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CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL AO
PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
Marivete Gesser – UFSC – [email protected] Adriano Henrique Nuernberg – UFSC – [email protected]
1. INTRODUÇÃO
No contexto escolar, tem se reproduzido inúmeros fenômenos que podem
dificultar os processos de ensino-aprendizagem, sendo que, dentre eles, destacam-se as
violências, as relações interpessoais opressivas, a dificuldade de se promover a inclusão
de pessoas com deficiências no ensino regular e em lidar com as manifestações
relacionadas à diversidade sexual na sala de aula. Em decorrência de processos de
formação continuada de professores configurados como alienantes, nos quais muitas
vezes é priorizada a dimensão técnica dos processos de ensinar e aprender em
detrimento do sujeito professor em sua totalidade (Alves e Sass, 2004; Aguiar, 2000),
esses profissionais acabam não sendo preparados para lidar com as questões acima
apresentadas.
Para que possamos contextualizar esse processo em sua totalidade, faz-se
necessário pensar a formação de professores a partir das demandas que emergiram com
o desenvolvimento da sociedade industrial. Esta impôs um novo ritmo sócio-econômico
e político na divisão social do trabalho baseado na racionalização, serialização e
especialização. A partir dela, a escola, juntamente com as demais instituições sociais,
assume o papel de disciplinadora frente ao desenvolvimento industrial (Rocha, 2000).
Os valores funcionais presentes na história pedagógica corroboram esse
tecnicismo presente na educação. Segundo Rocha (2000), são eles: a) respeito ao
eruditismo e às verdades universais, pressupondo hierarquia e estrutura unilateral por
meio da reificação do papel do professor como aquele que ensina e dos educandos como
os que aprendem; b) linearidade nos processos de aprendizagem - apontando para a
1 Psicóloga, mestre em Psicologia Social (PUC-SP) doutora em Psicologia (UFSC). Professora Adjunta no curso de graduação em Psicologia da UFSC e Integrante do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional da UFSC. 2 Psicólogo, mestre em Psicologia (UFSC), doutor em Ciências Humanas (UFSC). Professor Adjunto do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC. Integrante do Comitê de Acessibilidade e do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional da UFSC.
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uniformidade no desenvolvimento, ou seja, uma evolução contínua, progressiva,
estabelecida previamente nas teorias a serem alcançadas por todos; c) constituição do
especialista que analisa o processo e elabora as teorias, que devem ser aplicadas pelos
técnicos (professores) na prática (sendo que o psicólogo ocupa aqui um lugar central) e;
d) priorização do desenvolvimento cognitivo (visto como suporte de qualificação e
ascensão na sociedade) em detrimento do desenvolvimento da pessoa na totalidade
(Rocha, 2000). A autora também destaca que a configuração da escola e os valores que
a constituem contribuem para a prevalência do homem da moral, reprodutor de práticas
homogeneizantes, em detrimento do homem da ética, voltado à criação.
Acredita-se que esses valores funcionais da escola contribuem para a
predominância de concepções de fracasso escolar que Souza (2004) denomina de
medicalizantes e culpabilizantes do sujeito. Para a autora, essas concepções refletem
uma visão de mundo que explica a realidade a partir de estruturas psíquicas e nega as
determinações das relações culturais e institucionais sobre o psiquismo, encobrindo as
arbitrariedades, os estereótipos e preconceitos de que as crianças das classes populares
são vítimas no processo educacional e social. Acredita-se que o trabalho do psicólogo
com formação continuada de professores deve contribuir para o enfrentamento dessa
visão reducionista que se reproduz na escola por meio da emergência de um olhar
processual e voltado a multiplicidade de elementos que produzem o fracasso escolar.
