contra impugnantes - inferno

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Deus no castiga?

O mal de culpa consiste num operar; e o mal de pena num padecer.

Santo Toms de Aquino (De Malo, I, Art. 5, resp.)

Sidney Silveira

Lembro-me de que, h alguns anos, foi preciso corrigir a Apresentao encomendada para o primeiro volume da Questo Disputada Sobre o Mal editado pela Stimo Selo, num trecho em que se fazia aluso a uma das muitas imprecises (tecnicamente falando, heresias, digo hoje sem constrangimento) do erudito monge beneditino Estvo Bettencourt [1], falecido h trs anos. No caso, era a sua opinio de que o inferno seria, em verdade, no uma realidade gnea onde so atormentados os rprobos, mas o simples afastamento de Deus ocasionado pelo pecado. Em palavras simples, o inferno seria essencialmente um estado, e no um lugar [2] no qual padecero a pena eterna os demnios e os homens que morreram em impenitncia final, privados da graa santificante, dado que no estavam entre os eleitos por prescincia divina quer dizer, entre os predestinados salvao.

Ora, que os rprobos vivero a eternidade a retorcer-se, numa dor espiritual infinda, uma concluso fundamentada na Sagrada Escritura; mas dizer que ele no seja um castigo divino um grande erro teolgico que, defendido em qualquer outra poca anterior ao vendaval ps-conciliar vaticano-secundista, acarretaria imediatas sanes do Magistrio da Igreja ao opinitico telogo que a sustentasse. Afirmo isto porque, se escavarmos bem as premissas implicadas neste erro grave contra a f, veremos que, no fundo, est a pressuposio (em geral bastante maliciosa, embora pintada nas rseas cores das boas intenes) de que Deus no castiga ningum; o homem quem se castiga a si mesmo com o pecado.

O corolrio teolgico da verdade de f claramente expressa na Sagrada Escritura Apartai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o demnio e seus anjos, (Mt. XXV, 41) , e defendido por dois mil anos de Magistrio, bem outro: Deus castiga. E castiga porque justssimo e sapientssimo. Vejamos primeiramente o que ensina Santo Toms no Comentrio s Sentenas de Pedro Lombardo sobre o chamado mal de pena:

Duas coisas devem considerar-se na pena, a saber: a razo de mal, na medida em que privao de algum bem, e a razo de bem, na medida em que justa e ordenada. Alguns antigos, considerando a pena to-somente sob o aspecto de ser um defeito e um mal, disseram que as penas no procedem de Deus, erro em que parece ter cado [at] Ccero, como evidente em seu livro De officiis (II, 2); tais homens negaram a Providncia de Deus a respeito dos atos humanos. Da afirmarem que a ordem da pena (...) no existe por Providncia Divina, mas apenas pela justia do homem que a inflige, e que o defeito que est na pena no ordenado por Deus, mas acontece necessariamente por causas segundas, pois sustentavam esses homens que Deus produziu toda a realidade no ser como um agente que produz por necessidade natural (...). Mas esta posio errnea, como ficou evidente no Livro das Sentenas (I, d39), onde se mostra que a Providncia Divina se estende a todas as coisas.

Por esta razo preciso dizer que as penas procedem de Deus, mas de nenhum modo procedem dEle as culpas, embora a umas e a outras se chamem males. (...) A pena (...) no tem razo de mal ou de defeito porque procede do agente, j que as penas se infligem por uma ao ordenada do agente, mas tem razo de defeito e de mal apenas no sujeito que a padece e privado do bem por uma ao justa, e da que Deus o autor das penas, mas de modo diverso para penas diversas. Com efeito, umas penas so de dano, como a subtrao da graa e outras semelhantes; e Deus causa dessas penas. [in II, Sent., d37, art.2, resp.]

A frase seguinte desse texto de Santo Toms eu prefiro destac-la fora da citao, e o porqu j direi. Afirma o Aquinate: (...) Deus causa das penas no como quem obra, mas mais propriamente no obrando, pois do fato de que Deus no outorgue a graa j se segue a privao da graa. Quer dizer: Deus opera a pena simplesmente no outorgando a graa ao pecador que se perde, no momento da morte deste. Mas tal aparente inao fruto de um ato positivo da vontade divina, e a importncia deste esclarecimento porque algum poderia imaginar o seguinte: ao infligir esse tipo de pena sem obrar, Deus nada teria a ver com o inferno.

