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Rodrigo Alberto Correia da Silva Controle de Preços de Medicamentos

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Rodrigo Alberto Correia da SilvaControle de Preços de MedicamentosDados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Silva, Rodrigo Alberto Correia da Controle de preços de medicamentos / Rodrigo Alberto Correia da Silva. -- São Paulo: Febrafarma - Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica, 2004. -- (Estudos Febrafarma) Bibliografia. 1. Agências reguladoras - Brasil 2. Indústria farmacêutica - Controle de preços 3. Medicamentos Preços 4. Pr

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Rodrigo Alberto Correia da Silva

Controle dePreços de

Medicamentos

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Silva, Rodrigo Alberto Correia daControle de preços de medicamentos / Rodrigo

Alberto Correia da Silva. -- São Paulo:Febrafarma - Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica, 2004. -- (Estudos Febrafarma)

Bibliografia.

1. Agências reguladoras - Brasil 2. Indústria farmacêutica - Controle de preços 3. Medicamentos - Preços 4. Preços - Determinação I. Título. II. Série.

04-5569 CDD-615

Índices para catálogo sistemático:

1. Medicamentos: Controle de preços: Farmacologia 615

Fundação Biblioteca Nacional

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Page 3: Controle de Preços de Medicamentos

índice

Sumário Executivo

Introdução

1. Evolução da regulação estatal da economia

Constituições relevantes para o tema da regulação da economia

1. A regulação estatal da economia nas constituições brasileiras

Regulamentação da economia

1. Óbices ao poder regulamentar

a. Serviços públicos

b. Produtos e serviços de saúde

Mercado de medicamentos

1. Concentração em mercado relevante

2. Barreiras à entrada de novos concorrentes

a. Barreiras sanitárias

b. Patentes

3. Assimetria das informações

4. Problemas de agência

5. Baixa elasticidade da procura

Controle de preços de medicamentos

1. Controle de preços de medicamentos no Exterior

2. Legislação brasileira de controle de preços de medicamentos

3. Regulação de preços de medicamentos pela Lei 10.742/2003

Conclusão

Bibliografia

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estudosFEBRAFARMA [ 5 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOSCONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

estudosFEBRAFARMA [ 5 ]

O ACESSO aos produtos e serviços de saúde é garantido pela ConstituiçãoFederal de 1988, segundo a qual estes serão fornecidos tanto pelo Estado quan-to pela iniciativa privada.

Todavia, a despeito da determinação constitucional, temos uma crise social,pois não são todas as pessoas que têm acesso aos medicamentos, cujo forneci-mento pelo Estado é muito menos abrangente do que a necessidade das hordasde miseráveis que vivem no Brasil.

No tocante ao fornecimento de medicamentos pelos laboratórios farma-cêuticos privados, temos uma situação de mercado muito peculiar em decor-rência, principalmente, da possibilidade de concentração de poder econômiconas mãos de alguns dos fornecedores deste mercado, da essencialidade do pro-duto e do fato de que o paciente não participa da decisão de compra.

Para conter o aumento de preços no setor, o Governo Federal implantouum controle de preços por meio de Medida Provisória, posteriormente conver-tida em Lei. O escopo deste trabalho é contrastar referida medida de força comos ditames da Constituição Federal.

A conclusão considera a medida inconstitucional quanto ao controle depreços, em decorrência de sua ineficácia comprovada, mas válida em relaçãoaos outros dispositivos relativos a regulação do mercado de medicamentos.

Sumário Executivo

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Rodrigo Alberto Correia da Silva

Para Flázinha, o meu anjo.

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Page 6: Controle de Preços de Medicamentos

O PRESENTE trabalho tem por objetivo analisar o controle de preços a que osmedicamentos estão sujeitos no Brasil desde junho de 2003, sob o enfoque daconstitucionalidade do referido controle e da forma como é realizado.

Para tanto, faremos uma retrospectiva histórica sobre o tema mercado e suaregulação, passando por Constituições estrangeiras e nacionais, bem como pelaevolução do tema no século passado no Exterior e no Brasil.

Após esta retrospectiva, analisaremos o tema da regulação na ConstituiçãoFederal de 1988, enfatizando a questão dos serviços públicos, para os quais estãovoltadas a maioria de nossas agências regulatórias, e discutiremos a questão dasaúde, que tem um tratamento diferenciado dos serviços públicos porque podeser explorada pelos particulares sem a necessidade de concessão estatal.

Faremos, posteriormente, breves considerações sobre as chamadas falhas deconcorrência no mercado de medicamentos para demonstrar a motivação queestá por detrás do congelamento de preços de medicamentos no Brasil, verifi-cando como o controle ocorreu em nosso País em períodos recentes.Analisaremos, detidamente, a Lei 10.742/2003 que estabeleceu o controle depreços de medicamentos, especificamente no que se refere a sua validade pe-rante a Constituição Federal, bem como a legalidade dos atos que são pratica-dos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

1. Evolução da Regulação Estatal da Economia

Desde a divulgação do plano de reforma do Estado no Governo FernandoHenrique Cardoso e sua conseqüente implementação, o tema da regulaçãoeconômica pelo Estado conquista, cada vez mais, o pensamento de todos aque-les que lidam com o Direito, especialmente com o Direito Comercial (atualDireito da Empresa), com o Direito Constitucional e Direito Administrativo.

Apesar de os recentes debates sobre a regulação tratarem o tema como umanovidade, é importante salientar que a regulação da economia pelo Estado já erapercebida em 1.700 a.C. no Código de Hamurabi1, tendo ocorrido em maior ou

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1 “... o Código de Hamurabi, em 1.700 a.C., congelou dois preços básicos na Assíria, o do óleo e o do sal, e esta-beleceu que os infratores seriam queimados, justamente, em óleo fervente. Porém houve um impasse na exe-cução da norma: com o congelamento, o produto sumiu do mercado e acabou faltando óleo para exterminaros sabotadores do plano econômico da Babilônia.” SILVA, Américo L. M. da, A Ordem ConstitucionalEconômica, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 1996, pág. 116.

Introdução

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menor grau em diversos lugares e momentos históricos, ainda que de maneiracasuística e desorganizada, sem uma reflexão teórica mais profunda sobre opoder econômico e o seu controle.

No Império Romano, o preço dos produtos era livremente acordado entreas partes em respeito à liberdade de contratar, porém no final do Império surgepor influência da igreja a noção de preço justo e a idéia do enriquecimento“injusto”, atribuindo, portanto, juízo de valor sobre a atividade econômica.Salientamos, ainda, o estabelecimento de preços para diversos produtos noImpério Romano por Diocleciano.

Por sua vez, no período medieval temos forte interferência na atividade pri-vada por força dos grêmios medievais, ao determinarem que seus membrosdeveriam cobrar preços razoáveis por seus serviços sem o abuso do monopóliode atividade de que gozavam.

Durante o mercantilismo as cartas reais são uma clara demonstração dainterferência do Estado na economia, na medida em que passavam aos particu-lares o direito de explorar atividades tidas como estatais sob regras e contra-partidas determinadas pelo Estado2.

Em uma tentativa de sistematizar esta evolução, Fábio Nusdeo3 aponta quehistoricamente a Economia passou por três sistemas ideais: o da tradição, o daautoridade e o da autonomia, advertindo que nenhum desses modelos foi puro,pois tiveram predominância maior ou menor em determinada época e local.

Desde o início da humanidade até a Idade Média a economia seguiu o mo-delo da tradição, ou seja, não havia grandes questionamentos ou teorizações arespeito da propriedade dos meios de produção ou sobre o exercício desta pro-priedade – as pessoas simplesmente faziam as coisas como sempre foram feitas,o controle da economia era casuístico, fortemente moral e aleatório.

Após este período, tornou-se mais proeminente o sistema de autoridadesegundo o qual toda a condução da economia é determinada pelo fator políti-co, ou seja, aquele que detinha o poder sobre a coletividade tinha também opoder de dirigir a economia, tanto do ponto de vista da alocação de recursosquanto da distribuição de riquezas.

Nesse momento, as ciências sociais e políticas passaram a tratar de temasque, mais tarde, conformariam a ciência econômica. Este foco de estudos decor-reu em grande parte das necessidades do planejamento econômico, que eraimplementado pelo detentor de poder político.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 8 ] estudosFEBRAFARMA

2 SOUZA, Washington P. A. de, Primeiras Linhas de Direito Econômico, 5 ed., LTR, págs. 332 a 335.3 NUSDEO, Fábio, Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico, 3 ed., Revista dos Tribunais,São Paulo, 2001, pág. 97.

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Finalmente, chega-se ao sistema de autonomia, baseado nos economistasclássicos dos séculos XVIII e XIX que identificaram uma operação da economiabaseada no hedonismo, na busca da satisfação dos próprios interesses, em quetodos os homens procuram satisfazer suas necessidades, reais ou psicológicas,buscando maximizar os efeitos de suas próprias atividades.

Em 1776, Adam Smith sistematiza e consagra tais pensamentos com a teo-ria da chamada “mão invisível do mercado”, que automática e imperceptivel-mente o auto-regularia.

Segundo esta teoria, através do sistema de determinação de preços, os com-pradores e os vendedores emitiriam mensagens sobre a oferta e a procura dosbens e serviços e realizariam trocas com proporções baseadas nestes dados, queautomaticamente equilibrariam o consumo destes bens e serviços e harmo-nizariam os interesses dos envolvidos4.

A busca da satisfação desses resultados em uma sociedade que admite apropriedade privada dá-se em um ambiente que viabilize a realização de trocas,que são as comunicações entre os indivíduos que interagem num ambientechamado mercado.

O mercado nada mais é do que uma abstração, que é sustentada no mundoconcreto por todas as instituições que protegem a propriedade privada e a trocade mercadorias e serviços.

O Direito, como não poderia deixar de ser, passou então a se ocupar forte-mente da garantia das instituições do mercado para permitir a operação da“mão invisível” e garantir a não interferência de fatores externos no mercado,que poderiam criar barreiras para tal equilíbrio automático.

É interessante notar que o Direito é posto em marcha contrária a até entãoadotada pelas economias autoritárias, nas quais a política e o Direito (ainda quemuitas vezes não individualizados) garantiam justamente o poder de intervenção.

Conforme aponta Fabio Konder Comparato, após um período de crençacega nos benefícios da autonomia privada, a Primeira Guerra Mundial obrigouos Estados a interferirem na economia para que os agentes econômicos se alinhassem de forma eficiente no esforço de guerra.

Para nós, naquele momento histórico, o esforço de guerra era o bemcomum, pois a todos os cidadãos das nações em conflito interessava a amplia-ção ou manutenção da soberania nacional.

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

4 “Para o pensamento liberal, o interesse próprio seria, portanto, a base principal dos mercados auto-regula-dos. Se os consumidores são livres para aplicar as suas rendas como o desejarem e se os homens de negóciossão livres para competir sem restrições e conquistar a preferência dos consumidores, então as atividadeseconômicas escoarão naturalmente.” TAVARES, André Ramos, Direito Constitucional Econômico, Método,São Paulo, 2003, pág. 37.

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Em 1929, os Estados Unidos da América sofreram com a grande depressão,tornando perceptível que a economia não se regula automaticamente para aobtenção do bem comum, por uma série de falhas que desnaturam a efetivaconcorrência entre os participantes do mercado, pressuposto essencial da eficá-cia da “mão invisível” imaginada por Adam Smith.

Nesse momento fez-se necessária a intervenção do Estado na economia, jáque, como demonstrou Jonh Maynard Keynes o mercado não só não se auto-regula como pode incidir em um equilíbrio de subemprego, necessitando dainterferência de um fator externo para dar movimento a essa situação inercialem direção a um equilíbrio de pleno emprego.

Efetivamente o único que tem condições econômicas para realizar estaintervenção é o Estado, além do que apenas ele é suficientemente interessado nobem comum para despender recursos neste sentido.

Desta forma, o Presidente norte-americano, Roosevelt, implantou à época,nos Estados Unidos da América, uma forte política de intervenção e fomento daeconomia pelo Estado, batizada de New Deal, a princípio sofrendo grandesresistências de um sistema econômico e um pensamento jurídico moldado por150 anos de suporte ao liberalismo econômico e também por interesseseconômicos que estavam obtendo vantagens oportunistas sobre a situaçãodaquele país e do Mundo.

Ainda temos que considerar que toda uma massa de excluídos gerados pelarevolução industrial passa a se revoltar quanto a sua situação subhumana, espe-cialmente inspirada nas idéias de Karl Marx, conquistando gradativamente seusdireitos, nascendo a experiência dos Estados Socialistas, no nosso entender comretorno à economia de autoridade.

A população passa a exigir que o Estado se torne responsável por uma sériede atividades, o que este faz em um primeiro momento, assumindo para si cadavez mais a obrigação de prestação de utilidades sociais5.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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5 “A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e do Estado de Bem-Estar é que, enquantonaquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também as obrigações positivas, aqui sem deixar de manter barreiras, se lhe agregam finalidade e tarefas às quaisantes não se sentia obrigado (Gordillo, 1977:74). A idéia de Estado de Bem-Estar ou Estado Social impli-ca alcançar determinados objetivos de bem comum, de garantia de Direitos sociais, que seriam as mani-festações concretas de seus postulados, como o amparo à saúde e à previdência social; por outro lado, OEstado liberal mantém premissas de garantia dos Direitos individuais, como propriedade e liberdade, e deatuação negativa do aparelho estatal em respeito a estes Direitos. Assim, num momento de intensa dis-cussão acerca do papel do Estado diante da tão falada globalização econômica, a efetivação e a universa-lização dos Direitos sociais dependem da atuação decisiva do Poder Público.” ROCHA, Julio César de Sá.Direito da Saúde: Direito Sanitário na Perspectiva dos Interesses Difusos e Coletivos. 1. ed. SãoPaulo: LTR, 1999, págs. 33 e 34.

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Contudo, após esse período de absorção de obrigações, o Estado passou asofrer com o inchaço da máquina administrativa e com a falta de orçamentopara investir em tais serviços.

“O Estado Providência gerou benefícios e vantagens que redundaram namultiplicação da população, o que não foi acompanhado da modificação dosmecanismos de seu financiamento.

(...)A multiplicação da população e a redução da eficiência das atividades desem-

penhadas diretamente pelo Estado contribuíram decisivamente para o fenômenodenominado ‘crise fiscal’. A expressão passou a ser utilizada para indicar a situaçãode insolvência governamental, inviabilizadora do cumprimento das obrigaçõesassumidas e do desenvolvimento de projetos ambiciosos.”6

Apesar de pressionado pela falta de verbas, o Estado, agora social, não sedesvencilhou dos anseios sociais que lhe impõem a responsabilidade pelaprestação dessas utilidades, de modo que optou por devolvê-los para a iniciati-va privada, mantendo o ônus de zelar pela sua continuidade e universalização,pois “o atual estágio evolutivo, por muitos considerado ‘neoliberal’, não implica –a despeito da retomada dos aspectos fundamentais do liberalismo econômico – narejeição à grande parte dos avanços sociais, introduzidos especialmente pelo pensa-mento socialista” 7.

Portanto, embora prestadas pelos particulares, essas utilidades devem per-manecer sob o controle e a fiscalização do Estado, que o faz através da regula-mentação da prestação de serviços públicos, ainda que de forma mais liberalcomo nos casos de prestação em regime privado – por opção e sob a fiscaliza-ção do órgão regulamentador.

Nos dias atuais, temos o exaurimento do sistema socialista com a queda daUnião Soviética, mas, por outro lado, temos também uma forte tendência dosEstados tidos como liberais buscarem o bem-estar social, tanto pela assunção demais responsabilidades como obrigações perante os cidadãos 8, quanto pela suainterferência na performance da economia nacional.

6 JUSTEN Filho, Marçal, O Direito das Agências Reguladoras Independentes, Dialética, São Paulo, 2002, pág. 19.7 TAVARES, André Ramos, ob. cit. pág. 45.8 “Ao longo do século XX, a ideologia do Estado de Bem-Estar significou a assunção pelo Estado de funções de mo-delação da vida social. O Estado transformou-se em prestador de serviços e em empresário. Invadiu searas antesreputadas próprias da iniciativa privada, desbravou novos setores comerciais e industriais, remodelou o mercado ecomandou a renovação das estruturas sociais e econômicas. (...) O resultado foi extraordinariamente positivo; espan-toso, poderia até dizer-se. As condições de vida elevaram-se a níveis nunca anteriormente experimentados. A expecta-tiva de vida média da população elevou-se radicalmente. Nunca anteriormente os seres humanos experimentaramtamanho conforto e tão grande quantidade de benefícios. Mais do que isso, nunca na História se ofertaram benefíciosem termos tão democráticos: saneamento, educação, assistência, previdência foram assegurados para todos os cidadãos,em condições de igualdade (ao menos, formal).” JUSTEN Filho, Marçal, O Direito das Agências ReguladorasIndependentes, 1 ed., Dialética, São Paulo, 2002, págs. 17 e 18.

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Desse modo podemos afirmar que o Mundo se encontra em um sistemamisto, em que a liberdade dos agentes econômicos está condicionada à geraçãode bem-estar para a sociedade em que atuam9.

Constituições Relevantes para o Tema da Regulação da Economia

APÓS o advento dos Estados de Direito, o poder político passou a se expressaratravés de Constituições que conformam suas ordens jurídicas. Desta forma, asevoluções históricas relativas a intervenção do Estado na economia nos perío-dos recentes foram refletidas nas Constituições de cada país, de modo que pon-tuamos algumas que influenciaram o Mundo neste aspecto.

A primeira Constituição que mencionou a destinação dos recursos públicospara o desenvolvimento da economia e do interesse público foi a ConstituiçãoMexicana de 1917.

Posteriormente, a Constituição da República Soviética Federal Socialista daRússia, de 1918, obviamente tratou de aspectos econômicos, revogando a pro-priedade privada, entre outras disposições sui generis.

Finda a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha devastada, em 1919, crioua Constituição de Weimar, que sistematizou a ordenação econômica limitan-do a propriedade privada e a liberdade de contratar, ambas condicionadas àgarantia da dignidade humana, tendo grande influência sobre a ConstituiçãoBrasileira de 1934.

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas lançou, em 1924, suaConstituição multinacional, estabelecendo a planificação da economia, melhordelineada em sua Constituição de 1936.

Em 1931, a Constituição Espanhola mencionou que a riqueza do país esta-va subordinada aos interesses da economia nacional, contudo teve suaimportância tolhida pela guerra civil de 1936.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 12 ] estudosFEBRAFARMA

9 “Em tese de concurso intitulada “Aspectos da racionalização econômica”, afirmava Oscar Dias Corrêa, já em1949: “Não haveria exagero se falasse em socialização do capitalismo. Como estamos longe do predomínioférreo do capital! “Da mesma maneira que o liberalismo político é, hoje em dia, doutrina intervencionista,em maior ou menor escala, o capitalismo é socialista, em maior ou menor escala.” Eis aqui o verdadeiro inte-resse na manutenção do estudo desses dois sistemas desenhados anteriormente. Na tese com que obteve a cá-tedra de Economia da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, em 1957,Oscar Dias Corrêa voltava a insistir na mesma idéia de que “o liberalismo se socializa enquanto o socialismose capitaliza, ou se liberaliza”. É que o tentava exprimir, em parte, Heilbroner ao anotar: “Na verdade, se for-mos comparar a Iugoslávia ‘socialista’ com a Itália ‘capitalista’, descobrimos provavelmente muito maissemelhanças de estilo social, vida cultural e atmosfera geral do que se compararmos Iugoslávia ‘socialista’ coma China socialista.” TAVARES, André Ramos ob. cit. pág. 45.

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A Constituição Portuguesa de 1933 tinha diversos dispositivos voltadospara a atividade econômica, claramente subordinando a atividade do particu-lar ao bem comum.

O preâmbulo da Constituição Francesa de 1946 fazia menção a Direitossociais e a desapropriação dos monopólios naturais e dos serviços públicosnacionais, além de conter dispositivos esparsos sobre questões econômicas.

Na Itália, a Constituição de 1947 dedicou um título às relações econômicas,introduzindo a idéia de função social da propriedade, inspiradora da nossaatual Constituição Federal.

Não há menção ao Direito econômico na Constituição Alemã de 1949,contudo, como aponta Ferdinand Lassalle, em seu clássico a Essência daConstituição 10, não é exatamente o que está ou não escrito no papel chamadoConstituição que efetivamente é a Constituição de uma nação, mas o que seupovo extrai e como concebe seu sistema jurídico, de modo que, apesar de nãohaver dispositivos expressos sobre a vinculação da atividade privada ao inte-resse comum, esta estava entranhada no sistema jurídico alemão.

Aqui vale apontar que não mencionamos os Estados Unidos da América,pois foi a evolução jurisprudencial ocorrida naquele país que permitiu a inter-venção estatal na economia, já que com o fundamento do devido processo legalsubstantivo essa nação conseguiu manter a mesma Carta Constitucional criadano período liberal até os dias atuais e nela integrar conceitos que permitiram talintervenção após os debates sobre as medidas do New Deal.

1. A Regulação Estatal da Economia nas Constituições Brasileiras

No Brasil, a Constituição do Império de 1824 garantia o direito de pro-priedade, o privilégio de invenção, abolia as corporações de ofício e garantia aliberdade de trabalho, cultura, indústria e comércio, desde que não seopusessem aos costumes, à segurança e à saúde dos cidadãos.

A Constituição da República de 1891 previa a liberdade de associação e olivre exercício de profissão, embora a doutrina vislumbrasse a possibilidade deintervenção do Estado em prol do bem comum, o que efetivamente ocorreucom as crises do café. Importante emenda ao texto original foi realizada em1926 para permitir a legislação sobre comércio interior e exterior.

Com a revolução de 1930 veio a Constituição de 1934, de caráter eminen-temente intervencionista e com um capítulo reservado apenas para a ordem

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

10 LASSALLE, Ferdinand, A essência da constituição, 6 ed. brasileira, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2001.

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econômica, que condicionava a liberdade à justiça e à existência digna, caracterís-tica reforçada enormemente pela Constituição de 1937, que abriu caminho paraum intervencionismo total nos mais diversos campos da economia nacional.

Foi a Constituição de 1946 que voltou a libertar o sistema econômico,determinando que a intervenção estatal deveria ser conciliada com a liberdadede iniciativa e de empresa, disposição que na época causou polêmica em decor-rência de sua imprecisão, permitindo que o Estado monopolizasse áreas daatividade econômica em decorrência do interesse público e ainda condicionasseo uso da propriedade ao bem-estar social.

A Constituição Federal de 1967 manteve os postulados da Constituição de1946 e determinou que a União poderia criar planos de desenvolvimentoregional, garantindo que a exploração estatal da atividade econômica seria ape-nas supletiva da atividade privada. Em 1969 a Constituição foi emendada paraacrescentar que a finalidade da intervenção do Estado na economia visaria sem-pre a busca da expansão das oportunidades de emprego produtivo.

Importante notar que tanto a redação original da Constituição de 1967quanto a emendada em 1969 admitiam a intervenção e o monopólio do Estadopara atendimento do interesse público caracterizado pela segurança nacionalou simplesmente para organizar setores que não pudessem se desenvolver noregime de competição e liberdade de iniciativa.

Apesar de Oscar Dias Correia, conforme citado por André Ramos Tavares11,ver essa Constituição condizente com o liberalismo, ou neoliberalismo,econômico, nos parece que a quantidade de conceitos indeterminados que pos-sibilitavam a intervenção do Estado na economia dava ampla margem ao inter-vencionismo estatal.

Existiam diversos fundamentos para sustentar que uma atividade nãopoderia se desenvolver em regime de livre iniciativa, o que encerrou um altograu de discricionariedade na decisão de intervenção estatal na economia, o queinclusive pode ser verificado na atuação estatal da época.

Após esta desordenada evolução, tivemos a Constituição Federal de 1988,que, além de um capítulo dedicado exclusivamente à ordem econômica, temoutros dedicados aos direitos sociais, e diversos dispositivos de grande impactona economia ao longo de seu texto.

Passaremos a tratar dos dispositivos constitucionais que nos parecem rele-vantes para o debate do tema em questão.

O primeiro deles será o artigo 5, inciso XXII da Constituição Federal de

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 14 ] estudosFEBRAFARMA

11 Ob. cit. pág. 126.

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1988 que garante o direito de propriedade, fundamental para a existência dopróprio mercado, mas que cria em muitos a idéia de que se trata de um direitoabsoluto, capaz de refutar quaisquer intervenções na fruição da propriedade,especialmente a dos meios de produção.

A idéia, então, toma forma de argumento de inconstitucionalidade dequaisquer restrições a este direito, ainda mais considerando que as garantias doartigo 5 da Constituição Federal não podem ser alteradas pelos atuais legis-ladores, já que constituem cláusulas pétreas de nossa Constituição (art. 60, § 4º,inciso IV).

Segundo este raciocínio, qualquer forma de intervenção do Estado naautonomia dos agentes econômicos privados estaria contrariando o livre uso,gozo e fruição da propriedade dos meios de produção, na medida em que impõelimitação ao proprietário, que não poderá cobrar o quanto bem entender pelosseus produtos.

Contudo, esta forma de raciocinar remonta à revolução industrial e já estáultrapassada pela nossa nova ordem constitucional, que absorveu o Direito daera do consumo de massas, onde o consumidor, como parte importante dasociedade12, deve ser protegido tanto quanto o proprietário.

Isto pode ser observado na redação do inciso XXXII, do referido artigo, aoestabelecer que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.Há que se salientar ainda que a propriedade também já não tem a mesmaamplitude de outrora, estando atualmente sujeita a sua “função social” con-soante inciso XXII do mesmo artigo 5 de nossa Constituição Federal.

Com efeito, a própria Constituição Federal trata da Ordem Econômica eFinanceira em seu título VII, sendo aplicável a toda a atividade econômicaindistintamente.

Dentro deste título, o artigo 170 da Constituição Federal contém os prima-dos da atividade econômica em geral, que são (i) valorização do trabalho e dalivre iniciativa, (ii) justiça social, (iii) soberania nacional, (iv) propriedade pri-vada, (v) função social da propriedade, (vi) livre concorrência, (vii) defesa doconsumidor, (viii) defesa do meio ambiente, (ix) redução das desigualdadesregionais e sociais, (x) busca do pleno emprego, (xi) tratamento favorecido paraas empresas de pequeno porte, (xii) livre exercício de atividade econômica,dependente de autorização apenas nos casos previstos em lei.

Podemos perceber que o texto constitucional não confere uma liber-dade total à iniciativa privada, vez que coloca também como pilares da

estudosFEBRAFARMA [ 15 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

12 Na medida em que todos o somos em uma outra relação jurídica específica (conforme arts. 2º e 3º doCódigo de Defesa do Consumidor).

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atividade econômica itens sociais como valorização do trabalho, justiçasocial, função social da propriedade, defesa do consumidor e do meioambiente, redução de desigualdades e busca do pleno emprego.

Desta forma, parece-nos claro que a mistura de liberalismo e direitossociais aponta para uma forma de exploração da atividade econômica que deve sempre resultar no benefício da coletividade, ainda que os agenteseconômicos também colham os frutos de seu trabalho e alocação de capital.

“A liberdade de iniciativa empresarial, portanto, porque inserida no con-texto constitucional, há de ser exercitada não somente com vistas ao lucro,mas também como instrumento de realização da justiça social – da melhordistribuição de renda – com a devida valorização do trabalho humano, comoforma de assegurar a todos uma existência digna. Assim, o lucro não se legi-tima por ser mera decorrência da propriedade dos meios de produção, mascomo prêmio ou incentivo ao regular desenvolvimento da atividadeempresária, segundo as finalidades sociais estabelecidas em lei.” 13

Nota-se que estamos diante de uma Constituição neoliberal ou de umaperspectiva de Estado misto, pois os direitos à livre iniciativa, propriedadeprivada, livre concorrência e ao livre exercício de atividade econômica sãoliberais e visam a criação dos alicerces do mercado e os direitos à justiçasocial, função social da propriedade, defesa do consumidor, defesa do meioambiente, redução das desigualdades regionais, sociais e busca do plenoemprego, que são direitos sociais 14.

Pela conformação de Estado misto presente em nossa Constituição Federal,podemos concluir que a livre iniciativa não é um direito absoluto, devendo serinserida no direito de livre concorrência, que é o método escolhido pelasociedade brasileira para a obtenção dos resultados de justiça social estampados

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 16 ] estudosFEBRAFARMA

13 BRUNA, Sérgio V. O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu Exercício. 1 ed. SãoPaulo: RT, 1997. P. 141.14 “Quando a Constituição prevê expressamente o Direito a todos do livre exercício de qualquer atividade econômica, em alguns casos mediante autorização dos órgãos públicos, tal assertiva deve serinterpretada conjuntamente aos princípios que regem toda a atividade econômica, com ênfase à busca do bem-estar social. Assim, não basta o desenvolvimento de uma atividade econômica pela iniciativa privada que caminhe contrariamente aos objetivos constitucionais, tornando ilegítima apostura adotada. Na verdade, pode-se dizer se trata de um Direito fundamental, enquanto exercidono interesse da realização da justiça social, da valorização do trabalho e do desenvolvimento nacional,como princípios primordiais consagrados constitucionalmente.” SANCHEZ, C.G., Aspectos daRelação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional. 1999. 120f. Dissertação(Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica, SãoPaulo, pág. 26.

Page 16: Controle de Preços de Medicamentos

em nossa Constituição15.A livre concorrência tem aspectos de direito individual e também de direi-

to difuso, pois é direito do agente econômico que lhe sejam propiciadas opor-tunidades de uma verdadeira competição com os demais agentes e é direito detoda a sociedade que seja mantida operacionalidade da competição entre osagentes econômicos para a obtenção dos benefícios sociais dela advindos.

É possível a interferência estatal para garantir que os mercados atendam auma finalidade social já que, embora a propriedade e a livre iniciativa sejamprotegidas como dentro do rol de direitos dos cidadãos, estes hoje se encontramrelativizados em prol dos direitos sociais.

Conforme ensina Eros Grau16, o Estado poderá interferir na economia dire-tamente, por absorção, quando reservar para si o monopólio de determinadaatividade econômica, por participação, quando partilhar atividade econômicacom a iniciativa privada, indiretamente, por indução, quando adotar medidasque imponham desvantagens econômicas em determinadas condutas ou vanta-gens em outras, de modo que leve o agente econômico a, espontaneamente,seguir determinada conduta ou, finalmente, por direção, quando determinarcondutas para a iniciativa privada.

O Estado também tem importante papel simplesmente atuando comoagente econômico17, utilizando seu peso como comprador ou vendedor de produtos e serviços, como se verifica, exemplificadamente, quando o Banco

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

15 “Não só a concorrência é um valor institucional. Institucional é, como visto, todo aquele elemento confor-mador, necessário para o funcionamento do sistema. Ora, fundamental para qualquer ordem econômica epara o seu equilíbrio é que todos tenham acesso ao serviço. A questão da difusão dos serviços (normalmentedenominada universalização) é um exemplo típico. Freqüentemente tratada como um objetivo de políticaeconômica, ela é, na verdade, uma garantia sistêmica ou institucional. Inegável é, como visto no primeirocapítulo, que se trata de objetivos que não podem ser convenientemente protegidos por uma simples regulaçãoconcorrencial. Constitui-se, portanto, em uma garantia institucional autônoma. A garantia de difusão dosserviços deve ser aqui compreendida em sentido material, e não apenas formal. Isso significa que ela tem doiscomponentes fundamentais. Em primeiro lugar, a garantia de acesso aos consumidores. Essa deriva direta-mente das garantias constitucionais da concorrência e da defesa do consumidor (art. 170, IV e V), que coe-rentemente interpretadas, significam a não-exclusão de qualquer consumidor. Entretanto o simples provimen-to formal dos serviços a todos sem que muitos tenham condições materiais não é também suficiente. Isso nãosignifica dizer que a regulamentação possa ou deva substituir as políticas sociais. Significa que a regulação,como também o Direito antitruste, não pode e não deve ser instrumento de criação de desigualdades sociaise especialmente de exclusão. Novamente aqui essa é a maneira de compatibilizar materialmente os ditamesconstitucionais de livre concorrência e da justiça social. Particularmente, o controle das estruturas, cujoimpacto sobre nível de emprego é inegável, tem que ter em conta esse imperativo (o art. 58, 1º, da lei concor-rencial dele dá conta expressamente).” FILHO, Calixto S., Regulação da Atividade Econômica: Princípiose Fundamentos Jurídicos. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, págs. 126 e 127.16 GRAU, Eros Roberto, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 5 ed., São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 27.17 “A possibilidade de atuação estatal sobre o ambiente econômico, no texto constitucional, não se esgota naação normativa, ao seu lado está o atuar regulador da atividade econômica” SCOTT, Paulo Henrique Rocha,Direito Constitucional Econômico, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2000, pág. 113.

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Central passa a atuar como comprador ou vendedor de moeda estrangeira,interferindo nos mercados de câmbio.

Para o mercado, de maneira geral, “a livre iniciativa pressupõe o Direito depropriedade consagrado no Capítulo dos Direitos Fundamentais, afastando deter-minações no sentido de um planejamento vinculante. As regras do livre mercadoapenas encontram limites no instante em que há conluios e outras formas paraprejudicar o consumidor, sendo certo que, nesse âmbito, o Estado deve criar meca-nismos para conter tais abusos.” 18

Já para o Estado, a Constituição Federal limita no caput do artigo 173 a explo-ração direta da atividade econômica, exceto nos casos de segurança nacional e rele-vante interesse coletivo conforme definido por lei. Determina, ainda que, mesmonestes casos, o Estado estará sujeito ao mesmo regime da iniciativa privada, evitan-do a concorrência desleal com os particulares e obriga a realização de licitação esujeição à fiscalização para garantir a correta aplicação do dinheiro público.

O artigo 174 da Carta Constitucional em seu caput determina que o Estadoatuará como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendoas funções de fiscalização, incentivo e planejamento, que será indicativo para ainiciativa privada e determinante para o setor público19.

Desta forma, “não obstante as dificuldades que se antepõem ao discerni-mento da linha que traça os limites entre os dois campos, ele se impõe: inter-venção é atuação na área da atividade econômica em sentido estrito e prestaçãode serviço público é atuação econômica em sentido amplo e estão sujeitas a dis-tintos regimes jurídicos” (arts. 173 e 175 da Constituição de 1988)20.

Com relação ao setor privado, o Estado poderá atuar apenas por partici-pação, por indução ou para coibir a prática do abuso de poder econômico, nos

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 18 ] estudosFEBRAFARMA

18 SANCHEZ, C.G. Aspectos da Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional.1999. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, PontifíciaUniversidade Católica, São Paulo, págs. 463 e 464.19 “O art. 174 da carta de 1988 considera o Estado como normatizador e regulador da atividade econômica,atribuindo-lhe as funções de ‘fiscalização’, ‘incentivo’ e ‘planejamento’. Quanto a este último, diferencial em‘determinante’ para o setor público e ‘indicativo’ para o setor privado. Confere-lhe competência normativaregulamentar de suas funções tradicionais, juntamente com as de caráter político-econômico de dinamizar aprópria iniciativa privada, criando-lhe condições de sedução no sentido das realizações que pretendeempreender,mesmo em atenção às de caráter ‘indicativo’ que lhe tocam no planejamento. Este, por sua vez,quando determinante ao Estado, refere-se, no entendimento de alguns teóricos, não à economia em geral,porém restritivamente ao ‘planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado’, pela compatibilização dosplanos nacionais e regionais de desenvolvimento” segundo o próprio texto constitucional. Foram mantidas,desta forma, as funções do Estado que progressivamente se constitucionalizaram, nas cartas anteriores, comopoder-dever do mesmo, porém com a inovação técnica de incluir o setor privado, atraindo-o por incitaçõescriadas pelo próprio Estado que, assim, procura quebrar-lhes as razões liberais do seu afastamento, pela omis-são ou desinteresse (Adam Smith). SOUZA, Washington P.A., Teoria da Constituição Econômica. 1 ed.Belo Horizonte: Del Rey, 2002, págs. 463 e 464.20 GRAU, Roberto E. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pág. 99.

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termos do parágrafo 4º do artigo 173 da Constituição Federal, ou seja, para pro-teger o Direito de livre concorrência, não sendo permitida por nossaConstituição Federal a substituição pelo Estado do papel do mercado na for-mação de preço nas atividades reservadas para a iniciativa privada, exceto noscasos de abuso de poder econômico para a obtenção de lucros abusivos21.

Partindo destas premissas é preciso verificar o que ocorre no caso específi-co da saúde, no qual, efetivamente, temos a intervenção estatal em uma ativi-dade franqueada ao particular com a participação do Estado.

Regulamentação da Economia

INICIALMENTE, é necessário precisar os termos que usaremos neste trabalho,com a finalidade de evitar debates infrutíferos e especialmente desnecessáriosdecorrentes de ruídos de comunicação.

Conforme apontam Marçal Justen Filho22 e Washington Peloso Albino deSouza23, o termo regulation é tomado da literatura inglesa no sentido que, paranós, seria tanto o de regulação quanto o de regulamentação, e algumas con-fusões também são causadas pelo termo interferência, que na literatura de lín-gua hispânica também teria o significado das duas palavras.

Neste trabalho tomaremos “regulação” como toda e qualquer atividade doEstado voltada para a interferência no mercado, seja na forma direta ou indire-ta. Será, portanto, o conjunto que contém todas as atividades do Estado voltadaspara obter um resultado através da atividade econômica24.

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

21 “Para o Direito constitucional brasileiro, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho: ‘Não há, na Constituiçãovigente, qualquer norma expressa sobre a formação de preços.’ E nem poderia haver se quisesse manter o modeloeconômico de mercado, com a livre iniciativa e a livre concorrência. Trata-se de uma decorrência deste últimoprincípio. Contudo, estabelece a Constituição no § 4º. do art. 173 que ao Estado incumbe também reprimir oaumento arbitrário dos lucros (por meio de lei). Ao coibir o aumento arbitrário dos lucros, a Constituição acaboupor admitir, às avessas, o Direito aos lucros da empresa privada como um Direito absolutamente legítimo. O quese combate – e não vai nenhuma novidade aí – é o abuso desse Direito.” TAVARES, André Ramos ob. cit., pág. 269.22 Ob. Cit. pág. 15.23 Ob. cit. pág. 330.24 “A intervenção estatal no domínio econômico pode ocorrer de maneira direta ou indireta, adotadas as expressõesnos termos a seguir expostos. A intervenção estatal indireta refere-se à cobrança de tributos, concessão de subsídios,subvenções, benefícios fiscais e creditícios e, de maneira geral, à regulamentação normativa de atividades econômi-cas, a serem naturalmente desenvolvidas pelos particulares. Na intervenção direta, o Estado participa ativamente,de maneira concreta, na economia, na condição de produtor de bens ou serviços, ao lado dos particulares ou comose particular fosse. Trata-se, nesta última hipótese, do Estado enquanto agente econômico. Na lição abalizada deEros Grau, a intervenção pode ocorrer de quatro formas: por absorção, por participação, por direção e por indução.A intervenção do Estado no domínio econômico ocorre por absorção quando ele assume por completo o exercícioda atividade em determinado setor da economia, atuando em regime de monopólio. Ocorrerá o regime de parti-cipação quando o Estado exercer atividade econômica paralelamente aos particulares. O Estado, nessa situação,compete com empresas privadas, do mesmo setor. Não se pode ignorar, aqui, contudo, a posição privilegiada que oEstado passa a ocupar como agente econômico.” TAVARES, André Ramos ob. cit., págs. 57-59.