No que se refere especificamente à questão do fracasso escolar, autores como
Ribeiro e Andrade (2006), Sigolo e Lollato (2001), Zago (1998) e Patto (1997),
evidenciam que este é significado predominantemente pela escola como conseqüência
de dificuldades do aluno e de sua família. Esse dado apontado pelos autores, que
evidencia o quanto que a escola tem produzido uma relação assimétrica com a família,
bem como a dificuldade de esta instituição considerar que suas práticas podem também
produzir fracasso escolar (Ribeiro e Andrade, 2006), precisa ser considerado no
processo de formação de professores.
É importante destacar que esse processo de homogeneização, decorrente dos
valores funcionais reproduzidos na escola (Rocha, 2000), tem sido identificados
inclusive em propostas de formação de professores. Altenfelder (2006), em pesquisa
realizada com a finalidade de avaliar o processo de formação de professoras promovido
pela secretaria de educação de um município da Grande São Paulo identificou que os
encontros são elaborados a priori, ou seja, sem a realização de um trabalho que
identifique as dificuldades vivenciadas no cotidiano da sala de aula e sem a devida
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participação dos professores em seu planejamento. A autora destaca, a partir do relato
das professoras entrevistadas, que da participação nesses encontros emergem
sentimentos como os de “sentir-se perdida”, “vazio” bem como a dificuldade de colocar
os conhecimentos lá apresentados em prática. Ou seja
A teoria parece percebida como algo muito abstrato, bastante distante da realidade vivida em sala de aula. Por não irem ao encontro das necessidades dos professores e não oferecerem subsídio para resolver as dificuldades e impasses da prática, os momentos de reflexão teórica acabam sendo desvalorizados (Altenfelder, 2006. p. 48).
Alves e Sass (2004), visando problematizar a função social da escola, destacam
que essa instituição é reprodutora da ideologia dominante, reproduzindo valores e
práticas apresentados como absolutos. Sendo assim, a escola se legitima na sociedade
pela colocação do jovem no mercado de trabalho. Uma forma de legitimação do lugar
social da escola ocorre mediante a atribuição das incompetências de sua função às
individualidades do aluno (problemas de aprendizagem) e/ou a do professor (falta de
qualificação), impedindo de que estes percebam as contradições apresentadas pelo
mundo global no qual está em jogo o processo de exclusão/ inclusão social perversa
(Sawaia, 2002).
Os autores acima também fazem uma crítica ao modo como os professores vêm
perdendo a autonomia diante das mudanças que ocorrem na gestão escolar e que os
“obrigam” a seguirem determinado referencial teórico e método, além de padronizar o
fazer pedagógico em detrimento da criatividade. Além disso, eles apontam que a
formação do professor deve ser voltada à criatividade para a constituição de novas
formas de relacionamento interpessoal e afetivo (Alves e Sass, 2004).
Logarezi e Alves (2009) realizaram uma pesquisa colaborativa que teve como
objetivo principal contribuir com o desenvolvimento de um processo de formação
continuada de professores. Elas relatam que entre as necessidades apresentadas pelas
professoras, estavam as relacionadas à maneira de se trabalhar com os alunos
desmotivados, além da própria desmotivação das professoras, decorrentes
principalmente das limitações relativas aos materiais disponíveis, à infraestrutura e aos
conhecimentos pedagógicos, que acabavam por comprometer a dimensão lúdica do
processo ensino aprendizagem na escola. A partir das observações das autoras, estas
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constataram que as atividades escolares na educação básica eram desenvolvidas de
forma mecânica, sem explorar muito o lado afetivo e lúdico. Já com as crianças do
berçário, percebeu-se a ausência de intencionalidade pedagógica nas ações cotidianas,
restringindo o trabalho a uma dimensão do cuidar numa perspectiva assistencialista,
diferente daquela que coaduna o cuidado com o ato educativo.
Em pesquisa realizada pela autora junto a um grupo de professores em processo
de formação havia dois anos, a autora identificou que havia uma grande dificuldade de
os professores compreenderem suas práticas de forma crítica e à luz da teoria (era
comum explicações ancoradas nos juízos de valor presentes no senso comum). O desejo
de serem tecnicamente competentes também foi uma constante em seus discursos, além
de a dificuldade relacionada à exposição do não saber, principalmente diante dos
alunos.
