contrato com o bruxo
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Reilier é o filho do prefeito da cidade, entranto toda a sua vida muda ao descobrir quem verdadeirametne ele é. Ao lado de Homero e Olga, Reilier vivera uma jornada inesperada onde ele ficara constantemente em dúvida entre o amor e o ódio por seus amigos.TRANSCRIPT
BEATRIZ XAVIER
CONTRATO COM O BRUXO
LIVRO UM
“As roupas que antes
usei com determinado
orgulho, agora não
passam de meros
retalhos, estavam
imundas, quem era eu?
Acreditei durante toda
a minha vida que era o
filho do um prefeito,
um humano que vivia
no vale... Acreditei ser
alguém de incomum
poder, mas não passo
de um mero
fracassado...
Há cinco anos jamais
pensaria que seria
capaz de acabar neste
estado imóvel,
aguardando os braços
da morte... Há cinco
anos eu era o filho do
prefeito do vale, o filho
do homem mais
poderoso de toda
região, eu não sabia
quem eu
verdadeiramente
era...”
Beatriz Xavier nascida
em 11 de março de
1994 começou a
escrever aos doze anos
de idade, apesar da
alfabetização tardia
provocada pelo
desinteresse na leitura,
atualmente cursa a
faculdade de Letras.
Beatriz tem um irmão
gêmeo ama seus
familiares e animais.
Tem como hobby a
música, fez parte de
grupos orquestrais,
tocou violão popular
por um bom tempo e
tentou iniciar aulas de
canto.
Aos dezoito anos de
idade começou a
escrever “Contrato
com o Bruxo” um livro
desafiador para esta.
Beatriz Xavier
Contrato com o Bruxo Livro Um
CAPÍTULO I
O Garoto
u estava ali deitado, olhando o céu e sentido cada gota da chuva fria que caia
sobre o meu corpo, o impacto de cada uma delas parecia-me o mais poderoso soco,
estava coberto pelo meu próprio sangue, sujo de lama e cercado desta, tremia devido à
febre. O céu nublado que tanto desejava ver agora me parecia o final... Será que agora
ai de haver acabado? Ficaria feliz se esta fosse minha ultima visão... Ficaria
deslumbrado por poder ter visto a chuva - e apesar da dor - tê-la sentido...
As roupas que antes usei com determinado orgulho, agora não passavam de
meros retalhos, estavam imundas, quem era eu? Acreditei durante toda a minha vida
que era o filho de um prefeito, um humano, que vivia no vale... Acreditei ser alguém de
incomum poder, mas não passo de um mero fracassado...
Há cinco anos jamais pensaria que seria capaz de acabar neste estado, imóvel,
apenas aguardando os braços da morte... Há cinco anos eu era o filho do prefeito do
vale, o filho do homem mais poderoso de toda região, eu não sabia quem eu
verdadeiramente era...
Naquela manhã, minha vida mudou, era o dia das previsões, vovó iria fazer suas
previsões como sempre, bem ela não era a minha avó, mas todos a chamavam de
vovó era a pessoa mais velha de todo o Vale e como todas as mulheres, ela era dotada
de uma sabedoria mística, por essa razão todo começo de ano as pessoas se reuniam
no centro da cidade procurando respostas sobre a sua vida e para saber o que
predominaria naquele ano, se seria a chuva, a neve ou o Sol, ou qualquer outra força
superior a nossa.
