3.5 Sujeitos plurais e a liberdade de escolha ........................................................... 81

4 METODOLOGIA: BUSCA DE UM CAMINHO PARA

REFLETIR SOBRE O OBJETO EM ESTUDO........................08

84 4.1 A entrevista: sua configuração temática e tempo de realização.................. 85

4.2 Procedimento metodológico: entrevista......................................................... 87

4.3 Procedimentos da análise, um ponto de partida: proposição de duas

amplas categorias............................................................................................. 89

4.3.1 O trabalho de análise propriamente dito dos dados.....................................

95

À GUISA DA CONCLUSÃO....................................................... 142

REFERÊNCIAS............................................................................ 147

APÊNDICE................................................................................... 153

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1 - CONTEXTUALIZANDO A PROPOSTA DE PESQUISA: ALGUNS

APONTAMENTOS

A problemática que envolve esta pesquisa recobre a questão da formação identitária do

professor formador de futuros professores de Língua Portuguesa (doravante PLP). O objetivo

central deste estudo é compreender e explicar, com base em relatos de professores

universitários de diferentes instituições de ensino superior do Brasil e de Portugal, a

construção identitária profissional desses sujeitos, tendo em vista o processo de mudança pelo

qual vem passando as universidades brasileiras e portuguesas. E, aqui, remeto particularmente

aos cursos de Letras. Deixo claro que o propósito central deste estudo é ouvi-los, e interpretar

um sentido possível dos relatos tecidos no curso de entrevistas, a fim de compreender como

esses professores universitários constroem suas identidades profissionais, falam desse lugar

da docência e do papel social e como o representam, refletem sobre ele; considerados os

processos de mudança que, direta ou indiretamente, vêm lidando, diante das reformas

político-pedagógicas dos cursos universitários.

Focalizo o professor formador de professor de Língua Portuguesa (doravante PLP)

que, nesse momento histórico de sua atuação profissional na esfera universitária, no contexto

de suas relações de trabalho no ensino superior, em grau maior ou menor, vive as injunções

socioistóricas e políticas e econômicas de uma sociedade dita pós-moderna1, que, no âmbito

da Educação, conforme as políticas mundiais, passa pela transformação de um projeto de

democratização da Educação em seus vários níveis, destaca-se o Ensino Superior, esfera em

foco.

O motivo em desenvolver uma investigação dessa natureza, em que tomo como objeto

de estudo a identidade profissional do professor formador de PLP, nutre-se pelo interesse de

iluminar o outro lado da moeda, no que toca às questões de um profissional que vem sendo

instigado a redimensionar a sua identidade profissional, não o seu papel profissional, ser

professor, mas a repensar sua atuação docente como formador de profissionais docentes. Isto

pensado em razão das novas demandas sociais e políticas de um novo cenário que vem se

fazendo relativamente à formação de futuros professores, que, convém assinalar, não se

restringe à licenciatura de Letras. Considero a ampla produção científica brasileira sobre a

1 Por sociedade pós-moderna, entende-se aqui com base em “A Identidade cultural na Pós-Modernidade”, Stuart

Hall (2003) período da história da humanidade em que está ocorrendo uma crise com a identidade cultural,

onde se verifica uma fragmentação do indivíduo moderno, enfatizando o surgimento de novas identidades,

sujeitas agora ao plano da história, da política, da representação e da diferença, resultando no deslocamento das

estruturas tradicionais, ocorrido nas sociedades modernas e pós-modernas, além do descentramento dos

quadros de referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural.

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formação inicial de professor de língua materna, nos últimos dez anos destacam-se aqui

estudos Assis (2005), Matêncio (2001), Silva (2005), Kleiman (2001, 2004), Signorini (2006).

Verifico, no entanto, que no cenário das investigações nacionais, pouco se tem notícia de

estudos acerca do professor formador de PLP, particularmente, no que diz respeito à sua

formação identitária profissional. Esse dado, conforme se nota, não se registra, igualmente, no

âmbito das produções acadêmicas portuguesas.

É nesse sentido que o foco deste estudo busca contemplar o professor universitário,

sob o viés de sua construção identitária proponho aqui indagar sobre como esse profissional

de PLP reflete sobre o seu papel de professor formador, sobre as suas ações docentes, os

objetos de ensino e de pesquisa. Em especial, desejo saber o que é, para esses docentes

brasileiros e portugueses, formar professores de língua materna, no contexto das

transformações pelas quais passam os cursos de licenciatura, impulsionados pelo que

recomenda as Diretrizes curriculares para os cursos de Letras (2001)2 e a LDB (1996)

relativamente ao ensino superior brasileiro, e, no que se refere ao ensino português, as

recomendações da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei no 46/1986.

Transformações que envolvem o desafio de se promover um ensino superior de

excelência, para todos nas instituições públicas de ensino superior. Acrescentando a isso, a

necessidade de atender às exigências do mercado de empregos, à redução da carga horária dos

cursos e à diminuição dos investimentos do Estado.

Importa sublinhar que o meu olhar se volta para o docente e não para o futuro

professor de Língua Portuguesa, embora eu reconheça do ponto de vista do ensinar e do

apreender, a relação intrincada que há entre esses sujeitos no tocante ao processo da

construção identitária profissional que envolve a cada um deles, ser professor e ser aluno. Ou

seja, lugares/papéis sociais distintos, fazem-se, representam-se inseparáveis e constitutivos,

em termos identitários, na (inter) ação entre o eu e o outro. Na abordagem aqui assumida, que

enfatiza a formação identitária como resultante de interações dos sujeitos em um dado grupo

social, de suas experiências de socialização e sociabilidade, o Outro, nesse processo, é uma

espécie de espelho social, que regula, dimensiona o “sujeito individual” de acordo com

Foucault (1993).

Em suma, busco investigar essa questão, que diz respeito ao momento histórico e

político da atuação do professor universitário em geral, e, especialmente, os do curso de

Letras. Isso porque a expansão e popularização das possibilidades infinitas de redes de

2 Diretrizes curriculares para os cursos de Letras, aprovadas em: 03/04/2001.

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comunicação, em tempo recorde, as produções de conhecimento e seus processos de

circulação têm provocado profundas mudanças na sociedade globalizada (HALL 2005),

impondo, consequentemente, (re) orientações educacionais para os seguimentos Fundamental,

Médio e Superior de ensino, com vistas a construir novos conhecimentos. O cenário que se

esboça aponta mudanças nas narrativas, que exigem mudanças nos modos de dizer os

argumentos, desenha-se um desafio para os cursos universitários de formação de professores

de linguagens.

Nessa perspectiva, uma nova relação de ensino/aprendizagem entre o professor

formador e o futuro PLP se faz necessária, a partir da interpretação pluridisciplinar dos

objetos a conhecer e das novas realidades em emergência, geradas no contexto da pós-

modernidade, de que nos falam Pimenta (2002) e Hall (2005). Especialmente, aquelas ligadas

à produção e circulação de conhecimentos, à identidade, à cultura e ao poder, marcados pela

fluidez e flexibilidade dos limites espaços-temporais e ligados pela globalização dos

interesses socioeconômicos.

No âmbito da educação, no Brasil, promoveram-se, com vistas à regulamentação da

Educação Nacional, profundas mudanças em todos os níveis da educação, com a promulgação

da Lei de Diretrizes e Bases para a educação (LDB), em 1996. Entre as propostas inovadoras

apresentadas, no que se refere ao Curso de Letras, de acordo com Menezes Paiva (2005), o

currículo deixa de ter como foco as disciplinas e passa a ser entendido como todo e qualquer

conjunto de atividades acadêmicas que integralizam um curso e o professor passa a ter duplo

papel já que se espera que ele, além de se responsabilizar pelos conteúdos, tenha a função de

orientador, influindo na “qualidade da formação do aluno.

Em Portugal, as principais mudanças implantadas no ensino assemelham-se às

brasileiras, com a gestão do currículo flexível respeitando e valorizando a diversidade. Porém,

os profissionais, acostumados a uma administração centralizada e a um currículo que

determinava os conteúdos a serem ensinados, sentem enorme dificuldade para se adaptar ao

novo modelo de ensino proposto.

Essa nova proposta implica pensar a formação integral dos alunos e professores com

autonomia requer domínio de variadas competências, conhecimentos, atitudes traduzidos em

ação docente. Enfim as mudanças, especificamente no que se refere ao ensino superior a

LBSE (2005) portuguesa, trouxeram um novo modelo de gestão; crescimento do número de

estudantes neste nível de ensino entre 1988 e 1992; reforço do Ensino Politécnico;

expectativas em relação à formação de recursos humanos e de especialistas.

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Nessa esteira quanto aos conteúdos as diretrizes da educação brasileira enfatizam que

“os estudos linguísticos e literários devem fundar-se na percepção da língua e da literatura

como prática social e como forma mais elaborada das manifestações culturais” e enfatizam

que “no caso das licenciaturas deverão ser incluídos os conteúdos definidos para a educação

básica, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam”. O documento

alerta que

os cursos de licenciatura deverão ser orientados também pelas Diretrizes para

a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em cursos de nível

superior”. [Essas diretrizes foram aprovadas pelo Conselho Nacional de

Educação (CNE), em 18 de fevereiro de 2002. em nível global, a UNESCO,

discutindo a mudança de paradigmas na ação de ensinar e de aprender, em

texto de 2008, lança o projeto] “Padrões de Competência em TICs –

Tecnologias de Informação e Comunicação – para professores”, [com uma

descrição detalhada das habilidades específicas a serem adquiridas pelos

professores, para que eles possam usar a tecnologia de forma efetiva e criar

condições para que os alunos construam novos saberes]. Conforme o

documento, explicita-se que usuários qualificados das tecnologias da

informação, pessoas que buscam, analisam e avaliam a informação;

solucionadores de problemas e tomadores de decisões; usuários criativos e

efetivos de ferramentas de produtividade; comunicadores, colaboradores,

editores e produtores; cidadãos informados, responsáveis e que oferecem

contribuições. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-Lei nº 9.394,

de 20 de dezembro de 1996 (Acesso em: 13/09/2012).

Como consequência da chamada redimensionalização do ensino, observa-se, no

quadro desses discursos, o esboço de uma nova postura de professor, vista por este estudo

como um movimento que envolve a emergência de uma nova identidade profissional, reflexa

das injunções socioistóricas e políticas de um novo tempo.

Em termos socioistóricos e políticos, este estudo opera com o pressuposto de que o

professor, dada a natureza de sua atividade profissional no quadro das relações

socioeconômicas, por meio da sua ação docente, intervém de maneira decisiva na estratégia

global da construção da sociedade, do conhecimento e da economia que, por sua vez fomenta

o conhecimento.

Dessa perspectiva, impõe-se pensar o contexto da universidade como um dos

principais espaços interativos do sujeito professor – um espaço em que ele é construído e, ao

mesmo, tempo um espaço em que ele age como construtor, portanto, onde se realiza seu

processo de co-construção identitária, por meio de sua ação profissional com seus alunos e,

obviamente, com seus pares.

À luz desse contexto, uma das questões que instigou a proposição deste estudo diz

respeito ao impacto que professor formador pode ter sofrido (ou vem sofrendo) no cotidiano

de seu fazer docente e investigativo, considerando-se as orientações ditadas pela política de

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formação de professor, segundo a nova demanda social anunciada pelo neoliberalismo,

conforme nos diz Chauí (2001) que experiência em seu processo de construção identitária os

reflexos das implicações e injunções do contexto contemporâneo.

Assim, busco compreender o processo de construção identitária desses professores, o

que me impõe pensar igualmente sobre os seus gestos de subjetivação, erigidos no discurso,

no caso em questão, atualizado em relatos construídos no curso das entrevistas aqui

analisadas. O material que compõe o corpus deste estudo focaliza, em termos metodológicos,

categorias linguístico-discursivas agenciadas pelos professores no curso da entrevista o que

nos permitem reconhecer e traçar seus posicionamentos identitários. Com esse propósito, este

estudo se inscreve em uma perspectiva dialética, em sintonia com os postulados de Bauman e

de Hall, de Dubar sobre a flexibilidade das identidades, os estudos de Bakhtin e Volochinov

(1929/1992) sobre dialogismo e polifonia, e os estudos de Foucault (1996) sobre práticas

discursivas, o interdiscurso, o poder e a ética.

Para se acercar desse propósito, este estudo tem como objetivo norteador compreender

e interpretar o processo de construção identitária profissional do Professor Formador de PLP,

com base em seus relatos trazidos em situação de entrevista, a partir de marcas linguístico-

enunciativos, por meio das quais se deixa revelar em que medida esse novo cenário

socioistórico reflete na formação identitária desse profissional.

Desse objetivo, propõem-se os objetivos específicos:

- traçar a trajetória acadêmico-profissional do professor formador a fim de identificar o

seu processo de construção identitária;

- identificar e analisar, à luz de relatos coletados, os fatores que motivaram ou

influenciaram a opção pela docência dos professores pesquisados;

- refletir sobre o que mudou na ação didática do professor formador face às reformas

do ensino superior;

- explicar o papel da ação docente na formação do Professor de Língua Portuguesa;

- explicar como o professor formador compreende e orienta sua ação docente para a

formação de professores de LP frente à demanda atual.

A escolha por uma abordagem discursiva dá-se em razão da natureza mesma do

objeto, marcadamente linguageira, e, é claro, do ponto de vista que me proponho a olhá-lo. A

entrevista, que procurei fazer por um estilo que lembre uma conversação, traz em si a marca

do processo da tecedura da relação pesquisador sujeito, "apresenta uma aproximação do outro

em sua condição de sujeito e persegue sua expressão livre e aberta" (GONZÁLEZ REY,

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2003, p. 49), e, de maneira gradativa, possibilita a descontração dos participantes e facilita a

revelação de sentidos subjetivos diferenciados no processo.

Nesses termos, é importante salientar que o olhar de pesquisadora traz as minhas

marcas subjetivas, (singularidade do eu) e coletivas (do grupo), o que singulariza o meu

trabalho de análise, um aspecto considerado relevante pela epistemologia qualitativa, numa

tentativa de produzir conhecimento “acerca da realidade plurideterminada, diferenciada,

irregular, interativa e histórica, que representa a subjetividade humana” (GONZÁLEZ REY,

1999, p. 35). Os estudos sobre a problemática em pauta, no âmbito das produções científicas

brasileiras – teses e dissertações vêm se avolumando a partir dos anos 90 do século XX. Os

trabalhos de André (2004) André et al (2005), organizados na forma do chamado estado da

arte, mostram que a temática, identidade e profissionalização docente emergem de um debate

contemporâneo sobre a formação de professores pelas instituições formadoras no Brasil. Isto

é, um reflexo da relação entre educação e sociedade ou entre educação e Estado, na medida

em que remete à questão da transformação social e da luta pela construção da democracia.

Minha proposta de estudo insere-se nesse universo de reflexão. Mas, como se

anunciou acima, ela ganha novos contornos por tomar como objeto de estudo o processo de

formação identitária dos professores do segmento superior, docentes do curso de Letras,

sujeitos responsáveis pela formação inicial dos professores de Língua Portuguesa.

Busco, portanto, compreender o processo identitário do docente considerando sua

trajetória social, fonte de construção de conhecimentos, mediados pela linguagem. E, por

meio dela interpretar os possíveis sentidos dos ditos e dos não ditos, revelados pelos

entrevistados, num cuidadoso exercício de captação dos gestos das individualidades que

constituem as regularidades coletivas que compõem um mapa maior, nosso alvo.

O caráter plural dessa pesquisa revelou-me a inexistência de uma bibliografia básica a

que pudesse recorrer, especialmente, no que se refere ao conjunto de categorias que servissem

a minha investigação. Para tanto, desenvolvi um método de levantamento bibliográfico em

que foram cruzadas teorias diversas, provendo intersecções valiosas, justificadas pela natureza

do meu objeto de estudos e pela complexidade e pluralidade da metodologia. Devido a isso, a

cada passo da investigação, o objeto exigiu que a metodologia fosse reajustada, mediante as

descobertas proporcionadas pelo estudo do ser humano em questão.

Dada a natureza do objeto e os objetivos deste estudo, para a construção de seu quadro

teórico-metodológico recorro às contribuições advindas dos seguintes campos e/ou áreas

disciplinares: Análise do Discurso, auxiliada pela Sociologia, Antropologia, a partir dos

estudos de Hall (2003), ao tratar da identidade cultural na pós-modernidade; de Bauman

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(2005), a identidade e a modernidade-líquida; de Bakhtin (1920), o dialogismo; de Foucault

(1975, 1997, 1999), o discurso, o poder e subjetividade; de Charvel (1990), a história das

disciplinas escolares; de Silva Tadeu (1999), a identidade e o currículo crítico e pós-crítico; de

Eckert-Hoff (2008), o professor em formação e da escrita de si; de Tardiff (2002), o saber

docente; Nóvoa (1999) trata da profissão professor e os dilemas atuais da profissão; Pimenta

(2002) e Chauí (1998), a construção da identidade do docente no ensino superior; Gonzalez

Rey (2003) ao tratar do sujeito e da subjetividade; Neubern (2002) sujeito e emoções;

Goergen (2010) educação superior e perspectivas PNE; Charaudeau (2009) identidade

discursiva; e Zimmerman (1998), a identidade discursiva, dentre outros.

O caráter sociointeracional e discursivo que desejo imprimir à investigação permitiu-

me estabelecer um diálogo entre tais estudiosos. Num contínuo processo de articulações e

trocas de contribuições teóricas, na busca de uma metodologia que contribuísse para unir,

numa relação harmônica, os conceitos de sujeito e de objeto, ou seja, aquele que constroi o

mundo e, ao mesmo tempo, por ele é construído. Considerando-se sua inserção no seu mundo,

suas histórias e a importância delas para a formação de sua identidade.

O estudo da subjetividade não possui, ainda, uma teoria que me permita estudá-la em

sua totalidade, em virtude das suas inúmeras indefinições e por seu caráter subjetivo

propriamente dito. Todavia, foi exatamente nas subjetividades do sujeito reveladas pelas

histórias orais dos professores entrevistados, que pude flagrar traços de identificação, as quais

me permitiram alcançar o objetivo desse trabalho. Esse resgate foi embasado num

conhecimento construído, a partir da relação dialética entre o que é objetivo e o subjetivo

envolvendo os aspectos individuais e coletivos.

Em outras palavras, estes cruzamentos compõem estruturas teóricas que me levaram a

construir conhecimentos de grande valia, para compreender o professor universitário como

um sujeito discursivo e sua ação, considerando seu caráter dispersivo, seu contexto de ação,

sua história, sua cultura, suas emoções, seus motivos e projetos.

Espero que os resultados apresentados contribuam para o desenvolvimento de novas

investigações sobre a problemática em pauta, provocando reflexões sobre o aperfeiçoamento

dos projetos pedagógico dos cursos de licenciatura em Língua Portuguesa, a partir da

compreensão do processo de construção identitária do professor formador de PLP como

sujeito/objeto e de sua função social, na conjuntura sistêmica de construção de

conhecimentos.

Todavia, sem perder de vista a relevância da relação entre o mundo externo e o interno

da academia, espaço do interdiscurso, assim pensada, por apresentar como ponto de mediação

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o ser humano, origem e destino de toda herança dos saberes produzidos, o desenho do perfil

identitário do professor formador de PLP resulta do meu olhar atento, como analista.

Assim, flagrei do discurso do professor formador aspectos subjetivos e informações

sobre sua prática docente e sobre a sua formação profissional, reveladas por meio das diversas

marcas linguísticas, identificadas nas narrativas ao longo das entrevistas.

Para melhor compreensão das escolhas teóricas, do percurso da pesquisa, da análise e

dos resultados, dividi este relatório de tese em cinco capítulos, a saber:

No capítulo 1 apresento a proposta, os objetivos, a natureza do objeto e o referencial

teórico em que se baseia o desenvolvimento da investigação; no capítulo 2, contextualizo a

proposta de estudos, diante das reformas do ensino superior brasileiro e português,

considerando as injunções socioistóricas e econômicas da pós-modernidade; no capítulo 3,

identifico os conceitos-chave que norteiam o estudo, discutindo as interrelações existentes

entre eles e a proposta de trabalho; já no capítulo 4, justifico a opção da metodologia

qualitativa e da técnica de entrevista, e descreve-se o processo de análise e de interpretação

dos dados coletados; por fim, no capítulo 5 apresento reflexões sobre a interpretação dos

resultados, as interrelações com o processo de construção de saberes e as implicações desses

com processo de formação de PLP.

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2 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES

SOCIOISTÓRICAS E ECONÔMICAS DA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA E A UNIVERSIDADE

Entendo como necessário, neste momento do estudo, focalizar, ainda que

panoramicamente, as condições socioistóricas e econômicas da sociedade contemporânea, por

elas se refletirem nas práticas sociais engendradas nas instituições de ensino superior. E, nessa

medida, seguindo de perto uma abordagem sociodiscursiva, pressuponho que este fato

afigura-se importante dado que se reflete na construção identitária dos sujeitos sociais, no

caso deste estudo, na identidade profissional do professor formador de PLP.

Começo por dizer que a realidade socioeconômica do planeta, sob a batuta do

neoliberalismo, implica avanços das ciências e tecnologias, da cultura e do conhecimento. Por

conseguinte, promove-se um deslocamento dos objetivos da educação superior, que passa a

ser responsável pela elaboração de tecnologias estratégicas para o sistema econômico, em

detrimento da produção de conhecimento como um bem público, de acordo com Silva Junior

(2005).

As formas tradicionais de se conceber o conhecimento sobre os homens, o universo e

o estabelecimento da verdade absoluta estão sendo reavaliadas e novas possibilidades surgem

a todo instante, num dinâmico e acelerado processo de interações, onde ensinar e aprender o

certo e o errado (con)fundem-se, ao mesmo tempo em que fundam novas incertezas e

conhecimentos provisórios, como anunciam, por exemplo, Prigogine (1996) e Bauman

(2005).

A sociedade encontra-se imersa nesse contexto, que lhe impõe novos comportamentos,

linguagens, subjetividades, identidades, credos, emoções, valores estéticos, éticos, moral, e

agita-se frente a gama de novas possibilidades de opções que se apresentam. A universidade,

por sua vez, como instituição social reflete e refrata essa situação social, e vivencia uma

profunda mudança de paradigmas no processo de ensino /aprendizagem, de valores e

conceitos que perpassam todos os seguimentos da universidade. Urge para essa sociedade

uma “reforma de pensamento”, voltada para a contextualização, para a interação e para a

interdisciplinarização, a que Morin chamou pensamento sistêmico, “que respeite a diversidade

e, ao mesmo tempo, a unidade, um pensamento organizador concebem a relação recíproca

entre todas as partes” (MORIN 2005, p. 23). E em concordância com o qual, trago minha

discussão sobre a identidade profissional do sujeito docente universitário.

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Creio que esta situação leva-nos, profissionais do ensino, a uma profunda reflexão

sobre os rumos que desejamos para essa sociedade e, em particular, estabelecer quais deverão

ser os objetivos da universidade de que necessitamos. É necessário escolher se queremos

viver numa sociedade, pensada de maneira sistêmica, onde se busca envolver tanto as

necessidades existenciais, como as materiais, que se originam nos desejos humanos solidários,

materializados na produção de conhecimento. Ou se queremos viver numa sociedade, onde

fortes correntes da globalização ditam os rumos da sociedade economicista, do livre

comércio, da competitividade, das comunicações abertas, das desregulações, onde as

atividades acadêmicas visam à aplicabilidade, utilidade e o valor mercadológico. Esta última

opção, aparentemente, conforme tem sido veiculado pela mídia, não atende às demandas da

sociedade atual, conforme nos convida a pensar Goergen (2010).

Não obstante, nesse contexto socioistórico, o conhecimento de si e do outro implica a

busca de uma convivência tolerante e consciente das forças opostas reguladoras, bem como

das forças dos micropoderes ou de dominação, presentes em todas as relações sociais, “por

dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um

grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que se podem exercer na

sociedade” (FOUCAULT, 1979, p. 181-2).

Dessa perspectiva, penso que se exige, portanto, uma nova forma de concepção do

homem e de suas relações com o conhecimento, com o conhecimento de si, com o

conhecimento do mundo e de ambos entre si. Isso, transpondo para a esfera universitária, para

as relações sociais nela inscritas, implica um novo pensamento sobre o papel social da

universidade como formadora de profissionais conscientes da importância de sua ação, nessa

rede de relações produtoras de conhecimentos, com vistas a construção e ao desenvolvimento

de saberes para a construção autônoma de aprendizagem e de formação democrática, que

envolve as dimensões técnico-profissional e a cidadã.

Interpelados por essa conjuntura em que as mudanças socioeconômicas implicam

transformações sociais e, por conseguinte, educacionais; o professor inquieta-se, e, ao refletir

sobre si e se percebe como mais um ator em conflito com as verdades até então imutáveis;

como sua identidade fixa, histórica e linearmente construída e sua prática docente tradicional

que lhe conferia distinção. Agora, como discutirei mais adiante no Capítulo 3, diz-se que a

identidade afigura-se líquida, inclusive a profissional, que a verdade é passível de revisão, ao

mesmo tempo, em que, o professor formador revê todos esses conceitos apreendidos ao longo

de sua formação técnico-acadêmica, já se é convocado a estabelecer novas práticas, enquanto

(re)-forma e forma a si mesmo.

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Em meio a tudo isso, um novo modo de pensar a educação vem sendo disseminado

nos países em desenvolvimento, através da instauração de um pacto educacional, cujas

organizações e estratégias seguem as exigências do livre mercado, com vistas a satisfazer seus

objetivos de geração de riquezas, como discutem Chauí & Pimenta (2002).

No âmbito desse cenário, destacam-se Portugal e Brasil, ambos, nesses últimos tempos

vêm se descobrindo mutuamente, o segundo devido à sua projeção internacional, acredita na

solidificação de sua cultura nacional. Em virtude disto, é redescoberto pelos portugueses, que

passou apreciar expressões linguísticas, as telenovelas, os romances, a poesia, a comida e as

formas de tratamento brasileiro. Tudo isso facilitado pelo fato de ambos os países integrarem

o bloco das nações que falam a Língua Portuguesa, um contingente de 272,9 milhões de

falantes, distribuídos entre nove países, ressaltando a posição, do primeiro, como único

falante na Europa3, e o segundo, como único falante nas Américas. Ambos os fatos remetem à

formação de um interessante grupo consumidor que, devido a unidade da língua portuguesa,

isso ocupa lugar de destaque, nas planilhas das empresas comerciais, como consumidores de

informações veiculadas pela televisão, imprensa, internet, de arte, de turismo, de telefonia, de

diversão, de bens de consumo, etc.

Sob esse viés, ocupando-se a posição de liderança nesse grupo, os dois países buscam

fortalecer-se frente aos demais, aproximando-se, tanto no campo da construção de

conhecimentos, com os programas de intercâmbios de estudantes, como no campo das trocas

comerciais e políticas. Estreitando as relações políticas internacionais de Brasil e Portugal

com os demais países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Mais relevante, ainda, é o crescente interesse das autoridades educacionais

portuguesas e brasileiras em adaptar os modelos de educação superior e de pós-graduação ao

modelo estabelecido pelo Tratado de Bolonha de 2010, de acordo com Lima (2008). Uma

ação político educacional, justificada pelo desejo de internacionalização da educação,

aparentemente, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico de ambos os países.

Isto é, sob novas bases de interesses comuns, os dois países aproximam-se para, então, terem

voz e assento nesse novo espaço interativo, o mundo da economia globalizada.

Tomando essa conjuntura socioistórica, como pano de fundo, é que esta pesquisa

busca compreender o processo de formação identitária dos professores formadores de PLP

brasileiros e portugueses. O foco desse trabalho investigativo incide sobre o professor

formador de PLP. Ressalto que o mote que justifica esta escolha se explica pelo fato de que a

3 Dado foi fornecido pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa.

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história dos sistemas educacionais, dos dois países, é marcada por reformas universitárias que

dialogam entre si, no que se refere às questões socioeconômicas que desencadearam tais

mudanças.

Aponto a situação conjuntural do neoliberalismo que, resguardando as diferenças

socioistóricas, levou os dois países a buscar uma solução rápida para sanar as diferenças de

produção de saberes de suas universidades, se comparados com as grandes universidades dos

países ricos e desenvolvidos como Alemanha, França, Inglaterra, USA e Japão. Como

alternativa, buscam as reformas para poderem participar da ciranda da obtenção de vantagens

com a internacionalização e intercambio de saberes, estimulando a competitividade.

No caso específico do Brasil, existe a adoção do modelo para a criação da

Universidade Nova com o objetivo de aumentar do número de estudantes e reduzir a duração

dos cursos. Considerando-se que, em Portugal, essa reforma do ensino superior foi implantada

antes de o ser no Brasil, um estudo em que seja feito um cotejamento entre as duas situações,

faz-se promissor no que se refere aos propósitos desse trabalho.

Ciente disso, elenco alguns pontos que revelam em larga medida, uma possível relação

de contato entre tais países, no sentido de identificar e comparar a construção identirária do

professor formador de PLP, no seio das injunções impostas pelas demandas pela globalização

e pelo desenho de uma nova universidade.

Alguns desses pontos envolvem a busca da eliminação das taxas de analfabetismo

ainda existentes, a adaptação e/ou construção de um novo modelo de educação superior, a

começar por considerar como importantes marcos democráticos as leis que garantiram a

escolaridade de qualidade e gratuita a todos os cidadãos, a democratização do ensino superior,

que, ainda em processo, trouxe para a universidade novos públicos no que toca a discentes; a

rediscussão de novos paradigmas na produção e socialização de conhecimentos, e ao perfil

identitário do professor universitário.

No caso deste estudo, o foco dirige-se para o professor formador de professores, cuja

formação aqui “não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas),

mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção

permanente de uma identidade pessoa” (NÓVOA, 1999, p. 57). O professor deixa de ser um

transmissor de conhecimentos, para se ver, nesse contexto, como professor que produz

conhecimento, mediado pela pesquisa, que deixa de ser um detentor de saberes, para se fazer

como aquele, junto aos alunos, co-constroi saberes, pois o aprendizado decorre das interações,

ou seja, “das relações que se criam nas ações acompanhadas de reflexões sobre seus

resultados e produção de significados” (ALMEIDA, 2003, p. 206).

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Esses conceitos são amplamente difundidos em documentos referências, de ambos os

países, por exemplos, as diretrizes da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE, 2005), em

Portugal, e a Lei de Diretrizes e Base de 1968, no que se refere ao ensino superior no Brasil.

Esses estudos projetam, a despeito das particularidades de cada uma das noções, um professor

formador com um perfil identitário, que reflete as demandas do cenário das nações ditas

globalizadas.

Para deixar essas considerações mais bem contextualizadas, seja em relação às

especificidades educacionais do ensino superior dos países em foco seja em relação às

demandas das chamadas sociedades globalizadas, na seção abaixo, abro uma discussão que

intenta acercar-se do que se propõe. Nesse sentido focalizo primeiramente o Brasil,

relativamente, à reforma educacional ditada pela LDB/1961.

A reforma universitária, em 1968, foi a grande LDB do ensino superior, assegurando

autonomia didático-científica, disciplinar administrativa e financeira às universidades. A

reforma representou um avanço na educação superior brasileira, ao instituir um modelo

organizacional único para as universidades públicas e privadas. A partir dos anos de 1990,

com vista a preparação para o início de um diálogo com Processo de Bolonha, algumas

mudanças significativas foram efetuadas no quadro da legislação do ensino superior

brasileiro.

Um novo sistema educacional lança o país no desafio de “transforma-se e participar

tanto da transformação da realidade local e nacional, quanto de conectar-se às tendências

internacionais de mundialização nos campos da pesquisa, tecnologia e formação profissional”

(GOERGEN, 2010, p. 2).

Diante de tamanho desafio, é fundamental que todos tenham consciência política das

implicações dessa mudança e do papel do docente nesse contexto, é necessário “determinação

dos gestores, dos docentes, alunos e responsáveis pelas políticas públicas do setor, para, de

um lado, resistir às exigências do neoliberalismo economicista e, de outro, promover a

integração internacional” (GOERGEN, 2010, p. 2).

A questão neoliberalista expande-se em todas as direções, a economia de livre

mercado instiga os países a se aliarem a outros, formando grupos comerciais que se

assemelham nas mais diversas maneiras, para atuarem como parceiros comerciais de

diferentes frentes no comércio exterior. Os países emergentes querem fazer parte desse

contexto, no entanto, é imprescindível que tenham sistemas educacionais de qualidade que

produzam conhecimentos e conhecedores para atuarem nessas frentes de competitividade. E,

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assim, lançam-se nessa grande empreitada de reformas educacionais, que trazem consigo toda

sorte de consequências, em especial, para as gerações vindouras.

2.1- Processo de Bolonha: adesão portuguesa

A adesão de Portugal ao Processo de Bolonha tem provocado profundas mudanças no

sistema educacional do país. Trata-se de um processo político e de reformas institucionais

resultantes do projeto educacional supranacional, comum aos estados que constituem a União

Europeia, com vista a um espaço europeu de educação superior “política pública de um meta-

Estado para um meta-campo universitário” (AZEVEDO, 2006, p. 173), que não deixa dúvidas

sobre “sua opção pelo princípio da competitividade em termos não só de emulação, de

eficiência e de financiamento, mas também de lógica mercantil” [...] referente “à educação

superior e a economia de conhecimentos” (LIMA, 2008, p. 13).

Os principais questionamentos a respeito do processo, devido à sua enorme

abrangência, por um lado, dirigem-se à garantia de qualidade, custos e benefícios trazidos por

essa iniciativa, por outro lado, dirigem-se às exigências da competitividade e de avaliação.

Embora, teoricamente, tenha um formato humanista-economicista, passa a ter feições

positivistas ao assimilar os contornos de mercado. A regulação, acreditação e avaliação e das

instituições de ensino superior deixam de ser efetuada pelos atores envolvidos diretamente no

processo, passando às mãos de agências externas, num exercício de estimulação da lógica

competitiva.

O modelo de Bolonha propõe, entre outras coisas, um novo gerenciamento com novos

objetivos de produção de conhecimentos estranhos à universidade portuguesa, considerada

uma instituição universitária que “configura-se como uma instituição multissecular,

aparentemente objeto de generalização em termos organizacionais, evidenciando importantes

elementos invariante do ponto de vista morfológico processual” (LIMA, 2008, p. 8). “A

autonomia institucional e a liberdade acadêmica tendem, agora, a ser reconceituadas como

técnica de gestão, subordinada a um novo paradigma de educação, centrada na comparação

entre produtos” (LIMA, 2008, p. 8).

Assim, em Portugal, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei no 46/1986, de

14 de outubro, estabeleceu as grandes metas para a Educação regular, bem como para a

Educação Especial, criando condições de enquadramento das políticas de inserção. No que se

refere ao ensino superior, em 2000, desenvolveu-se o Projeto de Lei no 22, inciso VIII, que

versava sobre a organização e ordenamento do ensino superior que, após sofrer modificações,

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foi aprovado em 2005. Esse projeto apresentava como justificativa a necessidade de se

proceder à reorganização da rede de estabelecimentos e de cursos de ensino superior e de

clarificar a diferente natureza dos subsistemas universitários e politécnicos (Lei no 26, de 23

de agosto de 2000).

Os primeiros passos para a reforma do sistema de ensino superior, em Portugal, foram

dados com a introdução de um novo sistema de créditos para ciclos de estudo, mecanismos de

mobilidade, suplemento ao diploma, entre outros. Enfim, foram efetuadas alterações à Lei de

Bases do Sistema Educativo de modo a implementar o Processo de Bolonha, de acordo com

informações do Diretório Geral do Ensino Superior do Ministério das Ciências Tecnologia e

Ensino Superior.

A entrada de Portugal, como país membro da União Europeia, foi a resposta às

necessidades imediatas da modernização, à abertura de sua sociedade, à sua democratização e

reinserção na economia mundial. Trata-se de um desafio irrecusável, mas muito exigente para

a economia e para a sociedade portuguesa. De acordo com Lima (2008), a reforma exige uma

reorganização pedagógica profunda e demanda aporte financeiro significativo. Objetivando

atender à essas necessidade, cortes orçamentários têm sido feitos como redução de encargos

do Estado, diminuição do quadro de docentes e funcionários, além de redução de duração de

cursos, isso que poderá levar ao comprometimento dos resultados previstos e desejados.

Considerando-se a tradição e a história do ensino superior em Portugal e no Brasil,

aparentemente, a universidade portuguesa, sofre mais o impacto dessas mudanças do que a

brasileira, pois

Configura-se como uma instância cultural multissecular, aparentemente

objeto de generalização em termos organizacionais, evidenciando importan-

tes elementos invariantes do ponto de vista morfológico e processual [...]

mantiveram inúmeros elementos próprios de natureza nacional ou religiosa,

cultural, econômica, das quais resultaram distintos modelos, diferentes rela-

ções com o Estado e a administração pública, estatutos jurídicos variados,

projetos educativos e culturais, e ainda formas de organização dos estudos,

consideravelmente plurais (LIMA, 2008, p. 8).

Por sua vez, a universidade brasileira, cuja historicidade é bem recente e está ligada

aos modelos estrangeiros, como o americano capitalista, onde impera a mercantilização da

produção de conhecimentos, conforme afirma Lima (2008)

a reforma universitária de 1968 no Brasil, por exemplo, durante o regime

militar, sofreu influência do modelo departamental da universidade norte-

americana. Nos anos 90, por sua vez, as reformas do estado e da educação

superior tiveram por referencial teórico o liberalismo ortodoxo emulado pelo

Banco Mundial. Já no início do século XXI, qualquer movimento de reforma

universitária que se pretende implantar no mundo, entre outras inspirações e

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referencias, obriga-se a fazer menção ao Processo de Bolonha que, conforme

foi apresentado anteriormente, é uma meta-política pública, de um meta-

Estado, iniciada em 1999, de construção de um espaço de educação superior

na Europa, cujo objetivo essencial é o ganho de competitividade do Sistema

Europeu de Ensino Superior frente a países e blocos econômicos (LIMA,

2008, p. 21).

O autor afirma ainda que, embora as a mudanças sejam necessárias, é vital que ela não

se sucumba ao imediatismo de mercado, mas, sim, que seja compatível com o projeto

soberano e sustentável dos países emergentes, considerando-se suas carências e potencia-

lidades.

2.2 - Processo de Bolonha: parcial adesão brasileira

A adesão do Brasil ao Processo de Bolonha, hoje, é uma transformação em curso,

diferentemente, do que ocorre em Portugal, onde já se apresenta como um fato consumado.

Isto, entre outros fatores, deve-se às diferenças históricas da criação das universidades aqui e

lá, além dos diferentes graus de urgência socioeconômica envolvidos.

No que se refere à orientação para implantação de um novo sistema educacional nos

dois países, identifica-se uma semelhança com a criação de uma lei mais democratizante para

a educação, e, atualmente, essa semelhança tornou-se ainda mais acentuada, ao tratar da

questão da educação superior, fato que justifica a escolha desses dois países, aliado ao fator de

serem países de língua portuguesa.

Particularmente no Brasil, a discussão sobre reforma universitária coincide com a

discussão do projeto de um novo país, iniciado no governo de Fernando Henrique, quando a

palavra de ordem era a priorização do livre mercado, e, esse “novo contexto global exige uma

total reinvenção do projeto nacional sem a qual não haverá reinvenção da universidade”

(SOUZA SANTOS, 2004, p. 47-49).

No Brasil, essa mudança teve início com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB/1961), quando os órgãos estaduais e municipais ganharam mais autonomia,

diminuindo a centralização do nome completo Ministério de Educação Cultura (MEC). Essa

lei, tomada como orientadora dos rumos da educação básica brasileira sofreu várias

modificações como, em 1971, o ensino passa a ser obrigatório dos sete aos 14 anos e prevê um

currículo comum para o ensino básico e médio, além de uma parte diversificada em função

das diferenças regionais. Mais tarde sofreu nova modificação, em 1996, trouxe a inclusão da

educação infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da educação básica, e

posteriormente a obrigatoriedade do ensino médio.

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Embora exista no Brasil uma lei que regulamente o ensino superior, a LDB, são muitas

as medidas provisórias e resoluções ministeriais e do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Juntas vão compondo uma espécie de mosaico de diretrizes a serem seguidas e isso dificulta a

compreensão de todo o processo de reforma universitária em curso.

A reforma universitária, em 1968, foi a grande LDB do ensino superior, assegurando

autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira às universidades. A

reforma representou um avanço na educação superior brasileira, ao instituir um modelo

organizacional único, para as universidades públicas e privadas sob influência do modelo

departamental da universidade norte-americana.

No Brasil a demanda de mudanças desencadeada pela competitividade da

globalização, teve início nos anos 90 do sec. XX, quando a Reforma do Estado influenciou

também a reforma do sistema da educação superior avalizado pelo Banco Mundial. Essa

proposta que mais tarde veio a ser ratificada e expandida nos dois mandatos do Presidente

Lula, hoje, sofre ajustes com forte direcionamento para a criação das chamadas Universidades

Novas, tentando-se criar um misto do Modelo Norte-americano com o Modelo da União

Europeia.

A partir desse propósito, com vistas à preparação para o início de um diálogo com

Processo de Bolonha, algumas mudanças significativas foram efetuadas no quadro da

legislação do ensino superior brasileiro.

Dando continuidade ao projeto de reforma do ensino, iniciada anteriormente, no

governo de Lula, como o Programa Universidade para Todos (PROUNI), foi instituído pela

Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004 e institucionalizado pela Lei n

o 11.096,

de 13 de janeiro de 2005. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (REUNI), foi instituído pelo Decreto no 6.096, de 24 de abril de

2007/9. Dentre as várias exigências das organizações avaliativas do novo modelo orientador

do sistema educacional, está a sugestão da inscrição no PISA é

uma avaliação trianual promovida pela Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) que avalia estudantes de 15 anos de

idade em habilidades de leitura, matemática e ciências. A primeira avaliação

foi realizada em 2000, focalizando a leitura, a segunda em 2003, para

matemática e a terceira em 2006, em ciências. Além dos países pertencentes a

OCDE, o PISA é realizado em países que aderem ao exame, denominados

parceiros, nos quais o Brasil se inclui (VIEIRA, 2008, p. 29).

Nas últimas décadas, o Brasil foi alçado à posição de destaque, no campo econômico

mundial, em busca de se manter na posição atual e quiçá galgar outras mais nessa corrida

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globalizada, o governo brasileiro cede às exigências dessa ordem socioeconômica, e,

reconhece a urgente demanda de melhorias no seu sistema de educação, ou seja, nos seus

níveis básico, médio e superior, como ponto de partida para seu desenvolvimento

socioeconômico.

Para tanto, as autoridades governamentais reafirmaram antigas parcerias e

estabeleceram outras novas, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, o

Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), por meio do Ministério de

Educação Cultura e Desporto (MEC), e, em comum acordo, resolveram deixar por conta do

Estado a educação básica e entregar ao mercado a educação superior. Este seguimento vem

recebendo significativos investimentos para o desenvolvimento de ciência e da tecnologia,

promovendo a expansão e criação de cursos e de novas universidades federais, estimulando a

concorrência entre as mesmas, a partir do programa de reforma e o reordenamento das IFES,

de acordo com Lima (2008).

O Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (REUNI), ao mesmo tempo em que promove a revisão dos projetos pedagógicos e de

acesso à universidade, estabelece mudanças significativas no modelo da estrutura acadêmica

superior, aproximando-se de modelos estabelecidos pelos Parâmetros de Bolonha, como por

exemplo, o projeto de criação da Universidade Nova. Trata-se de iniciativas que começaram a

ser implantadas nos anos de 1990, e que tiveram prosseguimento nos governos seguintes,

quando receberam maior aporte financeiro, resultando no quadro atual de organização

administrativo/pedagógico.

O novo ensino superior, a expansão de vagas e, em especial, o novo desenho

organizacional das licenciaturas, constituem um empreendimento de grande envergadura.

Devido a isso, a grande preocupação dos estudiosos do assunto, recai sobre o desafio de

conciliar os esforços para a efetivação da expansão universitária com a garantia da

manutenção da qualidade do ensino oferecido. No que se refere à aferição de resultados,

exige-se um sistema de avaliações inovador e eficiente, ainda não totalmente instaurado no

Brasil, ao contrário do que já acontece em Portugal.

A rapidez e abrangência dessas transformações apontam para um deslocamento da

identidade do professor. E, de acordo com as representações sociais o professor, nesse

processo, é um dos principais protagonistas como agente das mudanças, bem como, co-

responsável pelos resultados apresentados.

Nesse caso específico de transformação dos sistemas educacionais da educação

superior tanto em Portugal como no Brasil, há elementos que se assemelham no que se refere

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à exigência de uma reorientação administrativo e pedagógica, a partir de uma demanda poli

tico econômica globalizante. Além disso, ambos se servirem, de maneira voluntária e com

maior ou menor adesão, de um mesmo modelo de política educacional supranacional, que é o

Processo de Bolonha.

Por conseguinte, em ambos os países observa-se como resultado da reforma uma

inevitável transformação epistemológica e metodológica a alterar todo o sistema de formação

de todas as categorias de profissionais. Um fato muito significativo, em termos socioistóricos,

portanto, de extrema importância para esse trabalho de pesquisa.

Igualmente fortes e impactantes são os esforços pessoal e coletivo exigidos para

atender às demandas social, econômica e administrativo-pedagógica dessa transformação em

curso. Para tanto, unem-se esforços e investimentos muito vultosos em prol da implantação

das reformas pedagógicas, gerando instabilidade em vários níveis. Em especial, assinalo a

questão identitária, refletida nas ações docentes do professor formador. Um profissional que

se recente, frente à nova ordem de trabalho docente, ao ser convocado para construir e adaptar

práticas de ensino a serviço de uma nova e urgente demanda social, ainda desconhecida em

muitos aspectos.

2.3 - O mundo da academia: espaço de atuação do professor

A Academia, instituição considerada, historicamente, produtora de um saber crítico,

revolucionário, autônomo, axiologicamente neutro e livre de quaisquer tentativas de controle,

quer do Estado, quer do Mercado ou da Sociedade. Centro de solução dos problemas da

ordem da compreensão e interpretação das linguagens, oriundos das nossas experiências nas

relações de mudanças e rompimentos dos paradigmas éticos, científicos, sociais, históricos,

econômicos, culturais e biológicos bem sucedidos ou não, que afligem a sociedade, encontra-

se imersa em uma crise de ordem epistemológica e estrutural.

Uma transformação demandada pela sociedade globalizada da pós-modernidade, em

que o poder é mais importante que o conhecimento, num processo em que as pesquisas

utilitaristas são voltadas para o desenvolvimento econômico social, alavancado pelos

financiamentos empresariais.

Assim, a universidade vê-se pressionada pelo mercado que exige níveis mais elevados

de teorização e de trabalhadores especializados. Ratifica-se, então, a condição determinante

dos países em desenvolvimento, identificados como importadores de conhecimentos

produzidos pelos países do desenvolvidos, quando nos vemos mobilizados para a implantação

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de modelos americanos, europeus e/ou japoneses no ensino superior, num claro propósito

de se promover uma adaptação às exigências do mundo globalizado.

Estamos vivenciando dias de mudanças de uma sociedade angustiada que deseja as

transformações e busca inovações, mas, paradoxalmente resiste e tenta preservar alguns de

seus esteios de segurança, como por exemplo, a conservação da verdade única que julga

conhecer. Isto é, evidencia a natureza contraditória e inconstante do sujeito social.

Portanto, a crise da universidade é também a crise da sociedade. É nesse cenário que

se desenvolve a ação do professor formador de PLP, alvo de atenção dessa pesquisa que busca

compreender e interpretar o sentido dos relatos de docentes sobre sua ação contextualizada

nas suas experiências sociais, numa interseção entre o pessoal e o profissional.

É exatamente, neste desequilíbrio que reside a solução das aflições sociais, traduzida

em transformação, o único fator que poderia levar a algo inovador, pois a estabilidade

significa, neste contexto, uma situação que já não existe mais e mesmo se nos fosse possível

voltar, seria uma solução inadequada para o modelo vigente.

Assim, segundo Afonso (1999) o que se busca é uma proposta consensual, em que as

problemáticas da competitividade e da cidadania devem ser consideradas dimensões

articuláveis através de um novo papel que a educação e a formação de professores deverão

assumir frente a uma economia, segundo Castells (1997), caracterizada como

Informacional porque a produtividade e competitividade das unidades ou

agentes desta economia (quer sejam empresas, regiões ou nações) dependem

fundamentalmente da sua capacidade de gerar, processar e aplicar com

eficácia a informação baseada no conhecimento. É global porque a produção,

o consumo e a circulação, assim como os seus componentes [...]. É

informacional e global porque, nas novas condições históricas, a

produtividade gera-se e a competitividade exerce-se por intermédio de uma

rede global de interações. [...] O vínculo histórico entre a base de

conhecimento-informação da economia, o seu alcance global e a revolução

tecnológica da informação é que dá origem a um sistema econômico novo e

distinto (CASTELLS, 1997, p.93).

Neste contexto, o desenvolvimento sistemático das competências e habilidades

necessárias para geração de saberes cabe à escola compreendida como uma rede de interação

de produção de conhecimentos destaque para os cursos de formação de professores.

As atenções se voltam para a competitividade flexível e para a produtividade

inovadora com objetivo de viabilizar o desenvolvimento do sistema econômico neoliberal.

Um sistema baseado no conhecimento e nas tecnologias da informação é demandado um novo

perfil profissional, em que

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o trabalhador é escolarizado, educado e qualificado, preparado para

trabalhar em equipe com capacidade de iniciativa e espírito crítico. Neste

novo sistema de produção redefine-se e diferencia-se o papel do trabalhador

[...]. Uma diferença tem a ver com o que denomino trabalhador genérico

frente ao trabalhador autoprogramável. A qualidade crucial para diferenciar

estes dois tipos de trabalhador é a educação e a capacidade de aceder a níveis

superiores de educação; isto é, a incorporação de conhecimento e informação.

O conceito de educação deve distinguir-se do de qualificação. Esta pode

tornar-se rapidamente obsoleta pela mudança tecnológica e organizativa. A

educação [...] é o processo mediante o qual as pessoas, quer dizer, os

trabalhadores, adquirem a capacidade de redefinir constantemente a

qualificação necessária para uma tarefa determinada e de aceder às fontes e

aos métodos para adquirir a referida qualificação. Quem possui educação no

contexto organizativo adequado, pode reprogramar-se para as tarefas em

mutação constante do processo produtivo (CASTELLS, 1997, p. 375).

Porém, não se pode perder de vista o fato de que a “educação somente poderá

contribuir para aquilo que lhe é exigido, se houver oportunidades de emprego para os

trabalhadores mais produtivos” (LEVIN; KELLEY apud AFONSO, 1999, p. 14). Assim, a

forma e conteúdo que a educação assume são decisivos para a democratização de acesso aos

diferentes níveis de formação, traduzidos pela distribuição equivalente dos recursos culturais

e dos diplomas conquistados, pois “a mobilização para a educação e a formação apenas

emerge e se consolida se os indivíduos tiverem garantias quer a segurança econômica, quer a

satisfaça das necessidades e condições básicas de vida” (BROWN; LAUDER; KOVÁCS apud

AFONSO, 1999, p. 14).

É necessário que o trabalho qualificado seja valorizado numa combinação como a

criação e distribuição de empregos, dentro de um acordo eficiente de direitos e compromissos

sociais envolvendo a sociedade, constituída pelo Estado, escola, patrões e empregados.

Assim devo refletir sobre a importância de um programa de educação dinâmico e

atualizado, onde especial atenção deve ser dada à formação consistente do professor, o pivô

deste processo e o responsável por construir o currículo, selecionar conteúdos, desenvolver

métodos de ensino e de avaliação para instrumentalizar sua ação docente.

Por princípio, a política socioeducacional com vistas a uma ampliação das

oportunidades educativas e formativas, necessariamente, deverá ser construída de maneira

democrática. Assim,

nesta direção, serão definidos quais os saberes e as práticas deverão ser

valorizados, quais serão invalidados, e como estes se relacionam com as

identidades desenvolvidas ou reprimidas através da educação.

a necessidade de prevenção contra a produção institucionalizada de uma

ampla gama de desigualdades e exclusões culturais e sociais através do

ensino e da formação não autorizada de abordagens voluntaristas ou

superficiais, ainda que bem intencionadas, que ignorem as dimensões

políticos-culturais da educação sublinhadas por décadas de experiências e de

investigação (BERNESTEIN, 1998, p.83).

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Isto pode ser agravado a depender do posicionamento ideológico dos grupos sociais de

interesses divergentes, que assumem o comando da distribuição ou restrição dos recursos

culturais e simbólicos associados à educação e à formação. Para o autor o currículo deve visar

à integração das áreas de conhecimento, pois quanto maior for o número de classificações e

subdivisões das disciplinas acadêmicas maior será o isolamento entre elas e menor a produção

eficiente de conhecimentos.

As questões de currículo, de práticas de ensino e de avaliação instituídos pela

academia estão ligadas ao tipo de ensino que demanda a sociedade, segundo Silva (2008).

Todavia, na prática, verifica-se um descompasso entre o currículo da academia,

socioistoricamente construído, baseado nas teorias tradicionais e na expectativa de

conhecimento do público a que se direcionam, jovens, cuja formação identitária insere-se na

cena contemporânea.

Instala-se uma importante questão, como se desenvolve a interação na sala de aula

entre docentes e alunos, quando os métodos de ensino baseiam-se em teorias que não

satisfazem aos objetivos da formação de um PLP reflexivo, de um sujeito polifônico e plural?

Isso gera uma situação inquietante, a qual suscita questões que levam a pensar no

deslocamento constituinte do sujeito multifacetado que, na interação com o outro, faz emergir

a subjetividade heterogênea. Isto é, produzida e realizada na e pela linguagem, a partir das

interações sociais de enfrentamento, uma situação em que impera a dialética dialógica

bakhtiniana, já comentada anteriormente.

Para a constituição da heterogeneidade subjetiva contribuem os componentes

semióticos que se manifestam por meio das instituições como escola, família, religião, estética

etc.; além dos componentes fabricados pela indústria da mídia, complementados pelas

dimensões semiológicas a-significantes colocando em jogo máquinas

informacionais de signos, funcionando paralelamente ou independentemente,

pelo fato de produzirem e veicularem significações e denotações que

escapam então às axiomáticas propriamente linguísticas (GUATTARI, 1992,

p. 14).

Isso ocorre numa profusão interativa que dará origem ao inusitado, ao impensado, a

novas subjetivações que, consequentemente, permitirão ao sujeito construir novas

identificações. Trata-se de um processo dinâmico, o qual permite ao autor afirmar que

subjetividade é “o conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou

coletivas estejam em posição de emergir como um território existencial autorreferencial, em

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adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva”

(GUATTARI, 1992, p. 19).

Entra em cena o currículo, tomado aqui como orientação de um percurso estabelecido

a partir do conhecimento do lugar das relações de poder, do discurso, enfim da identidade dos

sujeitos envolvidos. Visto por esse prisma, constato o descompasso existente entre o currículo

da academia e o demandado pelo sujeito, a quem interessa a construção de saberes.

Compreender o sujeito é interpretar sua trajetória, sua construção identitária. Esta, por sua

vez, remete às teorias das práticas discursivas, onde os saberes vão sendo transformando e

(re) construídos por meio do interdiscurso e do intradiscurso, segundo Eckert-Hoff (2008).

Para isto, é imprescindível indagar como se comporta a subjetividade do sujeito docente,

diante da noção de sujeito cartesiano que, ainda hoje, predomina nas ciências, nas instituições

e na estrutura socioeconômica e midiática.

Faz-se necessário que se identifiquem as principais vozes que provocam as

identificações dos sujeitos para que se compreendam as relações entre o poder, as identidades

e os saberes, conceitos basilares para compreensão do currículo e do direcionamento da ação

docente nas academias, onde estão sendo formados professores de língua materna, de acordo

com Silva (2008) em Documentos de Identidade.

Nessa perspectiva, o ponto inicial das indagações deste estudo é o sujeito/professor

formador, tomado tanto “como indivíduo” quanto “como produto social”, considerando-se

que sua identidade, segundo Dubar (2005) resulta da mistura de sua identidade social com a

identidade profissional, aqui, atualizada nas entrevistas. Elas trazem, em seu bojo, toda a

historicidade sociocultural do sujeito que enuncia suas experiências docentes. São relatos de si

que compõe o sujeito, ou seja, uma coletânea de identificações que permitem ao analista

interpretar o sentido da identidade mostrada nesse momento de encontro.

À compreensão da relação docente e discente na academia de hoje, interessa

considerar o que afirma Foucault (1986) ao falar sobre a importância dos micropoderes, o

termo „poder‟ designa relacionamentos entre parceiros “e com isto não menciono um jogo de

soma zero, mas simplesmente, e por ora me referindo em termos mais gerais, a um conjunto

de ações que induzem a outras ações, seguindo-se uma às outras” (FOUCAULT, 1982, p. 217).

O autor afirma que o poder

em si mesmo [...] não é violência nem consentimento o que, implicitamente, é

renovável. Ele é uma estrutura de ações; ele induz, incita, seduz, facilita ou

dificulta; ao extremo, ele constrange ou não, entretanto, é sempre um modo

de agir ou ser capaz de ações, um conjunto de ações sobre outras ações

(FOUCAULT, 1982, p. 220).

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Para o autor o discurso constitutivo de significação, presente nas práticas discursivas,

produz os saberes e, esses, as disciplinas que, por sua vez, vão gerar mais saberes. Os saberes

são a realização dos discursos nas práticas sociais, constituem as ciências, as quais vão

determinar o que é bom e o que não o é em relação às possibilidades dos objetos e as posições

dos sujeitos. Portanto, os discursos/saberes são considerados poder, porque estabelecem as

regras que definem o sujeito/objeto, valida os conceitos e toda a verdade que o rodeia.

Ao mesmo tempo, “a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e

redistribuída por certo número de procedimentos, que tem por função conjurar poderes e

perigos, dominar acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”

(FOUCAULT, 1998, p. 8-9). E como tal, o discurso é “aquilo por que e pelo que se luta, o

poder do qual nos queremos apoderar”, pois, “a verdade/saber/ poder não se situa no discurso,

mas em quem o profere”(FOUCAULT, 1998, p. 10).

Para o autor os micropoderes são os efeitos dos saberes no dia a dia dos indivíduos,

ação e efeito autorizados pelo sujeito que o repete diariamente, como por exemplo, o hábito

de frequentar academia de ginástica, uma ação disciplinar do sujeito sobre seu corpo para

torná-lo útil e produtivo para a sociedade.

Esse micro poder que nem sempre é repressivo, é visto por Foucault (1986) como um

fenômeno relacional que atravessa o corpo social, permitindo realinhamentos e novos

enfrentamentos, geradores de novos saberes. Sua ação tem como consequência a disciplina do

corpo e da mente, encontra-se disperso nas “instituições coletivas, nos regimentos

administrativos, no conhecimento especializado dos profissionais e no conhecimento

fornecido pelas ciências sociais”, ou seja, os micropoderes ou saberes, compreendidos como a

verdade são tomados pela sociedade como a base dos acordos sociais, da moral e têm o

“objetivo de manter sob controle a vida, as atividades, o trabalho, os prazeres e as

infelicidades do indivíduo”(FOUCAULT, 1986, p. 43).

Assim, a interpretação do sujeito vem do outro e não de si mesmo. O poder consiste,

então, em se apossar do saber do outro e, dele, fazer uso como um instrumento de influência

sobre os outros e de interpretação, logo, um lugar de poder, um lugar de ação.

A formação identitária do professor formador realiza-se a partir dos saberes presentes

nas práticas discursivas e se atualizam no fazer docente, portanto, é construída

discursivamente. Interessa sobre maneira a esse estudo compreender de que estratégias esse

poder se vale para forjar as identificações reunidas pelo sujeito pra compor sua identidade

enunciada na entrevista.

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Uma visão míope de si mesmo é estabelecida, a partir da sua interpretação das regras

estabelecidas, segundo a verdade do seu imaginário cultural, crenças, e dos saberes, que por

serem sociais emanam do outro. O docente ao buscar a verdade, torna-se disciplinado pela

norma, à qual se submete, ou torna-se um disciplinador quando o exerce. Segundo o autor,

ocorre uma luta em que o aumento de controle sobre sua ação, gera mais conhecimento sobre

si e sobre sua ação, o que provoca uma reação emancipatória, que provocará uma

contrarreação por parte dos controladores, e assim, sucessivamente.

Tal poder obriga este sujeito a se confrontar com uma demanda de identidade líquida,

segundo Baumann (2005), na pós-modernidade, as transformações sociais se dão de maneira

contínua, mas a intensidade desse processo torna transitórios os valores, as identidades

sociais, culturais, profissionais, religiosas e sexuais. Isso impede seus processos de

sedimentação social, embora, ainda dentro da transitoriedade. E como resultado as

transformações ocorrem com tal frequência que torna as identidades líquidas, contrapondo-se,

metaforicamente, ao pensamento moderno que defende a solidez do sujeito e de sua

identidade.

Assim, o professor formador, cujo processo de formação identitária acadêmica/

profissional iniciou-se seguindo o modelo vigente do modernismo, ressente-se das novas

diretrizes epistemológicas do ensino da linguagem. De acordo com os relatos dos docentes

entrevistados, eles se tornaram inseguro quanto às suas convicções e dividido frente à

realidade que se apresenta. Nascidos e educados num mundo dominado pelo pensamento

cartesiano, onde o sujeito tem o controle da verdade, cuja existência é comprovada pela

lógica, vêem-se agora em crise. Encontram-se nesse processo de transformação, dadas as

injunções das demandas de uma universidade do século XXI, destituídos de suas certezas,

obrigados a adaptar-se a uma nova ordem multifacetada, onde “a verdade não é entendida

com única, fixa e estável, mas como verdades que são, constantemente, construídas e

postuladas para certos momentos, em dados lugares” (FOUCAULT, 1993, p. 156).

É importante salientar que mudanças sempre ocorrem, porém, o que catalisa o estado

de alerta e o desconforto é a velocidade com que se processam as reformas universitárias, isso

as transformam em elemento surpresa. Além disso, preocupa aos professores a abrangência

dessas transformações, seja na demanda de novos saberes e de novas práticas de ensino, seja

na implantação de novos planos de cargos e salários. Em especial, implica nova forma de vida

e de convivência com a produção de novos saberes e, por sua vez, de novos poderes tanto no

âmbito do pessoal como no profissional.

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Segue-se a isto o fato de que a “subjetividade não pode mais ser pensada como

unificada, mas como descentrada, e consequentemente, a identidade também deve ser definida

como cindida, dispersa, heterogênea”(FOUCAULT, 1993, p. 156). O que me leva a preferir o

termo identificação, uma vez que a noção de identidade carrega a ideia de um sujeito

totalizante e homogêneo, que não leva em conta a multiplicidade de discursos e de dizeres que

o constituem, considerando-se os tipos de identificação simbólica e imaginária. Logo, as

identificações são compreendidas como

Uma construção, como um processo nunca completado – como algo sempre

em processo (Hall, 2000, p. 106) o que implica dizer que há sempre uma falta

e nós estamos numa busca incessante de preencher essa falta – sempre adiada

-, o que nos leva a costurar e/ou a suturar os fios que se entrelaçam numa

trama que explode em momentos de identificação, dos quais não podemos ter

controle, pois são incessantemente (re) construídos por meio da diferença,

por meio da relação com o outro, emergindo graças à porosidade da língua

(ECKERT-HOFF, 2008, p. 275).

Ao proceder à análise das entrevistas cedidas pelos professores formadores, de que se

compõe o corpus desta pesquisa, abordo, aqui, as questões da subjetividade e da identidade

para traçar os perfis de identidade do professor formador, objetivo central deste trabalho,

conforme anunciado. Para tanto, considero os níveis do intradiscurso e o interdiscurso

Maingueneau (2008), pois ambos constituem a narrativa mostrada da cena discursiva

socioistórica-ideológica-biocultural.

Sabendo que o intradiscurso está ligado às formações discursivas, nas quais todo o

dizer está inserido e que, esta, é a fonte das pistas auxiliares para a compreensão da

exterioridade discursiva, o interdiscurso. Volto minha atenção para a rede discursiva, onde

procuro flagrar, nas falas dos entrevistados, pistas ou fragmentos de discursos que me

permitam traçar possíveis identidades dos docentes formadores de PLP.

2.4 - A academia: espaço do interdiscurso

A academia é instituição conservadora e transformadora ao mesmo tempo, pois, ao

tomar a herança cultural de saberes, ideias e valores para os reexaminar, atualiza-os e os

transmite. Gera-se, então, mais saberes, ideias e valores que serão revestidos de uma

roupagem nova, permanecendo, assim, até que sejam, novamente, submetidos a outras

análises, por novas pesquisas e novos objetivos, recebendo novo tratamento. E assim,

sucessivamente, segue-se num movimento interminável, afirma Morin apud Pimenta (2002)

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O processo de reforma universitária, promovido de maneira abrangente e acelerado

pela política educacional dos governos brasileiro e português, envolve todos os setores da

universidade. Isto preocupa o docente, que vê ameaçada sua carreira profissional, no tocante à

sua valorização como docente formador, à sua formação como pesquisador e à produção de

conhecimentos, especialmente, ao pensar no aporte de recursos humanos e financeiros

demandados pelas novas diretrizes traçadas pela reforma universitária neoliberalista. A crise

financeira, que assola o mundo capitalista, pode colocar em risco a efetivação do sucesso

dessa reforma. Corre-se o risco de não haver garantias orçamentárias para a manutenção desse

projeto, gerando-se, assim, consequências tão abrangentes como são, hoje, seus objetivos.

Todavia, acredito que, dada a natureza mercadológica do projeto, a vitalidade

econômica do empreendimento está parcialmente garantida por meio da criação do ensino à

distância, uma estratégia de expansão do ensino e de captação de recursos, além do

desenvolvimento de projetos de ensino e pesquisa em parceria com as grandes empresas.

Nesse modelo a estimulação da concorrência entre as universidades busca alta eficiência e

produtividade do corpo docente, de quem é exigido alta produtividade, obrigando-o a assumir

uma sobrecarga de trabalhos em condições inadequadas, com pena de prejuízo salarial,

redução do número de docentes, acarretando sofrimento psíquico nos docentes, como baixa

estima ao colocar em cheque sua legitimação identitária profissional.

De acordo com Pimenta (2002), princípios caros à universidade, como a cultura

acadêmica e autonomia, têm sido colocados em segundo plano em detrimento de interesses

outros, como a cultura empresária, ditados pelos rumos da economia mundial sob o jugo do

neoliberalismo. Em favor dessa causa, ao assumir o caráter neoliberalista, o Estado fez cortes

significativos nos recursos destinados à educação, obrigando às instituições a rever seus

projetos político-pedagógicos institucionais, distanciando-se da proposta primeira de

instituição social, tornando-se, então, instituições administrativas. As consequências dessas

medidas econômicas para a sustentabilidade das instituições são muito significativas no que

se refere aos propósitos das instituições de ensino superior no Brasil.

Para melhor compreensão, Chauí (2001) apresenta um breve panorama socioistórico

em que se desenvolve o trabalho do professor da academia, busca compreender e

contextualizar esse sujeito discursivo e sua formação identitária, situando sua ação nesse

contexto, considerando seu desenvolvimento profissional e suas condições de trabalho

institucional.

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A autora afirma que o início da década de 1970 já apresenta importantes marcas,

quando a academia fez alterações em seus currículos e programas, visando à inserção dos

profissionais graduados no mercado de trabalho, com a rápida formação de mão de obra.

Na década de 1980, o processo iniciado, anteriormente, foi acrescido à expansão da

rede privada de ensino superior, e, fez surgir a parceria entre universidades e empresas, onde a

estas passam a exercer forte influência sobre aquelas, ao dar início a um modelo de pesquisa

financiadas pelas empresas, comprometendo assim o princípio do desenvolvimento do

pensamento crítico.

Na década de 1990, a universidade deixa de lado os objetivos de interesse das décadas

anteriores e voltar-se para o conhecimento ou para o mercado do trabalho. Volta-se para si

mesma, sendo avaliada por seus índices de produtividade, estruturada por estratégias de

eficácia organizacional.

A partir de 1990, a academia tem como objetivo apenas transmitir rapidamente

conhecimentos e habilitar graduados, que precisam entrar rapidamente no mercado de

trabalho, cumprindo apenas o papel de treinadora, afirma

A universidade operacional não forma nem cria pensamento, despoja de

linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e admiração

que levam à descoberta do novo, anula toda a pretensão dos seres humanos

em condições materialmente determinadas (CHAUÍ, 2001, p. 222).

Este quadro tem se agravado no que se refere aos propósitos do ensino, baseado num

modelo tradicional, inquestionável, em que o professor expõe o conteúdo e o aluno passivo

memoriza-o para mais tarde ser avaliado.

A virada do milênio trouxe consigo muitas demandas de produção de tecnologia e

desenvolvimento de pesquisas, consequentemente, cresceu também a priorização de ações

voltadas para a produção e divulgação dos resultados obtidos em revistas de renome nacional

e internacional. Mediante esse expediente, ao final, o pesquisador e seus colaboradores diretos

recebem incentivos de numerário, em forma de prêmios e bolsas de pesquisa, além de

reconhecimento por parte da comunidade acadêmica.

Os programas de fomento, ao agirem dessa maneira, incentivam as relações

individualistas, promovendo competições, premiando a produtividade, e, em nome desta,

tantos os docentes como os alunos, entre si, não se comunicam, não trocam ideias sobre seus

projetos e pesquisas, por temerem que um saia-se melhor que o outro, todos se enclausuram

em seus laboratórios e gabinetes, reduzindo as possibilidades de conhecimento, negando-se à

interação e contrariando os princípios da própria instituição.

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A ideia de criação dos grupos de estudos é incentivada, economicamente estimulada

pelos órgãos de fomento à pesquisa, teoricamente, deveriam eliminar esse tipo de competição

e isolamento. Mas são mal interpretadas, gerando de fato, muitas vezes, pequenos grupos de

trabalho em torno de lideranças mais voltadas para a divulgação de si e de seus trabalhos do

que para as práticas de ensino, aplicação de técnicas desenvolvidas e na partilha e troca de

conhecimentos do fazer cientifico. Instala-se uma explícita exemplificação do poder da

economia neoliberal sobre a maior instituição social de ensino, aplicação e produção de

conhecimentos.

Portanto, a produção da instituição, embora pareça neutra, não está blindada e isolada

do que acontece em seu exterior, muito pelo contrário, ela pulsa no mesmo ritmo da sociedade

em que está inserida, e, tudo que ocorre na esfera coletiva, necessariamente, reflete-se dentro

das instituições. Abre-se, portanto, a discussão a respeito da validade dos compromissos da

ação docente e de sua relação com a sociedade.

Soma-se a esse quadro a questão do desprezo pela qualidade subjetiva e emocional do

docente, muitas vezes, exigindo-lhe, em nome da docência e da manutenção de sua

legitimidade, sacrifícios pessoais, como abrir mão de suas expectativas de realização pessoal e

profissional, de conquistar sua legitimidade e sua respeitabilidade como professor estudioso e

pesquisador, o que em muitos casos, não ocorre por parte da instituição, dos alunos e nem

mesmo por seus pares. Em síntese, conforme as palavras de Nóvoa

Os tempos são para refazer identidades. A adesão a novos valores pode

facilitar a redução de margens de ambiguidades que afetam hoje a profissão

docente. E contribui para que os professores voltem a sentir-se bem em sua

pele (NÓVOA, 1999, p. 29).

Ainda Nóvoa, sobre as demandas atuais da profissão, afirma

É preciso romper com a lógica da educação e com a imagem

profissionalizada das escolas: o papel do Estado na área do ensino encontra-

se esgotado, sendo urgente legitimar novas instâncias e grupos de referência

do domínio educativo; simultaneamente, impõe-se questionar o papel

exclusivo dos professores na organização e direção do trabalho escolar, e a

subordinação às autoridades estatais (NÓVOA, 1999, p. 23).

Diante da urgência de valorizar sua prática em sala de aula, de refletir sobre sua ação,

buscando conhecimento para si, na experiência do outro, ao mesmo tempo em que auxilia aos

outros na construção de seus conhecimentos, o professor identifica uma nova imagem de

docente do presente, fruto desse conturbado contexto. E essa imagem atual ao ser tomada pelo

professor formador e confrontada com a imagem do docente, criada no imaginário social: a de

um mestre pronto para seu fazer, detentor do saber, professor escultor de alunos, produz nele

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desconforto. Ele se sente perdido, tem sua identidade deslocada, pois o professor é, agora,

convocado a abandonar sua identidade de homogeinizador, para ir em busca de uma nova

postura de co-construtor de conhecimentos dentro de uma nova e desafiadora demanda social

multifacetada.

Nesse movimento, de acordo com Nóvoa (1999), em Profissão Professor, leva-nos a

refletir sobre a importância de o professor buscar compreender o que é ser professor para si

mesmo, e, a partir de então, refletir sobre o sentido de sua ação docente, frente às exigências

da escola tradicional e da escola hoje demandada.

Para o autor, somente a partir desse exercício de autoconhecimento será possível

conhecer um pouco mais sobre o outro, numa sociedade onde os semelhantes e os diferentes

se encontram e são constantes os deslocamentos de sentidos e de sujeitos, conduzindo a

construção de novas práticas demandadas constantemente.

Assim, caminhamos na busca de novos rumos que nos auxiliem no processo de

mudanças de representações dos imaginários de professores; para a melhor compreensão do

sujeito professor, considerando-se sua complexidade, sua subjetividade e o antagonismo que

se impõe à sua relação com o passado e o presente do fazer docente, no que diz respeito ao

processo da construção identitária profissional do docente.

2.5 - A universidade brasileira e a virada do milênio

É, à luz desse cenário, que meu olhar volta-se para o docente universitário,

especificamente, para o professor formador de futuros professores de Língua Portuguesa. Em

cuja prática docente deve refletir as injunções de uma universidade situada entre a visão

pragmática da produção de conhecimento, atualmente, orientada para os propósitos do

neoliberalismo e a visão tradicional da orientação da LDB/1996, art.43, que preconiza

“estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento

reflexivo”.

Em síntese, um dos focos que orienta esta pesquisa pode ser assim expresso: as

exigências do mundo globalizado, ao que parece, impõem que uma nova identidade docente

seja revelada. Isto é, a identidade de um professor formador traz em si marcas das experiência

vivenciadas em seu processo de construção identitária, além dos reflexos das implicações e

injunções do contexto contemporâneo.

É sob essa perspectiva, que me parece pertinente propor alguns questionamentos: sob

que condições está sendo construída a identidade profissional do professor formador, diante

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das demandas socioistóricas e econômicas da sociedade? Como os professores articulam as

exigências dos programas acadêmicos, baseadas no pensamento plural, com as demandas de

uma sociedade, essencialmente, voltadas para a produção e para o consumo de bens? E ainda,

se os saberes docentes são construídos, não só, mas também no próprio fazer, como se dá o

processo de construção identitária no contexto atual da universidade? Em suma, minha

atenção se volta para refletir sobre o como professor formador se vê no contexto da docência;

o que e como ele reflete sobre isso; como ele se vê, em termos de sua pertença, no grupo de

seus pares.

Para investigar essas questões há de se considerar que os objetivos tradicionais da

universidade foram baseados em modelos estabelecidos, considerando-se que papel da escola

era reproduzir o conhecimento existente, a verdade era comprovada e a cultura era

considerada única. Por sua vez, os objetivos atuais, baseiam-se no fazer docente que criam

estratégias de ensino/aprendizagem, pensadas de maneira a estabelecer contatos com a

diversidade de situações de pontos de vista, sobre a mobilização de conhecimentos produzidos

e aprofundados em situações reais. Portanto, baseados em identidades e verdades provisórias

e conflitivas.

Assim, “a relação entre o conhecimento desenvolvido na academia e o sistema de

produção ocorre em função da base científica das tecnologias modernas de produção”

(GOERGEN, 2010, p.3). E, muitas vezes, a inovação e criação tecnológica estão

economicamente atreladas às “instituições de pesquisa acadêmicas ou não, externas ao

sistema de produção”. (GOERGEN, 2010, p.3). Consequentemente, isso interfere nos

objetivos e no desenvolvimento das pesquisas e, tanto quanto, na formação dos futuros

profissionais nas universidades. Apresentando o risco de revestir o saber/conhecimento

científico de um discutível valor mercadológico, provocando alteração em todo o sistema

educacional, acrescente-se ainda, a perda de autonomia e efeitos negativos sobre a identidade

das instituições superiores.

Observa-se que, teoricamente, o aspecto humanista da formação do homem, destino de

toda a produção científico-tecnológica e econômica, em nenhum instante é tomada como

objeto de atenção nesse regime capitalista neoliberal. Igualmente, os professores que, quando

recebem atenção, são silenciados e colocados à margem desse processo de revolução

tecnológica, embora “constituam não só um dos mais numerosos grupos profissionais, mas

também um dos mais qualificados do ponto de vista acadêmico” (NÓVOA, 1999, p. 31).

Assim, a profissão docente, que teve seu perfil ideal estabelecido no século XVIII e, a

duras penas vem conquistando seu espaço na sociedade com o “estabelecimento de um

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suporte legal para o exercício da atividade docente, criação de instituições específicas para a

formação de professores e finalmente a constituição de associações profissionais de

professores” (NOVOA, 1999, p.33). Ao longo dos anos sofreu profundas modificações de

toda ordem, e, hoje, se encontra em crise decorrente da ausência de uma reflexão profunda

sobre seu significado social e a atenção dispensada a esse papel.

O docente encontra-se, atualmente, numa encruzilhada de opções “entre a visão

idealizada e a realidade concreta do ensino” (NÓVOA, 1999, p. 33), onde a profissão em si é

tida como de prestígio e positiva, mas, por outro lado, exigindo-lhe uma carga exaustiva de

trabalho, por um salário irrisório negam lhe autonomia e a possibilidade de se instruir, de

aprofundar sua formação inicial e continuada, para se posicionar como portador e produtor de

um saber próprio, fundamentado no saber científico. Negam lhe o mais importante o direito

de opinar no momento de decidir sobre os rumos da educação, visando desenvolver

competências para lidar de maneira crítica com as diversas situações geradas por quaisquer

que sejam as mudanças sociais. Uma vez que as decisões são tomadas pelas políticas

educacionais e econômicas do Estado, apresentadas aos docentes como sugestões de trabalho,

porém, já com o peso de decisões legais. E, por fim, esse modo de decisão chega ao ensino

superior.

Em suma, às universidades brasileiras e portuguesas foram apresentadas propostas de

reformas inovadoras, em busca de conciliar as experiências internacionais com as

necessidades de legitimidade e eficiência. Considerando-se as configurações específicas,

valores, objetivos e posição que ocupam no mundo, objetivam contribuir para o futuro com

um projeto democrático e globalizado de produção de conhecimentos, atentando para a

“transdiciplinaridade, reorganização dos saberes universitários, pensamento crítico,

compromisso social, democratização de acesso, etc.” (BOAVENTURA, 2008, p. 5).

As reformas do ensino superior, em curso nos dois países, assemelham-se por terem

sido pensadas, a partir da redução de aporte financeiro do Estado, para o financiamento da

educação e das pesquisas. Igualmente, foram instauradas em um curto espaço de tempo, sem

passar pelo estágio de amadurecimento e adaptação dos professores, da reestruturação de

planos de ações docentes e investigativas. Isso, somado a outras questões específicas de cada

país, fez crescer a crise institucional, as incertezas quanto à hegemonia e legitimidade,

aumentou competitividade entre os pares, o individualismo, e, consequentemente, ampliou-se

o afastamento dos dois seguimentos – ensino e pesquisa –, contrariando as previsões das

políticas educacionais.

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E assim, a solução, para a principal questão, a econômica, foi inserir a universidade no

mercado do setor privado, orientado pelo neocapitalismo global. Daí resultou a criação das

fundações para gerir a venda dos serviços às grandes companhias, a internacionalização da

universidade e redução de custos dos estudantes para a universidade, aumentando o custo das

taxas e diminuindo o número de professores, oferecendo ensino pago e à distância. Esta

última, uma estratégia que visa desenvolver a “produção de padrões culturais médios e de

conhecimentos instrumentais úteis à formação de mão de obra qualificada exigida pelo

desenvolvimento capitalista” (BOAVENTURA, 2008, p. 18).

Portanto, as universidades buscam um novo paradigma que atenda à demanda

socioeconômica e informacional de produção de conhecimento mercado, gestor do

desenvolvimento, combinada com a liberdade acadêmica.

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3 – IDENTIDADE LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE

Neste capítulo, pretendo apresentar o quadro teórico-conceitual e metodológico que

norteia as reflexões desta pesquisa acerca do objeto em estudo: a construção identitária

profissional do professor formador de PLP. Operando com uma abordagem discursiva, este

estudo desenvolve suas discussões a partir de um olhar segundo o qual identidade, linguagem

e subjetividade são tomadas como amplas categorias que se imbricam numa rede,

interdependentes do ponto de vista metodológico e teórico-conceitual, sendo que uma

pressupõe a(s) outra(s).

Em outras palavras, seguindo aqui as orientações do dialogismo Bakhtin; Volochinov,

(2006), da psicologia social Vygotsky, (1991) e as dos estudos sociológicos Bauman, (2005);

Dubar, (2005); Hall, (2005), assume-se que o processo da construção da subjetividade (o de se

reconhecer como sujeito em relação ao outro e a si próprio) é constituído na (e pela)

linguagem, isto é, nos processos das interações sociais. Nesse processo, em que se

entrecruzam, constitutivamente, o social e o individual, organizado e fundado pelo (e no)

discurso, a subjetividade é uma expressão das formas identitárias do sujeito.

Dessa perspectiva, consideradas as acepções que tais categorias detêm subjetividade e

identidade, no quadro da psicologia e da sociologia, são conceitos implicados que pressupõem

os movimentos do sujeito – de alteridade, de singularidade, de semelhança e pertença a um

grupo social – nos processos de socialização, experienciados no curso de práticas sociais.

Resumidamente, ao si dizer ao outro, seu diferente, o sujeito põe em evidência seu mundo,

captado subjetivamente por meio da linguagem, e, portanto, revela suas identificações. Sob

esse enquadre, reiterando, ao se utilizar a linguagem, não se é um simples usuário da língua,

mas, nessa atividade interacional e mediada pela linguagem, em que se engendram os

discursos, nós construímos e estampamos, com marcas histórico-sociais, com e por meio de

recursos linguísticos, nossas identidades.

Feitas essas considerações iniciais, passo agora à discussão de cada um dos conceitos

em foco, que se explica por razões didáticas. Ao final desse pretendo apresentar uma síntese

que assegure a interrelação de tais categorias.

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3.1 - Identidades: um conceito em discussão

Na literatura disponível sobre o tema identidade, depara-se com inúmeras abordagens

teóricas, no campo das Ciências Humanas e Ciências Sociais, em que se desenha um leque de

acepções que o termo identidade pode suscitar.

Historicamente, diversas áreas dos saberes, particularmente a Filosofia, empenharam-

se em construir uma concepção de identidade, sob as bases da acepção de personalidade,

privilegiando a perspectiva individualista do ser humano em seus aspectos biológico e

comportamental Mora (1998). Sob essa orientação, como registrado na antiguidade clássica,

predominava uma valorização da vida individual e do mundo interno. A compreensão que se

apresentava à identidade remete a algo da ordem do inato do humano, fruto de uma

construção própria do sujeito, concebida como integral originária, unificada e estável. Nesses

termos, identidade está intrinsecamente ligada à ideia de auto-conceito, à imagem de si Jaques

(1998).

Na esteira dessa concepção, as correntes teóricas, ancoradas nos chamados princípios

do Iluminismo, focalizam uma relação intrínseca entre identidade e subjetividade. A

identidade é concebida como característica singular de um indivíduo, em que se valorizam

basicamente o conjunto das autopercepções e as dinâmicas internas do indivíduo num

contexto intrapsíquico. Resumidamente, nessa perspectiva, a identidade é concebida como

estável expressão da essência de indivíduo, racional, biográfica e evolutiva, assimilada numa

processualidade histórica, que confere ao sujeito a responsabilidade e a autonomia de seu agir.

Isto é, “o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa [... identidade esta que] estava

centrada no „interior‟ do sujeito, nascia junto com ele e permanecia a mesma ao longo de sua

vida” (HALL, 2005, p. 11).

Distanciando-se desse enfoque, no quadro do pensamento crítico contemporâneo,

estudos, advindos da Psicologia social, Estudos Culturais, Antropologia, Sociologia, vão

conceber a identidade do sujeito como construída socialmente, cujo processo se funda na

relação constitutiva entre o individual e o social, promovida nas experiências vivenciadas

pelas pessoas no curso de seus processos de socialização.

Sob esse viés, com o qual esta pesquisa dialoga de perto, a construção identitária do

sujeito é tomada como um processo (inter) subjetivo, social, histórico, fluido, fragmentário,

plástico, sempre negociado nas interações sociais. Sendo um processo construído socialmente,

pressupõe-se que a identidade do sujeito é a um só tempo, a expressão singular do indivíduo,

que o distingue do outro, e uma construção social, que envolve as mutações sociais dos

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grupos de referência e de pertença a que está ligado o sujeito como família, escola, trabalho,

entre outras esferas sociais.

Essa concepção disseminada por Mead (1934), nos estudos do interacionismo

simbólico, no âmbito da disciplina de psicologia social, procura pôr em evidência a noção de

sujeito sociológico. Nessa corrente teórica, tem-se como princípio básico a relação entre a

existência pessoal e a sociedade, destacando-se o papel da interação social na elaboração do

chamado autoconceito (o self), gerada no (e pelo) uso da linguagem.

De acordo com essa concepção, a identidade é “formada pela interação do eu

individualizado e a sociedade, o que envolve uma integração entre o mundo individual e o

mundo público” (HALL, 2005, p. 11). Em sintonia com essa posição, mas problematizando a

constituição identitária do sujeito, a partir das injunções históricas, sociais, políticas e

culturais do mundo globalizado, portanto, dos impactos advindos de uma sociedade pós-

moderna, os estudos de Canclini (1996), Castells (1998), Hall (2003), Bauman (2005) e

Dubar (2005, 2006), entre outros, conforme os seus interesses científicos, vão investir na

questão da identidade, como algo complexo, dinâmico, provisório, marcado por várias tensões

e deslocamentos, impulsionados, por exemplo, pela indistinção entre o que é local e o que é

global a partir dos avanços tecnológicos globalizantes e seus desdobramentos, que implicam

em mudanças de valores, nas construções de novas narrativas e novas configurações de

identidades.

Nesse quadro, “o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e

estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,

algumas vezes contraditórias ou não resolvidas” (HALL, 2005, p. 12-13).

Nesses termos, para Hall (2003) e Bauman (2005), por exemplo, admite-se poder

pensar em crise de identidades. Um debate implementado por diferentes campos disciplinares,

que tem se voltado para refletir sobre a complexidade da vida moderna, no que toca, por

exemplo, às mudanças no mercado de trabalho, na estrutura do emprego/trabalho, na extinção

de profissões, nas novas configurações da estrutura familiar, no rompimento ou abertura de

fronteiras culturais, econômicas, políticas e científicas, resultante de uma cultura

tecnologicamente complexa e globalizada, já desenhada nos meados do século XX.

Sobre esse caráter fluido, provisório da identidade do sujeito, Bauman (2000), em

Modernidade líquida, nomeia de “identidade líquida”. Tal termo metafórico é utilizado para

caracterizar e explicar que vivenciamos um período na história humana de grande fluidez,

marcado por rápidas mutações, que põem em xeque as certezas.

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Isso se estende a níveis vários e diferentes da experiência humana, nas instâncias

públicas e privadas, que recobrem questões afetivas, subjetivas e sociais.

A perspectiva que se abre para tal complexidade é que, em sociedades globalizadas,

não há identidades fixas, coerentes, mas, sim, cambiantes, conflituosas, líquidas, novas

identidades em emergência, que passam a ganhar espaço nas práticas sociais. Assiste-se, em

suma, nesse cenário, a um processo de construção de identidades plurais, fruto de uma

realidade globalizada, produtora de incertezas, dinamicidade e inseguranças que nos leva a

uma revisão dos valores que, no passado nos serviram de âncoras identitárias como o

trabalho, a igreja, o sexo e a cultura.

A esse respeito, Canclini (1996), em seu livro Consumidores e cidadãos, discute como

o modelo econômico e político neoliberal globalizado, ao servir-se da mídia, torna-a produto e

produtora de consumismo a ser consumido pelas massas. Seu olhar está voltado para o

desenvolvimento das produções culturais locais, as quais vêm sofrendo um acelerado

enfraquecimento de produção, desestimulando seu consumo em detrimento do consumismo

de tudo que se anuncia como importado.

Como uma das consequências desse cenário, esse autor aponta, por exemplo, a

crescente substituição dos espaços públicos de divertimento por espaços privados. O hábito de

frequentar ambientes coletivos está sendo substituído pelo isolamento de indivíduos que

permanecem em frente ao vídeo, ao game, à TV a cabo, a Internet, em uma espécie de franco

abandono da interação face a face, do interesse pelas causas coletivas e políticas.

Resumidamente, Canclini (1996) procura nos alertar para um dos aspectos preocupantes da

adesão incondicional ao modelo neoliberal, afirmando que os atos de consumir não consistem

apenas na satisfação de um desejo pela aquisição de produtos. Isso vai muito além, pois

envolve processos socioculturais mais amplos, tomados como referenciais simbólicos dos

processos de construção de sujeitos e de suas identidades. Nessa esteira, Dubar (2006) reflete

que a crise que marca as configurações identitárias na atualidade é inseparável da própria

crise da modernidade, visível em âmbitos diversos (socioeconômico e político). Segundo esse

autor, a crise da modernidade resulta de mudanças em três grandes domínios da vida social:

as relações de gênero e as mudanças na instituição familiar; mudanças no universo do

trabalho e do emprego, bem como no processo de formação escolar; e, por fim, mudanças na

esfera política, evidenciadas pelo enfraquecimento do Estado-Nação e de suas instituições

reguladoras das relações sociais, repercutindo sobre os processos de subjetivação. Nas

palavras desse autor,

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A mudança de normas, de modelos, de terminologia provoca uma

desestabilização das referências, das denominações, dos sistemas simbólicos

anteriores. Esta dimensão, mesmo quando é complexa e oculta, toca numa

questão crucial: a da subjetividade, do funcionamento psíquico e das formas

de individualidade, assim postas em causa (DUBAR, 2006, p. 201).

Enfim, a combinação globalização e capitalismo, ao interferir na relação

espaciotemporais das comunicações, da produção e socialização dos conhecimentos,

intensificando-as contribuindo para o afrouxamento das fronteiras culturais e para a

hibridação das relações sociais, das crenças, dos saberes, dos hábitos e dos simbolismos, de

maneira que as alteraram, num efeito dominó, incidindo diretamente sobre as identidades

comunitárias e consequentemente nas individuais. Isto conforme assinalam os autores aqui em

pauta, não ficam de fora as relações de trabalho, tampouco, os processos formativos e a

constituição das identidades profissionais.

Resumidamente, nessa discussão, em que se intentou apresentar algumas das várias

concepções que o termo identidade guarda, busco deixar claro que se está lidando com um

conceito polissêmico atravessado por nuances e sentidos, considerando-se as abordagens

teórico-conceituais que lhe conferem, em diferentes campos disciplinares, na história do

pensamento científico.