Souza (2009), a partir da análise de pesquisas acerca da formação de
professores, constatou que os cursos oferecidos a esses profissionais deixam de
contemplar aspectos fundamentais à formação de um profissional preparado para dar
conta de atender às demandas atuais presentes na educação. Isso contribui para que os
professores não encontrem espaço para emergência da pessoa professor, pois estão
inseridos em condições que lhes impõem a luta pela sobrevivência, o que dificulta o
pensamento reflexivo e o posicionamento como ser de desejo e volição.
Facci (2009), ao problematizar o processo de formação continuada de
professores, ancorada no pensamento de Marx e Engels, destaca que o professor está
cada vez mais alijado do processo pedagógico e que, ao trabalhar com formação de
professores, o psicólogo precisa considerar esse fato. A autora destaca que é possível
afirmar que, “hoje, o professor está excluído da escola, ele não tem mais conseguido
desempenhar sua função social: ensinar” (2009, p. 115).
Com base em estudos na área da formação de professores, Facci (2009) destaca
que a literatura em torno desse tema tem se amparado, na atualidade, na Teoria do
Professor Reflexivo e na Pedagogia das Competências. Segundo a autora, ambas as
perspectiva desvalorizam o trabalho do professor, uma vez que dão grande ênfase a
prática, à experimentação, deixando de lado o conhecimento teórico historicamente
produzido, o qual a autora destaca que deve ser utilizado como ferramenta para entender
e significar a prática atual do professor. Embora a autora corrobore a ideia de que a
prática e a reflexão são elementos importantes, defende que sem a teorização eles não
auxiliam o professor a ter uma posição ativa, consciente e crítica na sala de aula.
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Meira (2003), no que se refere à atuação do psicólogo escolar na formação de
professores, destaca que esse profissional deve possibilitar o acesso a conhecimentos
psicológicos que possam contribuir para a elaboração de propostas que resultem em
melhorias da prática e do processo de ensino aprendizagem. Baseada em Franco e
Montenegro, a autora destaca que “a psicologia pode constituir-se em um elemento
importante na definição de conteúdos, currículos e sistemáticas de avaliação, desde que
seja capaz de contribuir para a compreensão do psiquismo humano em uma perspectiva
histórico-dialética” (2003, p. 32).
Baseada na Psicologia Histórico-Cultural, Facci (2009) destaca que no processo
de formação de professores é relevante que se aborde os conhecimentos científicos que
auxiliam o professor a promover o aprendizado e o desenvolvimento das Funções
Psicológicas Superiores. Além disso, outros temas podem ser abordados, sempre
observando as necessidades dos professores, entre eles: fracasso escolar e queixas
escolares, periodização do desenvolvimento humano, indisciplina, violência na escola,
brincadeira na educação infantil, afetividade e aprendizagem. Quanto à compreensão
que a autora possui sobre o professor, este
[...] constitui-se como mediador entre os conteúdos já elaborados pelos homens e os alunos, fazendo movimentar suas funções psicológicas superiores, possibilitando-lhes fazer correlações com os conhecimentos já adquiridos e também produzindo neles a necessidade de apropriação permanente de conhecimentos cada vez mais desenvolvidos e ricos (Facci, 2009, 111).
Neste trabalho, apontar-se-á a relevância de o psicólogo, no trabalho de
formação continuada de professores, utilizar as contribuições da Psicologia Histórico-
Cultural, no seu diálogo com a Pedagogia Histórico-Crítica. Acredita-se que as
contribuições destes referenciais poderão subsidiar a complexidade de desafios
emergentes nas práticas pedagógicas de modo que essas favoreçam o desenvolvimento
dos sujeitos implicados no processo de ensinar e aprender.