Pois bem. Na Suma Contra os Gentios (III, cap. CXLV), num trecho em que fala da justeza absoluta da lei divina, o Aquinate ensina de forma insofismvel: Os que pecam contra Deus no somente devem ser punidos pelo afastamento da bem-aventurana, como tambm pela experincia de algum mal. (...) Donde na Divina Escritura infligir-se aos pecados no apenas a excluso da glria (exclusionem a gloria), como tambm a aflio provocada por outras coisas. Assim (...) [Deus] far chover sobre os pecadores brasas de fogo; enxofre e vento flamejante sero a poro do seu clice (Sl. 10,7). Por esses argumentos [ou seja: os vrios arrolados anteriormente, e no somente os destacados por ora no blog] afasta-se a opinio [hertica] de Algazel, que afirmava que os pecadores s sero afligidos pela perda do fim ltimo[3].

A proposio de D. Estvo de que o inferno apenas um estado, e no um castigo infligido por Deus (o qual tem os demnios atormentadores como instrumentos da Providncia Divina) parte de uma fonte principal: a perda da verdadeira noo de sobrenatural, que o levou a enfatizar apenas as conseqncias naturais do pecado na alma (e no corpo) do pecador, e equivocamente projet-las no que ao seu ver seriam as penas do inferno. Ora, haver penas que so fruto direto do pecado, e muitas vezes ainda nesta vida se refletem no corpo, algo que mesmo Santo Toms jamais negou. (Ex.: um irado sente o sangue esquentar e a presso subir; o guloso sente o corpo pesar; o luxurioso, a imaginao desgovernar-se; etc.). Mas no caso da pena do inferno se trata propriamente de uma pena sobrenatural, e no de uma conseqncia devida a processos naturais, e muito menos de algo que decorra automaticamente do pecado, sem nenhuma participao da Providncia Divina, que a tudo abarca.

Em suma, reiteremos: de acordo com a doutrina catlica, a pena do inferno um castigo sobrenatural que se insere no plano da Divina Providncia e tem os demnios atormentadores como instrumentos da Justia de Deus.

___________

[1] Alm do naturalismo que permeia um sem-nmero de teses teolgicas de D. Estvo, uma das proposies difundidas em vrios de seus textos na conhecida publicao Pergunte e Responderemos a do poligenismo (ou seja: a opinio de que no houve Ado e Eva, mas um infindvel nmero de protoparentes, o que simplesmente joga por terra o dogma do Pecado Original).

[2] D. Estvo chama de infantil a viso do Inferno de Irm Lcia, e de forma bastante constrangedora para o fiel tradicional. Mas h bem mais: no Curso sobre Problemas de F e Moral, da Escola Mater Ecclesi (pg. 137), D. Estvo, depois de colocar num mesmo plano a viso de Dante e a de Irm Lcia o que j diz muito do seu modernismo , afirma com indisfarvel ironia que o inferno no um tanque de enxofre fumegante, com diabinhos asquerosos a atormentar os rprobos. O inferno um estado de alma em que a criatura humana se projeta caso morra num estado de averso a Deus ou em pecado grave. Deus respeita a opo da criatura que se autocondena a si mesma (grifos nossos!). Fecho aqui as aspas para dizer: so tantos os erros teolgicos graves contra a f implicados numa to curta proposio, que deixarei para enumer-los noutra oportunidade. Prossigamos com D. Estevo, na pg. 140 da mesma obra: A propsito, costuma-se perguntar o que julgar da famosa viso do inferno com que foi agraciada Lcia, a vidente de Ftima: [respondamos] viso adequada ao entendimento das crianas (...). Pois bem, contraponhamos isto ao que diz o Aquinate na Suma Teolgica (I, q. 64, art. 4, resp.), seguindo de perto o Magistrio, que ensina categoricamente que os demnios atormentam os condenados no inferno: Alguns [demnios] esto agora [antes do Juzo] no inferno atormentando aqueles que induziram ao mal. Ora, entre o Doutor Comum da Igreja e D. Estvo, no me perguntem com quem devemos ficar...

[3] Ou seja, a mesma heresia defendida por D. Estvo na obra supracitada (em nota na pg. 137), quando diz: ...[o inferno] se caracteriza, em grau mximo (...) pela privao de Deus. O monge beneditino, nesta passagem, parece desconhecer que a viso beatfica da essncia divina (felicidade sobrenatural absolutamente gratuita) tambm no prerrogativa das almas que esto no Limbo, as quais ainda assim tm uma felicidade natural. Ah, lembrei que a C.T.I. ps o Limbo no limbo..._______________________________________________________________________________

O fogo eterno, segundo o ensimamento da Igreja

Sidney Silveira

Um amigo querido do meu irmo que esteve muito prximo ao telogo Estvo Bettencourt no Mosteiro de So Bento do Rio, nas dcadas de 80 e 90 , ao ler o texto sobre o inferno no Contra Impugnantes, afirmou: diga ao Sidney que o inferno no uma realidade gnea (como ns ali afirmramos), e que D. Estvo estava certo.