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Porém, o que realmente nos interessa é o poder de emitir comandos nor-mativos infralegais que vinculem os particulares, posto que tal vinculação pornormas legais diz respeito apenas e tão-somente à validade destas normas quan-to ao seu procedimento de criação e quanto aos valores cristalizados naConstituição Federal, ou seja, a cada um dos ramos do Direito aos quais se relacionam e ao Direito Constitucional.

Importante também notar a diferença entre a regulamentação expedidapelas chamadas Agências Regulatórias, autarquias especiais e o poder regula-mentar do Chefe do Poder Executivo, que só pode ser exercido para a fiel execução de lei.

Vanessa Vieira de Mello25, em sua obra Regime Jurídico da CompetênciaRegulamentar, traz diversas posições relativas a este poder regulamentar, quepara alguns autores deriva diretamente da Constituição Federal, para outros, dalei que está sendo regulamentada e, para outros tantos, do poder normativoainda existente para o poder executivo em situações de urgência – a nosso versem fundamento na atual Constituição Federal.

Acompanhamos a autora ao entender que o poder regulamentar nada maisé do que um poder derivado da norma constitucional para emitir ordens aosservidores públicos e membros da administração pública, para que organizemoperacionalmente a máquina estatal objetivando a efetivação dos ditameslegais, não podendo jamais transbordar dos limites da lei regulamentada oudesvirtuar suas determinações 26.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 20 ] estudosFEBRAFARMA

25 MELLO,Vanessa Vieira de, Regime Jurídico da Competência Regulamentar, 1 ed., Dialética, São Paulo,2001 pág. 54.26 “Damos, ao final, nosso conceito: “É a competência normativa secundária, haurida do texto constitucional, dirigi-da ao Administrador Público, determinando a expedição de regulamentos, na busca da efetivação da lei, sujeita aoscontroles parlamentar e jurisdicional.” Cuida-se de competência normativa secundária. Os regulamentos, conformese apresentam no Texto Constitucional, não têm o condão de inovar originariamente na ordem jurídica. Há umasubsunção, uma preocupação em ater-se aos limites da lei, seu centro de atenção. Observamos que a situação de limi-tação ao disposto na lei não retira do regulamento seu caráter de fonte de Direito. O regulamento veicula aspectostécnicos, inerentes à evolução e ao progresso da sociedade, melhorando e possibilitando a aplicabilidade das leis.” (...)“A doutrina não chegou a um conceito unânime de regulamento. Iniciaremos apresentando o conceito de OswaldoAranha Bandeira de Mello, para quem: “Os regulamentos são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, emdesenvolvimento da lei, referentes à organização e à ação do Estado, enquanto poder público. Eles são emanados peloPoder Executivo, mediante decreto.” No escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello, o regulamento é: “(...) ato gerale (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade deproduzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução da lei cuja aplicação demande atuaçãoda Administração Pública.” Pimenta Bueno assim o definiu: “Os regulamentos são atos do Poder Executivo, dis-posições gerais revestidas de certas formas mandadas observar por decreto imperial, que determinam os detalhes, osmeios, as providências necessárias para que as leis tenham fácil execução em toda a extensão do Estado. Sãoinstruções metódicas e não arbitrárias, que não podem contrariar o texto, nem as deduções lógicas da lei, que devemproceder de acordo com os seus preceitos e conseqüências, que não têm por fim empregar os expedientes acidentais evariáveis precisos para remover as dificuldades e facilitar a observância das normas legais. São medidas que regu-lam a própria ação do Poder Executivo, de seus agentes, dos executores, no desempenho de sua missão; são atos, nãoda legislação, sim de pura execução, e dominados pela lei.” MELLO, Vanessa Vieira de, ob. cit., pág. 55.

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estudosFEBRAFARMA [ 21 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Importa ainda diferenciar a regulamentação econômica da criação de leis

pelo Presidente da República por delegação do Congresso Nacional, que por um

aspecto formal inarredável se diferencia do poder regulamentar ora tratado,

pois “não pode haver delegação do Poder Legislativo a entes autônomos do Poder

Executivo para que sejam emitidos regulamentos” 27.

Quanto ao aspecto específico da delegação legislativa, vale notar que os atos

legislativos devem seguir formas específicas de expedição e formalidades

também próprias para sua votação, por exemplo Leis Ordinárias e Leis

Complementares são leis formalmente distintas quanto a sua denominação e

têm quoruns distintos de votação.

É justamente isso que ocorre com as delegações legislativas que devem ser feitas

por Resolução do Congresso Nacional, após solicitação do Presidente da República.

Efetivamente, a única previsão de Delegação Legislativa existente em nosso

ordenamento jurídico é a do artigo 64 da Constituição Federal, que (i) só pode

ser feita ao Presidente da República e (ii) deve seguir a forma do artigo 68 da

nossa Carta Magna28.

Assim, esta forma de delegação legislativa não poderia ser feita por lei na

medida em que, independentemente de seu conteúdo, a forma da delegação

estaria incorreta tanto quanto o seu destinatário.

Portanto, está claro que estamos tratando de outro fenômeno que enseja a

emissão de normas infralegais pelas autarquias especiais criadas pelos Governos

Federal, Estaduais e Municipais29, que possamos chamar de regulamentação da

economia ou poder normativo, como consta do artigo 174 da Constituição

Federal que é fundamento de validade das leis que criam tais agências e lhes dá

referida atribuição.

1. Óbices ao Poder Regulamentar

O primeiro óbice que é colocado para o poder regulamentar econômico é o

27 MELLO, Vanessa Vieira de, ob. cit., págs. 94-95.28 Art. 68. As Leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegaçãoao Congresso Nacional. § 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do CongressoNacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reserva-da à Lei complementar, nem a legislação sobre: (...) § 2º - A delegação ao Presidente da República terá aforma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.29 Apesar de não ser tema deste trabalho, entendemos pela possibilidade de criação destes órgãos, pelos Estadose municípios desde que previstos, respectivamente, na Constituição Estadual ou Lei orgânica e relativo amatérias de sua competência executiva.

Page 21: Controle de Preços de Medicamentos

do princípio da legalidade 30, uma vez que o ato regulamentar, apesar de suacarga normativa, é ato administrativo31 e a atividade administrativa deve estarestreitamente determinada pela lei, não podendo ser realizada fora desses rígi-dos limites, consoante disposto nos artigos 5º, II, 37 caput e 84 IV de nossaConstituição Federal, na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello 32.

“Instaura-se o princípio de que todo poder emana do povo, de tal sorte queos cidadãos é que são proclamados como os detentores do poder. Os governantesnada mais são, pois, que representantes da sociedade. O artigo 1º, parágrafoúnico, da Constituição dispõe que ‘todo poder emana do povo, que o exerceatravés de representantes eleitos ou diretamente, nos termos destaConstituição’. Além disto, é a representação popular, o Legislativo, que deve,impessoalmente, definir na lei e na conformidade da Constituição os interessespúblicos e os meios e modos de persegui-los, cabendo ao Executivo, cumprindoditas leis, dar-lhes a concreção necessária. Por isto se diz, na conformidade damáxima oriunda do Direito Inglês, que no Estado de Direito quer-se o governodas leis, e não o dos homens; impera a rule of law, not of men.

Assim o princípio da legalidade é o da completa submissão daAdministração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-lasem prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupaa cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores,só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposiçõesgerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete noDireito Brasileiro.”

Desta forma, temos a necessidade de lei que determine a interven-ção estatal na economia servindo como fundamento de validade do ato

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 22 ] estudosFEBRAFARMA

30 “O princípio da legalidade, resumido na proposição suporta a lei que fizeste, significa estar a AdministraçãoPública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena deinvalidade do ato e responsabilidade de seu autor.” GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 4 ed.,Saraiva, São Paulo, 1995, pág. 06. “O princípio da legalidade eleva, portanto, a lei à condição de veículosupremo da vontade do Estado. Nesse sentido, como visto, ela é uma garantia, o que não exclui, contudo, anecessidade de que ela mesma seja protegida contra possíveis atentados à sua inteireza e contra possíveismáculas que a desencaminhem do seu norte autêntico. Nessa acepção a própria isonomia de todos perante alei é uma contenção de possíveis abusos que ela possa encerrar. A sua submissão à Constituição não deixa,também, de ser uma delimitação da sua vontade soberana.” BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de DireitoConstitucional, 19 ed., Saraiva, São Paulo, 1998, pág. 186.31 “É possível conceituar ato administrativo como: declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como,por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controlede legitimidade por órgão jurisdicional.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de DireitoAdministrativo, 8 ed., Malheiros, São Paulo, 1996, pág. 215.32 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 14 ed., Malheiros, São Paulo,2002, págs. 83-85.

Page 22: Controle de Preços de Medicamentos

administrativo interventivo, do contrário este simplesmente não será exigí-vel, posto que ilegal33.

“A idéia de submissão do Estado à ordem jurídica, aplicável ao Direito públi-co, opõe-se o princípio, que está na base do Direito privado, da liberdade dos indi-víduos. Para o particular praticar validamente um ato, não necessita de autoriza-ção expressa da norma jurídica; basta que o ato não seja proibido pelo Direito. Porisso se afirma que o particular pode fazer tudo o que a Constituição e as leis nãoproíbem, enquanto o Estado só pode fazer aquilo que tais normas autorizamexpressamente. Em outras palavras: a validade dos atos privados depende apenasde sua não-contrariedade com o Direito, enquanto a dos atos de Direito públicodepende não só disso, mas também de seu anteparo em norma (constitucional oulegal) autorizadora específica.” 34

Com a ressalva, extremamente pertinente, de que o administrador não deveapenas aplicar a lei, mas integrar o sistema jurídico, Lucia Valle Figueiredosegue a mesma linha35.

Certo é que, em caso de descumprimento da lei, é possível a anulação “comeficácia ex tunc, de um ato administrativo ou da relação jurídica por ele gerada oude ambos, por haverem sido produzidos em dissonância com a ordem jurídica” 36.

Vale, contudo observar que, no caso das Agências Reguladoras, os atos nor-mativos por elas emitidos decorrem de poderes conferidos pela própria lei, ouseja, são as leis que criam estas Agências que lhes conferem poderes para criarestes atos normativos.

Desta forma, não estamos diante de uma afronta direta ao princípio dalegalidade, pois esta é respeitada. É a própria lei que dá tais poderes dis-cricionários. Entretanto, apesar de estarmos diante de agências regulatóriasindependentes, sua independência não é total, havendo controles do poder cen-tral sobre elas: “a regulação desse controle está disciplinada no contrato de gestãoexistente entre a diretoria da agência e o Ministério correspondente. Assim, esta-belecem-se indicadores básicos que permitem ao Ministério avaliar o desempenho

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

33 “A liberdade de contratar envolve: 1) a faculdade de ser parte em um contrato; 2) a faculdade de se esco-lher com quem realizar o contrato; 3) a faculdade de escolher o tipo de negócio a realizar; 4) a faculdade defixar o conteúdo do contrato segundo as convicções e conveniências das partes; e, por fim 5) o poder de acionaro Judiciário para fazer valer as disposições contratuais (garantia estatal da efetividade do contrato por meioda coação). Considerando do ponto de vista estatal, o princípio em análise é a garantia de legalidade. Nessesentido, exige lei para que se admita legítima a intervenção do Estado, e dentro dos limites constitucionais.”TAVARES, André Ramos, ob. cit., pág. 249.34 SUNDFELD, Carlos Ari, Fundamentos de Direito Público, 3 ed., Malheiros, São Paulo, 1997, pág. 151.35 FIGUEIREDO, Lúcia Valle, Curso de Direito Administrativo, 5 ed., Malheiros, São Paulo, 2001, pág. 42.36 ZANCANER, Weida, Temas de Direito Administrativo: da Convalidação e da Invalidação dos AtosAdministrativos, 2 ed., Malheiros, São Paulo, 1996.

Page 23: Controle de Preços de Medicamentos

do órgão, mediante a aplicação de parâmetros pré-elaborados, tanto para a suaadministração interna quanto para as metas a serem estabelecidas nos planos anuais de trabalho.” 37

Neste sentido, o problema não versa sobre legalidade, mas sim sobre reser-va legal. Impõe verificar se a Constituição Federal reservou apenas para aprópria lei a possibilidade de edição de normas regulamentares, ou se o princí-pio da legalidade também está voltado para o legislador que não pode criar leisque transfiram esta prerrogativa.

Leila Cuéllar 38 em sua excelente obra conclui que, como nossa atualConstituição Federal não contém a reserva legal geral e que apenas em algunspontos faz menção as necessidades de lei para tratar de matérias específicas,estaria aberto o campo para a transferência de competência para que instânciasadministrativas editassem as regulamentações econômicas.

Destacada posição defensora da intervenção estatal na economia, segundouma análise funcional do direito, é a do Professor Eros Grau39, crítico fervorosodo positivismo jurídico, que entende vazio.

Para o Autor o positivismo deve ser substituído por uma doutrina real dodireito que aproxima o direito, ou como prefere a análise dos direitos, da políti-ca e da sociologia, e verifica sua validade não conforme critérios de verdade oufalsidade, mas sim de aceitabilidade (justificação).

Pessoalmente, nos parece que a posição seria um retrocesso ao negar aexistência de uma ciência do direito, que busca na lógica uma forma de garan-tir a segurança jurídica.

É importante ter em mente que a publicação da Teoria Pura do Direito porHans Kelsen se deu em um momento histórico de procura de independência dodireito da sociologia e, especialmente, da política, para garantir segurançajurídica através da reprodutibilidade das decisões judiciais.

Kelsen não ignorou que o direito sempre é fruto e reflexo de uma situaçãopolítica, mas, simplesmente, separou criatura do criador, isolou o direito posto dainfluência política, através de um estratagema teórico que foi a sustentação dasConstituições por uma abstração que chamou de Norma Hipotética Fundamental.

Fazendo isto, Kelsen alçou a Constituição ao fundamento de validade detodo o sistema jurídico e de sua aplicação, de sua estática e dinâmica, forçando

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 24 ] estudosFEBRAFARMA

37 SANCHEZ, C.G. Aspectos da Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional.1999. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, PontifíciaUniversidade Católica, São Paulo, pág. 48.38 CUÉLLAR, Leila, As Agências Reguladoras e seu Poder Normativo, 1 ed., Dialética, São Paulo, 2001.39 GRAU, Eros Roberto, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 5 ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

Page 24: Controle de Preços de Medicamentos

que todas as análises partissem do contraste das normas com a constituição eque todas as decisões considerassem este contraste.

Obviamente que isto privilegia o Poder Constituinte Originário, no nossocaso a Assembléia que criou a Constituição Federal de 1988, e encolhe ospoderes Executivo, Judiciário e não menos o poder Legislativo Delegado.

A utilização da Teoria Pura do Direito, limitando o operador do direito àverificação do fundamento de validade das normas contra os preceitos consti-tucionais, com a verificação da subsunção dos fatos do mundo concreto àshipóteses contidas nas normas jurídicas, sem a possibilidade de quaisquer en-xertos de suas vontades políticas neste processo, é a única forma de garantirsegurança jurídica aos cidadãos.

De outra forma, ficaríamos sujeitos à instabilidade normativa, à imprevisi-bilidade das decisões, à ditadura dos que detêm o poder político, ao casuísmodas decisões, aos caprichos dos julgadores e dos mandantes do Brasil.

Note-se que, mesmo com o reforço teórico a uma estrutura rígida de apli-cação do direito, já vivemos em um ambiente legal altamente volátil, o que temtrazido prejuízos enormes ao nosso povo, de modo que a última coisa que seprecisa é de um arcabouço teórico, elocubrado nas bibliotecas das universi-dades para justificar os desmandos de nossos governantes.

Ademais, ao cientista, ao estudioso, não é dado mascarar o seu objeto deestudo para obter as conclusões que inicialmente já queria chegar. O estudocientífico deve ser honesto, calcado na observação e nas informações advindasdo objeto estudado, e isto não é diferente para o cientista do direito, o estudiosodo direito deve analisar o sistema jurídico posto e daí tirar suas conclusões.

A Constituição Brasileira vigente não contém em nenhum artigo qualquerautorização para a inobservância do princípio da legalidade e da reserva legal,de modo que as conclusões em contrário, por mais bem-intencionadas, sãocomprovadamente falsas, posto que, em desacordo com o objeto estudado.

Em nossa opinião, seguindo a linha de Celso Antônio Bandeira de Mello,nos parece que o artigo 5 da Constituição Federal, ao mencionar em seu incisoII que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão emvirtude de lei” já reserva para a lei a possibilidade de inovação no ordenamentojurídico, de modo que qualquer lei que possibilite a criação de normas queimponham a alguém uma obrigação positiva ou negativa será substancialmenteinconstitucional por confrontar com este dispositivo.

Este entendimento é corroborado pelo artigo 25, inciso I, dos Atos dasDisposições Constitucionais Transitórias, já que revogou no prazo de 180 diasda promulgação da Constituição “todos os dispositivos legais que atribuam ou

estudosFEBRAFARMA [ 25 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 25: Controle de Preços de Medicamentos

deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição aoCongresso Nacional...”

Tampouco nos parece convincente o entendimento de que no poder de fis-calização constante do caput do referido artigo 174 da Constituição Federal estáimplícito o poder normatizador, pela simples razão de que não há qualquerconfusão entre fiscalizar e normatizar, pois é perfeitamente possível e até usualque seja fiscalizado o cumprimento de normas criadas por outrem, como é ocaso mais corriqueiro da Polícia Civil e Militar ou dos fiscais de rendas.

Porém, simplesmente afirmar que não é possível a edição de normas ino-vadoras do sistema jurídico pelas Agências Regulatórias seria ir contra as liçõesde Carlos Maximiliano em sua brilhante obra Hermenêutica e Aplicação doDireito 40:

“Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés daque os reduza à inutilidade.”

Uma vez que a parte final do artigo 174 da Constituição Federal expressa queo planejamento feito pelo Estado é “determinante para o setor público”, seria total-mente inútil o dispositivo se entendêssemos que apenas a Lei pode impor obri-gações para o setor público, já que obviamente a lei lhe é determinante, sendodesnecessária a menção; acreditamos que a edição de regulamentação normati-zante infralegal pode ser criada por lei para a vinculação do setor público.

Cumpre então analisar o que compõe o setor público, além das atividadesinternas da própria administração pública.

a. Serviços Públicos

Além das atividades internas da administração pública, o setor público também é composto pelos serviços públicos, conforme determina o artigo 175da Constituição Federal.

“Os doutrinadores praticamente são concordes em afirmar que a definiçãoclássica de serviço público reunia três elementos, embora se desse maior oumenor ênfase ora a um, ora a outro, dentre eles, quais sejam:

1) O subjetivo, que considera a pessoa jurídica prestadora da atividade – oserviço público seria aquele prestado pelo Estado;

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 26 ] estudosFEBRAFARMA

40 17 ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, pág. 249.

Page 26: Controle de Preços de Medicamentos

2) O material, que considera a atividade exercida – o serviço público seria aatividade que tem por objeto a satisfação de necessidades coletivas;

3) O formal, que considera o regime jurídico – o serviço público seria aquele exer-cido sob regime de Direito Público derrogatório e exorbitante do Direito comum.”41

Insuperável o ensinamento de Duguit de que serviço público “es toda actividad cuyo cumplimento debe ser regulado, asegurado y fiscalizado por los gobernantes, por ser indispensable a la realización y al desenvolvimiento de lainterdependencia social, y de tal naturaleza que no puede asegurado completa-mente más que por de la intervención de la fuerza gobernante.” 42

Para verificação de quais são as atividades assim consideradas em um dadotempo e espaço histórico temos de nos ater ao critério formal conforme apon-ta Celso Antonio Bandeira de Mello43.

“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidadematerial destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmentepelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta,por si mesmo, ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público –portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –instituídos em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”.Depreende-se então, que serão serviços públicos por absorção todos aquelesassim definidos por nossa Constituição Federal como tais.

No nosso entender, no caso dos serviços públicos, ou outros monopóliosestatais que fazem parte do setor público, as normas emitidas pelas AgênciasRegulatórias são voltadas para os próprios servidores públicos, que devemobservá-las na confecção dos editais de concessão de serviço público, que devemconter a observação de que a prestação do serviço seguirá sua normatização, ounas regulamentações de concessão de licenças, autorizações ou permissões parao exercício das atividades relativas a estes serviços, ainda que por mera liberali-dade realizadas no chamado “regime privado”, que nada mais é do que umregime mais abrandado, mas ainda sob a batuta do poder público.

Os agentes econômicos privados não estão, a priori, sujeitos a estas normas,o que apenas ocorrerá, voluntariamente, na medida em que aderirem aos contratos administrativos para atuarem nas atividades reservadas ao Estado:

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41 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti, Teoria dos Serviços Públicos e sua Transformação, in DireitoAdministrativo Econômico, Malheiros, São Paulo, 2000, pág. 42.42 DUGUIT, Leon, Las Transformaciones Del Derecho Público, 2 ed. Madrid, 1913, pág. 105.43 Ob. Cit. pág. 600.

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adentraram em um negócio jurídico, de caráter público, devendo, portanto,aterem-se as suas regras que decorrem de vínculo contratual.

“O próprio dispositivo constitucional indica o caráter contratual do institutojurídico em questão, correspondente a uma adesão voluntária do ente concessionário,sujeitando-se a certas cláusulas regulamentares, assegurado o equilíbrio econômicofinanceiro, sem o qual deixaria de haver interesse para a prestação do serviço” 44.

No entanto, estas observações não solucionam o problema ora analisado, poisos serviços e produtos para a saúde não dizem respeito à atividade monopolizadapelo Estado, que para exploração pelos particulares depende de adesão aos termosde sua regulamentação; estamos diante de serviços públicos sim, pois podem edevem ser prestados pelo Estado em condições normais, mas de serviços públicosnão privativos já que também podem ser livremente prestados pelos particulares.

b. Produtos e Serviços de Saúde

Muito embora não estejam destinados ao monopólio do Estado por nossaConstituição Federal, os produtos e serviços de saúde podem afetar grandementea própria economia e a sociedade, não apenas seus fornecedores e consumidores.

São as chamadas externalidades que se configuram como efeitos colaterais daatividade econômica, prejudicando ou beneficiando sujeitos que não fazem partedas relações de compra e venda e que, portanto, não podem ser cobrados ou pre-miados, pois estes terceiros são estranhos a esta relação originadora dos efeitos.

Assim, a sociedade que sofre os efeitos desta atividade passa a pressionar opoder político para devolver estes efeitos aos agentes econômicos que partici-pam da relação de compra e venda promovendo, então, a internalização dasexternalidades, o que pode se dar com uma intermediação financeira do Estado,ao recolher impostos mais altos e devolver benefícios para a sociedade, ou dire-tamente pelos agentes econômicos que são levados a assumir obrigações paramitigar ou compensar os prejuízos causados45.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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44 SANCHEZ, C.G. Aspectos da Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enforque Constitucional.1999. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, PontifíciaUniversidade Católica, São Paulo, pág. 36.45 “Se, em virtude dos efeitos externos, custos ou benefícios circulam livremente pela sociedade, atingindo-adiretamente, isto é, sem passar pelos canais do mercado, parece intuitivo dever o seu antídoto basear-se emmecanismos aptos a promoverem a internalização de tais efeitos, ou seja, destinados a levar os custos e bene-fícios a incidirem sobre as próprias unidades responsáveis pela sua geração. Como visto, também, este segun-do aspecto – a internalização de benefícios - é incomparavelmente mais fácil de ser conseguido, pois vai aoencontro da tendência natural do próprio mercado, por definição um maximizador de receitas. As dificul-dades são extremamente sérias quando se trata de internalizar ou privatizar efeitos negativos representadospelos custos sociais. Por isso, em grande parte, as normas jurídicas neste campo têm esta finalidade: promovera internalização daqueles custos pelas suas unidades geradoras; ou então, simplesmente, impedir a própriageração dos mesmos.” NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed., Revistados Tribunais, São Paulo, 2001. pág. 158.

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É bastante evidente esta característica nos produtos e serviços da saúde, poissua utilização gera benefícios para o Estado e para a economia, diminuindo oabsentismo, a queda de produtividade e o abandono de emprego, e ainda, paraa própria sociedade, pois a diminuição dos agravos a saúde é um objetivo detodos os núcleos sociais modernos.

Portanto, os produtos e serviços de saúde fazem parte de um rol de “bens ouserviços” que, muito embora exclusivos, geram um tal montante de externalidadespositivas a ponto de serem cada vez mais vistos, eles próprios, como bens coletivos.É o caso da vacina: aparentemente trata-se de um bem exclusivo, pois protege aquem foi com ela inoculado. Mas, à medida que uma parcela razoável da popu-lação a receba, aumentam as probabilidades de todo o conjunto de habitantes ver-se livre de uma possível epidemia. As altas externalidades fazem a vacina serencarada muito mais como um bem coletivo do que exclusivo.

(...)“Daí o desenvolvimento e a diversificação das modalidades pelas quais o Estado

supre estes bens, quer diretamente, quer mediante a concessão de serviços públicos,quer pela contratação com terceiros, quer, ainda, via incentivos à produção, pelosetor privado, de bens dotados de alto coeficiente de externalidades positivas.” 46

Por esta razão o artigo 197 da Constituição Federal considerou como de“relevância pública” estes serviços cabendo ao “Poder Público dispor, nos termosda lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”.

Temos, então, uma parcela da atividade econômica na qual o Estado, além deinterferir por participação, tem poderes de regulamentação sobre a atividade pri-vada, o que se dá em decorrência da alta carga de interesse público nela envolvi-da. Só não temos os produtos e serviços de saúde como típicos serviços públicospor uma opção do poder constituinte, que não os reservou ao monopólio estatal,muito embora tenham grande relevância para a interdependência social.

“Não se deve confundir o serviço público com o serviço de utilidade pública.Estes não incubem ao Estado, que não os titulariza. Apenas que, em se tratando, deserviço de interesse comunitário, são assim reconhecidos, como ocorre com osserviços educacionais e assistenciais. Aqui, há um grande interesse por parte doEstado em aproximar-se mais intensamente da prestação desses serviços, paraacompanhar e fiscalizar a atividade.” 47

É o que Morenilla48 chama de serviço público impróprio ou virtual, no qualo particular sofre a imposição de uma série de deveres e controles próximos aos

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

46 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed., Revista dos Tribunais, SãoPaulo, 2001, pág. 162.47 TAVARES, André Ramos, ob. cit., pág. 291.48 MORENILLA, José Maria Sauvirón, La Actividad de la Administración y el Servicio Público, Comares,Granada, 1998.

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impostos aos concessionários de serviço público, hipótese evidente no caso dasaúde, conforme aponta Eros Grau, que não usa a mesma nomenclatura deMorenilla, mas classifica os serviços públicos entre privativos e não-privativose aplica as mesmas conclusões quanto à atividade privada nos serviços públicosnão-privativos49.

Embora o direito maior à proteção da vida pelo Estado seja um pressupos-to do próprio pacto social, a saúde passou a constar expressamente comoDireito em nossa Constituição apenas a partir de 1934, passando a figurar emtodas as Cartas Magnas a partir de então 50.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 30 ] estudosFEBRAFARMA

49 “Cumpre distinguir, desde logo, os serviços públicos privativos dos serviços públicos não-privativos. Entre osprimeiros, aquele cuja prestação é privativa do Estado (União, Estado-membro ou Município), ainda queadmitida a possibilidade de entidades do setor privado desenvolvê-los, apenas e tão somente, contudo, emregime de concessão ou permissão (art. 175 da Constituição de 1988). Entre os restantes – serviços públicosnão-privativos – aqueles que em edições anteriores deste livro equivocadamente afirmei terem por substratoatividade econômica que tanto pode ser desenvolvida pelo Estado, enquanto serviço público, quanto pelo setorprivado, caracterizando-se tal desenvolvimento, então, como modalidade de atividade econômica em sentidoestrito. Exemplos típicos de serviços públicos não-privativos manifestar-se-iam nas hipóteses de prestação deserviços de educação e saúde. Assim, o que torna os chamados serviços públicos não-privativos distintos dosprivativos é a circunstância de os primeiros poderem ser prestados pelo setor privado independentemente deconcessão, permissão ou autorização, ao passo que os últimos apenas poderão ser prestados pelo setor privadosob um destes regimes. Há portanto serviço público mesmo nas hipóteses de prestação de serviços de educaçãoe saúde pelo setor privado. Por isso mesmo é que os arts. 209 e 199 declaram expressamente serem livres à ini-ciativa privada a assistência à saúde e o ensino – não se tratassem, saúde e ensino, de serviço público razão nãohaveria para as afirmações dos preceitos constitucionais. Não importa quem preste tais serviços – União,Estados-membros, Municípios ou particulares; em qualquer hipótese haverá serviço público.” GRAU, RobertoE. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, págs. 105 e 106.50 “As quatro Constituições brasileiras anteriores a 1988 passaram a prescrever a assistência à saúde comoDireito dos que trabalham no mercado formal – alijando desse Direito extensos contingentes populacionais– e a determinar como dever do Estado o estabelecimento de normas de proteção à saúde. Da caridade reli-giosa para a responsabilidade do Estado, a assistência à saúde – um componente essencial do Direito à saúde– teve que esperar uma elaboração constitucional distinta, graças a ampla representação da sociedade e dopovo, quando se pactua nova ordem jurídica que reconhece a saúde um Direito social, destacando as ações deVigilância e de defesa do consumidor como obrigação do Estado. Obviamente, a sua realização, uma vez quea saúde se relaciona com as condições materiais de vida, ainda é quimera para muitos – pois, subtraídosdessas mínimas condições – sem contudo deixar de ser problema para as camadas abastadas, seja por fatoresrelacionados com a opulência, seja por fatores relacionados com a tensão social decorrentes, sobretudo, dasdesigualdades, expressando-se em doenças de natureza crônica degenerativa e em agravos do grupo dascausas externas.” COSTA, Ediná Alves. Vigilância Sanitária: Proteção e Defesa da Saúde. 1 ed. São Paulo:Hucitec, 1999, pág. 422. “Mais especificamente “a carta de 1967/1969 estabelece ser de competência da Uniãoestabelecer e executar planos nacionais de saúde, bem como planos regionais de desenvolvimento (art. 8, XIV)e legislar através de normas gerais sobre defesa e proteção de saúde (art. 8, XVII, c). A Constituição de 1946estabelece, dentre as competências da União, legislar sobre normas gerais de defesa e proteção da saúde (art.5, b). A Carta de 1937 dispõe que cabe privativamente à União o poder de legislar sobre normas fundamen-tais da defesa e proteção à saúde, especialmente da saúde da criança (art. 16, XXVII). A Constituição de 1934confere competência concorrente da União, e dos Estados em cuidar da saúde (art. 10, II) e incumbe à União,aos Estados e aos Municípios adotarem medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a mor-talidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis(art. 138, f), de cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais (art. 138, g). Estabeleceainda essa Constituição que a legislação do trabalho observará a assistência médica e sanitária ao traba-lhador (art. 121, h). As Cartas de 1891 e 1824 não mencionam expressamente o Direito à saúde”. ROCHA,Julio César de Sá. Direito da Saúde: Direito Sanitário na Perspectiva dos Interesses Difusos e Coletivos.1 ed. São Paulo: LTR, 1999, pág. 53.

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Na Constituição Federal de 1988, artigo 5, caput, temos garantido o direitoa vida, base do pacto social, uma vez que se o Estado não garante o Direito maisbásico que é a vida de seus cidadãos, certamente perde a razão de sua existên-cia. Faz parte da vida a saúde, que deve ser igualmente protegida pelo EstadoBrasileiro, consoante expressa o artigo 6 da Carta Constitucional.

Especificamente no que concerne à fiscalização das ações relativas à saúde,sejam de serviços ou disponibilização de medicamentos, insumos ou correlatos,são elas de relevância pública, devendo o Estado, além de prestar referidas uti-lidades, exercer sua regulamentação, fiscalização e controle 51.

“A Lei maior da república estipulou critérios para que a saúde seja correta-mente determinada em seu texto. Assim vinculou sua realização às políticas sociaise econômicas e ao acesso ‘as ações e serviços destinados, não só, à sua recuperação’,mas também, ‘a sua promoção e proteção’. Em outras palavras, adotou-se o con-ceito que engloba tanto a ausência da doença, quanto o bem-estar, enquantoderivado das políticas públicas que têm por objetivo, seja apenas a política, seja suaimplementação, traduzida na garantia de acesso – universal e igualitário – às açõese serviços com o mesmo objetivo (C.F., art 196).” 52

Assim, por força do artigo 197 da Constituição Federal, cuja motivação são asexternalidades sociais geradas pelas atividades privadas relacionadas à saúde, bemcomo, em última análise a própria decisão política que foi tomada quando daAssembléia Constituinte, é possível o planejamento vinculante para a iniciativaprivada deste mercado em especial, hipótese típica de intervenção por direção:

“No caso das normas de intervenção por direção estamos diante de comandosimperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômi-ca em sentido estrito – inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram.” 53

É importante notar que a atividade legislativa e regulatória do Estado de-verá obedecer aos princípios do artigo 170 da Constituição Federal, de modoque normas infraconstitucionais que não tenham este sentido serão maculadaspela inconstitucionalidade, sob pena de perda de unidade e consistência daCarta Constitucional, pois “embora não possam os princípios gerar Direitos subjetivos, eles desempenham uma função transcendental dentro da Constituição.

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51 “A Constituição Federal de 1988 introduziu entre nós o termo ‘relevância pública’. Com efeito, a expressãoindica que as ações e serviços de saúde devem ser desempenhados pelo Poder Público e pela iniciativa priva-da como atividade essencial na defesa da vida, configurando, em síntese, um princípio-garantia em benefíciodo cidadão.” ROCHA, Julio César de Sá. Direito da Saúde: Direito Sanitário na Perspectiva dos InteressesDifusos e Coletivos. 1 ed. São Paulo: LTR, 1999.52 DALLARI, Sueli G. Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde. 1 ed. São Paulo: Hucitec, 1995, pág. 30.53 GRAU, Roberto E. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores,2003, pág. 128.

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Eles é que lhe dão vida e estrutura, porque são como a carne no corpo humano,revestindo, portanto, a ossatura do esqueleto. É o que dá feição de unidade ao textoconstitucional, determinando-lhe as diretrizes fundamentais.” 54

Especificamente as normas infralegais de regulação no setor de saúdesomente serão constitucionais se afinadas com os objetivos contidos no artigo196 da Constituição Federal, quais sejam “a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua pro-moção, proteção e recuperação”, pois o legislador constituinte fornece a orien-tação a ser seguida pelo legislador infraconstitucional.

Este ponto tem fundamental importância para o nosso trabalho e merece serobservado com maior atenção, pois a despeito de sua simplicidade traz conse-qüências importantes para a análise da validade da legislação infraconstitucionalsob uma ótica incomum para a maioria dos que lidam com o direito atualmente.

Como é sabido, a Constituição Federal além de conter em si o processo decriação de novas normas jurídicas, sejam infraconstitucionais, ou de fiel exe-cução de lei, e ainda das próprias emendas constitucionais, fixa o conteúdo dasnormas infraconstitucionais, na medida em que limita este conteúdo negativa-mente, vale dizer, uma norma infraconstitucional não pode ser contrária a umditame constitucional, pois se o for não será parte do sistema jurídico, já quecarente de fundamento de validade.

Na maior parte da nossa Constituição temos esta fixação de conteúdoatravés de dispositivos constitucionais que simplesmente criam direitos ouobrigações, para sujeitos que se enquadrem nas condições hipotéticas definidaspor estes dispositivos.

É bem verdade que tais direitos e obrigações são atribuídos de maneiramuito genérica, de modo que permitem a sua especialização e procedimenta-lização pela legislação infraconstitucional, algumas vezes até com conceitosvagos que são preenchidos conforme sua interpretação pela sociedade em umdeterminado tempo e que, portanto, pode variar com sua evolução.

Mas de qualquer forma, nestes casos, a leitura do texto da Constituição,preenchendo estes conceitos abertos, e a leitura do texto das normas infra-constitucionais são o suficiente para se perquirir a validade desta norma.

Contudo, no capítulo da saúde o constituinte originário utilizou outroinstrumental, conferiu um objetivo a ser alcançado pelo Estado, Estado comojunção dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, dando uma verdadeira missão a ser perseguida pelo Estado Brasileiro, qual seja, a ampliaçãodo acesso à saúde para a população brasileira.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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54 BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

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Esta técnica faz com que a análise de validade da norma infraconstitucionalnão possa ser feita simplesmente contrastando seu texto com o texto constitu-cional, é necessário fazer uma análise prospectiva dos possíveis resultados desua aplicação, não se olha para o presente ou para o passado. O aplicador dodireito deve olhar para o futuro e buscar prever os resultados da aplicaçãodaquela norma, para verificar se estes estão de acordo com o determinado pelaConstituição55.

Neste aspecto nos será útil a teoria pura do Direito de Hans Kelsen56, porquenos interessa analisar a validade das normas que conferem o poder regulamen-tar relacionado ao mercado de saúde.

Para Kelsen, o Direito é criado pela chamada norma jurídica fundamental,que não passa de uma pré-suposição teórica, um artifício utilizado para evitarquestionamentos e aprofundamentos fora do próprio Direito. Desta forma,Kelsen cria uma teoria pura do Direito, não questionando o poder, apenas estu-dando o sistema jurídico formado por normas postas, cujo fundamento de validade será a norma hipotética fundamental.

Kelsen vê dois princípios em todo ordenamento jurídico: o estático e odinâmico. Conforme a dinâmica jurídica, a norma fundamental é desprovida deconteúdo, conferindo apenas e tão-somente competência para a criação daConstituição, que poderá ter qualquer conteúdo conforme verificamos ao elen-car as Constituições acima.

Importante notar que Kelsen foi muito criticado ao assim se posicionar,pois para ele tanto uma Constituição democrática quanto nazista seriam igual-mente válidas, o que é real se analisado o ponto de vista exclusivo da lógica formal puramente jurídica.

A Constituição terá normas procedimentais para a criação de leis e suasrespectivas competências, e também normas que fixam, a partir de conceitosgerais, o conteúdo das normas infraconstitucionais.

A partir desta limitação de conteúdo válido, tem início a estática do sistemajurídico na medida em que as normas infraconstitucionais terão como funda-mento de validade a própria Constituição, e seu conteúdo não poderá con-trastar com o nela fixado.