Assim que acordei, segui até a sala de jantar onde sentado à mesa no prédio da
prefeitura olhava a expressão raivosa de meu pai, fazia anos que ele me ignorava
desde o incidente com mamãe, a verdade era que vivíamos cercados de todo o luxo e
grandeza que você nem se quer um dia será capaz de imaginar, vivíamos sim em uma
democracia, mas o pai de meu pai era o prefeito e pai deste também, éramos uma
democracia apenas no papel a realidade era que vivíamos em um sistema de ditadura,
as pessoas do vale jamais enfrentariam meu pai e nenhuma deles sabia ao certo o que
o prefeito fazia... Mas sabíamos que a vida fora da cidade do vale era impossível e com
E
medo de qualquer expulsão ninguém jamais o enfrentava, entretanto era uma boa
cidade, uma cidade grandiosa, ninguém jamais sai de lá, eu ao menos jamais encontrei
alguém que tivesse saído e os homens que por ali viam visitar falavam apenas com
meu pai - durante todo o café da manhã limitei-me a ser ignorado como de costume,
era uma boa sala era ampla e bonita, uma mesa velha de seis lugares, retangular,
janelas enormes que davam para uma visão de toda a cidade, era a casa de um
engenheiro antigo disse me uma vez meu pai, por está razão ela ficava no topo da
cidade - logo no alto do vale - sendo assim possível ver tudo o que circundava aquele
lugar, como o grande relógio que ficava ao centro, uma série de armações de ferro que
meu pai chamava de ferrovia, ele disse que uma vez os antigos homens andavam em
serpentes que comiam fogo e os transportavam como mágica os homens para todos os
lugares que quisessem ir, naquela época eu perdia o fôlego muito facilmente e o velho
me dava alguma atenção. As governantas que por ali passavam diziam que ouve um
tempo onde os humanos dominavam o mundo, eram capazes de voar em dragões,
capazes de atirarem bolas de fogos de todos os tamanhos de preverem com exatidão
qualquer catástrofe, foram anos e anos de domínio humano, simplesmente era
deslumbrante pensar em um passado como este...
Mas naquele dia, o olhar de meu pai não era a simples fúria de sempre, não era um
ódio estranho por mim, nem se quer algo em relação ao mensageiro, era algo muito
além e eu sabia do que se tratava, fazia três anos que ele não a via e fazia dez anos
que eu não a via, claro que não era do tipo de menino que não tinha interesse de falar
com a mãe eu a amava, mas ela me odiava e eu nem se quer sabia o motivo para
aquilo tudo... Mas meu pai, desde o incidente passará a me odiar também e depois de
tantos anos - sem dúvida - internada naquelas condições provavelmente seus dias
estavam chegando ao fim, eu sabia disso, eu podia sentir isso e por essa razão
enquanto meu pai dava uma garfada em uma carne gordurosa eu falei olhando para o
prato, incapaz de encará-lo:
- Desejo vê-la eu sei... Eu sei que o senhor está com essa cara por conta dela!
Meu pai simplesmente não falou nada apenas se retirou da mesa, olhou sobre os
ombros e disse:
- Você deveria ter morrido como os outros – ele parou abriu a porta e com a sua
voz que trovejava em toda a sala rugiu – jamais, jamais lhe darei ao direito de vê-la,
estou cansado de seus saberes de suas deduções vá até a cidade e divirta-se com
alguma puta, suma da minha frente!
Ele fechou a porta, levantei-me depois, aquelas palavras, eu jamais as entenderia
se não estivesse nessa situação.
Céus como dói, estou fedendo tanto, adoraria tomar um bom banho, acho que
estou cercado pela minha própria urina, nem sei mais se nessa montanha de lama
existe algum esterco, céus por que estou pensando nisso?
Mas depois desse desfrute ao conversar com meu pai, retirei-me da prefeitura e
segui seu conselho, não, não fui me divertir com a alguma prostituta, fui ver Catarine,
minha adorável amiga de infância, de fato a única criatura ali que me alegrava, era
verdade que nutria um amor por ela – coisa boba, bem platônica na realidade - mas
sabia que jamais seria dela, por mais que tivesse uma posição enorme e eu fosse o
filho do prefeito todos sabiam como o prefeito tratava amavelmente seu filho... Todos
sabiam da mãe louca e temiam que o filho ficasse louco, por esta razão ao me dirigir
para a casa da adorável Catarine me limitei a ir por becos escuros e por vielas menos
usadas, era uma cidade enorme, mesmo eu não tendo visto outras cidades na vida eu
sabia que o vale possuía dimensões incríveis, e por esta razão as casas tinham certa
distância uma da outra, porém com o passar dos anos os espaços foram diminuindo
criando-se assim enormes becos e vielas que sem dúvidas tornaram-se a diversão de
pequenas crianças e principalmente de pequenos ladrões, por mais que a cidade fosse
enorme, nada era realmente barato, desde pequeninos as famílias pobres – grande
maioria da cidade – punha seus filhos para trabalharem do outro lado da ponte, lado
este que me pertencia, ali era a zona rural, tudo era plantado, tudo era colhido ali, não
era a toa que a casa do prefeito ficasse justamente no topo deste lado, a ponte ficava
suspensa sobre um lago que dividia radicalmente a cidade e nos dias de folga de um
longo trabalho as crianças divertiam-se em vielas e becos.