Em relação aos interesses teórico-conceituais que norteiam este trabalho, adoto o

conceito de identidade formada pela interação do mundo intrassubjetivo do indivíduo, do self

com o mundo social (intersubjetivo), segundo Hall (2005, p. 11), considerando-se ainda a

conjuntura da pós-modernidade, em que as identidades sociais tornam-se mutáveis ao

estabelecer contato com outras pessoas e com o espaço cultural em questão. O sujeito assume

identidades diferentes em diferentes momentos e espaços sociais, isso em razão da nossa

história de socialização Dubar (2005) e, também porque há em nós identidades contraditórias

que lutam entre si para se firmar Hall (2005).

Portanto, para pensar a problemática da identidade dos professores formadores de

PLP, não se pode negar ou neutralizar o atual momento histórico em que vivem os professores

em geral, bem como os que se encontram em processo de formação inicial, portanto, futuros

professores. Direta ou indiretamente, tais sujeitos, no mundo do trabalho, devem partilhar ou

experienciar impactos da globalização, entendida como um dos desdobramentos do avanço

capitalista.

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3.1.1 - Identidades profissionais: processo dinâmico de (trans) formação

Em meio aos estudos sobre os processos de formação identitária, a concepção de

identidade profissionalizante docente tem especial relevância, por se constituir o centro desse

trabalho de pesquisa. Num exercício de aprofundamento da questão, recorro aos estudos de

Dubar (2005) que, numa visão psicossocial, estabelece uma combinação de estudos que

abordam os aspectos tanto da subjetividade como do social, vistos como constitutivos da

construção identitária do trabalhador docente.

Na abordagem aqui defendida, ao se pensar a questão da construção de identidades,

não se pode perder de vista, em termos socioistóricos, a influência do neoliberalismo,

notadamente o seu aspecto econômico, como observam Bauman (2005) e Hall (2005) no

processo de formação identitária do professor formador de PLP. Considerando-se seu papel

nas interações docentes situadas, pensadas nas dimensões micro e macro, inseridas nas inter-

relações do mundo da academia e o poder sociopolítico global.

O estudo do processo identitário profissional começa por investigar a trajetória de

formação acadêmica do sujeito e sua inserção no mundo do trabalho docente, abordando seus

aspectos socioistóricos, as disciplinas com que trabalha, além das linhas de pesquisa, os

cargos ocupados, e, principalmente, seu modo de dizer de sua ação docente e suas interações

no grupo de professores, em que, como afirma Dubar (2005) compartilham modos de

identificações e formas de agir, compreendendo o processo contínuo de diferenciação e

generalização, num movimento dialético do individual e do social.

O autor, em uma abordagem psicossocial, partindo da construção da identidade

pessoal e social do sujeito, considerando contextos sociais que o integram, concebe a

identidade profissional como resultado das interações sociais, nas quais, desempenham papéis

fundamentais: o contexto organizacional, as características socioistóricas do indivíduo e seus

percursos formativos, acrescidos do contexto social, por interferirem diretamente na

socialização do sujeito, considerando-se as mutações sociais sofridas pelos grupos de

referência e pertença a que o sujeito está ligado.

Em suma, para Dubar (2005), as formas identitárias profissionais se configuram nas

relações sociais de trabalho, articulam profissionalidade e identidade pessoal “resultado, por

vezes, estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural,

de diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem

as instituições” (DUBAR, 2000, p. 109).

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Nesse viés teórico, Alves (2007), em diálogo aberto com os estudos de Dubar (2000),

assinala que a trajetória socioistórica da construção profissionalizante da carreira docente, está

fundada em um conjunto de

ações e relações desenvolvidas pelos sujeitos sociais que afetam o trabalho e

por ele são afetadas, instaurando um jogo dialógico cuja complexidade molda

no tempo e no lugar as transações necessárias não só à conservação de

estruturas, mas e, sobretudo, a possibilidade de transformação das mesmas

(ALVES, 2007, p. 277)

Esse autor busca compreender a constituição, a (re) produção e a transformação da

identidade, explorando, como dimensões de análise, o mundo vivido do trabalho, a trajetória

socioprofissional e a formação do indivíduo, aspectos e dimensões que interessa de perto este

estudo. O pressuposto, admitido por Alves (2007), reflexo das orientações de Dubar (2005), é

que as identidades que são construídas socialmente e podem sofrer transformações com o

passar do tempo, em respostas às demandas da profissão, das representações que se tem do

lugar profissional e dos modos de atuar.

Sob esse enquadre, tanto para Dubar (2005) como para Alves (2007), a identidade

profissional resulta da interação de dois movimentos: a continuidade e a ruptura. No primeiro,

as identidades aí construídas implicam um espaço unificado de realização, um sistema

profissional em que o indivíduo segue uma carreira contínua e planejada, com sucessão e

qualificações que implicam e exigem o reconhecimento das suas competências de forma a

validar a imagem de si próprio, e assim são legitimados os saberes e as competências.

No segundo, ao contrário anterior, as identidades construídas implicam uma dualidade

entre os dois espaços, o das crenças pessoais e o espaço das aspirações profissionais, quando o

desejo de reconhecimento não é satisfeito, geram-se um desentendimento entre as identidades

virtual e a real, e desse conflito nasce a possibilidade da construção de uma nova identidade

profissional que conjugue os momentos anteriores.

Admite-se, no entanto, que os processos subjetivos e objetivos, na constituição do

sujeito, andam lado a lado, no movimento de ruptura, quando o objetivo não satisfaz a

expectativa do subjetivo, este, por uma necessidade social, é induzido a uma mudança e/ou

transformação. Tais alterações, sob o viés identitário, ocorrem por recusa do sujeito, ou por

força das circunstâncias, mas, sobretudo por mudanças sociais às quais os grupos de

referência e de pertença do sujeito estão ligados. Isso vai alterando suas expectativas e os

valores que lhes influencia, propondo novas identidades. E essas mudanças implicam as

negociações identitárias, com vista a novas configurações de perfis identitários, o que não

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significa mudança de papel social, mas sim mudança na sua representação, na sua atuação, em

seus modos de agir.

Ambas as identidades confundem-se num movimento complexo e dinâmico de

complementaridade mútua de construção, reconstrução e transformação, frente às contínuas

movências de ordens temporais, espaciais, institucionais e socioeconômicas e culturais que se

impõem aos indivíduos. A articulação dessas identidades interfere profundamente nas

relações de integração do sujeito tanto no mundo organizacional como no mundo da

sociedade, ou seja, “identificando elementos facilitadores e elementos contingentes que

interferem no mundo privado e social do sujeito, e, trará consequências em todos seus

constituintes: organização, sujeito e sociedade” (DUBAR, 2005, p. 109).

O aporte teórico de Dubar (2005), não trata especialmente da formação identitária do

docente, mas oferece a este estudo contribuições conceituais e metodológicas interessantes,

vez que o autor discute as formas identitárias, no quadro do mundo do trabalho. A análise da

situação de trabalho com ênfase nos planos de carreira e nas trajetórias socioprofissionais,

ponto importante que aproxima a teoria e o processo identitários do docente formador. A

vertente interacionista preocupa-se em conhecer as ações e as relações desenvolvidas pelos

sujeitos sociais, os quais produzem efeitos relevantes sobre seu trabalho e sobre si próprios.

A constituição e transformação da identidade individual e da identidade profissional

do docente é um dos aspectos do trabalho desenvolvido por Dubar (2005) que interessa

sobremaneira a esta pesquisa como aporte teórico para compreender o processo relacional dos

conceitos de identidade e profissionalidade.

Interessa conhecer o que resulta da articulação do processo socioistórico biográfico do

indivíduo com seu processo relacional, isto é, como combinar “ o que ele diz de si, o que ele

pensa de si, e, o que ele gostaria de ser” com “o que o outro diz que ele é , e, a identidade que

o outro lhe atribui”. (ALVES, 2007, p. 273). A dinâmica do trabalho, em sua dimensão

objetiva compreende a relação do indivíduo com o espaço de trabalho, e este, por sua vez, em

troca de seu trabalho, espera retribuição concreta sem projeção de si para o futuro.

Por outro lado, na dimensão subjetiva compreende a relação temporal do indivíduo

como o trabalho, devido ao trabalho realizado, ao longo dos anos, estabelece projeções para

si, e sua identidade é construída ao longo da vida. De acordo com Alves (2007), “as relações

de trabalho fundamentam-se na luta pelo poder em um contexto de acesso desigual, dessa

forma, teremos diferentes identidades típicas no exercício da profissão”. Segundo Dubar

(2005), apud Alves (2007, p. 280-82), dessas relações nascem as quatro identidades

profissionais ou formas identitárias:

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i) Identidade estável ameaçada – Professores construíram sua identidade

profissional prevalentemente por meio das atividades cotidianas, pela

experiência direta, valorizando sobremaneira a aquisição de saberes práticos.

Não buscam novas formações e estabelecem relações de dependência com a

chefia e, mediante qualquer desestabilização nessa relação se sentem

ameaçados;

ii) identidade bloqueada – Professores nessa condição administraram seu

espaço de trabalho de uma forma estruturada sem mudanças, e embora sendo

um executor polivalente, não se sente reconhecido em sua individualidade

pelos pares, apesar de ser reconhecido pela escola como professor que

alcança bons resultados. Porém, nas transações subjetivas, não se sente

realizado apenas por cumpridor dos programas e isso o leva a perder a

identidade própria, fundindo-se com a escola.

iii) identidade negociatória – têm uma história de mobilidade já construída,

dominam saberes articulando teorias e práticas, como também dominam os

saberes da organização. Configuram professores que são engajados nas

atividades da escola a sua permanência no emprego, sua promoção na

carreira. São professores colaboradores e articuladores de relações que

apresentam forte sentimento de pertencimento, concebem a vida profissional

como uma evolução permanente;

iv) identidade autônoma e incerta – corresponde àqueles que concebem a sua

formação como um investimento pessoal, buscando a capacidade dentro e

fora da escola. Definem-se mais pela sua formação continuada do que por seu

trabalho prático. Muitas vezes, não criam laços sustentáveis com a

instituição. Esses profissionais têm uma certa flutuação em sua identidade

social que é definida por eles mesmos a partir de sua relação com o saber

teórico. Há uma tendência de esses professores direcionarem suas carreiras

para a área acadêmica, por exemplo, (ALVES, 2007, p. 280-82).

Dubar (2005) ao descrever as formas identitárias o faz considerando o contexto social

e histórico, em que atuam os docentes acrescentando informações sobre sua formação e sua

estrutura de ação. Estabelece conceitos que podem auxiliar na compreensão das identidades

profissionais, objeto desse trabalho, considerando-se as relações entre o quê é da ordem do

indivíduo, as formas identitárias, e o que é da ordem do social, as formas profissionais.

Contextualizadas no momento em que as estruturas administrativo/pedagógicas e econômicas

das universidades passam por transformações e se encontram organizadas como

instituições/empresas, sob a ótica das relações neoliberais o Estado se ausenta.

Necessariamente, novas identidades profissionais se estabelecem, mediante as reformulações

das relações de poder e saber, impondo novos rumos e novos diálogos.

Portanto, para atingir o objetivo desta pesquisa, faz-se necessário, discutir a as

formações identitárias dos PLP, os propósitos de suas participações político-docente, tendo

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em vista as reformas por que tem passado o sistema educacional, face as transformações do

mundo na pós-modernidade.

Essa relação do mundo vivido, no âmbito individual, com o mundo social, é tema do

texto de Dubar (1998) Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos

conceituais e metodológicos, e traz uma discussão sobre “a importância de se apreender as

identidades sociais como processos ao mesmo tempo biográficos e institucionais”

combinando a trajetória objetiva com a trajetória subjetiva do indivíduo.

Uma proposta de análise que se aproxima da proposta desse trabalho de pesquisa, que

combina os processos identitário social, remetendo aos mundos sociais com os processos

identitários individuais, apreendidos a partir das entrevistas em que os professores formadores

atualizam em relatos, suas trajetórias de vida familiar, escolar e profissional, por meio de

histórias do vivido; com vistas a falar de si e a legitimar seus papéis de sujeito, no momento

da entrevista, a que Dubar (1998, p. 2) chamou de identidade para outrem e identidade para si,

respectivamente.

Assim, semelhante ao que propõe Dubar (1998), a proposta desse trabalho quer

compreender e interpretar a identidade do docente de maneira contextualizada. E para tanto,

interessa-se pela construção identirária do professor formador de PLP dentro de um espaço

social da atual universidade, que passa por um profundo processo de reforma. Fruto de um

processo de transformação socioistórico e econômico, que teve origem nos países ocidentais

do hemisfério norte, e se espalhou pelos países emergentes do sul, uma macro estrutura ou

quadros sociais institucionais. Portanto, a partir da relação entre as micro e as macro

estruturas identitárias, sejam individuais, ou seja, sociais, é que são estabelecidas as

determinações das identificações subjetivas do sujeito, o que permite ao autor afirmar que a

pessoa não existe de fato fora de seus quadros biográficos e institucionais.

Estas e tantas outras conclusões, que dizem respeito às identidades individuais e

sociais, compreendidas e interpretadas ao longo das investigações, tornar-se-iam um grande

problema num quadro de resultados de pesquisas metodológico quantitativo. Por princípio

exigiria que se combinassem as informações dos processos institucionais, com informações

dos processos biográficos, expressos por relatos. Isto é, a trajetória do indivíduo da ordem do

objetivo, como por exemplo, “uma sequência de posições num ou mais campos da prática

social” com a trajetória subjetiva, “como uma história pessoal, cujo relato atualiza visões de si

e do mundo” (DUBAR, 1998, p. 1). Uma tarefa de improvável sucesso.

Diante disso, o autor propõe que a metodologia mais recomendada é a qualitativa que

permite tomar as formas identitárias como formas instáveis que se constroem nas dinâmicas

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sociais, dialeticamente, devendo ser tomadas como “ferramentas de análise, de formas

provisórias de inteligibilidade que o sociólogo constroi para “dar conta da maneira segundo a

qual os membros dão conta de suas práticas” (GARFNKEL apud DUBAR, 1998, p. 7).

Assim, desenvolvo a proposta dessa investigação, situando as trajetórias subjetivas dos

entrevistados, suas histórias de vida pessoal e profissional, no mundo social das trajetórias

objetivas institucionais, considerando a universidade como palco de reformas e

transformações epistemológicas e administrativas do ensino superior. Ocupam lugar de

destaque as mudanças políticos sociais por que passam os países capitalistas implicam

alterações no sistema educacional vigente, nos aspectos das organizações legais, referentes às

recomendações didático-pedagógicas e, em especial, implicam em mudanças sobre as

relações entre professores e alunos. Portanto, uma situação que, demanda uma reconfiguração

de saberes e de práticas, num viés atual, interdisciplinar, de entrecruzamento de teorias

diversas, e que à luz de provocações me conduzam às respostas de indagações como

educacional, diante das demandas socioeconômicas: Qual será o perfil do professor

formador, que identidades ele está construindo? Como estão sendo construídas suas práticas

discursivas no que toca à ação pedagógica no curso de formação de futuros professores de

LP?

Particularmente, reiterando neste trabalho de pesquisa tomo como alvo de atenção a

construção identirária do professor formador de futuros professores de LP, tendo em vista

dois grandes aspectos relativamente implicados, do ponto de vista social, histórico e cultural,

a saber:

a) as reformulações legais e pedagógicas por que passam os cursos de licenciatura,

nessas últimas duas décadas e, consequentemente, a formação inicial de professores;

transformação por que vem enfrentando o mundo da docência, do ensino e da atuação do

professor de educação básica;

b) os efeitos sobre as ações docentes, produzidas pelas mudanças de paradigmas no

mundo das ciências, da rediscussão das atividades da universidade, da democratização da

educação, da consolidação da sociedade tecnológica e da informação, sob ingerência de uma

política econômica neoliberalista;

c) refletir sobre o processo de formação identitária /profissional do professor formador

inscrito, que implica compreender o contexto no qual se exerce a docência, e as dificuldades

pelas quais passa o professor em seu cotidiano profissional, considerando as novas demandas

que pressionam os professores a redefinirem seus papeis, tarefas e identidades, com vistas à

consolidação de sua identidade profissional e a “construir novos parâmetros de formação,

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tomando como referência a condição docente em seu acontecer histórico, num diálogo

permeado pela dinâmica das transformações sociais, políticas e culturais” (ARROYO, 2007,

p. 53).

Embora, segundo os relatos dos docentes entrevistados, muitos professores formadores

tenham comentado sobre muitas de suas iniciativas para mudar suas práticas docentes, em

resposta aos novos desafios do seu trabalho no ensino superior, não logram sucesso. Pois, o

contexto político institucional, com suas exigências administrativas e curriculares, em vez de

constituírem fonte de incentivo à transformação das práticas formativas, torna-se mais um

obstáculo a ser transposto. Esse processo permite se identifique um provável perfil de um de

sujeito/objeto, considerando-se suas histórias, suas práticas discursivas, seu contexto

sociocultural, que compreende suas interações, familiares, religiosas, estéticas, morais, e

linguageiras, ou seja, considerando-se seu processo de subjetivo.

Portanto, conceituar identidade, concebida como uma categoria líquida e instável

requer uma gama de relações complexas como entre sujeito e objeto; entre sujeito/objeto e

contexto; os momentos de produção (teoria /metodologia); entre as diversas disciplinas; entre

a prática e a teoria, pois se trata de um processo de identificação, constituído por infinitas

variáveis subjetivas, portanto, a natureza do objeto de estudo e método de análises escolhidos

necessariamente devem ser compatíveis.

Assim, o sociólogo português Souza Santos (1995) compreende identidade como

“resultados sempre transitórios e fugazes dos processos de identificação [...] identidades são,

pois, identificações em curso”.

Maheirie (2002) complementa essa posição, afirmando que

identidade significa permanência e metamorfose, sendo importante manter

esses dois sentidos para o termo, a fim de que o homem possa ser

compreendido com um ser capaz de atuar, de refletir e de se emocionar,

transformando a si mesmo e o contexto no qual se encontra (MAHEIRIE,

2002, p.42)

ou ainda,

É a consciência, como dimensão subjetiva do sujeito, que é capaz de

construir, desconstruir e reconstruir a identidade constantemente, em que

participam as percepções, imaginação e as reflexões, quer críticas ou não.

Síntese inacabada entre subjetividade e objetividade em um contexto social

específico, numa perspectiva analítica (MAHEIRIE, 2002, p. 42).

A tentativa de conceituar identidade exige a compreensão de alguns pontos

fundamentais, como a capacidade do ser humano de construir conhecimentos, mediante o seu

processo de socialização, fundado nas suas interações sociais. Em um descontínuo e reflexivo

processo de aquisição, avaliação, alteração e descarte de saberes (crenças, desejos, saberes,

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valores) relativos a si mesmo e ao mundo, em que condutas sociais são construídas a partir da

interação dos aspectos cognitivos traduzido sem regras; dos afetivos expressos em valores e

dos expressivos simbolizados em significados, e sofrem transformações sempre que houver

mudanças na relação do sujeito com a(s) realidade(s) que o envolve(m).

Em suma, a noção de identidade que orienta este estudo apresenta não é fundada numa

perspectiva de identidade estática e evolutiva, mas em uma noção que confere á identidade

um caráter dual, plástico, descontínuo, provisório e (inter) subjetivo, pois é compreendida

como um conjunto de identificações apropriadas e/ou construídas pelo sujeito ao enunciar-se

na diferença. Nessa orientação, trata-se, portanto, de realidades biossocioistóricas e culturais

tecidas na (e pela) interação verbal e dialeticamente apreendidas – apropriadas – no curso dos

processos de socialização, que experiência o sujeito, nas esferas de atividades sociais que

integra.

A socialização, segundo Dubar (2005), não tem apenas o propósito de transmitir

normas sociais, valores, códigos e conhecimentos, mas, principalmente, auxiliar no

desenvolvimento de uma visão de mundo que permita e oriente o sujeito a assumir o papel de

responsável pelo seu próprio mundo.

Trata-se, assim, de uma importante orientação para o sujeito que experimenta, hoje, as

mudanças da chamada sociedade „Pós-modernidade‟, para Hall (2003), ou “alta

modernidade”, para Giddens (1997), na qual se convive com as implicações da nova ordem

social, com enormes mudanças em cadeia para as organizações institucionais, o que influencia

diretamente a vida pessoal e profissional dos indivíduos, e consequentemente, influencia as

estruturas que moldam as identidades pessoais e profissionais dos sujeitos.

Nessa perspectiva, assume-se aqui que a construção identitária de qualquer sujeito

resulta de uma intrincada relação entre o sujeito e sua teia socioistórica e cultural, o que

implica um processo de pertencimento ao grupo social em questão, a assunção de um papel

social e, ainda, um trabalho de negociações identitárias (de aprendizagem e apropriação

desses saberes e condutas). Tudo isso mediado, construído e objetivado na (e pela) linguagem,

isto é, pelo discurso. Em suma, tem-se fenômeno construído pelo sujeito que, por ser social, a

um só tempo, dialeticamente envolve uma construção individual e social, no caso em foco,

profissional.

Em suma, segundo Dubar (2005), a questão da legitimidade do sujeito está

diretamente ligada ao processo relacional, em que a identidade profissional do sujeito é

estabelecida a partir do momento em que o outro lhe atribua uma identidade profissional, um

reconhecimento social de competência para o exercício profissional autorizado via „mandato‟

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ou via „diploma‟, ambos protegidos e conservados por instituições sociais específicas. E, a

partir daí, o sujeito estará autorizado a aceitar e vivenciar o papel social, isto é, profissional

que lhe foi atribuído, tornando-se então um profissional, numa combinação com a identidade

construída.

Para fundamentar essa discussão, recorremos também a Charaudeau (2009), teórico da

análise análise do discurso, que vêm formulando reflexões sobre identidade social e

identidade discursiva, a partir do pressuposto de que “um sujeito se constrói através de sua

identidade discursiva, que, no entanto, nada seria sem uma identidade social a partir da qual

se definir” (PIETROLUONGO, 2009, p,326).

A identidade social do professor confere ao sujeito distinção, „poder de expertise‟,

como comentado anteriormente, ela está diretamente ligada à tomada da palavra, o que, numa

interação social, significa assunção de um poder, conforme afirma Charaudeau (2009). A

identidade social diz respeito à legitimidade do sujeito, reconhecida por outros sujeitos que

lhe concedem o direito à palavra. Está diretamente ligada a situação comunicacional, e , em

parte, é por ela determinada. Assim, ao tomar a palavra, o sujeito falante deve saber por que

se encontra no lugar em que está, e, saber o quê dizer e a quem dizer considerando o status e o

papel que lhe é conferido na (e pela) situação comunicacional em questão.

No caso específico da análise e interpretação dos relatos feitos pelos professores

formadores sobre seus processos de formação identitária, um modelo de análise adequado aos

interesses metodológicos desta pesquisa é o proposto por Charaudeau (2009), a partir da

noção de identidade discursiva. Em um viés semiolinguístico, nos nossos termos discursivos,

sugere-se como categoria de análise as estratégias discursivas usadas pelo sujeito, com vista a

se legitimar, para tomar o direito à palavra/poder em sua luta por melhores condições de

trabalho, face às transformações por que passa o ensino nas academias.

A pesquisa hoje visa segundo Dubar (2005) compreender e, se possível, explicar as

transformações do acesso ao emprego, as reestruturações dos planos de carreiras e como a

situação do profissional chegou ao ponto em discussão. Acredito que, para compreender os

efeitos sobre a ação docente, deve-se atentar para as estratégias do docente formador, usadas

para falar de si, face às atuais relações de trabalho, que dificultam o acesso ao emprego, em

que as reestruturações dos planos de carreira implicam sacrifícios de toda sorte, cortes

salariais, exclusões duradouras da esfera das atividades reconhecidas.

Um ponto de análise relevante para a compreensão da configuração das relações de

trabalho docente e o seu processo identitário é a articulação existente entre as formas

identitárias e como elas reagem à reforma universitária em curso tanto em Portugal, como no

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Brasil. Trata-se de uma mudança que atende a interesses de poder, agora, explicitamente,

inserido na academia, tomada como um novo mercado de produção de conhecimentos úteis e

de trabalho a serviço da economia.

3.2 - Linguagem e Enunciação

A linguagem é um fenômeno que permite ao indivíduo o exercício da fala, numa dada

situação social, por meio da qual um sujeito enuncia-se a outro sujeito, estabelecendo

encontro ou a comunicação significativa. Dessa perspectiva, encontra-se na Teoria da

Enunciação de Benveniste (1974) o princípio que nos esclarece que a subjetividade é a

capacidade de o locutor se propor como sujeito do seu discurso e nela se funda no exercício

da língua. Considerando-se acima de tudo, que esse é um sujeito discursivo constituído na e

pela linguagem ao enunciar. O processo de constituição do sujeito ou da enunciação,

defendido pelo autor, tem por princípio a questão da subjetividade na linguagem, ao analisar a

produção do enunciado no momento da enunciação que é “explícita ou implicitamente uma

alocução – ela postula um alocutário” (BENVENISTE, 1974, p. 82).

Ao instituir-se em eu institui-se em tu, que se distingue pela marcada subjetividade “o

ego” tem sempre uma posição de transcendência em relação ao tu, apesar disso, nenhum dos

dois termos se concebe sem o outro; são complementares e ao mesmo tempo reversíveis “eu

propõe outra pessoa aquele que sendo embora exterior a mim, torna-se meu eco ao qual digo

tu e que me diz tu” (BENVENISTE, 1986, p. 128). Em oposição a ambos tem-se o ele, que

diferente de eu e tu, tem a marca de pessoa, por não se referir a um indivíduo específico, por

encontrar-se fora da relação de subjetividade. A constituição da subjetividade vai se fazendo à

medida que se tem a capacidade de dizer eu, no interior do discurso.

A linguagem pressupõe o diálogo que nunca se interrompe, pois, a cada enunciado, o

novo é dito e passado a diante, levando consigo as marcas históricas, temporais, espaciais da

realização discursiva do enunciado, a irrepetível unidade básica da linguagem. Portanto, a

linguagem é instituída pelo social com vistas ao entendimento entre os membros da

comunidade, sua sobrevivência, sua legitimidade, sua credibilidade, sua captação perante os

demais membros e, por fim, à conservação de seu modo de vida social.

É por meio da linguagem que nasce a consciência e seus mecanismos superiores como

a memória, a lógica, a imaginação, etc. Um conjunto de categorias fundamentais para a

construção de conhecimentos, que ao serem apropriados pelo grupo darão origem às regras de

comportamento do grupo de cunho moral, socioistóricos, econômicos e culturais. Tais

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comportamentos são considerados, pelo grupo, úteis para a preservação do modo de vida da

comunidade social.

Isto é, a linguagem para ser significada, portanto, para existir para o sujeito,

necessariamente deverá passar pela subjetividade do sujeito, sendo assim a subjetividade

depende da linguagem para existir e vice versa. Ambas compõem uma dupla de fenômenos

complementares, fundamentais para a constituição dos sujeitos, uma categoria discursiva, que

se faz existir pela subjetivação da linguagem, enunciando-se. E ao fazê-lo, falando,

materializa a realidade da linguagem, ou seja, cria a linguagem. Mas, ao mesmo tempo,

subjetivando-a, faz útil a subjetividade, ao significar a linguagem.

A identidade do sujeito está diretamente, ligada a esses dois fenômenos, porque o

sujeito se constroi em enunciados, (portanto, por meio da fala, num exercício de linguagem), a

partir da subjetividade dos enunciados de outros sujeitos, as identificações presentes nos

diálogos das situações sociais ou enunciações são apreendidas e utilizadas pelo sujeito, na

construção de sua identidade ao se enunciar.

A relação estabelecida entre os conceitos de linguagem, subjetividade e identidade está

baseada nos estudos da filosofia da linguagem desenvolvidos pelo Círculo de Bakhtin e

Volochinov (1929/1992). Estes estudos permitem esclarecer que a linguística de Saussure

ocupou-se, em especial, do aspecto técnico da linguagem, a língua, mas deixou de fora a parte

essencial da linguagem a fala e os falantes situados no mundo. Portanto, os estudos

linguísticos e filosóficos da linguagem são aqui vistos como complementares. E o resultado

teórico, conceitual e metodológico da tentativa dessa articulação constitui referência teórica

para abordagem discursiva desse trabalho. Sob este foco busco conferir à reflexão e à análise

do objeto em estudo a construção identitária de professores formadores de PLP.

O filósofo russo desenvolve seu trabalho, observando o movimento da linguagem e do

seu uso pelos falantes, portanto, privilegia a interação e a transformação social. E sob esse

aspecto pode ser chamado de opositor a Saussure, pois não concebe a língua como algo

estático, e, o significado do signo é provisório, uma vez, que defende que as significações

dependem do uso feito pelos falantes, em situação real socioistoricamente situados.

A teoria de Bakhtin e Volochinov (1929/1992) que discorre sobre a linguagem

diferencia-se da teoria da língua de Saussure por tomar base da interação o enunciado, que

diferentemente, do signo exige um enunciador e um receptor para existir. Portanto, demanda a

existência do sujeito, que passa a ocupar lugar de destaque. Além disso, o enunciado é

compreendido como um acontecimento que ocorre num determinado tempo e lugar,

envolvendo sujeitos históricos.

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O estudo do uso da linguagem sob o enfoque da mobilidade social atualiza o que se

passa no interior da sociedade em questão, é o registro da memória socioistórica e discursiva

dos interactantes e, em especial, dos processos de construção das identidades individuais e

coletivas.

Interessa esta pesquisa analisar, à luz dessa teoria, o recorte da atividade humana, a

entrevista, em que o indivíduo enuncia-se, revelando seu processo de construção identitária

profissional, enquanto reflete e refrata os efeitos da relação com o poder e com a

subjetividade.

O enunciado é único, não podendo ser repetido, exatamente por envolver as categorias

citadas acima. Porém, tão importante quanto essas, é a categoria „tema‟, que também é único

como também o é cada enunciado. O tema corresponde a uma significação que envolve a

totalidade da cena, como os elementos verbais e não verbais, os atores, movimentos gestuais,

expressões faciais, figurino, entonação, etc. Assim, dada as diferenças socioistóricas, culturais

e biológicas, existente entre os enunciadores do encontro, as impressões do encontro captadas

por eles variam, e, devido a isso, o autor afirma que cada enunciação é diferente da outra,

mesmo que o texto do enunciado seja repetido, seu tema jamais será o mesmo.

Cada enunciado traz em si significações herdadas de outros significados de enunciados

passados, ao mesmo tempo em que traz também novos significados, as novidades, que

articulados com os já conhecidos, sempre proporcionarão um novo conhecimento

sucessivamente. Assim, segundo Bakhtin e Volochinov (1929/1992)

por trás de cada texto está o sistema da linguagem. A esse sistema

correspondem no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo que pode

ser repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o

dado). Consequentemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo

individual, único e singular, e nisso reside todo seu sentido (a sua intenção

em prol da qual ele foi criado). É aquilo que nele tem relação com a verdade,

com a bondade, com a beleza, com a história (BAKHTIN/ VOLOCHINOV

(1929/1992, p. 97).

De acordo com Faraco (2009) as práticas socioculturais discursivas ou atividades

verbais concretizam-se em gêneros do discurso e estão atravessadas por diferentes posições

sociais (concretizam diferentes vozes) é o que lhe permite interagir, expressar sentidos,

sentimentos ideias e emoções, enfim, agir como ser socioistórico e cultural, o que o torna

objeto dos estudos das mais diferentes ciências.

O estudioso das teorias bakhtinianas afirma que o importante num encontro de

falantes, não é o evento em si, mas o que acontece nesse encontro, as relações dialógicas

interativas. Os sujeitos partícipes da interação são “indivíduos socialmente organizados”

possuem uma história e conhecimentos, o que os torna heterogêneos, isto é, “os sujeitos se

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constituem e vivem numa emaranhada rede de signos, que ocorre sempre no interior de

inúmeras esferas da atividade humana, desde as mais efêmeras do cotidiano até as

culturalmente mais elaboradas” (FARACO, 2009, p. 19).

Das atividades discursivas, ou práticas sociais, emergem os sentimentos morais, já

comentados anteriormente, que são utilizadas como forças reguladoras conservadoras do

grupo, são verdades e mentiras sociais, que refletem e refratam o mundo “estão materializadas

semioticamente e redundam em diferentes vozes ou línguas sociais que caracterizam a

realidade da linguagem heteroglótica e atravessadas pelos contínuos embates entre essas

vozes, a infinda heteroglossia dialogizada” (FARACO, 2009, p. 79).

Em meio ao grupo social emergem os enunciados, bem como os pontos de tensão

entre essas forças reguladoras. Eles trazem em si a carga verbal, aquilo que é falado e a carga

não verbal, mas presumível, que embora não esteja verbalizado, pode ser subentendido

considerando-se as relações sociais que envolvem os sujeitos, suas falas e os contextos, isto é,

as condições de produção do enunciado.

A natureza dialógica da enunciação pressupõe uma atitude responsiva, uma tomada de

posição em relação ao enunciado inicial, e de acordo com o presumível da cena, essa resposta

será afirmativa ou não. O valor de cada enunciado é sempre constituído de vários outros

enunciados ou fragmentos de outros anteriores – a dialogização interna, portanto, constituídos

por várias vozes anteriormente ouvidas – a bivocalização, que ecoam no momento do dito, ou

no momento da enunciação do sujeito.

O sujeito ao enunciar é regulado pelos gêneros do discurso que regulam e direcionam

a produção do dito ou do enunciado, uma forma de controle das atividades humanas. Segundo

Bakhtin (1986) os gêneros e as atividades são mutuamente constitutivos, portanto, falar não é

apenas atualizar um código gramatical num vazio, mas moldar o nosso dizer às formas de um

gênero no interior de uma atividade.

Todavia, visto por esse ângulo, parece que o sujeito encontra-se subjetivado pela

moral e pelos gêneros discursivos, e que a enunciação segue modelos prévios úteis à

preservação dos modelos convencionais do dizer e do agir nas práticas de linguagem e nas

atividades humanas.

Assim, Bakhtin (1986) ao conceituar os gêneros do discurso afirma que esses são tipos

relativamente estáveis de enunciados, isto é, são passíveis de serem mudados, remodelados e

ainda que têm “historicidade”, ou seja, por nascerem no interior das atividades humanas

dinâmicas e em constante mudanças, os gêneros também acompanham esse movimento, são

maleáveis e plásticos.

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3.2.1- Linguagem e o rastro do sujeito discursivo

Como afirma Fernandes (2005) o sujeito é discursivamente inventado por meio do

processo de subjetivação das linguagens é puro movimento, apreensível apenas num só

depois.

A subjetividade individual “representa os processos e formas de organização subjetiva

dos indivíduos concretos” (FERNANDES, 2005, p. 6) cuja natureza processual, é

representada pela organização histórica da subjetividade do sujeito, constantemente implicado

nos espaços sociais e em suas práticas.

Afirma, ainda, que as emoções afetam diretamente a subjetividade individual do

sujeito, bem como, os processos de subjetivação da linguagem, pois estão associados às

experiências sociais do sujeito concreto e às formas de organização destas, realizada pelo

curso da história de cada sujeito

as emoções representam estados de ativação psíquica e fisiológica resultantes

de complexos registros do organismo ante o social, o psíquico e o fisiológico.

As emoções são verdadeiras unidades que mostram a ecologia complexa em

que se desenvolve o sujeito, e as mesmas respondem a espaços constituintes

da ecologia. Nesse sentido, as emoções representam um dos registros mais

importantes da subjetividade humana, o que requer explicitar as possíveis

vias de seu caráter subjetivo (GONZALEZ REY, 2003, p. 242).

Os estudos mais recentes têm se preocupado em desenvolver categorias que permitam

compreender e explicar de que maneira as emoções participam do processo de construção

cultural e da subjetividade social individual do sujeito.

Tais estudos se preocupam igualmente, em estabelecer um método de estudos e

pesquisa, que abarque a complexidade da subjetividade como um sistema e o

desenvolvimento do indivíduo. Tomam-no como princípio em prol de um sistema dialético,

anteriormente, proposto por Vygotsky (1934-1987), em seu estudo Sistema dinâmico de

sentido em que transcende a dicotomia do externo e o interno, dentro de uma nova definição

ontológica da psique de caráter sistêmico e processual, que se mostra de forma simultânea

como organização e processo.

A formação discursiva do sujeito pode sofrer influências e até mesmo ser alterada pelo

“interdiscurso” ou discursos “outros‟ externos e ou anteriores, que podem trazer efeitos

discursivos de ambiguidades, de divisões ideológicas, réplicas estratégicas, de respostas

prontas e por fim, de esquecimentos inconscientes ou não, sobre a origem do seu dito.

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Authier-Revuz (1990), como seguidora do pensamento de Bakhtin, compreende o

sujeito como produto da linguagem, do discurso heterogêneo, dividido entre o consciente e o

inconsciente. Desenvolveu seus estudos linguísticos preocupada com a análise das marcas

explícitas da heterogeneidade mostrada, privilegiando as formas do discurso relatado. Suas

pesquisas influenciaram muito os estudos sobre o sujeito em especial a Análise do Discurso.

As várias correntes da AD diferem entre si no que se refere a abordagem do sujeito

como elemento do discurso, mas se assemelham quanto a existência do interdiscurso, e da

abordagem das condições de produção e seus processos de construção discurso. Dentre as

quais a que, particularmente, interessa a esse trabalho é a de origem anglo-saxã, devido à

abordagem que faz das relações entre sujeito e linguagem, e das relações desses com as

disciplinas sociologia, história, antropologia, psicologia, filosofia e demais ciências naturais.

A corrente anglo-saxã corrobora com a concepção de sujeito abordada em nossa

pesquisa, ao tomar o sujeito como subjetivado construído nos interstícios discursivos, fruto

das interações com o Outro e das relações subjetivas, essenciais nos processos de construções

identitárias. Esse sujeito conhecedor das restrições a que está submetido, contra as quais re-

age, impondo-se ao buscar brechas para agir de acordo com sua consciência.

Acrescente-se aí outra característica relevante dessa corrente, o fato de privilegiar a

relação com a Sociologia, interessando-se pelas estruturas mais flexíveis que as dos textos de

instâncias institucionais de interesse da AD francesa.

Dessa última, destaco o interesse em refletir sobre o uso da linguagem como um

processo discursivo que reflete e refrata a construção identitária do sujeito a partir de suas

experiências históricas. E esse é um ponto que nos aproxima da AD francesa, à qual

acrescentamos outras tantas, como experiências como as sociais, as culturais, as biológicas e

as psicológicas, para formar o sujeito de linguagem, ativo e consciente defendido por Foucault

(2004).

Nessa concepção do sujeito, o falante não diz a verdade que acredita dizer. O que diz

não é expressão de um puro pensamento, de uma pura atividade cognitiva, mas resulta da

interação com o Outro, outras vozes, que residem no inconsciente, produzidas no

interdiscurso. Esse Outro, o inconsciente, estrutura-se via discurso identifica-se com o sujeito

e ao mesmo tempo o desestabiliza.

O discurso do Outro se faz na presença da heterogeneidade mostrada, isto é, as marcas

do discurso alheio colocado em cena pelo sujeito, “instancia de um além interdiscursivo que

vem, aquém de todo autocontrole funcional do ego-eu, enunciador estratégico que coloca em

cena sua sequência” (GADET; HAK apud SANTOS, 2010, p. 10).

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É impossível moldar uma forma que defina o sujeito sem a relação que esse trava com

o outro, pois, para compreender o sujeito discursivo implica compreender as vozes sociais que

se fazem presentes em sua voz.

O sujeito não aparece individualizado naturalmente. É preciso que o poder

disciplinalize-o, molde o seu comportamento, conforme a ordem desejada. “O sujeito se

relaciona consigo mesmo através do discurso, discurso esse que não lhe pertence

completamente, mas que é devassado pelo Outro”(FERNANDES 2005, p. 23).

O discurso não é fruto de um sujeito que pensa e sabe o que deseja, pelo contrário, o

sujeito é construído pelo discurso, que resulta de um conjunto de relações que irá determinar o

quê o sujeito deve falar, quando e como, é ele que estipula as modalidades enunciativas.

Como exemplo, temos a fala de uma entrevistada, cuja entrevista figura no corpus de minha

pesquisa.

Na verdade o meu primeiro contato com o Brasil foi porque estava lá o meu

livro, na livraria da UFMG. E a professora Graça Paulino, que já foi da Puc,

viu o livro e tinha uma doutoranda que estava precisamente também a

trabalhar o livro didático, a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e

depois veio aqui a fazer o seu sanduiche. Excerto entrevista E13.

A entrevistada E13, ao falar de seu trabalho em parceria e de suas relações de pesquisa

com professores e universidades brasileiras, legitima-se no discurso acadêmico voltado para a

área de formação de professores, deixando clara posição como professora, como pesquisadora

e autora de livros sobre o fazer docente.

Portanto, os discursos movem-se em direção a outros discursos, que, por sua vez,

também são atravessados por outras vozes, num constante duelo, ora o legitimando, ora o

confrontando. Esses discursos podem estar dispersos no tempo e espaço, mas se unem porque

são por uma mesma regra de aparição, como uma escolha temática, mesmos conceitos,

objetos, modalidades ou um acontecimento. Devido a isso o discurso é considerado uma

unidade em dispersão.

O exercício de analisar um discurso consiste, portanto, em fazer desaparecer e/ou

reaparecer as contradições, consiste em mostrar o jogo que elas desempenham em um

determinado discurso. É “compreender como o discurso pode exprimir as contradições, dar-

lhes corpo, ou emprestar-lhes fugidia aparência” (FOUCAULT, 2005, p. 40).

Foucault chamou de “técnicas de si”, aos procedimentos que fixam, mantêm e

transformam a identidade, em função de determinados fins, orientados por poderes múltiplos

que atuam sobre nossas vidas, que nos levam a construir representações de subjetividades e

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impor formas de individualidades. Em virtude disto, somos acostumados a ligar uma

identidade a um indivíduo, a dar nome, tornar familiar e a domesticar por meio da

generalização, segundo Fernandes (2005). Como exemplo,

E eu não acho que tenham bom fruto, os meus alunos que vão ser professores

de português ficam limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a

intregação. E o professor de português é aquele que corrige erros de

ortografia e erros de linguagem, o escrever e a falar bem, e literatura. E

mesmo que olhem pra aula de língua numa perspectiva interativista, a

questão centrada sempre em saber a gramática e saber a literatura, calcados

na escola passada. Excerto entrevista E13.

E13 referindo-se à dificuldade apresentada pela maioria de seus alunos/professores de ligarem

os conhecimentos, adquiridos na academia, aos conhecimentos pré-profissionais, trazidos de

suas experiências como alunos, de que nos fala Tardiff (2005).

Portanto, o sujeito deve ser concebido como fragmentado, relativizado, determinado

pelo lugar de onde fala; e o discurso, pensado sob suas condições de produção, de uso

pragmático e não sob o ponto de vista linguístico.

3.2.2 - Linguagem: lugar de aparição do sujeito

Foucault (1983) volta sua atenção para a questão da relação entre a linguagem e a

subjetividade, mas uma relação em que o sujeito não reflete sobre a origem socioistórica do

enunciado. O autor aborda a emergência de enunciados que respondem ao dito, não como

uma tomada de posição resultante de uma reflexão, mas uma tomada de posição resultante de

uma automação condicionante da aceitação da verdade social. Afirma que os sujeitos

produzidos pelas diversas vozes sociais encontram-se condicionados pela moral, cuja verdade

foi instituída nas atividades humanas, pelos micros poderes das criações socioideológicas. E

em situações de ensino, muitas vezes, somos levados a agir conforme os ditames curriculares,

sem refletir sobre os desdobramentos dessa ação. Em se tratando de docentes formadores de

PLP, isso pode resultar em prejuízos didáticos.

Segundo Souto (2006), em seu curso O governo de si e dos outros, o filósofo francês

afirma que o esquecimento, tratou de tirar do homem moderno a capacidade de perceber a

diferença entre o que é verdade e o que é mentira para si, considerando seu papel dentro de

sua comunidade seus valores morais e culturais de seu tempo, portanto, dentro da linguagem.

Para Foucault (1983), o homem moderno deveria resgatar sua capacidade de

reconhecer o que era bom para si, a partir da “verdade do indivíduo construído ao longo de

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sua vida”, a partir do referencial teórico de minha pesquisa, compreendo essa “verdade

individual” foucaultiana como uma categoria semelhante ao self de que fala Mead (1934).

De acordo com o pensador francês, o homem moderno, perdeu a capacidade de falar a

verdade de si. A meu ver, isso teria ocorrido, face às múltiplas identidades que esse homem

assume em cada enunciação, atravessadas por múltiplas posições avaliativas, permeadas por

criações socioideológicas que o induzem ao mundo das aparências.

Diante de tudo isso, o convite de Foucault (1983) para solucionar o problema tem

como movimento inicial o resgate da ética, em que “a verdade seria concebida interiormente”,

atendendo a uma solicitação do indivíduo que deseja construí-la, na sua relação consigo

mesmo, abordando a linguagem, considerando sua relação com a subjetividade e com o poder.

No que se refere ao resgate do sujeito, Foucault aproxima-se de Bakhtin, ao considerar a

subjetivação útil para explicar uma nova abordagem de sua teoria.

Portanto, este estudo sobre linguagem contribui de maneira efetiva para orientar a

etapa analítica desse trabalho, em que procuro compreender e interpretar o quê e como dizem

os sujeitos, Trata-se de um exercício que lida como a “intertextualidade aberta”, onde os

sujeitos individuais e coletivos divergem-se e lutam para mostrar uma identidade coerente

com seus relatos. Além disso, as variações das circunstâncias do evento discursivo podem

levar a distintas e imprevisíveis interpretações.

Isso é explicado pelo autor francês que considera o ato de linguagem como um “objeto

duplo”, constituído por dois segmentos, o explícito, cuja interpretação é transparente ou

literal, e, o implícito, cujo sentido pode ser interpretado de várias maneiras distintas, isso

ocorre em virtude da infinita capacidade do sujeito para significar o mundo, como uma

totalidade que inclui o contexto socioistórico e as relações que se estabelecem entre os

sujeitos. A princípio, essa incontrolável possibilidade de interpretações pode ser tomada como

um problema a mais para o analista, mas em muitos casos, são, na verdade um desafio para

novas descobertas.

Para tanto, o analista deve considerar que os atos linguageiros resultam de estratégias

de significação construídas pelos sujeitos enunciadores e interpretantes, e, devido a isso, o

interesse da análise deve focar “os modos de construção desses relatos e seus efeitos de

sentido na interlocução, e não propriamente o grau de veracidade dos fatos relatados, ou

autenticidade das intenções [dos sujeitos]” (SINGNORINI, 2006, p. 57).

Além disso, não se pode perder de vista que linguagem, como constituinte do sujeito,

está intrinsecamente ligada ao seu processo de construção identitária, por implicar

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discursividade e subjetividade. É relevante considerar que o sujeito toma consciência de si, ou

se constroi, baseado na sua identidade social e se realiza pela identidade discursiva.

3.2.3 - Linguagem e estratégia da identidade discursiva

A identidade discursiva é construída pelo sujeito para garantir sua permanência com a

palavra após conquistá-la, pois não basta ter legitimidade, tão importante como saber “a

quem” dirigir seu dito, é necessário saber “como” dizer. Esta ação está diretamente ligada aos

modos do dizer, e principalmente à construção de estratégias discursivas de credibilidade e de

captação numa dada interação discursiva, como afirma Charaudeau (2006).

Trata-se, portanto, de uma categoria de análise, útil a esse estudo, pois permite que se

faça uma combinação dessas estratégias, realizadas linguisticamente no texto, com outras

pistas para que se chegue à compreensão e uma possível interpretação da identidade social do

sujeito professor formador de PLP.

A primeira refere-se à situação em que o sujeito de acordo com a circunstância

discursiva, necessita fazer-se crível. E como estratégia vale-se de expedientes variados como

o uso da neutralidade em que, ao falar não deve deixar transparecer nenhuma marca de

avaliação pessoal, apenas enuncia.

Outro recurso é o distanciamento, em que o sujeito fala sem demonstrar paixão, atua

de maneira racional e analítica.

E por fim, contrária às estratégias anteriores, mas com o mesmo propósito, de

conquistar credibilidade, o engajamento, em que o sujeito assume uma posição, identificada

pela escolha dos argumentos, modalizações e avaliações, por meio das quais “explicita a

convicção de sujeito com intenção de influenciar seu ouvinte” (CHARAUDEAU, 2006,

p. 313).

A segunda estratégia discursiva a captação tem por objetivo garantir para o sujeito a

atenção e concordância do interlocutor em relação ao que diz o sujeito. Nessa estratégia o

sujeito vale-se do uso da razão para “persuadir” o interlocutor, induzindo-o a raciocinar a

respeito dos argumentos apresentados. Ainda dentro da captação o sujeito pode tentar seduzir

o interlocutor, ao recorrer às “emoções”, fazendo o outro sentir e pensar nos efeitos dessas

emoções significadas, sempre com vistas ao seu objetivo, conquistar a adesão do outro

segundo Charaudeau (2006).

As estratégias se realizam através de diferentes atitudes discursivas como criar uma

polemizar as ações, valores, ideias e até mesmo, ou o próprio interlocutor, para em seguida,

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eliminá-lo, a partir de seus próprios argumentos. Realizam-se ainda pela sedução em que são

criadas situações imaginárias, em que ao interlocutor são dispensados papéis heroicos de

beneficiário. Ou ainda a atitude de dramatização que apoia sua argumentação em relatos

afetivos com uso de metáforas, comparações, com objetivo de fazer o outro sentir fortes

emoções.

Portanto, a identidade discursiva é construída pelo sujeito, apoia-se no conhecimento

da identidade social do sujeito e do interlocutor, para o uso eficiente da palavra a seu favor

baseado “na organização enunciativa do discurso e na manipulação dos imaginários sócio-

discursivos”. (CHARAUADEAU, 2006, p. 313). Trata-se de uma importante identificação do

sujeito, portanto, faz parte de suas escolhas, e, nunca está acabada, dado o caráter dinâmico

dos atos linguageiros. Segundo Charaudeau (2006),

É neste jogo de vaivém entre identidade social e identidade discursiva que se

realiza a influência discursiva. Segundo as intenções do sujeito comunicante

ou do sujeito interpretante, a identidade discursiva adere à identidade social

formando uma identidade única essencializada – (eu sou o que eu digo)/ele é

o que ele diz), ou se diferencia formando uma identidade dupla de ser e de

dizer (eu não sou o que digo /ele não é o que diz ser), No último caso, ou se

pensa que é o dizer que mascara o ser (mentira, ironia, provocação), ou se

pensa que o dizer revela um ser que ignora a si mesmo(denegação, revelação

involuntária: sua voz o traiu) (CHARAUDEAU, 2006, p. 313).

As escolhas efetuadas pelo sujeito para compor seu mosaico de identidades, resultam

de informações disponibilizadas em sua memória, mas, esta, não se trata de um armazém de

estocagem, onde estão arquivados os blocos prontos e acabados. Não se trata de estabelecer

uma montagem peça a peça, mas, sim, de uma montagem instantânea, que se forma,

transforma e reforma a cada nova interação, realizados no/pela ação linguageira, num infinito

movimento subjetivo, em que todas as informações de que dispõem os sujeitos encontram-se

interligadas e prontas para serem ativadas, à menor vibração, registrada como comando, a

serviço da subjetividade do sujeito. Esse sujeito que dispõe de tudo isso não pode ser

concebido como uno e fixo, mas múltiplo e disperso como também deve ser sua identidade.

3.3 - Subjetividade

O desenvolvimento das teorias de Foucault (1985) vêm ao encontro do interesse de

nossos estudos relacionados à importância da linguagem e à formação da consciência, cujos

conceitos são fundamentais para a compreensão do comportamento do homem no processo de

sua construção identitária. Por sua vez, esse processo está intimamente ligado à constituição

do sujeito e de subjetividade, pois ambas resultam de práticas discursivas e estão imersas na

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trama socioistórica. A subjetividade, aqui compreendida a partir da a noção do “cuidar de si”

de que fala Foucault (1985) constitui uma importante categoria que se inscreve no quadro das

aliadas às resistências ao poder. O autor, na terceira fase de sua pesquisa, admite que “os

indivíduos poderiam tomar para si a orientação de sua constituição de sujeito desde que

olhasse pra si, [...] investigando como o mundo no qual estão inseridos procurou produzir sua

subjetividade” (CAVALCANTE JUNIOR, 2008, p. 7).

A consciência segundo Brandão (1998) nasceu para o mundo ocidental quando

Descartes promove o deslocamento do ponto fixo do ser externo a nós, para o interior do ser,

até então, pensado como o ser uno imutável. Agora o ser é visto como o que existe em nós,

essa mudança é explicada a partir da afirmativa “cogito, ergo sum” – Penso, logo existo – que

constitui o fundamento da subjetividade. É reconhecido o poder de pensar e agir do homem,

por conseguinte, o direito de construir “suas” verdades, enquanto percebe a si próprio como

ser no mundo. O homem constata que pensa. A partir daí, o mundo científico “erige a

consciência como a primeira certeza fundadora de todas as outras” (BRANDÃO, 1998, p.34 )

A subjetividade é reconhecida como ferramenta de produção do saber e o homem

passa a ser dotado de consciência, compreendida como

Uma capacidade, ou melhor, um poder de síntese, uma atividade que

reconhece ou que produz a partir de si mesma o sentido real pela produção de

ideias ou conceitos dos objetos e dos estados interiores; estas atividades

epistemológicas e esse poder definem aquilo que a filosofia denomina sujeito

(CHAUÍ, 1976, p. 34).

A consciência passa a apreender o real, o sujeito e o objeto, inicialmente, separados,

tornam-se sujeito/objeto. A representação “consiste numa operação em que o sujeito se

apropria do objeto, de algo que lhe é heterogêneo e converte-o em ideia, torna-o homogêneo à

consciência” (BRANDÃO, 1998, p. 40). Portanto, a verdade ou a realidade, necessariamente,

devem ser compreendidas como originárias da contradição, explicado por Chauí (1976)

A identidade de um ser não está nele mesmo, mas naquele ser ao qual se

opõe. O real é constituído por realidades que se negam inteiramente umas às

outras, e essa negação ou contradição é que produz o movimento próprio real.

O real é processo. É história. É dialética: negação interna dos contraditórios

de cuja luta uma realidade nova nasce (CHAUÍ, 1976, p. 36).

Assim, a subjetividade está na relação de oposição que todo ser mantém com o Outro.

A partir desse ponto de vista a representação é compreendida como uma construção da

subjetividade do sujeito que dá sentido ao objeto, ao representar seu mundo, por meio da

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linguagem. Assim ao refletir sobre sua subjetividade, o indivíduo estaria se empenhando

numa ação em busca da compreensão de si mesmo, esculpindo sua dimensão subjetiva ou de

sua espiritualidade e “intervindo nos determinismos que lhe são impostos”, ultrapassando a si

mesmo. Todo esse esforço faz parte de um projeto individual de ação, para alterar uma

determinada situação em que se encontra.

Trata-se, portanto, de um processo dialético, reflexivo e ético. Considerando-se que

Foucault (1985) não formalizou um conceito de subjetividade, e, menos ainda, de sujeito, o

significado dessas categorias, para o processo de construção identitária será mais bem

compreendido, após a leitura desse capítulo, a começar por um breve histórico sobre o acesso

à verdade científica, pelo caminho objetivo da realidade e o abandono do caminho subjetivo

da verdade do ser.

Segundo Bauman (2005), identidade é o retrato da vida na contemporaneidade. O

autor liga este conceito ao de subjetividade, por compreendê-la, por um lado, como

“pensamentos e emoções conscientes e inconscientes que constituem nossas concepções sobre

quem nós somos” (BAUMAN, 2005, p. 33) em um viés individual. Por outro lado, num viés

coletivo, afirma que esta subjetividade pode se ligar ao nosso lado social, num contexto em

que a linguagem e a cultura dão significado à nossa existência. E, a partir deste significado,

construímos uma determinada identidade, ou seja, os discursos constroem nossa identidade. É

essa a abordagem que adoto para compreender o objeto de estudo desta tese: a construção

identitária do professor formador dos futuros profissionais da educação, professores de LP.

3.3.1 - Subjetividade e identidade

Os estudos sobre a ligação da subjetividade à questão da identidade iniciam-se, a partir

do século XVIII, quando se instaurou a concepção do homem como centro de todas as coisas

e senhor absoluto da cientificidade, de onde viriam explicações sobre todos os fenômenos

humanos, sociais e físicos. Ao mesmo tempo, criou-se também o sujeito cognoscente,

concebido como um objeto passível de ser estudado e explicado pelas ciências humanas por

meio de uma metodologia neutra e objetiva, segundo Freitas (2006).

Portanto, predominantemente, a produção científica dos séculos seguintes, inclusive na

área das Ciências Humanas, pautou-se nesse princípio. Freitas (2006) afirma que essa

concepção, de maneira indireta, proporcionou avanços importantes à psicologia rumo a sua

autonomia epistemológica, pois a partir dos postulados de Descartes permitiu o

desenvolvimento do conceito de consciência. Definida por seu “cogito”, quando se deu a

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descoberta do espírito por si mesmo, cuja existência percebe-se como sujeito. Portanto, foi

dado um passo fundamental para o estabelecimento do racionalismo que tentava explicar os

fenômenos da consciência.

Isso levou aos estudos do homem como um objeto dual composto de corpo e mente,

considerados como duas substâncias independentes e opostas. Assim, ambas as abordagens da

psicologia.

a objetivista e a subjetivista – fragmentam a realidade não tendo condições de

explicar o todo, sendo insuficientes para a sua compreensão por

negligenciarem o caráter histórico dos fatos. [...] o homem é, antes de tudo,

um ser físico e natural, [...] e sua natureza é um produto da história

(FREITAS, 2006, p. 63).

No objetivismo “o indivíduo é considerado um produto do meio, independente das condições

históricas que o produziram” (FREITAS, 1995, p. 63).

Esse conceito foi superado posteriormente, por Spinoza apud Freitas (1995), para quem o

homem é mais um ser submetido às leis naturais, compreendido como “um modo finito da

substância infinita”, onde interagem corpo e espírito num movimento único.

Embora esse pensamento fosse, à época, inovador seu desenvolvimento deu-se em

bases ainda idealistas privilegiando uma metodologia quantitativa em detrimento da

qualitativa, de certa forma, impedindo que as Ciências Humanas emergissem como ciências

autônomas, além de exigirem que deixassem de lado a intencionalidade do sujeito.

Esse pensamento só seria modificado quando Bretano, em 1874, rompeu com a

psicologia objetiva, ao retomar os estudos de Kant em Crítica da Razão Pura, que afirmavam

que o conhecimento humano é proveniente da sensibilidade e do entendimento, que

combinados permitem ao sujeito a construção do conhecimento de si, dando início à

orientação subjetivista.

Dessa maneira, ganha espaço a psicologia subjetivista, em que o indivíduo, dotado de

uma essência universal, é anterior às condições ambientais e históricas. A predominância do

sujeito sobre o objeto do conhecimento é reconhecida, valoriza-se sua atividade e criatividade,

embora não seja situado na sociedade em que vive, pois está fechado na sua subjetividade.

Em busca da compreensão e apreensão desse homem e de suas ações no mundo, a

psicologia adiciona a dimensão histórica ao seu campo de estudos. Para tanto, precisou

romper com a tradição dicotômica objetivo/subjetivo, a favor de uma postura dialética e

dialógica, ou seja, uma psicologia capaz de compreender o homem como um ser psico-

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biossocioistórico, contraditório e que si constrói pela linguagem e na linguagem, num

processo constante e infinito de interação.

A dialética e o dialogismo constituem as bases das teorias defendidas por Vygotsky e

Bakhtin, respectivamente. O primeiro trouxe importantes contribuições para a psicologia

sobre aspecto socioistórico do homem e o segundo trouxe os resultados de seus estudos na

área da linguagem. Embora tenham vivido e realizado seus estudos, fisicamente, distantes um

do outro, suas teorias aproximam-se por meio da motivação e abordagem temática de um

objeto de estudos comum – o homem como ser socioistórico – e a característica teórica que os

aproxima é a capacidade de enxergar na pluralidade a possibilidade da unidade, nascida da

dialética da interação.

Vygotsky (1998) opunha-se ao conceito de mente isolada do comportamento, por

considerar o sujeito constituído nas formas sociais de relações e a consciência resultante da

subjetivação dos signos verbais e não verbais presentes nas atividades externas e objetivas no

ambiente social.

Portanto, a subjetividade atua, diretamente, na escolha de uma e não de outra

identidade particular ou individual, constituindo-se, portanto, um elemento essencial do

processo identitário. Isto é, a subjetivação coletiva ou social, ao ser internalizada, por meio da

consciência, passa a ser subjetivação individual, pois a seleção do que será subjetivado e o

modo como ela é feita implica as vivências do sujeito, sua condição socioistórica, sua herança

biológica, cultural, constituído um processo único e pessoal.

O autor considerava fundamental encontrar uma teoria que lhe permitisse conhecer o

psiquismo do homem, para isso estudou o marxismo de onde tomou emprestado o método

dialético de sua construção e, mais tarde, aplicou-o em seus estudos da mente, para explicar a

transformação dos processos psicológicos elementares em processos psicológicos superiores.

Grosso modo, como se dá a transformação da categorização à conceitualização, considerando-

se que todo fenômeno tem uma história marcada por características quantitativas e

qualitativas, reafirmando a dialética do método usado.

Por sua vez, Bakhtin e Volochinov (1929/1992) privilegiaram o método da

compreensão por considerar que esta implica na presença de duas consciências, ou seja, o

encontro de dois sujeitos inseridos no diálogo. Reafirma sua posição em defesa de um

marxismo dinâmico, ao defender uma visão pluralista e polifônica. Contrapôs-se à visão

monológica dominante da ideologia russa pós-revolucionária, defendendo uma interpretação

independente das teorias de Marx ao estabelecer sua visão de realidade/mundo pluralista,

polifônica e dinâmica.

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O filósofo russo, ao fazer essas afirmações, parte da ideia de que a consciência é um

processo mental de confrontamento dialético de signos ideológicos. Num processo dialógico,

um primeiro signo ideológico, de domínio do sujeito, é confrontado com um segundo signo

desconhecido pelo sujeito, mas de domínio do Outro, e, por esse enunciado. Do processo de

reflexão da consciência do sujeito, surge um terceiro signo novo, trazendo em si um novo

significado, diferente dos significados dos signos que lhe deram origem. O novo signo, o

novo conhecimento, se realiza na/pela linguagem dando sequência ao interminável e

renovador movimento da linguagem. Esta, por sua vez, dá à luz o sujeito e seu caráter plural,

dinâmico polifônico e devido a isso, é disperso, contraditório, plástico, plural, dialético, e, por

conseguinte, também o são suas identificações.

A cada enunciação o sujeito deixa-se revelar, em seu enunciado, mostrando suas

identidades, síntese do processo interminável de construção identitária que nasce nas

interações biossociaisistóricas, econômicas e culturais. Portanto, o sujeito constrói sua

identidade social a partir da subjetivação da linguagem, ao mesmo tempo, em, pela

subjetividade cria e recria a linguagem e a si mesmo.

3.3.2 - Subjetividade e a vitalidade do sujeito

Quando se fala em identidade líquida, Bauman (2005) pode-se estabelecer, em larga

medida, uma relação com a concepção de sujeito plural, que reporta a acepção de sujeito

fragmentado, disperso, polifônico, clivado. Rompe-se com a ideia da unicidade do sujeito,

problematizada por muitos teóricos, para citar Ducrot, Foucault, Freud, Lacan.

Estamos vivendo, portanto, este intervalo, ou no limite entre os conceitos de sujeito

cartesiano lógico e estável e o sujeito nascido da interação social com outros sujeitos

históricos e multifacetado, sobre o qual dialogam as teorias de Bakhtin (1929/2004) em

Marxismo e Filosofia da Linguagem e de Foucault (2004) em A Arqueologia do Saber.

Bakhtin e Volochinov (1929/1992) propuseram uma teoria diferente, baseada no

método do materialismo-dialético do Marxismo, afirma que o sujeito não é fonte primeira de

sentido, pois é heterogêneo e modifica seu discurso em função das interações com os outros

discursos, sejam reais ou imaginários. Portanto, emerge do Outro, logo “não podemos

perceber e estudar o sujeito enquanto tal, como se ele fosse uma coisa, já que ele não pode

permanecer sujeito se ele não tem voz; por conseguinte, seu conhecimento só pode ser

dialógico” (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1929/1992, p. 134).

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O sujeito bakhtiniano resulta da interseção de múltiplas vozes, pois é solidário das

alteridades de seu discurso. Assim difere do sujeito pensante e autocriador de Descartes e,

por sua vez, difere também do sujeito clivado lacano-althusseriano da AD francesa, já que “a

palavra do outro” é transformada, no diálogo, em “palavra pessoal-alheia” com a ajuda de

outras “palavras do outro”, e depois, torna-se palavra pessoal, ao perder as aspas; adquirindo

então um caráter criativo” (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1929/1992, p. 134).

Assim o sujeito não é responsável pela produção de sentido, mas, sim, co-produtor de

novas significações. É fruto da interação social, onde se constrói dialogicamente, com outros

sujeitos e com o meio sociocultural, numa interminável interação subjetiva de discursos,

signos e sujeitos.

Na visão bakhtiniana, o sujeito, devido a sua formação plural embasada na alteridade,

é incompleto e busca, eternamente, sua completude no outro que o constitui ideologicamente

e delimitando e construindo o seu espaço de ação no mundo.

Foucault (2004) em seus estudos sobre o sujeito vai ao encontro da teoria de Bakhtin,

ao afirmar que o sujeito discursivo não constitui uma categoria fundante, pois compreende

este como uma categoria constituída pela/na dispersão dos acontecimentos imprevisíveis, ou

seja, sujeito é produto do discursivo, resultante das práticas discursivas, constituintes das

interações das histórias descontínuas.

O autor, ao desenvolver seu trabalho sobre o sujeito, elege como principal

preocupação descrever os modos pelos quais nos tornamos sujeitos, ou seja, estudar a

constituição do indivíduo. Acredita que o indivíduo é constituído pelos processos de

objetivação e subjetivação, tentando compreender, por meio do enfoque da genealogia, os

mecanismos que tornam o homem um objeto dócil politicamente, útil economicamente e

preso a uma identidade que acredita ser sua.

O sujeito foucaultiano não é antropocêntrico, não é senhor de sua ação, não é senhor

de si, nem de seu conhecimento e, menos ainda, de sua história. É, sim, um sujeito

historicamente determinado pelas práticas discursivas, pelo discurso tomado por

acontecimento, cuja analise considera sua descontinuidade e suas transformações.

O sujeito do conhecimento não tem identidade fixa, por ser produto do enunciado

social presente nas práticas sociais autorizadas pelos projetos da estética, das relações de

poder, das ciências e das instituições.

Neste caso, o sujeito discursivo resulta de um conjunto de ocorrências históricas

permeadas pelos interesses das relações de poder dos discursos, num eterno processo de

construção e re-construção de identidades.

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Numa síntese da combinação dos sujeitos de Bakhtin e Foucault, pode-se afirma que o

agente da palavra é, necessariamente, um sujeito histórico e reflexivo, assim nomeado, por ser

“uma produção humana social, planejada, organizada em ações e operações socializadas”

(PINO, 2001, p. 30).

3.3.3 - Dos sujeitos plurais

É somente pensando o processo de formação de identitária de um sujeito plural que

podemos compreender porque hoje não temos respostas para algumas perguntas triviais que

nos são feitas na infância como: O que você quer ser quando crescer? Ou outras que nos

remetem a uma ideia de um sujeito pronto e acabado, como: Quem é você?

Para tanto, é preciso examinar e compreender que significados e sistemas simbólicos

estão sendo produzidos pelos sistemas de representações e consequentemente, que

posicionamentos o sujeito está ocupando, nesse momento dentro do “pensamento limite”

(HALL, 2000, p. 104). Somente a partir da compreensão da situação do sujeito nesse contexto

poderemos discutir e analisar a fala desse sujeito.

O autor compreende “pensamento-limite” como o período de transição entre duas

situações histórico-discursivas, especialmente nesse caso, uma marcada por uma aparente

solidez identitária, onde os papéis sociais e discursivos são pré-determinados e conhecidos. E

outra, onde as representações e símbolos são fluidos e cambiáveis, a cada construção e

desconstrução da realidade de cada enunciação.

Ressalto que, ao nos confrontarmos com essas duas situações dispares, sentimo-nos

desconfortáveis e inseguros, pois mal conseguimos compreender uma realidade e já somos

convocados a atuarmos noutras, num contínuo movimento. Vemo-nos, portanto,

desorientados entre os sistemas simbólicos e os símbolos produzidos por sistemas de

representações que nos são impostos, nascidos de demandas alheias. Por conseguinte,

incessantemente, somos apresentados a símbolos vazios de significados, os quais somos

levados a conceituar e significar, sem que eles tenham passado por nossos desejos, num

movimento contrário a tudo que criamos até então. Logo,

os símbolos por serem instrumentos de integração social enquanto

instrumentos de conhecimento e de comunicação, tornam possível o consenso

a cerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a

reprodução da ordem social (BOURDIEU, apud BARRICHELLO, 2006, p.

4).

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Isto é, de acordo com o autor, os sistemas têm o poder de agregação de indivíduos,

estruturando um determinado grupo, por meio do seu poder simbólico, ao construir a

realidade. Todavia, aparentemente, em virtude da velocidade e da intensidade das interações

sociais e globais, não há tempo hábil para a sedimentação do processo de construção dos

sentidos e nem de reflexão sobre os sistemas simbólicos dotados, propiciando, então, a crise

identitária de que fala Hall.

3.3.4 - Sujeito e poder dispersos

O século XIX traz elementos novos como a democracia e a ampliação dos direitos dos

não proprietários, desencadeando uma redefinição da relação Estado /sociedade, além de

redefinir os parâmetros teóricos da época. Estas alterações refletem diretamente na

subjetividade moderna, tornando-a mais complexa. Esta complexidade subjetiva cresce a tal

ponto que, para os indivíduos construídos sob o ideal romântico, os procedimentos da

privacidade passam a se construir, nos próprios organizadores e juízes da vida pública,

confundindo o público com o privado, supervalorizando o intimismo conforme discute

Mancebo (1999).

Dentre os pensadores, quem mais dialogou e reinterpretou a visão marxista do poder

foi Foucault que, nos meados do século XX, em sua visão analítica, destitui o poder de seu

estigma repressor e jurídico, para torná-lo emancipatório.

Alterando-se, portanto, a chave de interpretação histórica, percebe-se que o

direito cede lugar à técnica, bem como a lei à normalização. o poder se

encontra em mecanismos positivos, produtores de saber, multiplicadores de

discursos, indutores de prazer e geradores de mais poder (FOUCAULT,

2003, p. 125).

O poder, para Foucault, não é entendido como algo que se refere exclusivamente à

classe dominante oriunda dos aparelhos ideológicos e repressivos do Estado. Compreende-o

como micropoder, como uma estratégia discursiva que visa a posse do discurso, num jogo de

relações sociais, no qual todos são jogadores, independente de camadas sociais, daí ser

chamado de poder em escala micro.

Do estado de consciência subjetiva, decorrem-se novos olhares sobre o conceito de

liberdade e identidade. Foucault (1983, 1986) é investigador sobre a identidade e a análise do

processo pelo qual se dá a tomada do poder sobre os corpos, na trajetória do poder versus

controle social, promovidos pelos dispositivos disciplinares e pela normatização técnico-

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científica. Ele constrói uma crítica, em que classifica a modernidade como a era da

domesticação dos corpos. Mancebo ilustra isto ao afirmar que

a administração dos comportamentos individuais, alcançável mediante uma

invisibilidade, conhecimento e controle mais planejado dos comportamentos,

ganha espaço no tecido social de modo que as instituições educacionais,

corretivas, de saúde, de lazer passam a participar dessa agenda assumindo

funções diagnósticas, disciplinares e preventivas (MANCEBO, 1999, p. 56).

De acordo com os acontecimentos e interesses, novas estratégias de poder são

estabelecidas, novas ordens e novos valores, o que explica a descontinuidade e a

imprevisibilidade da história, bem como o caráter do “porvir” da teoria. Para o autor a história

é feita de histórias e explica

Da mobilidade política às lentidões próprias da “civilização material”, os

níveis de análises se multiplicam: cada um tem suas rupturas específicas,

cada um permite um recorte que só a ele pertence; e, à medida que se desce

para bases mais profundas, as escansões se tornam cada vez maiores. Por trás

da história desordenada dos governos, das guerras e da fome, desenham-se

histórias, quase imóveis ao olhar (FOUCAULT, 2004, p. 24).

Essas histórias de que fala Foucault precisam ser analisadas dentro da situação

socioistórico e cultural em que se encontra nosso sujeito discursivo, nesse caso, tomamos

como ponto de partida para a formação do estado neoliberal, considerando-se a importância

de movimentos como o liberalismo, o romantismo e o racionalismo tecnocrático-disciplinar,

enfatizando ora um ora outro, em um confronto com o momento atual por que passa o

neoliberalismo e a subjetividade do homem contemporâneo.

O capitalismo floresceu no passado com sua fase liberal, passando por transformações

importantes até ele atingir sua segunda fase, no período pós-guerra, também chamado de fase

áurea. Época em que ocorreram o crescimento da economia e as grandes conquistas nos

direitos sociais e econômicos das classes trabalhadoras, propiciando um aumento de lutas

populares que alimentaram a expansão destes direitos. Acrescenta-se aí, após a década de

1960, a terceira fase denominada capitalismo financeiro capitalismo desorganizado ou

neoliberalismo.

O neoliberalismo firma-se como uma necessidade de todos os países, baseada no

princípio de fortalecimento da burguesia, obediente à lei do mercado, ultrapassou a esfera

econômica, encampando o Estado e a sociedade, ao provocar severas transformações na

economia diretamente ligada às relações dos homens com os seus semelhantes e destes

consigo mesmos.

O Estado liberal demanda indivíduos que pautem suas condutas sociais pelo

utilitarismo social, onde o ganho pessoal é objetivo primeiro. Para Peter (1995), as pessoas

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devem ser tratadas como maximadores racionais da utilidade para reforçar seus próprios

interesses (definidos em termos de posições mensuráveis de riqueza) na política, assim como

em outros aspectos da conduta.

Neste contexto, o Estado neoliberal apresenta-se como detentor de uma soberania

retraída, ao tratar das questões internacionais na esfera da produção e da reprodução social,

portanto, do eixo externo. Por outro lado, ao tratar das questões do eixo interno, torna-se

autoritário eximindo-se de suas obrigações sociais, firmadas desde a invenção da identidade

nacional, repassando à sociedade competências e funções que não lhe são convenientes

assumir, na atualidade. Assim,

a desigualdade dos homens é um pressuposto fundamental dessa concepção,

constitui uma necessidade social, já que na acepção dos doutrinadores

neoliberais a desigualdade permite o equilíbrio, a contemplação de funções,

fomenta a competição e, desse modo, promove o desenvolvimento

(MANCEBO, 1999, p. 79).

No que se refere à subjetividade

Emergente nos dois séculos passados tem-se nos dias que correm um homem

movido pelo individualismo competitivo, pela internalização exacerbada,

pela disciplina e docilidade imposta aos corpos, ou por todas essas dinâmicas

combinadas, mas submetido ao império de uma micro-ética que o impede de

formular e agir em prol de acontecimentos globais (MANCEBO, 2010, p. 7).

Ao tentar explicar este fenômeno, a autora toma o processo de formação da identidade

na sua dimensão individual e a transpõe para a dimensão social, evidenciando seu caráter

contínuo, incerto e transitório. Bauman (2005) afirma “as identidades ganharam livre curso, e

agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, captá-las em pleno voo, usando os seus

próprios recursos e ferramentas” (BAUMAN, 2005, p. 90).

Todavia, este homem ou esta mulher são chamados a assumir identidades, que em face

da situação em que cada um se encontra, mudam e são construídas e (re) construídas a cada

nova situação histórica. Consequentemente serão gerados novos interesses novas estratégias

discursivas, por conseguinte, gerando rupturas e substituições do conhecido pelo mais atual e

conveniente.

Estamos, portanto, diante de um sujeito cindido, fragmentado, disperso,

necessariamente consciente de si de suas escolhas, pois estas resultam de práticas discursivas

da modernidade líquida de Bauman (2005), onde, a cada nova enunciação, as palavras são (re)

significadas e uma nova identidade é apresentada, num contexto em que as opções são

infinitas e a durabilidade de cada uma delas corresponde ao tempo que elas forem

consideradas atuais, ou seja, são todas efêmeras.

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De acordo com Bauman (2005) diante de tantas opções e de tamanha liberdade de

escolhas, optar por uma identidade sabidamente líquida, torna-se um grande problema: Qual

das identidades alternativas escolher e em se tendo escolhido uma, por quanto tempo se

apegar a ela?

Se no passado “a arte da vida” consistia principalmente em encontrar os

meios adequados para atingir determinados fins, agora se trata de testar, um

após o outro, todos os (infinitamente numerosos) fins que se possam atingir

com a ajuda dos meios que já se possui ou que estão ao alcance. A construção

da identidade assumiu uma forma de experimentação infindável (BAUMAN,

2005, p. 91).

Diante desse cenário como problematiza esse autor nós entramos em um profundo

conflito, pois acreditávamos que nossa formação identitária resulta da opção por uma posição

de sujeito construído historicamente a partir de determinações que lhe são exteriores, ou seja,

um sujeito do modelo moderno, que nos fazia sentir seguros, ao qual nos acomodávamos.

Agora, a frenética globalização nos diz que nosso modelo escolhido, está em desuso nos

tempos de modernidade tardia, pois a nossa exterioridade é outra, é múltipla, instável e

transitória, portanto, devemos escolher posições-sujeito e discursos condizentes com esta

exterioridade, isto é, este cenário exige posições identitárias fluidas.

Precisamos produzir novos discursos, para que tenhamos poder e sejamos vistos como

pertencentes a um grupo, mas os “ditos” estão ultrapassados e a nós é oferecida uma,

aparente, liberdade de escolha, pois, na verdade, são as instituições que nos impelem para os

discursos. Portanto, não temos liberdade de escolha e nem liberdade discursiva.

“Somos todos consumidores numa sociedade de consumo. A sociedade de consumo é a

sociedade de mercado. Todos nós estamos dentro e no mercado, ao mesmo tempo clientes e

mercadorias” de acordo com Bauman (2005).

Seguimos na busca por uma solução mais realista para os efeitos da ideologia

neoliberal, em especial, os que promoveram o aumento das desigualdades e da exclusão

social, ao confrontar esta situação e a lógica competitiva da economia globalizada, muitos

cientistas, pensadores, analistas e políticos defendem uma saída que combine as exigências da

competitividade econômica com os direitos sociais e de cidadania.

Cada vez mais, vemo-nos inseguros para atuar nesta sociedade, constituídos por

contratos sociais fluidos, onde não há identidade fixa, mas sim, uma “identidade móvel:

formada e transformada continuamente” (HALL, 2000, p. 10-12).

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3.3.5 - Sujeitos plurais e a liberdade de escolha

Em meio a tantos conflitos buscamos um porto seguro, onde nos reconheçamos

inteiros e detentores da verdade, uma busca vã, incompatível com as demandas discursivas da

pós-modernidade. Contudo a compreensão da situação apresenta alternativas para a (con)

vivência mais reflexiva e inteligente com o poder e com a liberdade dentro do sistema

neoliberalista.

Foucault (2003), aparentemente, não elegeu como foco de sua atenção as questões

atuais da identidade líquida, todavia, ao tentar explicar as formas de exercício de poder sobre

o sujeito, discute também as formas de “poder de liberdade”, ou seja, maneiras de exercitar

nossa liberdade.

O autor afirma que o sujeito exerce sua liberdade no momento de fazer escolhas,

valendo-se da ética, uma categoria que nos permite compreender as relações de poder como a

– histórica, pois caso não o fossem o homem não seria capaz de produzir mudanças. E estas

começam com o exercício da liberdade ao confrontarmos o poder, isto é, o exercício da

liberdade manifesta-se no desejo de mudança, que nasce do desejo de posse do poder e da

emancipação, portanto, não pode haver poder sem liberdade e vice-versa. Da relação de

ambos surge a ideia nova, as novas práticas de liberdade política, consequentemente, das

relações dos sujeitos nasce a liberdade ética.

Portanto, toda ação ética comporta uma relação com a realidade – onde se realiza uma

relação com o código ao qual se refere e uma relação do sujeito consigo mesmo – resultante

de uma constante relação de crítica às normas das relações de poder para a construção de si,

numa dada situação discursiva.

Essa relação do sujeito autorreflexiva, ou exercício da ética, será sempre combatida

pelas práticas de poder, uma vez que, estas, objetivam impedir o exercício da liberdade, num

firme propósito de tornar os sujeitos dóceis e iguais, ou seja, passíveis de uma identidade

normal, nos impedindo de marcarmos nossa singularidade como uma possibilidade de vida

diferente.

A liberdade de pensamento torna-se, portanto, uma alternativa a uma determinada

realidade. As multiplicidades das relações sociais, das práticas discursivas permitem o

exercício da liberdade, complementar ao exercício do poder.

O poder perpassa toda a sociedade nos seus diferentes seguimentos, estabelece

normas, que somente serão modificadas no momento em que outros modos de vida não

normatizados, vindos de fora, desestabilizarem as normas em curso. Essas mudanças ao

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incidirem sobre nossa subjetividade, modificando os sujeitos tornando-os dóceis e úteis ou

não provocando um movimento interno e contínuo de luta político-social em nome da

diferença, pois

não há exercício de poder, onde não há nenhuma possibilidade de ação e

também não há exercício de liberdade onde não há exercício de poder.

O poder não se realiza de maneira absoluta, sempre outras formas de poder se

constituirão, pois sem resistência não haverá mudança, e resistência é

exercício de liberdade (FOUCAULT, 2003, p. 176).

Fonseca (2003) a partir do pensamento de Foucault defende ética como

Aquela em que o indivíduo estabelece uma relação consigo mesmo e daí a

sua oposição à forma de constituição do poder da norma, onde não há lugar

para que essa relação se dê ou, em outros termos, onde não há lugar para

liberdade. Tal ética almeja, assim, o exercício da liberdade. É uma ética do

pensamento e das responsabilidades individuais que objetivam este fim.

Desta forma, seu conteúdo se expressa como uma crítica permanente, visando

assegurar o exercício contínuo da liberdade (FONSECA, 2003, p. 145).

Assim, toda ética contém relações de confronto com o poder-norma e com o exercício

da liberdade, num processo de construção de uma subjetividade, a partir da ação de pensar,

perseguindo a criação de soluções para os problemas atuais.

A busca pela singularidade e pelo novo pressupõe o enfrentamento constante pela

normatização de quem tem direito de falar, sobre o que falar, onde falar, quando falar, ou seja,

o discurso [...] não é simplesmente quilo que manifesta (ou oculta) o desejo;

é, também, aquilo que é objeto do desejo; e visto que – isto a história não

cessa de nos ensinar- o discurso não é apenas aquilo que traduz as lutas ou os

sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual

nos queremos apoderar (FOUCAULT, 1996, p. 9-10).

O micro poder permeia as modalidades, demarcam o campo das regularidades

enunciativas para as diversas posições de subjetividade, fazendo surgir o sujeito do discurso

como resultante da dispersão, devido ao fato de um enunciado pressupor outros

sucessivamente.

Essa dispersão do sujeito e sua capacidade de reflexão implicam um descompasso

entre o discurso e a história, consequentemente, seu processo de construção de identidade está

em constante modificação. O sujeito busca no “outro” sua completude, modificando-se a cada

acontecimento histórico, que lhe é imposto, diariamente, pelo enunciado social. Logo as

categorias liberdade, conhecimento e verdade não são livres de poder e, portanto, são

passíveis de confronto e ruptura. Assim, surgem novas formas de poderes e de liberdade, num

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constante jogo, onde a subjetividade é líquida construída e (re) construída pela diferença,

numa infindável busca de uma singularidade dispersa na comunhão do universo.

Assim, neste estudo, ao reunir subjetividade, sujeitos plurais e a questão identitária, o

fiz com intenção de identificar os traços identitários do professor formador de PLP, a partir do

sujeito, concebido como uma categoria discursiva resultante do processo dialético de

apropriação subjetiva das diferentes vozes e discursos alheios. Os quais estão presentes nas

interações discursivas, ocorridas no contexto sócio histórico-cultural, em que se encontra o

sujeito que luta por sua afirmação identitária.

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4 - METODOLOGIA: UM CAMINHO PARA REFLETIR SOBRE O

OBJETO EM ESTUDO

O objetivo norteador deste estudo é compreender e interpretar a construção identitária

profissional do Professor Formador de PLP, de universidades brasileiras e portuguesas, com

base nos relatos construídos pelos professores em situação de entrevista a mim concedida.

Quando se propõe um exercício para compreender e interpretar um dado fenômeno

e/ou realidade, num quadro de investigação científica, importa considerar que tais ações se

inscrevem em abordagens metodológicas de caráter qualitativo. Nessa acepção, refiro-me a

ações que pressupõem outras como: observar (escutar o sujeito informante em situação real de

interlocução), descrever e explicar, com base em relatos, o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes que os sujeitos informantes manifestam no curso da

interação. E aí, os sujeitos deixam entrever sua identidade profissional e como ela vem sendo

construída. Dessa perspectiva, reitera-se que as orientações metodológicas desta pesquisa se

enquadram numa abordagem qualitativa, vez que, recorrendo às palavras de Godoy (1995),

meu interesse não é

enumerar e/ou medir eventos estudados, nem emprega instrumental

estatístico na análise dos dados, envolve a obtenção de dados, mas descritivos

sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do

pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos

segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em

estudo (GODOY, 1995, p. 58).

Os dados em exame, caracteristicamente discursivos, trazem em sua constituição

aspectos que remetem às instâncias individuais e sociais da identificação do professor

formador, as quais se encontram interligadas de maneira tão profunda que podem ser

compreendidas como um amalgama das formações acadêmica e profissional. Uma identidade

construída (inter) subjetivamente, a partir e em função da apreensão do mundo nas múltiplas

interrelações sociais. Assim, com vistas a compreender as várias interfaces que envolvem o

processo identitário desse sujeito docente enveredei-me por diferentes caminhos

confrontando teorias e autores, confirmando o que diz Gonzalez (2000) a pesquisa qualitativa

não é somente uma definição instrumental, ela é epistemológica e teórica e se apóia em

processos singulares de construção de conhecimento.

A pesquisa permitiu que eu compreendesse o fenômeno da construção identitária,

segundo a perspectiva dos sujeitos. Isto é, a partir do modo como o professor formador se vê e

representa (e reflete sobre) seu papel social, o de professor, no momento mesmo da entrevista,

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um espaço de interlocução, de escuta, de observação, por parte do pesquisador, de um sujeito

que fala de si, dos seus projetos e atuação profissionais. Em outras palavras, busquei conhecer

um profissional que deixa revelar as singularidades com que assume esse papel, mas também

como projeta e reflete (sobre) sua relação de pertença ao grupo de profissionais, de seus pares.

Esse trabalho de reflexão envolve a dimensão de ser professor em um curso de Letras que,

entre suas ações acadêmico-pedagógicas, está a de formar o PLP e, particularmente, pesquisar

cientificamente o que é formar PLP.

4.1 - Seleção dos informantes e a composição do corpus da pesquisa

Dada a abordagem metodológica adotada, este estudo buscou operar com uma

pequena amostra do universo de professores formadores dos países em foco – Brasil e

Portugal. Isso porque fugia de meu alcance e propósito precisar o número total desses

profissionais. Nesse sentido, optei por investigar um pequeno subconjunto desse universo, a

fim de apreender o perfil identitário do professor formador de PLP, o critério adotado, para a

seleção dos nomes dos professores a serem entrevistados, foi o de que os professores

deveriam ser docentes do curso de Letras em exercício, em universidades do Brasil e de

Portugal. Para isso, pautei-me por uma consulta à Plataforma Lattes, relativamente aos

professores brasileiros, e aos Currículos dos professores portugueses, atualizados em sites dos

Departamentos das suas respectivas universidades. Esse procedimento explica-se pelo fato de

que tais documentos afiguram-se legais, atualmente, na esfera acadêmica, para registrar a

habilitação e a atuação profissional do professor universitário. Esclareço que, no curso dessa

consulta, identifiquei que muitos dos professores também eram pesquisadores, cujos estudos e

produções científicas contemplam a problemática da formação inicial do professor de LP.

Em razão desse fato, a fim de operar com uma característica comum entre os

entrevistados, estabeleci tal traço para ajustar o critério de seleção. Isso se mostrou importante

para esta pesquisa, pois me permitiu entender que se abria possibilidade de apreender

elementos da trajetória profissional desses professores – docência e atividade da pesquisa –

que estivessem implicados com a(s) realidade(s) do fazer docente e da reflexão sobre esse

fazer. Da perspectiva deste estudo, compreendi que tais dimensões, constitutivas do processo

da construção identitária do professor formador no exercício mesmo de suas atividades

profissionais, poderiam me oferecer dados para formular temas e perguntas da entrevista.

Para visualizar o quadro de professores formadores entrevistados no Brasil e em

Portugal, abaixo, apresento um quadro dividido em regiões, cidades e universidades.

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86

Professor

Formador

Entrevistado

Região do

Brasil Cidade Universidade Curso

Universidade

Graduação

E1/ER Sul Florianópolis U1/UFSC Letras UFSC/

Florianópolis

E2/EJ Sudeste Viçosa U2/UFV Letras UFV/

Viçosa

E3/EC Sudeste Viçosa U2/UFV Letras

Universidade Stª

ÚRSULA/

Teresópolis

E4/EM Sudeste Belo Horizonte U3/UFMG Letras UFMG/

Belo Horizonte

E5/MA Sudeste Belo Horizonte U4/

PucMinas Letras

UFMG/

Belo Horizonte

E6/EC Sudeste São Paulo U5/UNESP Letras USP/ São Paulo

E7/ERj Sudeste Campinas U6/UNICAMP Letras USP- São Paulo

E8/EP Nordeste Fortaleza U7/UFC Letras/

Direito

UFMG/Puc Minas –

Belo Horizonte

E9/EC Sudeste São Paulo U8/UNESP Letras

UFP/ Recife

UNESP – São

Paulo

Professor

Formador

Entrevistado

Região de

Portugal Cidade Universidade Curso

Universidade

Graduação

E10/EA Central Lisboa U9/UL Letras UL/Lisboa

E11/ES Central Lisboa U10/UL Letras UL/Lisboa

E12/EI Norte Porto U11/UP Letras UP/Porto

E13/EL Norte Aveiro U12/UA Letras UL/Lisboa

E14/EMD Norte Braga U13/UB Letras UL/Lisboa

Esse quadro resume, por sua vez, o corpus da pesquisa que é constituído por 14

entrevistas concedidas por professores formadores de professores de Língua Portuguesa,

docentes de disciplinas do Curso de Letras - Licenciaturas -, lotados em diferentes

universidades públicas e particulares do Brasil e de Portugal.

A identificação dos professores formadores de PLP baseou-se em letras números,

compreendendo E= entrevistado, variando de E1 a E14 referindo-se aos entrevistados e U =

universidade, variando de U1 a U13 referindo-se às universidades, em que os entrevistados

atuam como professores formadores nos cursos de Letras. Segui essa mesma notação na

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transcrição das entrevistas e, em ambas as situações, foram apagados os nomes dos

entrevistados e demais marcas de identificação por questão ética.