No caso específico dos artigos 196 e 197 da Constituição Federal, estestrazem proposições voltadas para um resultado que deve ser buscado no âmbito

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

55 “As diretrizes constitucionais, que estabelecem obrigação de resultado, vinculam o aplicador ou intérprete,condicionando a legalidade da norma a submissão aos fins nelas declarados.” DALLARI, Sueli G. Os EstadosBrasileiros e o Direito à Saúde. 1 ed. São Paulo: Hucitec, 1995, pág. 28.56 KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 3 ed. brasileira, Martins Fontes, São Paulo, 1991.

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do mundo concreto. São determinações da atuação do Estado como PoderExecutivo e Legislativo.

Sendo assim, a conduta do Estado Poder Executivo será a busca cada vezmaior da utilidade pública em saúde, conforme lhe permitirem seus orçamen-tos. Para o Estado Legislador, que não entrega diretamente a utilidade pública,fica a obrigação de produzir normas jurídicas que também possam gerar nomundo fenomênico tais efeitos concretos de ampliação do acesso da populaçãoaos produtos e serviços de saúde.

Faz-se pertinente aqui um questionamento: se as normas jurídicas são criadas para produzirem efeitos no futuro, no caso específico para provocaremum comportamento nos agentes econômicos – seja indutiva ou coercitivamente– que deverá resultar na criação futura de utilidade social, como então avaliar aconstitucionalidade destas normas?

Essa validade deverá ser analisada de acordo com seus aspectos funcionaise prospectivos, ou seja, uma análise de sua validade segundo um estudoeconômico de seus efeitos possíveis, para verificar se propiciarão ou não osefeitos determinados pela Constituição.

Esta proposição não parte de uma idéia de direito alternativo ou de umatentativa de quebra das estruturas positivistas do Direito. Pelo contrário, foi olegislador constituinte, que ao fixar o conteúdo das normas infraconstitucionaiso fez não da forma tradicional, delineando uma hipótese de incidência e umaconseqüência, mas sim fixando objetivos que devem ser alcançados no mundoconcreto pelas normas infralegais.

Porém, nem o aplicador do direito e, sequer a própria ciência do direito, sãoaparelhados para fazer este tipo de análise prospectiva, de construção decenários futuros, o que pode criar uma instabilidade jurídica terrível, que deses-truturaria o próprio sistema jurídico se deixada ao sabor das preferências pes-soais de cada aplicador do direito e, especialmente, de cada julgador em umcasuísmo absolutamente deletério.

Nos parece que o receio deste futuro incerto é que acaba gerando umareação de negação na classe jurídica, entretanto, não adianta negar, os artigos196 e 197 da Constituição Federal de 1988 estão assim redigidos, não cabendoà classe jurídica rejeitar no todo ou, em parte, uma norma constitucional váli-da, devendo aplicá-la nos seus exatos termos, considere isto bom ou ruim.

Na nossa opinião, a redação dos referidos dispositivos constitucionais destamaneira confere uma garantia ao cidadão brasileiro, necessária em face dopoder conferido ao Estado, de regulamentar a atividade econômica até substi-tuindo as regras de mercado, como no caso em tela, o estabelecimento de obje-

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 34 ] estudosFEBRAFARMA

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tivos que devem ser alcançados com este poder é um freio eficaz no seu dire-cionamento para os interesses sociais.

Resta então o problema de como aplicar referida análise prospectiva de va-lidade de normas jurídicas, evitando o casuísmo. Nos parece que a solução é,simplesmente, buscar em outras ciências humanas os mecanismos para a cons-trução destes cenários futuros, de maneira que possa ser validada ou contesta-da em bases concretas.

Esta ciência é justamente a economia, é a ciência econômica que se ocupade estudar a alocação de recursos escassos, no nosso caso produtos e serviçospara saúde, analisando os comportamentos do mercado, para descobrir quaissão as variáveis determinantes de suas reações e, com base nisto, realizar pre-visões e criar cenários futuros factíveis.

Não se trata aqui de submeter todo o sistema jurídico a uma perspectivaeconômica, mas simplesmente de se utilizar o instrumento adequado quandoisto é determinado pelo próprio sistema jurídico.

Sendo assim, a validade das normas jurídicas infraconstitucionais que te-nham por fundamento os artigos 196 e 197 da Constituição Federal de 1988,está condicionada à análise econômica dos resultados de sua aplicação e, é poresta razão, que o presente trabalho, a despeito de seu objeto jurídico, trata emtantas linhas das questões econômicas relativas aos medicamentos.

As questões econômicas são expostas neste trabalho para verificar se con-forme a ciência econômica indicada pelo próprio direito constitucional comocritério de validação das normas infraconstitucionais, as atuais leis que tratamda matéria de ampliação do acesso da população aos medicamentos, no caso viacontrole de preços, são válidas do ponto de vista do sistema jurídico, se têm sus-tentação nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal que são seu fundamen-to de validade.

Da mesma forma que no campo econômico geral as normas devem se ateraos princípios da atividade econômica contidos no artigo 170 da CartaConstitucional, sob pena de invalidade perante o sistema57, as normas infra-constitucionais relativas à regulação da atividade econômica pública ou privadaem saúde devem ampliar o acesso universal e igualitário aos serviços a ela rela-cionados, de modo que as leis contrárias a este objetivo serão inconstitucionais.

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57 “Assim, a ordem econômica de que cuido, a ser complementada pelo legislador ordinário, no quadro de seusprincípios – e, saliento, não há nenhum mal em que a Constituição a ele atribua esta tarefa, de dar concreçãoaos princípios – veiculada a uma ideologia que não se fecha em si própria. Esse modelo há de ser complemen-tado pelo legislador ordinário, evidentemente tangido, também, pelos princípios e regras contempladas nobojo da Constituição.” GRAU, Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo:Malheiros Editores, 2003. pág. 269.

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No tocante à parcela da saúde provida pelos particulares, as normas infra-constitucionais deverão prover condições, segundo o sistema de livre concor-rência material, para que a atuação dos agentes econômicos no mercado gere talampliação de acesso à saúde para as pessoas, de modo que as normas que nãotiverem esta orientação serão inconstitucionais por contrariarem os princípiosda atividade econômica constantes do artigo 170 da Constituição Federal.

A imprescindível aplicação harmonizada58 dos artigos 170, 196 e 197 daConstituição Federal resulta que o conteúdo das normas infraconstitucionaissobre a matéria de saúde deverão sempre garantir a ampliação do acesso pelapopulação preservando a livre concorrência material com o combate das falhasdo mercado em questão.

É importante salientar que o presente estudo não tem a pretensão de tratarde toda a regulamentação das atividades de saúde, mas tão-somente do regula-mento de preços de medicamentos, deixando de lado as atividades de saúdesuplementar que têm vasta regulamentação realizada pela Agência Nacional deSaúde Suplementar (ANS).

Tampouco se pretende tratar mais do que o necessário para o alcance dos obje-tivos deste estudo. Não será analisada a integralidade da atividade da AgênciaNacional de Vigilância Sanitária, que foi criada em 1999 para substituir a Secretariade Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde e cumulou suas competências eacervo com novas competências que lhe foram atribuídas, mas que exerce apenasa regulamentação técnica de produtos e serviços para evitar a exposição da popu-lação a riscos, incluindo no conceito de risco a ineficácia do produto.

Porém, para a compreensão de alguns aspectos deste trabalho é necessáriomencionar que atualmente a ANVISA tem as seguintes atribuições:

(i) Conceder autorização de funcionamento para empresas que exploremprodutos de interesse da saúde;

(ii) Realizar o registro ou emitir certificado de dispensa de registro para osprodutos de interesse da saúde;

(iii) Emitir normas técnicas relacionadas aos produtos e serviços de inte-resse da saúde, exceto as fontes de financiamento que estão regulamentadas pelaANS, e relativas as empresas produtoras ou prestadoras de serviços de saúde;

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 36 ] estudosFEBRAFARMA

58 CLÈVE, Clémerson Merlin e FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Algumas Notas sobre Colisão de Direitos Fundamentais, in Estudos de Direito Constitucional em Homenagem a José Afonso da Silva, 1 ed. SãoPaulo, 2003, pág. 237.

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(iv) Intervir, temporariamente, na administração de entidades produtorasfinanciadas com recursos públicos assim como nos prestadores de serviço oufabricantes de produtos exclusivos ou estratégicos;

(v) Coordenação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), doPrograma Nacional de Sangue e Hemoderivados e do Programa Nacional dePrevenção e Controle de Infecções Hospitalares;

(vi) Monitoramento de preços de medicamentos e de produtos para a saúde;

(vii) Atribuições relativas à regulamentação, controle e fiscalização da pro-dução de fumígenos;

(viii) Suporte técnico na concessão de patentes pelo Instituto Nacional dePropriedade Industrial (INPI);

(ix) Controle da propaganda de produtos sujeitos ao regime de vigilânciasanitária;

(x) Controle de portos, aeroportos e fronteiras e a interlocução junto aoMinistério das Relações Exteriores e instituições estrangeiras para tratar deassuntos internacionais na área de vigilância sanitária;

(xi) Promover a proteção da saúde da população por intermédio do con-trole sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços sub-metidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, processos, insumos etecnologias a eles relacionados;

(xii) Requisitar informações nos casos de infração a ordem econômica, paraposterior encaminhamento para o Conselho Administrativo de DefesaEconômica (CADE) em caso de suspeita de infração a ordem econômica.

No controle sanitário que é exercido pela ANVISA estão incluídas as competências para a emissão de regras do exercício da atividade de extração,produção, fabricação, transformação, sintetização, purificação, fracionamento,embalagem, reembalagem, importação, exportação, armazenagem de medica-mentos, drogas, insumos farmacêuticos e correlatos, produtos de higiene, cos-méticos, perfumes, saneantes domissanitários e produtos destinados à correção

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

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estética, bem como a prestação de serviços de saúde, como clínicas, hospitais,unidades de tratamento e laboratórios de análise e registro de alimentos.

Além da competência para a emissão de regras para as atividades acima rela-cionadas, a ANVISA partilha com as Secretarias de Vigilância Sanitária Estaduaise Municipais competência para a fiscalização desses estabelecimentos da se-guinte forma: as Secretarias têm a competência específica de fiscalização cor-riqueira das empresas que realizem estas atividades e a ANVISA exercerá a fisca-lização quando da concessão de suas autorizações e certificados podendo, ainda,agir em cooperação com as Secretarias em regime de competência concorrente.

Em termos gerais, as empresas que pretendam exercer as atividades deinteresse da saúde são reguladas por normas técnicas infralegais específicas edeverão possuir três documentos essenciais, que devem estar válidos constante-mente para o exercício regular da atividade e devem ser exigidos para a parti-cipação em concorrências públicas:

(i) Autorização de Funcionamento para o exercício da atividade específica,relativa a pessoa jurídica que a exerce, emitida pela ANVISA uma única vez;

(ii) Licença de Funcionamento concedida pela Secretaria de Vigilância Es-tadual ou Municipal, conforme o caso, relativa ao estabelecimento onde a ativi-dade é exercida, que deve ser renovada anualmente;

(iii) Certificado de Boas Práticas da atividade (alguns ainda estão sendo regulamentados, mas é consistente a tendência de regulamentação específicados requisitos de emissão do certificado por atividade) relativo ao estabeleci-mento, o qual é emitido pela ANVISA e renovado anualmente.

As penalidades que podem ser aplicadas tanto pela ANVISA quanto pelasSecretarias de Vigilância Sanitária podem ser de advertência, multa, suspensãode exercício da atividade ou revogação das autorizações e licenças.

No caso de medicamentos, todas as suas apresentações que se pretendecomercializar devem ser registradas perante a ANVISA para a aferição de suaeficácia e periculosidade com referência às suas propriedades terapêuticas eriscos, bem como a sua bula e embalagem, sendo alguns classificados como devenda livre, outros como sujeitos a prescrição e, ainda, de venda controlada pelaretenção da receita. Em qualquer caso, os medicamentos só podem ser comer-cializados após o deferimento voluntário ou automático do seu registro.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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Existe ainda a possibilidade de dispensa de registro para medicamentos queconstem da Farmacopéia Brasileira, sendo necessária a solicitação deCertificado de Dispensa de Registro.

Atualmente, no Brasil, existem três categorias de medicamentos:

(i) Os inovadores ou de referência, que contêm princípio ativo ou combi-nação de princípios ativos inédita e que devem apresentar estudos suficientespara demonstrar sua eficácia e seus efeitos colaterais, bioequivalência,biodisponibilidade, estudos clínicos, dentre outros;

(ii) Os similares, que contêm os mesmos princípios ativos que os de refe-rência, mas são vendidos ostentando marca comercial;

(iii) Os genéricos, que contêm os mesmos princípios ativos dos de referên-cia, devendo apresentar estudos de bioequivalência e de biodisponibilidade parademonstrar que têm a mesma atuação dos de referência e são vendidos osten-tando o princípio ativo e marca distintiva como medicamento genérico.

As vantagens do medicamento genérico para o laboratório farmacêutico,apesar do custo dos testes apresentados, são a intensa propaganda governamen-tal sobre sua segurança, a possibilidade de serem vendidos em substituição aomedicamento de referência contido na receita, desde que a troca seja feita pelofarmacêutico e a preferência para compras governamentais.

Como já observamos, para alcançar o tema, além do estudo do Direito,teremos que analisar alguns aspectos econômicos para verificar a forma da regulação imposta pelo Estado brasileiro no tocante às atividades de saúde e sua conveniência em comparação com os resultados gerados pela liberdade de mercado, pois “se o sistema de mercado assegura o uso eficiente dos recursos paraa produção de bens de caráter privado, a regulamentação tem como condiçãonecessária a existência de falhas de mercado” 59.

estudosFEBRAFARMA [ 39 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

59 PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.pág. 230.

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Mercado de Medicamentos

QUALQUER relação de compra e venda envolve os mesmos aspectos básicos:um vendedor, um produto ou serviço, um comprador e um pagamento, cujarepresentação é o preço. Em uma relação simples entre dois indivíduos, estesnegociam até comporem um equilíbrio satisfatório de seus interesses contra-postos sendo, então, realizado o negócio.

Normalmente teremos mais de um vendedor e mais de um comprador etambém mais de um produto ou serviço que podem ser comprados, seja umsubstituto do outro ou não, de modo que temos uma grande interação entretodas estas variáveis.

“Dentro de um modelo de pura concorrência, supõe-se sempre ser a quantidadeprocurada uma função do preço, isto é, os consumidores irão amoldar o seu desejode obter determinado bem ou serviço ao preço por eles encontrado no mercado.” 60

O estudo das relações verdadeiras que se estabelecem entre as diversas com-binações de tais variáveis é feito através de uma abstração que pretende isolar oambiente em que elas ocorrem, o chamado mercado.

O mercado pode ser estudado em suas características globais ou segmenta-do nos chamados mercados relevantes, que comporão o ambiente em quedeterminados agentes econômicos interagem entre si. Em geral os mercados relevantes são definidos por produtos passíveis de serem intercambiados 61.

O mercado relevante é o ambiente em que as empresas efetivamente com-petem entre si pela compra, pelo dinheiro de seu consumidor em relação a pro-dutos intercambiáveis.

Esse ambiente pode ser segmentado tanto geograficamente, quanto emrelação ao próprio produto. Para definição geográfica do ambiente importa a verificação da mobilidade dos consumidores para a compra dos produtos em um ou noutro território.

Dessa forma, temos que apenas produtos intercambiáveis estarão incluídosem um mercado relevante por conta da possibilidade do consumidor substituirlivremente um pelo outro e satisfazer sua necessidade.

No caso dos medicamentos, a definição de mercado relevante será simples

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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60 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: RT, 2001. pág. 227.61 “A delimitação material do mercado é feita a partir da perspectiva do consumidor. O mercado relevanteabrange todos os produtos ou serviços pelos quais o consumidor poderia trocar, razoavelmente, o produto ouserviço acerca de cuja produção ou distribuição se pesquisa a ocorrência de infração contra a ordem econômi-ca. Se a mercadoria ou o serviço pode ser perfeitamente substituído, de acordo com a avaliação do consumi-dor médio, por outros de igual qualidade, oferecidos na mesma localidade ou região, então o mercado rele-vante compreenderá também todos os outros produtos ou serviços potencialmente substitutos. A definiçãogeográfica e material do mercado relevante, portanto, apenas pode ser feita mediante análise casuística.”COELHO, Fábio U. Direito Antitruste Brasileiro: Comentários a Lei 8.884/94. 1 ed. Saraiva: São Paulo,1995, pág. 58.

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ao se tratar de medicamentos com o mesmo princípio ativo, contudo a situaçãose torna um tanto complexa em outras hipóteses, pois a definição do que serámercado relevante ainda deve levar em conta dois fatores:

(i) A intercambialidade de distintos princípios ativos para o tratamento damesma moléstia, inclusive com a comparação da eficácia, conforto do pacientee efeitos colaterais e;

(ii) A intercambialidade entre os diversos tipos de tratamento, também coma comparação de eficácia, conforto do paciente e efeitos colaterais.

A questão torna-se complexa, pois com o desenvolvimento da ciência, umamesma moléstia ao longo do tempo vai tendo o seu combate aperfeiçoado, demodo que diversas terapias e medicamentos podem ser indicados para o trata-mento de uma única doença.

Assim, “a escolha do tratamento, incluindo o medicamento eventualmenteprescrito, define a Concorrência Intermarcas, isto é, dos princípios ativos entre si” 62,sendo que, considerando o número de drogas possíveis para a realização dotratamento, multiplicando cada droga pelo número de seus fabricantes, teremoscomo resultado a medida da concorrência no tratamento específico. Contudo,se o tratamento definir apenas um tipo de droga teremos de analisar se ele podeser intercambiado por outro.

De toda sorte podemos ainda incorrer no que Ana Maria Nusdeo63 chamade concorrência monopolística, que ocorre quando não há realmente ummonopólio ou oligopólio. Contudo, na visão do consumidor há diferenciaçõesentre os produtos que fazem com que um não concorra com o outro em razãoda inocorrência da percepção da intercambialidade64.

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

62 FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo Econométricoda Indústria Farmacêutica Brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 13.63 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira, Defesa da Concorrência e Globalização Econômica, 1 ed., Malheiros, SãoPaulo, 2002, pág. 35.64 “Podemos distinguir duas fontes de diferenciação de produto: real e informacional. A primeira, relativamentemenos importante para a determinação de barreiras à entrada, consiste na diferença de atributos físicos ou loca-cionados entre o produto de uma firma estabelecida e os produtos da firma entrantes. Uma empresa já reconhecidano mercado pode apresentar um produto que atenta com maior acuidade aos elementos demandados pelos consu-midores, de tal modo que estes possam aceitar pagar um preço superior àquele que seria obtido pelo produto das fir-mas entrantes. Diferenciação do produto real é especialmente relevante na concorrência entre marcas conhecidas dosconsumidores, não sendo característica tão importante na concorrência entre uma firma estabelecida e os concor-rentes potenciais entrantes. Não havendo segredos industriais, patentes para a exploração do produto ou propriedadede ativos exclusivos, as firmas entrantes poderão produzir produtos idênticos aos da firma estabelecida. Mais rele-vante para o estabelecimento de barreiras à entrada é a diferenciação de produtos de caráter informal. Os produtosde uma firma estabelecida podem ser preferidos por dois motivos. De um lado, o acúmulo de esforços de propagan-da e marketing tornam uma marca conhecida, o que informa ao consumidor sobre as características do produto. Emigualdade de condições, o consumidor irá preferir o produto do qual ele tem informações (isto é, o produto da firmajá estabelecida), o que caracteriza uma barreira à entrada. De outro lado, o consumo continuado do produto já esta-belecido, mesmo sem esforços de propaganda e marketing, estabelece reputação sobre suas características. Essa re-putação pode garantir a fidelidade do consumidor, o que corresponde, mais uma vez, a uma barreira de entrada.”PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. pág. 211.

Page 41: Controle de Preços de Medicamentos

Do nosso ponto de vista, o mercado relevante em medicamentos será definido

pelos tratamentos e respectivas drogas disponíveis para o combate da doença e

neste ambiente é que se deverá buscar a existência ou não de concentração.

“Deve ser observado que, embora se estabeleçam critérios para a definição do

mercado relevante, sua aplicação – e mesmo o próprio estabelecimento dos critérios

– pode levar a diferentes resultados. Ora ampliando excessivamente o mercado em

questão, ora restringindo-o. Em geral, sua delimitação mais ampla tende a des-

caracterizar a exigência de poder de mercado, pois mais produtos serão tidos como

sucedâneos. Ao contrário, sua delimitação muito estreita implicará a identificação

de um poder de mercado possivelmente superestimado. A insistência de critérios

únicos de definição do mercado relevante e sua influência na análise da existência

de poder de mercado propicia uma margem de discussão sobre suas fronteiras pelas

partes envolvidas numa operação sob exame de autoridades antitruste e, mesmo, a

divergência da doutrina com relação aos critérios mais acertados para a definição

do mercado relevante. Nesse último caso, freqüentemente, a discussão tende a um

caráter ideológico. Assim, aqueles adeptos de uma política antitruste mais severa,

confiantes na necessidade de prevenir a concentração de poder de mercado, ten-

derão a defender critérios de definição do mercado relevante mais restritivos. O

contrário se passará com os defensores de uma maior margem de liberdade

econômica, que acreditam na possibilidade de concorrência mesmo em cenários de

maior concentração econômica.” 65

Nos mercados relevantes, as empresas concorrem entre si pela preferência

do consumidor pelo produto ou serviço específico oferecido por elas, buscan-

do uma situação de conforto onde não sofra ataques de outras empresas para

deslocar este consumidor 66.

Na visão liberal clássica o mercado teria condições de se auto-regular geran-

do um ótimo aproveitamento dos bens econômicos através da competição de

seus participantes.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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65 NUSDEO, Ana Maria O. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica: o Controle daConcentração de Empresas. 1 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, págs. 30 e 31.66 “A concorrência deve ser entendida como a luta entre as firmas pelo estabelecimento de poder de mercado;é o processo de ‘enfrentamento’ das firmas como representantes dos diversos capitais individuais, isto é, comounidades de valorização e expansão do capital global. Alimentada pelo progresso técnico, a concorrência é umprocesso de criação constante, embora descontínuo, de assimetrias entre as firmas. O mercado é onde a con-corrência acontece, onde esta atua como portadora de inovações e de mudanças qualitativas responsáveis pelaseleção de agentes aptos ao processo. A firma opera sempre na tentativa de concentrar o mercado a seu favor,como se a situação de monopólio fosse seu objetivo no processo de concorrência.” (POSSAS, 1996). SENHO-RAS, Elói Martins, Defesa da concorrência: Políticas e perspectivas; Caderno de Pesquisas emAdministração, v. 10, nº 1, janeiro/março 2003.

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“Na concorrência perfeita, o preço surge natural e objetivamente da interaçãorecíproca dos inúmeros agentes em presença. Funciona soberana, sem ressalvas à leida oferta e da procura, e tanto consumidores como compradores pautam suasdecisões única e, exclusivamente, pelas suas utilidades em cotejo com o preço obje-tivamente fixado pelo mercado, que é único para todos eles. Diz-se que nele o con-sumidor é rei, já que todo o aparato produtivo se expandirá ou se contrairá emfunção do que ele, consumidor, decidir (princípio da soberania do consumidor). Osprodutores tenderão a oferecer o máximo de quantidade compatível com os seuscustos. Irão, portanto, até o ponto em que o preço iguale o seu custo marginal,deixando de oferecer os bens quando por excesso de oferta o preço de mercado cairabaixo do custo marginal.”67

Contudo, a existência de tais mercados não passa de uma abstração namedida em que as condições para sua existência não estão presentes, exceto emocasiões muito raras e efêmeras 68, quais sejam:

(i) Tamanho número de produtores e consumidores, que estes sejam inca-pazes de individualmente afetar a conduta dos demais concorrentes (inexistên-cia de poder de mercado);

(ii) Homogeneidade dos produtos – os consumidores trocam, livremente,um produto pelo outro, apenas por influência do preço;

(iii) Acesso pleno às informações, tanto por parte de consumidores quantode fornecedores, de modo que todos conheçam os produtos, os níveis de con-sumo e preços praticados no mercado;

(iv) Mobilidade total dos fatores de produção e agentes do mercado (inexistência de barreiras para entrada e saída), onde qualquer agente econômi-co pode assumir qualquer posição neste mercado;

(v) Inexistência de economias de escala de produção, o que, em nossaopinião, está incluído na mobilidade total, na medida em que a necessidade de

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

67 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: RT, 2001, pág. 264.68 “Uma presunção básica para a funcionalidade dos mercados sempre foi a de serem os fatores de produçãodotados de razoável mobilidade, a fim de poderem reagir aos sinais indicativos, representados pelos preços, osquais promoveriam em curto tempo os deslocamentos necessários a fim de se reverterem automaticamentecertas situações indesejáveis. A essa capacidade de autocorreção do mercado chamou-se de automatismo. E onome é bom, porque os empresarios-produtores eram vistos como autômatos, para, guiados pelo seu hedonis-mo, poderem responder rápido e fielmente às decisões soberanas do consumidor-rei, via impulsos do sistemade preços. Tal agilidade, entretanto, na prática não ocorre. Existe, isto sim, uma rigidez mais ou menos pro-nunciada em quase todos os fatores, impedindo-lhes esses deslocamentos céleres automáticos e oportunos.Rigidez de toda ordem: física, operacional, institucional, psicológica.” NUSDEO, F. Curso de Economia:Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: RT, 2001, págs. 139 e 140.

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um investimento ou alcance de uma escala de produção obviamente será uma barreira;

(vi) Inexistência de externalidades. Posteriormente, o conceito será melhorexplorado, mas por agora podemos tê-lo como malefícios ou benefícios nãorefletidos no preço do produto.

Um instrumento importante para a análise do comportamento dos agenteseconômicos nos mercados relevantes é a Teoria dos Jogos 69. Os matemáticossempre estudaram os jogos do ponto de vista da análise das variáveis possíveise prováveis, de modo que, com o avanço dos estudos de lógica e probabilidades,foi-se desenvolvendo a Teoria dos Jogos, que teve sua aplicação em economiaestudada já na primeira metade do século XIX, quando Augustin Cournot ana-lisou a questão da interdependência nas situações de duopólio.

Diversos outros trabalhos influenciaram a Teoria dos Jogos, como porexemplo, quando o matemático alemão Zermelo provou o teorema de que nosjogos não-cooperativos de duas pessoas, com ações seqüenciais e informaçãocompleta, é possível determinar todas as jogadas. O mesmo ocorreu em 1944 nolivro Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico, pelo matemático Jonhvon Neuman e o economista Oskar Morgenstein.

Porém, uma contribuição que pode ser considerada decisiva foi dada nosanos 50 por John Nash, ante a descoberta do chamado equilíbrio de Nash (tam-bém chamado equilíbrio de Nash-Cournot), segundo o qual em jogos não-cooperativos é possível uma solução estável (que não leva ao arrependimento

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[ 44 ] estudosFEBRAFARMA

69 “Os jogos, que são objeto de análise econômica, por constituírem método de investigação científica, têmconotação específica e tratamento formal, que é fornecido pela Teoria dos Jogos. Esta tem como objetivo aanálise de problemas por meio da interação entre os agentes, na qual as decisões de um indivíduo, firma ougoverno afetam as decisões dos demais agentes ou jogadores ou vice-versa. A teoria dos jogos, definida comoestudo das decisões em situação interativa, não se restringe à Economia, sendo também bastante utilizada emCiência Política, Sociologia, estratégia militar, entre outras. Dentro da Economia, ou da Microeconômica, ateoria dos jogos procura analisar o processo de tomada de decisão em situação um pouco diferente da pre-conizada pela concorrência perfeita. Do mesmo modo que a concorrência perfeita, parte-se do pressupostoque os agentes tomam decisões intencionalmente, ou seja, procurando atingir um objetivo, e racionalmente –as ações tomadas são consistentes com a busca do objetivo. Além disso, na teoria dos jogos, assim como naMicroeconômica clássica, pressupõe-se comportamento maximizador, ou seja, o agente toma as decisõesprocurando ‘maximizar’ seus objetivos, buscando o máximo lucro, a máxima satisfação, entre outros. O quediferencia a teoria dos jogos é o ambiente no qual essas decisões (intencionais, racionais e maximizadoras)são tomadas. Na microeconômica tradicional, o agente decide com base em um conjunto de informações,num ambiente dito paramétrico, ou seja, ambiente em que o resultado depende apenas da sua decisão, nãoimportando as ações dos demais agentes. Já em teoria dos jogos, trabalha-se com o chamado ambienteestratégico, no qual o resultado de determinada ação depende não apenas dela, mas também das ações dosoutros tomadores de decisão.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed.São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 244 e 245.

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dos jogadores) quando os jogadores fizerem opções que lhes garantam umasituação favorável por força da opção dos demais, ou seja, ainda que não seja aopção ótima, que poderia ser impedida pelas opções dos outros jogadores, valenotar que pelo jogo de variáveis é possível ser alcançada mais de uma soluçãoestável, de modo que a análise dependerá de refinamentos relativos as per-cepções e preferências dos jogadores.

“Os jogadores são agentes econômicos que tomam decisões. São consumidoresbuscando maximizar sua satisfação, firmas que procuram maximizar seu lucro ouaumentar sua fatia no mercado, investidores que devem decidir entre tomar ou nãoum empréstimo, bancos que têm de decidir se concedem ou não empréstimos, oumesmo o governo que tem de tomar a decisão de implementar determinada medi-da econômica. Esses jogadores são, a princípio, considerados racionais e têm prefe-rências em relação aos resultados do jogo. Na tomada de decisão, eles procurammaximizar suas preferências.” 70

É interessante observar a contribuição desta análise ao debate relativo aeficácia das agências regulatórias independentes, que são criadas com o objeti-vo de aumentar a eficácia do jogador Governo ao aumentar a sua agilidade naresposta aos movimentos dos demais jogadores – agentes econômicos.

Neste aspecto específico fazemos uma pequena digressão para cruzar comestas observações outra teoria que nos parece também de grande utilidade,especialmente no tocante a necessidade da velocidade da regulação estatal,trata-se da Teoria dos Sistemas de Nilkas Lhumann.

A Teoria dos Sistemas parte da análise da comunicação compartilhada parao exercício de uma determinada função na sociedade moderna.

Os diversos tipos de comunicação são definidos pelos códigos utilizadosnestas mesmas comunicações, que conformam sistemas com funcionamentointerno auto-referencial que os diferencia do ambiente no qual se encontram.Assim, temos diversos sistemas no ambiente da sociedade moderna: sistemapolítico, sistema jurídico e sistema econômico, apenas para citar os que nosinteressam no momento.

Tais sistemas são operativamente fechados, pois o pressuposto de umacomunicação sempre será outra comunicação (autopoiese). Contudo, são cognitivamente abertos, já que estão sujeitos a “irritação” pelos outros sistemas(para o qual são meramente o ambiente), ou seja, traduzem e processam comu-nicações vindas de outros sistemas.

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

70 PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003,pág. 247.

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As informações recebidas de um sistema pelo outro são selecionadas eprocessadas de acordo com os rituais e regras do sistema receptor. Tal comuni-cação dá-se através dos chamados acoplamentos estruturais.

Assim, para Lhumann o sistema jurídico está acoplado estruturalmente aosistema econômico, através dos contratos e da propriedade, e ao sistema políti-co através da Constituição, por razões e formas que adiante veremos.

Na sociedade moderna a enorme possibilidade de escolhas gera uma altacomplexidade, pois após uma escolha sempre surgirá seu desdobramento emdiversas escolhas decorrentes e assim por diante.

Surge então o Direito, que tem como uma de suas funções restringir onúmero de escolhas possíveis, através do código lícito e ilícito. O Direito alcançaeste resultado com a aplicação de modais deônticos que banem da possibilidadedas condutas lícitas aquelas que se quer evitar, dando ao sujeito de direitos eobrigações menos opções de escolhas válidas reconhecidas pelo sistema.

Desta forma, o Direito alcança uma generalização congruente das expecta-tivas normativas, já que todos “sabem a regra do jogo”, todos sabem quais são ascomunicações possíveis no sistema, posto que o Direito garante que as comuni-cações vedadas, os atos ilícitos, serão objeto de uma decisão previamente pro-gramada pelo próprio sistema através de um “gatilho” bicondicional 71.

Os acoplamentos estruturais decorrem da prestação que um sistema deentrega para o outro e das interferências que um sistema gera no outro porconta desta prestação.

Existe um duplo intercâmbio de prestações entre o sistema jurídico e o sis-tema político.

O sistema político, através do Congresso, cria as normas jurídicas e, destamaneira, define as expectativas normativas que servirão para o sistema jurídicoaplicar o código lícito e ilícito, de onde se nota que o sistema político se utilizade um outro código também binário, qual seja, o de governo/oposição ou demaioria/minoria.

Por isso é que o acoplamento estrutural entre os sistemas dá-se através daConstituição, porque lá é onde se encontra o ritual por meio do qual o sis-tema jurídico recebe comunicações do sistema político. É lá que está oprocesso legislativo.

Por um lado, o Direito reforça as premissas normativas recebidas do sistema

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71 Nos parece que o Direito trabalha com o bicondicional e não apenas o condicional, já que apenas se ahipótese ocorrer o conseqüente será legítimo, muito embora muitos bicondicionais diferentes possam apontarpara a mesma conseqüência (p. ex. muitos tipos de infração diferentes podem acarretar a aplicação de umamulta), mas apenas se um deles efetivamente ocorrer, o conseqüente ocorrerá (a multa só será aplicada se pelomenos uma das infrações for cometida).

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político, pela sua aplicação repetitiva e, por outro, alivia o sistema político dofardo do uso da violência, interrompendo um ciclo do uso da violência.

O sistema político é aquele que, na criação do Estado, recebe dos cidadãos omonopólio do uso da força. Os cidadãos abdicam de resolver suas disputas pelaspróprias mãos e subordinam-se a um poder superior, seja autoritário ou democráti-co, que resolverá as questões e implementará com o uso da força a solução.

Uma vez que o Direito surge como um sistema que se responsabiliza pelasdecisões quanto à aplicação ou não da força, através de processos pré-definidoscom uma série de garantias, com resultados pré-programados, afasta do sistemapolítico as eventuais cargas da insatisfação geradas por elas.

Por outro lado, o sistema político garante a implementação das decisõesjudiciais através do uso da força conforme definido pelo sistema jurídico.

É importante observar que o sistema político gera decisões programadas,voltadas para o futuro, através de uma perspectiva teleológica, e o sistemajurídico, por sua vez, gera decisões previamente programadas, de uma perspectiva condicional, sempre em um ciclo de comunicação através doacoplamento estrutural entre os dois sistemas.

Na regulamentação de mercado realizada pelo Poder Executivo com a facul-dade para o órgão regulador de criar normas jurídicas, o perigo é a reunião dopoder político, já que os cargos nas agências regulatórias apesar de terem agarantia de independência, têm indicação política, com o poder jurídico, demodo que o sistema jurídico pode perder a função de conter e legitimar o poderpolítico, o que deve ser verificado em cada caso, de acordo com o processo dedecisão e competências de cada agência regulatória.

Já para o sistema econômico, que funciona segundo o código de tem/nãotem, o sistema jurídico entrega a prestação de garantir o respeito à propriedade,já que o conceito de propriedade é meramente jurídico e cultural, pois nãoexiste vinculação de fato entre as pessoas e as coisas, existindo apenas uma vin-culação jurídica respeitada pelos demais indivíduos, bem como, a prestação degarantir que os contratos serão respeitados, sob pena de serem objeto de umadecisão judicial, que será aplicada pelo sistema político.

Assim, está muito presente a função do Direito de garantir as expectativasdos agentes econômicos, gerando a base de segurança sem a qual os negóciosnão se desenvolveriam.

No caso da regulação econômica, podemos supor que o sistema jurídicotambém tem a incumbência de garantir o saneamento do mercado para que osistema econômico possa funcionar adequadamente, o mais próximo possívelda concorrência perfeita.

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

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Contudo, os sistemas jurídico e econômico têm grandes diferenças, não só decódigo, mas especialmente de tempo. O tempo interno do sistema jurídico é, muitasvezes, mais lento do que o sistema econômico, o que gera grandes assincronias, poiso sistema jurídico é mais hierarquizado, além de ter mais procedimentos formais.Ao passo que o sistema econômico tem menos hierarquia e seus procedimentos sãodinâmicos e casuísticos – especialmente se verificarmos a situação brasileira, em quetemos um processo legislativo (ritual do sistema jurídico que traduz as comuni-cações do sistema político) extremamente lento e incapaz de responder em tempoeficaz aos anseios sociais e movimentos dos agentes econômicos.

Surge aqui o cerne da dificuldade na atividade de regulamentação econô-mica, uma vez que o órgão regulador é criado pelo Direito e este dita seusprocedimentos, cria normas jurídicas (ainda que infralegais), que no caso dasagências regulatórias têm por finalidade a implementação de uma políticapública e interferem grandemente no sistema econômico.

O desafio regulatório é criar e atualizar normas jurídicas com a agilidadenecessária para acompanhar as mudanças no sistema econômico evitando suaobsolescência, que pode gerar tanto a sua ineficácia, quanto o engessamentoprejudicial ao sistema econômico, tudo isto sem afetar a segurança jurídica queé justamente a prestação do sistema jurídico.

Simultaneamente, é preciso conciliar o sistema político, que impõe as políticaspúblicas que se pretende alcançar, com o sistema econômico, que, por sua maiorvelocidade e flexibilidade, se adapta rapidamente às novas normas e diretrizes cau-sando muitas vezes distorções que geram o aproveitamento predatório das novascondições, minando a própria política pública que se pretendeu implementar.

Sob o enfoque da Teoria dos Jogos temos que o jogador/agente econômicose adapta rapidamente à jogada do jogador/governo, que demora demais aresponder a esta adaptação.

Na visão de Luhmann, tal nível de interferência entre os sistemas seria inconciliável, contudo, a atual proposta para a solução de todas estas incon-gruências é a criação das agências regulatórias independentes, nas quais (i)existe mandato fixo para os dirigentes e orçamento próprio para minorar osefeitos danosos da influencia política e (ii) é conferida uma maior autonomialegislativa para os dirigentes destas agências, imprimindo-lhes agilidade sufi-ciente para acompanhar o tempo do sistema econômico. Veremos mais adiantecomo se pode tentar manter um nível razoável de separação entre os sistemasmesmo com tais problemas.

A Teoria dos Jogos também trata de comunicação já que “um jogo tambémdeve definir que tipo de informações está disponível para os jogadores. Em outras

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palavras, deve-se ter respostas para perguntas do tipo ‘o que o jogador sabe?’ ou ‘elesabe sobre as preferências dos outros jogadores, sobre as ações permitidas aos outros jogadores, sobre os resultados a serem alcançados?’. Chamam-se jogos deinformação completa aqueles nos quais os jogadores possuem todas as informaçõesnecessárias para a tomada de decisão. Esses são os mais conhecidos e mais facil-mente analisados. Quando parte das informações não está disponível, temos umjogo de informação incompleta” 72.