Quando cheguei à casa de Catarine peguei a primeira pedra que avistei no chão e
joguei na porta de vidro que dava a sacada, imediatamente ela a abriu, com desdém
me olhou, suas palavras soaram sérias:
- Ah! É apenas você – um tom de sarcasmo ecoou e ao ver minha careta de
desgosto ela riu, e com um sorriso de orelha a orelha orientou-me a subir sua sacada.
Vigorosamente subi pela lateral da parede, suei um pouco, sua sacada era
pequena e simples, não tinha nada de mais.
- Tcharam! Estou aqui. Seu Romeu! – Abri os braços e dei um tremendo sorriso.
- Ainda ouve as histórias de suas Governantas? – Ela me perguntou entrando em
seu quarto logo a minha frente convidando-me adentrá-lo, era um quarto simples, havia
apenas um guarda roupa, uma cômoda alguns livros velhos que foram dados por mim,
porém ler não era o forte de Catarine, o quarto era escuro e havia alguns castiçais, mas
claro que pelo horário nada se jazia em uso, nós sentamos em sua cama, que era
surpreendentemente macia.
- Algumas, por quê? – retruquei em tom ofendido.
Catarine sorriu, acariciou meu rosto como fazia com todos os seus amantes,
apertou minha bochecha como fazia com seu irmão menor e disse-me:
- Você deveria parar com isso sabia? – ela riu – irá hoje à reunião do ano?
- Sim, ver a Vovó contar sobre o ano – falei o obvio, como se já estivesse
entediado deste ritual, mas logo minha voz fora tomado de uma tremenda ansiedade,
afinal era normal as mulheres perguntarem sobre bebês e casamentos - vai perguntar
algo particular a ela?
- Hm... Talvez, quem sabe, né?
Eu limitei a bagunçar seu cabelo, seu cheiro era realmente bom, sua pele era negra
como a maioria das mulheres da cidade, era bonita, tinha os olhos verdes por está
razão os homens a cobiçavam muito, seus cabelos não eram volumosos eram cachos
harmônicos, Catarine era a mulher mais bela daquele lugar, apesar de viver em uma
casa simples, diria eu a mais distante da prefeitura, tinha que passar pela ponte, um
amontoado de casas, o mercado central e apenas depois disso chegaria a onde ela
morava, era um bairro de gente movimentada, de todas as cores, era divertido
permanecer naquela localidade.
- Mas bem. Eu perguntei depois de ter a minha mão grosseiramente empurrada por
seus dedos finos. Quem você estava esperando?
- Hm... Ninguém. Disse mentindo, eu sabia que ela andava de namorico com um
vendedor de rosas e que ele lhe fazia juras de casamento, mas ela jamais assumiria
isso.
- Como quiser. Falei um tanto quanto emburrado, ela sorriu, queria dizer que
depois daquilo nós fomos amantes, quem dera eu ter deitado apenas uma noite com
Catarine, mas a realidade é que uma pedra fora jogada na janela, era o vendedor de
flores, fiz meus cumprimentos ao jovem sai pulando a sacada, Catarine teria um
problemão ao explicar a seu amor os motivos de ter outro homem saindo e entrando de
sua sacada e de estar com os cabelos bagunçados, mas aquilo pouco me importava,
pelo menos o mínimo de dor de cabeça eu causaria a ela, ela estava despedaçando
meu coração, por esta razão não era mais do que merecida essa pequena intriga e eu
sabia que ele acreditaria nela. Afinal estavam apaixonados.