4.2 - Procedimento metodológico: entrevista

Como anunciei o recurso técnico utilizado para alcançar uma melhor compreensão da

identidade dos professores formadores de PLP foi a entrevista face a face semiestruturada, o

que permitiu a este estudo coletar um conjunto de informações que reportam a crenças,

valores, significados, motivações e escolhas das experiências no mundo acadêmico, tanto

universitários como professores formadores, dos sujeitos entrevistados. A entrevista criou

interlocução com os entrevistados, por meio da qual, no curso de seus relatos, deixou-se vir à

tona elementos que interpretei como expressão de uma identidade profissional, formas ou

gestos que o professor formador agencia para falar de si e de sua pertença ao grupo de

professores do curso de Letras.

Por se tratar de uma realidade multifacetada, situada num determinado tempo e

espaço, num contexto socioistórico específico, a interpretação e compreensão das verdades

ditas é parcial, pois os relatos das entrevistas constituem um recorte na vida dos entrevistados.

E como tal, são passíveis de esquecimentos, de (re) significações, de omissões intencionais,

bem como de realces e apagamentos de alguns fatos, são verdades negociadas pelos valores

morais, ora religiosos, ora e/ou legais, cujas interpretações do entrevistador só são possíveis a

partir dos compartilhamentos autorizados pelos sujeitos.

O contato com os professores foi feito por e-mail. De pronto, todos aceitaram o

convite. Marcamos as entrevistas. Iniciei as visitas aos professores brasileiros, no final de

novembro de 2011 e, em 2012, fiz as visitas aos professores portugueses. Foi um período de

várias viagens por cidades localizadas nas diversas regiões dos dois países, munida de um

gravador e um roteiro de questões (apêndice).

Esse roteiro foi elaborado com objetivo de suscitar um conjunto de informações que se

mostrasse relevante para atender ao objetivo da pesquisa, por exemplo, o que envolvesse o

desenho da trajetória acadêmico-profissional do professor formador a fim de identificar o seu

processo de construção identitária.

As perguntas, que tomei como adequadas àquele momento da pesquisa, na verdade,

buscaram contemplar a concepção de identidade que norteia este estudo, levam em conta

tanto as trajetórias objetivas, institucionais, como as trajetórias individuais, relatos

biográficos, reconstruídos a partir de entrevista em que os informantes deixam flagrar pistas

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de suas identidades individuais e profissionais. Tais identidades nascem da essência social e

discursiva, realizando-se na interação dos seres humanos e formam uma combinação

identitária, onde ambas as identidades se complementam de acordo com defende Dubar

(2005). As informações coletas não constituem a priori uma lista determinada, pois a escolha

da entrevista deu-se exatamente pela necessidade de deixar que o entrevistado falasse ao

máximo, do que desejar em torno da temática central. E então, num processo de acolhimento

dos dados que nos foram confiados, procedi a identificação de pistas prováveis, de indícios

que nos auxiliem a alcançar os objetivos propostos da pesquisa. Antes de sair a campo para

efetuar as entrevista, preparei-me lendo a respeito de cada informante, investiguei sobre seu

trabalho como pesquisador e como docente, num explícito exercício de respeito e de rigor

para com o trabalho proposto. O que contribuiu muito para que fosse estabelecido um clima

de cordialidade e descontração, durante as entrevistas que se tornaram longas e espontâneas

conversas.

O tempo acordado para a duração das entrevistas era de 40 a 50 minutos, porém, na

maioria das vezes, foi desobedecido por iniciativa dos entrevistados que excederam o tempo,

envolvidos pela aparente satisfação de poder falar de si, mas, principalmente, de poder falar

de si, de suas histórias pessoais, divulgando seu trabalho e de expectativas futuras. Em alguns

momentos os entrevistados, após uma rápida leitura do roteiro das perguntas, preferiram falar

livremente num fluxo contínuo de uma conversa, num resgate das vivências relatadas.

Raramente me pareceram desconfortáveis com a situação, ao contrário, pareciam quer falar

mais, detendo-se por mais tempo numa ou noutra questão.

Embora, ao proceder às entrevistas, eu tenha trabalhado com um roteiro básico de

perguntas, nos encontros com os entrevistados, tal instrumento não foi usado como um

elemento para estabelecer uma conduta rígida do trabalho, ao contrário, serviu apenas de

orientação das respostas que surgiram livremente. Quando achei necessário interferi,

acrescentando perguntas que não estavam previstas no roteiro, com vistas a esclarecer algum

ponto. Observei que quanto mais o entrevistado se sentia à vontade, mais e melhor expressava

suas opiniões e significados, discutia novos aspectos sobre o tema abordado, questionando-se

em meio às novas demandas sociais e epistemológicas que envolvem as reformas do ensino

superior, por exemplo.

Como dito, busquei conhecer o contexto socioistórico e cultural em que se deu a

formação acadêmica, numa intersecção com a atuação profissional dos professores

pesquisadores, constituiu um dos pilares deste trabalho. Por meio da atividade analítica dos

dados, pode-se perceber que os traços da identidade de um sujeito se mostram numa

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incompletude a qual não se deixa apreender na sua totalidade. Em outras palavras, no curso da

entrevista e no trabalho de análise, foi-me revelado, em termos identitários uma a realidade

dispersa e multifacetada emergente no momento da enunciação do sujeito, ou seja, no curso

da entrevista. Todavia essa realidade interfere diretamente nos processos da subjetividade e,

consequentemente, altera as escolhas do sujeito, seu processo construção de saberes e de

identidade. Ou seja, os processos de subjetivação “mudam em face do contexto em que se

expressa o sujeito” (GONZALEZ, 2002, p. 51).

Ao desenvolver esse trabalho, procurei focalizar mais ao processo de construção e

compreensão dos significados das ações dos sujeitos atualizados nos relatos, construídos no

curso da entrevista. Poderia dizer, recorrendo às palavras de Meihy (2010), que

mais do que a verdade comprovada e aferível, o que se busca é a variação das

narrativas em suas evidências, inexatidões e deslocamentos.Se isso é válido

em termos individuais, no coletivo ganha dimensões ainda mais relevantes

(MEIHY, 2010, p. 124).

Ainda,

Interessa não as palavras em si, pois não é cada palavra exatamente como foi

dita que vale, mas o seu significado no conjunto da dissertação de alguém em

situação de entrevista e na conjunção de outros estabelecidos na mesma

perspectiva (MEIHY, 2010, p. 124).

4.3 - Procedimentos da análise, um ponto de partida: proposição de duas amplas

categorias

O caráter individual e, ao mesmo tempo, coletivo da identidade situada explica toda

sua complexidade e dificuldade de sua abordagem do ponto de vista analítico. As categorias

eleitas foram tomadas pelo viés da noção de identidade como algo se constitui na relação

entre pessoal e social, que emerge e se atualiza nas relações interacionais.

Nessa direção metodológica, procurei conferir uma leitura do corpus com base nestas

duas amplas categorias: (a) a construção de si, posição identitária manifestada por meio de

enunciados que trazem a fala de si, a sua imagem de professor, o papel social, ser professor

universitário; (b) construção de si em relação ao outro e à esfera de atividade, posição

identitária profissional em relação ao outro – ao grupo de pertença, professor universitário,

professor formador e pesquisador – ao aluno, à tarefa docente, ao trabalho de pesquisador, às

normas sociais da esfera de atividade, ao contexto em que atua.

Essa orientação analítica, entendida aqui como um expediente metodológico, remete

diretamente à concepção que se tem de identidade, como um fenômeno do humano,

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constituído intrinsecamente pelas dimensões pessoais e sociais, consiste em um “objeto”

único, integrado e, ao mesmo tempo, plástico.

Essa postura metodológica e conceitual é explicitada, com clareza, em um trabalho de

Silva e Matêncio (2005), que advogam o pressuposto de que a construção de posicionamentos

identitários emerge de movimentos baseados tanto na diferença como na similitude do sujeito

em relação ao outro (eu/outro; eu/espelhamento do outro). Nesse sentido, as autoras buscam

perceber as marcas da singularidade, de individualidade, de exclusão do outro e aquelas que

revelam a condição de pertença a um grupo, a uma coletividade – a apropriação/assimilação

de características dos valores, crenças desse grupo. Nas palavras de Silva e Matêncio (2005)

Nesse processo [interação] plástico e dinâmico, o sujeito reconhece-se (a si

mesmo e ao outro), do ponto de vista tanto social e pessoal/psicológico, como

um ser distinto do outro, como aquele que se investe de uma identidade social

– professor, aluno, leitor, escritor, pesquisador, estagiário –, que pressupõe no

evento interacional, uma posição comunicativa. Isso nos leva a admitir que a

identidade pode ser entendida como uma categoria simbolicamente

construída, na medida em que os indivíduos, em seus permanentes processos

de socialização – o que envolve contínuos processos de subjetivação –,

(trans)formam-se em sujeitos dotados de papéis sociais, conforme as esferas

pública e privada que os integram (SILVA E MATÊNCIO, 2005, p. 253).

Sob lente das categorias em foco, o olhar deste estudo incide sobre a materialidade

linguística dos discursos, portanto, dos relatos, na tentativa de identificar e/ou flagrar indícios,

instância observável aos olhos do pesquisador, que apontem para os movimentos de

emergência da construção identitária dos sujeitos pesquisados.

Essa orientação metodológica, para reiterar, conforme discutido no capítulo 3, funda-

se no pressuposto de que é na (e pela) linguagem que o sujeito se constitui, pois “a enunciação

é a colocação em funcionamento da língua por um ato individual de utilização”

(BENVENISTE,1989,p.79), condição necessária para as relações intersubjetivas. Articulando

essa reflexão à posição de Bakhtin/Volochinov (1929/1996,), entendo aqui que

os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na

corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham

nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os

sujeitos não adquirem sua língua materna: é nela e por meio dela que ocorre o

primeiro despertar da consciência (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/1996,

p. 108).

Para salientar esse aspecto, acrescente-se a afirmação de Vygotsky (1996) sobre a

importância dos signos para a constituição do eu, e da sua relação com o outro, em um

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sistema de reflexos reversíveis, em que a palavra desempenha a função de contato social, ao

mesmo tempo em que é constituinte do comportamento social e da consciência.

Sob esse enquadre, iniciei o trabalho de análise, a partir da ideia de que, ao se fazerem

escolhas de estratégias linguístico-discursivas para se enunciarem, os professores

entrevistados também levaram em conta o que conheciam sobre meu trabalho de pesquisa e

sua temática, a partir de informações que foram passadas a eles, por ocasião do convite. É

importante salientar que os entrevistados só tomaram conhecimento do roteiro da entrevista,

no momento de nosso encontro. Esse procedimento contribuiu para que nossas conversas

fossem espontâneas, o que contribui, em certa medida, uma emoção, por parte do

entrevistado, viesse à tona. Creio que isso se deu em razão da possibilidade do professor

formador falar de si mesmo sobre experiências profissionais.

Desenvolvi o processo de análise, a partir das marcas linguísticas encontradas nos

relatos dos entrevistados, com vistas a identificar a maneira como os sujeitos se inscrevem na

enunciação. Pode-se dizer, na perspectiva do dialogismo, que as escolhas lexicais e sintáticas

dos sujeitos são feitas com intenção previamente determinada, isso torna os signos

ideológicos e, portanto, todos os enunciados dos docentes expressam um posicionamento

social com carga avaliativa e/ou valorativa.

Nesse quadro de reflexão, em termos teórico-metodológicos, também se mostram

pertinentes as discussões de Kerbrat-Oricchioni (1980), desenvolvidas em seu livro cujo

interesse recai sobre os processos de inscrição da subjetividade na enunciação, isto é, no

discurso. Embora a autora não trabalhe com a problemática da identidade, é necessário

esclarecer que suas discussões são importantes para este estudo, por reconhecermos nelas um

ponto de congruência com os pressupostos aqui defendidos, no que toca à relação intrínseca e

constitutiva entre linguagem e sujeito. Esse ponto como procurou-se discutir no capítulo 3, é

um pilar teórico sobre o qual se pode lançar luzes sobre a problemática da identidade, por se

admitir aqui que falar de identidade impõe-se falar de subjetividade, vez que essa dimensão é

intrínseca à formação da identidade pessoal e social (profissional), e emergência de ambas dá-

se no (e pelo) discurso, nas interações sociais.

Ainda, é importante dizer que o enfoque trazido por Kerbrat-Oricchioni é adequado

aos pilares teórico-conceituais deste estudo, sobretudo, em termos operacionais, no que toca

ao trabalho analítico do corpus em exame. A nosso ver, ele se apresenta produtivo e coerente,

vez que se busca aqui rastrear elementos linguísticos, nos relatos dos professores formadores

de PLP, que se apresentem como indícios da posição identitária profissional desses sujeitos.

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Nesse sentido, para reiterar, a identidade pressupõe um sujeito ou uma subjetividade

não uno, como prevê a racionalidade cartesiana, mas um sujeito heterogêneo, com propõe

dialogismo, travessado por discursos. Dessa perspectiva, como se expôs, a subjetividade,

fundada nas relações com outro, em que se imbrica o social com o individual, uma

constituição em que, a um só tempo, opera com a identificação e o diferente, o singular e

coletivo. Nesse sentido, para resumir, quando se propõe aqui rastrear as marcas linguísticas

nos relatos dos professores formadores de PLP, assumimos com Kerbrat-Oricchioni – e os

demais estudiosos aqui trazidos – que o discurso pode nos indicar, pelas suas marcas

linguísticas, o modo como os sujeitos de constroem sua identidade profissional, nas situações

de comunicação. Isto é, falam de si na perspectiva dessa identidade profissional, falam de si

em relação aos seus pares, aos alunos, etc. Em suma, partindo do pressuposto de que é no (e

pelo) discurso que emerge a identidade, é que, em termos analíticos, o trabalho aqui

desenvolvido busca rastrear as marcas linguísticas nos enunciados por meio dos quais se pode

flagrar, do ponto de vista identitário, reflexões sobre a construção de si e sobre construção de

si em relação ao outro e à esfera de atividade.

A presença da subjetividade na linguagem é um pressuposto consensual nos estudos da

enunciação, como expomos Kerbrat-Oricchioni (1980) reitera-o por meio de um trabalho

tipológico e analítico do funcionamento de unidades linguísticas, traços linguísticos, que

carregam valores sintático-semânticos, implicados com o processo enunciativo em questão.

Nesse trabalho, a autora esclarece que são considerados como fatos enunciativos os traços

linguísticos por meio dos quais se revela a inscrição do locutor no discurso. Para ela, no

quadro da problemática da enunciação, esse parâmetro é apenas um entre outros que podem

ser considerados como pertinentes. Dessa perspectiva, os fatos enunciativos, segundo a

autora, alcançam um espectro mais amplo dos que foram esboçados por Benveniste. Ela,

nesse estudo analisa unidades lexicais, por exemplo, verbos e nomes (substantivos, adjetivos e

pronomes) que, na enunciação, se revestem de uma carga semântico-discursiva, que se

prestam, por exemplo, a modalizar o dizer, e, portanto, o dito, ou a relação do locutor com o

interlocutor, e/ou a relação do locutor com o dizer e o dito. Nesse sentido, Kerbrat-Oricchioni

(1980, p 36), operando com uma concepção de língua que não se circunscreve a um código ou

a um sistema fechado, Kerbrat-Oricchioni (1980) afirma que embora o repertório linguístico

de que dispõem os sujeitos seja compartilhado, o seu uso é sempre marcado pela

individualidade do sujeito, considerando-se que cada enunciação é única, revestida de uma

intencionalidade específica, e projetada, nos enunciados para promover efeitos de sentido,

conforme a situação de comunicação.

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Em seu estudo, a autora afirma que o uso de recursos linguísticos que, por exemplo,

expressam juízo de valor – avaliativo e afetivo – ocorre a axiologização, ex: “[...] e de lá saí

pra trabalhar super nova” , e quando expressam um ponto de vista ocorre a modalização, ex:

“ [...] pelo menos do modo como eu vejo” KERBRAT-ORICCHIONI (1980, p. 82).

Kerbrat-Oricchioni (1980) discorre sobre o uso dos substantivos em discursos

derivados de verbos ou de adjetivos que podem apresentar tanto sentido afetivo como

avaliativo; os que têm com valor semântico de axiológicos são utilizados ironicamente – são

expressos sob aparente valorização, ma num julgamento de desvalorização. Além disso, a

autora afirma que o papel argumentativo dos axiológicos, nas categorias positiva e negativa

em particular, varia de acordo com a visada ilocutória global do discurso. Serão mais

numerosos nos enunciados com carga avaliativa do que naqueles com carga descritiva. E os

discursos com função apologética caracterizam-se por explorar o uso dos termos elogiosos,

usando grande número de adjetivos, de substantivos, de advérbios e de verbos que expressam

juízo de valor. Ao contrário os discursos polêmicos exploram os termos de desqualificação

do objeto em questão. O uso dos axiológicos tanto num caso, como no outro têm como fonte

de julgamento o próprio enunciador, que fala de si. Devido a isso, esta abordagem interessa

sobremaneira à análise das marcas linguísticas presentes nos relatos dos professores

formadores de PLP entrevistados.

Em relação aos adjetivos, Kerbrat-Oricchioni (1980) afirma que podem ser

distinguidos em categorias como: objetivos (solteiro, fêmea) e subjetivos. Isso porque os

adjetivos, quando selecionados no discurso, trazem uma carga semântica e podem se firmar

como subjetivos que assumem o tom de afetivo ou de avaliativos. Adjetivos avaliativos

podem ser axiológicos (bom, lindo, correto) aplicam ao objeto denotado um juízo de valor,

positivo ou negativo, reflete uma tomada de posição do enunciador. E não axiológicos

(grande, longe, quente, numeroso) sem enunciar um julgamento de valor, apresenta uma

avaliação qualitativa do objeto denotado pelo substantivo que eles determinam. Os adjetivos

afetivos (bem, chocante, engraçado, patético) enunciam além de uma propriedade do objeto

por ele determinado, uma reação emocional do sujeito falante diante deste objeto. São

tomados como enunciativos, na medida em que implica um comprometimento afetivo do

enunciador, o que marca sua presença no seio do enunciado. Devido a isso, a autora propõe

uma escala de abstratização do adjetivo, em que parte do concreto/objetivo passando ao

subjetivo menos abstrato até o mais abstrato, num intervalo em que primeiro estão os não

axiológicos, os axiológicos e por último os afetivos: concreto/objetivo – subjetivo/abstrato [-

não axiológico; axiológico; afetivo].

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Já os advérbios podem ser afetivos ou avaliativos, axiológicos ou não axiológicos. São

modalizadores reveladores de julgamento de verdade (talvez, sem, dúvida, certamente) e os

que implicam julgamento de realidade (realmente, verdadeiramente, efetivamente). Portanto,

uma estratégia linguageira argumentativa que marca a atitude do enunciador em relação ao

objeto e ao seu próprio dito.

E por fim, os verbos para Kerbrat-Oricchioni (1980) marcam a subjetividade própria

do enunciador, revelam o ponto de vista desse sobre determinado objeto ou acontecimento.

Ela divide os verbos subjetivos em ocasionalmente subjetivos (que exprimem uma disposição

do sujeito, favorável ou não, diante do processo enunciativo, ex.: desejar; dizer; ter a

impressão) e os verbos intrinsecamente subjetivos (que implicam avaliação que tem sempre

como fonte o sujeito da enunciação, ex.: suportar; merecer; confessar), a força performativa

do verbo varia de acordo com a voz e com o modo verbal.

Além das orientações de análise apresentadas acima, outros autores como Fillmore

(1971), Lyons (1977), Levinson (2007), Marcuschi (1995), falam sobre a importância do uso

da dêixis para a compreensão da subjetividade nos enunciados. A dêixis recupera um

conteúdo proposicional numa realidade extralingüística ao apontar, indicar ou demonstrar,

portanto, tem função de mostrar algo. O uso dos pronomes para referir-se aos seres resumem

conteúdos proposicionais, caracterizando-os pela estratégia de nominação. A dêixis sempre

instaura um elo com a situação enunciativa. Diferentemente da dêixis, a anáfora usa, de

maneira recorrente, os substantivos e tem função de simbolizar, de significar, isto é,

processam a recategorização lexical.

Em especial interessa a este trabalho o uso da dêixis configurado como indicador de

subjetividade, a partir da visão de Benveniste (2005) em que esta categoria é tomada como

organizadora das relações espaciais e temporais em torno do sujeito. Essa perspectiva dialoga

com os estudos de Fillmore (1971), quando acrescenta à classificação já conhecida – dêixis

pessoal, temporal e espacial – mais duas categorias a dêixis discursiva – referente a elementos

precedentes e/ou subsequentes do discurso- e a dêixis social – referente aos papéis sociais dos

participantes do contexto enunciativo. Por sua vez Levinson (2007) articula a dêixis com a

pragmática realizada em situações enunciativa referentes ao pertencimento e não

pertencimento ao grupo de trabalho. Dessa maneira, a dêixis oferece ao interlocutor pistas

para identificação de elementos referenciais extra contexto enunciativo, como por exemplo

flagrar identidades sociais dos professores formadores construídas discursivamente pelos

sujeitos nos relatos nas entrevistas concedidas.

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É de suma importância a análise desses marcadores presentes nos relatos, pois

auxiliam interpretar, ainda que parcialmente, a dimensão polifônica da enunciativa e seus

efeitos sobre os significados possíveis das enunciações dos sujeitos, que se deixam entrever

em meio a explícitos e implícitos o processo de construção de sua identidade pessoal e social.

No trabalho de análise dos dados, o foco de atenção volta-se para o processo de

produção do discurso e enfatiza o modo de dizer do sujeito para interpretar e compreender o

processo da construção identitária do professor formador de PLP.

4.3.1 - O trabalho de análise propriamente dito

Como dito, no processo de manuseio dados do corpus as duas amplas categorias – a

construção de si e a construção de si em relação ao outro e à esfera de atividade –

iluminaram a atividade de análise dos dados. A primeira categoria apresenta o dito do sujeito

a respeito da sua relação com o mundo, legitimando seu papel como docente formador. A

segunda categoria apresenta o dito do sujeito a respeito da identidade que o Outro lhe atribui,

trata das relações com o coletivo de pertença. Iniciei por identificar e selecionar os enunciados

à luz de tais categorias, tendo em vista o que se diz e o como se diz instância linguístico-

discursiva, em que efetivei o rastreamento de elementos linguísticos, indicadores de marcas

subjetivas e gestos de identidade. Esse estudo foi realizado com todas as entrevistas, e, para

efeito de ilustração do exercício analítico, trago aqui duas entrevistas, escolhidas

aleatoriamente, pertencentes ao corpus da pesquisa. A primeira cedida por uma professora

brasileira, e a segunda cedida por uma professora portuguesa.

Entrevista concedida por uma professora brasileira

E2 U2

Construção de Si

EJ, Professora Formadora de Professores de Língua Portuguesa do Curso de Letras e

Artes, da universidade U2, 46 anos, professora universitária há seis anos. Nosso

encontro/entrevista ocorreu no gabinete da professora e teve duração de 1 hora de conversa

gravada, e, posteriormente, transcrita.

EJ, ao falar sobre seu processo de formação acadêmica e profissional, ressaltou a

progressiva e ininterrupta trajetória e o início da carreira docente de nível superior.

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eu formei em X [nome da cidade]... eu fiz a graduação em letras aqui ... e

depois logo em seguida saí pra fazer o mestrado... na U2 e aí de lá eu fui pra

[Y] dar aula... foi meu primeiro concurso na ... no ensino superior ... fui pra

ser professora de Letras ... literatura ... dei aula durante três anos e depois tive

licença pra fazer o doutorado ... e nesse meio tempo surgiu o concurso aqui

em X... aí eu prestei o concurso aqui e terminei o doutorado há dois anos.

No excerto acima, os destaques sinalizam a posição de um sujeito que se enuncia do

lugar do professor formador de professor de LP, marcada pela dêixis social eu, que deixa de

ser uma referência pessoal para ser uma referência que remete ao papel desse sujeito, além

dos verbos em primeira pessoa formei, fiz, fui, tive, prestei, terminei. Somo a esses

marcadores outros como a dêixis discursiva, como nomes próprios de cidades em X, na U2, Y,

reforçada dêixis de lugar aqui, lá que referem os locais onde estudou qualificando

profissionalmente a professora.

EJ deseja marcar sua legitimidade, a partir da apresentação de sua identidade docente,

ressaltando as etapas de sua formação acadêmica, a começar por sua graduação em Letras, o

início de sua carreira como docente de nível superior e sua formação continuada. Tudo é

relatado como um percurso bem sucedido em que são usados verbos no tempo presente, no

que se refere a aprovação em concursos e conclusão de cursos de pós-graduação.

Aqui, importa ao sujeito os títulos e diplomas validados pelas universidades em que EJ

estudara, os quais lhe conferem legitimidade profissional, portanto se tornam traços relevantes

para a construção da identidade de docente, o que é ratificado pela voz da universidade ao lhe

conceder o diploma, autorização profissional. A universidade, hoje, exige de seus docentes

diplomas de formação continuada, mestrado e doutorado, com vistas a melhorar a qualidade

do ensino, à produção de pesquisas, focados nas classificações das universidades nacionais e

internacionais.

A importância disso está marcada na fala de EJ que ao narrar sua trajetória vale-se do

uso do pretérito perfeito formei- saí – foi –fui- dei-tive- surgiu - prestei – terminei sinalizando

as etapas concluídas de sua formação, o uso de locuções verbais fui dar – fui ser são usadas

com a intenção de marcar o movimento, ou consequências positiva dos esforços do sujeito;

do uso dos dêiticos discursivos sequenciadores de narrativas depois- e aí -depois- aí marcam

o ritmo e a sequência das ações do sujeito, além do uso dêixis de pessoa eu, marcando as

posições enunciativas do sujeito; do uso da dêixis de tempo logo em seguida- durante três

anos- nesse meio tempo- há três anos, são usadas para marcar a rápida e ininterrupta

sequência de conquistas, ocorridas desde a conclusão do curso de graduação. O uso da dêixis

de espaço aqui- lá- aqui- aqui, marca a diferença entre os lugares onde atuou como estudante

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e docente lá sendo usado em contraponto com aqui, onde há uma diferenciação avaliativa,

uma vez que foi necessário o deslocamento do sujeito de uma universidade para outra.

Marcam também o sujeito que tem intenção de se legitimar, ao falar dos espaços escolares

que frequentou como estudante e professora, deixando em seu dizer marcas de sua

competência ao ser aprovada em todos os concursos que prestou, até chegar ao estágio atual

de sua carreira profissional. Portanto, até o momento, o sujeito apresenta-se como bem

sucedido em relação às exigências de titulação do seu empregador, a universidade.

EJ fala sobre sua primeira escolha profissional que, de maneira indireta, influenciou

sua opção pela docência, de acordo com suas representações sociais da universidade e do

curso de Letras/ Literatura. Enfatiza sua formação secundária, ao falar sobre seu ingresso

numa escola especial de ensino médio profissionalizante, cuja metodologia de ensino é

diferenciada das tradicionais, dando a entender que se tratava de uma conquista pessoal

importante, ao ser aprovada numa seleção de acesso.

Eu estudei lá no[...]... mas durante:::... a oitava série eu prestei um teste pra

bolsa na instituição sem fins lucrativos e todos os alunos eram bolsistas...

perto de[Z]... colégio interno ... e ele tinha uma metodologia de ensino que a

gente não tinha professor em sala de aula... você estudava... tinha um

gabinete do professor ... recebia o módulo... tinha a biblioteca ... tinha horário

de ficar no colégio... mas não tinha aula... você estudava... aí quando você

sentia que tinha dúvida marcava horário com o professor e tirava a dúvida ...

quando você se sentia segura ... ia e fazia a prova numa sala com todo mundo

fazendo provas diárias e diferentes... e algumas disciplinas tinham a parte

prática ... física ... acho que quase todas aulas tinham laboratório... tinha uma

parte dos módulos que a gente tinha que marcar o dia do experimento

EJ, ao relembrar essa fase de sua vida, tem intenção de afirmar-se como alguém que

traz em sua bagagem, experiências discente/docente diferenciada dos alunos que frequentaram

as escolas tradicionais. Para tanto, faz uso do tempo verbal pretérito imperfeito o que

caracteriza sua intenção de descrever sua vida de estudante, no colégio em que estudou,

portanto são relatos do dia a dia, situações habituais, diferente da narração feita anteriormente.

Esse relato apresenta ainda o uso da dêixis pessoal eu e a gente, aparentemente, ao referir-se

às situações de conquista e autonomia que considera positivas faz uso da dêixis você para

aproximar o entrevistador da experiência vivida. Ao referir-se às situações inovadoras às

quais foi submetido, ao ingressar no novo colégio, o sujeito faz uso de conectores

contrastivos como operador argumentativo mas, para marcar as diferenças físicas tinham

parte prática física... acho que quase todas tinham laboratório, e metodológicas quando

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você se sentia segura... ia e fazia prova, são características que distanciam os espaços

educacionais do interior em que viveu até a adolescência e o novo encontrado na capital.

Embora essa experiência tenha sido vivida por EJ, como estudante, trata-se também de

um traço relevante de sua formação acadêmica se considerar o que fala Tardiff (2000) sobre o

uso que os docentes fazem de suas experiências passadas como aluno, ao se ingressarem na

carreira docente, não importando quanto tempo depois. Um comportamento que pode ser

observado, quando EJ fala de sua ação docente atual, em que busca imprimir uma

metodologia que exige a coprodução de conhecimentos dos alunos.

EJ retoma sua narrativa ao usar o verbo no pretérito perfeito, para relatar que o ensino

nesse colégio era profissionalizante, um diferencial marcado pelo conectivo argumentativo

mas usa a dêixis discursiva para dar sequência ao relato aí, fala de sua opção pela a área de

informática, o que era bom e lhe rendeu um emprego rentável, quando ainda era muito jovem,

cuja referência é construída com o uso do verbo no pretérito imperfeito trabalhava- ganhava,

pois descreve fato do cotidiano, retomando em seguida, a narrativa com o uso do pretérito

perfeito saí – fui, marcado pela uso do dêitico de pessoa eu marcando a posição de sujeito da

ação de conquista, a dêixis de tempo já, para ressaltar o precoce início de sua carreira bem

sucedida carreira profissional. Aparentemente, a escolha dessa profissão deu-se por falta de

opção no momento e pela qualidade do ensino e oportunidade oferecida e não por uma

vocação ou gosto por trabalhar na área de exatas. Veja comentário a seguir

terminava o segundo grau mas já como profissional e aí eu fiz na área de

informática (...) e de lá eu saí pra trabalhar super nova... trabalhava na área

de informática em [...] naquela época em que ... anos noventa ... se ganhava

dinheiro porque eu saí pra fazer o estágio na área de informática e já fui

contratada.

só que eu queria fazer letras... e eu queria uma cidade universitária, porque eu

queria de novo aquela ideia de campus porque o nosso colégio tinha um

pouco de campus... um campus enorme no local do colégio... quadra ... lago

piscina.

EJ afirma ter trocado sua escolha profissional inicial, uma carreira promissora,

segundo as vozes da mídia e do próprio mercado de trabalho, pela carreira de docente do

Curso de Letras, por identificar-se com a área de estudos literários, mas também movida pelas

memórias dos tempos do ensino médio em especial, referentes ao espaço físico e social do

colégio em que estudara. Num relato descritivo usa o pretérito imperfeito do verbo subjetivo

avaliativo queria fazer – queria- queria de novo, em que a repetição marca a emoção do

sujeito ao relembrar esse período vivido, e a descrição física do local segue com o uso da

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dêixis discursiva aquela ideia de campus. O sujeito fala de seu desejo de voltar a estudar e de

seu apreço pelos estudos literários, contrariando sua primeira escolha, essa afirmativa é

marcada pela expressão discursiva argumentativa só que eu queria fazer letras... Talvez

atraída pela possibilidade de lidar com a criatividade e o aspecto humanista oferecidos pela

literatura, diferente da informática, predominantemente objetiva. Além disso, as expressões

referentes aos grandes espaços da universidade, ideia de campus, um campus enorme o uso de

substantivos afetivos e adjetivos axiológicos, podem ser interpretadas como necessidade do

sujeito de se libertar da profissão escolhida na época.

EJ relata um momento de grande tensão de sua vida, quando optou por uma grande

mudança, reiniciar seus estudos numa área diferente daquela em que atuava como

profissional. Esse movimento pode ser interpretado como de uma atitude corajosa, por

abandonar algo já conquistado em detrimento de algo novo, mas que satisfazia seu desejo de

se ingressar na universidade na área das Letras. Um desejo baseado nas representações que

tinha sobre o espaço físico da universidade e sobre o curso fatores que pesaram positivamente

para a decisão de EJ.

Observo aqui um importante traço característico da conjuntura socioeconômica atual,

devido às novas tecnologias e às facilidades de mobilidade, facilitadores das mudanças de

cursos, de profissões e/ou o ingresso em novas áreas de atuação, ratificando o que afirma Hall

(2005), na pós-modernidade, as identidades profissionais são cambiáveis e as identidades

individuais tendem a adaptar-se a essas mudanças.

Construção de Si em relação ao Outro

Hoje, professora formadora de PLP, na U2, onde desenvolve seu trabalho docente e de

pesquisa aplicado ao ensino de literatura. Inquieta-se quanto às orientações de seu trabalho

como professora formadora de PLP. Ao ser indagada sobre as disciplinas com que trabalha e

da importância dessas para a formação dos alunos, afirma

Trabalho com Literatura Brasileira... são várias disciplinas na área de

Literatura Brasileira. Das origens ao Arcadismo... Modernismo... e o

Seminário de Literatura que é uma disciplina mais prática. São obrigatórias

mesmo pra um aluno de habilitação em Língua Portuguesa e Literatura de

Língua Portuguesa. O módulo como está organizado o catálogo aqui, é o

aluno completar todo um panorama histórico da Literatura Brasileira... então

ele entra no primeiro ano e faz das origens ao Arcadismo... Então é um

conhecimento histórico, mas que no decorrer da disciplina... pelo menos no

modo como eu vejo... eu ensino o aluno a ser crítico do texto literário...e isso

vai repercutir depois, quando ele for trabalhar isso em sala de aula... com

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muita ênfase pra pesquisa também... pra que o aluno continue estudando...

pra que queira desenvolver trabalhos de pesquisa sobre Literatura Brasileira.

EJ, ao se referir ao seu objeto de trabalho, usa a expressão como está organizado o

catálogo aqui em que a dêixis de lugar aqui marca a diferença entre esse modo, com o qual

EJ, não concorda aparentemente, e outros modos de organização de módulos existentes, não

mencionados. Faz uma ressalva pelo menos no modo como eu vejo... o uso do marcador

discursivo modifica o modo de dizer do sujeito que introduz sua opinião, eu ensino o aluno a

ser crítico do texto literário... Ao iniciar a asserção usando o dêitico social eu sinaliza que

esse seu modo de pensar os objetivos da disciplina, não é consenso entre EJ e seus pares entre.

Além disso, EJ ao discordar do currículo, marca sua posição de sujeito, projetando-se como

um docente preocupado não só como a formação do aluno/docente eu ensino o aluno a ser

crítico do texto literário..., mas também voltado para a pesquisa, para a sua formação

continuada, em sintonia com o atual direcionamento do programa de formação de estudantes

de letras na U2.

EJ justifica sua postura didática voltada para a atuação do futuro professor,

enfatizando o lado positivo de ser um pesquisador, essa ênfase à pesquisa condiz com a

formação recebida por EJ durante sua graduação e isso vai repercutir depois, quando ele for

trabalhar isso em sala de aula... com muita ênfase pra pesquisa também... pra que o aluno

continue estudando... pra que queira desenvolver trabalhos de pesquisa sobre literatura

brasileira.

A ação docente é marcada pela ênfase dada à formação do professor pesquisador, em

detrimento da formação voltada para a ação de ensino, uma vertente da formação que é

mencionada de maneira pouco enfática. Aparentemente, E1 reproduz sua experiência como

graduanda, em que recebeu formação também com ênfase para a pesquisa e não para o ensino.

Essa postura se mantém ao se referir à disciplina Seminário, sempre mantendo como foco

principal o desenvolvimento da pesquisa.

O Seminário principalmente... ele é obrigatório pra essa habilitação... e ele

tem só uma aula por semana... tem uma - - é bastante abrangente porque é

seminário de Literatura de Língua Portuguesa... então esse semestre, por

exemplo,... a gente está trabalhando com o seminário associado aos meus

estudos... às minhas pesquisas... então a gente está trabalhando o espaço na

literatura... e temos as aulas teóricas em que cada um vai desenvolver um pré

projeto e no final vai apresentar um seminário em cima de uma obra literária,

mas estudando o espaço nessa obra.

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EJ ao usar o advérbio restritivo só uma aula por semana... tem uma, deixa marcada

sua discordância com o fato de sua disciplina não ter, no currículo, o espaço necessário para

realizar um trabalho de ensino mais aprofundado. Porém, procura compensar isso criando

estratégias de estudos e pesquisa que indiretamente resultam em mais tempo de dedicação do

aluno. Um trabalho realizado com a participação dos alunos, o uso da dêixis a gente,

ratificando o processo de uma ação conjunta, numa mistura de aula e pesquisa a gente está

trabalhando com o seminário associado aos meus estudos... as minhas pesquisas... então a

gente está trabalhando o espaço na literatura... uma ação programada, cujo objetivo é ...as

aulas teóricas em que cada um vai desenvolver um pré projeto e no final vai apresentar um

seminário em cima de uma obra literária, mas estudando o espaço nessa obra.

Assim, EJ demonstra sua capacidade criativa, em face de um problema de difícil

solução, conciliando carga horária reduzida com a demanda de tempo para a construção de

conhecimento.

Observa-se que o docente vê-se obrigado a adicionar às suas funções cotidianas a

busca por soluções de problemas de ordem administrativa, o que constitui uma sobrecarga de

trabalho. O esforço de EJ não resolve o problema, apenas adia uma solução definitiva. Essa

situação de tensão entre profissionais docentes e a universidade, por conta da necessidade de

ajustes das demandas administrativas e curriculares, podem gerar insatisfações de ordem

prática da ação docente tanto como de ordem psicológica, revelando um sujeito inseguro de

suas ações e, por conseguintes dos resultados dessas suas ações. Esse relato, a exemplo de

vários outros, vem ratificar a voz da norma administrativa, que ecoa o discurso velado da

organização do poder econômico, abordado no capítulo I.

EJ segue falando sobre sua terceira disciplina, o Modernismo

O Modernismo... éh... aqui nós tínhamos antes o Modernismo I e II...

atualmente - - futuramente vai passar a ser só Modernismo... porque todas as

outras disciplinas eram brasileira I, II e III, quando chegava no Modernismo

quebrava... Modernismo I e Modernismo II... aí nós padronizamos... por

enquanto eu ainda estou dando aula no Modernismo um, que ainda existe no

catálogo, que é principalmente a década de vinte e trinta... então os alunos

estudam questões históricas ligadas ao Modernismo... questões políticas

ideológicas... que o Modernismo comemora na época do Modernismo tem

cem anos de Independência do Brasil... e textos literários... Principalmente as

poéticas de Mário e Oswald de Andrade.

A exemplo dos comentários feitos anteriormente, sobre sua insatisfação com a redução

da carga horária dispensada às disciplinas, o mesmo ocorre em relação ao Modernismo. E ao

abordar o assunto faz uso do tempo pretérito perfeito, para iniciar relatar a sequência das

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mudanças em curso. Aparentando descontentamento usa a dêixis de tempo, ressaltando a

frequência das mudanças e a diferença entre o Modernismo e as outras disciplinas da

literatura, que constam no catálogo de disciplinas em vigor (...) nós tínhamos antes o

Modernismo I e II... atualmente - - futuramente vai passar a ser só Modernismo...[...] aí nós

padronizamos... por enquanto eu ainda estou dando aula no Modernismo I... Procura adaptar-

se às demandas, tentando oferecer todo o conteúdo de duas antigas disciplinas, agora

condensado em apenas uma, em poucas horas de aulas então os alunos estudam

principalmente a década de vinte e trinta, questões históricas ligadas ao Modernismo...

questões políticas ideológicas... [...] e textos literários... principalmente as poéticas de Mário

e Oswald de Andrade.

EJ fala de seu desejo de cumprir sua tarefa docente, tentando criar espaços para agir

de acordo com seus objetivos, mesmo em face da escassez de horas /aula, deixando entrever

sua insatisfação com a mudanças de currículos acorridas no programa das disciplinas nos

últimos anos.

Assim emerge um sujeito em conflito que se encontra dividido entre a professora

consciente das exigências de seu fazer docente e a professora que vê o desenvolvimento de

seu trabalho ser prejudicado pelas determinações administrativas de sua U2. EJ, nesse

contexto, aceita as condições de trabalho que lhe são oferecidas, segue trabalhando,

adaptando-se, portanto, identifica-se aqui um traço de uma identidade líquida de que fala

Bulmam (2005), que se adapta às exigências e condições socioeconômicas conjunturais.

Isso é possível por tratar-se de um sujeito de natureza plural e dialógica, resultante do

entrecruzamento de diversas vozes, e, nesse caso, algumas são flagradas no excerto, como a

voz dos saberes acadêmicos que exalta o valor da leitura crítica das manifestações artísticas,

atenta para as questões discursivas, às mensagens subliminares tão caras para a formação do

leitor e para o poder da palavra. Identifica-se a voz do sujeito salientando seu trabalho

integrado com o grupo de alunos a gente que realiza o trabalho esse semestre, por exemplo,...

a gente está trabalhando com o seminário associado aos meus estudos... as minhas

pesquisas... então a gente está trabalhando o espaço na Literatura. Aqui se evidencia a ação

solitária da professora, distante dos demais professores da sua área, não há evidência de

trabalho planejado em longo prazo face às frequentes mudanças nas grades curriculares

relatadas.

Mas, aqui, também identifico outra voz, consoante com o senso comum parece

descrente da possibilidade de mudanças curriculares do curso que, ao contrário da anterior,

silencia o sujeito, tornando-o inerte frente às demandas educativas compromissadas em

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promover a formação de professores formados e informados futuramente vai passar a ser só

Modernismo... Porque todas as outras disciplinas eram Brasileira I, II, III, quando chegava no

Modernismo quebrava... Modernismo I e Modernismo II... aí nós padronizamos, ou seja

diminuímos o número de aulas, portanto, uma questão administrativa, sobre a qual o sujeito

não se manifesta, apenas processa algumas adaptações, de certa maneira, sem contestar a

origem de tudo isso, a voz dos micro poderes socioeconômicos, que ditam e estabelecem os

rumos das ações sociais. A consequência disso é a redução de carga horária da disciplina

chamada Modernismo, oferecerá aos alunos menos conteúdo, portanto, menos conhecimento.

Em outro momento, EJ que se mostrou sempre interesse voltado para a pesquisa,

expõe suas dúvidas quanto ao seu papel como professora formadora de PLP, ao ser indagada

sobre sua ação formadora,

Olha Anita... isso pra mim é preocupação recente... porque depois que eu

voltei do doutorado é que eu tenho repensado as minhas aulas... porque eu

acho que ser formada é ... no que diz respeito a literatura é mais pra leitura

crítica do que pra o ensino de literatura... tanto que a gente via ... a única

parte que a gente relacionava no curso de letras... pelo menos é o que eu

imagino e os meus colegas da minha época também... é:::... que a gente tinha

como licenciatura aquelas disciplinas de pedagogia... como se licenciatura

fosse aquilo ali e tirando aquilo ali a gente estaria fazendo um curso de

bacharelado como qualquer outro. E, depois que eu voltei do doutorado, é

que eu tenho pensado nisso... então tenho pensado em rever a prática com

texto literário pra que o aluno tenha condição de explorar o sentido do texto

né... e, num segundo momento, a gente chegar no ...na estrutura... naquela

coisa que a gente fala que se a gente for discutir entre forma e conteúdo... pra

mim... eu acho que o aluno tem que ser capaz de lidar com o conteúdo pra

que ele seja um bom professor porque isso fica muito varrido pra de baixo do

tapete no ensino de literatura.

A pergunta, aparentemente provoca no sujeito EJ uma reflexão sobre as ações como

sujeito/estudante no passado e, sobre as ações como professora formadora de hoje. EJ

confessa as atuais incertezas e preocupações como responsável por traçar as diretrizes de uma

das áreas do curso de licenciatura em Letras, de que é professora formadora. E busca

justificativas em seu histórico acadêmico profissional, quando ainda não tinha formadas

opiniões a respeito do aspecto prático da formação do professor e dos objetivos da formação

em si.

Saliento um traço identitário da formação profissional de EJ, marcada pelo domínio da

tradição dicotômica do ensino de língua materna separado do ensino da leitura, que se realiza

na voz que ratifica a ideia de separação entre o que é ensinar leitura geral e leitura de obra

literária. Opondo-se ao conceito de leitor, compreendido como aquele que sabe ler qualquer

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texto, sempre atento as suas diferenças formais, seus objetivos, sentidos possíveis, contextos

de produção e etc.

EJ inicia sua resposta, em tom confessional, modalizando Olha Anita... numa aparente

tentativa de aproximar e partilhar um problema fundamental do currículo do curso, que se

arrasta em busca de solução, para a qual EJ foi despertada há pouco tempo. EJ deixa claro

estar consciente de que deveria ter atentado para essa questão desde o início de sua carreira,

mostra-se interessada e disposta a discutir a situação em busca de solução.

Nesse enunciado observa-se um comprometimento com a busca de solução para a

questão da formação de professores, mas, ao mesmo tempo, que reconhece as falhas do

modelo, parece também construir uma tentativa para justificar esse seu despertar tardio isso

pra mim, - uso dêixis social marcando seu papel nesse contexto-, é preocupação recente...[...]

porque isso fica muito varrido pra de baixo do tapete no ensino de literatura...a expressão

varrer pra debaixo do tapete é uma metáfora para descrever uma situação em que uma parte

dos problemas a serem resolvidos são escondidos, e porque não são vistos, tornam-se

inexistentes. Ao usar essa metáfora o sujeito relata que o mesmo se dá quando trata-se do

ensino das disciplinas formadoras de professores no segmento da literatura.

Aparentemente, por um vício antigo, o sujeito usa a dêixis isso - dêixis enunciativa

rementendo ao problema comentado em sentido algo menos relevante, para referir-se às

disciplinas da área da educação e didáticas em geral, embora hoje reconheça sua relevância

nesse processo de reorientação de sua ação docente.

A marca linguística evidencia o conflito latente do sujeito em relação às escolhas

metodológicas a serem feitas e colocadas em pratica, debatendo-se entre a visão do

profissional em formação do passado e a visão profissional da questão da formação acadêmica

atual, o que ratifica a questão processual da construção dos saberes Tardif (2005).

O sujeito faz um relato mostrando-se reflexivo, preocupa-se com sua legitimidade

como Professora Formadora de Professores de LP. Tenta justificar suas atitudes no presente e

no passado, quando o sujeito/professora formadora fala de sua preocupação com as atuais

diretrizes do programa de formação de professores em que atua.

O sujeito/estudante relembra que, embora tenha ingressado no curso de licenciatura,

parece ter sido seduzido pelas orientações do bacharelado, voltado para a crítica literária e

para a pesquisa a gente tinha como licenciatura aquelas disciplinas de pedagogia... como se

licenciatura fosse aquilo ali e tirando aquilo ali a gente estaria fazendo um curso de

bacharelado como qualquer outro.

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Nesse excerto, observo que EJ usa a dêixis de pessoa a gente indicando plural, com

intenção de referir-se ao grupo de estudantes, do qual ela também fazia parte, dando a

entender que se tratava de um consenso de todos os estudantes, portanto, não se trata de uma

questão exclusiva do sujeito. Essa interpretação confirma-se pelo uso de verbos no pretérito

imperfeito indicando uma ação habitual a gente via... a gente relacionava. a gente tinha...,

marcar o comportamento negligente dos estudantes frente às disciplinas pedagógicas.

Diante disso, EJ deixa transparecer o conflito que vivencia entre os saberes

tradicionais, em que foi embasado o modelo pedagógico, seguido por seus professores de

graduação, e os seus saberes adquiridos após a graduação, tanto em sua experiência docente,

como em sua experiência de pesquisadora científica no mestrado e doutorado.

Ao final da resposta, referindo-se ao momento atual, EJ, usa a dêixis discursiva a

gente, marcando a mudança de posicionamento enunciativo, agora, refere-se a si mesma mas

usa o plural tentando captar minha adesão, e compreensão de seus argumentos apresentados

face ao problema que está vivenciando a gente chegar no (foco)...na estrutura...naquela coisa

que a gente fala que se a gente for discutir entre forma e conteúdo procurando uma maneira

de afinar suas ações docentes com as atuais demandas da formação de professores de LP.

EJ, por alguns instantes parece perturbada com seu comportamento elocutivo, ainda

procurando legitimar-se, vale-se de uma estratégia discursiva alinhada a sua intencionalidade,

enquanto torna a entrevistadora testemunha dessa declaração, tenta preservar os papéis sociais

que motivaram aquele encontro, pois sabe que as estratégia discursivas fundam imagens e

desautorizam outras interessantes para a identidade que desejar mostrar.

Todavia, EJ usa o modalizador argumentativo “eu acho que o aluno tem que ser capaz

de lidar com o conteúdo pra que ele seja um bom professor, porque isso fica muito varrido pra

de baixo do tapete no ensino de literatura” sinalizando que discorda do modelo de ensino

instituído e praticado em sua formação, embora não tenha assumido uma posição crítica e

responsiva frente a situação. Essa atitude passiva, pode decorrer da combinação da

imaturidade da aluna/formanda com a orientação de seu self, que formado pelo o sistema de

ensino acadêmico tradicional, é desautorizado de ter qualquer reação contrária ao sistema de

ensino. Embora pareça estranho, esse tipo de comportamento é frequente, considerando-se

que se trata de reações de um sujeito social disperso e plural, e, devido a isso, também

contraditório.

EJ, ciente de tudo isso, encontra-se insatisfeita com as condições de ensino e trabalho

com as orientações administrativas da U2. O que se verifica quando ela fala sobre as

constantes mudanças de orientações curriculares, sobre o excesso de trabalho e a falta de

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contratação de professores. Parece mais satisfeita ao falar sobre seu trabalho de pesquisa,

onde pode agir com maior liberdade e segurança, construindo conhecimentos envolvendo seus

alunos, e se responsabilizando pelos objetivos, métodos e por suas decisões. Uma atitude

contrária aos princípios da universidade, que prevê integração de seus segmentos, uma

realidade que pode ser percebida, a partir da resposta dada à pergunta abaixo.

E aqui hoje, na área da literatura, desenvolve-se um trabalho voltado para o

ensino da construção da ação docente ao professor em formação, ou isso

ainda é um projeto?

A gente tem repensado muito a grade curricular... ela está em reforma já há

bastante tempo... tem tanto que os alunos tem três ou quatro catálogos... se a

gente for olhar as turmas cada uma com um catálogo diferente... mas nós

ainda não chegamos a um modelo ideal.

Nas falas de EJ a gente tem repensado muito a grade curricular... a dêixis social a é

usada para si referir, incluindo os outros professores da área, deixando perceber que, embora

tenha consciência dos problemas existentes e de seu papel nesse contexto, seu trabalho

continua sendo conduzido de maneira insatisfatória, pois ao pautar-se em mais de uma grade

curricular cada uma com um catálogo diferente, não se pode averiguar com segurança e

clareza, os efeitos dessas mudanças sobre os propósitos da formação do docente. E, menos

ainda, os propósitos das escolhas dos conteúdos das disciplinas ministradas “a grade

curricular... ela está em reforma já há bastante tempo... tem tanto que os alunos têm três ou

quatro catálogos... uso da dêixis de tempo já há bastante, tanto que são usadas como

argumentos para sinalizar a lentidão do processo de mudança em curso, e sendo assim, é

coerente a conclusão de EJ introduzida pelo conectivo contrastivo mas em mas nós ainda não

chegamos a um modelo ideal .

Em resposta anterior, EJ afirma ter vivenciado uma situação de incerteza semelhante,

como estudante de graduação da U2, referente ao valor atribuído às disciplinas voltadas para

a formação pedagógica dos futuros professores, tanto por parte dos alunos como por parte

dos próprios professores das disciplinas, por não colocá-las em posição de destaque nos

currículos da formação prática dos docentes.

Atualmente, volta a vivenciar algo similar, ao ser reinserida no sistema de ensino

como docente formadora de PLP.

Hoje, de volta do doutorado, mais consciente do seu fazer docente e do seu papel

nesse espaço, começa a questionar o currículo pelo qual se orienta. Esse processo de tomada

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de consciência e reflexão está evidenciado ao responder à pergunta: Que saberes são

necessários para a atuação e formação do professor formador?

Na minha área eu acho que eles serem um bons leitores... a primeira coisa

tem que ser leitor, gostar de ler... e ter vontade de aprender porque se

familiarizar com a literatura... a obra literária e ensinar a ser leitor... é acho

que nunca se esgota... não acaba - - não tem um manual... por exemplo... é

uma disciplina que você não tem um manual... no mínimo você pode usar

uma história da literatura... mas essa história também vai recortar tanta

coisa... vai falar da história da política... eu acho que ele tem que ser acima de

tudo um leitor.

Aparentemente, EJ não compreendeu que a pergunta referia-se ao professor formador

de PLP, no caso à própria EJ, que ao responder utiliza adjetivo bons acrescentando um valor

axiológico para EJ não basta ser leitor, é necessário ser bom leitor, portanto ser bem formado

na minha área eu acho que eles serem um bons leitores... Embora tenha deixado claro seu

ponto de vista, parece que a professora, ao responder, em vez de referir-se aos professores

formadores refere-se a si mesma e a seus pares- referia-se aos alunos ao dizer gostar de ler... e

ter vontade de aprender porque se familiarizar com a literatura... , o que, em parte, invalida

sua resposta. Mas, por outro lado, se essa resposta for tomada como referente aos alunos, e

esses serão futuros professores, pode ser interpretada como resposta também válida.

Acrescentando-se o fato de que, dada a dinâmica e a complexidade do processo de construção

de conhecimento, ninguém pode dizer que sua formação está pronta e acabada.

Assim, identifica-se um sujeito que tem algumas inseguranças quanto aos objetivos do

fazer docente do professor formador, mas compreende a importância de se desenvolver o

gosto pela leitura no futuro professor formador na expectativa de que ele venha a formar

outros tantos professores leitores.

A respeito dos saberes do professor construídos na experiência docente diária,

abordada por Tardif (2005) EJ afirma

Sim... à medida que você vai ensinando, você aprende também... aprende

muito até... eu estou refazendo um monte de coisas... um monte de ideias eu

acho que- -... até porque a gente aprende a ensinar também, porque os alunos

vão...a cada turma é diferente... se você der a mesma disciplina pra uma

turma eh... você tem que ter metodologias, às vezes, até adotar textos

diferentes porque não repercute.

EJ parece compreender e vivenciar a demanda de inovação e de ajustes da ação

docente com que depara a todo o momento no exercício de sua profissão, o que fica

evidenciado pelo uso da marca de afirmação avaliativa Sim... uso de marcadores discursivos,

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verbo aprender no presente seguido do uso do gerúndio ratifica a ideia de processo em curso

à medida que conectivo proporcional,... a cada turma é diferente e você vai ensinando. E,

para demonstrar que se trata de um processo de mão dupla, usa dos verbos “aprender” e

“fazer” você aprende também... aprende muito até ... eu estou refazendo um monte de

coisas... um monte de ideias. Além disso, o uso da dêixis social você traz a ideia de que se

trata de um processo coletivo, portanto, com papéis determinados, em que o interlocutor é

tratado como o outro igualmente também participar do processo. Em seguida, EJ particulariza

seu relato ao usar a dêixis de pessoa eu, referindo-se às suas experiências intensificadas pelos

modalizadores muito, um monte de coisas, um monte de ideias.

Em seguida, temos a sequência argumentativa marcada pelo uso do modalizador eu

acho... indicando adesão ao fato discutido, seguido do argumentativo porque ampliando sua

resposta ao afirmar que o aprendizado diário do professor se dá a partir da heterogeneidade e

das disciplinas que exigem adaptações, e , portanto, competência e disponibilidade para

aprender por parte do professor. O uso da dêixis de pessoa a gente marca a inclusão do

sujeito no processo de aprendizagem no sentido de relato pessoal. Em seguida, o uso da

dêixis você refere-se a um processo coletivo, apresentando traços de argumentação já

discutida, de avaliação pelo uso do verbo tempo presente, de prescrição com o uso dos verbos

causativos no infinitivo. Assim, EJ mostra possuir sua experiência e conhecimento sobre o

dinamismo do processo de ensino/aprendizagem em que está inserida, e mostra-se disposta a

se aperfeiçoar.

Indagada sobre como traçaria o perfil de um professor formador. EJ afirma

compreendê-lo com um professor que gosta de ensinar... que gosta de ler... que gosta de

estudar...

A resposta dada pareceu-me insuficiente, e, fiquei em dúvida, sem saber se EJ não

compreendera a pergunta, ou se ainda não refletira o bastante a respeito dessa questão.

Assim a resposta, pode ser interpretada como ratificação das dúvidas, anteriormente

apresentadas por EJ sobre o objeto e o objetivo da ação do professor formador de PLP, ou

como a comprovação de que EJ está vivenciando um processo de reavaliação de conceitos e

ações docentes e, portanto, ainda não tem definido um perfil do professor formador.

Quanto ao seu trabalho de pesquisa EJ afirma

O que eu estou fazendo atualmente e principalmente é estudando o espaço na

literatura...com um grupo de estudo formado por alunos de... daqui do

departamento... da área de interessados em estudar literatura e alguns

professores da arquitetura... mas tem uma professora da história que

também está fazendo paralelamente um(tour) ...espaço físico... espaço

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ficcional... espaço como rede de relações ou então espaço urbano porque o

espaço urbano não é naturalmente físico é um espaço de relações sociais...

então tem o espaço do ponto de vista da antropologia- - o grupo é pequeno,

mas ambicioso... então a gente se interessa por muita coisa sobre espaço...

mas pra trazer pra análise do texto literário.

A pergunta referente ao desenvolvimento de pesquisa, aparentemente foi o tema sobre

o qual EJ sentiu-se mais à vontade para discutir, por se tratar do interesse principal de seu

trabalho, isso se confirma pelo uso de marcadores enunciativos atualmente, principalmente

usados em sequência marcam uma ênfase dada pelo sujeito a essa segmento de seu trabalho,

nesse momento de sua carreira docente, acrescentando a isso a importância da temática

escolhida o espaço na literatura.

O entusiasmo de EJ parece aumentar, quando se refere aos seus alunos/colaboradores

dizendo o grupo é pequeno, mas ambicioso sinaliza a integração e a sintonia existente entre

ela e o grupo, marcadas pelo uso dos adjetivos avaliativos. Ao usar a dêixis seguida pela

expressão marcada pelo intensificador em a gente se interessa por muita coisa sobre espaço...

refere-se à interação de várias pessoas e à interdisciplinaridade do projeto articulando

literatura à arquitetura, à antropologia e a outras disciplinas. Temendo que essa ligação com

outras disciplinas, possa suscitar dúvidas quanto ao foco do projeto nos estudos literários,

trata de deixar claro que não se afasta os estudos da linha da literatura, inicia sua

argumentação com uso do conectivo argumentativo em mas pra trazer pra análise do texto

literário...

Na tentativa de compreender mais sobre esse a formação identitária desse sujeito

professor indago em que medida essa pesquisa pode ser útil para a formação dos alunos. EJ

afirma

acho que é bom porque a gente fala do mundo... como que a literatura fala do

mundo... e aí eu poderia ter escolhido um outro... uma outra porta de

entrada... mas eu escolhi o espaço... mas poderia ser o narrador porque o

espaço não está dissociado quando a gente estuda uma obra literária... ele

tem relação com o narrador... com o tempo... com o enredo né... e se ele é

funcional ele não é de fundo apenas... mas eu comecei a estudar o espaço na

consciência da importância do espaço então eu me interessava pelo espaço

pra voltar pro texto literário e a gente voltar pro mundo.

Observo que EJ, ao falar sobre sua pesquisa na área de Literatura Brasileira, o faz com

propriedade e entusiasmo escolhe conectivos, substantivos e adjetivos subjetivos para

relacionar categorias importantes tanto para a literatura como para as outras disciplinas,

justificando a relevância da pesquisa para o estudante em formação... eu acho que é bom e

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justifica porque o espaço não está dissociado quando a gente estuda uma obra literária... ele

tem relação com o narrador... com o tempo... com o enredo, né?.... revelando sua

preocupação em estabelecer uma relação interdisciplinar com a antropologia, a arquitetura e a

história em prol do aprendizado do aluno, o que reflete a relação consistente entre o objetivo

do trabalho de pesquisa e os do ensino formador de professores. Isso permite a ação criativa,

em busca da integração das relações que regem o processo de formação do professor eu

comecei a estudar o espaço na consciência... a importância do espaço... então eu me

interessava pelo espaço pra voltar pro texto literário e a gente voltar pro mundo e mais ainda

o amadurecimento do fazer docente do professor formador. Ao relatar seu trabalho com os

alunos de literatura, observo que EJ interessa-se mais pelo ensino de literatura crítica, que

pelo o ensino voltado para a formação de professores de Literatura e de Língua Portuguesa,

um traço relevante para essa análise.

Nossa entrevista foi encerrada com a pergunta: O que é formar um professor?

Pra mim essa pergunta é muito nova... é nova pra mim mesma porque eu me

pergunto se eu sou formadora... assim- - acho que talvez tenham uns meses

só... sobre isso... conversando com os alunos em sala...que é sobre essa

reflexão de que será que eu estou sendo eficiente né... pra... pra o aluno que

está ali... pra o que ele veio fazer... que é o que a gente tem pensado sobre a

nossa grade curricular não é... é eficiente pra proposta pedagógica nossa né...

e aí... como a gente está nessa fase de discussão e qual é o perfil do aluno que

nós queremos? qual é a nossa proposta pedagógica... porque ela é bem

recente mesmo, e se você conversar com a coordenadora ela vai te explicar

que os catálogos mudaram muito... desde a época que eu entrei aqui... e eu

cheguei em dois mil e quatro.

Mais uma vez, EJ parece ter sido surpreendida pelo tema abordado pela pergunta e,

de maneira crítica e comprometida com a busca de soluções, fala de suas incertezas e

inseguranças quanto ao seu papel de formadora, usando verbo no presente pergunto se sou ...

usa modalizador avaliativo subjetivo para mim... ao construir sua argumentação permeada

por modalizadores muito nova... é nova..., uns meses só..., é bem recente mesmo...,

Demonstrando estar consciente do seu papel na transformação, por que está passando o

programa pedagógico do curso de Letras e, dos seus efeitos, dessa, na sua ação docente e, na

produção dos conhecimentos de seus alunos, ao usar verbos no gerúndio conversando,

pensando para indicar o processo de mudança, os verbos no presente pra o que ele veio

fazer...combinados com substantivos discussão, proposta pedagógica, reflexão, aluno e com

os adjetivos nova, eficiente, recente, marcando atitudes que até pouco tempo não eram

imaginadas por EJ.

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Ao indagar sobre sua ação será que eu estou sendo eficiente né; qual é o perfil do

aluno que nós queremos? Qual é a nossa proposta pedagógica? Em sua fala, as marcas

linguísticas deixam claro sua inquietação e engajamento, evidenciados por meio do uso das

interrogações sobre o sentido das ações docentes em curso pelo uso da dêixis social eu ,eles,

nós... Em especial, pela necessidade de socializar suas incertezas com o seu público alvo, ao

afirma ao usar o verbo no gerúndio conversando com os alunos em sala...que é sobre essa

reflexão de que será que eu estou sendo eficiente, né... o que a gente tem pensado sobre a

nossa grade curricular ...é eficiente pra proposta pedagógica nossa né... e aí... como a gente

está nessa fase de discussão e qual é o perfil do aluno que nós queremos? Qual é a nossa

proposta pedagógica... EJ demonstra sua disposição em abrir espaço para a discussão e

negociação sobre a grade curricular, sobre as demandas e expectativas dos alunos e dos

professores, numa atitude madura e sincera.

Além dessas, as repetições de marcadores discursivos e o uso da dêixis mim já no

início da resposta, marcam a influência do pensamento coletivo sobre o self, esse coletivo que

é ratificado pela inclusão do eu na dêixis a gente, a nossa, nós, evidenciando a participação

voluntária do sujeito ciente das necessidades de mudança e do valor de ação, uma

necessidade que não existia até há pouco tempo. De acordo com a própria fala de EJ, e, que só

foi possível agora, após as perguntas, conversas, reflexões discussões.

É importante observar que as reflexões de EJ sobre sua carreira docente e os objetivos

de suas ações, resultam das interações sociais e dos entrecruzamentos das diversas vozes do

interdiscurso presentes nas suas práticas formadoras. Todavia, o que diz respeito à re-

orientação dos objetivos de seu fazer docente, segundo seu relato, resultam de reflexões

recentes, provocadas pelo confronto dos traços de sua formação tradicional com os novos

saberes, ainda em construção.

Nesse relato emergem traços de sua insegurança, por exemplo, quando se vale do

discurso de autoridade para explicar e justificar as mudanças curriculares postas em discussão

qual é a nossa proposta pedagógica... Porque ela é bem recente mesmo, e se você conversar

com a L...coordenadora ela vai te explicar que os catálogos mudaram muito”. Assim, é

possível observar a importância das trocas de informações, das discussões com seus pares no

local de trabalho, que já começam a dar resultados, mesmo que a princípio pareçam

insipientes.

A discussão sobre a reorientação curricular do curso de Letras, de acordo com EJ não

é uma preocupação que se estende ao Departamento de Letras em sua totalidade, mas, a um

número reduzido de professores interessados na discussão do tema, veja abaixo

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A preocupação com a mudança curricular abrange todos os professores do

departamento?

Não é do grupo da literatura... está... está restrito(...) ...não existe, porque nós

estamos com um professor de brasileira um de português e um de ensino...

mas isso é uma preocupação que eu vejo da comissão de ensino da qual eu

faço parte com a S que é da língua portuguesa e da linguística... e gente tem

conversado muito sobre isso... e definir qual é o perfil do aluno que a gente

quer formar.

EJ refere-se ao grupo da Comissão de Ensino porque nós estamos com um professor

de brasileira um de português e um de ensino, embora o grupo de interessados seja pequeno,

as discussões travadas, já surtiram efeitos importantes influindo no pensamento de EJ e em

suas ações pedagógicas, de acordo com seus relatos registrados. Essa relação que se

estabelece entre EJ e seus pares são de negociações que envolvem mudanças de

comportamento e posicionamento, portanto, identitárias.

As respostas de EJ reafirmam o que Tardif (2000) fala sobre um traço significativo do

processo de formação dos professores que acreditam que o seu fazer docente deve seguir um

modelo estabelecido por aqueles que os procederam e, que, por sua vez, seguiram uma

trajetória semelhante, portanto, não há o que inovar.

EJ, durante algum tempo, parece ter agido de acordo com esse modelo tradicional e,

ao privilegiar mais um seguimento da formação acadêmica, no caso, os estudos literários, em

detrimento dos estudos voltados para a reflexão sobre a ação docente e seus objetivos;

produziu, portanto, um hiato, uma ausência de conhecimentos essenciais em sua formação

como professora formadora.

Hoje, consciente da importância de seu papel de formadora no processo de formação

dos futuros professores de língua materna, inquieta-se em busca de soluções para a melhoria

de sua ação docente e seus resultados. Portanto, essa entrevista além de registrar o relato de

uma fase importante do processo de construção identitária profissional de EJ, ofereceu-lhe um

espaço para falar de si e, ao mesmo tempo, refletir sobre seu lugar nesse processo de

formação de professores de língua materna.

A organização das perguntas do roteiro da entrevista foi estabelecida com vistas a

levar o sujeito a relatar sua vida acadêmico/profissional, deixando flagrar identificações da

identidade para si e da identidade para o outro.

EJ ao falar sobre sua formação acadêmica o faz com o propósito de legitimar-se como

professora universitária da área de estudos literários. Inicia seu relato tecendo lembranças de

sua trajetória acadêmica, planejada e vivenciada nas universidades onde cursou graduação e

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pós-graduação, com vistas ao ingresso na carreira docente como professora de Literatura no

curso de Letras.

EJ procura validar sua imagem e legitimar suas competências e seus saberes, falando

de sua ação docente começando por apresentar seu objeto de trabalho, as disciplinas de

literatura e suas pesquisas ligadas aos estudos literários. E ao fazê-lo deixa identificar traços

da identidade para si, isto é, o sujeito revela-se e fala de suas conquistas pessoais e do seu

papel social como professor universitário, posição de que se orgulha.

Ao falar de seu fazer docente, EJ deixa flagrar sua preocupação com o fato deste ser

voltado para a formação do crítico literário em detrimento do ensino de como ensinar,

reconhece a importância desse aspecto da formação e a limitação de sua ação nesse sentido.

Aponta como desencadeadores dessa deficiência do programa do curso, as inúmeras

alterações processadas na matriz curricular a que tem sido submetido o curso de Letras e,

aos prejuízos administrativos e pedagógicos provocados pelas orientações das políticas

educacionais do Ministério da Educação e Desporto- MEC. Essas mudanças têm levado os

professores a enfrentar problemas em relação à redução do número de docentes e da carga

horária das disciplinas.

Mostra-se apreensiva quanto aos rumos da reforma por que passam o curso de Letras

e a própria instituição universidade e, consequentemente, todo o contexto social.

Considerando que este interfere diretamente na socialização de EJ, sujeito do processo de

formação de PLP. Portanto, esse sujeito sofre os efeitos de tais mudanças na sua identidade

para o outro, gerando insegurança e alterações identitárias também nos grupos de referência e

de pertencimento.

Observo que de acordo com seu relato, EJ encontra-se em crise quanto à sua

identidade de professora universitária, suas aspirações profissionais e, o mesmo se aplica a

seus pares que têm se reunido para discutirem a situação em busca de soluções. Todavia, o

efeito dessa situação afetará os alunos e os sujeitos nas relações coletivas constitutivas do

trabalho docente e por elas são afetados. Instaura-se então uma situação de conflito e

insatisfação identitária profissional.

Trata-se, portanto, dos efeitos socioistóricos da macro influência do neoliberalismo

econômico sobre a micro dimensão do processo de formação identitária do professor

formador de PLP e, deste, sobre seus alunos. Ou seja, as consequências didático-pedagógicas

emocionais e socioeconômicas advindas das novas orientações sob a chancela do poder

econômico, refletem e refratam a crise que se verifica em todos os níveis do ensino brasileiro

das últimas décadas.

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Entrevista concedida por uma professora formadora portuguesa

E14/ U13

Construção Si

E12, agora ED, 61 anos, Professora Doutora em Didática do Português, foi

entrevistada por E em seu gabinete, na U12, em Braga, Portugal, onde trabalha atualmente

como professora formadora de professor de LP.

Após os cumprimentos, apresentações e um breve comentário sobre as perguntas que

seriam feitas, ED toma a dianteira do encontro e estabelece algumas posições, dizendo

É assim, eu começaria por dizer que nesse momento minha ocupação central

não é a formação de professores, mas é grande parte dela. De qualquer

maneira, para cumprir o seu diálogo..vou falar devagar por causa da

dificuldade de sotaque.

Assume a posição de controle e determina os procedimentos ao usar o tempo presente

dos verbos ser em sua afirmação É assim...; não é ...mas é ...para cumprir seu diálogo vou

falar devagar, embora o uso de aparente de voz de comando, mostra-se sensível a uma

possível dificuldade minha em compreender sua fala muito marcada pelo sotaque do norte de

Portugal, ou ainda poderia ser um convite para que eu também falasse mais devagar. De uma

maneira ou de outra, nessa fala deixou flagrar um sujeito firme em suas decisões. O uso da

dêixis em seu diálogo, referindo-se à entrevista, marca o estabelecimento um certa

distanciamento, compreensível nesta situação.

ED apresenta-se como professora formadora, ligada a vários outros projetos, portanto,

sua fala minha ocupação central não é a formação de professores, mas é grande parte dela é

marcada pela intenção de estabelecer posições discursivas e legitimar-se no contexto

universitário como professora formadora.

Ao responder a primeira pergunta sobre como se deu sua formação acadêmica, começa

seu relato a partir do ensino médio,

minha formação básica estava longe de ser orientada, naturalmente, para ser

professor, ou para ser professora de língua materna sequer ... Eu tenho uma

formação... quando eu estava no ensino médio, minha área foi as letras, as

línguas, porque eu queria ser tradutora.

ED, a princípio, não escolheu como profissão a docência de Língua Portuguesa, o que

se percebe pelo uso de adverbiais avaliativas como longe; naturalmente e sequer dando a

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entender que acreditava na desvalorização da profissão docente em relação a de tradutora.

Um traço significativo da identidade do sujeito, que busca legitimar-se usando uma estratégia

de negação do valor do objeto para em seguida ressaltar sua qualidades.

Segue retomando sua história como estudante universitária, mais precisamente de

língua estrangeira, no caso a alemã

fui para a faculdade de letras Universidade de Lisboa, para fazer um curso

que havia já nos anos 70, chamado Germânicas e descobri que não era aquilo

que eu estava a espera, e não queria ser tradutora...E portanto tinha errado, e

eu comecei a fazer o meu percurso na área do Português, aproveitando as

modificações curriculares que ocorreram nos meados dos anos 70 por ocasião

do 25 de abril.

Ao observar as marcas linguísticas, conclui que a escolha de ED pela profissão,

resultou muito mais de uma questão circunstancial que de uma convicção vocacional. E ao

relatar esse fato ratifica o traço do sujeito que se revela determinado e seguro de si ao falar

sem rodeios de uma escolha equivocada e um recomeço usa verbos no pretérito perfeito

sinalizando rompimento definitivo fui ... descobri , comecei; seguida do uso de imperfeito

para marcar os enganos que eu estava a espera, e não queria ser tradutora...E, portanto, tinha

errado, e eu comecei a fazer o meu percurso na área do Português. Num primeiro momento

ED deixa claro seu empenho em legitimar seu papel como sujeito social. Além disso, comenta

a influência do fato socioistórico sobre sua vida.

ED continua falando de sua vida acadêmica, dando explicações da s mudanças de

curso, agora, com vistas a legitimar-se como profissional docente

Comecei a fazer disciplinas na área de literatura e da linguistica portuguesa,

portanto se ia ser professora então era mais interessante que fossem na área

do português, do que propriamente na área das línguas e muito menos do

inglês ou do alemão. Então basicamente eu tenho duas licenciaturas, uma de

língua estrangeira, inglês e alemão, não conclui faltam uma... E depois outra

em ensino do português, porque, entretanto eu fiz as minhas disciplinas da

área do português.

Fala de suas competências adquiridas na faculdade Comecei a fazer disciplinas na área

de literatura e da linguistica portuguesa, portanto se ia ser professora então era mais

interessante que fossem na área do português, [..] então eu tenho duas licenciaturas língua

estrangeira, inglês e alemão, não conclui faltam uma... E depois outra em ensino do

português. ED continua falando de sua insatisfação com a decisão de seguir a carreira docente

usando marcadores como se ia ser professora então era mais interessante que fosse [...] muito

menos... Ao final de sua fala o uso da dêixis minhas disciplinas da área assinala uma mudança

de pensamento.

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Construção de Si em relação ao Outro

Importa legitimar seu papel de professora e, é para esse ponto que ED orienta todas as

informações de seu relato, deixando emergir o sujeito focado na imagem de professor

universitário. Para tanto se preocupa em falar sobre detalhes e identificações

Nos anos 80 começam a aparecer cursos já orientados para a área do ensino

de português e eu pedi equivalência e fiz o curso em ensino do português

para ter a profissionalização como professora. Portanto eu comecei como

professora, fora um tempo em que dei aulas particulares e, no entanto dentro

do percurso oficial, eu fui professora durante três anos numa escola de ensino

médio ou secundário, né? Pronto.

ED fala de sua formação específica para a carreira docente fiz o curso em ensino do

português para ter a profissionalização como professora, marca sua identidade docente ao

usar a dêixis social seguida do verbo ser no pretérito eu fui professora, marca sua experiência

docente no ensino fundamental (médio) durante três anos numa escola de ensino médio ou

secundário, né? Usa a expressão Pronto. Para encerrar uma etapa de seu relato, para dar início

à outra, seu ingresso na universidade

Após ser convidada a ensinar Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, na

Universidade do Minho, integrando como estagiária a equipe professores formadores.

Percorreu todos os níveis de carreira docente universitária, compreendido como estagiária

assistente e professora orientadora.

E foi assim que entrei não só para dar a disciplina didática, mas para orientar

os estágios, e significava que era apoiar professores em formação,

acompanhados na sua prática pedagógicas de estágio ir às escolas verem as

aulas preparar com eles as aulas aqui na universidade.

Nesse período ED inicia-se na carreira de professora assistente de estágio, como

responsável por um crescente número de alunos ...sua função era apoiar na formação de

professores de português com a disciplina única que era a metodologia do ensino do

português e a orientação dos estágios, nós tínhamos muitos estagiários. O ingresso na carreira

docente universitária marca o início da fase de maior visibilidade de seu trabalho.

Acumulando conhecimentos adquiridos em experiências no ensino médio e nas duas

faculdades de graduação, parece compreender bem o seu papel nesse grupo de pertença e

nesse contexto acadêmico.

Pouco tempo depois, concluiu o mestrado, defendendo sua dissertação cujo tema é a

interação verbal entre professores e alunos, na sala de aula, de ensino de português, um

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assunto inovador Então essa foi a minha tese de mestrado, que, aliás, foi uma coisa de muito

sucesso, foi uma coisa inovadora em Portugal... na época que lhe rendeu muito

reconhecimento por aproximar duas áreas que tradicionalmente trabalham apartadas era um

misto de compromisso entre os estudos linguísticos e pedagógicos, assim deu início a um

novo olhar sobre a formação docente do PLP.

A partir do momento em que ED começa a falar de sua trajetória docente na

universidade mostra-se mais entusiasmada revela uma identidade voltada para a interação

com seus pares, para a pesquisa científica, o que lhe rendeu o convite para integrar a equipe

dos orientadores do estágio despertou-a para os estudos e pesquisas na área do ensino de

Língua Portuguesa e suas metodologias

E depois continuei no meu percurso a trabalhar, ao contrário de vocês no

Brasil, nos temos planos de estudo muito fixos e muito limitados, nós não

temos assim disciplinas pra além daquelas que faz parte de um semestre no

curso. Então continuei a trabalhar com a metodologia do português com a

formação e fazer o meu doutoramento.

Aos poucos, Ed vai pontuando as dificuldades encontradas para o desenvolvimento de

seu trabalho nós não temos assim disciplinas pra além daquelas que faz parte de um semestre

no curso o uso do intensificador muito fixo e muito limitado assinalam problemas, um fator

limitante para a ação docente e, para a expansão do curso nos temos planos de estudo muito

fixos e muito limitados. ED demonstra disposição para continuar suas pesquisas ao ingressar

no doutorado.

Seguindo a mesma vertente de estudos do mestrado, com pequenas alterações sua

pesquisa de doutoramento fui analisar aquilo que eu tinha percebido no mestrado, aquilo que

era determinante na sala, o livro didático, o uso de dêixis aquilo ressalta o objeto referido

elevando-o, esse movimento continua quando é usado o adjetivos axiológicos determinante.

ED ao ingressar no doutorado volta-se para a análise do livro didático procurando

imprimir algo novo nas suas práticas docentes uma novidade para o ensino tradicional

português. Estabeleceu contatos com professoras brasileiras, dando inicio a uma parceria

produtiva de trabalhos reforçando a aproximação entre as duas universidades.

foi, aliás, o meu contato com a UFMG, tem a ver precisamente com a equipe

do livro didático, tem a ver com Costa Val que e, aliás, em 2006 acompanhei,

enquanto coordenadora das equipes do PNLD.

Foi essa análise, e foi então que me deu a conhecer o Brasil. Na verdade o

meu primeiro contato com o Brasil foi porque estava lá o meu livro, na

livraria da UFMG. E a professora Graça Paulino, que já foi da Puc, viu o

livro e tinha uma doutoranda que estava precisamente também a trabalhar o

livro didático, a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e depois veio

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aqui a fazer o seu sanduiche. [...] meu doutorado na área do livro didático, o

que fiz foi analisar os livros um corpus enorme de livros didáticos do oitavo

ano. Pronto.

Ao falar de seu trabalho com o livro didático, faz referências às professoras Graça

Paulino e Costa Val que e, aliás, em 2006 acompanhei, enquanto coordenadora das equipes

do PNLD, o uso do verbo acompanhei sinaliza aproximação. Ressaltar o seu trabalho frente à

relação de troca, e de atualização de conhecimentos o meu primeiro contato com o Brasil foi

porque estava lá o meu livro, na livraria da UFMG, como um exercício de parceria marcado

pela dêixis espacial e por substantivos afetivos acompanhados de modalizadores. Além de se

legitimar como docente/pesquisadora face aos trabalhos desenvolvidos por essas professoras

lá e aqui, na universidade brasileira a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e depois

veio aqui a fazer o seu sanduiche.

O uso da expressão Pronto ocorre para encerrar um assunto, abrindo espaço para

outro - Como se forma um professor? -. ED começa contextualizando socioistoricamente esse

um processo identitário aborda a questão da reforma do curso superior, implantada a partir do

Processo de Bolonha comentando algumas mudanças que alteraram diretamente o seu fazer

docente

Aqui nós fizemos o grupo de português ou de matemática, no meu

departamento temos didática do português, ou da matemática, ou das

ciências... É o departamento das didáticas. Mas os outros departamentos

sociologia da escola, desenvolvimento curricular, ou tecnologia educativa, ou

psicologia da educação, não sabe muito bem o que os fazemos... Eles são das

línguas, por exemplo, no meu caso... e perguntam: aí tu que és do

departamento do português... E ainda chegou a ter aqui na universidade

alguns movimentos para nos tirar daqui, e nos pôr nas letras, como nas

universidades clássicas. Mas foram as universidades Novas que tinham

incluído no âmbito daquilo que eles chamavam de ciências da educação,

tinham incluído as didáticas, ou as metodologias das disciplinas. Entretanto

eu me sinto muito mal, porque minha experiência está no ensino do português

ou da literatura e muito pouco do currículo.

Assim, devido a sua formação e larga experiência na área das Metodologias de Ensino,

ED afirma que atua no ensino de português, ministrando disciplinas específicas, mas também

atua no Curso de Mestrado no Departamento de Didáticas, por conta das demandas da criação

das Universidades Novas. Isso fez com que seu percurso como docente acompanhasse as

modificações por que passaram as orientações da ação do corpo docente e da própria

universidade por conta de demandas socioistóricas “Aqui nós fizemos [...] É o departamento

das didáticas, o uso da dêixis social determinando os papéis docentes sinaliza a situação

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inovadora, a criação de um departamento que atende aos futuros professores de todas as áreas

do ensino em geral.

ED discorda dessa orientação, pois sua formação é específica para o ensino e

formação de PLP o uso modalizador argumentativo mas, da dêixis social eles, e o uso da

dêixis discursiva daquilo remetendo à disciplina Ciência da Educação marcam a ideia de

distanciamento e discordância que ED deseja imprimir no excerto, Mas foram as

universidades Novas que tinham incluído no âmbito daquilo que eles chamavam de ciências

da educação” , além disso, ao declarar eu me sinto muito mal, porque minha experiência

está no ensino do português ou da literatura e muito pouco do currículo, deixa explicita sua

declaração de desconforto ético e emocional, por não ter sua experiência aproveitada, uma

condição que influencia diretamente a identidade profissional da professora. Isso gera um

conflito entre a identidade para si e a identidade para o outro, isto é, entre as identidades

virtual e real, sua insatisfação por não ter suas aspirações satisfeitas e nem o reconhecimento

de suas competências está marcada em [...] aqui no Minho, nós estávamos num lugar que não

nos reconheciam nem como da educação nem letras, nós estávamos num limbo. Dessa

situação surgiu uma nova identidade profissional, com vistas a solucionar o problema, uma

mistura de experiências passada e desafios futuros [...] Aqui nós fizemos o grupo de português

ou de matemática, no meu departamento temos didática do português, ou da matemática, ou

das ciências... É o departamento das didáticas. ED embora trabalhe em uma área distinta

daquela na qual se especializou, segue adaptando-se e desconsiderando-se que toda relevância

seu trabalho de formação e pesquisa.

ED comenta a respeito das mudanças ocorridas na organização administrativa e

curricular das universidades portuguesa afetando todo sistema de ensino. E, por conseguinte,

as faculdades, os departamentos, a atuação docente e a formação dos estudantes. Um

processo, cujos desdobramentos e avaliações ainda estão em curso e que tem dividido

opiniões. Trata-se do Processo de Bolonha abordado no capítulo que trata das universidades, e

aqui são descritas mudanças especificas do curso de Língua Portuguesa

E estamos passando por uma transformação histórica, que não sei se lhe

interessa saber... Até há 3 anos atrás então nós tínhamos uma formação

integrada, isto é, os alunos entravam no primeiro ano, levavam 5 anos para

ser professores, seja de língua, ou de matemática.., etc. [...]as licenciaturas

aqui não são o mesmo que são as licenciaturas no Brasil... Licenciatura é

qualquer sujeito que tenha obtido o primeiro grau da universidade, vocês têm

a licenciatura pra quem vai ser professor, né? Toda gente, o médico, o

arquiteto ou engenheiro é licenciado, e aparece quase sempre o Lic. Como

título. Portanto era bacharel com três anos e licenciatura com cinco, para nós

eram passos. O bacharelado já não existe há muito tempo. Portanto, nós

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tínhamos licenciatura em ensino de cinco anos, entretanto agora eles entram

sem pensar no ensino, vão três anos para a faculdade de letras, fazem as

cadeiras que lá tem português e línguas clássicas, literaturas luso africanas,

luso brasileiro, literaturas línguas europeias... E depois se quiserem ser

professores, uma das opções da área da educação [ fazem complementação].

ED fala das mudanças trazidas pelas novas diretrizes para a educação, as exigências de

lei para o currículo mínimo do curso de formação de professores, [..] nós tínhamos

licenciatura em ensino de cinco anos, entretanto agora eles entram sem pensar no ensino ... E

depois se quiserem ser professores, [ fazem complementação optando por] uma das opções da

área da educação.

E lembrando Dubar (2005) quando fala da necessidade de se ter a chancela de uma

institução para declarar a prontidão do profissional, através do diploma, explica a diferença do

uso do termo licenciatura lá, onde licenciado é todo aquele que possui licença formalizada em

diploma, para exercer uma profissão, portanto, tem um significado bem diferente do uso aqui

no Brasil, onde licenciatura refere-se aos cursos superiores de formação de professor de uma

disciplina.

Eu vou continuar a dar a Metodologia do Ensino do Português que é uma

cadeira central em termo de créditos. No nosso caso que interessa, a situação

é muito mais interessante, porque com a licenciatura de cinco anos nós

tínhamos só uma disciplina, e agora como esse novo modelo de três anos

quem definiu qual a porcentagem de cada área desses cursos é a legislação do

Ministério que diz quanto de cada área deverá ser cada curso. E daí que

tínhamos dúvidas em termos do ensino do português, agora temos 60 % da

área da didática, criamos a disciplina que é Avaliação e Concepção de

Materiais Didáticos, temos no segundo ano uma observação do Português,

mas que já é uma parte do estágio e começamos a ter uma intervenção maior

em termos da especialidade.

ED afirma que particularmente, as mudanças trouxeram alguns problemas de ordem

departamental, mas por outro lado, valorizou a disciplina didática e por disciplinas afins

ampliando a demanda “E daí que tínhamos dúvidas em termos do ensino do português, agora

temos 60 % da área da didática, criamos a disciplina que é Avaliação e Concepção de

Materiais Didáticos” num sinal claro de que o ensino de Língua Portuguesa volta a ser

priorizado por parte das autoridades e estudantes.

Ao responder à questão sobre saberes construídos na prática docente, de que fala

Tardiff (2005), afirma que sua formação tem ênfase específica para o ensino de português e

línguas estrangeiras, com menor ênfase para o ensino das disciplinas votadas para a área de

formação como currículo, administração escolar, sociologia e psicologia. Embora o autor

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não faça parte de sua referência teórica de seu trabalho, ED ao responder à questão sobre a

construção do professor por meio da prática, afirma

sobre a questão de que o professor se constrói na prática, agora é minha

reserva não é afirmativo, o professor se constrói na prática pro bem e pro

mal. Nós formamos os professores aqui e quando saem desse contexto e vão

para o contexto da sala de aula, eles passam a ser outra pessoa, e dizem o que

é adequado dizer naquele contexto, e, portanto eles podem ser até alunos

extraordinários, chegando à escola ele passa ao ter outro estatuto, e passa a

agir de outra maneira, e, portanto começa a funcionar e a prática vai... Se a

escola tem outra orientação e esquece tudo que aprendeu na universidade...

que não é assim explícito, mas isso pode parecer caricatura, mas não é.

Tardiff não fez parte da minha formação profissional, nossa orientação é mais

para a discussão do que é... A perspectiva linguistica do ensino, as questões

da literatura e do ensino, afastaram-nos sempre... Não tem a ver com a minha

formação a questão desses teóricos.

As marcas discursivas deixam claro que a divisão entre os saberes específicos e os de

núcleo comum, que foram bem demarcadas no passado, ainda hoje o são. Embora, dentro de

um novo modelo de reforma educacional, as ações docentes, aparentemente, permanecem

cristalizadas o eu impede a entrada de novas metodologias na escola “ Se a escola tem outra

orientação [o recém formado iniciante na carreira] esquece tudo que aprendeu na

universidade... que não é assim explícito, mas isso pode parecer caricatura, mas não é, o

verbo esquecer é usado no sentido abandonar para referir-se à ação do professor que no início

de carreira segue as orientações da escola em que vai trabalhar, deixando de lado sua

capacidade criativa, por insegurança. Usa esse exemplo para ilustrar um seu ponto de vista

[...]o professor se constrói na prática, agora é minha reserva não é afirmativo, o professor se

constrói na prática pro bem e pro mal... salientando ao usar a expressão se constroi para

marcar a responsabilidade do docente nesse processo identitário, enfatizando o livre arbítrio

docente.

Assim ED denúncia o desalinho das ações docentes e as organizações

administrativo/curriculares face aos conteúdos a serem ministrados, interesses e objetivos de

todos envolvidos. Fala do desafio comum, formar professores que sejam capazes de atuar com

discernimento ético, promovendo a interação dos saberes.

Sobre esses saberes você julga necessário a um professor formador?

Eu acho que nós professores formadores professores de português

deveríamos ter um maior saber sobre as teorias vygotskyanas, da formação

com o aspecto sócio psicológico, o que não temos, pois nos concentramos no

conteúdo.

Assim o quê Vygotsky diz pra mim professor de português, e o quê que

Bakhtin tem dito para o professor de português, ainda não chegou cá... No

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Brasil vocês só falam no Bakhtin, que aqui chegou nos anos 70 por via da

Teoria da Literatura. E como teoria de apoio para o estudo da língua agora

começa a ser vista, a partir das relações com o Brasil.

E eu não acho que tenham bom fruto, os meus alunos que vão ser professores

de português ficam limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a

integração. E o professor de português é aquele que corrige erros de

ortografia e erros de linguagem, o escrever e a falar bem, e literatura. E

mesmo que olhem pra aula de língua numa perspectiva interativista, a

questão centrada sempre em saber a gramática e saber a literatura. Calcados

na escola passada.