Pois bem, com relao s premissas implicadas na tese de D. Estvo (sobretudo a de que Deus no castiga ningum, mas o homem quem se autocondena), o texto anterior e as citaes do Doutor Comum da Igreja, alm do prprio dado da Sagrada Escritura arrolado ali, respondem perfeitamente. E veja-se que me contentei com uma s citao, deixando de mencionar vrias outras nas quais se fala de fogo inextinguvel, Geeena de fogo, etc. A propsito, lembremos que Jesus ameaa os habitantes de Betsaida dizendo que, por sua impenitncia, tero um castigo muito mais severo do que os habitantes de Tiro e Sidnia (Mt. XI, 22). Ah, isso porque Deus no castiga ningum, como dizem os neotelogos...

Mas vamos a outro ponto.

claro que as caractersticas desse fogo eterno e portanto do lugar onde ele se encontra so desconhecidas de todos ns, com exceo dos Santos e msticos que tiveram vises clarssimas do inferno ainda nesta vida, como D. Joo Bosco, Santa Teresa de vila, a Irm Lcia em Ftima, etc. Mas estes, de acordo com o que d claramente a entender D. Estvo no texto citado, tiveram uma viso infantil e antropomorfizada do inferno.

Por ora, abstenho-me de citar inmeros textos de Padres da Igreja que falam do fogo eterno (como alguns bem conhecidos de Santo Incio de Antioquia e So Justino), para apenas verificar algo do que ensina o Magistrio, tanto ordinrio como extraordinrio:

- O Credo de Atansio, nos primeiros sculos da era crist, diz: Aqueles que fizeram o mal vo para o fogo eterno.

- A profisso de f do segundo Conclio de Lyon, ratificada no Decreto de Unio do Conclio de Florena, afirma: As almas daqueles que morrem em pecado mortal (...) descem imediatamente ao inferno, para ser castigadas, embora com penas desiguais (poenis disparis).

- O Papa Bento XII, na Constituio Dogmtica Benedictus Deus, frisa: (...) As almas dos que morrem em pecado mortal descem, imediatamente depois da morte, ao inferno, onde so atormentadas por suplcios infernais.

- O insuspeito Papa Bento XVI afirmou, em alocuo de 08/02/2008, durante um encontro que marcava o incio da Quaresma daquele ano, nada menos que o seguinte: O inferno existe, um local fsico e est cheio.

lugar teolgico seguro que, sendo um fogo eterno em torno do qual estaro confinados os rprobos, o inferno s pode ser mesmo um local, embora com propriedades fsicas distintas das que conhecemos atualmente, a ponto de no podermos arriscar um palpite seguro. At o grande So Gregrio Magno afirmava: Sobre isto [as propriedades do lugar nfero], eu no me atreveria a escrever (citado ad tertium em Dial., IV, xlii, en P.L., LXXVII, 400; cf. Patuzzi, De sede inferni, 1763; Gretser, De subterraneis animarum receptaculis, 1595).

Se levamos tambm em conta o dogma da ressurreio dos corpos, tudo isso corroborado. Assim, se os condenados, de acordo com o que ensina a Igreja, reassumiro os seus corpos, isto s poder acontecer num lugar pois todo corpo est inserido numa dimenso quantitativa, ou seja, est localizado. Isto para no falar na chamada pena dos sentidos, outro padecimento para os condenados, segundo a Igreja.

Por ora encerro o texto, pois estas indicaes parecem-me suficientes. E preciso ganhar meu po... Depois voltaremos ao tema. Apenas despeo-me do nobre amigo que deu razo a D. Estvo dizendo que os critrios de um telogo catlico devem ser sempre retirados da Sagrada Escritura, da Tradio e do Magistrio, alm do parecer dos Doutores da Igreja; quem opinou margem disso tudo, em geral, caiu em heresias mais ou menos graves._______________________________________________________________________________

A causa culpvel: o inferno real e os infernados deste vale de lgrimas

Sidney SilveiraEntre muitas outras coisas, o inferno a agnica rememorao perptua dos males cometidos, espcie de zurzir eterno do remorso que fustiga a conscincia, a ponto de deixar espao apenas para o dio transformado em mpeto perene. A alma, em tal estado, infelicita-se sumamente e sucumbe ao macabro mecanismo de co-responsabilizar a todos por sua infelicidade, inviabilizando o arrependimento. A comear por Deus, objeto do dio maior.