Andei por um bom tempo, me dividindo entre caminhadas em vielas outras pelas
ruas principais, até inconscientemente ir para além das casas, segui para a
extremidade do Norte do Vale, um lugar aonde simplesmente ninguém ia somente as
más pessoas, naquele lugar todos os loucos e ladrões eram depositados e esquecidos,
minha mãe fazia parte de um destes perfis...
A história dela é bem confusa por sinal, eu não entendo ao certo como ela
descobriu as coisas, como suspeitou e mesmo com o frio que sinto no momento
sabendo que poderei apagar a qualquer momento sinto que por mais que entenda a
situação ainda pensarei muito a respeito.
Quando fiz seis anos de idade, minha mãe perderá mais um filho de meu pai, era o
quarto menino que ela perderá, a menina nascerá retardada e fora morta, crianças
imperfeitas não são bem vindas em nossa comunidade... À medida que minha mãe fora
dando a luz ela começara a ler livros escuros e a ficar cada vez mais distante de mim e
finalmente após dar a luz ao seu ultimo natimorto ela tentou me matar, tentou de
diversas formas me envenenar, me asfixiar, me empurrar de lugares altos, mas todas
as vezes sem sucesso, meu pai, claro, percebendo aos poucos as loucuras de minha
mãe fora forçado a interná-la, mas naquele dia em que fora levada ela apenas gritava
“este não é nosso filho, ele matou nossos filhos, ele matou!” A realidade é que se eu
pudesse dizer alguma coisa para aquela mulher seria “você tem razão”.
Fiquei um tempo observando a prisão que estava a minha frente, o lugar não
possuía a grama feita, estava abandonado, entretanto se analisarmos os padrões das
construções da cidade do vale aquele lugar não era nada fora do comum, era uma
casa, uma casa enorme assim como a prefeitura, todas as janelas fechadas e a
enorme porta principal era feito de aço rudemente polido, era impossível entrar ou sair
daquele lugar a única coisa da qual sabia em meus sábios dezesseis anos era que
cada prisioneiro ficava trancado em um quarto próprio sem ver a luz do Sol e que
quando se comportavam de forma ruim ficavam dias sem comer absolutamente nada e
tinham que sobreviver comendo as suas próprias fezes ou simplesmente os insetos e
ratos que por ali apareciam em suas celas. O mais estranho de tudo era que ninguém
jamais sabia quem cuidava dos prisioneiros... Ninguém... Por esta razão limitei a
observar aquele estranho casarão além do portão de grades, como sabíamos que
ninguém era maluco o suficiente para passar os portões de aço não havia um muro, a
visão do casarão era assustadora por si só.
Eu queria entrar, perguntar a alguém, abrir aquela porta de aço, ir além daqueles
portões, mas eu apenas fiquei olhando, olhando e olhando, estava tremendo, sentia-me
mal apenas de pensar sobre aquele lugar, não entendia ao certo o que me puxava para
aquele lugar, mas ali havia algo que me conectava, dei as costas e corri daquele lugar
horripilante assim que me dei conta do medo que sentia pude perceber que durante a
noite talvez fosse possível ouvir os gritos daquelas pessoas, o bosque todo que
circundava a cidade do vale talvez ouvisse e até mesmo as pessoas que moravam
mais próximas, ao cair da noite, eu tinha certeza que seriam capazes de ouvir gritos de
socorro e desespero e de nenhuma maneira eu queria pensar, não naquele momento,
não naquele dia de festa que por minha culpa minha adorável mãe estivera presa
naquele lugar e que uma das suplicas de ajuda fossem dela.