A resposta de ED deixa clara sua posição marcada nas expressões pelo uso de verbos

axiológicos e de modalizadores eu acho, deveríamos ter, advérbios avaliativos maior saber,

ainda não chegou cá , a dêixis espacial -discursiva remete a Portugal cá . ED lamenta por

não encontrar conseguir convencer os alunos, futuros professores, da relevância de se fazer a

integração entre teoria e prática para o ensino de língua materna ...ficam limitados, não

conseguem fazer a integração... o uso do verbo conseguir salienta uma limitação que

aparentemente, independe da vontade dos alunos... Isso os torna reféns de contexto do

ensino tradicional, cujos ensinamentos ecoam em suas memórias, tornando-os “Calcados na

escola passada” resistentes às inovações e produzindo sempre os mesmos resultados

insuficientes para atender à demanda social dos dias de hoje, “E eu não acho que tenham bom

fruto”. Porém, toda a descrição dos problemas identificados por ED está ligada de certa

maneira às mudanças dos programas de ensino e suas metodologias, portanto, o ajuste

necessário ainda não foi consolidado. ED continua elencando os problemas, numa tentativa

de justifica-se

A nossa formação era muito bancária como diria o Paulo Freire, e temos aqui

o currículo, aqui a sociologia, aqui a psicologia, as disciplinas, nunca

integradas e preocupadas em saber como é que se aprende uma língua... ou

linguagens, como é que se aprende... nossa psicologia da educação nunca foi

marcada pelo Vygotsky, pois era muito mais da psicologia clínica,

despachávamos os alunos com uma psicologia dada em ciências.

As afirmações de ED criticam os currículos do passado... nossa formação era muito

bancária ... e o currículo atual ...temos aqui o currículo, [...], nunca integrada e preocupada

em saber como é que se aprende uma língua... ou linguagens, estabelecido e legitimado pela

universidade/departamento em que ela atua como professora formadora.

Esse posicionamento vem ao encontro das afirmações de Tardiff (2005) quando ele

fala sobre a “cristalização de saberes” e da dificuldade para se fazer sua desconstrução.

Redimensionar os currículos e as ações docentes criticamente constitui, hoje, uma prioridade

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em qualquer espaço educacional e, essa deverá ser pensada como um processo de rede

interacional.

ED fala de sua atual frente de pesquisa e de como esses estudos contribuem para sua

ação formadora

Bem, a minha pesquisa pessoal ficou mais ou menos traçada, eu trabalho

muito com a literacias ou dos letramentos sejam eles como se constroi a

identidade letradas do aluno da universidade. Porque a Adriana Fischer

estava aqui vendo como é que se constroi a identidade letrada de um aluno do

curso de engenharia... ver o que ele vai se construindo como leitor do texto de

engenharia e produtor de textos de engenharia ou como é que um jovem ou

como um adulto, estou com uma pesquisa com adultos. Mas continuo a fazer

formação de professores na medida em que são as disciplinas que eu dou. E

tem uma outra disciplina que se chama Educação e Literacias e pretendo

fazer uma ponte e definir o que é letramento.

Ao falar de sua pesquisa aponta sua preferência “minha pesquisa pessoal” por letramento e

formação de professores, salienta a aplicação [...] como se constroi as identidades letradas do

aluno da universidade, tema em evidência agora, atendendo às novas demandas das reformas,

volta sua pesquisa pra uso de Língua Materna, não só por estudantes de Letras, mas também

de outras áreas como das exatas por exemplo.

Ao falar sobre as disciplinas com que trabalha e a função desta na formação inicial do

professor ED afirma

E aí temos trabalhando, eu pessoalmente também, com disciplinas que são ou

Metodologia Ensino do Português, ou Supervisão do Ensino do Português, ou

com Avaliação no Ensino do Português, e basicamente andamos sempre com

essa grande questão sobre a metodologia da língua. A disciplina didática,

serve para orientar os estágios, e apoiar professores em formação,

acompanhados nas sua prática pedagógicas de estágio ir as escolas ver as

aulas preparar com eles as aulas aqui na universidade, discutir as aulas que

eles davam era uma continuação também da metodologia.

ED fala da importância de suas disciplinas voltadas para a metodologia do ensino e

avaliação no ensino de Língua Portuguesa, para a formação do professor, descreve parte do

processo de acompanhamento dos estagiários tarefa que demanda grande empenho do

professor face aos objetivos da disciplina didática, serve para orientar os estágios, e apoiar

professores em formação, acompanhados nas sua prática pedagógicas de estágio ir as escolas

ver as aulas preparar com eles as aulas aqui na universidade[...], mas por alguma razão, como

disse anteriormente, isso não tem sido suficientemente, pois não convence os alunos da

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necessidade de inovar suas práticas de aula. Assim o aluno que não se empenha em aprender

a ser professor “vai construir [seu saber] de uma forma mais material e, portanto mais

dolorosa também o seu saber docente”.

Por fim questionada sobre o que significa para ela formar um professor, ED afirmou

Eu acho que é dotar os sujeitos pra já de um grande entusiasmo pelo trabalho

com a língua e a linguagem e, sobretudo dotá-los de competências críticas, e

eu diria que essa é, mais do que dar-lhes grandes quantidades de informação,

dar-lhes instrumentos para eles perceberem criticamente o que significa

tornar uma prova obrigatória, ou o PCN qual é o significado para si, que é o

professor, para os alunos para a escola e para a sociedade. Formar um

professor formar um profissional que não entenda que pronto ... está formado

e que agora é só aplicar, mas que saiba, possuindo essas competências

críticas construir o seu percurso.

Embora ED tenha larga experiência no trabalho que desenvolve e o faça como

dedicação e espírito investigativo, ao falar da necessidade de instrumentalizar parece referir-

se à tarefa despertar no futuro professor a crença no papel social do professor e a partir disso

compreenderá a importância das relações entre as disciplinas e do trabalho voltado para uso

da linguagem, ao usar modalizador eu acho... marca o posicionamento de ED nem sempre em

sintonia com seus pares. O verbo dotar parece ter sentido de despertar os sujeitos pra já de

um grande entusiasmo pelo trabalho com a língua e a linguagem o uso do adjetivo subjetivo

grande seguido dos substantivos entusiasmo, trabalho, língua e linguagem traduzem o

direcionamento e esforço da ação docente. E mais uma vez me lembro das palavras de Tardif

“Desse ponto de vista, os saberes experienciais do professor de profissão, longe de serem

baseados unicamente no trabalho em sala de aula, decorreriam, em grande parte, de

(pré)concepções sobre o ensino e a aprendizagem herdados da história escolar” (TARDIF,

2005, p. 219).

Aqui temos, portanto, o relato de experiências de ED, uma professora que acredita em

sua escolha profissional a despeito de todas as dificuldades que ela encerra. ED revela sua

identidade profissional, falando de suas vivências e convivências e especialmente de sua

carreira docente que teve início de maneira despretensiosa, a partir de uma escolha sem muito

entusiasmo. Construiu uma carreira profissional marcada por muita dedicação e trabalho de

um sujeito curioso, determinado e objetivo que vê seu trabalho reconhecido.

Ao longo da entrevista fala de como si vê nesse papel social, fala da identidade para

si, como professora formadora construiu sua trajetória docente dentro da universidade, onde

desenvolveu estudos importantes sobre letramento, livro didático avaliação e metodologia de

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ensino de Língua Portuguesa. Portanto, desenvolveu competências nas principais áreas do

ensino, daí vem o reconhecimento de seu trabalho como professora e pesquisadora, o que lhe

permitiu estabelecer relações com grupos de pertença legitimando seus saberes e sua imagem,

consolidando sua identidade para o outro, ou seja, é reconhecida pelos alunos, colegas e

comunidade acadêmica.

Porém, todo seu trabalho de construção de competências e de sua identidade docente

formadora não foi suficiente para blindá-la das influências socioistóricas e econômicas por

que passa seu país, visto que o trabalho docente, como qualquer outro, é uma construção da

combinação dos aspectos subjetivos e sociais. E, portanto, o contínuo o processo de formação

identitária docente de ED encontra-se abalado pelos efeitos da reforma do ensino,

recentemente, promovida pelo governo sob a orientação do chamado Processo de Bolonha.

Ao atingir os princípios da organização dos currículos do ensino superior, a reforma interferiu

diretamente na socialização do sujeito professora formadora, nas suas relações de

pertencimento e, em suas referências sociais. Isso gerou mudança em suas crenças, aspirações

e, principalmente, colocou em xeque sua competência docente. Gerou-se um desentendimento

das identidades, a partir do deslocamento das prioridades. Aos docentes, como ED restou o

desafio de construir nova identidade, uma mistura de saberes do passado com os novos,

trazidos pelas novas demandas sociais e econômicas. Num novo espaço, o departamento das

didáticas, ED segue construindo sua identidade docente.

Nessa sequência, a fim de apreender, no discurso, regularidades da identidade

profissional de professores formadores, procurei construir o quadro, a seguir, que permitisse

dar visibilidade às sequências discursivas selecionadas, a partir dos relatos, onde identifiquei

marcas linguísticas que atualizam traços identitários significativos no processo da construção

identitária docente. Fundado, a partir das duas grandes categorias em evidência, as quais

abrigam os recortes de relatos de experiências vividas por cada um dos professores nas

entrevistas. Esses recortes formam o conjunto de identificações de cada entrevistado e, juntas

compõem a identidade do professor formador de PLP. Os gráficos, tradução representacional

dos situados após o quadro das regularidades, constituem um importante auxílio para a

visibilidade dos resultados.

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Professor

formador

Construção de si Construção de si em relação ao outro

Formação

acadêmica

Escolha da

profissão

Ingresso carreira

docente

Condições

de trabalho

Disciplinas

com que trabalha

Saberes

necessários

ao formador

Visão do ensino

desafios

Conhecimento

específico

Área

de pesquisa

E1 Magistério; Letras;

Mestrado;

Doutorado..

Eu já desde pequena dizia

que queria ser

professora.

Iniciei no ensino fundamental e

médio, antes da

graduação.

Defendo uma disciplina

voltada pros

usos sociais da

linguagem,

contrariando

alguns colegas.

Linguística Aplicada.

Atualizar-se para direcionar suas

ações docentes

aos objetivos

previamente

estabelecidos.

Ainda não conseguimos amarrar um currículo pra

formação de PLP na

nova perspectiva do

ensino das práticas de

leitura e escrita. A gente

não sabe como fazer

Eu acho que teria que ter pisado na

educação básica...

estou falando de

vivência.

Linguística Aplicada a ensinar

a aprendizagem da

língua materna.

E2 Magistério;

Letras;

Mestrado; Doutorado.

Eu queria

fazer Letras.

Iniciei no ensino

superior, depois

do mestrado.

A gente tem

repensado a

grade curricular, mas não

chegamos a um

modelo ideal.

Literatura

Brasileira em

geral.

Eu acho que eles

[necessitam ser]

bons leitores.

Tenho pensado em rever

a prática com texto

literário pra que o aluno explore mais o sentido

do texto.

Ensinar a ser

leitor.

Consciência da

importância do

espaço na literatura.

E3 Magistério;

Letras;

Mestrado; Doutorado.

Eu fiz o curso

Normal pra

ser professora.

Iniciou no ensino

fundamental e

médio, antes da graduação.

Na U2 o aluno

está tem aulas

dentro do DLA. Isso é

importante.

Leitura e

Produção de

Textos e Estágio Supervisionado.

É formar

informando,

importa ao texto de divulgação

científica.

Trabalho com os alunos

consolidando a formação

deles em leitura e compreensão de texto.

Ter conhecimento

profissional na sua

área, ter atuado no ensino básico

Análise de

discurso voltada

pra divulgação científica na mídia

impressa e on line.

E4 Magistério;

Letras;

Mestrado;

Doutorado.

Eu não sei

como se deu.

Comecei de 5ª a

8ª ensino fundamental e

médio, depois da

graduação.

[Lamenta] a

existência de um

distanciamento

entre as licenciaturas e a

pedagogia.

Ensino de Língua

Portuguesa, Estágio

supervisionado.

É pensar em

diferentes tipos de escola e de ensino

de língua materna.

É pensar a dimensão ética.

O ensino de linguagens

dialoga com todas as outras áreas, [como] o

trabalho de

argumentação na linguagem da

matemática na questão

dos enunciados.

Estar atualizado e

ter atuado na escola básica para

construir a prática

com o aluno e não apenas aplicar

teorias.

Trabalho com a

educação de jovens e adultos,

uma questão mais

metodológica.

E5 Magistério;

Letras;

Mestrado; Doutorado.

Fiz Normal e

Letras.

Iniciei no IMPAE

instituto

psicopedagogia e educação, durante

a graduação.

Sua experiência

ancora a

orientação de estágio.

Núcleo de

interseção de

estágio I, II e III

Ter visão cultural

ampliada das

manifestações que nos interpelam.

É necessário planejar

nossa ação sempre

voltada para a atuação e intervenção para a

formação do professor.

Ter uma visão de

contexto

ampliada, mergulhar e agir.

Linguística da

Enunciação, a

linguagem como prática social.

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E6 Magistério; Letras;

Pedagogia;

Mestrado;

Doutorado.

Eu pensei em ser professora

quando fiz o

vestibular pra pedagogia.

Eu comecei num centro de

“Orientação

sócio-educativa ao menor”, durante a

graduação.

[Lamenta] o pouco valor

dispensado à

extensão universitária e

ao diálogo entre

seus pares.

Alfabetização e Letramento,

Fundamentos

Históricos e Práticos do Ensino

de LP e Estágio.

Ele precisa dominar esses

objetos que ele

ensina.

Ele tem que ter uma formação que discuta o

objeto dele de ensino, a

teoria e a prática.

É trabalhar com situações-

problemas, que

faça o aluno compreender o

sistema da LP.

Práticas de letramento que

ocorrem em sala

de aula, e, na comunidade.

E7 Magistério;

Letras;

Mestrado;

Doutorado.

Eu cursei o

normal e

depois fiz Letras.

Arrumei emprego

pra dar aulas pras

presas do presídio da capital. Ainda

na faculdade.

Conhecer e

avaliar o

processo de ensino uma

visão que as

universidade dão pouco.

Prática de

letramento,

Leitura e Escrita, Prática de leitura e

escrita.

É didatizar, é

olhar, é avaliar o

processo, é saber o que tem que

ensinar em

seguida.

É necessário ter posição

política, conhecer um

pouco da vida do aluno e do mundo.

É antes de tudo

fazer com que o

futuro professor conheça os

conteúdos, mas

aplicados já aos objetos de ensino.

Meu projeto é

voltado pra

materiais multimídia e

hipermídia. É em

estilo plataforma, para uso de

professores.

E8 Magistério; Letras;

Direito;

Mestrado; Doutorado.

Depois de cursar Letras,

escolhi ser

professora.

Comecei a dar aula, depois da

graduação na

modalidade à distância.

Aqui no curso de Letras, falta

esse cunho da

licenciatura, com mais

práticas efetivas

e menos teorias.

Estágio de ensino de leitura, Estágio

de escrita, Estágio

de análise linguística, estágio

de regência e

Ensino de LP.

Acho que tem que dar espaço pra

gente dialogar,

entender e poder construir

coletivamente

essa identidade.

É necessário fomentar mudança, pra sair dessa

reprodução social. É um

dever, algo de responsabilidade, mas

gratificante e difícil de

fazer.

É construir o educador capaz de

fomentar a

criticidade desse aluno.

Então eu trabalho com a teoria das

representações

dos professores de língua materna no

e para o curso de

Letras.

E9 Magistério;

Pedagogia;

Mestrado;

Doutorado.

Cursei

Pedagogia e

queria ser professora.

Eu comecei a

trabalhar com

aulas particulares, e depois com o

projeto da ONG

Ação Educativa, durante a

graduação.

[Lamenta] a

distância

existente entre a teoria ensinada

na academia e a

prática de sala de aula.

Junção do ensino

de língua com o

da psicologia da aprendizagem

Fundamentos

Teóricos e Práticos no ensino

de língua materna

Ter uma

concepção de

língua e linguagem, ter

uma concepção de

discurso e texto, onde embasam

toda a ação.

É preciso estudar muito e

entender os fundamentos

do ensino de LP e seus métodos.

Ensinar a ensinar,

a partir do

conhecimento da história das

disciplinas e do

ensino de Língua Portuguesa.

Uso do livro

didático no

ensino fundamental.

E10 Magistério;

Letras;

Mestrado;

Doutorado.

A escolha da

profissão foi

de quem

precisa trabalhar.

Comecei a

trabalhar no

primeiro ciclo,

durante a graduação.

A lingüística

textual está

ainda muito no

início como discussão.

Práticas Textuais

na graduação.

Saber o que tem

que ser ensinado,

focar seu trabalho

no ensino do texto.

É preciso conhecer a

linguística saber extrair

da teoria proveito para o

ensino de ensinar o trabalho com textos.

O formador

precisa ensinar ao

aluno a ser um

professor flexível em suas escolhas.

Desenvolvimento

da pessoa ligado à

formação e

trabalho na escola e na vida.

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E11 Magistério; Letras;

Mestrado;

Doutorado.

Quando optei pela área de

humanidades,

pensava em trabalhar com

língua

estrangeira.

Comecei a trabalhar como

professora no 2º

ciclo, antes da graduação.

O ensino da gramática é uma

área que precisa

de investigação. Há um

movimento no

sentido elevar esse ensino.

Linguística mostrando a

importância da

consciência fonológica pra

aprendizagem da

leitura e da escrita.

Conhecer a relação entre a

descrição da

língua, do ponto de vista

linguístico, e o

complemento da prática.

Eu penso que é

importante ter também

didática pedagógica de uma forma explicita,

complementada pela

prática que as pessoas vão construindo

O formador tem que ter um saber

teórico e refletir

sobre essa teoria aprofundando.

Sintaxe e semântica do

Português. Uma

investigação teórica que reflete

no trabalho

didático.

E12 Magistério;

Letras;

Mestrado;

Doutorado.

Optei pelas

línguas românicas,

pensando em

trabalhar como

tradutora.

Depois de

formada, dei aulas durante 10 nos no

ensino

Secundário, aula de Português.

No momento há

uma grande reviravolta,

todos querem

Português com Espanhol. De

repente foi

preciso formar professores.

Didática do

Português I, II, Produções de

Materiais

didáticos para o Ensino de

Português como

língua estrangeira.

Que tenham uma

sólida formação na sua disciplina

que saibam

gramática, literatura, escrever

e falar bem.

É preciso ensinar aos

alunos como buscar a informação por seus

próprios meios.

Ter experiência no

ensino básico e médio, essa

experiência muito

vantajosa pra quem vai ser

formador.

Pragmática e

análise do discurso voltado

para a pragmática.

E13 Magistério;

Letras;

Mestrado;

Doutorado.

Cursei a

escola normal no Liceu

Carolina

Michaelis.

Lecionei no 1º e

2º ciclos antes se tornar formadora

de professores de

Língua Portuguesa.

Devido à

inconsistência do que se

compreende por

ensino de língua e seu objetivo.

Formar um

professor nesse contexto é uma

missão utópica.

Ensino de

Linguística, de Literatura, da

Didática do

Ensino de Português,

Seminário de

Investigação.

Saber claramente

o que significa ensinar LP e quais

os objetivos

pretendidos.

É importante fazer com

que o aluno compreenda a lógica em que a escola

funciona, indo para o

terreno e desenvolvendo a consciência e a

capacidade de reflexão.

O professor

formador precisa dominar o objeto

de trabalho e

estudo, que é a língua. Precisa

gostar.

A prática de

ensino que integra o aluno, o

indivíduo e a

comunidade, ou seja, a literacia.

E14 Magistério;

Letras;

Mestrado;

Doutorado.

Universidade

de Lisboa e comecei meu

percurso na

área do Português.

Eu comecei como

professora, durante três anos

numa escola de

ensino secundário.

As disciplinas

não estão nunca integradas e

nem

preocupadas em saber como é

que se aprende

uma língua, ou linguagens.

Metodologia

Ensino do Português, ou

Supervisão do

Ensino do Português, ou com

Avaliação no

Ensino do Português.

Conhecer a

psicologia da aprendizagem de

Vygotsky e as

teorias de Bakhtin, tomadas

como apoio para o

estudo da língua.

Os alunos ficam

limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a

integração. Estão

centrados em saber a gramática e a literatura.

Estão calcados na escola

passada.

Eu acho que é

dotar os sujeitos de entusiasmo

pelo trabalho com

a língua e a linguagem. E,

sobretudo, dotá-

los de competências

críticas.

Eu trabalho muito

com a literacias, ou com os

letramentos, como

se constroi a identidade

letradas do aluno

da universidade

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129

Figura 1

Figura 2

Figura 3

Figura 4

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130

Figura 5

Figura 6

Figura 7

Figura 8

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131

Figura 9

Fonte:Dados da pesquisa

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132

Os gráficos, acima, representam a síntese das principais regularidades

identificadas nos relatos dos professores formadores de PLP. Trata-se de resultados da

busca por pistas linguísticas flagradas, a partir do desenvolvimento de um trabalho de

coleta e seleção de informações, iniciada no encontro com os entrevistados, com vistas a

compreender o processo de construção identitária do professor formador de PLP.

Após a etapa de transcrição, iniciei o processo de organização das entrevistas

que dialogavam entre si, classificando as sequências discursivas que melhor

representam os modos de dizer do sujeito, seu posicionamento identitário construído na

interação, bem como de sua representação do seu papel social como professor formador

atualizados no seu discurso.

Num segundo momento, as entrevistas foram organizadas quanto à aproximação

histórico geográfica dos sujeitos; quanto à contextualização de cada sujeito entrevistado;

às narrativas de vida; às semelhanças de opinião dos sujeitos; às diferenças de opinião; à

identificação das diferentes vozes dos narradores; às suas contradições; aos diálogos

entre si; aos diálogos como outras fontes extra contexto; às representações sociais e

quanto aos diferentes discursos.

Em seguida, as sequências discursivas foram recortadas, selecionadas e

comparadas, com vista a estabelecer as regularidades e categorias de análise referentes à

vida pessoal compreendida como formação acadêmica e profissional; opção pela

carreira docente; disciplinas ministradas; condições de trabalho, experiências docentes;

visão do ensino, saberes do formador; conhecimento específico, pesquisa de trabalho.

Na etapa de interpretação dos dados realizei a classificação, a análise e

categorização do conjunto dos dados obtidos em busca de estabelecer as categorias

analíticas que me possibilitaram chegar à indução de uma síntese coerente com o

processo de teorização aqui desenvolvido.

Os textos que compreendem as perguntas e respostas foram transcritos na

integra, porque a compreensão e interpretação dos dados referem-se à síntese holística

dos fenômenos, a partir da construção de sentido dos sujeitos discursivos, portanto, a

integridade da fala é imprescindível. As passagens relevantes das falas foram ressaltadas

para facilitar sua identificação, análise e interpretação.

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Uma nova análise das respostas foi feita, para estabelecer as regularidades das

respostas dos grupos de portugueses e do grupo de brasileiros, e, posteriormente, foram

identificadas as semelhanças e diferenças entre os grupos de professoras portuguesas e o

de professores brasileiros. Assim, estabeleci um quadro das regularidades de respostas

de cada grupo. Por fim, as respostas foram reagrupadas para a construção da síntese do

trabalho.

Dessa maneira, foi possível interpretar, em que medida os professores

formadores de PLP portugueses e brasileiros se aproximam e se distanciam no que diz

respeito ao seu fazer docente, face às transformações socioistóricas que incidem sobre a

reforma do ensino superior tanto no Brasil como em Portugal.

É importante dizer que a esse estudo não interessou estabelecer juízo de valor a

cerca dos dados obtidos, pois, aqui, estes foram interpretados como enunciados de

sujeitos discursivos, provisórios e subjetivos.

Em suma, metodologicamente, esse foi o percurso construído, que me permitiu

conhecer e interpretar a formação identitária dos professores formadores brasileiros e

portugueses de PLP e, ainda, verificar como as injunções socioistóricas da sociedade

contemporânea refletem no fazer docente desses professores em sua esfera de trabalho.

A busca pela interpretação do sentido flagrado das marcas linguísticas presentes

nos relatos das experiências acadêmicas e profissionais dos professores formadores

entrevistados, mostrou-se uma proposta desafiadora, desde o primeiro momento, por seu

ineditismo, por estabelecer novos percursos de investigação teórica de um objeto ainda

pouco pesquisado. O desafio foi ainda agravado, quando percebi que é o próprio objeto,

devido a sua vitalidade e plasticidade, que dita a orientação da investigação

metodológica qualitativa.

Essa peculiaridade do objeto demandou repetidas leituras dos relatos das

entrevistas, para conseguir estabelecer as categorias de análise. Percebi que o quadro

das regularidades, necessariamente, deveria ser revisitado a cada passo, em virtude das

mudanças de atitude, de um tom, ou de um movimento do sujeito. Pois, ao converter

uma sequencia discursiva em unidade significativa, esta deixa emergir uma nova

categoria de análise. A percepção dessas pequenas variações exigiu também, muita

reflexão no momento de efetuar as análises. E somente, a partir daí, compreendi as

exigências do meu objeto e foi possível estabelecer o percurso das análises.

Nesse processo enunciativo/interpretativo, meu papel foi de co-construtora dos

sentidos dos relatos das trajetórias de formação acadêmica e profissional dos

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entrevistados. Isto é, a compreensão do sentido e da significação dos relatos dependem

dos meus conhecimentos sobre o docente e sobre seu mundo. O que torna o sentido do

enunciado singular e, ao mesmo tempo, plural como também o são os sujeitos

enunciativos. Devido a isso, as sequências discursivas selecionadas por mim e o sentido

que a elas atribuo estão, diretamente, ligados à questão da subjetividade dos sujeitos da

enunciação.

Numa interface entre teorias, corrobora com essa abordagem subjetiva a teoria

psicossocial dubariana, já mencionada anteriormente, por estudar os aspectos subjetivos

e sociais da formação identitária profissional do sujeito, compreendendo sua identidade

pessoal e social como processos complementares presentes na socialização que

constroem os indivíduos. Baseado nisso, ao proceder às análises dos relatos, tomei as

experiências acadêmicas e profissionais do professor formador como categorias

complementares, apresentadas a seguir.

Em seus relatos, os professores formadores de PLP tanto os brasileiros, como os

portugueses comentam sobre suas formações acadêmicas, a maioria dos entrevistados

72% cursou as primeiras séries do ensino básico em escolas públicas, os outros 28% em

escola particular, próximas as suas residências; desse total 7% já chegou à escola já

alfabetizados, onde concluíram o ensino básico.

Ao ingressar no ensino médio, seguiram orientações distintas, alguns, 14%

optaram pelo magistério; a maioria, 69% optou pela escola propedêutica, e apenas uma

professora, 7% fez curso profissionalizante. Os professores que cursaram o magistério,

relatam que o fizeram, em geral, por ser esta a única opção de ensino médio oferecida

por suas escolas. Porém alguns optaram pelo magistério por considerar, esta, uma

oportunidade de trabalho feminino. Os demais entrevistados optaram por outros cursos

em busca de profissões ligadas ao terceiro setor como tradutor e/ou professor de

Línguas estrangeiras, numa época em que o prestígio da carreira docente, já se

encontrava em declínio, tanto no Brasil com em Portugal.

Quanto à escolha da profissão docente em nível superior, foram poucos os casos

em que ocorreu por influência de terceiros seja professores e/ou familiares,

predominando a escolha espontânea da maioria pelo curso de Letras. Os relatos

indicam, porém, que a escolha dos entrevistados deu-se em momentos diferentes da

vida de cada um. O grupo que optou inicialmente pelo cursou de Letras, o fizeram com

objetivos diferentes, alguns seguiriam a carreira de professor de Língua Portuguesa,

outros a carreira de tradutor e/ou professor de línguas estrangeiras. Há casos ainda de

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profissionais de outras áreas que migraram para a área de Letras. Todavia, mais tarde,

todos optaram pela carreira de professores formadores de PLP.

A maioria dos entrevistados, 79% ingressou na carreira docente atuando,

primeiramente, nas séries iniciais e no ensino médio. O restante, 21%, ingressaram na

carreira de docentes formadores de PLP sem experiência docente nas séries iniciais,

após o mestrado. Em seus relatos, aqueles que atuaram no ensino básico afirmam

considerar a experiência como docente de escola básica, especialmente importante para

a formação de um professor formador de PLP. O outro grupo, que não atuou na escola

básica, não fez nenhuma observação a esse respeito. Esses professores apontam como

pontos relevantes da identidade do docente formador o gosto por ensinar, o

compromisso por despertar o aluno para a investigação e o gosto pela leitura.

Apresentam-se interessados em pesquisas voltada para a teoria Linguísticas e para as

representações sociais etc. Os demais professores que atuaram na escola básica voltam

suas pesquisas para a Linguística aplicada ao ensino de Língua Portuguesa, letramento,

construção de materiais didáticos, análise do livro didático e didatização da Língua

Portuguesa, etc.

Muitos desses profissionais, detentores de experiência docente nas séries

iniciais, juntam-se aos demais, ao se declararem ressentidos por não terem recebido da

academia, durante o período de formação, orientação satisfatória de como ensinar.

Estes, afirmam que suas experiências práticas foram construídas através de tentativas e

erros, ao longo de suas carreiras. Mostram-se interessados nos estudos voltados para a

formação docentes, oferecidos pelos cursos de pós-graduação com vistas à melhor

maneira de ensinar.

O grupo de professores formadores entrevistados constitui-se de docentes que

optaram pela profissão de professores formadores de PLP, todos atuantes nos cursos de

Letras, de suas respectivas universidades. Concluíram seus doutoramentos em ensino de

Língua Portuguesa, exceto uma professora que escolheu doutorar-se em Literatura, e

outro que além do doutoramento em Linguística Aplicada formou-se em Pedagogia em

busca de subsídio teóricos para o exercício da docência.

Nos seus relatos os professores afirmam que foram formados de acordo com o

modelo de ensino tradicional, e, portanto, estudaram Língua Portuguesa via o método

baseado na gramática. E mais tarde, segundo a maioria dos relatos, ao ingressarem na

universidade como docentes, perceberam que toda a orientação de ensino estava

baseada no modelo tradicional de ensino de literatura, línguas estrangeiras e de língua

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materna ratificado como a única possível. Outros entrevistados afirmam que discutiram

muito sobre Estudos linguísticos, Análise do discurso, Enunciação, mas os

procedimentos de ensino e avaliação são marcados pelo modelo tradicional de ensino.

Confirmando-se, então, a afirmação presente nos relatos docentes: os professores

formadores do curso de Letras não conseguiram ainda desenvolver um modelo

pedagógico para ensinar aos alunos como ensinar Língua Portuguesa; necessariamente

sintonizado com as demandas reais do uso da língua, respaldado pelos estudos e

pesquisas linguísticas desenvolvidas nos gabinetes. Embora a academia ocupe-se de

produzir pesquisas relevantes e inovadoras sobre as teorias linguísticas e suas

aplicações no ensino, pouco se tem avançado no terreno da efetiva aplicação prática

desses conhecimentos voltados para a formação de professores. E, consequentemente, a

maioria das escolas de ensino básico permanece fiel ao modelo antigo, rejeitando as

inovações levadas pelos recém-formados e/ou pelos futuros professores por ocasião de

seus estágios.

O estudo da razão desse desequilíbrio entre ensino e prática, constitui um ponto

de interesse a ser investigado. Especialmente nesse momento de destaque da reforma do

ensino superior que implica importante alteração nas condições de trabalho docente e

em toda a rede de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa, com especial destaque

para o processo de formação de PLP.

Nos relatos dos professores formadores entrevistados 29% afirmam que suas

condições de trabalho foram afetadas pelas transformações no sistema de ensino de

maneira geral e 71% afirmam que tiveram mudanças diretas de suas condições de

trabalho como formadores de PLP. Em especial os comentários referem-se na

dificuldade de levar o conhecimento da academia para aos alunos da escola básica, seja

por dificuldade de didatização dos formandos, seja pela resistência dos professores já

em exercício nas escolas do ensino básico.

Aparentemente, a estrutura curricular, baseada no ensino tradicional permitiu a

acomodação da estrutura administrativa pedagógica dessas escolas, contribuindo para

que os recém-formados desistam das inovações, embora saibam que elas são necessárias

e agradem aos alunos que pedem mudanças.

Por outro lado, a academia como consumidora e produtora de novas teorias

sobre o ensino, aplica pouco de suas inovações, quando se trata do seu próprio

seguimento de ensino, especialmente, no que diz respeito às formas de avaliação,

inclusão e promoção no ensino superior.

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Segundo relatos tanto de formadoras portuguesas como dos brasileiros, o

contexto do ensino em geral e o contexto específico da formação de professores de

Língua Portuguesa se assemelham nos dois países, no que se refere ao processo

curricular, seus objetivos e resistência as suas inovações. Isto ratifica o que já foi

afirmado antes, que a crise do ensino superior e as dificuldades por que tem passado

docentes e alunos, tem sido orquestrada por forças econômicas que se encontram além

das nossas fronteiras físicas e ideológicas.

Por outro lado, esse mesmo fenômeno produtor dessa crise instiga a busca de

alternativas e, estimula o professor formador à reflexão e a colocar em prática seus

conhecimentos específicos para a co-construção e aperfeiçoamento de saberes

necessários para si e para o seu aluno formando. Tais conhecimentos são desenvolvidos

diretamente pelas estratégias de ensino e aprendizagem em sala de aula, como

indiretamente ao desenvolver os projetos de pesquisa socializados nos Seminários e nas

divulgações em congressos e revistas especializadas.

Porém, esse despertar reflexivo é lento e processual, dado às questões subjetivas

não atinge todos os docentes, assim tanto em Portugal como no Brasil, aparentemente,

esse assunto não se encontra entre as prioridades dos docentes entrevistados. Uma vez

que se mostram mais preocupados com as demandas emergenciais não só da graduação,

mas principalmente, com os rumos dos desenvolvimentos das suas pesquisas e dos

cursos de pós-graduação sob suas orientações.

A atenção especial dispensada aos cursos de pós-graduação, às pesquisas e as

suas publicações ocupa posição de destaque na demanda de atividades do docente

formador. Num incessante estímulo à competitividade entre universidades e entre seus

docentes, instituído pela reforma do ensino superior e de seu programa de expansão.

Este prevê cursos de graduação e de pós-graduação na modalidade à distância,

oferecidos ao maior número possível de alunos, orientados pelo menor número possível

de professores. O desenvolvimento de pesquisas é estimulado, com ofertas de cursos

bolsas de estudos, participação em congressos e viagens técnicas. Enfim, trouxe mais

oportunidades e aporte econômico para o desenvolvimento da produção de

conhecimento, exigindo contribuição efetiva dos docentes com os segmentos da

pesquisa, ensino e extensão da universidade. Todavia ao estabelecer esse modelo de

competitividade, a academia não tem conseguido balizar com eficiência a motivação

dos docentes para o exercício das atividades docente na academia. Assim o que se

observa é que o comprometimento com a extensão é quase inexistente, ficando o

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segmento da pesquisa com grande parte da atenção restante que, de maneira

insatisfatória, é dividida com o ensino. Embora esta orientação reformista do ensino

superior tenha trazido mais aporte econômico para o desenvolvimento da produção de

conhecimento, exigindo contribuição efetiva de todos os docentes, tem dado sinais de

que o critério de avaliação adotado valoriza mais o aspecto quantitativo que o

qualitativo da produção de conhecimentos dos professores formadores.

As mudanças de ordem econômica e administrativo-pedagógica na academia,

implica profundas mudanças sociais, alterando a identidade dos sujeitos formadores.

Consequentemente geram inquietações emocionais que tornam os professores ansiosos,

solitários e confusos quanto seu papel social nesse processo de mudanças identitárias. A

reforma do ensino superior trouxe grande preocupação para os professores no que diz

respeito às suas garantias de autonomia e de espaço de ação referentes ao exercício da

profissão. Através dos relatos pude flagrar a insatisfação de alguns docentes com o

crescente estímulo à competitividade entre seus pares. Isto tem comprometido o

trabalho dos docentes com o processo de formação de PLP que se sentem desmotivados.

Essa situação social tem produzido sujeitos insatisfeitos com seu fazer docente,

adoecidos emocionalmente, ávidos por um dedo de prosa para falar sobre seu trabalho,

de seus motivos, de suas aspirações, suas reflexões, além de trocar experiências como

profissionais formadores e como conhecedores da vida. Nesse sentido, muitas vezes, as

entrevistas foram tomadas como uma oportunidade de satisfazer essas necessidades

desses sujeitos professores formadores que falaram sobre si e sobre seu pertencimento

ao grupo social.

Assim, encastelados em seus gabinetes, muitos se isolam nas pesquisas, a

maioria ainda ligada à temática desenvolvida durante o doutoramento e são adaptadas

para o ensino de leitura e escrita, por exemplo, mas num nível produção científica

distante da prática formativa e nem sempre contribuem efetivamente para a melhoria do

processo de ensino da leitura e escrita do aluno da escola básica.

Todavia, há aqueles que se apresentam entusiasmados com seu trabalho de

pesquisa voltado para o ensino de Língua Portuguesa e sua didatização. Demonstrando

comprometimento com seus papéis docentes, domínio de seus objetos de trabalho, e

crença nos objetivos de suas ações docentes desenvolvidas de maneira integrada com o

desenvolvimento de suas pesquisas.

A questão que se apresenta neste momento das análises do processo da

construção identitária dos docentes brasileiros e portugueses, diz respeito ao

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posicionamento desses frente às reformas do ensino superior. Uma vez que elas

promoveram severas mudanças curriculares, transformadoras das relações profissionais,

sociais e administrativas, o que implica alterações de diversas ordens no ponto mais

relevante do processo identitário, o aspecto emocional.

No caso de Portugal, onde a reforma do ensino superior é uma realidade, as

entrevistadas ao comentarem sobre o Processo de Bolonha, o fizeram de maneira

superficial, marcando de maneira discreta seus posicionamentos frente à questão. Por

sua vez, no Brasil, os entrevistados pouco falaram a respeito, mantiveram-se voltados

para as questões departamentais, como que desconectados do processo globalizante da

questão. Essa aparente atitude de passividade dos docentes entrevistados frente a uma

situação de tão relevantes implicações pode ser explicada, resgatando-se o que diz

Foucault (1979) sobre a existência do poder dentro e fora das instituições, cujo

propósito é construir “verdades” que se prestam aos seus interesses do poder econômico

do neoliberalismo que tem por objetivo a dominação do homem por meio de práticas

políticas e econômicas. Segundo o autor a „verdade‟ resulta de um conjunto de coerções

que levam aos efeitos regulamentados do poder

o que deve se levar em consideração no intelectual não é, portanto, „o

portador de valores universais‟, ele é alguém que ocupa uma posição

específica, mas cuja especificidade está ligada às funções gerais do

papel do dispositivo de verdade em nossa sociedade (FOUCAULT,

1979, p.13)

Assim compreendo o processo de reformas como uma ação globalizada de

produção de saberes sob o comando de um sistema de rede de conhecimentos para a

produção de uma verdade específica. Em que os docentes devem produzir saberes, a

partir de modelos determinados e estabelecidos em remotas instâncias de cunho político

econômicas, onde importa são os princípios, os interesses e a autonomia universitária.

Os docentes que até então seguiram tais princípios, vêm-se diante das reformas

do ensino superior sem alternativa, estão sendo tragados pela nova ordem. Vêm as

inteligências dos países em desenvolvimento serem „convidadas‟ a participar da vida

acadêmica das universidades renomadas dos países desenvolvidos, por meio dos

programas de intercâmbio, num exercício aparente de troca de conhecimentos. Quando

o que ocorre é o aprendizado de uma única forma de fazer ciência voltada para o

trabalho e produção de bens de consumo, com vistas a satisfazer os interesses do poder

econômico do neoliberalismo.

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A identidade do docente formador ainda não identificado está em curso,

portanto, o que se tem dele é apenas o desconforto, a inadaptação e a expectativa. Daí, a

aparente dificuldade dos entrevistados de verbalizar a importância e a dimensão dessas

reformas para a identidade e formação profissional do professor formador de PLP.

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5 - À GUISA DE CONCLUSÃO

A busca de possíveis sentidos dos relatos dos sujeitos/docentes sobre seus

processos de construções identitárias situadas levou-me a investigar o contexto

socioistórico, em que se desenvolvem as trajetórias dos docentes em questão, sempre

atentando para os processos biográficos e os relacionais, compreendidos como as duas

grandes categorias: a identidade para si e a identidade para o outro. Esta orientação

levou-me a concluir que ambas as identidades se confundem e se complementam, ou

seja, as vivências sociais e profissionais constituem a essência do self, seja na ordem do

indivíduo ou do coletivo. Portanto, constitui-se uma identidade homogenia dos

entrevistados que falam de suas vivências pessoais entrelaçadas com as vivências

profissionais do docente e, ambos constituem o sujeito do discurso.

Assim, a partir da investigação de suas ações docentes situadas pude flagrar duas

mudanças socioistóricas que incidiram sobre a formação identitária dos docentes

formadores. A primeira trata-se das transformações do ensino de língua materna,

ocorridas na década de 1980, e se instaura a partir do conceito de um sujeito disperso,

fragmentado, construído discursivamente, traz consigo o surgimento de novas

disciplinas ligadas ao discurso, à argumentação e à interação social. Isso implicou o

aparecimento de teorias que revolucionariam, mais tarde, o ensino de Língua

Portuguesa. Rompeu-se com modelo tradicional de ensino de LP, conceitual e

prescritivo, e se aderiu ao novo modelo de ensino. Este voltado para a compreensão do

objeto – a linguagem social – subjetiva, constitutiva do sujeito e por ele construída, em

cuja materialidade deixa marcas de sua ideologia, intencionalidade e situação

socioistóricas.

A segunda mudança, abordada no Capítulo 3, trata-se da reforma do ensino

superior que, embora pareça um movimento pontual, estende-se a todos os níveis da

sociedade por tratar-se da questão de formação do capital humano que irá movimentar

os setores de produção e comércio do país. São transformações de cunho político e

administrativo por que passam as universidades brasileiras e portuguesas, esse espaço

de diversas interações docentes, como investigativas, sociopolíticas e econômicas.

Concluí que as intervenções das políticas educativas governamentais, como a

Reforma do ensino superior brasileiro e a adesão portuguesa ao Processo de Bolonha,

visam inserir as universidades num sistema de rede, atendendo às demandas

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socioeconômicas do neoliberalismo. Essas exigências colocam em xeque a autonomia

universitária de produção de conhecimentos e currículo, num explícito reforço do poder

de homogeneização. Além disso, constatei que, ao implantar as mudanças, as

autoridades governamentais exigem respostas imediatas, tanto por parte dos alunos

como parte dos professores, desconsiderando o fato de que transformações implicam

processo e tempo de adaptação.

Verifiquei que essas transformações refletem diretamente nas relações sociais e

profissionais desses docentes e, por conseguinte, sobre seus processos de construções

identitárias, compreendidos como uma combinação de episódios socioistóricos pessoais

e profissionais.

No que se refere à ação do docente formador de PLP, a reforma universitária

implicou mudanças importantes, porque a esses foi confiada a tarefa de ensinar aos

futuros professores como ensinar a ler, a escrever e a desenvolver a competência

discursiva dos alunos, ampliando significativamente a capacidade linguística desses

alunos. Essa é uma tarefa desafiadora, a ser desenvolvida dentro de um modelo pré-

determinado, imposta por decreto de lei, da qual os docentes não têm como se furtar,

uma urgente tarefa a ser cumprida, em tempo recorde, com vistas a resultados eficazes e

abrangentes.

Penso que o aspecto central dessa empreitada é a necessidade de uma ação

pontual em que o professor formador deverá conhecer o sujeito para quem direciona seu

formando. E ambos deverão conhecer a escola e o mundo real em que vivem seus

alunos, com vistas a identificar seus saberes, valores, crenças e suas necessidades

educacionais.

No plano da viabilidade de execução dessa tarefa, constatei que são muitas as

mudanças necessárias. Estas envolvem desde a compreensão e adesão pessoal à nova

ordem, passando pela questão de reorientação de currículos, bem como por questões de

ordem administrativo-pedagógico tanto por parte da academia, como por parte das

escolas de ensino básico.

Concluí ainda que as transformações por que passaram o ensino de língua

materna, comentadas anteriormente, foram e ainda são marcadas pela incompreensão e

rejeição dos professores formadores o que tem trazido prejuízos para todos envolvidos

nesse processo de ensino e aprendizagem. Em ambas as situações o cerne do problema

encontra-se na maneira como as mudanças foram apresentadas e implantadas, sem que

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antes fossem desejadas e, posteriormente sem passar pelo processo da degustação e

digestão.

Assim, na ocasião das transformações epistemológicas da década de 80,

marcadas mais pela incompreensão que pela resistência ao novo, por parte dos

professores formadores, surgiram dois grupos de docentes.

Um grupo composto por docentes movidos pela curiosidade científica de

compreender a novidade teórica e/ou pela necessidade de manter-se atualizados

mergulhou no mundo das pesquisas. Voltou de lá, trazendo para as salas de aulas teorias

e tratados interessantes e desafiadores sobre as questões de uso e de ensino da

linguagem. Permaneceram estudando e em constante busca de informações e orientam

as pesquisas dos estudantes de pós-graduação, escrevem e publicam em revistas

científicas.

A maioria desses docentes afirma que, durante sua graduação, não recebeu

nenhum tipo de instrução consistente e duradoura que os fizessem compreender e

apreender a importância e a profundidade da nova teoria da linguagem, para o ensino de

língua materna e, menos ainda, para as relações sociais e antropológicas. Portanto,

construiu sua identidade profissional à custa de muito esforço pessoal. São estes os

docentes formadores que compreenderam a relevância dessa transformação e ensinam

seus alunos a didatizar as teorias e a fazer a diferença com suas ações.

Outro grupo, conservador, acomodou-se na tradição e lá permanece até hoje,

ensinando o que considera correto, reproduzindo um conhecimento que embora

necessário ao acervo histórico, é ineficiente frente às demandas sociais que se

apresentam hoje.

Todavia, constatei que apesar dos conhecimentos teóricos disponíveis aos dois

grupos e de todos os estudos por eles desenvolvidos, nenhum dos segmentos de

professores formadores não conseguiu desenvolver um modelo eficiente para ensinar

aos seus alunos, futuros professores, a ensinar língua materna. Ainda não se tem um

modelo de didatização das novas teorias, não se construiu práticas de ensino que

contribuam para deficiência da formação dos alunos/professores e dos alunos aprendizes

da escola básica.

Constatei que consequentemente, completando o ciclo de imprudências, os

alunos/professores que ingressaram na carreira docente e se tornaram professores que

também não veicularam as novas, hoje já antigas, orientações teóricas do ensino de

língua materna. E assim eles contribuem, sobremaneira, para o alargamento do

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crescente fosso que separa os resultados dos estudos científicos sobre ensino e

aprendizagem da língua materna, desenvolvidos nas universidades, do seu alvo

principal, o aprendiz da escola básica.

Pouco de todo o conhecimento produzido na academia sobre o ensino de Língua

Portuguesa chega aos alunos em início de formação acadêmica. Assim, a maioria dos

alunos permanece recebendo formação deficitária por meio de um modelo ultrapassado

de ensino.

Concluí que esse fato gerou um prejuízo incomensurável para o processo

educacional tanto de Portugal como do Brasil. E hoje, aqui, o programa educacional do

governo brasileiro, pressionado pelo poder dos bancos financiadores da educação, tenta

importar soluções americanas e de países europeus para resolver o problema de falta de

mão de obra especializada para alavancar a máquina tecnológica produtiva do país.

Trata-se de um modelo construído em outros países para atender às demandas desses

mesmos países, ou seja, refiro-me ao modelo de educação superior americano e ao

modelo europeu respectivamente. Portanto, social e culturalmente diferentes de um

modelo demandado pela educação brasileira.

A reforma do ensino superior se impõe como uma solução emergencial para

problemas estruturais que exigem planejamento de longo prazo. Um plano da

viabilidade de execução dessa tarefa requer mudanças, as quais envolvem desde a

compreensão e adesão pessoal do docente formador à nova ordem, à questão de

reorientação de currículos, bem como às reformas de questões de ordem administrativa.

Esse conjunto de implicações incide sobre a vida e a identidade dos docentes

formadores, que hoje se veem pressionados, por demandas urgentes de ensino,

solicitadas por reformas educacionais de políticas governamentais que se furtam a

compreender a natureza do engenho de sua ação formadora. Essas mudanças sociais

implicam profundas mudanças nos grupos de referências, nas instituições sociais e, por

fim, na identidade dos países.

Referente a Portugal e Brasil, a despeito das diferenças socioistóricas,

geográficas e culturais entre os dois países, observei que se aproximam pela herança da

língua e, atualmente, pela necessidade de reestruturação de seus sistemas educacionais,

face à demanda de capacitação de mão de obra especializada voltada para a produção

tecnológica. Tal necessidade levou ambos os países promoverem mudanças nos seus

sistemas de ensino. Assim, as transformações do sistema educacional português

semelhante às transformações que vêm ocorrendo no Brasil, ora em curso em Portugal,

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são também, como aqui, motivadas pelas mesmas exigências de ordem econômica,

ditadas pelos bancos financiadores da educação.

Embora, Portugal apresente índices de qualidade de vida e educação superiores

aos brasileiros, no que se refere ao ensino de língua materna e formação de professores

formadores de PLP, apresenta dificuldades consideráveis. Some-se a isso a queda no

número de jovens matriculados nos cursos universitários, o que, em longo prazo,

resultou em problemas de baixo índice de qualificação superior dos jovens, um

problema evidenciado, a partir da adesão do país ao Processo de Bolonha.

A partir das análises dos relatos dos professores formadores portugueses, pude

constatar que as transformações epistemológicas sobre o sujeito e a linguagem

chegaram lá mais cedo que no Brasil. Contudo, os docentes formadores desenvolveram

poucos trabalhos com objetivo de mudar o paradigma de formação de PLP. Somente,

depois das efetivas transformações impostas pelo Processo de Bolonha, começou-se a

pensar de maneira consistente numa mudança de paradigma para o ensino de Língua

Portuguesa.

Portanto, os professores formadores portugueses, embora já vivenciem a reforma

do ensino superior, com a efetivação da Universidade Nova funcionando plenamente,

não conseguiram avançar no campo da formação de PLP imprimindo de maneira

satisfatória a mudança de paradigma do ensino de Língua Portuguesa. Hoje, nas

universidades portuguesas, no curso de Letras, na sua vertente da docência, têm em suas

salas de aulas, professores já formados que regressaram em busca dessas novas teorias

da linguagem.

Acredito que a indiferença de muitos docentes formadores e dos demais

professores em relação à compreensão e estudo das novas teorias e suas implicações

epistemológicas, deve-se as suas formações socioistóricas e culturais, centradas nas

tradições seculares de guardiões da Língua Portuguesa. Uma fortuna cultural que

desejam preservar a todo custo. No entanto, esquecem-se da primeira regra, a Língua

Portuguesa, como qualquer outra língua existente, é viva e por necessidade vital deve-se

transformar constantemente.

No campo das pesquisas sobre ensino de Língua Portuguesa, os professores

formadores têm desenvolvido muitos trabalhos na área da Linguística Aplicada voltados

para a vertente do ensino de língua estrangeira, área de maior interesse dos estudantes

de Letras, com vistas nos programas de intercâmbio, como o Erasmos, e o Programa de

Mobilidade Acadêmica e Formação Profissional.

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Os programas de intercâmbio acadêmico e aperfeiçoamento profissional, no

Brasil, ganharam especial atenção e efetivação, a partir da reforma universitária e prevê

para os próximos anos um aumento da mobilidade acadêmica, trazendo e levando mais

estudantes e professores da/para Europa. Portugal lidera a preferência dos estudantes,

primeiramente, devido à identidade da língua e depois pela qualidade do ensino nas

áreas das Ciências Humanas e Sociais, como Direito, Letras, Cinema, etc.

Há apenas uma certeza: muda o discurso, mudam os significados, as diretrizes

do ensino nacional, mudam os pensamentos, as atitudes e o fazer docente. Esta é uma

empreitada que não foi consolidada. E, nas esferas individuais e profissionais, tem-se

gerado uma situação de grande inquietação e desconforto, exigindo-se plasticidade e

flexibilidade no posicionamento identitário dos docentes brasileiros e portugueses.

Ao concluir, devo dizer que os resultados obtidos com esse trabalho trazem luz

aos estudos do processo de construção identitária do professor formador de professores

de PLP. Trata-se de uma seara pouco explorada e de grande importância para o

planejamento de ações educativas, senão o ponto de partida, para a compreensão e

solução dos problemas estruturais por que passa a educação no Brasil e em Portugal. Há

que se considerar as profundas mudanças epistemológicas do ensino de Língua

Portuguesa e a relação dessas com a dinâmica das linguagens e da pluralidade das

leituras, demandadas pelo viés socioistórico econômico e cultural da sociedade

contemporânea, ou seja, há que se refletir e agir com ética, com vistas a cuidar de si, e,

por conseguinte, da sociedade como um todo.

Por fim, mas não menos importante saliento que os conhecimentos aqui

apresentados, devido à sua natureza interdisciplinar, de caráter socioistórico e cultural,

constituem uma interessante fonte de informações para o desenvolvimento de trabalhos

sobre a identidade social do professor formador de PLP, bem como de toda e qualquer

relação social que envolva o sujeito, essa categoria líquida, feita de luz, sal, calor,

música e perfume.

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APÊNDICE

APÊNDICE A. -. ROTEIRO DE PERGUNTAS DAS ENTREVISTAS

1. Comente um pouco sobre a sua formação acadêmica e profissional.

2. Com qual disciplina você trabalha no curso de graduação?

3. Que função você atribui a essa disciplina na formação inicial do professor?

4. Que saberes seriam necessários para a formação do professor formador?

5. Há quem diga, por exemplo, Tardiff, que vários saberes do professor são

construídos na experiência docente. Como você vê isso?

6. Como você traçaria o perfil de um professor formador?

7. Qual (s) é a sua frente de pesquisa, que contribuição ela oferece para a sua ação

como professor formador?

8. O que é formar um professor?

APÊNDICE B - ENTREVISTAS TRANSCRITAS

Grupo I –

Professores Formadores Brasileiros

Entrevista E1/ER

A - ER, fale um pouco sobre sua formação acadêmica profissional, quando você se formou?

E1/ER - ih. Faz tanto tempo, quer dizer, na verdade minha vida gira toda em função de

formação de professores. Eu ainda sou da época do magistério de segundo grau.

Então, há coisas que eu aprendi lá que me ajudam hoje em dia. Coisas que eu acho que inclusive

faltam, fazem falta na formação dos nossos alunos de Letras. Então eu já tenho essa formação

de magistério de segundo grau. Tenho graduação em Letras Português Licenciatura. Mestrado

em Linguística e Doutorado em Linguística Aplicada.

A - Por que você escolheu ser professora?

E1/ER- Por que a gente escolhe ser professora? Ah isso é tão complicado. Enquanto outras

pessoas queriam ser a b c d eu já de pequena dizia que queria ser professora não sei o motivo.

E1/ER - É engraçado, e a gente até estava comentando nesses dias não sei com quem que os

testes vocacionais sempre deram administração e ciências contábeis e eu fui fazer o magistério.

Eu acho que é porque eu gostava mesmo, talvez porque na infância você se espelha em algum

professor. Enfim, eu acho que a gente tem referências de infância. Eu imagino. Não sei.

A - Com que disciplina você trabalha na graduação?

E1/ER - Bom isso depende muito das grades curriculares que a gente tem. No semestre

passado, no ensino a distância eu trabalhei com Linguística Textual. Mas normalmente eu

trabalho com uma disciplina que antes tinha um nome muito estranho Fundamentos

Linguísticos para o Ensino do Português, em que na nova grade curricular a gente mudou o

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nome, chamou de Linguística Aplicada em ensino da aprendizagem da língua materna. Então é

a disciplina com que eu mais trabalho atualmente na graduação.

A - Que função que você dá a essa disciplina na formação inicial do professor?

E1/ER - Eu acho que ela é fundamental pensando na formação inicial de um professor hoje, até

quando eu trabalho com essa disciplina na graduação. Acabei sentindo a necessidade de fazer o

histórico da disciplina na Língua Portuguesa. Porque você começava a discutir o que a academia

discutia na década de oitenta com os alunos. Mas muitos vão passando e eles mesmos não

sabiam no final qual era a finalidade da disciplina de Língua Portuguesa e hoje com seus

conteúdos e a disciplina. Então eu comecei a trabalhar com eles acabei estudando um pouco da

Magda Soares e eu comecei a discutir com eles a história da disciplina de Língua Portuguesa. E

é muito interessante os alunos entenderem como é que se constitui uma disciplina escolar. Eu

tenho a impressão que a gente acha que isso é um conteúdo da Educação e não trabalha com os

licenciandos como se constitui a escola. Como se constitui as disciplinas curriculares que papel

que elas exercem nessa grade curricular. Então comecei a fazer isso com os alunos, pra eles

entenderem que na década de oitenta há uma mudança epistemológica na disciplina de educação

básica, ou seja, há uma mudança. Porque eu senti muito a necessidade de nomear o que essa

disciplina fazia. Se o plano é a disciplina escolar aqui na UFSC porque embora aliás, eu estou

escrevendo sobre isso. Quando não sei se eu termino isso algum dia. Eu preciso de mais dados

pra isso. Eu tenho poucos dados. A- Sim.

E1/ER - Na década de oitenta falou-se muito e, isso é um discurso da academia, que a escola

trabalhava predominantemente com a gramática normativa. Eu tenho uma leve intuição de que

isso não é verdade. Pelos registros que eu consegui de livros didáticos livros de ensino. E até

pensando na minha formação a gramática normativa não foi o centro. Foi aquilo que eu tentei

chamar de uma gramática conceitual. Uma gramática enciclopedística. Uma gramática

conteudística. Uma gramática de conceitos, por exemplo, eu ainda mostrei para os alunos uns

dois ou três livros antigos que eu localizei. Começa, por exemplo, o que é Morfologia?

Morfologia é classes de palavras são o substantivo, adjetivo... Uma colega minha diz que eu

tenho que patentear o termo de uma gramática conceitual. A escola trabalhava em

predominantemente com uma gramática conceitual, o que eu descobri é que os nossos alunos

acham que isso tudo se chama gramática normativa. Eles colocam como se o nome conceitual

fosse a gramática normativa, como par a par. Daí isso já é um problema. Então a gente acaba

começando a discutir isso, que eu acho que deveria ser uma disciplina em todo curso de Letras.

A história da constituição da disciplina de Língua Portuguesa na escola. Para entender que ela

nasce como uma disciplina gramatical. E o que se tenta fazer na década de oitenta é uma

ruptura. E ruptura que vai de encontro à tradição. Até hoje não se tem resolvido. Embora seja

necessário ensinar a leitura e a escrita. Mas e a gramática conceitual? Porque se você trabalha

com leitura e escrita você está trabalhando com gramática no sentido de regularidades da língua

que você domina. Pra se enunciar, mas não está resolvida essa questão. Então acho que a

disciplina linguística aplicada. Primeiro teria essa função de mostrar para o aluno o que é essa

disciplina escolar de Língua Portuguesa e como ela se constitui. E isso se você entende que a

finalidade da disciplina é trabalhar com os usos sociais da linguagem que não é unanimidade na

universidade também. Tanto que há um contra discurso muito forte surgindo. Inclusive no

campo da Linguística em que a escola deva trabalhar com a iniciação científica. Por isso tem

que trabalhar os conteúdos conceituais da Linguística. É um contra discurso que eu já vi aqui e

lá e acolá. Então eu acho que primeiro a Linguística aplicada ensina a aprendizagem da língua

materna. E ela tem essa função de demonstrar pros alunos como se constitui uma disciplina

escolar. Porque que uma disciplina sai da escola. Por que uma disciplina entra, que conteúdos

ela tem? Por que os conteúdos mudam? Se é uma pressão da academia, se é uma pressão

institucional, se é uma pressão da sociedade. Acho que essa é a primeira questão. E a segunda e

daí eu acho que há universidades que estão menos arraigadas na tradição. Elas conseguem ter

um currículo mais oxigenado, novo. Essa disciplina pra mim ela é fundamental quando ela

trabalha com uma concepção de linguagem. E quando ela trabalha nessa concepção de

linguagem sujeito as práticas de leitura e escrita. Mas mais do que isso, eu acho que isso

deveriam ser disciplinas separadas. Aqui a gente tem tudo numa única disciplina. Reconheço

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que nosso currículo é bastante tradicional. Demais, né? Então tudo que é da área de formação de

professores que não esteja no meio está nessa disciplina tudo, tudo. Absolutamente tudo.

E1/ER - Nos quatro meses, três com todos os feriados. Então, primeiro porque é a única

disciplina que vai trabalhar com as questões ligadas as práticas de leitura, as práticas de escrita.

Tem outras perguntas ali pra continuar. A - Entendo.

E1/ER - Não está bom, mas acho que é isso mesmo. Acho que quando eu dava essa disciplina

há muito tempo que ela tinha esse outro nome estranho que não fui eu que dei. A gente

começava direto numa concepção de linguagem mais socioistórica. Mais em concepção do

sujeito pra ir trabalhar com prática de leitura e escrita, mas tá, mas a gramática, a gramática.

Onde é que ela entra? Onde é que ela entra? Ela entra na prática de análise linguística na leitura

e na escrita, dizendo “Mas é isso? Eu aprendi diferente, meu pai diz que é diferente”. Eu

comecei a fazer história da disciplina de Língua Portuguesa. Eu acho que isso dá uma arejada,

evidentemente que isso é uma postura, não é uma única visão de mundo e uma única visão de

ensino. Evidentemente que como há colegas que defendem o ensino mais conceitual em nome

da tradição em nome da cultura e em nome de se propagar os estudos da linguística. Eu defendo

uma disciplina voltada pros usos sociais da linguagem. Porque se o camarada me sai do segundo

grau lendo e escrevendo muito bem, dez a zero pra mim. Agora claro que isso não é

unanimidade. Muitos alunos discordam radicalmente. Daí se criou a discordância e a

divergência da sala de aula. Muitos são absolutamente a favor desse ensino conceitual de língua

na escola. Eu acho que eles têm a noção. Eu me lembro de um aluno que disse assim “mas se eu

não sei o que é um substantivo. eu não consigo ler e escrever” está arraigado nos alunos a ideia

que se você não sabe conceituar um substantivo. Você não aprende a ler e escrever. Você não

aprende Língua Portuguesa. É complicado. Mas eu acho que é isso em linhas gerais. Há outras

questões, eu acho que vão surgindo outras perguntas que eu acho que a gente ainda não

conseguiu amarrar um currículo pra formação de professores nessa nova perspectiva do ensino

das práticas de leitura e escrita. A gente não sabe como fazer.

A - O que seria necessário para a atuação e formação desse professor?

E1/ER – Primeiro, eu acho que talvez o que eu diga não tenha muita relevância, mas eu começo

a achar que ele teria que ter sido professor alguma vez na vida. Embora se considere isso

absolutamente desnecessário. Há um discurso na universidade que diga “não vamos amarrar.

vamos ter interdisciplinaridade”, mas é uma interdisciplinaridade equivocada. Eu sempre digo

assim “a medicina qualquer concurso que ela abra ela vai colocar sempre graduação em

medicina, porque o que dá a formação é a graduação”. Então eu sempre brinco com isso. “eu

acho que eu vou fazer doutorado em medicina” e posso. Nada me impede. Mas não quer dizer

que eu vá ser médica o que me dá a formação como professora é a graduação. Então, eu acho

que primeiro tem que ter uma graduação em licenciatura. É meio banal. Mas eu acho que não

segundo uma coisa mais serena. Eu acho que teria que ter pisado na educação básica. Veja que

não estou falando coisa intelectual. Não estou falando de formação de pesquisador não estou

falando de pesquisador. Estou falando de vivência algo que transcende a academia. Eu vejo

muito professor falando de uma escola ideal de uma escola abstrata, não da escola real. Porque

ele nunca visitou essa escola real. Ele visitou quando ele era aluno então por ele ter visitado essa

escola real como aluno, ele acha que a escola que todas as escolas são iguais a escola que ele

frequentou. E, ás vezes, ele é um professor que veio de uma escola de elite que não conhece a

escola. Eu vejo isso muito. Professores falando de uma escola que é uma escola irreal,

imaginária. É uma escola de uma torre de marfim não é o aluno real que a gente tem hoje. Vou

dar um exemplo não tem nada a ver com formação intelectual. Hoje os nossos alunos têm nos

relatado questões que talvez, que, por exemplo, se eu não estivesse estado na educação básica

até certo tempo eu diria que não é verdade. Uma vez, na minha época que eu cheguei na escola

o professor era uma autoridade uma autoridade que é no conhecimento. Uma autoridade que é o

centro do respeito que você tem. Não estou falando de autoritarismo. Estou falando de

autoridade e postura. Hoje você vê alunos nossos em salas de aulas que reclamam, porque o

aluno agride verbalmente o professor chama o professor por nomes que para mim são

impronunciáveis. O aluno que vem ouvindo o mp3, o mp4 no ouvido. Eu vi no Fantástico uma

menina fazendo isso aí, à noite, umas que começam a pintar unha, outras que começam. Enfim.

E isso não está ligado à formação de conteúdo está ligado à formação de como eu diria uma

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formação ética. Ética e isso o professor que está aqui do professor formador que está aqui. Ele

não tem reconhecimento dessa escola real. Ele não faz a ponte com isso, porque não conhece

essa escola real não conhece essa violência na escola. Ele não conhece uma série de questões.

Então veja isso é uma questão, outra é se o professor formador teria que saber o que é a

disciplina de Língua Portuguesa hoje. Porque ela tem uma mudança de paradigma. Ele também

não sabe. Porque ele não leu as diretrizes curriculares. Ele leu a linguística e ele ensina a

Linguística. Ele ensina a linguística não interessa pra que é essa linguística. Essa Linguística

como bacharel é uma coisa, essa Linguística como professor da língua portuguesa é outra. Então

eu acho que esse nosso professor formador ele teria que ser antes de tudo um conhecedor da

escola. Um conhecedor do que é a Língua Portuguesa hoje e, tem leituras básicas que ele teria

que fazer não precisa ser um linguísta aplicado. Nem todos precisam fazer Linguística Aplicada,

mas ele teria que conhecer o que é formar um professor em Língua Portuguesa hoje e vai muito

além. Não acho que eu vou mexer nessa questão. Tenho pavor do tema transposição didática.

Me arrepia até a alma.

E1/ER - Me parece um pouco melhor porque como diria Bakhtin as palavras não vêm do

sistema da língua. Ela vem de outros discursos. Então transportar é levar de um lugar pra outro.

Essa é a significação que eu não consigo apagar e Chevallard. Ele era um matemático positivista

e ninguém pode negar isso. Ninguém pode negar a ideia dele era. Você pega um conhecimento

científico e transpõe claro, concordo. Vai falar do triângulo didático. Concordo com tudo isso.

Vai falar que tem que recontextualizar. Tudo isso eu concordo, mas eu concordo muito mais

com Althusser, que me ajuda a dizer o seguinte: “Olha gente, cuidado. Na disciplina de Língua

Portuguesa você não vai transpor conteúdos. Porque você não quer pegar os conteúdos

científicos e ensiná-los para o aluno. Você quer ensinar a prática da leitura e da escrita. Você

quer ensinar o uso, então primeiro que não é uma transposição”. A – Certo.

E1/ER - E, ideia eu acho que é uma coisa muito mais complicada o nosso professor ainda ensina

ao aluno para transportar conhecimento. Eu criei uma nova terminologia é Elaboração Didática

como a partir desses conhecimentos você constrói uma aula que leve o aluno a aprendizagens

práticas. E daí tem um detalhe, nós não transformamos esse conteúdo de ensino pro nosso

aluno. Mas como é que se faz uma Elaboração Didática? Como é que se faz? Como é que se

prepara uma aula de leitura? Como é que se prepara uma aula de produção textual? Vai fazer

isso lá no último semestre na metodologia? Não eles teriam que começar nas primeiras frases

sempre na vivência mais colada na escola real, não pra depois. Esse é o discurso da década de

oitenta. Eu me lembro que eu era professora fazia curso de professor formação de professores e

a gente muito abelhuda. Ah, tem que fazer isso, tem que mudar e tal e tal, quando se perguntava

como é que se faz. A resposta do formador é “você quer uma receita?” Não é verdade, muitos

professores querem receitas, outros não. Eles querem caminhos e eles têm razão. Se você tem

um novo conteúdo de ensino você tem que ter uma nova elaboração didática também. Daí

acontece o que está acontecendo agora e, se a gente não tomar cuidado. Nós vamos jogar toda a

noção de gêneros pro lixo. Eu acho que essas teorias ligadas a essa noção de gênero e

letramento elas mostravam caminhos para a elaboração didática, porque leitura é um contínuo

como é que eu desdobro esse contínuo agora? E a noção de gêneros me dizia como, só que não

como ela está entrando na escola.

E1/ER - Do jeito que ela está entrando na escola. A gente está objetificando a noção de gêneros.

Eu estou começando a escrever porque se a gente que é da área não escrever o outro derruba e

você não tem um método é que eu estou escrevendo uma coisa sobre as duas perigosas entradas

dos gêneros no discurso da escola a primeira é essa conceitual absoluta.

E1/ER - Então é exatamente isso. O gênero carta é uma descrição da carta se possível numa

taxonomia carta familiar carta disso.

A - Certo.

E1/ER - Mas na verdade ele vai pedir a escrita de uma carta não vai pedir o que é uma carta.

A - E os cursinhos?

E1/ER - Os cursinhos, eu quero que vão pro quinto do não sei onde, mas eu estou pautando a

minha necessidade professor da educação básica então o que vai acontecendo? São ementas de

disciplinas na escola.

A - Entendo.

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E1/ER - Pois é e onde é que a gente bate de novo? Na elaboração didática, porque ele sabe fazer

o quê? Digamos pegar um livro sobre crônica fazer uma espécie de resuminho conceitual. É a

escola enciclopedística de novo. A escola conteudística.

A - Sim.

E1/ER - Isso. Exatamente. Então G tem razão dizendo “olha aqui, a gente voltando ao ensino do

português dessa década de setenta”. Só que agora ao invés de ensinar o que é morfologia vamos

ensinar o que são gêneros. Eu concordo com ele sou obrigada a reconhecer, eu estou vendo isso

de fora a listas de gêneros pros alunos que em seguida perguntam onde é que circulam notícias.

E1/ER - O que falta é uma coisa chamada elaboração didática. Se você não ensina quando essa

noção de gêneros entra, eu acho que está equivocado. Hoje, por exemplo, quando os PCNs

dizem, mas não estou criticando os PCNs, acho que é o conhecimento que a gente eleita. Que os

gêneros são objetos de ensino e aprendizagem. E não pode ser objeto de ensino e aprendizagem.

Porque aí acontece isso ele vira objeto na minha os objetos de ensino e aprendizagem.

E1/ER - É no meio os objetos são as práticas de linguagem, é ler e escrever ler e escrever.

A - Certo.

E1/ER - E ele é um horizonte pro professor, tá bom hoje eu vou ensinar a ler A. como é que se

lê A? E então acho que essa visão é excessivamente normativista a gente vai voltar bem ao

ensino tradicional conteudista e normativista a noção de gêneros está mais normativista do que a

gramática normativa na escola. Está muito encaixadinho certinho. Olha isso aqui é uma carta

que vai isso e isso, e isso. Você não joga isso pra prática interativa, se você for ver o que

Bakhtin vai falar sobre a noção de abstração “abstrair tirar de” se você tira a noção de gêneros

na leitura e na escrita da prática social ela perde o sentido. A - Sim.

E1/ER - E hoje tem uma noção de gênero que é muito mais da produção de sentido que não está

sendo explorada. Ela tem uma dimensão reguladora e Geraldo diz que não tem. É um otimista

né? Mas ela tem uma dimensão de produtora de sentidos também a noção de gênero. Mas pra

mim o grande mal hoje do formador, fechando a tua pergunta do formador de professores é

trabalhar com a elaboração didática. É como formar um cirurgião, se você não o ensinar a fazer

uma cirurgia. Você tem que ensinar como é que se faz. Da mesma maneira que ser professor

como é que se faz a aprendizagem da didatização, mas a transposição didática eu não consigo

entender muito bem não.

A - Há quem diga, por exemplo, que vários saberes do professor são construídos na experiência

docente como que você vê isso?

E1/ER - Faz tempo que eu não leio Tardif. Mas do jeito que está a formação de professores hoje

eu acho que de fato a formação efetiva do professor está no futuro, mas eu acho que a gente

teria que mudar a formação inicial ela vai ter que ser dada na graduação porque senão não faz

sentido ter um curso chamado licenciatura. Agora eu concordo com outros pesquisadores da

área dele que muitos abominam. Enfim porque seriam ligados a liberalíssima etc., mas eu estou

convencida mesmo de que a gente tem que trabalhar não só com esses conteúdos conceituais.

Ou seja, dizer pro aluno o que é a noção de gêneros o que é a noção de letramento, mas como

esses conteúdos têm natureza mais procedimental. Nomes considerados científicos no caso a

elaboração didática é um conteúdo de natureza procedimental. Como saber fazer não saber dizer

é saber fazer o saber dizer é muito rápido, eles aprendem a dizer muito rápido o que são

gêneros. Agora, a dificuldade está em saber fazer como é que agora a partir desse conhecimento

de gêneros de leitura e de escrita eu elaboro aulas para levar alguém a aprender?

A - E como que você traçaria o perfil de um professor formador? E1/ER - Ai eu acho que isso já

estava na segunda pergunta, pra mim o professor formador ele teria que ser um professor antes

de tudo ser um professor. Não estou nem falando de uma formação talvez de uma formação de

diploma, mas o ser professor é existência dele. Ele olhar aquilo que ele ensina pros nossos

alunos da graduação pelo prisma da aprendizagem. Ele tem que ser um professor que conhece a

escola real hoje. A escola real como a gente tem que analisar como uma fábrica o que é essa

escola? Quem são esses alunos que estão hoje? O que eles precisam? O que os nossos alunos

daqui precisam? Pra onde vão? E evidentemente eles teriam que conhecer o que é a disciplina

de Língua Portuguesa hoje. Aliás, essa história de que o professor da educação básica tem que

ser professor um professor reflexivo. Uma orientanda minha, a Nara ela defendeu uma tese que

talvez ajude a gente a repensar esses discursos, mesmo na escola que você tenha todos os

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professores com mestrado e doutorado, na hora de reestruturação curricular, a tônica que gira é

o saber fazer e não a teoria. Mas são as mesmas pessoas que, quando saem dali, vão pra

congressos apresentam trabalhos, mas é isso não entra na escola, no cotidiano da escola é o ser

professor que está lá cheio de dúvidas e não liga teoria à prática.

A – Sim. E falando em pesquisa, qual é a sua área de trabalho hoje?

E1/ER - Tirando a coordenação da pós que me consome até a alma, na verdade há um tempo eu

estava pesquisando mais as questões dos gêneros.

A - E o que isso tem trazido pra sua prática?

E1/ER - Pra mim tem trazido a questão de como formar professores de Língua Portuguesa mais

sensibilizados com o ensino da leitura e da escrita. Mas o que eu quero agora pesquisar um

pouco, que eu estou achando que faltam umas questões mais históricas, isso é, pro futuro. Eu

quero começar a ver se eu faço isso ano que vem um projeto mais digamos documental de ir a

escolas de ir a conventos que as freiras são muito organizadas e, fazer uma espécie de um

grande acervo de materiais do passado. Eu acho que a gente, por exemplo, introdução textual a

gente tem que estudar um pouquinho mais como se constitui a escrita na escola com a queda da

disciplina de retórica. Como é que se constituiu, por exemplo, essa trilogia da narração,

descrição e dissertação. Vira e mexe a gente está voltando, do jeito que a escola ensina vejo

diferença em dissertação, então acho que se a gente não consegue entender como é que se

constitui esse passado essa tradição.

E1/ER - Acho que é isso, porque a minha pesquisa sempre foi pensada mais na questão da

formação do professor, porque senão não consigo trabalhar certo.

A - Só mais uma. O que é formar um professor pra você?

E1/ER - Formar um professor, professor mesmo é trabalhar com ele a questão da elaboração

didática. Se ele souber ensinar a ler e a escrever e souber ensinar essa meninada que está hoje, aí

na educação básica a sair da escola como leitores proficientes, eu acho que a formação do

professor está feita.

A - Bom. O que é pra você, formar um professor formador pra você?

E1/ER - Esse professor que eu estou formando na graduação então? Não na pós.

A - Na graduação.

E1/ER - Pra mim é um professor que tem que saber o que é ser um professor de Língua

Portuguesa e, antes de tudo, saber preparar aulas, é ser professor, é aquilo que está faltando

hoje em dia. Na verdade, eu acho que a gente tirou da mão do professor o papel de elaborar as

aulas e foi pro livro didático e, o professor não sabe mais. Por mais que ele diga, “eu não uso

livro didático”, ele vai pegar um pedacinho em um livro A um pedacinho no livro B e um

pedacinho no livro C. E não é culpa do professor, mas é que a gente também não ensina, a gente

não tem a tradição de ensinar, porque numa disciplina conceitual você também não precisa. Ele

vai lá, pega a morfologia, é substantivo? É, e aí ele só vai fazer a transposição didática e ok.

Mas se você pensa que são as práticas de leitura e escrita, ele não vai ensinar o que é isso assim.

Não vai ensinar o que é pra aquilo, não vai ensinar o que é psicolinguística, né? Porque são

gêneros eles têm que ensinar a leitura e a escrita a partir desses conceitos.

E1/ER - Isto.

E1/ER - Eu acho que no fundo é isso, se você conseguir formar um professor que saiba preparar

aulas. Que leve os nossos alunos da educação básica a ler e escrever com proficiência acho que

está de bom tamanho.

A - Obrigada.

Entrevista de E2/EJ

A - Então é isso EJ. Nós já estamos gravando. Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua

formação acadêmica. Profissional. Quando você se formou? O curso que fez? Por que escolheu?

E2/EJ - Eu formei em V Eu fiz a graduação em Letras aqui. E depois logo em seguida saí pra

fazer o mestrado na UNESP de Rio Preto. E aí de lá eu fui pra G dar aula. Foi meu primeiro

concurso no ensino superior. Fui pra ser professora de Letras. Literatura. Dei aula durante três

anos e depois tive licença pra fazer o doutorado. E nesse meio tempo surgiu o concurso aqui em

V. Aí eu prestei o concurso aqui e terminei o doutorado há dois anos. Eu tinha formado aqui e

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gostava mais de V do que de G. Principalmente por que lá eu estava em campos avançados. No

interior de G. Não era capital. O concurso foi em G, mas a vaga era nos campos avançados em

J. A - E a sua formação inicial?

E2/EJ - Anterior? Eu estudei lá em B. Mas durante a oitava série eu prestei um teste pra bolsa na

instituição sem fins lucrativos e todos os alunos eram bolsistas. Um colégio interno. E ele tinha

uma metodologia de ensino que a gente não tinha professor em sala de aula. Você estudava.

Tinha um gabinete do professor. Recebia o módulo. Tinha a biblioteca. Tinha horário de ficar

no colégio. Mas não tinha aula. Você estudava, aí quando você sentia que tinha dúvida marcava

horário com o professor e tirava a dúvida. Quando você se sentia segura, ia e fazia a prova numa

sala com todo mundo fazendo provas diárias e diferentes. E algumas disciplinas tinham a parte

prática. Física. Acho que quase todas as aulas tinham laboratório. Tinha uma parte dos módulos

que a gente tinha que marcar o dia do experimento. A - E depois?

E2/EJ - Era segundo grau. Ele terminava o segundo grau, mas já como profissional e aí eu fiz na

área de informática. A - Interessante.

E2/EJ - E de lá eu saí pra trabalhar super nova. Trabalhava na área de informática em S naquela

época em que, anos noventa, ganhava-se dinheiro. Eu saí pra fazer o estágio na área de

informática e já fui contratada só que eu queria fazer Letras. E eu queria uma cidade

universitária, porque eu queria de novo aquela ideia de campus porque o nosso colégio tinha um

pouco de campus. Um campus enorme no local do colégio. Quadra. Lago, piscina.

E2/EJ - Não nos modos que existia. Acho que mudou bastante.

A - Interessante.

E2/EJ - Era, tinha a parte de internato e a parte de externato.

A - Muito bom.

A – Quais disciplinas você leciona?

E2/EJ - Literatura Brasileira. São várias disciplinas na área.

E2/EJ - Das origens ao Arcadismo. Modernismo. E o Seminário de Literatura que é uma

disciplina mais prática.

A - Que função você dá a essas disciplinas pra formação inicial de um professor?

E2/EJ - Como essas disciplinas, elas são obrigatórias mesmo pra um aluno de habilitação em

Língua Portuguesa e Literatura. O módulo como está organizado o catálogo aqui é o aluno

completar todo um panorama histórico da Literatura Brasileira. Então ele entra no primeiro ano

e faz das origens ao Arcadismo. Então é um conhecimento histórico, mas que no decorrer da

disciplina. Pelo menos no modo como eu vejo. Eu ensino o aluno a ser crítico do texto literário.

E isso vai repercutir depois quando ele for trabalhar isso em sala de aula. Com muita ênfase pra

pesquisa também. Pra que o aluno continue estudando. Pra que queira desenvolver trabalhos de

pesquisa sobre Literatura Brasileira.

A - Certo. E o Seminário?

E2/EJ - O Seminário principalmente. Ele é obrigatório pra essa habilitação. E ele tem só uma

aula por semana. Tem uma que é bastante abrangente porque é Seminário de Literatura e de

Língua Portuguesa. Então esse semestre, por exemplo, a gente está trabalhando com o seminário

associado aos meus estudos, às minhas pesquisas. Então a gente está trabalhando o espaço na

Literatura. E temos as aulas teóricas em que cada um vai desenvolver um pré-projeto e no final

vai apresentar um seminário em cima de uma obra literária, mas estudando o espaço nessa obra.

A - E o Modernismo?

E2/EJ - O Modernismo. Aqui nós tínhamos antes o Modernismo I e II. Atualmente, futuramente

vai passar a ser só Modernismo, porque todas as outras disciplinas eram brasileiras I, II e III,

quando chegava ao Modernismo quebrava. Aí nós padronizamos. Por enquanto eu ainda estou

dando aula no Modernismo um que ainda existe no catálogo que é principalmente a década de

vinte e trinta. Então os alunos estudam questões históricas ligadas ao Modernismo. Questões

políticas ideológicas principalmente as poéticas de Mário e Oswald de Andrade.

A – Como vocês trabalham o aspecto do ensino voltado para a formação do professor?

E2/EJ - Olha A, isso pra mim é preocupação recente, porque depois que eu voltei do doutorado

é que eu tenho repensado as minhas aulas. Porque eu acho que ser formador, no que diz respeito

à Literatura, é mais pra leitura crítica do que pra o ensino de Literatura. Tanto que a gente via. A

única parte que a gente relacionava no curso de Letras. Pelo menos é o que eu imagino e os

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meus colegas da minha época também. E que a gente tinha como licenciatura aquelas

disciplinas de pedagogia. Como se licenciatura fosse aquilo ali e, tirando aquilo ali, a gente

estaria fazendo um curso de bacharelado como qualquer outro e depois que eu voltei do

doutorado é que eu tenho pensado nisso. Então tenho pensado em rever a prática com texto

literário pra que o aluno tenha condição de explorar o sentido do texto. E, num segundo

momento, a gente chegar no foco, na estrutura. Naquela coisa que a gente fala que se a gente for

discutir entre forma e conteúdo. Pra mim. Eu acho que o aluno tem que ser capaz de lidar com o

conteúdo pra que ele seja um bom professor, porque isso fica muito varrido pra de baixo do

tapete no ensino de literatura.

A – Certo.

E2/EJ - A gente tem repensado muito a grade curricular. Ela está em reforma já há bastante

tempo. Tem tanto que o aluno tem três ou quatro catálogos. Se a gente for olhar as turmas cada

uma com um catálogo diferente. Mas nós ainda não chegamos num ideal.

A - Entendo. Agora, que saberes são necessários para a atuação e formação do professor

formador?

E2/EJ - Na minha área eu acho que eles serem um bom leitor. A primeira coisa tem que ser

leitor, gostar de ler e ter vontade de aprender porque se familiarizar com a Literatura. A obra

literária e ensinar a ser leitor. Acho que nunca se esgota. Não acaba. Não tem um manual, por

exemplo, é uma disciplina que você não tem um manual. No mínimo você pode usar uma

história da Literatura. Mas essa história também vai recortar tanta coisa. Vai falar da história da

política. Eu acho que ele tem que ser acima de tudo um leitor.

A - Tardif afirma que vários saberes do professor são construídos na experiência docente. Como

você vê isso?

E2/EJ – Sim, à medida que você vai ensinando você aprende também. Aprende muito até. Eu

estou refazendo um monte de coisas. Um monte de ideias. A - E os alunos?

E2/EJ - Eu acho que a gente aprende a ensinar, também porque cada turma é diferente. Se você

der a mesma disciplina pra uma turma e você tem que ter metodologias. Às vezes, até adotar

textos diferentes porque não repercute.

A - Como que você traçaria o perfil de um professor formador?

E2/EJ - Um professor que gosta de ensinar. Que gosta de ler. Que gosta de estudar.

A - Qual é a sua linha de pesquisa?

E2/EJ - O que eu estou fazendo atualmente e, principalmente é estudando o espaço na

Literatura. Com um grupo de estudo formado por alunos de. Daqui do departamento

interessados em estudar Literatura e alguns professores da Arquitetura. Mas tem uma professora

da História que também está fazendo paralelamente um tour. A - Espaço físico?

E2/EJ - Espaço físico, espaço ficcional. Espaço como rede de relações ou então espaço urbano

porque o espaço urbano não é naturalmente físico é um espaço de relações sociais. Então tem o

espaço do ponto de vista da Antropologia. O grupo é pequeno, mas ambicioso. Então a gente se

interessa por muita coisa sobre espaço, mas pra trazer pra análise do texto literário.

A - E como que isso pode ser útil. Você tem a preocupação da utilidade disso pra formação dos

alunos?

E2/EJ - Eu acho que é bom porque a gente fala do mundo como que a Literatura fala do mundo.

E aí eu poderia ter escolhido outra porta de entrada, mas eu escolhi o espaço. Poderia ser o

narrador porque o espaço não está dissociado, quando a gente estuda uma obra literária ele tem

relação com o narrador com o tempo, com o enredo. E se ele é funcional ele não é de fundo

apenas. Mas eu comecei a estudar o espaço na consciência da importância do espaço. Então eu

me interessava pelo espaço pra voltar pro texto literário e a gente voltar pro mundo.

A - E o que é pra você um professor formador? Como que você traça esse professor? O perfil?

Como que você descreve o professor formador? O que é formar um professor formador? Mais

precisamente. O que é formar um professor?

E2/EJ - Pra mim essa pergunta é muito nova. É nova pra mim mesmo porque eu me pergunto

se eu sou formadora. Acho que talvez tenham uns meses só. Sobre isso conversando com os

alunos em sala aí sobre essa reflexão de que será que eu estou sendo eficiente para o aluno que

está ali, para o que ele veio fazer. O que é o que a gente tem pensado sobre a nossa grade

curricular não é eficiente pra proposta pedagógica nossa. E aí como a gente está nessa fase de

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discussão e qual é o perfil do aluno que nós queremos? Qual é a nossa proposta pedagógica

porque ela é bem recente mesmo e se você conversar com a E coordenadora ela vai te explicar

que os catálogos mudaram muito. Desde a época que eu entrei aqui. E eu cheguei em dois mil e

quatro.

A - E você me diria com a preocupação de todo o departamento?

E2/EJ – Não, só é do grupo da Literatura, está restrito. Não é de todos porque nós estamos com

um professor de brasileira um de português e um de ensino, mas isso é uma preocupação que eu

vejo da comissão de ensino da qual eu faço parte com a W que é da Língua Portuguesa e da

Linguística e gente tem conversado muito sobre isso pra definir qual é o perfil do aluno que a

gente quer formar.

Entrevista de E3/EC

E3/EC - Eu vou falando cada uma e vou respondendo?

A- Então vamos lá. Eu só vou ler a pergunta. Conta como que foi sobre a sua formação

acadêmica profissional, onde você se formou o curso que você fez, e porque escolheu ser

professora?

E3/EC - Eu me formei na Universidade Santa Úrsula no Rio de Janeiro em oitenta e seis e logo

depois eu fiz o concurso como professora do estado no Rio do Janeiro. Trabalhei como

professora do estado durante dois anos no Rio e depois eu me casei e vim pra cá. Aí eu comecei

aqui como professora do estado de Minas, mas como substituta e trabalhei aqui também alguns

anos. Uns dois anos como professora substituta no Effie Rolfs, no estadual no grupo Coronel

que a gente chamava o grupo da praça e no Carmo. E depois, eu ofereci um curso de redação

chamado Escrevivendo durante um ano. Aí depois meu marido foi fazer mestrado em Niterói.

Aí eu fiz um curso de especialização em Língua Portuguesa em Niterói aí retornei, retornamos

em 94. Foi quando eu comecei aqui em noventa e cinco, como substituta, aí trabalhei um ano

como substituta e depois entrei como efetiva em noventa e seis.

A- Você é carioca? E3/EC - Sou de Teresópolis.

A- E sua formação básica. Você fez onde?

E3/EC - O ensino fundamental e médio? Eu fiz normal, tudo em Teresópolis. Fiz o Normal num

colégio religioso lá no São Paulo.

E3/EC - Toda a minha toda a minha formação foi em escola particular. Aí no ensino médio eu

fiz o Curso Normal pra ser professora.

A- Certo. Com quais disciplinas você está trabalhando na graduação?

E3/EC - Eu trabalho com Let 102 e Let 103 - Leitura e Produção de Textos e, agora com

Estágio Supervisionado, Leitura e Compreensão de Textos.

A- Que função você dá nessa da formação. Você dá a elas essas disciplinas na formação inicial

do professor?

E3/EC - Essas disciplinas são básicas na formação do. No geral de qualquer profissional. E mais

especificamente no profissional na área de letras porque a gente trabalha na leitura e produção

de textos mais um enfoque maior na leitura e compreensão. Então a gente trabalha com os

alunos, consolidando a formação deles. Quer dizer, eles já trazem do ensino médio uma

formação como leitores. Mas a gente vai aperfeiçoando e direcionando para a formação deles

como profissionais na área de letras então todo o conteúdo dessas disciplinas. Ele é voltado pra

formação. Então eles vão ao meso tempo que vão consolidando o conhecimento que eles já têm

sobre leitura e compreensão eles vão observando várias questões como estratégias de leitura e

várias outras questões para atuarem como profissionais na área e Let 103 o enfoque maior é em

produção textual da mesma forma consolidando e aperfeiçoando a toda essa a prática em relação

à produção textual.

A- Eles podem atuar a partir de qual série do ensino básico?

E3/EC - A partir da quinta série. E pode atuar também na de primeira a quarta. Eu acho que sim.

A princípio eles escolhem a partir da quinta, mas eu acho que sim. Sabe por quê? Porque antes

existia o normal e hoje é o chama normal superior, mas não é mais no ensino médio.

Antigamente era no ensino médio que quer dizer eu tinha a habilitação pra poder dar aula do pré

até a quarta série. Hoje não, hoje você tem o Normal Superior. Mas eu acho que se o professor

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de Língua Portuguesa quiser atuar também de primeira a quarta série. Acho que ele pode. Não

vejo impedimento. Nada impede que ele atue também que ele possa atuar de primeira a quarta

A- E que saberes seriam necessários pra formação e atuação do professor formador?

E3/EC - Eu acho muito importante esse professor formador, ele ter conhecimento como

profissional na sua área. Então ele já ter atuado no ensino público e particular, ou só público, ou

só particular, mas no ensino, tá certo? Fundamental e médio então ele vai trazer para o meio

acadêmico essa experiência e, logicamente atrelar essa experiência à formação dele que é uma

formação continuada. Então ele sempre faz uma especialização, faz um mestrado, faz um

doutorado faz um pós- doutorado está sempre envolvido com a pesquisa no meio acadêmico.