Diferentemente do que sucede s pessoas ms deste mundo, o rprobo no tem a possibilidade de fazer do esquecimento um ardil psquico com que possa cauterizar a conscincia e apagar as culpas, nalgum grau e durante tempos intermitentes. No! A dor do condenado a memria transformada em castigo conscincia de culpa imune a terapias ou a justificativas de qualquer tipo.Se nos fosse possvel aquilatar a latitude desse sofrimento que lembra para sempre das suas prprias causas culpveis, talvez antes de chegarem ao estgio em que a cura da alma impossvel muitas pessoas emendassem a vida. E aqui, quando dizemos causa culpvel, estamos acrescentando um vetor s formas clssicas de causalidade codificadas sobretudo por Aristteles e Toms de Aquino, seja no plano metafsico, seja no teolgico: causa material, causa eficiente, causa formal, causa final, causa modelar, causa instrumental, causa meritria, etc.Diga-se, antes de tudo, que a causa culpvel s se aplica aos entes dotados de inteligncia. No caso humano, ela aflora nos atos levados a cabo com maior ou menor negligncia voluntria na averiguao da verdade, mas pode chegar malcia, que no outra coisa seno a maldade praticada com certa cincia, com certa indstria e livre escolha. No caso diablico, muitssimo mais grave, a causa culpvel aflora na cincia antecedente e deliberao efetiva e plena do malefcio implicado na ao, a saber: a tentativa de acarretar o maior mal possvel a outrem. Em sua formulao mais generalista, a causa culpvel quando o agente poderia evitar os efeitos maus dela decorrentes. E ser mais ou menos culpvel numa escala que vai da maior ou menor ignorncia negligente perfeita conscincia do influxo causal inerente ao ato.Na perspectiva teolgica, podemos dizer que o demnio a causa culpvel remota dos maus atos humanos. Na perspectiva psicolgica, como o homem dotado de livre-arbtrio incoercvel potncia de escolha que radica na vontade , tal causa remota no pode ser absoluta, pois h e haver sempre a possibilidade de ele recusar o mal, no consentir. Portanto, o prprio homem causa culpvel prxima de sua infelicidade. E, diga-se a propsito, a infelicidade o signo perdurvel da vontade que frustrou o fim ao qual tende por natureza: o bem. Qualquer bem? Claro que no. Falamos do bem retamente assimilado pela inteligncia e devidamente hierarquizado e ordenado pela vontade.A vida espiritual genuna pressupe uma crescente viso das causas culpveis, e posterior afastamento delas. Crescer espiritualmente , pois, enxergar cada vez mais e melhor a realidade, at chegar compreenso de que a caridade ocupa o seu pice. Em contrapartida, a falta de vida espiritual de um homem caracteriza-se por atos enceguecidos quanto ao universo causal em que se do. O final dessa mortfera escada de Jac s avessas a incapacidade de abranger a viso no que diz respeito prpria histria pessoal, contemplada na perspectiva do seu conjunto.O problema que, no inferno aqui mencionado, o conjunto das causas culpveis estar dolorosamente iluminado na conscincia de cada um. Ao passo que, nesta vida, o truque satnico no qual uma pessoa pode cair viver na superfcie das pequenas satisfaes e insatisfaes cotidianas, alheia s conseqncias dos seus atos._______________________________________________________________________________

Como podem os demnios e as almas separadas do corpo sendo imateriais padecer o fogo do inferno

Sidney Silveira

Quando se diz que a metafsica, no plano natural, reitora de todas as demais cincias que lhe esto fundamentalmente subordinadas, por tomarem de emprstimo os seus princpios universalssimos , est-se afirmando que sem metafsica as demais cincias so de alguma forma capengas, e muito comum descambarem em erros primrios. Isto porque, como observa Gredt no monumental Elementa Philosophi Aristotelico-Thomistic, o objeto material da metafsica todo e qualquer ente (quodcumque ens), ao passo que o objeto formal da metafsica o ente abstrado pelo intelecto o ente totalmente imaterial (omnino imateriale). Ora, conhecer o que de per si imaterial conhecer a razo superior das coisas em suas causas ntimas e ltimas; por isso, ao vermos fsicos contemporneos falar sobre a origem do universo, matemticos palpitar sobre fenmenos qualitativos ou apressados gnosilogos inventar modos de conhecer quimricos, porque contrrios ou alheios s potncias da alma humana, constatamos de imediato a falta que faz uma slida formao metafsica.

No raro o investigador, chegando ao limite do escopo de sua cincia, defrauda-a ao querer ultrapass-lo sem possuir elementos ou instrumentos para tanto, e ento simplesmente produz m-metafsica gerando aberraes de que a histria da filosofia prdiga em tantos exemplos que, por vezes, se assemelha a um museu de bizarrices.