Não demoraria a anoitecer e eu ainda estava perambulando pelo outro lado da
ponte retornei a prefeitura apenas quando tive certeza que não encontraria ninguém ali,
assim que entrei em casa fui até meu quarto, deitei sobre a cama e visualizei o teto,
fiquei com medo de fechar os olhos e ter o sonho do qual minha mãe me asfixiava, mas
quando notei o Sol já havia se posto e fogos estavam sendo soltos por todos os lados,
a festa da Vovó já estava começando, tinha que correr rapidamente.
Desci o mais rápido que pude aquele velho casarão, estava com a roupa
amassada, mas era um ótimo tecido absolutamente caro, estava mais bem vestido que
qualquer um daquela cidade, do que qualquer um do outro lado do lago e por esta
razão apressei-me e corri o mais rápido que pude. Atravessei a ponte já ofegante,
apesar dos constantes treinos de luta e outras práticas, correr nunca foi o meu forte.
É até estranho me imaginar tão vivo, a pele branca com as bochechas coradas,
nossa realmente um absurdo imaginar-me desta forma na atual situação que me
encontro... Céus, como eu estou zonzo, mas bem, após correr feito um louco cheguei
até o centro, havia milhões de pessoas em torno da Vovó, como ela jamais ficava em
um lugar alto - o que dificultava a vida de todo mundo ali - entretanto todos ficavam
ansiosos e curiosamente em um silêncio absurdo, sabendo que logo seu discurso
começaria, havia alguns idiotas que se empurravam no fundo inconformados de terem
chegado tarde (como eu, por exemplo).
Mas assim que a Vovó se sentou na borda do chafariz da cidade, todos se calaram
até mesmo as crianças e uma por uma todas as pessoas começaram a se sentar, com
certeza a gentil senhora devera ter feito algum gesto, era quase impossível vê-la de
onde me encontrava, mas mesmo assim ela começara seu discurso:
- Os antigos de nós que dominavam esta terra tinham o poder de falar tão alto que
a milhares e milhares de quilômetros qualquer um seria capaz de ouvir, eles eram
poderosos e nós, sim nós ainda somos! Nós humanos, ó quanto tempo já se faz desde
tudo? Eu nem se quer existia naquela época, mas não venho discursar sobre nosso
passado, venho aqui falar sobre nosso presente! Há monstros marchando, eu sonhei,
eles virão pelo bosque, eles soltaram aqueles que estão na cadeia, mas não temam,
não temam, a chuva logo virá, a chuva irá nos abençoar, assim como sempre nos
abençoou, por está razão eu sei...
Ziiiim.
Naquele momento este som ecoara rudimento em meu ouvido e apenas minutos
depois eu pude notar que aquele som era proveniente de uma flecha e acertava bem
ao centro a testa de vovó, ela caíra já morta dentro do chafariz, todos ficaram imóveis
até um grito de desespero soar e completamente descontrolados as pessoas
começaram a correr sem rumo algum, o fogo começou a se alastrar por toda a cidade,
desejava fazer algo, mas não havia como, fiquei em pé, completamente aturdido diante
daquela multidão descontrolada, até uma mão me puxar, era meu pai, seu rosto estava
assustado, nunca o vi assim, ele me arrastou até um beco me largou lá sem dizer uma
única palavra e fora enfrentar aqueles que se aproximavam, reunira uma série de
homens e fora com eles, mesmo assim eram muito poucos, meu pai já esperava este
ataque? Só então eu entendi o mensageiro jamais falava de minha mãe, ninguém
falava a seu respeito, havia algo, algo que marchava em direção a nossa vila, a nossa
cidade, aquele era o ano da seca, chovera muito pouco, mas conseguimos sobreviver
graças às premunições da vovó, mas e as outras pessoas? Deveriam estar na extrema
miséria, jamais pensei em vida além do vale, mas sabia que ela existia.