Mas eu acho que esse professor ele tem que ter, minimamente falando. Não precisa ter anos,

mas pelo menos uma experiência mínima no ensino médio e fundamental pra ele poder dizer o

seguinte “olha eu estou trabalhando com isso, mas eu já trabalhei dessa forma e isso dá certo.

Isso não dá certo. Eu acho que o caminho é esse, ou então poderia ser esse”.

A- E isso acontece.

E3/EC - Eu trabalho, quer dizer, a minha orientação quando eu entro em sala de aula.

A- A universidade exige isso?

E3/EC - Não, exigir não exige. Mas eu acho que, por exemplo, quando você tem um bom

desempenho numa prova de didática já evidencia se você tem, se você já teve experiência antes.

Pode até ser numa outra universidade particular ou pública. Mas evidencia uma aula, a prova

didática já evidencia se você já deu aula em outro lugar senão você não consegue você não tem

aquela dinâmica da sala de aula. Eu acho que se não é completamente, é em boa parte,

entendeu? Mas você percebe quando um professor entra em sala de aula, você percebe se ele

tem experiência pelo menos nessa prova didática. Assim minimamente você percebe.

A- Há quem diga, por exemplo, Tardif mesmo é uma pessoa que faz isso. Que vários saberes do

professor são construídos na experiência docente. Como que você vê isso?

E3/EC- Eu acho que uma coisa é você, é a sua formação teórica que você vai aperfeiçoando

durante toda a vida e, outra coisa é como se aplica isso, certo? E só a experiência pra dizer se

realmente essa aplicação ela é eficiente ou não. Então se você não tem experiência como é que

você vai orientar uma prática sobre produção textual, se você nunca teve experiência dentro de

uma sala de aula com produção textual? Então eu acho que isso é complicado.

A- Como você traçaria o perfil de um professor formador?

E3/EC - O professor formador eu acho que deve reunir essas duas questões a experiência dele,

pra ele formar, eu acho que ele tem que também vamos dizer, se utilizar dessa experiência dele

que ele foi acumulando durante anos e, logicamente essa formação a partir da experiência. A

formação técnica que também o professor formador ele vai observar as aulas, né?Vai dar toda

uma orientação dentro da sala de aula, a partir da experiência dele e do que ele sabe em relação

aquele conhecimento. Não adianta ele falar assim “isso não dá certo e então você vai por esse

caminho”. Mas se ele não tem essa, se ele não conhece a forma que poderia ser proposta uma

forma mais eficiente, então acho que é a reunião dessas duas coisas a experiência dele que vai

fazer com que ele perceba se vai dar certo ou não e se não der certo como é que ele vai poder

orientar para que dê? Então essa formação técnica que vai dar o suporte em relação à questão da

prática.

A- E agora qual é sua área de pesquisa?

E3/EC - Hoje eu trabalho com a divulgação científica a Análise de Discurso voltada pra

divulgação científica então eu trabalho com as informações sobre transgênico na mídia

impressa. Trabalho com mídia impressa e com a divulgação. Agora estou trabalhando com a

divulgação on line também. Então, num primeiro momento, eu trabalhei com os transgênicos na

mídia impressa brasileira e, depois eu passei a trabalhar com a divulgação científica na Veja.

Depois eu passei a trabalhar com a divulgação catástrofe do terremoto do Chile, porque pra você

divulgar uma catástrofe, primeiro você noticia o fato pra depois trabalhar, dar pro seu leitor

informações de caráter científico. Então eu estou analisando isso agora com os alunos de

iniciação científica e os meus dois orientandos de mestrado. Um está fazendo sobre a

divulgação na Superinteressante sobre temas relacionados a tabu e temas referentes aos órgãos

genitais femininos e masculinos. E a L está fazendo uma análise na mídia, na impressa geral

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sobre os temas que apareceram, durante uma semana, temas gerais na divulgação de ciência e na

Folha de São Paulo e no Estado de Minas, certo? Sobre temas gerais.

A- E qual a importância dessa pesquisa para a formação do professor?

E3/EC - Eu acho que ela é importante porque os temas de caráter científico em geral, o público

leitor ele não se interessa muito. Ele se interessa pelos temas mais próximos do cotidiano dele

nessa questão política economia dia a dia e a ciência. A gente tem essa idéia de que a ciência

num primeiro momento nós não estamos interessados em ciência. Só se for uma descoberta

muito interessante, mas a ciência a gente está percebendo que ela perpassa todas as sessões. Ela

tem uma seção específica em certos jornais, mas ela perpassa por todas as seções. Então as

pessoas têm uma ideia um tanto equivocada em relação à ciência, a divulgação da ciência na

mídia impressa. Em geral as pessoas têm uma visão equivocada, porque são só determinadas

questões que são noticiadas numa seção específica. Tanto que fiz uma pesquisa na Veja e

verifiquei que a informação científica perpassa várias seções revista, não só na seção de

ciências.

A- Então pro professor.

E3/EC - Então pro professor é importante. Por quê? Porque ele vai trabalhar com o aluno um

texto de divulgação científica, até então o professor leva pra sala de aula textos informativa,

opinativa e não leva textos de divulgação científica. E eu acho que ele deveria levar também.

A- Que é formar professor pra você?

E3/EC - Eu acho que formar professor é eu tenho até uma palavra eu gosto muito de trabalhar

com essa minha turma de estágio é informar é formar informando, sabe? É formar o professor

informando sobre diversas questões em relação a questão da experiência, em relação a questões

teóricas, em relação a questões práticas, o que funciona e o que não funciona. A relação do

teórico com o prático, então eu acho que a formação. Ela tem que passar por tudo isso, não só

você ficar preocupada em transmitir aqueles conhecimentos mais específicos e relacionados a

questões mais técnicas.

A- Isso é um consenso aqui no departamento?

E3/EC - De maneira geral eu acho que sim. Nós temos feito. Ainda mais agora com a visita do

MEC nesse semestre nós tivemos várias reuniões e eu acho que sim, sabe? Especialmente nós

quatro professores de estágio que estamos agora nós temos tido várias reuniões então eu acho

que isso é um consenso que nós temos nessa uma preocupação com a formação desse

profissional. E eu acho que em V nós temos uma coisa única nas universidades públicas, nós

temos o aluno dentro do departamento. Como nós temos as salas de aula aqui o aluno está vinte

e quatro horas com a gente aqui, então isso é uma coisa importante. Então o aluno, por exemplo,

“tenho dúvida nisso tenho dúvida naquilo, como é que eu faço isso, como é que eu faço aquilo.”

Entrevista E4/EM

A- Estamos gravando EM.

E4/EM - Bom, pois é.

E4/EM - Bom. Vamos lá. Minha formação. Acadêmica e profissional. Onde que eu me formei.

Eu me formei na graduação aqui na UFMG. Em noventa e dois. É isso. Fiz Letras. É isso é.

Você está querendo saber a formação inicial?

A- Na verdade eu gostaria que você começasse lá na sua primeira escola.

E4/EM - Ai meu deus do céu. Olha só. Ele oh. Escola. Jardim da infância.

A- você é de onde? Você é de BH?

E4/EM - Sou de TO.

E4/EM - Jardim da infância. Eu tinha bem uns. Mil novecentos e setenta e três.

E4/EM - Jesus Cristo! Depois escola pública. Essa é uma escolinha de fundo de casa mesmo.

Onde eu fui alfabetizada. A- Sim.

E4/EM - Fui alfabetizada no jardim de infância. Aí, foi o primeiro até a oitava série. Não,

primeira à quarta. Foi uma escola que inicialmente em T O era uma escola de freiras. E depois

as freiras foram embora e o estado ficou. Aí era de primeira a quarta. E depois de quinta até o

terceiro ano também escola pública. Estadual. Na verdade todas duas era escola estadual. Aí

depois, eu vim pra BH pra fazer vestibular. Por que eu resolvi ser professora? Olha. Eu falo isso

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pros meus alunos. Eu não sei. Porque assim, tem essa coisa da escola. Por exemplo, eu me

lembro da arquitetura da escola de primeira a quarta. Era uma escola antiga de portas e janelas

enormes. Sabe, era uma escola daquela de freiras mesmo, onde a gente tinha um espaço assim.

Que era bem misterioso. Porque era o lugar das freiras e tudo. Mas escola enorme, linda e

maravilhosa. Mas as práticas, que eu assim, tenho poucas lembranças assim realmente. Sei lá.

Assim. Por exemplo, eu escuto meu marido contando o que eram práticas de leitura e que ele

viveu. Sabe, e eu não me lembro de livros que eu li. Eu não tinha livros. Sabe. Muitos livros pra

ler. Eu lembro que eu comecei a ler livros mesmo. Na quinta série, pela escola. Mas eu sempre

gostei da escola. Mas assim. Experiências significativas mesmo. Igual excursão. Nem pensar,

jamais. E assim. Livro didático. Caderno. Giz. Cuspe e giz. E os meninos todos bonitinhos na

sala de aula. E assim. Na verdade eu tive uma escolarização regular dentro do tempo. Nunca

tomei bomba. Mas assim, as escolas eu acho que poderia ter sido muito melhor. Artes, aula de

artes. Eu questiono, nunca tive nenhuma técnica interessante. Eram umas coisas assim, faça um

desenho. Ou então fazer nada. Sabe?

E4/EM - Eu acho que comecei inclusive a me interessar pela Literatura muito mais por práticas

em casa porque, eu me lembro de uma irmã que comprou, começou a comprar livros lá pra casa.

Não tinha muitos livros lá em casa também. Mas essa minha irmã começou a comprar. Ela

comprava e lia os do Abril. Na banca. E a gente começou a ler. Começou a ler e eu fui pra esse

lado de Literatura. Eu tinha vindo pra cá pensando em fazer, sei lá Odontologia. Uma coisa

mais rentável pro futuro. Todo mundo, meu pai mesmo falava “Nó que horrível meu Deus do

céu. Por que Letras, minha filha? Sabe assim?” Mas aí fiz graduação. Trabalhei na Prefeitura.

Logo depois teve um concurso e eu passei. Entrei pra Prefeitura de BH. A- certo.

E4/EM - Eu acho que esse tempo também teve uma formação. De certa forma, né. Ainda que

não seja acadêmica. Mas, por exemplo, a Prefeitura quando eu entrei estava em plena discussão

da escola plural. Coisa assim que eu falei. Meu Deus! O quê é isso? Eu acabo de sair de uma

escola. Chego aqui encontro outra completamente diferente assim. Uma avaliação diferente. Pra

eu não dar bomba era uma coisa assim. Que isso? Pode? Isso pra mim era impossível cogitar

entendeu? A - Sim.

E4/EM - Então. Esse processo de desnaturalização da instituição escola. Na hora que eu fui

trabalhar eu já comecei a questionar muito das práticas que eu tinha vivido. Então, eu queria

fazer mestrado. E era pela Literatura. A- certo.

E4/EM – Aí comecei a dar aula na periferia e tudo. A- Você começou a dar aula em que série?

E4/EM - De quinta a oitava. Ensino médio também depois aqui em BH. Comecei a dar lá e

depois fui chamada aqui. E comecei a trabalhar com teatro em sala de aula. Com os alunos de

língua materna. Cânones literários. É trabalhei, desde sei lá, Machado de Assis a Shakespeare. E

a literatura universal também. E aí fui, entrei por uma substituição aqui na educação. Então eu

tive uma experiência docente.

A - Fale um pouco sobre o resultado desse trabalho com teatro.

E4/EM - Pois é. Bom. O resultado pra mim na época era muito bom porque eu via os meninos

atuarem um texto que a proposta do projeto era o seguinte. Eles leriam e fariam as modificações

que eles achavam pertinentes. Pra ficar uma coisa mais. Entendível mesmo Na época o que eu

queria era isso mesmo. Assim que a gente, nosso público seriam os colegas.

A- Certo. E4/EM - Então assim. A gente ia ler o texto.

A- Que também tinham lido?

E4/EM - Não. Era uma turma só. Uma turma só. O nosso grupo. No final do semestre seriam os

outros colegas da escola. Então a gente pensou a leitura a partir desse público. E como que

aquele texto seria uma forma Como que a gente podia contextualizar melhor algumas partes.

Será que a gente trocava algumas coisas da linguagem? A- Sim.

E4/EM - E aí a gente fazia isso com o texto. A gente fazia uma leitura conjunta. E na hora que

eles começavam a ler. E eu percebia que eles não estavam entendendo o que eles estavam lendo.

Eu parava e tentava mediar. A- Certo.

E4/EM - Aí eu parava e tentava explicar o que estava acontecendo naquela hora.

E4/EM - Aí muitas vezes eles traziam. Ah, então. Então vamos falar isso então desse jeito.

A- certo.

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E4/EM - Aí o texto, traduzindo digamos assim para o que eles achavam mais contextuais. E a

gente mexeu desde pronome tu e vós passaram pra vocês. Principalmente a segunda pessoa. E

algumas palavras. Sempre algumas. Muitas enunciações, expressões. Então foi esse o trabalho

da linguagem que teve. Aí eu fui fazer mestrado em cima disso. Optei pela questão da análise do

discurso mesmo, interação de Bakhtin. Só trabalhei com polifonia e questão de voz. Só, né?

Só enunciação.Significação. Termo. Fui tentando ver o que tinha acontecido com aquele texto,

né. Aí. Aí foi quando eu te falei que eu ia pra C e voltava né, amiga. Com filhinhos de três anos,

um de sete. E o coração rasgando assim.

E4/EM - A estrada ainda estava maravilhosa, estava em reforma. Quando chegava a Três

Corações o ônibus sacudia todo. Falava assim: deve ser um inferno esse lugar aqui. Mas quando

chegava lá em C era ótimo. Nossa. C eu achei muito bom.

E4/EM - Eu não me sei não sinto na USP o que eu sentia lá em C.

E4/EM - Eu me sinto muito em casa no campo. Acho que até pelo tempo que eu fiquei lá, né.

Dois anos. A- Sim.

E4/EM - Eu acho que é uma produção do pessoal da Linguística Aplicada ali. Ah, eu acho é que

eu estou falando. Puxando o saco.

E4/EM - Mas eu estou aqui. Estou super feliz de estar aqui também.

A - Isso é bom!

E4/EM - Eu estou no lugar que eu saí. Eu saí daqui e já tinha feito algumas disciplinas. E eu

tentei a prova aqui. Não passei. Passei lá. A- Entendi.

E4/EM - E eu fui, entendeu? Eu acho que se eu tivesse passado aqui eu teria ficado, mas talvez.

Sei lá. Eu acho que teria sido um percurso completamente diferente do que eu fiz.

A- Com certeza.

E4/EM - Eu não sei se seria pior, mas eu acho que sair é sempre legal. Ter um conhecer de

instituições diferentes. E eu acho que isso é importantíssimo na formação do professor. E você

tem que pensar nisso não só academicamente. O professor conhecer outros lugares. Conhecer

outras experiências.

E4/EM - Bom. Aí eu voltei pra cá. Tive o doutorado aqui. A- certo.

E4/EM - Professor Hugo Mari que me orientou.

A- Análise do Discurso?

E4/EM - Continuei na Análise do Discurso. Aí eu trabalhei. Pois é. Eu trabalhei com, como é

que chama? A- Atos de fala?

E4/EM – Não, foi com interações de professores formadores diante de questões de inclusão.

E4/EM - Gravei a interação e analisei a interação dos professores. Quer dizer. Estudei primeiro

com aluno e depois foi com professores.

E4/EM - Vai fazer vinte anos em dois mil e doze. Dezoito anos. Não é isso? A- Sim.

E4/EM - É importante que você trabalhe com graduação e Práticas de Ensino. A- sim.

E4/EM - Bom. Que função você dá a ela na formação inicial do professor? Ah depende do

curso. Dependendo do curso ela é o lugar de formação. Eu acho que até, agora aqui, por

exemplo. No curso aqui na faculdade das Letras já tem um. Um lugar estabelecido de formação.

Mas com Linguística Aplicada também. No currículo aqui das Letras. Porque eu sou professora.

Eu trabalho com o curso de graduação aqui nas Letras.

A- E aí como que se dá esse trabalho? Na sua disciplina, fala um pouco mais disso.

E4/EM - Na minha disciplina, então é na hora que eles chegam. Trabalham no memorial.

Porque eu tenho, porque eu preciso conhecer esse aluno. E a gente se conhece um pouco. E eu

trabalho no memorial também com imagens que ficaram deles das apresentações escolares. E

eles já estão pouco mais vividos. Eles chegam mais ou menos no sexto período, agora vão

chegar um pouquinho mais cedo. No início do quinto. Agora no currículo novo. A- certo.

E4/EM - O estágio tem dois anos. E nós estamos numa transição, mas o movimento é muito em

cima desse trabalho.

A- Dois anos?

E4/EM - É. Aliás, um ano e meio. Ele pode ficar ainda por causa de tempo de carga horária que

ele nunca consegue fechar. A- certo.

E4/EM - O tempo de cumprir horas em escola agora é bem maior.

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E4/EM – Então, ele pode ter esse tempo de conhecer, de refletir um pouco sobre a interação,

dentro da macro estrutura.

E4/EM - Como é que fala? Da escola.

E4/EM - Do posicionamento pedagógico e administrativo da escola.

E4/EM - Porque eu trabalho com alguns roteiros. Com portfólio, os registros escritos. E com

relatos mesmo. Trabalho de campo. A- certo.

E4/EM - Então eu tenho essa prática. Eles vão pra escola pensando já em o que eles vão pensar.

A gente tem as opções dos colégios de aplicação daqui. Ou no centro pedagógico. O que a gente

tem tentado trabalhar, assim. Então tem essa coisa de pensar um pouco aqui. Quem somos nós

aqui e depois pra onde vamos. Essa escola. Que escola é essa? Que escola é aquela? E a gente

dá liberdade. Se tiver uma escola do lado da casa dele que o receba. Porque não são todas as

escolas que recebem. E aí, vamos assim. Aí quando não recebe a gente traz pra cá. Então ele

procura. Esse primeiro momento de escola é aberto. A- certo.

E4/EM - Mas ele tem sempre esse tempo lá de conhecimento da escola. E aí depois a gente

volta de novo e pensa um pouco sobre a interação em sala de aula. Aí eles voltam. E aí já

voltam pra sala de aula especificamente mesmo, pra acompanhar. E aí vai ter esse professor aí

como parceiro. A- certo.

E4/EM - Pelo menos é o que a gente tenta construir. Porque também não é muito fácil.

A - Sim.

E4/EM - É necessário. Se bem que eu acho que eu tem andado muito, agora. E depois a gente

volta e faz o workshop ainda. Eles fazem o workshop entre eles de uma apresentação de uma

atividade relacionada ou não ao estágio, e aí encerra. E tem aquela coisa, tem aquela coisa que

você sabe de observação, de avaliação de material didático e análise do discurso dos alunos e

das apresentações. Mas assim e aí o difícil realmente é fechar. Porque tem assim o espaço do

estágio. É o espaço do tudo. Você pode fazer quase tudo que você quiser Fonética e Fonologia

ou Análise do Discurso. Vai depender muito do diálogo seu com o professor lá. Isso porque

com o professor de estágio não é fácil. Até porque você tem que saber também de fonologia. É

interessante a história de análise do discurso. Como que os alunos vão aprender.

E4/EM - É porque a gente pensa. Muitas vezes a gente pensa mais em produção textual.

E4/EM - Leitura. O que mais? Da minha disciplina? Que função você dá a ela na formação

inicial do professor.

A- O que você quiser falar. Nós estamos aqui pra ouvir.

E4/EM - É isso que eu estou falando. Depende do curso também. Mas eu acho que é

fundamental. Assim. Nessa minha disciplina a formação inicial, eu adoro pegar aqueles que

nunca tiveram em sala de aula. Porque tem uns que já deram aula particular. Se falar então que

não gosta de aula e sair daqui falando que adora dar aula pra mim é um delírio.

E4/EM - Prato cheio. Mas envolve de tudo, inclusive nas Letras até hoje não existe essa

babaquice de falar: “Ah não gosto de Literatura, não vou mexer com ensino”.

E4/EM - Mas eu adoro mexer com ensino.

E4/EM - Bom. Quais saberes seriam necessários para a atuação do professor formador? Nossa.

Pra ser formador eu acho que primeiro. Uma das primeiras questões assim que eu acho. Nessa.

Na hora de pensar nesse professor formador é uma dimensão ética, assim. Da subjetividade ao

professor eu acho que é a primeira coisa assim sem dúvida sabe. Se a gente for achando que a

gente tem que mudar ali a prática não adianta a gente pode dar exemplo, a gente pode construir

junto. Mas mudar porque aí a gente muda junto o próprio formador já vai transformando junto

com a própria prática de formação. Mas acho que a primeira coisa é pensar que aquele sujeito

ali ele tem, algumas situações que ele vai negociar algumas situações que ele vai inovar e tem

algumas situações que ele vai falar. Olha, eu também sou assim, sabe assim uma quer dizer. Eu

acho que ele pensa também numa avaliação assim porque um professor de Língua Portuguesa

sempre fala. A minha Língua Portuguesa eles estão querendo acabar com ela e aí você fala com

o professor na hora, isso é uma babaquice.

E4/EM - Isso não existe você pode até ficar aí falando isso, mas não vou falar isso com a

professora ela está lá na sala dela ensinando a língua, está sei lá. A- Essa questão do Monteiro

Lobato, agora.

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E4/EM - Essa mídia está cada dia mais forte, a mídia acha que eu ainda queria dar essa

entrevista pras grandes câmeras, acabando com essa imprensa com esse tanto de heresia

brasileira nossa está nojento, nojento e muito triste.

E4/EM - Bom agora como eu traçaria o perfil de um professor formador? Aí acho que a minha

resposta, nem precisa perguntar. A- Sei.

E4/EM - Nossa que difícil o perfil de um professor formador engraçado vamos pensar aqui.

Quando eu estava na prefeitura eu fui chamada para trabalhar na secretaria como formadora de

professores, então não sei se você está perguntando aqui só da academia ou é geral?

A- Não, do professor formador. Ele vai trabalhar ele pode trabalhar em diversas frentes o meu

foco é o da academia e eu sei onde encontrá-lo, mas se você atuou numa outra frente.

E4/EM - Eu atuei na prefeitura, agora eu tenho focado na questão de formação de professores de

língua na educação de jovens e adultos. Isso é uma coisa que eu tenho tentado. É preciso fazer a

pesquisa. A- ah sim, essa é a sua área.

E4/EM - Sabe o que acontece? Tem hora que eu acho que eu estou atirando pra algum outro

lado entendeu? E que a gente precisa ficar paradinho. Tem que focar ali porque nosso trabalho é

muito tudo é muito tudo é muito e, a gente gosta de tudo. A- Sim.

E4/EM - Então agora eu estou tentando realmente. A questão da formação inicial pontuou isso

também pra trabalhar então a gente trabalha aqui com os professores da universidade formando

professores do ensino, e aí os professores trabalham com ensino médio, com ensino e, eu estou

mais na gestão. A- Sim.

E4/EM - Na educação de jovens e adultos eu estou trabalhando uma questão mais Metodológica

mais no dia a dia acompanhando. Vai e volta. Hoje mesmo eu tenho uma reunião, é daqui a

pouco. Então eu estou pensando aí na educação de jovens e adultos.

E4/EM - Agora o perfil desse formador. A- Como você definiria um professor formador?

E4/EM - O quê que eu sou? É isso? O quê que eu estou fazendo. O quê que eu sou. Bom o perfil

de um professor formador.

E4/EM – Olha, eu não sei, se assim... Eu acho que há a necessidade é engraçado, eu fico sempre

pensando até que ponto que tem a necessidade de ir à escola pra aprender, de ter vivido, por

exemplo, o uma escola pública ou particular de ensino fundamental e médio para ser formador.

Porque tem, por exemplo, tem formador aqui que não vão à escola e, já vão direto ser

formadores. A partir das reflexões, que eu acho que hoje é até possível, porque tem o campo de

pesquisa hoje. Então voltado pras questões metodológicas mesmo. Então a sala de aula e essa

questão da interação que até é possível esse entendimento sem até ter passado, necessariamente,

por exemplo, mas é que eu acho que assim. Sem uma reflexão mesmo, sabe? Um

distanciamento, depois de uma prática. O professor formador eu acho que ele tem que ter essas

duas vivências, sabe? Dele lá professor e professor agora como pesquisador e o que é esse

professor que eu estou indo formar, sabe? E quais são as teorias que me ajudam. Quais são as

pesquisas que me ajudam.

A- Sim, essa é uma pergunta bastante ampla então você tem várias entradas, mas tem alguma

coisa que você acha essencial. É dessa essência que eu quero que você fale, entendeu? O que

pra você é fundamental.

E4/EM - ah fundamental, nisso? Você quer um cafezinho?

A- Não, obrigada. Mas era bom se você ligasse o ventilador.

E4/EM – Ventilador, ah então vou ligar, vou abrir um pouco aqui também, está abafado aqui.

E4/EM – Bom, mas acho que é isso, o professor ele tem que saber escutar e, eu acho que ele

tem que saber falar também. Ele tem que saber negociar, né? Com o professor que ele está

formando. Ele tem que saber construir, né? Como construir uma prática junto com ele. Acho

que esse perfil eu acho que é uma coisa importante. Estar sempre se atualizando, o nosso perfil

do professor formador a gente vê aqui né, desde a educação a distância, loucura né? Como

interagir com esse formando?

A- Isso nós estamos falando de licenciatura de Língua Portuguesa né. E4/EM - ah tá.

A- Um professor que vai assim pro alfabetizando, que vai ensinar a ler que vai ensinar a

escrever, como que ele é formado? Como que vocês trabalham aqui?

E4/EM - Eu não eu não trabalho com a Pedagogia, eu trabalho com a licenciatura.

A- E a Pedagogia ela ensina o quê, pro professor que vai ensinar Português?

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E4/EM - Não, ele atua na maioria das vezes como professor de primeira a quarta série.

A- Certo. E4/EM - Ele atua como professor.

E4/EM - Alfabetizador nossa fundamental e vice e versa né. O letramento a coisa do letramento

também. A- Sim.

E4/EM – Não, sem dúvida, hoje o professor que está trabalhando com o ciclo, por exemplo,

com o terceiro ciclo. A- Sim.

E4/EM - Ele não tem condição inclusive, porque os meninos que não dão conta têm que esperar.

E vai ficando na escola e ele tem que lidar com essa situação. A- Certo.

E4/EM - É eu acho que devia ser assim também. A dimensão anunciativa a dimensão da

produção textual ele tem que estar lá desde o começo. A- Concordo.

E4/EM - Ela tem porque você não fala fora de texto. E4/EM - Não, tinha que ter um diálogo

muito maior, não é? A -Sem dúvida. O que é formar um professor? E4/EM - Eu acho que se eu

conseguir colocar pelo menos um tanto de caraminhola um tanto de pergunta na cabeça dele,

esse professor de formação inicial. Eu já fico satisfeita sabe? Eu acho que ainda é uma grande

estratégia a retórica mesmo sabe fazer perguntar tentar tirar de o lugar tentar desestabilizar. Dar

alternativa de organização escolar. Sabe, não existe só uma escola no mundo igual a que a gente

trabalha. Pensar em diferentes tipos de escola, mais amplo até chegar nessa interação de

professor de língua portuguesa com o aluno, né? Acho que é isso. Se a gente da academia tem

que pensar no ideal, se a gente não pensar o ideal também, fica difícil.

A- Quem vai pensar?

E4/EM - Se a gente chover no molhado não vai dar muita graça, mas eu acho que essa questão

do texto nós temos que primeiro sai na frente, porque a gente mexe com todo mundo. Tem

muita gente hoje, por exemplo, esse trabalho que está sendo jogado onde a gente trabalha. O

trabalho de argumentação em sala de aula, de ensino de ciências, eu consigo dialogar muito com

esse professor de ciências que trabalha comigo também. Porque eu estou pensando o que é a

argumentação junto com ele, linguagem da matemática a questão dos enunciados, né? O ensino

de linguagens dialoga com todas as outras áreas.

A- lógico.

E4/EM - Então assim. Eu acho que isso aí nos ajuda a dialogar com todas as outras áreas. Então

eu acho que nessa formação. Eu estou pensando em formar esses professores eu acho necessário

também que ele pense, ele vai ser professor de português, mas ele não pode pensar só na Língua

Portuguesa ele tem que pensar, na forma de conhecimento. De metodologias de ensino

diferentes quem dera se a gente pudesse formar esses, né? Esses professores que a gente tem de

língua, em contato com todos os outros estagiários das outras áreas. A- Sim.

E4/EM – As escolas têm uns programas que acontecem em parcerias. Eu fico pensando grande,

porque eu acho que a atuação nossa é muito pequena. Você vê lá em V como é a atuação da

universidade, os programas têm algumas parcerias muito grandes do Estado, mas eu acho que a

gente queria muito mais na verdade.

A- Sem dúvida. E4/EM - Ainda falta muito. A- éh. E eu acho que a chave talvez esteja aí.

E4/EM - Então eu acho que formar é muito mais do que mostrar a amplitude, é informar até pra

ele saber o quê pode fazer em parceria, é troca.

A- Entendo.

E4/EM - E procurar depois outras possibilidades e se formar e achar que ia sair daqui formado a

gente não se forma nunca senão iria perder a graça?

A – Sim, obrigada.

Entrevista E5/MA

E5/MA – Minha educação formal, ok. Às vezes, é complicado a gente lembrar o processo

formativo desse professor pelo que eu possa é quase uma psicanálise do discurso, né? Pelo que

eu me lembro assim, ah deixa eu me concentrar. Na realidade vim com quatro, com quase cinco

anos para Belo Horizonte, eu nasci em São Paulo, e caçula com dois homens, né? Dois meninos;

para os padrões da época muito levados, principalmente meu irão mais velho, então. A gente

morava em uma casa, como era o comum e já um bairro com processo de urbanização violenta,

que era o bairro de Pinheiros em São Paulo, ali nos Jardins. Eu cresci caçula de dois irmãos. E o

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meu irmão, já bem pequeno gostava de moto, de bicicleta e, lia muito, cantava. Nós ouvíamos

ópera, porque minha mãe era louca com ópera meu pai também. Então esse irmão mais velho

era um irmão meio ídolo tanto pra mim, como pro meu irmão do meio. Talvez esse processo

formativo tenha se dado um pouco, assim do lado do avesso, eu era aluna desses dois modelos,

esses dois meninos modelos de adolescência. Talvez essa mudança, para cá, para BH, tenha sido

provocado um pouco mais essa ruptura com esses dois irmãos. Porque aí eu entrei pro jardim,

né? Então até então a minha vivência era só com a família com os irmãos, eu não me lembro de

amigas, quando pequena, até cinco anos. Mas me lembro muito depois, no jardim, então em São

Paulo não se podia pagar jardim era muito caro e também era muito difícil. E então eu me

lembro muito da minha mãe, da luta da minha mãe pra criar dois filhos levados e mais velhos e

um convívio muito com a questão da leitura. O convívio vinha tanto dos álbuns de figurinha e

também da vontade de querer ler gibis, de toda essa parte de leitura de escrita. Então com cinco

anos e meio eu praticamente já tava lendo. Eu li mais cedo que os outros dois e mais por um

desejo de querer saber o que estava nos balões também, porque eu tive uma entrada que as

minhas colegas da mesma idade não tinham. Naquela época era tabu ler gibi, ter álbum de

figurinhas, eu gostava muito de brincadeira de menino. Também quando entrei pro Jardim de

um colégio Salesiano bastante rígido é. Eu senti muito mesmo, mas eu tinha um trunfo; eu já

sabia ler muito. Então as freiras ficavam muito encantadas por eu já saber ler, só que eu tinha

que. Eu me lembro de minha mãe falava, olha você não pode dizer que conhece as histórias do

Monteiro Lobato e quando eu vejo de novo essa história de patrulhamento de um grupo que

entrou com um pedido no Conselho Nacional de Educação pra ver essa questão do preconceito

nas obras de Monteiro Lobato. Isso eu tudo me vem, fico muito impressionada com aquele

patrulhamento, que eu senti. Porque minha mãe leu pra mim, quando eu tinha seis anos

“Coração” de Edmundo d‟Alice que é uma obra italiana pesada, realista, uma história de uns

meninos num colégio. Uma obra extremamente emotiva. Enfim, porque eu via também porque

ela fazia os meus irmãos lerem, então só pra abrir um parêntese. Ela era professora formada pelo

Instituto de Educação, mas nunca trabalhou. Primeiro porque ela levava uma vida muito

apertada, ela se casou muito cedo e embora pro sul de Minas e depois pra São Paulo, e tinha

uma vida economicamente muito instável e não dava conta de trabalhar, acho que esse era o

motivo era maior.

Mas um segundo motivo é que mulher não trabalhava muito, tinha muito isso. Então

Ela era a única de uma família de sete que se formou pra professora, né? Isso era um título ao

mesmo tempo honroso, mas que na prática não resolveu muito, não, né?

Então a entrada foi muito por meio da leitura, eu acho que a entrada no campo da formação eu

aprendi a ler de realmente memorizar, fotografar as frases títulos das histórias Eu acho que foi

um processo assim.

Mas, em seguida, eu fui alfabetizada pelo método de silabação, que era o método da Lili, b+a -

ba, uva, vovô. Enfim, né?

É. Eu ficava até muito triste e tinha inveja das minhas primas, porque as minhas primas foram

alfabetizadas pelo livro da Lili: “Eu sou a Lili, eu comi muito doce, você comeu muito doce?”

Que era o livro must da época, elas estudavam em outras escolas, em outros colégios, minhas

primas aqui de Belo Horizonte. Então eu ficava muito encantada porque a minha cartilha era em

preto e branco, era muito feia e a Lili era toda colorida. A Lili era o método global. Depois teve

a era do método fônico.

Enfim, eu não consigo pensar a minha formação sem pensar na leitura e com desejosa de

entender esse sistema da escrita e de entrar nesse universo da leitura e tudo mais. Eu li mais

cedo que os outros dois e mais por desejo de saber o que estava nos balões também, porque eu

tive uma entrada que as minhas colegas da mesma idade, não tinham.

Era um pouco tabu ler gibi, ter álbum de figurinhas, o hábito de ler ficou um pouco prejudicado

pela entrada na escola, consolidou-se, mais pelo meu pai que era mais arrojado, em termos de

leitura e ele tinha pouca escolaridade, ele não tinha a escolaridade que a minha mãe tinha. Mas a

minha mãe era mais afetada pelos valores e crenças do ensino religioso. Meu pai era mais ligado

a laicidade.

Então eu sempre assim a minha trajetória, de certa forma, me levou para a escolha talvez da

licenciatura bom. Aí eu fiz todo o pré escolar, depois as quatro séries do primário, eu fiz um ano

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de admissão, porque minha mãe achava que eu tinha não que fazer aquele vestibulinho pro 5º

ano do ginásio diretamente, ela achava que precisava de mais base. Veja aí essa preocupação

também, né?

E depois da 4º série do ginásio eu declarei a minha “independência ou morte” e fiz concurso

para o Instituto de Educação e pro Colégio de Aplicação, que eram duas escolas públicas. Eu

era. Porque eu tinha um sonho de estudar em escola pública, porque meus irmãos estudaram na

escola pública e em grupos escolares, e depois que estudaram uma parte no Santo Agostinho.

Mas eu não tinha essa experiência, tinha uma experiência muito feminina. A experiência

feminina continuou, porque eu passei no Instituto e no de aplicação, fiz normal, não fiz o

clássico. E o normal era menina. Já naquela ocasião não havia aula aluno. Eu que quis o normal.

Fiquei muito balançada pelo clássico. Primeiro porque fiquei muito balançada pelo clássico. Eu

queria muito, primeiro porque fiquei muito apaixonada pelas aulas de francês da irmã Marieta,

que era uma irmã que não era muito simpática pras alunas do colégio, mas eu ficava

encantadíssima. Eu conhecia música francesa, Porque minha mãe gostava de cantar, eu cresci

entre opera, opereta, música francesa, italiana, fado português, tango argentino. Era música mais

de fossa. Só, hoje, eu reconheço tenho predileção pela Maísa. Mas Maísa era, lá em casa,

proibido, não pelo meu pai, mas mamãe falava que não era um modelo, né? Então a gente foi

privada de conhecer essa cantora maravilhosa. Enfim, tinha essa coisa de toda uma cultura de

formação de menina. Menina mulher faz isso menino homem é que faz isso, etc e tal. Eu sempre

tive certa independência em relação a isso, independência me custou meio caro no início. Eu já

dava. No primeiro ano de aplicação eu tinha 16 anos, já dava aula particular, acompanhava

“para casa” de alguns vizinhos. Eu sempre gostei de brincar de aulinha, sempre tive quadro e

giz, embora eu tivesse uma asma violenta e, isso fosse muito proibido para mim. No terceiro

ano do normal, eu fui convidada pela professora de psicologia Alicia Ribeiro a integrar uma

escola que um grupo estava criando em BH. O IMPAE Instituto Mineiro de Psicopedagogia

Aplicada à Educação. Foi uma fase A. em que a. o problema da escola. A gente estava vivendo

já quase aquela transição para 5692, tá? Da passagem de quatro anos obrigatórios a carga do

estado para oito anos, a extensão do fundamental para oito anos obrigatórios. Foi época do

bumm em relação às escolas que se abriram com o apoio filiado, conveniados com o apoio do

INPS ou depois o INSS em que os meninos eu fracassavam na escola eram considerados

meninos com problemas de aprendizagem ligados a algumas dificuldades de escrita disgrafia,

dislexia, ou a problemas de fala dislalia. Nós não trabalhávamos cm nenhuma afasia, nessa

escola, pelo menos quando comecei a trabalhar. Logo que me formei, em dezembro e em

fevereiro eu tava trabalhando nessa escola a convite dessa professora. Então eram turmas

pequenas e tínhamos que trabalhar questões de dificuldade de aprendizagem, aí eu comecei a ler

muito sobre esse tema. Ou seja, eu vivi toda mudança de paradigma, a questão da dificuldade de

aprendizagem, não estava na escola, na família, nem era de âmbito social ou cultural, mas era

um a questão muito mais psicológica, muito mais cognitiva da criança, quase biofisiológica da

criança. Então trabalhávamos, preparávamos todo o método, comecei a ler sobre os métodos e aí

nós realfabetizávamos. Ensinávamos estudos sociais ciências, eu trabalhei como o 1° ano era

um 1º ano que atendia a crianças mais velhas, a seriação não era tão certinha, sabe?Então já

entrei na escola. Eu vivi uma experiência anterior no infantil, ainda no Normal, que eu não

disse, era uma escola no bairro de Lourdes, era uma escola pequena também. Eu trabalhei com

crianças muito pequenas de quatro anos. Trabalhei alguns meses nessa escola, depois, ainda sem

carteira assinada, depois fomos pro IMPAE. Antes de iniciar o IMPAE, logo que veio o convite,

nós começamos a fazer um curso com essa professora, com essa psicóloga, Era o método fônico

que ia resolver os problemas. Os meninos tinham muitos problemas porque o método não

supria, eles não acompanhavam, eram meninos desconcentrados, eles eram o que hoje a gente

chama déficit de atenção. Eles iam inventar uma patologia para eles. Foi época da patololização

da escola. A Magda Soares fala muito bem isso naquele livro Linguagem e Escola, naquele livro

de capa vermelha dela. Eu me reconheço muito naquele relato dela. Então a minha entrada na

escola com profissional se deu por essa porta. Eram aquelas escolas que atendiam crianças, que

na escola regular não aprendiam de certa forma não havia resultados. Então eles vinham

encaminhados e, a escola era cara, pra quem não vinha via INSS. O Estado, o governo já arcava

com esse encaminhamento, então houve um número enorme de abertura de escolas em Belo

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Horizonte. Tinha como profissionais professores de ensino fundamental, a gente dizia professor

primário, ainda pelo menos até meados de 70. As crianças vinham com a auto-estima bem

marcada, elas percebiam que eram diferentes, por mais que a gente tivesse uma escola bonita,

com cartazes, colorida. Tentávamos fazer o mais próximo da escola regular, elas criaram pra

elas esse rótulo de crianças problemáticas. E os pais também vinham com a história de vítima,

sabe? Eles eram vitimizados naquela relação. E vinha com histórias muito tristes, também do

fato de a escola regular não ter dado conta, ou de a criança ter sido humilhada. Enfim, nós

tentávamos fazer um ambiente próximo da regularidade.

Mas aí, A, eu fiquei nessa escola continuei trabalhando até fiz uma viagem à França, uma

loucura de uma viagem pra conhecer melhor o método. E fui ao Rio também, pra conhecer o

método fônico. Nesse período eu li muito acerca de como as crianças aprendem, na época eu li

Peaget. E aí eu trabalhei com o método fônico porque, tudo a gente achava que tinha que tornar

concreto pra criança. Tentei Psicologia aqui na PUC, passei e passei no mais difícil. Para fazer

Psicologia, tinha que fazer um laudo psicológico e, eu passei. Mas me esqueci de dizer que eu

formei em dezembro e, passei em Letras, mas eu queria fazer jornalismo, na última hora me

inscrevi pra Letras, em fevereiro eu enfim. Então eu ficava muito em conflito entre o que eu

fazia no IMPAE, muito ligado à Psicologia da Linguagem e o que eu já estava aprendendo na

Linguística, Fonética, Fonologia, Filologia mesmo, aqui, depois da ditadura. Eu comecei com

uma Linguística super gerativa da gramática gerativa, eu tive um semestre como o professor Zé

Lourenço de Oliveira e depois, já entrei na Linguística de corpus com Eunice Pontes e Perini.

Então eu peguei toda a mudança de paradigma do curso de Letras, mudança de currículo, aquela

confusão. Eu fiquei completamente apaixonada por Humberto Eco, um uma obra aberta era

muito leitora de Literatura, mas a linguística de corpora respondia um pouco o que eu vivia em

sala de aula com os meus meninos, sabe? Enfim. Fiquei uma fase sem saber o que fazer. Resolvi

não fazer psicologia. Abandonei a Psicologia porque ficava muito caro pra mim. Eu ia ficar

muito apertada estudava à tarde, trabalhava à noite e preparava aula e tudo mais. Eu me casei e

fui trabalhar no Rio, e nesse meio tempo, eu fiz, concomitantemente, no final do curso de

Letras, eu fiz uma loucura, eu aceitei trabalhar no Pica-pau Amarelo, que tinha uma proposta

toda avançada, e lá a gente trabalhava com o método global, porque eu levava o meu

conhecimento. Porque a diretora sabia do nosso trabalho no IMPAE, ela tava muito preocupada

com as dificuldades das crianças uma professora que conhecesse um pouco mais o processo de

aprendizagem e que não ficasse preocupada com provas e tudo mais.

Eu tive uma experiência bastante positiva. Um ano eu trabalhei no Pica-pau Amarelo. Eu fiz

meu método, eu peguei o Barquinho Amarelo eu trabalhei com o método fônico. Porque eles

trocavam muito as consoantes surda e sonora, era total imaturidade. Não se podia dizer que

eram desléxicos. Em pouco tempo eu provei que era uma questão do método, de certa forma eu

desconstruí a necessidade daquela escola. E comecei a não ser legal para aquela escola. Não

havia problema era uma questão de tempo e de processo. Depois acabei indo para o Rio, fiz

concurso pro município, acabei trabalhando com 5º a 8º, dei algumas aulas de francês. Mas

fiquei no Rio entre criar filhos e trabalhando em várias escolas, trabalhei na Dutra, a 25 km do

Rio, trabalhei onde é hoje o Morro do alemão, trabalhei em Copacabana, Botafogo, Laranjeiras.

Eu já tinha sete anos de Rio, quando voltei para Belo Horizonte, com muita experiência de sala

de aula, experiência com turmas grandes, já numa perspectiva de uma escola se abrindo para

uma democratização. Eu já não lidava mais com alunos de Pica-pau amarelo, de certa forma

eram filhos de intelectuais. E ao mesmo tempo, eu vinha de experiência de escola pública no

Rio muito importante para minha vida. Eu não tive condições de fazer mestrado, eu tinha

criança doente, enfim. Mas eu procurava sempre ler, sempre acompanhava o que estava

acontecendo. Voltando pra Belo Horizonte, eu tive que repensar a minha vida. Primeiro, porque

eu queria voltando para junto da família, eu pensei em voltar a estudar. Nós éramos uma turma

pequena, nós éramos 13 alunos, era francês/português, o francês não se consolidava como uma

língua ensinada na escola, o inglês ocupou posição a grande maioria estava envolvida com a

pesquisa e interessante o perfil da nossa turma. Eu tinha uma experiência com Língua

Portuguesa, trabalhei no Barreiro. Depois fiz concurso para a prefeitura e para o estado. E na

rede municipal eu fiz uma carreira, eu só pegava turma de 5º série, e a 5º série me possibilitava

trabalhar com a leitura do modo como já pensava em trabalhar. Eu sempre produzi meu material

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didático, eu nunca fui muito porque eu questionava muito os livros didáticos, com exceção do

livro da Magda, a coleção. E mesmo assim eu questionava algumas questões do livro da Magda.

Eu tinha um grande interesse pelas questões de leitura e de produção de texto, eu lia muito sobre

Frenet Contexto livre, elaboração do Jornal, Eu sempre li muito, assinava uma revista francesa

Langue francese aujourd’hui. Eu tinha muita coisa, eu tinha construído no ensino de língua

francesa que era técnica absolutamente discursiva, eu queria trazer, eu trazia para a sala de aula.

Eu enfrentei dificuldades porque o corpo de professores não é aberto, às vezes, para algumas

modificações. É muito mais fácil trabalhar com o modelo tradicional de livros e gramáticas,

com provas de múltipla escolha, estudo dirigido, saber elaborar questões de V ou F. Como

sempre tinha uma que gostava. Eu me envolvia muito em fazer projetos voltados para a gente

chamou de clube do livro. E a gente fazia festa, bingo, quando a diretora era legal, a própria

diretora comprava 10, 15 livros do mesmo título, fizemos uma sala de leitura que saiu na Nova

Escola, nosso trabalho era reconhecido em toda a rede municipal. Os alunos liam uma média de

quatro livros por mês, então foi a época daquelas editoras como a Ática, Scipione, a própria

Editora do Brasil, a FTD, a Lê, foi muito importante a consolidação desse projeto também.

Então foram formados leitores absolutamente apaixonados, numa escola pública, filhos de

tecelões que trabalhavam na Cachoeirinha, um tempo muito significativo na minha vida. Ao

mesmo tempo comecei o mestrado na FAE, depois que já tínhamos dois anos de Belo

Horizonte, que nós tínhamos voltado. Eu sempre optei pelo curso noturno, cuidava das crianças

de manhã, né? Acompanhar um pouco a vida deles e porque a gente não conseguia vaga de dia.

E meu primeiro interesse era pelo ensino de língua materna, no noturno. Escrevi dois capítulos,

cheguei a coletar dados, minha orientadora era a Magda, mas não era isso que eu queria.

Também por outros motivos, como doença na família, acabei desistindo. Fiquei pensando.

Coordenei oficinas do CAP leitura e produção de texto. Nós fundamos o CAP em 91 cm a

secretária Maria Lisboa, embora soubesse que nós éramos do PT, de certa forma era muito

aberta, o lado bom do PSDB, daquela época, antes de se tornar o que se tornou hoje. Ela nos

deixou com muito espaço para gerir esse grupo que estava pensando as áreas de leitura e escrita.

Foi nessa época que descobri que não era a área em que eu queria ficar. Você tem que voltar

para a questão linguageira, embora a faculdade de educação tenha sido essencial na minha

formação como profissional. Todas as aulas que tive ali com a Magda, com Nelson Rodrigues,

com Miguel Arrojo.

E aí eu depois do CAP, ainda no CAP. Eu queria muito fazer o mestrado. Eu encontrava com

dona Ângela e ela sempre dizia: o mestrado vai começar em Língua Portuguesa, já havia em

Literatura na PUC, e eu dizia que tinham que fazer um mestrado que eu pudesse cuidar de

menino, de casa, eu não vou conseguir licença. E aí teve um concurso no CEFETE, havia uma

vaga e eu doidamente fiz o concurso, os dois primeiros lugares eram destinados a ex professores

infelizmente, e eu fiquei com o 3º lugar. E acabei sendo chamada e acabei indo para uma escola

técnica de educação tecnológica. Fiquei muito impressionada de ver como é que a gramática

tradicional era forte e como a concepção de língua e de linguagem, que eu já conhecia pela

leitura de publicações Geraldi, do Ilari, enfim, depois veio a se tornar o grupo da UNICAMP e

depois a própria publicação do livro da Costa Val. Então o conhecimento da linguística textual

me abriu um campo e eu me agarrei naquela linguística textual. Tinha uma coordenadora de

Língua Portuguesa avessa a qualquer mudança de paradigma e a figura dela era muito forte.

Mas aos poucos fomos trabalhando, e foi muito interessante porque a outra pessoa que foi

aprovada também, junto com outros professores foi modificando algumas coisas. Era difícil pra

mim compreender e aceitar um professor de Português, um de redação, outro de Literatura, eu

não entendia aquela divisão.

Nesse meio tempo, fiz mestrado na PUC em Linguística e Língua Portuguesa e pelas mãos do

Milton eu vislumbrei outro panorama na minha vida. E resolvi trabalhar com a Linguística da

enunciação e vieram muitas leituras, nesse momento eu ainda tinha muitas turmas. Eu ainda

estava no CEFETE. E houve um concurso na PUC para adjunto III, me parece, não me lembro

muito em qual categoria, E eu me inscrevi. É preciso dizer que as coisas não são assim lineares,

numa linha do tempo.

É claro que nessa linha do tempo, eu tive outras experiências, né? Eu tive experiência de

elaboração do livro didático em 98 e 99 antes de vir para aqui, como duas colegas, leituras de

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um tempo, em que nós pudemos realizar um sonho antigo, por em prática um material didático

pedagógico do jeito que a gente acha que deve ser. Pegamos vinte e oito crônicas de Antônio

Barreto publicadas no Estado de Minas. Nós pensávamos aquele material para o que é hoje o

EJA, o que é supletivo, pensávamos também num curso de produção de texto. Surgiu de um

sonho de uma espontaneidade de três professoras, um dia eu acordei e tinha um telefonema

dizendo que a gente tinha ganho um Prêmio Jabuti. Eu tinha acabado de entrar aqui e, recebi o

Prêmio Jabuti. E nós depois recebemos convites de editoras. E também pela mão amicíssima do

professor Marcuschi, que foi nosso apresentador do livro, um grande incentivador. Nós

começamos a escrever a escrever de modo mais organizado os quatro volumes de 5º a 8º, na

ocasião o Para ler o mundo, nós ficamos na Formato que comprou a Lê, a Saraiva comprou a

Formato, o grupo Abril comprou a Ática, esse mundo editorial eu não acompanho muito, nós

três.

Mas o material foi muito em avaliado pelo PNLD pelos pareceristas, duas vezes que ele já o

reformulamos. Desde 91 ele nos dá possibilidade de ir ao interior ao encontro de professores

com capacitação de professores. Vejo o professor formador essencialmente como um professor

agente de letramento, completamente imerso, comprometido com leitura e escrita. Não consigo

imaginar a não ser desse ponto de vista. Quando vejo os alunos saindo pro mestrado,

principalmente, quando muito jovens, eu fico assim, não sei se é uma visão muito pragmática

minha. Não acho que necessitam ter uma experiência de sala de aula, mas uma experiência de

interação de linguagem ou numa empresa, mas trabalhando com interações verbais, numa outra

instituição formadora.

Sabe o que eu penso eu não consigo me imaginar como orientadora de estágio aqui, eu tenho

núcleo I II e III, sem o meu olhar de professora da educação básica, eu não consigo entender. E

ao mesmo tempo, não sei. É belíssima a experiência com estágio, é super cansativa, pois você

tem de orientar de fato e estar em estreita interação com a escola. A maioria está fazendo estágio

em escola pública e em escolas particulares que também é muito bom. Que não são as top de

linha, que também são boas devido à heterogeneidade, outros problemas, a heterogeneidade do

alunado, novas composições familiares, os novos textos, novas possibilidades de leituras. Ser

orientador de campo de estágio é um desfio a todo o momento é um lugar, onde se aprende

muito. E essas disciplinas para os alunos tão importantes como as outras. Embora muitas vezes,

no próprio curso, né? Acham que não. Não é o caso do nosso curso, no nosso projeto tem lugar

bem mais honroso, não é a toa que se chama núcleo de interseção. Eu costumo brincar com os

alunos. A problematização é sempre voltada para a atuação e intervenção para o profissional

bacharel como para a formação do professor.

Quanto ao perfil do professor. Olha não que eu tenha um perfil de professor formador, eu acho

que nós todos somos professores formadores, eu me formo no outro com quem eu converso o

tempo todo, em quem eu me projeto, isso é espetacular funciono como um espelho pra ele

também, ou não. É mas eu acho que tem algumas particularidades importantes já que você pediu

pra verbalizar. Eu acho que é, sobretudo, ter uma visão cultural bastante ampliada, sabe? De

conhecer do ponto de vista das culturas plurais, como nós somos determinados pelas nossas

culturas no sentido bem amplo mesmo, não só culturais de manifestações de um povo, não

somente pela obra prestigiada. Mas as várias manifestações que estão a todo o momento que nos

interpelam, eu acham que a partir do momento que você tem uma visão de contexto também

muito ampliada, nós temos que fazer esse mergulho. Isso deveria ser o cotidiano do professor,

ele tem de agir. Acho que hoje temos mais possibilidades. Precisamos conhecer o que os alunos

escutam, do que eles gostam é muito interessante. É temos que fazer esse mergulho, claro que

temos que fazer um intensivão, isso deveria ser cotidiano do professor. Ser um pouco mais

agente, porque aí você é capaz de fazer a ponte entre o clássico, o dito clássico e a cultura do hip

hop, por exemplo, ou com o folclore. Além disso, eu acho que se ele tiver essa visão

multicultural, ele com certeza e a escola, as escolas, eu não falo de uma em particular, ideal.

Falo de escolas, de escola com todo seu contexto, ao mesmo tempo, essa leitura tem que ser

feita na reflexão, no que tem de novo, no que existe e que possa continuar alimentado esse

olhar via mediação formativa. Como eu vou didatizar, tem que conhecer profundamente os

processos de formação do sujeito social cultural histórico, biológico. Então isso passa pela

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Antropologia, pela Sociologia, Biologia, História, pelo multiculturalismo. Eu não sou “abaixo a

didática‟.

Entrevista E6/EC

A- Eu gostaria que você me contasse um pouco sobre sua formação acadêmica profissional e se

possível a sua primeira escola.

E6/EC - Vamos lá, né? Na verdade eu sou formado em Letras.

A- Vamos lá. E6/EC - Lá na infância?

A- É quando você nasceu assim rapidamente.

E6/EC - Ah você quer saber minha formação como aluno, ah então deixa voltar. Eu nasci em

setenta e oito na cidade de Recife. Olinda. A minha formação ela se deu sempre em escola

particular ensino fundamental um e dois na escola do bairro, a mesma escola onde eu estudei

praticamente durante oito ou nove anos na mesma escola. Quando entro no Orkut tem lá a

comunidade da escola e aí voltam às memórias. Então fui aluno dessa escola né? Que é uma

escola de bairro tradicional, mas de bairro em que eu fiz todo o meu ensino fundamental um e

dois nessa escola e no ensino médio eu fui morar na Alemanha. Então a minha mãe casou com

um alemão e foi fazer um curso lá de artes plásticas e, aí meu ensino médio eu fiz na Alemanha.

E quando eu retornei, fui fazer o curso de Letras pra justamente tentar aprender língua

estrangeira. Porque a minha entrada no curso de Letras não se deu via língua materna. Eu

procurei o curso de Letras. Éh para estudar língua estrangeira para estudar especificamente

Alemão e Inglês, porque a minha mãe como ela morou vários anos na Alemanha. Na realidade

quase dezoito anos.

A- certo.

E6/EC - Então eu ainda tinha a intenção de voltar pra Alemanha pra trabalhar com o Português

pra estrangeiros, ou com Alemão. Então quer dizer isso era ainda uma possibilidade.

E6/EC - Eu morei numa cidade chamada Chafinbourg durante três anos que é justamente o

período que eu fiz o ensino médio, na Alemanha e, aí eu voltei pro Brasil, porque na Alemanha

eu não conseguia fazer universidade para formação de professores. Na realidade a pergunta é

como é que você se tornou professor? Eu diria que nas brincadeiras. Tanto que no memorial pra

entrar na universidade eu retornei ao Vygotsky pra discutir como é que eu brincando de escola,

né. Então na realidade eu tenho uma desde a primeira série, né. Na primeira série, eu me lembro

de cenas de eu brincando de escola talvez o mais forte pra mim é o brincar de ser professor. A-

certo.

E6/EC - Então eu brincava de ser professor com meus bonecos. Todos os meus bonecos. Carro,

xampu, perfume todos tinham nomes. E foram brincadeiras de quase oito anos, assim. Eu

lembro que eu brinquei de ser professor até grande assim doze treze anos eu ainda brincava de

ensinar. No memorial eu contava essa história porque eu achava muito interessante. Como eu

era o professor dos bonecos, que eu iria dando aula com livros didáticos tinham provas.

E6/EC - É eu tenho isso tudo lá em Recife em pastas, cadernetas. Comecei a fazer chamada. a

dar notas. Cada um tinha um boletim. Fazia diário de classe tudo. Eu não quero pesquisar mas

um dia alguém vai pesquisar a brincadeira de ser professor, aí eu pedi um quadro negro com dez

anos de idade ganhei um quadro pra brincar eu tinha giz e comecei a ser professor de bairro,

isso aí com o que? Com quatorze treze anos de crianças menores. Então eu queria ganhar um

dinheiro e então eu falei olha eu vou abrir uma escola no bairro de reforço chamava aula de

reforço, então alguém batia na porta, principalmente, no final de ano dizendo olha o meu filho...

A- Sempre trabalhando com o ensino de língua?

E6/EC - Sempre, na aula de reforço era tudo.

E6/EC - Tudo que era da docência tudo, tudo. “Ah meu filho está com dificuldade em Inglês aí

eu ia lá e dava uma aula. Ah meu filho está com dificuldade de desenho geométrico”. E aí eu

tinha esse quadro esse quadro ficava numa sala no terraço na minha casa e essas crianças elas

tinham um horário. Então eu diria que foi meu primeiro trabalho como professor não foi na

escola. Foi na brincadeira. Claro eu teria participação como aluno. Mas eu diria que era na

brincadeira que eu me via ali como professor, então eu brincava muito de escola muito mesmo.

Então era quase que diariamente é, e depois eu diria que essa brincadeira, por gostar de escola e

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por. Éh ter talvez alguns vizinhos que começavam a brincar também então meio que algumas

mães começaram a indicar os filhos pra fazerem aula de reforço.

A- E profissionalmente?

E6/EC - É aí eu vou te contar. Então a gente tava lá na aula de reforço. Aí eu já considero essa

aula de reforço profissional porque eu recebia né? Na realidade era uma quantia, dez reais, ou

quinze, ou vinte, mas essas crianças elas tinham. E aí eu comecei com uma ou duas eu atendia.

Cheguei a atender na realidade eu acho que assim umas seis ou sete crianças diariamente.

A - É verdade?

E6/EC - E aí começou a transição que se deu da seguinte forma, eu comecei com essas aulas de

reforço tive que as interromper pra poder ir à Alemanha pra estudar. No ensino médio minha

mãe fez uma convocação pai e filho e, eu não queria ir por várias razões, mas tive que ir e

estudei lá por três anos. Então neste período, eu já continuei com a vontade de ser professor,

com o desejo de trabalhar. Isso já tinha sido uma decisão e o interesse então foi para a área de

língua estrangeira porque eu estava num país estrangeiro. Estava aprendendo língua estrangeira

e então comecei a fazer curso de Italiano porque eu morava perto de um italiano. Então eu fazia

curso de estrangeiro pra Alemão e Inglês na escola e tinha contato com turcos. Então tinha a

questão da língua né. A questão da língua começou a ser muito forte e me encantar e fiquei

interessado só que ao terminar o curso de ensino médio, a Alemanha não me oferecia o curso de

formação de professores, né? Eu não tinha domínio da língua. Eu tinha questões de escrita, quer

dizer, eu era um estrangeiro três anos num país, quer dizer, não tinha como fazer o sistema

universitário alemão é super fechado. As crianças são selecionadas desde a quarta série pra

seguir a carreira universitária. Então estava praticamente assim imposto que universidade não. O

estrangeiro poderia fazer outros cursos e como a gente tinha uma disciplina chamada estudo do

trabalho né. Eu tinha que escolher já uma profissão no ensino médio pra fazer estágio pra poder

conhecer mais e a escola acabou optando por trabalhar em revista de viagem. Aeroporto por

conta dessa facilidade de línguas. Resumindo, volto para o Brasil, não quis ficar. Esse foi o

motivo porque eu queria fazer universidade, fui criado nessa cultura aqui do ensino superior.

Então eu volto para o Brasil para fazer um curso de formação de professores em língua

estrangeira. No início eu queria estudar Português pra retornar para a Alemanha para ser um

professor de Português para estrangeiros. Esse era um. Vamos dizer desejo pra esse momento da

minha vida. A- Quantos anos você tinha?

E6/EC - Dezoito anos. E aí comecei, ao retornar da Alemanha não tinha trabalho. Aí eu comecei

a dar aulas de Língua Estrangeira. Então eu tinha uma amiga que ensinava Francês e Espanhol e

eu falei então, olha Gisele você ensina Francês e Espanhol e eu ensino Alemão, Inglês e Italiano

aí eu ganhei vamos dizer um segundo momento de experiência profissional antes do curso de

Letras. Porque nós abrimos esse cursinho de idiomas. Era o mesmo quadro negro das aulas de

reforço no bairro de periferia de Olinda chamado Rio Doce. E aí eu coloquei no jornal professor

de alemão como tem muito interesse pela língua alemã por inúmeras questões desde a

prostituição até por conta de então eu tinha alunos diversos. Tinha alunas que queriam casar

com alemão e precisavam ir pra Alemanha. Eu tinha alunos que faziam música então eles

queriam aprender porque estavam no curso de música e a língua alemã era importante. E tinham

outras pessoas com outros interesses então é um local onde a língua alemã. Ela funciona em

algumas situações né, seja por conta do dinheiro seja por conta da prostituição. Por conta dessa

ida pra Alemanha via casamento. Então isso é um contexto de trabalho também de ir à casa das

pessoas dar aula de italiano, alemão e inglês também. E foi quando eu fiz o vestibular pra Letras

e fiz licenciatura Portuguesa e Inglesa e comecei o curso de letras sendo que o curso de Inglês.

O curso de língua inglesa ele era voltado pra proficiência da língua e em nenhum momento eu

tinha disciplina sobre ensino. Então eu fiz Inglês e Literaturas Inglesas e então o ensino que era

minha paixão desde a brincadeira eu não conseguia encontrar aquele ensino na disciplina de

Inglês. A disciplina de Literatura nunca nem abriu a boca pra falar de escola nem de ensino nem

de nada de escola nem parecia que estava formando professor. Então também não me encontrei

naquelas disciplinas de Literatura. Então eu fiz todas, mas não me encontrava ali já como um

aluno com experiência. Eu tinha um foco que era esse. Então as disciplinas que eu tive na

graduação que discutiam o ensino eram as disciplinas de língua Portuguesa né. E eu tive a

oportunidade também de estudar com pessoas. Eu fiz na Universidade Federal de Pernambuco

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num momento em que a Universidade Federal de Pernambuco estava revendo o repensar porque

os parâmetros curriculares nacionais foram tinham acabado de ser publicados. Então quem eu

tinha? Professora Lívia Suassuna eu tinha Luís Antônio Marcuschi a professora Beth

Marcuschi. Ângela Dionísio, Dóris Arruda, Márcia Mendonça. Então uma equipe de professores

envolvidos tanto na análise crítica dos PCNs. Quanto na avaliação do livro didático. Eles não

falavam pra gente, mas todos ali estavam de alguma forma envolvida no PLD que é outro

programa também que começou naquele momento.

A- Em que ano foi isso? E6/EC - Em noventa e oito.

E6/EC - É, comecei o curso de Letras em noventa e oito e eu peguei esse movimento. Peguei

também o movimento dos gêneros porque a primeira publicação de Ângela Dionísio com o

livro. Sobre o livro didático em dois mil. depois publicou um sobre gêneros e eu peguei a

graduação nesse período efervescente da UFPE pensando no ensino seja via gêneros seja via

livro didático. E o que é que isso refletiu na minha formação? Refletiu que em todas as

disciplinas que eu tive três português, quatro português, cinco português oito em linguística

principalmente as três que foi ministrada pelo professor Luis Antônio Marcuschi todas elas. A-

Ótimo.

E6/EC - Todas elas tocavam na escola. Eu diria principalmente via, ou para curricular né.

Currículo prescrito, ou livro didático. Claro, né que muitos falavam isso em sala de aula. Muitos

nem sempre em sala de aula, mas as disciplinas de Morfologia de Sintaxe de Linguística

Textual elas tinham como trabalho, ou inicial, ou final da disciplina. Analisar os parâmetros,

analisar o livro didático e, aí fui me apaixonando pela escola pelo ensino nessas disciplinas. E ai

eu falei então é aqui que eu quero ficar. Essa foi uma decisão. E aí eu abandonei então a idéia da

língua estrangeira e me formei em português inglês. Tive experiência continuei ensinando

inglês. Até pra sobreviver porque a carga horária era possível pegar vários trabalhos menores,

porque a carga horária era menor de ensino de inglês então eu poderia, por exemplo, fazer o

curso de graduação e trabalhar aos sábados. Então eu comecei a lecionar em cursinhos. CCAA

cursinhos de idiomas. Tive experiências também numa escola técnica regional que é um curso

de turismo.

A- Aí entra em conflito.

E6/EC - Aí entra em conflito língua estrangeira com língua materna e continuei com aulas

particulares porque eu precisava sobreviver. Então a aula particular de língua estrangeira era a

aula que eu poderia fazer a noite enquanto a disciplina de língua portuguesa as escolas

contratavam, mas a disciplina tinha uma carga horária maior então era praticamente um

professor que teria que ficar na escola no turno da manhã no turno da tarde trabalhando.

Consegui. Então assim. Mesmo na graduação eu consegui um estágio remunerado pra trabalhar

em escola pequena que foi a minha primeira escola que eu ensinei Língua Portuguesa, né? Que

é uma escola de quinta a oitava série. Chamava colégio Real então eu tinha turmas. Tinha uma

turma de quinta uma turma de sexta uma turma de sétima e uma turma de oitava.

A- E esse ensinar Língua Portuguesa nesse momento com toda essa crítica que você vinha

trazendo. A- Como é que se deu?

E6/EC - Se deu no contexto que a escola não tinha material didático ela pedia que o professor

fizesse a sua apostila então como eu estava estudando o livro didático na graduação isso acabou

até eu fiz até um artigo. O meu primeiro artigo que eu fiz era sobre isso. Porque as escolas de

Olinda adotam apostila e não o livro didático. Aí eu até fiz uma categorização pra falar daquela

minha situação de trabalho que era um professor que tinha que fazer uma apostila. É claro que

eu tive que ler muitos livros didáticos pra fazer meu material e as minhas aulas. E essas aulas

que eu fiz e, que ministrei dialogavam de várias maneiras com a graduação. Eu lembro até do

concurso. Um pequeno concurso pra essa vaga e eles tinham um texto que era. A menina no

país da gramática. E depois que eu li com a professora Ângela Dionísio na disciplina de

Morfologia porque tinha essa preocupação. Então a Ângela Dionísio utilizava a Literatura

Infantil e propagandas e outros e outros e outros textos pra gente pensar como é que aquela.

Como é que aquele processo de formação de palavras aquelas classes de palavras e tudo aquilo

ali poderia ser relacionado com a sala de aula. Mesmo com a disciplina que eu fiz de português

histórico com a professora Nair Carvalho fui em tanta sala de aula, porque ela ia mostrando,

estudando a linguística românica. E a propaganda e os neologismos e os estrangeirismos. Como

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aquilo tudo tinha a ver com a língua que seria trabalhada em sala de aula. Então isso foi um

ganho. Assim, na minha formação universitária, né. Porque tem professores na área de língua

portuguesa que apostavam em aulas que tocavam no ensino.

A- Especial.

E6/EC - Especial. Então resumindo eu tinha experiência na universidade eu tinha experiência na

língua estrangeira nesses cursos que eu passei e em língua materna a minha experiência

começou com as aulas de reforço. A primeira contratação foi no Colégio Real com turmas de

quinta sexta sétima e oitava durante um ano. Mas aí veio o convite da professora Dóris pra ser

bolsista de iniciação científica e aí eu tive que sair da escola e fui fazer uma iniciação científica

que começou em noventa e nove. E aí até o final da minha graduação eu não pude retornar a

sala de aula de língua materna porque eu era bolsista de iniciação científica. Então a minha

experiência acabou sendo mais forte em língua estrangeira durante a graduação, porque era o

momento que eu conseguia. Eu fazia no período da manhã, fazia minha bolsa de iniciação, à

tarde aula e a noite trabalhava como professor de língua estrangeira aos sábados. A- certo.

E6/EC - Isso sem poder, mas não eu tinha filhos eu não tinha família não tinha ninguém pra

pagar nada então era assim. Era bolsa faculdade.

A- E a universidade. Quando você chegou lá como professor?

E6/EC - Então aí vem o todo nada linear, né?

E6/EC - As coisas não são assim a gente vai tentando. Então quando eu cheguei na

universidade. Outra experiência que eu tive. Eu vou só voltar pra poder contextualizar melhor. o

que aconteceu quando eu terminei a graduação quer dizer a minha bolsa terminou num período

que eu não podia renovar e eu não tinha terminado ainda a graduação. O curso de graduação por

conta das greves. Então a minha bolsa ela termina em junho de 2001. Sendo que a minha

graduação ela vai até o final de 2002 porque as federais tiveram várias greves de noventa e nove

até esse período então eu não consegui formar em quatro anos por conta da greve que estendeu

o semestre mais pra frente. e aí eu fiquei desempregado porque a bolsa acabou eu não tinha

escola e aí a professora Márcia Mendonça que eu tinha estudado com ela na disciplina de

sintaxe e que tinha me proporcionado uma primeira publicação minha de um artigo me

convidou para um evento em Campina Grande pra falar de livro didático e de todo esse trabalho

de apostilas que eu apresentei no COLI. No Congresso Brasileiro de Leitura. Então eu já estava

também dividido na iniciação científica, porque eu fazia uma iniciação científica na análise do

discurso. a minha iniciação científica era sobre o processo da meta iniciação em gêneros

diversos. E apesar de ter aprendido muito eu não estava realizado porque eu estava discutindo

um projeto da professora Dóris que eu aprendi muito, mas não era o meu desejo de pesquisa. A-

Sim.

E6/EC - Então eu fazia paralelamente. Então eu frequentava os congressos de Linguística, por

exemplo, eu conheci aqui na Federal do Ceará justamente no congresso do GEO e da

ABRALIN apresentando. Apresentei um pôster foi o primeiro pôster que eu apresentei que me

deu iniciação em entrevistas orais e escritas então eu fazia a atividade de iniciação científica

com um corpus. Analisei estilo, autoria, estilo recortado e paralelo. Eu tinha pesquisas sobre o

livro didático. Orientadas pela Márcia Mendonça. Daí eu participava do COLI e aí, eu encontrei

outras pessoas. Foi uma apresentação do COLI sobre o trabalho das apostilas que eu fiz logo no

início da graduação ela me chamou, “vem cá menino tá fazendo o quê? Vem pra cá termina e

vem fazer seu mestrado aqui em São Paulo”. E aí eu comecei, foi nesse movimento de conversar

de COLI que eu me encontrei. Comecei a descobrir uma disciplina chamada linguística aplicada

porque essa palavra no curso ninguém nunca falou. Eu nunca tive uma disciplina de linguística

aplicada apesar de no curso ter o professor Matos que é um dos primeiros de linguística aplicada

ser do departamento. Eu nunca tive esse nome de linguística aplicada nem no ensino de língua

estrangeira nem no ensino de língua materna. Eu tinha linguística aplicada assim. Linguística no

ensino, mas o nome linguística aplicada ele era novo. E claro que eu descobri isso já no final do

curso nesses congressos do COLI. A Roxane me convidou para apresentar no IMPLA. Então

era um momento assim. Eu era um aluno da graduação. Pra você ter uma idéia eu fui convidado

pela Roxane Rojo e pela professora Maria da Graça Costa Val para ser debatedor em um

simpósio sobre o livro didático. A- Ótimo.

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E6/EC - E aí eu não tinha dinheiro pra ir até São Paulo, porque não tinha. E aí eu fui até o

Reitor pedi uma carta. Falei, olha eu sou aluno de graduação tenho uma pesquisa fui convidado

pra ser debatedor de um simpósio sobre livro didático, e aí eles me pagaram. Porque quer dizer

naquela época isso foi em dois mil e um, quer dizer, passagem de avião também não era assim.

A- Fácil né?

E6/EC - Fácil. Então eu consegui uma passagem de ônibus e esse trabalho das apostilas ganhou

um prêmio também na universidade que teve lá de pesquisa de iniciação científica e aí eu peguei

esse dinheirinho do prêmio e o dinheiro que a reitoria me deu a passagem. E eu vim ser

debatedor do IMPLA e nisso a graduação acontecendo. E você vê que na vida a família, a

graduação, a pesquisa, a iniciação de um trabalho. Minhas pesquisas que eu digo de interesse de

ensino de livro didático. Foi aí que eu resolvi montar um grupo de discussão virtual que agora

vai fazer dez anos. Discutindo esse tema livro didático né? E aí começou uma rede nacional pra

discutir essa temática, né? Então, por que eu estou querendo chegar aí? Porque isso tem a ver

com como é que foi a minha entrada na universidade foi primeiro saindo de Pernambuco para

fazer o mestrado. Porque eu fiz a minha seleção do mestrado e eu ainda não tinha terminado a

graduação. A seleção na UNICAMP ela foi em agosto e eu terminei minha graduação em

dezembro. Então eu já tinha sido aprovado. Eu já tinha ficado desempregado. Voltando lá minha

bolsa acabou a Márcia Mendonça ficou, como amiga, falou “Clécio não dá. Você com filho

você tem que procurar uma escola”. E aí ela me indicou uma escola grande uma escola uma

escola muito conceituada em Recife uma rede em todo o Brasil né. Os colégios chamados

Marista. Então eu fui substituir uma professora que estava de licença maternidade e aí

novamente eu voltei pras salas de aulas de sétimas séries. Trabalhava com um livro que era o

ALPE. A- Sei.

E6/EC - E lá tinha uma divisão de professores de redação professor de Português e eu era

professor de gramática e aí era um ó porque eu dizia gente eu não me formei pra ser professor

de gramática e como é que eu faço? E a escola já divide. Então ali eu comecei a ter alguns

impasses porque eu estava em uma escola com vários professores de língua. Eu era um

professor que estava saindo da universidade e tendo que lidar com essas situações quer dizer, eu

uso ou não uso a gramática? Como faz isso? Como que eu adoto um paradidático? Como que eu

lido na reunião de pais? Como é que eu faço uma avaliação? Tudo isso que a universidade não

deu conta de trabalhar eu estava vivendo ali. Intensamente e aprendendo muito nesse processo.

E aí a migração para Campinas pra fazer o mestrado e, ao chegar em Campinas a minha entrada

não se deu diretamente na Universidade. Eu começo com os cursos de formação de professores.

Então essa é que é a grande questão. Eu não começo diretamente na Universidade. Eu começo

com o curso de formação de professores. Mas por que isso? Porque com bolsa de mestrado

naquela época não podia ter vínculo empregatício. A- Sim.

E6/EC - Então o que acontecia? Eu acabei entrando pelas formações. A professora Cláudia

Vóvio que foi também um encontro interessante, porque eu conheci a Cláudia nos corredores da

UFPE como aluno de graduação. E eu passei no corredor e vi assim curso de leitura e a

professora Cláudia Vóvio. Como a Universidade estava em greve eu falei: ah eu vou assistir.

Entrei nesse curso era a Cláudia Vóvio. Lindo maravilhoso o curso e depois eu reencontrei com

a Cláudia. Ela no doutorado e eu no mestrado e como ela trabalhava numa ONG chamada Ação

Educativa que tinha vários cursos de formação de professores para jovens e adultos, ela me

convidou. Disse: Clécio você não quer dar um curso lá que era um movimento popular na zona

leste de São Paulo. a gente está precisando de formador. Então eu comecei a sair. Então eu

comecei já com a formação do formador de professores. Então eu comecei a trabalhar com esse

projeto da ONG Ação Educativa. Comecei a dar acessórias em algumas escolas. A- Ótimo.

E6/EC - A UNICAMP tinha um projeto de formação de professores que é um programa do

estado de São Paulo que chama Teia do Saber que chamava os alunos da pós-graduação pra

trabalhar aos sábados com professores. Então eu comecei a trabalhar no Teia. Eu fiz esse projeto

do Teia do Saber desde dois mil e três. Então eu fiz quase cinco anos, sendo formador. Depois a

UNICAMP acaba também criando o Centro de Formação de Professores que é o CEFIEL que

eu acabei também como professor e o grupo fazendo o material pra formação de professores.

Então eu acabei em São Paulo atuando muito na formação de professores em curso de

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especialização. Lato Sensu, isso muito no mestrado. Sendo que em dois mil e cinco eu já estava

com dois filhos numa situação que eu morava na moradia estudantil da UNICAMP.

E6/EC - E eu estava numa casa muito pequena e a bolsa não tinha como, terminou o mestrado e

eu falei e agora? Termina a bolsa do mestrado eu estou novamente desempregado e agora com a

família maior. Agora com duas crianças dentro de uma moradia estudantil da UNICAMP e eu

falei não agora é hora de ter um carro de ter casa maior de dar conforto pra família eu já estava

com dois meninos e eu falei não então agora. Eu tenho que procurar outra questão. Eu fiz uma

seleção em duas faculdades privadas da região de São Paulo onde eu trabalhei, durante cinco

anos, que é uma faculdade chamada Network, onde eu trabalhei. Ela não tinha curso de Letras.

Então eu fui professor do curso de pedagogia e várias disciplinas. Eu diria que foi uma grande

aprendizagem porque eu dei vários cursos de várias disciplinas. E paralelamente eu trabalhei em

outra cidade que é Jundiaí no Centro Universitário Padre Anchieta. No curso de Letras, mas aí

sim. Já era com a disciplina de Prática de Ensino, quer dizer, o meu contrato no Uni Anchieta já

era para disciplina de Prática de Ensino.

E6/EC - Eu acabei. Aí eu não sei se você quer que eu fale um pouco dessas disciplinas.

A- Lógico quero toda essa história.

E6/EC - No meio aí tem, claro, uma publicação de um livro que se chama Formação de

Professores que quando eu saí. E aí é interessante também eu voltar pra essa questão do livro

que eu acho que foi uma publicação na minha história acadêmica. A- importante.

E6/EC - Importante por quê? Porque eu fui professor de ensino médio também nessas. Olha eu

já tinha esquecido coisa. Por isso que é importante que a gente trabalhe com memória porque a

gente vai voltar e tem mais coisa viu como é que chegou ao ensino médio, porque eu não falei

disso né. Eu não achei o ensino médio na minha graduação. O ensino médio ele estava ausente

na minha formação. A gente discutia muito Língua Portuguesa Fundamental dois, mas ensino

médio não me lembro de pouquíssimas discussões de ensino médio. E eu acabei sendo

convidado em dois mil pra ser pra dar aula num cursinho popular numa cidade paulista, éh.

Aulas aos sábados e domingos para alunos carentes que queriam fazer a universidade. Então lá

vai, eu para uma experiência de cursinho. Nessa experiência de cursinhos que eram aulas que

eram voluntárias né. a gente tinha um rodízio de professores, né? A cada sábado e a cada

domingo o professor ia e dava a sua aula. Eu comecei e me engajei e terminei saí coordenador

do cursinho. E no meu Orkut é engraçado porque lá tem todas essas comunidades da primeira

escola, do cursinho, a participação que eu trabalhei da universidade e é legal porque ali você

tem os espaços, onde a gente vai. Então o ensino médio ele entrou nessa linha. Ele entrou

primeiro nessa discussão do cursinho e eu conversava muito com a Márcia Mendonça que foi

sempre uma professora e o quê que aconteceu? A gente vai esquecendo viu, você depois vai

vendo aí. A gente faz muita coisa né? A gente não cansa de falar.

E6/EC - Bom. Então vou voltar pra graduação, quando eu fiz a disciplina de Prática de Ensino

eu gostei tanto dessa coisa de prática de ensino, tudo bem que as outras disciplinas falavam de

ensino, mas foi tão gratificante ter essa disciplina de Prática de Ensino. E aí eu pedi pra

professora Márcia Mendonça pra ser uma categoria que a gente batizou de bolsista monitor

voluntário. Então veja além da iniciação científica e além de tudo que eu fazia eu era monitor

voluntário da professora Márcia Mendonça na disciplina de prática de ensino e a gente

conversava muito. E uma dessas conversas que até no primeiro capítulo do livro. Desse livro

que é Português no Ensino Médio e Formação de Professores ele surgiu inclusive dessas

conversas. Porque a gente queria selecionar o material pra falar do ensino médio e cadê? Cadê

um livro que fale do ensino médio? Cadê? Mas a gente quer discutir a oralidade no ensino

médio, ah não tem. Ah a gente quer discutir produção de texto, até que encontrava algumas

coisas, mas então a gente acabou esboçando um livro pensando nessa ideia de ensino médio e

formação de professores. E eu vim pra São Paulo e a ideia veio junto. E aí eu cheguei e a minha

entrada então antes da Universidade, de fato se você pensar em carteira assinada foi em 2005

com a Network e com o Centro Universitário Padre Anchieta foi transformação. Eu comecei a

me engajar com esse processo de formação porque eu já tinha lá um livro sendo preparado,

porque eu comecei a preparar o livro em dois mil e três, porque eu convidei a Ângela. A

Roxane, a Malu fez o prefácio que também ela estava envolvida na orientação curricular do

ensino médio. Então esse contato com essas pessoas também levou um tempo. A gente foi

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selecionando com calma. Então não foi um livro feito do dia para a noite foi um livro feito

durante três anos, porque a gente queria convidar pessoas que tinham até que estudar. A- Certo.

E6/EC - Eu me lembro de muita gente dizendo “eu nunca escrevi sobre ensino médio eu vou ter

que estudar o ensino médio pra poder falar”. A Ângela mesmo, a própria Roxane falou: não, eu

não vou escrever como orientanda, porque não é a minha área e a gente viu também que a

própria academia tinha que ter um tempo, sabe? “Vamos estudar o que é isso. Vamos escrever”.

Então a minha entrada é pela formação de professores e por uma necessidade. Eu diria de

sobrevivência né. Eu tive que me submeter a fazer um doutorado. E foi muito gratificante mas é

de sobrevivência e não dá pra negar que não é. de ter umas dez disciplinas semanais. né. mais o

doutorado e mais essas aulas de formação de pós-graduação e de especialização aos sábados.

Então foram aí, anos intensos que eu digo de dois mil e cinco até dois mil e nove quando eu

defendo doutorado né?

A- E nisso você estava trabalhando no ensino?

E6/EC - Trabalhei no meu mestrado eu trabalhei sobre o livro didático e não poderia deixar de

ser né. Então eu fui estudar como é que o livro didático é produzido. Então eu entrevistei seis

autores de livros didáticos de ensino médio. E também o ensino médio estava ali borbulhando e

no doutorado eu fui estudar o uso do livro didático. E aí eu fui estudar o uso no ensino

fundamental.

E6/EC - Então eu posso falar um pouquinho como é que foi essa experiência na Network. E no

Centro Universitário Padre Anchieta na Network eu lecionei várias disciplinas ao longo desses

quase cinco anos, foi em dois mil e cinco dois mil e seis, dois mil e sete, dois mil e oito e dois

mil e nove foram cinco anos que eu trabalhei nessa instituição sempre no curso de Pedagogia.

A- Em Jundiaí?

E6/EC - Não, em uma cidade chamada Sumaré. Ao lado de Campinas e lá eu era responsável

pela área de linguagem. Então eu trabalhava com disciplina desde Leitura e Produção de Texto.

Pra o letramento acadêmico dos alunos, que ingressam no curso de Pedagogia. Trabalhei com

uma disciplina chamada Literatura Infantil. Trabalhei com uma disciplina chamada

Alfabetização e Letramento foi aí também que eu fui estudar muito. E foi por isso que eu tive

coragem de fazer um concurso na Pedagogia, porque se você olhar pra minha graduação.

Poderiam me perguntar, lá a banca do concurso, mas cadê a sua experiência como de primeira a

quarta série? Então as minhas leituras que eu tive que fazer pra entender desde o método de

alfabetização de Emília Ferreiro e de vários autores. Foi nessas disciplinas que eu lecionei

sozinho porque a instituição era muito pequena então ela tinha um professor pra dar conta de

todas essas disciplinas. E consegui mudanças curriculares. Hoje ele tem seis disciplinas voltadas

pro ensino de língua no curso de Pedagogia que foram essas disputas. Cada vez que eu dizia não

vamos fazer uma disciplina a mais. Então eu consegui introduzir a disciplina Estudos do

Letramento. Então os alunos têm um ano de Estudos do Letramento, um ano Fundamentos de

Alfabetização e um ano de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa. Então hoje a grade é

composta de quatro disciplinas.

A- Isso na universidade hoje?

E6/EC - Não. Isso lá na Network que eu consegui construir esse currículo, eu cheguei e só tinha

uma. Era metodologia onde a professora dava alfabetização e metodologia. E eu falei: nas

mudanças de que vai pra três e meio. Toda vez que era possível eu fazia uma luta política e saí

da instituição cumprindo meu papel. Na biblioteca da faculdade tem muitas coisas sobre esse

tema. E ela tem, hoje, uma grade que o aluno chega, tem uma disciplina sobre estudos do

letramento durante um ano. Depois ele tem um ano de fundamentos da alfabetização e depois

ele tem um ano de metodologia de Língua. E depois ele tem um ano de Literatura infantil.

A- Isso pra se tornar um profissional?

E6/EC - Isso pra formar um profissional de primeira a quarta série e o estágio ele é concentrado

nesse terceiro ano na disciplina de metodologia. Mas o estágio não foi algo resolvido ainda. É

aquele estágio que o aluno vai e faz quando quer, quando puder. Sem uma orientação porque

salas superlotadas e oitenta alunos que o professor não tem aí um fôlego né. Eu brigava dizia

olha gente não dá. O esquema de estágio ele não é o melhor possível. A- Certo.

E6/EC - No Centro Universitário Padre Anchieta eu tive uma experiência diferente por quê?

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E6/EC - Eu espero que não seja chata a conversa né. Porque tudo pode ser ruim, mas o bom é

que a gente está conversando.

A- Não, imagina... A conversa está ótima.

E6/EC - E lembrando porque isso é bom. A gente lembrar da vida da gente. A- Muito bom.

E6/EC - éh. No Padre Anchieta era diferente porque eu fui pra um curso de letras em que a

palavra ensino era um pecado. Ninguém queria falar de ensino. E também por ser um curso

pequeno os meus colegas de Literatura, nenhum deles. Muito pouco dois ou três. Dois na

realidade um pra literatura portuguesa e um pra literatura brasileira. Não queriam discutir

ensino. Queriam discutir a Literatura Portuguesa e a Brasileira. Isso que eles faziam nas aulas.

Lá tinha um embate muito grande com os professores de Língua Portuguesa porque o currículo

era a gramática e era um impasse porque eu acabava de dar uma aula de Metodologia fazendo

algumas críticas ao ensino da gramática e entrava o professor de Morfologia com a gramática. E

o aluno dizia. Professor você está falando aí, mas a gente vai ter agorinha a professora tal que

vai isso então era uma questão e não havia um espaço para discussão. Era uma instituição

privada, cada um vem no seu dia. Cada um faz o seu trabalho o que importa é quantas horas

você trabalha. Não tinha um projeto coletivo e isso significa que o estágio era feito de outra

maneira. Eu não era responsável pelo estágio. Era outra professora de língua estrangeira que

supervisionava o estágio de língua materna que era aquela ideia de supervisionar o estágio. Ele

não era orientado e lá eu trabalhava com disciplinas de Práticas de Ensino. Agora de língua

materna e língua estrangeira o que significa que quando eu era um professor de língua

estrangeira quando eu ocupava essa disciplina ele não tocava em nenhum ponto de língua

materna. Então era um currículo que eu diria bastante complicado, porque era um curso de três

anos onde os alunos tinham Práticas de Ensino um dois três quatro cinco e seis, mas Práticas de

Ensino. E aí normalmente quem, nas divisões desta instituição, quem ficava responsável por

essas disciplinas de Prática de Ensino era no momento uma professora de língua estrangeira.

Porque ela tinha uma dedicação lá por conta da avaliação do MEC que dizia que alguém tinha

dedicação exclusiva pra quando chegasse a avaliação do MEC dizer que tem um ou outro

professor que tem dedicação exclusiva a ela.

E6/EC - Então ela acabava assumindo então eu diria que o curso era um curso de Português-

Inglês de licenciatura dupla, mas que os alunos podem ter uma disciplina de prática de ensino se

o professor for de prática de ensino de língua materna senão ele pode ter como já aconteceu.

Uma turma que eu peguei na Prática de Ensino seis e que eles não tinham visto nada ainda de

Prática de Ensino de Língua Portuguesa. E aí claro que isso quando eu olhava pra Network com

um currículo que eu achava mais confortável e tal e tal e quando eu olhava para o curso de letras

e lendo sobre historia do curso de Letras, e lendo que parece que ninguém queria discutir o

ensino. Poucas instituições que fizeram reformas então eu acabei dizendo olha eu não consigo

assim. Eu não consigo trabalhar nessa fragmentação. A- Certo.

E6/EC - E foi o momento da escolha do concurso e na hora de fazer o concurso para uma

faculdade pública. Eu me inscrevi em duas na UFMG e na UNEFESP e aí nos dois a opção foi

educação, aí eu já tinha assim um pé eu já estou falando como pedagogo. Eu já estou mais na

área. Às vezes, eu me sinto até mal porque algumas visões que eu tenho hoje da escola e da

educação. Eu não encontro muito eco nos cursos de Letras e, às vezes eu assim, a minha

isotropia a minha réplica ela fica meio, como falando isso do curso? Como falando isso da

educação? Numa prova ontem, por exemplo, no congresso ter falado abertamente na mesa

pedindo desculpas aos pedagogos ou curso de Educação, né? Quando eu nunca vi na Educação

alguém pedir desculpas pra falar mal do curso de Letras. Então há historicamente uma cisão

entre o que é educação e o que é letras e linguística. Então eu digo como é que é isso? Acho

estranho que tenha uma formação em Linguística Aplicada, mestrado e doutorado em

Linguística Aplicada e que tenha no curso de Letras e que agora migra para Pedagogia.

A- É curioso porque parece que são dois times né?