A propsito, a superioridade de Santo Toms de Aquino em relao mdia dos filsofos e das correntes de pensamento de todos os tempos est no fato de haver aplicado a sua metafsica do ser a todas as cincias por ele estudadas da universalidade de seus acertos em teoria do conhecimento, em antropologia, em psicologia, em moral, no direito, em poltica, em teodicia e at mesmo em teologia sagrada, que no obstante seja cincia subalternante em relao a todas as demais, devido ao grau de certeza que logra e ao objeto que estuda, tem a metafsica como ancilla, como instrumento.

Daremos um exemplo disto abaixo:

- um trecho das Questes Disputadas Sobre a Alma, na traduo de grande apuro tcnico de Luiz Astorga, que ainda no veio a lume pela editora simplesmente porque estamos inserindo vrias notas explicativas e tomando decises com relao a diferenas entre os textos latinos consultados para a traduo: o da edio leonina e do Corpus Thomisticum, do Prof. Enrique Alarcn. Tudo em prol de uma edio final definitiva em lngua portuguesa desta obra do Aquinate copiosa e densa.

Escolhi a parte da referida obra-prima em que o Anglico se pergunta como poderiam as almas separadas do corpo que j se encontram no inferno padecer a pena do fogo corpreo, sendo elas imateriais indagao que tambm serve para o caso dos demnios. Trata-se do respondeo da questo XXI, cuja concluso terrificante: a maior pena do inferno, como no poderia deixar de ser, o eterno afastamento de Deus, que os condenados experimentam com supina dor; o segundo maior tormento deles (assim como o dos demnios) estarem submetidos, presos, subjugados por algo fsico: o fogo, ente de grau ontolgico muito inferior. Para sua humilhao.

Leiamos agora o mestre:

Respondo. Deve-se dizer que, acerca da paixo da alma pelo fogo, propuseram-se muitas coisas distintas.

Alguns disseram que a alma no padecer pena por um fogo corpreo, mas que sua aflio espiritual metaforicamente designada nas Sagradas Escrituras sob o nome fogo. E foi esta a opinio de Orgenes.[1] Mas tal posio no parece ser suficiente com respeito a este assunto, porque, como diz Agostinho no livro XXI Sobre a Cidade de Deus,[2] convm entender que corpreo o fogo pelo qual sero atormentados os corpos dos condenados, e tambm o fogo pelo qual so atormentados tanto os demnios quanto as almas, conforme a sentena ditada pelo Senhor.

Assim, a outros pareceu que este fogo corpreo, mas que a alma no padece sua pena imediatamente por ele, mas sim por sua semelhana, segundo uma viso imaginria: assim como sucede aos que dormem e, pela viso de algo terrvel que parecem padecer, realmente se afligem, ainda que aquilo por que se afligem no sejam verdadeiros corpos, mas semelhanas de corpos.

Mas tampouco esta posio pode sustentar-se, porque se demonstrou anteriormente que as potncias da parte sensitiva, entre as quais se encontra a virtude imaginativa, no permanecem na alma separada.

Portanto, necessrio dizer que pelo prprio fogo corporal que a alma separada padece; mas de que modo padece difcil determinar. Alguns disseram que a alma separada padece o fogo pelo prprio fato de que o v. Disto trata Gregrio em seus Dilogos,[3] dizendo: a alma padece o fogo pelo prprio fato de que o v. Porm, como ver a perfeio do vidente, toda viso deleitvel enquanto tal. Donde nada aflitivo apenas na medida em que visto, mas sim na medida em que percebido como nocivo.

E por isso disseram alguns que a alma que v tal fogo e, percebendo-o como nocivo a ela, se aflige por isso. Disto trata Gregrio em seus Dilogos,[4] dizendo que a alma, ao ver-se sendo queimada, queima-se. Mas ento resta considerar se o fogo, segundo a verdade das coisas, ou no nocivo alma. Ora, se tal fogo no fosse nocivo alma segundo a verdade das coisas, ento se seguiria que [aquele que assim opina] estaria enganado em suas ponderaes pelas quais o considera nocivo. Mas isto parece impensvel, principalmente quanto aos demnios, que, pela agudeza de seu intelecto, excelem em conhecer as coisas naturais.

Logo, necessrio dizer que, segundo a verdade das coisas, tal fogo corpreo nocivo alma. Donde diz Gregrio em seus Dilogos,[5] a ttulo de concluso: Podemos coligir das sentenas evanglicas que a alma padece um incndio, no s olhando-o, mas tambm sentindo-o.