2. A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL NO SEU DIÁLOGO COM A
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
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A Psicologia Histórico-Cultural contribui para o entendimento da
complexidade dos feenômenos sem correr o risco de reducionismos e dualismos
(Sawaia, 2002b; Molon, 2003). Ela tem como principal base epistemológica o
Materialismo Histórico e Dialético de Karl Marx. Segundo Gonçalves (2005, p. 86), o
materialismo histórico e dialético, como método, “permite apreender a historicidade de
todas as produções humanas”. Além disso, ele pode ser utilizado “como referência e
instrumental para a compreensão, a explicação e a intervenção sobre uma realidade que
se transforma a partir da ação do homem” (Gonçalves, 2005, p. 86).
De acordo com essa teoria, o homem se constitui a partir da apropriação3 dos
múltiplos significados presentes nas relações intersubjetivas. Estes o constituem como
sujeito e mediam seu modo de pensar, sentir e agir no mundo. Portanto, ele é uma
síntese inacabada das múltiplas relações que possui com a cultura e a sociedade,
configuradas na processualidade.
A partir da Psicologia Histórico-Cultural de Vygotski, esse processo de
apropriação dos signos referentes ao processo de ensinar e aprender e significados neles
e por eles veiculados é marcado pelas condições concretas de existência dos sujeitos e
pela sua singularidade. Uma vez que o sujeito se apropria destes significados, de forma
a produzir um sentido singular, ligado às próprias experiências, possibilidades e
trajetórias de vida, mesmo havendo, em determinada cultura, significados
predominantes relacionados à escola e ao ensino, sentidos singulares podem emergir.
A partir dessa perspectiva
O professor constitui-se como um mediador entre os conteúdos já elaborados pelos homens e os alunos, fazendo movimentar suas funções psicológicas superiores, possibilitando-lhes fazer correlações com os conhecimentos já adquiridos e também produzindo neles a necessidade de apropriação permanente de conhecimentos cada vez mais desenvolvidos e ricos (Facci, 2009, p. 111).
A autora destaca que a aquisição dos conhecimentos historicamente produzidos
pelos homens contribui para a humanização dos sujeitos. O pensamento da autora é
fundamentado no pressuposto de que o “curso do desenvolvimento do pensamento não
3 O conceito de apropriação, com base na Psicologia Vygotskiana, refere-se ao movimento do sujeito no sentido de tornar intrapsicológico o conhecimento culturalmente produzido e compartilhado e imprimir a ele um sentido singular/subjetivo. A apropriação do conhecimento promove a reconstrução de todos os processos psicológicos complexos.
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vai do individual para o socializado, mas do social para o individual (Vygotski, 1987, p.
18). Indo nesta direção, Rego (2002), também a partir das reflexões da psicologia
vygotskiana, destaca que bons professores são aqueles que conseguem realizar uma boa
mediação pedagógica, atuando na zona de desenvolvimento proximal dos alunos e
fazendo avançar seu desenvolvimento por meio da formação conceitual.
Em síntese, Vygotski oferece contribuições importantes para o trabalho de
formação de professores, sendo que essas serão sistematizadas no tópico adiante. A
Pedagogia Histórico-Crítica também apresenta importantes contribuições para a atuação
do psicólogo no trabalho de formação continuada de professores. Meira (2000; 2003)
aponta três pressupostos fundamentais dessa teoria, a saber: a compreensão da relação
educação e sociedade a partir do processo de produção e reprodução do capital; a
necessidade de compreensão das múltiplas determinações da realidade educacional, já
que ela é socialmente construída em função do real existente em suas contradições, e; a
retomada da importância social da educação enquanto instância fundamental no
processo de socialização do conhecimento historicamente acumulado. A autora ressalta
que esse último aspecto possibilita a garantia da reapropriação do conhecimento
historicamente acumulado do qual a classe trabalhadora é historicamente desapropriada,
ou seja, “por diferentes medicações, a educação no espaço que lhe é próprio, pode
cumprir sua função política emergindo como um instrumento de luta e conscientização
(Meira, 2000, p. 47).