E6/EC - Sim. Então a minha experiência foi um pouco nessa direção. No curso lá no Anchieta

eu também tive a experiência de trabalhar com o curso de psicologia da aprendizagem porque é

de novo essa briga? Se joga o aluno pra fazer Psicologia da Aprendizagem, lá na Educação, o

aluno não consegue discutir sobre linguagem. E eu falei com o coordenador: olha eu queria dar

um curso de Psicologia da Aprendizagem, mas que o foco fosse língua e linguagem. Porque eu

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acho que é isso que um professor de Letras. É isso uma das coisas que ele tem que pensar é em

como é que eu ensino gramática que é algo super conceitual. Se eu não tenho nenhuma teoria

conceitual. Vygotsky pra discutir formação de conceitos ou Piaget. Então eu tentei no Anchieta

fazer. Lecionei durante um ano, um ano e meio a disciplina de Psicologia da Aprendizagem um

e dois. Mas trazendo em sala de aula a língua materna, situações de ensino e aprendizagem.

Livros didáticos, softwares educativos, quer dizer, aulas tanto da Psicologia, mas numa interface

com Linguística e com os estudos da linguagem né. Principalmente aí já trazendo o Vygotsky, o

Piaget, o Bakhtin nessas disciplinas de Psicologia e, eu achei também que foi uma experiência

bastante rica.

E6/EC - Não sei se eu estou indo pra outros caminhos.

A- Não.

E6/EC - éh. Ela vai. A- ela vai sendo respondida por outra né.

E6/EC - Eu posso falar do hoje. Eu acho que eu falei muito do passado, né?

A- Você está trabalhando com o quê na sua faculdade?

E6/EC – Então, na realidade é um campus da chamada Escola de Filosofia e Letras de ciências

humanas então é um campus da área de humanas. A- Sei.

E6/EC - Nós temos vários cursos de licenciatura no discurso. Na prática eu acho que não temos

nenhum, nem mesmo a Pedagogia, eu acho que ainda é um curso de licenciatura porque ainda

tem uma briga dentro do curso de Pedagogia se ela forma um professor. Se ela forma um

pedagogo se ela forma.

A- E a universidade tão nova. Ela já nasce.

E6/EC - Ela nasce porque quem faz a base inicial. São os professores da USP que são

convocados pra fazer a grade e por isso que tem a tradição de bacharelado. A- Sim.

E6/EC - É um curso de licenciatura. Então você pega a grade e ele tem Fonética, Fonologia.

Literatura, língua estrangeira e ponto. Outro semestre, Morfologia, Literatura e ponto. O ensino

está sendo jogado para o fim. A- um dia.

E6/EC - Um dia. E o concurso também vai chegar ao fim, porque agora como o curso é novo.

E6/EC - Eu vou falar da Pedagogia que a Pedagogia era. As diretrizes curriculares do MEC

sinalizam que é para formação do professor. Mas a gente sabe que dentro da Pedagogia não são

todos que concordam. Então há os professores do fundamento e os professores que trabalham

com sala de aula. A- Certo.

E6/EC - E mesmo a disciplina de currículo. Os alunos sabem muito sobre teoria do currículo.

Mas me espantam quando eles vão pro estágio e falam coisas do tipo “ah agora que eu estou

entendendo o que é escola”, mas ele fez a disciplina de currículo. Mas aquela disciplina de

currículo não analisa currículo. Não analisa sala de aula. Não analisa Parâmetros Curriculares

Nacionais. Não analisa livro didático ela dá um panorama das teorias de currículo.

A- E nem o currículo da própria instituição está incluído?

E6/EC - Não. Eu então me pergunto como é que uma disciplina que não teoriza o currículo dá

conta do currículo prescrito real do cotidiano. Então a Pedagogia os alunos reclamam que tem

essa divisão os professores de fundamentos concentrados no primeiro e segundo ano, agora vem

a luz e os professores de metodologia concentrados no terceiro, quarto ano. E a minha disciplina

é uma disciplina chamada Fundamentos Teóricos e Práticos no Ensino de Língua Materna que é

a disciplina pra pensar em ensino. Há outra disciplina que geralmente a professora Cláudia

Vóvio que ministra que é Alfabetização e Letramento que também tem o foco voltado para o

ensino. Mas muito nas questões da alfabetização.

A- E esse seu aluno hoje ele atua em que série?

E6/EC - Ele trabalha como professor de Educação Infantil até o quinto ano.

A- Certo e não é você. E6/EC - Ele é polivalente.

A- Você não ministra pra licenciatura da Física, da Matemática. E6/EC - Não, não, não.

A- Você está voltado para o ensino de linguagem, né?

E6/EC - De linguagem. Agora como é um projeto, porque essas disciplinas elas tem lá como é

um curso de humanas. A gente não tem essas outras licenciaturas. Tem é uma disciplina

chamada Domínio Conecto que a gente oferece pra os outros cursos. Então agora eu estou

oferecendo uma disciplina chamada Literatura e Ensino para alunos de História e Filosofia.

A- Certo. Mas por outro lado de primeira a quarta também tem a ciência.

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E6/EC - Tem. Aí são outros professores né. A- A parte de ciência é outra coisa né.

E6/EC - Aí tem o professor de Metodologia, né? Tem o professor de Metodologia de Ciências.

Agora claro que na minha disciplina eu já começo falando olha gente infelizmente a disciplina é

Língua Portuguesa, mas eu gostaria que fosse linguagem. A- sim.

E6/EC - Isso é uma discussão que eu falo logo estou falando de linguagem.

A- E eu acho que até a indicação do próprio MEC.

E6/EC - Tanto que os alunos, tanto que eu trabalho com várias coisas mostrando que ela é

linguagem de mapa, mostrando que é linguagem de divulgação científica. Tanto que muita

atividade que eu faço com os alunos, ao longo do curso, é mostrando que ler e escrever não é

algo que ele vai, principalmente de primeira até a quarta série, que o professor ele organiza o

seu tempo e o seu espaço. Não é necessário ele ficar quebrando aquele tempo da aula dizendo

agora são duas aulas de Português. Duas de matemática. Ele tem uma abertura, mas a graduação

por inúmeras razões ainda é organizada. Esse é o embate que eu tenho. Que eu acho que a

leitura e a escrita ela é de todas as áreas. Ela não está só em alguma disciplina específica. Vou

dizer olha a grade é essa a disciplina que eu sou responsável é fundamentos teóricos e práticos

de ensino de língua materna. Além disso, a Unifesp tem um programa que eu adoro que eu

admiro que é um programa de residência pedagógica. Nos não temos o estágio nós temos um

programa de residência pedagógica e eu coordeno o programa de residência pedagógica na

educação infantil. Então hoje eu trabalho com as creches de crianças de zero a três anos. É um

programa na realidade que envolve mais de cinquenta por cento dos docentes do curso que

também eu acho uma novidade porque o estágio ele não fica lá no final apenas e não envolve

poucos professores. Que a minha sensação com letras a gente tinha dois colegas que eram

professores de estágio os outros eram professores de outras coisas, quando não é lá na

Educação. Você faz estágio lá na UNICAMP não aqui você faz as disciplinas teóricas lá na

Faculdade de Educação se faz o estágio. Lá não, lá a gente tem o Curso de Pedagogia, onde

mais de cinquenta por cento dos docentes trabalham na residência pedagógica e é um projeto em

parceria com as escolas. Então semanalmente quer dizer a gente tem grupos de alunos.

A- E essa residência pedagógica dura quanto tempo?

E6/EC – Então, a duração é o tempo que o MEC determina pra cada estágio na pedagogia. Eles

precisam fazer obrigatoriamente trezentas horas na licenciatura são quatrocentas horas. Na

pedagogia são trezentas então elas é distribuída em quatro modalidades. Educação infantil,

fundamental, educação de jovens e adultos e gestão educacional. Então os alunos passam por. o

que a gente chama de quatro residências. Tem aí um diálogo com a residência médica porque

eles vivem o cotidiano da escola. Então eu posso falar um pouco até sobre a educação infantil

porque é o que eu tenho trabalhado agora. Os alunos, eles chegam à escola as seis e quarenta e

cinco da manhã e vivenciam até as duas da tarde. Eles ficam imersos. Então o trabalho tem uma

abordagem etnográfica de imersão no campo. E, ali, ele trabalha com o professor, eu digo:

“vocês não vão observar vocês vão viver a escola.” Então eles vivem. A- hum.

E6/EC - Então não tem essa divisão agora você vai fazer o estágio, agora você vai observar não,

não tem. Você está observando e você está vivendo, você está cantando. Você está participando

de reuniões. Então eles vivem tudo. Então se tem uma reunião de pais eles participam. Ou uma

reunião de trabalho eles participam. Se os professores vão fazer uma formação naquela semana

eles participam. E essas professoras, nós as chamamos, de professoras formadoras.

A- certo.

E6/EC - E é uma parceria da universidade com a escola. Pra você ter uma ideia a gente tem uma

van que leva esses alunos até as escolas e trazem. E os professores também vão, então a

academia meio que tira um sei lá, abaixa um pouco a bola e diz assim: “olha eu estou aqui na

escola também”. Então toda semana eu tenho uma reunião com as educadoras com as alunas.

Numa sala assim que a gente chama de reunião de residência pedagógica, onde a gente vai

discutindo coisas da própria creche, as leituras as discussões.

A- Você está escrevendo isso? E6/EC - Se eu estou escrevendo sobre isso? A- éh.

E6/EC - Um pouquinho. A- E quando vai publicar?

E6/EC - Em breve eu tenho um blog. Trabalho com elas com blog e diariamente elas escrevem

no blog sobre a residência e é um trabalho intenso. Sendo que são pequenos grupos também.

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Interessante que é bem próximo a residência médica. Eu não posso ter grupos grandes. Então a

cada mês eu só posso acompanhar quatro ou cinco alunos.

A- Agora só por curiosidade você acha que essas palavras esses nomes essa sua categorização,

residência isso e tal interferem na autoestima do pessoal que está inserido no programa? É que

eu ando pensando muito sobre isso, é só uma curiosidade.

E6/EC - Tem algumas pessoas criticaram já. Mas na verdade é um grupo criado por um grupo

inicial da pedagogia, né. Eu não participei da criação do programa. Eu estou construindo a

história fazendo o programa. Eu cheguei o programa já estava implementado. Há algumas

críticas em relação à valorização do nome residência como algo da medicina, né. Como algo

que se aproximasse dos médicos ou do status que a medicina teria. Eu não vejo por aí vivendo o

programa, né. A- Pois.

E6/EC - Isso na escola acontece né. Isso na escola acontece inclusive os nomes mudaram todos

pra você ter uma ideia. É um programa de residência pedagógica. Eu sou um preceptor. Então

não sou chamado professor de estágio não. Sou preceptor daquele aluno né. Eu sou quem

acompanha aquele aluno na escola no campo.

E6/EC - O aluno é residente. A- de novo é a linguagem.

E6/EC - A própria escola ela vai dizer assim. A- construindo esse sujeito né.

E6/EC - A escola não diz assim. Olha lá vem um estagiário. A- o professor.

E6/EC - Até porque a professora é livre pra aceitar ou não, ela pode dizer que não. Não é

obrigatório. É um contrato com a escola. Quando ela aceita o residente. Ela tem vários

residentes ao longo do ano. Então ela sabe que vão estar entrando e saindo pessoas o tempo todo

daquela sala pra trabalhar com ela. E como eu sou da creche. Eu não tenho a sorte talvez de não

ter uma educadora só na sala de aula, eu tenho três. A- certo.

E6/EC - Então na realidade é mais uma. Então pensando no contexto de trabalho é três

educadoras contratadas pelo município uma residente e trinta crianças.

A- Certo. Porque isso é muito interessante. E6/EC - Sim. Até porque não é fácil não.

A- E de novo essa coisa a universidade, né? Nós estamos dentro da universidade, estamos

ligados a universidade e nós temos um pensamento e o departamento tem outro. E6/EC - éh.

A- A sintonia ela é, às vezes, ela acontece. E6/EC - Sim e, às vezes, não. A- E às vezes, não.

E6/EC - Tem funções, né. Mas o movimento também não é colocar o residente num colégio de

aplicações e isso foi muito discutido. Se a gente iria criar um colégio de aplicações ou se a gente

iria optar por escolas públicas. Então essas residências elas não acontecem em escolas privadas.

A- Certo.

E6/EC - E nem o curso de pedagogia tem interesse em ter um colégio de aplicação.

A- Mas o nosso é um colégio de aplicação público.

E6/EC - Sim. Mas eles não têm assim. Já foi cogitada a ideia de ter como a USP tem uma

creche, por exemplo, no modelo e a pedagogia o curso de pedagogia da Unifesp pelo que eu

tenho acompanhado acredita que para esse aluno a informação é muito mais rica em ter

experiências no município. Tanto que os alunos hoje pedem. Ah posso fazer minha residência

em São Paulo? Posso fazer minha residência em Jundiaí? Eu falo não. Você tem escolas que

estão preparadas. Estão abrindo as portas para receber a residência porque eles inclusive, nós

acreditamos num diálogo entre os residentes. Por isso que eles vão em pequenos grupos.

A – Sim, porque a gente tem até um termo que a gente, passagem de plantão. A- Certo.

E6/EC - Que é quando um grupo sai e entra o outro. Por isso que o blog funciona. Porque um

grupo quando entra, o outro já está acompanhando. Já está percebendo e a gente vê diferenças.

Uma pessoa entra numa sala e vê uma coisa, a outra entra e vê outra coisa completamente

diferente porque essas relações elas vão acontecendo ao longo. Essas interações esses sentidos.

Então está sendo uma experiência. Eu não tive um tempo assim que são tantas novidades. Os

dados, o blog, os trabalhos. É meu primeiro ano na universidade eu estou ainda assim, meio

aprendendo coisas pra parar pra falar sobre com mais cuidado. Quero estudar muito o blog eu vi

a fala da Vera ontem e, falei olha eu quero voltar, porque hoje é uma dúvida que eu tenho o

blog. Que tem algumas colegas que criticam o blog. Mas o blog na universidade não é algo que,

como tem abordagem etnográfica, os professores fazem é o diário de campo. E hoje eu tenho

essa atenção, olha o que o diário de campo me traz? Então, hoje, eu estou inclusive

conversando com os alunos. Todos os alunos e eu dizemos: olha o que vocês acharam? Eles que

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passam por outras residências utilizando o diário de campo. Vocês olharam alguma diferença? E

a gente já conseguiu perceber. Eu já consegui perceber umas coisas, por exemplo, o blog tem

um dialogismo diferenciado porque não tem ninguém que o comente, então eu sou leitor do

blog. A- Certo.

E6/EC - Enquanto no diário de campo a postura do professor, muitas vezes, você corrige erros e

ele faz nota. E então eu não li muitos diários porque eu já conversei com uma colega que

trabalhava com blog. Mas eu já percebi alguns alunos comentando. O diário ele é mais lido

como avaliação e o blog eu uso, porque eu tenho essa necessidade de socializar essas

experiências e o colega comenta. A- Certo.

E6/EC - Então tem várias comparações. A- E o próprio suporte dele, é diferente.

E6/EC - Apesar de ter comparações, por exemplo, tem colegas que dizem. Mas no blog ele

escreve pouco. No caderno ele escreve vinte páginas. O aluno diz também que tem essa questão

de não conhecer o gênero, a ferramenta e eu assisti a fala da Vera. Por isso que ela apontou pra

mim naquele momento da conferência e voltei pensando e já vou reformular isso para o

próximo ano. E os alunos já vão ter um momento em que eles vão visitar blogs sobre a educação

infantil e da educação num primeiro momento pra depois eles produzirem.

A- Legal. Olha, nós já eliminamos duas perguntas aqui. Então me diga que saberes seriam

necessários para a formação do professor formador? E pra essa atuação do professor formador?

E6/EC - Marília Gabriela, né?

E6/EC - Em um minuto, né? Então eu acho que esse formador de professor.

A- E aí nós estamos com recorte de língua materna.

E6/EC - Sim. De língua materna eu diria que ele teria umas quatro questões, né. Poderiam ter

outras né, ou poderia ter várias. Mas eu vou tentar elencar quatro questões aqui que podem ser

importantes. Primeiro a velha e conhecida concepção de língua e linguagem que eu acho que

essa é essencial. A- É verdade.

E6/EC - Quer dizer e eu digo que essa é uma um conceito que vai atravessar toda a sua prática

seja como professor. Seja como formador de professor e aí como isso, eu lembro que essa foi a

primeira aula do curso de Letras, quando a professora Dóris falou concepção de linguagem.

Instrumento como código de interação e a gente vai ficar aqui nessa interação e vamos ler

Bakhtin e eu li Filosofias da Linguagem. Primeiro semestre de Letras em uma disciplina

Linguística três e eu não entendemos nada, mas ali já tinha uma posição política dessa

professora. Olha esse curso tem essa concepção de língua e a gente quer formar vocês nessa

concepção. Nem estou dizendo que é esta. Mas eu diria que um professor formador de professor

de língua tem que claro uma concepção de onde ele se oriente. No meu caso eu tenho me

orientado muito pela perspectiva que não é, por exemplo, como eu vi aqui no congresso

primeiro interacionismo sociodiscursivo. Não é a minha que eu tenho adotado. Então isso quer

dizer o quê? Que eu não levo pra minha sala de aula alguns textos que eu poderia levar. Porque

a gente sempre vai fazer escolhas. Então qual é a minha orientação? A minha orientação hoje é

tentar trabalhar em duas frentes. Uma é aquela concepção que me constituiu como professor e

professor formador e essa foi pelas disciplinas da graduação pela iniciação científica, pelo meu

mestrado, pelo meu doutorado e pelas leituras que eu fiz uma concepção Bakhtiniana sobre

língua e linguagem atrelada a uma concepção de aprendizagem vygotskyana. Então isso é que

orienta a minha disciplina, então eu tenho essa concepção. Eu acho que têm outras, mas eu acho

que um professor formador deve de seguir essa orientação. Olha eu acredito nisto e as minhas

escolhas em termos de textos e em termos de indicações de trabalho. Precisa partir daí essa

concepção hoje que eu assumo de língua e de discurso e de apropriação eu levo pra sala de aula.

Começando a discutir muito a própria esfera da escola. A- Sim.

E6/EC - Então essa, por exemplo, é algo que eu acho central. É um segundo ponto, o professor

ele tem que ter uma concepção de língua ele tem que ter uma concepção de discurso e de texto.

Mas essa concepção, se ele não tiver concepção de cultura escolar e de aprendizagem escolar,

fazendo essa ponte pode correr riscos que eu tenho visto de ter concepções de línguas.

Conceitos, categorias muito fortes e interessantes e coerentes. Mas que não dialoga com a

cultura escolar. Mas que não tem espaço na cultura escolar. Mas que não tem espaço na

formação dos professores então eu acho que pode criar um simulacro de um conjunto de coisas,

né? Então o que eu estou querendo dizer que nem toda teoria é válida eu, acho para trabalhar

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com formação de professores e essas escolhas não podem ser útil pra todos, mas eu diria que a

minha. Eu acho que eu tenho que pensar no professor que aí está o porquê de eu ser apaixonado

pela escola. Cada vez mais eu tento compreender a escola como a esfera da atividade humana. O

que acontece ali do ponto de vista histórico para não cair no discurso que eu fui formado e

criticar a escola pela crítica. Tanto que eu até falei pra uma colega, “o professor não é adotado

pelo livro didático, porque a gente é formada com isso que o professor é culpado, que o

professor não é bom, que o livro didático é ruim. Então tudo da escola é ruim não se deve

ensinar gramática. Então olha pra escola com olhar muito negativo. E aí eu tento recuperar a

escola pela história da escola pela história das práticas escolares. Então é a gramática. Mas, por

que a gramática? É livro didático. Mas por que livro didático? É quadro negro. Mas por que

quadro negro? É tal método. Mas por que tal método? A- Entendo.

E6/EC - Então eu tenho então uma concepção de língua que não está atrelada a uma concepção

de sujeito. E uma concepção de prática escolar que dá a esse sujeito a tentativa de alterar

práticas. Mas eu acredito que ele só altera uma prática cristalizada historicamente como era a

escola e eu diria que era a religião num nível muito micro. Mas esse micro necessita de reflexão

sobre essas práticas então hoje eu estou num momento que eu não acho que é dando um curso

sobre Bakhtin que o professor vai sair dando as melhores aulas do mundo tanto que muita gente

falava. Mas Clécio pra que tanto Bakhtin? Mas eu não dou uma aula sobre Bakhtin. Eu uso

Bakhtin e as teorias que eu acredito, quando eu acho que essa teoria vai auxiliar o professor.

Que ele vai conseguir compreender alguma coisa do seu trabalho ou do aluno. E aí é uma crítica

que eu tenho ao curso de Letras, que eu via. Escuto em congresso, como eu convivo em

congresso de Educação Letras e Linguística Aplicada. Eu vejo a diferença de discurso sobre a

escola é muito difícil você ver alguém falando bem de um professor, de uma prática bem

sucedida é sempre um discurso da falta. Então falta, falta, falta... E parece que a teoria vai

resolver então por isso que talvez os bacharelados e as disciplinas teóricas. Elas ficam cada vez

mais, e aí você não tem disciplinas que estudem a escola. A história da escola a história das

práticas escolares. O professor naquele ambiente de trabalho, os dilemas daquele professor

dentro da própria escola. Os materiais que ele precisa conhecer. Aí tudo é muito crítico. Você

critica os parâmetros e critica o livro didático, mas você não coloca nada no lugar.

A- Verdade.

E6/EC - Então eu acho que tem uma ausência de uma ausência de pensar em escola e eu fiquei

mal no momento que eu descobri isso. Eu falei ai gente, será que é assim? Precisa ser assim?

Então não sei, se eu respondi. Mas retomando, eu acho que tem que ter uma concepção de

língua atrelada com concepção de linguagem porque quando eu levo uma música pra trabalhar o

som eu digo, olha você tem que saber questões de som. Não estou dizendo que você tem que ser

músico, mas trabalhar com oralidade significa pensar a diferença de uma voz de um coro.

Vamos ouvir músicas? Agora mesmo eu vou fazer uma seleção de músicas que eu quero que os

alunos escutem. A- Sim.

E6/EC - Para esse módulo um da disciplina que é a oralidade. Trabalho com a canção

justamente pra mostrar a diferença de trabalhar com a letra da canção e da canção. Pra olhar pra

canção ele tem que ter a apreciação da melodia do som dos instrumentos do coro de quem canta.

Então eu faço uma pequena seleção e ela tem que ter uma concepção de linguagem.

Trabalhando muito hoje com o verbal e visual isso orienta um pouco aí entram os gêneros que

eu vou levar também para os professores trabalharem. Orienta aquela sua pergunta de não ficar

só em Língua Portuguesa, então eu tenho que trabalhar com poemas e trabalhar com divulgação

científica, com mapa e, eu acho que isso tem a ver com essa concepção de língua e linguagem e

de escola. Quer dizer o que é possível fazer na escola? O que a escola tem feito?

E6/EC - Então eu tenho que trazer muitos depoimentos de professores.

E6/EC - Mas acho que o professor que forma ele precisa também conhecer muito e se aproximar

da cultura da criança e no caso do jovem. Eu diria que essa é outra questão pra trabalhar com

formação de professores. Então eu acho que, não sei se é porque eu tenho dois filhos e vou viver

inúmeras coisas com eles, mas eu acho que isso também me ajuda no sentido de pensar o filme

que eu vou poder trabalhar com a criança. Vou muito a cinema ouvindo músicas infantis. Ou

não porque eu também não trabalho com a perspectiva de que a criança tem que trabalhar só

com textos infantis. Hoje eu digo que pé um trabalho assustador porque eu tenho que estar

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vendo a produção em massa para criança desde jogos, então eu tenho que jogar Playstation.

Você tem que jogar. Playstation. Ir ao cinema. Ouvir a música da Adriana Calcanhotto para

crianças. Eu vejo isso como essencial para a formação de professores porque eu tenho que levar

um repertório. Então eu chego na creche e está tocando patati patata, eu tenho que dizer olha

tem patati patata, tem Xuxa, mas também tem palavra cantada a professora vai chegar com a

literatura infantil eu vou dizer, tem isso, mas também tem isso. A- éh.

E6/EC - Né? Ela vai dizer tem esse filme tem esse e tem aquele. E eu diria que é um trabalho de

formação cultural, mas olhando para a criança. A- sem dúvida.

E6/EC – Né? Porque também não adianta eu ficar fazendo curso de literatura lá porque eu estou

trabalhando com criança. Então eu acho que o curso de Letras acaba, já fazendo a crítica aos

colegas e infelizmente. Mas também faço à gente da Pedagogia. A cultura juvenil. Por exemplo,

né. É algo que não é discutido. Então estamos escrevendo agora um livro sobre. Continuando lá

a formação de professores no ensino médio, com gêneros que não circulam na escola. Eu vou

trabalhar com novela por exemplo. A Roxane vai trabalhar com vídeos, clipes feitos na internet.

Outras pessoas vão trabalhar com jogos eletrônicos, gêneros que os jovens usam e abusam. Mas

na escola ela não tem o espaço. Interessante então eu chegaria aí a essa questão de se aproximar

tanto da cultura do professor. E porque que eu digo a cultura do professor? Fazer o que eu

acabei de fazer. Comprar a revista Nova Escola concordando ou não concordando.

E6/EC - Porque eu preciso saber o que está rolando. Então tudo bem. Tem um monte de livro ali

do congresso, eu não li nenhum até agora. Mas eu fui lá, na banca, e vi planos de aula da língua

portuguesa. Porque quando eu chego lá pra trabalhar com os professores, muitas vezes é isso

que eles querem. Então eu tenho que ter assinatura de revistas sobre professores. E de todas que

circulam na escola Língua Portuguesa. Educação. Nova escola. Quer dizer talvez ajude a

resolver isso de fundamental um e a escola. Então eu fico lendo os textos que os professores

leem. A literatura que circula entre professores. Sobre ensino de língua materna eu tenho essa

preocupação. Então eu vou lá no Salto para o Futuro. Aí eu vejo o que é que tem lá na TV

educativa. Eu acho isso importante pra quem trabalha com formação inicial e continuada. A

pergunta era sobre formação de professores né. E eu acho que essas categorias e esses conceitos

que eu estou dizendo aqui são os que me constituem. Então eu fico muito feliz quando eu escuto

isso é o que mais me deixa feliz num professor. Agora mesmo eu estou dando um curso numa

especialização lá na Unicamp que eles dizem assim. A- Sei.

E6/EC - É o primeiro professor que fala que a gente entende e sabe qual é o nosso problema lá

da sala de aula. Eu não acho que é. Eu acho que é isso. O respeito pelo professor. Então eu hoje

lendo alguns trabalhos também do projeto né que fiz parte letramento do professor coordenado

pela Ângela eu aprendi muito isso com ela. Um respeito pela prática profissional. O ouvir o

outro, o tentar apreender os sentidos que aquele outro dá para a sua prática e que qualquer

teoria. Qualquer mudança que vá ser estabelecida não vai ser do dia pra noite. Ela vai ter que ser

coletivamente. E ela vai ter q ser feita é em grupo, ela vai ter que ser feita de forma que volte

pra sua escola. Mas ele sozinho ali a mudança é micro então eu estou hoje em um movimento

que assim. Inclusive essa disciplina que eu estou ministrando, elas falaram a gente queria

continuar e eu falei vamos, quanto é? Me perguntaram quanto eu ia cobrar eu falei nada. Eu só

preciso de vocês terem interesse. Terem espaço e a gente organiza então estamos caminhando

pra a gente tem um grupo de estudos. Dessas professoras que estão fazendo especialização para

discutir escola, então eu hoje sou meio apaixonado, pensando nessas linhas né. Retomando, é a

teoria sobre ensino é a teoria sobre língua. É uma teoria sobre o mundo sobre o conhecimento.

Mas é também se apropriar da escola das práticas dos professores. Visitar a escola. Tanto que eu

estou aí. Fui visitar uma escola em Salvador.

A- Então é até bom conversar com a gente, com ela aqui eu teria mais duas perguntas, mas eu

acho que elas já foram respondidas.

A- E aí vamos lançar essa outra aqui. Mas é só mais uma. O que é pra você formar um

professor? A- O que significa para você, formar um professor?

E6/EC - Formar um professor? Eu acho difícil a pergunta. Eu acho que é dialogar com o

professor no sentido de trazer o próximo e o diferente. Na realidade é. Eu digo, naquela linha

que eu tinha comentado. Até que ponto a prática me ajuda a compreender, a dialogar comigo,

traz as suas questões. Mas ao mesmo tempo também trazer questionamentos trazer indagações,

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trazer texto e, aí eu vou citar o Bakhtin. Ninguém sabe mais qual é essa discussão no congresso

que a compreensão se dá justamente nessa questão de compreender o outro nas duas

consciências né. Eu sei que a formação de professores é uma arena. Não é um campo fácil

inclusive assim. Muita gente me chamava e dizia, mas você funciona. Ouvi muito isso. Mas

vem você que dá certo, vai você. Agora mesmo eu estou substituindo a Ângela e ela falou não

você é um bom professor de formador, o que é isso? Quer dizer, quando alguém me chama pra

fazer alguma coisa e diz não, você funciona você dá certo. Eu vejo assim, entendo por um lado

que é isso. Assim eu tento dialogar com o professor respeitando as suas práticas. Trabalhando

fazendo questões em sala de aula, mas não é um respeito. Assim, dizendo então tudo que você

faz sai bom então continue fazendo. Não tragam desafios, né. Mas tem que trazer desafios sem

negar o conhecimento da prática. Experiência a própria escola enquanto instituição. Trazendo os

conflitos que eles passaram pela formação de professores. Então às vezes é muito isso. Uma

pessoa que não tenha noção do que é a história dos cursos de formação de professor. Não tem

noção de como é que o ensino de língua vai sendo construído que não conhece os alunos. As

práticas culturais dos alunos que não conhece os materiais didáticos que professores trabalham

que não conheçam as revistas que os professores leem. Corre um sério risco de dar uma aula

super teórica, pensando numa escola imaginária onde tudo se dá. Tudo dá certo e aí? E acaba

ouvindo o que a gente ouviu lá com a Adriana comenta, isso funciona. Mas não dá certo e muito

conflito. Eu confesso a você que eu acho que sempre eu vejo muito conflito dessa área da

interação de professor formador e aluno num espaço. Principalmente numa formação

continuada. Eu acho que é dialogar. Isso não quer dizer no sentido Bakhtiniano negar o conflito.

Conflito faz parte de sala de aula.

A- Obrigada.

Entrevista com E7/ERJ

A - Eu gostaria que num primeiro momento você me falasse a respeito de sua formação

acadêmica e, sua formação profissional.

E7/ERj - Hum, eu tive que ser na raça profissional, como amanhã é o dia dos professores, né. A

Você começa na escola. Eu gostaria que você começasse lá na sua primeira escola;

alfabetização. E7/ERj- Vixe Maria!

E7/ERj - Bem de alfabetização, primário, eu fiz naquele tempo primário né, eu fiz em escola de

freira; no colégio interno uma parte, no semi-interno outra parte. Portanto era ensino

absolutamente tradicional, quase jesuítico. A- Certo. Então eu prestei admissão pro Caetano de

campos, e lá eu fiz o ginásio e o clássico. A - Isso onde?

E7/ERj No Caetano de campos, em São Paulo. A - Certo.

E7/ERj A escola normal, equivale ao papel, quer dizer, que Pedro II fez no Rio. Era uma escola

normal, grande, que depois virou um colégio grande e, que tinha; primário, ginásio, clássico,

científico etc. nessa época. Isso, evidentemente, antes de se transformar em segundo grau, né?

A - Certo.

E7/ERj - Portanto tinha Latim e, praticamente os ensinos clássicos mais como antes já dizia:

Literatura, Francês, Filosofia, Lógica. Então eu diria que a formação da Caetano de Campos é

pra mim a mais importante, a que efetivamente me formou. Por causa dessas disciplinas

avançadas de humanidade, como: Filosofia, a Lógica, a Psicologia, Francês, Inglês, Latim. A -

Certo. E7/ERj Portanto todos os conteúdos onde foi que eu aprendi mais, lá, de certa maneira,

proporcionalmente, do que na própria faculdade, ou depois né. Fiz faculdade, prestei USP pra

fazer Filosofia, passei, prestei Mackenzie pra fazer Letras, passei também, minha mãe não me

deixou fazer Filosofia, porque a USP era escola de comunista então eu fiz Letras, né? Ainda

bem que não me deixou, porque senão eu estava até hoje desempregada, Filosofia não tem

campo, né? Fiz letras no Mackenzie que é uma escola presbiteriana, um colégio, uma faculdade

e colégio presbiteriano. E que tinha na época um curso muito bom porque contava com os

professores da USP e, sobretudo da USP no seu quadro, então tive aulas com Dino Preti, tive

aulas com Pedro Colombine, tive literatura, que já morreu, tive muitos bons professores de

francês, o quê isso fez, francês e português, porque pretendia lecionar francês como lecionei

mesmo desde o segundo ano da faculdade. Ao acabar a faculdade, aula no e Francês. A- Certo

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Ensino público, então eu virei professora de Português. Qual era meu intento inicial. A

formação didática pra formação como professora na faculdade foi zero. A – Certo. E7/ERj -

Mas eu dava aula e já trabalhava desde o primeiro e segundo ano da faculdade. Eu trabalhava

fazia faculdade de manhã, trabalha de tarde no IBGE, fazendo mapa de cidade, e dava aula de

noite num cursinho de Francês. Depois de um tempo que eu me enchi no IBGE e sai. E arrumei

emprego pra dar aulas pras presas da, ainda na faculdade, pras presas do presídio da capital, pra

dar madureza pra elas. E aí como eu disse comecei na raça, vamos dizer comecei num dos

contextos mais difícil possível, né? Um monte de presa absolutamente desinteressadas e, as

freiras obrigavam a ir para um ambiente extremamente violento e, para dar todas as disciplinas

pelo método daquele instituto universal, da Portuguesa, pra dar todas as disciplinas porque não

tinha professores, era mais ou menos assim: Tinha umas vinte presas na sala, das quais cinco ou

quatro iam mesmo prestar a madureza, o resto ficava atazanando. E aí eu trabalhava com essas

cinco, quatro, em cima das apostilas do Instituto Universal, como nunca estudaram as exatas,

porque não sabiam. Quanto mais em História, Geografia, etc. Acho que lá fiquei uns dois anos

dando aula até o fim da faculdade, e daí que aprendi na raça a ensinar a adultos, né? E a adultos

problemáticos. A- Sim. Pra me formar em novembro mais ou menos do ano que eu ia me

formar, abriu um concurso no Estado, prestei e, passei, imediatamente no ano seguinte pra ser

efetiva numa escola lá no Tatuapé em São Paulo, escola pública do Estado. Passei em Ensino

Médio, então eu dava aula pros meninos de quinta e sexta série, nessa escola e, de tarde e de

noite, dava aula pro ensino médio como substituta. né? Aquele professor que arrumavam

naquela época pro basicão qualquer coisa. Mas, substituta sem ser efetiva numa outra escola

maior que tinha lá perto, né? De novo aprendei na raça e, com o livro didático, eu lembro que o

livro didático que ela adotava era da atual secretária, era um livro muito antigo da atual

Secretária de Ensino Fundamental e Educação Básica do Ministério, que também eu não vou

lembrar o nome dela. Lembra?A- Não sei, hoje? Você vê já é velheta esse disco. É ai meu Deus,

daqui a pouco eu lembro se a memória me ajudar, mas enfim se você entrar no site ela é

atualmente secretária de educação básica, e fazia o livro. Tomava muito base no livro didático,

tinha certa facilidade de lidar com os pequenos naquela época né; quinta, sexta, sétima série

naquela época eram mais infantis, eram mais quietinhos. Nossa, e tinha uma imensa dificuldade,

sai no braço uma vez por semana, com os meninos do ensino médio, com adolescente, né? Aí

consegui me ajustar, mas aí eu devo ter dado uns três, quatro anos de aula lá, na rede. E daí

pouquinho eu já estava fazendo mestrado já, porque eu comecei mestrado logo depois da

graduação. E a PUC me chamou pra dar aula lá, ai eu larguei o Estado, e foi só esse período que

eu dei aula efetivamente pra criança, pra adolescente, pra jovem e pra rede pública, né? A- Isso

é muita coisa. Passei a dar aula lá na faculdade e no ciclo básico, naquele tempo tinha ciclo

básico, então dava aula de redação e leitura, chamava na época comunicação e expressão grupal,

a todos os cursos, ciclo básico era a todos os cursos, as escalações eram misturadas, então tinha

gente do Direito, da Economia, enfim, de tudo, né? Aí não foi nem tão diferente, porque dar

aula pros jovens, só que os jovens da universidade são mais comportados do que do Ensino

Médio, porque ele acabou de entrar e tal. Embora mais fácil do ponto de vista da dinâmica de

ensino, mas o objeto era o mesmo, porque afinal eu tava dando aula não de conteúdo, mas de

Leitura e Produção de Texto, então mais uma coisa que eu já fazia na rede pública. Então eu

fiquei alguns anos na PUC nessa função, demorou para que eles me chamarem para eu dar uma

aula universitária, uma específica. Específica, a primeira foi Aquisição de Linguagem, então eu

tive que estudar muito e tal, mas acho que eu fui aprimorando minha didática por mim mesmo,

porque eu não me lembro de nenhuma aula não, na faculdade, sobre isso. De fato ela veio dos

modelos dos meus professores, do curso clássico e da faculdade e, calquei no material didático

que eu aprendi.

A - E hoje você trabalha com que disciplina? Na UNICAMP você diz? A - Sim.

E7/ERj - Na graduação, eu dei logo que entrei várias disciplinas introdutórias de primeiro ano,

gosto muito de primeiro ano né, primeiro e quarto. A- Certo.

E7/ERj - Eu dei várias disciplinas de primeiro ano: Letramento, Prática de Letramento, leitura e

Escrita, Prática de Leitura e Escrita, que são disciplinas práticas que tão espalhadas no currículo,

tá na UCAP. Eles têm disciplina prática na área de busca de cada desde o primeiro ano, até o

quarto. Eu dei essas disciplinas durantes uns três anos. Depois faltou professor de estágio,

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porque lá a gente tem também uma disciplina de estágio da Letras, antes deles fazerem estágio

na educação. Porque é uma disciplina que seria mais ou menos equivalente à prática de ensino

né, mas é uma disciplina de 200 horas e, a da prática de ensino que a gente ensina planejar, mas

por meio de fazer material didático né. Ai eu peguei essa disciplina já faz dois anos, vou indo

pro terceiro porque ninguém quer pegar, mas já disse que só fico mais esse ano porque quero

voltar pro primeiro ano, porque os alunos que eu tenho aula no primeiro ano já tão formando

agora nessa ultima turma, né?

A - E ai você trabalhando com essa disciplina, que função que você atribui a ela na formação

inicial do professor?

E7/ERj - Olha eu acho essa reformulação que a UNICAMP fez extremamente interessante na

área de formação de professor, né? A - Sim.

E7/ERJ - É eles reformularam o curso antes de eu entrar, portanto uns seis ano atrás, em

algumas coisas a reformulação foi muito infeliz, por exemplo, em Linguística, porque eles

resolveram fazer, quer dizer, uma formulação onde a Linguística entra por um monte de

módulos e, é muito pouco tempo para eles terem ideias do conteúdo, então eu diria que em

Linguística eles têm uma formação mais frágil do que em Literatura e Linguística Aplicada. A

Linguística Aplicada fez essa proposta que eu achei muito interessante que é de colocar uma

disciplina prática, é, de formação docente por semestre, no primeiro e no segundo ano, e uma

por ano, no terceiro e quarto. E, além disso, Estágio, né? A - Muito bom.

E7/ERj - Estágio e um negócio que chama Investigação Científica e Monografia. Então eles têm

um currículo assim: acabou de entrar têm uma disciplina teórica sobre letramento e prática sobre

letramento; no segundo semestre têm leitura e escrita e prática de leitura e escrita. No terceiro

semestre têm interpretação do discurso, e prática de interpretação do discurso, quer dizer, é uma

teoria. É uma disciplina dum campo teórico-aplicado e mais a prática, então prática-didática

mais investigação prática pode ser até prática-didática, por exemplo, como eu dou leitura e

escrita eu volto pro ensino de leitura e escrita na escola, mas quando dou letramento, não, aí eu

volto para investigação de letramento da população mais ampla fora da escola.

A - Mas de qualquer maneira são disciplinas que são básicas pra poder ser professor, certo?

E7/ERj- Eu posso trabalhar leitura, como trabalhar produção de texto, letramentos, a

interpretação, depois tem uma disciplina que chama Formação de Professor mesmo, mas pra

frente no terceiro ano e tal. Quando chega ali no terceiro ano eles tem esse estágio que eu falei

pra você que são 200 horas de estágio em Letras, onde aí sim, eles amarram. Antes de ir pra

estagiar na Educação, quer dizer, ir pra escola mesmo né? Daí nesse estágio que de certa

maneira eles amarram tudo que eles aprenderam até então, porque a proposta que a gente faz é:

“você vai escolher uma série, ano, do médio ao fundamental e vai pensar uma unidade de ensino

de no mínimo dois meses e fazer o material didático pra ela. A - Bom.

E7/ERj - Vamos construir um material didático pra outro professor, então você tem que fazer o

manual do professor, explicando pra ele o quê que é pra ensinar, como matriz de ensinar e tal,

qual teoria que tá por traz e tal. E aí eles aprendem muito, eles aprendem inclusive conteúdo que

eles não sabem, eles têm pouco gramática, por exemplo, e, têm que trabalhar com a gramática

aplicada ao texto, no material, e aí eles aprendem a gramática e como fazer isso.

A - Interessante. E7/ERj É um encontro, porque agente trabalha, a gente mudou o ano passado,

tá eu a Márcia Abreu, o Ricardo Boni, de gramática, né. E ai a gente mudou o ano passado,

porque antes eles podiam escolher, se fazia em Língua ou se fazia em Literatura, ou fazia em

Gramática. Aí a gente, achou isso muito louco, porque não se vai dar aula de “ou, ou, ou”, ele

vai dar aula dos três né, então a gente se organizou: Eles matriculam-se em que eles quiserem,

mas eles têm que passar pelos três e fazer um fascículo que tenha as três pautas, entendeu.

A - Certo. E7/ERj E aí o muito interessante, porque a ideia daí é que quando ele vai pra

Educação, a Educação, deixe ele pilotar esse material com o alunos, deixe ele ensinar a partir

desse material, né? E pode ampliar e fazer o que quiser. Aí uns festejam e outros não, mas

enfim. A - Outra pergunta. Que saberes seriam necessários para formação e atuação do

professor-formador em sua opinião?

E7/ERj - Olha, eu acho que os saberes acadêmicos, mesmo que eles não tenham uma faculdade

ou um curso que forme bem os alunos para a reflexão teórica, eu acho que os conteúdos teóricos

eles conseguem ir atrás, eles conseguem aprender. Tô falando da minha experiência com os

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alunos da UNICAMP, por exemplo, não sabem gramática, não sabem muito sobre um

determinado gênero, eles sabem ir atrás e achar a descrição e entender e tudo mais.

A - Certo. E7/ERj - Então, o quê que é que eles não têm e, aí eu continuo falando dos alunos da

UNICAMP, e da Puc também, enfim, dos lugares onde eu dei aula, o quê que eu acho que eles

não têm reflexões sobre como se aprende em Letras. Eu to falando, porque isso fica lá na

Educação separado das Letras, se é que é dado, eles não aprendem. Então, reflexão como se

ensina e aprende, ou seja, Teorias da Aprendizagem, Práticas de Ensino, essas coisas, eles têm

muito pouco. A - Certo.

E7/ERj - E até eu acho que eles têm muito poucas ferramenta pra sintonizar com os alunos e

com o processo, então isso é uma lacuna. A outra lacuna séria, quer dizer, eu vejo qual é a

didática mesmo, que acho que falta mais, mas dada direito, o problema é que vai na Educação e

dá uma didática separada do objeto e, vai na Letras e dá objeto separado da didática, entendeu.

Esse eu acho que é o problema central. Nessa disciplina do estágio, a maior dificuldade que eles

têm é justamente didatizar, ou seja, em vez de ficar falando pro aluno que eles são as coisas,

levar o aluno a possuir conhecimento, sabe, fazer a pergunta certa. Isso é o parto da montanha,

que eles entregam o primeiro material, falando pros alunos: isso é assim, isso é assado. Não é

pra falar nada, é pra levar o aluno a falar isso pra você. A - Sim.

E7/ERj- O processo inverso. Você tem que fazer as perguntas de maneira que eles cheguem a

essas conclusões e, apresentar os exemplos; é o parto da montanha, mas sai. Só que o engraçado

é assim: primeiro é muito difícil, aprendeu a fazer, os outros eles fazem com a maior facilidade,

quer dizer, o objeto em si eles sabem muito bem ir atrás e, buscar informação né? Aí a

dificuldade é conduzir uma aula, é didatizar, é olhar, é avaliar o processo, é saber o quê ensinar

em seguida, essa é a dificuldade, o desafio. A - Sem dúvida. Agora, há quem diga, por

exemplo, Tardif, que vários saberes do professor são construídos na experiência docente, como

que você vê isso?

E7/ERj - Acho que deve ser verdade, porque os meus foram construídos assim. A - Você é

exemplo disso. E7/ERj - Eu nunca escutei isso, mas acho ajudaria se essa experiência fosse

refletida, né? Fosse debatida, fosse discutida, né? Porque também pra aprender eu sacrifiquei

turmas e turmas de alunos meus em cima do palco. A - A construção prevê isso, né?

E7/ERj - Mas se caísse a casa o engenheiro era processado, né? Todo mundo é, e o professor

não é. A – É verdade. E7/ERj - Esse é o problema, então eu acho que deveria haver mais

espaço na universidade pra eles poderem, é praticar, não da maneira como o estágio de

Educação faz, é olhar o outro. Ter um espaço pra poder dar aula e refletir sobre a sua prática.

A - E como que você traçaria o perfil de um professor-formador?

E7/ERj - Em primeiro lugar eu acho que uma condição política e ética forte e sólida, né? Eu

acho que se trata aí, eu acho que no Brasil hoje particularmente se trata de desenvolver um

sentido de ética na profissão desses professores. Eu acho que muito do que acontece nessa nossa

mazela “ensinante” aí né? É um pouco falta de reflexão sobre o quê significa ser professor.

Então é isso que eu falei né: O médico mata o paciente, ele é processado; cai a casa o

engenheiro é processado; e o professor, às vezes, se desresponsabiliza, ou entra em conflito com

o aluno e, não vê o alcance que isso pode ter em termos de vida pública dessas crianças e da

sociedade em geral. Então eu acho que a questão da ética da responsabilidade social é uma coisa

muita importante no professor formador e, da própria posição política, quer dizer, conhecer um

pouco. Agora eu tô dando um curso pros professores da rede, aqui em São Paulo, pra

especialização e, eu fiz uma disciplina inicial pra eles que é de História do Ensino de Língua

Portuguesa no Brasil. A - Certo.

E7/ERj - A ideia é justamente trazer os contextos políticos nos quais os diferentes currículos

apareceram, né? E eles estão falando muito isso, quer dizer, a gente fica cumprindo obrigação,

um pouco disso que to falando quando eu acho que falta ética e política, né? É a gente ficar

cumprindo obrigação, vem o TCE e diz: Trabalhar com competência. E a gente não sabe nem o

que está acontecendo, né? Daí quando você conta história da Europa unificada, da onde isso

veio da UNESCO, do num sei o quê, pó, pó, pó, e eu relaciono com o quê eu tô fazendo. É ai,

que eu entendo o quê é que eu tô fazendo, e pra quê, né? Eu acho esse alcance político ético

básico, né? A segunda coisa é eu acho que ele tem de ser ele mesmo. O professor, ele tem que

saber Didatizar, é levar o colega a didatizar melhor, levar a sintonizar melhor, que eu acho que é

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a grande dificuldade deles, hoje em dia, com o seu alunado. O alunado hoje em dia é um

alunado pro professor difícil, né? Como lidar com isso é uma questão, de novo, que envolve

política de cultura e tudo mais. E então eu acho que essa visão que as universidade não dão, ou

dão pouco, seja talvez a principal característica de um formador hoje, né?

A - Ótimo hoje qual a sua frente, qual a sua linha?

E7/ERj - Eu tenho trabalhado já há alguns anos com análise e discussão de materiais didáticos

né? Em especial, primeiro o livro didático durante muitos anos, a partir do ano 2000 mais ou

menos até 2006 mais ou menos, porque coordenei e depois fiz parte da equipe de avaliação de

livro didático do ministério. Então transformei esse trabalho numa pesquisa e, a gente tem um

diretório, um grupo de pesquisa de diretório da CNPQ, grande, junto com Minas Gerais,

Pernambuco, sobre esse tema. Mas essa pesquisa minha acabou em 2006 e, eu já tava um pouco

assim não bem desencantada com o tema, mas achava que já tinha pelo menos pra mim dado o

que tinha que dar. Então já achava que o livro já tinha melhorado tanto quanto ele podia

melhorar né, dentro da política do ministério, o livro didático que eu to falando, não dos

caderninhos, das outras publicações, apostilada do livro né. Achava que ele tinha melhorado

bastante e, que outros tipos de melhorias que estavam passando a ser exigidas não caberiam no

impresso, sabe, no livro propriamente dito, porque eu acho que as mudanças que começam a

acontecer depois de 2005 até o momento, são mudanças de plataforma, né? Eu acho que o que

se está colocando agora é essa necessidade de lidar com as plataformas digitais é, para o

trabalho, para a vida pública, para a cultura, para a cidadania, pra tudo. Então aí, quando acabou

em 2006 essa pesquisa acabou não, ela não acabou ela continua lá, como diretório, ainda tem

muito aluno trabalhando com isso, com áreas, vários tópicos, várias frentes. Mas agora eu tô,

meu projeto tá voltado pra materiais multimídia e hipermídia é, em estilo plataforma, para que

os professores possa usar quando estiverem equipados e formados pra usar, né? Então, eu to

começando a pensar como produzir protótipos de matérias nessa direção.

A - Interessante. Agora pra finalizar, uma última pergunta: o que é formar um professor para

você? E7/ERj - Um pouco disso tudo que eu falei, acho que formar um professor, na nossa área

a gente muito frequentemente acha que formar um professor é fazê-lo saber dos conteúdos, né?

Eu vejo os cursos que a UNICAMP monta, é mais ou menos assim: Dar a cada um a sua

disciplina; Sociolinguística, Fonologia, pó, pó, pó. E o formador vai lá falar dos conteúdos. Eu

acho que isso não basta de maneira nenhuma. Tem uns conteúdos que são importantes para a

didatização, quer dizer, eu não vejo porque é posto por muitos da UNICAMP, na formação dos

professores, que tem de ter uma disciplina sobre Neurolinguística. Não é pela afasia. Eu espero

que os alunos não sejam apáticos e menos ainda o professor, né? Então eu acho que isso não

cabe. Acho que cabem, os conteúdos já de certa maneira, num certo nível de transposição, num

certo nível de didatização. Fonologia sim, mas não pra saber o alofônico da epiglote, mas pra

saber que impacto tem o conhecimento da consciência fonológica, por exemplo, na

alfabetização. Ou seja, um conhecimento aplicado já aos objetos de ensino, nesse sentido eu

acho que algumas disciplinas são mais importantes que outras como Análise do Discurso,

Enunciação, né? Teoria de Texto, os estudos que se fizeram sobre a leitura, gramática, mas

gramática aplicada ao texto, enfim. Há um conjunto de disciplinas Literatura, obviamente, mais

importantes do que outras. Então eu acho que é um conteúdo sim, mas um conteúdo específico

pra currículo e, já num certo nível de didatização. Não adianta querer falar tudo e, querer

reconhecer tudo que, não garante que saiba transpor isso pra sala de aula, né? Então eu acho

que, outra coisa importante é aprender a didatizar, use ou não o livro, ele tem que saber fazer

isso com a turma dele. Avaliar o processo, saber fazer a pergunta certa, encaminhar a atividade

certa, etc. E por fim é isso permeado por uma discussão política e ética, de ensinar o quê, para

quem, com que finalidade? Inclusive sempre sai né: “Ah é pra formação do cidadão". Tá, que

cidadão? A - Claro, sem dúvida.

E7/ERj - Que cidadão que se está falando? Então eu acho essa discussão foi muito típica do

Alfredo sumiu do pedaço e, tá na hora de voltar, né. Hoje mesmo eu tenho ouvido sobre isso do

Apple. A- De qual livro? Um livro do Apple, não ta aqui não porque eu já levei pra lá, mas

chama Apple e não sei mais quem, é um cara político - crítico lá dos EUA. Uma coletânea de

texto que se chama currículo não sabe o quê, não sei o quê, para uma educação dos

subordinados, acho que é isso, bem legal. É uma reafirmação do currículo crítico que eu achei

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bem legal. Vale o teste. A - Obrigada. E7/ERj -Espero que você tenha uma boa experiência com

seu estudo.

Entrevista E8/EP

E8/EP - Eu comecei a estudar no jardim da minha mãe. Então eu tenho bem esse modelo em

casa em Belo Horizonte, minha mãe é professora, minha avó é professora e aí eu estudava no

Jardim da minha mãe, era perto da minha casa, e eu lembro que eu tinha que todo mundo

esperava os pais chegarem pra irem embora e tinha merendeira, eu não. Porque eu ia merendar

em casa, porque era perto, minha mãe estava sempre lá. Então eu tinha até algo diferente com

relação aos outros colegas. Depois eu estudei o processo de alfabetização, era bem cartilha

tradicional, b+a ba, b+ e be, fazer ficha, copia, memorização, eu lembro das letrinhas

desenhadas, então eu acho que realmente era calcado na abordagem mais tradicional. Daí

depois, eu segui. A mesma forma numa escola particular e ir até o terceiro ano, na mesma

escola, a escola tinha um cunho católico era o Colégio Santa Maria, e é não avisava data de

prova, você tinha de estar em dia com os conteúdos e tudo mais, porque a qualquer momento

podia ter avaliação, era colégio bastante exigente, apertado, extremamente tradicional, de

conferir a meia branca na entrada, sem, você não conseguiria entrar no colégio. Mas um colégio

que de certa forma você tinha nome, as professoras te conhecem, a diretora te conhece, não era

tão grande. Havia um sentido mais pessoal mais individualizado, você tinha um histórico, na

escola e você não era só um número a mais. Então tinha alguns professores bem significativos

na minha trajetória, eu destacaria o professor de Biologia, por causa da influência dele fiz

inscrição pro meu vestibular pra ciências biológicas, na Puc, passei. Mas aí vi que não era muito

a minha praia. E depois por causa da professora Lívia, fiz Direito na FUMEC. Depois de um

ano já passei no Direito, tentei Letras na federal. A princípio fui fazer Letras pra subsidiar o

Direito, na questão da argumentação, da oratória que o Direito demanda. Aí fui buscar isso lá,

na UFMG. Então eu fiz o curso, aí concomitantemente ao direito, fiz direito de manhã e à noite,

na Letras na UFMG. E à tarde fazia estágio na área do direito, fui fazer estágio na magistratura,

é que eu realmente acreditava que seguiria a magistratura, aí eu fiz os dois, me formei nos dois

cursos, mas sempre foquei o Direito, não levei com tanta seriedade o curso de Letras, como

tinha levado o Direito, tava sempre tentando um concurso e tudo mais. Aí minha mãe, depois

que terminei, tinha que começar a trabalhar né? E eu queria concurso. Então minha mãe falou

assim “porque você não começa a dar aulas, meio horário, e daí você consegue organizar a sua

vida pra poder estudar no outro turno, e tentar concurso”. E aí fiz isso, minha mãe trabalhava no

Projeto Veredas, um projeto de formação de professores, e eu fui ser tutora no projeto, e eu era a

única que tinha curso de Letras, os outros todos eram pedagogos, minha mãe é pedagoga. Então

lá eu percebi um jeito de lidar com a educação, uma coisa mais alegre, mais animada afetiva,

inclusive que o Direito não tinha. É uma formalidade, muito diferente do curso de Letras,

pessoa de terno, aquela coisa austera, muito séria, aquele curso duro. Muito teórico, eu nem

gostava muito disso, num me sentia muito no papel, questão muito burocrática e tudo. Aí

comecei a dar aula apesar da modalidade da educação à distância, que é outra relação a questão

da aprendizagem e aí me apaixonei. Opa! Acho que isso que eu quero fazer e aí eu mudei todo o

planejamento e fui fazer mestrado em Educação. Aí comecei, no VEREDAS, comecei a prestar

a atenção nos memoriais e dos memoriais pensei em montar um projeto de pesquisa pro

mestrado. Foi embasado nos memoriais e no papel do tutor na educação à distância, porque eu

era tutora, depois daí a dois anos, trabalhando nesse projeto fui trabalhar em faculdade

particular, em Minas, depois numa coordenação no curso de Letras, depois não parei mais.

Terminei o mestrado, fiz doutorado em Linguística Aplicada, e eu me lembro da Malu, quando

ela perguntou assim numa aula numa disciplina. - ô você já tem orientador? E eu respondi “você

num quer ser?” Ela tinha acabado de ganhar o Alexandre, com 200 mil orientandos. Ela

arregalou os olhos e disse “vamos lá”. E aí eu me lembro na primeira reunião no gabinete dela,

eu tinha muito desconforto e eu tinha que falar um pouco do lugar da educação. Eu senti um

pouco de preconceito. Assim em fazer uma pesquisa na Educação, ensino, e aí eu falava com ela

assim “Olha Malu, eu queria fazer isso, a princípio o meu trabalho era trabalhar, analisar o

gênero memorial”. Pensar os aspectos constitutivos do gênero memorial, e trazendo Bakhtin, as

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questões do gênero do discurso e tudo mais. Aí eu ficava falando com a Malu: “Malu, mas isso

não é muita educação”. E ela tá assim: “Olha aqui, nesse espaço aqui? Você não vai, o que você

vai fazer você vai ficar à vontade, pois é isso que interessa pra gente”. Ai, enfim, a Malu me deu

todo apoio, sabe, então comecei com o gênero memorial e depois eu fui percebendo que eu não

queria trabalhar com o gênero, eu queria pensar o discurso do professor através do gênero.

Então eu trabalhei com a análise do discurso do docente, revelado no gênero memorial. E ai

veio a teoria das representações sociais pra subsidiar a pesquisa no doutorado. Enfim, fui pra

França, fiz o sanduíche, num laboratório que trabalha a teoria das representações.

A- Onde você se formou o que você já fez, por que escolheu ser professora?

E8/EP - Então por que escolhi ser professor; na verdade eu fui escolhida, né? Eu até tinha uma

resistência, pra te ser sincera. Eu falava que não queria ser, eu via a luta da minha mãe, enfim, a

falta de reconhecimento, a falta de valorização e, eu achava que o Direito que era o bacana, dava

status. Inclusive meu pai até hoje não se conforma de eu ter deixado o Direito. Olha que eu

terminei o doutorado, to aqui concursada. Ele fala assim “Tá agora que você terminou o

doutorado porque é que você não faz um concurso pra magistratura?” Eu falei “Pai, eu já estou

concursada, você não entendeu, como é que eu vou voltar do zero e começar lá? É o que eu

gosto de fazer.”

A - E ele é advogado? Não ele é da contabilidade.

E8/EP - Mas assim, realmente sou muito feliz na minha profissão, muito feliz, muito realizada.

Sabe assim eu, assim, particularmente no departamento da unidade que eu estou, que é de

ensino, teoria e prática né, assim eu me encontro. Eu tenho um feedback muito positivo dos

alunos, então não me arrependo, sabe, da escolha que fiz, em momento nenhum. Minha

carteirinha, eu tenho a carteirinha da OAB, eu ainda advoguei um ano, mas aí suspendi, parei de

pagar a anuidade e, tá lá a carteirinha.

E8/EP - Acho que meu lugar é sala de aula. Bastidores mímicos sabe eu não gosto tanto, não.

Há quanto tempo atuo? Então eu me formei, com 23 anos em Letras. Daí eu já estou com 34,

tem onze anos que eu já trabalho dando aula e, ensino superior.

A - Certo. Com qual disciplina você trabalha no curso de graduação?

E8/EP - Então eu trabalho com as disciplinas de Estágio, estágio aqui em departamento, e, em

geral toda minha trajetória tem a ver com o ensino, né? Didática, Metodologia da Língua

Portuguesa, Prática de Ensino. Quanto a gente faz um concurso aqui aí você faz pra unidade.

Então eu já fiz pra unidade de ensino, todos os pontos eu tirei “AB”; Ensino de Leitura, Ensino

de Escrita, tem a ver com a prática. Você tem que cobrir primeiro sua unidade pra qual você fez

o concurso. Ai esse semestre passado eu trabalhei com estágio de ensino de leitura, estágio de

escrita, estágio de análise linguística e regência. Ensino de Língua Portuguesa. Ensino de

Língua Portuguesa é de Regência e as outras três de observação. E esse semestre eu trabalho

com alfabetização e letramento e, oral e escrita, estágio de oral e escrita e regência do ensino

Língua Portuguesa. Todas relacionadas com o estágio. É.

A - Que função você dá a ela na formação inicial do professor?

E8/EP - Então eu acho que aqui no curso de Letras, inclusive há uma em geral dos alunos, que

falta esse cunho da licenciatura de fato. Eles passam uma boa parte do curso, teoria, teoria,

teoria e, não sabem o que fazer com tanta teoria. Então esse é o momento em que significaria

tudo, o momento do estágio. Eu acho que não deveria ser só o momento do estágio, eu acho que

toda a disciplina teórica deveria ter uma abordagem, uma aplicação disso mesmo.

A - Cada um traz sua prática. Mas, como que essa prática trabalha com os alunos?

E8/EP - Ah, através do seminário, o seminário é a prática da disciplina. E ai sua professora diz

eu juro por Deus, eu só agora, nesse momento, no sétimo período, eu fui ver alguma coisa que

realmente tem a ver com sala de aula. E eu estou me formando professor né? Num curso de

licenciatura, que eles realmente delegam toda a questão da aplicação para as disciplinas de

prática, de estágio. Responsabilidade dos professores de prática.

A - E, por exemplo, no seu caso a questão da Literatura, e do ensino médio o quê você tem a

dizer, porque às vezes é muito voltado paras as primeiras séries ou alguma coisa assim.

Especificamente para o ensino médio, vocês têm alguma coisa voltada pra ele, como que é

tratado o ensino médio?

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E8/EP - É, na verdade assim, o estagiário pode escolher trabalhar tanto, não tem o estágio pro

ensino fundamental e depois pro ensino médio. O estagiário pode escolher tanto um quanto

outro; conforme o interesse dele, como quanto à disponibilidade da escola. Na verdade a gente

faz contato com as escolas pra receber os estagiários, mas muitas escolas não aceitam os

estagiários, têm uma resistência, ou, eles dão graças a Deus, e ai você vai pedir ao professor,

perguntar pro professor, “você vai acompanhar?” E eu vou planejar minhas aulas, lá na sala dos

professores.

A - Eles querem substituto.

E8/EP - É deixo o meu estagiário. Continua a entrevistada. Olha é uma pena chega a um

absurdo de não receber estagiário de observação só de regência, porque o de observação vai

ficar ali pro trabalho, olha que absurdo.

A - E não tem assim, algum acordo, por exemplo, da universidade com as escolas?

E8/EP - Não, na verdade é um acordo assim tácito, assim uma troca, mas muito pela

conveniência da escola, e ai há aqueles professores que já são mais antigos na casa e, que vem

fazendo o trabalho há mais tempo e perpetua esse trabalho, igual ao meu caso que, eu cheguei e

fui tendo que estabelecer contatos, e, eu trabalho com três escolas, uma até que muito próxima,

mas muito desorganizada, sabe, deixou muito a desejar.

A - E as salas são cheias?

E8/EP - São cheias. Em algumas, os alunos, chegam a qualquer momento, não têm uma

regularidade assim “ó tal horário pode chegar, depois disso a gente não vai deixar entrar”,

interrompendo a aula, é ventilador quebrado com esse calor, é pega os estagiários pedem para

reservar o data show e, planejam a aula, pra despertar o criativo e, de repente o data show não

funciona, não tá lá, a pessoa encarregada não chegou ainda, é um caos assim, sabe? E ai eu fico

perguntando pra eles: mas vocês acham que eu devo deixar de trabalhar no Figueiredo, se você

pensa é aqui do lado, é quase no quintal da UFC. E aí é superinteressante pra ver, que a gente

consegue encaixar as outras disciplinas dos alunos com o estágio, não atrapalha essa questão da

indisponibilidade dos alunos, que em geral, eles têm outras disciplinas e aí de repente eles

podem ter uma disciplina no primeiro horário e, fazer o estágio no segundo horário, a pé. Por

isso é muito interessante fazer o estágio aqui no Figueiredo. Mas assim eu fico perguntando pra

eles, “oh gente vocês acham que eu devo desistir?” Porque, às vezes, é tão problemático, tão

problemático que o aluno acaba comprometendo o estágio em si, eles não conseguem agir. Mas,

no final, no final das contas, eu acho que valeu a pena, sabe, que a gente provocou uma certa

mudança no cotidiano da escola, a gente teve um retorno positivo dos alunos, e então assim

apesar do caos, eles têm gostado de trabalhar no Figueiredo, por exemplo. Mas assim, têm

evitado frequentar a sala dos professores, porque eles falam que os professores são

extremamente pessimistas, que ficam tentando fazer com que eles desistam da profissão, que

ficam só contando os dias pra aposentar.

E8/EP - É sinceramente, eu não sei o que é que emperra, porque assim, meus alunos dos

estágios são excelentes, se você olhar um portfólio deles, assim, de atividade de leitura, de

escrita, de oralidade, enfim, das atividades paradidáticas, assim te impressiona a riqueza. Daí

você vai para escola, você não consegue imprimir.

A - Entendo.

E8/EP - E que acabam reproduzindo aquele “modelão” e ai acabam no livro didático, que você

vai ver as escolhas são só da gramática e, ficam lá só passando no quadro, aquela repetição,

aquela coisa chata, metódica. Então assim, esses alunos mesmos ficam assim indignados com as

aulas que eles assistem no estágio de observação. Pra daqui a dez anos se bobear, quando eu

mandar um estagiário para os alunos ai, eles vão fazer isso.

E8/EP - Eles têm o discurso, eles têm a formação, eles estão assim de certa forma antenados

com o que se espera da educação atual. Mas eu não sei o que acontece, não impacta lá na escola.

Por ficarem acomodados. A questão da avaliação ainda é algo que tem essa imagem da

fiscalização, do controle, uma coisa que vem de fora, que não faz parte do processo, eles têm

uma resistência. E o que muda? Nada, sempre a mesma coisa, tem isso também. Avaliação não

dá nem pra falar né, o processo de avaliação ele é assim insano, o que muda o que resiste é o

louco da escola, o que ainda sabe, “ah quero fazer dessa forma, eu acredito” é o louco, é taxado

como louco. “Pelo amor de Deus, você vai continuar insistindo nisso”. A - Triste.

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E8/EP A função que você dá a ela na formação leitura. Então eu acho essencial pra questão da

identidade do professor, realmente acho que é quando eles se sentem futuros professores né. Na

verdade eles estão em formação naquele momento do estágio, o momento. é isso que está sendo

construído, “vou me formar professor”, que até então essa cara do professor, essa identidade de

professor, não é nem mencionada nas outras disciplinas.

A - Que saberes seriam necessários para formação e atuação do professor-formador?

E8/EP- É eu acho que é isso, essa coisa bem plural, é eu acredito muito na questão do

interacionismo porque eu acho que é dialógico mesmo, acho que a gente se forma professor-

formador pensando. Quer dizer, é o aluno que nos bota sentido. Eu só sei o que me significa

como professor se eu tenho um aluno que de fato é aluno, quer dizer é uma coisa dialógica,

parece complementar. Então assim eu acredito na transformação pela interação. Acho que tem

que dar espaço pra voz, pra dar vazão às vozes, pra gente dialogar, pra gente saber interesses

que esses alunos têm, enfim, pra gente poder entender e poder construir coletivamente essa

identidade. E às vezes eu acho que não há, assim, espaço para muito diálogo, acho que tem

gente que vem reproduzindo uma prática.

A - Se você fizer diferente depois, todos os outros vão ter que se empenhar.

E8/EP - Com certeza pode acontecer esse risco, porque igual, por exemplo, meus estagiários

chegam na sala e chegam com oficina, com atividades mais dinâmicas, diferentes, ai depois eu

vou assistir a aula e, pergunto para os alunos “E ai, vocês estão gostando do estagiário ? O quê

que vocês destacariam pontos positivos, pontos negativos?” Ai eles dizem: “Professora, não

deixa a outra professora voltar” “tá bom de mais”. Ai penso, gente, mas não é o caso de

comparar, são pessoas diferentes, a gente tenta, mas eles querem muito continuar com os

estagiários. Então assim, é possível fazer uma prática diferente, sabe assim, não é culpabilizar o

professor, mas é questão do sistema mesmo, o sistema engessa, sabe, tem que ter muita

coragem, tem que ser muito guerreiro pra você resistir ao sistema, né? Pra você não cair na

mesmice.

A- Há quem diga, por exemplo, Tardif, que vários saberes do professor são construídos na

experiência docente. Como você vê isso?

E8/EP - Eu concordo, eu acho que há saberes que agente, são acadêmicos, enfim e que a gente

vai “resignificar “e reelaborar na atuação, no agir do professor, e ai não tem receito mesmo não,

cada sala, cada realidade, cada um pode cada momento. Cada momento pode ser um diário.

Não, mas realmente, cada um, cada momento é difere do outro, você vai fazer suas escolhas

diferentes, você vai ganhando segurança em algumas, algumas se replicam outras não e, assim

você vai se fazendo professor, né, algo muito dinâmico. Eu acho que essa questão pendente da

eu acho que precisa realmente ter algo de referência que, constante, assim, contínuo, que você

vai revisitando, vai atualizando, mas eu acho que você precisa ter uma referência, porque

também senão você se perde ali na atuação. A- Sim.

E8/EP- E há outras variáveis, outros elementos que você vai acomodando, conformando à

situação. Mas eu acho que você tem um traço, tem uma coisa que é sua e, que você vai

percebendo em todo e qualquer instância que você atuar.

A - E que ganha com outras, né?

E8/EP- Talvez assim, há traços que são mais resistentes, mesmo assim, que você, até pra ter

uma coerência, né?

A - Como você traçaria o perfil de um professor-formador?

A - Eu acho que essa já foi respondida. Então vamos pra outra pergunta. Qual a sua frente de

trabalho em pesquisa e, que contribuições ela tem oferecido para sua ação como professor-

formador?

E8/EP - Então eu trabalho com a teoria das representações e, aqui particularmente eu vou

trabalhar com as representações dos professores de língua materna no e para o curso de Letras.

Então deixa explicar, eu vou trabalhar com as representações que circulam na academia aqui, na

instância acadêmica, sobre o professor de Língua Portuguesa, pensando nos alunos, como eles

se veem como futuros professores; os professores de Prática de Ensino, que perfil que eles têm

de professor de língua materna. Vou trabalhar com os documentos prescricionais, então, como

que esses documentos desenham o perfil do professor de língua materna e, com os que já

formaram e atuam como professor de Língua Portuguesa, como eles se veem como professor de

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língua materna. Aí eu vou tentar entrecruzar todos esses dados pra chegar também, em ao

menos uma tentativa, de aproximação do que é o perfil do professor de Língua Portuguesa, e o

que destoa e o quê que converge dessas instâncias todas, partindo das representações.

A - Partindo das representações sociais.

E8/EP - Então assim, eu ontem até, eu representei uma parte, bem começando da pesquisa, que

são os êxitos dos relatórios dos estagiários, por exemplo, como eles veem o ensino de oralidade,

como eles veem o ensino de leitura, como eles veem o ensino da gramática mais linguística,

como eles veem o ensino da escrita, porque o modo que eles veem também faz com que eles

veem como é ser um professor de Língua Portuguesa, acaba que refletindo o ser e vice-versa. É

e ai, eles vão colocando no relatório, por exemplo, no da oralidade, ele colocam: “Não há

trabalho com oralidade, ou a oralidade ela é sempre, ela acaba exercendo sempre papel

complementar, vem ali, como é que você trabalha a oralidade em sala de aula? Eu trabalho, por

exemplo, o aluno apresentando um trabalho, ou, enfim, fazendo pergunta, e não a oralidade

como objeto de ensino,” Ou então oralidade em dicotomia com a escrita, como se a gente

tivesse que combater a oralidade em sala de aula, “oralidade atrapalha a escrita” e, não como um

contínuo mesmo da escrita, um terreno rico aí pra, por exemplo, os gêneros híbridos, enfim. E aí

eles vão colocando no relatório e, eu vou sabe, pontuando, catando essas coisinhas ora gente

pensar, como é que é o professor.

E8/EP - E ai assim, eu tenho um projeto maior que é pensar, representar, o quê que é de traço

comum do professor, do senso docente, e ai algo que ultrapassa a questão local, regional, Brasil,

França. O que realmente define um professor de língua portuguesa, então a representação de

referência é esse eixo tem algo que é comum, identifica esse grupo, e, o quê é que foge.

A - É interessante.

E8/EP - Pois é mais tem que ter alguma coisa em comum que a gente faz, assim que permite

que agente identifique “esse é o professor de Língua Portuguesa, entende, assim, tem algo em

comum, que é o fluxo, tomara que não seja a gramática.

E8/EP - Aqui no curso de Letras você pergunta por que eles estão aqui e, em geral é essa a

resposta: “porque eu não gostava da matemática”, é complicado. Lá na França, eu conversando

com a Françoise, minha orientadora no “sanduíche”, e ela disse “você vai analisando os dados,

ai tinha alguns exemplos que as professoras faziam analogia pra descrever a profissão delas”.

Então uma falava que é a profissão, “Ser professora é como ser uma agricultura” ai vem

comparando as etapas da agricultura: você planta você molha você não sei o quê, ai depois você

vai colher. Essa coisa quase braçal, né. E a outra, a professora era ourives, comparando o

professo à atividade do ourives, porque vai lapidar pegar a pedra bruta e não sei o quê. Então

pra mim assim, entendi porque um e porque outro e tal, para a professora significar o ser

docente, ótimo. A Françoise está assim: “EP, mas como que pode uma coisa dessas, agricultor é

tão diferente do ourives, como que ele se identificou com o agricultor?”. Mas possivelmente lá

na França ela não conseguiu perceber que aqui professor é isso: Uma coisa quase braçal, uma

coisa visceral, aquela coisa suar, muito trabalho, muito entrega. E lá não, ela achou que fosse

uma coisa mais minuciosa, e ela entendeu, pra ela produziu muito mais sentido no ourives do

que no agricultor. É, e talvez tenha deixado de fora aí o trabalho do aluno também, né? Porque é

o conjunto.

A - E o que é formado um professor pra você?

E8/EP - É eu acho que é essa ideia mesmo do educador, no sentido de Paulo Freire. Alguém

que seja capaz de fomentar a criticidade desse aluno, quer dizer, que não fique pensando em

língua, tão somente lá em língua; conjunto de regras, mesmo questão do gênero, vai categorizar

esse gênero, pertence a isso, sequência tipológica, enfim, que fica tentando colocar cada

coisinha na sua caixinha. Acho que é um sujeito que consiga mesmo lidar com a., que seja

habilidoso com a linguagem né, que consiga deixar sua marca ali, quer dizer, formar o professor

pra fazer isso, que aluno consiga deixar sua marca ali na sociedade, que consiga ter sua

identidade ali garantida. Acho que pra fomentar mudança, pra sair dessa reprodução social

mesmo, acho que agente tem esse dever, e, é algo de muita responsabilidade, mas muito nobre

né, muito gratificante assim.

A - Obrigada.

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Entrevista E9/EC

A - Eu gostaria que você primeiramente me falasse da sua formação acadêmica e, de preferência

de sua história de formação, a sua história escolar, onde você começou, quando, enfim, é

possível? Cláudia: Sim. Eu sou professora da universidade federal de São Paulo, do curso de

Pedagogia, e a minha disciplina, na verdade eu tenho três disciplinas básicas. Eu vou me

apresentar um pouco tá. Tenho três disciplinas básicas que é: alfabetização e letramento,

fundamentos históricos e práticos do ensino de língua portuguesa, e, eu acompanho estágio.

Além dessa eu dou uma eletiva pra educação de jovens e adultos, que você já vai entender

porque eu dou essa eletiva. Pra um curso de Pedagogia, tem muito a ver com a minha trajetória.

Bom, a minha trajetória no campo de educação, ela começa antes do ensino superior. Então eu

sou uma terceira filha de uma família de cinco filhos e, as minhas tias, a maior parte das minhas

tias são todas professoras, eram né, professoras de escola pública, hoje elas estão aposentadas e,

agente sempre viveu no meio dessas professoras, dos cadernos, dessas questões de escola,

musiquinhas, historinhas e tudo mais. Isso era o ambiente um pouco da minha infância. E eu

confesso pra você que eu nunca tinha pensado em ser professora até o momento que eu fui pro

colegial. É a minha família é uma família de classe média, média baixa, com altos e baixos

financeiros e, exatamente quando eu estava., eu sempre estudei em escola pública, em São

Paulo, exatamente quando eu tava pra me decidir o que eu ia fazer no colegial, porque na época

que eu estudava agente podia escolher por cursos técnicos: Era secretariado, tinha alguma coisa

de análise de laboratório, tinha alguns cursos né, eu não me lembro bem quais. E também tinha

a habilitação específica para o magistério né, não era o normal e nem era o CEFAM, eu peguei

exatamente o meio dessa história. E eu me lembro bem que a ideia era fazer a habilitação pro

magistério pra poder ter um trabalho pra poder ter um dinheiro, poder trabalhar e fazer uma

universidade. Mas a questão do professor era uma questão que não estava claramente colocada

pra mim. Daí eu fui fazer o magistério, fiz o primeiro ano numa escola pública perto da minha

casa, primeiro ano do ensino médio, e ai quando eu terminei o primeiro ano eu me transferi para

uma escola que tinha habilitação específica para o magistério né, em nível de segundo grau, que

era uma escola pouco mais distante, nova, ela tinha acabado de se transformar numa escola

estadual só pra trabalhar com habilitação específica pro magistério, então não tinha outros

cursos, não tinha o colegial comum lá. E eu entrei nessa escola ai. E nesse momento eu acho

que começou a delinear um pouco o que eu iria fazer posteriormente, então eu tive algumas

oportunidade muito interessantes, apesar de estar na escola pública, e no final de um projeto de

escola pública que ainda garantia alguma coisa pra quem conseguia permanecer. Eu peguei

professoras recém-formadas da Pedagogia, algumas pesquisadoras trabalhavam nessa escola

pública e, eu me lembro delas tentarem fazer um desenho de magistério muito diferenciado,

então a minha professora de didática que me acompanhou nos três anos, era uma professora que

montava grupo de estudos com os alunos, os mais variados, agente fazia. Ela conseguia com

que a gente fizesse projetos de intervenção em algumas, alguns centros educativos próximos à

escola, então pra além do estágio a gente ainda atuava junto a crianças que estavam em centros

educativos, como projetos alternativos de orientação pra estudo. Então a minha história, acho

que com a educação começa ai no magistério, quando eu começo a descobrir um campo que eu

nunca havia pensado, apesar de conviver muito. E essa coisa também da idade né, conhecer o

mundo né, começa ai, essa professora trazia as programações de cursos, palestras. Eu me lembro

da primeira vez que eu fui pra USP, que era um sonho, ir pra USP e, a gente foi pra um encontro

de educação e, eu fiquei muito impressionada, eu me lembro dela ter nos levado pra ver o Paulo

Freire falar pela primeira vez no Caetano de Campos, logo que ele voltou do exílio. Então era

um momento de fervor, sabe, assim, muito interessante pra mim. E naquele momento eu tomei a

decisão de fazer o curso de Pedagogia, logo no final do magistério eu sabia que eu queria fazer

Pedagogia e, eu tinha diferente das minhas irmãs, uma delas também fez Pedagogia, outra fez

Biologia, das minhas duas primeiras irmãs, a minha irmã escolheu fazer a universidade próxima

de casa, era uma universidade privada. Eu queria fazer Unicamp, porque era um curso novo,

tinha acabado de ser montado, Paulo Freire tinha ajudado a montar o currículo, eu achava o

máximo isso e tinha a PUC, tinha um bom curso de Pedagogia e a Universidade de São Paulo.

Mas eu estava vindo de uma escola pública e, de um curso de magistério também que não

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trabalha com todas as áreas do conhecimento que são solicitadas pro vestibular e, eu tinha que

trabalhar também, então o quê eu fiz, eu comecei a trabalhar num centro de atendimento a

crianças. Um centro educativo, aqui em São Paulo chamava “Orientação sócio-educativa ao

menor”. Pegava as crianças no contra-turno e a gente ficava com as crianças no contra-turno da

escola, crianças que tinham de classes populares, de grupos populares, então elas iam lá, a gente

chamava de usinas, “fumiupas”, e as lições de casa, fazíamos uma série de lições com elas e, foi

o meu primeiro trabalho no campo de educação. Foi bastante interessante, porque como eu

estava fora do âmbito escolar agente podia experimentar coisas que na escola. A gente achava

que na escola tinha uma coisa mais formar e, lá a gente podia brincar jogar, trabalhar muito com

arte, com “contação de história”, então pra mim ali foi um campo bem interessante para

experimentar educação não formal. Ai, bom, não dava pra passar no vestibular sem fazer

cursinho, ai eu fiz cursinho, prestei USP, Unicamp eu não pude prestar, porque meus pais

achavam um absurdo uma filha ir morar em outro município. Bom, no final das contas eu passei

na PUC e, eu passei na primeira fase da USP, mas não na segunda. Então passei na PUC e fui

pra PUC. É logo que eu entrei na PUC eu conheci uma professora de sociologia que também era

bastante engajada com trabalhos de comunidade, ela também trabalhava com crianças que

trabalhavam nas feiras como carregadoras de sacola e, rapidamente eu entrei no grupo dela e

comecei a fazer um trabalho com esses meninos eles trabalhavam de manhã e a gente

encontrava com eles a tarde, e, fazíamos um trabalho sócio-educativo. E continuava lá e,

estudava a noite. Então foi bem intenso, e a PUC foi. Na verdade eu não posso dizer pra você

que eu, hoje, trabalho, ou quando eu comecei a trabalhar pra fazer alfabetização de crianças,

jovens e adultos, ou mesmo com formação professores, a minha formação básica é bem deste

curso de pedagogia. Porque na época agente não tinha didáticas específicas, então eu não vi

quase nada de ensino de língua e alfabetização, muito pouco mesmo, e, ai tinha didática geral,

aprendi sobre “legislamento”, aquelas coisas, mas nada, né, de como a gente faz pra ensinar

língua, ou, que objeto é esse que é a língua né. Bom no finalzinho da pedagogia, do segundo pro

terceiro ano, eu entrei pra uma escola privada, porque eu precisava. Novamente a questão

financeira batendo na porta né. Eu morava muito longe da PUC, eu morava na zona leste, a PUC

fica na zona oeste, e eu estudava à noite e chegava muito tarde em casa. Então agente resolveu,

eu e outras amigas, montar uma república do lado da PUC, mas pra ir pra essa república tinha de

ter um salário e, essas ações sócio-educativas elas não seguravam, né, nem a mensalidade de

nada. Então me indicaram pra uma escola privada de São Paulo, que é uma escola bastante

conceituada, a escola Vera Cruz e, eu entrei como professora auxiliar e, realmente o salário era

bem interessante, porque eu pagava as minhas despesas e pagava a faculdade. E lá, acho que lá

teve., lá foi um espaço de formação muito importante, porque eu entrei nessa escola., bom eu

entrei na PUC no vestibular de 85 e sai em 88, eu entrei no Vera Cruz em 87, então você

imagina que estava chegando toda uma discussão sobre alfabetização, uma revisão das questões

de alfabetização né, a Emília Ferreira estava no auge dá., as questões da Emília, a pesquisa

psicogênica da língua escrita, Ana Teberosky “ vamos rever toda a alfabetização”, e, o Vera

Cruz não estava indiferente a isso. Então as nossas reuniões pedagógicas eram reuniões de três

horas de duração, elas incluíam pedaço de estudo, planejamento, e análise sobre o próprio

trabalho. E eu vou dizer pra você que essa ação do Vera Cruz de fazer esse tipo de discussão,

fazer com que a gente estudasse, pensasse nas atividades, todas as atividades da escola eram

planejadas pelos professores, com nossa ajuda dos auxiliares, isso foi muito importante na

minha formação. Porque eu comecei estudar coisas que eu não tinha visto na universidade e ao

mesmo tempo poder observar as crianças em processo de alfabetização, então era uma coisa

assim deslumbrante pra mim, eu ficava encantadíssima, de ver as crianças escrevendo, de ver as

crianças tentando ler, era uma coisa pra mim completamente nova. Mesmo lá no trabalho sócio-

educativo eu não tinha vislumbrado essa perspectiva, mesmo porque agente nem tinha estudado

nada a respeito, agente não tinha uma ideia, uma perspectiva pra olhar essas coisas e, o Vera me

ajudou bastante. Em 89, uma escola também que é muito próxima ao Vera Cruz, chamada Santa

Cruz, que é uma escola privada também, bastante renomada em São Paulo, abriu uma vaga pra

professes no curso supletivo, que eles desenvolviam lá, e, eu resolvi, falei “Vou tentar essa vaga

de professora alfabetizadora de jovens e adultos” e, apesar de nunca ter trabalhado com jovens e

adultos, mas ter uma curiosidade. Lembro exatamente da entrevista, falei com a professora que

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estava entrevistando, eu falei “Olha Regina - ela chama Regina- Regina, a minha curiosidade.,

eu sei que tenho pouquíssima chance de entrar aqui, porque eu não tenho uma experiência com

jovens e adultos”, é mas a minha questão é “Os jovens e adultos têm hipóteses semelhantes, ou,

estágios semelhantes de escrita, como as crianças, assim, quer dizer, eles escrevem com

hipóteses silábicas, por exemplo?” Porque a gente tava tão envolvido nisso né, na verdade tava

pensando tanto nessas coisas que lá no Vera que eu falei “bom, deixa eu ver, eu nem sabia da

pesquisa da Ferreiro naquele momento.” E ai a Regina me apresentou, ela falou: olha só não,

tem uma pesquisa da Emília Ferreiro com jovens e adultos e tal; e nós ficamos conversando

umas três horas, então assim, foi uma entrevista longa, porque ela me mostrou os materiais de

sala, ela me mostrou a sala e tal, mas eu sai de lá, dei um abraço nela e, falei “Foi uma prazer te

conhecer espero que encontre um professor”. Porque eu tinha certeza de que não entraria,

porque eu não tinha o perfil. Ai, eu me lembro que eles me chamaram assim duas semanas

depois, me ligaram e disseram“ você começa amanhã‟ e venha preparada para a sala de aula e,

eu fiquei assim muito tensa. Mas lá também eu acho que esses dois lugares, estou dando atenção

a esse dois lugares pra você compreender com esses lugares foram importantes na minha

formação, acho que não dá pra pensar a E9/EC - Hoje, formadora de professores, sem esses

espaços, sabe. No Santa Cruz, eu trabalhava., era um supletivo de primeiro e segundo grau;

tinha o fundamental 1 e 2, e o ensino médio, numa organização diferenciada, ele não era um

supletivo comum, daqueles que encurtam o tempo, mas ele era organizado em termos e, os

alunos avançavam nos termos na medida que eles., alcançavam as expectativas de aprendizagem

e colocassem naquele termo. E ele tinha uma organização muito nova também, assim em termos

de currículo, e a turma de alfabetização era uma turma que funcionava numa sala muito

diferente, era a única sala da escola que tinham mesas coletivas, e, a nossa sala era conectada

com a biblioteca, então a gente podia ir a biblioteca a hora que a gente queria, pegar os livros na

biblioteca e trazer, então era uma sala bem privilegiada assim, espaçosa, com armários e tal. E o

nosso horário de trabalho era diferente dos outros termos, a gente entrava um pouco mais cedo e

os alunos saiam um pouco mais cedo e, eu tinha um orientador, que é o Orlando Jairo, que é um

amigo meu até hoje e, que agora é diretor do supletivo e, quando acabava a minha aula, era

umas 9 e meia assim, tinha o intervalo, agente encontrava com os professores e, a aula ia até as

10:40, e, eu ficava no Santa Cruz até as 10:40 conversando com o Orlando sobre planejamento,

sobre os alunos, então era assim, foi um espaço muito importante dentro da minha formação. Eu

li muito com o Orlando, a gente discutiu caso a caso dos alunos, a gente planejava junto, eu

planejava coisas para as professoras do outros termos, porque tinha uma divisão entre Língua

Portuguesa e Matemática, tinha professora de matemática já no fundamental 1, e de língua

separadas. É então a gente fazia planejamento. A única professora polivalente era eu, no termo,

na alfabetização, os outros eram professores já especialistas. Eu fazia planejamento com esses

grupos. Eu me alinhei muito a um professor de matemática, que é o Joene de Carvalho, que ta lá

na Unicamp agora, na faculdade de Educação e, nós trabalhávamos muito isso, nós fazíamos

planejamentos mais diversos, de projetos mais diferentes possíveis, e a gente até chegou a

apresentar trabalho juntas, eu lembro que a primeira vez que a gente apresentou um trabalho pra

um congresso, era de Educação matemática e eu não manjava nada de matemática, mas agente

tava discutindo didática né, então foi muito bacana, foi meu primeiro., minha primeira

publicação foi com a Joene, minha primeira apresentação foi com a Joene, então foi muito

bacana isso. Então o Santa Cruz tinha essa abertura e, nós tínhamos reuniões quinzenais de

sábado, que também era reuniões extremamente formativas, né, vinham pessoas conversar com

a gente, nós tínhamos uma carga de leitura para essas reuniões pedagógicas, com discussões em

grupo, então era assim uma coisa. Os dois lugares, foram lugares muito privilegiados para

minha formação, pra eu ser quem eu sou, hoje. O lugar, eu permaneci até 94, de 87 a 94, no

meio do Vera Cruz, quando eu completei cinco anos de casa, o Vera Cruz tinha um ano

sabático, você podia pedir uma licença sem vencimentos e, depois voltar pra sua função, então

eu fiz isso em. Saí, porque eu fui convidada por um, por duas amigas minhas que estavam

fazendo mestrado na USP, na época sobre alfabetização, elas me convidaram para trabalhar com

elas, na Fundação desenvolvimento da educação a ICDE daqui de São Paulo, que fazia as

oficinas formativas dos professores do Estado. Então essa foi minha primeira atuação como

formadora de professores, era uma equipe que chamava Pré-escola em movimento e, a ideia era

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trabalhar com os professores da Educação infantil, professores que trabalhavam com crianças de

cinco e seis anos, focalizando a questão da alfabetização. Então agente montou um plano de

oficinas e cursos para esses professores e, a gente rodava o estado de São Paulo fazendo a

formação nas oficinas das diretorias de ensino. Foi a primeira vez que eu fui a atuar como

professora-formadora e, dessa experiência lá, com a Tereza Rego e a Izabel Godin, que são

professoras da USP, a Izabel Godin saiu, tá na França, a Tereza Rego é professora de psicologia,

foi muito bacana porque, eu acho que aprendi uma coisa da formação de professores, eu como

professora levava sempre o que eu achava. As questões que os professores teriam, então eu

levantava, por exemplo, com a Tereza e com a Izabel, muito mais a visão do professor do que as

questões históricas. Eu falava assim, olha: Eu acho que o quê move o professor, em algumas

formações, eles não creditam que as crianças possam saber de escrita antes de ir à escola, se a

gente trabalhar com essa representação de que as crianças na verdade se apropriam de vários

conhecimentos, talvez eles tenham um novo olhar para essa criança na sala de aula. Ou a

questão própria da língua né. Como é que funciono o sistema de escrita, eu tava pensando tem-

se muito dificuldade pra compreender o que é mais difícil, grafar o que é mais fácil, o que é

mais fácil de ler, o que é mais difícil. Então eu acho que a gente tem que tentar trabalhar com

essas perguntas. E a gente vai criando, sabe, tipo um rol de perguntar, que os professores

poderiam ter em relação à proposta. E na época era uma proposta, essa ideia estava toda

alinhada com o construtivismo, a Telma também colaborava também com essa ideia, todos os

materiais que você olhar, ideia daquele momento, uma vertente forte era o construtivismo. E

apesar da Tereza ser uma pessoa que trabalha com o sóciointeracionismo, com Vygotsky, a

Isabela trabalha muito com o Vallon, a ideia se organizava em torno do construtivismo e, a ideia

era que os professores assumissem essa perspectiva no trabalho com a alfabetização. Então a

gente foi elencando essas perguntar e foi planejando e, a gente criava muitas dinâmicas

exatamente para trabalhar com essas representações, que às vezes eram muito segmentadas,

tentava montar oficinas que tivessem uma discussão teórica, mas que tivesse também uma

proposição, uma criação por parte do professor, ali se tinha uma escola interessante. No final de

93 pra 94 eu tinha que voltar para o Colégio Vera Cruz se não eu perdia a minha cadeira ali,

FBE pagava muito, o Colégio Vera Cruz pagava muito bem, aquela coisa, eu morava sozinha,

bom, eu acabei votando. Eu fiquei o tempo inteira com o “Santa”, porque dava pra a gente

organizar as viagens, sabe, com o horários da escola, então eu ia mais para as oficinas de

sábado, dava pra fazer uns arranjos, e, fiquei com o “Santa” e com FBE. Ai eu sai da FBE

também porque o projeto começou a minguar e, eles começaram a apostar mais na formação dos

professores no ensino fundamental, menos na pré-escola, então começou a ter menos oficina,

então eu falei: Bom, vou voltar pro “Vera” e vou pensar minha vida no Colégio “Santa Cruz o

quê é que eu quero agora né. Ai quando eu voltei pro “Vera” no final de 93 pra 94, exatamente

porque uma parte dos professores do “Santa Cruz” trabalhavam numa ONG que chamava

“Formação Educativa”. Eles me chamaram pra fazer uma formação de professores no Acre. Era

em janeiro de 94, era muito bacana porque eram, os professores que a gente ia trabalhar, eram

professores leigos, eles eram os professores com maior escolaridade na comunidade deles, daí a

gente. Então as lideranças seriam formadas e, ao mesmo tempo as professoras das comunidades

seriam mobilizadas, então num paralelo, agente tava., tinham duas., era um barracão enorme

que tinha de um lado as lideranças sendo formadas, de outro lado os professores, eram uns

quinze professores. Foi muito bacana, a gente fico morando num barco, durante dez dias, bem

no meio da floresta, era uma coisa bem bacana, bem alternativa, e, também outro desafio bacana

de você pensar o que é que a gente levaria de precioso para esse professores, de coisas que eles

não tinham acesso e, que realmente colaboraria com o processo deles de formação e aula,

pensando que eles trabalham com salas muito seriadas., bom. Ai nós fizemos uma grande

coletânea de textos literários, fizemos uma coletânea de jogos, de alfabetização e de matemática,

bom, criamos lá um monte de dinâmica pra todos os dias, porque era o dia todo, naquele calor

amazônico, muitos mosquitos, eu voltei completamente machucada, porque eu sou alérgica, foi

um caos. Mas a partir desse trabalho que era um trabalho encomendado, que não tinha. Era só

uma prestação de serviço, quando eu retornei em março, abril, a Vera me chamou pra trabalhar

na “Educativa” que foi fundada em maio. Ela já existia como embrião, mas ela foi fundada em

maio, pra trabalhar na produção da proposta curricular de educação de jovens e adultos. Ai,

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bom, eu tive que, eu diminui muito a minha carga didática no “Vera Cruz”, eu pedi pra ser

professora tinha uma professora, as professoras tinham: Professoras de sala, professoras

auxiliares; eu já era professora de sala e, eu pedi pra ser professora dos grupos de recuperação,

porque as crianças do primeiro ano que não estavam alfabetizadas iam pras esses grupos de

recuperação paralela e, a gente fazia um trabalho com elas pra elas voltarem, acompanharem a

sala. Então eu trabalhava meio período na “Ação Educativa”, algumas horas com essas turmas

no “Vera e trabalhava a noite no “Santa Cruz”, porque não conseguia sair do “Santa Cruz”.