Logo, para investigar de que modo o fogo corpreo poderia ser nocivo alma ou ao demnio, deve-se considerar que o dano a algo no se lhe inflige na medida em que ele recebe aquilo que o perfaz, mas na medida em que ele impedido por seu contrrio. Da que a paixo da alma pelo fogo no se d segundo o modo da mera recepo (como o intelecto que padece o inteligvel e o sentido que padece o sensvel), mas na medida em que algo padece outro por via da contrariedade e do obstculo. E isto sucede de dois modos. De um modo, enquanto uma coisa impedida por seu contrrio no que tange ao ser que ela possui mediante uma forma que lhe inerente; e assim algo padece seu contrrio mediante alterao e corrupo, como a madeira que consumida pelo fogo. Mas uma coisa tambm impedida de outro modo, a saber, por algo que a obstaculiza ou contraria no que se refere sua inclinao: assim como a inclinao natural da pedra que seja levada para baixo, pode ser impedida por algum obstculo ou fora, de modo que por violncia se a faa repousar ou mover-se.

Ora, nenhum destes dois modos de padecer verdadeiramente penoso num ente desprovido de conhecimento, pois, onde no pode haver dor nem tristeza, no h a razo de aflio nem de pena. Em contrapartida, naquele que tem conhecimento, pode dar-se aflio e pena de ambos os modos, mas de maneira diversa. Pois a paixo que se d segundo a alterao por um contrrio produz aflio e pena segundo a dor sensvel (como quando um sensvel muito intenso corrompe a harmonia do sentido), e por isso a intensidade dos sensveis, principalmente os do tato, causa dor sensvel; seu abrandamento causa de deleite por ser conveniente ao sentido. A segunda classe de paixo, porm, no provoca pena segundo a dor sensvel, mas segundo a tristeza interior que se origina no homem ou no animal pelo fato de que algo, mediante certa virtude interior, apreendido como repugnante para a vontade ou para qualquer apetite. Da que as coisas que so contrrias vontade e ao apetite tambm aflijam, e s vezes mais do que as que causam dor sensvel; de fato, algum antes quereria ser golpeado ou gravemente afligido em seus sentidos do que suportar vituprios ou coisas do tipo, que so repugnantes para a vontade.

Pois bem, a alma no pode padecer o fogo corpreo segundo o primeiro tipo de paixo: pois no possvel que a alma seja por ele alterada ou destruda; da que no seja afligida pelo fogo de modo que por ele padea uma dor sensvel. Mas a alma pode padecer o fogo corpreo de acordo com o segundo tipo de paixo, na medida em que este fogo obstaculiza sua inclinao ou vontade.

E isto se evidencia da seguinte maneira: a alma e qualquer substncia incorprea , no que lhe compete por natureza, no est atada a nenhum lugar, seno que transcende toda a ordem corporal. Assim, que ela esteja ligada a algo, e determinada a um lugar por alguma necessidade, contrrio sua natureza e contrrio ao seu apetite natural; exceto quando est unida a seu prprio corpo, do qual forma natural e com o qual obtm certa perfeio.

Que uma substncia espiritual esteja ligada a um corpo no algo que sucede pela virtude que teria o corpo de deter a substncia incorprea, mas pela virtude de certa substncia superior que liga a substncia espiritual a tal corpo assim como tambm, mediante artes mgicas, com permisso divina, e pela virtude de demnios superiores, alguns espritos esto atados a certos objetos, sejam anis, imagens ou coisas deste tipo. E pelo referido modo, mas por virtude divina, que as almas e os demnios so atados ao fogo corpreo para sua pena. Donde dizer Agostinho no livro XXI Sobre a Cidade de Deus:[6] Por que no diramos que tambm os espritos incorpreos de modo admirvel, mas no obstante verdadeiro podem sofrer pena do fogo corpreo, se os espritos humanos, que de fato so igualmente incorpreos, tanto puderam agora ser encerrados em seus membros corporais quanto podero ento ser atados a seus corpos por laos indissolveis? Logo, os espritos aderiro, ainda que incorpreos, ao fogo corporal para ser atormentados; recebendo do fogo pena, e no dando vida ao fogo.

Assim, verdade que este fogo, na medida em que retm a alma ligada a ele por virtude divina, age na alma como instrumento da justia divina. E, uma vez que a alma apreende tal fogo como nocivo a ela, aflige-se com uma tristeza interior a qual ainda maior quando a alma considera o fato de que, nascida para unir-se a Deus desfrutando-o, est submetida s coisas mais baixas.