Desta forma será fundamental descobrir como transita a informação nosjogos que se realizam no sistema econômico. Podemos ter “jogos de informaçãoperfeita (ou seqüências) e os jogos de informação imperfeita (ou simultâneos). Nosjogos em que a jogada é simultânea, como o ‘par ou ímpar’, a informação é imper-feita, já que um jogador não sabe o que outro vai fazer. Nos jogos cujas ações ocor-rem em seqüência, como o xadrez, a informação é perfeita, pois o outro jogadorsabe o que o outro fez antes de fazer sua ação” 73.

No jogo de mercado é possível observar que estamos diante de um jogoseqüencial no qual cada jogador faz um movimento de mercado e os demais agemem resposta a ele, o que é facilmente perceptível, por exemplo, em pregões de bolsa.

Os agentes econômicos dentro do jogo adotarão condutas buscando maximizaros seus resultados, podendo tais condutas ser chamadas de estratégias74, classificadas

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72 PINHO,D.B.e VASCONCELOS,M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed.São Paulo: Saraiva,2003,págs.248 e 249.73 PINHO,D.B.e VASCONCELOS,M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed.São Paulo: Saraiva,2003,págs.248 e 249.74 “Uma estratégia é chamada de dominante em relação a outra quando os resultados obtidos com sua utilização sãomelhores em relação aos resultados obtidos com outra estratégia, qualquer que seja a atuação dos demais jogadores.Essa estratégia é, assim, melhor que as outras e pressupõe-se que é a que deverá ser escolhida pelo jogador. Outra formade escolher a estratégia, quando não existe estratégia dominante, é o chamado maxmin. Nesse caso, o jogador procu-ra maximizar o mínimo que ele pode assegurar para si, independentemente das estratégias dos outros jogadores. Aestratégia maxmin é a que garante ganho mínimo para o jogador. A idéia aqui é a seguinte: não sei o que fazer, fareiaquilo que me der ‘o menos pior’ dos piores resultados possível. O conceito de equilíbrio (ou solução) de Nash é tam-bém conhecido como o do não arrependimento. A combinação de estratégias escolhidas leva a um resultado no qualnenhum dos jogadores, individualmente, se arrepende, ou seja, esse jogador não poderia melhorar a sua situação uni-lateralmente modificando a estratégia escolhida. Numa situação em que se utiliza o conceito de Nash, um jogadorescolhe a melhor estratégia, dada a escolha do outro. Teoricamente, a maior parte dos jogos que são modelados pelateoria econômica, como os exemplos citados até aqui, são definidos como jogos não-cooperativos, nos quais cadaagente econômico busca maximizar seu payoff efetivando ações sem se preocupar com o bem-estar do seu oponenteou o estabelecimento de acordos. Não se pode concluir, no entanto, que o mundo real seja não-cooperativo. Existeminúmeras situações cooperativas na sociedade. A criação de associações, de sindicatos e cooperativas são exemplos decooperação entre os agentes. Tais situações são consideradas, pela teoria dos jogos, como jogos cooperativos, cuja sofisti-cação matemática e complexidade dos conceitos escapam dos objetivos de um livro introdutório. Os jogos não-coo-perativos, no entanto, ainda são os mais utilizados nos livros-textos e cursos, em vista da facilidade com que são apli-cados a inúmeras situações estudadas pela Economia. Outra questão importante diz respeito ao número de vezes queo jogo é realizado. A repetição de um jogo pode dar início a um processo de aprendizagem acerca das estratégias dosjogadores, levando a resultados diferentes, caso fosse realizado apenas uma única vez. Imagine sucessivas repetições dojogo dilema dos prisioneiros. Nesse caso é difícil imaginar que sempre o resultado será os dois confessarem. Enfim, sãoinúmeras as possibilidades na teoria dos jogos, o que talvez explique a crescente popularidade que ela vem alcançan-do dentro da teoria econômica.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. SãoPaulo: Saraiva, 2003, pág. 256.

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pela Teoria dos Jogos na tentativa de prever os movimentos futuros dos jogadores.No sistema econômico partimos da premissa de que os jogadores não

cooperam entre si, mas competem entre si. As situações em que há cooperaçãoentre os jogadores poderão ser classificadas como práticas cartelizadas, sempreque intentarem o abuso de posição dominante (individual ou obtida peloscooperativos) e prejudicarem a livre concorrência.

Com base na Teoria dos Jogos fica cristalino o conceito de poder de merca-do que pode se expressar sinteticamente como o potencial de influenciar o com-portamento dos demais agentes econômicos em um dado mercado relevante,ou seja, um jogador pode ter o poder de dominar o jogo, sem que os demaispossam se contrapor a este domínio, quaisquer que sejam as suas estratégias.

“O sentido de dominação ou poder de mercado expressa, em síntese, a capaci-dade de uma empresa ou grupo de empresas de aumentar os preços dos seus pro-dutos acima do custo marginal, sem perder clientes, i.e., agindo por razoável perío-do de tempo independentemente dos concorrentes e dos consumidores. A domi-nação de mercado pode também ser expressa, embora com menos freqüência,mediante prática temporária de preços predatórios, i.e., abaixo do custo marginal.

O complexo teste jurídico-econômico da dominação exige uma análise estru-tural do mercado adequadamente definido, no qual os concorrentes atuam. Pontode partida dessa análise é a identificação do mercado relevante e da participaçãode mercado, embora o percentual de market share não seja um dado bastante emsi para denotar dominação. É necessário, por exemplo, verificar a existência de substitutos próximos para um produto, processo ou obra objeto da ou relacionadocom o Direito de propriedade.” 75

Neste aspecto é importante o papel exercido pelo Direito Antitruste para ocombate ao abuso de poder de mercado, como sua garantia estrutural dopróprio mercado, garantindo a livre concorrência entre os agentes econômicos.

O Direito Antitruste tem por objeto o controle de concentrações e práticasanticoncorrenciais em geral, como mecanismo de proteção do mercado doponto de vista dos mercados relevantes atingidos por tais ocorrências. Éaplicável a todos os mercados indistintamente, vale dizer, todos os agenteseconômicos estão sujeitos a aplicação destas normas independentemente domercado em que atuem. O “objeto da política antitruste é o bem-estar econômico,que é reduzido pelo abuso do poder de mercado” 76.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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75 FONSECA, Antônio, estudo cit., pág. 13.76 SANTACRUZ, Ruy, Preço Abusivo e Cabeça de Bacalhau, Revista Doutrina e Jurisprudência doIBRAC, v. 7.

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Nos últimos anos, vem sendo renovada a importância conferida à políticaantitruste. Na Europa, por força da Unificação Européia e, a conseqüente neces-sidade de garantir um ambiente despido de entraves ao comércio, a políticaantitruste é vista como importante instrumento de reorganização do mercadoem composição com a extinção de barreiras tarifárias e não-tarifárias.

Por outro lado, revela-se naquele ambiente a preocupação de monitoraras alianças estratégicas promovidas entre empresas de países diferentes no interior da comunidade – motivadas pela pressão competitiva exercida pelosprodutos japoneses – e a onda de fusões impulsionada pelo aumento da escalado mercado, agora com 344 milhões de consumidores.

Nos EUA, após um período coincidente com as administrações republi-canas, em que a política antitruste era tida como um dos principais responsáveispela frágil performance competitiva dos produtos norte-americanos, observa-seuma preocupação mais intensa com comportamentos de mercado de grandesempresas e com o abuso de poder econômico.

Mesmo durante o período em que a política antitruste esteve sujeita àspesadas críticas – de ordem empírica e teórica – houver aperfeiçoamentosimportantes em sua aplicação, em virtude da rica interação com a academia.Considerações sobre custos de transação e concorrência potencial passaram acompor as análises do Federal Trade Commission e do Departamento de Justiçadesde o final dos anos 80.

Japão e Coréia do Sul, respeitando as especificidades da organização de suaseconomias, têm reforçado o uso de suas legislações para intensificar a pressãocompetitiva sobre suas empresas e desestimular acordos defensivos entre elas.

No Brasil a legislação antitruste teve início na era Vargas com a Lei 1.521/51que definiu crimes contra a economia popular. Contudo, referida legislação tevepouca aplicação em razão da demora na ultimação dos processos, bem como,por seu rigor excessivo. Posteriormente, tivemos a Lei 4.137/62 que criou oConselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), mas sem prover osmeios necessários para a efetividade de sua atuação.

A Lei 8.158 de 08/01/91 que aparelhou a Secretaria Nacional de DireitoEconômico (SDE) originou-se da necessidade de prover a administração públi-ca e a sociedade de um instrumental adequado de regulação de comportamen-tos de mercado que evitasse – ou ao menos reduzisse – as fricções causadas pelamudança institucional de um ambiente estritamente regulado e controladopara um ambiente de liberalização das atividades econômicas.

Era também objetivo das autoridades alcançar celeridade na conclusão dos processos administrativos, preocupação típica da perspectiva do economic

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policy maker e informada pela experiência da primeira fase do CADE, ondeocorreu muitas vezes de a conclusão do processo administrativo se dar quandoo fato econômico, que lhe dera ensejo, já havia se tornado irrelevante, atémesmo pelo desaparecimento da parte lesada.

Com base nessa experiência, foi proposta a Medida Provisória nº 204, em02/08/90, nas palavras de Sampaio Ferraz:

“Convencido da inoperância dos procedimentos administrativos da Lei 4.137/62(que criou o CADE e os procedimentos de repressão ao abuso do poder econômico),cujos processos tinham uma duração média de 24 meses para conflitos que exigiam,pela celeridade das relações econômicas, decisões rápidas e até cautelares, o Executivovisou, fundamentalmente, a criação de um dispositivo mais leve, de eficácia maiorque, comandado por um órgão do Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional deDireito Econômico, permitisse da parte do Poder Público uma interferência prévia epreventiva diante da ocorrência de anomalias de comportamento econômico, capazesde ferir os princípios constitucionais da ordem econômica” 77.

A Medida Provisória foi seguida de outras, com pequenas modificações deconteúdo – em função de serem as Medidas Provisórias válidas por um perío-do predefinido de 30 dias e não passíveis de reedição – até a definitiva promul-gação da Lei, em janeiro de 1991.

Os problemas decorrentes da demora do CADE em proferir decisão podemser resumidos no voto do Conselheiro Leônidas R. Xausa 78:

“2) No mérito, igualmente continuo fiel ao entendimento do Plenário noProcesso 128/92 contra Laboratório Hosbon S.A, também por mim relatado, e noProcesso 164/91 da ilustre Conselheira Lúcia Helena, onde sustentamos a tese deque a distância excessiva entre a data dos fatos indigitados e o julgamento (aqui dequase seis anos) frustra o objeto da decisão. O rigor metodológico necessário aoexame dos eventuais aumentos excessivos de preços se esfuma após tanto tempo,especialmente se considerada a política governamental errática de controle, àépoca, e em conjuntura de metástase inflacionária. 3) De conseqüência, se esta-belece um desequilíbrio jurídico entre a utilidade social da punição e o dano even-tualmente causado pela conduta. 4) Pelo que, na tradição deste Colegiado, aplicosubsidiariamente o artigo 267, IV, do CPC, conhecendo do recurso para negá-lo,sem julgamento do mérito, mantendo o arquivamento.”

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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77 SAMPAIO FERRAZ Jr., T. (1992) Lei de Defesa da Concorrência: Origem Histórica e Base Constitucional.Revista dos Mestrandos em Direito Econômico da UFBA, (2):71.78 Proferido no Recurso de Ofício em Representação n° 275/92 (aumento abusivo de preço), que teve, no póloativo, o Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro e, no passivo, a Hoechst do Brasil Química eFarmacêutica S.A.

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Por fim, com a promulgação da Lei 8.884/94, deu-se efetividade aos ditamesdo artigo 170 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo o CADE comoautarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, ou seja, com personali-dade jurídica e autonomia necessárias para o exercício da função e, especial-mente, com mandato fixo para seus conselheiros.

O CADE é responsável pelo controle da concentração de poder econômicoque resulte da integração de duas ou mais empresas, antes independentes,visando a compra de participação de mercado, e pela repressão ao abuso dopoder econômico.

“A agência brasileira de política da concorrência aprecia os atos de concen-tração, definidos como fusão, incorporação ou qualquer forma de agrupamentosocietário. Para o conhecimento pelo CADE é necessário que cada uma das empre-sas ou grupo de empresas participantes possua no mínimo 20% de participação demercado ou faturamento igual ou superior a 400 milhões de reais.

Na apreciação do ato de concentração, o CADE procura responder, inicial-mente, se a operação é potencialmente anticompetitiva, i.e., se limita ou de qual-quer forma prejudica a livre concorrência. Na hipótese de dano potencial, procura-se estabelecer eventuais eficiências oferecidas pela operação. Um balanço das efi-ciências e do dano potencial indica se a operação merece aprovação, com ou semcondições, ou se deve ser desfeita total ou parcialmente.” 79

O CADE também faz um controle de condutas dos agentes econômicos emconjunto com a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria deAcompanhamento Econômico (SEAE), que exercem funções auxiliares na defe-sa da concorrência.

A primeira é responsável por instaurar e conduzir processos administra-tivos que serão encaminhados para decisão pelo CADE, bem como emitir pare-ceres nos casos de concentração de poder econômico, já à segunda cabe emitirpareceres nos casos de concentração de poder econômico e nos processos queinvestiguem infração à ordem econômica, em todos os casos os pareceres nãosão vinculantes da decisão e devem seguir critérios técnicos.

A Secretaria de Direito Econômico (SDE), ligada diretamente ao Ministérioda Justiça, promoverá, para posterior encaminhamento ao CADE, averiguaçõespreliminares, de ofício ou por requerimento escrito e fundamentado de qual-quer interessado, função que no caso de produtos de interesse da saúde tambémé exercida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como veremos adiante.

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79 Concorrência e Propriedade Intelectual, FONSECA, Antonio, Curso de Defesa da Concorrência organizado soba direção FGV/CADE e realizado no ano de 1997 nas cidades de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, pág. 12.

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Após a conclusão das averiguações preliminares, no prazo de 60 dias, osecretário da SDE determinará a instauração do processo administrativo ou seuarquivamento, quando os indícios de infração à ordem econômica não foremsuficientes para a instauração de processo administrativo, tendo que recorrer deofício ao CADE.

No caso de requisição para a instauração do processo administrativo, estedeverá ser feito em prazo não superior a 8 dias, contados do encerramentodas averiguações preliminares, ou, ainda, do conhecimento do fato ou darepresentação.

No capítulo que trata das penas, o artigo 23, da Lei 8.884/94 dispõe que:

“Art. 23 – A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveisàs seguintes penas:

I – no caso de empresa, multa de 1 a 30% do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;

II – no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pelainfração cometida por empresa, multa de 10% a 50% do valor daquela aplicá-vel à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador;”

Nestes dois incisos, conseguimos visualizar que, além de penalizar a empre-sa responsável pela infração à ordem econômica, seu responsável direta ou indi-retamente também responde pela infração, independentemente de culpa.

A Lei, no entanto, não é extremista, podendo a qualquer momento doprocesso administrativo considerar legítimos os atos de concentração do mer-cado, desde que estes sejam necessários por motivo preponderante da economianacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumi-dor ou usuário final.

A Lei de Defesa da Concorrência considera objetivamente como infração osatos que objetivem prejudicar a livre concorrência, dominar artificialmente omercado relevante, aumentar arbitrariamente os lucros ou exercer posiçãodominante de forma abusiva.

A norma contém rol exemplificativo de condutas que configuram as hipóte-ses acima80, o aumento abusivo de preços81, consoante análise de circunstâncias

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 54 ] estudosFEBRAFARMA

80 Lei 8.884/94 - Art. 20.81 E no mesmo sentido é a lei de proteção e defesa do consumidor - Lei 8.078/90, Art. 39, inciso X.

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econômicas e mercadológicas relevantes, especialmente (i) o custo dosinsumos, (ii) alterações do produto, (iii) o preço de produtos e serviços simi-lares ou sua evolução em mercados relevantes comparáveis, ou (iv) a existênciade ajuste ou acordo que resulte na majoração destes preços;

Importante notar que se o agente econômico conseguir demonstrar arelação de implicação entre o aumento de preços e qualquer dos fatores men-cionados nos itens “i” a “iii” estará livre da aplicação de quaisquer penalidadese no caso do item “iv” estará, automaticamente, sujeito a penalidade se par-ticipou de ajuste ou acordo para o aumento injustificado de preços.

Também deve ser observado que, conforme a jurisprudência do CADE e daSDE nos períodos de controle de preços – que como se verá no caso de medica-mentos foram muitos –, não se pode condenar uma empresa por prática depreço excessivo ou lucros arbitrários, uma vez que os preços são determinadospelo próprio Estado, não decorrendo da conduta livre do agente econômico.

Vale como exemplo trecho do voto do relator do Acórdão do ProcessoAdministrativo n° 75/92, Conselheiro Renault de Freitas Castro, in verbis:

“Tendo em vista todas as manifestações dos órgãos competentes a discutir amatéria aqui debatida, e todas as provas colhidas durante a instrução processual,especificamente os esclarecimentos prestados pela empresa acionada, entendo nãocaracterizada a conduta imposta à Representada, eis que à época, os preços emquestão estavam sob o controle do Governo Federal.

Com isso, por considerar não configurada infração à Lei 8.884/94, em consonân-cia com o parecer da Douta Procuradoria do CADE, conheço do recurso de ofício daSDE para negar-lhe provimento e manter a decisão de arquivamento do feito.”

Desta forma, temos que, atualmente, os laboratórios farmacêuticos nãoestão sujeitos à incidência das hipóteses acima citadas, pois estão sujeitos a controle de preços de seus produtos.

A atuação concertada entre concorrentes caracterizada como “os acordoscelebrados entre empresas concorrentes (que atuam, pois, no mesmo mercado rele-vante geográfico e material) e que visam neutralizar a concorrência existenteentre” 82, também está sujeita a penalização pelo CADE.

Na obra citada, Paula Forgioni aponta que acordos horizontais são aquelescelebrados entre agentes econômicos, que atuam em um mesmo mercado rele-vante (geográfico e material) e estão, portanto, em direta relação de concorrên-cia. Já os acordos verticais disciplinam relações entre agentes econômicos que

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82 FORGIONI, Paula, Os Fundamentos do Antitruste, 1 ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001,fls. 321/326.

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desenvolvem suas atividades em mercados relevantes diversos, muitas vezescomplementares.

Quando se fala de acordos verticais, em teoria da organização industrial ena legislação antitruste, lida-se com uma imaginária linha vertical que nos conduz, através da extração da matéria-prima, das várias fases da produção ecomercialização, até o consumidor final do produto. Assim, à guisa de exemplo,um acordo celebrado entre uma empresa fabricante do produto e outra dis-tribuidora é um típico acordo vertical.

Também temos como condutas condenadas pela legislação antitruste: (i) arealização de venda casada, ou seja, condicionar a compra de um produto ouserviço a compra de outro, (ii) a imposição de restrições ou condutas a parti-cipantes da cadeia de venda de produtos ou serviços, bem como discriminaçãodestes, (iii) a manipulação da oferta ou da procura de bens e serviços, ou recusainjustificada de fornecimento e a imposição de barreiras artificiais à entrada deconcorrentes em um mercado relevante.

Muito se discute sobre a exclusividade do CADE em fiscalizar o mercado,porém, é salutar a afirmativa de que esta jurisdição é compartilhada com outras agências reguladoras, quando referente a um setor específico do merca-do, como é o caso das Telecomunicações, em que o policiamento é realizado emconjunto com a ANATEL.

Ainda vale apontar como garantia do Estado Democrático de Direito o arti-go 15 da Lei 8.884/94, que dispõe: “Esta lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídi-cas de Direito público ou privado,...”, ou seja, os entes públicos estão tão sub-metidos aos mandamentos desta Lei quanto os particulares.

No caso específico dos medicamentos, temos fatores que geram o poder demercado, como a concentração de mercados relevantes, estimulada pelaexistência de grandes barreiras à entrada de novos concorrentes e outros queagravam o problema econômico do acesso da população aos medicamentos,como a (i) assimetria de informações, (ii) os problemas de agência e (iii) ainelasticidade da procura por se tratarem de bens essenciais – que também trazem si um problema social como já tratamos.

Passemos então a estudar as principais falhas de concorrência do mercadode medicamentos.

1. Concentração em Mercado Relevante

A concentração em um mercado relevante pode ocorrer como decorrência(i) da competição, na qual os agentes econômicos obtêm parcelas maiores de

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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mercado por seus méritos, (ii) de um monopólio estabelecido pelo sistemajurídico, (iii) de um monopólio natural, no qual as condições fáticas da explo-ração de dada atividade econômica são tais que pode existir apenas um agenteexplorando a atividade, (iv) através da incorporação de concorrentes ou qual-quer outra forma de agrupamento de empresas ou (v) da obtenção de controlede um agente sobre outros de modo que gere um poder de mercado em favorde um concorrente individual ou coletivamente considerado.

Em resumo, a concentração econômica representa uma folha de estrutura a inibir os mecanismos decisórios e controladores do mercado. Em um mercadoconcentrado, a alta de preços proveniente de um aumento da procura não ne-cessariamente levará a um aumento da oferta, pelo simples fato de ser mais fácilpara as poucas unidades nele atuantes conluiarem-se e elevarem mais os preços.Por outro lado, estes poderão também subir, por iniciativas dos vendedores conluia-dos, sem qualquer relação com uma possível elevação da procura 83.

A concentração de fornecedores em um mercado relevante pode levar aduas situações conforme o nível de concentração – o monopólio e o oligopólio,cuja diferenciação dá-se apenas quanto às relações entre os que detêm o poderde mercado, sem diferenciação quanto aos efeitos desta concentração para omercado, conforme se infere da Resolução do CADE nº 20, de 09 de junho de1999, na qual se definiu cartéis como “acordos explícitos ou tácitos entre concor-rentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, emtorno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial,na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximosdos de monopólio”, pelo que as afirmações feitas neste item sobre o monopóliovalem igualmente para o oligopólio.

A concentração de mercado relevante faz com que os detentores do poderde mercado resultante da concentração possam elevar seus preços com a segu-rança de não perderem clientela.

Conforme aponta a ex-conselheira do CADE, Neide Terezinha Malard:

1) O cartel orienta suas condutas tanto no sentido horizontal – fixando preços,dividindo mercados ou promovendo acordos com o objetivo de controlar a ino-vação de produto, estabelecer prazos de entrega, discriminar preços, unifor-mizar serviços que podem ser prestados ao consumidor, entre outras práticas;quanto no sentido vertical – fixando preço de aquisição de matérias-primas ou

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83 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001, pág. 150.

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serviços, impondo a venda casada, organizando esquemas de distribuição,dentre outras estratégias;

2) O cartel é um fenômeno coletivo que, embora agindo de forma organizada,com objetivos claros e bem definidos, não se apresenta nem formal, nem mate-rialmente estruturado. Trata-se de organização informal e clandestina, san-cionada pelo ordenamento jurídico positivo como conduta criminosa e danosaao interesse público, repugnada pela sociedade, a maior vítima de suas condutas;(...)3) Entre os participantes do cartel, nem sempre o jogo é aberto, pois iminentea suspeita da não adesão e até de eventual traição. Se o cartel funciona naforma esperada ou acordada por seus organizadores, duas situações devemocorrer: vende-se menos e os lucros obtidos são os esperados.” 84

Porém, é importante notar que a atuação concertada de concorrentes podese dar dolosamente na forma apontada, o que será caracterizado como cartel econdenado pela legislação antitruste 85 ou, em mercados com poucos concor-rentes de peso, se dar pela acomodação dos concorrentes alcançada ao longo dotempo pela verificação dos lances seqüenciais entre eles na definição de seuspreços, o que não caracteriza o ilícito, porém pode trazer os mesmos efeitosindesejáveis ainda que em menor grau.

A situação de concentração também pode ocorrer do ponto de vista docomprador, são os chamados monopsônios e o oligopsônios, situação em que opoder de compra está nas mãos de um ou poucos agentes econômicos, o quelhes dá o poder de impor preços e condutas aos vendedores, é o que ocorre, porexemplo, no caso dos grandes supermercados, mas não no mercado de medica-mentos apesar de os grandes distribuidores e redes de farmácias estarem, cadavez mais, concentrando poder de compra nos medicamentos em que há grandenúmero de fornecedores, o mesmo vem acontecendo com o Estado nas lici-tações públicas para compras de medicamentos para programas oficiais.

Desta forma, a situação torna-se bastante adversa para os laboratórios

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84 MALARD, Neide Terezinha, Estudos Introdutórios de Direito Econômico, 1 ed., Brasília Jurídica,Brasília, 1997, fls. 65-74.85 “Para a configuração da infração, é necessário que haja efetivo acordo entre os agentes envolvidos. Nãobasta apenas o efeito da padronização de preços e condições de negócios. É indispensável que tenha havidorealmente algum tipo de entendimento entre os empresários com vistas ao tratamento concertado da questão.Se muitos agentes de certo segmento de mercado praticam preços uniformes ou paritários, mas não estabele-ceram acordo de nenhum tipo nesse sentido, inexiste concerto e tampouco infração.” COELHO, Fábio U.Direito Antitruste Brasileiro: Comentários à Lei 8.884/94. 1 ed. Saraiva: São Paulo, 1995, pág. 66.

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farmacêuticos brasileiros, que, em sua maioria, disputam mercados em que háefetivamente grande concorrência, uma vez que não temos desenvolvimentonacional de medicamentos inovadores, em que os compradores têm grandepoder de mercado e, portanto, os preços tendem a cair, enquanto os labo-ratórios estrangeiros estão na maioria das vezes posicionados em mercados debaixo poder dos compradores, exceção feita aos laboratórios estrangeiros fabri-cantes de medicamentos genéricos.

Finalmente temos a possibilidade de formação de um duopólio, ou seja,existe apenas um fornecedor e um comprador em um mercado relevante, nestasituação estes vão se conluiar para conjuntamente explorar o próximo merca-do, ou seja, aquele em que o comprador é fornecedor, com melhores resultadospara ambos 86.

É o que efetivamente ocorre com os medicamentos em que o produtor doprincípio ativo ou é do grupo econômico do laboratório farmacêutico ou man-tém vínculos contratuais com este para a exploração dos compradores domedicamento, de modo que os esforços dos órgãos regulatórios além de se pre-ocuparem com os laboratórios, também terão de se preocupar com os fabri-cantes de matérias-primas farmacêuticas se quiserem obter efetivamente osresultados que almejam.

A concentração de mercado não é, necessariamente, um mal, na medida emque pode aumentar a eficiência da economia ao reduzir os custos de transação(especialmente a concentração vertical) e aumentar o poderio econômiconacional e o ganho de escala de produção, porém também pode levar a situações indesejáveis.

No monopólio, o fornecedor poderá impor seu preço aos compradores doproduto para maximizar os seus lucros, uma vez que o cliente não terá a opçãode trocar o fornecedor do produto.

Certamente o aumento poderá ser tal que o comprador simplesmente parede adquirir o produto, situação em que o monopolista enfrentará uma queda

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86 “Em tese os dois agentes em presença deveriam enfrentar uma situação de absoluto conflito de interesses: ovendedor tentando obter o Maximo de remuneração por um mínimo de produto oferecido; e, vice-versa, ocomprador tentando conseguir o Maximo de produto com o mínimo dispêndio. No entanto, esse conflito abso-luto, que mais se aproxima de um impasse, acaba por se resolver via um acordo entre o monopolista e omonopsonista no sentido de se associarem, com vistas a ambos desfrutarem da posição de monopólio detidapelo segundo no mercado situado abaixo, isto é, naquele no qual ele, monopolista ou oligopolista. Sim,porque, em tese, a situação descrita seria a de um insumo de produção único no mundo, disponível apenasJunto a uma única fonte - uma matéria-prima rara, um processo tecnológico especialíssimo -, insumo essepassível de ser utilizado apenas por uma unidade produtora. Se esta for a situação, parece claro que esta últi-ma será por uma vez monopolista na venda de seus produtos ou quando menos uma oligopolista, admitin-do a existência de sucedâneos para estes.” NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao DireitoEconômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, págs. 272-273.

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em seu faturamento e, portanto, em seu lucro em valores absolutos, o que olevaria a não adotar esta estratégia 87.

Assim, por força de seu poder de mercado, o monopolista sempre poderáoptar por reconstituir seus lucros simplesmente aumentando os preços para osconsumidores que não perdeu, até o limite em que comece novamente a perderclientes em um círculo vicioso, criando assim cada vez maiores barreiras aoacesso dos consumidores aos seus produtos, situação calamitosa para os produ-tos objeto do nosso estudo por conta de sua relevância social.

“A ineficiência alocativa surge diretamente do exercício do poder demonopólio, ou seja, do fato de o preço ser superior ao custo marginal. Isso faz comque o consumo seja inferior àquele que seria socialmente desejado, de tal modo quese abre espaço para a intervenção do Estado, no sentido de promover a concorrên-cia e corrigir essa distorção. Mais importante ainda é a ineficiência produtiva, quese refere a perda de motivação por parte da firma que desfruta de lucros elevados,refletindo-se em um pequeno esforço gerencial e produtivo. Sobre isso, o ilustreeconomista John Hicks diz que ‘o pior custo dos monopólios é a preguiça dos gerentes’. A concorrência inibe diretamente esse tipo de ineficiência ao pressionar aempresa a lutar pela sua sobrevivência. Uma ação do governo no sentido de pro-mover a concorrência pode, portanto, ser benéfica também nesse caso. Finalmentea ausência de concorrência pode implicar ineficiência dinâmica, uma vez que asfirmas se vêem menos estimuladas a promover investimentos em capacitação tecnológica. A concorrência é o grande motor da busca de novos produtos, novosmercados e novos processos produtivos. Sem concorrência o estímulo à atividadeinovativa vê-se diminuído.” 88

Voltando ao conceito de concorrência monopolística, verifica-se que é o queocorre com os produtos líderes de mercado, pois parte dos consumidores agecomo se estes não pudessem ser substituídos, o que leva o monopolista “virtual”89

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87 “Note-se que, contrariamente ao sucedido no regime de concorrência perfeita para o monopolista, a curvade procura não é horizontal, isto é, de elasticidade infinita. Para o monopolista a curva de procura é a curvade procura do mercado, já que ele concentra em si o atendimento de todo o mercado. Logo, enquanto a únicamaneira de o vendedor, em concorrência perfeita, aumentar a sua receita é jogar maior quantidade no mer-cado, o vendedor monopolista não necessariamente procederá assim, muito embora possa também levar a suaprodução até o ponto em que o custo marginal iguale o preço. Isto não significa ser o hedonismo do mono-polista, o seu desejo de lucros, maior do que o vendedor em concorrência perfeita. A única diferença é ter oprimeiro condições de fabricar este lucro, pela situação por ele ocupada no mercado, que, no caso, deixa de seruma estrutura de controle automático como na concorrência pura. A rigor, no monopólio deixa de existir opreço de mercado, pois ele será, em boa medida, uma decisão do monopolista.” NUSDEO, F. Curso deEconomia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 269.88 PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 215.89 Palavra usada como contraposta a real, já que o monopólio não decorre da real comparação entre os produtos mas sim da percepção que o consumidor tem destes.

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a aumentar seus preços para manter seu lucro absoluto, pelo aumento de suamargem de lucro, apesar da diminuição do número de unidades vendidas, poisparte dos consumidores está disposta a trocar o produto pelo seu similar maisbarato; o efeito pode ser verificado quando há perda de patente, portanto demonopólio legal, pelo laboratório farmacêutico, restando-lhe apenas o quechamamos de monopólio “virtual”90.

No caso específico dos medicamentos, “os resultados das regressões reali-zadas indicam que os preços dos medicamentos líderes sobem mais quanto maiorfor a taxa de crescimento dos salários do setor. Os aumentos de preços também sãomaiores quando o líder está perdendo participação no mercado para substitutosgenéricos ou similares, o que revela, à semelhança do observado por Frank eSalkever (1995) nos Estados Unidos, que os líderes preferem se voltar para um seg-mento de mercado menos elástico a preço – aquele que reluta mais em substituir amarca pioneira por um similar.

Os resultados obtidos contradizem a usual intuição de que a entrada de novosconcorrentes deve resultar em uma redução dos preços cobrados pelas firmaslíderes. Nossas estimativas apontam justamente o oposto: em consonância comestudos empíricos efetuados em países desenvolvidos, estimamos que os preços demedicamentos líderes reagem positivamente ao avanço de medicamentos similaresno mercado; como reverso da moeda, o nível médio dos preços dos genéricos ousimilares tende a baixar e sua dispersão em relação ao preço do líder tende a subirquando há um acirramento da concorrência na franja.” 91

Outro aspecto importante dos monopólios é observar a conduta do mono-polista diante da entrada de um novo concorrente em seu mercado relevante,considerando que estaremos diante de um jogo de dois jogadores, monopolistaversus desafiante, não-cooperativo e seqüencial (portanto de informação completa).

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

90 “A diferenciação do produto pode ser objetiva, no caso do seu acabamento ou da sua apresentação variarem,como, também, pode ser subjetiva, quando via propaganda ou outro veículo qualquer se induzir o consumi-dor a acreditar que determinado produto ou serviço lhe atendam melhor a necessidade sentida ou criada.Aliás, os símbolos, marcas, patentes, logotipos e outros veículos usados pela propaganda e pela promoção têmdesempenhado um papel fundamental no processo de diferenciação de produtos e de discriminação de mer-cados. Essa crença, tão ciosamente instilada nos consumidores pelos veículos da publicidade, dá origem àchamada procura viscosa - objeto de todo concorrente imperfeito -, que vem a ser aquela procura grudentaque sob várias formas se apega a determinados fornecedores, circulando de um para outro morosa e dificul-tosamente. Estabelece-se uma espécie de afeição comercial entre alguns clientes e os seus fornecedores, emfunção do tipo de atendimento, da decoração do estabelecimento, das características do produto, diferenciadasem função dessa viscosidade, no fundo um conjunto de características psicoculturais próprias a grupos distin-tos de consumidores.” NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 266.91 )].” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um EstudoEconométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 07.

Page 61: Controle de Preços de Medicamentos

Dadas estas regras teremos que, após a decisão do desafiante de entrar nomercado relevante, o monopolista poderá:

a) Não tomar nenhuma atitude contra o desafiante e, como apontado acima,decidir explorar apenas parte do mercado;

b) Iniciar uma guerra de marketing contra o desafiante, tentando bloqueara entrada deste, através de campanhas publicitárias, descontos para inter-mediários etc.

Na primeira opção o monopolista mantém em grande parte seu lucrobruto, com certeza maior que o do desafiante, pois aproveitará tanto do aspectomonopolístico de seu produto, quanto da intercambialidade viscosa, porémcorre o risco de ao longo do tempo (i) perder cada vez mais participação demercado para o desafiante e (ii) ter novos concorrentes que se sentirão encora-jados pelo sucesso do desafiante.

Na segunda opção o monopolista provavelmente terá uma diminuição de seulucro bruto, e também de sua margem de lucro, pois arcará com os custos da guer-ra, porém com o passar do tempo poderá manter grande parte de sua participaçãono mercado, bem como até conseguir obter a retirada do desafio, pois o desafiantenão conseguirá suportar os custos da guerra; obviamente não estamos consideran-do a hipótese de dumping, mas apenas a competição lícita entre os jogadores.

A situação torna-se mais complexa quando se verifica que o podereconômico do monopolista pode ser maior que o do desafiante, de modo queeste pode suportar por muito mais tempo a guerra de marketing, o que ocorre,por exemplo, em disputas entre empresas nacionais e multinacionais, poisquando a empresa multinacional é o monopolista, o peso do lucro ou prejuízoem um determinado país acaba diluído no total de seu faturamento mundial,de modo que seu fôlego para a disputa será praticamente infinito, especial-mente se a avaliação do valor de suas ações levar em conta não só o lucro pre-sente, mas também sua participação de mercado, que possa causar impacto naremuneração dos acionistas em longo prazo.

Finalmente temos o aspecto intersetorial do monopólio, especialmente embem essencial, posto que “o detentor de quantidade relevante de poder econômi-co é capaz de, maximizando seus lucros, apropriar-se de parcela da renda socialsuperior a que legitimamente lhe tocaria, se fosse desprovido desse poder. O podereconômico, assim, pode subverter a correta distribuição da renda social.” 92

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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92 BRUNA, Sérgio V. O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu Exercício. 1 ed. São Paulo:RT, 1997, pág. 171.

Page 62: Controle de Preços de Medicamentos

2. Barreiras à Entrada de Novos Concorrentes

Em um mercado de concorrência perfeita, ainda que ocorra a concen-tração de poder de mercado, este se diluirá pelo efeito gerado pelo pró-prio ciclo de aumentos de preços, que poderá gerar o interesse de agentesfora deste mercado em convergir para o mesmo, preterindo outros inves-timentos em troca deste mais lucrativo, o que, em tese, levaria a umretorno da competição93.

Contudo, podem existir barreiras que impeçam a entrada destes novos concorrentes no mercado específico, exigindo destes novos concorrentes umgrande investimento, bem como um baixo resultado inicial, ou que retardemsua entrada no mercado, garantindo uma dianteira suficiente aos que lá já seencontram para o reforço de sua posição perante os consumidores, os canais dedistribuição ou os vendedores de insumos necessários.

As barreiras à entrada podem ser definidas, ainda, como os custos em que um concorrente potencial deve incorrer, em desvantagem aos concorrentes já atu-antes naquele mercado. Podem constituir barreiras à entrada, nesse sentido, aseconomias de escala determinantes de uma produção eficiente, a diferenciação deprodutos, a integração vertical, as fontes de suprimentos de fatores de produção e complexidade das redes de distribuição – entre os outros fatores que, de forma efetiva, desestimulem a entrada de novos concorrentes ainda quando os agentes jáinstalados aufiram lucros acima do nível competitivo 94.

No caso dos medicamentos, as principais barreiras à entrada serão (i) requi-sitos e autorizações sanitárias e (ii) patentes que estabelecem o monopólio legalde exploração do produto pelo seu detentor, que além de acumular os lucros doperíodo de sua vigência, gozará de maior prestígio perante os consumidores, porter sido o pioneiro em seu lançamento e por ser mais tradicional.

estudosFEBRAFARMA [ 63 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

93 “Para que uma situação como esta perdure no tempo, com equilíbrio estável, sem que novas firmas sejamatraídas pelos lucros de monopólio existentes, é necessário que existam barreiras à entrada. Essas barreirassão custos em que uma empresa entrante tem de incorrer, mas as que já estão instaladas não. Estas podem serde natureza tecnológica, como domínio de marcas, patentes e Know-how, devido a restrições de suprimentos,como Direito de lavra de minérios, ou ainda devido à conquista das preferências dos consumidores, obtidospor meio de propaganda ou da simples antigüidade de uma marca. Existem, contudo, barreiras à entrada que são resultados de ações estratégicas das firmas dominantes para expulsar as menores ou para impedir aentrada de novos concorrentes. Guerras de propagandas têm muitas vezes esse objetivo, ao imporem aos competidores menores o ônus de responder apenas a uma campanha apenas para manter a participação nomercado. Da mesma forma, as várias campanhas publicitárias ao longo do tempo ajudam a estabelecer e afixar a reputação da empresa. Para a empresa atraente, e sem reputação estabelecida, o esforço e os custos depropaganda e fixação de reputação serão maiores do que as que já operam.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS,M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 234 e 235.94 NUSDEO, Ana Maria O. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica: o Controle daConcentração de Empresas. 1 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, pág. 29.