Pensei em correr pelo beco quando vi Catarine sendo levada por dois homens para
próximo ao lugar onde me encontrava, logo atrás veio o florista, o vi lutar, eu estava
escondido, trêmulo, jamais batalhei na vida - as aulas que tive não passaram de aulas
simples - todas as lutas que ganhei fora por ser filho do prefeito, que homem ousaria
me enfrentar? Quem ousaria ganhar de mim?
Então torci para aquele maldito florista, sua pele branca, sua maldita barba e seus
cabelos ondulados de um loiro intenso, tudo aquilo que mais odiava nele, fiz-me
esquecer e torci para que aquele maldito ganhasse. Porém os soldados o espancaram,
não tinham honra, deveriam ser algum tipo de mercenários, eu apenas fiquei ali
observando, as pessoas estavam gritando muito, crianças choravam e o fogo estava
por toda a parte e eu ali escondido atrás de um monte de lixo em um beco que meu pai
me deixará. Quando tentei sair ao tomar uma pequena dose de coragem inútil acabei
por retornar onde me limitei apenas a observando um homem lutando por amor, um
homem sendo degolado por amor e a sua mulher, sua mulher sendo desnuda e
estuprada e eu apenas fiquei em silêncio vendo aquilo tudo...
Acompanhei cada soco dado pelo florista e cada soco que levará até o momento
de sua morte, ele sim era um homem, Catarine me mirou entre o lixo, eu a ignorei,
pensei que seu olhar estava perdido, fiquei em silêncio cortei a minha respiração me
retirei mentalmente daquele lugar e tentei não pensar em nada, não ouvir nada, não
podia colocar a minha vida em risco!
Quando acabaram a deixaram viva, ali jogada sobre o corpo de seu amor, sai de
meu esconderijo ofegante, estava sujo e suado devido ao calor que fazia, o fogo se
aproximava e eu queria ajudá-la agora que os homens haviam ido embora - prontos
para fazerem novas vítimas.
- SAIA! Ela berrou a me ver.
Calei-me, dei mais um passo, ainda na vã tentativa de tentar ajudar e ela
simplesmente berrou:
- Pensei que fosse meu amigo! Jurei que fosse meu amigo! Mas durante o tempo
todo, O TEMPO TODO! APENAS LIMITOU-SE A ASSISTIR! DEIXE-ME! DEIXE-ME!
Eu simplesmente a deixei e corri dali, corri como nunca havia corrido, mas não
voltei para aquele beco, desejava mais que tudo ser pego por qualquer mercenário e
ser queimado vivo.
A primeira coisa que pensei fora nas palavras de Vovó, se eu corresse para a
prisão... Eles realmente soltaram os loucos daquele lugar? Estava indo furiosamente
em direção à prefeitura, mas se a prisão fosse o primeiro lugar do qual atacaram, claro
que agora seria o lugar mais seguro! Não tinha escolha! Dei meia volta, subi nos
telhados de algumas casas, era clara a devastação, não tive coragem de olhar em
direção à prefeitura, ver tudo aquilo ser destruído seria de mais.
Durante todo o trajeto que segui rumo á prisão, rumo a aquele velho casarão eu
simplesmente não ouvi nada, era como se todo o som do mundo tivesse desaparecido,
o som deve ser uma memória dolorosa de mais para um homem como eu, por esta
razão não consigo me lembrar, mas lembro das lágrimas cálidas que caiam sobre o
meu rosto.
Ao chegar à prisão avistei seus portões imponentes quebrados, o portão de aço
que selava a casa destruída. Como eu fora tão inconsequente! Se algum daqueles
malucos ainda estivesse ali? Onde eu estava com a cabeça? Mesmo assim, se eu
conseguisse entrar em um quarto... em apenas um quarto, se eu conseguisse me
trancar estaria a salvo até tudo acabar.