Viver ? Trabalhava loucamente, não tinha filhos então você tem outra disposição. E uma coisa

bacana nessa época do “Santa” lá pra 94, 95, a Marta Cláudia Oliveira que é também professora

da USP, ela começou fazer pesquisa nas turmas de alfabetização e, ela entrou na minha sala e

pediu pra fazer uma coleta de dados e, a coletada de dados quando ela começou a me contar da

coleta de dados, eu comecei a ser colaboradora na coleta, então ela aplicava as atividades e, ela

participava da aula, coletando né, fazendo os registros, registros em áudio, depois agente

selecionou os alunos que ela queria entrevistar. Então eu comecei a ter uma ligação grande com

a Marta, - foi minha orientadora de mestrado posteriormente-, e foi muito bacana, a Marta era

colaboradora da “Ação educativa”, ai eu acho que a minha vinda pro “Santa” e a minha entrada

na “Ação Educativa” é um., se antes eu estava dividida entre infantil e, crianças e adultos,

jovens e adultos, nesse momento eu faço uma opção muito clara, no final de 94 eu saiu do “Vera

Cruz” e fico só com a “Ação Educativa” e com o “Santa cruz”. Então fico com a turma de

alfabetização e com a “Ação Educativa”, que tinha uma linha de formação de professores. E lá.,

por isso que foi bacana, porque a construção dessa proposta curricular, que posteriormente foi

adotada pelo MEC, ela juntou., quem é que ela chamou pra fazer isso,- isso eu achei bacana-,

ela chamou professores de educação de jovens adultos, que estudavam as questões de ensino e

de seus objetos de ensino. Então foi uma assim, as reuniões que a gente tinha com as pessoas

das áreas né, porque tinha uma pessoa da área de matemática, eu a Vera trabalhando com

língua, a Izabel de Almeida, a Maria Claro trabalhando com estudos da especificidade da

natureza, outros colaboradores. A Marta Cohen nos ajudando a pensar a questão didática e, de

ensino pra jovens e adultos. Esse caldo ai foi um caldo super importante pra mim e, uma grande

preocupação que a gente tinha na época, era: como trabalhar uma linguagem no material pro

professor, que fosse acessível, mas que não banalizasse conceitos, entendeu, banalizasse

orientações. Porque a gente sabia que um grande número de pessoas leigas trabalhava na

educação de jovens e adultos, sem formação específica e, a gente também queria atingir esses

professores e, bom, foi um esforço enorme de pensar linguagem, pensar explicação, exemplo,

ilustração, forma de texto. Foi muito bacana, foi um ano inteiro de trabalho com a proposta,

quando ela finalizou, a gente apresentou pra um grupo de ONGs que trabalhava com a educação

de jovens e adultos que era rede. “Rede de apoio a ação alfabetizadora do Brasil”, a RAB, ai nós

tínhamos. Essa RAB fazia reuniões anuais em Brasília, nós fomos pra uma reunião, juntamos as

pessoas que trabalhavam com educação de jovens e adultos, porque tinha várias outras ONGs

que trabalhavam com alfabetização infantil. Esses sujeitos foram nossos leitores críticos na

proposta e, nós fizemos reuniões e mais reuniões nessa área, nesse encontro de uma semana, pra

melhorar, pra discutir, pra repensar essa proposta que tava pronta. Voltamos cheios de

indicações, porque refizemos toda a. reescrevemos o texto e, daí nós mandamos pra leitores

críticos também da universidade, nós fizemos um grande trabalho ali de revisão, de releitura, de

escrita desse material. Todo mundo ajudando bastante. Então nossa educativa é um marco

também da minha entrada pra formação, porque eu vou pra um programa, que chamava

programa de Educação de jovens e adultos, com três linhas de ação: Pesquisa, Formação de

professores e acessoria ao programa de EJA. Então ai bom, foi um trabalho de pensar. A gente

trabalhou muito com muitas prefeituras e, a gente tinha que montar programas de formação, de

140 a 360 horas, pra professores de EJA. Campinas foi um dos primeiros programas municipais

que a gente atendeu numa acessoria de três anos, foi uma coisa fantástica! Assim, a gente pegou

dos coordenadores aos professores, então, pensar uma proposta curricular pra Campinas a partir

da proposta que a gente tinha feito pensar cada área do conhecimento, como é que a gente ia

fazer a formação dos professores, então tudo isso, eu aprendi muito lá na “Ação”. E a gente

tinha um cuidado sempre de pensar assim, não de ser muito prescritivo, eu acho até que a gente

teve uma fase bem prescritiva, de dizer como é que fazia sabe sempre tem, mas num

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determinado momento, quando a gente começa a fazer o material didático, o livro, a gente tenta

fazer um livro do professor com as perguntas que esses professores faziam durante a formação o

tempo inteiro, né? Então perguntas bem, não se você já viu esse material chamado “Ler e

aprender”, ele tem um livro de alfabetização, do professor. Ele tem propostas assim, introdução

é toda formada pra perguntas e respostas. Então eu lembro que uma pergunta que a gente

colocou que era muito comum nos cursos de formação, era assim: Os professores falavam quem

fala errado, aprende a escrever certo? A gente pegava essa pergunta e fazia toda uma discussão

sobre variação, sobre normas padrão e, pra fazer tudo isso eu tinha que estudar muito, porque eu

não vinha da Letras, então, eu estudava pra caramba. E a Vera era formada em Letras, né? A

Vera fez letra na graduação e, depois ela fez mestrado em Educação e, depois doutorado. Acho

que Filosofia, Sociologia, não lembro bem, mas ela tinha essa formação. Então o que eu estudei

pra fazer tanto a proposta curricular quanto “Ler e aprender”, pra gente poder dar conta dessas

perguntas dos professores, acho que eu nunca estudei tanto. E dessa história eu fui pro mestrado

eu me lembro da Marta, “Oh eu to com vaga no mestrado você não quer tentar? Tenta, faz. E eu

fui e prestei, mas eu lembro que eu falava pra Marta, ela já tinha me convidado antes, “ Eu não

vou porque eu não tenho problema, quando eu tiver um problema eu vou”, e, na época que

comecei, eu tinha uma ideia, como eu trabalhei muito com a Marta, eu comecei a ter uma ideia

do jovem e adulto muito diferente do que muitas vezes se vê por aí, que é de uma pessoa que,

porque não foi pra escola tem muitos déficits, muitas falhas, muitas deficiências né? E eu tinha

uma visão completamente diferente, por conta do “Santa Cruz” e por conta desse diálogo muito

intenso com a Marta. Então a gente tinha um olhar muito forte para os procedimentos que eles

usavam, das habilidade que eles traziam, dos saberes que eles traziam, e, eu ficavam pensando

“Gente, que tipo de influência, o ensino de Língua Portuguesa pode ter pra jovens e adultos que,

na verdade tão no mundo, eles falam, eles vivem sem isso. E que influência é essa, tão forte do

ensino de língua, né? E eu ainda não tinha sido apresentada pros estudos de letramento, eu fui

durante o mestrado. Eu entrei na turma de 95 no mestrado, eu ficava assim “meu, quê que eu

vou fazer num projeto sobre essa questão, quer dizer, como é que a escola articula esses

conhecimentos dos alunos criados de outra forma, elaborados de outra forma, que não escolar, e,

como é que pro ensino de língua isso é ou não, vislumbrado”, articular. Exatamente né, aí bom,

vou fazer essa pesquisa, aí depois o meu projeto foi tomando forma e, eu acabei estudando a

produção de textos orais e escritos pra jovens e adultos e, a ideia era ver, eu peguei um. Eu fiz

um estudo de caso de dois alunos do primeiro ano da turma de alfabetização e dos alunos do

quarto ano, é, que era quarto termo, referente ao quinto ano hoje né, lá no Santa Cruz o quarto

termo era o quinto ano, e, do ultimo ano do fundamental dois, da antiga oitava série e nono ano.

Peguei os alunos que estavam nesses termos, entrevistei, fiz uma entrevista na verdade uma

revisão das histórias deles de vida. Eles me contaram como eles eram todos migrantes, como

eles tinham chegado em São Paulo né? Tinha essa característica forte ainda em São Paulo, hoje

não mais né, mas na época que eu tava fazendo tinha isso forte. Muito migrante muita gente de

fora, fiz todo um trabalho com histórias de vida e, eu pedi pra eles fazerem duas produções

textuais, uma oral e outra escrita, que era como se fosse suas autobiografias. Eu gravava em

vídeo a autobiografia, e eles depois escreviam a autobiografia. Mesmo os alunos do primeiro

ano que não dominavam a escrita convencional também escreveram os textos. E ai eu fui

tentando analisar se à medida que eles se escolarizavam, a oralidade e a escrita elas se

modificavam, elas se transformavam. Então o quê foi que aconteceu, aconteceu quê, por

exemplo, os dois textos que eu peguei do primeiro ano, eles tinham uma oralidade letrada antes

mesmo de ter ido pra escola, porque um era líder de uma associação comunitária e, o outro era

um rapaz que tinha um contato com o patrão que lia jornal com ele, falava com ele, então ele

tinha toda uma condição oral permeada pela escrita, mas não a escolar. E os outros alunos do

quarto e do oitavo, a diferença era muito pequena, tanto nas produções orais como nas

produções escritas. Então eu fiz toda uma discussão de como, a escola, o ensino da língua, na

verdade tinha uma influência tão direta, então eu pensava assim “escolarizou, mudou a

oralidade; escolarizou, mudou o texto né.” Era a certeza de quê a escola daria uma evolução,

sem estudar não se evoluiria pra uma escrita e pra uma fala idealizada, tal. Então, minha

pesquisa fala não, não é assim, na verdade, menos a escola para os jovens e adultos e, muito

mais os contextos fora da escola, em que eles são demandados pra ler e escrever. Então eu fui

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pra um caminho ali, eu fiz na Psicologia com a Marta Cohen, mas acabei entrando nas questões

do letramento, de ensino de língua, muito forte e tive a sorte de ter a Ângela Kleiman na minha

qualificação. Ela me ajudou muito, porque ela trouxe toda a coisa da linguagem que eu não

tinha. A Marta Cohen também. Então ela revolucionou o meu trabalho, porque ai eu consegui

fazer uma análise linguística mesmo, tanto das autobiografias né, uma análise discursiva, tanto

das autobiografias orais, quanto da escrita a partir do referencial que ela me trouxe. E sempre

com essa questão de correr atrás de uma formação linguística que eu não tenho, ou de língua,

porque eu venho da Pedagogia. Eu sempre achei que eu tinha uma lacuna gigantesca, e que

nossa, eu nunca conseguiria vencer essa lacuna aí, de não ter feito Letras, olha que o seu

trabalho de mestrado já responde isso. Pois é, são essas, a gente tem coisas arraigadas. Ai, eu

finalizei esse trabalho. A Ângela não pode ir na defesa, porque a mãe dela faleceu na época,

quem foi, foi a Roxane e, eu lembro que eu falava assim pra Marta: “Olha Marta, é o seguinte,

eu usei a teoria da Ângela, pra construir a minha argumentação.” A Roxane na época, ela tava

muito ligada aos Genebrinos, à Genebra. E eu falava assim “Eu não usei nada desses autores,

ela vai acabar comigo na defesa.” Mas eu lembro que eu tremia nas bases, eu falava: “Gente é

agora né, que é que eu vou fazer.” É e eu tava em 99 eu tava grávida do meu primeiro “filho”,

eu fui pra banca sei lá, quinze dias depois, era pra meu filho nascer. Daí eu cheguei e tal, eu já

tinha lido a Roxane, mas nunca eu tinha conversado com ela, eu não conhecia e, olha a arguição

dela foi fantástica. Assim ela, nossa, foi muito bacana, porque ela foi muito sensível ao trabalho.

Eu tinha começado a usar a ideia, os estudos de letramento, onde ela tinha laçado o livro em 95,

eu já tinha lido, ela abraçou projeto, e fui aprofundando os estudos que a Ângela trouxe, a

Roxane veio e, na verdade a gente montou um diálogo assim, não foi uma pergunta e resposta,

mas o tom sobre o trabalho foi muito bacana e, eu fiquei muito feliz.

A- Eu a entrevistei também. E9/EC Ah aquele bacana! Bacana.

A- Ela foi a Fortaleza pro congresso, lembra que teve um congresso? Lembro, lembro, ah que

bacana. Bom aí, eu sai do mestrado e me concentrei só na “Ação educativa”, porque a gente

começou a elaborar os livros didáticos e começou a fazer muita formação de professor. E eu

fiquei nesse trabalho muito tempo, me dedicando muito tempo. Então a ideia de fazer os livros

didáticos era uma tentativa de concretizar as orientações didáticas que estavam na proposta

curricular. Lá a gente dizia uma série de coisas sobre o ensino da língua, quando a gente fazia a

formação dos professores, os professores perguntavam muito: “Bom, mas como é que faz

isso?”, e a gente ficava meio receosa, “dá receita não dá receita? Mostra, dá o modelo, sabe?”.

Tinha uma discussão enorme sobre isso e tal, pode perguntar.

E9/EC - É um desafio muito grande, então eu to tentando me preparar pra isso, então você fala

de um lado e eu to falando de outro. Jaqueline: Ah que bacana você sabe que eu acho que o

maior esforço da gente é., eu sei que quando eu entrei pro grupo da Ângela, o grupo de

letramento de professor, a Ângela tinha uma posição que eu gostava muito e, que a gente

defendia muito lá na “Ação Educativa” também, que era a ideia de fazer com os professores e,

não fazer para os professores, a formação tinha que ser com os professores, eles tinham que ser

capazes de dizer o que eles queriam e, a gente tinha de assumir essas necessidade como meta de

formação. Eu não vou dizer pra você que a gente conseguiu tudo isso não, mas que quando a

gente sentava com aquela equipe de formadores pra montar as pautas dos encontros de

formação, a gente batalhava muito pra que isso acontecesse, nós não vamos prescrever, nós

vamos fazer junto com eles, se eles quiserem o material didático eles pegam o material, a gente

dá, mas não é esse o foco da formação. Então eu tive uma oportunidade agora de ter uma equipe

de formadores, com uma cabeça muito aberta, nenhum preconceito em relação ao professor,

assim, sabe, que o professor é resistente, que o professor não quer saber de nada. Os nossos

colegas ali eram colegas muito sensíveis aos professores, acho que porque a gente vem da

educação de jovens e adultos e, a gente cria mesmo uma sensibilidade para essa cultura que é,

ou pra várias culturas. Tentar entender o outro, como é que ele pensa, por que ele tá fazendo

essa pergunta? Qual o motivo de sua reação? Devemos conversar com eles, então, eu acho que a

gente foi criando uma expertise mesmo, um conhecimento novo?”Eu não sei mesmo, mas tem

um caldo ali de pensar a formação sempre como uma situação-problema, desencadeava uma boa

discussão entre os professores, que faziam eles perceberem o que eles já sabiam, e, o que eles

precisavam saber pra dar conta daquela situação-problema, que era muitas vezes uma situação

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de sala de aula, ou era uma produção de aluno que a gente analisava, ou era alguma situação de

pesquisa que a gente trazia pra eles e discutíamos. Era também muito reflexivo. A - Muito

reflexivo.

E9/EC - E também com espaço pra eles criarem atividades junto conosco, aplicarem e virem

discutir depois. Então isso foi assim fantástico e, eu vou te dizer que na educação de jovens e

adultos a gente sofre até hoje, sofre bastante, com a falta de condições de trabalho, eu vou dizer

que a escola pública hoje não tem boas condições de trabalho mesmo, mas quem tá na educação

de jovens e adultos tem condições piores. Então, por exemplo, nas escolas que hoje, eu estou lá

em Guarulhos acompanhando estágio, tem acervo de leitura, mas esse acervo está trancado a

noite, não tem ninguém pra trazer esse acervo, pra abrir o armário, tem sala de informática, mas

não, tá trancada, os equipamentos do noturno são todos fechados porque não tem os

funcionários à noite. Então, os professores trabalham com condições muito ruins, eles mesmos

tiram cópias, eles não têm livros, eles, bom é um caos. É uma coisa histórica e parece que houve

um apagamento dessa parte por muito tempo e, até que se descobrir isso, onde estão os jovens e

adultos, parece que todos sabem ler e escrever. E os professores vinham, muitas vezes, eles

achavam que podiam fazer com os adultos o mesmo que faziam com as crianças. Eu até

compreendo eles pensavam assim: “Se esse adulto não se escolarizou, ele pensa como uma

criança a questão da língua”. A - Infelizmente.

E9/EC - Então a gente tentava desconstruir muito essa ideia, com eles, sabe. Eles começarem a

perceber esses sujeitos como sujeitos. “Olha a oralidade dele, olha onde ele trabalha você acha

que uma pessoa que criou cinco filhos, trabalha fora, pega ônibus em São Paulo, você acha que

ela não consegue compreender essa notícia de jornal, sabe,” a gente tentou desconstruir muito

dessas questões, isso tudo foi na “Ação Educativa”. E a gente começou lá na “Ação” no final,

quando eu saí foi em 2006, mas de 99 em diante a gente tinham um trabalho. A gente fazia a

acessoria, e quando a gente ia embora, a gente sistematizava aquele trabalho por meio de

cadernos, cadernos. A gente chamava de cadernos de formação, então nesses cadernos a gente

trazia o que eles tinham produzido, as sugestões, então a gente sistematizava todos os produtos e

virava os cadernos de formação. E eu achei isso fantástico, porque eu aprendi muito fazendo

isso, é quer dizer você dá voz ao professor, você também trazer a teoria, porque também a gente

via isso muito na formação, às vezes uma formação que dava muito voz pro professor e não

oferecia nada em troca. Então, ouvia, ouvia, ouvia, mas estudar, sair de lá com novas

habilidades, sei lá, ter acesso a práticas de leitura diferenciadas, isso não acontecia, então a

gente tentava fazer um equilíbrio dessas coisas, lá na “Ação”. Então toda a minha formação foi

por ai, fazendo material didático pra jovens e adultos e, o material, pensando de um lado esse

jovem e adulto, porque a gente tinha alguma referência por conta de ter dado aula muito tempo.

Eu saí do “Santa Cruz” em 99, não, em 97, no meio da análise dos dados, porque os meus

dados vieram de lá, eu coletei lá. Eu saí em 97 de lá, momento também que eu ganhei a bolsa,

eu falei: “Agora eu vou ficar esses dois anos pra terminar o mestrado né”, fiquei com bolsa e só

com o “Ação Educativa”, e com alguns trabalho esporádicos. E esse trabalho de pensar, a

prefeitura vem e te pede um monte de palestra, você transforma em um curso de formação

presencial, em que você vai quinzenalmente encontrar esses professores e, vai trabalhando com

essas práticas, de maneira reflexiva foi, uma coisa pra mim assim fantástica. Eu acho até que eu

tava conversando com uma amiga, “Puxa, eu trabalhei muito já, nossa como eu trabalhei”. A -

Imagino.

E9/EC E- Em 2003 eu fui pro doutorado. Ai eu fui pra Linguística Aplicada. Eu me lembro de

antes de ir pra Linguística Aplicada, como a Marta Cohen, além de minha orientadora, era uma

amiga, eu fui conversar com ela “É Marta, eu estava pensando em fazer meu doutorado, to

pensando em agora, não mais trabalhar com jovens e adultos, mas pegar os professores

alfabetizadores e, eu quero trabalhar com os professores alfabetizadores que não tenham uma

formação específica, então meu tema é formação de professores, é de educação de jovens e

adultos” e, eu contei um pouco do projeto pra ela, e ela falou assim: “Eu tenho interesse”.

“e tenho vaga”, que a Marta, eu acho que ela seleciona muito, sei lá, ela, as duas vezes ela tinha

vaga. Ai eu falei, mas eu pensei em falar com a Ângela Kleiman, ela falou assim: “Olha, eu

acho que se você ficar na Psicologia, você vai ver um pouco mais de coisas que você já viu e,

que você pode sozinha ver, agora se você for pra Linguística Aplicada, vai abrir um campo

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novo. Então vai lá conversar com a Ângela.” Ela foi muito bacana, assim, ela me encorajou a ir

conversar com a Ângela. Eu fui conversei com Ângela e falei pra ela que eu tava com vontade,

só que eu expliquei pra ela que eu não vinha do campo da Letras, nem da Linguística, portanto

eu era uma estrangeira ali. E ela falou assim: “Olha, se você tentar passar na seleção, depois que

você passar na seleção a gente conversa”, e nessa conversa a Ângela virou pra mim e fez duas

perguntas “Eu quero te fazer duas perguntar, se você pretende engravidar durante o doutorado,

porque todos os meus orientandos engravidam, e isso é um problema”. E depois ela fez outra

pergunta que eu não me lembro mais. Eu fique muito chocada, eu falei: “Nossa”. Eu pensei:

“Bom, eu tenho um filho”. Na época eu não pensava em engravidar, eu falei: “Olha, agora eu

não penso, mas não sei né”. Ai eu fiquei pensando: “Será que isso é um critério”? A gente até

brinca com isso hoje, eu quando encontro com ela, a gente dá uma brincada. Bom, trabalhei no

projeto, escrevi o projeto, e minha ideia era pegar, trabalhar com os professores leigos e pensar:

Como é que eles se formaram como leitores; que representações eles tinham sobre o ensino da

leitura; e como eles, como é que esses dois lados, a história dele como leitor e, o quê ele acha

que é ler e ensinar a ler se concretizavam em aula. Então tinha três dimensões, uma é o

doutorado: Fazer uma pesquisa com os alfabetizadores, retomando essas histórias de formação

deles de leitor; discutir a questão do que é ensinar a ler, o quê é leitura, num segundo momento;

e num terceiro momento ir pras salas de aula e assistir aulas, de leitura, voltadas pro ensino de

leitura. Bom isso ai já é uma coisa gigantesca né, em projeto. E ai, eu entrei pro grupo da

Ângela, que era letramento de professor, foi um grupo preocupado em descaracterizar essa

imagem do professor falho. A gente desconsidera, às vezes, os jovens e adultos porque eles não

se escolarizaram. Aí a gente olha para o professor e vê os resultados na educação básica e fala:

“Nossa esse professor é o problema”. Então a ideia da Ângela era tirar o foco do professor e, na

verdade, e a Ângela trabalhou com alguns doutorandos, ela mesma fazendo críticas, por

exemplo, aos materiais que construídos pelos professores, na verdade não tinham muitos

professores como leitores privilegiados. Atentar para a questão da história de formação desses

professores, a ver as aulas, quer dizer ela juntou ali tudo pra a pensar formação inicial também.

Eveline fez um trabalho super bonito com diário. Bom a própria Gleice fez um trabalho também

bonito com os projetos de letramento, quer dizer, todo mundo ali tinha o professor como foco e,

a ideia da gente era quebrar essa representação que estava muito forte na mídia e na

universidade, de que o professor ele é um não leitor, ele é falho, ele não sabe nada e, esse é o

grande problema da educação brasileira. E eu fui pra um campo que na verdade, era educação

não formal, pois esses professores não estão nas escolas, eles estão nos programas organizados

pela sociedade civil são professores leigos. Então, assim, eu tava num grupo mais fora do

âmbito escolar. A minha pesquisa ficava agrupada com a da Vera, que era formação de jovens

leitores e, na verdade, em ambientes diferentes da escola. Havia outro grupo que era da

formação de leitores no Hip Hop, então eu me abrigava mais com esse lado fora da escola.

Além disso, tinha um grupo grande fazendo pesquisa com o professor na escola, o professor

tanto de Português, como o professor alfabetizador. Isso foi muito bacana também, porque eu

acho que chegou o momento de teorizar um pouco aqui nas questões que a gente já tava fazendo

na “Ação educativa” e, de pensar mesmo as questões de ensino. Era preciso ter coragem de

olhar pra um alfabetizador que não é formado e que é alçado a uma condição de docente. É uma

pessoa da comunidade, de repente ela se torna um professor, alfabetizador, porque ele fica um

ano com uma turma, alfabetizando e, ele recebe uma ajuda de custo. Quer dizer ele não tem a

mesma condição de trabalho, nem o meso estatuto, mas ele é alçado a essa condição na

comunidade. Todo mundo vê ele como professor. A - É ele que faz.

E9/EC - É. E tentar descobrir né um pouco quem é esse sujeito, o quê que ele pensa da leitura e

o quê ele pensa em si né. É, foi muito bacana pra mim, porque eu unia essa, acho que é uma

sensibilidade cultural mesmo, sabe, que a gente vai aprendendo a ter nesse trabalho, de olhar

para o outro e tentar lidar com estranhamento. Sabe tentar ver esse sujeito, sem muitas questões

presumidas. “Ah ele fez ensino médio, então ele não é leitor. Sabe só fez até ali, imagina ele

teve uma escolarização tão precária, imagina que ele lê alguma coisa, né?”. Tentar olhar para

esses professores de outro modo foi muito bacana. Porque eles me fizeram, me deram um

presente. Eu peguei um grupo de alfabetizadores, eram nove, elas realmente me presentearam

com histórias fantásticas de formação de leitor e, com uma autoimagem como leitora e

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alfabetizadora muito diferente do que a gente costuma ouvir. Eu peguei algumas pesquisas sobre

o professor que mostrava sempre um professor que diz assim: “Ah eu não leio o quanto eu

precisava, eu tinha que ler muito mais né.” Um professor que está sempre em dívida, eu tinha

algumas alfabetizadoras que fala assim: “Não, eu sou uma leitora muito crítica, eu gosto de ler

muito, eu leio muito”. Eu falava assim: “Gente o que eu vou fazer com essas professoras?” É,

que bacana, então, assim, a Ângela me ajudou muito, a Linguística Aplicada me ajudou muito a

pegar esses depoimentos, esses enunciados e analisá-los, pra gente tentar entender porque é que

elas estavam se posicionando de uma forma tão assertiva, porque que elas selecionavam pra

dizer pra gente o que elas liam, autores tão, autores da literatura nacional, tão bem colocado no

ranking das leituras. Por quê? A gente começou a olhar pra esses enunciados e fazer essas

perguntar, mas porque que elas estão dizendo isso pra gente, porque que ela disse isso pra mim,

como represento a universidade? Foi muito, foi um trabalho eu vou dizer pra você, extenuante,

eu fiquei muito cansada, tive problemas de saúde. Mexeu muito comigo assim, por dois

motivos: Pelos dados riquíssimos que eu tinha na mão, porque eu fiquei três semestres com elas,

acompanhando essas meninas e, por outro lado porque eu tava na Linguística Aplicada e com a

Ângela, eu tinha que fazer uma análise que era enunciativa e discursiva e, eu não sabia fazer

isso. Então foi muito difícil, eu recorria a Bakhtin, eu recorria a análise do discurso crítico. Olha

eu sempre vou dizer pra você que eu acho que a sorte foi estar nesse grupo, contar muito com o

pessoal da PUC-Minas, que lia os nossos trabalhos, eles discutiam a Jane, a Malu, a Juliana, a

Cláudia, a Cida, foram muito importantes, todas elas, porque a gente discutia os trabalhos juntas

e elas nos deram muitas pistas. A Malu foi da minha qualificação de projeto e, ela me ajudou

muito. Ela fez uma qualificação a distância, ela mandou pra mim, nossa, foi assim maravilhoso.

Eu tive essa oportunidade de conviver com ela sim e, foi muito importante, muito importante. A

Ângela teve um momento que eu falava assim, eu vou fazer análise como a gente faz na

Educação, porque a gente trabalha mais com análise de categoria, né? Então pega assim: leitura

e faz uma análise do que elas falaram de leitura e, menos enunciativa sabe, menos discursiva. A

Ângela falou assim: “Não, se você entrou na Linguística Aplicada, você vai fazer, senão você

não poderia ter optado por estar comigo”. E foi um momento assim de crise, sabe? Eu não sabia

como que fazia, eu tive que trabalhar muito. Bom, trabalhei muito nesse momento. Eu sai da

“Ação Educativa” em 2006. Eu precisava sair, não podia mais ficar não dava, porque trabalho e

análise de dados não combinavam de modo algum. E foi assim, foi num crescente, foi muito

bacana, terminei o trabalho, não deu pra analisar tudo, eu tenho dados não analisados, meus

dados de sala de aula eu não conseguia, as aulas gravadas eu não conseguia analisar, acabei

focalizando nessas histórias formativas, nessa identidade de leitora que elas estavam

construindo, comigo durante a pesquisa né, porque a gente. Na verdade, não que elas não

tivessem, mas à medida que a gente dialogava sobre leitura e leituras delas, essa identidade ia

sendo construída ali na pesquisa. Então eu trabalhei muito com isso na análise.

A - Interessante, eu gostaria de conhecer o seu trabalho.

E9/EC - Eu te mando depois, pra você dar uma olhada. É muito sofrido. Bom, eu defendi, foi

super bacana a defesa. Ganhei um prêmio com a pesquisa, que era um premio pra educação de

jovens e adultos. Fiquei muito feliz, foi uma vitória. Aí eu tava fora da “Ação educativa”, já

tinha terminado o doutorado, quê é que eu ia fazer da vida. Eu vou confessar pra você que eu

nunca me pensei na universidade. Por que eu achava que o meu conhecimento, era um

conhecimento mais de ordem aplicada e, na universidade, esse conhecimento de ordem

aplicada, ele é menos valorizado, você sabe disso né? E eu ficava pensando: “Ah, não vou”, e

todo mundo ficava assim: “Agora você vai prestar concurso, né?” “Imagina eu não prestar

concurso coisa nenhuma. Eu vou é continuar fazendo formação de professor. Vou montar sei lá,

uma empresinha, que dá acessoria, vou continuar pesquisando material didático, vou sei lá

entrar em outra ONG, alguma coisa do tipo”. Eu lembro que eu falava assim: “Também eu acho

que eu vou terminar minha carreira da seguinte forma: Eu vou prestar concurso, eu vou ser

professora de escola pública, trato de uma creche, pra gente, sei lá. Fazer eu brincava, se a gente

tiver quarenta crianças felizes num dia, não é uma coisa legal. Então, eu vou fazer isso”. Todo

mundo falava que eu era maluca, que era um absurdo, que tinha que prestar concurso pra

faculdade. Ai uma amiga minha que era da USP, ela mora lá em Bicas, que é mineira também,

muito querida. Ela falou assim: “C, vai ter um concurso lá na Universidade Federal de São

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Paulo, Pedagogia recém aberta, concurso é pra você, lá diz que é alfabetização e letramento,

fundamentos práticos e teóricos de Língua Portuguesa, você não vai prestar?” Eu falava: “não”.

Aí, ela falou assim: “você tem que prestar”, daí eu sei que ela ficou me enchendo, enchendo,

chegou na última semana, ela falou: “Olha, eu faço.”, porque tinha que organizar todos os

papeis, certificados, daí você tinha que apresentar o Lattes tinha que ter todos os comprovantes.

Ela falou assim: “Eu faço isso pra você, você constrói o memorial do projeto e, você vai

prestar”. Eu fui no último dia do concurso, vou dizer pra você, que fui, terminava cinco horas a

inscrição e eu cheguei as quatro. Aquela coisa assim tudo não dá, né? Era uma opção eu não

sabia se eu ia fazer. Naquele momento eu comecei a fazer um trabalho com o SESC, é um

programa que se chama SESC ler, que é de educação de jovens e adultos, eu falei: “Ah, eu vou

acabar com o SESC ler e, ta tudo bacana né?”. Aí, bom me inscrevi. Ai no dia da prova tinha

vinte e três candidatos, imagina duas vagas pra vinte e três candidatos. Olhei os currículos, tinha

umas pessoas muito interessantes, eu falei: “Imagina eu não tenho experiência em docência

universitária né”. Ai, bom, tinha dado um semestre na Letras de aula, numa escola, numa

universidade privada, me chamou, esqueci desse lugar. E eu fui dar prática de Ensino de Língua

Portuguesa, eu adorei. Foi o primeiro tópico, a gente trabalhava o adolescente e o jovem e, o

adolescente e o jovem em relação à escola, pra depois dar as questões de prática de ensino de

língua e, pegar os eixos em que estão as propostas curriculares, não outros. Eu lembro que eu

até usei muito o texto que a Malu fez para os professores de Ensino médio, acho aquele texto

maravilhoso. A gente trabalhou muito quais eram os eixos, dentro desses eixos o que é que a

gente tinha de pensar como ensino, mas lá era o contrário, porque elas diziam que na aula de

prática de ensino, elas tinham metodologia sem pensar a escola, sem pensar os alunos, como é

que pode? Não diz como é que pode pensar a prática de ensino sem pensar o sujeito, mas tudo

bem, e quem é esse sujeito né? É com quem eu vou trabalhar quem é esse menino de dez anos,

onze anos, que está no sexto, no quinto ano, sei lá. Bom, em suma, trabalhei um semestre lá.

Era uma vez por semana, era uma forma também de eu ter um registro, sabe aquela coisa. E aí

prestei um, no dia 31 de maio, começou o concurso. Aí eu fiz a prova escrita, dos dez tópicos

que poderia cair, o que eles escolheram foi em cima de gramática, eu queria morrer. Porque eu

tinha., eu podia discutir qualquer um deles, mas dentro de gramática, eu tinha., primeiro eu senti

uma resistência na questão da gramática, eu tive.Eu fiquei na linguística, eu fiz curso na

linguística, eu tinha um pé atrás com o pessoal da linguística, então assim, tinha um nó meu ali,

eu fala: “ Ah gente, o quê que eu vou escrever nessa prova escrita?”. Bom, fiz a prova escrita,

sai de lá achando que eu não passaria, porque é por etapa, era por corte, sabe? Você fez a prova

escrita, se você passasse ia pra outra etapa. E a didática você podia planejar antes, não era

sorteio, eu tinha feito uma formação prática de leitura, estava felicíssima com a minha aula.

Bom, todo mundo tinha que ir, no dia seguinte lá, de manhã pra faculdade olhar a lista, eu tinha

passado. Nossa! Preparei os slides, já estava com eles na cabeça. Mas eu tava tão nervosa, tão

tensa na apresentação, que eu achei que eu não fosse, imagina que os meus slides não faziam

sentido, que eu nada. Bom, aquela mesmo frustração, eu não vou passar, e essa coisa da seleção

pública é muito ruim né, todo mundo sabe que você tá prestando né? É uma exposição muito

forte né? Então eu fiquei muito mal. Terminou isso, eu juro que eu não tinha energia pra nada,

eu vim pra São Paulo, fiquei em Guarulhos, vim pra São Paulo e falei: “Ah, eu não vou voltar lá

amanhã. Ah, eu não vou,chega, que coisa ridícula, esse processo universitário é um processo

absurdo, eu não vou.” Bom, aí eu sei que meu marido falou: “ Não, você vai. Você começou

agora você vai até o final. Você vai sim”. Ai tinha passado ai eu fui pra entrevista. Ai na

entrevista, eu falei assim: “Gente, agora chega né, na entrevista eu sou o quê eu sou, e se eles

gostarem de mim, eles gostaram, não tem o quê fazer”. Eu ensino uma coisa no curso, que têm a

ver com formação e, por isso que você vai entender porque é que eu estou dando essa volta. A

pedagógica da Unifesp, ela tem um programa que se chama residência pedagógica e, eu li o

programa, porque tá no site, eu li, acabei de conhecer o programa na universidade e tal. Eu

rapidamente associei com residência médica, porque o médico vive no hospital, com o tutor que

é o outro médico, o residente tá lá com o outro médico, e ele vai dizendo a rotina do hospital e,

vai aprendendo e vai escolhendo uma especialização. Quando eu li a residência pedagógica, eu

achei: “Bom, o estágio é essa imersão na escola com o professor tutor e, vai ser super bacana,

né?”. Eu achava que era outro modo de pensar a formação dos professores. E é mesmo, tem

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muitos problemas, eu não vou dizer pra você porque ainda está em construção, mas a ideia era

uma ideia que me encantava. E uma das perguntas da entrevista foi essa, pronto né. Eu falei

“Olha, eu não acredito em cursos de pedagogia que se dividam entre fundamentos e depois, a

parte prática. Eu acho que pra um alfabetizador ser alfabetizador, ele tem que ter uma formação

que discuta o objeto dele de ensino, então a gente tem que pensar o quê que está envolvido,

quais são os objetos que ele tem que se dedicar. Então o recurso, se eu for dar um curso aqui na

disciplina de alfabetização e letramento, ele vai ter de saber do objeto, ele vai ter que saber

como a criança aprende e, ele vai ter que pensar como é quê o professor atua. Então sem esse

triângulo não tem como trabalhar formação dos professores e, eu to achando um máximo essa

coisa da residência, porque ela é um banho de escola e, muitas vezes as questões que são as

mais interessantes, nesse campo que a gente dá aula, é de quem ta vendo a criança ali,

produzindo um texto, acho de quem tá vendo a criança ler, acho que de quem tá vendo uma

atividade sendo desenvolvida, como professor interventor.” Então pra mim era um “nossa”. Eu

sei que eu me encantei muito pela Pedagogia onde eu tô, por conta desse modelo. E entrei pra

trabalhar, passei e fiquei lá. Estou há três anos lá. Eu juro pra você que a formação inicial é

muito diferente da formação continuada, que é a formação em serviço né, daquele sujeito que tá

lá no cotidiano da escola, que tem mil perguntas, que tá às vezes muito envolvido na própria

prática e não consegue ter um olhar distanciado pra poder perceber. A formação inicial, ela me

trouxe um desafio que eu digo pra você, que eu dei pela terceira vez a disciplina de

alfabetização e letramento, eu ainda não cheguei num modelo que me satisfaça, assim não

cheguei num curso que fale: “Puts, olha, esse semestre a gente conseguiu atingir os objetivos

que a gente tinha se disposto, sabe.” É muito difícil, porque aquela coisa da universidade assim,

eles até brincam “Ah professora, a senhora fala um monte de coisa, mas ninguém faz com a

gente isso aqui, né”. Então, assim, é importante conhecer as crianças com as quais a gente vai

trabalhar ouvi-las, escutá-las, quando dizem “mas assim ninguém escuta a gente”. Eles têm toda

a razão. Monta a disciplina presumindo aquilo que eles precisam ter na universidade, esse

modelo não tá quebrado, a gente tem, falta muito instância de planejamento do professor no

ensino superior. Eu achei muito engraçado quando eu comecei esse método, eu olhei e falei

assim pra coordenadora: “Não vai ter reunião de planejamento?” Ai ela olhou pra mim, ela falou

assim: “C, você está numa universidade.” Pois eu estou trabalhando o ensino, eu preciso

dialogar com os meus pares, eu preciso saber quem tá no mesmo semestre que eu, como é que

vai fazer, eu quero discutir a questão da avaliação, porque lá na universidade você tem exame,

mas pra quê que serve o exame, o exame não serve pra nada. E a gente tinha uma avidez muito

grande e, a Célia é uma pessoa muito sensível pra isso. Eu lembro que no semestre seguinte, a

gente montou uma comissão de planejamento e, a gente fez uma semana de planejamento. Vou

dizer pra você que a disposição dos professores da universidade para o planejamento é quase

zero. Um pouco dos professores que querem sentar e discutir o curso, a carga didática, muitas

vezes essa discussão gira em torno de interesses próprios, então eu quero que minha disciplina

permaneça no segundo semestre, então eu faço de tudo pra resultar inútil, eu não penso nos

alunos, sabe tem muito disso. É, e também porque eu acho que tem uma coisa forte, que é

assim, a graduação na extensão, são as ações menos valorizadas e são as que tinham de ser mais

valorizadas na universidade. É lógico que pesquisa é importante, é lógico que eu pesquiso, que

eu tenho bolsista de iniciação-científica, eu curto fazer isso tudo, mas a graduação eu acho que

você devia de ser pontuado, porque se você é o professor, se a universidade existe, né? Eu vou

dizer pra você que eu entrei muito em conflito com isso. E logo em 2008, quando eu entrei no

segundo semestre, eu já fui pra uma ação de extensão na escola vizinha, foi muito bacana a

gente fez um experimento muito bonito lá. Mas também, assim, poucos colegas quiseram saber,

pouco discutido. Na verdade como a gente tinha que começar a residência pedagógica em 2009,

essa entrada nossa na escola, a partir de uma demanda da própria escola que era vizinha à

Unifesp, fez com que a gente abrisse o campo de estágio lá para os alunos e, aprendi muito

porque tinha outros dois colegas trabalhando, a gente trabalha com a questão da leitura, da

formação do leitor. Então assim, foi muito bacana, eu vou dizer pra você que esse foi um

momento muito bonito em questão da disciplina. Eu tenho muito dúvida, eu, a gente tava

conversando, somos três: O Clécio você já entrevistou; a Márcia que é da Letras e tem uma

formação linguística bem forte. Ela difere um pouco do meu perfil e do perfil do Clécio, mas ela

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uma pessoa muito devotada com o ensino. Então eu acho que a gente forma um trio

interessante. Eu vou dizer pra você que a gente conseguiu sentar pra fazer uma discussão sobre

a nossa área no semestre passado, porque a gente não consegue a gente não tem pernas pra dar

conta de todas as atividades e pensar a disciplina. E uma coisa que eu e a Márcia temos pensado

muito, eu sei que tem uma discussão velha, a gente acha que o professor alfabetizador, ele

precisa ter uma formação entre aspas linguística, ele precisa dominar esses objetos que ele

ensina. Senão, não tem como criar propostas didáticas. Não dá pro sujeito criar propostas

didáticas em relação ao objeto que não sabe nem como funciona. Então a gente tem tentado

tanto organizar a disciplina pensando nessa formação Linguística, quanto às eletivas também.

Ela dá uma eletiva que chama Relações entre Fala e Escrita, que é super importante,

complementar à minha disciplina. Há uma disciplina de Literatura, eletiva, que a gente ta

tentando na verdade colocar de pé, que o Clécio já deu esse semestre, mas por um problema os

alunos da Pedagogia não foram matriculados os alunos dos outros cursos. Porque deu um

problema de matrícula. A gente tá tentando organizar esse campo ai, na Pedagogia.

A - O foco do curso é pra trabalhar a alfabetização e com a pré-escola também?

E9/EC - A gente tem duas disciplinas de Educação Infantil. Nessas disciplinas de questão

infantil eles começam a ver umas questões de linguagem, mas de aquisição da fala e tal. Na

nossa disciplina, eu focalizo a alfabetização. E é lógico que vou pra Educação Infantil e vou pro

fundamental, porque não tem como você falar: “Eu vou trabalhar só com crianças de seis anos,

né? Esse é o nosso foco seis, sete anos, ciclo de alfabetização.” A gente acaba trabalhando com

os eixos de oralidade, fez toda uma discussão, tentou fazer né? Desde a questão da fala, até a

questão da escrita.

A - E os seus alunos vão trabalhar até o quinto ano?

E9/EC - Meus alunos vão trabalhar até o quinto ano, eles são os pedagogos, que são professores

polivalentes do primeiro ao quinto. E, eu vou dizer pra você que, eu acho que eles saem com

uma formação bastante, no campo de língua, bastante precária. Aí tem algumas amigas que elas

dizem assim pra mim “tenha calma, porque não é só na formação inicial que a pessoa se forma

e, eu tenho que concordar”, eu falo assim: “Eu tenho que olhar pra minha história e falar assim é

verdade, porque eu fiz um curso de Pedagogia e, eu não vi nada dessas questões, né?”.

A - É interessante. Vocês também assistem ao professor que vem do departamento de Letras, ou

Letras dá conta de formar seu aluno?

E9/EC - Não, Letras tem que pensar a licenciatura e o bacharelado. Lá no nosso campus, a gente

tem Ciências Sociais, Filosofia, História, Letras e Pedagogia.

A - Mas a Pedagogia não suporta os alunos das Letras, como que fica a parte da didática em si?

E9/EC - Então, a Letras tem o laboratório e prática de ensino, dentro da sua carga didática. Os

alunos desses outros cursos vão pra pedagogia, fazer o quê a gente chama de domínio conexo,

eles escolhem disciplinas, eles têm que fazer dois domínios conexos na pedagogia. Eles

escolhem disciplinas e, fazem essas disciplinas. Os alunos das Letras, eles aparecem muito na

disciplina de alfabetização e letramento, compareceram bastante na disciplina relação entre fala

e escrita, tinha muito aluno da Letras e Literatura, tinha muito aluno da Letras, e também as

vezes, o Clécio fez uma parceria bastante interessante: ele foi dar um curso na Letras, uma

eletiva em parceria com uma outra professora da Letras, com a Márcia Mendonça, então eles

dois, deram uma disciplina sobre estudo do letramento. Eletiva, claro. Mas a licenciatura quem

está se pensando é a própria Letras, a Pedagogia nunca se colocou, desde a criação desse curso,

ela nunca se pôs nesse papel de coordenar as licenciaturas todas. Como é que a gente tem, mas

agente quer discutir isso, por quê? O currículo de Letras, Ciências Sociais, História e de

Filosofia, eles não pensam a questão da formação do professor. Então nas discussões entre

coordenadores de curso. Em alguns momentos em que a gente consegue reunir todos os

representantes de curso, a Pedagogia pressiona esses cursos de certa maneira, cria uma tensão,

pra eles discutirem a questão da formação dos professores. Eu vou dizer pra você que a gente já

ouviu as coisas mais absurdas, tipo “Eu não formo professor, ou, quem se forma em Letras não

vai dar aula em escola pública, então não tem que se pensar sobre isso”. Coisas desse tipo a

gente já ouviu.

A - Veja bem, o foco da minha pesquisa, tá no professor da faculdade. E como ele se forma?

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E9/EC - Você vê, quem fez essa opção pra estar nessa disciplina de laboratório e de Prática de

Ensino na Letras é a professora Márcia Mendonça, que é uma professora que veio da UFPE e,

que trabalhava com formação de professores. Então, ela tem sim uma sensibilidade e, ela tem

batalhado muito para que o currículo tenha uma cara diferente, porque o currículo da Letras que

hoje tem lá é de pesquisador. Eu brinco com ela: “Vocês vão formar os críticos literários, os

poetas, os escritores. Não tão formando professores”. A - Interessante.

E9/EC - Uma dicotomia, porque o professor das Ciências Sociais que dá lá Antropologia, sei lá

o quê, qualquer disciplina, ele não tá preocupado se esse menino que ele tá dando aula, vai dar

aula no Ensino médio de Ciência Sociais. Não tá. Então é uma coisa completamente descolada,

como se você estivesse naquela ideia de dois planos sabe. Primeiro, eles têm uma formação dá

área que é super importante, que é mais importante que qualquer coisa; e num segundo

momento eles vão pra essas questões aí de escola, que são menos importante, entendeu? Se

puder burlar a carga de estágio, eles burlam, se puder colocar um professor só, por exemplo, que

é o caso da Ciência Social, tem um professor, pras questões das Práticas de Ensino, que é um

professor fantástico, ainda bem né. Que também tem essa cabeça na formação do professor, na

escola, no jovem. Esse professor específico. A História há tem uma organização mais

interessante, porque a Prática de Ensino ela está dividida em quatro semestres: Então no

primeiro semestre eles discutem o ensino de História; no segundo semestre eles fazem um

diagnóstico da escola; no terceiro semestre eles entram pro estágio com uma proposta elaborada

a partir dessa orientação; e no quarto semestre eles fecham discutindo as Práticas de Ensino.

Então eles têm uma organização que eu acho interessante pra História. Então não é no final do

curso, na última coisa e, tem dois professores bastante engajados na questão da formação do

professor. Mas isso não é uma coisa comum e, ai diante desses problemas todos, por exemplo, o

curso de Filosofia queria que os alunos fizessem disciplinas na Pedagogia e, essas disciplinas

contariam para a carga da licenciatura deles. Acontece que o sujeito vai dar aula na Filosofia,

ele faz alfabetização e letramento, não é que ele não possa fazer, ele pode fazer, eu não tenho

nenhum problema, eu já tive aluno da história e foi muito interessante ele estar nessa disciplina.

Mas é ele vai dar aula pro ensino médio, quer dizer, ele não vai ter uma disciplina pra pensar o

que é o ensino médio, como é que o ensino médio se organiza, como é que é ensino se organiza?

A pedagogia toda vai focalizar o fundamental 1 e a educação infantil. Eu discuto isso, porque

tem gente que fala assim: “Nós tínhamos de cuidar da licenciatura”, tenho uns colegas quem

falam: “Nós tínhamos.” Isso é muita pretensão eu falo. Porque veja, a gente não dá conta do

fundamental, do Ensino Médio, são outras realidades, são outras questões que estão postas. A

gente não tem psicologia do desenvolvimento, que escuta como é que adolescente aprende,

como é que jovem aprende. A gente tem como que criança aprende aqui. Então a gente também.

Se a gente fosse assumir licenciatura, a gente tinha que se preparar pra pensar esses níveis e, eu

acho que a pedagogia também não ta preparada, é uma autocrítica, entendeu? E não tem

Didática nenhuma de ensino superior também né, porque é aula expositiva, tipo expositiva

ponto e, acabou, diz a entrevista.

E9/EC - É muito triste. Então assim, eu acho que tem uma tensão muito grande lá no curso.

Assim, a gente se preocupa muito em formar professores, mas eu acho ainda que a gente na

pedagogia tem um caminho ainda a trilhar, para que esses professores dominem esses objetos de

ensino. Aí eu to puxando a sardinha pra língua, mas eu posso dizer a mesma coisa pra

matemática, pra qualquer outra área. Então esse professor polivalente tem que dominar os

conceitos, as noções, o quê ele vai dar, ele não pode. Eu sei que não dá não é que eu to querendo

que o pedagogo fique dez anos na universidade, não é isso, nem acho que isso vai resolver, mas

a gente tem que conseguir um curso que garante essa questão dos objetos de ensino. Porque

durante muito tempo a pedagogia ficou com uma deixa de didática geral, se você tivesse uma

didática geral tudo se resolveria entendeu e, não é verdade, e por outro lado faltou. E a gente

vive uma dicotomia mesmo, que é complicada. Eu não sei assim um aluno meu, um aluno meu

nas férias a gente tá com um problema de greve e, teve que dar aula agora né, em janeiro,

fevereiro. E um aluno durante as férias do período que teve de recesso, ele leu “A língua de

Eulália” do aí ele virou pra mim e falou assim: “ Eu gostei do livro, eu aprendi muitas coisas,

mas eu fiquei muito mau humorado com modo como ele compôs o personagem que é da

pedagogia, porque era a mais bobinha de todas”. E eu acho que tem uma coisa assim né, tem

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gente que acha que o curso de Pedagogia é um curso que é generalista, não forma pra nada. Eu

acho que assim, essa representação, ela não é gratuita, acho que durante um tempo o curso de

pedagogia ele trabalhava muito bem com a área de fundamentos da educação, e muito pouco

com as questões de ensino. E hoje a gente tem uma parametrização curricular que exige desse

professor um conhecimento sobre a língua muito sofisticado e, se ele não tiver, ele vai ter muita

dificuldade pra até usar o livro didático. Todo mundo fica: “Nossa o livro didático é tão bom,

ele não consegue usar, por que será?” Bom, porque não tem domínio sobre aquele objeto, nem

consegue imaginar como é que aquele autor, ou deslindar como é que aquele autor chegou

naquela proposta, né. Então eles acabam criando projetos outros. Então, eu acho que a gente tem

que a formação inicial tem um nó, na Pedagogia. Um nó que não é simples, mas a Letras

também tem, porque convivendo com os alunos da Letras eu percebo o seguinte: Então eles

tiveram sociolinguística, eles tiveram práticas de leitura e produção textual, eles tiveram várias

disciplinas, que poderiam ser pensadas como disciplinas importantes para a formação dos

professores. Mas quando eles vêm pra nossa, eu tive agora uma menina da Letras, ela ficava

espantada com as discussões sobre, sei lá, como é que a gente pode montar uma intervenção,

como é que a gente monta uma sequência didática pra trabalhar produção textual. Ela falou

assim: “Puts, eu sei tanta coisa sobre produção textual, mas eu não sei nada de como fazer.” E,

parece, a sensação que ela falou que ela tinha, e que eu achei bem interessante é que essas

disciplinas ficam e caixinhas, então ela nunca tinha pensado que o quê ela estudou eu

sociolinguística pudesse ajudá-la a pensar uma aula, por exemplo. Então você fica pensando,

parece que é tudo tão desconectado. É na mesma universidade, no mesmo campus, é bastante

complexo.

A - Que saberes seriam necessários para a formação e atuação de um professor formador?

E9/EC- Então eu acho que o professor formador, ele tem que ter ai, acho que um pré-requisito,

ele ter tido um pé na sala de aula, sabe, ele ter vivido o que é ser professor, ou de jovem, ou de

criança, ou de jovens e adultos. Essa situação-problema é o quê o professor vive na hora que ele

vai dar uma aula. Quando ele chega e começa a tentar, por exemplo, desenvolver um conceito,

ou dar uma explicação, ou fazer uma proposta que os alunos se engajem. Eu acho muito

importante que esse professor-formador ou tenha tido uma passagem como professora, como

pesquisador, não importa. Mas que ele tenha tido esse pé na sala de aula e, compreendido como

é que as interações ocorrem ali. O quê é que é aquele sujeito, o professor, o quê são aquelas

crianças, como que a integração se dá. Acho que tem esse, isso pra mim é uma coisa

extremamente importante. A outra coisa importante é pensar que formação de professor é

processo de aprendizagem. Então ele precisa pensar que quando ele forma professor ele não tá

dando um conjunto de textos pro sujeito ler, que dali o sujeito sozinho vai ter algo. Mas um

processo de aprendizagem, da mesma forma como a gente prevê as necessidades de

aprendizagem dos nossos alunos da educação regular né. Quais são os estágios de

aprendizagem, quais são os interesses, quais são os ritmos, quais são as questões, é professor-

formador tem que tentar de algum modo dar conta de descobrir esses lados aqui do professor.

Porque eu acho que ele só vai conseguir fazer uma formação com esse professor se ele tiver

muito conhecimento dessa situação que o professor vive e, das questões que são colocadas. E o

professor ele expressa suas necessidade de aprendizagem, ele fala o quê ele quer aprender

muitas vezes e, a gente tem muito dificuldade de interpretar aquilo que ele fala. Então o

professor formador precisa ter uma escuta atenta para esse professor com que ele vai trabalhar,

pra tentar planejar o seu curso, sua disciplina ou qualquer outra ação que ele tiver em função

desse sujeito e, de um processo que é de aprendizagem. Então eu já vi muito formador que diz:

“Eu fui lá, dei o curso, nossa, criei mil coisas. Fui assistir a uma aula dele uma semana depois e,

não tinha mudado nada né.” Tem muito disso, assim, eu fico pensando: “Puxa, mas é um

processo o todo, né.” Quer dizer, tem um monte de representações desses professores que são

colocadas em conflito durante a formação, esse professor começa a entrar em contato com

teorias que ele não conhece, e com experiências passadas dele, como aluno, quer dizer, não é

uma coisa de passou pela formação, mudou a sua prática, passou pela formação, se tornou

professor, né? É um processo de aprendizagem, como qualquer outro processo de aprendizagem

e, agente tem que aprender a pensar isso sem imediatismo. Colocando o tempo a favor do

formador. Então conhecer bem a escola, o funcionamento de uma escola, de uma sala de aula,

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conhecer bem esse professor, quem ele é, e as necessidades de formação que ele tem e, eu acho

que conhecer de tal modo o tema, ou a área que ele vai formar esse professor, se é Língua, se é

Matemática, se é sei lá artes, o quê for. Conhecer de tal modo, que ele consiga articular esses

três elementos na formação. Quer dizer como é que eu vou trabalhar com o professor o sistema

de escrita alfabético, como é que eu vou fazer ele perceber como é que são os princípios que

regulam esse sistema, se ele não conhece esses princípios e, ele não, vai tomar consciência

desses princípios, como é que eles funcionam, vai ser muito difícil ele conseguir pensar o

processo de alfabetização da criança, ou de um adulto. Ou então, como é que eu torno esse

objeto, essa questão, o sistema de escrita, um objeto a ser atendido por esse professor, para

depois ele ser ensinado. Então eu acho que o formador ele tem que ter um domínio muito

grande sobre os objetos que ele pretende ensinar, que são focos da aula dele e, tem que ter

didática. Eu acho que você tem que criar uma didática, uma forma de trabalhar e, eu acredito

muito que tenham tentado fazer isso muito na minha sala, que uma das formas interessantes de

formar o professor é trabalhar ou com situações-problema, ou casos, ou às vezes, uma situação

que coloque o professor pra fazer uma atividade e, ele perceba ali, ele descubra um aspecto do

sistema de escrita que faça compreender “Puts, então tem regularidade direto, tem outros que

não são.” Sabe que são contextuais e, eu preciso trabalhar isso com a criança, isso não é

transparente na língua, sabe. Eu fico pensando que, se a gente conseguir, criar atividades, às

vezes essas questões problemas são coisas muito simples, eu vou te dar um exemplo que eu uso

na minha sala e, o quê elas ficam completamente deslumbradas, eu acho tão interessante. Pra

trabalhar o sistema de escrita eu faço um ditado pra elas, um ditado que eu digo: “Olha, eu vou

ditar em colunas e, sei lá, as seis primeiras palavras, são palavras desconhecidas, que elas não

conhecem, mas que eu escolho palavras que têm relações diretas né, sei lá pelo, dedo que elas

não vão ter nenhum problema, desconhecendo o significado, elas vão escrever. No meio, na

coluna do meio, eu coloco palavras que tenham regularidade contextuais. Eu trabalho

morfológicas. E na última coluna são palavras que a gente possa chamar que tenham

regularidade. Sei lá, um monte de palavras que eu sei que elas vão ficar horas pensando:

Berinjela é com J ou G, por exemplo, né? Depois que a gente faz o ditado, a gente escolhe qual

que é a coluna mais fácil, e tenta., elas tentam., elas me indicam quais as palavras das colunas

que elas tiveram mais facilidade e, as que tiveram mais dificuldade e, elas têm de me dizer

porque tiveram dificuldade. E ai elas não conseguem dizer porque, então a gente começa a ver

como é que o sistema funciona , a gente começa ver porque que mesmice foi difícil de escrever,

porque tá lá na coluna do meio. E se a gente aprender a regularidade que tem ali, a gente vai

escrever mesmice, chatice, sabe, uma coisa desse tipo. E ai é isso, uma situação-problema muito

simples, mas baseada no objeto que a gente quer ensinar e, faz com que elas coloquem em jogo

aquilo que elas sabem e até percebam, que o que elas sabem não dá conta de responder então

elas vão ter quer buscar um novo conhecimento. Você cria uma necessidade de conhecer aquilo

pra poder responder. Então, eu fico pensando que a formação do professor deveria ser, eu sou

uma professora que dá muita leitura e, eu acho que tem que estudar muito, tem que estudar

muito comigo, vocês acham que vieram fazer disciplina que é de ordem prática, que vão ficar

fazendo recorte e cola, a gente não vai. A gente vai estudar. Então, acho que é isso, quer dizer

você tem que ter um bom domínio do campo, você também tem que saber fazer, eu acho. Eu sei

que eu não estou sendo sintética, porque eu sou meio prolixa, você vai depois ter dificuldade

coma a minha entrevista.

A - Não, imagina.

E9/EC - A outra coisa é eu acho que você tem que saber escolher textos. É porque tem alguns

textos que são maravilhosos, mas eles não são textos formativos. Eles são textos pra por na

formação dos professores. Eles são textos que você, sei lá, pode estudar, mas ele não é um texto

por exemplo que vai discutir com você produção textual de modo que você compreenda que tá

ali implicado, no ensino e na aprendizagem. Então, olha eu sofro pra escolher texto que você

não tem ideia e, às vezes, eles estão muito espalhados, as vezes tem, sei lá, dentro do “ Diante

das letras” do Galhardo, tem três capítulos que me interessam muito, mas não é o livro todo.

Entendeu, porque tem partes ali naquele livro que eu acho que ele lê sozinho, não precisa ler no

meu curso, ele vai ler sozinho, ele vai ler quando ele quiser estudar a história da escrita, sabe?

Sei lá, tem partes do texto que tem que ler a Ferreiro, mas não vai ler a psicogênica inteira, a

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gente pode escolher “Reflexões sobre alfabetização” que vai dar conta, sabe e, ai se ele quiser se

aprofundar, é uma segunda leitura, da psicogênese. Você percebe então você tem que ser aquele

sujeito que lê muito, lê muito texto de divulgação, eu acho, porque você tem livros de

divulgação já pra formar professor e, fazer uma seleção, porque, às vezes, os livros de

divulgação são livros que não. Eles banalizam conceitos, então você tem que ter um olhar,

assim, pegar aquele autor que tá preocupado em formar o professor, sem banalizar o conceito,

então é difícil viu. Sei lá, então eu acho que tem essa outra característica, você conseguir fazer

uma boa coletânea de textos pra esses alunos, que eles de livros, autores e obras, que eles levem

depois pra vida deles. Porque isso também pode ser que to aqui no meio da sala de aula, peguei

uma sala de aula agora, tem que pensar como é que faz produção de texto, onde é que eu vou

olhar né, eu brinco, às vezes: “Vamos voltar pra novos textos que a gente estudou aqui. Agora,

às vezes, não faz muito sentido, mas vocês vão ver na hora do estágio. Quando vocês tiverem de

fazer a intervenção pedagógica, lá na residência, vocês vão voltar pra esse autor, né.” Então é

isso que eu acho que tem que ter esse olhar pra escola, conhecer muito bem a escola e, o

professor que está na escola pública. Eu trabalho muito pensando sempre em escola pública, né?

O nosso curso tem essa missão clara, formar o professor pra escola pública, os professores de

escola pública. Esse pé na escola pública é muito forte, essa ideia de que o professor ele está em

processo de aprendizagem, ele não tá pronto e, ele continua pro resto da vida. Então como é. A

- Vygotsky já falava isso muito bem. Exatamente.

E9/EC - E um domínio do objeto que você vai ensinar o que quer que esse formador, esse

professor, domine. E um conjunto de didáticas e textos adequados para a formação. Se a gente

tiver isso aqui a gente consegue pensar um curso de formação Ah, sabe de uma coisa que falta

pro formador? Interlocutor, eu sou uma pessoa que careço de interlocutores, eu adoro conversar

sobre o meu curso com outras pessoas, sabe? A - Que ótimo!

E9/EC - Acho isso não tão legal, converso muito com o Clécio, converso muito com a Márcia.

“Olha eu fiz esse programa, dá uma olhada.” Ai eles dão um monte de opinião, eu mudo o

programa, é eu acho super importante isso também, sabe.

A - Qual é o nome da outra professora, com que você trabalha?

E9/EC - É Márcia Romero Lopes.

A - Agora, deixa eu te perguntar a respeito da sua pesquisa, o que é que você tem trabalhado

atualmente?

E9/EC - Em pesquisa, então, eu acabei de entra na pós ano passado, eu vou dar uma disciplina

de Aquisição da Linguagem, a pós em Educação e Saúde, então nós vamos dar uma disciplina

eu e Márcia. Nós vamos dividir essa disciplina, vai ser uma experiência boa. E, o meu projeto

de pesquisa que eu vou encaminhar agora, é pro ensino fundamental, do primeiro ao quinto ano

e, eu vou estar trabalhando, é observar as práticas de letramento que ocorrem em sala de aula, e,

as práticas de letramento na comunidade, principalmente se a gente conseguir. A ideia é que a

gente consiga acompanhar as crianças longitudinalmente, quer dizer, do primeiro ao quinto ano.

A gente acompanhar a prática de letramento de algumas famílias, de alguns desses alunos, e

tentar ver como é que essas práticas de letramento em outros âmbitos e as escolares conversam

ou não conversam. Pensando esse processo de domínio da leitura e da escrita. Então é uma

pesquisa meio diagnóstica, vamos dizer assim, verificar como é que essas ideias, das tais

práticas de letramento que já estão em voga, se elas tão ocorrendo ou não na escola, que tipo

que está ocorrendo, visto também nesse ciclo. E ao mesmo tempo observar as das famílias,

porque essa escola que a gente pretende fazer a pesquisa é uma escola da periferia aqui de

Guarulhos e, a ideia é que a gente observe famílias, crianças vindas de grupos populares mesmo

e, tentar resignificar essa ideia de que nesses grupos as práticas de letramento são precárias ou

inexistentes, entendeu. Começar a observar mesmo o quê é que essas crianças têm no cotidiano

e se é não tem, ou, não articula o que elas trazem, entendeu, nem se considera né. E essa é a

minha. A da Márcia, eu não sei te dizer bem porque ela está começando a desenhar, a pesquisa

dela nesse campo.

A – De que maneira sua pesquisa pode contribuir para a formação desse professor?

E9/EC - Eu sabia que você ia fazer essa pergunta. Eu fiquei pensando e na hora que eu formulei

o projeto, eu até dividi assim: as contribuições pro campo da linguagem, incluindo estudo da

linguagem e pro campo da formação do professor. Eu acho que se a gente conseguir com esse

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professor ter um olhar. É aquela velha história, você vai achar que eu to repetitiva, mas eu acho

que ainda é importante. É que ele comesse tentar olhar para além dos muros da escola e, tentar

conectar esses saberes que as crianças trazem que são muito interessantes, com os escolares de

algum modo e, eu acho que a gente tende a alcançar algo mais interessante. Principalmente,

assim, eu fico olhando, me assusta muito, os resultados das avaliações externas da escola. Sabe,

eu tenho críticas às avaliações. Acho que tem problemas, mas a tendência que eles nos mostram,

é uma tendência assustadora, de como essas crianças vindas das classes populares se dão mal na

escola. E a ideia é tentar extrair dessa dupla observação, desse conhecimento maior da

comunidade, do entorno da escola, extrair algumas lições que possam ajudar essa escola e, esse

professor a repensar as próprias práticas de ensino, principalmente de língua. É por ai.

A – Obrigada.

Grupo II –

Professoras Formadoras Portuguesas

Entrevista E10/EA

A - Sua história, onde nasceu, sua formação. Eu gostaria que você falasse a partir da primeira

escola, onde começou?

E10/EA - Eu nasci em Lisboa e fiz um curso normal.

A - A sua primeira escola?

E10/EA - Então, uma escola em Lisboa. Não era uma escola pública, era uma pequena escola

privada por razões, nem sei! Mas uma escola, enfim bastante popular. É o que nós chamamos de

escola primária dos seis aos nove anos e, a partir daí ser sobre a escola pública. Depois fui para

o ensino médio aquilo que nós chamávamos de liceu e agora escola secundária, já conhecemos

como escola pública e depois fui pra universidade também uma universidade pública e penso

que aí onde aparece essa questão, o caso é que, o curso que fiz e porque escolhi ser professora,

quando terminei, o correspondente ao ensino médio, tinha que escolher que curso ia fazer. E na

altura, a minha primeira questão nem era querer ou não querer ser professora, porém continuar a

estudar Português. Então eu queria estudar Português e fui ver os cursos e aconteceu uma coisa

curiosa que era enfim. Havia problemas também na família como acontece, a minha mãe era

contra, lembro bem disto. Eu queria fazer Literatura Fiologermânica que os estudos de

Português e Francês, mas fui ver o curso e parece que telefonei, a minha mãe ia dizer assistente

social. E menos tempo, mas minha mãe mesmo ia dizer, faz o que gostas e eu fui fazer antiga

Filogermânica que era basicamente cursos de Germânicos, Português e Francês, Línguas e

Literatura e um pouco de Linguística. E ligado com essa questão foi uma que o curso normal era

pra ser professora e, portanto, eu não posso dizer que tenha sido uma escolha da profissão, foi

uma escolha de quem precisava trabalhar e nunca o ensino normal seria prosseguir, seria dar

aulas. Portanto, uma coisa curiosa, por razões exatamente, eu precisava, porque meus pais

tinham dificuldades econômicas, no 3ª ano do curso comecei a dar aulas, comecei a dar aulas

com 19 anos.

A - E aí você começou a lecionar em que série?

E10/EA - Eu comecei com os mais pequeninos que eram na altura o ciclo preparatório, portanto

alguns momentos é o vosso. Antes do ensino médio, mais abaixo, como é que se chama? É

básico, exatamente como nós já chamamos o ensino básico na altura, portanto eram miúdos de

10,11 anos. Foi só um ano exato. Comecei com 19 anos a trabalhar e a experiência foi muito útil

pra mim, foi muito enriquecedora por duas razões: Primeiro, percebi que gostava das aulas, quer

dizer, antes não sabia principalmente porque eu era muito tímida, hoje eu penso que como é que

eu me atirei. Porque o fato é que eu percebi que gostava de dar aulas, que era mesmo o que eu

gostava de fazer. Depois outra coisa que eu acho muito interessante, se calhar, tem a ver com as

outras perguntas que eu sinto como meu percurso pessoal , é que quando eu comecei dar aulas,

foi quando eu dei o salto. Isto é, eu tinha sido uma boa aluna no ensino médio, mas normal. Na

faculdade os dois primeiros anos foram anos normais, quer dizer sem grandes dificuldades, mas

também sem grandes. Fui uma aluna média também. E quando comecei a dar aulas dei um salto,

isto é, comecei fazer menos cadeiras devido ao muito pouco tempo e fazia com um desempenho

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muito melhor, daí eu acho um aspecto curioso, que o fato de estar como aluna e ao mesmo

tempo como professora fez-me pensar, juntar de frente as duas experiências, fez-me tirar mais a

partir da experiência como aluna e mobilizar mais isso, para a experiência como professora,

portanto, acho que na minha formação aconteceu por acaso, mas eu acho que foi uma

experiência muito salutar.

A - Como foi a minha experiência com as disciplinas formadoras na academia?

E10/EA - Eu tenho 54 anos, portanto, isso já tem história. O que se faz agora já não é aquilo que

eu fiz. Eu tinha 17 anos, quando entrei para universidade e ao contrário do que se passa agora,

eu escolhi para onde queria entrar e entrei sem problema nenhum. E agora, há muitos filtros pra

entrar pra qualquer curso, eu escolhi o curso que eu queria e entrei sem problema nenhum. E o

que acontece é que eu fiz, na graduação, eu fiz o curso Filogermânica que não tinha nenhum

complemento de formação de professores, fizeram cinco anos de carreira isto é, literatura, de

Linguística, nada de Pedagogia, e o que aconteceu é que no final do curso havia dois anos

chamados na altura, pedagógicas. Mas no meu percurso pessoal, o que aconteceu foi que eu

entrei pra faculdade em 72,73 e aí não 73,74 e nesse ano em abril aconteceu a revolução de

1974. E, portanto, os cursos todos mudaram. Foi um tempo de muita agitação de mudanças,

essas pedagógica. Essa parte de formação de professores terminou, foi tudo posto em causa e,

portanto, eu tive uma formação muito particular, há muita gente que reunia neste período como

um período de grande confusão, muita bagunça na minha experiência pessoal.

A - De acomodação mesmo, né?

E10/EA - Sim, as pessoas diziam algumas pessoas se sentiam como um curso de receptismo, a

minha experiência pessoal não foi nada disso, havia muito fervilhar de idéias, aquela

experiência que tudo poderia mudar. Que tudo ia ser diferente, tudo ia ser melhor. E, portanto eu

estava ligada a grupos a discutir as disciplinas, a fazer processos de experimentação da

avaliação diferente, portanto eu acho que na minha formação, isso foi muito formador, mas mais

uma vez, foi uma formação que eu não escolhi. Isto é, aconteceu e eu tentei estar dentro, isto é

muito, foi muito enriquecedor exatamente por essa perspectiva que as coisas podem ser

diferentes e vão ser melhores. Não quer dizer que tenham sido, mas viver isso com convicção eu

acho que foi muito bom. E o que me aconteceu, foi que quando também, como eu fui dando

aulas, quando acabei o curso, concluí procurei uma escola de ensino médio para dar aulas e,

portanto dei dois anos de aulas, antes a gente fazia uma formação profissional que na altura

chamava formação em exercício que é a formação então pra professores. A - Não era exigido?

E10/EA - Nessa altura não era exigido ainda. Nessa altura, eu fiz o curso, fui dar aulas e depois

porque era preciso concorrer para a formação.

A - Bem, e aí vem a questão o resto da sua formação. Você foi dar aulas e aí como continuou?

E10/EA - Eu fui dar aulas dois anos no curso médio e nessa altura, eu achei que precisava

completar a formação e concorrer para um curso de formação de professores. É preciso

candidatar e entrar. A - Sim

E10/EA - É preciso candidatar e eu entrei, ao mesmo tempo tinha dado vários anos de aulas e

estava empenhada em fazer um mestrado, em voltar a estudar. Eu sentia que a formação de

professores pelo aquilo que se dizia não era muito estimulante e eu tinha vontade de voltar a

estudar. Isto é, ao fim de alguns anos, de voltar a dar aulas de Português e de Francês. Eu tinha

a sensação que tinha juntado os meus cursos que eu estava a repetir voltar a estudar e, aconteceu

uma coisa muito estranha, que foi ficar encucada pra fazer a formação de professor. E fiquei

encucada no mestrado ao mesmo tempo. Em princípio, seria duas tarefas impossíveis de fazer,

isto era trabalhar mais. E eu achava na altura que devia fazer a formação de professores, devia

fazer, mas o que eu mais tinha vontade de fazer era o mestrado e então eu disse: “Vou tentar

fazer as duas coisas até onde for possível quando não for possível eu desisto de uma e logo

vejo”. E o que aconteceu foi que como eu tinha já vários anos de formação de trabalho em aula,

eu fiz um ano de formação de professores. E, mais uma vez, foi um ano de formação de

professor muito teórico, com poucos exercícios práticos, com poucas questões de organizações

de currículo, com muito pouco, quase nada em termos de experiência de sala de aula e entrei no

mestrado.

A - E o mestrado foi em linguística?

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E10/EA - Mestrado foi em Literatura e Cultura Portuguesa Contemporânea. E o que aconteceu

foi que nesse mestrado eu comecei a trabalhar em linguística no mestrado de Literatura e

cultura, mas também tinha um seminário de análise textual que era dado por uma professora do

departamento de Linguística do Texto. Uma professora, enfim, da área de Análise de Discurso,

linguística totais e o que aconteceu foi que no mestrado que eu tive pela primeira vez contato no

meu percurso acadêmico com questões na área do Discurso do Texto por aí. Nunca tinha tido

nada na minha formação e foi por isso que eu no mestrado acabei por ser orientada por essa

professora. Acabei por fazer a minha dissertação na área da Linguística, sendo um mestrado em

Linguística e Literatura, o meu percurso é muito pouco linear, e era importante na minha área. E

entrei, essa professora me convidou para entrar para a faculdade pro Departamento de

Linguística. E fomos almoçar. Demoramos três horas pra almoçar pra ela me convencer a entrar,

porque minha formação era literatura e, portanto, eu tinha medo de ir trabalhar para um

Departamento de Linguística, o que aconteceu, aí na universidade U5. A - Já era U5?

E10/EA - Já era. Eu fiz a graduação na universidade em Lisboa, na chamada Clássica e fiz o

mestrado na U5 e, portanto, nessa altura como entrei pro Departamento de Linguística, eu

estava a fazer a dissertação do mestrado nessa área da Linguística do Texto, nós chamávamos

Teoria do Texto. Enfim nós trabalhávamos com textos e discursos e, portanto concluí

dissertação de mestrado e fiquei a dar aulas, e a partir daí, fiquei a trabalhar no departamento de

linguística. Curiosamente, no departamento de Linguística onde eu trabalhava na faculdade de

Ciência Social e Humana, a professora que me orientou, no dia a seguir a eu defender a tese de

doutoramento, pediu reforma. E eu fiquei com a herança que é a área do texto e do discurso nas

mãos.

E10/EA - E já a partir dali, comecei e o que acontece a partir daí eu só pude ligar pra função de

formação de professor a contar com análise do discurso, enfim. Acontece é que

progressivamente acabei por ter que fazer seminários, por exemplo, Didática em Teoria do

Ensino do Português, porque dos meus colegas na universidade eu era uma das poucas pessoas

no departamento que tinha uma formação profissional como professor.

A - E todos os outros professores sem a formação de professor?

E10/EA - Porque para o ensino superior ninguém exigia uma formação de professor. Ninguém.

E eu o que fiz ser mesmo já estando no ensino superior fui fazendo, por exemplo, um curso de

formação de didática do ensino superior. Fui fazendo, sempre que aparecia alguma coisa eu fui

fazendo. Achava que fazia parte.

A - E esses professores, seus colegas de faculdade, eles tinham experiência no ensino básico?

E10/EA - Há todas as situações. Alguns sim, algumas pessoas foram pessoas que acabaram a

licenciatura, a graduação e foram dar aulas pra ensino médio, não gostaram da experiência e

fizeram tudo pra voltar ao curso superior. Há pessoas que acabaram a licenciatura e ficaram

imediatamente no curso superior, há muitos casos. Mais uma vez o meu caso é diferente porque

quando fui fazer o mestrado eu não tinha nenhuma intenção de ir pro curso superior, nem tinha

nenhuma experiência educativa. No meu percurso eu queria continuar a estudar, eu não queria

dar aulas, quando comecei o mestrado eu não tinha nenhuma intenção de passar para o superior,

e depois aconteceu e acabei por entrar, a vantagem que havia era permitir continuara dar aulas

que eu gosto e permitir que eu estudasse, nesse ponto de vista era perfeito.

A - E o doutorado?

E10/EA - O doutorado eu continuei, portanto, fiz a tese, a dissertação do mestrado com a

professora Luiza Soares Lopes, eu acabei por dar aulas e no percurso normal era me inscrever

no doutorado. Portanto aí, naturalmente me inscrevi no doutoramento em Linguística, numa

área de especialização em Teoria do texto, né? E, portanto, o que eu senti no meu percurso, foi

que, quando fiz o mestrado na área de lingüística foi na área que me trouxe desafio, do ponto de

vista intelectual, que me trouxe lados novos, que me trouxe ferramentas novas e por outro lado

permitia uma transição curiosa que era trabalhar na área da teoria do texto, eu não senti nunca

que tinha feito uma revira volta de 360°. Era uma continuidade. Observava as amigas, muitas

amigas e eu gostamos muito sempre de trabalhar com Literatura e diziam “tu, mas fazes

Linguística. Mas como é que é possível?” Porque as pessoas têm a ideia de que uma coisa é

Literatura e a Linguística é aquela coisa de trabalhar com árvores da gerativa. E diziam “não

pode ser tudo isso!” E a elas dizia “não, mas tem tudo a ver”. E fiz uma tese de um mestrado em

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Linguística, área de especialização em teoria dos textos, uma tese que se chamou Textos e

Competências em Teoria Textual. Não pretendo de forma nenhuma me gabar. Não foi um

trabalho ligado á formação de professores, mas foi um trabalho com algumas preocupações no

sentido de tentar perceber a em que via os trabalhos na área dos discursos poderiam ser úteis, no

fundo foi uma observação minha e, portanto, fiz essa tese, ta publicada em Portugal.

A - Está na rede? E10/EA - Não está na rede, mas eu vou tentar de forma é possível que eu

possa, por exemplo, mandar lhe uma cópia foto eletrônico, eu tenho digitalizado

A - Sim, podemos ver isso. Mas, veja só, fale-me das disciplinas com que você trabalha na

graduação. E10/EA - Neste momento eu trago curiosamente uma disciplina chamada Práticas

Textuais, na graduação, que já foi uma disciplina que fui eu que propus, fui eu que eu que criei,

por uma razão muito curiosa que, eu acho que lá com cá, há muita gente que chega ao ensino

superior e tem muitos problemas de expressão oral e escrita, muitos problemas. E eu ofereci ao

meu departamento que isso deveria ser acompanhado. As pessoas dizem “Ah, Não sabem fazer

um relatório, não sabem fazer uma resenha crítica”. E eu perguntava “Quem lhes ensinou? E a

mim ninguém ensinou!” E eu disse “mas eles são eles, e nós somos nós”. Aquilo que precisa ser

visto, curiosamente, acontecia e normalmente diziam isso não é função da faculdade. E eu disse

“Não sei se é problema da faculdade, mas há um blefe. A faculdade aceita esse público e se esse

público tem esse formato devemos aceitá-los e se não fizermos alguma coisa”. E eu acho que

progressivamente as pessoas têm entrado nessa convicção que é preciso trabalhar esse nível e,

portanto, essa disciplina na graduação é uma disciplina prática textuais, cujo objetivo principal é

fazer as pessoas falar e escrever em contexto acadêmico é centrada pra escrita acadêmica, isto é

pra escrita e pra oralidade, mas na prática eu reconheço que quem tem mais peso é a escrita.

Fácil fazer uma apresentação oral, mas escrita tem mais peso, porque é preciso escrever,

escrever em termos físicos temos os semestres muito curtos. Se tem 30 pessoas, não tem como.

Portanto, acaba tendo mais peso a escrita e não trabalhar tanto a oralidade, mas a escrita no

ponto de vista acadêmico.

A - Hoje você trabalha com essa disciplina na graduação? E10/EA - Sim, na graduação.

A - E aí eu acho que nós já respondemos o seguinte, né?

E10/EA - Portanto, o que nós temos lá, hoje, é só um curso primeiro ciclo são três anos e tem a

reforma de Bolonha ver com o que o europeu faz. Qualquer cidadão no espaço europeu pode

circular de universidade para universidade sem ter exigido equivalência. Portanto, um aluno de

graduação que faça o curso de graduação na nossa faculdade pode ir para França, Espanha ou

outro país da União Européia e entrar direto num curso de mestrado, por exemplo, sem ter que

pedir equivalência. Enquanto, por exemplo, se um estudante do Brasil vai fazer um mestrado em

nossa universidade tem que ter equivalência ou diploma para fazer esse. E pra isso funcionar no

espaço Europeu o que foi preciso foi uniformizar os cursos. E, portanto, nós temos curso de

graduação no 1º ciclo. Pode contar graduação três anos, curso com 2º ciclo mestrado dois anos e

depois o doutoramento que é o 3º ciclo mais três anos. E isso é igual em todo espaço europeu.

Portanto os três anos da licenciatura é muito pouco. É uma formação geral, muito geral. E o para

ser professor tem que fazer um mestrado. Mais dois anos de mestrado de ensino.

A - Quanto tempo dura a formação de professor?

E10/EA - Dura um ano curricular e mais um ano de estágio na escola.

A - Que saberes seriam necessários, para formação e atuação do professor formador?

E10/EA - Eu acho que é uma pergunta interessante e desafiadora, a minha impressão é que o seu

formador precisa lado uma formação teórica, científica, sólida. E eu acho que precisaria, não é

sempre o caso de ter, contato real com a prática, contato real com os professores e precisaria ter

isso de uma forma também regular, porque ligado com a questão já vista há um bocadinho. Eu

própria, alguns dos meus colegas nunca puseram os pés numa sala de aula de ensino básico e

fundamental e são muito bons teoricamente, estou a pensar num caso concreto. E uma pessoa de

muita qualidade científica, é uma pessoa muito rápida até se calhar. Acima da média do ponto

de vista de funcionamento, e, entretanto, no fundo projeta para o trabalho dos professores um

modo novo de trabalho, um novo tipo de compreensão das questões, um tipo que eu estou

convencida que não acompanha as pessoas. Não acompanha e não acompanha não é porque, não

estou fazendo nenhum juízo cretino, é porque é normal. Porque as pessoas têm que dar aulas,

tem horários muito carregados, tem muitos alunos, tem vida pessoal, e tem que ter, tem tudo. E,

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portanto no nível que fizeram suas formações há 10, 12, 15, 20 anos. Contactar com conteúdos

novos, aí essas limitações das próprias pessoas, do ponto de vista de quem faz a formação de

professores precisa conhecer as escolas, de conhecer quem são os miúdos de nove anos, porque

os miúdos de dez ou doze anos hoje são diferentes do que nós fomos, são diferentes dos nossos

alunos já do superior. Precisa conhecer a realidade dos professores que estão no terreno. Mas eu

insisto nisso, eu acho que o professor precisa também ter uma formação sólida, porque eu estou

convencida que não há um bom trabalho de transposição didática que não assente numa boa

formação teórica e científica. Portanto, acho que eu sou muito franca, já estive em situações na

minha faculdade, com colegas, em situações do trabalho em mestrado de formação de professor,

em que os professores que diziam: “Ah! Isso é formação de professor, com a parte teórica

vamos fazer uma coisa muito lenta, vamos fazer uma conversa, vamos conversar”. Eu acho que

isso não se faz. Isto é, eu acho que os professores eles precisam saber ter trabalho, ter formação

sólida, selecionada. É saber que ninguém ensina se não souber um pouco mais do que aquilo

que vai ensinar aos alunos, as professor precisam saber mais, pra poder entender ao saber. Isso

não interessa aos meus alunos que tem 10 ou 12 ou15. Isso não interessa. Mas o que eu vou

selecionar disso que eu sei, como é que eu vou utilizar, a pessoa precisa ter uma formação pra

poder fazer, pra poder escolher, pra poder organizar o que ensina, mas não acontece. E eu vou

dar mais exemplos. Portanto, eu não sei se acontece questões que há um conjunto de conteúdos

e o que as pessoas fazem é pegar nisso, tal e qual chegar na aula e dizer: “Gênero é isso,

assim,assim, sequência textual é isso assim, assim, ato ilocutório é isto assim”.

A - É só abrir o livro, né?

E10/EA - E eu acho que isso não é porque os professores sejam maus, não é porque os

professores tenham más intenções, é por não terem tempo. Não tiveram tempo de mastigar

aqueles conteúdos. Não tiveram tempo de se apropriarem deles, não estão suficientemente à

vontade com esses conteúdos pra dizer, não, isto eu não vou dar nesse contexto, porque vou dar

isso de uma forma indireta, vou trabalhar nesse texto pra ajudar analisar isto ou aquilo, não

precisa explicar o que é o óbvio, mesmo que seja o lado pragmático indireto. É útil ou não é

útil? Quando é útil? Como? Pra quê? O formador precisa ter uma noção do que é uma sala de

aula, precisa também ter formação pra ser um professor flexível pra fazer suas escolas. E pra

não reproduzir de forma mecânica, como o programa ou manual. O livro didático, pode ser um

instrumento, mas não é tudo.

A - Há quem diga, por exemplo, Tardif que vários saberes do professor são construídos na

experiência docente. Como compreende isso?

E10/EA - Eu acho que é verdade, não tenho dúvida, eu estou convencida a partir da minha

própria experiência e não a partir de nada teórico que é alguma coisa da experiência do docente

que se aprende a fazer, há uma parte do trabalho que se aprende a fazer, que se aprende e que

tem a ver um pouco com o nosso conhecimento sobre nós próprios. Isto é o que eu dizia há um

bocado, há alguma coisa na construção da minha própria identidade enquanto pessoa que tem a

ver com a forma como eu organizo a experiência. Da minha própria experiência, e não a partir

de nada teórico que é alguma coisa da experiência. Agora, apesar de tudo, eu acho que isso

acontece de uma forma completa, quando eu estou completamente em situação de ensino, a ter

que tomar decisões, ter que enfrentar a aula, a turma, etc. Agora, eu acho que alguns elementos

disto poderiam se calhar, volto à pergunta anterior, porque eu acho que há um elemento da

formação que eu não sei se aqui acontece. Em Portugal eu acho que não acontece que há

componentes de formação que têm a ver com a postura física, controle da voz, a dinâmica de

grupos é muitos instrumentos, são coisas que como é que a pessoa se movimente na aula ou não

se movimenta, como é que a pessoa. É assim, algumas coisas dessas talvez passem na situação

de estágio, mas muito pouco, e por outro lado há questões dinâmicas do grupo que também são

importantes. Alguns elementos desses e, só a formação de professores poderia dar. Mesmo que

nós pensássemos, mesmo que a formação de professores visse isso tudo, de uma forma

sistemática, eu diria que apesar de tudo, alguma coisa que é ser construída através da

experiência, eu diria. Agora, todo percurso pra trás, deveria ser um percurso que conduza a

pessoa que vai ser professor a estar mais preparado para isso, o que tenho a fazer e, portanto, o

que eu tenho é não ficar frustrado quando a coisa não corre bem, ficar demasiado em pânico

quando não acontece. Quer dizer há elementos que podem ser preparados antes e podem ajudar

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a pessoa a construir, mas aí também é uma convicção minha que tem fundamento, eu aprendi

também por acaso por inserção em grupos sociais, em grupos de afinamento político, social,

religioso, em contatos desse tipo, foi onde conheci Paulo Freire. Pra mim uma idéia

fundamental é que pessoa se constrói permanentemente e, nenhum de nós, em nenhum

momento é um produto acabado. Portanto, eu acho que alguma coisa disso que a experiência

eficiente é assim, se dá numa ocasião privilegiada pra nos continuarmos a construirmo-nos.