Page 63: Controle de Preços de Medicamentos

a. Barreiras Sanitárias

Como dito no item em que tratamos da ANVISA, os laboratórios farmacêu-ticos só podem operar após a obtenção de (i) autorização de funcionamento dapessoa jurídica expedida pela própria ANVISA, (ii) licença de funcionamentode cada estabelecimento expedida pela Secretaria de Vigilância SanitáriaEstadual ou Municipal se o serviço estiver municipalizado e (iii) certificado deboas práticas de fabricação.

A emissão de tais autorizações depende de investimentos nas instalaçõesfísicas, treinamento de pessoal e validação de processos destes agenteseconômicos. Ressalte-se que para se atingir os requisitos sanitários de fabri-cação, armazenamento e comercialização de medicamentos, tem-se umlongo período de tramitação até sua emissão e são seqüenciais, ou seja, um épré-requisito do outro.

Estes requisitos pré-operacionais, por si só, geram uma barreira à entradade novos concorrentes, tanto por conta dos investimentos necessários, queobviamente devem ser feitos antes da solicitação das licenças e autorizações, jáque as condições reais de operação devem estar presentes quando da realizaçãode vistorias para sua emissão, quanto por conta do próprio tempo que leva parauma nova empresa obtê-los.

Quanto aos medicamentos em si, portanto, quanto aos mercados relevantesespecificamente, a entrada somente se dará após o registro do referido medica-mento pela ANVISA, que avaliará sua segurança e eficácia, processo tambémcustoso e demorado.

Desta forma, embora tais cautelas sejam imperativas para a segurança dapopulação, estas representam uma grande barreira financeira e temporal para aentrada de novos fornecedores em um mercado relevante, de modo que quan-to mais demorado o processo maior será esta barreira, o que acaba por garan-tir menos concorrência para aqueles que já estão no mercado relevante e que,portanto, poderão praticar preços mais altos.

A estratégia adotada pelos governos do mundo todo para diminuir oimpacto da questão é exigir que os medicamentos similares ou genéricos apre-sentem apenas estudos que demonstrem sua intercambialidade (do ponto devista técnico-sanitário) com o medicamento inovador, de modo que reduza olapso temporal para a entrada de novos concorrentes.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 64 ] estudosFEBRAFARMA

Page 64: Controle de Preços de Medicamentos

b. Patentes

A pesquisa e o desenvolvimento para elaboração de novos produtosrequerem grandes investimentos; assim, para estimular investimentos naatividade inventiva as descobertas passíveis de exploração industrial são protegidas por patentes que garantem proteção na exploração de seu objetoatravés do estabelecimento de um monopólio, prevenindo que competidorescopiem e vendam esse produto por um preço mais baixo, uma vez que elesnão foram onerados com os custos da pesquisa e desenvolvimento do produto. A proteção conferida pela patente é, portanto, um valioso e im-prescindível instrumento para que a invenção e a criação industrializáveltornem-se um investimento rentável.

Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção oumodelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de Direitos sobre a criação. Emcontrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdotécnico da matéria protegida pela patente.

Durante o prazo de vigência da patente, o titular tem o Direito de excluirterceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, taiscomo fabricação, comercialização, importação, uso, venda, etc.

Neste sentido, a obtenção da patente faz com que a firma inovadora possa,no período de sua vigência, deter o monopólio do produto que, na falta de outros intercambiáveis, lhe dará o monopólio daquele mercado relevante ouainda condições para agir de forma monopolística em relação aos consumi-dores que não percebem a referida intercambialidade.

A detenção de mercado em monopólio por um largo prazo, aliada com acaracterística de ser o primeiro a lançar o produto, ainda faz com que hajatamanha fixação da marca do produto na mente do consumidor, que osentrantes no mercado após a expiração da patente terão de se valer de preçosmuito mais baixos, com intensa e custosa campanha de marketing para obteruma parcela de mercado do líder, em decorrência do que se pode chamar deintercambialidade viscosa, ou seja, os compradores custam a realizar a troca –os que a fazem.

Para o melhor entendimento dos aspectos por trás dos recentes debatestravados sobre o tema das patentes de medicamentos, é importante mencionara evolução histórica do tema no Brasil, para ressaltar o porquê de apenas emperíodo recente a questão ter se tornado tão evidente no Brasil.

estudosFEBRAFARMA [ 65 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 65: Controle de Preços de Medicamentos

Através do Alvará do Príncipe Regente de 28/04/1809, o Brasil foi o quintoPaís do mundo a conceder privilégios de exploração aos inventores. Em 1884,com outros 13 países, o Brasil adere à Convenção de Paris95, sendo que os pro-dutos na área farmacêutica deixaram de ser patenteáveis no Brasil em 194596, eseus processos de obtenção em 196997.

A disciplina nacional de protecionismo através da não concessão depatentes em áreas consideradas estratégicas pelo governo militar foi mantida naLei 5.772/71, que também não concedia privilégios às invenções relativas aosmedicamentos e seus insumos:

Lei 5.772/71Art. 9 – Não são privilegiáveis:

b) As substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processosquímicos, ressalvando-se, porém, a privilegiabilidade dos respectivosprocessos de obtenção ou modificação;

c) As substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respec-tivos processos de obtenção ou modificação.

Conforme compromisso assumido pelo Governo Brasileiro na RodadaUruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, cuja Ata Final deResultados foi assinada em Marrakesh em 12/04/94, depositada pelo Brasil emGenebra em 21/12/94 (devendo, portanto, entrar em vigor no Brasil em01/01/95), o Brasil promulgou o Decreto 1.355/94 que ia de encontro ao Códigode Propriedade Industrial vigente à época, determinando a concessão de pri-vilégio a todo e qualquer invento:

Decreto 1.355/94Art. 27 – Matéria Patenteável

1 – Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 66 ] estudosFEBRAFARMA

95 Convenção de Paris de 20/03/1883, revista em: Bruxelas 14/12/1900, Washington 02/06/1911, Haia06/11/1925, Londres 02/06/1934, Lisboa 31/10/1958 e Estocolmo 14/07/1967, internada pelo Decreto75.572/75 com a revisão de Haia e com as alterações da revisão de Estocolmo pelo Decreto 1.263/92 (semprepromulgados com restrições regimentalmente permitidas).96 Decreto-lei. nº 7.903/45.97 Decreto-lei nº 1.005/69.

Page 66: Controle de Preços de Medicamentos

de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será paten-teável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível deaplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4º do Artigo 65,no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3º deste artigo, as patentes serãodisponíveis e os Direitos patentários serão usufruíveis sem discriminaçãoquanto ao local de invenção, quanto ao seu setor tecnológico e quanto aofato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

2 – Os membros podem considerar como não patenteáveis invenções cujaexploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordempública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana,animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desdeque esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibi-da por sua legislação.

3 – Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

a) Métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento deseres humanos ou de animais;

b) Plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmentebiológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os proces-sos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros conce-derão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja pormeio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação de ambos.O disposto neste subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada emvigor do Acordo Constitutivo da OMC.

Com vigência para o Brasil, para as áreas de produtos químicos e produtose processos relativos a medicamentos e seus insumos, apenas a partir de31/12/1999:

Decreto 1.355/94Art. 65 – Disposições Transitórias

4 – Na medida em que um país em desenvolvimento Membro esteja obri-gado pelo presente Acordo a estender proteção patentária de produtos asetores tecnológicos que não protegia em seu território na data geral de

estudosFEBRAFARMA [ 67 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 67: Controle de Preços de Medicamentos

aplicação do presente Acordo, conforme estabelecido no parágrafo 2º, elepoderá adiar a aplicação das disposições sobre patentes de produtos daSeção 5 da Parte II para tais setores tecnológicos por um prazo adicional decinco anos.

Apesar de ter aceitado e internado a TRIPS e, conseqüentemente, ser obri-gado a reger a matéria de propriedade industrial de acordo com a mesma, noque nos interessa (medicamentos etc...) a partir de 31/12/99, o Brasil editou umnovo código de Propriedade Industrial98 que previa (i) a patenteabilidade dosprodutos em questão e (ii) uma regra de transição para os produtos agorapatenteáveis que não o eram99, mas que já haviam sido patenteados no Exterior,conhecida como pipeline:

Lei 9.279/96

Art. 229 – Aos pedidos em andamento serão aplicadas as disposições desta Lei,exceto quanto à patenteabilidade das substâncias, matérias ou produtos obti-dos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ouprodutos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquerespécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, quesó serão privilegiáveis nas condições estabelecidas nos artigos 230 e 231.

Art. 230 – Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias,matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substân-cias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos emedicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos deobtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ouconvenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósi-to no Exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquermercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consenti-mento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivospreparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.

§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado dapublicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no Exterior.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 68 ] estudosFEBRAFARMA

98 Com vigência a partir de 15/05/97.99 Na medida em que a TRIPS ainda não estava em vigor e o antigo Código de Propriedade Industrial nãolhes conferia o privilégio.

Page 68: Controle de Preços de Medicamentos

§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automati-camente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se,no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caputdeste artigo.

§ 3º Respeitados os artigos 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas ascondições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patenteno país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente noBrasil, tal como concedida no país de origem.

§ 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazoremanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido,contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no arti-go 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.

§ 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processosquímicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios,químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como osrespectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novopedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova dedesistência do pedido em andamento.

§ 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido deposi-tado e à patente concedida com base neste artigo.

Art. 231 – Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias deque trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no país,ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objetonão tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do ti-tular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados,por terceiros, no país, sérios e efetivos preparativos para a exploração doobjeto do pedido.

§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado dapublicação desta Lei.

§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será processadonos termos desta Lei.

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 69: Controle de Preços de Medicamentos

§ 3º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazoremanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da divulgaçãodo invento, a partir do depósito no Brasil.

§ 4º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo àsmatérias de que trata o artigo anterior, poderá apresentar novo pedido, noprazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistênciado pedido em andamento.

Esta regra de transição foi criada para evitar injustiças para com os inventoresque poderiam ser protegidos pela patente de seus produtos, pois ainda estariamem vigência seus privilégios caso o Brasil não os incluísse no rol dos não paten-teáveis e resumidamente impunha os seguintes requisitos para sua utilização:

1) A desistência dos pedidos realizados antes de sua vigência;

2) O protocolamento de novos pedidos até 15/05/98;

3) Que não houvesse a exploração dos produtos no Brasil ou investimentospara tanto;

4) Que o produto não houvesse sido lançado em outros mercados.

Ocorre que as normas relativas às patentes de medicamentos e insumos far-macêuticos e veterinários foram novamente alteradas pela Medida Provisória2.014 de 30/12/99, convertida na Lei 10.196/2001, especialmente no que dizrespeito aos seus efeitos para os que produzem e comercializam substâncias,matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos ou substâncias,matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medica-mentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção oumodificação, cujos depositantes não tenham exercido a faculdade prevista nosartigos 230 e 231 da Lei 9.279/96.

Em síntese, a referida norma alterou radicalmente a regra de transição pre-vista no pipeline para os produtos em questão, determinando que:

1) Os pedidos depositados até 31/12/94 serão indeferidos;

2) Os pedidos protocolados após 31/12/94 até o início da vigência do Novo

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 70 ] estudosFEBRAFARMA

Page 70: Controle de Preços de Medicamentos

Código de Propriedade Industrial100 serão analisados segundo os critérios

deste, exceto quanto aos pedidos de patente de processo que serão indeferi-

dos, portanto impondo a retroatividade do Novo Código de Propriedade

Industrial desde 01/01/95;

3) A concessão de patentes de produtos e processos farmacêuticos depen-

derá da prévia anuência da ANVISA, sem, contudo haver qualquer esclare-

cimento na lei quanto ao conteúdo desta análise que poderia (i) dizer

respeito pura e simplesmente à regularidade do processo administrativo de

concessão da patente, (ii) dizer respeito à inexistência de inovação do

pedido, posto que a ANVISA tem o cadastro de todos os medicamentos

vendidos no Brasil, ou (iii) dizer respeito à segurança do produto, o que evi-

dentemente teria mero caráter informativo na medida em que este não é

um critério para a concessão de patente.

Houve grandes debates sobre o tema, discorrendo sobre conflitos entre a

Trips e a legislação brasileira, todavia parece-nos inexistir razão para a celeuma,

uma vez que todos os veículos legislativos utilizados são hierarquicamente

equivalentes, de modo que se aplica sempre o posterior, desta forma tivemos a

substituição da Lei 5.772/71, pelo Decreto 1.355/94, pela Lei 9.729/96 e, final-

mente, pela Medida Provisória 2.014/99, convertida na Lei 10.196/2001, não

havendo que se falar em conflito de normas, especialmente no que toca a Lei

9.729/96 (pipeline) e o Decreto 1.355/94, não tendo o segundo criado Direitos

adquiridos ou expectativa de Direitos, porque jamais entrou em vigor, pois foi

substituído pela primeira.

Ademais, os Direitos dos requerentes das patentes são gerados no momen-

to do protocolo, uma vez que se aplica a legislação vigente neste momento,

ressaltando-se a inconstitucionalidade da retroatividade instituída pela MP

2.014/99, convertida na Lei 10.196/2001.

Por fim, aqueles que produziam e utilizavam os produtos que pas-

saram a ser patenteáveis, ainda que se aceite a aplicação retroativa da Lei

9.279/96, poderão continuar a fazê-lo nos termos dos artigos 232 e 45

desta, uma vez que não foram alterados ou revogados pela MP 2.014/99,

convertida na Lei 10.196/2001.

estudosFEBRAFARMA [ 71 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

100 Que admite o patenteamento dos referidos produtos.

Page 71: Controle de Preços de Medicamentos

Lei 9.279/96

Art. 45 – À pessoa de boa fé que, antes da data de depósito ou de prioridadede pedido de patente, explorava seu objeto no país, será assegurado o Direitode continuar a exploração, sem ônus, na forma e condição anteriores.

§ 1º O Direito conferido na forma deste artigo só poderá ser cedido junta-mente com o negócio ou empresa, ou parte desta que tenha direta relaçãocom a exploração do objeto da patente, por alienação ou arrendamento.

§ 2º O Direito de que trata este artigo não será assegurado a pessoa quetenha tido conhecimento do objeto da patente através de divulgação naforma do artigo 12, desde que o pedido tenha sido depositado no prazo de1 (um) ano, contado da divulgação.

Art. 232 – A produção ou utilização, nos termos da legislação anterior,de substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processosquímicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios,químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como osrespectivos processos de obtenção ou modificação, mesmo que protegidospor patente de produto ou processo em outro país, de conformidade comtratado ou convenção em vigor no Brasil, poderão continuar, nas mesmascondições anteriores à aprovação desta Lei.

§ 1º Não será admitida qualquer cobrança retroativa ou futura, de qualquervalor, a qualquer título, relativa a produtos produzidos ou processos utiliza-dos no Brasil em conformidade com este artigo.

§ 2º Não será igualmente admitida cobrança nos termos do parágrafo anterior, caso, no período anterior à entrada em vigência desta Lei, tenhamsido realizados investimentos significativos para a exploração de produtoou de processo referidos neste artigo, mesmo que protegidos por patente deproduto ou de processo em outro país.

É importante notar que o privilégio garantido pela patente, de forma análo-ga aos entendimentos relativos a função social da propriedade – até por poderser interpretada como a propriedade de um bem móvel – é entendido nos diasde hoje como uma concessão dada pela sociedade para viabilizar o financia-

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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Page 72: Controle de Preços de Medicamentos

mento do avanço científico que possa gerar benefícios para a própria sociedade,não podendo haver o abuso deste Direito por parte de seu detentor.

“A nova Lei de Proteção da Propriedade Industrial contém várias disposiçõesque merecem atenção. Consagra-se a exaustão de Direitos (art. 43-IV e 68 §§ 3º e4º). Admite-se a cláusula de grantback (art. 63). Admite-se a licença compulsóriasem exclusividade por abuso dos Direitos decorrentes da patente (misuse), porabuso de poder econômico, por falta injustificada de exploração ou atendimentoinsuficiente da demanda, em caso de dependência de patentes e em razão deemergência nacional ou interesse público (arts. 68 a 72)” 101.

Essas medidas são voltadas a impedir que o detentor do monopólio legal ouse de modo a prejudicar a sociedade ao invés de favorecê-la, solução equiva-lente foi dada pela Lei de Cultivares102, que em certo sentido andou melhor, poisatribui a competência para conceder a licença compulsória ao CADE, que é umórgão mais aparelhado para tratar de questões de abuso de poder econômico,que afinal é a hipótese também do abuso de Direito patentário apesar de setratar de um poder econômico criado por um privilégio legal.

Para evitar que o detentor da patente pudesse gozar de um período maiorde monopólio do que o da própria patente, decorrente do tempo em que osnovos competidores pudessem levar para obter o registro de produto genéricoou similar, as autoridades brasileiras não vedam o registro de produto patentea-do, por entenderem que (i) o registro tem como critério as características doproduto e não sua possibilidade de comercialização e (ii) que a patente confereDireito individual ao seu titular, que terá de defender seu Direito com os meiosque a Lei de patentes lhe garante.

Ademais, os medicamentos concorrentes, genéricos e similares não pre-cisam realizar todos os testes realizados pelo medicamento original, de modoque seu registro deveria ocorrer em prazo mais curto.

Já nos Estados Unidos da América e na Europa a tônica da discussão foidiferente, o grande debate se deu por conta da perda de uma parte do prazo degozo do monopólio legal em decorrência do tempo de desenvolvimento dostestes de segurança e da demora no registro dos medicamentos, criando umadiferença entre o prazo formal de patente e seu prazo real, aquele que efetiva-mente é aproveitado economicamente pelo seu detentor, apesar de lá igual-mente haver uma extensão do prazo de monopólio decorrente da demora noregistro dos produtos genéricos.

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

101 FONSECA, Antonio, ob. Cit. pág. 6.102 Lei 9.456/97 - Art. 28.

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Nos Estados Unidos da América foi editada a Lei Waxman-Hatch, queatravés de uma forma de cálculo complexo estende o prazo da patente propor-cionalmente ao prazo para o registro do produto e, por outro lado, liberou osmedicamentos genéricos de realizarem todos os testes realizados pelo medica-mento inovador, devendo simplesmente passar pelo teste de bioequivalência.

Na Europa, cada país criou, através de legislação própria, um certificado deextensão de patente. A questão ainda está sendo harmonizada no âmbito daComunidade Econômica Européia, uma vez que mesmo países que não adotamuma lei própria sobre o tema ainda divergem quanto à interpretação das nor-mas do bloco.

Finalmente, é importante notar que, através de contratos relativos a pro-priedade industrial, também é possível a concentração de poder econômico,como por exemplo, no contrato de licenciamento, contratos com cláusula de nãoconcorrência ou de exclusividade, com o mesmo perfil das fusões e aquisições.

Embora tais contratos devam ser registrados no Instituto Nacional dePropriedade Industrial, não se verifica a preocupação com os aspectos concor-renciais dos ajustes, de modo que também é importante a criação de normas decontrole preventivo de efeitos danosos decorrentes de práticas abusivas atravésde tais contratos nos mesmos moldes das normas de controle das concentrações.

3. Assimetria das Informações

Em uma análise simplificadora, podemos entender que a definição do preçode um determinado produto dá-se através da negociação entre vendedor e com-prador, ou no jogo do mercado, no equilíbrio alcançado entre os compradorese vendedores, com relação a este preço.

Portanto, o preço será uma função do valor que o comprador dá ao produtoversus o quanto o vendedor pretende lucrar com a operação, ou seja, o quantoele está disposto a reduzir o preço para não perder a venda.

Desta forma, partindo do pressuposto que o vendedor tem uma expectativafirme e fundamentalmente formada sobre o quanto pretende ter de lucro noproduto, será fundamental para a negociação que o consumidor tenha condiçõesde avaliar o produto, ou seja, tenha informações suficientes sobre o produto e ospreços de mercado para formar sua percepção do valor do produto.

“Classicamente, havia a crença de os preços conterem em si a informação relevante essencial para os agentes interessados, pois seria o sinal inconfundível da escassez ou da abundância, conforme subissem ou baixassem. Tal escassez ou

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abundância estariam refletidas nos preços não apenas a cada momento, quanto àscondições presentes, mas em sua potencialidade, isto é, no tocante às perspectivasfuturas. Assim, muito embora num dado momento o suprimento de café pudesseestar em seu normal ou até acima, a notícia de uma geada numa grande região produtora determinaria, muito provavelmente, uma alta de seus preços ante a pers-pectiva de escassez na próxima safra. Será possível, porém, que logo num primeiromomento esta notícia não se dissemine e apenas alguns poucos a tenham. Estes,hedonisticamente, expandirão as suas compras do produto para se locupletarem coma futura alta, à custa dos demais que, inadvertidamente, se desfizeram do mesmo.

Note-se, ainda, ser também um pressuposto ligado ao ora em exame a perfeitaidentificação dos produtos e de suas qualidade ou atributos por parte dosadquirentes, donde haver um preço para cada tipo de produto, ainda quando nãopassem de simples diferenciações do mesmo bem.” 103

No mundo do consumo de massas, normalmente, o consumidor não temacesso às informações do produto e muito menos tem condições de entendê-lase traduzi-las em valor, o que gera a falha de mercado denominada assimetria da informação, ou seja, o nível de informação que o vendedor tem do produtoé superior ao detido pelo consumidor, como por exemplo expressamente reconhecido pelo Código de Defesa do Consumidor.

A determinação do valor do produto também passa pelo conceito de utili-dade total, utilidade que uma única unidade do bem tem para o consumidor, eutilidade marginal, utilidade que o consumidor terá com unidades adicionaisdo produto, porém, não sendo um fator relativo à concorrência no mercadocomo um todo, mas sim ao comportamento do consumidor, não vamos nosdeter na questão, embora certamente ela seja pertinente no mundo real.

O que nos interessa é o aspecto da intercambialidade, por sua influência naconcorrência existente no mercado. Como já dito, para ocorrer a intercambia-lidade o consumidor tem de perceber os produtos como intercambiáveis, valedizer, o consumidor precisa pelo menos ter informação que o permita saber queum produto pode ser trocado pelo outro com a mesma eficácia e segurança.Quando isto não ocorre temos a concorrência monopolística e a intercam-bialidade viscosa em favor de um agente econômico conforme já esclarecemos.

Podemos classificar os bens em: (i) bens de busca, cujas informações são co-nhecidas pelo consumidor antes da compra, (ii) bens de experiência, quando o con-sumidor somente conhecerá a qualidade do bem após a compra e (iii) bens creden-ciais, somente um profissional especializado pode conhecer suas características.

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103 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001, págs. 143 e 144.

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Diante dessa classificação temos que os medicamentos são bens credenciais,já que os pacientes não têm condições de conhecer as características dos produ-tos mesmo após o seu consumo104, apenas os médicos têm esta condição, de modoque no mercado farmacêutico a assimetria da informação é um dado extrema-mente relevante que aumenta em muito o poder de mercado das empresas já esta-belecidas, crescente em proporção a novidade e complexidade do produto.

Um dado da realidade atual é que mesmo os médicos sofrem com a assime-tria da informação, pois não conseguem estar continuamente atualizados sobreos avanços da indústria farmacêutica. Em sua maioria, o acesso dos médicos àsinformações sobre medicamentos dá-se através dos propagandistas dos labo-ratórios farmacêuticos, que continuamente os visitam trazendo informaçõestendentes a prescrição dos produtos que representam105.

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104 “A assimetria de informações é outra característica importante do mercado farmacêutico. No caso dosmedicamentos éticos, é o médico que prescreve o medicamento, restando ao paciente a decisão de comprá-loou não, já que não consta da receita referência à denominação genérica do produto. Esse fato confere ao la-boratório um poder de mercado muito grande, mesmo nos casos em que possa haver uma opção idêntica à domedicamento receitado.” Relatório da CPI dos Medicamentos – Título II.105 “Os medicamentos éticos encaixam-se perfeitamente na categoria de bens credenciais. Sua venda depende daapresentação de uma prescrição médica. O profissional médico, que é o tomador da decisão de escolha domedicamento, depara-se com um conjunto crescente de substâncias ativas, cuja eficácia e segurança não são co-nhecidas por ele. Sua escolha é condicionada por uma série de fatores [Hemminki, apud Pepe e Veras (1995)]:1. Fatores condicionantes: 1.1. as tradições e a educação da população moldam as expectativas dos pacientes e a visãodo médico; 1.2. o ensino médico e o pensamento profissional determinam o uso dos serviços médicos e definem o con-ceito de saúde/doença; 1.3. a política pública e a distribuição da renda em cada país afetam a disponibilidade deprofissionais e o acesso a medicamentos; e 1.4. o poder e a vitalidade da indústria farmacêutica. 2. Fatores que influ-enciam individualmente os profissionais: 2.1. as demandas e expectativas da sociedade; 2.2. a influência da indústriafarmacêutica e os resultados de pesquisas na área; e 2.3. as medidas regulatórias e de controle impostas pelas autori-dades de saúde. É importante salientar que a falta de informações fluidas, sistematizadas e consolidadas sobre efetivi-dade comparada entre os medicamentos disponíveis no mercado é um sério obstáculo a uma avaliação abalizada domédico sobre qual medicamento prescrever, magnificando o efeito do fator 2.2; portanto a fluidez da informação é tãoou mais importante que a sua mera existência. Temin (1980) aponta três causas para esse problema de informação:a) a segurança e a eficácia do medicamento têm múltiplas dimensões: quais condições indesejadas visa corrigir;qual o método de administração ao paciente; qual a velocidade de ação e sua durabilidade; a amplitude decondições que ele trata; e quais os efeitos adversos etc.; b) os médicos não podem sair usando seus pacientes comocobaias; e c) falta aos médicos capacidade de extrapolar os resultados dos testes publicados para sua realidade.Para eles, estatística e prática da medicina são atividades distintas. Eles não têm qualificação para fazer pesquisaou avaliar as pesquisas dos outros.O processo de decisão do médico pode, então, ser compreendido como composto de duas etapas, cada uma comum tipo de assimetria de informação envolvido:1. O médico escolhe o tratamento mais eficaz e seguro para o paciente com base em seu conhecimento acadêmi-co e na sua experiência, ou na experiência de seus pares, apreendida em congressos, revistas especializadas ourede de contatos individual. No entanto, Temin (1980), Hellerstein (1994) e Berndt, Pindyck e Azoulay (2000)apontam para a predominância de um comportamento no qual a prescrição se dá por costume ou inércia.Isso ocorre porque o médico individual normalmente não obtém uma larga experiência com os efeitos de ne-nhuma droga em particular (que é o problema do bem credencial), e as pesquisas publicadas disponíveis sobredrogas concorrentes entre si tendem a tratar mais de biodisponibilidade do que de seus verdadeiros efeitos. Essaabordagem do médico lhe traz, portanto, duas vantagens: primeiro, minimiza o custo de obtenção da infor-mação sobre os medicamentos mais indicados para os tratamentos diagnosticados, e segundo, serve como argu-mento de defesa contra possíveis complicações em um processo jurídico. Disso decorre que a difusão do consumode um medicamento gera externalidades de informação para os médicos, e pode-se dizer que os seus hábitos deprescrição seguem um padrão típico de comportamento de manada [Berndt, Pindyck e Azoulay (2000)].”FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um EstudoEconométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 11 e 12.

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Com a finalidade de combater a assimetria das informações existentes nomercado nacional, que dificulta a competição por parte dos medicamentos simi-lares (medicamentos iguais aos originais mas com marca própria), o GovernoFederal editou a Lei 9.787/99 que criou o medicamento genérico, posteriormenteregulamentada pelo Decreto 3.181/99 e com efeitos reforçados pelo Decreto3.675/2000, que facilita o registro de medicamentos genéricos importados.

Outra contribuição importante do estudo da assimetria de informações foi oconceito de seleção adversa. O tipo de problema agora enfocado não mais se refereao comportamento pós-contratual, mas sim a adesão ou não à determinadatransação. Um mercado que possui diferentes qualidades de bens, e essa é a infor-mação privada de uma das partes, tende a ser ineficiente à medida que astransações desejadas em um mundo de informação perfeita não se realizam.Resumidamente, o mecanismo de seleção adversa elimina do mercado os produ-tos de boa qualidade porque o vendedor não consegue convencer o compradorsobre a qualidade do produto. Da parte do vendedor, a transação só é interessantese o valor a ser recebido for maior ou igual ao valor do bem, dado em função daqualidade do bem, não se pode simplesmente comparar valor e qualidade. Comoalternativa, o comprador compara o valor a ser pago com a qualidade esperada.Se um bem for de alta qualidade, o vendedor, ciente disso, exigirá alto valor paraa transação. O consumidor, no entanto, ignorante quanto à qualidade do bem,aceita pagar um valor correspondente à qualidade esperada, que, por definição, éinferior a um bem de alta qualidade. Conseqüentemente, somente os bens dequalidade inferior seriam comercializados.

A solução para um problema de seleção adversa é conhecida como sinali-zação. O vendedor agiria de modo que provesse o comprador de informaçõesconfiáveis à respeito do bem – como certificados de qualidade ou garantia –,atenuando a assimetria de informações e, como conseqüência, o problema daseleção adversa. O exemplo clássico para este fenômeno é o mercado de carrosusados, no qual a qualidade é variável e dificilmente observável de forma apropriada 106; para esta questão o medicamento genérico, com o perdão dotrocadilho, também é o remédio.

O medicamento genérico tem sua intercambialidade terapêutica com omedicamento de referência atestada por testes de bioequivalência ebiodisponibilidade certificados pela ANVISA, tendo sido dada por força dareferida Lei ampla publicidade do fato, financiada pelo governo, constando

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106 PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva,2003, pág. 221.

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inclusive da caixa do produto sinal distintivo em destaque para fácil reconhe-cimento pelo comprador 107.

Ainda em reforço, foi permitida a troca da receita dada pelo médico pelofarmacêutico sempre que o médico não a proibir no corpo da própria receita,além do que, para estimular a oferta, foi garantida preferência aos medicamen-tos genéricos em licitações no âmbito do Sistema Único de Saúde, que tambémpassou a fazer licitações utilizando o nome da substância ativa do produto.

É interessante observar o ocorrido com o mercado americano com a entra-da dos medicamentos genéricos, por ser um indicativo do que pode ocorrer nomercado nacional:

“Centenas de novos medicamentos genéricos foram aprovados pela FDA em curto espaço de tempo, mesmo com a ocorrência de procedimentos fraudulen-tos em vários casos. Em 1989, os genéricos compreendiam mais de 33% de todas asprescrições realizadas nos Estados Unidos.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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107 “O médico pode receitar o medicamento pelo nome fantasia ou pelo nome genérico. É aqui que se define aConcorrência Intramarca entre o produto ‘de marca’ propriamente dito e os medicamentos genéricos e similares. Aqui as assimetrias de informação são duas: o médico desconhece os preços dos genéricos, e temreservas quanto à sua qualidade em relação ao produto de referência. A qualidade, por sua vez, abre-se nasdimensões de: a) biodisponibilidade - quanto do princípio ativo é absorvido no fluxo sangüíneo, onde e quan-to age terapeuticamente; b) bioequivalência - dois medicamentos são bioequivalentes se têm a mesma composição química e a mesma biodisponibilidade; e c) grau de pureza do produto (e, portanto, do processoprodutivo). Uma política de certificação de qualidade teria, portanto, uma função de sinalizadora de infor-mação para os profissionais a fim de corrigir dois níveis de assimetria de informação na distinção de efetivi-dade e segurança: dos princípios ativos entre si, e entre os medicamentos de referência e os genéricos de ummesmo princípio ativo. Deve sinalizar, também, aos médicos e à população que as condições de produçãoatendem a requisitos mínimos de controle de qualidade do processo. E o mais importante de tudo: deve sis-tematizar essas informações de modo que os médicos tenham todos os elementos para poderem comparar aefetividade dos medicamentos entre si. Vale notar que, mesmo depois que a patente original expira, o paten-teador original perde o monopólio do medicamento, mas não da marca, por isso é interessante para o labo-ratório fixar a marca, já que a promoção da substância acaba gerando externalidades informativas (spillover)para os fornecedores de genéricos. Até certo ponto, fica difícil para o profissional distinguir as dimensões dequalidade relacionadas à substância daquelas dimensões que separam medicamentos de referência e genéri-cos. As incertezas decorrentes criam um diferencial de qualidade percebido pelos agentes, que é apropriadopela firma líder do mercado através da cobrança de um preço maior associado à marca. No caso em que omedicamento não tem sua patente reconhecida (como era o caso do Brasil de 1969 até 1998), a promoção damarca reveste-se de importância ainda maior, pois o laboratório tem de diferenciar seu produto dos concor-rentes que, desde cedo, entram no mercado. Note-se que, como já comentamos, os entrantes podem replicaros gastos de promoção no lançamento das novas marcas. No caso da concorrência intramarcas, esse custo deveaté ser menor do que o incorrido pelo pioneiro, pois o médico já conhece a substância e suas propriedades tera-pêuticas, e cabe à firma apenas convencê-lo da sua equivalência - ele estaria, então, internalizando o custoda certificação, a qual estaria dizendo a mesma coisa ao médico. Mas é importante observar que, mesmopodendo ser menor, esse custo é, como era o do pioneiro, em boa parte irrecuperável, ou ‘afundado’ (sunkcost); ora, uma vez incorrido o custo afundado do pioneiro, ele é irrelevante para o seu comportamento pos-terior, enquanto o custo afundado do entrante define a estratégia deste ao entrar. Mesmo se não admitirmosque o custo é afundado, o ativo intangível que o investimento na marca cria (um estoque de ‘simpatia’ pelamarca, ou goodwill) já está dado para o pioneiro, ao contrário do entrante.” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA,Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo Econométrico da IndústriaFarmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 13 e 14.

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Os genéricos se fizeram mais presentes em hospitais que em farmácias, as quaiscomercializavam um volume muito maior de drogas prescritas. Mesmo assim, apresença dos genéricos no varejo aumentou de 17% em 1980 para 30% em 1989[Masson e Steiner (1985)].

O que não ocorreu, contudo, foi a disputa esperada entre o medicamento demarca e seu substituto genérico pelo mesmo mercado consumidor. Alguns estudosmostram que, na média, os medicamentos de marca aumentaram seus preçosquando os substitutos genéricos invadiram o mercado [Frank e Salkever (1991),Grabowski e Vernon (1992)]. Esses acontecimentos foram reportados mesmo quan-do os genéricos praticavam preços entre 40% e 70% abaixo dos preços dos res-pectivos medicamentos de marca. Este aparente paradoxo pode ser explicado pela‘bifurcação’ que ocorre no mercado consumidor, quando da entrada dos genéricos.

Os consumidores mais sensíveis aos preços dos medicamentos tendem a optarpelo substituto genérico, como é o caso de hospitais e organizações mantenedorasde saúde. Por outro lado, parcela considerável do mercado consumidor é avessa aorisco, portanto, insensível aos preços dos medicamentos, como é o caso de médicose de pacientes que não se sentem seguros ou informados devidamente a respeito daeficácia do substituto genérico. Muitas vezes o médico, mesmo estando devida-mente informado sobre terapias alternativas, prefere continuar prescrevendo osmedicamentos de marca por uma simples questão de hábito ou mesmo falta de‘cultura’ no que concerne à racionalização de custos.” 108

Conforme dados fornecidos pela ANVISA, no seminário internacional“Acceso a Medicamentos: Derecho Fundamental, papel del Estado” realizado noRio de Janeiro em 22 de outubro de 2002, em 50 classes terapêuticas os genéri-cos atendem 60% (sessenta por cento) da necessidade de prescrição, e os obje-tivos da divulgação dos medicamentos genéricos foram alcançados, pois:

Em pesquisa realizada com 2.200 consumidores de medicamentos, comidades entre 16 e 74, interceptados em drogarias de 236 municípios de 16/11/01a 12/12/01, constatou-se que:

• 95% (noventa e cinco por cento) dos consumidores conhecem os genéri-cos e 91% definiram estes medicamentos corretamente;

• 80% (oitenta por cento) dos consumidores confiam que o genérico faz omesmo efeito (ou seja, acreditam na intercambialidade do produto);

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108 FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um EstudoEconométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 25.

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• 71% (setenta e um por cento) dos consumidores reconhecem os genéri-cos, 55% pelo G da embalagem e 16% de outras formas;

• 7,2% consultam a lista de medicamentos genéricos.

Contudo foram detectados os seguintes problemas na sua implantação no Brasil:

• Oferta pouco diversificada e insuficiente de genéricos;

• Dificuldades na montagem de processos de registro pelas empresas;

• Demora na concessão do registro – 150 a 180 dias;

• Dúvidas quanto à manutenção da qualidade dos genéricos pós-registro;

• Dificuldade na identificação dos genéricos no momento da compra e“empurroterapia” do similar com denominação genérica.

Quanto a estes aspectos, o mais alarmante do ponto de vista da concorrên-cia é, na nossa opinião, o aspecto das dúvidas quanto à manutenção da qualidade do genérico na medida em que poderá levar a um comportamento doconsumidor de não considerar todos os genéricos intercambiáveis entre si, mastão-somente aqueles produzidos por determinadas empresas, criando a figurade um medicamento genérico de grife, que poderá ter o mesmo comportamen-to daquele medicamento que mantém uma marca reconhecida no mercado, é oque já se verifica com o lançamento de medicamentos genéricos por labo-ratórios fabricantes de medicamentos de marca líder de mercado.

Ademais, do ponto de vista social, as iniciativas relativas ao medicamentogenérico resolvem apenas parte do problema do acesso a medicamentos, umavez que apenas a parcela da população que já tem acesso aos medicamentospassa a consumi-los, enquanto aquela parcela realmente pobre, que não temacesso, continua sem tê-lo pois não tem a renda mínima para comprar tambémos medicamentos genéricos.

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4. Problemas de Agência

Os medicamentos são bens credenciais e, por isso, apenas um especialistaterá condições de avaliar suas características reais e, portanto, sua eventualintercambialidade, o que já é suficiente para gerar os problemas de assimetriadas informações combatidos pelos medicamentos genéricos.

Entretanto, no caso de medicamentos temos ainda um outro complicadorque é o fato de que quem opta pela compra do produto não é o paciente, massim o médico ao definir o tratamento indicado. O estudo do tema é feito pelachamada teoria da agência:

“O modelo básico da teoria da agência apresenta dois atores – denominadosprincipal e agente – que se relacionam por meio de uma transação qualquer. Oprincipal é um ator cujo retorno depende da ação de um agente ou de uma infor-mação que é propriedade privada deste último. Assim, a característica fundamen-tal de uma relação entre principal e agente é a ‘assimetria de informações’, tendo oagente uma informação que o principal não dispõe.