Passei pelos portões retorcidos e entrei no mais puro breu, estava cego naquele
lugar, à luz do luar que entrava pela porta quebrada não passava de um pequeno raio,
incapaz de mostra o qual aquela casa era majestosa... me deparei da pior maneira
possível com uma escadaria, tinha um cheiro estranho todo aquele lugar, hoje sou
capaz de identificá-lo - era o cheiro de sangue - e era absurdamente forte. Coloquei o
braço sobre o nariz em uma tentativa de amenizar aquele odor, segui com uma mão
sobre o corrimão, inconsequentemente subi naquele local de janelas fechadas e de um
puro breu, sentei-me no saguão da escadaria encostei as minhas costas contra a
parede, coloquei a minha cabeça sobre os meus joelhos, nunca em toda a minha vida
senti meu corpo tão pesado, afinal de contas o que estava acontecendo naquele lugar?
O que estava acontecendo ali? Meu pai será que eu ainda o encontraria com vida?
Catarine agora me odiava, estava fadado a solidão...
Foi quando ouvi passos... Eu apenas me abracei o mais forte que pude e rezei,
rezei para o tempo rezei para a chuva, rezei simplesmente para não morrer, não ali,
não daquele jeito, senti que alguém havia se ajoelhado a minha frente, não podia olhar,
as histórias sempre acabam mal quando você encara aquilo que lhe assusta. Mas se
existe algum mal no mundo, esse mal é a curiosidade e eu inconscientemente encarei
o que estava a minha frente, era apenas um vulto negro, não precisava de muitos
detalhes, mas esse vulto tinha o mesmo cheiro de dez anos atrás, era a minha mãe.
Ela colocou suas mãos geladas sobre o meu rosto, abriu o que seria um sorriso e
disse “É tudo culpa sua, eu contei a ele, eu contei a todos eles, mas ninguém quis
acreditar, agora saía e contemple!”. Naquele exato momento eu a empurrei, sai em
pânico, estava tremendo, tropecei e cai da escada já nos últimos degraus, ela ria e seu
riso ecoava em todo o casarão, eu apenas queria vomitar, apenas isso, sai e pude ver
o qual no topo aquele lugar ficava, era como se fosse uma casa igual a da prefeitura,
seria um réplica? Eu pude ver dali, a fumaça negra cercando tudo, corri em direção à
cidade, estava com esperanças deles já terem ido embora, dos mercenários terem
deixado todos em paz.
Quanto tempo fazia desde que toda a devastação havia começado? Há quanto
tempo eu estava fugindo e me escondendo de tudo aquilo? Continuei andando, agora
com calma, tudo aquilo que existia estava destruído, havia milhares de corpos ao chão,
não tive coragem nenhuma de olhar para eles, não queria saber de quem eram, pisei
em alguns, e senti várias vezes meu estômago se contorcer. Andei até o centro da
cidade, onde a confusão havia começado, no chafariz estava o corpo de Vovó, eu o
retirei, coloquei sentado do lado de fora, puxei a flecha que estava em seu crânio, era
diferente de todas as flechas que já tivera visto em minha vida, apesar de não ter visto
muitas, esta era fina, parecia-se mais com uma agulha, entretanto era firme e
levemente flexível a joguei de lado, tirei a minha blusa fina e limitei a cobrir vovó.
- Olha, o covarde da cidade tem misericórdia de alguém! Ao menos o corpo do
símbolo dessa cidade você socorre. - Ouvi uma voz zombeteira a me provocar.
Eu me levantei e encarei aquele sujeito, o ódio corria por todo o meu corpo, ele
era alto, uns dez centímetros mais alto que eu, tinha uma barba negra assim como os
cabelos e os olhos de um puro preto, à pele repleta de cortes, os cabelos chamuscados
pelo fogo, a pele alva e suas orelhas eram estranhamente pontudas.
- Saía daqui! – eu gritei, entretanto minha voz tremeluziu, porém lembro-me dos
meus olhos terem perdido toda a covardia.
- Calma, calma – o homem gesticulou – Calma potrinho, não precisa ficar arisco
agora, anda venha comigo! – ele se aproximou tentando pegar-me pelo braço, esquivei
– Pelo visto terei que agir do jeito difícil, não?
Eu o encarei, levei um tremendo soco e apaguei, simplesmente apaguei...