Portanto, a partir da Pedagogia Histórico-Crítica, a escola tem o papel de
contribuir com a apropriação do legado cultural da humanidade, buscando a superação
desses conhecimentos e a transformação social. Destarte, para Saviani (apud Facci,
2009, p. 109), “a escola existe para propiciar a aquisição dos instrumentos que
possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos
rudimentos desse saber”.
Portanto, a Psicologia Histórico-Cultural, no diálogo com a Pedagogia Histórico-
Crítica, possui importantes subsídios teórico-metodológicos para a formação continuada
de professores. Elencá-los e sistematizá-los para formação docente pode contribuir para
o planejamento de propostas de formação docente que se fundem nessa perspectiva.
3. ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
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A perspectiva histórico-cultural, ancorada no Materialismo Histórico e
Dialético, traz muitas contribuições ao debate relacionado à formação de professores.
Ela propõe a superação das perspectivas tecnicistas e fragmentadoras dos sujeitos (que
separam o cognitivo do afetivo, o técnico do ético), necessária em decorrência da
complexidade, da especificidade e da singularidade dos processos subjetivos implicados
na aprendizagem e no desenvolvimento nas suas mais variadas formas de expressão.
Além disso, defende a importância de se realizar um trabalho voltado à apropriação das
histórias dos professores e dos múltiplos determinantes que as constituíram e, por meio
deste, transformá-las.
Uma das contribuições refere-se à necessidade de se focalizar os processos de
constituição do professor no seu encontro com a educação ao invés de restringir-se ao
produto (neste caso, o professor e sua prática atual) (Vygotski, 1998). Aguiar (2000),
com base na perspectiva vygotskiana, destaca a necessidade de se compreender o
professor como um sujeito historicamente construído, mediado pelo contexto social
(políticas públicas educacionais, discursos acerca das famílias pobres, significação
predominante do papel do professor na sociedade, concepções do fracasso escolar
reducionistas, calcadas em juízos de valor sobre o aluno e sua família, relações
institucionais, entre outros determinantes). A apropriação desses elementos pelo
professor será um elemento constituinte de seu fazer em sala de aula.
Diante das reflexões apresentadas ao longo do texto, neste momento,
sistimatizar-se-ão possíveis contribuições teórico-metodológicas da psicologia escolar
no processo de formação de professores. Dentre uma infinidade de ações, o psicólogo
poderá:
1) Mediar processos de apropriação e reflexão sobre as leis e políticas públicas
educacionais existentes. As principais leis e políticas norteadoras da educação brasileira
hoje são a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), os
Parâmetros Curriculares Nacionais e políticas específicas como a Política Nacional de
Educação Especial. (Martinez, 2007, 2010). Há necessidade que os educadores não só
as conheçam, mas também possam refletir criticamente sobre sua construção e seus
compromissos.
2) Construir espaços de reflexão, discussão e criação de formas de proceder em relação
às dificuldades vivenciadas no cotidiano escolar, de modo que os professores possam
construir juntos estratégias de enfrentamento das dificuldades cotidianas (Altenfender,
2006; Aguiar, 2000). Acredita-se que esses espaços voltados a intersubjetividade
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possam favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, da imaginação e da criação
visando o desenvolvimento de novas formas de pensar, sentir e agir no exercício
docente (Almeida, 2002, Molon, 2006, Zanella e Molon, 2007).
3) Mediar processos de apropriação e reflexão crítica sobre as várias concepções de
aprendizagem e desenvolvimento humano (Meira, 2003, Facci, 2009; Laroca, 2002),
valorizando as diferenças epistemológicas e evidenciando as contradições conceituais e
metodológicas que lhe são inerentes. Considerando que as concepções seguidas pelos
docentes são mediadoras das práticas deles em sala de aula, a relação delas com o
processo de ensino-aprendizagem deve ser problematizada, relacionando-as com os
desafios encontrados pelo professor no cotidiano da sala de aula.