Essa relação introduz dois tipos de problemas transacionais, relevantes para adecisão sobre o modo como devem se organizar as firmas e suas relações comfornecedores e clientes. O primeiro problema ficou conhecido como risco moral,referindo-se à possibilidade de o agente fazer uso de sua informação privada embenefício próprio após a celebração de um contrato, eventualmente impondo pre-juízos ao principal.

Dois tipos de risco moral podem ser distingüidos: a) informação oculta (hiddeninformation) – em que as ações do agente são observáveis e verificáveis pelo prin-cipal, mas uma informação ao resultado final é adquirida e mantida pelo agente;e b) ação oculta (hidden action) – em que as ações do agente não são observáveis.Uma ação é observável se o principal é capaz de avaliá-la em qualidade e/ou quan-tidade, mesmo que isso não implique alguma forma de mensuração. Uma ação éverificável se, além de observável pelo principal, este tenha meios de provar que aobservou perante a instância responsável pela resolução das querelas contratuais –por exemplo, um tribunal.” 109

Nessa situação, o principal fica à mercê do agente na definição de sua participação na relação econômica, o que torna desvinculado do interesse doprincipal o equilíbrio na fixação do preço do produto consumido.

O exemplo clássico de risco moral com informação oculta é a relação entrepaciente (principal) e médico (agente). A ação do médico – uma operação ou

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CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

109 PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 220.

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aplicação de um medicamento – é, presume-se, observável. No entanto, o médico, pormeio de exames e amparado pela obscuridade de seu conhecimento, adquire umainformação privada essencial a transação em questão, qual seja, o diagnóstico. Opaciente pode exigir contratualmente o acesso a essa informação privada, o queaparentemente eliminaria o problema de risco moral. No entanto, mesmo que opaciente fique ciente de um diagnóstico, nada assegura que este seja de fato ver-dadeiro. Em outras palavras, se o agente tiver motivos para mentir, o diagnósticofornecido será inútil, não resolvendo o problema da assimetria informacional. Umobstetra poderia, por exemplo, recomendar uma cesariana (pela qual, supõe-se, rece-beria mais que por um parto normal), sem que a situação do paciente exigisse este tipode tratamento. Não havendo qualquer restrição ética ao comportamento do médico,ele poderia mentir na apresentação do diagnóstico, de modo que fizesse uso dos incen-tivos financeiros que a realização de uma cesariana implicaria. Nesse caso, o médicoestaria usando a assimetria informacional em benefício próprio, influindo negativa-mente sobre o retorno que o principal (paciente) pretendia obter na transação 110.

Outra hipótese que não parte da má-fé do médico, mas, pelo contrário, desua boa-fé em obter os melhores resultados com o menor risco para o paciente,e para si mesmo, é aquela em que o médico seleciona o melhor tratamento exis-tente, sem considerar os custos envolvidos – situação bastante evidente porexemplo em termos de requintados exames diagnósticos.

5. Baixa Elasticidade da Procura

Ao decidir comprar um produto, além das características do produto o con-sumidor irá considerar suas próprias condições financeiras para pagar o preçoexigido pelo vendedor, tal consideração é relativa e pode ser afetada pela sensi-bilidade do consumidor ao preço do produto, de modo que para analisar ocomportamento do mercado necessitamos de uma medida desta sensibilidade.

Essa medida da sensibilidade chama-se elasticidade e pode ser definida comoa relação entre o acréscimo (decréscimo) percentual de quantidade e o decréscimo(acréscimo) percentual de preços 111.

Podemos então agrupar comportamentos padronizados dos compradorespor conta desta medida em:

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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110 PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 220.111 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001, pág. 230.

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Procuras extra-elásticas • O índice de elasticidade é maior do que 1. Como jádito, são curvas ou segmentos delas, a se inclinarem suavemente para a direi-ta, significando que pequenas variações de preços levarão a grandes variaçõesdas quantidades procuradas.

Procuras perfeitamente elásticas • O índice é igual a 1. A inclinação é proporcional. Significa que a uma dada variação percentual dos preços corresponde uma igual variação percentual da quantidade procurada.

Procuras inelásticas ou infra-elásticas • A inclinação é bastante acentuada.A quantidade procurada pouco reage às variações de preço. O índice de elasti-cidade situa-se entre 0 e 1.

Procuras rígidas • A elasticidade é igual a zero. Constitui um caso extremo,talvez teórico, de um bem tão essencial que a qualquer preço sua procura seriasempre a mesma. É representada por uma reta paralela ao eixo dos preços.

A importância desta classificação reside no fato de apontar como reagirá areceita trazida pelo bem em questão a um aumento ou baixa do seu preço. Comefeito, sendo a receita o produto do preço pela quantidade, é fácil compreender quese a uma baixa de preços a procura reagir com uma elevação mais do que a pro-porcional, a receita total subirá, mesmo com a baixa de preços.O mesmo já não severificará se o coeficiente de elasticidade for inferior a 1. Neste caso, a redução dopreço provocará um aumento da procura, mas menos do que proporcional, insufi-ciente, portanto, para compensá-la, fazendo cair a receita112.

Como é evidente, nos dias de hoje, não se pode imaginar um tratamento desaúde sem o emprego de medicamentos; para o doente o medicamento é essen-cial para sua sobrevida saudável, de modo que, havendo recursos, o pacientecertamente irá direcioná-los para a compra do medicamento em detrimentoinclusive de outras aquisições ou de sua saúde financeira.

Desta forma, podemos verificar que o fator preço será de baixa relevânciapara o paciente na decisão de compra do medicamento, pois este estará dispos-to a abrir mão de outros bens menos vitais em favor do medicamento. Nestesentido, teremos então uma baixa elasticidade da demanda em face do preço,pois elasticidades baixas estão associadas à essencialidade do produto 113.

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112 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2001, págs. 231 e 232.113 NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2001, pág. 233.

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Obviamente que a elasticidade não mantém o mesmo índice em toda a curvade procura versus preço, variando ao longo desta. Contudo, para a análise decomportamento devemos nos ater à secção da curva que mais representa o com-portamento real dos consumidores do segmento estudado em um dado tempo.

No caso dos medicamentos, conforme a política nacional de medicamen-tos, Portaria nº 3.916/MS/GM, de 30 de outubro de 1998, temos três segmentosde consumidores que se comportam de maneira diferente:

(a) O segmento com renda acima de 10 salários mínimos, com despesamédia anual de US$ 193,40 (cento e noventa e três dólares norte ameri-canos e quarenta centavos) per capita, que tem farta condição de compraros medicamentos e que tem baixa elasticidade de procura em relação aopreço, normalmente serão os segmentos em que os líderes de mercado sefixam após a perda de proteção patentária;

(b) O segmento com renda entre 4 e 10 salários mínimos, com despesamédia anual de US$ 64,15 (sessenta e quatro dólares norte americanos equinze centavos) per capita, que tem condição de comprar os medicamen-tos, mas que tem grande elasticidade de procura de marcas em relação aopreço, mas em se tratando de medicamentos tem baixa elasticidade para aprocura de tratamentos, obviamente em relação a sua essencialidade e;

(c) O segmento com renda entre 0 e 4 salários mínimos, com despesa médiaanual de US$ 18,95 (dezoito dólares norte americanos e noventa e cinco cen-tavos) per capita, que não tem qualquer condição de adquirir medicamentose, portanto, está na situação muito próxima de inexistência de elasticidadeem relação ao preço, pois por mais baratos que os medicamentos se tornemainda estarão acima de seu poder de compra – conforme informação divul-gada pela Associação Pró-Genéricos 50% dos pacientes que precisam de ummedicamento não podem comprá-lo e abandonam o tratamento.

Sendo o consumo per capita de medicamentos no Brasil representado noquadro abaixo:

População ConsumoGrupo A 15% 48%Grupo B 34% 36%Grupo C 51% 16%

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 84 ] estudosFEBRAFARMA

Page 84: Controle de Preços de Medicamentos

Entre novembro de 1999 e maio de 2000, a Câmara dos Deputados realizouuma Comissão Parlamentar de Inquérito para verificar a situação do acesso dapopulação brasileira aos medicamentos, a CPI dos Medicamentos desenvolveuintensa programação de trabalho, tendo sido realizadas 64 reuniões, compre-endendo audiências públicas e reuniões de trabalho investigatório. Foram recebidos 2.488 documentos, contendo assuntos gerais e 150 mil documentosreferentes à quebra de sigilo bancário. Transcrevemos uma pequena parte de seurelatório, que na época retratou o drama do acesso aos medicamentos pela população brasileira, que levou o Governo Federal a buscar no controle depreços de medicamentos a solução para a crise.

“Segundo a revista americana The Economist, o Brasil é o 9º país do mundoem consumo de medicamentos, mas, quando se trata de consumo per capita,ficamos atrás de mais de cinqüenta países. Enquanto alguns grupos sociais noBrasil têm um consumo anual semelhante aos dos países avançados, a grandemaioria da população tem um consumo parecido com aqueles dos países maispobres do mundo.

Certamente, no interior do segmento de menor consumo per capita, existemgrupos cuja despesa média anual é próxima do zero. Estes grupos dependem exclu-sivamente dos programas governamentais. Outros grupos, apesar de terem algumconsumo, com despesa própria, despendem uma grande parte dos seus recursospara comprar remédios, deixando de atender outras necessidades, ou então, nãoconseguem comprar todos os medicamentos que necessitam.

O processo de envelhecimento da população brasileira, e o conseqüente aumen-to da incidência e prevalência de doenças crônico-degenerativas, torna ainda maisdramática a situação daqueles que não podem comprar medicamentos por suaprópria conta e cria uma demanda cada vez maior, e de maior custo, para o sis-tema de saúde.

Pelas evidências encontradas por esta CPI, podemos inferir que, sob o ponto devista da saúde pública, temos um duplo problema: por um lado, um segmento comamplo acesso aos medicamentos, consumindo-os de forma abusiva e equivocada,conseqüência da extrema liberalidade de ação das farmácias e drogarias que ven-dem qualquer medicamento a qualquer pessoa que as procure; por outro lado,temos um grande contingente de população que não tem poder aquisitivo suficientepara comprar no mercado os produtos de que necessita, que depende dos progra-mas governamentais do SUS, da assistência social ou da caridade alheia.” 114

estudosFEBRAFARMA [ 85 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

114 Relatório da CPI dos Medicamentos, título VI.

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Desta forma, para a classe B, na qual os medicamentos têm baixa elastici-dade de procura em relação aos preços, os medicamentos acabam seqüestrandogrande parte da renda destas famílias e para a classe C, em que a procura é prati-camente inelástica, temos um grande contingente de excluídos, o que gera umproblema social que não pode ser resolvido por uma diminuição de preço dosmedicamentos, mas apenas por uma elevação de renda.

Controle de Preços de Medicamentos

O DRAMA da falta de acesso à saúde diz respeito a um tripé no qual se equili-bram a sociedade, os governos e a iniciativa privada. Tal tripé é formado peloanseio da sociedade em ter acesso a todos os recursos de saúde disponíveis, teracesso aos melhores e mais modernos recursos disponíveis e pela escassez derecursos para viabilizar o alcance destas verdadeiras exigências sociais.

Para o Estado ainda sobra o problema gerado pelo próprio êxito das políti-cas públicas de saúde, uma vez que quanto melhor o seu desempenho maior seráa demanda por utilidades de saúde, uma vez que a maior oferta de tais utilidadesleva ao aumento global de sua demanda como conseqüência do crescimento eenvelhecimento da população, cuja longevidade depende de tais utilidades, bemcomo a uma maior detecção de problemas individuais de saúde, o que acabarápor realimentar o sistema com uma demanda cada vez maior por tais utilidades.

A atividade de saúde é um setor produtivo responsável pela geração e pelacirculação de valores tão expressivos quanto limitadamente conhecidos. A produção de informações detalhadas sobre a estrutura, a distribuição e aevolução destes valores é fundamental para a tomada de decisões, bem comopara a formulação e o acompanhamento de políticas públicas no setor.

Diferentemente da regulação da prestação de serviços públicos transferidospara o particular pelo sistema de concessão, no caso da saúde temos a regulaçãode uma atividade privada, cujo acesso aos particulares é franqueado pelaConstituição Federal de 1988115.

Entretanto, apesar de tratar-se de atividade privada, esta atividade está rela-cionada a bens coletivos (categoria de bens essenciais, capazes de gerar externa-lidades para toda a sociedade), de modo que em decorrência do modelo deEstado de bem-estar social adotado pelo Brasil, e a conseqüente regulação ativada economia, o Estado deve (i) prover o fomento dos mercados de oferta de

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 86 ] estudosFEBRAFARMA

115 Art. 197.

Page 86: Controle de Preços de Medicamentos

bens e serviços de saúde para o aumento da oferta de utilidades públicas (nocaso destes bens coletivos) e (ii) controlar as externalidades negativas da ativi-dade, especialmente as decorrentes da sua falta ou da especulação no forneci-mento destes produtos e serviços.

A experiência de controle e de intervenção de preços de medicamentos noBrasil pode ser dividida em vários períodos: a) o controle de preços realizadopelo extinto Conselho Interministerial de Preços – CIP, nos anos 70/80; b) apolítica do período dos Planos Collor I e II (1990/92); c) o período de acom-panhamento informal de preços que antecedeu o Plano Real (1993/94); d) a liberação gradual do período mais recente (1997/99) e, finalmente, o retorno desua regulamentação que é o objeto deste estudo.

Nas décadas de 70/80, quase todos os preços da economia, em especial os de medicamentos, eram controlados diretamente pelo CIP. Exceção feita aosmedicamentos fitoterápicos, oficinais e homeopáticos, todos os demais eramadministrados por aquele órgão.

O CIP foi criado pelo Decreto 63.196/68 com a finalidade de realizar oacompanhamento de preços e orientação geral da economia brasileira, tendocomo membros os Ministros da Fazenda, da Indústria e Comércio, daAgricultura e do Planejamento e Coordenação Geral.

Para aparelhar suas competências o CIP tinha poderes para (i) requisitarinformações e esclarecimentos dos agentes econômicos, bem como apresentaçãoprévia de preços programados, (ii) para restabelecer níveis de preços e (iii) deter-minar a intervenção do domínio econômico com base na Lei Delegada nº 4 e arepressão ao abuso do poder econômico com base na Lei 4.137/62.

A edição do Decreto-Lei 808/69 pela Junta Militar que governava o paísacabou concedendo todos os poderes para o CIP ser o órgão encarregado deaprovar os aumentos de preços de diversos produtos, inclusive os medicamentos.

A lógica de determinação de preços pelo CIP, conforme os artigos 5 e 6 do Decreto 63.196/68, seguia a linha de que os custos adicionados a um lucroconsiderado razoável pelos administradores públicos deveria ser igual ao preçoautorizado, de modo que, em uma economia fechada, bastava que o agenteeconômico demonstrasse ao órgão um aumento de custos para automatica-mente lhe ser concedido um aumento de preço e, conseqüentemente, de fatura-mento, independentemente de qualquer esforço para aumentar sua partici-pação no mercado ou até de ampliar seu mercado específico.

Todavia, os resultados dessa política foram desastrosos, na medida em queo empresariado nacional, bem como as empresas multinacionais aqui insta-ladas, não buscaram mais uma melhoria em seus processos de produção com a

estudosFEBRAFARMA [ 87 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 87: Controle de Preços de Medicamentos

queda de custos, já que a queda dos custos de produção se refletiria em umabarreira no momento da negociação de aumento de preços com o CIP.

Sabe-se, por exemplo, que a Central de Medicamentos – CEME, órgãoresponsável pelo incentivo à produção nacional de medicamentos, que acabouse transformando simplesmente em comprador de medicamentos para as ini-ciativas governamentais, enfrentou, durante muito tempo, problemas de faltade oferta de diversos medicamentos, que, segundo os fornecedores, ocorreu porinsuficiência de margem de lucro, em razão do controle exercido pelo CIP.

O CIP, no entender de muitos empresários, foi o grande responsável pelasirregularidades de oferta de muitos medicamentos básicos no mercado, nadécada de 80. Os medicamentos mais tradicionais eram justamente os maiscontrolados, pelo seu maior consumo e necessidade.

Em síntese, os empresários, para driblar o controle de preços, passaram aadotar vários expedientes, tais como: cobrança de ágio; a “maquiagem” de pro-dutos – pequenas modificações nos produtos controlados para justificar preçosacima do permitido; adicional de frete; venda casada; superfaturamento, viacompra direta da matriz; uso de matérias-primas e embalagens inferiores e atéaumentos com autorização forjada. Se impossível a adoção de quaisquer dessesexpedientes, ocorria o desabastecimento.

No início do Governo Collor, em março de 1990, quando se deu fim àexistência do CIP 116, os preços dos medicamentos e os demais preços da econo-mia foram congelados em face do descontrole inflacionário (Portaria MDFP n°106, de 16/04/90, Plano Collor I). Em agosto do mesmo ano, iniciou-se oprocesso de liberação de preços do setor e, em outubro, apenas os medicamen-tos de uso contínuo permaneceram sob controle. Esse período caracterizou-sepor fortes elevações de preços, o que motivou um novo congelamento de preçosem fevereiro de 1991, agora sob a égide do Plano Collor II, os preços dosmedicamentos foram novamente congelados.

O período de descongelamento do Plano Collor II teve início com a insta-lação das Câmaras Setoriais117, mais especificamente com a Câmara Setorial daIndústria Farmacêutica. A partir da primeira reunião desta Câmara, ocorridaem 24/05/91, teve início uma nova fase de reajustes de preços no setor, com aautorização de um aumento linear de 8% para todos os produtos (PortariaMEFP n° 418, de 29/05/91).

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 88 ] estudosFEBRAFARMA

116 Cuja extinção se deu através da Lei 8.030 de 12 de abril de 1990 que instituiu a nova sistemática para reajuste de preços e salários em geral.117 Grupos de trabalho que tinham a participação de órgãos do governo e representações da iniciativa privada para propor medidas para o Governo ao lidar com diversos mercados relevantes.

Page 88: Controle de Preços de Medicamentos

Em junho foi autorizado novo reajuste (Portaria MEFP n° 430, de03/06/91), os medicamentos de uso contínuo foram reajustados em 10,8% e osde uso especial, em 6,48%.

Na segunda reunião da Câmara Setorial, ocorrida em 28.06.91, foi autoriza-do novo reajuste de preços em forma de um abono no preço de venda que variou de Cr$ 50,00 a Cr$ 1.250,00 (Portaria MEFP n° 594, de 03/07/91),ocasião em que foram liberados os preços dos homeopáticos, fitoterápicos eoficinais, medicamentos tradicionalmente liberados pela política de controle depreços. Nas duas reuniões seguintes, ocorridas em julho e setembro de 1991,novos reajustes foram acordados (Portarias MEFP n° 156, de 19/08/91, n° 206,de 16/09/91 e n° 953, de 07/10/91).

Na reunião de setembro, ficou determinado para o mês seguinte o reiníciodo processo de liberação gradual de preços do setor, abrangendo 100 classes terapêuticas, assim classificadas: classes de venda livre, classes de receituáriomédico e de doenças crônicas. Iniciou-se o processo pelas classes de maiornúmero de medicamentos e de empresas, sendo a primeira etapa autorizadapela Portaria MEFP n° 940, de 08/10/91, que liberou 24 classes terapêuticas devenda livre. Com as Portarias MEFP n° 275, n° 309 e n° 363, respectivamente,de 07/11/91, 27/11/91 e de 20/12/91, foram iniciadas a segunda, a terceira e aquarta fases do processo de liberação de preços, com a inclusão do segundo,terceiro e quarto grupos de classes terapêuticas, permanecendo sob controleapenas as classes terapêuticas de doenças crônicas. Finalmente, em maio de1992, foram liberados do controle governamental todos os preços dos produtos farmacêuticos da linha humana através da Portaria MEFP n° 37/92.

No período que antecedeu o Plano Real, os preços foram convertidos paraa URV pela média dos meses de setembro a dezembro de 1993, de acordo como disposto na Medida Provisória n° 542, de 30/06/94, que tratou do Plano Real.Entre junho de 1994 e até o final de 1996, o Governo manteve um entendi-mento informal com a indústria farmacêutica, por intermédio do qual foramfixados parâmetros de aumentos de preços a cada 6 meses. Qualquer reajustefora desse acerto era encaminhado à SDE/CADE, para ser objeto de investi-gação no âmbito da Lei 8.884/94.

Entre 1997/99, o Governo, com base no disposto no art. 10 da Lei 9.021/95,baixou a Portaria n° 127, de 27/11/98, estabelecendo nova sistemática de acompanhamento de preços, determinando a obrigação de os laboratórios farmacêuticos comunicarem à Secretaria de Acompanhamento Econômico –SEAE do Ministério da Fazenda os aumentos de preços dos remédios sujeitos à prescrição médica.

estudosFEBRAFARMA [ 89 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 89: Controle de Preços de Medicamentos

Após a desvalorização cambial de janeiro de 1999, a SEAE firmou um acordo decavalheiros com os laboratórios, nas seguintes bases: a) nos produtos importadosprontos, o repasse do câmbio foi realizado em duas parcelas, projetando-se uma taxade câmbio escalonada em duas etapas: a partir de R$ 1,21 em fevereiro para R$ 1,43em março; e R$ 1,70 em abril. Para as matérias-primas importadas ficou acertado orepasse em três parcelas: R$ 1,36 em março; R$ 1,52 em abril e R$ 1,70 em maio.

No período julho/agosto de 1999, vigorou novo acordo, objetivando orepasse do impacto das variações cambiais sobre os demais insumos (basica-mente embalagens). Segundo a SEAE, o aumento médio acumulado foi de 8,0%.

No final do ano 2000 foi editada a Medida Provisória 2.063/2000 de18/12/2000, logo substituída pela Medida Provisória 2.138-2/2000 de28/12/2000, convertida na Lei Ordinária 10.213 a 27/03/2001.

Referidas normas instituíram novamente no Brasil o regime de congela-mento e controle de preços de atividades particulares, especificamente dospreços de venda de medicamentos.

O controle de preços de medicamentos foi atribuído à Câmara deMedicamentos – CAMED, conforme estipulado pelo artigo 12 da Lei 10.213/2001,que seria responsável pela aprovação e análise de tais preços, bem como dos seusaumentos extraordinários e exclusão de categorias de produtos desse regime,entre outras atividades.

Após a extinção da CAMED pelo término da vigência da Lei 10.213/2001em dezembro de 2002 foi feito um acordo entre a indústria farmacêutica e onovo governo para a manutenção dos preços de medicamentos.

A proliferação de legislação relativa à saúde decorre evidentemente da im-portância social dada ao tema. Por sua vez, a maciça intervenção estatal no merca-do de medicamentos decorre de sua crescente essencialidade na manutenção dasaúde da população e, no caso particular do Brasil, do inexorável aumento da bar-reira existente entre aqueles que precisam dos medicamentos e o acesso a estes.

As tabelas seguintes demonstram uma queda no consumo total de unidadesde medicamentos no País118, um aumento de faturamento com vendas se medi-do em reais e uma queda deste faturamento se medido em dólares norte-americanos, para o período entre 1997 e 2003, portanto, tanto sob o congela-mento de preços, quanto em período de liberdade de preços.

A acentuada queda nas vendas de medicamentos é um indicativo do pro-blema social de falta de acesso aos medicamentos, que se tornou também umdrama da iniciativa privada, que vê o mercado de medicamentos cair a cada dia,com inegável impacto em seu faturamento, apesar da possibilidade demanutenção de lucro bruto em mercados monopolizados.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 90 ] estudosFEBRAFARMA

118 Fonte Grupemef, elaborada pela Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica – Departamento de Economia.

Page 90: Controle de Preços de Medicamentos

Mercado Farmacêutico - BrasilVendas nominais em R$ 1000 e

U$ 1000 (sem impostos) e em 1000 unidadesPeríodo: 1997 a 2003 (*)

Mercado Farmacêutico - BrasilÍndice da Evolução das Vendas nominais em

Reais (R$), Dólares (US$) e UnidadesPeríodo: 1997 a 2003 (*)

estudosFEBRAFARMA [ 91 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

18.000.000

16.000.000

14.000.000

12.000.000

10.000.000

8.000.000

6.000.000

4.000.000

2.000.000

01997 1998 1999 2000 2001 2002 2003(*)

1.900.000

1.800.000

1.700.000

1.600.000

1.500.000

1.400.000

Vend

as n

omin

ais e

m R

$ 10

00 e

US$

100

0

Vend

as e

m 1

000

unid

ades

Os dados de 2001 e 2002 foram retificadosFonte: GRUPEMEFElaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Últimos 12 meses móveis até Julho de 2003

Vendas em R$ 1000Vendas em US$ 1000Vendas em 1000 unidades

180

170

160

150

140

130

120

110

100

90

80

70

60

501997

Índice Base 1997=100

1998 1999 2000 2001 2002 2003(*)

Índi

ce B

ase:

199

7=10

0

Os dados de 2001 e 2002 foram retificadosFonte: GRUPEMEFElaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Últimos 12 meses móveis até Julho de 2003

R$US$Unidades

Page 91: Controle de Preços de Medicamentos

1. Controle de Preços de Medicamentos no Exterior

Por conta dos aspectos estudados acima, os preços de medicamentos muitasvezes são elevados por refletirem as falhas de concorrência existentes neste mer-cado, o que é agravado pelo poder conferido aos fornecedores tendo em vista abaixa elasticidade da procura por conta da essencialidade do bem.

Em virtude das externalidades geradas pelo fornecimento de bens e serviçosem saúde e sua importância na interdependência social, estes são consideradosserviços públicos impróprios e, embora no Brasil sua exploração seja permitidapara os agentes econômicos da iniciativa privada, estes são regulamentados peloEstado, inclusive por determinação constitucional.

Os problemas relativos ao mercado de medicamentos e sua importânciasocial não são exclusividade do Brasil, embora aqui os problemas sejam agrava-dos por não termos a criação de medicamentos inovadores pela indústrianacional, que também não tem como característica a detenção de marcas líderesde mercado, além dos problemas graves de distribuição de renda.

Desta forma, diversos países criaram modelos de regulação do mercado demedicamentos, conforme tabelas trazidas pelo estudo do Ipea sobre a indústriabrasileira de medicamentos119, que espelham as principais políticas de regulaçãode preços de medicamentos adotadas pelos países europeus, a primeira (1) comas políticas de intervenção e reembolsos e a segunda (2)120 com as políticas paraa diminuição de custos nos atos de prescrição, dispensação e consumo.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 92 ] estudosFEBRAFARMA

119 FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um EstudoEconométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 17-21.120 “As políticas relacionadas na Tabela 2 podem ser descritas sucintamente da seguinte forma: Listas Positivas eNegativas: as agências de controle de qualidade de medicamentos podem aprovar um medicamento para ser lança-do no mercado, mas isso não significa que ela os considere custo-efetivos, e, portanto, não necessariamente os medica-mentos aprovados para consumo serão elegíveis para reembolso pelo sistema social de saúde. As listas que excluemdeterminados medicamentos do reembolso são ditas ‘listas negativas’. Diretrizes de Prescrição: na verdade, essa éuma medida relacionada à provisão de informação, e equivale aos guias terapêuticos já sugeridos. Em alguns casos,esses guias estão disponíveis sob forma de programas de computador. Mas o monitoramento é necessariamente umamedida de enforcement para que o comportamento de prescrição do médico seja avaliado por seus pares. Cadastrosúnicos dos pacientes são manipulados com este fim, seja por meio da instituição do ‘guardião’, que é um clínico-geralincumbido da triagem dos pacientes, seja através do uso de um smartcard. Orçamentos de Prescrição: médicos indi-viduais, grupos de médicos (Reino Unido) ou até regiões (Alemanha) são sujeitos a restrições orçamentárias, cujoenforcement se dá através de multas por excesso de despesa ou partilha de ganhos em caso de economia de recursos.Substituição de Medicamentos na Dispensação: em geral, os farmacêuticos têm de dispensar exatamente o prescrito.Segundo Hudson (2000), na Europa os médicos freqüentemente especificam simplesmente o nome genérico domedicamento. Na maioria desses países, a substituição só é permitida em emergências ou casos excepcionais, e temde haver o consentimento do médico, tick-in (em vez de haver a substituição a não ser que o médico proíba, (tick-out). Controle de Preços ou Preços de Referência: o preço de referência é o preço do medicamento (genérico) maisbarato, e os custos são reembolsados só até esse valor; qualquer valor acima disso é pago pelo paciente ou pelo médi-co. Co-pagamento: fazendo o paciente pagar por medicamentos parcialmente, o sistema de saúde o incentiva acobrar do médico prescrições mais baratas. Prescrição de Genéricos: Em alguns países, a prescrição de genéricos éencorajada como forma de baixar custos; em outros, onde os preços são baixos, os genéricos não são devidamentepromovidos.” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um EstudoEconométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 17-21.

Page 92: Controle de Preços de Medicamentos

estudosFEBRAFARMA [ 93 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Tabela 1 - Esquemas de Intervenção em Preços

PaísAlemanha

Bélgica

CanadáDinamarca

Espanha

Finlândia

França

Grécia

Holanda

Irlanda

Itália

Noruega

Portugal

Reino Unido

Suécia

Suíça

PreçosLivres para novos produtos

Controle de preços; redução paraprodutos antigosControle de preçosAcordos de preços (redução)

Controle de preços via negociação com base em custosControle via reembolso

Negociação e comparação comoutros paísesControle de preços pelo menor preço europeu para mesma moléculaPreço máximo por comparaçãocom a EuropaAcordo de preços seguido de congelamento (1997/2001); emseguida, revisão com base em comparações internacionaisPreço médio europeu para algunsprodutos; negociação/produtosnovos e inovativosControle se reembolso é desejado

Controle de preços (preço médio);RPI-X em 1998/99Acordo com indústria em controlarlucros, renovado em 1999 por 5 anosControle se reembolso é desejado;base em 10 países; deve ser menordo que Dinamarca, Holanda,Alemanha e Suíça; similar aNoruega e FinlândiaLivres para novos produtos; interven-ção em reembolsos; corte linear depreços para produtos reembolsados

ReembolsoPreços de referência para produtos sem patente

-

-Preços de Referência para Produtos“Análogos”Preços de Referência para DrogasMúltiplasNovos produtos reembolsados em 50% por 2 anos; preços dosexistentes revisados a cada 2 anos;uso de dados farmacoeconômicosquando firmas recorrem por preço razoável

-

-

Preço de referência terapêutica

-

-

Preço de referência (inclusive emdrogas com patente e importaçõesparalelas)

-

-

-

-

Fonte: Kanavos (1999)

Page 93: Controle de Preços de Medicamentos

Fonte: Kanavos (1999)

Verificamos, portanto, que em diversos países apenas os medicamentospassíveis de reembolso têm seus preços controlados, numa fórmula mais suaveapenas quanto ao valor do próprio reembolso e, em uma mais incisiva, quantoao preço do medicamento em qualquer situação, caso este esteja incluído naslistas de reembolso.

Neste aspecto temos uma aproximação do sistema de adesão vigente nosserviços públicos próprios, em que o particular adere ao contrato adminis-trativo que lhe impõe a submissão ao controle estatal para ter um benefícioeconômico, pois também os fabricantes de medicamentos nestes países estarãosujeitos ao controle de preços de medicamentos reembolsáveis, mas em trocaterão um incremento de suas vendas impulsionado pelo próprio reembolso.

Nesta tabela, percebemos que os países europeus se valem de diversasestratégias combinadas para combater as falhas do mercado de medicamentose, assim, garantir a competição entre os fornecedores, que resulta em umadiminuição de preço.

As listas de medicamentos passíveis de reembolso são um forte impulsopara que o fornecedor mantenha preços baixos para seus produtos, pois apenasassim estes serão eleitos para reembolso pelos sistemas públicos de saúde, desta

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 94 ] estudosFEBRAFARMA

Tabela 2 - Políticas de Contenção de Custos nos Atos de Prescrição, Dispensação e Consumo

País

Alemanha

ÁustriaBélgica

DinamarcaEspanha

FinlândiaFrança

GréciaHolanda

IrlandaItáliaNoruegaPortugalReino UnidoSuéciaSuíça

ListaPositiva

Não (masplaneja)

SimSim

SimSim

SimSim

SimSim

SimSimSimSimNão SimSim

ListaNegativa

Sim

NãoNão

NãoSim

NãoNão

NãoNão

NãoNãoNãoNãoSimSimSim

Orça-mento

Sim

NãoNão

NãoNão

NãoSim

NãoNão

NãoNãoNãoNãoSimNãoNão

Dire-trizesSim

SimSim

SimSim

SimSim

SimSim

SimSimSimSimSimSimSim

Prescrição deGenéricos

Sim

NãoPotencial

SimSim

AlgumSim

(“Guardiães”)NãoSim

SimNãoNãoNãoSimSimSim

Substituição

Sim

NãoEm

circunstânciasexcepcionais

SimNão

SimSim

NãoSim

NãoSimNãoNãoNão

AlgumNão

Incentivos

Sim

NãoNão

-Não

NãoSim

(“Guardiães”)NãoSim

NãoNãoNãoNãoSimNãoNão

Co-pagamento

Taxa fixa

Fixa%

% + taxa fixa% até o máximo

por item% + taxa fixa

%

%Taxa fixa + franquiaFranquia

% + taxa fixa% / máximo

%Fixa

FranquiaFranquia + %

Page 94: Controle de Preços de Medicamentos

forma o agente econômico não é obrigado a praticar preços baixos, mas éinduzido a tanto para obter um aumento de vendas de seus produtos.

As diretrizes de prescrição para os médicos visam tratar do problema deagência, fazendo com que estes tenham a preocupação com os custos dos trata-mentos que prescrevem, no mesmo sentido estão os orçamentos de prescriçãoque são concedidos a grupos de médicos para manejarem os custos dos trata-mentos de uma população que está sob sua atenção, com recompensa financeiraem caso de êxito.

Os incentivos à prescrição de medicamentos genéricos visam o combate aoproblema de assimetria de informações, conforme mencionamos anteriormente,o que pode ser reforçado pela permissão de substituição da prescrição médica deum medicamento de marca por um medicamento genérico pelo farmacêutico.

O co-pagamento visa combater um problema que existe nestes países, que éo aumento de custo de tratamento impulsionado pelos próprios pacientes, quepor não arcarem com os custos dos medicamentos que são reembolsados pelosistema público não têm uma preocupação com seus custos. O problema nãoexiste no Brasil, pois não temos políticas públicas de reembolso com gastos emmedicamentos, temos apenas políticas de dispensação direta destes pelo Estado.

O controle de preços, através de preços de referência, nesses países não éfeito nos moldes brasileiros com a pura e simples imposição de um preço devenda, mas apenas com a imposição de um preço para o reembolso do medica-mento pelos sistemas públicos, de modo que novamente o agente econômico éinduzido e não obrigado a praticar preços dentro de um patamar desejado peloórgão regulador.

Já os Estados Unidos da América se caracterizam pela peculiaridade deterem uma reduzida participação do Estado no financiamento de gastos dapopulação com saúde, grande parte de sua população dispõe de seguros eplanos de assistência médica privados, o que não impede que também soframcom o incremento de gastos com a saúde, que foram atacados pelo governoatravés de reformas na regulação dos seguros-saúde nas décadas de 70 e 80.

O sistema preponderante até a década de 80 era o de reembolso dos gastosdos segurados com medicamentos; como o médico era o fator determinantedestes gastos estava presente o problema de agência já discutido, agravado pelaconhecida indústria norte-americana das indenizações, que fazia com que osmédicos não poupassem gastos que pudessem lhes livrar de qualquer respon-sabilidade por má conduta, o que levou ao aumento de gastos com a saúde.

A desregulamentação dos contratos de seguro a partir de meados dos anos70 deu liberdade às seguradoras de criarem um novo sistema, o Managed Care,

estudosFEBRAFARMA [ 95 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

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cujas características fundamentais são: (i) o apontamento pelo segurado de ummédico responsável por indicar e aprovar quaisquer gastos com procedimentosou medicamentos, e (ii) por outro lado os contratos de honorários médicoscontêm incentivos financeiros que refletem os custos e benefícios de longoprazo obtidos com os tratamentos dos pacientes individuais e também da tota-lidade dos seus pacientes, além do que, o paciente sempre terá o Direito deindicar outro médico para a função.

Desta forma, o médico estará preocupado com os custos de tratamento,pois estes refletem em sua remuneração, e também com a saúde do paciente,para evitar que este o substitua e também para que este lhe indique outrospacientes, além de também se preocupar com o aspecto estatístico daquelegrupo que está sob sua gestão121.

Sendo assim, existe naquele mercado forte pressão por parte dos financiadoresprivados de tratamentos médicos e também pelo sistema público, medicare e medicaid, e ainda pelos hospitais, pela troca dos medicamentos de marca pelosmedicamentos genéricos, tendo em vista a redução de custos acarretada pela troca.

A situação de mercado nestes países difere da do Brasil, pois nos países desen-volvidos, o custo dos medicamentos é, em geral, reembolsado ao paciente ou pago dire-tamente ao fornecedor, seja pelo Estado (arranjo mais comum na Europa e Japão), oupor organizações privadas (caso dos Estados Unidos). A coincidência entre pagador eregulador significa que há incentivos em fazer fluir a informação e superar o proble-ma dos bens credenciais, pois os benefícios são apropriados pelo mesmo ente 122.

A legislação brasileira relativa aos planos de saúde, bem como a regulaçãoproveniente da ANS, não prevê a prestação de assistência farmacêutica com ofornecimento de medicamentos aos pacientes, deixando ao arbítrio de cadaoperadora de plano de saúde optar ou não pelo seu fornecimento. Como referi-das operadoras efetivamente não optam por este fornecimento espontanea-mente, o Brasil não conta com os benefícios da pressão que as operadoras deplano de saúde poderiam fazer para a redução dos preços de medicamentos.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 96 ] estudosFEBRAFARMA

121 “Em Andrade e Lisboa (2000) sistematiza-se a evidência dos impactos do Managed Care tanto sobre os gastosmédios com saúde quanto com a sua taxa de crescimento, ambos inferiores ao do sistema de contrato tradicional.Além disso, há evidência de que os médicos realizam uma quantidade maior de exames preventivos no ManagedCare do que no sistema tradicional. Em Lisboa e Moreira (2000) mostra-se que os grupos com maiores perdas derenda em caso de doença, precisamente a PEA, são os maiores beneficiados pelos contratos de Managed Care,enquanto a população idosa pode preferir os contratos tradicionais que, ainda que mais caros, oferecem maioresbenefícios no curto prazo. Esse resultado, como discutido em Andrade e Lisboa (2000), é consistente com os fatosestilizados do mercado de seguros norte-americano em que a maior parte da PEA revela preferência pelo primeirotipo de contrato.” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 23.122 FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um EstudoEconométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 17.