Todos fazem isso, mas podemos fazer de uma forma, eu acho que o trabalho do professor tem

isso quase como um privilégio que dá trabalho. Mas é um privilégio que dá trabalho.

E10/EA - Viver dá trabalho. Dá gosto, mas também há momentos difíceis, mas há em tudo, né?

Agora, eu, por exemplo, tive. Dá trabalho, há momentos difíceis, mas ao mesmo tempo, tem

momentos muito gratificantes, mas isso eu acho também é um privilégio. Eu no meu percurso

sinto que a experiência de dar aulas é gratificante. E me pergunto por que nem toda gente sente

a mesma forma? E é uma questão também de integração. Que se calhar, na experiência de

integração, né?

O que no percurso em que a pessoa foi formada, ajuda, a pessoa relativiza a experiência

negativa e a experiência positiva, integra, consiga trabalhar a experiência educativa. Isto é, o

quê que não funcionou? Teoricamente, a formação precisa trabalhar isso, mas eu acho que

alguma questão quando nos acontece, a primeira sensação é que sou eu toda como pessoa que se

sente posta em causa e, portanto, há muitas emoções que ficam muito embaralhadas. E,

portanto, há um trabalho interior quase.

A - Quase que gente precisava ter um psicólogo ao lado, né?

E10/EA - Isso eu acho, muitas vezes assim, pode não ser um psicólogo, mas pode ser ter a

pessoa certa com quem se pode falar. A pessoa não se expõe a qualquer um. A pessoa não fala,

e pensa que não pode nem contar a experiência negativa a qualquer um porque isso pode

construir uma imagem que pode ser complicada, mas por outro lado não pode ficar totalmente

calada, tem que contar a alguém, tem que trabalhar isso com alguém.

E10/EA - E a pessoa fecha-se e sofre e piora o trabalho. E pra se defender acaba por construir

uma carapaça quer dizer que é defender-se muito, que eu acho que, é minha própria. Eu lembro

nos primeiros anos que eu dava aulas, eu lembro momentos muito sofridos, mas no balanço

global, foi positivo. Agora. Como é que isso se constrói? Eu tenho a sensação que é muito

trabalho interior, é muito trabalhar emoções, trabalhar. E isso nem sempre é assumido como tal,

um trabalho de conhecimento total. Existem também pessoas que não vivem assim, porque as

questões não é igual pra toda gente.

A - É complicado, né? E10/EA - É exatamente. A - E hoje, qual é a sua linha de pesquisa?

E10/EA - Minha pesquisa hoje também está muito distribuída, minha pesquisa pessoal esta

distribuída pelas pessoas com quem trabalho, por orientados de mestrado e de doutoramento.

E10/EA - Neste momento o quadro teórico e epistemológico com o qual trabalho é o

interacional sociodiscursivo vale a pena, se calhar, contar um bocadinho. Só um aspecto, tem a

ver com isso. Quando eu fiz o doutoramento, quando fiz a pesquisa pro doutoramento, eu acabei

o doutoramento e comecei a trabalhar eu usava um pouco de tudo Análise de Discurso Francesa,

com Bronckart e seu grupo, Maingueneau e seu grupo, sobretudo, a linha francesa, porque

minha formação é francesa. Mas devo dizer, porque sempre achei que o que é produzido em

Língua Francesa é diferente do que é produzido em Língua Inglesa e mais interessante o quadro

a mim pessoalmente, portanto, é que assumi como foco e trabalhava um pouco de tudo, a saber

quais seriam minhas ferramentas os instrumentos para descrição de textos,enquanto grupo de

Maingueneau enfim os outros mais pragmáticos. E o que aconteceu possivelmente foi por

razões, mais uma vez, um pouco casuais, convidamos Bronckart para um seminário, porque

vinha ao Brasil um participar de um simpósio em 2004, organizado pela Ana Raquel Machado.

Em 2003, 2004 e comecei a perceber que o quadro teórico epistemológico do

sociointeracionismo era o que me oferecia, de maneira mais integrada, uma perspectiva de

trabalho sobre questões do desenvolvimento da pessoa ligado a questão da perspectiva do

trabalho, da formação em termos de formação das pessoas e formação do trabalho na escola.

Mas também de formação de pessoas em sentido amplo, ao longo da vida, que também é uma

questão que me interessa assim, lá na escola eu trabalho e, portanto este é o quadro preferencial

sem dúvida nenhuma. Mas vale a pena dizer isso, não é de uma forma cega, é de uma forma em

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diálogo. Faz parte da própria lógica do interacionismo manter o diálogo com outras

perspectivas, entretanto, o que eu tenho feito sistematicamente, é ver o que no modelo de análise

de texto proposto por Bronckart o que são movimentos que não são tão desenvolvidos e onde

vamos buscar força, apoio e diálogo em outros quadros teóricos. Entretanto, quando digo isso,

não é obviamente, sem exceção e não diz mais nada. Não é de uma forma cega, acho que isso

nem faz sentido. É continuar a usar e a dialogar com quadros, com outras perspectivas, mas é o

meu pano de fundo, quadro preferencial de inscrição, e é muito mais por isso, em termos

epistemológicos é o que me fornece de uma forma mais integrada aos múltiplos componentes da

questão de trabalho sobre o texto e de formação e utilidade. O próprio interacionismo assume

isto, uma ciência que seja útil, se é útil ou não, nós podemos parecer pretensiosos, ao pensar que

são úteis e não ser, mas pelo menos que os trabalhos tenham em vista uma utilidade.

A - E pra encerrarmos diga-me, o que é formar um professor?

E10/EA - Formar um professor seria, idealmente, um trabalho muito global, quer dizer, é uma

ideia de que o professor teria de ser alguém com uma formação do ponto de vista da ordem do

psicológico. Até tenho escrúpulos de dizer isso, pois não tenho formação em psicologia,

portanto não é no sentido de criticar. Mas é alguma coisa formalizante, do ponto de vista dos

conteúdos, da organização metodológica na sala de aula, mas que, sobretudo tenha uma visão

global e humana sobre a questão humana, sobre as interelações, entre as pessoas, sobre a

questão de ter capacidade de construir a identidade a cada momento, sobre a questão da

experiência docente e sobre o ponto de vista dos alunos que também estão nesse processo, né? É

um trabalho muito global e, portanto, como temos toda a limitação de tempo e de espaço, a

tendência a privilegiar um desses aspectos. Tenho colegas que dizem: formar professores é dar

uma formação científica sólida. E eu digo: é isso, mas não chega, não é tudo. Há outros

elementos que tem a ver com a questão da apreciação da pessoa, do trabalhar as emoções das

pessoas. E, portanto, eu acho que é uma tarefa muito global de interação entre as pessoas. E por

isso, se calhar, é difícil.

Entrevista E11/ES

A - Eu gostaria que você falasse sobre a sua formação básica, ensino secundário, sua

graduação, enfim de sua história acadêmica.

E11/ES - Bom, a formação desde o início é muito semelhante pra todos os jovens Portugueses

porque nós fizemos o primeiro 1º Ciclo. Não freqüentei Jardim da Infância porque a essa altura

não tínhamos uma rede tão alargada Jardim da Infância, portanto fiz o 1º ciclo, pois, depois o

Ensino Básico que é o 2º e 3º fazem parte do Ensino Básico, depois o Secundário. E tudo isso eu

fiz na zona de, portanto, da habitação dos meus pais, que era uma zona perto de Lisboa, não era

propriamente uma zona rural, portanto, mas era o que tínhamos ao redor de Lisboa, porque lá

frequentei até aos doze anos, portanto que é todo ensino básico e secundário. No 9º ano nós

tínhamos que nessa altura escolher agora sim, qual a área, portanto se humanidades, mais área

da matemática, das Ciências. Eu escolhi humanidades. Não foi por não gostar de matemática,

porque sempre gostei de matemática, mas gostava muito de Língua Portuguesa, gostava

daquelas disciplinas mais nas áreas das humanidades. Ainda não tinha idéia do que eu iria fazer

a seguir, do que ia estudar a seguir, mas optei por essa área. Pois no 2º ano nós fazíamos

processo à universidade. Nessa altura ainda fazíamos, portanto, três provas e, eu fiz as provas

para me candidatar a várias universidades para Lisboa ou fora de Lisboa para o curso de

Línguas e Literaturas Modernas, com variantes Português e Francês. Portanto, devia ter optado

só pela variante do Português, mas achei que era importante ter outra língua e nessa altura o

Francês ainda era alguma coisa valorizada, hoje em dia é quase inexistente. Portanto, no fundo

eu ainda eu era um quirim da velha guarda, já nessa altura muito poucos alunos escolhiam o

Francês. Nós tivemos uma influência francófona muito forte em termos culturais, mas, nessa

altura já estava a perder e quase todos os meus colegas viram Inglês como língua pra estudar no

secundário já tinha escolhido o Francês primeiro e, portanto, tinha o Inglês, mas tinha mais anos

de Francês. Foi a opção que fiz. E então eu escolhi a variante do Português Francês e fiquei no

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caso, tinha mais opção que eu tinha feito que era na universidade Nova de Lisboa. Eu me

lembro de que na altura, procurei informar-me qual seria a melhor, tendo em conta o curso que

eu ia fazer que era línguas e literaturas modernas, se era melhor na Faculdade de Letras, se era

melhor a Universidade Nova, se havia alguma rivalidade também entre essas duas universidades

em Lisboa. Falei com várias pessoas e fiquei com a idéia que a Universidade Nova era uma

universidade mais jovem que estava mais atualizada, tinha professores com uma dinâmica

diferente que na Faculdade de Letras já havia alguma cristalização. Além disso, eu ainda não

sabia exatamente que área ia seguir. Portanto era assim em geral com línguas e literaturas

modernas, não sabia que exatamente para, lingüística e, portanto sei que fui para Nova e é lá

que, no entanto fui para a Faculdade de Ciências Sociais e Humana da Nova. Fiz tanto o um ano

e não lembro se é no 2º ano, temos que escolher fazer o ramo educacional ou o ramo científico.

Agora, a organização compõe diferente, mas naquela altura, era um curso de quatro anos e, se

escolhêssemos a via educacional, tínhamos depois também estágio que não era integrado.

Portanto, havia no terceiro ano, tinha que escolher no 3º, porque no 3º, dividia-se, portanto os

que haviam optado pelo científico não tinham nenhuma disciplina de Pedagogia e Didáticas.

Alguns alunos, os que no 3º ano foram pra via educacional já tinham lido uma ou duas

disciplinas, pois tinham um ano com conjunto de disciplinas de Didáticas e tinha um ano inteiro

de estágio, em que estavam todo o ano a trabalhar numa escola como professores da turma

tanto que tinha um orientador pedagógico que fazia todo aquele trabalho. E eu na altura pensei

que não queria ir fazer a via educacional porque iria continuar e fazer mestrado. Tanto pensei

logo nessa altura, que se fosse fazer a via educacional primeiro, seguisse essa via, certamente

não faria mestrado, ficaria com licenciatura e começaria a trabalhar. E eu estava interessada em

continuar a estudar. Portanto no fundo, embora ainda fosse um bocadinho imaturo nessa altura.

Quer dizer, eu ainda não tinha grande maturidade pra completar tanto o que eu queria fazer, mas

já tinha apreciação de que com a entrada na universidade em algumas áreas tinha me permitido

aprofundar muito o saber, que era muito pouco aprofundado do que eu trazia da formação

anterior. Tanto é que como se eu tivesse até o 12º ano, tido uma formação em que eu não estava

muito envolvida no fundo era pra dar resposta pra aquilo que era pedido, até porque o nosso

ensino é muito bem orientado pra avaliação e pra ter boas notas no final do ano, pra passar de

ano etc. Mas é que eu não estava muito envolvida do ponto de vista do meu interesse na

construção do saber e na Faculdade houve essa diferença em que eu senti que estava a construir

o saber, e a poder escolher as coisas que eu queria aprofundar etc. No Francês por acaso isso

não foi muito bom, lá no tempo do francês não ocorreu muito bem, porque lá está. Eu tinha

excelentes notas em francês durante todo. Até o fim do secundário e tive dificuldades na

universidade. Portanto, a universidade não consegue comandar as falhas que nós temos,

portanto eu tinha ótimas notas, mas má preparação. Não tinha tido bons professores de Francês,

não tinha feito um bom trabalho ao nível de língua e, portanto eu levei um choque e não

consegui produzir muito com o Francês. No Português, quer dizer levava a Literatura e todas

àquelas disciplinas ensinadas como Cultura Portuguesa e, as Linguísticas também, isso

realmente me interessou muito e fiquei apaixonada pela Linguística, e então a seguir tive que

decidir se queria a via científica foi logo quando terminei a licenciatura, inscrevi no mestrado e

fiz o mestrado na Nova. Portanto, todo meu percurso acadêmico tem sido feito na Nova.

Quando estava a fazer a licenciatura ainda, fiz uma conjugação Erasmos e, portanto também

fiquei com outra perspectiva de que era continuar a trabalhar no ensino superior, de poder a ver

alguma facilidade como lidar mesmo com outros países. E fiquei a pensar que gostava de ficar

naquela área em que me interessava e precisava estar a trabalhar aquele nível, portanto não

fiquei a pensar que queria ir trabalhar já para escolas com os ninhos, terminar o nível lá em

ensino, etc. Queria prosseguir os meus estudos e construir o saber. Portanto fiz, optei por fazer

mestrado em lingüística, nessa altura já estava a funcionar como agora o centro de investigação,

portanto os mestrandos eram todos integrados no centro de investigação, em ministros de

investigação com pessoas que queriam trabalhar muito seriamente em fazer investigação em

determinadas áreas. No mestrado estava a trabalhar ainda ao nível da sintaxe e da semântica,

portanto, tinha duas orientadoras e depois no complemento, optei pela semântica. Fiz um estudo

sobre Português, mas já no ninho essencialmente da semântica. Portanto esse é o percurso

acadêmico. Embora em determinada altura, quando acabei o mestrado, quando estava a acabar,

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surgiu a oportunidade de vir dar aulas aqui, mas minto, antes disso, junto eu estava fazendo o

mestrado,houve um período em que eu estava fazendo mestrado, estava a dar aulas no 2º ciclo.

Portanto, concorri normalmente nos concursos de professores fui colocada numa escola terrível,

portanto foi um bom batismo de fogo, uma escola problemática com meninos muito muitos

problemas de disciplinas, etc. E, portanto, trabalhei no 2º ciclo com esses meninos e gostei da

experiência. Gostei a ensinei português no 5º e no 6º ano, portanto eram meninos que tinham 10

mais ou menos 10,11. Depois disso é que então surgiu a oportunidade de trabalhar aqui porque

uma colega foi fazer tratamento e fui substituí-la e comecei então um trabalho na formação de

professores. Portanto no fundo, eu não tive nenhuma formação específica para a formação de

professores, portanto, eu fui construindo esse saber à medida que eu fui trabalhando. Portanto é

como se eu tivesse, pra mim agora que já tenho uma distância sobre esse percurso, é como se

tivesse em duas escolas, uma escola do saber que é mais científico, digamos assim, descrição da

língua foi fundamental na universidade. E outra que foi mais a prática, foi essa que me permitiu

ir progredindo nessa área essencialmente eu quero um trabalho de grupo com os colegas,

portanto, discutindo as práticas e sabendo como fazer esse trabalho, que é depois no

complemento de práticas que foi essencial.

A - Há quem diga, por exemplo, Tardif que o saber docente é construído na prática. E o quê

você tem a dizer sobre isso?

E11/ES - Eu tive essas discussões, por exemplo, é muito interessante. Tive essas discussões com

alguns colegas, que fizeram, por exemplo, a via educacional. Eu tenho um colega, com quem

trabalhamos muito bem, nós tivemos muitas vezes essas discussões. Tenho uma colega com

quem trabalho muito bem, fez um curso semelhante ao meu, e que não teve a parte de estágio e

complemento educacional. No fundo pra aprender ser professor pra que os níveis de ensino e

tenho outro colega que fez a parte educacional. Estivemos os três ao mesmo tempo a trabalhar

IES. Estávamos a dar a mesma disciplina e os três acompanhavam as práticas. Alguns na

prática. E ao conversarmos entre nós, quais eram as diferenças havia da parte desse colega que

tinha tido essa formação, um conhecimento duma terminologia e dumas concessões, alguma

capacidade de escrever a realidade entendem quando um quadro teórico, digamos assim, que

nós não tínhamos. Mas as concessões que íamos elaborando eram muito semelhantes. As

soluções que encontrávamos, nós tínhamos a capacidade de discutir com ele as soluções que

íamos encontrar para, por exemplo, a disciplina funcionar para desenvolver a aprendizagem dos

nossos alunos para quem tinha que fazer para os estagiários, o que estávamos a fazer mal, no

que eles podiam progredir etc. Mas ele tinha aquele conhecimento e nós não tínhamos e isso era

intercepto porque não nos impedia de construir nosso saber e podermos trabalhar com ele. Acho

então que é um mesmo nível. Mas por exemplo, relativamente a outros colegas o que não nos

impedia de avançar, não nos impedia de construir o nosso saber e podemos trabalhar com ele

acho que é um mesmo nível. Mas por exemplo, relativamente a outros colegas, que não estavam

a trabalhar conosco eu poderia ter mais facilidade, pra criar uma linguagem por ter esse quadro

de referência que nós não tínhamos, mas dentro dos ninhos da nossa ação, eu acho que nós não

tivemos dificuldade, portanto, é que, agora é claro que isso demorou algum tempo. Portanto, foi

uma aprendizagem que fomos fazendo na prática. Agora, eu, por exemplo, que tive esse

complemento formativo sei que existe uma grande distância entre o complemento formativo e o

que aprendeu da sua prática. O que aquilo lhe trouxe? Esse saber, essa relação eu não posso

saber porque foi unicamente construída na prática mesmo. E tenho perfeita consciência do que

mudou ao longo do tempo completamente a minha maneira de trabalhar. Foi mudando a minha

maneira de trabalhar, a minha maneira de seguir, o que incluir nos programas de disciplinas,

seguir como trabalhar as questões etc. Foi mudando claramente. Hoje, é como se eu tivesse feito

aqui uma aprendizagem, um curso que é totalmente diferente de quando comecei. Quando

comecei relativamente o saber que eu trazia era mais coletivo da universidade, portanto, da

formação básica que eu tinha.

A- Diga-me em resumo, quais seriam os saberes necessários para formar professores hoje?

E11/ES - Daquilo que eu tenho visto, eu acho que as duas concluintes são essenciais. Você tem

que ter um saber teórico. E refletir sobre essa teoria, aprofundando porque não basta ter um

saber teórico que não envolva uma reflexão pessoal. Porque, muitas vezes, um formador de

professor que tenha tido uma formação que no fundo apenas foi vetor de teorias de descrições,

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mas não ter envolvido diretamente, não pode refletir. Eu acho que acaba naquela situação que só

tem receitas. E quase como se tivesse apenas a capacidade de aplicar, de transmitir aquilo que

aprendeu. Não consegue pôr nada de seu naquilo que aprendeu, não consegue adaptar às

situações, não consegue conceptualizar pra além daquilo. Eu acho que claramente um formador

de professor tem que ter um curso acadêmico longo. Aprofundado. Nesse conhecimento nós

temos ainda alguns professores contratados que são licenciados, mas eu tenho muitas dúvidas

quanto a isso, portanto eu acho quanto efetivamente. Agora mudou nosso Instituto, só podemos

contratar para adjuntos professores doutorados e para assistentes professores que sejam mestres

e pra mim isso faz sentido. Porque vendo meu percurso é preciso efetivamente ver um passo,

licenciatura é um passo muito pequeno, é preciso haver um passo ao nível do mestrado e mesmo

depois com o doutoramento para que se consiga ter uma visão reflexiva sobre aquilo que é

formação teórica. Estamos a falar de professor em formação e professor de Língua Portuguesa,

tenho, portanto conhecido e trabalhado com colegas que são excelentes sob todos os pontos de

vista, mas que tiveram uma formação essencialmente didática, cuja formação linguística é

pouco aprofundada, ou mais limitada e penso, portanto, que sua capacidade de formar

professores é muito limitada também. Portanto, aí não se dá a formação linguística forte. Não

tenho dúvidas disso. E também eu penso que é importante ter também didática pedagógica de

preferência de uma forma explicita, complementada pela prática que as pessoas vão

construindo, mas de preferência de forma explícita coisa que eu não tive. Portanto, eu penso

também que poderia ter ajudado mais, ter tido essa formação que não tive tanto. Fui construindo

na prática. E esta construção na prática, eu penso que é uma construção que tem a ver muito

com os contextos, ou seja, haver a possibilidade das pessoas trabalharem em equipe de

discutirem os problemas, de poderem refletir sobre as práticas suas e dos alunos que a

observam. E no fundo o olhar sobre nossos alunos que estamos a orientar em ação com os

meninos, seja qual for o nível, permite-nos ver onde é que nós tivemos a falhar, por exemplo,

nas disciplinas teóricas. Onde é que nós sabemos, por exemplo, o que é estar três aulas, não

cinquenta aulas a trabalhar determinados aspectos, tem que desenvolver uma competência de

leituras e escritas junto aos meninos e percebemos que uma coisa liga a outra. Portanto, eles

estão lá, passaram pela parte teórica, mas nós não conseguimos que fizessem a ligação à pratica

e isso é algo que é muito difícil na formação de professores.Temos disciplina como a vertente

Linguística que é a descrição da língua, é evidente a investigação tem mostrado mostrando, por

exemplo a importância da consciência fonológica pra aprendizagem da leitura e da escrita. A -

Essa disciplina é sua?

E11/ES - Sim. É uma das que eu leciono. A investigação tem mostrado a importância, é

evidente, portanto de desenvolver desde o pré-escolar uma consciência fonológica, apoiar,

promover esse desenvolvimento essencialmente no primeiro ciclo para facilitar e ter melhoras,

tratar realmente essa composição ser melhor leitor e escreverem melhor. Ter um bom

desenvolvimento de consciência fonológica, nós trabalhamos isso na disciplina de Fonologia e

Morfologia, mas é difícil encontrar um equilíbrio entre a informação que nós temos que lhes

dar, do ponto de vista teórico, para ele conseguirem perceber como é o sistema fonológico do

Português. Nós damos de uma forma, digamos assim, andamos como fossemos estudar

Linguística, é o básico saber que há de consoantes e vogais e perceber as relações entre os sons

da língua e a apresentação escrita especialmente isso, a estrutura da sílaba. O programa é algo

muito simples, mas é difícil encontrar o equilíbrio entre este saber que nós temos que passar

esse conhecimento que nós temos que construir e, depois a vertente da prática. Ou seja, como é

que isso deve refletir no trabalho que eles vão fazer e a adaptação didática. E, portanto acho que

a grande dificuldade no ensino da Língua Portuguesa é essencialmente a relação entre a

descrição da língua, do ponto de vista linguístico e o complemento da prática. Embora isso aqui

em Portugal seja menos evidente houve, durante muitos anos, uma separação total entre

Linguística e Didática. Neste momento, começam a trabalhar em conjunto durante já há alguns

anos, mas esse divórcio é uma coisa absurda. Não pode existir esse divórcio, portanto quem

estuda linguística tem que ter conhecimento didático, tem que se esforçar por esse conhecimento

didático pedagógico, e quem são mais deficientes tem que se esforçar de forma mais

aprofundada pelos conhecimentos linguísticos.

A - A sua pesquisa você fez doutorado foi em Linguística?

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E11/ES - Sim, portanto todo meu percurso do mestrado e doutoramento foi em Linguística.

A - Com a Semântica?

E11/ES - Com a semântica sim. Quando eu estava a fazer o mestrado e era essencialmente uma

investigação sem grandes preocupações proporcionadas com o ensino de Português nem se quer

ainda estava a fazer formação de professor quando fiz o doutoramento já estava a trabalhar aqui

na U6 e o tema que eu escolhi foi relacionado com uma vertente da disciplina Sintaxe e

Semântica do Português. Portanto as relações entre os verbos e complementos que é um dos

aspectos, mas não fiz uma investigação didática. Fiz uma investigação teórica. E isso, no meu

ponto de vista reflete no trabalho didático porque há muitos problemas do ponto de vista da

descrição linguística das línguas em geral. A Linguística é uma ciência jovem e que ainda tem

muito trabalho pra fazer. Portanto nessa área, eu acho que investigação que fiz me é útil para

ensinar essa disciplina sintaxe e semântica, porque na descrição do Português como acontecerá

com outras línguas, muitas, digamos assim, idéias fixas, concessões rígidas, depois no trabalho

com os mais novos que inda não tem vícios, no segundo ciclo, não funcionam. Nós usamos

explicamos demos uma regra, mas vão logo dizendo “mas isso não é assim!” Então

definitivamente eu acho que o ensino da gramática pra funcionar juntos aos mais novos desses

que estão ainda cheios de curiosidades e vontades de perceber o funcionamento tem que ser

muito adequado ao conhecimento intuitivo que eu tenho de língua, mas não é. Porque só vai nos

dizer coisas que não batem de todo o certo com o conhecimento que nós temos de língua eles

tem uma gramática implícita que faz, choca uma coisa com outra e, portanto, não funciona. Esta

foi a investigação que eu fiz no doutoramento, aqui na IES temos um centro de investigação.

Estamos a fazer, a direcionar mais para o projeto investigação sobre o ensino da gramática, a

partir geralmente do conhecimento explícito. É um dos aspectos que aqui têm sido trabalhados

no ensino da língua. Em geral tem sido um dos menos trabalhados por um pensamento explícito

e oral tem sido os menos trabalhados. Mas desde 96 já terminou o ano passado, mas houve um

programa, não sei se conhece que é o Programa Nacional do Ensino Português que foi formação

de professores do primeiro ciclo, portanto, não abrangeu todos os professores, mas muitos

agrupamentos. Portanto foi um programa intensivo e, aí que se trabalhou vários aspectos das

competências a desenvolver a língua, a leitura, a escrita, o oral e o conhecimento explícito

também. Mas foi daqueles que dos existentes menos trabalhados uma área que precisa de

investigação e o ensino da gramática no Brasil é igual, tenho também lido alguma bibliografia

do Brasil, é um problema. E, portanto, tem sido um buraco negro neste momento há em vários

países um movimento no sentido de elevar o ensino da gramática aqui também e, portanto é

nessa área que nós estamos a desenvolver trabalho.

A - O que é formar um professor de Língua Portuguesa?

E11/ES - Eu acho que essa é uma pergunta em aberto, ainda estou a procura da resposta pra essa

pergunta. Não tenho uma resposta feita. Estou a procurar qual é o meu caminho para formar

professores de Língua Portuguesa, neste caso, na minha experiência, nós não formamos

exclusivamente professores de Língua Portuguesa. A formação que nós fazemos aqui na IES é

com o pré-primário e segundo ciclo nós formamos professores generalistas. E, portanto entre as

várias competências que eles têm que ter. Um dos vários domínios científicos que eles têm que

abordar, um deles é a Língua Portuguesa. Mas esse trabalho que estou fazendo com a Língua

Portuguesa é um trabalho que tem que ser feito de forma transversal como o trabalho das

Ciências, o trabalho das Matemáticas, etc. São professores generalistas e, portanto,

essencialmente, formamos também educadores. Nesses casos então, ainda esse aspecto é mais

amplo e as fronteiras menos rígidas nessas áreas. Mas, pra mim pensar nas disciplinas que eu

tenho, devo fazê-lo, especificamente direcionadas com línguas, na área de línguas e que são

para formar professor. Temos uma dificuldade adicional que é como Bolonha. Nós temos uma

estrutura dos cursos que não nos ajuda a ter uma definição digamos assim muito clara. Ou seja,

nós tínhamos três anos duma Licenciatura que se chama educação básica. E no fim desses três

anos nossos alunos não podem ser professor nem educador. Eu pessoalmente vejo pouca saída

profissional pra esses alunos licenciados. Portanto, a única coisa que vejo é que eles vão fazer

mestrado. Depois de serem mestres, é que podem então ser educadores, professores do primeiro

ciclo e professores do segundo ciclo, esta é uma das vertentes, pois temos outros cursos.

A – Entendo.

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E11/ES - Não é mestrado integrado, eles podem terminar a educação básica e fazer outra coisa

qualquer, mas para receber esse mestrado de educador da infância ou professor do primeiro

ciclo, ou professor do segundo ciclo, tem que obrigatoriamente tirar a licenciatura de educação

básica e essa educação básica tem 30 créditos de língua, 30 créditos de matemática e 30 créditos

de Ciências e de História, no entanto já está assim, tudo muito rigidamente determinado.

Teremos, portanto somente depois, então no mestrado um perfil dum professor que é um

educador da infância, ou é um professor generalista de primeiro ou segundo ciclo que tem essa

formação generalista atualmente, né? Portanto no fundo, eu não sinto propriamente que esteja a

formar professores de Português, estou a formar professores para aqueles níveis de ensino ou

educadores para os níveis de ensino que tem adquirir as competências para desenvolver a

Linguística de seus alunos de acordo com os níveis pedidos naquele ciclo. E, portanto, quando

estou a dar essas disciplinas, estou a pensar que estou integrada num currículo mais amplo que

os que têm primário num conjunto de disciplinas para progredir na sua própria competência

linguística, que é um dos problemas que nós temos em Portugal, de forma desvalorizada. Não

sei se tem aí no Brasil, nós tivemos que criar um currículo uma disciplina técnica de descrição

oral para os nossos alunos que chegam à universidade com muitos problemas de domínio da

língua materna, não tem capacidade de produção escrita, muitos problemas de compreensão da

leitura. Portanto, os alunos chegam com muitas dificuldades e tentamos criar alguns conjuntos

de disciplinas. Mas essencialmente essas, para que eles progridam nas suas competências. E

depois temos um conjunto de disciplinas voltadas, é então que eu entre venho mais a descrição

do Português e depois um conjunto de disciplinas que é de minuto para aquilo que é ensaio, são

disciplinas de Didáticas do Português. Mas nesse momento da forma com está a construir o

currículo, nós temos as disciplinas práticas que acompanhamos os alunos na prática. Tanto são

estágios que ocorrem ao longo do ano, investimos um ano final só aos estágios, eles vão tendo a

vida do curso vão tendo umas semanas de estágio, por tanto é algo que vai praticando. Isso eu

acho que é uma boa opção, outra boa opção na formação desses nossos alunos que são futuros

professores é o fato de serem orientados na prática por equipes multidisciplinar, eles têm um

conjunto de professor que trabalha na equipe eles tem um professor de matemática, um

professor de português ou de teatro e acompanham a prática em conjunto. Isso tem sido algo

que nos tem dado muito bons resultados. Portanto, formar o professor de português, no fundo eu

acho que é criar, não tenho uma resposta, mas eu acho que é criar no aluno que será o futuro

professor, a paixão de se auto formar, continuar a sua formação. Continuar a sua formação ao

longo da vida, portanto despertá-lo pra essa necessidade. Vale os instrumentos essenciais que é

do ponto de vista teórico é do ponto de vista didático e depois, criar nele a postura do professor

investigador. Porque se um professor de Português não chegar a esse patamar de pensar a sua

vida futura profissional como um professor investigador, eu acho que não estamos a conseguir

formar um bom professor de Língua Portuguesa.

Entrevista E12/EI

E12/EI - A minha história então eu fiz no liceu cá no Porto sim, do pequenino, cá no Porto.

Primeiro num liceu só feminino, porque não havia liceus mistos. Havia quatro grandes liceus no

Porto, dois femininos e dois masculinos. Um numa parte da cidade outro na outra. E era um

liceu muito da elite, a esmagadora, a maioria das pessoas não frequentava, só fazia os quatro

primeiros anos, e, portanto no fundo aquilo que foi o meu 5º ano e, portanto, as quatro primeiras

classes mais os cinco primeiros anos do liceu eram um liceu da elite só feminino e classe média

alta. Depois, quando eu fui para aquilo que hoje é o Ensino Secundário que era o final do liceu,

abriu um liceu misto no Porto. E que era o Garcia da Horta que foi enfim, digamos, no princípio

da abertura do regime Salvadorista, portanto já no tempo do Marcelo Caetano. E esse liceu que

era perto de minha casa, no Garcia da Horta foi assim um liceu de grande novidade, todo mundo

queria ir porque era misto, porque era aberto, porque era um espaço perto do mar, um edifício

completamente diferente, já moderno e fui pra lá e fiz aí o antigo 6º e 7º ano final do liceu. E

nós já tínhamos que escolher muito especificamente o que chamavam de uma linha, uma

espécie de trilho, não é? E eu escolhi românica, portanto aí tivemos que escolher entre

românicas, germânicas, história e filosofia, geografia, arquitetura, ciências, que era assim um

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grande agrupamento. Pronto eu escolhi românicas e fiz aí, acho que uns muito bons seis ou sete

anos já mais abertos, completamente diferentes. Depois fiz aqui na Faculdade de Letras cinco

anos de filologia românica assim chamada, filologia românica, e no fim desses cinco anos de

filologia românica fui fazer estágio pra o ensino Secundário, portanto, fiz um estágio que na

altura era humano, aquilo que nós chamamos hoje o estágio clássico que na altura era, enfim,

completamente clássico, portanto, estávamos divididas. Eu fiz o estágio na românica, mas na

Filologia Clássica porque nós, como havia muito poucos alunos da filologia clássica haveria um

número também pra Românicas e eu tinha uma boa média e fiz na Filologia Clássica, aliás, fui

colega no estágio da Luiza Álvares Pereira, que vai entrevistar amanhã. Fomos colegas de

estágio, fizemos um estágio muito bom, muito participado, muito trabalho, mas foi assim muito

enriquecedor e depois dei aulas durante 10 nos no ensino Secundário. Aula de português, só

português, depois nos últimos dois anos, quando estava no ensino secundário, eu vim fazer aqui

um mestrado que, portanto, abriu na Faculdade de Letras em português e linguística no ensino

do Português e, esse mestrado no ensino do português era um mestrado ainda de quatro anos.

Foram dois anos letivos e dois anos de tese e, eu fiz a minha tese numa questão que não tinha

nada a ver com o ensino. Portanto, fiz a tese com o professor Oscar Lopes que era o autor da

História da Literatura Portuguesa. Mas um grande linguísta e, fiz sobre uma questão de

pragmática linguística que eram os operadores discursivos ora e o cá, o lá, com valor global que

e uma coisa que nós usamos muito no discurso da literacia “eu quero lá saber” no sentido “não

quer saber” Eu cá me entendo” não é adverbial de lugar, é modalizante. Pronto. Portanto, uma

tese que não tinha nada a ver com o ensino realmente e depois eu logo, quando estava a acabar

m mestrado, convidaram pra vim pra aqui, vim pra cá dar aulas. Quando entrei aqui pra dar

aulas fiz sobre tudo duas coisas: trabalhei logo sobre formação do professor, como tinha

experiência do secundário, portanto, fazia os Seminários de Estágio porque os alunos aqui têm

feito sempre estágio numa escola, no fim do percurso, fazem um estágio de um ano e esse

estágio acompanhava um Seminário que são três horas semanais, as segundas-feiras enfim, é um

caminho porque eles fazem investigação e ação. Portanto é acompanhar os relatórios deles, as

aulas, é um relatório pedagógico de qualidade e, além disso, nessa altura ia ver como

supervisora as aulas que eles davam e dão nas escolas, portanto e durante talvez uns quatro ou

cinco anos só fiz isso. Depois, entretanto, passei a dar uma disciplina que na altura se chamava

Metodologia do Ensino do Português era a Metodologia da licenciatura. Portanto prévia ao

estágio, por ser uma disciplina do quarto ano da licenciatura era uma disciplina do gênero do

que hoje é a Didática do Português. Dei essa disciplina aliás, fiz o meu relatório para passar a

professora associada com essa disciplina. E depois, com o processo Bolonha o estudo deu uma

grande volta, os cursos passaram a ter três anos e o mestrado em ensino passou a ser mais dois

anos. Fora disso eu estou a dar, vou começar esses mestrados Didática do Português I e II,

digamos são uma espécie de revisão dessa disciplina do ensino do Português. E além disso,

também tenho dado Seminário de Estágio, o mesmo que dei desde sempre. Dei um ano uma

disciplina que esse mestrado tem chamada Produção de materiais Didáticos em Português. Só

dei um ano. Mas os colegas das Línguas Estrangeiras insistiam muito, pra se dar e o professor

ser capaz de criar seus próprios materiais ao atual momento e, como era uma disciplina

relativamente pequena que só tinha três créditos. Tinha que ver o complemento do outro lado e,

portanto, criou-se também para o Português. A partir do material, do youtube, internet,

gravações, construiu materiais realmente muito engraçados e muito criativos e depois como

havia apresentações práticas do que iam fazendo as aulas acabaram por ser muito mais

divertidas do que eu imaginava no início. Pronto. Além disso, também já vem didática e outras

duas didáticas. Dei uma didática no mestrado, que há cá Didática de Línguas que é um mestrado

que apanha outros tipos de pessoas. Pessoas que já são professores há vários anos no ensino

secundário, de repente querem vir fazer um mestrado por valorização pessoal e profissional. Daí

um ano, essa disciplina enfim, que é muito menos inicial do que essa didática de quem vai

começar a ser profissional. É outro tipo de reflexão. Daí um ano, porque no fundo um ano nós

não tínhamos capacidade de voltar a abrir esse mestrado e, portanto não houve no ano passado.

Vai reabrir este ano. Já não vou ser eu porque não consigo acudir tudo e também vou repetir

com outros colegas uma Didática de Línguas. Tem tido mais pessoas pra língua estrangeiras do

que pra língua materna e nós temos feito por módulos, a diretora professora Maria da Graça

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Pinto que é nossa catedrática e, temos feito por módulos, eu fiz 15 sessões ao longo do ano.

Nunca fiz um curso completo. Pronto. E, além disso, ainda dou uma disciplina de 1º ciclo de

ciências da linguagem que é pragmática, que é enfim Pragmática Linguística. É a área do meu

coração, digamos. Porque eu gosto da pragmática por causa de outros cursos e, no entanto,

tenho essa disciplina do primeiro ciclo e do terceiro ano ciências da linguagem, gosto muito.

Entretanto, no ano passado, reformou-se uma colega, era diretora do mestrado em português,

como língua estrangeira, e eu herdei esse mestrado, no início um bocadinho sem grandes

entusiasmos. Entusiasmo até nenhum, porque na verdade eu tenho pensado muito no Português

como língua materna, e muito pouco no Português como língua estrangeira, mas por questões

internas eu tive que ficar diretora desse mestrado. E este ano vou dar duas disciplinas desse

mestrado, por exemplo, vou largar o Seminário de Estágio que dei, porque não consigo acolher

tanta coisa estamos tendo uma vida absolutamente caótica. Até porque depois nos dois

mestrados eu ensino os alunos fazem estágios, mas fazem o relatório de dissertação que é, por

exemplo, esse que eu tenho aqui, que estou agora a ler, porque eles têm que entregar no final de

setembro. E isso é de um orientando isto é uma coisa de 50 a 100 páginas. Aqui estão os anexos

tem de oitenta e seis páginas, mas eu ainda vou aqui, ainda vou na cinquenta e nove, quer dizer,

já vi outras versões, mas o menino tem que entregar até o final de setembro. E como ele, tenho

ainda uns oito ou nove e, portanto o mês de setembro começa a ser uma loucura. Eles são

obrigados a fazer um relatório um bocadinho de investigação e ação, portanto no início do

estágio dão conta do problema e depois tem que estudar um pouco teoricamente esse problema,

um bocadinho do estado da arte, uma coisa que não ultrapasse as 40 páginas. Digamos assim de

introdução teórica e depois durante o estágio pretendem que eles testem qualquer coisa, tentem

uma intervenção para resolver um problema, e depois o relatório é um relatório enfim, com um

bocadinho de iniciação em investigação e ação em que eles dão conta porque é um texto. O

menino fez sobre a importância da noção do campo lexical para compreensão leitora. E,

portanto, no fundo o que ele esteve a tentar dissertar foi se trabalhando no campo lexical num

momento da apresentação de um texto, quer em língua materna, quer em francês que foi a outra

língua que ele estagiou, se isso me dava a compreensão leitora do aluno depois contactar com o

texto. São questões assim desse gênero. Mas acho que está a fazer um trabalho interessante. Só

que isso é uma carga de trabalho pra nós, porque temos que ver isso. Bem até porque depois isto

fica online e o nosso nome também fica junto, portanto, não podem ficar mal, né? Há uns

melhores, outros piores. Porque eles são muitos em Português como Línguas Clássicas são

menos, são muito pouquinhos. Há muito poucos alunos, geralmente muito bons, com muito boa

qualidade. Os que escolhem o Latim e o Grego, enfim.

A - Tem o desejo, uma pré-disposição.

E12/EI - Exatamente! Mas são pouquinhos. Em compensação esses do Português como língua

estrangeira e este ano temos oitenta e tal concorrentes, está uma loucura. E nesse momento

todos querem o português com espanhol. Porque o espanhol não existia como língua secundária.

Tínhamos tradicionalmente Francês, Inglês e Alemão e com oferta do espanhol que é muito

recente, de repente foi preciso formar professores de espanhol. Portanto vai dar emprego e como

dá emprego há muita procura. Não sei se é a primeira questão em que me doutorei em

linguística. Não havia etiqueta, portanto foi linguística e, fiz a tese sobre a obra do Eça de

Queiros “Os Maias”, mas depois no fim como meu lugar aqui dentro estava muito ligado à

didática, eu dei uma voltinha didática no último capítulo. A questão do ensino do discurso.

A - A respeito da questão de saberes Tardif, por exemplo, fala da construção de saberes práticos

em sala de aula, sobre a construção desse saber, o quê que você tem a dizer?

E12/EI - Eu tenho a cerca disso uma opinião que é muito sedimentada digamos assim, pra já eu

acho que a forma como nós próprios na universidade fazemos as aulas servem muito de modelo,

decorrem da forma que eles, depois, vão utilizar na pratica. Portanto, faço aulas prática trago

textos de jornais, leio e peço que tirem notas e depois discutam entre eles, que façam

apresentações. Eles têm um caderno tipo caderno de bordo em que vão registrando as leituras

que fazem e o que querem e o caderno circula, enfim uma serie de estratégias que acho que eles

podem usar quando vão dar aulas, e que vão vendo que funcionam, às vezes, não funcionam,

né? E geralmente funcionam. E, às vezes, com surpresas assim muito engraçadas, por exemplo,

neste ano letivo que acabou em julho, no início em setembro ainda estava muito calor, e eu dei

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um poema O verão da Sofia de Melo, numa aula prática para começarmos a ver como se

planificava atividades e aulas práticas a partir daquele poema. E pedi que na semana seguinte,

eles trouxessem coisas referentes ao mar e muitos trouxeram fotografias do mar, imagens, sons,

houve uns que trouxeram conchas, e houve um miúdo muito criativo que foi o primeiro que

apresentou e falou “oh professora, posso me pôr à frente, pra falar de frente pra os colegas?” E

eu disse “claro Dinis”. E então ele pôs se à frente. E a partir daí, todos tiveram que se por à

frente porque se sentiram na obrigação de falar diferente pros colegas. E ele tirou do bolso um

frasco de protetor solar, e disse “eu confesso que não sou assim tão poético eu quando penso

no verão, a primeira coisa que me vem me vem à cabeça é praia e protetor solar e o cheirinho

do protetor solar é que eu relaciono com o verão. “E eu pensei que podia começar a assim qual é

o cheiro, qual é o som, qual é o sabor”. Eu acho que, às vezes, o saber profissional, o saber de

estar em aula e o saber de dar aulas também se aprende um pouco na prática. Por outro lado,

também eu tenho defendido muito que a formação científica inicial, na área em que o professor

vai ser professor, pra mim é absolutamente fundamental. Porque tenho dito isso, eu acho que

nunca poderia ser uma boa professora de físico química, porque eu não sei dar aulas de Físico

química, por mais que eu tenha Pedagogia, por mais que eu tenha sensibilidade, por mais que

eu saiba comunicar, eu não sei Físico química pra transmitir. Portanto, parece-me básico que os

professores neste caso de Português tenham uma sólida formação na sua disciplina que saibam

gramática, saibam Literatura, que escrevam bem, que saibam falar bem, etc. Que nesse

momento está um bocadinho melhor, mas houve aqui uma altura atrás em que havia muitas

falhas a esse nível, por exemplo, os nossos próprios alunos de letras davam erros ortográficos,

escreviam mal, não sabiam gramática, saibam falar. E enfim, também agora não estamos numa

fase maravilhosa, quer dizer melhorou, a exigência melhorou isso me parece muito importante.

O atual ministro coloca o peso todo desse lado, também acho mal, quer dizer há outros saberes

que fazem parte da formação do professor que não se restringem ao saber científico.

Olha bem aí, por exemplo, eu acho que nós temos aqui uma disciplina que se chama

Investigação Educacional, que, aliás, os alunos gostam muito, tem um professor que é psicólogo

de formação, que é uma pessoa muito interessante. E é uma disciplina básica, portanto em que

eles fazem uma pequena iniciação em investigação em ação em que aprendem a trabalhar e a

fazer inquéritos, questionários dirigidos, semi dirigidos, aprendem as vantagens metodológicas

de todos esses instrumentos de investigações. Aprendem a trabalhar e geralmente o que fazem

como avaliação pra essa disciplina é um pequenino trabalho de investigação com o grupo de

professores e é muito engraçado porque geralmente quando eles fazem o relatório final de

dissertação, que depois é defendido por um júri de três pessoas, normalmente o argumento vem

de outra universidade, e dizem sempre que foi muito útil essa disciplina de investigação

educacional. Porque acho que um professor em formação tem que ser sempre um investigador,

se eles não tiverem essa costela da investigação sobre as suas próprias prática, eles serão sempre

um professor muito tradicional e muito pobrezinho, não é? E, portanto nós temos tentado, que

eles, no primeiro ano do mestrado, eles tem cinco disciplinas da área da ciência da educação,

eles tem investigação educacional psicologia da aprendizagem, que também gostam muito, e

depois têm outras que gostam menos, e também tem a ver com os discentes, tem ética

ideontologia de que também não gostam muito, que tem um caráter muito filosófico, mas a

disciplina é dada por colegas da filosofia talvez tenha um caráter muito teórico, eles não veem

uma aplicação direta, e, portanto não gostam muito. E tem Problemáticas Pedagógicas

Contemporâneas, que também não morrem de amores, e tem Análise Social da Educação que

até poderia ser muito interessante, que também não gostam muito, daquelas cinco as que eles

gostam, mas isso pode ter muito a ver com o professor, é a Investigação Educacional e da

Psicologia da Aprendizagem, que costuma ser muito bem dada.

A - E em relação ao professor do nível superior é exigido, ou não que tenha trabalhado nas

séries iniciais?

E12/EI - Olha bem, eles aqui normalmente quando estão a fazer estágio e vão trabalhar, o

mestrado chama-se Mestrado e Ensino do Português e Línguas Estrangeiras no ensino básico e

no ensino secundário, pra nós é o terceiro ciclo do básico, portanto, será o 7º e o 8º e 9º anos

quando tem 12, 13, 14, 15 anos por aí e depois o ensino secundários 16, 17, 18 anos, até o fim

do Liceu, geralmente quando começam em princípio nunca deram aulas, o aluno típico. Nunca

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deram aulas, e, portanto, vão experimentar o aluno típico fez três anos de Bolonha, o primeiro

ano do mestrado, e começa a dar aulas com alunos de 12, 13 anos, e não tem nenhuma

experiência pra trás. Nós temos aqui um número grande de pessoas, apesar de tudo, que estão a

refazer percursos, por exemplo, eram professores de Português-Francês, ou Português-Inglês, ou

Português-Alemão, que não tem grande saída nesse momento, porque não há alunos de francês e

de alemão menos ainda. São pessoas que estão na casa de 30 a 40 anos, que voltaram pra trás

fizeram aqui o espanhol que fazia falta, e estão a fazer agora estão a fazer esse mestrado só em

espanhol. E o quê que nós notamos? É que a qualidade deles como professores é muito diferente

porque já passaram por uma experiência já deram aulas, mesmo que tenha dado aulas de língua

estrangeira. Tem outra uma maturidade até pessoal, porque as pessoas aos 30 ou 40 anos.

A - E a mesma pergunta em relação ao professor da casa?

E12/EI - Eu pessoalmente acho que tem muitas vantagens pra aquilo que eu faço ter dado aulas

no ensino secundário, pra mim é essencial, é essencial, quer dizer, eu acho que há uma

sensibilidade muito própria pras questões do ensino que decorre da experiência de eu ter sido

professora do ensino secundário, o que vocês chamam de ensino médio. Porque a pesar de tudo,

do ponto de vista pedagógico eu me habituei a ter que ensinar a uns indiozinhos que não estão

quietos, nem calados e que, os alunos universitários que eu apanho, sobretudo, que já estão no

final do percurso, estão quietos e calados nas aulas. Embora os alunos nos primeiros anos, toda

gente diz que já não é assim. Mas o que eu apanho que estão a acabar, são completamente

tranquilos, quer o professor dê uma aula interessante e eles participem quer o professor dê uma

aula horrível, e eles estejam a dormir, eles estão calados. No ensino secundário, não é assim,

portanto se as aulas não forem interessantes, eles não ficam calados são de saltar pelas janelas,

falam, conversam atendem ao telemóvel. Muita energia, muita energia. Portanto um professor

nessas circunstâncias tem que pensar muito melhor no que faz. Pensar muito mais nas aulas têm

que adequar muito mais as aulas aos alunos. E essa experiência, eu acho que é muito vantajosa

pra quem vai depois ser formador de professores. Aliás, vem agora uma colega que justamente

vai ficar com algumas aulas que eu larguei, porque vou ficar com Português e Língua

Estrangeira, que também está no ensino secundário. Aliás, essa vai acumular, portanto continua

no ensino secundário, já cá esteve, também na formação de professores, depois, isso teve uma

forte em termos de alunos, aqui, há coisa de dez anos, e ela saiu, saíram imensos. Colegas e foi

pro ensino secundário, mas doutorou-se, entretanto. E agora vai voltar, não ao tempo inteiro,

mas vai fazer uma prestação de serviço, e pra mim é muito importante porque ela vai ficar

justamente com os estagiários e pra mim é importantíssimo o fato de ela está com a mão na

massa, né?

A - Fale sobre a sua pesquisa.

E12/EI - A minha pesquisa tem dois lados, um que devo confessar que é mais importante e me é

mais, e outro que também faço, mas com menos entusiasmo do fundo do coração. Aquilo que eu

realmente gosto é de Pragmática e Análise do Discurso, e aquilo que eu realmente gosto do

fundo do coração é o meu relato do discurso que foi a minha questão do tempo do

doutoramento, e que eu já tinha começado no mestrado, porque no tempo do mestrado quando

eu estudei as ditas partículas o “cá” e o “lá” e o “ora” partículas discursivas, que fiz com o

professor Oscar Lopes, que está muito velhinho, tem noventa e tantos anos agora, mas é uma

pessoa fora do comum. Ele, na altura, mandou-me utilizar como corpus um romance do Eça e

um romance do José Cardoso Pires, porque disse são escritores que tem uma linguagem

coloquial, e portanto tente ver. E eu comecei a procura nos diálogos, mas rapidamente percebi

que não era só nos diálogos que havia linguagem coloquial em discurso indireto livre e até em

textos do próprio romance. E, portanto, cheguei por aí ao relato do discurso indireto livre e ao

discurso direto, foi por aí que eu cheguei e nunca mais saí. Porque, eu faço parte do centro de

Linguística do centro de pesquisa da Universidade do Porto, que é uma unidade de investigação

da Fundação para Ciência e Tecnologia. E herdei, nessa unidade de investigação, a chefia de

uma linha, digamos assim. Que era da professora Fernanda Irene Fonseca, quando ela se

reformou fiquei eu, que se chama Texto e Discurso, e que enfim agrega um conjunto de pessoas

que são pouquinhas que trabalham na área do texto e do discurso, mas que teve sempre uma

vertente de linguística aplicada ao ensino. E, portanto é essa a minha segunda linha, digamos eu

também tenho feito coisas de linguística aplicada ao ensino, tenho feito até agora sempre ou

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quase sempre língua materna, e agora vou começar desviar um bocadinho também pra o ensino

de língua estrangeira, porque não posso ser diretora do mestrado em Português e segunda

língua estrangeira e a minha investigação não ter nada a ver com isso. Portanto, pra semana vou

a Viena, ao Congresso Lusitanistas Alemães, com outra colega que também dá aulas nesta área

fazer qualquer coisa sobre o relato do discurso para alunos de níveis B e C, alunos estrangeiros,

do Português como língua estrangeira, partindo da investigação sobre os manuais que há. Para

mim isso está muito mal, a meu ver, e fazer uma proposta alternativa, portanto, também vou

começar a desviar um bocadinho a questão da Linguistica Aplicada ao Ensino, para o ensino do

Português como língua estrangeira.

A - Agora, mai suma questão, o quê é formar um professor?

E12/EI - Bem, eu acho que formar um professor é, em primeiro lugar, ensiná-lo por seus

próprios meios ir buscar a informação. Eu acho é que as pessoas tenham seus próprios

instrumentos, como por exemplo, se tenho que dar aula sobre o Memorial do Convento, e eu

não sei grande coisa sobre o Memorial do Convento, li no liceu e mais nada e eu tenho que me

informar. Tenho que ter instrumentos pra saber com esses alunos, com esse contexto como é

que eu vou dar essas aulas. Portanto, eu me lembro de que no meu próprio estágio, termos tirado

a sorte o que cada um ia começar a abordar, e eu fui a primeira. Calhou-me ser a primeira. E

calhou-me dar Fernão Lopes e eu não lembrava nada de Fernão Lopes, quer dizer tinha lido no

Liceu e nunca mais ouvi falar de Fernão Lopes, portanto, o quê que eu fiz? Primeiro comprei a

crônica de D. João I e comecei a lê-la, depois comecei a ver estudos sobre Fernão Lopes, e

depois eu não sabia nada sobre a crise de 1383 – 85 eu sabia pouquíssimo sobre história e,

portanto fui tentar ler sobre a crise. Realmente eu fiquei até gostar imenso de Fernão Lopes.

Porque foi a necessidade, né? Eu tenho que arranjar instrumentos, e depois por causa desses

alunos concretos, que na são quaisquer alunos e acho que isso talvez seja o aspecto mais

importante. Por exemplo, esse ano foi assistir, quando os estagiários ou são muito bons ou

muito fraquinhos e é preciso dar uma nota excessivamente boa ou excessivamente fraca,

normalmente os colegas que vão às escolas, que são aqui supervisores, e nesse momento, são

quase todos da área das clássicas, porque não tem muito serviços, que há poucos alunos e,

portanto completam os horários indo às escolas. Esses colegas pediram-me pra ir ver duma

menina que era muito boa, e ela era muito boa! Era uma aluna justamente de português e línguas

clássicas, mas enfim, uma jovem que tinha uma vida pessoal muito atarefada, que já tinha duas

crianças uma das quais com meses, e ela fez uma aula sobre o Memorial do Convento,

realmente fantástica, o quê que eu vi que ela tinha lido muito bem o Memorial do Convento,

lido várias vezes, sabia partes de cor, andava pra frente e pra trás, eventualmente movimentava-

se muito bem. Mas também tinha tido uma preocupação de como é que eu vou dar Memorial do

Convento, a esses alunos do séc. XXI que não estão eventualmente não estão muitos pra aqui

virados. Portanto por exemplo conseguiu encontrar na internet uma escultura muito bonita que

se chamava passarola, que esteve exposta em Lagos, nós não conseguimos muitas informações,

era uma espécie de uma escultura móvel que se mexia com o vento, era parecido com a

passarola do Padre Bartolomeu de Gusmão, como os desenhos era um vídeo e tinha umas

figurinhas que eram claramente as figurinhas do romance do Saramago, metidas lá dentro, o fato

de ela apresentar aquele vídeo, motivou os miúdos que disseram estão lá dentro as pessoas

parece que são a Glimunda o Baltazar e o Padre Bartolomeu, e mexem-se parece que vai voar, e

além disso, os tinha levado a Mafra, visitar o Convento Mafra e os miúdos tinha assistido lá

uma pequena representação. Portanto a capacidade que uma pessoa que não estudou aqui

Saramago, não estudou tem certeza. De repente eu tenho que cientificamente estar muito bem

preparada, saber coisas sobre Saramago, conhecer muito bem a obra, mas também tenho que

pensar que não estou a dar aula a universitários, mas estou a dar aula para adolescentes e tenho

que arranjar maneira que isso se torne inesquecível, e ela estava muito cansada, tinha dormido

pouco. Era uma miúda que tinha um léxico muito bom, portanto dizia as coisas e depois

reformulava de outra maneira utilizando um registro muito rico, num falava como eles e via-se

que eles a respeitavam, é que percebiam estar ali alguém que é jovem, mas que sabe. E ao

mesmo tempo estavam extremamente motivados porque a aula foi um encanto. Quer dizer eu

própria estava ali toda contente a aprender e até com pena que a aula chegasse ao fim, que é,

portanto essa capacidade de eu vou buscar informação, vou buscar essa informação segura e

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séria e vou tentar arranjar essa informação da forma mais aliciante que essa informação passe

pra os miúdos, que muitas vezes veem de contextos aonde não se lê, não há livros e etc.

A - Obrigada.

Entrevista E13/EL

A - Fale-me sobre sua formação acadêmica e profissional. E13/EL – Eu nasci em Trás dos

Montes, na região norte de Portugal, onde cursei o primeiro ciclo. Cursei, no Porto, no Liceu

Carolina Michaelis o ensino médio de vocês e nós chamamos se ensino secundário. Depois fui

pra Faculdade de Letras no Porto fazer um curso de cinco anos. Uma licenciatura, aí Filologia

Românica. Isto foi a minha formação de base. Depois fiz mestrado em ensino da Língua e

Literatura Portuguesa durante quatro anos, porque foram os primeiros mestrados em Portugal e

depois fiz um Doutoramento em Didática do Português durante quatro anos. Fiz ainda um

estágio, que fui colega do Everaldo e Isabel durante um ano. Uma prática pedagógica com

orientador, depois fiz o curso, uma pós- graduação em Organização e Avaliação da Formação

do Professor. E com tudo isso ainda tenho muitas dúvidas do papel e da dificuldade, muitas

dúvidas e consciência da dificuldade que é formar o professor. Mas esse é o meu percurso, tanto

é um percurso longo, de muito estudo mesmo formal, não é? Tenho um amigo que costuma

dizer, ele conhece muita gente que é aquela formação permanente, eu sou aquela escolarização

permanente porque todos esses cursos com diplomas e com escolarização. A - E o seu percurso

profissional? E13/EL- O meu percurso profissional, eu comecei trabalhar muito cedo, ainda no

início do meu curso das românicas no 2º ano e trabalhei no ensino médio, porque fui formadora

de professor no ensino médio durante muitos anos e só vim pra faculdade tardiamente, entrei na

faculdade no ano de 2000. Mas, antes disso, tinha feito experiências de formação no ensino

superior. Fui formadora na Escola Superior de Educação do Porto, formadora de professor de

ensino médio e fui leitora de Português em França. A - Que saber você julga ser fundamental

para o professor formador? E13/ EL - O professor formador primeiro precisa dominar bem o

objeto de trabalho e estudo que é a língua. Cada vez mais tenho consciência de que precisa d

conhecer bem a sua língua. Precisa gostar dessa função, de gostar dos outros, de gostar de

aprender e de gostar de ensinar. Portanto, gostar de interagir. Precisa ser alguém que sente que

tem necessariamente que ter formação ao longo da vida, porque a formação não para mesmo e

tem de ser alguém que está aberto ao saber dos outros, mas com consciência que ele também

define os saberes que são bons para os outros. E, portanto, que não se limita a aceitar os saberes

que os outros têm e a reconhecê-los como saberes, sim, mas que tem consciência de que há um

programa, conhecimentos, conteúdos, capacidades que é importante levar ao outro; pra que

assuma o seu papel de formador plenamente. A - Você considera relevante para o professor

formador ter experiência docente em sala de aula da escola básica? E13/ EL - Eu tenho certeza

que faz toda diferença, e toda gente que lida comigo na universidade, os alunos sentem

radicalmente essa diferença. As primeiras aulas que dei, os alunos disseram isso: “Finalmente

temos um professor que ensina o que já praticou”. Eu acho que isso é uma enorme mais valia

minha. De fato eu estive muitos anos em vários níveis de ensino, e vim ensinar o ensino da

língua, não para me limitar a partir dessas experiências, mas porque sou capaz de repensar essa

experiência à luz do que vou aprendendo. Mas relativamente aos colegas que nunca tiveram

nesse terreno, é uma diferença enorme. Não se dá pra lecionar uma seja disciplina de Literatura

Contemporânea, Literatura para a Infância e Juventude, sem ensinar a Didática do Ensino da

Língua Portuguesa, pra mim tem sido determinante. Como tem sido determinante lidar com o

imenso professor que trabalha no terreno, e eu lido em imenso, tenho um imenso trabalho com

eles. Eu fui responsável do grupo que era responsável nacional por um programa de formação

de professores das quatro primeiras séries e fui à coordenadora aqui, local desse programa. Fui

formar uma equipe, eu formei formadores que formaram professores. Acabou de sair agora uma

professora que está a fazer o doutoramento comigo, precisamente, porque esteve nesse

programa. Imensa gente a fazer mestrados e doutorados e outras formações porque estiveram

nesse programa e tenho certeza que a relação que eu estabeleço com o terreno é privilégio,

né?Tem a ver com o meu passado de ter sido muitos anos, embora alternadamente, porque fui

professora na universidade, na escola superior de educação e no ensino médio, fui alternando. A

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não ser, a partir de 2002, estou apenas professora do ensino superior, mas com práticas

pedagógicas como ir ás escolas, como um projeto de doutorado que são todos feitos na prática,

tenho certeza que tem muito a ver com esse passado. Muita gente aqui se ocupa em estudar

representações de professor o que pensam sobre isso, a mim interessa o que fazem e como fazer

melhor. A - Quais disciplinas você leciona? E13/EL - Eu leciono sobre tudo, Didática da Língua

Portuguesa para professores das primeiras séries, das seis primeiras séries e também para

professores do Ensino Médio e também a informação contínua para professores, leciono,

sobretudo Didática, leciono também Seminário de Investigação Educacional, seminários onde se

trabalha as questões da orientação lógica dos projetos de investigação. Sobretudo nessas duas

áreas que tenho trabalhado. Mas também tenho colaborado com colegas de Letras em algumas

disciplinas de linguística e de literatura. Porque eu tenho forte valência do trabalho e do

conhecimento quer de literatura, quer na linguística. Porque na Linguística eu fiz mestrado com

um professor muito conhecido aqui em Portugal que é o Vitor Aguiar e Silva, e depois trabalhei

muita Linguística quer no mestrado, quer no doutorado, quer agora mesmo, eu leio imenso. A -

Eu gostaria que você falasse da importância dessas disciplinas para formação de professor.

E13/EL - A disciplina Didática da Língua Portuguesa na formação dos professores das seis

primeiras séries, pra mim é nuclear é decisiva, é muito pouco dedicado aqui, no nosso currículo,

apenas um semestre e isso é de se lamentar. Mas isso, a decisão não é minha. Portanto, essa

disciplina é a disciplina em que os alunos contactam pela primeira vez com o que é ensinar a

língua nesse nível de ensino, o que é ensinar a leitura, o que é ensinar a escrita, o que é ensinar a

gramática, o que e ensinar a oralidade, não é? É uma disciplina muito importante porque apesar

de atualmente se falar muito em descentralidade do texto e do discurso no trabalho com língua,

acho que o trabalho de conhecer bem e saber desconstruir os textos e os discursos é muito

importante. O mesmo trabalho, também eu faço com gêneros textuais acho muito importante

como trabalho didático. O trabalho de seminários que é o acompanhamento do processo de

elaboração do projeto de investigação e depois sua discussão. Tanto assim, os três pilares com

que eu trabalho. Em termos de investigação, não sei se você quer que eu fale. E13/EL – Em

termos de investigação eu tenho trabalhado mais na Didática da Escrita. Quando eu fiz minha

tese de doutoramento, a escrita era nitidamente algo que não se estudava, não era objeto

ensinável, como, aliás, continua um pouco. Era objeto como eu costumo dizer, que derivava dos

objetos da leitura, da gramática, mas não era objeto tomado em si. Isso preocupou muito e fiz

um trabalho sobre a questão da didática da escrita e deu origem ao livro que está esgotado e

vendeu bastante em Portugal, não é como no Brasil e que chamava “Escrever Didáticas e

Práticas”. E, portanto, depois disso eu tenho trabalhado imenso sobre tudo na investigação,

trabalho mais na questão da produção de texto no ensino básico, portanto, nos nove primeiros

anos. Neste momento coordeno um projeto financiado pela Fundação Ciências e Tecnologia que

é vosso CNPQ ou CAPES, como queira. E esse projeto em que entram vários investigadores e

eu temos oito doutores que trabalham aí. Tentamos justamente trabalhar com diferentes gêneros

textuais, com perspectiva de progressão ao longo do currículo. Ver o que é trabalhar com

gênero, uma história no primeiro ano, na sexta série ou na oitava e, portanto, trabalhamos

bastante. Eu já trabalhava antes no Brasil na linha do interacionismo sociodiscursivo, na linha

de Bronckart, aliás, a Antónia Coutinho é consultora desse meu projeto e o Joaquim Dolz, é

outro consultor e, portanto trabalhamos também juntos na linha de construção de sequência de

ensino, que eu gosto mais de chamar, do que de Didáticas, porque se preocupam sobre tudo,

com o ensino numa lógica de perceber a evolução dos textos. Mas há também uma dimensão da

escrita que acaba de sair daqui. Também, há pouco tempo uma colega acabou de escrever um

livro que é a dimensão do eu, a dimensão pessoal da dimensão da implicação e da motivação da

escrita dos jovens que normalmente não têm sucesso na escrita. Ela fez uma experiência durante

um ano, pedimos uma sabática, fez uma oficina de escrita, com jovens que lhe disseram que

detestavam escrever. E chegaram ao fim. Tanto é que fizeram um livro em conjunto que vai ser

publicado e foi uma experiência verdadeiramente apaixonante. Portanto, cada vez mais eu acho

que mesmo trabalhando numa lógica de sequências de ensino sistemáticas, o que tem que haver

é preocupação com o aluno, com o indivíduo, com a comunidade e com as práticas em que ela

está inserida. Nisso se identificou bastante com o que escreve lá Ângela Kleiman nessa linha

dos projetos de literacia. A – Para você o que é formar um professor? E13/EL – Eu acho que

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você tem que perguntar como vai se formando um professor. Forma-se um profissional e depois

tem que haver um sistema que consegue ir desenvolvendo profissionalmente esse professor, não

é? Eu acho que é ter, o que não se faz atualmente, ter em conta, acho que há uma linha divisória

entre ser ou não professor, que é gostar do que se faz. E atualmente desgosta em mim, é imensa

gente que na gosta do que faze vai ser professor, não gosta, não sabe e não era de todo perfil e

isso é o que cada vez mais está a acontecer. Mas também temos alunos que de fato adoram, mas

exceção. No entanto, formar um professor, é, sobretudo, fazer com que ele, e eu tento fazer isso

nas disciplinas didáticas da Língua Portuguesa em ponto pequenino, com que ele vá

compreendendo a lógica em que a escola funciona com o sistema da tutoria, um pouco a ciência

do que os médicos começam a fazer, indo para o terreno. E vá tendo consciência e capacidade

de reflexão sobre o que se vai passando na prática. Não é propriamente falar do céu pra

professor reflexivo de que toda gente fala, evidentemente que sim, essa dimensão não pode estar

ausente a alguém que vai ser um profissional do ensino, tem que ser reflexivo, no mínimo, mas

acho que era muito benéfico ter um sistema desses da alternância. O que eu acho que é formar

um professor, onde é realmente, num sistema desses da alternância em que o próprio professor

compreende o seu fazer. Onde o professor vai fazer seu trabalho de prática deveria estar na

mesma lógica do trabalho com que nós, o professor orientador da universidade trabalha. Há uma

distância muito grande entre o que eu penso sobre ensinar a língua e o que os currículos pensam

sobre ensinar a língua e entre o que os professores no terreno pensam sobre ensinar a língua. E

então, portanto, eu diria que formar professor nesse contexto, é uma missão utópica. A –

Obrigada.

Entrevista E14/EMD

E14/EMD - É assim, eu começaria por dizer que nesse momento minha ocupação central não é

a formação de professores, mas é grande parte dela. De qualquer maneira, para cumprir o seu

diálogo vou falar devagar por causa da dificuldade de sotaque. A minha formação básica estava

longe de ser orientada naturalmente para ser professor, ou para ser professora sequer. Eu tenho

uma formação quando eu estava no ensino médio minha área foi as Letras, as línguas, porque eu

queria ser tradutora. E então fiz Inglês, Alemão, Francês. Fui para a faculdade de Letras

Universidade de Lisboa, para fazer um curso que havia já nos anos 70, chamado Germânicas e

descobri que não era aquilo que eu estava a espera, e não queria ser tradutora.E, portanto, tinha

errado, e eu comecei a fazer o meu percurso na área do Português, aproveitando as

modificações curriculares que ocorreram nos meados dos anos 70 por ocasião do 25 de abril.

Comecei a fazer disciplinas na área de Literatura e da Linguística do Português, portanto se ia

ser professora então era mais interessante que fossem na área do Português, do que

propriamente na área das línguas e muito menos do Inglês ou do Alemão. Então basicamente eu

tenho duas licenciaturas, uma de língua estrangeira, Inglês e Alemão, não conclui faltam uma. E

depois outra em ensino do português, porque, entretanto eu fiz as minhas disciplinas da área do

Português. Nos anos 80 começam a aparecer cursos já orientados para a área do ensino de

português e eu pedi equivalência e fiz o curso em ensino do português para ter a

profissionalização como professora. Portanto eu comecei como professora, fora um tempo em

que dei aulas particulares e, no entanto dentro do percurso oficial, eu fui professora durante três

anos numa escola de ensino médio ou secundário, né? Pronto. E nesse percurso de ser professor,

que me convidaram para vir dar aqui a didática da língua, eu estava professora de uma escola,

aqui em Braga e convidaram-me para vir integrar a equipe de didática aqui na universidade. Eu

penso que vocês reconhecem, é Metodologia do Ensino de Português. Pronto. E então é aí que

eu começo faço o percurso acadêmico todo, desde começando pelas posições todas estagiárias,

assistente e professora. Depois, fiz aqui o mestrado que era preciso para passar a uma posição

com vínculo à universidade, então já a dar aulas e apoiar na formação de professores de

Português com a disciplina única que era a Metodologia do Ensino do Português e a Orientação

dos Estágios. Nós tínhamos muitos estagiários, que são professores que já tinham feito sua

formação inicial e, são colocados nas escolas pra terminar, agora mudou. E, portanto isso exigia

uma equipe muito grande e, foi assim que me convidaram. E foi assim que entrei não só para

dar a disciplina didática, mas para orientar os estágios, significava que era apoiar professores em

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formação. Acompanhá-los na suas práticas pedagógicas de estágio ir às escolas ver as aulas

preparar com eles as aulas aqui na universidade, discutir as aulas que eles davam era uma

continuação também da metodologia nessa medida. Faço o mestrado, nessa altura precisamente

sobre a interação verbal na aula de Português, como é que os professores faziam quando os

alunos não respondiam, ou respondiam errado a uma pergunta que eles tivessem feito, qual era o

movimento que ele fazia ali naquele momento, quando faz uma pergunta e o aluno não

responde, ou não sabe, ou responde errado. Portanto, era um misto era um compromisso entre

os estudos linguístico e pedagógico.

A - Cognição?

E14/EMD - Não, cognição não, era só mesmo verbal só análise verbal, que tipo de movimento

verbal, as interrogativas, os enunciados. Muito na sequência da linguistica da fala da Inglaterra

que andavam na altura num movimento da análise do oral, e para a análise do oral a sala de aula

era o lugar por excelência para perceber como é que as pessoas interagiam por meio de

perguntas. E na nossa sala de aula interage-se por meio de perguntas. E então que perguntas são

essas, e também que processos cognitivos é que elas exigem ao aluno, então tinha uma

capitação da pergunta ou do ato de fala, é também muito influenciado pelos atos de fala do

Sarle, o que aquele ato de fala desencadeia. Então essa foi a minha tese de mestrado que, aliás,

foi uma coisa de muito sucesso, foi uma coisa inovadora em Portugal. E depois continuei no

meu percurso a trabalhar, ao contrário de vocês no Brasil, nos temos planos de estudo muito

fixos e muito limitados, nós não temos assim disciplinas pra além daquelas que faz parte de um

semestre do curso. Então continuei a trabalhar com a Metodologia do Português com a

formação e fazer o meu doutoramento. No doutorado mudei um pouco âmbito e continuei na

sala de aula com ensino do português, mas fui analisar aquilo que eu tinha percebido no

mestrado, aquilo que era determinante na sala, o livro didático. Portanto, o que eu analisei, foi,

aliás, o meu contato com a UFMG, tem a ver precisamente com a equipe do livro didático, tem

a ver com Costa Val que e, aliás, em 2006 acompanhei, enquanto coordenadora das equipes do

PNLD. E então foi por essa questão que meu doutorado na área do livro didático, o que fiz foi

analisar os livros um corpus enorme de livros didáticos do oitavo ano, de meninos de 13, 14

anos, que é o quase o fim do ensino básico obrigatório. E então, pronto. Foi essa análise e, foi

então que me deu a conhecer o Brasil. Na verdade o meu primeiro contato com o Brasil foi

porque estava lá o meu livro, na livraria da UFMG. E a professora Graça Paulino, que já foi da

Puc, viu o livro e tinha uma doutoranda que estava precisamente também a trabalhar o livro

didático, a Marta, e foi por isso que fui lá à banca dela, e depois veio aqui a fazer o seu

sanduiche. Então essas foram basicamente as disciplinas, sempre andei sempre nessa disciplina

na metodologia do ensino do português, enquanto disciplina acadêmica foi essa e depois

tínhamos seminários, onde a gente investia muito era nos Seminários de Orientação, todos

éramos cinco agora somos três tínhamos um grupo grande de estagiários pessoas ainda

estudantes, mas que estavam a fazer o estágio. O meu percurso acompanha muito o

desenvolvimento da universidade e nesse acompanhar há o surgimento dos primeiros cursos de

mestrado. Eu estou aqui desde 85. E, nesses cursos de mestrado há um que é supervisão do

ensino do português, foi criado já há 12 anos, para a formação de professores, em primeiro lugar

para a formação de supervisores daquele que vão, nas escolas, acompanhar o professor. Mas não

só isso, também o próprio professor que se supervisiona que se monitoriza e nós temos aí

pessoas que não querem ser supervisor, e que veem fazer o curso. Isso porque na altura nós não

conseguimos criar um mestrado em didática do ensino do português, não houve condições, não

foi aceito, devido aos problemas complicados dos anos 80, aqui, nas universidades, e então a

solução foi essa da supervisão. E aí temos trabalhando, eu pessoalmente também, com

disciplinas que são ou Metodologia do Ensino do Português, ou Supervisão do Ensino do

Português, ou com Avaliação no Ensino do Português, basicamente andamos sempre com essa

grande questão sobre a metodologia da língua. E, portanto, nessa medida, é claro, que nós

sempre achamos que as disciplinas são poucas pra se fazer um professor. E estamos passando

por uma transformação histórica, que não sei se lhe interessa saber. Há três anos, então nós

tínhamos uma formação integrada, isto é, os alunos entravam no primeiro ano, para ser

professores e levavam 5 anos para ser professores, seja de língua de matemática, etc. E, ao

longo desses cinco anos, eles tinham não só aquilo que nós chamamos especialidade as

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linguísticas, as literaturas, as línguas estrangeiras. E depois tinham aquilo que chamávamos

disciplinas da educação e nessa medida tinham não só a Didática, a Metodologia do Ensino do

Português, mas tinha, desde essa Didática era no quarto ano, nós só os encontrávamos, os que

estavam em formação do Português, no estágio do quarto ano. Quem os encontrava mais vezes

eram meus colegas que nós chamamos de educação, que é sobre o currículo. A administração e

a sociologia da educação e a psicologia da educação eram indiferentes da área, portanto podia

ter na mesma sala futuros professores de línguas e de matemática. São esses os meus colegas,

eles trabalham alguém que aqui citou que é o com Tardif, ao tratarem o saber não especializado,

e sim do desenvolvimento curricular, indiferente da área, são os núcleos comuns. Porque nós do

ensino de Português, trabalhamos mais com saberes especializados, pois nós também vivemos

aqui. Porque assim só no Aveiro, em Évora e aqui em Braga só nessas três universidades, que

são chamadas Universidades Novas, é que essa minha disciplina de Metodologia do Ensino do

Português, ou o departamento, ou grupo disciplinar da Didática do Português está integrado ao

Instituto da Educação. Elas fazem parte, não sei se viu em Aveiro, fazem parte do departamento

de Letras. Em Lisboa é na faculdade de Letras. E, portanto, isso nos cria problemas. Aqui nós

temos uma grande divisão que é a faculdade de Letras e a Faculdade de Educação, nós

estávamos num lugar que não nos reconheciam nem como da Educação nem Letras, nós

estávamos num limbo. Por exemplo, Tardif não fez parte da minha formação profissional, nossa

orientação é mais para a discussão do que é. A perspectiva Linguística do ensino, as questões

da Literatura e do ensino, afastaram-nos sempre. Não tem a ver com a minha formação a

questão desses teóricos da área que nós chamamos. Nós fizemos uma mudança na formação de

professores do Português. Aqui nós fizemos o grupo de Português ou de Matemática, no meu

departamento temos Didática do Português, ou da matemática, ou das ciências. É o

departamento das Didáticas. Mas os outros departamentos Sociologia da escola,

Desenvolvimento curricular, ou Tecnologia educativa, ou Psicologia da educação, não sabe

muito bem o que os fazemos. Eles são das línguas, por exemplo, no meu caso. E perguntam “aí

tu que és do departamento do Português?” E ainda chegou a ter aqui na universidade alguns

movimentos para nos tirar daqui, e nos pôr nas Letras, como nas universidades clássicas. Mas

foram as universidades Novas que tinham incluído no âmbito daquilo que eles chamavam de

Ciências da Educação, tinham incluído as Didáticas, ou as Metodologias das disciplinas.

Entretanto eu me sinto muito mal, porque minha experiência está no ensino do Português ou da

Literatura e muito pouco do currículo. Nós mudamos não fazemos mais formação de

professores como fazíamos daquela maneira. Nosso relacionamento com a formação de

professores, não é sempre da mesma maneira. Nós estamos ligados à Faculdade de Letras, pois

nós fazemos formação de professores em nível do mestrado em dois anos, isto é, os sujeitos vão

para a Faculdade de Letras onde vão fazer, sem pensar que vão ser professores, vão fazer os

seus cursos de línguas, literaturas e tal. Aí tem algumas opções que podem ser indicadores, que

vou dar agora. Uma opção nesse curso as licenciaturas aqui não são o mesmo que são as

licenciaturas no Brasil. Licenciatura é qualquer sujeito que tenha obtido o primeiro grau da

universidade, vocês têm a licenciatura pra quem vai ser professor, né? Toda gente, o médico, o

arquiteto ou engenheiro é licenciado, e aparece quase sempre o Lic. Como título. Portanto, era

bacharel com três anos e licenciatura com cinco, para nós eram passos. O bacharelado já não

existe há muito tempo. Portanto, nós tínhamos licenciatura em ensino de cinco anos, entretanto

agora eles entram sem pensar no ensino, vão três anos para a faculdade de letras, fazem as

cadeiras que lá tem Português e Línguas Clássicas, Literaturas Lusoafricanas, luso brasileiro,

literaturas línguas europeias. E depois se quiserem ser professores, uma das opções da área da

educação. Uma disciplina que eu vou dar é Perspectivas Atuais da Educação em Línguas, que

eu estou com muita expectativa nessa disciplina, vou dar pela primeira, e vez porque vou

começar a ler Brevnova, da educação em línguas. E agora nesse tempo todos os jovens que se

interessarem pelo ensino, vão se matricular no mestrado em ensino, não importa a licenciatura

que fizeram desde tenham algumas cadeiras em línguas, por exemplo, um engenheiro pode

fazer. O mestrado em ensino é um curso separado da licenciatura, porque não é sequencial. Há

um concurso e nesse semestre vamos dar as disciplinas que serão concentradas em dois anos. Eu

vou continuar a dar a Metodologia do Ensino do Português que é uma cadeira central em termo

de créditos. No nosso caso que interessa a situação é muito mais interessante, porque com a

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licenciatura de cinco anos, nós tínhamos só uma disciplina e agora mudou com esse novo

modelo de três anos. Quem definiu qual a porcentagem de cada área desses cursos é a legislação

do Ministério que diz quanto de cada área deverá ser cada curso. E daí que tínhamos dúvidas em

termos do ensino do Português, agora temos 60 % da área da didática, criamos a disciplina que é

Avaliação e Concepção de Materiais Didáticos, temos no segundo ano uma Observação do

Ensino de Português, mas que já é uma parte do estágio e começamos a ter uma intervenção

maior em termos da especialidade.

E avançando nesses saberes necessários para mim. Bem, eu cada vez concluo mais que os

professores de Português da escola básica e do ensino médio, precisam ter uma grande formação

mais linguística e literária do que educacional. E em termos de uma formação educacional, e

essa formação educacional tem que ser perspectivada em função da língua, e o que acontece é

uma formação teórica do currículo e da sociologia, e nunca olhada do ponto de vista do

professor de português, e o que Vygotsky diz pra mim professor de português, e o quê que

Bakhtin tem dito para o professor de português, ainda não chegou cá. No Brasil vocês só falam

no Bakhtin, que aqui chegou nos anos 70 por via da Teoria da Literatura. E como teoria de

apoio para o estudo da língua agora começa a ser vista, a partir das relações com o Brasil. Nós

não tínhamos como a nossa formação era muito bancária como diria o Paulo Freire, e temos

aqui o currículo, aqui a sociologia, aqui a psicologia, as disciplinas nunca integradas e

preocupadas em saber como é que se aprende uma língua. Ou linguagens, como é que se

aprende. Nossa psicologia da educação nunca foi marcada pelo Vygotsky, pois era muito mais

da psicologia clínica, despachávamos os alunos com uma psicologia dada em ciências. Nós

temos esse problema aqui, nós formamos professores do ensino médio que é um bocadinho

diferente do ensino básico, que era professores de literatura e menos com uma orientação do

significa aprender língua. E, portanto todas essas questões de como é que se aprende da

cognição. E eu me lembro dos meus alunos que leram um texto do professor Eduardo Fleury da

UFMG, que é de ciência, e é ele e mais alguém, não sei se é a Matêncio, que discorre sobre

precisamente sobre as questões de Vygotsky sobre a aprendizagem. Mas é uma novidade a

questão do ensino da língua é dado sempre dado, a partir do ensino do conteúdo do que do

ponto de vista da abordagem. E, entretanto nesse saber necessários, eu senti sempre alguma

limitação e certos movimentos e certos estudos que eu fazia, ou não fazia eram sempre

determinados pela falta desse conhecimento. É claro que eu acho que nós professores

formadores professores de Português deveríamos ter um maior saber sobre as teorias

vygotskyanas, o que não temos por causa da formação com o aspecto sociopsicilógica, o que

não temos, pois nós concentramos no conteúdo. Nesse sentido contribuiu pra minha formação

pessoalmente o trabalhar com supervisão do ensino do português, porque tive que enveredar,

por exemplo, sei lá coisas como Tardif, ou pessoas da área da supervisão, que trabalhavam com

formação de profissionais e que independentemente, Nóvoa, esse autor é trabalhado por colegas

de outras disciplinas, mas uma coisa muito geral e rapidamente íamos passar pro ensino do

português. E eu não acho que tenham bom fruto, os meus alunos que vão ser professores de

português ficam limitados, quase em tudo e não conseguem fazer a intregação. E o professor de

português é aquele que corrige erros de ortografia e erros de linguagem, o escrever e a falar

bem, e Literatura. E mesmo que olhem para a aula de língua numa perspectiva interativista, a

questão centrada sempre em saber a gramática e saber a literatura. Calcados na escola passada.

Os saberes necessários eu acho que são de fato as questões de relacionados com currículo e com

os métodos da aprendizagem e com o currículo eu tenho pensado na avaliação. Eu tenho

também trabalhado com as avaliações, tenho dado uma disciplina que não chamei pra aqui

chamada avaliação da aprendizagem. Tenho professores de religião, de matemática, de ciências

e acho que este ano havia lá um professor de português, que veem fazer uma especialização de

mestrado de avaliação, e nesse mestrado dava essa disciplina. Isto porque há alguns anos estive

envolvida de várias maneiras, com a avaliação PISA, na análise da língua, e acharam que eu

poderia dar a disciplina. Na verdade eu estava ligada ao ensino da leitura, em particular, como

se ensina a leitura , como é que se ensina a compreensão de texto, que textos se ensinam na

escola. Que depois se alargou e passou a ser ligados à literacia, o que vocês no Brasil falam

letramento, mas aqui não é como vocês trabalham quase como um processo. Aqui trabalhamos

com vistas em saber como é que se constrói pessoas letradas, basicamente, até nem trabalhado

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só com professores tenho trabalhado com adultos, nesse momento estou a fazer um estudo com

adultos que regressam à escola, para perceber que impacto é que impacto produzia aquele

regresso à escola e essa afirmação tem a sua identidade letrada, basicamente ando fazendo

coisas ligadas à Kleiman. Estou trabalhando num projeto de intervenção de letramento fora da

escola. Por exemplo, tenho um projeto no norte do Portugal com jovens que andavam na escola,

pra ver como eles se construíram os meninos e meninas como sujeito letrado, sujeitos que leem

e escrevem com uma aprendizagem específica e que falam também com alguma propriedade.

Mas isso para dizer que fui trabalhar para as avaliações das aprendizagens e verifiquei que tive

que me preparar imenso que um saber que eu não possuía, eu acho que é necessário também a

professor ter, quais as implicações éticas e técnicas da avaliação, nesse sentido tenho interagido

muito com a professora Teresa Esteban da Fluminense, e com quem aprendi muito, além da

Jussara Hofmann, é uma das autoras que fazem parte da minha bibliografia básica. Mas então

essas implicações éticas e técnicas, que eu acho que são importantes na formação do professor.

Aliás, é um trabalho que já fiz também que é avaliar na disciplina de língua. Depois. Bem então

eu não sei muito bem quais são os saberes necessários. Nunca soube, acho que são os saberes de

vários campos, do campo acadêmico, do campo pedagógico, do campo social, do campo da

especialidade, do campo educacional. São necessários admito que o professor formador de

professor de português que só saiba linguística e literatura não consiga ser um bom professor,

porque há toda uma dimensão pessoal que é preciso desenvolver no professor, enquanto

profissional que está implicado nos seus alunos, mas eu nunca desligo de ver, aliás, a minha luta

com os meus colegas é disso ser desligado do professor de Português e, isso tem implicações

diretas. No ano passado os professores começaram a ser avaliados, tivemos muitas greves e

manifestações e passeatas à conta das avaliações dos professores, muitas teses. Pensaram que

com a mudança do Ministro isso ia acabar, mas não. Digo então vamos ver isso nas implicações

com o professor de língua, não conseguem fazer a ponte nenhuma. Por outro lado são muito

críticos da avaliação a si próprios e quando vem o ministério todos os meninos têm que ser

avaliados, eles aplaude, e se formos ver por que é que se aplaude num e não aplaudem noutro.

Então esta minha passagem pela avaliação tem me permitido ver que um saber necessário é

saber como se constrói o discurso, o que significa falar e agir, quando tudo que dizemos é

ideológico a questão da ideologia, a análise do discurso e vamos pra Bakhtin.

Sobre a questão de que o professor se constrói na prática, agora é minha reserva não é

afirmativo, o professor se constrói na prática pro bem e pro mal. Nós formamos os professores

aqui e quando saem desse contexto e vão para o contexto da sala de aula, eles passam a ser outra

pessoa e dizem o que é adequado dizer naquele contexto, e, portanto eles podem ser até alunos

extraordinários, chegando à escola ele passa ao ter outro estatuto, e passa a agir de outra

maneira. E, portanto começa a funcionar e a prática vai. Se a escola tem outra orientação e

esquecem tudo que aprendeu na universidade. Não é assim explícito, mas isso pode parecer

caricatura, mas não é. Agora o professor vai construir, agora, de uma forma mais material e,

portanto mais dolorosa também o seu saber docente. A mim na universidade nunca me

ensinaram como é que eu resolvia o problema de uma aluna que se recusava a falar ou que fala

de uma determinada maneira. Isso ele vai ter que aprender sozinho. Depois se aprende muito as

rotinas e tal, com aquilo que é o corpo da escola em que se está inserido. As escolas não são

todas iguais, e, portanto há escolas em que o professor até potencia os seus saberes e si vai

formando como profissional competentíssimo e há outros contextos em que é só repetir rotinas

que já estão feitas e o professor vai dizer, pra que pensar se a escola faz se assim dessa maneira,

pra que eu vou fazer mais. A minha pesquisa fica assim e a construção da prática faz-se e é

muito variável as formas como ele vai fazendo essa construção precisamente por toda uma série

de instancias sejam ela o liberalismo, seja pessoais. Bem a minha pesquisa pessoal ficou mais

ou menos traçada, eu trabalho muito com a literacias ou dos letramentos sejam eles como se

constroi a identidade letradas, do aluno da universidade porque a Adriana Fischer estava aqui

vendo como é que se constroi a identidade letrada de um aluno do curso de engenharia. Ver o

que ele vai se construindo como leitor do texto de engenharia e produtor de textos de engenharia

ou como é que um jovem ou como um adulto, estou com uma pesquisa com adultos. Mas

continuo a fazer formação de professores na medida em que são as disciplinas que eu dou. E

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tem outra disciplina que se chama Educação e Literacias e pretendo fazer uma ponte e definir

letramento.

O que é formar professores acho que já tá dito, mas eu acho que é dotar os sujeitos pra já de um

grande entusiasmo pelo trabalho com a língua e a linguagem e, sobretudo dotá-los de

competências críticas, e eu diria que essa é mais do que dar-lhes grandes quantidades de

informação, dar-lhes instrumentos para eles perceberem criticamente o que significa tornar uma

prova obrigatória, ou o PCN qual é o significado para si, que é o professor, para os alunos para a

escola e para a sociedade. Formar um professor formar um profissional que não entenda que

pronto. Está formado e que agora é só aplicar, mas que saiba, possuindo essas competências

críticas construir o seu percurso.

A - Obrigada.