4) Contribuir com a subversão dos discursos hegemônicos que estabelecem um padrão
“ideal” de aluno – ancorado nos valores da classe dominante e legitimado em muitas
teorias pedagógicas -, e também um “jeito” ideal de ser professor (aquele que consegue
disciplinar seus alunos dentro de um padrão preestabelecido) (Patto, 2000, Meira, 2007,
2003 e 2000; Sawaya, 2002; Rocha, 2000). Segundo Sawaya (2002), esses discursos
são, segundo a autora, estruturantes das práticas pedagógicas, pois servem de critérios
de seleção dos alunos por classe, definem as relações que o professor estabelece com
seus alunos, as formas de avaliação do desempenho escolar, além de possivelmente
culminares em aos de violência mútua.
5) Oferecer espaços de escuta do professor, de suas práticas, sua concepção de trabalho,
sua inserção na instituição, nos quais ele possa se apropriar de sua história e, nesse
processo, reconstruir-se, reinventar-se (Altenfender, 2006Sawaya, 2002, Laroca, 2000 e
Aguiar, 2000). De acordo com Sawaya (2002), à escuta ao professor, de suas práticas,
da significação sobre o trabalho, os alunos e sua inserção na instituição escolar,
possibilita seu auto-conhecimento, bem como o conhecimento do seu aluno, em suas
capacidades e necessidades. Também possibilita implicá-los no compromisso com o
aluno-sujeito em suas especificidades bem como o reconhecimento, neste espaço
intersubjetivo, de práticas de sucesso realizadas por seus pares.
6) Rever, juntamente com os professores, as concepções do fracasso escolar e demais
questões presentes no âmbito escolar (Patto, 2000; Martinez, 2010, Sawaya, 2002).
Patto (1984) mostra que até final da década de setenta, havia o predomínio de
concepções pautadas nas diferencias individuais (QI) e na teoria da carência cultural.
Essas concepções, de acordo com a autora, isentavam as relações institucionais
ocorridas o interior da escola como também produtoras do fracasso escolar. Diante
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disso, é necessário fornecer subsídios teórico-metodológicos para que os professores
ampliem a percepção sobre essa questão de modo que estes percebem o papel das
relações institucionais na produção do fracasso escolar. (Molon, 2006, Zanella e Molon,
2007), e que construam formas de promover o sucesso dos seus educandos.
7) Reconstruir a valorização do papel social do professor, haja vista que há um processo
de desqualificação social de sua função e de que este contribui para mediar o modo com
que se relaciona com seu fazer (Codo, 2000).
8) Direcionar o trabalho de formação continuada de professores com base nos objetivos
identificados a posteriori, ou seja, a partir das necessidades dos participantes
(Altenfender, 2006; Almeida, 2002). Almeida (2002) aponta que a investigação das
necessidades de formação junto aos professores pode subsidiar um trabalho que vá ao
encontro das principais problemáticas por eles vivenciadas no cotidiano escolar.
Diante das diferentes contribuições, propõe-se que a Psicologia Escolar
contribua no processo de formação de professores por meio do resgate do processo de
constituição dos professores como sujeitos, mediando processos em que estes possam se
apropriar de suas histórias e reconstruírem seu fazer em direção ao devir. Para tanto, os
trabalhos de formação de professores devem enfocar não apenas o aspecto racional, mas
também ampliar a sensibilidade, da imaginação e da criação (Molon, 2006). Ela deve
sair do campo coercitivo, dos padrões estáticos fundamentados em concepções
normatizadoras, para abrir-se para o espaço da ética e da criatividade (Alves e Sass,
2004). Desta forma, é possível contribuir não somente com a potencialização dos
professores, mas de todos os sujeitos envolvidos no processo educativo.
Por fim, destaca-se que o trabalho do psicólogo escolar na formação de
professores deve ter como foco também a humanização dos alunos e professores (Facci,
2009). Essa humanização se torna possível quando a escola cumpre seu papel social que
é o de garantir o processo de apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos
e o desenvolvimento do pensamento crítico.
4. REFERÊNCIAS
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