Por conseguinte, a maior aflio dos condenados provir do fato de que estaro separados de Deus; e a segunda, do fato de estarem submetidos a uma coisa corporal, justamente no lugar mais baixo e abjeto.

Santo Toms dixit. Consideremos, pois, atentamente.

A propsito, o lanamento desta obra do Aquinate com a qualidade com que est sendo preparada ser em breve o grande acontecimento editorial do pas.

1- Orgenes, De Principiis, II, 10 (PG 11, 236).

2- Santo Agostinho, De Civitate Dei, XXI, 10 (PL 41, 724-725).

3- So Gregrio Magno, Dial., IV, 29 (PL 77, 368).

4- So Gregrio Magno, Dial., IV, 30 (PL 77, 368).

5- So Gregrio Magno, Dial., IV, 30 (PL 77, 368).

6- Santo Agostinho, De Civitate Dei, XXI, 10 (PL 41, 724-725)._______________________________________________________________________________

O demnio no corpo e na alma: reflexos do inferno na cultura atual

Piercings, tatuagens e operaes cirrgicas feitas com o objetivo de deformar o corpo so estimulados pelaChurch of Body Modification.

Fs deMarilyn Manson*que se diz cidado do inferno renunciando publicamente ao Cu e se consagrando a Lcifer, durante um show do roqueiro.