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2. Legislação Brasileira de Controle de Preços de Medicamentos

No Brasil a regulação de mercados muitas vezes é feita através de um controle depreços ou de um congelamento de preços. Em verdade, o congelamento de preçosnada mais é do que um controle de preços com um prazo pré-fixado de manutençãodos preços tabelados, pelo que daremos o mesmo tratamento para ambos.

Importante neste ponto fazer menção que nossas críticas ao controle depreços são voltadas para a atividade privada, não se referindo aos serviçospúblicos próprios, prestados em regime de direito público, na medida em quenestes não temos concorrência que pudesse levar a uma estabilização de preços,pois estamos diante de um monopólio legal.

Após o CIP e os congelamentos gerais de preços em nossa economia, tive-mos uma situação de liberdade em relação ao tema específico de preços demedicamentos, exceto pelos processos abertos pelo CADE por abuso de podereconômico, os quais foram por uma razão ou outra todos arquivados.

No apagar das luzes do ano 2000, foi novamente implementado o congela-mento e controle de preços de medicamentos através da Medida Provisória2.063/2000 de 18/12/2000, logo substituída pela Medida Provisória 2.138-2/2000de 28/12/2000 que foi até sua 4ª (quarta) edição e finalmente se transformou naLei 10.213/2001 de 27/03/2001, que congelou os preços de todos os medicamen-tos pelo prazo de 1 (um) ano, permitindo aumentos através de uma complexafórmula que aplicava o chamado Índice Paramétrico de Medicamentos.

O controle de preços de medicamentos foi atribuído à Câmara deMedicamentos – CAMED, conforme estipulado pelo artigo 12 da Lei10.213/2001, que seria responsável pela aprovação e análise de tais preços, bemcomo dos seus aumentos extraordinários, e exclusão de categorias de produtosdesse regime, entre outras atividades.

Muito embora a Lei 10.213/2001 tivesse previsão, em seu artigo 12, de umaforma de aumento de preços de medicamentos, colocava que este aumento eraextraordinário e excepcional, de modo que o ordinário em sua aplicação foi ocongelamento dos preços, até porque não havia na Lei critérios claros para aconcessão deste aumento de preços.

Os artigos 5 e 6 da Lei 10.213/2001 estabeleciam critério sui generis para asujeição dos laboratórios farmacêuticos ao congelamento de preços, dividindoestas empresas em duas classes distintas conforme tenham praticado aumentodos preços de seus produtos no período de 1/11/1999 a 31/10/2001 em per-centual (i) maior ou igual ou (ii) menor ao Índice Paramétrico de Medi-camentos, arbitrariamente fixado em 4,4% (quatro virgula quatro por cento)(itens 2.1 e 2.2 do anexo da Lei 10.213/2001).

estudosFEBRAFARMA [ 97 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

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As empresas que se enquadravam no primeiro grupo não podiam aumen-tar seus preços enquanto perdurasse o congelamento, e as empresas que seenquadrassem no segundo grupo “(ii)” poderiam aumentar seus preços emjaneiro de 2001 até o limite deste Índice Paramétrico de Medicamentos (4,4%)considerado no período de 1/11/1999 a 31/10/2001, respeitado o limite de 135%(cento e trinta e cinco por cento) do Índice Paramétrico de Medicamentos.

Desta forma, as empresas sujeitas ao congelamento de preços tinham suaconduta posterior à vigência da Lei 10.213/2001 (possibilidade de utilização doaumento em janeiro de 2001) determinada por atos praticados antes destavigência (entre 1/11/1999 e 31/10/2001).

Com isto, a Lei 10.213/2001 impunha de maneira dissimulada a retroaçãodos seus efeitos, penalizando aqueles que antes de sua vigência adotaram con-duta que era arbitrariamente vedada, qual seja, ter aumentado seus preçosacima do limite de 4,4% (quatro vírgula quatro por cento) naquele período.

Ora, a irretroatividade das Leis existe, justamente, para impedir desmandose perseguições, para impedir que alguém seja penalizado por conduta imutável,pois pretérita, uma vez que os sujeitos passivos da lei só devem, pois só podem,obedecê-la após sua vigência ou pelo menos após sua existência, momento emque têm a consciência da conduta que a lei lhes impõe.

Ademais, a irretroatividade das leis também protege o cidadão, em um sis-tema onde o criador da lei não conhece aqueles que por ela serão atingidos,pois sua incidência dependerá de atos futuros, evitando a criação de leis com“alvos certos”, o que, exemplificando pelo absurdo, seria equivalente ao governante, querendo castigar fulano, criar norma por medida provisória tornando crime conduta praticada no dia 17/04/2001 que ele, de antemão,sabe que foi praticada por este.

Portanto, a Lei 10.213/2001 foi inconstitucional por ferir o artigo 5, incisoXXXVI, da nossa Constituição Federal, que trata da irretroatividade das Leis.

A Lei em questão também trazia inválida delegação de poderes à CAMED123

que, segundo esta, tinha poderes para, sem parâmetros definidos, (i) julgar ospedidos de reajustes extraordinários de preços, (ii) decidir pela exclusão de gru-pos ou classes de medicamentos da incidência do regime de congelamento depreços e (iii) definir os documentos a serem apresentados nos Relatórios deComercialização que deveriam ser apresentados mensalmente pelos labora-tórios farmacêuticos.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 98 ] estudosFEBRAFARMA

123 Integrada pelo chefe da Casa Civil, ministro de Estado da Justiça, ministro de Estado da Fazenda e ministro de Estado da Saúde, e com comitê técnico formado pelo secretário de Direito Econômico doMinistério da Justiça, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e um represen-tante da Casa Civil.

Page 98: Controle de Preços de Medicamentos

O princípio da legalidade, base dos países minimamente democráticos, estácristalino no artigo 5, inciso II, de nossa Carta Magna, “ninguém é obrigado a fazerou deixar de fazer senão em virtude de lei”, cabendo repetir em virtude de lei, e nãoem virtude de decreto, de portaria ou até de resolução de quem quer que seja, poisestas normas simplesmente não são lei como requer o princípio constitucional.

Assim, não é possível que nenhum órgão público inove o ordenamentojurídico, criando, extinguindo ou modificando Direitos, como tinha poderes parafazê-lo a CAMED conferidos por transferência pela Lei 10.213/2001. Isto signifi-ca dizer que a criação de Direitos e deveres é prerrogativa apenas do PoderLegislativo, e não tendo este poder criado tal obrigação não pode o PoderExecutivo fazê-lo, a menos que haja uma delegação legislativa pelo CongressoNacional transferindo a competência para legislar sobre determinado temaespecífico para o Presidente da República – único apto a receber tal delegação, ouatravés de medidas provisórias que na verdade nada mais são do que um poder.

O conteúdo do artigo 12 da Lei 10.213/2001 pretendeu realizar, disfarçada-mente, referida delegação conferindo à Câmara de Medicamentos prerrogativa jus-tamente para inovar o ordenamento jurídico sem quaisquer parâmetros ou obje-tivos que deveriam ser perseguidos ou alcançados com seus atos regulamentares:

(i) Alterando o aspecto subjetivo da hipótese de incidência da Lei – compoderes para “excluir grupos ou classes de medicamentos da incidência”;

(ii) “Julgar [segundo os critérios que inventasse, conforme deixa claro oinciso VII do referido artigo 12, ao frisar que a câmara iria ‘elaborar ...os critérios para a concessão de reajuste extraordinário de preços’, assim oinciso I do artigo 12 da Lei 10.213/2001 obrigou o empresariado nacional àmendicância por aumentos de preços, com grau inaceitável de discriciona-riedade pelos administradores públicos”;

(iii) “Regulamentar [na verdade criar critérios e normas jurídicas, pois estesnão estão na lei] a redução dos preços dos medicamentos que forem objeto deredução de tributos”.

Ora, o princípio da legalidade existe justamente para frear os arroubos doPoder Executivo e garantir que a vontade do Congresso – verdadeiro sensor davontade social e espelho da sociedade que o elegeu – seja soberana sobre as dasdemais funções do Estado, sendo certo que ao votar fato consumado (como todosos outros abusos de Medidas Provisórias) de alto apelo de marketing político nãoexpressa livremente esta vontade, como bem sabe nosso Poder Executivo.

estudosFEBRAFARMA [ 99 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

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Consoante à Lei 10.213/2001 o controle de preços não dizia respeito ao con-trole de preços de medicamentos produzidos por empresas estreantes no mer-cado relevante de algum medicamento, em primeiro lugar porque, conformevisto, a empresa estreante não detém poder de mercado, de modo que contro-lar seus preços é uma atitude totalmente contrária ao estímulo da competição edepois porque, a despeito dos entendimentos contrários, referida norma nãocontinha tal determinação.

A questão dizia respeito ao enquadramento dos produtos da empresa estreante na hipótese do artigo 8 da Lei 10.213/2001 – passível de análise iniciale indeferimento pela Câmara de Medicamentos, ou na hipótese do artigo 9desta Lei – passível apenas de congelamento após sua apresentação a referidaCâmara, pois (i) no primeiro caso a empresa estaria sujeita a estabelecer ospreços iniciais de seus produtos pela média das apresentações já existentes e (ii)apenas a manter seus preços congelados, sendo livre para esta estipulação inicial.

Art. 8 – Quando houver a inclusão de novas apresentações de medicamen-tos à lista de produtos vendidos pela empresa, os preços unitários iniciaisnão poderão exceder à média dos preços unitários das apresentações já exis-tentes, e nem ser elevados até 31 de dezembro de 2001.

Art. 9 – Quando houver a inclusão de produtos novos à lista de produtosvendidos pela empresa, o preço inicial não poderá ser elevado até 31 dedezembro de 2001.

A controvérsia que se estabeleceu quanto ao enquadramento das empresasestreantes decorreu dos conceitos de nova apresentação ou produto novo con-tidos nestes artigos que necessitavam de uma perfeita interpretação para oenquadramento do caso concreto em uma ou outra hipótese – produtos novosou novas apresentações.

A resolução nº 4 da CAMED pretendeu elucidar esta questão determinan-do, em seu artigo 1º, que:

§ 1º Consideram-se produtos novos, para efeito do disposto no artigo 9 daMedida Provisória nº 2.138-3, de 2001:

I – os produtos que apresentem em sua composição ao menos um fármacoativo que seja ou tenha sido objeto de patente, por parte da empresa res-ponsável pelo seu desenvolvimento e introdução no mercado no país deorigem, e não disponível no mercado nacional;

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 100 ] estudosFEBRAFARMA

Page 100: Controle de Preços de Medicamentos

II – as novas concentrações e associações no País, desde que destinadas àutilização em indicações terapêuticas diferentes das indicações originais.

E que:

§ 2º Consideram-se novas apresentações, para efeito do disposto no artigo8 da Medida Provisória nº 2.138-3, de 2001:

I – os produtos objeto de alteração de registro;

II – os produtos que forem incluídos no rol de medicamentos já comercia-lizados pela empresa e que não se enquadrem na definição de produtosnovos, prevista no parágrafo anterior.

Justamente neste ponto é que a Câmara de Medicamentos extrapolou desua função regulamentadora infralegal e mudou o conceito contido na Lei10.213/2001, conceituando como produto novo apenas aquele patenteado ouinovador, inexistente no País, e nova apresentação todo o resto.

Referida solução é totalmente contrária aos objetivos constitucionais da re-gulação do mercado de medicamentos, na medida em que justamente o produ-to patenteado é que detém monopólio de mercado relevante e tende a ter seuspreços mais altos, e o não-patenteado é o desafiante em mercado relevante quetende a ter preços mais baixos e, portanto, ser mais acessível para a população.

Percebe-se que tanto o artigo 8 quanto o artigo 9 da Lei 10.213/2001tratavam da “inclusão” de novos produtos ou novas apresentações em um conjunto formado pelos “produtos vendidos pela empresa”, contrariamente àResolução nº 4 da CAMED que tratou desta inclusão no conjunto de produtosvendidos no País, conforme podemos verificar no quadro abaixo.

estudosFEBRAFARMA [ 101 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 101: Controle de Preços de Medicamentos

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 102 ] estudosFEBRAFARMA

Quadro de Comparação de Conceitos

Conceito legalLei 10.213/2001

Conceito infralegalResolução nº 4 da Camed

Novas apresentações(art. 8)

Inclusão de novasapresentações demedicamentos à listade produtos vendidospela empresa

Novas apresentações(Art. 1º, § 2º)

I - os produtos objetode alteração de registro;II - os produtos queforem incluídos norol de medicamentosjá comercializadospela empresa e quenão se enquadrem nadefinição de produtosnovos, prevista noparágrafo anterior.

ProdutosNovos(art. 9)

Inclusão de produtosnovos à lista de produtos vendidospela empresa

ProdutosNovos(Art. 1º, § 1º)

I - os produtos queapresentem em suacomposição ao menosum fármaco ativo queseja ou tenha sidoobjeto de patente, porparte da empresaresponsável pelo seudesenvolvimento eintrodução no mercado no País de origem, e nãodisponível no mercado nacional;II - as novas concen-trações e associaçõesno País, desde quedestinadas à utiliza-ção em indicaçõesterapêuticas diferentes das indicações originais.

Page 102: Controle de Preços de Medicamentos

O artigo 8 da Lei 10.213/2001 determinava que seria aplicado “quando houver a inclusão de novas apresentações de medicamentos à lista de produtos vendidos pela empresa”, deixando claro que são novas apresentações de produ-tos que já existiam na linha de produtos vendidos pela empresa e não comoconstou da desastrada Resolução novas apresentações de produtos que já exis-tiam no mercado farmacêutico, pois se assim o fosse sua redação seria “quandohouver a inclusão de novas apresentações de medicamentos à lista de produtos”vendidos no mercado nacional.

No mesmo sentido o mandamento do artigo 8 da Lei 10.213/2001, determi-nando que “os preços unitários iniciais não poderão exceder à média dos preçosunitários das apresentações já existentes”, só podia estar tratando da média dasapresentações já existentes de produtos da empresa, e não como quiseram nossos administradores públicos – a média das apresentações já existentes nomercado brasileiro, pois, seria fugir à vontade da lei: termos a hipótese tratandode um conjunto (produtos vendidos pela empresa), para o mandamento deter-minar uma conduta com relação a outro conjunto (produtos vendidos no mercado nacional).

Não se pode chegar a outra conclusão pela interpretação teleológica do dis-positivo legal, na medida em que este visava simplesmente evitar que sedriblasse o congelamento de preços mudando apenas a apresentação domedicamento para alegar que se tratava de um novo produto124.

No mesmo sentido o artigo 9 da Lei 10.213/2001 determinava que, “quan-do houver a inclusão de produtos novos à lista de produtos vendidos pela empresa,o preço inicial não poderá ser elevado até 31 de dezembro de 2001”, deixando claroque havendo a inclusão de novos produtos à lista dos medicamentos já vendi-dos pela empresa, estes teriam seus preços estipulados por esta, mas que taispreços não poderiam ser aumentados.

Referida disposição não poderia ser diferente, pois a inclusão de um novomedicamento à lista de produtos da empresa implica em investimentos depesquisa e modificação de estrutura industrial que devem ser amortizados,investimentos mais altos de marketing para a colocação do produto, etc.

Cabendo salientar que a norma legal não continha qualquer menção a patente ou novidade no País, como o fazia a Resolução, que além de tudoferia o princípio da igualdade ao privilegiar as empresas mais poderosas,que têm as maiores margens de lucro com os tais medicamentos inovadores,

estudosFEBRAFARMA [ 103 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

124 Por exemplo, remédio que era vendido em xarope e passa a ser vendido em comprimidos, ou remédio recomen-dado para 1 comprimido de 2Y mg por dia, por outro recomendado para 2 comprimidos de Y mg a cada 12 horas(que são meras novas apresentações de produtos, mantendo assim a clientela mas fugindo do congelamento).

Page 103: Controle de Preços de Medicamentos

tratando os desiguais com desigualdade, a qual agravava a situação, não quea compensava.

No mesmo sentido, a Lei 10.213/2001 determinava em seu artigo 3º que, noseu período de vigência, “as empresas produtoras de medicamentos observarãopara, o reajuste de seus preços, as regras contidas nesta lei”, já deixando claro quevisou controlar o reajuste de preços e não a definição inaugural de preços demedicamentos, como também ficava clara a vedação de “elevações de preços”,determinada em seu parágrafo único.

No mesmo sentido os novos produtos de um laboratório farmacêutico quejá existia antes da edição da Lei, mas que não explorava o mercado relevantedestes novos produtos, também não estava sujeito à definição inicial de preços,mas apenas ao controle de seu reajuste.

Com efeito, o artigo 4 desta Lei “define os parâmetros para reajustes depreços” através da Fórmula Paramétrica de Reajuste de Preços de Medica-mentos, sendo certo que o resultado de sua aplicação é tão-somente a definiçãodo valor máximo do RMP – Reajuste Médio de Preços, que era determinadopelo artigo 6 da Lei.

Igualmente, o critério para a permissão caso a caso de Reajuste Médio dePreços decorria da diferença entre a Evolução Média de Preços da empresa125 eo Índice Paramétrico de Medicamentos de 4,4%.

Conforme se verifica no item 2.1 do Anexo da Lei 10.213/2001 que definiaa Fórmula Paramétrica de Reajuste de Medicamentos, o EMP era calculado combase em variáveis definidas pelo histórico de faturamento do medicamento noperíodo de 1º de novembro de 1999 a 31 de outubro de 2000 e seus preços noperíodo de 1º de agosto de 1999 a 30 de novembro de 2000, informações quedeviam ser fornecidas na forma da Resolução nº 1 da CAMED.

Para os novos produtos (considerados como aqueles que não foram comer-cializados nestes períodos sob nenhuma apresentação pela indústria analisada)não existia no caso concreto este histórico, sem o qual não é possível aplicar a Fórmula Paramétrica para cálculo de reajuste de preços, pois sua única constante IPM (Índice Paramétrico de Preços) não é suficiente para manter aintegridade da fórmula.

Assim, considerando as variáveis de faturamento para os produtos conceituados como novos como “Ø”, pois inexistentes, teremos a perda da consistência da fórmula paramétrica, pois tínhamos divisões por “Ø”:

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 104 ] estudosFEBRAFARMA

125 Evidentemente inexistente para produtos não comercializados pela empresa anteriormente.

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F i = 0, já que suas variáveis Pji e Qj

i serão “Ø”, conseqüentemente FPi = Ø(de maneira mais correta impossível), não obtendo então o EMP adequado.

PiEMP = Ø, pois Pi

ago/99 = Ø

Tudo resultando que o RMP será igual a “Ø” (de maneira mais correta impossível), independentemente do preço do produto em

janeiro de 2001 (caso este preço também não seja “Ø”).

Igualmente, demonstrando que o ratio legis foi o controle do reajuste depreços e as suas reduções na mesma proporção da redução da carga tributária,o artigo 14 da Lei 10.213 estabelecia penalidades apenas para “a empresa queinfringir as regras sobre elevação e redução de preços de medicamentos” 126.

No tocante a empresas que, além de estreantes no mercado relevante, aindaestreavam no mercado de medicamentos, tínhamos que o disposto no artigo 8,da Lei 10.023/2001, que regrava a “inclusão de novas apresentações de medica-mentos” na lista de produtos comercializados pela empresa, claramente limitoua sua aplicação a empresas que já operam no mercado farmacêutico antes dolançamento da nova apresentação, pois, nos termos deste artigo, estas novasapresentações serão acrescentadas “à lista de produtos vendidos pela empresa”.

Ora, se as empresas estreantes não tinham lista de produtos vendidos, poisainda não venderam nenhum produto, não estão acrescentando produtos “àlista de produtos vendidos”, mas sim criando uma lista de produtos que serãovendidos, não estando incluídas nas hipóteses da Lei 10.213/2001.

E no mesmo sentido está a regulamentação feita nos termos do parágrafo2º, do artigo 1º da Resolução nº 4 da CAMED, englobando duas hipóteses nocontrole de preços:

“I – os produtos objeto de alteração de registro” – que não se referia aos produtos das empresas estreantes, pois estes não sofriam alteração dos seusregistros recém-concedidos e;

“II – os produtos que forem incluídos no rol de medicamentos já comercia-lizados pela empresa e que não se enquadrem na definição de produtos novos,prevista no parágrafo anterior.”

estudosFEBRAFARMA [ 105 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

126 Art. 14. A empresa que infringir as regras sobre elevação e redução de preços de medicamentos estabele-cidas nesta Lei fica sujeita às sanções administrativas previstas no art. 56 da Lei 8.078, de 11 de setembrode 1990.

Page 105: Controle de Preços de Medicamentos

Muito embora referida norma infralegal (inciso II do art. 1º, da Resoluçãonº 4 da CAMED) fosse revestida de caráter residual (aplicava-se aos casos nãoenquadrados nas categorias específicas), sua hipótese de incidência continhaum limitador dos casos sob seu foco de aplicação, uma excludente de seu con-junto hipotético de fatos imponíveis, que em Direito tributário seria chamadade norma de não incidência127.

Esse limitador criava um subconjunto de casos possíveis dentro da normaresidual em questão que não se submete a esta.

No caso, esse limitador atuava no critério subjetivo da norma, pois dentrodo conjunto de produtos “que não se enquadrem na definição de produtosnovos”, impunha que estes fizessem parte do “rol de medicamentos já comercia-lizados pela empresa”, o que a contrário sensu impõe que somente as empresasque já comercializassem medicamentos estavam enquadradas na sua hipótesede incidência.

Evidentemente que no sistema da Lei 10.213/2001 a empresa estreante nomercado de medicamentos ou em um mercado relevante de medicamentossujeitava-se ao congelamento de preços, apesar de poder estabelecer livrementeseus preços iniciais.

Em 06 de setembro de 2001, o Presidente da República editou a MedidaProvisória 2.230/2001 alterando radicalmente esse sistema de aplicação daanálise de preços de lançamento de novos produtos/novas apresentações demedicamentos, dando novos poderes para a CAMED além de estender o con-gelamento de preços até dezembro de 2002.

Segundo esta nova Medida Provisória os medicamentos ou apresentaçõesvendidos a partir de 2002 tinham regime jurídico diferenciado para o estabele-cimento de seus preços iniciais.

Segundo o parágrafo único inserido no artigo 8 da Lei 10.213/2001, “asnovas apresentações incluídas na lista de produtos vendidos pela empresa, em2002, observarão os critérios de definição de preços unitários iniciais estabele-cidos pela Câmara de Medicamentos e não poderão ser elevados até 31 dedezembro de 2002”.

E, de acordo com o parágrafo único, inserido no artigo 9, da Lei10.213/2001, “os produtos novos incluídos na lista de produtos vendidos pelaempresa, em 2002, observarão os critérios de definição de preços unitários iniciaisestabelecidos pela Câmara de Medicamentos e não poderão ser elevados até 31 dedezembro de 2002”.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 106 ] estudosFEBRAFARMA

127 Denominação usual, mas imprópria, já que a norma de não incidência é mero complemento da norma deincidência que lhe diminui a abrangência.

Page 106: Controle de Preços de Medicamentos

Referida Medida Provisória permitiu que a partir de 2002 a Câmara deMedicamentos:

1) Determinasse livremente “os critérios de definição de preços unitários iniciais” das novas apresentações, que anteriormente teriam de ser infe-riores apenas a média dos preços unitários das apresentações já existentes,dando, assim, competência para a CAMED alterar por Resolução o manda-mento da norma jurídica em questão e;

2) Determinasse livremente “os critérios de definição de preços unitários iniciais” dos novos produtos, que anteriormente não estavam sujeitos àanálise de seus preços de lançamento, dando competência, na melhor dashipóteses, para a CAMED alterar por Resolução o mandamento dessa novanorma jurídica que determina a análise dos preços de lançamento dosmedicamentos novos.

Mas não é só, a Medida Provisória em questão foi editada pelo Sr.Presidente da República no dia 06 de setembro de 2001, contendo normas paraaplicação apenas em 2002.

Ora, é sabido que, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal de 1988,em sua redação original, o Presidente da República só pode adotar MedidasProvisórias “em caso de relevância e urgência”.

Parece-nos evidente que não havia urgência na edição da referida MedidaProvisória, posto que foi editada em setembro de 2001 com sua eficácia apenaspara o ano de 2002, sendo contraditória a determinação desta eficácia diferida,com o próprio conceito de urgência, pois o que urge não pode esperar até 2002,ainda mais tendo em vista que as Medidas Provisórias, na forma daConstituição Federal, em vigor quando da edição desta Medida Provisória,tinham vigência por apenas 30 dias.

Dessa forma, nosso Presidente da República poderia, sem maiores difi-culdades, ter feito projeto de lei para submissão à votação de nossas CasasParlamentares no regime de urgência previsto no parágrafo único do artigo 64 da Carta Magna. Este seria o caminho constitucional e, acima de tudo, democrático.

No dia 05 de setembro de 2001, o Plenário do Senado Federal aprovou aEmenda Constitucional nº 32, que impediu a reedição de Medidas Provisóriasmais de uma vez, mas que, em seu artigo 2º, determinou que as medidas pro-visórias editadas em data anterior à sua publicação permanecessem em vigoraté sua revogação por outra Medida Provisória, ou até deliberação definitiva doCongresso Nacional.

estudosFEBRAFARMA [ 107 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 107: Controle de Preços de Medicamentos

No dia da votação da Emenda, o Deputado Efraim Morais convocou sessãono Plenário da Câmara dos Deputados para o dia 11 de setembro de 2001 paraa promulgação da referida Emenda Constitucional nº 32, e no dia 06 de setem-bro de 2001 foi publicada a citada Medida Provisória.

Desta forma, referida Medida Provisória, como tantas outras, teve vigênciacomo se Lei fosse, atitude premeditada e contrária à moralidade adminis-trativa, posto que voltada a burlar as normas constitucionais voltadas a provi-soriedade das, por isso assim denominadas, Medidas Provisórias.

Com efeito, tal Medida Provisória além da inconstitucionalidade já aponta-da padeceu de outro vício insanável pela ausência do pré-requisito da urgênciaexistente na redação original do artigo 62 da Constituição Federal e existente nanova redação do artigo dada pela Emenda Constitucional 32/2001, pelo quetodos os seus efeitos tanto no tocante a extensão do prazo de congelamento depreços de medicamentos, quanto na extensão dos poderes da Câmara deMedicamentos, são inválidos perante nosso sistema jurídico.

3. Regulação de Preços de Medicamentos pela Lei 10.742/2003

Após o término da vigência do congelamento de preços apontado acima, novácuo criado na mudança de governo causada pela eleição presidencial, vigorou umacordo entre os laboratórios farmacêuticos e o novo governo que manteve o congelamento de preços até a edição da Medida Provisória 123 de 26 de junho de2003, que novamente congelou os preços de medicamentos até março de 2004,determinando que a partir de então os preços de medicamentos seriam definitiva-mente controlados, tendo sido convertida na Lei 10.742 de 6 de outubro de 2003.

Pelo exposto, quanto às falhas existentes no mercado nacional de medica-mentos fica clara a necessidade de regulação deste mercado para a criação decondições efetivas de concorrência128, salientando que a intervenção só se

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 108 ] estudosFEBRAFARMA

128 “Na teoria de preços, num regime de concorrência, existem o preço normal e o de mercado. O preço normalé praticamente inviável de obtenção, considerando o dinamismo social e a constante mutação das relações e ascondições econômicas. O preço de mercado é aquele constatado em determinado momento, influenciando pelojogo da oferta e procura de bens. Sua determinação condiciona-se às leis do mercado, que são: regra da utili-dade, entendendo-se que o preço é único num dado momento para um objeto determinado; regra de ação, naqual o preço tende a subir quando a procura excede a oferta e o preço tende a baixar na situação inversa; regrade reação, na qual a alta de preços tende a reduzir a procura e a aumentar a oferta, assim como a baixa fazaumentar a procura e diminuir a oferta; regra do equilíbrio, na qual o preço se estabelece a tal nível que a ofer-ta se iguala à procura. Ocorre, no entanto, que essas regras que atuam no mercado livre de determinações nemsempre apresentam os resultados pretendidos, gerando desequilíbrios. Nesse momento se justifica a intervençãodo Estado para regular e reequilibrar a economia, afastando as distorções geradas.” SANCHEZ, C.G. Aspectosda Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional. 1999. 120f. Dissertação (Mestradoem Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, págs. 86 e 87.

Page 108: Controle de Preços de Medicamentos

justifica nos mercados relevantes em que esta realmente não se apresente, peloque devemos estudar se a medida tomada pelo Governo Federal é legítima paraesta finalidade.

Com efeito, “a fixação de preços pelo Estado gera a obrigação, para o agenteeconômico, de praticá-lo no limite fixado, daí se originando dois Direitos distintos:o público, do Estado, de ver cumprida sua determinação, tendo em vista a satisfaçãodo interesse social; o privado, da parte adversa contratante, de ver satisfeito o seuinteresse, pessoal, em não pagar mais do que o definido pelo texto normativo” 129.

Sendo assim, o agente econômico só poderá cobrar pelos seus produtos osvalores autorizados pelo órgão competente para definir seus preços, podendoem caso de descumprimento tanto ser penalizado administrativamente, quantoser acionado pelos compradores de seus produtos.

O controle de preços trata das conseqüências da falta de concorrência, dosseus efeitos, sem efetivamente tratar das causas que levam ao seu aumento abu-sivo, é uma medida extrema que substitui o próprio mercado, pois bloqueia osinal que os agentes econômicos trocam entre si, qual seja o próprio preço,referida medida acaba gerando grande poder para o administrador público,que passa a ter a competência para tomar a decisão sobre o aumento de preçosolicitado pelo fornecedor.

Dessa forma, o poder econômico acaba submetido ao poder político quepassa a dar uma finalidade ao mercado, contrastando com a própria idéia deconcorrência que levaria os fornecedores na ânsia de aumentar sua participaçãono mercado a buscarem diferenciais entre si de forma aleatória. O controle depreços aniquila a efervescência do mercado que é responsável pelas evoluçõesinusitadas do próprio mercado selecionadas pelas escolhas do consumidor.

No controle de preços o poder político dá uma finalidade ao mercado, afinalidade política que acaba com esta efervescência natural do mercado, já queo agente econômico passa a jogar com base não mais nos movimentos dos con-sumidores mas sim com base nos movimentos do governo, passando a buscar amaximização de seus resultados através deste relacionamento com o governo.

O fenômeno é o mesmo que já ocorreu nos tempos do CIP, quando os agenteseconômicos deixaram de buscar o aumento de produtividade e redução de custos,simplesmente porque para maximizar seus resultados não poderiam diminuir seuscustos, pois se o fizessem não teriam argumentos para obter aumentos de preço.

Outro malefício do controle de preços é o risco de o administradorpúblico competente para aprovar os aumentos de preços passar a utilizar

estudosFEBRAFARMA [ 109 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

129 GRAU, Roberto E. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores,2003, págs. 86 e 87.

Page 109: Controle de Preços de Medicamentos

seu poder para fins próprios, sejam escusos ou simplesmente fins políti-cos, o que é até natural já que para este a maximização dos resultados sedá pela popularidade de suas medidas e não pela sua eficiência, de modoque este poderá adotar medidas populares mas ineficientes do ponto devista econômico.

No nosso entender é ingênuo argumentar que o administrador públicoprocurará sempre as medidas mais eficazes porque estas gerarão melhoriaseconômicas que lhe darão maior popularidade, na medida em que seusinteresses pessoais tendem a interferir em seu critério de julgamento, umavez que:

(i) Os políticos têm em mente sempre o calendário eleitoral, de modo quesuas medidas têm de produzir resultados sensíveis no período pré-eleitoralpara que eles possam colher resultados nas próximas eleições ainda que asmedidas produzam efeitos negativos após este prazo e;

(ii) Também há assimetria de informações nas eleições, de modo que o queimportará para o político não são os efeitos reais de suas medidas mas simos efeitos perceptíveis pelo eleitor.

Efetivamente, diversas opções econômicas podem ser tomadas para ter umbom resultado em curto prazo, com péssimos resultados em longo prazo, porexemplo o aumento de importações de países que, por diversas razões, possuempreços mais competitivos em relação aos fornecedores nacionais (p. ex. legis-lação trabalhista, fiscal ou ambiental mais branda), o que gera uma reduçãomomentânea de preços mas acaba por desmantelar o parque industrial nacionalcriando dependência de importações, como ocorrido no mercado de matérias-primas farmacêuticas.

Ainda que todos os agentes econômicos e políticos estejam extremamentebem-intencionados e desprendidos de seus interesses pessoais – hipótese abso-lutamente cerebrina já que sabidamente irreal –, o controle de preços trarámalefícios a longo prazo porque (i) os detentores de capital serão arredios afazer investimentos em um mercado sujeito a possíveis humores políticos, e (ii)os políticos teriam de ser oniscientes em relação às informações do mercado edos fornecedores e consumidores envolvidos para conseguirem ajustar total-mente os preços tabelados à realidade temporal e regional dos mercados rele-vantes em tempo real, o que evidentemente é impossível, de modo que suasdecisões têm grande probabilidade de serem equivocadas, intempestivas e

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 110 ] estudosFEBRAFARMA

Page 110: Controle de Preços de Medicamentos

injustas, gerando graves desequilíbrios e instabilidades para o mercado regula-do, o que gradativamente levará ao desabastecimento130.

Por estas razões o controle de preços de medicamentos não foi recomen-dado pela CPI dos Medicamentos:

“Dentro do atual quadro político-econômico brasileiro não há mais campopara a prática de políticas de tabelamento de preços. A experiência passada arespeito foi desastrosa, especialmente no caso dos medicamentos. Os laboratórios,para driblar o controle de preços, passaram a adotar vários expedientes: cobrançade ágio; ‘maquiagem’ de produtos; venda casada; preços de transferência na com-pra de matéria-prima diretamente da matriz; uso de matérias-primas e embala-gens inferiores e até aumentos com autorização forjada. Se impossível a adoção dequaisquer desses expedientes, ocorria o desabastecimento.

Por outro lado, o tabelamento de preços, além de não assegurar preços estáveispor prazos razoáveis, afugenta os investimentos que poderiam ser feitos no setor,seja para pesquisa e desenvolvimento para a produção de novos medicamentos,seja para a implantação de plantas mais modernas e produtivas.

Não há, portanto, em economias de livre mercado, como a nossa, alternativapara evitar a prática de preços excessivos e lucros arbitrários que não seja através

estudosFEBRAFARMA [ 111 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

130 “Quais serão as conseqüências deste controle de preços? Podemos analisá-las utilizando o instrumento jádesenvolvido de oferta, demanda e equilíbrio. Ao preço P1 haverá demanda insatisfeita. Nem toda a quan-tidade desejada pelos consumidores (Q0) pode ser adquirida, pois os ofertantes só desejam vender a quanti-dade Qs. Sem o tabelamento, surgiriam pressões para os preços aumentarem, de forma que tornasse a quantidade demandada igual à oferecida. Em outras palavras, o mecanismo de preços é responsável ou é aforma pela qual a quantidade ofertada se distribui entre os consumidores. Com o aumento de preços, desa-parece o excesso de demanda. Estabelecido o tabelamento, os preços não poderão subir. Serão necessários outros mecanismos para distribuir a quantidade ofertada entre os consumidores. Vários sistemas aparecemespontaneamente. Vamos apresentá-los por meio de um exemplo. Suponhamos que joguem, no Morumbi,São Paulo e Corinthians decidindo o campeonato paulista. Os ingressos são tabelados e limitados. O públicoque deseja apreciar o espetáculo é maior que a capacidade do estádio. Surge o excesso de demanda. Como esteproblema pode ser resolvido? Existem várias possibilidades. I – surgirem filas nas bilheterias. Os primeirosque chegarem serão contemplados. As filas aparecem não só no futebol, mas nos cinemas, nos ônibus e outros.É critério que surge quando aparece excesso de demanda. II – serem feitas vendas por debaixo do pano. AFederação Paulista de Futebol reserva certo número de ingressos e os vende aos amigos. Em geral, a Federaçãosepara parte dos ingressos aos clubes, e estes os vendem a seus diretores e conselheiros. Esses adquirem ingres-sos sem precisar entrar em filas. Mas não é só neste caso que surgem essas vendas. Podem surgir para qual-quer produto que seja escasso em certo momento. Um vendedor qualquer recebe produção limitada de deter-minado artigo de grande demanda. Para quem ele vai vender? Em geral, vai dar preferência aos freguesesantigos, aos amigos e a outras pessoas, por outras razões. Para os demais consumidores, a mercadoria “estáem falta”. III – surgir o mercado negro. Alguns elementos (cambistas) compram certas quantidades de ingres-sos e os vendem a preços maiores que os fixados, daí auferindo lucros. O mercado negro surge quando aautoridade não dispõe de meios adequados para fiscalizar as vendas. O mercado negro pode surgir no ataca-do ou no varejo, dependendo das condições de mercado e de fiscalização. Assim, por exemplo, se houver pou-cas empresas produtoras do bem tabelado, a fiscalização nesse nível é fácil e operante. Mas, se no varejo hou-ver muitos vendedores, as dificuldades de fiscalização poderão causar o aparecimento do mercado negro. Essastrês são as formas mais comuns e surgem espontaneamente no mercado.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS,M.A S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, págs 153 e 154.

Page 111: Controle de Preços de Medicamentos

dos instrumentos de controle indireto de preços, via monitoramento e acompa-nhamento do mercado.

Em absoluto defendemos a desregulamentação do setor. É dentro dessa óticaque entendemos deva ser construído um ambiente de regulação de preços que possasuperar os problemas decorrentes das falhas de mercado e assegurar o equilíbriorelativo dos preços de medicamentos.

É isso que existe nas economias de mercado do mundo e o Brasil não pode seafastar dessa realidade.” 131

As mesmas opiniões foram expressas pelo Ministério da Fazenda:“O Ministério da Fazenda é de opinião que trata-se de alternativa que não

pode ser descartada, tendo em vista a importância do setor para a saúde e para apoupança da população. O Ministério é, entretanto, de opinião que as medidas denatureza estrutural e regulatórias acima discutidas, uma vez adotadas, terão ocondão de assegurar evolução módica de preços nesse setor. O Ministério é deopinião que essas medidas devem ser implantadas antes de ser considerada ahipótese mais traumática de controle de preços. Isto porque a eventual instituiçãode sistema de controle de preços (i) poderia ter o efeito, indesejável, de inibir inves-timentos no setor, inclusive em pesquisa e desenvolvimento; (ii) seria contrária aoprocesso de liberação de preços da economia que o Brasil vem conhecendo ao longodos últimos anos, e que tem efeitos benéficos para o grau de competição entre osagentes econômicos; (iii) introduziria distorções no funcionamento do setor, prin-cipalmente por substituir, com relação a preços, as decisões dos agentes econômicospelas decisões, necessariamente menos eficientes, do Governo.” 132

O tabelamento de preços também encontra dificuldades práticas de apli-cação, que o tornam ineficiente, conforme apontou Paulo Correa, Secretário-Adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério daFazenda133, na época da própria CPI dos Medicamentos:

“O tabelamento de preços não funciona por diferentes razões. Uma delas éque a empresa regulada detém, por definição, mais informações sobre o seunegócio que o órgão regulador. Nessa situação, é difícil para o órgão reguladordistingüir despesas legítimas das ilegítimas e praticamente impossível definir ospreços socialmente ótimos. Mesmo que fosse possível calcular tais preços, vigiara sua aplicação não seria uma tarefa factível: são mais de 10 mil apresentaçõesde medicamentos éticos comercializados em mais de 42 mil drogarias. Por isso,

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 112 ] estudosFEBRAFARMA

131 CPI dos Medicamentos, Título XII – Conclusões.132 Nota à imprensa, sobre preços de medicamentos, divulgada em 27/11/98.133 CORREA, Paulo, Para além do Tabelamento, Disponível em http://www.fazenda.gov.br/seae/arquivos/artigo_remedios.pdf>, Acesso em 15 out. 2003.

Page 112: Controle de Preços de Medicamentos

não há experiência internacional exitosa de tabelamento de preços.Mesmo o Canadá, que vem sendo mencionado como exemplo a esse respeito,

controla apenas os preços dos medicamentos com patente em vigor no país. NoReino Unido, outra referência freqüente, o que existe desde 1993 é uma política decompras públicas que estabelece, como condição de aquisição, um nível máximo dereajuste de preços, o que é distinto do simples tabelamento de preços de medica-mentos vendidos em drogarias.

A previsão de sanções à fixação de preços abusivos, que consta da Lei 8884/94,apresenta pelo menos um problema operacional. O conceito de preço ‘abusivo’ sófaz sentido quando existe um parâmetro de referência. Ao definir esse parâmetro,entretanto, todos os preços superiores tornam-se, por conseqüência, ilegais.Estaríamos, portanto, de volta ao sistema de tabelamento de preços, com todas ascontra-indicações conhecidas.

Alternativamente, poder-se-ia considerar ‘abusivo’ todo o preço decorrente de umaconduta anticompetitiva, independentemente do parâmetro de referência. Esta inter-pretação implica, entretanto, redirecionar o foco da questão do simples tabelamento depreços para o da investigação das condutas que lhes dão origem. É sintomático quetodos os 151 casos de abusividade de preços (35 da indústria farmacêutica) julgadospelo CADE, entre 1997 e 1998, tenham sido considerados improcedentes.”

O resultado desastroso do tabelamento de preços pode ser observadoempiricamente nas tabelas preparadas pela Federação Brasileira da IndústriaFarmacêutica, que engloba as associações representativas dos laboratórios far-macêuticos, nacionais e internacionais, que operam tanto com medicamentosinovadores, quanto genéricos e similares.

A primeira tabela representa a perda de faturamento da indústria farma-cêutica com vendas de medicamentos no Brasil:

estudosFEBRAFARMA [ 113 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Page 113: Controle de Preços de Medicamentos

Brasil - Indústria FarmacêuticaValor das Vendas (sem impostos)

US$ bilhões - Período: 2000 a 2003 (*)

A tabela abaixo aponta a perda de recolhimento de impostos incidentessobre as operações da indústria farmacêutica:

Brasil - Indústria FarmacêuticaArrecadação de Impostos Diretos sobre as Vendas

US$ bilhões - Período: 2000 a 2003 (*)

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 114 ] estudosFEBRAFARMA

2000

6,715,69

-1,02

5,20

-0,48 -0,52

4,68

2001

Perda nas vendas Perda nas vendas Perda nas vendas

2002 2003(*)

US$

bilh

ões

Perda de 2 bilhões de dólares nas vendas nos últimos 3 anos7,06,56,05,55,04,54,03,53,02,52,01,51,00,50,0

-0,5-1,0-1,5

Fonte: GRUPEMEFElaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

2000

1,651,40

-0,25

1,28

-0,12 -0,13

1,15

2001

Perda na arrecadação Perda na arrecadação Perda na arrecadação

2002 2003(*)

US$

bilh

ões

Perda de 500 milhões de dólares na arrecadação de impostos diretos nos últimos 3 anos

1,8

1,5

1,3

1,0

0,8

0,5

0,3

0,0

-0,3

-0,5

Elaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

Page 114: Controle de Preços de Medicamentos

A tabela abaixo espelha a perda de postos de trabalho na indústria farma-cêutica no Brasil:

Brasil - Indústria FarmacêuticaNível de Emprego (direto)

Período: 2000 a 2003 (*)

Abaixo, temos a tabela que demonstra o quanto arredios os detentores decapital se encontram com o mercado brasileiro de medicamentos, através daperda de investimentos em ativos fixos na indústria farmacêutica no Brasil,demonstrando que os capitais estão migrando para outros investimentos e que,a longo prazo, a competição no mercado de medicamentos tende a diminuirainda mais como efeito da redução da oferta de medicamentos e presença deconcorrentes neste mercado.

Brasil - Indústria FarmacêuticaInvestimentos e Expectativa de Investimentos em Ativo Fixo

US$ milhões - Período: 2001 a 2003 (*)

estudosFEBRAFARMA [ 115 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

2000

49.600

48.100

47.30045.800

2001 2002 2003(*)

Empr

egos

dire

tos

Perda de 3.800 postos de trabalho nos últimos 3 anos52.000

48.000

44.000

40.000

Fonte: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa

147

506

121

561

100

616

2001 2002 2003(*)

US$

milh

ões

Perda de 1,5 bilhão de dólares nos investimentosem ativo fixo nos últimos 3 anos

700

600

500

400

300

200

100

0

Fonte: Interfarma/Grupo de EmpresasElaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

InvestimentosExpectativa deinvestimentos

Page 115: Controle de Preços de Medicamentos

E por fim, a queda das exportações da indústria farmacêutica nacional quesinaliza nossa perda de competitividade em relação ao mercado internacionalde medicamentos.

Brasil - Indústria FarmacêuticaExportações e Expectativa de Exportações

US$ milhões - Período: 2001 a 2003 (*)

Da análise das tabelas anteriores, podemos extrair que a política de conge-lamento e controle de preços, que já não solucionou o problema do acesso amedicamentos da indústria nacional nos anos 70/80, também não produziuefeitos positivos em seu renascimento recente, pelo que a Lei 10.742/2003 quenovamente impôs este sistema de autoridade neste mercado certamente tam-bém não resolverá o problema, pois, como dito, cuida apenas dos efeitos das fa-lhas do mercado de medicamentos, não de suas causas, que portanto perduram.

Ademais, o controle de preços contido na Lei 10.742/2003 prevê reajuste depreços anuais, o que apenas serve para aumentar sua ineficiência, tendo em contaque a rapidez do sistema econômico não se ajusta à lentidão de, apenas anual-mente, poder se dar o reajuste de preços, de modo que o estabelecimento de prazofixo apenas aumenta a assincronia existente entre os sistemas econômico, jurídi-co e político, o que milita fortemente contra o próprio sentido da regulação feitapelo Poder Executivo que visa reduzir e não aumentar tal assincronia.

Portanto, considerando o disposto no artigo 196 da Constituição Federalque determina que somente serão constitucionais as medidas eficazes do pontode vista econômico para aumentar o acesso da população aos medicamentos eque, como visto, o congelamento de preços não é eficaz para esta finalidade,resta evidente a sua inconstitucionalidade.

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 116 ] estudosFEBRAFARMA

132

214

142

240

153

269

2001 2002 2003(*)

US$

milh

ões

Perda de 298 bilhões de dólares nasexportações nos últimos 3 anos

350

300

250

200

150

100

50

0

Fonte: Interfarma/Grupo de EmpresasElaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

ExportaçõesExpectativa

Page 116: Controle de Preços de Medicamentos

Isto posto, o artigo 4 da Lei 10.742/2003, que trata da fixação de preços de medicamentos e seu artigo 7, que trata do estabelecimento de preços para produtos novos ou novas apresentações 134, devem ser automaticamente considerados banidos de nosso Direito, tornando ineficaz o inciso IV, do artigo6 da referida Lei, que prevê a exclusão e re-inclusão de mercados relevantes nocontrole de preços135.

Neste ponto é importante salientar que o debate ora em pauta não tem qual-quer relação com os aspectos já questionados do controle de preços de mensali-dades escolares perante o Supremo Tribunal Federal, que tem como paradigmao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 319-4, proposta pelaConfederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, Confenem.

A importância da diferenciação decorre de os serviços de educação teremem comum com o setor de saúde o fato de serem serviços públicos não priva-tivos e, portanto, existir a possibilidade de algum desconhecedor dos debatestravados naquela ocasião os confundir com os ora realizados.

Pois bem, naquela oportunidade a Confenem sustentou a impossibilidadedo controle de mensalidades escolares pela afronta ao artigo 170 da Cons-titituição Federal, especialmente no tocante à livre iniciativa.

Neste estudo, sustentamos algo completamente diferente, sustentamos ainconstitucionalidade do controle de preços de medicamentos pela sua ineficá-cia e contrariedade aos artigos 196 e 197 da Constituição Federal, que obvia-mente devem ser aplicados em conjunto com o artigo 170 da mesma Carta.

Os argumentos daquela ação judicial jamais poderiam ser os mesmos que os aquiexpendidos pelo simples fato de que a obrigatoriedade de ampliação de acesso nãoexiste no artigo 209 da Constituição Federal que trata da atuação privada na educação.

Após este breve mas necessário esclarecimento, salientamos que, ainda quese pudesse entender como constitucional o tabelamento de preços, os critériosestabelecidos pelo referido artigo 4 da Medida Provisória 123/2003 são absolu-tamente impróprios para alcançar os fins constitucionais ou da própria normaexpressos em seu artigo 1º.

Nos termos do citado artigo 4, a fixação de preços de medicamentos serábaseada em um modelo de teto de preços calculado em três fatores, quais sejam:

estudosFEBRAFARMA [ 117 ]

CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

134 Para os quais valem as mesmas observações feitas sobre os artigos 8 e 9 da Lei 10.213/2003 feitosanteriormente.135 Medida razoável caso o tabelamento fosse constitucional, pois permite a avaliação da existência de concor-rência em mercado relevante e sua liberação, embora o inciso careça de determinação clara deste objetivo,bem como de um tratamento específico não só para o tratamento peculiar dos mercados relevantes, mas também para cada jogador de um mercado relevante em relação ao poder de mercado que detém, não temsentido controlar preços de um desafiante que ainda não acumulou poder de mercado.

Page 117: Controle de Preços de Medicamentos

a) Um índice monetário, o IPCA/IBGE, que contém em sua composiçãofatores que não estão relacionados com o mercado de medicamentos e nãocontém fatores intimamente relacionados com o setor, como, por exemplo,a variação cambial;

b) Um percentual de fator de produtividade destinado a passar para os con-sumidores os ganhos de produtividades da indústria, o que traz novamenteas práticas do CIP na medida em que as empresas deixariam de buscar a pro-dutividade, pois esta se torna prejudicial na fixação oficial de seus preços;

c) Um fator de ajuste de preços relativos com um componente (i) intra-setor com base no poder de monopólio, na assimetria da informação e nasbarreiras a entrada; e (ii) entre setores calculado com base na variação decustos de insumos, caso não sejam recuperados pelo IPCA/IBGE.

Este último componente merece algumas considerações no tocante ao com-ponente intra-setor. Em primeiro lugar espanta que o componente realmente re-lativo à análise casuística de mercados relevantes, verdadeira regulação econômica,tenha apenas ínfima influência na determinação dos referidos preços.

Em segundo lugar, é bastante evidente que, ao inverter a relação colocando otabelamento de preços em primeiro lugar e para todos os medicamentos comer-cializados e, depois, permitindo uma análise oficial dos fatores concorrenciais, aefetivação da métrica se torna inviável, especialmente se considerarmos a divisãogeográfica de mercados relevantes, pois (i) a máquina estatal não terá recursoshumanos para a análise de todos os mercados relevantes (conforme já menciona-do) e acabará por fixar índices gerais que não refletirão a realidade de cada mer-cado relevante e (ii) a lógica de funcionamento da máquina estatal não con-seguirá realizar as liberações de preços em velocidade suficiente para acompanhara velocidade das oscilações de mercado, gerando prejuízos ao próprio mercado.

O órgão responsável pela regulação de preços de medicamentos segundo aLei 10.742/2003 é a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos(CMED), que tem competência para estabelecer critérios para fixação de mar-gens de comercialização de medicamentos a serem observados pelos represen-tantes, distribuidores, farmácias e drogarias, inclusive das margens de farmáciasvoltadas especificamente ao atendimento privativo de unidade hospitalar ou dequalquer outra equivalente de assistência médica (art. 6, inciso V).

A prática não é nova pois desde a Portaria nº MEFP 37/92 já temos a fixa-ção de margens de lucros das farmácias em 30%, com resultados desastrosos

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

[ 118 ] estudosFEBRAFARMA

Page 118: Controle de Preços de Medicamentos

conforme apontou a CPI dos Medicamentos, que inclusive também concluiupela sua inconstitucionalidade:

“Por outro lado, as investigações feitas demonstraram, claramente, que aPortaria n° 37/92, por prefixar margens para as distribuidoras e farmácias, estimu-la a prática de sobrestimação de custos/preços. Assim, para cada 1% de aumento noscustos dos laboratórios, ela repercute em acréscimo de 1,43% no preço de varejo domedicamento. Ademais, é patente a sua inconstitucionalidade por prefixar margemde custos/lucros das distribuidoras e farmácias, razão pela qual estamos propondosua revogação.” (Relatório da CPI dos Medicamentos – Título XII – Conclusões).

De modo que igualmente entendemos absurda a manutenção da referidamedida até os dias de hoje e inconstitucional também esta reincidência da Lei10.472/2003 nos erros do passado.

A despeito do inconstitucional congelamento/controle de preços, com rea-justes anuais, a nova norma de regulamentação de preços de medicamentospossui inegáveis avanços se comparada com a anterior, especialmente porquecontém os objetivos que devem ser alcançados pelo órgão regulador, quaissejam: promover a assistência farmacêutica à população por meio de mecanis-mos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor (art.1º), os quais estão em consonância com a norma constitucional.

Referida norma cria órgão específico para a regulação do setor, o que ésaudável tendo em conta suas especificidades e relevância social, porém andamal ao determinar que a composição do órgão será feita pelo Executivo, que ofez através do Decreto 4.776/2003, determinando que o órgão será compostopor um Conselho de Ministros presidido pelo Ministro da Saúde, com a parti-cipação do Chefe da Casa Civil da Presidência da República, do Ministro daJustiça, e do Ministro da Fazenda, determinando que as decisões serão tomadaspor unanimidade, o que é claramente contrário à agilidade na tomada de qual-quer decisão que depende de negociação entre as pastas.

O Conselho de Ministros terá competência para I – aprovar critérios parareajustes de preços de medicamentos; II – decidir pela inclusão ou exclusão deprodutos no regime de tabelamento; III – aprovar o regimento interno daCMED; e IV – aprovar os preços dos medicamentos que forem objeto de alte-ração da carga tributária.

Para as funções operacionais foi constituído um Comitê Técnico Executivocoordenado pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Mi-nistério da Saúde e composto pelo Secretário-Executivo da Casa Civil da Presidênciada República, pelo Secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, epelo Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

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Desta forma, percebe-se que não foi criada uma agência com poderes inde-pendentes, mas simplesmente um órgão do Poder Executivo, que certamentedecidirá as questões do mercado farmacêutico segundo critérios políticos, comtodos os problemas já mencionados136.

Excluindo-se o conteúdo inconstitucional da Lei 10.742/2003, resta que aCMED terá por objetivos a adoção, implementação e coordenação de atividadesrelativas à regulação econômica do mercado de medicamentos, voltados a pro-mover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos queestimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor, com asseguintes competências:

• Definir diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do mercado de medicamentos;

• Coordenar ações dos órgãos componentes da CMED voltadas à implemen-tação dos seus objetivos;

• Sugerir a adoção, pelos órgãos competentes, de diretrizes e procedimentosvoltados à implementação da política de acesso a medicamentos;

• Propor a adoção de legislações e regulamentações referentes à regulaçãoeconômica do mercado de medicamentos;

• Opinar sobre regulamentações que envolvam tributação de medicamentos;

• Assegurar o efetivo repasse aos preços dos medicamentos de qualquer alteração da carga tributária;

• Sugerir a celebração de acordos e convênios internacionais relativos ao setorde medicamentos;

• Monitorar o mercado de medicamentos, podendo, para tanto, requisitarinformações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisqueroutros dados que julgar necessários ao exercício desta competência, empoder de pessoas de direito público ou privado;

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136 “Com efeito, dentro de uma perspectiva normativo-constitucional, o Direito de proteção à concorrên-cia é entendido como legislação que dá concretude aos princípios jurídicos da livre iniciativa, de livreconcorrência e da repressão ao abuso do poder econômico – princípios de base da ordem econômica constitucional brasileira. Essa característica, de certa forma comum a todos os ordenamentos jurídicosde nações cujo sistema econômico é o de mercado, impõe seja a aplicação das normas antitruste admi-nistrada por autoridades administrativas independentes – autarquias no Direito Brasileiro – e peloPoder Judiciário, isolando-a de pressões políticas mais imediatas. Diferem, assim, de outros instrumen-tos de política econômica sob controle direto do poder Executivo.” NUSDEO, Ana Maria O. Defesa daConcorrência e Globalização Econômica: o Controle da Concentração de Empresas. 1 ed. São Paulo:Malheiros Editores, 2002, pág. 63.

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• Zelar pela proteção dos interesses do consumidor de medicamentos;

• Decidir sobre a aplicação de penalidades, na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, relativamente ao mercado de medicamentos sem prejuízo dascompetências dos demais órgãos do Sistema Nacional de Defesa doConsumidor em concorrência com o CADE.

A CMED deverá exercer estas competências para combater cada uma dasfalhas de concorrência existentes no mercado de medicamentos, valendo-se demúltiplas estratégias combinadas, conforme já vem sendo realizado por diver-sos países do mundo, o que certamente é mais efetivo do que simplesmenteimpor um arbitrário controle de preços aos laboratórios farmacêuticos.

Importante notar que além do controle dos atos expedidos pela CMED,em relação a sua eficácia econômica, estes não deixam de ser atos administra-tivos que devem também ser analisados sob luz das normas e princípios doDireito Administrativo.

Portanto, o ato regulatório deverá atender aos princípios da finalidade,razoabilidade, proporcionalidade, motivação (com seus motivos determi-nantes), impessoalidade, publicidade, devido processo legal (processual e substantivo), moralidade, responsabilidade do Estado, sujeito ao controle judi-cial sobre os mesmos e também ao princípio da eficiência.

O princípio da eficiência remete ao alcance concreto de objetivos pelosadministradores públicos. No caso de atos regulamentares, as normas infra-legais criadas devem conduzir aos objetivos propostos pelo sistema jurídico, quedá validade aos mesmos também em atendimento ao princípio da eficiência,portanto, no caso, novamente, eficiência econômica, para ampliação da ofertade medicamentos e competitividade no setor 137.

Para reforçar a necessidade de análise econômica dos atos praticados pela

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137 “Em uma divisão exclusivamente didática, Roberto Dromi e Carlos Menen separam em duas espécies de açãode eficiência: 1. Na “organização econômica”, que seria destinada ao planejamento (imposição de metas), regu-lação (de contratos e serviços), descentralização (privatização, competição e desmonopolização), fiscalização,estabilização e promoção (fomento e investimento); e 2. Na “organização administrativa”, que visaria a obtençãode uma Administração racional, desburocratizada, moderna e não legista. Dicotomia esta que, embora interes-sante, não é tecnologicamente mais adequada. Mais produtivo é ressaltar que o princípio da eficiência nãosomente se aplica à organização (aspecto estático), como também à própria atividade administrativa (aspectodinâmico). Entretanto, mesmo utilizando-se a distinção proposta, cabe salientar que por eficiência administrati-va deve-se compreender não só a chamada organização e atividade eminentemente administrativas, como tam-bém, e muito, a econômica. Por outro lado, em uma concepção abrangente, não seria correto falar em “eficiênciaadministrativa”, mas sim em “eficiência de Estado”, pois não se pode acreditar que somente nas funções adminis-trativas o Estado precisaria ser eficiente. São, portanto, passíveis de submissão ao ideal de eficiência também asfunções judiciárias e legislativas (além daquelas de cunho propriamente governamental).” GABARDO, E.Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. 1 ed. São Paulo: Dialética, 2002, págs. 18 e 19.

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CMED, nos valemos também do princípio da legalidade138, pois consideran-do que o artigo 1º da Medida Provisória 123/2003 determina “a finalidade de promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos queestimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor”, quaisqueratos contrários a este objetivo do ponto de vista econômico estarão condena-dos a ilegalidade.

Ademais, a determinação legal para que o administrador tenha odever/poder de praticar um ato administrativo sempre será relativa a um fatoque será a mola propulsora da prática do ato administrativo, uma situação defato é condição necessária e suficiente para a prática do ato.

Neste sentido, a existência do fato é pressuposto de validade do ato admi-nistrativo que foi praticado, que sem este fato, não o seria, temos aí a doutrinados motivos determinantes dos atos administrativos139.

O motivo “é, pois, a situação do mundo empírico que deve ser tomada emconta para prática do ato. Logo, é externo ao ato. Inclusive o antecede. Por isso nãopode ser considerado como parte, como elemento do ato.

(...)Em todo e qualquer caso, se o agente se embasar na ocorrência de um

dado motivo, a validade do ato dependerá da existência do motivo que hou-ver sido enunciado. Isto é, se o motivo que invocou for inexistente, o ato seráinválido.” 140

Ao tratarmos de normas de regulação econômica, o motivo sempre será umfato econômico, pois econômico é o substrato da norma, assim na falta do

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138 “Inexiste poder para a Administração Pública que não seja concedido pela lei: o que ela não concede expres-samente, nega-lhe implicitamente. Por isso, seus agentes não dispõem de liberdade – existente somente paraos indivíduos considerados como tais – mas de competências, hauridas e limitadas na lei.(...) A ligação daAdministração Pública com a lei é, portanto, extensa e inafastável, podendo ser resumida como segue: a) seusatos não podem contrariar, implícita ou explicitamente a letra, o espírito ou a finalidade da lei; b) aAdministração não pode agir quando a lei não autorize expressamente, pelo que nada pode exigir ou vedaraos particulares que não esteja previamente imposto nela.” SUNDFELD, Carlos A. Direito AdministrativoOrdenador. 1 ed. 3ª Triagem. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, págs. 29 e 30.139 “Motivo é a circunstância de fato ou de Direito que autoriza ou impõe ao agente público a prática doato administrativo. Consubstancia situações do mundo real que devem ser levadas em consideração parao agir da Administração Pública competente. São ações ou omissões dos agentes públicos ou dos admi-nistrados ou, ainda, necessidades do próprio Poder Público que impelem a Administração Pública à expe-dição do ato administrativo. (...) A obrigatoriedade da existência, no mundo real, dos motivos alegados eque determinam a prática do ato administrativo, como requisito de sua validade, acabou por dar origemà teoria dos motivos determinantes. Por essa teoria só é válido o ato se os motivos enunciados efetivamenteaconteceram. Desse modo, a menção de motivos falsos ou inexistentes vicia irremediavelmente o ato pra-ticado, mesmo que não exigidos por lei.” GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 4 ed.: Saraiva,São Paulo, 1995, pág. 66.140 MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 14 ed., Malheiros, São Paulo,2002, pág. 350.

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motivo econômico, descrito na necessária motivação do ato regulatório, referi-do ato será nulo141.

Desta forma, temos que o motivo para a prática do ato regulatório deverásempre ser o fato econômico de ausência de concorrência ou de redução daoferta de medicamentos em um mercado relevante, de modo que tais atos de-verão estar devidamente motivados neste sentido e, caso seja comprovada ainexistência do motivo, estes serão inválidos.

Obviamente também não será lícita a convalidação do ato regulatório casoo fato econômico aconteça após sua emissão142, como por exemplo a redução daconcorrência pela retirada de fornecedores em um dado mercado relevante,causada por um ato regulatório, emitido com base em uma falta de concorrên-cia inexistente antes de sua emissão.

Conforme coloca Weida Zancaner, é um problema de dimensão temporal,pois o motivo deveria existir num dado tempo, anterior à produção do atoadministrativo subseqüente; não tem utilidade para este fim o motivo que vier a acontecer após a produção do ato administrativo, pois “a ausência domotivo de fato impossibilita a convalidação do ato, posto que não há como fazê-loretroagir à data de sua emissão” 143, tanto mais em se tratando de ato regulatórioque pode até gerar a falha de mercado que se propunha a combater.

De modo que resta claro que a argumentação tanto do órgão reguladorquanto dos agentes econômicos sempre será econômica e balizada em aspectostécnicos, devido ao peculiar objeto e aos objetivos das normas regulatórias.

Sendo assim, é à luz dos objetivos econômicos da Lei 10.742/2003 quedevem ser analisados os atos praticados pela CMED, ou seja, todos os atos

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141 “O motivo do ato administrativo constitui o pressuposto fático (ocorrência no mundo fenomênico) que per-mite ou determina que a Administração o emita. Tais circunstâncias fáticas devem, por óbvio, estar previstasem lei (motivo legal) e, uma vez configuradas, legitimam a administração a praticar o ato. Recorde-se poroportuno, que o motivo do ato há de estar em perfeita sintonia com o motivo legal, isto é, as circunstânciasfáticas previstas em lei devem estar caracterizadas. Ter-se-á, assim, um ato inválido, pelo menos do ponto devista do motivo.” SIMÕES, Mônica M. T., O Processo Administrativo e a Invalidação de Atos Viciados.120f, pág. 149.142 “Nem sempre, todavia, ocorre a desejada sintonia [entre o motivo legal e o motivo de fato]. Em situaçõesdeste jaez, está-se diante de um ato inválido, por vício de motivo, quando, então, revela-se imperiosa a restau-ração da legalidade. Num primeiro momento, poder-se-ia cogitar de convalidar o ato. Mas seria isso possí-vel? Uma análise mais detida conduzirá à resposta negativa. Ora, se o ato apresenta vício quanto ao motivo,significa isso dizer que o pressuposto fático previsto em lei para a prática do ato não restou configurado. E,para que o ato seja válido o motivo deve indiscutivelmente fazer-se presente. Não seria razoável supor que a administração pudesse, após a emissão de ato inválido por ausência de motivo, convalida-lo.” MônicaMartins Toscano Simões, em tese de Mestrado apresentada perante a PUC/SP, sob orientação do ProfessorCelso Antônio Bandeira de MELLO. O Processo Administrativo e a Invalidação de Atos Viciados, pág. 149.143 ZANCANER, Weida, Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, 2 ed., Malheiros,São Paulo, 1996, pág. 65.

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regulamentares emitidos pela CMED devem ser economicamente efetivos parafazer com que no curto, médio e longo prazos seja ampliada a oferta de medica-mentos e a competitividade nos mercados relevantes atingidos pela medida, sobpena de serem ilegais, por descumprimento ao artigo 1º, da Lei 10.742/2003.

Da mesma forma acreditamos que os artigos 196 e 197 da Constituiçãodevem ser aplicados para verificar a validade das normas infralegais de regulamen-tação do mercado de medicamentos, por uma análise econômica e prospectiva,também acreditamos que o mesmo deve ser feito quanto ao artigo 1º da Lei10.472/2003, pois o legislador não o colocou na norma inutilmente, apenas paraelucidar o que lhe passava pela mente, se o fez, foi para produzir efeitos, para con-duzir aqueles que têm competência para emitir os atos regulamentares que a Leicria e para reprimir os atos que praticarem contra os objetivos desta competên-cia, que nada mais é do que um instrumento para o seu alcance.

Isto posto, a CMED tem o poder/dever de emitir normas regulatórias rela-tivas aos mercados relevantes em que constatar a inexistência de competição,economicamente eficazes para fomentar a competição e ampliar a oferta demedicamentos, porém deve evitar a sua emissão em mercados relevantes ondea competição exista.

Infelizmente, a despeito da capacidade dos membros da CMED, o que se tem observado é que suas resoluções vêm sendo absolutamente desproposi-tadas, criando regras absurdas e sem justificação técnica possível, como esta-belecer critérios de fixação de preços de medicamentos novos por grandes grupos cujo critério nada tem a ver com a situação do mercado relevante domedicamento, mas segundo um critério subjetivo; comparar preços com paísessem qualquer identidade com o Brasil; fixar percentuais de preços de medi-camentos genéricos em relação a outros produtos, eventualmente afastandocompetidores que poderiam ter preços menores mas talvez em percentualmenor que o fixado, etc.

Não se sabe se isto decorre de falta de informações, falta de recursos, faltade pessoal, ou apenas do velho hábito dos governos brasileiros de quereremresolver problemas concretos com normas que sacrificam a iniciativa privada,apenas para agradar a platéia que ainda tem uma visão maniqueísta domundo, mas nada disto justifica esta atitude que, no médio e longo prazos,apenas agrava o problema de acesso da população aos medicamentos, que jánão é pequeno.

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Conclusão

A PARTIR do momento em que o ser humano passou a produzir excedentes emsua luta pela subsistência, surgiu a possibilidade de trocas deste excedente poroutras coisas com outras pessoas, hipoteticamente surgiu assim a primeiraoperação econômica.

Evidentemente uma troca pressupõe que as coisas trocadas sejam das partese que as outras pessoas respeitem esta suposição. Surge a propriedade, a regra deconduta segundo a qual alguém pode dispor de alguma coisa e os demais devemrespeitar o Direito da pessoa de fazer com esta coisa o que bem entender.

Ademais, as partes têm de se respeitar mutuamente no sentido de que seentregue um bem deve se dar a entrega do outro, com o aproveitamento socialdestas trocas surge ainda um sistema social que garante que a troca seja honra-da, criando penalidades para os que não honrarem a troca.

Desta simples situação hipotética podemos tirar a idéia de que asrelações econômicas dependem do Direito para se realizarem e também queo Direito existe também porque as relações, em grande parte econômicas,precisam ser garantidas.

O Estado surge para monopolizar o uso da força e para defender oscidadãos. Neste monopólio ele se torna responsável por criar e fazer cumprir oDireito, que também cria e dá forma ao próprio Estado.

Além das funções ligadas ao Direito, o Estado também se torna responsávelpela prestação de utilidades públicas e posteriormente pelo bom andamento daprópria economia privada, para o alcance do bem-estar social, conforme lhedita o Direito.

Da interação destes fatores sucintamente apontados, temos que o Direito ea economia estão intimamente ligados na medida em que são objetos culturaisinterdependentes e necessários para a vida em sociedade.

A atuação livre dos agentes econômicos, sempre em busca de seus interes-ses hedonistas, que levou a grande avanço da humanidade, deixa de ser umasolução viável quando os agentes econômicos acumulam tamanho poder quedeixam de se curvar aos ditames dos consumidores para passar a ditar regraspara estes, momento em que o Estado é chamado a intervir.

O Estado também não consegue prestar todas as utilidades públicas queconcentrou e passa a conceder à iniciativa privada o privilégio de seu forneci-mento, mas mantém seu poder interventivo nestas atividades de granderelevância social.

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A intervenção do Estado na economia restou refletida pelo Direito em nor-mas destinadas a proteger a higidez do mercado (legislação antitruste), a regu-lar a atuação dos agentes econômicos em relação aos serviços públicos privati-zados, bem como, regular a atividade dos agentes econômicos que fornecemutilidades que, apesar de não serem monopolizadas pelo Estado, são tão rele-vantes para a sociedade que também são de responsabilidade do Estado, quedeve regular estes mercados, como de fato ocorre com a saúde e a educação.

No Brasil, nossa atual Constituição Federal admite a planificação das ativi-dades relacionadas à prestação de serviços públicos por conta da adesão ao contrato pelos particulares que prestam serviços públicos, garantindo a livreconcorrência para os particulares nos demais mercados.

Apesar de os produtos e serviços de interesse da saúde não serem propria-mente considerados serviços públicos, suas muitas externalidades fizeram comque o Constituinte de 1988 considerasse esta atividade econômica como deinteresse público, e, muito embora não tenha estabelecido um monopólio parao Estado, sujeitou os particulares ao mesmo tipo de regulação que é exercidapela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pela Agência Nacionalde Saúde Suplementar (ANS) e agora pela Câmara de Regulação do Mercado deMedicamentos (CMED).

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária trata dos aspectos técnicos dagarantia dos cidadãos contra o risco dos produtos e serviços para a saúde, bemcomo, da fiscalização de sua prestação adequada.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar cuida dos riscos contra a econo-mia popular inerentes à atividade de seguro saúde.

A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) é respon-sável pela regulação econômica do mercado de medicamentos para o aumentoda competição no mercado de medicamentos e oferta destes para a população.

A Lei 10.742/2003 que criou referida Câmara impôs o controle e congela-mento de preços de medicamentos, medida inconstitucional por conta de suareconhecida ineficácia para a ampliação ao acesso aos medicamentos.

Porém, referida Lei também conferiu outras competências regulamentarespara a CMED válidas perante nosso ordenamento jurídico, pois é validada aregulamentação deste mercado sempre que se reconhecerem falhas de com-petição em um dado mercado relevante.

A regulação deverá ser sempre realizada com a observância dos objetivos de ampliação ao acesso aos medicamentos para a população, combatendo casoa caso as principais falhas do mercado de medicamentos, onde temos fatoresque geram o poder de mercado como a concentração de mercados relevantes

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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(i) estimulada pela existência de grandes barreiras à entrada de novos concor-rentes, e outros que agravam o problema econômico como a (ii) assimetria deinformações, (iii) os problemas de agência e (iv) a inelasticidade da procura porse tratarem de bens essenciais – que também traz em si um problema social.

Desde que a CMED mantenha os atos que emitir em consonância com osprincípios da ordem econômica contidos no artigo 170 para atingir a finalidadeespecificada no artigo 196 da Constituição Federal, prestigiados no artigo 1º daLei 10.742/2003 acreditamos que a regulação do mercado de medicamentos porórgão especializado pode produzir bons frutos.

Todavia, concluímos que é inconstitucional o controle de preços de medica-mentos, e necessária e constitucional a regulação específica do mercado demedicamentos, porém vemos problemas no órgão que tem a competência pararealizá-la devido à falta de independência do poder político, de modo que seusatos devem ser constantemente contrastados com os princípios de Direitoadministrativo, com os princípios da ordem econômica e, especialmente, serfeita a verificação técnica de sua correção e eficácia para o saneamento de cadamercado relevante.

Nos estudos realizados colhemos algumas medidas que poderiam serimplementadas, por sugestão da CMED, para o aumento da competição nomercado de medicamentos sem a criação de impactos prejudiciais ao mercado,com ampliação de acesso a população e aumento da atividade econômica.

A primeira dessas medidas seria o fomento da assistência farmacêutica porparte dos planos, seguradoras e gestores de auto-gestão de saúde, através denormas de incentivo sugeridas pela CMED, a exemplo do que já é feito nosEstados Unidos da América, de forma que fosse inserido no mercado um com-prador com maior poder de mercado e que assim forçaria a redução de preçosgerando a ampliação do acesso a classe “b” da população; as operadoras deplanos de saúde iriam:

“a) Incentivar a prescrição dos genéricos em virtude da pressão por contençãodos custos dos serviços prestados;

b) Exercitar o poder de barganha dos planos de saúde perante a indústria farmacêutica na aquisição/reembolso de produtos de marca, diminuindo ospreços desses medicamentos ao consumidor final.

Um bom exemplo a ser seguido é o Pharmacy Benefit Managers, dos EUA, quesão empresas privadas especializadas na aquisição de medicamentos a custos

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menores, em razão das grandes compras efetuadas, para o suprimento dos planosde saúde.” 144

Conforme aponta Rodney de Castro Peixoto145, “O chamado PBM –Pharmaceutical Benefit Management é um sistema de gerenciamento de serviçosde saúde que teve início nos Estados Unidos na década de 80, e em alguns anos setornou padrão na distribuição e prescrição de medicamentos naquele país. O PBMenvolve uma gama de clientes e administra benefícios na venda e aquisição demedicamentos e serviços, permitindo um controle de custos otimizado. É um con-junto de ferramentas, procedimentos, padrões e informações atuando para supriros interesses das partes envolvidas na administração e distribuição de produtos eserviços de saúde.

Através do PBM, empresas operantes no ramo de saúde estabelecem uma redede distribuição entre si, facilitando a comunicação, cortando custos, agregando valores, mantendo clientes, adquirindo insumos, fortalecendo marcas, em suma,estreitando relacionamentos comerciais com a obtenção de maiores vantagensoperacionais. E seus clientes obtêm vantagens como rapidez, maior segurança na obtenção de medicamentos, descontos progressivos e demais facilidades de pagamento, comunicação segura para o processamento e recebimento de créditos,fortalecimento de parcerias comerciais.”

Já temos no Brasil algumas operadoras de PBM que estão expandindo seusnegócios com a colaboração de operadoras de planos de saúde e laboratóriosfarmacêuticos com ganhos evidentes para o mercado, porém, com apoio governamental tais ganhos poderiam ser muito ampliados, como por exemploterceirizando a assistência farmacêutica oficial para tais empresas mediante licitações públicas.

Importante avanço para os participantes da cadeia farmacêutica seria aimediata revogação da fixação de margens de preço de comercialização, pelosefeitos anti-concorrenciais, bem como, a concessão de apoio para que labo-ratórios farmacêuticos desafiantes possam efetivamente concorrer com osmedicamentos líderes de mercado, tanto através dos medicamentos genéricos,quanto incentivando a pesquisa para a descoberta de novas drogas que possamse tornar líderes de mercado.

No mesmo sentido, o fornecimento constante de informação relativa a fabricantes, marcas e preços de medicamentos intercambiáveis aos médicos,bem como o custo dos tratamentos indicados e, finalmente, a mais importante,

RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

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144 Relatório da CPI dos Medicamentos, título V.145 PEIXOTO, Rodney de Castro, PBM, Conceito Descrição e Aspectos Contratuais, disponível em<http//www.csalaw.com.br>, Acesso em 15 de ago. 2003.

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a criação de um ente regulatório realmente independente de pressões e viesespolíticos são medidas que podem aumentar a concorrência no mercado demedicamentos sem desnecessários solavancos.

Contudo é importante não esquecer que o grande drama da sociedadebrasileira é a classe C, que não tem acesso a tratamentos médicos e depende apenasda assistência farmacêutica do Governo, e que este problema não é causado por falhas no mercado de medicamentos, mas sim pela miserabilidade do nosso povo.

Por tudo o que foi exposto e tudo o mais que foi levantado, mas não coubenestas linhas, fica claro que a verdadeira regulação, a regulação que efetivamenteresolve os problemas da população e não apenas os problemas dos governantes,não é feita no atacado, é feita no varejo, caso a caso, analisando um mercado relevante de cada vez, e combatendo as falhas de mercado se existirem, quantoa cada medicamento especificamente.

A regulação feita no atacado, com a edição de normas inadequadas, não sónão resolve como piora o problema, acirra as próprias desigualdades e falhas domercado, afugenta os agentes econômicos e deixa a população mais carente demedicamentos, de modo que a regulação mal feita é ainda pior que a ausênciade regulação.

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