Sidney SilveiraO demnio luta para apartar de Deus o maior nmero possvel de almas. Com as suas tentaes, obsesses ou possesses, o Maligno age em todos os mbitos da vida humana com o sistemtico propsito de deformar as almas conformando-as a si e, por conseguinte, apartando-as da religio fundada por Cristo em pessoa, hoje to combalida pelo modernismo que corrompe a sua doutrina em nvel at ento inimaginvel. Esta , a propsito, a grande luta que serve como sombrio pano de fundo de absolutamentetodaa histria humana, desde o paraso ednico at o Juzo Final. Sendo assim, por trs de todas as filosofias errneas, por trs de todadeformao do bem comum poltico, por trs de todo esfriamento da f que as almas tbias experimentam, por trs de todas as distraes pecaminosas que o mundo oferece, por trs de toda maldade,direta ou indiretamente, est o inimigo da nossa salvao.Como no poderia deixar de ser, a deformidade de uma alma que se deixa seduzir pelo mal sempre acarreta reflexos para o corpo: seja o indolente abatido pelaacdia; seja o descontrolado que no teve a fortaleza para reprimir os impulsos dairam; seja o lbrico cujaluxriase deixa entrever no olhar e, tambm, na tenso de certos movimentos corporais; sejao murmuradorque destila a suainvejacontra aqueles cuja excelncia, espititual ou material, odeia; seja o comilo que chafurda porcinamente nagula; seja o ganancioso deprimido pela prpriaavareza, que o torna to infeliz; seja o pretensioso que por suavaidadefaz malabarismos para colocar-se acima das demais pessoas; em suma, em todos esses casos, o corpo (ao qual a alma est indissociavelmente ligada como princpio superior) d sempre algum sinal das patologias anmicas.Mas diga-se que deformar o esprito o propsito maior do demnio, sendo as deformidades corporais um acidente, em sentido metafsico. A sua meta tornar o esprito humano canhestro, mesquinho, desmedidamente autoconfiante, soberbo, ganancioso, invejoso, distrado dos valores espirituais, avaro, vanglorioso, fantasmagoricamente sensual, refm de uma eriada escrupulosidade, pusilnime no cumprimento dos deveres morais mais elementares, etc. Por essas e outras, ensina Santo Toms naSuma Teolgicaque no pode haveramizadeentre homens e demnios, pelo seguinte: em sentido prprio,a amizade a comunicao objetiva de bens espirituais, e uma criatura cuja inteligncia seja obcecada pela soberba e a vontade esteja obstinada no mal no pode comunicar esse tipo de bens de ordem superior.Ora, toda vez que comunicamos a algum um contedo inteligvel qualquer, antes desconhecido por aquela pessoa umanotitia veritatis, diz-se por analogia que a estamos iluminando.Iluminar, pois, manifestar a verdadee, manifestando-a, mostrar a fundamental relao dela com o fundamento de todas as verdades: Deus. Mas no podem os demnios fazer isto justamente por causa de sua perversidade supina, que adere ao mal sem paixes e com plena cincia, razo pela qual o Doutor Anglico afirma queo objetivo do demnio diametralmente oposto a essa iluminao que culmina em Deus: subtrair as pessoas da ordem divina, manipulando o pior tipo de mentiras aquelas que usam de verdades isoladas para levar os homens ao erro com relao aos bens espirituais. Da ser ele propriamente o pai da mentira, opater mendacii.Pois bem: comeou-se dizendo que o mal da almaafeta o corpo. Ora, num mundo em que a Igreja depe, a olhos vistos, o Magistrio que custodia as verdades ensinadas por Cristo, nada mais conseqente e lgico do que amultiplicao das deformidades espirituaise, tambm, das corporais. Hoje assistimosa uma satanizao em massa, algo sem precedentes na histria humana por intermdio daquilo a que os idiotas chamam cultura , sob a omisso sumamente culpvel das autoridades eclesisticas, que, no raro a pretexto de defender a liberdade de expresso, deixam de condenar publicamente os erros e as barbaridades mais gritantes que afastam o homem de Deus. Assim, vemos grandes hordas de pessoas moral e fisicamente deformadas caminhar loucamente para o Inferno, muitas vezes sem o saber, amputando em si no apenas a semelhana divina, mas tambm deformando o corpo de forma impressionante.Na msica, no cinema, no teatro, na literatura, na poltica, e, enfim, na filosofia, vemos claros sinais de prticas e idias que literalmente fecham o homem ao influxo da graa. Ora, em qual poca poderamos conceber a existncia de umaChurch of Satan, como a que foi fundada nos EUA? Nem mesmo entre os pagos! Em qual poca poderamos conceber artistas que so claramente adoradores do Maligno, como por exemplo o roqueiro Marilyn Manson, que rasga bblias em seus shows e pede aos centenas de milhares de jovens que o assistem que renunciem publicamente a Cristoe aceitem a Lcifer como seu mestre (cfme. foto acima)? Em qual poca poderamos conceber uma Igreja da Modificao do Corpo (Church of Body Modification), na qual os adeptos materializam no prprio corpo consciente ou inconscientemente os sinais mais gritantes de dio a Deus?Por isso digo, amigos:nunca a omisso da Igreja foi to culpvel, pois hoje, com a Internet, com um sistema de informaes quase instantneo em nvel global, seria muito fcil no apenas evangelizarex cathedra, como condenar solenemente essa cultura dos infernos. Ao escrever isto acabo de me lembrar de um padre neoconservador aqui do Rio de Janeiro um desses afogados no superficialismo formalista que me disse, para assombro meu, que a Igreja no pode anatematizar nada no plano da cultura, para no fazer publicidade das coisas ms... Ao que respondi dizendo que acausa finaldo antema no haver ou no publicidade no mundo de determinada obra ou mentira, mas trabalhar para salvar as almas da perdio por meio de uma clara e magisterial defesa da verdade crist e conseqente condenao dos erros. A continuar nesse compasso, periga acabar bispo esse padre!O fato que a Igreja prefere hoje dizer que no canoniza nenhuma filosofia em detrimento das demais (como na mencionadaFides et ratio); prefere pregar o ecumenismo, em detrimento do discurso apostlico de converso a Cristo e ataque aos falsos cultos e s falsas religies. Algum porventura imagina So Paulo, o Apstolo dos Gentios, dizendo aos romanos que gostaria de manter com eles um frutuoso dilogo inter-religioso e crescer em comunho na verdade e no aprendizado com os seus deuses pagos? Porventura Cristo pode aprender algo com Nicodemos ou, o que pior, com os mitlogos gregos ou romanos? Ora, pensemos nos mrtires que cristianizaram o mundo dando o seu sangue, e teremos noo do tamanho da absurdidade do ecumenismo, em qualquer das suas sofsticas formulaes...Encerro este breve texto observando que,de todas as maldadescoordenadas pelo Maligno e por seus malditos servidores humanos,as mais sutis so as que se infiltram na filosofia e, tambm,na teologia, pois impedem a formao de uma elite espiritual sem a qual nenhuma sociedade pode tonar-se s. Invertem a ordem das verdades e inoculam entre elas um conjunto de erros to metodicamente perpetrados, que a sua ao impressiona a quem se colocou em situao capaz de testemunh-la. Noutro texto, falaremos de algumas dessas idias difundidas no mercado nfero-brasileiro das pseudofilosofias liberais.* Onde estava escrito o nome de outro satanista, Charles Manson, leia-seMarilynManson. Na hora de escrever troquei os nomes, por distrao... De toda forma, seja um ou outro, o que importa que so odiosas tais criaturas, assim como todas as que lhes prestam um diablico culto idoltrico e ter contato voluntrio com elas, procurando saber amide ou com riqueza de detalhes o que fazem ecomofazem, implica por si s um enormssimo pecado que clama aos cus. Basta saber que so publicamente contra Cristo e a favor do demnio para que as odiemos com todas as nossas foras e nos apartemos delas.